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  • ISEPE

    CLARICE CRUZ TERRA

    ARTETERAPIA E LOUCURA:

    UM CAMINHO PARA A INCLUSO DE ADOLESCENTES PSICTICOS

    RIO DE JANEIRO

    2008

  • i

    CLARICE CRUZ TERRA

    ARTETERAPIA E LOUCURA:

    UM CAMINHO PARA A INCLUSO DE ADOLESCENTES PSICTICOS

    Monografia de concluso de curso apresentada ao ISEPE como requisito parcial obteno do ttulo de Especi- alista em Arteterapia.

    Orientador: Professor Ms. Luiz de Frana Costa Lima Neto

    Co-orientador: Professora Ms. ngela Helena Philippini.

    Rio de Janeiro

    2008

  • ii

    Famlia Terra Eden : Yori e Lia, meus amores.

  • iii

    AGRADECIMENTOS

    A minha me, pelas tardes como a bab mais contente que eu j vi, tomando conta e

    enchendo minha filha de amor, amoras e experincias interessantes.

    A Yori, pelo amor, apoio e compreenso, sendo um pai ainda mais presente no cotidiano

    de Lia para que eu pudesse estudar.

    A Kalu e Paulinho, pela hospedagem carinhosa que permitiu que eu conclusse o curso.

    Aos queridos companheiros de jornada da turma PG4, por todas as contribuies

    generosas e por me acolherem to calorosamente.

    A Mariana minha personal trainer pela companhia agradvel nas caminhadas que

    me ajudaram a manter a minha sanidade neste processo de criao.

    A Marcya Vasconcellos, pelos conhecimentos transmitidos e sobretudo pela inspirao

    advinda da sua forma apaixonada de lidar com os mistrios da escrita.

    Aos meus orientadores, pela ateno, dedicao, interesse e carinho com que me

    auxiliaram nesta maravilhosa caminhada do saber.

    A minha filha, Lia, por existir e ser a luz das nossas vidas.

    Gracias a la vida, que me hay dado tanto! (Mercedez Sosa).

  • iv

    Respeite a voc mais do que aos outros, respeite suas exigncias, respeite mesmo o que ruim

    em voc respeite sobretudo o que voc imagina que ruim em voc pelo amor de Deus, no

    queira fazer de voc uma pessoa perfeita no copie uma pessoa ideal, copie voc mesma

    esse o nico meio de viver.

    Clarice Lispector

  • v

    RESUMO

    Esta monografia tem o intuito de investigar a Arteterapia e o processo arteteraputico

    como forma de amenizar o sofrimento dos indivduos portadores de transtorno psictico mais

    precisamente a Esquizofrenia e de propiciar a sua incluso no meio familiar e na vida social em

    geral (escola, trabalho, e outros), para que eles possam participar de atividades cotidianas de

    forma ativa e criativa, exercendo inclusive seus direitos de cidados e deixando de ser aquele

    peso que ningum quer ou consegue carregar.

    Para alcanarmos nossos objetivos estaremos abordando algumas questes como: as

    principais caractersticas da adolescncia; as definies bsicas de Transtorno Mental e

    Esquizofrenia; uma contextualizao do atual panorama da sade mental no Brasil e como a

    Arteterapia pode atuar nele; os princpios do processo arteteraputico e como ele pode beneficiar

    a incluso social de adolescentes esquizofrnicos; exemplos da aplicao da Arteterapia com

    pessoas que sofrem de Esquizofrenia, entre outras coisas.

    Palavras chave: Adolescentes Esquizofrenia Arteterapia Incluso Social.

  • vi

    ABSTRACT

    This work has the intention of investigating art-therapy and the artistic-therapeutic

    process as a form of soothing the suffering of psychotically disordered individuals specifically

    schizophrenics and easing their inclusion in the family cell and in social life (school, work, and

    others) for the future active and creative participation in day-to-day activities, exercising their

    equal rights as citizens and relieving themselves from "that unbearable burden".

    Aiming to reach our objectives, we shall look into a few issues, such as: the principal

    characteristics of adolescence; the basic definitions of mental disorder and schizophrenia; a

    contextualization of the current panorama of mental health in Brazil and how art-therapy can act

    in it; the principles of the artistic-therapeutic process and how it can beneficiate social inclusion

    of schizophrenic adolescents; examples of applying art-therapy with people who suffer from

    schizophrenia; among other things.

    Key words: Adolescents schizophrenia art-therapy social inclusion.

  • vii

    LISTA DE IMAGENS

    Imagem 1 Clarice Terra encenando conto S vim telefonar, de Gabriel Garca

    Mrquez __________________________________________________________

    P. 01

    Imagem 2 - O louco _________________________________________________ P. 05

    Imagem 3 - A Cura da Loucura - Extrao da Pedra da Loucura (1475-1480) de

    Hieronymus Bosch __________________________________________________

    P. 09

    Imagem 4 Flor de ltus _____________________________________________ P. 21

    Imagem 5 Representao do Self segundo Marie-Louise Von Franz __________ P. 27

    Imagem 6 Auto-retrato de Antonin Artaud ______________________________ P. 32

    Imagem 7 Jung apontando uma mandala ________________________________ P. 35

    Imagem 8 Mandala de Elizabeth Velasco _______________________________ P. 38

    Imagem 9 Mos das meninas do meu estgio em Campos __________________ P. 47

    Imagem 10 JEF com o colar feito por ela _______________________________ P. 49

    Imagem 11 JEF no seu auto-retrato ____________________________________ P. 49

    Imagem 12 Pintura de JEF ___________________________________________ P. 50

    Imagem 13 Pintura de JEF ___________________________________________ P. 50

    Imagem 14 Desenho de JEF __________________________________________ P. 51

    Imagem 15 Desenho de JEF __________________________________________ P. 51

    Imagem 16 Representao do Unus-Mundus de Pilgercl ___________________ P. 53

  • viii

    SUMRIO

    Resumo __________________________________________________________ P. v

    Abstract _________________________________________________________ P. vi

    Lista de Imagens __________________________________________________ P. vii

    Apresentao e Justificativa __________________________________________ P. 01

    Introduo _______________________________________________________ P. 05

    Captulo I Adolescentes com transtorno psictico e a importncia de sua

    incluso social ____________________________________________________

    P. 09

    1.1 A adolescncia e suas principais questes _______________ P. 10

    1.2 - Transtornos mentais na adolescncia ____________________ P. 11

    1.3 - A Esquizofrenia ____________________________________ P. 13

    1.3.1 - Sintomas prodrmicos __________________ P. 16

    1.3.2 - Sintomas psicticos na adolescncia _______ P. 17

    1.3.3 - Tratamento e cura da Esquizofrenia _______ P. 18

    1.4 - Adolescentes com transtorno psictico e a importncia de sua

    incluso social ____________________________________________________

    P. 18

    Captulo 2 Conhecendo a Arteterapia _________________________________ P. 21

    2.1 Definio bsica ___________________________________ P. 22

    2.2 Breve histrico ____________________________________ P. 24

    2.3 O arteterapeuta ____________________________________ P. 25

    2.4 Jung e a Psicologia Analtica _________________________ P. 25

    2.5 Arteterapia e Jung: um casamento muito bem sucedido! ____ P. 30

    Captulo 3 Arteterapia e loucura: um caminho para a incluso social de

    adolescentes psicticos _____________________________________________

    P. 32

    3.1 Arte e loucura aproximaes histricas ________________ P. 34

    3.2 Breve histrico da aplicao da arte com pacientes psicticos P. 35

    3.2.1 Doutora Nise e a Arteterapia ____________ P. 37

    3.3 A Arteterapia no novo paradigma de ateno em sade

    mental ___________________________________________________________

    P. 39

    3.4 A Arteterapia como veculo de incluso de adolescentes

  • ix

    esquizofrnicos ____________________________________________________ P. 41

    Captulo 4 Breve relato de uma experincia ____________________________ P. 47

    Consideraes finais _______________________________________________ P. 53

    Referncias _______________________________________________________ P. 58

  • 1

    APRESENTAO E JUSTIFICATIVA

    (Imagem 1)

    O tema da Arte como um veculo de incluso social me interessa j h alguns anos e vem

    acompanhando o meu trabalho como atriz, professora de artes e, agora tambm, como

    arteterapeuta. Desde mil novecentos e noventa e sete (1997), ao iniciar meu estgio como

    professora de Artes, tenho, por minha livre escolha, trabalhado com grupos que, de alguma

    forma, so marginalizados: crianas da periferia do Rio de Janeiro, menores acolhidos e, agora,

    adolescentes acolhidas, vrias delas portadoras de Transtorno Mental.

    Credito grande parte deste meu interesse forma como fui criada, respeitando as

    diferenas, conhecendo as diversas realidades e desigualdades que assolam o nosso pas e

    convivendo com pessoas com Transtorno Mental desde a minha tenra infncia. Minha me

    Terapeuta Ocupacional h trinta anos e hoje faz parte da luta anti-manicomial. Mas durante anos

  • 2

    trabalhou com pessoas com Transtorno Mental em manicmios e no seu consultrio particular,

    que ficava em nossa casa. Eu e meus irmos s vezes ajudvamos como secretrios, ou tomando

    conta de algum paciente cujo responsvel se atrasara. Tambm ramos estimulados por minha

    me a organizar lanches no hospital psiquitrico ou participar de passeios com seus pacientes a

    museus e jardins, tudo para que conhecssemos tanto o seu trabalho, quanto a realidade difcil

    dos portadores de Transtorno Mental, que so muitas vezes indesejados pela sociedade e at

    mesmo por suas famlias.

    No posso me esquecer de um de seus pacientes do consultrio, cuja estratgia de

    tratamento inclua visitas nossa casa nas tardes de sbado. Ns, as crianas, tnhamos que sentar

    na sala, conversar com ele e depois lanchvamos juntos. Ele tinha um transtorno grave. Lembro-

    me que carregava mais de vinte chicletes dentro da meia para no voar, dizia ele; e ia

    colocando todos na boca de uma s vez, e falava gritando e cuspindo. Tambm contava os

    prprios dedos e ria e batia o copo no cho antes de beber algo. E ns no podamos rir. Era

    muito difcil na poca, mas hoje, eu e meus irmos temos um profundo respeito por essas pessoas

    e sentimos que fomos privilegiados por termos tido a oportunidade de estar perto dele. R. era

    apaixonado por bichos e os desenhava perfeitamente a lpis, usando um nico trao, sem tirar o

    lpis do papel. Nas visitas que nos fazia ele levava, a pedido de minha me, o seu caderno repleto

    de lindos desenhos de bichos e ainda desenhava outros na hora, a nosso pedido. Nesse momento

    ele ficava muito parecido com a gente, ns no lembrvamos que ele era louco e no tnhamos

    vontade de rir dele.

    Hoje, conectando esta histria minha vivncia com Arteterapia, vejo como essa

    experincia me marcou e at mesmo ajudou a definir o meu rumo profissional. Cresci com um

    fascnio e interesse por pessoas com Transtorno Mental, sempre conversando com elas em

    espaos pblicos onde as encontrava e travando encontros que me marcavam e me faziam sempre

    refletir sobre loucura e sanidade e sobre a tnue linha que as separa e tambm sobre a nossa

    vulnerabilidade. De todos ns, mesmo. Em minha adolescncia vi trs amigos enlouquecerem,

    surtarem. E isso reforou ainda mais esta minha forma de pensar: isso pode acontecer com todos

    ns. Como afirma Phillipini (2004a), afinal o que, ou quem, nos assegura que no poderemos ser

    os prximos a buscar atendimentos em instituies pblicas ou particulares, atormentados pela

    expresso intensa de profundos e sofridos contedos antes inconscientes? (p.88). E o que

    podemos fazer para evitar isso, para mantermos a nossa sade mental?

  • 3

    Sempre vi na Arte um caminho claro e colorido para a manuteno da sanidade e desde

    muito cedo me interessei pelas mais diversas artes: pintura, literatura, cinema, teatro, dana,

    msica... Transitei com leveza e tranqilidade por todas elas, fazendo cursos livres, aprendendo

    por conta prpria e, mais tarde, mais seriamente, na faculdade de Teatro. Os desenhos de R.

    tambm me apontaram este caminho. Com os desenhos de bichos ele parecia acessar seus ncleos

    saudveis e a felicidade que sentia ao desenhar e ao mostrar seus desenhos, reforam esta

    percepo.

    Alm da questo de buscar restaurar a qualidade de vida dessas pessoas, tambm me

    preocupa o fato dos portadores de Transtorno Mental serem ainda hoje alijados da sociedade e s

    vezes at mesmo de suas prprias famlias, que no sabem como lidar com eles. Neste sentido,

    penso que a Arteterapia entra como um possvel instrumento de incluso desses sujeitos,

    permitindo que participem, ainda que com suas limitaes, de forma ativa e criativa das

    atividades cotidianas.

    Considerando a Reforma Psiquitrica e os novos paradigmas da sade mental1, onde se

    busca retirar o doente mental dos hospitais psiquitricos, vejo a Arteterapia como um caminho

    para a desinstitucionalizao dos portadores de transtorno mental e concordo com Silva (2004),

    que afirma que

    percebemos a urgncia de novas tecnologias de pensar e de construir a reabilitao psicossocial assim como a criao de novas metodologias que promovam aes teraputicas e que resgatem a cidadania de nossos sujeitos portadores de sofrimento psquico grave, submetidos a fortes processos de cronificao e de institucionalizao dentro de instituies tradicionais de sade mental. (p.33).

    E por que o foco deste estudo foram os adolescentes?

    Acredito que cuidar de crianas e adolescentes signifique cuidar do nosso futuro, do devir.

    Uma sociedade que negligencia os menores portadores de doenas mentais e no lhes oferece a

    rede de tratamento necessria a meu ver - est sendo negligente com seu prprio futuro e, como

    afirmam Costa Leite e Saggese (2007),

    cuidar de crianas e adolescentes deve ser um compromisso tico de qualquer sociedade. No caso da sade mental infanto-juvenil, a motivao tica junta-se a uma preocupao estratgica: a falta de diretrizes de atuao claras para essas faixas etrias, que no Brasil constituem 40% da populao, representar um pesado nus para a sociedade futura, que pagar com juros o descaso do presente.

    1 No decorrer deste trabalho abordamos tais mudanas.

  • 4

    Alm disso, as mudanas hormonais e psquicas deste perodo, aliadas ao Transtorno

    Mental podem tornar ainda mais difcil o convvio com esse indivduo, o que pode acabar

    gerando srios problemas familiares e sociais. Buscar formas de tratar o adolescente portador de

    doena mental implica em uma mudana no seu entorno, melhorando tambm as relaes

    familiares e em comunidade.

    Outra razo so as experincias relativas ao estgio em Arteterapia com um grupo de

    adolescentes, sendo algumas delas portadoras de Transtorno Mental; e tanto quis estudar e me

    aprofundar no assunto para realizar um bom estgio, como pude usar a minha prtica a ttulo de

    exemplificao na presente pesquisa (o relato desta experincia est no quarto captulo).

    Assim, acredito que o estudo relacionado aos adolescentes portadores de transtornos

    mentais e de prticas teraputicas que possam amenizar o seu sofrimento seja de grande valia,

    pois, como Espsito e Savoia (2006) colocam,

    a prevalncia geral dos transtornos mentais na infncia e na adolescncia situa-se entre 10% e 15%, como tm demonstrado estudos internacionais (ROHDE et. al., 2000). Os dados tambm indicam que a presena de transtornos mentais entre crianas e adolescentes implica em prejuzos importantes no funcionamento do indivduo. (...) No entanto, poucos estudos epidemiolgicos nacionais tm examinado a prevalncia e/ou incidncia de transtornos psiquitricos em crianas e adolescentes. No Brasil, estima-se que pelo menos 12% das crianas e adolescentes tm transtornos mentais clinicamente importantes e que metade dessa populao est, por essas razes, gravemente incapacitada. (...) Alm disso, os transtornos psiquitricos de crianas e adolescentes apresentam um grau de co-morbidade significativamente maior do que encontrado nos transtornos adultos, trazendo importantes implicaes para o processo diagnstico, assim como para as abordagens teraputicas, psicofarmacolgicas e psicoterpicas dessa populao. Desse modo, o estudo dos transtornos psiquitricos na adolescncia tem motivado publicaes cientficas e est se constituindo em uma especialidade emergente. (p. 33/34).

    Este estudo tem o intuito de buscar apontar caminhos que melhorem a qualidade de vida

    dos adolescentes portadores de Transtorno Mental, tendo a Arteterapia como construtora e

    fortalecedora da auto-estima e da identidade desses sujeitos seguindo, assim, uma trilha sinuosa

    que pode vir a possibilitar a sua incluso, ou a recuperao da sua capacidade de viver em grupo,

    tanto em famlia, como em sociedade.

  • 5

    INTRODUO

    (Imagem 2)

    Dizem que sou louco Por pensar assim

    Se eu sou muito louco Por eu ser feliz

    Mais louco quem me diz Que no feliz

    (...) Eu juro que melhor

    No ser um normal Se eu posso pensar Que Deus sou eu...

    (Trecho de msica de Arnaldo Batista e Rita Lee)

    Na epgrafe acima, Rita Lee e Arnaldo Batista relativizam a loucura e colocam em jogo a

    fragilidade da fronteira entre a loucura e a sanidade. Mas, embora de mdico e louco todo mundo

    tenha um pouco e a fronteira entre a loucura e a sanidade seja muitas vezes realmente frgil, h

    pessoas que esto com os dois ps do lado de l da loucura, pessoas que sofrem de Transtorno

    Mental. E aqui a palavra sofre usada no seu sentido literal: sentir dor fsica ou moral (DE

    HOLANDA FERREIRA, 1985, p.446).

  • 6

    Esta pesquisa prope uma abordagem arteteraputica capaz de contribuir para amenizar o

    sofrimento desses indivduos e de facilitar a sua incluso no meio familiar e na vida social em

    geral (escola, trabalho, entre outros), para que possam participar de atividades cotidianas de

    forma ativa e criativa, deixando de ser aquele peso que ningum quer ou consegue carregar.

    Nesta pesquisa tivemos como objeto de estudo adolescentes que sofrem de Transtorno

    Mental2 - mais especificamente adolescentes esquizofrnicos. Partimos da seguinte questo: o

    processo de Individuao e o fortalecimento da auto-estima possibilitada pela experincia

    arteteraputica pode ser considerado um caminho vivel para a incluso de adolescentes com

    Transtorno Psictico?

    Nosso objetivo principal foi tecer relaes entre as transformaes individuais

    propiciadas pela experincia Arteteraputica e seus desdobramentos na vida coletiva (social);

    buscando os pontos de conexo entre o Processo de Individuao e as transformaes que podem

    gerar a incluso de adolescentes portadores de Transtorno Psictico. Para tal, foi necessrio fazer

    uma abordagem breve sobre a Arteterapia - seu histrico, seus princpios, suas aplicaes e seus

    benefcios alm de introduzir alguns conceitos da Psicologia Analtica (Jung), como Persona,

    Sombra, Individuao, Inconsciente Coletivo, entre outros.

    Dentro deste contexto, surgiram outros objetivos mais especficos, como:

    Abordar algumas questes fundamentais pertinentes adolescncia.

    Examinar e comparar algumas noes atuais de Transtornos Mentais, Psicose e

    Esquizofrenia.

    Apresentar alguns exemplos de trabalhos j realizados (ou em andamento) no campo da

    Arteterapia como meio de incluso de pessoas com Transtorno Psictico.

    Introduzir o conceito de incluso social.

    Analisar idias de diferentes autores sobre a Arteterapia como veculo de incluso.

    A adolescncia um perodo de intensas atividades e transformaes na vida mental do

    indivduo, o que, por si s, leva a diversas manifestaes de comportamento que podem ser

    interpretadas por leigos como sendo doena. Assim sendo, muitas das manifestaes ditas

    normais da adolescncia podem se confundir com doenas mentais ou comportamentos

    2 Termo que veio substituir o termo loucura.

  • 7

    inadequados. Por outro lado, Charles Fishman, em seu livro Tratando adolescentes com

    problemas, afirma que

    apenas vinte a trinta por cento da populao adolescente experienciam dificuldades graves, e que a tempestade e o estresse psquicos so de forma alguma a norma (...). Aqueles adolescentes que esto em meio a uma grave crise de identidade e tumulto no esto experienciando apenas uma parte normal do crescimento. (1996, p.10).

    Nossa pesquisa abordou estes adolescentes que esto passando por uma crise alm do

    normal, que sofrem de Transtorno Mental. Mas para definirmos o que Transtorno Mental,

    precisamos antes definir o que seria a adolescncia normal. No primeiro captulo desta

    monografia apresentamos um breve panorama sobre as principais questes que envolvem esta

    fase to intensa e conturbada.

    O adolescente vive tudo com tanta intensidade, tudo to urgente e passional, que seu

    comportamento cotidiano poder ser confundido com algum tipo de Transtorno Mental. Mas

    tentamos dar algumas definies de Transtorno Mental, para auxiliar na configurao do grupo

    especfico de que estamos tratando. Abordamos de maneira geral os transtornos mentais mais

    comuns na adolescncia, tais como: transtornos de humor, transtornos alimentares, transtornos de

    conduta, transtornos psicticos, entre outros.

    Mas afinal, o que a Arteterapia? Como se d o seu processo? Quais os conceitos

    envolvidos? Qual a sua base terica? Quais benefcios ela pode trazer ao sujeito?

    No segundo captulo, esclarecemos tais questes, apresentando um breve histrico da

    Arteterapia, seus preceitos tericos, os materiais envolvidos, a formao necessria, os benefcios

    que traz ao sujeito, entre outros aspectos. Utilizamos como principais referncias Philippini (em

    Para Entender a Arteterapia: Cartografias da Coragem) e Andrade (em Terapias Expressivas),

    alm de pesquisas bibliogrficas, tendo como fonte outros autores, seja em livros, artigos ou sites

    sobre o assunto.

    Por razes prticas e objetivas, para que esta pesquisa no se alongasse demais,

    escolhemos dar nfase especialmente ao transtorno psictico, falando da Esquizofrenia, e de

    como a Arteterapia pode auxiliar no processo de individuao desses sujeitos, possibilitando a

    sua incluso. Para tal, no terceiro captulo tecemos uma rede de pensamento a partir de escritos

    da doutora Nise da Silveira3, principalmente do livro O mundo das imagens; do livro Arte-terapia

    e loucura uma viagem simblica com pacientes psiquitricos, de Snia Maria Bufarah

    3 Uma das precursoras na utilizao da Arte como recurso teraputico no Brasil, de linha junguiana e que realizou um extenso trabalho com pacientes esquizofrnicos no Rio de Janeiro.

  • 8

    Tommasi; do livro Arteterapia no novo paradigma de ateno em sade mental, organizado por

    Ana Cludia Afonso Valladares, entre outros.

    Buscamos, ainda, apresentar alguns exemplos prticos de trabalhos de Arteterapia com

    pessoas com Transtorno Mental; para melhor compreenso do tema estudado.

    Para finalizar, o estudo que realizamos a respeito dos adolescentes esquizofrnicos e de

    como a Arteterapia pode propiciar a sua incluso social.

  • 9

    CAPTULO I

    ADOLESCENTES COM TRANSTORNO PSICTICO E A IMPORTNCIA DE SUA

    INCLUSO SOCIAL

    (Imagem 3)

    Neste captulo esclareceremos algumas das questes que permeiam e marcam a fase da

    adolescncia, comparando o adolescente normal, quele portador de Transtorno Mental.

    Definiremos o conceito de Transtorno Mental, aprofundando o entendimento sobre os

    Transtornos Psicticos, mais precisamente sobre a Esquizofrenia. Por ltimo, apresentaremos

    algumas idias sobre incluso social4 e sobre a importncia de facilitarmos a incluso dos

    adolescentes esquizofrnicos.

    4 Quando falamos em Incluso Social dentro do campo da sade mental, estamos falando de Reabilitao Psicossocial, termo que ser explorado mais adiante nesta monografia. Consideramos importante justificar a nossa escolha pelo termo Incluso, pelo fato deste possuir um significado mais claro e imediato para os leitores em geral, levando em conta que o termo Reabilitao Psicossocial mais restrito ao campo da sade.

  • 10

    1.1 - A ADOLESCNCIA E SUAS PRINCIPAIS QUESTES

    Art. 2 - Considera-se criana, para os efeitos desta Lei, a pessoa at doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

    (RIEZO, 2000, p.49).

    Concordamos com o que prev o artigo acima do Estatuto da Criana e do Adolescente,

    mas acrescentamos que no apenas a faixa etria que define a adolescncia, mas tambm uma

    srie de modificaes profundas nos sujeitos. Este um perodo de profundas mudanas externas

    e internas para o indivduo. Ele sente o seu corpo se modificar rapidamente, os impulsos sexuais

    ganharem fora e o humor oscilar rpida e repentinamente. Nesta fase da vida, os sentimentos

    costumam ser vividos em grande escala, quando se sente grandes amores e grandes dios.

    tambm uma fase em que a busca pelas grandes verdades se faz bastante presente, o que pode

    significar a aproximao com alguma religio ou posio poltica. Como Tiba afirma, a

    religiosidade entra em ebulio na adolescncia, pois adquire a fora das paixes, a fidelidade da

    melhor amizade, o fanatismo das torcidas, a adrenalina dos desafios, o prazer da aventura, a

    intensidade do amor que faz perder a cabea... a energia gregria na sua mxima vibrao

    (2002, p.85). Esta a hora em que mais se deseja correr riscos, pois se tem a fora da juventude e

    pouca (ou nenhuma) noo de finitude. Mller (2004) afirma que na adolescncia vive-se a

    emergncia de que a plena conscincia chegue a tempo e esteja ao alcance dessa perfeio

    efmera, to delicada; para que nosso jovem possa assenhorar-se plenamente de seu destino em

    plena potncia mxima do devir. (p.94).

    A adolescncia , ainda, a fase em que se tem necessidade de contestar dogmas,

    paradigmas, pois se sente que h uma vida nova a ser inventada, e que muito (ou tudo) do que j

    existe, inclusive os pais e a escola, velho e antiquado. Mas esta tambm a idade em que,

    apesar da aparncia de prepotncia, se tem uma enorme insegurana e necessidade de andar em

    grupos para se sentir aceito e para no se sentir diferente, embora afirme que se quer ser original.

    Esta a fase em que a construo da prpria identidade uma necessidade emergente e, como diz

    Fishman (1996),

    a busca de identidade central na prpria experincia da adolescncia e as questes de identidade frequentemente representam uma rea de maior conflito. Como compreendemos a identidade? Erikson definiu-a como uma perspectiva e direo central que cada jovem deve criar para si mesmo, certa unidade funcional, a partir dos remanescentes de sua infncia e das esperanas de sua vida adulta antecipada. (p.13).

  • 11

    No podemos deixar de falar que a adolescncia uma fase de transio da infncia para a

    vida adulta e para que tal passagem acontea preciso quebrar alguns elos com os pais e comear

    a seguir com as prprias pernas construindo assim uma identidade prpria. Para Fishman:

    crescer, inevitavelmente, envolve a separao, processo atravs do qual o adolescente sai de casa para se tornar autnomo. A separao uma tarefa central para todos os adolescentes, mas muitas vezes pode tornar-se extremamente estressante para o adolescente e a famlia. A separao funcional exige sair sem alienao. (ibidem, p.13).

    O adolescente, embora sinta uma enorme necessidade de ser independente dos pais, ainda

    no est pronto para tal. Da a impresso de que so adultos com alma de criana, pois seus

    corpos j crescidos contrastam com comportamentos muitas vezes infantis. O adolescente tem

    medos, precisa de afeto e proteo, alm de limites, claro. Zagury (2001), em seu livro Limites

    sem traumas, enumera as principais necessidades dos adolescentes:

    - amor, afeto e segurana - ambiente familiar tranquilo, que d suporte s frequentes crises de insegurana e identidade - pertencer a um grupo de amigos positivos e saudveis - privacidade e respeito - projeto de vida e objetivos imediatos e claros - respeito e compreenso em relao s dificuldades que atravessa - liberdade para tomar decises e agir nos aspectos para os quais j apresenta maturidade e capacidade - limites que o ajudem a se proteger da prpria imaturidade e onipotncia - ter valores ticos etc. (p.97).

    O adolescente, como podemos perceber, embora aparente independncia e desejo de ficar

    sozinho, precisa de apoio e proteo familiar para que possa crescer de forma saudvel.

    De forma geral, estas seriam caractersticas bsicas de uma adolescncia normal, com

    suas crises e chiliques, mas tudo dentro de um processo saudvel de desenvolvimento fsico,

    psquico e emocional. Falaremos agora de alguns sintomas que podem indicar que a adolescncia

    no vai bem, e que a estranheza est alm dos padres previstos, caracterizando algum tipo de

    Transtorno Mental no indivduo.

    1.2 - TRANSTORNOS MENTAIS NA ADOLESCNCIA Os Transtornos Mentais na adolescncia so bastante comuns e devem ser diagnosticados

    e tratados com cuidado, pois podem significar srios riscos para os prprios adolescentes e para

    aqueles que convivem com ele. Costa Leite e Saggese (2007) afimam que

  • 12

    os problemas de sade mental dos jovens no so problemas menores: dados epidemiolgicos apontam para uma prevalncia de transtornos mentais entre crianas e adolescentes em torno de 10 a 15%, chegando at 21% se tomarmos apenas a populao de adolescentes com mais de 15 anos. Cerca de 50% desses transtornos, tendem a produzir incapacidade permanente. Estudos recentes revelam que o incio de diversos transtornos mentais muito mais precoce do que se julgava e que as taxas de suicdio e homicdio entre os jovens aumentam aceleradamente em diversas regies do mundo.

    Segundo Abuchaim e Galvo (2007), podemos enumerar alguns dos transtornos mentais

    mais comuns na adolescncia. Entre eles, esto:

    Transtornos de Humor Neste grupo se incluem as doenas depressivas, bastante comuns

    na adolescncia, que podem gerar a perda de prazer e de interesse pelas atividades do

    cotidiano. O tratamento desses transtornos envolve o uso de remdios anti-depressivos,

    associados a psicoterapia.

    Transtornos Alimentares - Onde se incluem a Bulimia (compulso por comida, seguida de

    vmito ou diarria induzidos) e Anorexia (diminuio intensa da ingesto de alimentos).

    Nos dois casos a pessoa apresenta uma auto-imagem distorcida de seu corpo, buscando

    estar cada vez mais magra. O tratamento desses transtornos envolve acompanhamento de

    psiquiatra e de nutricionista, alm de remdios antidepressivos e psicoterapia.

    Transtorno de uso de substncias psicoativas Neste grupo esto os casos de uso e abuso

    de drogas, onde o caso mais grave o de dependncia destas substncias. O tratamento

    envolve psicoterapia, envolvimento familiar e alguns remdios, por vezes necessitando

    ainda de internao hospitalar.

    Transtornos de Conduta - Caracterizam-se por comportamentos repetitivos de

    contrariedade a normas e padres sociais, conduta agressiva e desafiadora. Constitui-se de

    atitudes graves, que ultrapassam a mera rebeldia adolescente e travessuras infantis

    naturais da idade. O tratamento envolve basicamente psicoterapia, podendo-se utilizar

    alguns remdios no controle da impulsividade desses pacientes.

    Transtornos de Ansiedade - Pessoas que vivem com um grau muito intenso de ansiedade,

    chegando a ter prejuzos no seu funcionamento social, em decorrncia dessa ansiedade. O

    tratamento envolve, basicamente, psicoterapia, podendo-se recorrer a alguns remdios.

    Transtornos Psicticos - Nessa fase da vida muitos transtornos psicticos, por exemplo, a

    Esquizofrenia, comeam a se manifestar. Esses transtornos so graves, muitas vezes

    necessitam internao hospitalar e so caracterizados por comportamentos e pensamentos

  • 13

    muito bizarros e distorcidos frente realidade. O tratamento baseia-se em psicoterapia de

    apoio e remdios antipsicticos. So transtornos que necessitam de tratamento imediato,

    para evitar seu agravamento.

    Todos estes transtornos trazem muita dor para quem os porta, agravam o problema de

    relacionamento do adolescente com aqueles que o cercam e acabam por excluir o jovem do

    convvio social e s vezes familiar. O diagnstico precoce pode propiciar uma melhor qualidade

    de vida para esses sujeitos, mas deve ser feito muito cuidadosamente, para evitar erros. Inclusive

    porque o adolescente costuma ter atitudes extremas que podem ser confundidas com alguma

    patologia, embora sejam apenas coisas tpicas da idade.

    Por ser um perodo de to grandes e intensas mudanas, a adolescncia tambm uma

    fase em que eclodem muitos transtornos mentais, sendo a psicose o mais temido deles, pela sua

    gravidade e pelo prognstico e necessidade de tratamento imediato. Segundo Costa Leite e

    Saggese (2007),

    os quadros psicticos merecem ateno especial, tanto pelos prejuzos imediatos que causam ao adolescente, quanto pelas restries que podem determinar no seu futuro desenvolvimento. Durante o perodo agudo, a psicose est freqentemente associada ao risco de suicdio e exposio a outras situaes igualmente de risco psicossocial, como uso de drogas, comportamento violento, envolvimento em acidentes, internao psiquitrica e incio de uma carreira manicomial, etc.

    Pela sua gravidade e tambm por questes de ordem prtica, trataremos nesta monografia

    especificamente dos casos de Transtornos Psicticos, mais precisamente da Esquizofrenia.

    1.3 A ESQUIZOFRENIA

    O louco Perguntais-me como me tornei louco. Aconteceu assim: Um dia, muito antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas mscaras tinham sido roubadas as sete mscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas e corri sem mscara pelas ruas cheias de gente, gritando: Ladres, ladres, malditos ladres! Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim. E, quando cheguei praa do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou:

  • 14

    um louco!. Olhei para cima, para v-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua. Pela primeira vez o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e no desejei mais minhas mscaras. E, como num transe, gritei: Benditos, benditos os ladres que roubaram minhas mscaras! Assim me tornei louco. E encontrei tanto liberdade como segurana em minha loucura: a liberdade da solido e a segurana de no ser compreendido, pois aquele que nos compreende, escraviza alguma coisa em ns. Gibran KhalilGibran

    No texto acima, Gibran nos apresenta uma viso romntica da loucura, como o lugar onde

    se vive em contato ntimo com a natureza e onde se livre das amarras sociais. Talvez a vivncia

    da loucura traga mesmo tal liberdade, mas estaremos tratando aqui de outras implicaes trazidas

    pelos transtornos mentais, observando as privaes de diversas ordens, pelas quais o doente

    mental acaba passando no decorrer de sua existncia.

    A Esquizofrenia apenas um dos tipos de transtornos psicticos; h tambm as psicoses

    paranides, alcolicas, afetivas, entre outras5. O termo esquizofrenia, criado pelo psiquiatra

    suo Eugem Bleuler no incio do sculo XX, significa mente dividida, dizendo respeito

    dissociao vivida por seus pacientes, entre eles mesmos e o outro que ocupa o seu corpo. 6

    Silveira (1992) descreve que na condio psictica, fragmenta-se o ego, desorganizam-se

    as funes de orientao do consciente, caem os diques que mantinham o inconsciente

    distncia. A psique subterrnea se revela, deixando descoberta sua estrutura bsica. (p.86).

    A imagem culturalmente conhecida do esquizofrnico a do louco, daquele sujeito alheio

    realidade, atado s suas prprias fantasias e delrios. No entanto dependendo do grau de

    comprometimento gerado pela Esquizofrenia e quando o indivduo no se encontra em surto - a

    doena pode passar despercebidamente pela maioria das pessoas. A Esquizofrenia muito mais

    comum do que se imagina, e afeta com mais freqncia os jovens, sendo o incio da adolescncia

    tambm o incio da fase de maior risco de desenvolvimento da doena.

    Citando Kaplan, Ballone afirma que

    aproximadamente 1% da populao acometida pela doena, geralmente iniciada antes dos 25 anos e sem predileo por qualquer camada scio-cultural. O

    5 Por razes prticas no entraremos em detalhe sobre os outros transtornos psicticos, alm da Esquizofrenia. 6 BLEULER, citado por BRUGEFF SOBRINHO, 2007.

  • 15

    diagnstico se baseia exclusivamente na histria psiquitrica e no exame do estado mental. extremamente raro o aparecimento de esquizofrenia antes dos 10 ou depois dos 50 anos de idade e parece no haver nenhuma diferena na prevalncia entre homens e mulheres. Os transtornos esquizofrnicos se caracterizam, em geral, por distores caractersticas do pensamento, da percepo e por inadequao dos afetos. Usualmente o paciente com esquizofrenia mantm clara sua conscincia e sua capacidade intelectual. (BALLONE, 2007c)

    A Esquizofrenia a principal causa de internaes psiquitricas. Ela uma doena

    crnica que se caracteriza por distrbios do pensamento, com idias de perseguio e perda das

    conexes lgicas, que tambm se manifestam na linguagem. um transtorno muito grave porque

    altera todas as relaes do sujeito consigo mesmo e com o universo que o cerca. como se os

    elementos do inconsciente dominassem o sujeito e se tornassem verdades absolutas, o que o torna

    incapaz de distinguir entre fantasia e realidade.

    A esquizofrenia traz ao paciente um prejuzo to severo que capaz de interferir amplamente na capacidade de atender s exigncias da vida e da realidade. O quadro da ciso de personalidade do esquizofrnico apresenta figuras cindidas, com caractersticas banais, grotescas e caricaturais. No possuem respeito pelos sentimentos. Essas caractersticas penetram e perturbam o eu de diversas maneiras, tornando-se desagradveis e chocantes em seu comportamento insolente e espalhafatoso e tambm pela crueldade grotesca. (TOMMASI, 2005, p.119).

    A autora nos apresenta um conceito de Esquizofrenia baseado nas idias de Jung. Para

    este, no so os contedos estranhos do inconsciente que iro caracterizar a Esquizofrenia, mas

    sim a capacidade de cada indivduo suportar estes contedos. H aqueles que resistem presso,

    e h os que no. Ou, como diz Tommasi, como se as fundaes da psique russem durante uma

    exploso ou terremoto. (ibidem, p.120). E no geralmente assim, pergunto, o processo de

    quase todas as doenas? No quando estamos frgeis, ou fracos, que as doenas nos acometem?

    Por exemplo, se duas pessoas estiverem em contato com o vrus da gripe, e uma estiver bem

    nutrida e forte e a outra com o sistema imunolgico enfraquecido, apenas a segunda apresentar

    febre, dor de cabea e outros sintomas desagradveis da doena. Acredito como Jung e

    Tommasi - que o mesmo ocorra com as doenas mentais, pois no a situao que faz a doena,

    mas sim a relao do sujeito com ela.

    Para Jung, a doena mental surge em momentos de graves crises, as quais todos estamos

    sujeitos, com a diferena que o indivduo se v impotente diante do conflito e, assim, os

    elementos do inconsciente so tomados como reais por este, que se afasta das coisas e das

    pessoas, perdendo o elo com a realidade, tornando-se, assim, esquizofrnico.

    Segundo Jung (1986), quando, porm, penetramos nos segredos do doente, percebemos

  • 16

    que a loucura possui seu sistema prprio e passamos a reconhecer na doena mental apenas uma

    reao inusitada a problemas emocionais que pertencem a todos ns. (p.142).

    Como vimos, a Esquizofrenia uma doena bastante comum na adolescncia. Trataremos

    agora de alguns dos sinais de que o jovem possa vir a desenvolver a doena e tambm dos

    sintomas da Esquizofrenia e suas possibilidades de tratamento e cura.

    1.3.1 - Sintomas Prodrmicos

    Segundo Ballone (2007b), sintoma prodrmico ou prdromo significa, em medicina, o

    sintoma que antecede uma doena, tal como o mal estar que antecede a gripe, ou a dor nos

    testculos que precede a clica renal, etc.

    Por se tratar de um perodo de grande ebulio emocional e de constantes mudanas de

    comportamento, observar sinais de que o adolescente pode vir a desenvolver a Esquizofrenia

    difcil e delicado, pois se corre o risco de confundir os comportamentos rebeldes naturais da fase

    com uma doena mental; tanto amenizando ou ignorando a doena, como exagerando a

    instabilidade habitual da adolescncia.

    Como o conceito de prdromo implica uma mudana qualitativa notvel no sujeito,

    tentaremos enumerar algumas modificaes possveis. Entre elas esto: ansiedade, hipocondria,

    depresso, irritabilidade, apatia, retraimento social, distrbios do sono, colecionar objetos

    estranhos, descuido excessivo com a higiene pessoal, falar sozinho ou sentir a presena de uma

    pessoa invisvel. Ainda assim, voltamos a dizer que tudo isso pode no ser um sinal de que a

    pessoa v desenvolver a Esquizofrenia, e ser apenas uma fase da adolescncia normal. Por isso,

    importante que o adolescente seja avaliado por profissionais habilitados e competentes, antes de

    tomar qualquer medicamento ou ser internado. Lembramos, ainda, que a internao deve ser

    evitada ao mximo, sendo usada como ltimo recurso no caso de outras tentativas, como

    medicao e psicoterapia, no funcionarem; pois ela traz muitos danos afetivos e de sociabilidade

    para o indivduo. Ns falaremos mais adiante sobre esta questo da desinstitucionalizao da

    pessoa com sofrimento mental.

    Sobre erro grave de atitude tomada pelos pais em relao ao adolescente, temos como

  • 17

    exemplo o filme Bicho de sete cabeas 7-que baseado em uma histria real - onde o

    personagem central - Neto - um adolescente que tem dificuldade de relacionamento com o pai

    muito rgido e sem dilogo e cujo grupo de amigos se envolve em algumas atividades como

    pichaes e bebedeiras. O pai encontra um cigarro de maconha nas coisas dele e decide intern-lo

    em um hospital psiquitrico, para cur-lo e o que acaba acontecendo justamente o contrrio. O

    rapaz, que apresentava problemas comuns da idade, recebe altas doses de medicamentos,

    submetido a tratamento desumano e fica em contato com a mais graves doenas mentais, o que

    acaba por abalar a sua sade mental e deix-lo realmente debilitado.

    1.3.2 - Sintomas Psicticos da Esquizofrenia na adolescncia

    De modo geral, a transio dos sintomas prodrmicos para os psicticos - ou seja, quando

    o sintoma se transforma em doena - se d de maneira imperceptvel e, quando se percebe, a

    doena j se instalou.

    Os sintomas da Esquizofrenia no devem ser avaliados isoladamente, mas sim como uma

    rede que compromete as relaes sociais, entre outras coisas.

    sempre bom lembrar, (...), que "nenhum sintoma isolado patognomnico (exclusivo) da Esquizofrenia, cujo diagnstico implica no reconhecimento de uma constelao de sinais e sintomas vinculados a disfunes sociais e ocupacionais". Portanto, e em tese, atualmente se considera que os sintomas psicticos no adolescente so idnticos aos do adulto, reconhecendo-se, entre o quadro clnico formal, os seguintes (DSM IV): Idias delirantes Empobrecimento afetivo Alucinaes e perda da lgica Desorganizao do discurso Perda da vontade Desorganizao do comportamento Disfuno social. (BALLONE, 2007b).

    Nos adolescentes, os sintomas psicticos mais comuns da Esquizofrenia so as

    alucinaes auditivas, o delrio e os transtornos do curso do pensamento, tais como incoerncia,

    prolixidade e fuga de idias.

    Em termos de comportamento e interao social, a maior parte dos esquizofrnicos mantm contatos sociais relativamente limitados. Na Esquizofrenia, os adolescentes que eram socialmente ativos podem tornar-se retrados, perdem o interesse em atividades com as quais anteriormente sentiam prazer, tornam-se menos falantes e curiosos, e podem passar a maior parte de seu tempo na cama. Para a famlia esses sintomas de apatia e desinteresse, chamados de sintomas negativos, costumam ser o primeiro sinal de

    7 Bicho de sete cabeas um filme brasileiro lanado em 2001, dirigido por Las Bodanzky, e com roteiro de Luiz Bolognesi baseado no livro auto-biogrfico Cantos dos Malditos de Austregsilo Carrano Bueno.

  • 18

    que algo est errado. (idem, ibidem).

    Os episdios esquizofrnicos dividem-se entre os perodos dos surtos, nos quais se

    manifestam os sintomas positivos da doena, como as alucinaes e delrios, e sua fase crnica,

    caracterizada pela predominncia dos seus aspectos negativos, como o embotamento afetivo e

    perda da fora de vontade (volio). (PIMENTEL DE SOUZA, 1997).

    1.3.3 - Tratamento e cura da Esquizofrenia

    Embora ainda no se fale em cura para a Esquizofrenia, esta uma doena tratvel e

    controlvel. O tratamento da Esquizofrenia geralmente feito com medicamentos antipsicticos8

    que controlam as alucinaes e a ansiedade, psicoterapia individual e/ou grupal e, em alguns

    casos, com internao hospitalar - sobretudo em casos de risco de suicdio ou homicdio.

    A maioria dos doentes esquizofrnicos pode melhorar com os tratamentos mdicos. A investigao atual do crebro muito grande, estando novos medicamentos a serem investigados, abrindo um futuro promissor a todos que venham a sofrer desta doena. A medicao melhora, ao fim de algum tempo, o estado geral, fsico e psicolgico, das pessoas que sofrem de esquizofrenia. Os estudos mostram que aps 10 anos de tratamento, dos doentes esquizofrnicos estudados recuperou completamente, melhorou bastante e melhorou mas no muito. Quinze por cento no melhorou e 10% morreu, geralmente por suicdio ou acidente. (DO VALE, 2007).

    Alm dos recursos mencionados acima, outra forma de melhorar a qualidade de vida do

    indivduo esquizofrnico seria possibilitar a sua reabilitao psicossocial, ou seja, a retomada das

    suas atividades cotidianas e a sua re-insero na sociedade9. E justamente a que comearemos

    a abordar a importncia da incluso social destes adolescentes, pois a reabilitao psicossocial

    visa incluso deste indivduo na vida familiar e social como um todo, fazendo com que este

    tenha autonomia e poder de ao o que proporcionar uma melhora bastante significativa da sua

    qualidade de vida.

    1.4 ADOLESCENTES COM TRANSTORNO PSICTICO E A IMPORTNCIA DE SUA

    8 Nise da Silveira (1992) afirma que o tratamento da Esquizofrenia por meio de substncias qumicas controla os sintomas, mas no os cura. Segundo ela, os sintomas de um distrbio mental refletem a tentativa do organismo de curar-se e atingir um novo nvel de integrao. A prtica psiquitrica corrente interfere nesse processo de cura espontnea ao suprimir os sintomas. A verdadeira terapia consistiria em facilitar a cura, fornecendo ao indivduo uma atmosfera de apoio emocional. (p.13). 9 A Arteterapia ser a ferramenta utilizada por ns para possibilitar a reabilitao psicossocial dos adolescentes esquizofrnicos.

  • 19

    INCLUSO SOCIAL

    Segundo definio contida no Site de Psiquiatria Geral:

    ALIENAO MENTAL = DOENA MENTAL = LOUCO DE TODOS OS GNEROS = PSICOSE o transtorno geral e persistente das funes psquico, cujo carter mrbido ignorado ou mal compreendido pelo enfermo, e que impede a adaptao lgica e ativa s normas do meio, agindo sem proveito para si mesmo, nem a sociedade.

    1.Transtorno intelectual 2.Falta de autoconscincia 3.Inadaptabilidade 4.Ausncia de utilidade (NICOLAU, 2007).

    Com esta definio de psicose, assim como em relao aos sintomas da Esquizofrenia

    citados logo acima, podemos perceber que esta doena afeta diretamente as relaes sociais do

    indivduo. Os delrios e o fato de estar preso s suas fantasias afastam este sujeito do convvio

    familiar e social, isolando-o e agravando ainda mais a sua condio. Como vimos no incio deste

    captulo, o fato de andar em grupos e o convvio social so fundamentais para a construo de

    identidade do adolescente. Imaginemos, ento, os danos causados ao jovem que isolado de tal

    convvio devido a uma doena mental que como j vimos tratvel e controlvel. Por tudo

    isso, consideramos de extrema importncia o trabalho de reabilitao psicossocial deste paciente

    visando a sua incluso social.

    Sobre a interao dos termos incluso e reabilitao psicossocial, Valladares (2004)

    afirma que

    estabelecer um programa de reabilitao psicossocial significa oferecer espaos para incluso das diferenas e para a superao de medos e preconceitos. Alm disso, propor formas de tratamento mais humanizadas e integradoras, com espao para a aprendizagem, para a construo de vnculos, para a valorizao da comunicao verbal e no verbal, do respeito, da dignidade, da responsabilidade, do acompanhamento, da incluso da famlia e da reinsero social da pessoa com sofrimento mental. (p.12).

    Consideramos importante registrar no presente trabalho a nossa posio de total apoio

    luta anti-manicomial e desinstitucionalizao do doente mental; e que consideramos que a

    melhor forma de tratamento para o esquizofrnico feita em regime aberto, interdisciplinar e

    integrando o sujeito sua famlia e ao entorno social e comunitrio. Afinal, como afirma Silva

    (2004),

    assistimos hoje a diversas alternativas de assistncia e de ateno sade mental fora do mbito hospitalar e/ou manicomial, que se contrapem s antigas formas arbitrrias de

  • 20

    confinamento e de isolamento social vividas nas instituies totais, onde a maioria dos pacientes psiquitricos acabava perdendo toda e qualquer relao com seus contextos sociais e culturais, transformando-se em sujeitos cronificados e institucionalizados. (p.31).

    Alis, a incluso social destes sujeitos est prevista em lei:

    Dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em sade mental. Art. 2 Nos atendimentos em sade mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsveis sero formalmente cientificados dos direitos enumerados no pargrafo nico deste artigo. Pargrafo nico. So direitos da pessoa portadora de transtorno mental: I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de sade, consentneo s suas necessidades; II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua sade, visando alcanar sua recuperao pela insero na famlia, no trabalho e na comunidade; III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e explorao; IV - ter garantia de sigilo nas informaes prestadas; V - ter direito presena mdica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou no de sua hospitalizao involuntria; VI - ter livre acesso aos meios de comunicao disponveis; VII - receber o maior nmero de informaes a respeito de sua doena e de seu tratamento; VIII - ser tratada em ambiente teraputico pelos meios menos invasivos possveis; IX - ser tratada, preferencialmente, em servios comunitrios de sade mental. (BRASIL, 2001 grifos da autora)

    Quando falamos de incluso dos adolescentes portadores de Esquizofrenia, estamos

    falando de buscar a sua participao nas atividades escolares, familiares, o convvio com amigos

    e o cultivo de uma vida social com estes. Neste sentido, os profissionais da sade devem tentar

    eliminar os obstculos para que essa interao ocorra, fortalecendo a identidade dos adolescentes,

    oferecendo-lhes um ambiente seguro e acolhedor, auxiliando-os na conquista de um territrio

    prprio e estimulando a sua participao ativa e criativa em atividades do cotidiano, inclusive o

    exerccio de seus direitos como cidados. Assim, entendemos que a reabilitao psicossocial

    implica a necessidade de dar aos pacientes oportunidades de insero social, recuperando-os

    enquanto cidados. (TAVARES, 2004, p.65).

    No captulo seguinte, apresentaremos conceitos bsicos da Arteterapia para, a partir desta

    apresentao, compreendermos alguns pressupostos do processo arteteraputico que podem

    facilitar a incluso dos adolescentes esquizofrnicos de que tratamos agora.

  • 21

    CAPTULO 2

    CONHECENDO A ARTETERAPIA

    (Imagem 4)

    Ltus o smbolo da expanso espiritual, do sagrado, do puro. (Autor desconhecido).

    Traduzir-se

    Uma parte de mim todo mundo outra parte ningum: fundo sem fundo.

    Uma parte de mim multido outra parte estranheza e solido.

    Uma parte de mim pesa, pondera outra parte delira.

    Uma parte de mim almoa e janta

    outra parte se espanta. Uma parte de mim permanente

    outra parte se sabe de repente.

    Uma parte de mim s vertigem outra parte, linguagem.

    Traduzir uma parte na outra parte

    - que uma questo de vida ou morte - ser arte?

    Ferreira Gullar

    Neste captulo faremos uma breve apresentao da Arteterapia. Abordaremos seu

    histrico, fundamentos tericos e algumas das tcnicas utilizadas. Buscaremos tratar aqui dos

    benefcios da experincia arteteraputica, para que possamos avaliar no prximo captulo da

  • 22

    presente monografia como a Arteterapia pode auxiliar no caminho de incluso social de

    adolescentes portadores da Esquizofrenia.

    Como vimos na epgrafe acima, Ferreira Gullar escreveu o que os estudiosos do ser

    humano e da psicologia confirmam: ns somos seres complexos, mltiplos, compostos de

    diferenas. Mas nossa necessidade de sermos bons e aceitos pela sociedade faz com que nosso

    lado mais intuitivo, instintivo, espontneo, criativo e at mesmo violento e agressivo, seja

    reprimido, fique sombra, escondido. As normas sociais tendem a reprimir esses contedos

    porque temem a perda do controle, temem o caos. Como afirma Tommasi (2005): O processo

    cultural impe limites e exerce represso progressiva sobre o homem. Para fazer parte do meio

    social, deve domesticar-se, reprimir seus impulsos e desejos. (p.302). Acontece que esses

    contedos permanecem dentro de ns, no so extintos e se quisermos gozar de alguma sade -

    fsica e mental - precisamos confront-los e assimil-los.

    Muitos problemas e doenas tm sua origem nessa compartimentao do nosso eu, da no

    aceitao de partes importantes de ns, da represso excessiva dessas emoes profundas e at

    mesmo do desconhecimento que temos sobre ns mesmos.

    O processo de auto-conhecimento e de individuao proposto por Carl Gustav Jung (1875

    a 1971) cuja Psicologia Analtica referencial terico fundamental nesta pesquisa - passa pelo

    enfrentamento de nossas sombras e pela tentativa de aproximao delas, compreendendo,

    dissolvendo ns, compondo novos seres; complexos sim, paradoxais tambm, mas integrados;

    permitindo um dilogo harmonioso entre as diferenas que nos habitam.

    Esta integrao ser a busca principal do processo arteteraputico realizado a partir da

    abordagem junguiana, de que falaremos nesta monografia. Assim, a seguir abordaremos a

    Arteterapia, seu histrico, suas bases tericas, suas aplicaes, dentre outras coisas.

    2.1 DEFINIO BSICA

    A Arteterapia um processo teraputico expressivo, um caminho de auto-conhecimento e

    individuao10, atravs de experincias artsticas que ampliam as potencialidades de cada um e

    geram transformaes das relaes pessoais e com o mundo. Segundo Philippini (2004b),

    10 O termo ser melhor explicitado neste captulo, na pgina 28..

  • 23

    uma, dentre as inmeras formas de descrever o que mesmo Arte Terapia, ser consider-la como um processo teraputico que ocorre atravs da utilizao de modalidades expressivas diversas. As atividades artsticas utilizadas configuraro uma produo simblica concretizada, em inmeras possibilidades plsticas, diversas formas, cores, volumes, etc. Esta materialidade permite o confronto e gradualmente a atribuio de significado s informaes provenientes de nveis muito profundos da psique, que pouco a pouco sero apreendidos pela conscincia. (p.13).

    A Arte desbloqueadora, aproxima a pessoa da sensao e da emoo, dando acesso a

    contedos internos no explicados pela linguagem verbal. Criar expressar a existncia humana.

    Para Andrade (2000), condio sine qua non que a arte esteja no centro do trabalho para este

    ser considerado como arte terapia. A arte , portanto, a coluna vertebral da Arteterapia, a nica

    justificativa para a mesma se constituir como uma disciplina diferenciada. (p.165).

    O processo de Arteterapia d-se pela experimentao de diversas manifestaes artsticas

    artes plsticas, msica, dana, teatro, escrita, entre outros. Cada modalidade expressiva atua de

    maneira diferenciada em cada indivduo, despertando contedos a serem observados e

    trabalhados, dentro dos limites de cada um, colaborando para que sejam encontradas solues

    criativas para problemas e para que esses sejam enfrentados com maior segurana, melhorando a

    qualidade das relaes pessoais e a qualidade de vida do indivduo.

    Para Ciornai (1995), a Arteterapia proporciona, de maneira eficaz e rpida, pontes para a

    intersubjetividade, um contato rico, ntimo e profundo que, dependendo do caso, pode prescindir

    de palavras ou enriquecer com elas.

    Rhyne (2000) defende que esse tipo de autodescoberta pela arte pode e freqentemente

    leva no apenas auto-realizao, mas tambm a um aumento da capacidade de comunicao,

    compreenso, relacionamento e compromisso com os outros. Pensa-se que o trabalho teraputico

    que se utiliza dos recursos da arte pode promover o desenvolvimento emocional dos indivduos

    que com ele tm contato, dado o aumento da capacidade de comunicao, da percepo e

    entendimento de si mesmo, e com isso, proporciona uma vida mais saudvel.

    Mller (2005) afirma que

    a arteterapia se apresenta como possibilidade diferenciada no estabelecimento e aprofundamento do vnculo teraputico, diferenciando-se de outras prticas psicoteraputicas porque a prpria linguagem criativa, os materiais utilizados (cores, texturas, possibilidades de expresso com cada material), agregados ao olhar teraputico modalizador, tornaram-se incentivadores de expanso ou continncia necessrias em cada momento do processo. A arteterapia utiliza esses elementos de tal forma que eles so, em grande parte dos casos, um instrumental de melhor adeso teraputica e que tm menos possibilidade de suscitar resistncias que ocorreriam nas psicoterapias verbais, j que nelas os pacientes tm amplo domnio da linguagem racional verbal e maior capacidade de manipulao, dissimulao e controle.(p.123/124).

  • 24

    A Arteterapia no objetiva uma avaliao esttica das produes realizadas, mas a

    recuperao da possibilidade de cada indivduo criar livremente e com isso ativar seus ncleos

    sadios, encontrando formas de se comunicar, relacionar e estar no mundo.

    Por ser uma tcnica de atuao sutil e por combinar elementos expressivos e criativos, a

    Arteterapia pode ser aplicada a pessoas de todas as idades, de crianas a idosos, individualmente

    ou em grupos. Esta prtica muito eficaz em casos de dependncia qumica, hiperatividade,

    deficincia auditiva e visual (dentre outros problemas fsicos), doenas degenerativas como Mal

    de Alzheimer, doenas mentais e em casos de dificuldade de comunicao verbal.

    A Arteterapia pode tambm ser usada profilaticamente, como possibilidade de evitar

    doenas fsicas e/ou mentais, atravs da melhoria da qualidade de vida do indivduo.

    2.2 -BREVE HISTRICO

    A Arte usada como veculo para acessar contedos internos desde tempos imemoriais,

    embora a Arteterapia tenha se configurado da forma que se apresenta hoje h cerca de cinqenta

    anos, como veremos mais adiante. Segundo Philippini (2004b), o homem das cavernas acreditava

    que ao pintar os animais que queria caar, ganhava poderes para realiz-lo. Os ndios usavam - e

    usam - a dana e o canto tanto para evocar a chuva para obter uma boa colheita, quanto para curar

    doenas. Na Antiga Grcia, o teatro e a dana tambm tinham efeitos curativos, como contam os

    relatos sobre Epidauro, centro de cura onde as pessoas participavam de manifestaes artsticas e

    entravam em contato com as divindades para obter a cura para seus males.

    Como afirma Philippini, considerando estes pontos, podemos pensar em Arte Terapia

    como um processo teraputico que resgata tcnicas milenares de promoo, preveno e

    expanso da sade. (ibidem, p.14).

    O uso da arte como veculo teraputico inicia-se em hospitais psiquitricos,

    primeiramente com artistas que ensinavam tcnicas diversas aos pacientes visando acalm-los.

    No Brasil, a doutora Nise da Silveira (1906 - 1999) foi uma das primeiras pessoas a utilizar a arte

    com finalidade teraputica. Ela criou oficinas de arte dentro do Centro Psiquitrico Pedro II, no

    Rio de Janeiro, onde buscava compreender o universo mental dos internos a partir de suas

  • 25

    criaes, tendo como base a teoria junguiana.11

    2.3 - O ARTETERAPEUTA

    Segundo Philippini (2004b), para que o processo arteteraputico ocorra, fundamental

    que o profissional crie um setting12 acolhedor, que d segurana ao cliente, onde este se sinta

    estimulado e livre para criar e, assim, acessar seus contedos internos. Para isso, algumas

    condies so necessrias. importante que o arteterapeuta, alm de ter uma boa formao

    terica, conhea bem as modalidades expressivas com as quais vai trabalhar, que esteja ele

    mesmo experimentando-as em um ateli ou outro espao de trabalho. Assim como interessante

    que apresente ao cliente a maior gama possvel de modalidades e materiais expressivos, para que

    este descubra as suas vias de expresso. interessante ainda que o arteterapeuta esteja

    vivenciando, ele mesmo, um processo teraputico, para estar em dia com as suas prprias

    questes e, como afirma Philippini,

    tarefa do arteterapeuta construir, manter, cuidar e ampliar espaos acolhedores ao processo criativo para que as subjetividades imagticas tenham vez e voz e, deste modo, cada um possa se reconhecer em sua prpria produo expressiva e favorecer a expresso e expanso das atividades criativas de cada cliente, atravs do convvio teraputico, o que ser facilitado tambm pela construo e ampliao das prprias vivncias criativas do arteterapeuta. (ibidem, p.29).

    2.4 JUNG E A PSICOLOGIA ANALTICA REFERENCIAIS TERICOS

    A prtica de Arteterapia pode ter referenciais tericos diversos, dos quais - entre alguns -

    podemos citar: gestlticos, antropofsicos, comportamentais e junguianos. Ns, neste estudo,

    estaremos tratando principalmente dos conceitos da Psicologia Analtica de Carl Gustav Jung,

    pois esta a base de nossa formao e nossos estudos tm como eixo conceitos junguianos.

    Jung foi mdico e psiquiatra; nasceu na cidade de Keswill, na Sua em 26/07/1875 e

    viveu at 06/06/1961. Conviveu com Bleuler, Adler, Freud e outros grandes nomes da psiquiatria

    11 No terceiro captulo falaremos mais sobre o trabalho da doutora Nise. 12 Ambiente de trabalho.

  • 26

    da poca. Fora da rea mdica, Jung manteve contatos e trocou idias com grandes gnios da

    fsica como Einstein, Pauli, e outros. Estudou profundamente os grandes filsofos como

    Schopenhauer, Nitzsche e Kant. Foi buscar lastro para suas idias tambm na Alquimia, na

    Mitologia, nos povos primitivos da sia, frica e ndios Pueblos da Amrica do Norte. Visitou,

    entre tantos lugares, a ndia, em busca de respostas para suas dvidas mais ntimas.

    Jung foi sujeito de suas prprias experincias no que se refere investigao do

    inconsciente. Tudo o que ocorria com ele, incluindo os sonhos, fantasias e intuies, que para a

    maioria das pessoas passaria despercebido, era para Jung uma fonte de pesquisa e anlise.

    Homem extremamente intuitivo, sempre se interessou pelos fenmenos psquicos.

    Sobre o processo teraputico de Jung, Andrade (2000) afirma que

    das observaes e estudos de seus pacientes, Jung comeou espontaneamente a pedir aos mesmos que representassem plasticamente sonhos, relatos e sentimentos. Acreditava que as expresses artsticas de pacientes psicticos, assim como de pessoas normais, manifestassem esta ocorrncia do cotidiano de vida, refletindo o grau de comprometimento dessas instncias; consciente e inconsciente. Detendo-se nas questes relativas ao entendimento desses trabalhos, gradualmente os introduz como um elemento do processo analtico e procura sistematizar o uso dos mesmos, pedindo aos clientes que fizessem arte com fins teraputicos. (p.106).

    O psiquiatra Carl G. Jung foi um dos pioneiros na utilizao da arte como recurso

    teraputico. Segundo Silveira (1992), a psicologia junguiana reconhece na imagem grande

    importncia. Jung v nos produtos da funo imaginativa do inconsciente auto-retratos do que

    est acontecendo no espao interno da psique, pois peculiaridade essencial da psique configurar

    imagens de suas atividades por um processo inerente sua natureza. (p.85). O psiquiatra suo

    acreditava que as imagens produzidas por seus pacientes eram carregadas de contedos

    simblicos, cuja origem era o Self13 de cada um, e que lidar com esses smbolos, reconhec-los e

    dar sentido a eles, uma forma de estar restaurando esta essncia (Self), resgatando a totalidade,

    reintegrando, individuando.

    Levaremos em considerao na presente monografia os termos da Psicologia Analtica

    que consideramos de maior relevncia para a compreenso do processo arteteraputico. Entre eles

    esto, por exemplo: Psique, Self, Arqutipo, entre outros.

    A Psique, de acordo com Jung, a totalidade de todos os processos psquicos, tanto

    conscientes como inconscientes.

    13 Si mesmo, mas falaremos deste conceito na pgina 27.

  • 27

    (Imagem 5) A psique pode ser comparada a uma esfera, com uma zona brilhante (A) em sua superfcie que representa a conscincia. O ego o centro desta zona (um objeto s consciente quando eu o conheo). O self , a um tempo, o ncleo e a esfera inteira (B); seus processos reguladores internos produzem os sonhos. (VON FRANZ, 1964, p.157).

    J o Self representa a totalidade do ser. Ballone (2007a) afirma que

    Jung chamou o Self de Arqutipo central, Arqutipo da ordem e totalidade da personalidade. Segundo Jung, consciente e inconsciente no esto necessariamente em oposio um ao outro, mas complementam-se mutuamente para formar uma totalidade: o Self. O Self um fator interno de orientao, muito diferente e at mesmo estranho ao Ego e conscincia. Para Jung, o Self no apenas o centro, mas tambm toda a circunferncia que abarca tanto o consciente quanto o inconsciente, ele o centro desta totalidade, tal como o Ego o centro da conscincia.

    O Inconsciente Coletivo e os Arqutipos so tambm termos bsicos da Psicologia

    Analtica. Segundo Jung, eles so comuns a toda a humanidade e no podem ser diretamente

    experimentados.

    Temos que distinguir o inconsciente pessoal do inconsciente impessoal ou suprapessoal. Chamamos este ltimo de inconsciente coletivo, porque desligado do inconsciente pes-soal e por ser totalmente universal; e tambm porque seus contedos podem ser encontrados em toda parte, o que obviamente no o caso dos contedos pessoais. (p.85).

    O Inconsciente Coletivo se manifesta atravs de imagens arquetpicas e est ligado

    ancestralidade de toda a humanidade. Jung afirma que

    acamada pessoal termina com as recordaes infantis mais remotas; o inconsciente coletivo, porm, contm o tempo pr-infantil, isto , os restos da vida dos antepassados. As imagens das recordaes do inconsciente coletivo so imagens no preenchidas, por serem formas no vividas pessoalmente pelo indivduo. Quando, porm, a regresso da energia psquica ultrapassa o prprio tempo da primeira infncia, penetrando nas pegadas ou na herana da vida ancestral, a despertam os quadros mitolgicos: os arqutipos. (ibidem, p.100).

  • 28

    Segundo a Psicologia Analtica, alm do Inconsciente Coletivo, h tambm o

    Inconsciente Pessoal, que seria parte do inconsciente relacionada vivncia de cada um, e que

    regride at a fase da infncia. A sombra seria o ncleo do inconsciente pessoal, que foi reprimido

    pelo consciente. Segundo Jung (1980),

    o inconsciente pessoal contm lembranas perdidas, reprimidas (propositalmente esquecidas), evocaes dolorosas, percepes que, por assim dizer, no ultrapassaram o limiar da conscincia (subliminais), isto , percepes dos sentidos que por falta de in-tensidade no atingiram a conscincia e contedos que ainda no amadureceram para a conscincia. Corresponde figura da sombra, que freqentemente aparece nos sonhos. (p.85).

    Para Jung, Sombra tudo aquilo que no temos desejo de ser, ou a parte reprimida da

    nossa personalidade. Ele afirma que

    todo mundo carrega uma sombra, e quanto menos ela est incorporada na vida consciente do indivduo, mais negra e densa ela . Se uma inferioridade consciente, sempre se tem uma oportunidade de corrigi-la. Alm do mais, ela est constantemente em contato com outros interesses, de modo que est continuamente sujeita a modificaes. Porm, se reprimida e isolada da conscincia, jamais corrigida, e pode irromper subitamente em um momento de inconscincia. De qualquer modo, forma um obstculo inconsciente, impedindo nossos mais bem-intencionados propsitos.14

    Tratamos de conceitos como consciente e inconsciente e neste ponto a noo de

    Sonho para a psicologia junguiana se faz necessria pois, para Jung os Sonhos so pontes

    importantes entre processos conscientes e inconscientes. Ele afirma que

    as imagens produzidas no sonho so muito mais vigorosas e pitorescas do que os conceitos e experincias congneres de quando estamos acordados. E um dos motivos que, no sonho, tais conceitos podem expressar o seu sentido inconsciente. Nos nossos pensamentos conscientes restringimo-nos aos limites das afirmaes racionais, afirmaes bem menos coloridas, desde que as despojamos de quase todas as suas associaes psquicas. A funo geral dos sonhos tentar restabelecer a nossa balana psicolgica, produzindo um material onrico que reconstitui, de maneira sutil , o equilbrio psquico total . ao que chamo funo complementar (ou compensatria) dos sonhos na nossa constituio psquica. Explica por que pessoas com idias pouco realsticas, ou que tm um alto conceito de si mesmas, ou ainda que constroem planos grandiosos em desacordo com a sua verdadeira capacidade, sonham que voam ou que caem. O sonho compensa as deficincias de suas personalidades e, ao mesmo tempo, previne-as dos perigos dos seus rumos atuais. Se os avisos do sonho so rejeitados, podem ocorrer acidentes reais. A pessoa pode cair de uma escada ou sofrer um desastre de carro. (JUNG, 1964, p. 43 e 49).

    Assim como nos sonhos, tambm nas fantasias ou em representaes de tradio religiosa

    por exemplo o inconsciente se expressa atravs de Smbolos que so representaes de algo,

    14 JUNG citado por PLAUT, SAMUELS e SHORT, 2007.

  • 29

    trazem em seu interior um significado alm do que podemos captar imediatamente ao entrar em

    contato com eles.

    De acordo com Jung, o inconsciente se expressa primariamente atravs de smbolos. Jung se interessa pelos smbolos naturais, que so produes espontneas da psique individual, mais do que pelas imagens ou esquemas deliberadamente criados por um artista. Alm dos smbolos encontrados em sonhos ou fantasias de um indivduo, h tambm smbolos coletivos importantes, que so geralmente imagens religiosas, tais como a cruz, a estrela de seis pontas de David e a roda da vida budista. Assim, uma palavra ou uma imagem simblica quando implica alguma coisa alm de seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem tem um aspecto inconsciente mais amplo que no nunca precisamente definido ou plenamente explicado. (BALLONE, 2007).

    Para melhor compreenso dos smbolos que surgem no processo teraputico, Jung criou

    um mtodo chamado Amplificao15, para compreender melhor a Psiqu de seus pacientes.

    Grinberg (1997) explica que a amplificao um

    mtodo de abordagem junguiana dos sonhos que busca alargar e aprofundar o significado de uma imagem onrica por meio de associaes com smbolos universais, encontrados na mitologia, na histria, nas cincias e nos diversos campos da cultura, com o objetivo de esclarecer e incrementar seu significado metafrico. (p.221).

    Outro termo importante para a compreenso da Psicologia Analtica a Persona, que diz

    respeito ao funcionamento do sujeito em sociedade. Persona o arqutipo de adaptao,

    popularmente conhecido como mscaras sociais. Para Jung, ela o elo entre o indivduo e o

    exterior, um canal expressivo. Uma mesma pessoa pode assumir diversas personas, de acordo

    com a necessidade de suas relaes sociais.

    Um outro conceito da psicologia jungiana que gostaramos de destacar o Complexo

    termo que foi absorvido pela cultura ocidental e que comumente citado em conversas de

    pessoas que no tem conhecimento de termos tcnicos da psicologia. No raro ouvirmos

    algum na rua dizer que fulano complexado, ou algo semelhante. Pois para Jung os

    Complexos so formados por contedos inconscientes que possuem alta carga emocional e

    afetam a vida do sujeito.

    Um complexo uma reunio de imagens e idias, conglomeradas em torno de um ncleo derivado de um ou mais arqutipos, e caracterizadas por uma tonalidade emocional comum. Quando entram em ao (tornam-se constelados), os complexos contribuem para o comportamento e so marcados pelo afeto, quer uma pessoa esteja ou no consciente deles. So particularmente teis na anlise de sintomas neurticos. Tambm importante lembrar que os complexos so fenmenos bastante naturais que se

    15 Em Arteterapia este recurso alargado para todas as imagens produzidas, e no apenas s de contedo onrico. Sobre o uso do recurso da amplificao em Arteterapia, Phillipini (2004b) diz que: A amplificao simblica tem o propsito de aumentar a possibilidade de compreenso de um significado ou smbolo. No processo arteteraputico abranger um conjunto de procedimentos expressivos e plsticos, cuja meta facilitar a apreenso do smbolo pela conscincia. (p.23).

  • 30

    desenvolvem ao longo de linhas positivas como tambm negativas. So ingredientes necessrios da vida psquica. Desde que o ego pode estabelecer um relacionamento vivel com um complexo, uma personalidade mais rica e mais diversificada emerge. Por exemplo, padres de relacionamento pessoal podem se alterar, enquanto percepes de outros sofrem mudanas. (PLAUT, SAMUELS e SHORT, 2007).

    O ltimo conceito que abordaremos neste captulo o de Individuao para Jung este

    seria o objetivo maior do processo teraputico e tambm um processo contnuo que s teria fim

    com a morte do sujeito. A Individuao um processo de crescimento psquico que envolve

    auto-conhecimento e o reconhecimento de elementos antes reprimidos e inconscientes (como a

    Sombra). Ao aceitar e integrar estes elementos, a pessoa inicia o caminho da individuao.

    Ento, como diz Von Franz (1964), surge, gradualmente, uma personalidade mais

    ampla e amadurecida que, aos poucos, torna - se mais efetiva e perceptvel mesmo a outras

    pessoas. (p.157).

    2.5 ARTETERAPIA E JUNG: UM CASAMENTO MUITO BEM SUCEDIDO!

    Mas o que a Arteterapia tem a ver com os conceitos da Psicologia Analtica?

    O processo arteteraputico, como falamos no incio deste captulo, visa a partir de

    vivncias expressivas - melhorar a qualidade de vida do sujeito, propiciando um maior equilbrio

    emocional e fsico, a melhoria das suas relaes consigo mesmo e com o mundo que o cerca, uma

    maior satisfao pessoal e harmonia interna e externa. Tudo isso ocorre atravs de um processo

    de transformao e de crescimento psquico, a que chamamos de individuao, graas aos

    pressupostos tericos junguianos.

    Considerando ento o processo de individuao como uma meta bsica para o processo

    arteteraputico, podemos pensar como isso ocorre. Segundo Philippini (2004b),

    a abordagem junguiana parte da premissa que os indivduos, no curso natural de suas vidas, em seus processos de auto-conhecimento e transformao, so orientados por smbolos. Estes emanam do self, centro de sade, equilbrio e harmonia, representando para cada um o potencial mais pleno, a totalidade da psique e a essncia de cada um. Na vida, o self, atravs de seus smbolos, precisa ser reconhecido, compreendido e respeitado. Em Arteterapia com abordagem junguiana, o caminho ser fornecer suportes materiais adequados para que a energia psquica plasme smbolos em criaes diversas. Estas produes simblicas retratam mltiplos estgios da psique, ativando e realizando a comunicao entre inconsciente e consciente. Este processo colabora para a compreenso e resoluo de estados afetivos conflitivos, favorecendo a estruturao e

  • 31

    expanso da personalidade atravs do processo criativo. (p.17).

    Podemos dizer que atravs de sua ampla gama de materiais, a Arteterapia pode facilitar o

    acesso aos contedos internos dos sujeitos, trazendo luz elementos que antes estavam

    inconscientes e causando dor ou conflitos. Estes contedos internos se apresentam atravs de

    smbolos a serem investigados e amplificados, para que se possa apreender todos os seus

    possveis significados, dentro da realidade pessoal de cada indivduo. Conhecer tais contedos

    traz a possibilidade de transform-los e/ou integr-los, permitindo que o sujeito viva melhor. A

    prtica arteteraputica confronta o sujeito com elementos do seu inconsciente de uma forma

    material e inegvel: a sua prpria criao plstica, sonora, corporal, entre outras.

    A partir deste encontro, com o auxlio cuidadoso do arteterapeuta, o sujeito pode comear

    a identificar seus ns e a afroux-los; a reconhecer suas personas e seus modos de funcionamento

    nas diversas situaes; a aceitar e acolher suas sombras; a compreender e integrar as imagens

    arquetpicas que surgem em suas criaes. Ou seja, a pessoa tem a oportunidade de se (re)

    conectar consigo mesma, tentar integrar suas partes at ento dissociadas. E justamente esta

    reintegrao do sujeito, que chamamos de Individuao, que acreditamos ser o incio desta

    caminhada para uma vida mais plena e feliz. Como lindamente afirma Philippini (2004a), a

    arteterapia, por meio da criao de documentos psquicos perenes com atividades expressivas e

    plsticas, desenha inesquecveis trilhas, guiando cliente e terapeuta, passo a passo, pelas pistas

    dos smbolos, pelas quais podemos seguir seguros rumo ao self. (p.104).

    No captulo seguinte, veremos que papel a Arteterapia desempenha na busca pela incluso

    social dos adolescentes esquizofrnicos e pela melhoria da sua qualidade de vida.

  • 32

    CAPTULO 3

    ARTETERAPIA E LOUCURA: UM CAMINHO PARA A INCLUSO SOCIAL DE ADOLESCENTES PSICTICOS

    Neste captulo buscaremos sintetizar as informaes apresentadas nos dois primeiros

    captulos desta monografia, somando a estas alguns outros conhecimentos, como princpios da

    Reforma Psiquitrica e o conceito de Resilincia. Tudo isto com o intuito de investigarmos

    possibilidades de incluso social dos adolescentes psicticos, atravs da vivncia do processo

    arteteraputico.

    (Imagem 6 Antonin Artaud, auto-retrato)

    Carta aos Diretores de Asilos de Loucos Senhores:

    As leis, os costumes, concedem-lhes o direito de medir o esprito. Esta jurisdio soberana e terrvel, vocs a exercem segundo seus prprios padres de entendimento. No nos faam rir. A credulidade dos povos civilizados, dos especialistas, dos governantes, reveste a psiquiatria de inexplicveis luzes sobrenaturais. A profisso que vocs exercem est julgada de antemo. No pensamos em discutir aqui o valor dessa cincia, nem a duvidosa existncia das doenas mentais. Porm para cada cem pretendidas patogenias, onde se desencadeia a confuso da matria e do esprito, para cada cem classificaes, onde as mais vagas so tambm as nicas utilizveis, quantas tentativas nobres se contam para conseguir melhor compreenso do mundo irreal onde vivem aqueles que vocs encarceraram? Quantos de vocs, por exemplo, consideram que o sonho do demente precoce ou as imagens que o perseguem so algo mais que uma salada de palavras? No nos

  • 33

    surpreende ver at que ponto vocs esto empenhados em uma tarefa para a qual s existem muito poucos predestinados. Porm no nos rebelamos contra o direito concedido a certos homens - capazes ou no - de dar por terminadas suas investigaes no campo do esprito com um veredicto de encarceramento perptuo. E que encerramento! Sabe-se - nunca se saber o suficiente - que os asilos, longe de ser "asilos", so crceres horrveis onde os reclusos fornecem mo-de-obra gratuita e cmoda, e onde a brutalidade norma. E vocs toleram tudo isso. O hospcio de alienados, sob o amparo da cincia e da justia, comparvel aos quartis, aos crceres, as penitencirias. No nos referimos aqui as internaes arbitrrias, para lhes evitar o incmodo de um fcil desmentido. Afirmamos que grande parte de seus internados - completamente loucos segundo a definio oficial - esto tambm reclusos arbitrariamente. E no podemos admitir que se impea o livre desenvolvimento de um delrio, to legtimo e lgico como qualquer outra srie de idias e atos humanos. A represso das reaes anti-sociais, em princpio, to quimrica como inaceitvel. Todos os atos individuais so anti-sociais. Os loucos so as vtimas individuais por excelncia da ditadura social. E em nome dessa individualidade, que patrimnio do homem, reclamamos a liberdade desses forados das gals da sensibilidade, j que no se est dentro das faculdades da lei condenar priso a todos que pensam e trabalham. Sem insistir no carter verdadeiramente genial das manifestaes de certos loucos, na medida de nossa capacidade para avali-las, afirmamos a legitimidade absoluta de sua concepo da realidade e de todos os atos que dela derivam. Esperamos que amanh de manh, na hora da visita mdica, recordem isto, quando tratarem de conversar sem dicionrio com esses homens sobre os quais - reconheam - s tm a superioridade da fora. Antonin Artaud Do livro: Cartas aos Poderes, Editorial Villa Martha , 1979, RS

    Artaud nasceu em Marselha, no dia 4 de setembro de 1896, e faleceu em Paris, no dia 4 de

    maro de 1948. Foi um poeta, ator, roteirista e diretor de teatro francs. Considerado louco,

    Artaud foi internado em hospitais psiquitricos, onde recebeu tratamentos severos como eletro

    choque e onde acabou falecendo anos depois. Na carta acima ele questiona16 os diagnsticos de

    loucura, reivindica respeito e reconhecimento do valor do doente mental e critica o tratamento

    desumano recebido pelos portadores de Transtorno Mental nas instituies psiquitricas da

    poca. Mas, infelizmente, esta realidade no est to distante de ns como parece. Instituies

    para asilar os sujeitos considerados loucos e incapazes de conviver em sociedade ainda existem

    no Brasil e em muitas delas o tratamento dado aos pacientes ainda envolve castigos fsicos e

    medicamentos que os mantm dopados e sem condies de atuar no mundo ao seu redor. Por

    outro lado, a tendncia que esta realidade seja extinta dentro em breve, pois a Reforma

    Psiquitrica17 ganhou foras com a aprovao da Lei de Proteo e Direitos das Pessoas

    16 De maneira bastante lcida, vale observar. 17 A Reforma Psiquitrica teve incio nas dcadas de 1960 e 1970 na Itlia, com a Psiquiatria Democrtica de Franco Basaglia que repudiava as aes primitivas e de controle social das instituies psiquitricas (TAVARES, 2004).

  • 34

    Portadoras de Transtornos Mentais e o Modelo Assistencial em Sade Mental18. A Reforma

    Psiquitrica vem, com a ajuda de profissionais engajados, buscando novas formas de abordagem

    ao portador de doena mental, visando respeito, afeto e acolhimento desses sujeitos e uma

    melhoria significativa na sua qualidade de vida.

    3.1 ARTE E LOUCURA APROXIMAES HISTRICAS

    O conceito de loucura, em geral, est relacionado a algo inapropriado, diferente, a

    comportamentos inaceitveis e dificuldade de adaptao ao meio. J a obra artstica, embora

    muitas vezes seja tambm desprovida de lgica e igualmente divergente das normas sociais,

    costuma ter o seu espao garantido na sociedade, por possuir status de arte, ela se legitimiza;

    enquanto os loucos tendem a ser alijados do convvio social. Podemos observar isto na histria da

    arte, especialmente em se tratando de artistas como Mozart, Artaud e Van Gogh cujos

    comportamentos foram julgados inadequados e, por isso, foram excludos e julgados pela sua

    poca. As suas obras, contudo, permanecem e tm o respeito que merecem, mesmo que o

    reconhecimento s tenha chegado sculos depois.

    Se a arte a expresso humana da criao de sensaes ou de estados de esprito de carter esttico carregados de vivncia pessoal e profunda, como define a lngua portuguesa, ento ela est prxima da vivncia da loucura, pois se relaciona com os sentimentos, emoes, vivncia de carter eminentemente pessoal, desprovida de uma lgica comum, de uma esttica nica, mas como representao de uma experincia singular. (MUNARI, 2004, p.73).

    Segundo Wahba (2005), o prprio processo criativo aproxima o artista das raias da

    loucura, no sentido de que ao criar entra em contato com elementos da sombra presentes no seu

    inconsciente e neste momento corre o