Monocultura da cana-de-açúcar cresce, e exploração dos...

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agrocombustíveis fevereiro de 2008 3 Monocultura da cana-de-açúcar cresce, e exploração dos trabalhadores aumenta SEM CONDIÇÕES Na lavoura, equipamentos são custeados pelo trabalhador; ao final do dia, ninguém sabe quanto irá receber Morte de trabalhadores em São Paulo PREÇO ALTO Em 2007, foram registradas cinco mortes de migrantes por excesso de trabalho nos canaviais do Estado Maria Luisa Mendonça e Marluce Melo O AUMENTO DA pro- dução de etanol no país, com grande quantidade de recursos e incentivos do go- verno, ao invés de signicar a melhora das condições de trabalho, exige maior ex- ploração da mão-de-obra. Em dezembro de 2007, uma medida provisória do governo propôs a elimina- ção da exigência de carteira assinada para assalariados rurais. Em nota, a Asso- ciação Nacional dos Magis- trados do Trabalho (ANTP) avaliou que a medida “trará imensos prejuízos aos tra- balhadores rurais, além de não atender aos requisitos constitucionais de relevân- cia e urgência”, e que irá favorecer a informalidade e dicultar a scalização de irregularidades no cumpri- mento de leis trabalhistas. Em entrevista à agência Notícias do Planalto, o juiz do trabalho Zéu Palmeira armou que esta determina- ção “veio em um momento em que há um esforço na- cional para erradicação do trabalho em condições aná- logas à escravidão. A medi- da que deveria servir para aperfeiçoar os mecanismos de combate ao trabalho em condições degradantes, ter- mina por incentivar a sone- gação de direitos”. E explica, “o trabalhador está sem car- teira e, no momento da s- calização, o empregador po- de providenciar uma espécie de contrato por escrito, dizer que é um contrato rural para um pequeno prazo e vai ter respaldo da lei, porque essa medida provisória permite ao empregador apresentar esse contrato depois, en- quanto que a carteira assi- nada é uma exigência para admissão”. Segundo Guilherme Del- gado, pesquisador do Insti- tuto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ocorre hoje, nos canaviais, uma “explo- são epidêmica, com eleva- ção signicativa dos auxí- lios-doença concedidos, que passaram de 100, em 2000, para 275, em 2005”. Del- gado atribui este crescimen- to ao aumento de casos de doenças osteomusculares, em conseqüência das lon- gas jornadas de trabalho no corte da cana. E avalia que “infelizmente este argumen- to dos custos sociais cres- centes não entrou no espaço estatal, nas áreas macroe- conômicas, que continuam a formular suas respectivas políticas segundo uma óti- ca estritamente privada do agronegócio”. Tanto regiões que tra- dicionalmente produzem cana, como em São Paulo e no Nordeste, quanto em áreas de expansão de fron- teira agrícola, a situação de- gradante se repete. No Mato Grosso, o Ministério Público do Trabalho tem registrado condições extremamente Maria Luisa Mendonça ENTRE 2005 e 2006, o Ser- viço Pastoral dos Migrantes registrou 17 mortes de tra- balhadores migrantes no corte da cana em São Paulo. Em 2007, foram registradas cinco mortes de migrantes por excesso de trabalho nos canaviais do Estado. Em 28 de março, José Pereira Martins, de 52 anos, morreu de infarto após o trabalho no corte da cana, na cidade de Gua- riba. Ele havia migrado do município de Araçuaí, em Minas Gerais. Dia 24 de abril, Lourenço Paulino de Souza, de 20 anos, que migrara do Tocantins, foi encontrado morto na usina São José, em Barretos. Em 19 de maio, falece Adailton Jesus dos Santos, de 34 anos, que havia migrado do Piauí para os canaviais paulistas. Dia 20 de junho, morreu José Dionísio de Souza, de 33 anos, que havia migrado do Estado de Minas Gerais. Em 11 de setembro, no município de Guariba, faleceu Edil- son Jesus de Andrade, de 28 anos, que migrara da Bahia, mas seu corpo foi enterrado em São Paulo. Além destes casos, há ou- tros registros de acidentes e mortes de trabalhadores precárias nas usinas de etanol. “Quartos superlota- dos, escuros e em péssimas condições de higiene. Ba- nheiros sujos, cozinhas im- provisadas a céu aberto. Na lavoura, os equipamentos são velhos, inadequados ou custeados pelo próprio tra- balhador. Ao nal de cada jornada, ninguém sabe ao certo quanto irá receber”, registra matéria do Diário de Cuiabá (22/10/07) sobre o resultado de inspeções da Delegacia Regional do Trabalho nas empresas Barralcool, Itamarati e Coo- prodia. E acrescenta: “tra- balhadores reclamaram da qualidade da comida, sendo que alguns armaram en- contrar moscas, larvas e até rã na marmita”. Protestos de trabalhadores Em Alagoas, trabalha- dores da usina Uruba rea- lizaram um grande protes- to em novembro de 2007, exigindo melhores salários e denunciando descum- primento de leis traba- lhistas. “Os manifestantes denunciam ainda que os responsáveis pelas equipes de cortadores estariam re- tendo os cartões de ponto dos trabalhadores rurais, para forjar uma jornada de trabalho inferior a que eles realmente cumprem”, relata matéria da Gazeta de Alagoas (14/11/07). Outro grande protesto ocorreu em Pernambuco quando, na madrugada de 8 de outubro de 2007, centenas de trabalhadores ocuparam a usina Salga- do para protestar contra os efeitos destrutivos da expansão da cana-de-açú- car e o descaso do governo com a reforma agrária. A usina Salgado é acusada de descumprir leis tra- balhistas e ambientais. A empresa recolheu cerca de 84 milhões de reais em INSS, mas nunca pagou este benefício a seus traba- lhadores. A usina foi insta- lada em terras da União e, desde 1986, não paga taxas de ocupação da área. Além disso, o IBAMA anunciou que vai investigar a usina por plantar cana em áreas de preservação perma- nente, nas margens dos rios, o que constitui crime ambiental. Maria Luisa Mendonça é jor- nalista e membro da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Marluce Melo é membro da Comissão Pastoral da Terra – Nor- deste (CPT/NE) Fernando Arias/UBV Images Sem carteira assinada, trabalhadores cam ainda mais expostos O piso salarial é, em média, R$ 413 reais por mês, e os trabalhadores chegam a gastar R$ 250 reais mensais para cobrir gastos de alimentação, água e moradia, em condições extremamente precárias Mais de 60% da colheita da cana é feita manualmente no Brasil Quanto no setor canavieiro em São Paulo. Em 2005, a Delega- cia Regional do Trabalho registrou 416 mortes nas usinas do Estado, maioria por acidentes de trabalho ou em conseqüência de doenças como parada car- díaca, câncer, além de casos de trabalhadores carboniza- dos durante as queimadas. A Fundacentro, órgão do Ministério do Trabalho, es- tiama que 1.383 canavieiros tenham morrido em situa- ção semelhante entre 2002 e 2006. No dia 15 de abril de 2007, um funcionário da usina Santa Luiza, no mu- nicípio de Motuca, morreu de asxia e outro cou gravemente ferido, quando faziam o controle da queima da cana e foram atingidos pelas chamas. Adriano de Amaral, de 31 anos, mor- reu quando faltou água no caminhão-pipa que dirigia para controlar o fogo. Ele era pai de um menino de sete anos e de um bebê com apenas 20 dias. O outro tra- balhador, Ivanildo Gomes, de 44 anos, teve queimadu- ras em 44% de seu corpo. No Estado de São Paulo, maior produtor de etanol do país, estima-se que metade da mão-de-obra nas usinas seja de traba- lhadores migrantes, princi- palmente do Nordeste e de Trabalhadores mortos e feridos em Alagoas Em 17 de janeiro de 2008, três trabalhadores morreram e dezenas caram feridos quando o ôni- bus que fazia o transporte para a usina Uruba per- deu o freio e capotou no município de Atalaia, em Alagoas. O acidente aconteceu quando os canaviei- ros voltavam para casa depois da jornada no corte da cana. José Paixão, Norberto Floriano e Márcio Francisco morreram no acidente. Segundo depoi- mentos de sobreviventes, as condições do trans- porte eram extremamente precárias, e inclusive o teto do ônibus cedeu no momento do capotamento, fazendo com que os trabalhadores cassem espre- midos no chão ou presos às ferragens. Minas Gerais, que vivem uma situação ainda maior de vulnerabilidade. Os tra- balhadores gastam cerca da metade de seu salário para sobreviver nos canaviais, e pouco resta para enviar a suas famílias, que também dependem desses recursos para seu sustento. No nal da safra, muitos migrantes não têm dinheiro sucien- te para voltar ao seu local de origem. O piso salarial é, em média, R$ 413 reais por mês, e os trabalhado- res chegam a gastar R$ 250 reais mensais para cobrir gastos de alimenta- ção, água e moradia, em condições extremamente precárias. “O empregador não ofe- rece local adequado para descanso e refeição, nem condições sanitárias ade- quadas para as necessida- des dos trabalhadores, não fornece ferramentas de tra- balho adequadas, não repõe Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), não res- peita pausas para descanso previstas na Norma Regu- lamentadora 31, e não for- nece marmita térmica nem vestimenta de trabalho aos cortadores”, arma o Pro- curador do Trabalho José Fernando Ruiz Maturana. E acrescenta, “Sem sombra para se abrigarem ou ca- deiras para sentarem, não resta aos trabalhadores ou- tra alternativa senão fazer a refeição sentados no chão debaixo de sol forte”. O Ministério Público pre- tende investigar o impacto das condições ambientais (exposição a sol forte, calor, poeira e cinza) e do uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores. Outra área de investigação será o cál- culo do “pagamento por produção”, pois os traba- lhadores não têm controle da pesagem da cana que cortam. Em 2007, foram ajuizadas pela Procuradoria Regional do Trabalho 15ª Região, mais de 40 ações civis públicas contra usinas, fornecedores e empreiteiras de mão-de-obra de São Pau- lo, por descumprimento de leis trabalhistas. Fraude de documentos Em agosto de 2007, procuradores da região de Bauru agraram um es- quema de fraude de docu- mentos de trabalhadores rurais a partir de uma em- presa de fachada chamada Escritório Contábil Aveni- da, em Lençóis Paulista. O “kit fraude” continha documentos em branco, que as empresas forçavam os trabalhadores a assinar para serem contratados. “O kit era composto de documentação irregular, como pedido de demissão, termos de rescisão de con- trato de trabalho, registro de trabalho, recibos de for- necimento de EPIs (Equi- pamentos de Proteção Individual), contrato de experiência, prorrogação de contrato de experiência, contrato de safra (período da colheita) e contrato por prazo determinado, todos assinados em branco pelos trabalhadores”, arma o documento divulgado pelo Ministério Público. O Procurador do Traba- lho Luís Henrique Rafael estima que “milhares de trabalhadores podem ter sido vítimas da fraude”. Em setembro de 2007, o Ministério Público de- terminou a suspensão do corte de cana no município de Mineiros do Tietê, no interior paulista, até que as usinas regularizasse a situação dos trabalhado- res. Uma das diculdades em punir as usinas é o fato das contratações serem realizadas por intermediá- rios ou “gatos”, cuja função é aliciar principalmente trabalhadores migrantes, que muitas vezes não têm nem mesmo conhe- cimento de quem são os empregadores. Por isso, o Ministério Público passou a adotar punições para to- da a cadeia produtiva. Em praticamente todas as in- vestigações realizadas nas usinas de São Paulo foram constatadas violações de leis trabalhistas. Freqüentes denúncias de violação de direitos traba- lhistas nas usinas têm levado a indústria da cana a espe- cular sobre a possibilidade de massicar a mecanização do setor. Porém, há dúvidas sobre essa possibilidade, pois os baixos salários e a precariedade das condições de trabalho tornam mais lucrativo para as empresas manter o corte manual do que investir em maquinário. Ainda hoje, mais de 60% da colheita da cana é feita ma- nualmente no Brasil. Desde o período da colonização, este setor depende da explo- ração da mão-de-obra, de grande quantidade de recur- sos públicos e da violação da legislação ambiental para se manter.

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agrocombustíveis

fevereiro de 2008 3

Monocultura da cana-de-açúcar cresce,e exploração dos trabalhadores aumentaSEM CONDIÇÕES Na lavoura, equipamentos são custeados pelo trabalhador; ao final do dia, ninguém sabe quanto irá receber

Morte de trabalhadores em São PauloPREÇO ALTO Em 2007, foram registradas cinco mortes de migrantes por excesso de trabalho nos canaviais do Estado

Maria Luisa Mendonça e Marluce Melo

O AUMENTO DA pro-dução de etanol no país, com grande quantidade de recursos e incentivos do go-verno, ao invés de signifi car a melhora das condições de trabalho, exige maior ex-ploração da mão-de-obra.

Em dezembro de 2007, uma medida provisória do governo propôs a elimina-ção da exigência de carteira assinada para assalariados rurais. Em nota, a Asso-ciação Nacional dos Magis-trados do Trabalho (ANTP) avaliou que a medida “trará imensos prejuízos aos tra-balhadores rurais, além de não atender aos requisitos constitucionais de relevân-cia e urgência”, e que irá favorecer a informalidade e difi cultar a fi scalização de irregularidades no cumpri-mento de leis trabalhistas.

Em entrevista à agência Notícias do Planalto, o juiz do trabalho Zéu Palmeira afi rmou que esta determina-ção “veio em um momento em que há um esforço na-cional para erradicação do trabalho em condições aná-logas à escravidão. A medi-da que deveria servir para

aperfeiçoar os mecanismos de combate ao trabalho em condições degradantes, ter-mina por incentivar a sone-gação de direitos”. E explica, “o trabalhador está sem car-teira e, no momento da fi s-calização, o empregador po-de providenciar uma espécie de contrato por escrito, dizer que é um contrato rural para um pequeno prazo e vai ter respaldo da lei, porque essa medida provisória permite ao empregador apresentar esse contrato depois, en-quanto que a carteira assi-nada é uma exigência para admissão”.

Segundo Guilherme Del-gado, pesquisador do Insti-tuto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ocorre hoje, nos canaviais, uma “explo-são epidêmica, com eleva-ção signifi cativa dos auxí-lios-doença concedidos, que passaram de 100, em 2000, para 275, em 2005”. Del-gado atribui este crescimen-to ao aumento de casos de doenças osteomusculares, em conseqüência das lon-gas jornadas de trabalho no corte da cana. E avalia que “infelizmente este argumen-to dos custos sociais cres-centes não entrou no espaço estatal, nas áreas macroe-conômicas, que continuam

a formular suas respectivas políticas segundo uma óti-ca estritamente privada do agronegócio”.

Tanto regiões que tra-dicionalmente produzem cana, como em São Paulo

e no Nordeste, quanto em áreas de expansão de fron-teira agrícola, a situação de-gradante se repete. No Mato Grosso, o Ministério Público do Trabalho tem registrado condições extremamente

Maria Luisa Mendonça

ENTRE 2005 e 2006, o Ser-viço Pastoral dos Migrantes registrou 17 mortes de tra-balhadores migrantes no corte da cana em São Paulo. Em 2007, foram registradas cinco mortes de migrantes por excesso de trabalho nos canaviais do Estado.

Em 28 de março, José Pereira Martins, de 52 anos, morreu de infarto após o trabalho no corte da cana, na cidade de Gua-riba. Ele havia migrado do município de Araçuaí, em Minas Gerais. Dia 24 de abril, Lourenço Paulino de Souza, de 20 anos, que migrara do Tocantins, foi encontrado morto na usina São José, em Barretos. Em 19 de maio, falece Adailton Jesus dos Santos, de 34 anos, que havia migrado do Piauí para os canaviais paulistas. Dia 20 de junho, morreu José Dionísio de Souza, de 33 anos, que havia migrado do Estado de Minas Gerais. Em 11 de

setembro, no município de Guariba, faleceu Edil-son Jesus de Andrade, de 28 anos, que migrara da Bahia, mas seu corpo foi enterrado em São Paulo.

Além destes casos, há ou-tros registros de acidentes e mortes de trabalhadores

precárias nas usinas de etanol. “Quartos superlota-dos, escuros e em péssimas condições de higiene. Ba-nheiros sujos, cozinhas im-provisadas a céu aberto. Na lavoura, os equipamentos são velhos, inadequados ou custeados pelo próprio tra-balhador. Ao fi nal de cada jornada, ninguém sabe ao certo quanto irá receber”, registra matéria do Diário de Cuiabá (22/10/07) sobre o resultado de inspeções da Delegacia Regional do Trabalho nas empresas Barralcool, Itamarati e Coo-prodia. E acrescenta: “tra-balhadores reclamaram da qualidade da comida, sendo que alguns afi rmaram en-contrar moscas, larvas e até rã na marmita”.

Protestos de trabalhadoresEm Alagoas, trabalha-

dores da usina Uruba rea-lizaram um grande protes-to em novembro de 2007, exigindo melhores salários e denunciando descum-primento de leis traba-lhistas. “Os manifestantes denunciam ainda que os responsáveis pelas equipes de cortadores estariam re-tendo os cartões de ponto dos trabalhadores rurais, para forjar uma jornada

de trabalho inferior a que eles realmente cumprem”, relata matéria da Gazeta de Alagoas (14/11/07).

Outro grande protesto ocorreu em Pernambuco quando, na madrugada de 8 de outubro de 2007, centenas de trabalhadores ocuparam a usina Salga-do para protestar contra os efeitos destrutivos da expansão da cana-de-açú-car e o descaso do governo com a reforma agrária. A usina Salgado é acusada de descumprir leis tra-balhistas e ambientais. A empresa recolheu cerca de 84 milhões de reais em INSS, mas nunca pagou este benefício a seus traba-lhadores. A usina foi insta-lada em terras da União e, desde 1986, não paga taxas de ocupação da área. Além disso, o IBAMA anunciou que vai investigar a usina por plantar cana em áreas de preservação perma-nente, nas margens dos rios, o que constitui crime ambiental.

Maria Luisa Mendonça é jor-

nalista e membro da Rede Social

de Justiça e Direitos Humanos.

Marluce Melo é membro da

Comissão Pastoral da Terra – Nor-

deste (CPT/NE)

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Sem carteira assinada, trabalhadores fi cam ainda mais expostos

O piso salarial é, em média, R$ 413 reais por mês, e os trabalhadores chegam a gastar R$ 250 reais mensais para cobrir gastos de alimentação, água e moradia, em condições extremamente precárias

Mais de 60% da colheita da cana é feita manualmente no Brasil

Quantono setor canavieiro em São Paulo. Em 2005, a Delega-cia Regional do Trabalho registrou 416 mortes nas usinas do Estado, maioria por acidentes de trabalho ou em conseqüência de doenças como parada car-díaca, câncer, além de casos de trabalhadores carboniza-dos durante as queimadas. Maria

Cristina Gonzaga, pesquisadora A Fundacentro, órgão do Ministério do Trabalho, es-tiama que 1.383 canavieiros tenham morrido 1.383 canavieiros tenham morrido em situa-ção semelhante entre 2002 e 2006.

No dia 15 de abril de 2007, um funcionário da usina Santa Luiza, no mu-nicípio de Motuca, morreu de asfi xia e outro fi cou gravemente ferido, quando faziam o controle da queima da cana e foram atingidos pelas chamas. Adriano de Amaral, de 31 anos, mor-reu quando faltou água no caminhão-pipa que dirigia para controlar o fogo. Ele era pai de um menino de sete anos e de um bebê com apenas 20 dias. O outro tra-balhador, Ivanildo Gomes,

de 44 anos, teve queimadu-ras em 44% de seu corpo.

No Estado de São Paulo, maior produtor de etanol do país, estima-se que metade da mão-de-obra nas usinas seja de traba-lhadores migrantes, princi-palmente do Nordeste e de

Trabalhadores mortos e feridos em Alagoas

Em 17 de janeiro de 2008, três trabalhadores morreram e dezenas fi caram feridos quando o ôni-bus que fazia o transporte para a usina Uruba per-deu o freio e capotou no município de Atalaia, em Alagoas. O acidente aconteceu quando os canaviei-ros voltavam para casa depois da jornada no corte da cana. José Paixão, Norberto Floriano e Márcio Francisco morreram no acidente. Segundo depoi-mentos de sobreviventes, as condições do trans-porte eram extremamente precárias, e inclusive o teto do ônibus cedeu no momento do capotamento, fazendo com que os trabalhadores fi cassem espre-midos no chão ou presos às ferragens.

Minas Gerais, que vivem uma situação ainda maior de vulnerabilidade. Os tra-balhadores gastam cerca da metade de seu salário para sobreviver nos canaviais, e pouco resta para enviar a suas famílias, que também dependem desses recursos para seu sustento. No fi nal da safra, muitos migrantes não têm dinheiro sufi cien-te para voltar ao seu local de origem. O piso salarial é, em média, R$ 413 reais por mês, e os trabalhado-res chegam a gastar R$ 250 reais mensais para cobrir gastos de alimenta-ção, água e moradia, em condições extremamente precárias.

“O empregador não ofe-rece local adequado para descanso e refeição, nem condições sanitárias ade-quadas para as necessida-des dos trabalhadores, não fornece ferramentas de tra-balho adequadas, não repõe Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), não res-peita pausas para descanso previstas na Norma Regu-lamentadora 31, e não for-nece marmita térmica nem vestimenta de trabalho aos cortadores”, afi rma o Pro-curador do Trabalho José Fernando Ruiz Maturana. E acrescenta, “Sem sombra para se abrigarem ou ca-deiras para sentarem, não resta aos trabalhadores ou-tra alternativa senão fazer

a refeição sentados no chão debaixo de sol forte”.

O Ministério Público pre-tende investigar o impacto das condições ambientais (exposição a sol forte, calor, poeira e cinza) e do uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores. Outra área de investigação será o cál-culo do “pagamento por produção”, pois os traba-lhadores não têm controle da pesagem da cana que cortam. Em 2007, foram ajuizadas pela Procuradoria Regional do Trabalho 15ª Região, mais de 40 ações civis públicas contra usinas, fornecedores e empreiteiras de mão-de-obra de São Pau-lo, por descumprimento de leis trabalhistas.

Fraude de documentosEm agosto de 2007,

procuradores da região de Bauru fl agraram um es-quema de fraude de docu-mentos de trabalhadores rurais a partir de uma em-presa de fachada chamada Escritório Contábil Aveni-da, em Lençóis Paulista. O “kit fraude” continha documentos em branco, que as empresas forçavam os trabalhadores a assinar para serem contratados. “O kit era composto de documentação irregular, como pedido de demissão, termos de rescisão de con-trato de trabalho, registro de trabalho, recibos de for-necimento de EPIs (Equi-pamentos de Proteção Individual), contrato de experiência, prorrogação de contrato de experiência, contrato de safra (período

da colheita) e contrato por prazo determinado, todos assinados em branco pelos trabalhadores”, afi rma o documento divulgado pelo Ministério Público.

O Procurador do Traba-lho Luís Henrique Rafael estima que “milhares de trabalhadores podem ter sido vítimas da fraude”.

Em setembro de 2007, o Ministério Público de-terminou a suspensão do corte de cana no município de Mineiros do Tietê, no interior paulista, até que as usinas regularizasse a situação dos trabalhado-res. Uma das difi culdades em punir as usinas é o fato das contratações serem realizadas por intermediá-rios ou “gatos”, cuja função é aliciar principalmente trabalhadores migrantes, que muitas vezes não têm nem mesmo conhe-cimento de quem são os empregadores. Por isso, o Ministério Público passou

a adotar punições para to-da a cadeia produtiva. Em praticamente todas as in-vestigações realizadas nas usinas de São Paulo foram constatadas violações de leis trabalhistas.

Freqüentes denúncias de violação de direitos traba-lhistas nas usinas têm levado a indústria da cana a espe-cular sobre a possibilidade de massifi car a mecanização do setor. Porém, há dúvidas sobre essa possibilidade, pois os baixos salários e a precariedade das condições de trabalho tornam mais lucrativo para as empresas manter o corte manual do que investir em maquinário. Ainda hoje, mais de 60% da colheita da cana é feita ma-nualmente no Brasil. Desde o período da colonização, este setor depende da explo-ração da mão-de-obra, de grande quantidade de recur-sos públicos e da violação da legislação ambiental para se manter.