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JOSÉ ADELMO DOS SANTOS SISTEMA AGROECOLÓGICO DE PRODUÇÃO E CONSERVAÇÃO DE FORRAGENS NA AGRICULTURA FAMILIAR - A EXPERIÊNCIA DO SERTÃO DO PAJEÚ – PERNAMBUCO. Trabalho de Conclusão apresentado ao Departamento de Ciências do Solo da Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do curso de Pós- Graduação Lato Sensu em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Agrícolas, para a obtenção do título de Especialista em Gestão Ambiental. Prof. Orientador Dr. Gabriel José de Carvalho LAVRAS - MG 2008

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JOSÉ ADELMO DOS SANTOS

SISTEMA AGROECOLÓGICO DE PRODUÇÃO E CONSERVAÇÃO DE FORRAGENS

NA AGRICULTURA FAMILIAR - A EXPERIÊNCIA DO SERTÃO DO PAJEÚ –

PERNAMBUCO.

Trabalho de Conclusão apresentado ao Departamento

de Ciências do Solo da Universidade Federal de

Lavras, como parte das exigências do curso de Pós-

Graduação Lato Sensu em Gestão e Manejo

Ambiental em Sistemas Agrícolas, para a obtenção do

título de Especialista em Gestão Ambiental.

Prof. Orientador Dr. Gabriel José de Carvalho

LAVRAS - MG

2008

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JOSÉ ADELMO DOS SANTOS

SISTEMA AGROECOLÓGICO DE PRODUÇÃO E CONSERVAÇÃO DE FORRAGENS

NA AGRICULTURA FAMILIAR - A EXPERIÊNCIA DO SERTÃO DO PAJEÚ –

PERNAMBUCO.

Monografia apresentada ao Departamento de Ciências

do Solo da Universidade Federal de Lavras, como

parte das exigências do curso de Pós-Graduação Lato

Sensu em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas

Agrícolas, para a obtenção do título de Especialista em

Gestão Ambiental.

APROVADA em _____ de _________ de ______.

Prof. Orientador Dr. Gabriel José de Carvalho

UFLA

LAVRAS

MI NAS GERAIS – BRASIL

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AGRADECIMENTOS

À Deus, Criador, Onipotente, Onipresente e Oniciente, pelo dom de viver e pela graça e fortaleza

dispensada na minha vida.

Aos meus pais, Luiz Cipriano dos Santos (in memoriam) e Antonia Pereira dos Santos, pela

minha existência e oportunidade de poder estudar e me fazer vitorioso e feliz.

À minha família, pelo apoio e compreensão para a concretização desse projeto.

A amiga, Maria Sarah Cordeiro Vidal , “Sara”, pela força dispensada na realização deste curso de pós-graduação.

Ao Projeto Dom Helder Camara, pelo espaço de aprendizagem, oportunizado antes e durante a

realização desse curso.

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“A filosofia antiga que predominava era aquela de molhar o Nordeste. Modificar o ambiente para o homem se adaptar a ele. A história, a vida, os trabalhos, os estudos mostraram que é preciso preparar o homem para ele bem se adaptar aquela região como ela é e fazer ali uma civilização com as cores do ambiente.”

(Guimarães Duque)

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SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES................................................................................................... 5

LISTA DE FIGURAS............................................................................................................. 6

LISTA DE TABELA .............................................................................................................. 7

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 8

2. REVISÃO DE LITERATURA ......................................................................................... 9

2.1. O Projeto Dom Helder Câmara ................................................................................ 9

2.2. Conservação de Forragens....................................................................................... 9

2.3. Silo Anel ................................................................................................................. 10

2.4. O Semi-árido brasileiro ........................................................................................... 10

2.5. Manejo alimentar dos rebanhos no Sertão do Pajeú................................................ 12

2.6. A Caatinga .............................................................................................................. 13

2.7. Forrageiras utilizadas para ensilagem e fenação ..................................................... 13

2.8. Manejo sustentável da caatinga ............................................................................... 16

3. METODOLOGIA ............................................................................................................. 21

3.1. Caracterização da microrregião do Sertão do Pajeú ............................................... 21

3.2. Assessoria técnica e gestão social ......................................................................... 23

3.3. Abordagem dos aspectos físicos e técnicos para implantação dos

sistemas de produção e conservação de forragens ................................................... 24

3.3.1. Principais orientações técnicas para construção e enchimento do silo anel ......... 26 4. CONSIDERAÇÕES GERAIS .......................................................................................... 28

4.1. Implantação dos sistemas de produção e conservação de forragens:

obstáculos e medidas de superação ......................................................................... 28

4.1.1. O calendário agrícola ......................................................................................... 29

4.1.2. Participação dos agricultores/as ......................................................................... 30

4.1.3. Análise dos impactos ambientais ........................................................................ 30

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 32

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 33

ANEXOS .............................................................................................................................. 35

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 10 : Paisagem da caatinga período de estiagem.................................. 18

Foto 11 : Paisagem da caatinga período chuvoso ........................................ 18

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LISTA DE FIGURAS

Mapa da microrregião do Sertão do Pajeú – Pernambuco...................................... 22

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LISTA DE TABELA

Tabela 1: Composição química e valor nutritivo da silagem de sorgo e milho ....... 15

Tabela 2: Participação da pecuária do Nordeste na produção nacional (em %) ....... 18

Tabela 3 : Relação de material para construção de 1 silo anel ................................... 26

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1. INTRODUÇÃO

No Semi-árido, a criação de pequenos animais, sobretudo caprinos e ovinos consiste em uma das

principais alternativas de geração de renda para a agricultura familiar, dentro de um sistema produtivo

diversificado, na opinião de Ribeiro (2007), a caprino-ovinocultura responde em grande parte pela

sobrevivência das famílias sertanejas, em futuro próximo será uma atividade empresarial de largo alcance

social para o sertanejo e de grande rentabilidade financeira.

A alimentação dos animais nos períodos de estiagem e principalmente de secas prolongadas é um

dos principais problemas enfrentados pelos agricultores familiares dessa região.

Como proposta de convivência com o semi-árido, destaca-se a produção e conservação de

forragens para os animais nos períodos de estiagem. Esta estratégia consiste no cultivo de plantas

forrageiras, com culturas adaptadas às condições climáticas da região, o aproveitamento da caatinga

através do manejo sustentado e a produção e conservação de silagem, armazenada em silo tipo anel.

A escassez de alimentos para os rebanhos nos períodos de seca torna-se o principal entrave para os

pequenos criadores, caracterizados como agricultores familiares. A ensilagem é uma técnica de

conservação de forragens que ocorre por meio de fermentação anaeróbica, após o seu corte, picagem,

compactação e vedação em silos. Considerada uma das práticas mais consistentes de conservação de

forragens para alimentação dos animais nos períodos de estiagem no semi-árido brasileiro.

Para armazenamento de forragem no semi-árido existem várias opções, dentre elas as que mais se

destacam são: o silo trincheira (escavado na terra); o silo de superfície (coberto com plástico e terra ou

tipo cincho); os tambores de metal (fechados com tampa de metal ou de plástico); os sacos ou tubos

plásticos (Banco do Nordeste, 2002).

Todas essas tecnologias são bastante utilizadas pelos produtores da região, todavia, o silo anel

apresenta algumas vantagens para os pequenos criadores, quais sejam: O baixo custo de implantação; sem

custos de manutenção nos primeiros anos; a fácil assimilação e apropriação pelos agricultores; e, o baixo

percentual de perda do material ensilado, em torno de 2%, quando produzida corretamente, a silagem

praticamente não perde os nutrientes.

O projeto tem como objetivo geral sistematizar a experiência de produção e conservação de

forragens com 1.150 agricultores familiares de 70 comunidades e assentamentos rurais do Sertão do Pajeú,

Estado de Pernambuco. Desta forma, pretende-se abordar sobre a avaliação técnica e metodológica, a

análise do processo de implementação do projeto considerando os entraves e as de superações encontradas

pelos agricultores e os demais sujeitos envolvidos.

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2. REVISÃO DE LITERATURA

2. 1. O Projeto Dom Helder Câmara

Este trabalho faz uma abordagem da experiência do Projeto Dom Helder Câmara (PDHC) na

produção e conservação de forragens para alimentação dos rebanhos de pequenos criadores de

assentamentos rurais e comunidades de agricultura familiar do semi-árido nordestino, tendo como base de

dados a experiência em 70 comunidades e assentamentos do Sertão do Pajeú, estado de Pernambuco, que

atendeu diretamente 1.150 famílias beneficiárias do projeto.

O PDHC desenvolve um programa de ações referenciais para o desenvolvimento sustentável do

semi-árido, buscando investir no ser humano na perspectiva de garantir a segurança alimentar e hídrica,

melhoria da renda, o empoderamento de agricultores familiares na formulação, implementação e controle

social de políticas públicas.

Dentro desse contexto o PDHC tomou a iniciativa de apoiar o desenvolvimento de um projeto

territorial de produção e conservação de forragens para os animais nos períodos de estiagem. A proposta

partiu de iniciativas locais de forragicultura desenvolvidas por agricultores experimentadores e

organizações não governamentais parceiras de assistência técnica nas comunidades rurais e assentamentos

de reforma agrária da região.

2.2. Conservação de Forragens

A produção e conservação de forragem para os animais nos períodos de estiagem e principalmente

de secas prolongadas - um problema histórico enfrentado pelos produtores do semi-árido - tem

apresentado um grande impacto na melhoria e reprodução dos rebanhos caprinos e ovinos, que,

juntamente com a prestação de assistência técnica aos agricultores e agricultoras familiares no manejo

sanitário, reprodutivo e nutricional, são estratégias do PDHC para a sustentabilidade econômica, social e

ambiental de comunidades e assentamentos rurais em que atua.

Todavia, para as condições do Semi-árido, as forrageiras mais indicadas para o processo de

ensilagem são o sorgo, o milho, capim elefante e cana forrageira, segundo Silva & Brito (s/d) para as

condições do Semi-árido sob cultivo de sequeiro (dependente de chuva) a cultura testada e aprovada por

resultados de pesquisa são as cultivares de sorgo forrageiro.

A tecnologia da ensilagem é necessária para atender as necessidades básicas de alimentação dos

animais nos períodos de estiagem. Os resultados das unidades demonstrativas de produção e conservação

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de silagem desenvolvidas pelo PDHC no Sertão do Pajeú, em 2005, proporcionaram melhoria dos

pequenos rebanhos em relação aos mesmos períodos de estiagem de anos anteriores, mantendo a

reprodução e evitando o descarte de animais por falta de alimento, prática ainda muito comum dentro do

manejo tradicional entre os agricultores da região.

2.3. Silo Anel

A capacidade de um silo anel é de 1,2 toneladas de silagem, o material utilizado é composto por

gramíneas (milho, sorgo, capim elefante e cana forrageira); espécies leguminosas (leucena, guandú e

gliricídia) e ainda a maniçoba. Estas culturas apresentam alto valor nutritivo e protéico, consideradas

fundamentais na composição nutricional da alimentação dos animais.

A forragicultura é uma das estratégias mais importantes para o enfrentamento da problemática da

seca no Semi-árido. Para tanto, optou-se pela utilização do silo anel por se tratar de uma tecnologia

alternativa para armazenamento e conservação de silagem, de baixo custo e de fácil assimilação pelas

famílias agricultoras. O sistema de produção proposto conta ainda com o cultivo de plantas forrageiras

resistentes, a exemplo do sorgo granífero, gliricídia, leucena, guandu, cana forrageira e capim elefante,

cultivados em sistema de consórcio, além do aproveitamento das plantas nativas da caatinga, utilizando

técnicas de manejo sustentado que garantem a reserva de alimentos para os animais nos períodos de

escassez.

2.4. O Semi-árido brasileiro

A Região Nordeste ocupa 18,27% do território brasileiro, com uma área de 1.561.177,8 km².

Deste total, 962.857,3 km² situam-se no Polígono das Secas, delimitado em 1936, através da Lei 175, e

revisado em 1951. O Polígono abrange oito estados nordestinos (o Maranhão é o único estado nordestino

fora do Polígono das Secas), além da área de atuação da ADENE em Minas Gerais, com 121.490,9 km², e

compreende as áreas sujeitas repetidamente aos efeitos das secas. Já o Semi-árido ocupa 841.260,9 km² de

área no Nordeste e outros 54.670,4 Km² em Minas Gerais e caracteriza-se por apresentar reservas

insuficientes de água em seus mananciais, (IBGE 1980)

Em 1980, o censo do IBGE apontou uma distribuição eqüitativa da população do Nordeste, em

que 50,46% viviam na zona urbana e 49,54%, na rural. No entanto, entre 1980 e 1991, houve uma redução

na população rural, que emigrou para as grandes cidades, devido às secas ocorridas neste período. De

acordo com o censo de 1991, 60,35% dos nordestinos estavam nas áreas urbanas e 39,35% permaneciam

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no interior. De acordo com o IBGE, em 1996, mais de 27 milhões de pessoas moravam na Região do

Polígono das Secas e mais de 18 milhões, no Semi-árido.

Em 1989, a área do Polígono das Secas, correspondia a 64,4% da área de jurisdição da SUDENE

(1.682.668,70 km²), elevando-se sua participação na superfície do Nordeste, em 1936 de 43,2% para

64,4%, em 1989.

Essas mudanças ocorridas na área limítrofe do Semi-árido brasileiro ao longo de décadas têm

possibilitado a ampliação do território na perspectiva de atendimento dessa população com políticas

públicas que possam diminuir os índices de pobreza na região. Com a instituição em 1989 do Fundo

Constitucional do Nordeste - FNE, o espaço de ocorrência de secas no Nordeste passou a ser denominado

de Região Semi-árida do FNE, de acordo com a Lei nº 7.827, de 27/09/89. A Região Semi-árida do FNE

abrange porções variáveis dos Estados situados na área de jurisdição da SUDENE, integrada pelo

Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe e Bahia, e Norte de Minas

Gerais. Sua delimitação depende de um único critério: a precipitação pluviométrica municipal inferior a

800 mm. Sua superfície total é de 900.485 km², integrada em 2000 por 1.031 municípios (Carvalho,

2001).

Ainda sobre a dimensão territorial do Semi-árido, Ribeiro (2007), afirma que o semi-árido

brasileiro é uma vasta região, que corresponde a uma área igual a seis estados do Sul e Sudeste do país

(Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro) que totalizam

920.481 km².

Estudos indicam que o fenômeno das secas remonta há milhares de anos, antes mesmo da

ocupação humana no Nordeste brasileiro, Sudene 1990 (APUD Santana, 2007). De acordo com dados da

Coordenação de Defesa Civil da extinta Sudene, a ocorrência de secas na região se verifica desde antes da

chegada dos europeus ao continente. Alguns vestígios de barragens foram encontradas em rios do Estado

do Ceará, o que, segundo relato do historiador Pompeu Sobrinho (s/d), mostra que o homem nativo do

Nordeste já utilizava pedras para represar a água dos rios.

As causas das secas têm proporção planetária e são influenciadas por diversos fatores, dentre os

quais vale destacar: diferença de temperatura superficial das águas do Atlântico Norte, que são mais

quentes, e do Sul, frias; deslocamento da Zona de convergência intertropical para o Hemisfério Norte, em

épocas previstas para permanência no Sul; e o aparecimento do fenômeno conhecido como El Niño,

caracterizado pelo aumento da temperatura no Oceano Pacífico Equatorial Leste. A topografia acidentada

do Nordeste e alta refletividade da crosta são os principais fatores locais inibidores da produção de chuvas,

Sudene 1990 (APUD Santana, 2007).

O Nordeste do Brasil é talvez a região do país sobre a qual mais se escreveu até hoje. Ao longo da

história, a região tem sido tratada como uma questão a ser resolvida – a questão Nordeste, ganhando o

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estigma de “região problema”, já que guarda em seu conjunto os piores índices de desenvolvimento

econômico e social do país. Ao lado disso, a região possui características naturais singulares no Brasil,

tendo em boa parte de seu território a ocorrência do clima semi-árido, Adene 2000 (APUD Santana,

2007).

Característica natural deste clima, a seca compõe o principal elemento do imaginário regional

veiculado e difundido nacionalmente através dos meios de comunicação e da bibliografia acadêmica.

Nestes trabalhos, além da ligação forte entre a sociedade e a natureza, na maior parte deles, a natureza é

trabalhada discursivamente como a causa principal do atraso regional. A seca, bem como a escassez de

água no Sertão, são apontadas, na maioria dos discursos, como as grandes responsáveis pela miséria que

atinge a região. Segundo Castro (1994,1996), que discorda dessas afirmativas, o clima árido da Califórnia

ou de Israel não lançou suas populações em um estado de miséria. A existência de populações miseráveis

ou ricas em diferentes regiões semi-áridas do globo aponta para os diferentes padrões de ocupação ao

longo da história como a principal razão dos desníveis regionais existentes no Semi-árido.

Essa associação entre clima e pobreza revela um tratamento determinista da questão que

contamina, mesmo que inconscientemente, boa parte da produção intelectual e cultural sobre a região.

Ainda permeando esse argumento, do ponto de vista do discurso regional, pode-se falar na

existência de um determinismo geográfico nordestino, que acompanha até hoje o imaginário da região,

apesar de teorias deterministas há muito serem rechaçadas por grande parte dos geógrafos.

Dentro da perspectiva político e social sobre o Semi-árido, alguns autores, em especial Carvalho

(1988) e Castro (1996), mostram que a permanência desse discurso está ligada às estratégias da elite

regional conservadora para conseguir maior participação na divisão das verbas federais. Tal fato evidencia

a importância da interpretação do discurso, na medida em que este é um forte instrumento de legitimação

da atuação dos diferentes grupos sobre o espaço.

2.5. Manejo alimentar dos rebanhos no Sertão do Pajeú

Os sistemas tradicionais de produção pecuária usam práticas que dispensam o uso de tecnologias.

Desta forma, durante a época das chuvas a caatinga produz alimentos que servem para todos os animais,

que se alimentam exclusivamente dessa vegetação. A partir da escassez da oferta de alimentos pela

caatinga, os produtores passam a oferecer ao rebanho uma suplementação volumosa, formada a base de

restos de cultura e/ou forrageiras plantadas. Considerando que os animais bovinos detêm maior

importância para os criadores, estes recebem primeiro a suplementação, seguido dos ovinos. Os caprinos

por serem animais mais resistentes e adaptados ao clima semi-árido passam a receber suplementação

alimentar quando a vegetação da caatinga se encontra em situação crítica (EMBRAPA, 2006).

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Segundo Silva, V.M. & Brito, J.; (s/d.), quando essa suplementação é insuficiente, cactáceas e/ou

outras forrageiras resistentes à seca, presentes na caatinga são fornecidas aos animais. Quando também

essas se tornam insuficientes, vendem parte dos animais para comprar alimentos para os restantes. Se tudo

isso falhava, resta a todos os animais encontrarem na caatinga seus alimentos. Ressalta-se que deve ser

considerado que existem disponibilidades de pastagens e sistemas de alimentação diferentes entre os

microclimas da região.

Tem-se constatado também, de acordo com os mesmos autores que a escassez de alimentos para

os animais nos períodos de estiagem tem se agravado com a dizimação da cultura da palma forrageira, a

mais importante forrageira utilizada nas secas mais prolongadas.

Na tentativa de substituição da palma, o plantio do capim buffel e outros monocultivos têm trazido

impactos ambientais, pois o sistema permite o desmatamento da caatinga, e como conseqüência a

degradação do solo, contribuindo para processos mais acentuados de desertificação.

2.6. A Caatinga

O bioma da caatinga possui suas características próprias, Silva, V.M. & Brito, J.; (s/d.) afirmam

em seus estudos que a vegetação nativa do semi-árido nordestino é predominantemente de caatinga em

suas várias fases (capoeira fina, capoeira grossa, caatinga aberta, caatinga fechada, etc). Essas são fases

sucessionais crescente até o atingimento do clímax. O aproveitamento da caatinga está relacionado com

essas fases, como também com as condições locais (tipos de solo, se planos ou montanhosos, distância de

áreas urbanas, de pólos comerciais, etc). É necessário se pensar no uso racional da vegetação nativa, ou

seja, na exploração de estacas, mourões, madeira de lei, essências medicinais, alimentícias, produção de

mel de abelha, atividade pastoril etc., o que pode ser feito ao mesmo tempo (uso múltiplo), porém em base

conservacionista visando-se o equilíbrio ambiental. A vegetação nativa ocupa ou corresponde a toda uma

região.

A caatinga é bastante rica em relação ao pasto nativo. As plantas rasteiras, as herbáceas e as

arbustivas, plantas de médio porte formam uma grande diversidade que compõem a alimentação dos

animais. Sendo a criação e produção dessa pastagem nativa condicionada ao período chuvoso, que varia

entre 3 e 4 meses ao ano, o restante do ano é de escassez, (Silva, V.M. & Brito, J.; s/d.).

2.7. Forrageiras utilizadas para ensilagem e fenação

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A escassez de forragem nos períodos de estiagem, aliada ao baixo valor nutritivo das forrageiras,

tem provocado entre outros fatores, baixos índices de produtividade na nossa pecuária. Como em vários

países, a utilização de técnicas de conservação de forragem como a fenação e a ensilagem, no Semi-árido

brasileiro apresentam condições favoráveis, tendo em vista a produção da biomassa da caatinga no período

chuvoso, (Silva, V.M. & Brito, J.; s/d.).

Para superação do problema climático, a alternativa que muitos agricultores do Semi-árido

desenvolvem é a fenação. Uma técnica fácil que implica na secagem da planta forrageira e armazenada em

forma de feno. As plantas mais conhecidas e utilizadas pelos agricultores da região são gitirana,

feijãozinho, erva de orelha, capim mimoso, capim buffel, mororó, feijão bravo, moleque duro, quebra-

faca, catingueira, maniçoba, entre outras.

Ainda segundo os mesmos autores, a fenação das espécies lenhosas é um pouco diferente da

fenação de capins e outras ervas. O material distribuído dentro da vegetação nativa poderá ser colhido

conjuntamente, ou seja, catingueira com feijão bravo, com maniçoba etc. O material selecionado (talos

finos e folhas) poderá ser triturado em máquina forrageira e depois depositado sobre lona exposta ao sol

para eliminação da umidade, até atingir o ponto de feno, quando será guardado em sacos ou a granel em

armazém ou galpão. O processo de fenação poderá melhorar o consumo de muitas plantas, como nos

casos do mata pasto liso e do capim amargoso (fenado naturalmente), e também, eliminar princípios

tóxicos, no caso da maniçoba. As gramíneas buffel e capim corrente, bem como as leguminosas leucena,

orelha de onça e a euforbiácea maniçoba, encontrada em grande quantidade na caatinga, são utilizadas na

confecção de feno para alimentação animal, (Silva, 2007).

Para a técnica de ensilagem, algumas plantas forrageiras como o sorgo, milho e capim elefante

entre outras, vêm sendo largamente utilizadas na produção de silagem. O milho e o sorgo têm sido

apresentados como as espécies mais adaptadas ao processo de ensilagem pelas facilidades de cultivo, alto

rendimento e pela qualidade da silagem produzida.

A ensilagem é o processo de armazenamento da forragem verde em silos, para ser utilizada no

período seco, quando ocorre escassez de forragens naturais. A silagem é o resultado do processo de

ensilagem após as mudanças sofridas pela forragem por meio da fermentação, na ausência de oxigênio.

Ainda segundo o autor, as forrageiras mais indicadas para ensilagem são milho, sorgo, capim,

elefante, entre outras. O milho e o sorgo são de uma maneira geral as gramíneas mais indicadas para

ensilagem, por apresentarem quantidades satisfatórias de açúcares e uma alta produção de massa verde por

hectare. Considerando as condições climáticas do Semi-árido, sob o cultivo de sequeiro, o sorgo apresenta

maior resistência e produtividade que as demais culturas.

A partir de suas características e composição bromatológica, o sorgo (Sorghum bicolor) é uma

forrageira bastante conhecida na região, que se destaca pela sua capacidade de reduzir a atividade

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vegetativa em condições desfavoráveis, sendo utilizada, principalmente, na forma de silagem. Algumas

vantagens do sorgo valem ser destacadas, como maior resistência à seca; menor exigência quanto ao solo;

produz mais do que o milho em regiões secas; produz tanto quanto o milho em regiões úmidas; produz

mais massa verde; possui sistema radicular mais desenvolvido; folhas apresentam-se cobertas de cera;

quando submetido a estresse hídrico é capaz de reduzir a atividade vegetativa, entrando em latência, e

voltando ao normal quando cessa o estresse, (Silva, 2007).

A silagem do sorgo é equivalente a do milho, (Tabela 1). O ponto ideal pra colheita está entre 90 e

110 dias após o plantio com grãos no estagio pastoso farináceo (apertando não sai leite). Para conservar

bem o valor da silagem é preciso fechar e compactar bem o material no silo, permitindo assim a

fermentação da planta pela ação das bactérias anaeróbicas.

Na Tabela 1, estão apresentadas a composição química e o valor nutritivo da silagem produzida

com o sorgo e o milho.

Tabela 1: Valor Nutritivo das Silagens de Sorgo e Milho (%)

Item Silagem de Sorgo Silagem de Milho

MS 37,60 35,63

PB 5,50 6,50

FB 25,80 22,30

DIVMS 68,00 72,00

Ca 0,43 0,36

P 0,12 0,22

K 1,18 1,57

Fonte: (Silva, 2007)

O Guandu ou Andu (Cajanus cajan (L.) outra espécie importante, apresenta habilidade para

produzir em solos com "déficit" hídrico. Na alimentação animal, o guandu oferece diversas opções,

podendo ser utilizado como forragem verde, feno, em pastagem consorciada no pastejo direto ou ainda

como componente na produção de silagem, Silva & Brito (s/d).

A gliricídia (Gliricidia sepium) é uma planta originária da América Central, resistente à seca.

Quando o diâmetro do seu caule é bem desenvolvido, apresenta o cerne preto, daí o nome na Nicarágua

ser “madero negro”. Esta madeira é incrustada por uma espécie de cera que a torna extremamente

resistente como estaca, mesmo sendo enterrado em lugares encharcados, dura um tempo incalculável.

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Quando verde não é apetecida pelos animais, entretanto quando fenada é aceita sem resistências. Suas

folhas têm um aroma desagradável, tornando-a um verdadeiro repelente para insetos, notadamente a

mosca branca. É possível que venha a ser matéria prima para repelentes de uso agrícola e doméstico, Silva

& Brito (s/d).

O Capim elefante (Pennisetum purpureum) é uma gramínea que possui potencial produtivo e

valor nutritivo elevados, palatabilidade, de fácil cultivo e de potencial para ensilagem. Os teores de

Proteína Bruta (PB) do capim-elefante variaram de 2,3 a 9,42%. Por se tratar de uma planta forrageira

mais exigente em água, o cultivo é predominante em áreas de baixios ou vazantes, quando não é irrigado.

O primeiro corte é feito quando ele está bem entouceirado. Para os cortes seguintes nunca deixar passar de

60 dias. O capim elefante é considerado uma das forrageiras mais importantes utilizadas pelos agricultores

na produção de silagem, juntamente com a cana forrageira, o milho e o sorgo, Silva & Brito (s/d).

2.8. Manejo sustentável da caatinga

Os conceitos e concepções sobre o manejo sustentável da caatinga, mesmo sendo recentes, têm

impulsionado o debate e fomentado atitudes e ações que apontam para mudanças de paradigmas do que

diz respeito a exploração, conservação e preservação do bioma caatinga, único no mundo com essas

características peculiares.

Os estudos de Maia (2006) abordam o manejo como a constante preservação e renovação da

base de produção, com o objetivo de perpetuar eternamente a produção. Essas informações são

importantes para lidar com produção agrícola, pecuária, florestal etc. A preocupação que se tem com o

manejo sustentável é no sentido de que preservados os recursos naturais da caatinga, com um manejo

adequado é possível a manutenção da produção agrícola e pecuária sem esgotar ou degradar o

ecossistema.

A sustentabilidade ambiental e econômica da agricultura são princípios ancorados no manejo

sustentável da caatinga, que compreende a manutenção dos recursos naturais para as gerações atuais e,

sobretudo garantir as gerações futuras os nossos ecossistemas com capacidade de fornecer os produtos

disponíveis na natureza para preservar a qualidade de vida da população, (Maia, 2006).

Segundo o autor, o desafio que se coloca é exatamente que o manejo sustentável mostre

viabilidade econômica, sendo fundamental uma reflexão sobre essa viabilidade considerando o retorno de

curto prazo, que parece mais incompatível com o conceito de sustentabilidade. Se pensarmos em um

modelo sustentável, esse tem na sua base um manejo que garante uma produção continuada sem

comprometer a produtividade.

Os ecossistemas da caatinga têm sido objetos de estudos por pesquisadores do Brasil e de outros

países interessados em conhecer a riqueza da diversidade de sua flora e fauna. Os estudos têm revelado

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duas faces de uma mesma moeda. A sua potencialidade que fica cada vez mais evidenciada e os péssimos

indicadores de degradação e desertificação, como conseqüência de um sistema de exploração com base

em intensos e extensos processos de desmatamento visando o cultivo de pastagem para a pecuária e a

produção de carvão vegetal, utilizada ainda como combustível para outras atividades econômico-

produtivas na região.

O mesmo autor ainda afirma que os sistemas tradicionais de exploração, calcados na “agricultura

moderna” são na verdade os principais responsáveis pela situação de degradação da caatinga. Ao longo

do tempo o homem foi desenvolvendo técnicas para aumentar a produção agrícola utilizando sistemas de

monocultivos, mediante o uso de insumos e fertilizantes químicos, herbicidas e inseticidas, o que levou a

um aumento de produção. No entanto os prejuízos ambientais são visíveis, considerando a degradação dos

solos, a extinção de matas ciliares, a qualidade dos alimentos e, sobretudo a saúde humana. A análise

aponta para uma questão fundamental: os nossos recursos naturais disponíveis podem atender a uma

demanda crescente da população, sem uma intervenção que se preocupe com o equilíbrio entre o consumo

demandado e a preservação dos ecossistemas?

Considerando as limitações do clima Semi-árido e a riqueza do bioma da caatinga, os estudos e

experiências evidenciados apresentam alternativas capazes de promover o equilíbrio ambiental.

Há um alto grau de desinformação sobre o que é caatinga. Nas mídias é sempre repetida e

fortalecida a imagem da caatinga seca, como lugar de fome e miséria. E até nos livros didáticos se

encontram as mesmas mentiras. Assim, as pessoas criam à imagem de um deserto na sua imaginação,

pensando que isso seria “caatinga’. O outro lado - a caatinga verde, rica em plantas e animais, com

condições e vocações extraordinárias, fica oculta, desconhecida, (Maia, 2006).

A capacidade que a caatinga tem de recomposição da sua flora é algo incomparável com outro

ecossistema. O período de dez dias é o suficiente para a recuperação da sua folhagem, dos seus diversos

extratos arbóreos, arbustivos e herbáceos, característica única de uma vegetação típica do clima do Semi-

árido brasileiro. A riqueza da sua biodiversidade aparece com mais força por ocasião das estações

chuvosas, como pode ser observado nas fotos 1 e 2:

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FOTO 1 - Paisagem da caatinga seca, na estiagem FOTO 2 - Paisagem da caatinga, período chuvoso

Fonte: Pesquisa de Campo, 2007 Fonte: Pesquisa de Campo, 2008

Uma outra importante abordagem sobre a caatinga, diz respeito ao seu contexto histórico, numa

relação direta com os sistemas de exploração desenvolvidos a centenas de anos. A caatinga tem sido

utilizada desde os primórdios da colonização brasileira na atividade pecuária. A agricultura em

determinados ciclos de produção, a exemplo do algodão, também contribuiu fortemente nesse processo.

Segundo Araújo & Sampaio (2004), ao se praticar uma agricultura dita nômade ou migratória, para que se

possa ter características de sustentabilidade, é preciso que se respeite o período mínimo de repouso para

recuperação do solo e da vegetação nas áreas utilizadas. No caso da caatinga, estima-se que o período

mínimo de pousio seria mais ou menos 45 anos, com uma seqüência sucessional de três anos para a

dominância das herbáceas, 19 anos para os arbustos, mais uns 15 anos para um complexo arbustivo-

arbóreo, quando, então se verifica a supremacia das árvores a qual se completa após cerca de 10 anos.

Estima-se que esses valores possam variar bastante em função de fatores locais, flutuações climáticas e da

exaustão do banco natural de sementes, principalmente das arbóreas. A pecuária tem sido historicamente a

vocação de exploração dos ecossistemas da caatinga, cuja conquista, na realidade, se deu por meio dessa

atividade, que forneceu a alimentação e as mulas de carga para transporte.

Mesmo considerando as limitações climáticas do Semi-árido, a pecuária na caatinga ainda ocupa

lugar de destaque na pecuária nacional. Os percentuais referentes ao efetivo nacional das diversas espécies

de animais domésticos criados na região são bastante expressivos, e são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 : Participação da Pecuária do NE na Produção Nacional (em %)

Animais (%)

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Bovinos 14,4%

Ovinos 53,1%

Caprinos 88,9%

Eqüinos 26,5%

Asininos 91,0%

Muares 38,1%

Fonte: Araújo & Sampaio (2004)

Os dados apresentados demonstram a importância da atividade pecuária, especialmente a caprino

e ovinocultura para o Semi-árido.

Essa predominância da caprinocultura é motivada pelo fato dos caprinos serem espécies

extremamente adaptadas a regiões de baixas precipitações pluviométricas. A pouca capacidade de

produção de biomassa da caatinga e a grande carga animal, a que este ecossistema vem sendo submetido,

tem provocado preocupações entre técnicos e pesquisadores de todo o nordeste, (Araújo & Sampaio

2004).

Ainda segundo os autores, neste sentido inúmeras tecnologias ligadas ao manejo alimentar dos

caprinos estão sendo produzidas e difundidas em toda a região. O manejo sustentável da caatinga por meio

de unidades demonstrativas, que visam aumentar a capacidade produtiva da mata nativa se dá a partir de

técnicas de raleamento, rebaixamento e enriquecimento, além da ação de reflorestamento com plantas

nativas do ecossistema. As práticas de manejo sustentável demonstram viabilidade econômica e

ambiental, seja para a atividade pecuária ou para a produção de lenha e madeira. As diversas experiências

do Semi-árido ainda agregam além da caprino e ovinocultura, a apicultura, uma atividade econômica

rentável que contribui para a conservação e preservação da caatinga.

A pecuária segue atualmente o modelo de exploração misto, com cerca de 90% das propriedades

criando bovinos, caprinos e ovinos, simultaneamente. O regime de criação é predominantemente

extensivo, constituindo a vegetação da caatinga a principal e, em muitos casos, a única fonte de alimento

para os rebanhos. A disponibilidade insuficiente aliada à baixa qualidade da forragem, principalmente no

período seco, resulta nos baixos índices de produção e produtividade dos animais. Para se ter uma idéia, a

capacidade de suporte para bovinos da maioria dos sítios ecológicos da caatinga é de 10-20 há/animal/ano,

com a produção anual de 8,0 kg de peso vivo animal por hectare.

Nos últimos trinta anos, enquanto a população humana da região nordestina cresceu em 150% os

rebanhos bovino, caprino e ovino aumentaram seus efetivos em menos de 50%. Com isto a maioria dos

estados nordestinos transformou-se em importadores de produtos de origem animal, (Araújo & Sampaio,

2004).

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Portanto o sistema tradicional de criação da pecuária no Semi-árido nordestino apresenta grandes

distorções quanto a capacidade de suporte forrageiro da caatinga e o superpastejo de animais. O processo

de degradação da caatinga é muito intenso, porém ainda é possível sua recuperação, embora os custos

sejam elevados.

Do ponto de vista técnico, a adoção de sistemas de produção silvopastoris e agrossilvopastoris é

considerada como a melhor opção para o desenvolvimento da produção agrícola e pecuária,

principalmente para a agricultura familiar, que desenvolve a produção em pequena escala, possibilitando

uma maior recuperação dos solos, a partir do aporte de matéria orgânica. Por outro lado o

desenvolvimento da pecuária explorada em condições de manejo correto da pastagem são aspectos

fundamentais no processo de recuperação e conservação da caatinga, (Araújo & Sampaio, 2004).

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3. METODOLOGIA

Este projeto de monografia tem por base uma experiência de convivência com o Semi-árido

nordestino focado em sistemas agroecológicos integrados de manejo sustentável da caatinga e produção e

conservação de forragens, desenvolvidos pelo Projeto Dom Helder Câmara (PDHC), órgão da Secretaria

de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) do Governo

Federal. O PDHC surgiu a partir de um acordo de empréstimo, 50% financiado pelo Governo Federal e

50% pelo Fundo Internacional para Desenvolvimento da Agricultura (FIDA).

O projeto de forragicultura ora estudado atingiu a meta de 500 campos de forragem e a

implantação de 670 silos anel, beneficiando 1.150 famílias de 70 comunidades e assentamentos rurais do

território, envolvendo 17 municípios da microrregião do Pajeú e um município do Moxotó.

3.1. Caracterização da microrregião do Sertão do Pajeú

Localizada na mesorregião do Sertão de Pernambuco, a microrregião do Sertão do Pajeú

compreende 17 municípios. No território existem 35.850 agricultores familiares e 1.080 famílias

assentadas pelo INCRA, juntos correspondem a 12,41% da população do território (IBGE, 2000). Ainda

segundo o IBGE, no censo demográfico de 2007 a população da microrregião é de 309.503 habitantes,

sendo as principais cidades Serra Talhada, Afogados da Ingazeira, São José do Egito e Tabira.

O Sertão do Pajeú apresenta relevo suavemente ondulado com elevações residuais, com solos

pedregosos e sujeitos a erosão. Apresenta clima quente e semi-árido, com período chuvoso entre janeiro e

maio e precipitação média anual de 591,9 mm. A maior parte da área é coberta por vegetação natural de

caatinga hiperxerófila, utilizada pela pecuária. Os sistemas de produção predominantes são extensivos

com atividades agrícolas limitadas, com predomínio da bovinocultura de corte, ovinocultura, milho e

feijão de subsistência. Apresenta limitações para o desenvolvimento agropecuário por falta de água (Silva

et. al., 1993).

Ainda conforme Silva et.al. (1993) existiam pequenas áreas de palma forrageira usada para o gado

durante o período seco. Contudo, grande parte dessas áreas foi dizimada pela colchonilha da palma.

O Índice de Desenvolvimento Humano – IDH da região era, em 2000, de 0,640, inferior ao de

Pernambuco que era de 0,705. Os municípios com maior IDH eram: Triunfo, Afogados da Ingazeira e

Serra Talhada. A população da microrregião era de 297.494 habitantes, sendo 44,15% residente na zona

rural.

Segundo estudos apresentados no documento (Pernambuco, 2003) a economia da região está

baseada na agropecuária, indústria e turismo. A população economicamente ativa é de 125.240 habitantes,

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sendo que 51,6% estão ocupados no setor agropecuário, 12% no setor de comércio/serviços, 5,3% na

administração pública, 5,0% na educação e 26,1% em outros setores. Serra Talhada é o maior município

em área, em população e responde por 31,4% do Produto Interno Bruto da microrregião.

No setor agropecuário destaca-se São José do Egito, que detém o maior efetivo de aves da região,

contribuindo com 4,7% da produção avícola do Estado. O abate e a distribuição de aves são realizados no

município de Afogados da Ingazeira e geram 20,3% de empregos diretos (Pernambuco 2003).

A atividade da caprino-ovinocultura está presente em todos os municípios do Pajeú. Segundo o

IBGE (2005), a produção estimada em 2003 dos rebanhos caprinos e ovinos na microrregião era de

232.880 cabeças. A implantação de unidades de beneficiamento de carne e leite nos município de

Sertânia, Iguaracy e São José do Egito são empreendimentos que possibilitam a dinamização da cadeia

produtiva desse setor na região.

A microrregião do Pajeú possui a maior bacia hidrográfica do Estado, banhada pelo Rio Pajeú e

seus afluentes, com uma área de drenagem de 16.838 km², equivalente a 17% da área total do estado

(Pernambuco, 2003). O mapa abaixo destaca a região dentro do contexto geopolítico do estado de

Pernambuco.

Fonte: Laboratório de Geoprocessamento da EMBRAPA Caprinos, Sobral – CE, 2006.

Figura 1 : Mapa da microrregião do Sertão do Pajeú - Pernambuco

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3.2. Assessoria técnica e gestão social

A assessoria técnica adotou como estratégia metodológica a participação ativa de agricultores e

agricultoras, onde as famílias foram estimuladas a partir da própria dinâmica do conhecimento empírico e

da apropriação das soluções locais dentro do contexto territorial, fortalecendo o seu protagonismo e a

participação nos espaços de definição, implementação e monitoramento das políticas públicas locais e

territoriais.

A dinâmica de construção do conhecimento entre técnicos e agricultores tem por base o

pensamento de Aristóteles, 384-322 a.C., filósofo grego “é fazendo que se aprende a fazer, aquilo que se

deve aprender a fazer”.

A assessoria técnica ao projeto foi disponibilizada pelas instituições não governamentais

COOPAGEL, DIACONIA, CASA DA MULHER DO NORDESTE, SABIÁ e CECOR, com apoio da

equipe de mobilizadores sociais da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco

- FETAPE, parceiras contratadas pelo PDHC/SDT/MDA/FIDA. O quadro técnico é composto por 7

técnicos de nível superior (ciências agrárias e sociais) e 8 técnicos agrícolas (nível médio), e contou ainda

com a equipe de 14 mobilizadores sociais, um componente fundamental neste projeto, haja vista sua

importância no processo de articulação entre os agricultores e o Comitê Territorial, além do papel de

animadores na organização e gestão social dessas comunidades.

O ponto de partida para a iniciação do projeto se deu a partir da apresentação da proposta e

discussão no Comitê Gestor Territorial do Sertão do Pajeú, com participação de representantes de todas as

comunidades e assentamentos envolvidos, sindicatos de trabalhadores rurais, representantes do poder

público, nas instâncias municipais, estadual e federal, e organizações não governamentais parceiras de

assistência técnica.

O Comitê Territorial definiu os seguintes critérios de escolha das famílias para participarem do

projeto de produção e conservação de forragem:

• Interesse da família em participar efetivamente do projeto.

• Compromisso de trabalhar coletivamente com todo o grupo beneficiário.

• Que compreenda o projeto como um patrimônio da comunidade, e não apenas da família

beneficiária.

• Cada família beneficiária assina termo de compromisso em fazer uso efetivo do silo e da

forragem, sob pena de ter que devolver em dinheiro para a associação, do valor correspondente ao

silo, sendo destinado a outra família, caso se constate o seu desuso ou utilização indevida.

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• Trabalhar o princípio da agroecologia, a partir da diversificação de culturas e de práticas naturais

de adubação e controle de pragas e doenças.

• Verificar se a família ou membro desta faz parte da associação.

• Beneficiário deve ter participação ativa na associação.

• Priorizar sócios em situação regular com a associação.

O passo seguinte foi a sensibilização das famílias nas comunidades e assentamentos com

apresentação da proposta e definição do grupo de interesse de forragicultura em cada localidade, realizada

pelos técnicos das instituições parceiras de assessoria técnica e os mobilizadores sociais. Como resultado

dessas reuniões com os agricultores foi elaborado um planejamento participativo, com definição de um

cronograma de implantação dos campos de forragens, aquisição das máquinas ensiladeiras e construção e

enchimento dos silos anéis.

3.3. Abordagem dos aspectos físicos e técnicos para implantação dos sistemas de produção e conservação de forragens

Com base no princípio agroecológico da diversificação de culturas na perspectiva da

sustentabilidade ambiental e econômica, os sistemas foram planejados considerando as limitações e

potencialidades de áreas diferenciadas: sequeiro e vazante, conforme orientação e o saber dos agricultores.

Os sistemas foram caracterizados como banco de sementes forrageiras, ficando as famílias

beneficiárias no compromisso de fazerem o repasse de sementes para outras famílias a partir do ciclo

produtivo da cultura. A gestão desse banco de sementes é realizada pela associação, a qual faz o controle e

define os critérios para os repasses.

A implantação dos campos de forragens se deu de forma consorciada com as culturas de:

Gliricídia e Leucena, no espaçamento (6,0 x 6,0 m), Guandu, no espaçamento 1,0 m x 0,50 m e Sorgo no

espaçamento de 1,0 m x 0,20 m, com área de 0,25 há por campo. Entre os tratos culturais foram efetuadas

capinas seletivas, que visam deixar nas entrelinhas as plantas forrageiras da região. As culturas de

Leucena e Gliricidia foram plantadas por meio de mudas, enquanto o Guandu e o Sorgo com sementes

selecionadas de empresas especializadas no ramo. Todo o plantio foi efetuado a partir de fevereiro,

período em que se iniciou a estação chuvosa na região.

No primeiro ano de crescimento do campo de forragem não houve corte da Leucena e Gliricidia,

para que estas culturas pudessem apresentar melhor o seu crescimento vegetativo. Quanto às culturas de

Guandu e Sorgo, essas receberam a primeira poda, cuja forragem foi aproveitada no enchimento dos silos.

Os campos de forragem cultivados não são utilizados para pastoreio direto, atividade que muito prejudica

o desenvolvimento destas plantas. A gliricidia, planta pouco palatável, para ser consumida inicialmente

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pelos animais, necessita de um processo de adaptação inicial, sendo misturada no cocho com outras rações

para que os animais se acostumem com o paladar da mesma e passem a consumi-la.

Todas as famílias dos grupos de interesse de forragicultura, das 70 comunidades e assentamentos,

participaram de atividades de formação, pautada num processo de aprendizado participativo e coletivo,

considerando as dimensões ecológicas e humanas, na perspectiva de promover mudanças de

comportamento em relação à convivência com o Semi-árido e às políticas públicas voltadas para a região

do Sertão do Pajeú.

O processo de formação foi dividido em dois módulos, com 8 horas cada. No “Módulo I” foram

trabalhados os seguintes conteúdos:

• visita a um campo de forragem implantado;

• balanço nutricional das plantas forrageiras;

• adaptação e viabilidade das culturas;

• viabilidade e características bromatológicas das espécies forrageiras.

• manejo agroecológico integrado a unidade de produção familiar.

No “Módulo II”, as famílias foram capacitadas na prática com a implantação de um silo anel como

unidade demonstrativa, ficando o aprendizado das famílias para a construção da sua própria unidade. Os

conteúdos trabalhados foram os seguintes:

• local adequado do silo;

• processo de construção do silo anel;

• como preparar a silagem;

• processo de enchimento do silo;

• práticas de conservação da forragem;

• culturas forrageiras mais importantes;

• disponibilidade de silagem x consumo animal.

No processo de construção e enchimento dos silos houve o compartilhamento da mão-de-obra

entre os agricultores por meio de mutirões. A máquina ensiladeira por se tratar de um equipamento da

associação comunitária foi utilizada de forma coletiva pelos agricultores/as sócios/as, a partir de um

planejamento focado no uso e na manutenção do equipamento, ficando constituído um fundo de caixa para

sua manutenção.

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3.1.1. Principais orientações técnicas para construção e enchimento do silo anel

A estrutura do silo é de alvenaria com 2 (dois) anéis pré-moldados de 50 cm de altura cada

unidade (modelo usado na construção de poços amazonas), diâmetro de 1,50 metros, tendo 1 metro de

profundidade. Após a escavação do buraco, os anéis são montados de modo que a borda fique 20 cm

acima da superfície do solo. É importante construir o silo próximo ao curral, pois facilita o uso da

ensiladeira, o seu enchimento e a alimentação dos animais. Recomenda-se construir o silo em local

cercado, para que os animais não pisem na sua cobertura.

Os anéis são confeccionados com 2 (duas) fôrmas de ferro em formato de anel. Na confecção dos

anéis, as fôrmas são retiradas com no mínimo 12 horas de duração. O piso do silo deverá ter 3 cm de

espessura. O traço da massa é feito com 9 (nove) latas de areia para 1 (um) saco de cimento. A “calda” de

cimento para vedação da alvenaria do silo é feita com a seguinte medida: 5 (cinco) kg de cimento e ½

(meio) kg de vedacit em um pequeno balde de água. Recomenda-se passar duas demãos da “calda” em

toda estrutura interna do silo.

O material para enchimento do silo é produzido com a picagem de culturas forrageiras na máquina

ensiladeira. As culturas mais utilizadas são palha verde de milho, sorgo, capim elefante e cana forrageira.

Calcula-se em 3 carros de boi de palha verde, seja capim elefante ou sorgo forrageiro para cada silo.

O processo de enchimento do silo começa colocando-se 1 (um) saco de palha seca de milho no

fundo do silo, logo em seguida coloca-se 2 ou 3 sacos de silagem, pisoteia a silagem, coloca-se a mesma

quantidade, pisoteando em seguida, e assim por diante até completar o enchimento. Cuidados com uma

boa compactação da silagem para não ficar ar dentro do silo, garantem uma silagem de qualidade,

evitando perda de material.

A capacidade do silo anel acima descrito é de 1.200 kg de silagem. Se o material for processado

por uma máquina ensiladeira, o silo bem compactado poderá atingir até 1.300 kg. Os agricultores

conseguem alimentar aproximadamente 6 animais bovinos adultos durante 60 dias, ou ainda 16 caprinos e

ovinos no mesmo período. A silagem serve como suplemento alimentar dos rebanhos, devendo os

produtores colocar os animais em áreas de pastoreio.

Tabela 3 : Relação de Material para Construção de 1 Silo Anel – Capacidade de 1,2 toneladas de

Silagem.

Quantidade Unidade Discriminação

03 saco Cimento

04 kg Ferro 4.2 ou 5.0

04 m² Lona plástica 200 micras

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01 kg Vedacit

20 lata Areia

Fonte: Projeto Dom Helder Câmara (2006).

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4. CONSIDERAÇÕES GERAIS

Os resultados obtidos pelos agricultores familiares no 1º ano com o projeto de produção e

conservação de forragens apontam para mudanças positivas, a partir dos indicadores qualitativos e

quantitativos alcançados, interferindo diretamente na vida das famílias, no que diz respeito a novos

conceitos e práticas de convivência com o Semi-árido, fortalecendo a sustentabilidade da agricultura

familiar. Os indicadores a seguir demonstram o êxito do projeto:

� garantia de suplementação alimentar de silagem, evitando a venda de parte dos animais para

compra de alimentos para os animais restantes no período seco;

� os produtores passam a reconhecer a silagem como estratégia de substituição da palma forrageira,

dizimada pela cochonilha do carmin, incorporando o aprendizado desenvolvido;

� redução dos custos com alimentação do rebanho. Uma economia com ração balanceada em torno

de 80%, com os rebanhos caprinos, ovinos e bovinos durante os 90 dias mais críticos de estiagem

do ano;

� produção no 1º ano de 450 toneladas de silagem e estimativa para o 2º ano de 1.100 toneladas,

com o aumento da produção e produtividade dos pequenos rebanhos caprinos, ovinos e bovinos

dos agricultores familiares beneficiados;

� garantia de suplementação alimentar para os animais no 2º ano do projeto durante os 90 dias mais

críticos, para um rebanho estimado de 1.200 bovinos e 5.000 caprinos e ovinos;

� o aproveitamento de forrageiras e leguminosas na silagem reduz o desmatamento da caatinga,

contribuindo na preservação do ecossistema;

� melhoria da segurança alimentar das famílias, com maior oferta de carne e leite, e complemento

da renda familiar com a venda do excedente produzido, elevando a qualidade de vida dos

agricultores;

� replicação da experiência em outras comunidades, a partir dos resultados obtidos e da articulação

do PDHC com prefeituras e organizações não governamentais que atuam no território.

4.1. Implantação dos sistemas de produção e conservação de forragens: obstáculos e medidas de superação

Para se avaliar os resultados do projeto de forragicultura foi desenvolvido um processo de

monitoria das ações em uma amostra de 35% dos beneficiários, por meio de coleta de informações nos

grupos de interesse de produção e conservação de forragem. Em síntese, os principais pontos verificados

na monitoria:

as famílias expressam que o grupo produtivo planeja e tem capacidade entre média e alta para

realizar as ações de seu interesse;

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o grupo se reúne sistematicamente para decidir as questões de interesse, e a participação oscila

entre eventual até o nível de intensa e permanente;

das 136 pessoas envolvidas nos grupos produtivos, 30 (22%) são mulheres e 45 (33%) são jovens.

agricultores/as planejam o sistema produtivo, executam algumas ações de acordo com o planejado

e não monitoram o dia-a-dia da atividade.

o projeto criou condições para investimentos no aumento da produção de forragem e dos

rebanhos de caprinos e ovinos.

Ainda como resultado da monitoria, os agricultores expressaram ponto de vista sobre sua

participação no grupo de trabalho, a partir de três questões:

O que aprendi?

- a organização e o trabalho em grupo facilitam o desenvolvimento das organizações;

- não sabemos tudo, estamos sempre aprendendo algo;

- a necessidade de nós agricultores/as nos auto-sustentar.

O que quero aprender?

- aprender estratégias para enfrentar os problemas do dia- a -dia;

- fazer as coisas de forma planejada;

- valorização do trabalho coletivo;

- buscar novos conhecimentos.

O que me motiva nesse projeto?

- a vontade de aprender;

- troca de experiências (intercâmbios), (Assocene 2007).

4.1.1. O Calendário agrícola

Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos agricultores familiares do Semi-árido nordestino

é a incompatibilidade com o calendário agrícola. Geralmente os programas e as ações governamentais na

sua execução não se harmonizam com o calendário agrícola que coincide com o período das chuvas.

Citando um problema mais comum, as sementes para o plantio nunca estão disponíveis para os

agricultores antes do início do período chuvoso.

Analisando a questão sobre o ponto de vista do projeto de forragem, verificou-se situações de

incompatibilidade, pois as mudas não foram preparadas em tempo hábil para o início das chuvas,

atrasando o plantio e o crescimento das plantas, considerando que se tem em média, apenas quatro meses

de chuva por ano. Outra dificuldade verificada na implantação do projeto foi a má qualidade da maioria

das sementes de sorgo e guandu, prejudicando a germinação dessas plantas.

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Levantamento realizado pelas equipes de assessoria técnica constatou um índice de perda de 40 a

45% nas culturas de sorgo, guandu, leucena e gliricídia na fase do plantio, devido a má germinação e

problemas com as mudas.

Para a superação dessa problemática se requer um planejamento por parte dos órgãos

governamentais para que os projetos e ações dos governos sejam compatíveis com o período das chuvas e

as atividades desenvolvidas pelos agricultores e suas organizações associativas. A cultura do planejamento

da unidade de produção familiar precisa ser melhor trabalhada junto aos agricultores familiares do Semi-

árido, estratégia esta que possibilita o desenvolvimento das atividades produtivas dentro do calendário

agrícola da região.

4.1.2. Participação dos agricultores/as

Na condição de protagonistas do processo, a participação ativa dos agricultores foi determinante

no alcance dos objetivos do projeto. Partindo da lógica da construção coletiva do conhecimento, onde o

saber empírico se soma ao saber científico, os agricultores puderam se apropriar das técnicas

desenvolvidas no projeto de forragicultura.

É o domínio desse conhecimento que promove a autonomia e o empoderamento dos agricultores e

agricultoras, permitindo-lhes desenvolverem suas unidades de produção familiar a partir do

aproveitamento das potencialidades e recursos disponíveis na propriedade.

A construção e enchimento dos silos em regime de mutirão nas comunidades rurais resgata e

fortalece a idéia do trabalho comunitário, prática pouco desenvolvida nos dias atuais pelos agricultores.

A produção e conservação de silagem ainda é uma prática incipiente entre os agricultores

familiares do Semi-árido. A experiência desse projeto contribuiu na criação de um novo paradigma, a

prática da ensilagem sendo cultura incorporada pelas famílias de pequenos agricultores do Sertão do

Pajeú.

4.1.3. Análise dos impactos ambientais

Por se tratar de um projeto caracterizado por princípios agroecológicos, os impactos são ademais

positivos no tocante a preservação da caatinga e ao meio ambiente como um todo. O sistema de produção

diversificada, com o consórcio de milho, cana forrageira, sorgo, guandu, gliricídia, leucena e outras

plantas forrageiras e leguminosas com o aproveitamento de áreas de baixios e vazantes utilizados pelos

agricultores para esses cultivos, dispensam o desmatamento e as queimadas, reforçam o controle biológico

e fortalecem a harmonia dos ecossistemas; o controle natural de pragas e insetos no sistema produtivo, são

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práticas que reforçam as propostas de tecnologias ecologicamente corretas para a agricultura familiar do

Semi-árido.

A preservação de áreas de caatinga que ainda restam, fortalece os ecossistemas. Deve-se lembrar

que o cultivo de plantas como leucena e gliricídia contribuem para o reflorestamento de áreas degradadas,

enriquecimento da caatinga, que manejada de forma sustentável, com técnicas adequadas de raleamento,

rebaixamento e enriquecimento permitem o aumento da oferta de biomassa e melhoria da qualidade dos

alimentos produzidos para os animais, especialmente nos períodos de escassez.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na realidade pode-se concluir que o projeto de produção e conservação de forragem como ação

estratégica de convivência com o Semi-árido contribuiu na mobilização política e sensibilização de mais

de 2.000 famílias de agricultores familiares, os movimentos sociais, as organizações não governamentais e

o poder público.

Como resultado dessa mobilização, vários projetos de forragicultura estão sendo desenhados por

iniciativa de prefeituras e de organizações não governamentais do território. Esse efeito multiplicador

começa pelos próprios agricultores, que por meio do aprendizado adquirido têm ampliado seus sistemas de

produção e conservação de forragens com recursos próprios, principalmente a construção do silo anel,

tecnologia de baixo custo e de fácil assimilação.

Na avaliação do projeto constatou-se os aspectos positivos analisados anteriormente, mas sem

perder de vista os desafios que precisam ser superados. Os agricultores não estão organizados o suficiente

para reivindicar a implementação de políticas públicas de desenvolvimento da agricultura familiar. As

associações rurais, principal célula organizacional dos agricultores encontram-se fragilizadas, bem como a

pouca participação destes no movimento sindical de trabalhadores rurais ainda dificulta a conquista de

políticas de convivência com o Semi-árido. Por outro lado a assistência técnica insuficiente e em muitos

casos inexistente precisa se estruturar para atender a agricultura familiar de forma permanente e

sistemática, sob a responsabilidade do poder público.

O PDHC, programa do Ministério do Desenvolvimento Agrário é atualmente uma experiência de

assessoria técnica para a agricultura familiar e convivência com o Semi-árido reconhecida pelo organismo

co-financiador o FIDA, como o projeto de maior êxito financiado por esse organismo, em todo o mundo.

Os objetivos e metas atingidos nessa ação territorial desenvolvida pelo PDHC, em parceria com as

organizações não governamentais, apontam na perspectiva de transformar a produção e conservação de

forragens numa política pública permanente de convivência com o Semi-árido, pois o projeto integra

várias linhas de ação, desde o fortalecimento da criação de caprinos e ovinos - atividade econômica das

mais sustentáveis na agricultura familiar da região, com o manejo sustentável da caatinga e a preservação

e conservação dos ecossistemas; do ponto de vista social contribui na melhoria da qualidade de vida das

famílias agricultoras e na sua permanência no campo.

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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXOS

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FOTO 01 - Plantio de Palma Forrageira

FOTO 02 - Espécies nativas da caatinga

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FOTO 03 - Maniçoba, vegetal nativo da caatinga

FOTO 04 - Plantio sorgo granífero

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FOTO 05 - Processo de enchimento do silo

FOTO 06 - Cultivo de guandú

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FOTO 07 - Cultivo de gliricídia

FOTO 08 - Cultivo de leucena

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FOTO 09 - Cultivo de capim elefante

FOTO 12 - área de caatinga preservada

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FOTO 13 - rebanho de caprinos e ovinos semi-árido

FOTO 14 - caatinga manejada para alimentação de caprinos

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FOTO 15 – manejo de caatinga – técnica de releamento

FOTO 16 - cultivo consorciado – sorgo e guandú

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FOTO 17 - construção do silo anel

FOTO 18 - processo de produção da silagem

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FOTO 19 – processo de compactação da silagem

FOTO 20 – cobertura do silo com lona plástica