Monografia Robledo Peres UFES
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ROBLEDO MORAES PERES DE ALMEIDA
A CONSTITUCIONALIDADE E A LEGALIDADE DOS MEIOS DE
PROVA DE EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA SEGUNDO O CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
VITÓRIA 2009
ROBLEDO MORAES PERES DE ALMEIDA
A CONSTITUCIONALIDADE E A LEGALIDADE DOS MEIOS DE PROVA DE EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA SEGUNDO O CÓDIGO DE
TRÂNSITO BRASILEIRO
Monografia apresentada ao Curso de Direito do Departamento de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Profª Drª Margareth Vetis Zaganelli.
VITÓRIA
2009
ROBLEDO MORAES PERES DE ALMEIDA
A CONSTITUCIONALIDADE E A LEGALIDADE DOS MEIOS DE PROVA DE EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA SEGUNDO O CÓDIGO DE
TRÂNSITO BRASILEIRO.
Monografia apresentada ao Curso de Direito do Departamento de Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Aprovada em 01 de julho de 2009.
COMISSÃO EXAMINADORA ___________________________________ Profª Drª Margareth Vetis Zaganelli Universidade Federal do Espírito Santo Orientadora ___________________________________ Prof° Ulysses Gusman Universidade Federal do Espírito Santo ___________________________________ Prof° João Paulo Barbosa Lyra Universidade Federal do Espírito Santo
Ao Senhor Jesus Cristo que resgatou a minha alma, dando-me a salvação.
AGRADECIMENTOS
Antes de tudo, a Deus que me deu a vida, a inteligência e a
sabedoria para realizar essa monografia.
A minha família, minha esposa Adriana, minhas filhas
Victória e Ana Clara e meus pais Lourival e Helenita, pelo
apoio e o amor dedicado a mim e que me serviu de força
para vencer mais essa batalha.
A Srª Profª Drª Margareth Vetis Zaganelli, minha orientadora,
pela confiança depositada em meu trabalho e pelos
momentos de atenção a mim oferecidos.
A todos que nos ajudaram nesse árduo processo de
produção do conhecimento.
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
§ - Parágrafo
Art. - Artigo
CF/88 - Constituição Federal de 1988
CID - 10 - Classificação Internacional de Doenças
CNH - Carteira Nacional de Habilitação
CNT - Código Nacional de Trânsito
CONTRAN - Conselho Nacional de Trânsito
CPB - Código Penal Brasileiro
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
CPP - Código de Processo Penal
CRT - Conselhos Regionais de Trânsito
CTB - Código de Trânsito Brasileiro
CTN - Código Tributário Nacional
DENATRAN - Departamento Nacional de Trânsito
EC - Emenda Constitucional
HC - Habeas Corpus
Km/h - Quilômetro por hora
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
P. - Página
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
V. - Volume
RESUMO
Trata da análise da constitucionalidade e da legalidade dos meios de prova de
embriaguez alcoólica previstos no Código de Trânsito Brasileiro, especificamente as
alterações provocadas pela lei nº 11.275/2006 e pela lei nº 11.705/2008, enfocando
o direito de não produzir prova contra si, a supremacia do interesse público e a
obrigatoriedade ou não do condutor se submeter a exames para comprovação da
embriaguez alcoólica. O estudo se baseou na análise da legislação sobre o assunto,
notadamente a Constituição Federal de 1988, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB),
o Pacto de São José da Costa Rica, a lei nº 11.275/2006 e a lei nº 11.705/2008.
Palavras-chave: constitucionalidade.embriaguez.legalidade.meios de prova.trânsito.
ABSTRACT
It is concerned with the analysis of the constitutionality and lawfulness of means of
proving drunkenness in accordance with the Brazilian Traffic Code specifically
changes brought by the rules No nº 11.275/2006 and No 11.705/2008, giving
emphasis to the right to do not produce any evidence that would be self-
incriminating, focusing on the supremacy of public interest and the obligatoriness or
not to submit drivers to a breath test in order to prove the drunkenness. This work
was based on the analysis of the legislation about this subject, especially the Federal
Constitution/1988, the Brazilian Traffic Code, the Costa Rica Agreement/1969, the
law No 11.275/2006 and the law No 11.705/2008.
Keywords: constitutionality.drunkenness.lawfulness.means of proving.traffic.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 10 2. TRÂNSITO............................................................................................................................. 13
2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO NO BRASIL ...................................... 13 2.2. CONCEITO DE TRÂNSITO .................................................................................................. 16 2.3. DIREITO AO TRÂNSITO SEGURO ............................................................................................. 17
3. EMBRIAGUEZ ....................................................................................................................... 20 4. PRINCÍPIOS JURÍDICOS...................................................................................................... 23
4.1. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO......................................................... 24 4.2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE OU DA RESERVA LEGAL........................................................... 26 4.3. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE DA LEI PENAL.................................................................... 31 4.4. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE ................................................ 32 4.5. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA NO TRÂNSITO.......................................................................... 33 4.6. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA......................................................................... 36 4.7. PRINCÍPIO DO “FAVOR REI” OU “IN DUBIO POR REO” ......................................................... 37 4.8. PRINCÍPIO DO NON BIS IN IDEM ........................................................................................ 38
5. TEORIA DA PONDERAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS............................... 39 6. PODER DE POLÍCIA............................................................................................................. 42 7. A EMBRIAGUEZ NO ANTIGO CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO (CNT) ..................... 45 8. ANÁLISE DA EMBRIAGUEZ NO CTB................................................................................. 47
8.1. ALTERAÇÕES ADMINISTRATIVAS PROVOCADAS PELA LEI Nº 11.275 .................................. 47 8.2. ALTERAÇÕES ADMINISTRATIVAS PROVOCADAS PELA LEI Nº 11.705 ................................... 53 8.3. CRIME DE TRÂNSITO DE DIRIGIR EMBRIAGADO ANTES DA LEI Nº 11.705 ............................ 56 8.4. ALTERAÇÕES DA LEI Nº 11.705 PARA O CRIME DE TRÂNSITO DE DIRIGIR EMBRIAGADO ..... 58
9. O ATO DE DIRIGIR COMO UMA LICENÇA DO ESTADO.................................................. 60 10. POSSIBILIDADE DO USO DA PROVA TESTEMUNHAL ................................................... 65 11. ATITUDES DO AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO DIANTE DA RECUSA DO CONDUTOR EM SE SUBMETER AOS TESTES DE ALCOOLEMIA ......................................... 69
11.1. POSSIBILIDADE DE INCRIMINAÇÃO DOS AGENTES DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO ............... 73 11.2. ATITUDE CORRETA DO AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO DIANTE DA RECUSA DO CONDUTOR EM SE SUBMETER AOS TESTES DE ALCOOLEMIA ......................................................... 77
12. O DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI OU O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO A AUTO-INCRIMINAÇÃO ................................................................................................................. 80
12.1. O ENTENDIMENTO DO STF QUANTO AO DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI ...... 86 12.2. CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA AUTO-INCRIMINAÇÃO ........................................... 89
13. ANÁLISE DA LEGALIDADE E DA CONSTITUIONALIDADE DOS MEIOS DE PROVA DE EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA PREVISTOS NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ........... 93 14. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................... 97 15. REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 100
15.1. REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS.......................................................................................... 101
Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo
10
1. INTRODUÇÃO
No último século os meios de transporte evoluíram enormemente. O uso dos
veículos automotores, principalmente o do automóvel, tornou-se corriqueiro,
passando a ser um dos principais meios de locomoção da maioria das pessoas, o
que provocou um aumento exponencial na sua produção e na sua venda. Como
conseqüência surgiram inúmeros problemas, como a poluição e as mortes
provocadas por acidentes de trânsito.
Paralelamente a isso, o Brasil passou por um processo de urbanização e de
transferência da população do campo para a cidade, aumentando os problemas
sociais, como a ocupação irregular do solo, a desigualdade sócio-econômica e o uso
e o tráfico de drogas.
Desses entorpecentes, destacam-se as bebidas alcoólicas, as quais são conhecidas
como “drogas socialmente aceitas”, uma vez que há uma grande variedade
espalhada pelo mundo, fazendo do álcool a substância psicoativa mais popular do
planeta.
Historicamente as pessoas consomem o álcool, e essa prática é aceita ética e
moralmente em nossa sociedade, tornando-se uma questão cultural, que, se feita de
forma moderada, não causa estranheza a ninguém da sociedade. Entretanto, o
aumento do consumo de tais substâncias embriagantes, associado à direção de
veículos automotores, tem ocasionado muitas vítimas e acidentes de trânsito
provocados por condutores embriagados.
Os dados disponíveis sobre o assunto são incontestáveis, sobretudo quando fazem
relação entre a influência da bebida alcoólica e o contexto das mortes no trânsito. Os
números alarmantes da violência nas vias brasileiras fazem com que a sociedade
exija maior punição aos motoristas que dão causa a tais acidentes. Estatísticas e
imagens, cada vez mais chocantes, contribuem para fomentar o desejo de vingança,
catalisado por reportagens sensacionalistas sobre o tema, tornando forte a pressão
popular por alterações na legislação.
Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo
11
Percebe-se então uma real dicotomia: ao mesmo tempo em que o consumo de
bebida alcoólica é permitido no seio social; as tragédias (conseqüência) provocadas
por condutores embriagados (causa) são abominadas por essa mesma sociedade.
Assim, o Estado brasileiro, buscando reduzir o número de acidentes e de vítimas,
tem alterado constantemente o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), com o objetivo
de agravar a penalização dos condutores que fazem a associação da ingestão de
bebidas alcoólicas e a direção de veículos automotores. As recentes leis n°
11.275/2006 e lei 11.705/2008 são mais uma tentativa de responder à sociedade,
através de um maior rigor punitivo nas hipóteses de acidentes de trânsito
provocados por condutores embriagados.
Entretanto, muito se tem discutido quanto a constitucionalidade e a legalidade de
tais mudanças, uma vez que o Estado estaria supostamente ferindo direitos e
liberdades individuais, em nome da garantia da manutenção da segurança no
trânsito.
Por outro lado, o interesse público da garantia de um trânsito seguro deve
prevalecer sobre as pretensões individuais. Outrossim, nunca se pode esquecer os
limites e os objetivos traçados nos primeiros artigos do CTB, com destaque especial
para aquilo que a lei traz de forma expressa: o objetivo prioritário da preservação da
vida.
Assim, a análise de tal problema torna-se muito importante e atual no contexto
contemporâneo da sociedade brasileira, assinalando a relevância do tema escolhido.
Dessa forma, o presente trabalho possui como objetivo e tema “o estudo da
legislação sobre a embriaguez alcoólica de condutores de veículos automotores”,
possuindo o título “A constitucionalidade e a legalidade dos meios de prova de
embriaguez alcoólica segundo o Código de Trânsito Brasileiro”, focando
especificamente as alterações provocadas pela lei nº 11.275/2006 e pela lei nº
11.705/2008, objetivando assim estudar a problemática da embriaguez alcoólica e
legislação sobre o assunto, notadamente a sua constitucionalidade e a sua
legalidade.
Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo
12
O método de pesquisa utilizado foi a análise da legislação vigente sobre o assunto,
notadamente a Constituição Federal de 1988, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB),
o Pacto de São José da Costa Rica, a lei nº 11.275/2006 e a lei nº 11.705/2008.
Além disso, pesquisou-se a opinião de vários doutrinadores sobre o assunto, assim
como a jurisprudência existente sobre o tema.
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13
2. TRÂNSITO
2.1. Evolução Histórica da Legislação de Trânsito no Brasil
A primeira legislação de trânsito que se conhece no Brasil é de 1853, período
monárquico de D. Pedro II. Em 1900, o então prefeito da cidade de São Paulo,
Antônio Prado, instituiu leis regulamentando o uso do automóvel na cidade, criando
uma taxa para o uso da via pública. Em 1903, a prefeitura paulistana tornou
obrigatória a inspeção de veículos para o fornecimento de uma placa de
identificação, que seria afixada na parte traseira. Naquela época a velocidade
máxima permitida nos lugares onde havia acúmulo de pessoas era de um homem a
passo. Além disso, em nenhum local a velocidade poderia ser superior a 30 km/h1.
Em 27 de outubro de 1910, dezessete anos após a chegada ao Brasil do primeiro
automóvel, foi publicado o Decreto n.º 8.324, que aprovou o regulamento para o
serviço subvencionado de transporte por automóveis. Nesse decreto, os condutores
eram ainda chamados de “motorneiros”, e se exigia que mantivessem
constantemente senhores da velocidade do veículo, devendo diminuir a marcha do
veículo ou mesmo parar, toda vez que o veículo pudesse causar acidente.2
O Decreto Legislativo n.º 4.460, de 11 de janeiro de 1922, apesar de referir-se às
estradas de rodagem, proibiu a circulação dos chamados carros de boi e cuidou da
carga máxima dos veículos.3
Em 1927, o Decreto Legislativo n.º 5.141, de 5 de janeiro, criou o Fundo Especial
para Construção e Conservação de Estradas de Rodagem Federais.4
1 PRIMEIRAS Leis de Trânsito. Disponível em: <http://www.atividadesrodoviarias.pro.br/primeiraleitrans.html>. Acesso em: 10 abr. 2009. 2 LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. Legislação de trânsito no Brasil. Revista Jus Vigilantibus, 8 mai 2009. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/39655>. Acesso em 15 mai. 2009. 3 Ibid. 4 Ibid.
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14
O Decreto nº 18.323, de 24 de julho de 1928, aprovou o regulamento para circulação
internacional de automóveis no território brasileiro e para a sinalização, segurança
no trânsito e polícia nas estradas de rodagem.5
Em 1929, o governo brasileiro ratificou a Convenção de Paris de 1.909, através do
decreto nº 19.038, de 17 de dezembro de 1.929, disciplinando a circulação
internacional de automóveis e a sinalização de trânsito6.
Contudo, o primeiro código de trânsito do Brasil só foi aprovado em 1941, através do
Decreto-lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 19417, quase duas décadas após a
implantação da indústria automobilística no Brasil. Entretanto, essa norma foi
revogada oito meses depois pelo Decreto-lei n.º 3.651, de 25 de setembro de 1941,
que deu nova redação ao Código, criando o Conselho Nacional de Trânsito
(CONTRAN), subordinado diretamente ao Ministério da Justiça e Negócios
Interiores, e os Conselhos Regionais de Trânsito (CRT), nas capitais dos Estados,
subordinados aos respectivos governos estaduais8.
Nessa época, o Brasil vivia um período de urbanização, marcado pela
industrialização e pela expansão econômica, ocorrendo um grande crescimento da
frota de veículos em circulação no país. Esse fato exigiu uma revisão das leis em
vigor, culminando com a aprovação da lei n° 5.108, de 21 de setembro de 1966,
instituidora do Código Nacional de Trânsito (CNT)9, que vigorou durante 31 anos.
Nas décadas de 70, 80 e 90, o número de acidentes no trânsito cresceu
assustadoramente, ceifando muitas vidas, e fazendo com que a sociedade exigisse
mais rigor nas penas impostas aos infratores das leis de trânsito. Num contra-senso,
o CNT não previa nenhum crime de trânsito, fazendo que, sempre que necessário,
fosse utilizado o Código Penal Brasileiro (CPB) para qualificar os crimes mais graves
cometidos no trânsito, tais como homicídio e lesão corporal.
5 LEITE, 2009. 6 BRASIL. Decreto nº 19.038, de 17 de dezembro de 1.929. República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009. 7 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.994, de 28 de janeiro de 1941. República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009. 8 LEITE, op. cit., nota 5. 9 BRASIL. Código Nacional de Trânsito. Lei n° 5.108, de 21 de setembro de 1966. Instituiu o Código Nacional de Trânsito. República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009.
Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo
15
O grande número de acidentes de trânsito, a evolução da sociedade e da tecnologia
dos automóveis e a crescente frota de veículos tornaram o CNT ultrapassado,
levando o legislador a formular um novo Código de Trânsito.
Foi nesse contexto, visando sobretudo a preservação da vida humana, que foi
aprovado em 23 de setembro de 1997, o “novo” Código de Trânsito Brasileiro (CTB),
a lei n° 9.503, de 23 de setembro de 199710, o qual asseverou por meio dos seus
341 artigos, instrumentos e condições para assegurar a circulação de bens e
pessoas com segurança, eficiência, fluidez e conforto, trazendo consigo a previsão
legal dos crimes de trânsito e a aplicação de penalidades mais rigorosas aos
infratores. Assim, o CTB buscou adequar a legislação específica à nova realidade do
trânsito brasileiro, criou novas infrações de trânsito e tornando mais rigoroso o
tratamento aos condutores embriagados surpreendidos dirigindo veículos
automotores, tipificando a sua conduta como infração administrativa e também como
crime de trânsito.
Em vigor há pouco mais de 11 anos, o CTB já foi alterado nove vezes. As leis nº
9.602/98, 9.792/99, 10.350/01, 10.517/02, 10.830/03, 11.275/06, 11.334/06,
11.705/08 e 11.910/09, alteraram alguns artigos do Código, visando o
aprimoramento da legislação existente, adequando-o à realidade do trânsito. Além
dessas modificações, o CTB tendo sido ainda complementado administrativamente
por 316 Resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), número
atualizado até a data de 30 de maio de 200911.
10 BRASIL. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 24 set. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009. 11 CONTRAN. Resoluções do CONTRAN. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm>. Acesso em: 30 mai. 2009.
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16
2.2. Conceito de Trânsito
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 22, inciso XI, conferiu à União a
competência privativa para legislar sobre trânsito e transportes no Brasil, motivo pelo
qual somente se admite uma legislação de trânsito que seja válida para todo o país:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XI - trânsito e transporte; [...]12
O conceito de trânsito está consignado no art. 1º, § 1º, do CTB, e também de
maneira mais sintética, no Anexo I do Código:
Art. 1º. [...] § 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga. [...] Anexo I: [...] TRÂNSITO - movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres. [...]13
Cabe ressaltar que a legislação de trânsito não se baseia somente no CTB, mas
compreende as normas em sentido amplo, representadas pelos atos normativos
emanados pelos órgãos de trânsito, em especial as Resoluções do CONTRAN, que
complementam o Código de Trânsito.
12 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. 13 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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17
2.3. Direito ao Trânsito Seguro
A Carta Magna protege o direito à vida e à segurança no caput do art. 5º da
Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]14 (grifo nosso)
O CTB, de forma expressa, em seu art. 1º, § 1º, estabelece a segurança no trânsito
como um direito coletivo:
Art. 1º. [...] § 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito. [...]15 (grifo nosso)
Assim, essa norma deve ser interpretada como um princípio, notadamente o
princípio da universalidade do direito ao trânsito seguro, uma vez que cria um direito
aplicável a todos indistintamente. Entretanto, isso não significa que por ser um
direito, não represente igualmente uma obrigação, pois a segurança do trânsito
depende da participação de toda a sociedade, não sendo possível esperar que
apenas os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito16 se responsabilizem
pela garantia a esse direito.
14 BRASIL, Constituição (1988). 15 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 15 Ibid. 16 Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades: I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo; II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores; III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; V - a Polícia Rodoviária Federal; VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI.
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18
Nesse sentido, o caput do art. 28 do CTB demonstra a preocupação do legislador,
assim como em outros artigos, de impor a participação do usuário da via na garantia
do trânsito seguro, chegando até mesmo a estabelecer uma regra para gradação da
responsabilidade, nos termos do art. 29, § 2º do CTB, in verbis:
Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito. Art. 29. [...] § 2º Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.17
A redação do art. 1º, § 2º do CTB acaba por remeter à disposição constitucional que
trata da segurança pública, conforme previsão do caput do art. 144 da CF/88:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] .18(grifo nosso)
Percebe-se que o legislador constituinte se preocupou em mencionar
expressamente que, apesar de ser um direito, a segurança pública é também uma
responsabilidade de todos, o que reforça o raciocínio supramencionado.
Assim, a segurança do trânsito é indubitavelmente a maior preocupação que norteia
a aplicação do CTB, devendo-se lembrar que foram exatamente os índices
alarmantes de acidentes automobilísticos e sua correspondente mortalidade que
motivaram as mudanças na legislação de trânsito brasileira, de forma a trazer regras
mais rigorosas para as relações no trânsito.
Sem pretender se aprofundar nesta abordagem, por não se constituir o fulcro deste
trabalho, cumpre ressaltar o já citado art. 1º, § 2º do CTB. Tal dispositivo demonstra
que o trânsito em condições seguras se constitui num direito de todos e dever dos
órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito. A esses
17 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 18 BRASIL, Constituição (1988).
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19
cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotarem as medidas
necessárias para a efetivação desse direito.
Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo
20
3. EMBRIAGUEZ
Inicialmente, é necessário frisar que o conceito de embriaguez abrange mais do que
apenas o alcoolismo, incluindo as substâncias psicoativas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), órgão da Organização das
Nações Unidas (ONU), a bebedeira ou intoxicação aguda é de modo geral produzida
por álcool ou outro produto, sendo uma conseqüência do uso de uma substância
psicoativa, provocando perturbações da consciência, das faculdades cognitivas, da
percepção, do afeto ou do comportamento, ou de outras funções e respostas
psicofisiológicas.19
A OMS, através da CID 10 (Classificação Internacional das Doenças), define
embriaguez da seguinte forma:
[...] como sendo toda forma de ingestão de álcool que excede ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores, como por exemplo, a hereditariedade, a constituição física ou as alterações fisiopatológicas adquiridas.20
Em complemento, a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) conceituou o
alcoolismo da seguinte maneira:
Alcoolismo é toda forma de ingestão de álcool que exceda o consumo tradicional, os hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os fatores etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem desses fatores como: a hereditariedade, a constituição física ou as influências fisiopatológicas e metabólicas adquiridas.21
Nesse sentido, RIZZARDO ensina que:
19 BALLONE, GJ - Imputabilidade: principais modificadores - in. PsiqWeb, Internet, disponível em <http://www.psiqweb.med.br/site/Default.aspx?area=NO/LerNoticia&idNoticia=100>, revisto em 2008. Acesso: 20 abr 2009. 20 Ibid. 21 PECULIARIDADES da Embriaguez em Serviço. Academia de Direito Militar, 11 set 2008. Disponível em: <http://www.academiadedireitomilitar.com/index.php?option=com_content&view=article&id=100&catid=35>. Acesso em: 20 abr. 2009.
Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo
21
A embriaguez corresponde a um estado temporário de intoxicação da pessoa, provocada pelo álcool ou substância análoga ou de semelhantes efeitos, que a priva do poder de autoridade de autocontrole e reduz ou anula a capacidade de entendimento.22
Normalmente estima-se que uma dosagem de quatro gramas de álcool por litro de
sangue seria suficiente para dificultar a compreensão e diminuir a capacidade de
atenção. O resultado desta dosagem de álcool em certas pessoas começa a motivá-
las a distúrbios morais.23
Neste contexto, conclui-se que a bebedeira ou intoxicação aguda pelo álcool é
proporcionalmente vinculada à quantidade de álcool ingerido. Dessa forma, a tabela
abaixo demonstra a dose de álcool necessária para que um ser humano (homem
médio) comece a apresentar os sinais de embriaguez, chegando até o seu grau
máximo (6). 24
Tabela - Sinais da Embriaguez
Grau da embriaguez Dose álcool no sangue
Sinais Sub -Clínicos 0.4 a 0.8 g/L
Embriaguez Clínica Leve 0.8 a 2 g/L
Embriaguez Moderada 2 a 3 g/L
Coma Alcoólico 4 a 5 g/L
Dose Mortal Acima de 5 g/L
Fonte: http://www.academiadedireitomilitar.com/index.php?option=com_content&view=article&id=100&catid=35
Responsável por grande parte dos acidentes de trânsito no Brasil, o álcool é
considerado como a grande causa das ocorrências de trânsito, diminuindo os
reflexos do condutor, aumentando o tempo de reação ou o tempo psicológico.
Assim, prejudica a visão do condutor, distorcendo suas avaliações de distância e de
espaço. Caso associado à ingestão de anfetaminas ou de certos remédios
controlados, pode resultar num efeito altamente danoso para a consciência do
22 RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro. 4. ed. atual. rev. ampl. São Paulo: Revista do Tribunais, 2003, p. 640. 23 PECULIARIDADES, 2008. 24 Ibid.
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22
condutor, assim como para o seu bom desempenho na direção. Além disso, a
embriaguez, ainda que incipiente, provoca os seguintes efeitos: a privação do
governo de seus músculos; a alteração das imagens produzidas pelos sentidos,
produzindo, por exemplo, a diplopia ou a visão dupla; e a privação do governo
prudente de si mesmo, que se torna ousado e impulsivo e passa a enfrentar o
perigo, exatamente para provar aos outros que está seguro e firme.25
25 ABRAMET. Associação Brasileira de Medicina de Tráfego. Disponível em: <http://www.abramet.com.br/Site/Home.aspx>. Acesso em: 21 abr. 2009.
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23
4. PRINCÍPIOS JURÍDICOS
Prosseguindo no estudo monográfico, ao se iniciar a análise jurídica, torna-se
necessário examinar alguns preceitos fundamentais que dão forma e características
peculiares ao sistema jurídico. Em outras palavras, são os pilares que norteiam o
ordenamento jurídico vigente, através de disposições fundamentais que se irradiam
sobre todo o sistema e normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para
a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico.
Dessa forma, os princípios gerais do direito são ferramentas basilares e de
fundamental importância para a criação, a aplicação e a interpretação das normas
jurídicas.
Assim, para a boa aplicação do Direito, o operador do direito e o estudioso da
ciência jurídica não pode prescindir de uma visão de todos os princípios, fundada
primordialmente na Constituição.
O Direito Penal, Processual Penal e Administrativo são construídos com base em
princípios constitucionais, os quais norteiam a sua construção e a sua existência,
devendo conseqüentemente ser respeitados. Desta feita, as normas penais,
processuais, e administrativas deverão estar em consonância com os princípios
constitucionais.26.
Como nos ensina ESPÍNDULA, princípio:
Designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia-mestra, por um pensamento-chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.27
26 TELES, Ney Moura. Direito Penal, parte geral: arts. 1º a 120, vol. 1. São Paulo: Editora Atlas, 2004. 27 ESPINDULA, Ruy Samuel. Conceitos de Princípios Constitucionais (apud LEITE, George Salomão (org.). Dos Princípios Constitucionais: Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. 1ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 24.
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24
No mesmo sentido SARMENTO diz:
Os princípios representam as traves-mestras do sistema jurídico, irradiando seus efeitos sobre diferentes normas e servindo de balizamento para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que radicam. 28
Nesse contexto, em se tratando o presente estudo de um trabalho científico relativo
ao mundo jurídico, torna-se primordial o conhecimento e a definição de alguns
princípios de direito administrativo, penal e processual penal a ele correlatos.
Nesse sentido, inicia-se a análise e o estudo daqueles pressupostos de maior
relevância e intimamente relacionados à temática em estudo.
4.1. Princípio da Supremacia do Interesse Público
O princípio da supremacia do interesse público, também chamado por DI PIETRO
como principio da finalidade pública, estabelece que a Administração Pública deva
ter como objetivo primordial o atendimento ao interesse público e ao bem-estar
coletivo. Não será o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas
sim o grupo social como um todo.29
No embate entre o interesse público e o particular deverá sempre prevalecer o
interesse público. Esse é o grande princípio informativo do Direito Público, segundo
CRETELLA JUNIOR citado por DI PIETRO.30
CARVALHO FILHO ensina que se trata da primazia do interesse público, em que o
indivíduo tem que ser visto como integrante da sociedade, não podendo os seus
direitos individuais prevalecerem em relação aos direitos sociais.31
28 SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Editoria Lúmen Júris, 2002, p. 42. 29 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 30 CRETELLA JÚNIOR, José, apud DI PIETRO, 2007.
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25
No mesmo sentido, MELLO ensina que "[...] o princípio da supremacia do interesse
público sobre o interesse privado é princípio geral do Direito inerente a qualquer
sociedade. É a própria condição de sua existência." 32.
LAZZARINI leciona que:
"[...] deve ser garantida a convivência pacífica de todos os cidadãos de tal modo que o exercício dos direitos de cada um, não se transforme em abuso e não ofenda, não impeça, não perturbe o exercício dos direitos alheios".33
Nessa mesma diapasão, MEIRELLES escreve que
[...] a supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre as pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade [...].34
Dessa forma, tal princípio é indisponível, ou seja, não pode o administrador público
dispor de interesses públicos confiados a sua guarda e a sua realização. Assim, os
poderes atribuídos à Administração assumem um caráter de poder-dever, em que o
administrador não pode deixar de exercer, sob pena de responsabilização por sua
omissão, uma vez que a desídia no exercício de tais poderes prejudicará o interesse
público.35
Em suma, a primazia do interesse público sobre o individual, é preceito reitor de
todos os demais pressupostos atrelados a intervenção estatal.
Dessa forma, na presente monografia o princípio da supremacia do interesse público
deve ser analisado ao se verificar a constitucionalidade e a legalidade dos meios de
prova utilizados para a comprovação da embriaguez alcoólica segundo o Código de
Trânsito Brasileiro.
31 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008. 32 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20. ed. rev. Atual até a Emenda Constitucional 48, de 10.08.2005. São Paulo: Malheiros, 2006. 33 LAZZARINI, Álvaro. Estudos de Direitos Administrativos. Sistematização Rui Stoco. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 50. 34 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 129. 35 Ibid.
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26
Assim, por exemplo, em tese, afronta o princípio da supremacia do interesse público
a defesa do direito individual de não produzir prova contra si, quando o condutor
embriagado se recusa a realizar o exame etílico através do aparelho de ar alveolar
pulmonar, comercialmente conhecido como etilômetro, e popularmente conhecido
como “bafômetro”. Tal conduta negativa irá contra o interesse público de punição e
de repressão aos condutores embriagados e que expõe a risco a incolumidade física
e a saúde de outrem, prejudicando o direito de todos de terem um trânsito seguro.
Dessa forma, na ponderação de qual hermenêutica jurídica deverá ser aplicada, o
interesse público deverá prevalecer frente ao direito individual.
4.2. Princípio da Legalidade ou da Reserva Legal
O princípio da legalidade ou da reserva legal estabelece que toda e qualquer
atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Assim, a Administração Pública
só pode fazer o que a lei permite36. Caso contrário a atividade será ilícita.37
Esse princípio nasceu na Europa, entre os séculos XVII e XVIII, com o surgimento
do Iluminismo e das revoluções burguesas, as quais derrubaram os Estados
Absolutistas e implantaram os Estados Democráticos de Direito, baseados na lei, em
que todos estavam sujeitos as normas, inclusive o próprio Estado e seus
governantes.38
Tal princípio está positivado no direito constitucional brasileiro no art. 5º, inciso II, da
Constituição Federal de 1988, que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”39. Assim, prevalece para os
particulares a autonomia da vontade, em que tudo é permitido, exceto aquilo que a
lei proíbe.
36 DI PIETRO, 2007. 37 CARVALHO FILHO, 2008. 38 DI PIETRO, 2007. 39 BRASIL, Constituição (1988).
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27
Além do art. 5º, inciso II, o princípio da legalidade também está expressamente
previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, que determina que a
Administração Pública deverá obedecer aos princípios da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. [...]40
Em decorrência disso, a Administração Pública não pode por simples ato
administrativo conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor
vedações aos administrados. Para tanto, ela dependerá de lei. Assim, para a
Administração Pública não há autonomia da vontade, com o administrador público
podendo fazer apenas aquilo que a lei e o direito determinam ou autorizam. Tal
princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies
normativas, devidamente elaboradas, conforme as regras do processo legislativo
constitucional, podem ser criadas obrigações e direitos para o indivíduo, pois são a
expressão da vontade geral da sociedade41.
Dessa forma, o princípio da legalidade caracteriza-se muito mais como uma garantia
constitucional, do que como um direito individual, uma vez que assegura ao cidadão
o direito de repelir qualquer obrigação imposta por outra via, que não seja a lei.42
O princípio implica na subordinação completa do administrador à lei. Conforme
MEIRELLES citado por CARVALHO FILHO: “[...] enquanto os indivíduos no campo
privado podem fazer tudo o que a lei não proíba, o administrador público só pode
atuar onde a lei autoriza”43. CARVALHO FILHO finaliza dizendo que: “só é legítima a
atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei.”44.
Vale dizer que se a lei nada dispuser, não pode a Administração Pública agir.
40 BRASIL, Constituição (1988). 41 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. Ed. São Paulo: Atlas, 2006. 42 Ibid. 43 MEIRELLES, apud CARVALHO FILHO, 2008. 44 CARVALHO FILHO, 2008.
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28
A observância e a efetividade do princípio da legalidade são garantidas pelo
princípio do livre acesso ao Poder Judiciário, estabelecido no Art. 5º, inciso XXXV,
que determina “que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça de lesão”45, ainda que tal lesão ou ameaça decorra de ato da Administração.
No aspecto penal, o princípio da legalidade é consagrado pela máxima nullum
crimen, nulla poena sine lege, significando que não haverá crime se não houver lei
escrita definindo a infração penal e impondo a conseqüente pena, constituindo uma
efetiva limitação ao poder punitivo do Estado. Assim, pelo princípio da reserva legal
alguém só pode ser punido se anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei
que considere a conduta como crime.
O brocardo jurídico nullum crimen, nulla poena sine lege, segundo o penalista
espanhol MAURACH citado por TOLEDO46, se desdobra em quatro postulados
jurídicos:
a) nullum crimen, nulla poena sine lege praevia (proibição da edição de leis
retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade);
b) nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (proibição da fundamentação ou do
agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário47);
c) nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (proibição da fundamentação ou do
agravamento da punibilidade pela analogia); e
d) nullum crimen, nulla poena sine lege certa (a proibição de leis penais
indeterminadas).
Verifica-se assim que a lei é a fonte única de criação dos delitos e das penas. Com
isso, o arbítrio judicial, a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito não
podem instituir os delitos ou as penas48.
45 BRASIL, Constituição (1988). 46 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 5ª ed., 1994, apud MAURACH, Reinhart. Tratado de Derecho Penal. Barcelona: Ariel, 1962. 47 Entende-se por direito consuetudinário aquele sistema normativo que se fundamenta nos costumes e cujas disposições vão se conformando de acordo com a prática constante do comportamento e condutas de um grupo social determinado.
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29
Com relação ao tema do presente trabalho monográfico, verifica-se que os meios de
prova utilizados para a comprovação da embriaguez alcoólica devem também
respeitar o princípio da legalidade, ou seja, devem estar previstos em lei. Assim, o
Estado ao abordar um cidadão condutor de um veículo em uma blitz de trânsito,
estará obstacularizando o seu direito constitucional individual de ir e vir e a sua
liberdade, previsto no caput e no inciso XV, do art. 5º, da Constituição Federal de
1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. [...].49 (grifo nosso)
Dessa forma, para o Estado limitar tal direito de locomoção, será necessário uma
norma infraconstitucional que autorize o seu exercício por parte da Administração
Pública. Da mesma forma, ao se impor ao condutor com suspeita de estar
embriagado a obrigação de realizar o exame do etilômetro, imperioso será que tal
obrigação esteja prevista no ordenamento jurídico pátrio. Atualmente tal lei é o CTB.
Além disso, o princípio da legalidade exige para a configuração do delito tipificado
pelo art. 306 do CTB, a necessidade obrigatória de observância irrestrita ao
estabelecido em lei:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008).50
48 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, parte geral, vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. 49 BRASIL, Constituição (1988). 50 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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30
Dessa forma, caso o condutor se recuse a realizar ao teste por aparelho de ar
alveolar pulmonar (etilômetro), assim como não permita a coleta de amostra de
sangue para a realização de exame laboratorial químico-toxicológico, não será
possível a configuração do crime em tela, uma vez que a norma exige o
cumprimento de um requisito totalmente objetivo, qual seja, a constatação material
de uma concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de
sangue.
Assim, não será possível a comprovação da embriaguez alcoólica por outros meios
de prova ou até mesmo por exames clínicos ou perícia realizada por instituto médico
legal oficial, conforme previsto no art. 277 do CTB:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006). § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo Único pela Lei nº 11.275, de 2006). [...].51
Isso porque em nenhum desses procedimentos é possível a aferição objetiva do
grau de concentração de álcool no sangue, requisito imprescindível para a
caracterização do crime na atual conformação legal.
Tal entendimento é reforçado na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso
XXXIX, que estabelece que a lei deve definir a conduta típica para a configuração de
um crime:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; [...].52(grifo nosso)
O mesmo requisito também está positivado no art. 1º do Código Penal Brasileiro que
estabelece o princípio da anterioridade da lei penal:
51 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 52 BRASIL, Constituição (1988).
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31
Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).53 (grifo nosso)
Tal entendimento é aplicação hermenêutica do brocardo jurídico nullum crimen, nulla
poena sine lege, visto anteriormente. Assim, pelo princípio da anterioridade, a lei é
que balizará o comportamento do cidadão, antes mesmo de sua conduta se verificar,
traçando normas e regulando a sua tipicidade. A conduta será predeterminada pelo
legislador antes mesmo de sua ocorrência.
Dessa forma, para a comprovação da infração ao art. 306 do CTB, imperioso será a
comprovação objetiva de que o condutor esteja com uma concentração igual ou
superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue ao conduzir veículo
automotor.
4.3. Princípio da Anterioridade da Lei Penal
O princípio da anterioridade da lei penal faz parte do ornamento jurídico brasileiro
por expressa previsão da Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inc. XXXIX, e
também pelo estabelecido no Código Penal Brasileiro em seu art. 1º, onde está
positivado que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”. Daí decorre a aplicação no sistema jurídico nacional do brocardo
nullum crimen, nulla poena sine lege praevia, significando que não haverá crime se
não houver lei escrita definindo a infração penal e impondo a conseqüente pena.
Assim, pelo princípio da anterioridade da lei penal, alguém só pode ser punido se
anteriormente a um fato criminoso existir uma lei tipificando a conduta como crime e
positivando a sanção correspondente.
53 BRASIL. Código Penal Brasileiro (1941). República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009.
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32
Não é necessário maior aprofundamento sobre tal princípio, pois suas
características já foram apresentadas no tópico 4.2., que tratou do princípio da
legalidade.
4.4. Princípio da Razoabilidade e da Proporcionalidade
O princípio da razoabilidade é aquele que exige do Poder Público, no exercício de
suas competências, proporcionalidade, justiça e adequação entre os meios
utilizados e os fins almejados, levando-se em conta critérios racionais e coerentes.54
Dessa forma, a razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que
se situa dentro de limites aceitáveis, devendo ser observados critérios de
normalidade, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam
dispor-se de forma um pouco diversa. O bom senso comum deve prevalecer.55
A Administração Pública, no exercício de suas atividades discricionárias deve atuar
de forma racional, afeiçoada ao senso comum das pessoas normais, buscando a
satisfação do interesse público. 56
Já o princípio da proporcionalidade estabelece que no agir da Administração Pública
deverá ocorrer a proporcionalidade entre os meios que se utiliza e os fins que se
objetiva alcançar. Tal proporção deverá ser aferida através critérios comuns da
sociedade.57
Percebe-se que o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade são simbióticos,
devendo ser analisados juntamente. O objetivo comum é servir de instrumento de
controle contra atos abusivos estatais, qualquer que seja sua natureza.58
54 MORAES, 2006. 55 MELLO, 2006. 56 Ibid. 57 Ibid. 58 CARVALHO FILHO, 2008.
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33
Com relação ao tema do presente trabalho monográfico, verifica-se que os princípios
da razoabilidade e da proporcionalidade devem ser comparados com outros
princípios jurídicos, quando se analisa a constitucionalidade e a legalidade dos
meios de prova utilizados para a comprovação da embriaguez alcoólica previstos no
Código de Trânsito Brasileiro.
Assim, por exemplo, em tese, fere o princípio da razoabilidade e da
proporcionalidade a defesa do direito individual de não produzir prova contra si
quando o condutor embriagado se recusa a realizar o exame do etilômetro, pois sua
atitude negativa irá contra o princípio da supremacia do interesse público e ao direito
de todos de terem um trânsito seguro. Dessa forma, na ponderação sobre valores e
princípios jurídicos, a razoabilidade e a proporcionalidade servirão de critérios e de
parâmetros sobre quais daqueles deverão prevalecer.
4.5. Princípio da Segurança no Trânsito
A Constituição Federal de 1988 firmou em seu preâmbulo que a segurança se
constitui em um direito social e individual inerente ao povo brasileiro:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 59 (grifo nosso)
Nesse mesmo sentido, a Carta Magna no seu Título II, referente aos direitos e as
garantias fundamentais, consagrou no caput do art. 5º a segurança como um direito
fundamental inviolável:
59 BRASIL, Constituição (1988).
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34
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes60 (grifo nosso)
Dessa forma, observa-se que o direito à segurança é um conceito jurídico de
interpretação bastante ampla, podendo se decompor em outros sub-princípios, entre
as quais o princípio da segurança no trânsito.
Nesse contexto, o CTB, de forma expressa, em seu art. 1º, § 1º, estabeleceu a
segurança no trânsito como um princípio e com um direito de toda a sociedade:
Art. 1º. [...] § 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito. [...]61 (grifo nosso)
Entretanto, esse dispositivo legal não deve ser analisado apenas como um direito
extensivo a todos os cidadãos. Mas também como uma obrigação, uma
responsabilidade e um dever de todos, uma vez que a segurança do trânsito
depende da participação de toda a sociedade, não sendo possível esperar que
apenas os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito se responsabilizem
pela garantia a esse direito. Esse entendimento está disposto no caput do art. 28 do
CTB, que estabelece a obrigação do condutor de dirigir objetivando a segurança do
trânsito. Consoante a isso, o legislador positivou uma regra para gradação da
responsabilidade, nos termos do art. 29, § 2º do CTB, in verbis:
Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito. Art. 29. [...] § 2º Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.62 (grifo nosso)
60 BRASIL, Constituição (1988). 61 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 61 Ibid. 62 BRASIL, Constituição (1988).
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35
A redação do art. 1º, § 2º do CTB, deve ser analisada em conjunto com o caput do
art. 144 da CF/88, que trata da segurança pública:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...] 63 (grifo nosso)
Verifica-se que o constituinte se preocupou em estabelecer expressamente a
segurança pública como um direito, mas também como uma responsabilidade de
todos, o que reforça o raciocínio supramencionado.
Corroborando esse raciocínio jurídico, RIZZARDO entende que:
[...] tão importante tornou-se o trânsito para a vida nacional que passou a ser instituído um novo direito – ou seja, a garantia de um trânsito seguro. Dentre os direitos fundamentais, que dizem respeito com a própria vida, como a cidadania, a soberania, a saúde, a liberdade, a moradia e tantos outros, proclamados no art. 5º da Constituição Federal, está o direito ao trânsito seguro, regular, organizado ou planejado, não apenas no pertinente à defesa da vida e da incolumidade física, mas também relativamente à regularidade do próprio trafegar, de modo a facilitar a condução dos veículos e a locomoção das pessoas.64 (grifo nosso)
Dessa forma, o princípio da segurança no trânsito passou a ser norteador de todo o
CTB. Assim, em relação ao tema da presente monografia, verifica-se a completa
incompatibilidade entre a condução com segurança no trânsito de um veículo
automotor e a ingestão de bebidas alcoólicas.
Desta feita, para o Estado exercer com efetividade o dever de garantir a segurança
pública à sociedade, em especial a segurança no trânsito, deverá utilizar como meio
o exercício do seu poder de polícia, que será analisado em tópico posterior.
63RIZZARDO, 2003, p. 29.
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36
4.6. Princípio da Presunção de Inocência
O princípio da presunção de inocência está positivado no art. 5º, inciso LVII, da
CF/88 que estabelece:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; [...]65 (grifo nosso)
Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo,
que é constitucionalmente presumido inocente.66 Assim, o cidadão preso em
flagrante delito, indiciado em inquérito, ou mesmo processado judicialmente não
poderá ser considerada culpado, antes da sentença penal condenatória, que tenha
transitado em julgado. Com isso, o Constituinte afastou a presunção de
culpabilidade, consagrando a presunção absoluta de inocência.
Segundo CAPEZ o princípio constitucional da presunção de inocência se desdobra
na presunção legal relativa da não-culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova.
Além disso, no momento da avaliação da prova, deve-se valorá-la em favor do
acusado, quando houver dúvida.67
Essa interpretação também deve ser aplicada ao crime previsto no art. 306 do CTB.
Caso o condutor de veículo automotor, suspeito de estar embriagado, não se
submeta aos testes de alcoolemia, positivados no art. 277 do CTB, não poderá ser
considerado culpado, uma vez que se presume a sua inocência, não sendo possível
sua condenação penal, por falta de prova objetiva exigida pela norma legal.
65 BRASIL, Constituição (1988). 66 MORAES, 2006. 67 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 13. ed. rev. e atual. São Paulo, SP: Saraiva, 2006.
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37
4.7. Princípio do “Favor Rei” ou “In Dubio Por Reo”
O princípio do “Favor Rei” ou do “In dubio pro reo” é uma decorrência do princípio
constitucional da presunção de inocência, previsto no art. 5º, inciso LVII, da CF/88,
conforme já explanado no tópico anterior. Esse princípio representa uma garantia
ao cidadão contra a ineficiência e o arbítrio do Estado, assim como assegura a
proteção contra a condenação penal baseada em acusações temerárias ou falsas.
Estabelece que se houver insuficiência de provas para a condenação, o Estado-Juiz
deve prolatar decisão absolutória, pois no Estado Democrático de Direito, tutelador
da liberdade, das garantias e dos direitos individuais, é melhor uma possível
absolvição de um culpado, do que uma possível condenação de um inocente.
Segundo DOTTI, aplica-se "sempre que se caracterizar uma situação de prova
dúbia, pois a dúvida em relação à existência ou não de determinado fato deve ser
resolvida em favor do imputado". 68
Nesse sentido, TOURINHO FILHO proclama que "no conflito entre o ‘jus puniendi’
do Estado, por um lado, e o ‘jus libertatis’ do acusado, por outro lado, a balança
deve inclinar-se a favor deste último, se se quiser assistir ao triunfo da liberdade"69.
Da mesma forma, a respeito do princípio jurídico do “Favor rei”, CAPEZ diz que “a
dúvida sempre beneficia o acusado. Se houver duas interpretações, deve-se optar
pela mais benéfica; na dúvida absolve-se o réu”70.
Nesse sentido, para a penalização do crime previsto no art. 306 do CTB, imperioso
será a comprovação objetiva de que o condutor esteja com uma concentração igual
ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue ao conduzir veículo
automotor.
Deste modo, o dever de produzir a prova material é do Estado. Caso não seja
possível sua produção, existindo dúvidas a respeito de sua conduta, o condutor que
supostamente tenha dirigido embriagado, deverá ser absolvido por falta de provas,
68 DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 155. 69 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 26. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2004. 4v., p. 71. 70 CAPEZ, 2006, p. 44.
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38
mesmo que tenha se recusado a se submeter aos testes de alcoolemia previstos no
art. 277 do CTB.
4.8. Princípio do Non Bis In Idem
O princípio do non bis in idem estabelece que ninguém poderá ser punido mais de
uma vez por uma mesma infração penal. Em nosso ordenamento jurídico não há
previsão expressa de tal princípio. Entretanto, o que se prevê é a impossibilidade de
haver duas ou mais punições criminais pela prática de uma única infração penal.
Entretanto, um mesmo fato pode ser punido mais de uma vez em instâncias
diferentes, sem configurar bis in idem.
Dessa forma, no ordenamento jurídico brasileiro a esfera criminal é totalmente
independente da instância civil ou administrativa. É o caso, por exemplo, de um
condutor embriagado que se envolva em um acidente de trânsito. Ele poderá ser
punido penal, civil e administrativamente, sem configurar o bis in idem.
Desta feita, o bis in idem significa a pluralidade de sanções, num mesmo âmbito
jurídico, pela pratica de uma única infração penal.
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39
5. TEORIA DA PONDERAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A Constituição Federal de 1988 tutela vários direitos individuais e coletivos, com a
doutrina e a jurisprudência formulando alguns princípios jurídicos, emanados da
interpretação sistêmica da Carta Magna. Desta forma, surgem interpretações de
direitos e de princípios de aparentam ser antagônicos e inconciliáveis.
Numa rápida análise, pois tais princípios e direitos já foram analisados no presente
trabalho, por exemplo, a CF/88 no art. 5°, caput, estabelece o direito à liberdade. O
inciso II do mesmo artigo, positiva que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, consagrando o princípio da legalidade.
O mesmo art. 5°, prescreve ainda no inciso LVII, que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, emanando o
princípio da presunção de inocência. Todos esses princípios e direitos protegem o
cidadão, sendo usados como argumentos por aqueles que entendem que o condutor
com suspeita de estar em embriagado, não está obrigado a se submeter aos testes
de alcoolemia estabelecidos em lei, pois o cidadão não é obrigado a produzir prova
contra si, sendo vedada a auto-incriminação.
Por outro lado, a própria Carta Magna, no mesmo art. 5°, caput, prevê a
inviolabilidade do direito à vida e a segurança, assim como no art. 144, caput,
estabelece que a segurança pública é um direito e uma responsabilidade de todos,
sendo dever do Estado. Desta feita, o Estado poderia exigir coercitivamente do
condutor suspeito de dirigir alcoolizado a realização dos testes de alcoolemia, desde
que previstos em lei, objetivando a preservação do interesse da coletividade a um
trânsito seguro, em detrimento do direito individual do condutor.
Dessa forma, sem analisar a legislação infraconstitucional, percebe-se o aparente
antagonismo de direitos, princípios e interpretações, até mesmo dentro de um único
artigo (art. 5° da CF/88) e o seu próprio caput.
Assim, de um lado encontra-se o direito do condutor de não se submeter a exames
de verificação de dosagem alcoólica, em razão da proteção conferida pela
Constituição aos cidadãos de não produzirem prova contra si.
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40
De outro lado, verifica-se a obrigação do Estado de ordenar o trânsito de modo a
garantir o direito à vida, à integridade física e à segurança pública.
Dessa forma, diante da colisão de princípios constitucionais, deve-se aplicar a teoria
da ponderação dos princípios constitucionais71, que consiste na análise e na
ponderação dos princípios em colisão, através do uso de concessões recíprocas,
procurando preservar o máximo possível de cada um dos institutos em litígio.
Caso os princípios analisados forem totalmente inconciliáveis, o operador do direito
deverá realizar a escolha do direito ou o princípio que irá prevalecer no caso
concreto, levando em consideração o interesse público e o da coletividade, e o
direito individual, verificando qual princípio ou direito melhor se amolda à vontade da
Constituição.72
Nesse sentido, ZAGANELLI entende que:
[...] Ao realizar a ponderação, deve o aplicador do Direito, em um primeiro momento, verificar se o caso concreto está efetivamente compreendido na esfera de proteção de mais de um princípio, o que pode ser feito através da interpretação dos cânones em jogo. Caso se constate que a hipótese realmente é tutelada por mais de um princípio, passa-se à fase ulterior, da ponderação propriamente dita: aí o interprete, à luz das circunstâncias concretas, impõem “compressões” recíprocas sobre os bens jurídicos protegidos pelos princípios em disputa, objetivando lograr um ponto ótimo, onde a restrição a cada bem seja a mínima indispensável à sua convivência com o outro. O nível de restrição de cada bem jurídico será inversamente proporcional ao peso que se emprestar, no caso, ao princípio do qual ele se deduzir, e diretamente proporcional ao peso eu se atribuir ao princípio protetor do bem jurídico concorrente. A solução do conflito terá que ser casuística, pois estará condicionada pelo modo com que se apresentarem os interesses em disputa, e pelas alternativas pragmáticas viáveis para o equacionamento do problema. [...]73 (grifo nosso)
71 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. rev. e ampl. - São Paulo: Malheiros, 2006. 72 FLORIANO, Eduardo de Souza. A Constituição Federal permite a condução de veículo automotor, sob influência de álcool - sem que o condutor sofra qualquer tipo de molestação pela autoridade policial?. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1976, 28 nov. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12024>. Acesso em: 04 mai. 2009. 73 ZAGANELLI, Margareth Vetis. Intervenções corporais como meio de prova no processo penal: o difícil limite entre o jus puniendi e os direitos fundamentais do acusado. Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2001, p. 176.
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41
Desse modo, para tal análise e ponderação, deverá ser utilizado o princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade como meio hermenêutico, para a verificação da
interpretação a ser aplicada ao caso concreto.
Assim, entende-se que nenhum princípio ou direito possa ser considerado absoluto,
mas que deva ser analisado o caso concreto e aplicado a ponderação dos
princípios, buscando sempre a supremacia do interesse coletivo, porém sem
desrespeitar o direito individual.
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6. PODER DE POLÍCIA
O poder de polícia possui uma definição legal. O art. 78 do Código Tributário
Nacional (CTN) define o instituto como a atividade administrativa do Estado, que
limita ou disciplina direitos e liberdades, em razão do interesse público, abrangendo
a segurança, a tranqüilidade e a salubridade, através da regular atuação dos órgãos
competentes, nos limites da lei, respeitando o devido processo legal, e nos casos
discricionários, sem abuso ou desvio de poder. Explicita-se:
Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. [...].74
Para CARVALHO FILHO, poder de polícia “é a prerrogativa de direito público que,
calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da
liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade.”75
Já DI PIETRO conceitua poder de polícia como sendo a “atividade do Estado
consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse
público.”76
Dessa forma, para o exercício de sua atividade, a Administração Pública é detentora
de prerrogativas para o desempenho de suas atividades. Em contrapartida, seus
atos administrativos estão sujeitos aos limites impostos pelo ordenamento jurídico,
para assegurar a garantia dos direitos dos cidadãos, colocando em lados opostos a
autoridade da Administração e a liberdade individual. O cidadão pode exercer
plenamente os seus direitos, mas a administração pode condicionar este exercício
74 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Institui o Código Tributário Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 27 out. 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009. 75 CARVALHO FILHO, 2008, p. 68. 76 DI PIETRO, 2007, p. 103.
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ao bem estar coletivo, utilizando-se do poder de polícia, haja vista que se
fundamenta no princípio da predominância do interesse público sobre o particular.77
Discorrendo no sentido de que o poder de polícia limita o exercício da liberdade e da
propriedade, para que eles estejam em harmonia com o interesse coletivo, de modo
a não implicar em um óbice à realização dos objetivos públicos, MELLO traz à tona
uma crítica pertinente sobre a impropriedade da expressão “poder de polícia”, pois
algumas vezes, leva a reconhecer à Administração poderes que seriam
inconcebíveis no Estado de Direito:
[...] a expressão “poder de polícia” traz consigo a evolução de uma época pretérita, a do “Estado de Polícia”, que precedeu ao Estado de Direito. Traz consigo a suposição de prerrogativas existentes em prol do “príncipe” e que se faz comunicar inadvertidamente ao Poder Executivo. Em suma: raciocina-se como se existisse uma “natural” titularidade de poderes em prol da Administração e como se dela emanasse intrinsecamente, fruto de um abstrato “poder de polícia”. Daí imaginar-se algumas vezes, e de modo mais ingênuo, que tal ou qual providência – mesmo carente de supedâneo em lei que a preveja – pode ser tomada pelo Executivo por ser manifestação de “poder de polícia”. 78
Assim, fica evidenciado a complexidade do instituto “poder de polícia” em virtude de
sua abrangência e por guardar estreita relação com as liberdades públicas e os
direitos dos cidadãos, com as suas garantias e as suas limitações pela autoridade
estatal, demonstrando o seu valor fundamental na motivação do agir estatal, como
afirma CRETELLA JUNIOR:
Mediante o exercício do poder de polícia, o Estado toma uma série de providências que recaem sobre os administrados, garantindo-lhes o bem-estar, mediante o policiamento da conduta exorbitante de cada um dos componentes do grupo. [...] O poder de polícia geral sempre existiu no Estado, qualquer que tenha sido a natureza e funções, no que diz respeito aos fins da sociedade a ele referida, quer tenha tido caráter amplo de polícia interna (concepção originária da polícia como governo), quer tenha sido concebido como instituição essencialmente administrativa ou como administração jurídica, ou administração social do Estado. A idéia de Estado é inseparável da idéia de polícia.79
77 DI PIETRO, 2007. 78 MELO, 2006, p. 117. 79 CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Administrativo - De acordo com a Constituição de 1988. 12.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 182.
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Ao se falar em poder de polícia presume-se que o princípio da legalidade já tenha
sido analisado como pressuposto inicial, pois a Administração Pública não poderá
impor obrigações ou proibições senão em virtude de lei. Dessa forma, o Parágrafo
único, do art. 78 do CTN, dispõe que o exercício do poder de polícia somente pode
ser desempenhado pelo órgão competente e nos limites da lei, in verbis:
[...] Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.80
Assim, a Administração somente pode atuar, limitando ou disciplinando direitos,
deveres e obrigações, se houver previsão legal.
Desta feita, em relação ao tema da presente monografia, entende-se que existe uma
legislação específica, qual seja, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que autoriza
o Estado a exercer o seu poder de polícia para regular e fiscalizar o exercício de um
direito por parte dos cidadãos, no caso, o direito de conduzir veículos em vias
públicas, objetivando a segurança e o bem-estar coletivo.
Assim, o exercício regular do poder de polícia permite que a autoridade pública, ao
suspeitar que um condutor esteja dirigindo embriagado, exija que o cidadão se
submeta aos testes de alcoolemia previstos em lei.
Contudo, o poder de polícia é um instituto do direito administrativo, portanto,
hierarquicamente inferior ao direito de não produzir prova contra si, que é um direito
individual fundamental constitucional. Dessa forma, no embate entre ambos, a
garantia constitucional deve prevalecer.
80 BRASIL, Código Tributário Nacional (1966).
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45
7. A EMBRIAGUEZ NO ANTIGO CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO (CNT)
O revogado Código Nacional de Trânsito (CNT) era menos rigoroso na penalização
da condução de veículo automotor associada à ingestão de bebida alcoólica. O CTN
em seu art. 89, estabelecia como penalidade administrativa para o condutor em
estado de embriaguez alcoólica a multa do grupo I (gravíssima) e a apreensão do
veículo e da Carteira Nacional de Habilitação (CNH):
Art. 89. É proibido a todo o condutor de veículo: [...] III - Dirigir em estado de embriaguez alcoólica ou sob o efeito de substância tóxica de qualquer natureza. Penalidade: Grupo 1 e apreensão da Carteira de Habilitação e do veículo. [...].81
A Resolução do CONTRAN nº 727, definia a concentração de oito decigramas de
álcool por litro de sangue como o limite máximo de alcoolemia:
Art. 2º Fica estabelecido que a concentração de oito decigramas de álcool por litro de sangue, ou de 0,4 mg por litro de ar expelido dos pulmões, comprovam que o condutor de veículo se acha sob a influência do estado de embriaguez alcoólica. [...]. 82 (grifo nosso)
Entretanto, não existia previsão legal de tipificação como crime a associação da
ingestão de bebida alcoólica e a condução de veículo automotor. O único texto legal
da antiga legislação que abria margem a uma possível responsabilização penal do
infrator que conduzisse veículo automotor embriagado, era o art. 199, inciso II, § 5º,
do Regulamento do Código Nacional de Trânsito (RCNT), que estatuía que o
condutor embriagado poderia ser conduzido à autoridade policial para a apuração de
sua responsabilidade penal:
Art. 199. A apreensão do documento de habilitação far-se-á quando o condutor: [...] II - Dirigir em estado de embriaguez alcoólica ou sob efeito de substância tóxica de qualquer natureza, devidamente comprovada; [...]
81 BRASIL, Código Nacional de Trânsito (1966). 82 BRASIL. Resolução do CONTRAN nº 737, de 12 de set. 1989. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm>. Acesso em: 11 mai. 2009.
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§ 5º Nos casos dos itens I, II, III, V, VII, VIII, XI e XII o agente da autoridade de trânsito deverá diligenciar a apresentação do condutor à autoridade policial competente, a fim de que resolva sobre a apuração da conseqüente responsabilidade penal. 83 (grifo nosso)
Um detalhe a ser ressaltado, conforme já citado, é que o CNT previa a apreensão do
veículo do condutor embriagado. O CTB, num retrocesso, não prevê essa medida
administrativa, mas apenas a retenção do veículo até a apresentação de um
condutor habilitado.
83 BRASIL. Decreto nº 62.127, de 16 de janeiro de 1968. Instituiu o Regulamento do Código Nacional de Trânsito. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009.
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8. ANÁLISE DA EMBRIAGUEZ NO CTB
O presente trabalho possui como objetivo o estudo da legislação sobre a
embriaguez alcoólica de condutores de veículos automotores. Dessa forma, seu foco
é unicamente a forma como o Código de Trânsito Brasileiro trata a embriaguez de
condutores nos aspectos administrativo e penal.
Entretanto, conforme já explicado, no ordenamento jurídico pátrio a esfera
administrativa é totalmente independente da instância criminal, podendo ser ambas
as penalidades aplicadas conjuntamente, conforme prevê o art. 256, § 1º do CTB:
§ 1º A aplicação das penalidades previstas neste Código não elide as punições originárias de ilícitos penais decorrentes de crimes de trânsito, conforme disposições de lei. [...]84
Assim, por ser mais didático e para melhor compreensão, será feita a análise da
infração administrativa de dirigir alcoolizado de forma separada do crime de trânsito
de conduzir veículo em via pública estando embriagado.
8.1. Alterações Administrativas Provocadas Pela Lei nº 11.275
O atual art. 165 do CTB estabelece como infração administrativa de trânsito a
conduta de dirigir veículo sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência, classificando a infração como gravíssima.
Além disso, impõe a penalidade de multa (cinco vezes) e a suspensão do direito de
dirigir por 12 (doze) meses, associada à medida administrativa de retenção do
veículo até a apresentação de condutor habilitado e o recolhimento do documento
de habilitação:
84 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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48
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008).85 (grifo nosso)
Andou mal o legislador ao apenas estipular a retenção do veículo do condutor
embriagado até a apresentação de outro condutor habilitado, abrandando a
penalização dos infratores das regras de trânsito, uma vez que o revogado CNT
estipulava a apreensão do veículo do condutor embriagado, conforme já explanado.
Nesse aspecto, o CTB apresentou um retrocesso.
Antes de se analisar as alterações na redação do art. 165 do CTB, é necessário a
verificação da redação original do citado dispositivo. A lei nº 9.503/9786 estabelecia
no art. 165 que para a constatação da infração de trânsito (administrativa) de
embriaguez alcoólica e a lavratura do respectivo auto de infração de trânsito, era
necessário que o condutor estivesse com uma concentração de álcool superior a
seis decigramas por litro de sangue:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. 87 (grifo nosso)
Além disso, o art. 165 não estabelecia prazo específico para a penalidade de
suspensão do direito de dirigir, sendo aplicada a regra geral do art. 261 do CTB, que
previa a suspensão pelo prazo mínimo de um mês, até o máximo de um ano e, no
caso de reincidência no período de doze meses, pelo prazo mínimo de seis meses
até o máximo de dois anos:
85 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 86 Ibid. 87 Ibid.
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Art. 261. A penalidade de suspensão do direito de dirigir será aplicada, nos casos previstos neste Código, pelo prazo mínimo de um mês até o máximo de um ano e, no caso de reincidência no período de doze meses, pelo prazo mínimo de seis meses até o máximo de dois anos, segundo critérios estabelecidos pelo CONTRAN. [...]88
Em 07 de fevereiro de 2006, a lei nº 11.275 entrou em vigor, alterando vários artigos
do CTB referentes à embriaguez ao volante. Em especial do art. 165, retirou a parte
que estabelecia o nível mínimo de álcool no sangue para a configuração da
embriaguez alcoólica, estabelecendo como infração de trânsito a conduta de dirigir
sob a influência de álcool no sangue ou de qualquer substância entorpecente ou que
determine dependência física ou psíquica:
Art. 165 - Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica: (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006) Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. 89 (grifo nosso)
Entretanto, o fato de a lei 11.275 ter retirado do art. 165 a parte referente ao nível
mínimo de álcool no sangue, não implicava que qualquer nível de álcool no sangue
fosse suficiente para o enquadramento na infração do art. 165, uma vez que o art.
276 do CTB estabelecia a concentração de seis decigramas de álcool por litro de
sangue como a que impedia a condução de veículo automotor:
Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia.90(grifo nosso)
A lei nº 11.275 também acrescentou o Parágrafo único ao art. 165, estabelecendo
que a embriaguez também poderia ser apurada na forma do art. 277.
Dessa forma, a lei 11.275 também alterou o caput do art. 277 do CTB,
estabelecendo que todo condutor com suspeita de dirigir sob a influência de álcool,
ou envolvido em acidente de trânsito, será ser submetido a testes de alcoolemia, 88 Ibid. 89 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 90 Ibid.
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50
exames clínicos, perícia ou qualquer outro exame que, por meios técnicos ou
científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu
estado:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006) § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.275, de 2006) § 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor. (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006)91 (grifo nosso)
Além disso, o parágrafo 2º foi acrescentado ao art. 277 pela referida lei, com o
objetivo de inibir a recusa do condutor à realização dos testes de alcoolemia, dos
exames e da perícia previstos no caput do art. 277, estabelecendo que, nesses
casos, a infração poderia ser caracterizada por outras provas em direito admitidas,
como a testemunhal.
Conforme prevê o Parágrafo único do art. 276 do CTB, o CONTRAN, através
Resolução 81/1998, de 19 de novembro de 1998, regulamentou quais os testes
capazes de constatar o nível de álcool no organismo humano, assim como
regulamentou os índices de equivalência para os testes de alcoolemia realizados
através de aparelhos de ar pulmonar alveolar, conhecidos como “etilômetro” ou
“bafômetro”:
Art.1o A comprovação de que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor, sob suspeita de haver excedido os limites de seis decigramas de álcool por litro de sangue, ou de haver usado substância entorpecente, será confirmado com os seguintes procedimentos: I - teste em aparelho de ar alveolar (bafômetro) com a concentração igual ou superior a 0,3mg por litro de ar expelido dos pulmões; II - exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária; III- exames realizados por laboratórios especializados indicados pelo órgão de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de uso da
91 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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51
substancia entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos, de acordo com as características técnicas científicas.92 (grifo nosso)
Em 20 de outubro de 2006, o CONTRAN revogou a Resolução 81/1998, por
intermédio da Resolução 206/2006. A atualização fazia-se necessária, visto as
inúmeras lacunas deixadas pela Resolução anterior, principalmente no que tange a
outros meios de prova, que não o teste do etilômetro.
O art. 1° da Resolução 206/2006, enumera uma série de meios a serem utilizados
para a constatação da embriaguez:
Art. 1º A confirmação de que o condutor se encontra dirigindo sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, se dará por, pelo menos, um dos seguintes procedimentos: I - teste de alcoolemia com a concentração de álcool igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) que resulte na concentração de álcool igual ou superior a 0,3mg por litro de ar expelido dos pulmões; III - exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária; IV - exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária, em caso de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. 93(grifo nosso)
O art. 269 do CTB, ainda em vigor, estabelece que a autoridade de trânsito e seus
agentes estão legitimados, entre outras atividades, a realizar o teste de alcoolemia
em condutor que esteja sob suspeita de ter ingerido bebida alcoólica:
Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas: [...] IX - realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. [...]94 (grifo nosso)
92 BRASIL. Resolução do CONTRAN nº 81, de 19 de nov. 1998. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm>. Acesso em: 11 mai. 2009. 93 BRASIL. Resolução do CONTRAN nº 206, de 20 de out. 2006. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/resolucoes.htm>. Acesso em: 11 mai. 2009. 94 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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52
Nesse sentido, a Resolução 206 do CONTRAN estabeleceu alguns requisitos a
serem seguidos, normatizando com clareza a utilização do equipamento eletrônico
conhecido como etilômetro:
Art. 6º. O medidor de alcoolemia- etilômetro- deve observar os seguintes requisitos: I – ter seu modelo aprovado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, atendendo a legislação metrológica em vigor e aos requisitos estabelecidos nesta Resolução; II – ser aprovado na verificação metrológica inicial realizada pelo INMETRO ou órgão da Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade - RBMLQ; III - ser aprovado na verificação periódica anual realizada pelo INMETRO ou RBMLQ; IV - ser aprovado em inspeção em serviço ou eventual, conforme determina a legislação metrológica vigente. Art. 7º. As condições de utilização do medidor de alcoolemia – etilômetro- devem obedecer a esta resolução e à legislação metrológica em vigor.95
Da mesma forma, a Resolução 206 do CONTRAN, visando também
procedimentalizar a aplicação das inovações trazidas pela lei nº 11.275, estabeleceu
alguns critérios a serem obedecidos visando a constatação da embriaguez por
“outros meios de prova”:
Art. 2º. No caso de recusa do condutor à realização dos testes, dos exames e da perícia, previstos no artigo 1º, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção, pelo agente da autoridade de trânsito, de outras provas em direito admitidas acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool ou de qualquer substância entorpecente apresentados pelo condutor, conforme Anexo desta Resolução. § 1º. Os sinais de que trata o caput deste artigo, que levaram o agente da Autoridade de Trânsito à constatação do estado do condutor e à caracterização da infração prevista no artigo 165 da Lei nº 9.503/97, deverão ser por ele descritos na ocorrência ou em termo específico que contenham as informações mínimas indicadas no Anexo desta Resolução. § 2º. O documento citado no parágrafo 1º deste artigo deverá ser preenchido e firmado pelo agente da Autoridade de Trânsito, que confirmará a recusa do condutor em se submeter aos exames previstos pelo artigo 277 da Lei nº 9.503/97.96 (grifo nosso)
A análise dos dispositivos supramencionados deixa clara a intenção do legislador de
capacitar a Administração Pública de meios efetivos de combate à conduta anti-
social de dirigir veículo automotor estando alcoolizado, possibilitando que o agente
da autoridade de trânsito, em caso de recusa de o condutor se submeter aos testes
de alcoolemia, aos exames e à perícia, faça a lavratura do respectivo auto de
95 BRASIL, Resolução do CONTRAN nº 206 (2006). 96 Ibid.
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infração de trânsito, com base nos notórios sinais resultantes do consumo de álcool
observados pelo agente, que deverá relatar tais sinais em documento próprio.
8.2. Alterações Administrativas Provocadas pela Lei nº 11.705
A lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008, modificou vários artigos do CTB referentes
à embriaguez alcoólica na condução de veículo automotor, estabelecendo a
chamada “tolerância zero” para a embriaguez ao volante, impondo penalidades mais
severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, conforme previsto no
art. 1º da lei nº 11.705:
Art. 1o Esta Lei altera dispositivos da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool [...].97 (grifo nosso)
O referido diploma legal alterou a redação do art. 276 do CTB, retirando a exigência
de concentração mínima de seis decigramas de álcool por litro de sangue para a
configuração da embriaguez alcoólica, passando qualquer concentração ser
suficiente para a configuração da infração tipificada no art. 165:
Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)98 (grifo nosso)
Especificamente em relação ao art. 165, a lei nº 11.705 manteve a alteração feita
pela lei nº 11.275, que retirou a exigência de nível mínimo de álcool no sangue para
a configuração da embriaguez alcoólica, tipificando como infração apenas a conduta
de dirigir sob a influência de álcool:
97 BRASIL. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 20 jun. 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009. 98 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Infração - gravíssima; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.99 (grifo nosso)
A nova legislação também modificou o art. 165, ao estabelecer o prazo fixo de 12
(doze) meses para a penalidade de suspensão do direito de dirigir, pois a redação
original, conforme já explicado, não estabelecia prazo específico para a penalidade
de suspensão do direito de dirigir, sendo aplicada a regra geral do art. 261 do CTB,
que previa a suspensão pelo prazo mínimo de um mês, até o máximo de um ano.
Em relação ao aspecto administrativo da embriaguez alcoólica, a lei 11.705 também
modificou o art. 277 do CTB, alterando a redação do parágrafo 2º e acrescentando o
parágrafo 3º:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006) § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.275, de 2006) § 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008) (grifo nosso)100
Assim, a nova redação do parágrafo 2º, do art. 277 do CTB, estabeleceu que a
embriaguez poderá ser caracterizada por outras provas em direito admitidas, como a
prova testemunhal, atestando os notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor
que o condutor apresentar. Para isso, deverá ser aplicado os procedimentos
99 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 100 Ibid.
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previstos pela Resolução 206 do CONTRAN, ainda em vigor, conforme já
explanado.
O acréscimo do parágrafo 3º, ao art. 277 do CTB, possibilitou a aplicação das
penalidades e das medidas administrativas previstas no art. 165 do CTB (lavratura
de auto de infração de trânsito, retenção do veículo até a apresentação de condutor
habilitado e recolhimento do documento de habilitação), para os casos que o
condutor se recusar a se submeter a qualquer dos testes necessários para a
comprovação da embriaguez alcoólica previstos na legislação.
É importante ressaltar que o parágrafo 3º, do art. 277 do CTB, dispõe que deverá ser
aplicada as penalidades e as medidas administrativas previstas no art. 165 do CTB
para o condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos testes de alcoolemia.
Dessa forma, o vernáculo “qualquer” é muito importante, pois determina que o
agente da autoridade de trânsito lavre o auto de infração, caso o cidadão se recuse
a realizar o teste do “etilômetro”, mesmo que o referido condutor tenha o desejo ser
submetido a exame de sangue no Departamento Médico Legal (conforme o art. 1º,
inciso III, da Resolução 206 do CONTRAN). Tal possibilidade é totalmente possível
e legal, pois atende ao princípio da legalidade (está previsto em lei) e derroga
eventuais interpretações contrárias fundadas em procedimentos previstos na
Resolução 2006 do CONTRAN, uma vez que a lei ordinária é hierarquicamente
superior a uma resolução de um órgão administrativo.
Assim, diante da recusa do condutor envolvido em acidente de trânsito ou que for
alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir embriagado, de se submeter
aos testes de alcoolemia, o Estado pode adotar as penalidades e as medidas
administrativas estabelecidas no art. 165 do CTB (lavratura do auto de infração, a
retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e o recolhimento do
documento de habilitação), sem ofensa ao princípio da legalidade, já que o § 3º, do
art. 277 do CTB, determina tal conduta, passando inclusive a ser ato administrativo
vinculado.
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8.3. Crime de Trânsito de Dirigir Embriagado Antes da Lei nº 11.705
Atualmente, pratica crime de trânsito o cidadão que conduzir veículo automotor, na
via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou
superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência, estando sujeito à pena de detenção de 6
meses a 3 anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a
habilitação para dirigir veículo automotor. Isso é o que prevê a redação atual do art.
306 do CTB:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (grifo nosso)101
Entretanto, é importante citar que antes da lei º 11.705, a redação original do art. 306
do CTB estabelecia como crime de trânsito a condução de veículo automotor, na via
pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, exigindo
exposição a dano potencial a incolumidade de outrem:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (grifo nosso)102
Exigia-se para a configuração do delito que o condutor realizasse um ato de
condução anormal, exatamente por ter ingerido bebida alcoólica ou de efeitos
semelhantes, colocando em risco a vida de outrem. Não era suficiente a prova de
que o cidadão dirigia o veículo com um teor mínimo de álcool no sangue. Mesmo
que o condutor se submetesse ao teste do “etilômetro” e fosse constatada a
101 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 102 Ibid.
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ingestão de bebida alcoólica, não estaria configurado o crime do art. 306 do CTB,
caso o cidadão estivesse dirigindo de forma normal, respeitando as regras de
trânsito e sem colocar em risco a incolumidade de outrem, pois, em tese o condutor
não estaria sob a influência de álcool, mesmo tendo ingerido bebida alcoólica. O
agente da autoridade de trânsito poderia apenas tomar as medidas administrativas
pertinentes, como a lavratura de auto de infração de trânsito, a retenção do veículo
até a apresentação de condutor habilitado e o recolhimento do documento de
habilitação.
Dessa forma, para a configuração do crime de trânsito era imprescindível a
demonstração inequívoca de que o condutor estava sob a influência de álcool, ou
seja, de que o cidadão apresentava efetivamente sinais de que sua capacidade de
dirigir veículo automotor estava reduzida. Outrossim, o cidadão deveria estar
praticando uma condução imprudente, descuidada, temerária ou perigosa,
desrespeitando as regras de trânsito.
Assim, o CTB não exigia uma concentração mínima de álcool por litro de sangue
para a configuração do delito. Bastava a simples constatação de que o condutor
estivesse sob a influência de qualquer quantidade de álcool para configuração do
crime de trânsito de expor a dano potencial a incolumidade de outrem, tendo a
coletividade por sujeito passivo. Não se exigia prova de que algum objeto jurídico
individual sofreu risco de dano. Bastava a probabilidade de dano, a possibilidade de
risco à coletividade ou a existência de dano potencial, que já reduziria a segurança
no trânsito.
Desta feita, a conduta delituosa era dirigir sob a influência de álcool, expondo a dano
potencial a incolumidade de outrem, não sendo necessário que um dos membros do
corpo social fosse exposto a uma situação de real perigo. Bastava o simples perigo
de risco de dano a terceiros, provocado pela conduta de dirigir veículo automotor de
maneira anormal, sob influência de álcool.
Assim, era possível a comprovação da embriaguez alcoólica através do uso de
prova testemunhal, pois o art. 167 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece
que a prova testemunhal poderá suprir a falta de exame pericial:
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Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.103
Dessa forma, o crime previsto no art. 306 do CTB podia ser comprovado através de
testemunha, a qual relatava os notórios sinais de embriaguez que o condutor
apresentava, tais como hálito etílico, olhos vermelhos, fala enrolada, falta
coordenação motora e outros.
8.4. Alterações da Lei nº 11.705 Para o Crime de Trânsito de Dirigir Embriagado
A lei 11.705, de 19 de junho de 2008, alterou a redação do caput do art. 306 do
CTB, estabelecendo como crime a condução de veículo automotor, na via pública,
estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que
determine dependência, prevendo pena de detenção de 6 meses a 3 anos, multa e
suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008) (grifo nosso)104
Dessa forma, o ordenamento jurídico passou a exigir um requisito totalmente
objetivo para a configuração do crime em tela, que é condução de veículo
103 BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro (1941). República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009. 104 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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automotor, na via pública, com uma concentração mínima de álcool por litro de
sangue (igual ou superior a 6 decigramas), sem a necessidade de comprovação de
que o condutor dirigia ”expondo a dano potencial a incolumidade de outrem”,
requisito subjetivo exigido pela redação anterior do art. 306 do CTB.
Assim, não é mais necessário a prova de exposição a risco de dano potencial a
terceiros, provocado pela conduta de dirigir veículo automotor sob influência de
álcool, bastando a produção da prova material objetiva de que o condutor estava
com uma quantidade de álcool no sangue superior à permitida por lei, independente
da forma como dirigia o veículo.
Portanto, atualmente não bastará a mera constatação da "influência de álcool", nem
mesmo a comprovação da embriaguez do condutor por outros meios de prova ou até
mesmo exames clínicos ou perícia realizada por instituto médico legal oficial
(conforme previsto no art. 277 do CTB). Isso porque em nenhum desses
procedimentos é possível a aferição objetiva do grau de concentração de álcool no
sangue, requisito imprescindível para a caracterização do crime na atual
conformação legal.
Para a comprovação da infração ao artigo 306 do CTB, imperioso será a
constatação objetiva de uma concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas
de álcool por litro de sangue. Para tal aferição, a realização do teste por aparelho de
ar alveolar pulmonar (etilômetro) ou a realização de exame laboratorial químico-
toxicológico de sangue torna-se prova insubstituível.
Dessa forma, o uso de prova testemunhal não será possível, em virtude da
necessidade de comprovação real e concreta de um requisito totalmente objetivo
exigido pela lei. Assim, a aceitação de testemunhas para a comprovação do crime
previsto no art. 306 do CTB feriria o princípio da legalidade, representado pelo
brocardo jurídico nullum crimen, nulla poena sine lege, significando que não haverá
crime se não houver lei escrita definindo claramente a infração penal e impondo a
conseqüente pena, uma vez que no direito penal não é possível a interpretação
extensiva ou teleológica da lei, caso tal entendimento venha a prejudicar o cidadão
acusado.
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9. O ATO DE DIRIGIR COMO UMA LICENÇA DO ESTADO
O presente estudo enfrenta o problema de tentar conciliar o direito de o condutor de
veículo automotor de se recusar a se submeter aos exames de verificação de
dosagem alcoólica, em razão da garantia da não auto-incriminação ou de não
produção de prova contra si, e a obrigação do Estado de garantir à coletividade o
direito a um trânsito seguro, que assegure o direito à vida, à integridade física e a
incolumidade de todos.
Assim, é importante ressaltar que a utilização de veículos automotores por parte dos
cidadãos não é incondicionada, nem se trata do exercício do direito à liberdade e ao
direito de livre locomoção, previstos no art. 5º, caput e inciso XV da Constituição:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; [...]105
A natureza jurídica deste instituto, segundo FLORIANO106, é de uma licença dada
pelo Estado ao particular, autorizando o cidadão a exercer a atividade de conduzir
veículos automotores, desde que preencha os requisitos legais para o seu exercício.
DI PIETRO conceitua licença como ato administrativo unilateral e vinculado, pelo
qual a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de
uma atividade. Difere da autorização administrativa que é, em sentido amplo, o ato
unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao particular o
uso de bem público (autorização de uso), ou a prestação de um serviço (autorização
de serviço público), ou o desempenho de atividade material, ou a prática de ato que,
105 BRASIL, Constituição (1988). 106 FLORIANO, 2008.
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61
sem seu consentimento, seriam legalmente proibidos (autorização como ato de
polícia)107.
CARVALHO FILHO define licença com o ato vinculado por meio do qual a
Administração confere ao interessado consentimento para o exercício de certa
atividade. Já a autorização é um ato do Poder Público que exerce seu poder de
polícia fiscalizatório, verificando a existência de óbices legais ou administrativos para
o desempenho da atividade reivindicada108.
Dessa forma, para que o Estado conceda ao particular a licença para dirigir em via
pública, que recebe a denominação legal de carteira nacional de habilitação (CNH),
é imprescindível que o candidato a futuro condutor preencha todos os requisitos
legais exigidos de todo cidadão brasileiro, para o exercício e renovação do direito de
conduzir veículos automotores em vias públicas. Estes requisitos estão
estabelecidos nos artigos 140 e 147 do CTB, conforme abaixo.
Art. 140. A habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico será apurada por meio de exames que deverão ser realizados junto ao órgão ou entidade executivos do Estado ou do Distrito Federal, do domicílio ou residência do candidato, ou na sede estadual ou distrital do próprio órgão, devendo o condutor preencher os seguintes requisitos: I - ser penalmente imputável; II - saber ler e escrever; III - possuir Carteira de Identidade ou equivalente. [...] Art. 147. O candidato à habilitação deverá submeter-se a exames realizados pelo órgão executivo de trânsito, na seguinte ordem: I - de aptidão física e mental; II - (VETADO) III - escrito, sobre legislação de trânsito; IV - de noções de primeiros socorros, conforme regulamentação do CONTRAN; V - de direção veicular, realizado na via pública, em veículo da categoria para a qual estiver habilitando-se. [...] § 2º O exame de aptidão física e mental será preliminar e renovável a cada cinco anos, ou a cada três anos para condutores com mais de sessenta e cinco anos de idade, no local de residência ou domicílio do examinado. (Incluído pela Lei nº 9.602, de 1998) § 3o O exame previsto no § 2o incluirá avaliação psicológica preliminar e complementar sempre que a ele se submeter o condutor que exerce atividade remunerada ao veículo, incluindo-se esta avaliação para os demais candidatos apenas no exame referente à primeira habilitação. (Redação dada pela Lei nº 10.350, de 2001) [...]109 (grifo nosso)
107 DI PIETRO, 2007. 108 CARVALHO FILHO, 2008. 109 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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Dessa forma, o art. 140 do CTB estabelece que o Estado somente emitirá a CNH
para indivíduos maiores de 18 anos (penalmente imputável), que sejam
alfabetizados e que sejam civilmente identificados (possuam carteira de identidade
ou equivalente). Além disso, pelo art. 147, incisos I, II, IV e V do CTB, a
Administração exige ainda que o candidato a condutor seja aprovado em exames de
aptidão física e mental, avaliação teórica sobre legislação de trânsito e noções de
primeiros socorros e aprovação em avaliação prática de direção veicular. Por fim, o §
3°, do art. 147, exige ainda a aprovação em avaliação psicológica preliminar.
Além disso, em espaços de tempo periódicos, conforme os parágrafos 2° e 3°, do
art. 147 do CTB, o Estado exige que os condutores se submetam a novos testes e
exames de aptidão física, mental e psicológica para que possam continuar e renovar
o seu direito de conduzir veículos automotores nas vias públicas.
Assim, verifica-se que a condução de veículos automotores é condicionada à
preexistência de diversos requisitos, os quais não se restringem apenas aos
dispositivos legais citados, mas ao cumprimento de todo o disposto no Código de
Trânsito Brasileiro e em sua regulamentação, como as constantes nas resoluções do
Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN).
Dessa forma, em caso de descumprimento de tais ditames legais, o condutor estará
sujeito às penalidades do art. 256 do CTB, in verbis:
Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades: I - advertência por escrito; II - multa; III - suspensão do direito de dirigir; IV - apreensão do veículo; V - cassação da Carteira Nacional de Habilitação; VI - cassação da Permissão para Dirigir; VII - freqüência obrigatória em curso de reciclagem. § 1º A aplicação das penalidades previstas neste Código não elide as punições originárias de ilícitos penais decorrentes de crimes de trânsito, conforme disposições de lei.110
Além das penalidades administrativas, o condutor poderá ser penalizado
criminalmente, sendo enquadrado nos crimes de trânsito previstos nos artigos 302 a
110 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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63
312 do CTB, independente das sanções administrativas, consoante o § 1°, do art.
256 do CTB.
Somado às sanções administrativas, o condutor que descumprir as determinações
estabelecidas pelo CTB e pelas resoluções do CONTRAN, também estará sujeito às
medidas administrativas previstas no art. 269 do CTB, conforme especificado
abaixo:
Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas: I - retenção do veículo; II - remoção do veículo; III - recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação; IV - recolhimento da Permissão para Dirigir; V - recolhimento do Certificado de Registro; VI - recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual; VII - (VETADO) VIII - transbordo do excesso de carga; IX - realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica; X - recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos. XI - realização de exames de aptidão física, mental, de legislação, de prática de primeiros socorros e de direção veicular. (Incluído pela Lei nº 9.602, de 1998) § 1º A ordem, o consentimento, a fiscalização, as medidas administrativas e coercitivas adotadas pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção à vida e à incolumidade física da pessoa. § 2º As medidas administrativas previstas neste artigo não elidem a aplicação das penalidades impostas por infrações estabelecidas neste Código, possuindo caráter complementar a estas111. (grifo nosso)
Dessa forma, é possível a citação de diversos exemplos de exigências e de
limitações no exercício do direito de conduzir veículos automotores nas vias
brasileiras. Por exemplo, temos a proibição de dirigir falando ao telefone celular (art.
252, inciso VI), a obrigatoriedade de dirigir usando lentes corretivas de visão (art.
162, inciso VI), o uso obrigatório do cinto de segurança (art. 65 e 167) e a
obrigatoriedade de entregar à autoridade de trânsito ou a seus agentes, os
documentos de habilitação, de registro, de licenciamento de veículo e outros
exigidos por lei (art. 238).
111 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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64
Assim, dentre as diversas condições e limitações impostas pela legislação ao
exercício de dirigir, o CTB estabelece a proibição da associação da ingestão de
bebidas alcoólicas e a condução de veículos automotores.
Por essa linha de pensamento, a obrigação do condutor em se submeter à
realização de testes de alcoolemia, não deve ser interpretada como um ato de
produzir provas contra si mesmo, mas sim a ação do condutor de demonstrar que
está cumprindo um dos vários requisitos previstos em lei para poder conduzir veículo
automotor em vias públicas, qual seja, dirigir sem estar sob influência de álcool112.
Dessa forma, a resistência em se submeter aos exames de dosagem de alcoolemia
não poderá ser encarada como direito a não auto-incriminação e da não produção
de prova contra si, mas como a ausência do cumprimento de um dos requisitos para
o exercício do direito de condução veicular.
Deste modo, entende-se que essa foi a intenção do legislador ao acrescentar o § 3º
ao art. 277 do CTB, passando a existir na esfera administrativa a presunção de
embriaguez alcoólica no caso de recusa do condutor a se submeter aos testes de
alcoolemia previsto em lei. Entretanto, não se pode aplicar o mesmo raciocínio para
o crime previsto no art. 306 do CTB, pois feriria o princípio da legalidade e o direito
do condutor de não produzir prova contra si.
Entretanto, tal entendimento não parecer ser o mais adequado, uma vez que o
direito de não produzir prova contra si é um direito individual fundamental
constitucional, enquanto que a licença é meramente um instituto do direito
administrativo, portanto, hierarquicamente inferior, devendo assim a garantia
constitucional prevalecer.
112 FLORIANO, 2008.
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10. POSSIBILIDADE DO USO DA PROVA TESTEMUNHAL
O art. 291 do CTB estabelece que aos crimes de trânsito se aplica subsidiariamente
o Código de Processo Penal (CPP), naquilo que o CTB não dispuser de modo
diferente:
Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber.113
Atualmente se entende que em relação à comprovação de embriaguez alcoólica, a
prova testemunhal somente aplica-se para a infração administrativa, prevista no art.
165 do CTB:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Infração - gravíssima; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.114 (grifo nosso)
A lei nº 11.275 acrescentou o Parágrafo único ao art. 165, estabelecendo que a
embriaguez também pode ser apurada na forma do art. 277 do CTB.
Dessa forma, a lei 11.275 também alterou o caput do art. 277 do CTB,
estabelecendo que todo condutor com suspeita de dirigir veículo sob a influência de
álcool, ou envolvido em acidente de trânsito, será ser submetido a testes de
alcoolemia, exames clínicos, perícia ou qualquer outro exame que, por meios
técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, que permitam
certificar seu estado:
113 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 114 Ibid.
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Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006) § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.275, de 2006) § 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008) (grifo nosso)115
Posteriormente, a nova redação do § 2º, do art. 277 do CTB, alterada pela lei nº
11.705, estabeleceu que a embriaguez poderá ser caracterizada por outras provas
em direito admitidas, como a prova testemunhal, atestando os notórios sinais de
embriaguez, excitação ou torpor que o condutor apresentar.
Desta feita, a resolução 206 do CONTRAN, regulamentou o art. 277, parágrafo 2º
do CTB, estabelecendo no seu art. 2º, alguns critérios a serem observados visando
à constatação da embriaguez por “outros meios de prova”, ou seja, via prova
testemunhal:
Art. 2º. No caso de recusa do condutor à realização dos testes, dos exames e da perícia, previstos no artigo 1º, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção, pelo agente da autoridade de trânsito, de outras provas em direito admitidas acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool ou de qualquer substância entorpecente apresentados pelo condutor, conforme Anexo desta Resolução. § 1º. Os sinais de que trata o caput deste artigo, que levaram o agente da Autoridade de Trânsito à constatação do estado do condutor e à caracterização da infração prevista no artigo 165 da Lei nº 9.503/97, deverão ser por ele descritos na ocorrência ou em termo específico que contenham as informações mínimas indicadas no Anexo desta Resolução. § 2º. O documento citado no parágrafo 1º deste artigo deverá ser preenchido e firmado pelo agente da Autoridade de Trânsito, que confirmará a recusa do condutor em se submeter aos exames previstos pelo artigo 277 da Lei nº 9.503/97.116 (grifo nosso)
115 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 116 BRASIL, Resolução do CONTRAN nº 206 (2006).
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Dessa forma, a atual conformação legal permite inclusive que a prova seja produzida
pelo próprio agente da autoridade trânsito, uma vez que os parágrafos 1° e 2°, do
art. 2° da Resolução 206 do CONTRAN permitem tal possibilidade, com o agente
devendo atestar os notórios sinais resultantes do consumo de álcool na ocorrência
ou em termo específico, assim como relatar a recusa do condutor em se submeter
aos exames previstos no artigo 277 do CTB.
Entretanto, na prática, o uso da prova testemunhal passou a ser desnecessário para
a lavratura de auto de infração previsto no art. 165 do CTB, uma vez que a lei n°
11.705 acrescentou o § 3° ao art. 277 do CTB, determinando a aplicação das
penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 ao condutor que se
recusar a se submeter a qualquer dos testes de alcoolemia. Assim, a produção de
prova testemunhal tornou-se dispensável no aspecto administrativo da embriaguez.
Em relação à esfera penal, entende-se que atualmente não é possível o uso de
prova testemunhal para a comprovação do crime previsto no art. 306 do CTB, uma
vez que a lei n° 11.705 deu nova redação ao caput do referido diploma penal,
passando a exigir um requisito totalmente objetivo para a configuração do crime em
tela, que é condução de veículo automotor, na via pública, com uma concentração
mínima de álcool por litro de sangue (igual ou superior a 6 decigramas):
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008).117(grifo nosso)
Dessa forma, não é possível a comprovação da embriaguez do condutor por meio
de prova testemunhal, uma vez que a lei estabeleceu como requisito imprescindível
para a caracterização do crime, a constatação objetiva de uma concentração igual
ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue. Para tal aferição, a
realização do teste por aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro) ou a realização
de exame laboratorial químico-toxicológico de sangue torna-se prova insubstituível. 117 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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68
Tal exigência não pode ser substituída pela prova testemunhal, ou por outro meio de
prova admitido em direito, como o exame clínico, mesmo que realizado por médico
perito da Polícia Judiciária, pois claramente feriria o princípio constitucional da
legalidade, uma vez que no aspecto penal, conforme já explicado, tal princípio é
consagrado pela máxima nullum crimen, nulla poena sine lege, significando que não
haverá crime se não houver lei escrita definindo claramente a infração penal e
impondo a conseqüente pena. Assim, pelo princípio da reserva legal, alguém só
pode ser punido, se anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que
descreva claramente a conduta como crime. Isso porque na seara criminal não é
possível a interpretação extensiva ou teleológica da lei, caso tal entendimento venha
a prejudicar o cidadão acusado.
Desta feita, é o caso do delito tipificado no art. 306 do CTB, que não permite outras
interpretações, estando claramente positivado a exigência da produção de prova
objetiva e material, insubstituível pela prova testemunhal.
Andou mal o legislador, num retrocesso social, pois o condutor embriagado que
recuse a se submeter aos testes de alcoolemia previsto no art. 277 do CTB, ficará
impune criminalmente, prejudicando toda a sociedade, que terá o seu direito à
segurança no trânsito violado.
Dessa forma, deveria ser feito o acréscimo de um parágrafo no art. 306 do CTB,
estabelecendo que a recusa à submissão a qualquer dos testes de alcoolemia
previstos no CTB, configurar uma tipificação penal específica, ou o crime de
desobediência, previsto no art. 330 do CPB.
Outrossim, poderia também o legislador modificar a redação do art. 306 do CTB,
com a conduta típica passando a ser dirigir sob a influência de qualquer
concentração de álcool no sangue (semelhante à infração administrativa). Assim, o
delito poderia ser comprovado através do uso de prova testemunhal, uma vez que já
não mais seria necessário a constatação do requisito objetivo de uma concentração
igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue.
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11. ATITUDES DO AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO DIANTE DA RECUSA DO CONDUTOR EM SE SUBMETER AOS TESTES DE ALCOOLEMIA
A Constituição Federal de 1988, conforme já explicado, consagrou o princípio da
legalidade em seu art. 5º, inciso II, em que ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...] (grifo nosso)118
Dessa forma, o Estado só pode impor uma obrigação ou limitar o exercício de um
direito do cidadão, se existir uma lei específica que autorize o Estado a exercer o
seu poder de policia, para regular e fiscalizar o exercício de tal direito por parte dos
cidadãos, objetivando a segurança e o bem-estar coletivo. Assim, para se impor ao
condutor com suspeita de estar embriagado a obrigação de realizar os testes de
alcoolemia, imperioso será que tal obrigação esteja prevista no ordenamento jurídico
pátrio.
Assim, atualmente o Brasil possui essa legislação específica, qual seja, o Código de
Trânsito Brasileiro (CTB), que autoriza o Estado a exercer o seu poder de polícia
para regular e fiscalizar o exercício de um direito por parte dos cidadãos, no caso, o
de conduzir veículos em vias públicas, objetivando a segurança e o bem-estar de
todos. Dessa forma, o exercício regular do poder de polícia permite que a autoridade
pública, ao suspeitar que um condutor esteja dirigindo embriagado, exija que o
cidadão se submeta aos testes de alcoolemia previstos em lei. Tais testes estão
previstos no art. 277 do CTB:
118 BRASIL, Constituição (1988).
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Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006) § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.275, de 2006) § 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008) (grifo nosso)119
Tal entendimento é corroborado por VIEIRA, que entende que:
O novo Código de Trânsito, no art. 277, estatui a obrigação de soprar o bafômetro por parte do condutor de veículo de quem se suspeite ter se excedido no uso de substâncias que provoquem embriaguez. Logo, hoje há uma obrigação, imposta por lei, ao condutor do veículo, de soprar o bafômetro. Estabelece a Constituição, no art. 5°, II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Como visto, a lei hoje existe, e o princípio processual que poderia ferir não possui assento constitucional. Logo, a conclusão é de que os condutores de veículos, nas situações estabelecidas no art. 277 do Código de Trânsito, são obrigados a se submeterem ao teste de alcoolemia, incluindo o sopro do bafômetro.120 (grifo do autor).
Caso o condutor se recuse a submeter aos testes de alcoolemia, assim como não
permita a coleta de amostra de sangue para a realização de exame laboratorial
químico-toxicológico, SANTOS citado por VIEIRA121 entende que configuraria
inclusive a prática do crime de desobediência, previsto no art. 330 do CPB:
119 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997). 120 VIEIRA, Thiago Augusto. A intervenção policial militar diante da embriaguez ao volante. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1280, 2 jan. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9047>. Acesso em: 01 jun. 2009. 121 VIEIRA, 2007, apud SANTOS, Izabel Cristina Moreira dos. A Embriaguez no Novo Código de Trânsito Brasileiro. Procuradora do Estado de Pernambuco e Diretora Jurídica do DETRAN/PE. Recife, 8 abr 1998. Disponível em: <http://www.mp.pe.gov.br/procuradoria/caops/ caop_consumidor/doutrina/embriaguez.htm>. Acesso em: 18 jan 2006.
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Desobediência Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.122
Nesse sentido, VIERA argumenta que:
[...] "Há, portanto, uma OBRIGAÇÃO LEGAL do condutor de submeter-se a testes de alcoolemia, sendo que sua recusa poderá ser interpretada, inclusive, como crime de desobediência (art. 330 do Código Penal)." (grifo do autor) [...] Desta forma, acrescenta-se as palavras de Rizzardo (2003, p. 404): "[...] se o Código prevê a possibilidade do exame, é porque a pessoa deve submeter-se a ele. Do contrário, não haveria sequer meios para elaborar o corpo delito." É importante evidenciar, conforme Santos (1998), que a recusa do condutor faz valer contra si a presunção de veracidade do ato do agente administrativo que afirmou seu estado de embriaguez. Aliás, o onus probandi inverte-se em desfavor do imputado infrator. Isto porque se na esfera penal - onde prevalece o princípio que obriga à parte alegante o ônus da prova de suas alegações, com a prevalência da presunção de inocência e do princípio "in dubio pro reu" - as provas indiciárias são aceitas, como muito mais razão o serão na esfera administrativa - onde prevalece o princípio "in dubio pro societate" e há o atributo da presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos. [...]123(grifo nosso)
Segundo MARTÍN, esse foi o entendimento adotado pelo novo Código Penal
Espanhol, o qual considerou a recusa a se submeter aos testes de alcoolemia como
uma desobediência grave, sujeita a pena de 06 meses a 01 ano de prisão:
[...] Por otro lado, con la entrada en vigor del nuevo Código Penal – que tuvo lugar el 23 de mayo de 1996 – se ha dado carta de naturaleza a un nuevo tipo delictivo en el art. 380, considerándose la conducta de negativa al sometimiento a las pruebas de detección alcohólica e de drogas, sustancias estupefacientes o psicotrópicas como constitutiva de una desobediencia grave, prevista en el art. 556 del CP, precepto este útimo que impone una pena de prisión de seis meses a un año para el reo mencionado delito. [...]124
Entretanto, essa não parecer ser a melhor interpretação para ordenamento
brasileiro, uma vez que é pacífico o entendimento de que não se configura o crime
de desobediência quando a lei prevê penalidade administrativa ou civil para o
122 BRASIL, Código Penal Brasileiro (1941). 123 VIEIRA, 2007. 124 MARTÍN, M. Isabel Huertas. El sujeto pasivo del proceso penal como objeto de la prueba. Barcelona: J. M. Bosch Editor, 1999, p. 444.
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descumprimento de uma ordem, salvo se a própria lei expressamente tipifique a
aplicação cumulativa para a mesma conduta da penalidade criminal e da sanção
administrativa ou civil, o que não é o caso do CTB.
Ao contrário, o CTB prevê especificamente uma penalidade administrativa para o
condutor que descumpre a determinação legal de se submeter aos testes de
alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que permita certificar seu
estado de embriaguez ou não.
Assim, diante da recusa do condutor a se submeter aos testes de alcoolemia, o
agente da autoridade de trânsito deve lavrar o auto de infração de trânsito por dirigir
sob a influência de álcool, previsto no art. 165 do CTB, com base no art. 277,
parágrafo 3º do CTB, que autoriza a aplicação das penalidades e medidas
administrativas ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos
procedimentos previstos para a comprovação da embriaguez alcoólica125.
Entretanto, diante da recusa do condutor a se submeter aos testes de alcoolemia,
VIEIRA126 entende que o agente da autoridade de trânsito deve também lavrar o auto
de infração de trânsito por desobediência administrativa, previsto no art. 195 do
CTB:
Art. 195. Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes: Infração - grave; Penalidade - multa.127
Tal posição se baseia no argumento de que o condutor ao se recusar a se submeter
aos testes de alcoolemia, estaria desobedecendo a uma ordem legal emanada do
agente da autoridade de trânsito, prevista em lei, especificamente o caput do art.
277 do CTB, portanto, sendo passível de notificação.
Também não parece ser a melhor interpretação, uma vez que deve se aplicar ao
caso o princípio da especialidade, o qual estabelece que na existência de tipificação
específica para a conduta, essa deve ser aplicada em detrimento da norma geral.
125 GOMES, Luiz Flávio. Lei seca (Lei nº 11.705/2008). Exageros, equívocos e abusos das operações policiais. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1842, 17 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11496>. Acesso em: 01 jun. 2009. 126 VIEIRA, 2007. 127 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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73
Assim, o CTB já prevê no seu art. 277, parágrafo 3º, a possibilidade do agente da
autoridade de trânsito, diante da recusa do condutor a se submeter aos testes de
alcoolemia, lavrar o auto de infração de trânsito por dirigir sob a influência de álcool,
previsto no art. 165 do CTB. Desta feita, fica afastada a incidência da tipificação
geral, prevista no art. 195 do CTB. Além disso, a lavratura de 02 (dois) autos de
infração de trânsito pela mesma conduta (recusa a se submeter aos testes de
alcoolemia), baseado no art. 277, parágrafo 3º, e no art. 195 do CTB, configuraria
inclusive bis in idem, ou seja, a dupla punição, pelo mesmo fato, na mesma esfera
jurídica, qual seja, o âmbito administrativo.
11.1. Possibilidade de Incriminação dos Agentes da Autoridade de Trânsito
Em relação à recusa do condutor a se submeter ao teste de alcoolemia, outro
problema deve ser analisado, que é o fato dos agentes da autoridade de trânsito,
notadamente policiais militares, estarem adotando o procedimento de condução à
autoridade policial judiciária, dos condutores de veículos automotores que se
recusam a se submeter aos testes de alcoolemia, notadamente os que se recusam a
realizarem o teste do etilômetro.
Tal condução se baseia no caput art. 277 do CTB que determina que: “todo [...],
envolvido em acidente de trânsito ou [...] sob suspeita de dirigir sob a influência de
álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro
exame [...]”128.
Entretanto, a redação do dispositivo supramencionado é do ano de 2006, quando foi
modificado pela lei nº 11.275. É importante frisar que o art. 277 está inserido dentro
do Capítulo XVII do CTB, que trata das medidas administrativas. Portanto, todas as
128 BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro (1997).
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74
suas medidas administrativas ali previstas somente podem ser aplicadas para as
infrações administrativas, e não para os crimes de trânsito.
Outrossim, em 2008 a lei 11.705 modificou novamente o art. 277 do CTB,
acrescentando o parágrafo 3º ao dispositivo, o qual autoriza, conforme já explicado,
a aplicação das penalidades e medidas administrativas ao condutor que se recusar a
se submeter a qualquer dos procedimentos previstos para a comprovação da
embriaguez alcoólica. Assim, diante da recusa do condutor a se submeter aos testes
de alcoolemia, o agente da autoridade de trânsito deve lavrar o auto de infração de
trânsito por dirigir sob a influência de álcool, previsto no art. 165 do CTB.
Se o respectivo auto de infração de trânsito foi lavrado, não há motivo para a
condução à autoridade policial judiciária dos condutores que se recusam a se
submeter aos testes de alcoolemia, notadamente os que se recusam a realizarem o
teste do etilômetro, uma vez que o objetivo de tal condução era exatamente a
produção de prova (exame laboratorial de sangue) para a lavratura do respectivo
auto de infração de trânsito, que já foi confeccionado. Dessa forma, tal condução é
inócua.
Contudo, é imprescindível relatar que os agentes da autoridade de trânsito,
notadamente policiais militares, estão conduzindo à autoridade policial judiciária, os
condutores que se recusam a se submeter aos testes de alcoolemia, notadamente
os que se recusam a realizarem o teste do etilômetro, objetivando o enquadramento
dos conduzidos no crime previsto no art. 306 do CTB. Tal condução é totalmente
desnecessária e inócua, uma vez que, conforme já explanado, o art. 277 está
inserido dentro do Capítulo XVII do CTB, que trata das medidas administrativas.
Portanto, todas as suas medidas administrativas ali previstas somente podem ser
aplicadas para as infrações administrativas, e não para os crimes de trânsito.
Além disso, mesmo que o condutor que tenha se recusado a se submeter ao teste
do etilômetro, seja conduzido à autoridade policial judiciária, tal condução, na
prática, será inútil, uma vez que se o condutor se recusou a realizar o teste do
bafômetro, muito provavelmente também se recusará a coleta de material sangüíneo
de seu corpo, procedimento muito mais invasivo do que o simples assoprar em um
equipamento eletrônico, como é o etilômetro.
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75
Outrossim, mesmo que o exame clínico seja realizado por médico perito da Polícia
Judiciária , conforme determina a Resolução 206 do CONTRAN, não será possível a
aferição objetiva e material de que o cidadão conduzia veículo automotor estando
com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas, requisito objetivo imprescindível para a configuração do crime de
trânsito tipificado no art. 306 do CTB. Tal exigência não pode ser substituída por
exame clínico, mesmo que realizado por médico perito da Polícia Judiciária, ou por
prova testemunhal, pois claramente feriria o princípio constitucional da legalidade,
uma vez que no aspecto penal, conforme já explicado, tal princípio é consagrado
pela máxima nullum crimen, nulla poena sine lege, significando que não haverá
crime se não houver lei escrita definindo claramente a infração penal e impondo a
conseqüente pena. Assim, pelo princípio da reserva legal alguém só pode ser punido
se anteriormente ao fato por ele praticado, existir uma lei que descreva claramente a
conduta como crime.
No caso do art. 306 do CTB, a conduta típica é conduzir veículo automotor, na via
pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a
6 (seis) decigramas. Assim, o legislador não deixou margem para qualquer outro
entendimento.
Dessa forma, voltando ao problema dos agentes da autoridade de trânsito,
notadamente policiais militares, que estão conduzindo à autoridade policial judiciária
os condutores que se recusam a se submeter ao teste do etilômetro. Tais servidores
públicos correm o risco de serem responsabilizados criminalmente pela prática do
crime de constrangimento ilegal, previsto no art. 146 do CPB, pois estão
constrangendo alguém a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não
manda129:
Constrangimento ilegal Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. Aumento de pena
129 SOUZA, José Barcelos de. Recursos, Artigos e Outros Escritos: Doutrina e Prática Civil e Criminal, cap. XX: “Bafômetro”, intervenções corporais e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005.
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§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas. § 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência. [...]130 (grifo nosso)
Tal entendimento se baseia no fato de que o art. 277, parágrafo 3º do CTB,
determina que o agente da autoridade de trânsito, diante da recusa do condutor a se
submeter aos testes de alcoolemia, deve lavrar o respectivo auto de infração de
trânsito por dirigir sob a influência de álcool, previsto no art. 165 do CTB.
Dessa forma, não há motivo para a condução à autoridade policial judiciária dos
condutores que se recusam a se submeter ao teste do etilômetro, uma vez que o
objetivo de tal condução era exatamente a produção de prova (exame laboratorial de
sangue) para a lavratura do auto de infração de trânsito, que já foi confeccionado.
Dessa forma, tal condução é desnecessária e inócua, podendo até mesmo ser
considerada ilegal, pois se não há crime, não existe motivo para se constranger o
cidadão, através de sua condução à autoridade policial judiciária.
Além do crime de constrangimento ilegal, os agentes da autoridade de trânsito,
notadamente policiais militares, correm o risco de serem responsabilizados
criminalmente pela prática do crime de exercício arbitrário ou abuso de poder,
previsto no art. 350 do CPB:
Exercício arbitrário ou abuso de poder Art. 350 - Ordenar ou executar medida privativa de liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder: Pena - detenção, de um mês a um ano. Parágrafo único - Na mesma pena incorre o funcionário que: I - ilegalmente recebe e recolhe alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança; II - prolonga a execução de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de executar imediatamente a ordem de liberdade; III - submete pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; IV - efetua, com abuso de poder, qualquer diligência. (grifo nosso)131
Tal entendimento se baseia no fato de que os agentes da autoridade de trânsito
estão submetendo pessoa que está sob sua guarda ou custódia (o condutor) a
130 BRASIL, Código Penal Brasileiro (1941). 131 BRASIL, Código Penal Brasileiro (1941).
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77
vexame ou a constrangimento não autorizado em lei, assim como deixando de
liberar imediatamente o condutor após a adoção das medidas administrativas
previstas no art. 165 do CTB, qual sejam, a lavratura do auto de infração, a retenção
do veículo até a apresentação de condutor habilitado e o recolhimento do
documento de habilitação.
Deste modo, após o término da adoção de tais medidas administrativas, o condutor
deve ser liberado imediatamente, não podendo ser conduzido coercitivamente à
autoridade policial judiciária, uma vez que o objetivo de tal condução era exatamente
a produção de prova (exame laboratorial de sangue) para a lavratura do auto de
infração de trânsito, que já foi confeccionado. Assim, tal condução é desnecessária,
inócua e ilegal, pois se não há crime, não existe motivo para se constranger o
cidadão, através de sua condução à autoridade policial judiciária, configurando
assim o exercício de diligência com abuso de poder e a submissão de pessoa que
está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado por
lei.
11.2. Atitude Correta do Agente da Autoridade de Trânsito Diante da Recusa do Condutor em se Submeter aos Testes de Alcoolemia
Diante o exposto, entende-se que caso o condutor envolvido em acidente de trânsito
ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de
álcool, se recuse a se submeter aos testes de alcoolemia, notadamente o etilômetro,
a atitude correta do agente da autoridade de trânsito será apenas a lavratura do
respectivo auto de infração de trânsito, a retenção do veículo até a apresentação de
condutor habilitado e o recolhimento do documento de habilitação, com base no art.
277, parágrafo 3º do CTB, não devendo ser feita a apresentação do condutor à
autoridade policial judiciária, conforme já explanado.
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Caso o condutor que se recusou a se submeter ao teste do bafômetro, solicite ao
agente da autoridade de trânsito a sua condução à autoridade policial judiciária,
entende-se que o agente não deve realizar tal condução, devendo adotar as
medidas administrativas previstas no art. 165 do CTB (lavratura do auto de infração,
a retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e o recolhimento do
documento de habilitação).
Tal entendimento se baseia no fato de que, na hipótese do cidadão ser apresentado
à autoridade policial judiciária, e posterior encaminhamento ao Departamento
Médico Legal, poderá também o condutor se recusar a permitir a coleta de material
sanguíneo de seu corpo, ficando assim impune, ou fazendo o agente da autoridade
de trânsito apenas perder tempo com a sua condução, já que a adoção das medidas
administrativas previstas no art. 165 do CTB pode ser feita mesmo após a recusa do
condutor em permitir a realização de exames laboratoriais.
Outro aspecto a ser analisado, é que caso o agente da autoridade de trânsito
apresente à autoridade policial judiciária o condutor que se recusou a se submeter
ao teste do bafômetro, entende-se que se estará favorecendo a impunidade, já que
com o grande lapso temporal, entre a abordagem policial ou o acidente de trânsito, a
apresentação à autoridade policial judiciária e o encaminhamento ao Departamento
Médico Legal para exames laboratoriais, certamente a concentração de álcool por
litro de sangue será muito menor ou até mesmo não poderá mais ser aferida. Tal
situação beneficiaria o condutor que ingeriu bebida alcoólica, prejudicando
indiretamente toda a sociedade, que tem o seu direito a um trânsito seguro violado.
Além disso, incentivaria a impunidade e a conduta de outros condutores a se
recusarem a se submeter aos testes de alcoolemia previsto em lei, notadamente o
etilômetro.
Por fim, é importante novamente ressaltar a legalidade da conduta do agente da
autoridade de trânsito que se recuse a apresentar à autoridade policial judiciária o
condutor que se recusou a se submeter ao teste do bafômetro, mas que solicitou a
sua apresentação à autoridade policial judiciária. Tal entendimento se baseia no
parágrafo 3º, do art. 277, do CTB, que dispõe que deverão ser aplicadas as
penalidades e medidas administrativas previstas no art. 165 do CTB para o condutor
que se recusar a se submeter a qualquer dos testes de alcoolemia. Assim, o
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vocábulo “qualquer” tornar-se muito importante, pois, a recusa à realização do teste
do “etilômetro” por si só, já configura a hipótese autorizada pela lei para a lavratura
do auto de infração. Tal possibilidade é totalmente possível e legal, pois atende ao
princípio da legalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da segurança no
trânsito e da supremacia do interesse público.
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12. O DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI OU O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO A AUTO-INCRIMINAÇÃO
No ordenamento jurídico brasileiro o direito de não produzir prova contra si ou o
princípio da vedação a auto-incriminação origina-se diretamente do direito
constitucional à ampla defesa e contraditório e do direito ao silêncio, previsto no art.
5º, incisos LV e LXIII, respectivamente, da CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...] LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; [...]132(grifo nosso)
Assim, verifica-se que a Carta Magna protegeu expressamente apenas o direito ao
silêncio, ao estabelecer o direito do preso a permanecer calado, não podendo seu
silêncio ser utilizado em prejuízo de sua defesa ou ser interpretado como confissão
de culpa.
A interpretação extensiva do direito ao silêncio decorre da análise sistêmica da
Constituição, que já em seu Preâmbulo estabelece o Estado Democrático de Direito,
os direitos individuais, a liberdade e a justiça como valores supremos, ou seja,
princípios superiores até mesmo à própria literalidade constitucional:
PREÂMBULO Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
132 BRASIL, Constituição (1988).
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promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.133
Além disso, o art. 1° da CF/88 dispõe que o Brasil constituiu-se em um Estado
Democrático de Direito, possuindo como um de seus fundamentos a dignidade da
pessoa humana e a cidadania:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; [...]134 (grifo nosso)
Desta feita, a interpretação extensiva do direito ao silêncio decorre também do art.
5°, § 2° da CF/88, que estabeleceu que os direitos e garantias previstos na
Constituição não excluem a inclusão no ordenamento jurídico pátrio de outros
direitos e garantias decorrentes dos princípios gerais adotados pela própria Carta
Magna, assim como não excluem aqueles decorrentes de tratados internacionais em
que o Brasil seja signatário:
[...] § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. [...]135
Nesse sentido, a interpretação extensiva do direito ao silêncio e o entendimento do
direito de não produzir prova contra si, se originam do Pacto de São José da Costa
Rica, que prevê como garantia judicial o direito a não-incriminação, o qual foi
incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro.
Desse pacto é importante frisar que se trata da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, celebrada em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José da Costa
Rica, capital da Costa Rica, por ocasião da Conferência Especializada
Interamericana sobre Direitos Humanos, passando a ser conhecida como Pacto de
São José da Costa Rica. Entretanto, na época o Brasil vivia o período ditatorial do
133 BRASIL, Constituição (1988). 134 Ibid. 135 Ibid.
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regime militar, o qual se opunha ao respeito aos direitos humanos. Apenas em 1992,
no Governo do presidente Itamar Franco, o Brasil aderiu à Convenção, através do
Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio de 1992136, que aprovou o texto da
Convenção. Entretanto, somente com o Decreto Presidencial nº 678, de 06 de
novembro de 1992137, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos entrou em
vigor, passando a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro.
Dessa forma, o Pacto de São José da Costa Rica em seu art. 8º, estabelece as
garantias judiciais de toda pessoa humana. O seu inciso 2 (sic), estabelece o direito
à presunção de inocência de todo acusado. Finalmente a alínea “g” estabelece o
direito da pessoa de não ser obrigada a depor contra si mesma e o direito de não se
confessar culpada. In verbis:
Artigo 8º - Garantias judiciais 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
136 BRASIL. Decreto Legislativo nº 27, de 26 de maio de 1.992. República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009. 137 BRASIL. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1.992. República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 11 abr. 2009.
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4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça. (grifo nosso)138
Assim, verifica-se que nem mesmo o Pacto de São da Costa Rica estabelece o
direito de não produzir prova contra si ou o princípio da vedação a auto-
incriminação. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos apenas protege o
direito do acusado ao silêncio, proibindo a confissão forçada e garante a sua
presunção de inocência.
Dessa forma, a defesa do direito de não produzir prova contra si é também uma
interpretação extensiva do Pacto de São da Costa Rica, o qual não previu
expressamente esse direito.
Ao se analisar ainda a CF/88, é importante frisar que a Emenda Constitucional (EC)
nº 45, de 30 de dezembro de 2004, acrescentou o § 3º ao art. 5º, da Carta Magna.
Esse dispositivo estabelece a possibilidade de os tratados e convenções
internacionais sobre direitos humanos, terem status de emenda constitucional,
desde que obedecidos dois requisitos: o objeto do tratado ou convenção ser sobre
direitos humanos e a sua deliberação parlamentar obedeça aos limites formais
estabelecidos para a edição das emendas constitucionais, quais sejam, a
deliberação em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, só
sendo aprovado se obtiver três quintos dos votos dos respectivos membros
parlamentares. Eis o § 3º, in verbis:
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.139
Assim, a partir de 2004 poderá os tratados sobre direitos humanos passarem a ter
status constitucional, mas somente se preenchidos os requisitos formais do § 3º, do
art. 5º da CF/88.
138 BRASIL, Decreto nº 678, Anexo (1992). 139 BRASIL, Constituição (1988).
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Dessa forma, o Pacto de São José da Costa Rica vigora no ordenamento jurídico
pátrio com força de lei ordinária, uma vez que foi aprovado antes da EC nº 45/2004.
Contudo, em relação ao direito de não produzir prova contra si, entende-se que tal
discussão é desnecessária, uma vez que o princípio da vedação a auto-incriminação
possui índole constitucional desde a promulgação da Constituição em 1988, uma
vez que o seu descumprimento configura violação da dignidade da pessoa humana,
um dos fundamentos da República, previsto no art. 1°, inciso III da CF/88, conforme
já citado
Além disso, sua constitucionalidade está prevista no art. 2° da CF/88, que
estabeleceu que os direitos e garantias previstos na Constituição não excluem a
inclusão de outros direitos e garantias decorrentes dos princípios gerais adotados
pela própria Carta Magna.
Outro ponto a ser verificado, é que o princípio da vedação à auto-incriminação
origina-se da tradução do brocardo latino nemo tenetur se detegere, consistindo na
prerrogativa do cidadão de não produzir provas contra si mesmo.
Assim, QUEIJO citada por MACHADO defende a interpretação extensiva do direito
ao silêncio dizendo que:
[...] Expressões como: "não se auto-incriminar", "não se confessar culpado", "não produzir provas contra si mesmo", "não se declarar culpado", "direito de permanecer calado", "direito ao silêncio", dentre outras fornecidas pela literatura jurídica, estão abrangidas na noção da terminologia latina: nemo tenetur se detegere. Isso não quer dizer que todas estas expressões sejam necessariamente sinônimas, muito menos, que o nemo tenetur se detegere identifique-se com as mesmas, diante de um rigor técnico conceitual. Entender dessa forma, segundo a doutrina especializada, seria o mesmo que imprimir efeitos extremamente restritivos ao preceito do nemo tenetur se detegere. [...]140(grifo nosso)
140 MACHADO, Eduardo Muniz. Delimitação do sentido e alcance do direito ao silêncio. Um estudo sobre a natureza jurídica e aplicabilidade do inciso LXIII do art. 5º da Constituição Federal, que garante o direito de permanecer calado, apud QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo: (o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal). São Paulo: Saraiva, 2003, p. 26. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 548, 6 jan. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6153>. Acesso em: 17 mai. 2009.
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E continua QUEIJO citada por MACHADO a escrever:
Na realidade, o direito ao silêncio é a mais tradicional manifestação do nemo tenetur se detegere, mas o citado princípio não se restringe a ele. O direito ao silêncio apresenta-se como uma das decorrências do nemo tenetur se detegere, pois o referido princípio, como direito fundamental e garantia do cidadão no processo penal, como limite ao arbítrio do Estado, é bem mais amplo e há diversas outras decorrências igualmente importantes que dele se extraem. (grifo nosso)141
Com isso, verifica-se que apesar de se originarem do mesmo pressuposto (nemo
tenetur se detegere), existe uma diferença tênue entre o direito ao silêncio e o direito
de não produzir prova contra si.
Dessa forma, o direito ao silêncio seria uma espécie, uma das formas de expressão
do direito de não produzir prova contra si, o qual seria muito mais amplo, garantindo
ao cidadão a proteção de não ser compelido a produzir prova em seu desfavor142.
Assim, o direito da vedação à auto-incriminação seria um direito fundamental, por
assegurar o respeito à liberdade e à dignidade da pessoa humana, constituindo
assim, em um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito Brasileiro.
MACHADO afirma que:
[...] o nemo tenetur se detegere, direito fundamental geral ligado à concepção de liberdade e dignidade da pessoa humana, à medida que assegura o direito ao investigado a não se auto-incriminar, fundamenta a própria legitimidade do Estado Democrático de Direito, preservando-se, portanto, um dos instrumentos fundamentais à concretização do contraditório e da ampla defesa. É justamente na tutela jurídica dos interesses do acusado que repousa a proteção dos direitos fundamentais. [...]143(grifo nosso)
Esse também tem sido o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que em
seus julgados tem defendido uma interpretação bastante ampla ao princípio da não
incriminação, não se limitando apenas ao direito de se manter em silêncio, mas na
141 MACHADO apud QUEIJO,2005. 142 MARCÃO, Renato. Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e teste do bafômetro. Uma análise do novo art. 306, caput, da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1827, 2 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11454>. Acesso em: 01 jun. 2009. 143 MACHADO, 2005.
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garantia do direito de o acusado de não produzir nenhum tipo de prova que possa
ser utilizada contra sua defesa, conforme será visto a seguir.
12.1. O Entendimento do STF Quanto ao direito de não produzir prova contra si
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem defendido uma interpretação bastante ampla
ao princípio da não incriminação, não se limitando apenas ao direito de se manter
em silêncio, mas na garantia do direito de o acusado de não produzir nenhum tipo
de prova que possa ser utilizada contra a sua defesa.
Dessa forma, por exemplo, no julgamento do HC 83.096, o STF decidiu que o direito
a não-incriminação abrange inclusive a garantia ao acusado de não fornecer
padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial de confrontamento com a sua
voz em gravação telefônica, uma vez que tal prova poderia prejudicar a defesa do
réu:
Ementa HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ART. 14 DA LEI Nº 6.368/76. REQUERIMENTO, PELA DEFESA, DE PERÍCIA DE CONFRONTO DE VOZ EM GRAVAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA. DEFERIMENTO PELO JUIZ. FATO SUPERVENIENTE. PEDIDO DE DESISTÊNCIA PELA PRODUÇÃO DA PROVA INDEFERIDO. 1. O privilégio contra a auto-incriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável. 2. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e documentado pela autoridade designada para a realização da perícia. 144 (grifo nosso)
144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 83.096. Rel. Min. Ellen Gracie. 2ª Turma do STF.Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(83096.NUME.%20OU%2083096.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em 20 abr. 2009.
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Em outra decisão, o STF no julgamento do HC 77.135, decidiu que o cidadão tem
direito a se recusar a fornecer padrões gráficos de próprio punho para produção de
prova pericial em juízo, o chamado exame grafotécnico, em virtude do direito do
indiciado contra a auto-incriminação, não sendo possível o Estado obrigar o acusado
a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa:
EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. RECUSA A FORNECER PADRÕES GRÁFICOS DO PRÓPRIO PUNHO, PARA EXAMES PERICIAIS, VISANDO A INSTRUIR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. NEMO TENETUR SE DETEGERE. Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a auto-incriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa. Assim, pode a autoridade não só fazer requisição a arquivos ou estabelecimentos públicos, onde se encontrem documentos da pessoa a qual é atribuída a letra, ou proceder a exame no próprio lugar onde se encontrar o documento em questão, ou ainda, é certo, proceder à colheita de material, para o que intimará a pessoa, a quem se atribui ou pode ser atribuído o escrito, a escrever o que lhe for ditado, não lhe cabendo, entretanto, ordenar que o faça, sob pena de desobediência, como deixa transparecer, a um apressado exame, o CPP, no inciso IV do art. 174. Habeas corpus concedido.145(grifo nosso)
O STF no julgamento do HC 95.037, o Ministro Celso de Mello proferiu liminar em
extensa decisão monocrática favorável ao impetrante, que desejava manter o
silêncio em relação às perguntas de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)
da Assembléia Legislativa de São Paulo que investigava a pedofilia. Desta decisão,
destaca-se o entendimento do ministro acerca da amplitude da garantia da não auto-
incriminação, no qual qualquer indivíduo tem o direito constitucional de permanecer
calado:
[...] Cabe registrar que a cláusula legitimadora do direito ao silêncio, ao explicitar, agora em sede constitucional, o postulado segundo o qual "Nemo tenetur se detegere", nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de
145 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 77.135. Rel. Min. Ilmar Galvão. 1ª Turma do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(77135.NUME.%20OU%2077135.ACMS.)&base=baseAcordaos >. Acesso em 20 abr. 2009.
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1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda que compõe o "Bill of Rights" norte-americano. Na realidade, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal (HC 80.530-MC/PA, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Trata-se de prerrogativa, que, no autorizado magistério de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO ("Direito à Prova no Processo Penal", p. 111, item n. 7, 1997, RT), "constitui uma decorrência natural do próprio modelo processual paritário, no qual seria inconcebível que uma das partes pudesse compelir o adversário a apresentar provas decisivas em seu próprio prejuízo (...)". Cumpre rememorar, bem por isso, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 68.742/DF, Rel. p/ o acórdão Min. ILMAR GALVÃO (DJU de 02/04/93), também reconheceu que o réu não pode, em virtude do princípio constitucional que protege qualquer acusado ou indiciado contra a auto-incriminação, sofrer, em função do legítimo exercício desse direito, restrições que afetem o seu "status poenalis". Esta Suprema Corte, fiel aos postulados constitucionais que expressivamente delimitam o círculo de atuação das instituições estatais, enfatizou que qualquer indivíduo "tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. ‘Nemo tenetur se detegere’. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal". [...]146 (grifo nosso)
Também em relação ao tema do presente trabalho monográfico, o STF tem
entendimento que é inconstitucional a presunção de embriaguez de condutor que se
recuse a se submeter aos testes de alcoolemia, uma vez que no Brasil vigora o
princípio da presunção de inocência, consoante o art. 5º, inciso LVII da CF/88. Este
foi o entendimento da Suprema Corte em recente julgamento do HC 93916,
proferido em 10 de junho de 2008, em que o STF decidiu que não se pode presumir
a embriaguez de quem não se submeta à exame de dosagem alcoólica, uma vez
que a Constituição impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele
que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerça o direito
constitucional de não produzir prova contra si mesmo:
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBLIDADE DE SE EXTRAIR QUALQUER CONCLUSÃO DESFAVORÁVEL AO SUSPEITO OU ACUSADO DE PRATICAR CRIME QUE NÃO SE SUBMETE A EXAME DE DOSAGEM ALCOÓLICA. DIREITO DE NÃO PRODUZIR PROVA CONTRA SI MESMO: NEMO TENETUR SE DETEGERE. INDICAÇÃO DE OUTROS ELEMENTOS JURIDICAMENTE VÁLIDOS, NO SENTIDO DE QUE O PACIENTE ESTARIA EMBRIAGADO: POSSIBILIDADE. LESÕES CORPORAIS E HOMICÍDIO CULPOSO NO TRÂNSITO. DESCRIÇÃO DE FATOS QUE, EM TESE, CONFIGURAM CRIME. INVIABILIDADE DO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. Não se pode presumir que a embriagues (sic) de quem não se submete a
146 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 95.037. Decisão Liminar. Min. Celso de Mello. 1ª Turma do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(95037.NUME.%20OU%2095037.DMS.)%20NAO%20S.PRES.&base=baseMonocraticas>. Acesso em 20 abr. 2009.
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exame de dosagem alcoólica: a Constituição da República impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo: Precedentes. 2. Descrevendo a denúncia que o acusado estava "na condução de veículo automotor, dirigindo em alta velocidade" e "veio a colidir na traseira do veículo" das vítimas, sendo que quatro pessoas ficaram feridas e outra "faleceu em decorrência do acidente automobilístico", e havendo, ainda, a indicação da data, do horário e do local dos fatos, há, indubitavelmente, a descrição de fatos que configuram, em tese, crimes. 3. Ordem denegada.147 (grifo nosso)
Dessa forma, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal tem defendido uma
interpretação bastante ampla ao princípio da não incriminação, não se limitando
apenas ao direito de se manter em silêncio, mas na garantia do direito do acusado
de não produzir nenhum tipo de prova que possa ser utilizada contra sua defesa,
abrangendo, inclusive, a recusa à submissão a qualquer teste de alcoolemia, como o
etilômetro, assim como o fornecimento de material corporal para exames
laboratoriais, por exemplo, a dosagem de álcool no sangue.
12.2. Críticas ao princípio da vedação da auto-incriminação
O ordenamento jurídico brasileiro, conforme já explanado, assegura a todo cidadão
o direito ao silêncio, consoante o art. 5°, inciso LXIII, da CF/88 e o disposto no Pacto
de São José da Costa Rica.
O que se critica é a forma de interpretação extremamente ampla que o princípio está
sendo analisado, prejudicando o interesse público e a persecução penal, em que
cidadãos infratores ficam impunes, em decorrência da impossibilidade da produção
de prova material, imprescindível em muitos casos para a confirmação da autoria do
crime.
147 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 93.916. Rel. Min. Cármen Lúcia. 1ª Turma do STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(93916.NUME.%20OU%2093916.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em 20 abr. 2009.
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Nesse sentido SOUZA entende que:
[...] Tem sido dada, entretanto, uma incabível elasticidade à norma constitucional sobre o direito de permanecer calado, com um entendimento de que ela compreende também um direito de recusar-se o acusado a praticar atos que possam contribuir para a formação de prova contra si. [...] Ora, o que a Constituição protege com o dispositivo em questão [...] é o direito ao silêncio. Não passou disso, do direito de “permanecer calado”. [...]148
Dessa forma, no caso da produção de provas de que não dependam da participação
do acusado, não se pode alegar afronta ao princípio de nemo tenetur se detegere,
uma vez que não é necessário a colaboração ativa do acusado, como é o caso do
reconhecimento por pessoas.
Entretanto, para a realização de exames ou qualquer outra prova que necessite da
participação ativa do acusado, imperioso será que o cidadão consinta
voluntariamente, não sendo possível obrigá-lo. Caso contrário, se estará infringindo
o direito do acusado de não produzir prova contra si. Nesse sentido SOUZA escreve
que:
[...] No estado atual de nossa legislação, com efeito, não há como negar que assiste ao cidadão ao direito de não se submeter a exames evasivos, ou a colaborar com certas provas, a não ser passivamente, como é o caso do reconhecimento por pessoas ou o exame simplesmente clínico. [...] É certo que exames periciais são previstos em lei. Sua efetivação, entretanto, pode ficar frustrada se não houver aquiescência ou colaboração do paciente, à falta de meios legais aptos à sua concretização. [...]149
Dessa forma, atualmente no Brasil não é possível que se obrigue o acusado a se
submeter a procedimentos evasivos, como exames de radiologia, de endoscopia, de
ultrassonografia, de alcoolemia direta (coleta de sangue), de alcoolemia indireta
(etilômetro), de cavidades corporais (boca, ouvido, olhos, nariz, ânus e vagina);
toxicológico e de DNA. 150
148 SOUZA, 2005. 149 Ibid. 150 ZAGANELLI, 2001.
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Nesse sentido, ZAGANELLI entende que:
[...] No âmbito do Processo Penal considerando que no estado atual do desenvolvimento científico e tecnológico seja imprescindível, no Estado Brasileiro a regulamentação das medidas de intervenção corporal como meio de prova no Processo Penal, desde que: • se proteja o maior âmbito de liberdade possível do acusado no Processo Penal; • não se autorize medida de Intervenção Corporal que resulte em perigo para a saúde mental e física ou qualquer atentado contra a dignidade de um acusado de um crime; • só se deva ser autorizada uma medida desta natureza, quando resulte necessária para o objeto da investigação criminal, ou seja, na medida em que existam fundamentos para suspeitar que o resultado obtido seja para a prova do processo; • a autorização para a intervenção corporal seja uma medida restritiva, usada tão somente quando necessária para a devida construção do instrumento investigatório criminal, ou seja, na medida em que exista fundamentos para se suspeitar que o resultado obtido será objeto de prova no processo; sem que se perca o horizonte do estado de inocência; evitando-se ainda o uso do material biológico para outros fins (mercadológicos, por exemplo) que sejam de interesse do Estado e da segurança social. [...]151 (grifo nosso)
Assim, ZAGANELLI entende ser imprescindível que o legislador brasileiro faça uma
alteração constitucional, que autorize o uso restrito de medidas de intervenção
corporal como meio de prova no processo penal, desde que não cause risco à saúde
física e mental do acusado e que não exista outra forma para a eficácia da
persecução penal, não sendo afastada a sua presunção de inocência152.
É o caso, por exemplo do etilômetro, em que a exigência para o cidadão assoprar
em um equipamento eletrônico, mostra-se como uma intervenção corporal
extremamente pequena, praticamente sem risco para a saúde e a integridade física
do condutor.
Nesse aspecto, o Brasil já possui precedente em que o direito de não produzir prova
contra si não foi considerado absoluto, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ)
editou em 18 de outubro de 2004 a Súmula 301, que enuncia que: “em ação
151 ZAGANELLI, 2001, p. 195 e 196. 152 Ibid.
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investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção juris tantum de paternidade”153.
Dessa forma, no caso da ação de investigação de paternidade, o STJ derrogou o
princípio da presunção de inocência e o princípio de nemo tenetur se detegere,
entendendo que a recusa do suposto pai a fornecer material corporal para a
realização de exame de DNA constituiu-se em uma presunção juris tantum, ou seja,
uma presunção relativa, que admite prova em contrário. Assim, até a produção de
prova contrária, presume-se que os fatos alegados são verdadeiras, ou seja, que o
cidadão que se recusou a realizar o teste DNA é o pai biológico da criança. Tal
interpretação buscou a proteção ao hipossuficiente (a criança), em detrimento do
direito individual do pai em não produzir prova contra si.
Desta feita, conclui-se que o direito de não produzir prova contra si não pode ser
considerado como um direito absoluto, mas sim como uma garantia ao cidadão
contra atos arbitrários do Estado. Assim, o brocardo jurídico nemo tenetur se
detegere deve ser entendido uma forma de defesa do cidadão contra a
coercitividade estatal em sua persecução penal. Interpretação muito além disso,
pode levar à impunidade e a injustiça, prejudicando o interesse público e a
segurança da coletividade.
Outrossim, é forçoso o reconhecimento de que é muito tênue o limite entre os
direitos fundamentais do acusado, notadamente o seu direito de não produzir prova
contra si, e o direito e dever do Estado de produzir provas para o esclarecimentos de
fatos que afetem as relações sociais e jurídicas. Dessa forma, ao se analisar o caso
concreto, o operador do direito deverá utilizar o princípio da proporcionalidade e da
razoabilidade, assim como a teria dos princípios constitucionais para que seja feita a
perfeita justiça154.
153 BRASIL. Superior Tribunal Justiça. Súmula 301. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/doc.jsp?livre=%40docn&&b=SUMU&p=true&t=&l=10&i=81os>. Acesso em 20 abr. 2009. 154 ZAGANELLI, 2001.
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13. ANÁLISE DA LEGALIDADE E DA CONSTITUIONALIDADE DOS MEIOS DE PROVA DE EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA PREVISTOS NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
Ao se verificar a legalidade e a constitucionalidade dos meios de prova de
embriaguez alcoólica previstos no Código de Trânsito Brasileiro, é necessário que
faça a análise em separado da infração administrativa de trânsito (prevista no art.
165 do CTB) do crime de trânsito (previsto no art. 306 do CTB).
Dessa forma, observar-se que em relação à infração administrativa de trânsito,
prevista no art. 165 do CTB155, é perfeitamente legal e constitucional os meios de
prova previstos no art. 277 do CTB156, uma vez que atende ao principal requisito de
validade do princípio da legalidade: que a obrigação imposta pelo Estado ou a
limitação de um direito esteja previsto em lei.
Assim, diante da recusa do condutor envolvido em acidente de trânsito ou que for
alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir embriagado, de se submeter
aos testes de alcoolemia, o Estado pode adotar as penalidades e medidas
administrativas estabelecidas no art. 165 do CTB (lavratura do auto de infração, a
retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e o recolhimento do
documento de habilitação), sem ofensa ao princípio da legalidade, já que o § 3º, do
art. 277 do CTB determina tal conduta.
155 Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008). [...] Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. 156 Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006). [...] § 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008). § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008).
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Desta feita, a adoção das penalidades e medidas administrativas estabelecidas no
art. 165 do CTB em relação aos condutores que se recusam a se submeter aos
testes de alcoolemia é perfeitamente legítima, uma vez que todo ato administrativo
goza de presunção juris tantum de legitimidade, ou seja, presume-se que todo ato
administrativo seja praticado em conformidade com a Lei e que as situações de fato
que embasaram a prática do ato sejam reais e verdadeiras. Assim, o ordenamento
jurídico presume que o ato administrativo é verdadeiro e legítimo, até que se prove o
contrário.
Em relação à constitucionalidade, entende-se que os meios de prova previsto no art.
277 do CTB são constitucionais, uma vez que o direito constitucional de todos à
segurança deve prevalecer sobre o interesse individual. Assim, na ponderação dos
princípios e direitos constitucionais, o direito e o dever do Estado em garantir a
segurança pública, em especial a segurança no trânsito, sobrepõe-se, fazendo com
que a primazia do interesse coletivo prevaleça sobre o direito individual.
Já em relação ao crime de trânsito previsto no art. 306 do CTB157, verifica-se que os
meios de prova previstos no art. 277 do CTB158 são legais e constitucionais apenas
em relação aos exames que produzem prova objetiva, como o teste do etilômetro e
o exame laboratorial de dosagem alcoólica em material sanguíneo.
Para esses exames a legalidade e a constitucionalidade baseiam-se nos mesmos
argumentos que legitimam a infração administrativa prevista no art. 165, conforme já
explanado, qual seja, a previsibilidade em Lei, a presunção de legitimidade dos atos
estatais e a supremacia do interesse público. 157 Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008). [...] 158 Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006). [...] § 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008). § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008).
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Já em relação ao art. 277 (parte do caput), § 2º do CTB, que versa sobre
possibilidade do uso do de prova testemunhal para a comprovação do crime de
trânsito previsto no art. 306 do CTB, entende-se pela ilegalidade e
inconstitucionalidade, uma vez que a CF/88 assegura em seu art. 5º, inciso XXXIX,
que: ”não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal”.
Assim, o legislador exigiu para a configuração do delito em tela o cumprimento de
um requisito totalmente objetivo, qual seja, a constatação concreta de uma
concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue.
Essa constatação não pode ser substituída pela produção de uma prova
testemunhal, ou mesmo exame médico clínico, porque em nenhum desses
procedimentos é possível a aferição objetiva do grau de concentração de álcool no
sangue, requisito imprescindível para a caracterização do crime na atual
conformação legal.
Dessa forma, ninguém pode ser punido se anteriormente a um fato criminoso não
existir uma lei tipificando a conduta como crime e positivando a sanção
correspondente. É a aplicação do brocardo nullum crimen, nulla poena sine lege
praevia, significando que não haverá crime se não houver lei escrita definindo a
infração penal e impondo a conseqüente pena. Assim, na seara criminal não é
possível a interpretação extensiva ou teleológica da lei.
Desta feita, é inconstitucional e ilegal a tentativa do uso de qualquer prova, como a
testemunhal e o exame clínico, para a comprovação do crime previsto no art. 306 do
CTB, sendo imprescindível a comprovação objetiva do crime, através da
constatação real e concreta de que o condutor dirigia veículo com uma concentração
igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue.
Outrossim, ressalta-se que tal entendimento decorre da atual redação do art. 306 do
CTB, ou seja, do caso concreto, e não em relação à validade da prova testemunhal,
a qual é perfeitamente legal, estando inclusive prevista no CPP. Dessa forma, caso
a redação do citado artigo fosse alterada, com a conduta típica passando a ser dirigir
sob a influência de qualquer concentração de álcool no sangue (semelhante à
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infração administrativa), a comprovação da embriaguez alcoólica através do uso de
testemunhal passaria a ser totalmente legal e constitucional.
Por fim, em relação ao aspecto criminal da recusa do condutor a se submeter aos
testes de alcoolemia previstos em lei, notadamente o do etilômetro e o exame
laboratorial de sangue, entende-se pela legalidade e constitucionalidade da recusa
do condutor em se submeter a tais testes, uma vez que possui o direito
constitucional de não produzir prova contra si.
Dessa forma, qualquer tentativa coercitiva estatal no sentido de se forçar o condutor
a se a se submeter aos testes de alcoolemia, é claramente inconstitucional e ilegal,
pois a CF/88 assegura o direito do cidadão de não produzir prova contra si, podendo
inclusive seus autores serem responsabilizados criminalmente.
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14. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho objetivou o estudo da legislação sobre a embriaguez alcoólica
de condutores de veículos automotores, notadamente a análise da legalidade e da
constitucionalidade dos meios de prova de embriaguez alcoólica previstos no Código
de Trânsito Brasileiro, focando especificamente as alterações provocadas pela lei nº
11.275/2006 e pela lei nº 11.705/2008.
Dessa forma, em relação à infração administrativa de trânsito prevista no art. 165 do
CTB, entende-se pela legalidade e pela constitucionalidade dos meios de prova de
embriaguez alcoólica previstos no art. 277 do CTB.
Já em relação ao crime de trânsito previsto no art. 306 do CTB, verifica-se que os
meios de prova previstos no art. 277 do CTB são legais e constitucionais apenas em
relação aos exames que produzem prova objetiva, como o teste do etilômetro e o
exame laboratorial de dosagem alcoólica em material sanguíneo.
Outrossim, verificou-se inconstitucional e ilegal a tentativa de uso de qualquer prova,
seja ela a testemunhal ou exame clínico, para a comprovação do crime previsto no
art. 306 do CTB, em virtude de ser imprescindível a comprovação material e objetiva
do crime, através da constatação real e concreta de que o condutor dirigia com uma
concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue.
Por fim, especificamente em relação à recusa do condutor envolvido em acidente de
trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir
embriagado, de se submeter aos testes de alcoolemia, verificou-se a legalidade e a
constitucionalidade do Estado adotar as penalidades e medidas administrativas
estabelecidas no art. 165 do CTB, em relação à infração administrativa.
No aspecto criminal, a recusa do condutor a se submeter aos testes de alcoolemia
previstos em lei, notadamente o do etilômetro e o exame laboratorial de sangue,
entende-se pela legalidade e constitucionalidade da recusa do condutor em se
submeter a tais testes, uma vez que possui o direito constitucional de não produzir
prova contra si. Dessa forma, qualquer tentativa coercitiva estatal no sentido se
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forçar o condutor a se a se submeter aos testes de alcoolemia, é claramente
inconstitucional e ilegal.
Entretanto, a atual conformação legal dos artigos 306 e 277 do CTB,
indubitavelmente tem prejudicado o interesse público e o direito constitucional de
todos à segurança, notadamente a segurança no trânsito. Além disso, tal panorama
está inviabilizando a atuação estatal e o exercício do poder-dever do Estado de
assegurar a segurança e a paz social, razão de existência do próprio Estado. Deste
modo, o engessamento estatal está provocando a impunidade e a injustiça,
prejudicando o interesse público, a segurança da coletividade e a confiança da
sociedade no Estado.
Assim, uma das soluções possíveis, seria que o legislador brasileiro modificasse a
redação do art. 306 do CTB, com a conduta típica passando a ser dirigir sob a
influência de qualquer concentração de álcool no sangue (semelhante à infração
administrativa). Assim, o delito poderia ser comprovado através do uso de prova
testemunhal, uma vez que já não mais seria necessário a constatação do requisito
objetivo de uma concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por
litro de sangue.
Outra solução possível, seria que o legislador pátrio editasse uma lei acrescentando
um parágrafo ao art. 306 do CTB, estabelecendo que a recusa à submissão a
qualquer dos testes de alcoolemia previstos no CTB, configurar uma tipificação
penal específica, ou o crime de desobediência, previsto no art. 330 do CPB.
Entretanto, mesmo que tal alteração do CTB fosse realizada, ainda sim seria
discutível a sua constitucionalidade, em decorrência novamente do direito de o
cidadão de não produzir prova contra si.
A melhor solução pareça ser uma ampla discussão com todos os seguimentos da
sociedade para que se modifique a redação da Carta Magna, na qual haveria
autorização constitucional para que o Estado, dentro de estreitos limites, pudesse
coercitivamente exigir que o cidadão se submeta aos testes de alcoolemia, assim
como a outros meio de prova essenciais para a persecução penal.
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Todavia, outro problema surgiria, qual seja, a discussão da constitucionalidade de tal
alteração da Constituição, uma vez que se entende que o direito de não produzir
prova contra si, por ser um direito e uma garantia constitucional individual
fundamental, é uma cláusula pétrea, não podendo ser objeto de deliberação e nem
de modificação, consoante o art. 60, § 4º, inciso IV da CF/88159.
Entretanto, o direito à segurança também é um direito constitucional individual
fundamental, portanto, também é uma cláusula pétrea. Dessa forma, volta-se
novamente à argumentação de que o direito constitucional de todos à segurança
deve prevalecer sobre o interesse individual e que o direito e o dever do Estado em
garantir a segurança pública, em especial a segurança no trânsito, possui primazia
sobre o direito individual. Assim, mais uma vez se deve utilizar o princípio da
proporcionalidade e da razoabilidade e a teoria da ponderação dos princípios
constitucionais para que seja feita a melhor interpretação e análise constitucional.
Nesse sentido, entende-se que a citada alteração do CTB ou da Constituição é
possível, haja vista o precedente aberto com a edição da Sumula 301 do STJ, em
que se entendeu que o direito de não produzir prova contra si não pode ser
considerado como um direito absoluto, apesar da decisão ter sido proferida pelo
STJ, e não pela Suprema Corte Constitucional.
Por fim, pode-se finalizar este trabalho com a afirmação de que é necessário e
urgente uma ampla discussão da sociedade visando a modificação da redação da
Constituição Federal de 1988, buscando uma saída constitucional para que o
Estado, dentro de estreitos limites, possa exercer o seu poder-dever de assegurar a
segurança e o bem estar de todos, respeitando os direitos e garantias individuais.
159 Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. [...] (grifo nosso)
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Curso de Direito da Universidade Federal do Espírito Santo
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