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1 – OS PROJECTOS COMO PARTE DA IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DA EDUCAÇÃO 1.1 - As relações entre planos, programas e projectos Os planos da educação são instrumentos que organizam as políticas educacionais para a sua implementação, dentro do contexto do desenvolvimento económico e social do país. Neste sentido, estruturam duma forma coerente as respostas às necessidades educacionais, através da definição de objectivos, determinação das metas, elaboração de estratégias, programação de acções e afectação de recursos, dentro dum enfoque prospectivo e tendo em conta um determinado prazo. Os planos podem ser formulados a longo, médio e curto prazos. O Plano adopta um ano de base que corresponde, geralmente, ao ano para o qual se tem informações mais actualizadas ou ao último ano do Plano anterior. Os planos a longo prazo apresentam as estratégias de desenvolvimento geral para se alcançar uma determinada imagem futura. Eles têm um alcance de dez ou mais anos. Os planos a médio prazo (de 3 a 6 anos) enquadram-se na perspectiva do Plano a longo prazo. Por sua vez, o plano a médio prazo subdivide-se em planos de curto prazo ou planos operativos que, em geral, são anuais ou bienais e coincidem com o calendário orçamental. Neste caso, as previsões são estudadas com maior detalhe. Os planos de curto prazo também podem ser planos de conjuntura quando se trata de fazer face a situações de emergência ou se têm que fazer face a fenómenos não previstos. O Plano de desenvolvimento da educação pode ser integral se se considera a educação no seu conjunto e também pode ser integrado se formar parte dos planos de desenvolvimento económico e social do país. Se apenas se refere a determinados aspectos dos sistemas educativos, então constitui um Plano parcial. Quanto às àreas geográficas, os planos podem ser de nível nacional, provincial, distrital, local e institucional. Em geral, deve haver uma coerência em todos os níveis de desagregação dos planos. Também existem planos que se aplicam a mais do que um país, portanto, a nível subregional ou regional. Nestes 1

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1 – OS PROJECTOS COMO PARTE DA IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO DA EDUCAÇÃO

1.1 - As relações entre planos, programas e projectos

Os planos da educação são instrumentos que organizam as políticas educacionais para a sua implementação, dentro do contexto do desenvolvimento económico e social do país. Neste sentido, estruturam duma forma coerente as respostas às necessidades educacionais, através da definição de objectivos, determinação das metas, elaboração de estratégias, programação de acções e afectação de recursos, dentro dum enfoque prospectivo e tendo em conta um determinado prazo.

Os planos podem ser formulados a longo, médio e curto prazos. O Plano adopta um ano de base que corresponde, geralmente, ao ano para o qual se tem informações mais actualizadas ou ao último ano do Plano anterior.

Os planos a longo prazo apresentam as estratégias de desenvolvimento geral para se alcançar uma determinada imagem futura. Eles têm um alcance de dez ou mais anos.

Os planos a médio prazo (de 3 a 6 anos) enquadram-se na perspectiva do Plano a longo prazo.

Por sua vez, o plano a médio prazo subdivide-se em planos de curto prazo ou planos operativos que, em geral,

são anuais ou bienais e coincidem com o calendário orçamental. Neste caso, as previsões são estudadas com

maior detalhe.

Os planos de curto prazo também podem ser planos de conjuntura quando se trata de fazer face

a situações de emergência ou se têm que fazer face a fenómenos não previstos.

O Plano de desenvolvimento da educação pode ser integral se se considera a educação no seu

conjunto e também pode ser integrado se formar parte dos planos de desenvolvimento económico e social do

país. Se apenas se refere a determinados aspectos dos sistemas educativos, então constitui um Plano parcial.

Quanto às àreas geográficas, os planos podem ser de nível nacional, provincial, distrital, local e

institucional. Em geral, deve haver uma coerência em todos os níveis de desagregação dos planos. Também

existem planos que se aplicam a mais do que um país, portanto, a nível subregional ou regional. Nestes casos,

classificam-se em planos supranacionais. Em geral, estes planos se aplicam no contexto de integração e de acções

conjuntas.

Os programas constituem o primeiro nível de desagregação dos planos e referem/se a aspectos dos

sistemas educativos, em geral, considerados os mais significativos para o cumprimento dos mesmos, com

indicação de determinados objectivos concretos dos mesmos. Por exemplo, um programa de melhoria da

qualidade e pertinência do ensino primário poderia compreender os três projectos seguintes:

* - elaboração, produção e distribuição de manuais e materiais escolares adaptados às condições

locais;

* - formação em serviço de professores;

* - criação de mecanismos de acompanhamento e avaliação da qualidade do ensino.

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Em muitos casos, os programas dividem-se em dois grandes conjuntos:

* - o primeiro grupo refere-se aos níveis e modalidades do sistema educativo; ou seja, aqueles que

requerem ser atendidos pelos programas de acção. Cita-se, como exemplos, programa de desenvolvimento do

ensino primário, secundário, educação de adultos, de zonas rurais ou urbanas, etc. Cada um destes programas

gera necessidades em pessoal docente, materiais e textos educativos e infraestruturas físicas.

* - O segundo grupo é constituído por programas de acção que se preocupam em satisfazer as

necessidades dos programas do primeiro grupo. Assim, surgem programas de administração educativa,

desenvolvimento curricular, microplanificação educativa, provisão de textos e materiais de ensino, construções e

equipamentos escolares, investigação e experimentação educativa, etc.

Pode-se concluir que os projectos são instrumentos que se desprendem dos planos e programas e a sua

importância se situa no facto de que permitem a execução dos planos e progrmas duma maneira coerente e

efectiva.

1.2 – OS PROJECTOS DENTRO DO PROCESSO DE PLANIFCAÇÃO

Antes de se proceder à discussão da inserção dos projectos no processo de planificação da educação,

importa recapitular a sequência lógica deste processo:

* - Análise estatística tendo em vista a planificação;

* - Diagnóstico;

* - Apresentação de alternativas;

* - Tomada de decisões;

* - Elaboração do plano;

* - Execução;

* - Controlo e avaliação;

* - Revisão e actualização.

Omitiu-se a “difusão e comunicação” porque este é um aspecto que deve ser tomado em consideração ao

longo de todo o processo.

Dentro do processo de planificação, um projecto traduz, para um determinado período e para uma certa

região, os objectivos dum plano em termos operacionais. Os projectos podem contemplar todos os níveis

geográficos, desde o local ao nacional, e em muitos casos preenchem o vazio dum plano pouco detalhado. Isto

quer dizer que os projectos são concebidos em função de objectivos precisos e com prazos bem determinados

que, em geral, nunca ultrapassam o médio prazo. Por conseguinte, os projectos são formulados para resolver

problemas concretos e atender a necessidades educativas específicas.

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Duma forma simplificada, podemos manter as seguintes definições:

* - O Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social, define as políticas, objectivos, metas

e estratégias nacionais de desenvolvimento global.

* - O Plano Sectorial da Educação, compreende a política educativa, os objectivos, metas,

estratégias, programas e projectos, de modo que seja possível observar o desenvolvimento do

sector da educação.

* - O Plano Operativo, em geral, é elaborado dentro do contexto dum plano a médio prazo. É um

plano a curto prazo que coincide com o calentdário orçamental (um ou dois anos).

* - O programa, faz parte dum plano e trata de concretizar um objectivo específico do mesmo. Por

exemplo, o programa de acções sócio-educatvas e culturais para as áreas rurais.

* - O sub-Programa, trata de implementar um objectivo parcial dum programa. Por exemplo, o

desenvolvimento curricular para as áreas rurais.

* - O Projecto, é um instrumento que faz parte dum plano ou programa e trata de resolver duma

forma directa problemas ou necessidades educativas específicas. Por exemplo, a elaboração e

produção de material educativo para o ensino primário nas zonas rurais.

* - O Sub-Projecto, trata de enfatizar algumas acções ou tarefas específicas dum projecto que

requeira uma atenção especial. Por exemplo, a produção de material educativo para a

população bilingue do “planalto andino”.

* - A Actividade, é uma acção concreta dentro dum projecto ou sub-projecto. Por exemplo, a

investigação para determinar as necessidades de material educativo da população aborígene do

“planalto andino”.

Uma vez estabelecida a nomenclatura precedente, facilmente podemos relacionar planos, programas e

projectos. Agora, os projectos podem ser agrupados em três categorias: nível geográfico administrativo, segundo

a natureza dos objectivos específicos e de cooperação técnica nternacional, regional ou bilateral.

Os Projectos segundo o nível geográfico administrativo: distingue-se o nível da base, o nível regional e o

nível internacional.

Os projectos que surgem da base tratam de dar resposta a necessidades educativas dos diferentes grupos

sociais duma comunidade ou duma determinada instituição educativa (nível institucional). Em geral, estes

projectos são formulados tendo como base uma investigação que identifica os problemas, necessidades e

interesses da população com a participação da mesma. Neste nível, a identificação das necessidades educativas é

feita duma forma concreta. Por exemplo, podem ser apresentadas necessidades em salas de aulas, reparação,

reposição, equipamentos, materiais educativos, capacitação de docentes, educação de adultos, etc.

Os projectos regionais, têm um maior alcance e referem-se a acções com características, problemas e

necessidades homogéneas em toda a área. A nível regional ou provincial, podem-se elaborar projectos que

pretendam diminuir ou eliminar as disparidades intra-regionais ou intra-provinciais, com maior grau de

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liberdade e responsabilidade do que a que se tem a nível central ou nacional. Os projectos regionais aparecem

quando há uma necessidade de realizar esforços em várias comunidades ou localidades, para completar as

tarefas necessárias para o desenvolvimento regional.

Os projectos de alcance regional podem resultar de iniciativas da base ou da desagregação dum plano ou

projecto a nível nacional, com o propósito de harmonizar duma forma mais concreta as necessidades regionais.

Os projectos a nível nacional, podem desprender-se dum plano sectorial, considerando acções específicas

de alcance nacional. São executados a nível central ou através de diferentes níveis administrativos; isto quer

dizer que o nível central se ocupa da coordenação e programação; o nível regional ocupa-se da adequação

regional e o nível local ocupa-se da execução.

Os projectos segundo a natureza dos objectivos específicos, esta classificação abrange domínios ou

propósitos de actuação tais como:

* - Os projectos de infraestrutura física, que tradicionalmente constituem os projectos de

investimento, ou seja, de construção e equipamento;

* - Os projectos de desenvolvimento institucional, que tratam de melhorar os aspectos

administrativos de organização e os serviços de apoio ou complementares da acção

educativa;

* - Os projectos de desenvolvimento curricular e tecnologia educativa, que se referem às

mudanças que se devem introduzir para a melhoria do curriculum e a utilização de

tecnologias educativas de acordo com as necessidades do processo de ensino-

aprendizagem;

* - Os projectos de desenvolvimento docente, que compreendem todos os aspectos

relacionados com a formação, capacitação, aperfeiçoamento e especialização do pessoal

docente, técnico e administrativo do sector da educação. Portanto, têm a ver com os

aspectos de bem-estar e condições de trabalho dos recursos humanos do sector.

Os projectos de cooperação técnica internacional, regional ou bilateral, fazem parte dos projectos

nacionais, mas tem sido hábito serem formulados documentos de projectos específicos de cooperação técnica ou

financeira. A cooperação técnico-financeira internacional constitui uma contribuição da comunidade

internacional ao desenvolvimento nacional (ajuda multilateral). Também podem ser formulados projectos de

cooperação bilateral (apoio de países desenvolvidos aos países em desenvolvimento) e projectos de cooperação

horizontal (apoio mútuo entre países de grau de desenvolvimento relativamente similar; é o caso típico da

cooperação sul-sul). Em geral, este tipo de projectos é elaborado tendo em conta os domínios prioritários

nacionais, as necessidades educativas e a capacidade técnico-administrativa e financeira do país.

Em seguida, apresenta-se uma lista de projectos conforme a classificação anteriormente discutida:

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A - Projectos consoante o nível geográfico:

A1 - Projectos a nível de base

* - Desenvolvimento educativo da localidade “x”;

* - Educação de adultos na comunidade “z”;

* - Inovação curricular e uso de tecnologia apropriada no domínio do

desenvolvimento rural integrado.

A2 – Projectos a nível regional ou provincial

* - Melhoria da qualidade da educação na região “x”;

* - Capacitação de recursos humanos para a educação na região “z”;

* - Educação para as áreas na região central.

A3 – Projectos a nível nacional

* - Formação, capacitação e aperfeiçoamento docente;

* - Expansão da matrícula na educação básica;

* - Educação para o desenvolvimento integrado das zonas rurais.

B – Projectos segundo a natureza dos objectivos específicos:

B1 – Projectos de infraestrutura física

* - Construção e equipamento de escolas de formação de professores;

* - Desenho e elaboração de textos para a escola primária;

* - Provisão de mobiliário para a educação básica.

B2 – Projectos de desenvolvimento institucional

* - Reorganização e racionalização da administração educativa;

* - Fortalecimento do sistema de planificação educativa;

* - Organização do trabalho docente, técnico e administratio.

B3 – Projectos de desenvolvimento curricular e tecnologia educativa

* - Preparação de amterial educativo e utilização da tecnologia

apropriada (com recursos próprios da localidade);

* - Adequação do curriculum às necessidades de desenvolvimento

regional;

B4 – Projectos de desenvolvimento da docência

* - Capacitação do pessoal não nomeado da educação básica;

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* - Residências dos professores;

* - Fortalecimento da formação de professores.

B5 – Projectos de cooperação técnica internacional, regional ou bilateral

* - Apoio ao programa de alfabetização e educação de adultos;

* - Expansão e melhoria da educação para as zonas ruraisl;

* - Apoio ao programa de acções sócio-educativas para áreas urbanas

marginalizadas.

1.3 – OS PROJECTOS NO SECTOR DA EDUCAÇÃO

A maior parte destes projectos são projectos independentes que respondem a problemas concretos,

respeitando ou não, determinados critérios; outros, menos frequentes, são projectos intersectoriais que

estabelecem objectivos comuns a dois ou mais sectores, por exemplo, educação e saúde (projecto de alimentação

escolar, projecto de educação para a saúde, etc.); outros, ainda mais escassos são projectos integrados para

alcançar objectivos de conjunto, sob a responsabilidade dum único sector ou de vários independentes mas

ligados por objectivos comuns ou por áreas geográficas ou determinados grupos populacionais. Por exemplo, a

educação para o desenvolvimento integrado da área “x”, formação de recursos humanos para o sector público,

etc.

Em geral, os projectos de maior envergadura referem-se à ampliação da rede de estabelecimentos e à

capacitação de docentes, bem como a produção de material educativo. Como se viu, também existem projectos

dirigidos a determinados níveis ou modalidades do sistema educativo e também à educação no seu conjunto,

especialmente quando se trata de apoiar reformas educativas.

Têm-se observado limitações na identificação e formulação de projectos no domínio do sector da

educação, particularmente devido à carência de pessoal especializado e à escassez de recursos financeiros. Por

outro lado, deve-se constatar que não se tem estabelecido um mecanismo adequado de controlo e avaliação que

permita medir o impacto dos projectos sobre o desenvolvimento educativo e a eficiência interna no alcance dos

objectivos previamente preconizados.

As tendências actuais indicam que os projectos vão-se gerando para atender, prioritariamente, às

necessidades de grupos carentes das zonas rurais e das zonas urbanas marginalizadas. Por outro lado, enquanto

anteriormente os projectos estavam mais orientados para aspectos quantitativos dos sistemas educativos,

ultimamente, se observa uma modificação dessa tendência em prol da melhoria dos aspectos qualitativos.

Quando analisamos os documentos de projectos vigentes no país, podemos ter em mente as seguintes

questões:

* - Estes projectos são independentes, intersectoriais ou integrados?

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* - Quantos projectos se referem à educação no seu todo e quantos a determinados níveis ou

modalidades?

* - a identificação e formulação dos projectos respondem a necessidades educativas prioritárias?

Como se considera a qualidade dos documentos dos projectos formulados?

* - Do ponto de vista de execução, quais são os projectos que têm maior impacto?

* - Como se caracteriza a população abrangida pelos projectos educativos?

* - Os projectos vigentes colocam ênfase nos aspectos quantitativos, qualitativos ou a ambos?

* - Consideram-se adequados os mecanismos de acompanhamento e avaliação dos projectos

educativos? Que sugestões podem ser feitas a este respeito?

* - Alistem-se os projectos de cooperação técnica e financeira vigentes e analise-se a contribuição

que trazem para o esforço nacional de desenvolvimento educativo? Respondem esses projectos às

prioridades da política nacional?

Podem-se distinguir dois grandes grupos de projectos: os de pré –investimento e os de execução. No

primeiro caso, trata-se de incluir, ao nível da programação, os primeiros detalhes para a identificação

dos projectos. No segundo caso, trata-se de projectos de pré-investimento que, com informações mais

detalhadas, transformam-se em projectos factíveis.

Quais são os critérios fundamentais a ter em conta para se determinar a viabilidade dum projecto?

Em geral, devem ser considerados três tipos de critérios: viabilidade política, viabilidade económica e

viabilidade institucional.

Os critérios políticos permitem determinar se um projecto está em harmonia com a política nacional de

desenvolvimento, tal como definida no plano. Muitas vezes, os critérios políticos têm sido mais

determinantes do que os critérios técnicos.

Os critérios económicos coincidem com a disponibilidade de recursos e a possibilidade de mobilizá-los

no momento oportuno. A relação custo-benefício ganha maior peso neste domínio.

Os critérios institucionais estão relacionados com a capacidade administrativa para levar a cabo a

implementação dum projecto, com alto grau de segurança e de acordo com os objectivos determinados.

Nalguns casos, o estudo da viabilidade institucional pode conduzir à realização de acções prévias tais

como, por exemplo, capacitação de pessoal especializado, reforma administrativa, incluíndo a

modificação do organigrama do Ministério para acomodar a nova unidade a criar ou recém-criada.

Elementos chaves para a formulação de projectos educativos:

* - Os objectivos gerais do desenvolvimento da educação, bem como os objectivos específicos, sem

deixar de lado os resultados esperados com a realização do projecto.

* - O conteúdo: trata-se de indicar, com clareza, os beneficiários e proceder a uma descrição

detalhada das actividades.

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* - A duração, determinada pela amplitude das actividades que devem ser cumpridas e pelos

prazos fixados para a realização dos objectivos. Em geral, este prazo nunca deve ser superior a

seis anos.

* - A adminsitração, determinada pelos recursos existentes, o apoio institucional, a capacidade

administrativa e a programação das actividades.

* - Os custos, permitem estabelecer as necessidades em recursos financeiros e avaliar os benefícios

obtidos em funç~ao dos recursos utilizados e dos resultados alcançados.

Em literatura especializada, têm-se mencionado três variáveis principais para a caracterização dum

projecto: dimensão, processo e localização.

Dimensão do projecto

Esta está condicionada pelos factores seguintes:

a) - capacidade operativa, definida pelo volume e qualificação do pessoal necessário, as normas

institucionais e o grau de descentralização existente.

b) - disponibilidade de recursos que determina a viabilidade do projecto. É importante notar que,

em caso de limitações financeiras, um projecto pode realizar-se em etapas, começando por um

tamanho mais reduzido.

c) - área, ou seja, o raio de acção do projecto, pode ser de nível institucional, local, subregional,

regional ou nacional.

d) - O volume da população, pode ser alcançado duma forma progressiva, começando por uma

população reduzida que vai aumentando ao longo da implementação do projecto.

e) - A complexidade dos problemas que devem ser resolvidos determina também a dimensão do

projecto. Muitas vezes, é preferível contar com um conjunto de projectos pequenos ou

intermédios do que com um projecto demasiado complexo.

Processos

Quanto aos processos adoptados para os projectos da educação, uma primeira desagregação é

constituída pela orientação para a educação formal, não formal e informal. Um outro aspecto, pode estar

relacionado com os níveis e modalidades do sistema educativo. Por fim, pode-se fazer referência a diversos

componentes do sistema educativo, por exemplo, o curriculum, tecnologia educativa, formação do pessoal,

administração da educação, planificação da educação, supervisão escolar, etc.

Localização dos porjectos

Dentre os factores determinantes podem se citar: o grau de concentração da população, condições

geográficas, factores institucionais, etc.

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1.4 – O CICLO DE PROJECTOS

A) - Caso geral

Podem-se distinguir três fases no ciclo de projectos:

a) - A fase de pré-financiamento, durante aqual se realizam análises ou estudos que permitem

decidir sobre a execução do projecto. Durante esta fase tem lugar a identificação do projecto, a

formulação do ante-projecto preliminar e do ante-projecto definitivo. Nalguns casos, estes

estudos são designados de pré-viabilidade ou de viabilidade.

b) - A fase de financiamento, durante a qual se põe em execução o projecto, incluíndo todas as

acções que devem ser levadas a cabo para realizá-lo: a negociação do financiamento, os estudos

definitivos, a organização da execução e o arranque da execução do projecto formulado.

c) - A fase de operação ou funcioanmento do projecto, durante a qual, realmente, o projecto começa

a funcionar e a oferecer os serviços para os quais foi concebido.

As diferentes etapas do ciclo de projectos seguidas pelos diversos organismos de financiamento ou pelos

governos, estão compreendidas dentro destas três fases. Contudo, cada entidade financeira, tanto internacional

como governamental, adopta o seu próprio ciclo de projectos.

B) – Caso do Banco Mundial

No caso do Banco Mundial, o ciclo de projectos compreende as seguintes etapas:

a) - Identificação do projecto: que se realiza na base de análises sectoriais ou sub-sectoriais, para a

determinação das necessidades educativas, das alternativas para a solução dos problemas e para

a identificação das componentes e características do projecto.

b) - Preparação ou formulação do projecto: que permite detalhar a ideia do projecto, considerando

aspectos relacionados com o diagnóstico, os objectivos do projecto, os estudos da procura e

oferta educativa, a estimação dos défices que devem ser atendidos, a dimensão do projecto, a

localização do mesmo, as análises técnicas de engenharia (se o projecto comtempla construções,

instalações e equipamentos), o investimento necessário, a programação da operação, as

informações sobre o financiamento e a organização administrativa para a execução do projecto.

c) - Avaliação da preparação do projecto: compreende as análises necessárias para reduzir ao

mínimo as incertezas do investimento e proporcionar os elementos necessários para os reajustes

correctivos ou de reorientação do projecto formulado.

d) - Implementação do projecto: consiste no arranque da sua execução para se alcançar os

objectivos e metas propostos.

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e) - Supervisão: procede à revisão do avanço da execução do projecto, com as correspondentes

recomendações.

d) - Avaliação da execução: que permitr determinar em que medida foram alcançados os objectivos

preconizados e recomendar reorientação ou modificações no projecto.

1.5 – FORMULAÇÃO DE PROJECTOS

Em geral, a metodologia aqui adoptada é uma adaptação da que tem sido utilizada no domínio

económico. A título de ilustração, vamos abordar quatro conjuntos de orientações metodológicas seguidas para a

elaboração dum documento de projecto. No primeiro caso, o esquema metodológico seguido pode ser útil para a

formulaão de projectos que não incluem necessariamente a realizaão de obras físicas (construções e

equipamentos); no segundo e terceiro casos, a formulação de projectos inclui obras civis; e no quarto e último

caso, a formulação de projectos enquadra-se no âmbito da cooperação técnica internacional. Em todos esses

esquemas metodológicos nota-se que há semelhanças, o que quer dizer que qualquer dos quatro esquemas pode

ser utilizado em cada caso com as adaptações necessárias, conforme a natureza do projecto. Importa também

sublinhar que os esquemas metodológicos descritos não representam uma referência rígida, mas sim algumas

linhas gerais de orientação.

Primeiro Esquema: sem construções e equipamentos

1) - Identificação do projecto: Constitui a informação básica sobre a denominação do projecto, sua

codificação, o organismo executor, a duração, o montante total dos recursos e as fontes de

financiamento.

2) - Apresentação: trata-se de descrever, em termos sumários, os propósitos do projecto em estreita

ligação com os objectivos do desenvolvimento da educação, a forma de actuação e as principais

limitações. Nalguns casos também se inclui a atribuição de responsabilidades.

3) - Justificação: procede-se à descrição dos antecedentes que deram origem ao projecto e as razões

que justificam a necessidade do mesmo. Em geral, a justificação dum projecto é elaborada com

base num diagnóstico que apresenta uma visão completa dos problemas encontrados e suas

prováveis causas. Buscam-se as tendências e se realiza um prognóstico, para configurar a

situação futura se não se adoptarem as medidas necessárias para corrigir as distorsões.

Delineam-se as possíveis alternativas de solução dos problemas. É importante justificar os

pontos traçados com base em informações actualizadas e, tanto quanto possível, através de

indicadores.

4) - Objectivos: Devem ser formulados duma forma clara e precisa para especificar o que se

pretende alcançar com o projecto, num dterminado tempo.

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5) - Metas: Traduzem os objectivos em termos quantitativos e/ou qualitativos (descrições). As metas

permitem medir os resultados alcançados pelo projecto. No caso da educação, as ditas metas

podem referir-se aos fluxos dos alunos, aos indicadores de eficiência ao processo e às

especificações sobre os recursos físicos e financeiros.

6) - Resultados esperados: o que se espera durante a execução do projecto ou no seu término. É

importante fixar prazos em que determinados resultados devem ser alcançados. Estes devem ser

expressos duma forma clara e precisa pois são elementos importantes para a avaliação do

projecto.

7) - Características e actividades do projecto: as principais características do projecto incluem as

estratégias adoptadas. As actividades são programadas na base dos objectivos e resultados que

se esperam do projecto utilizando, na medida do possível, as técnicas gráficas.

8) - Organização: a organização dum projecto deve ser estabelecida claramente. Para isso, devem

ser analisadas as normas, os mecanismos administrativos e a distribuição de tarefas e

responsabilidades vigentes, bem como as adaptações necessárias para uma melhor execução do

projecto.

9) - Previsão de recursos: Aqui devem ser considerados os recursos humanos, físicos e financeiros

necessários para a execução do projecto. No que diz respeito aos recursos humanos, deve ser

determinado o número de funcionários necessários, bem como a sua qualificação e

especialização, considerando o tempo e as condições de trabalho e de remuneração. Quanto aos

recursos físicos, devem ser estimadas as necessidades em equipamentos e materiais com um

certo grau de detalhe, tendo em conta os recursos financeiros alocados ao projecto. Os recursos

financeiros devem ser estimados com maior precisão e rigor em relação aos gastos totais, aos

gastos por etapa e às fontes de financiamento.

10) - Seguimento, controlo e avaliação: em geral, a experiência em matéria de avaliação e controlo de

projectos demonstra que a maior parte deles apenas consideram mecanismos de controlo e

avaliação financeira e, nalguns casos, física. Contudo, é importante medir também a eficiência

inetrna dos projecto e qualidade do trabalho.

Segundo Esquema: Com construções e equipamentos

1) - Antecedentes e objectivos: Trata-se da descrição dos antecedentes, características gerais do

projecto, implantação, conteúdo, objectivos e âmbito geográfico. Deve-se dar uma precisão se se

trata dum investimento em novas construções e equipamentos ou se é uma simples ampliação ou

renovação. A indicação dos responsáveis das fases de execução e operação do projecto deve ser

feita nesta etapa. Os objectivos devem ser formulados dentro do contexto da política educativa e

do desenvolvimento global do País.

2) - Estudos da procura e foerta dos serviços educativos: nesta etapa deve-se precisar o tipo de

serviço educativo que é coberto pelo projecto e os resultados que se esperam; as características

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da área de influência, e as análises dos grupos populacionais. O estudo da procura vai permitir

estimar as necessidades educativas que o projecto pretende atingir. Em geral, devem-se incluir

informações educacionais, económicas e demográficas. A análise da oferta deve ser feita

considerando os diferentes componentes do sistema educativo: alunos, professores, salas de

aulas, financiamento, etc.

3) - Tamanho do projecto: o estudo da dimensão deve ter em conta, a justificaão dum tamanho

mínimo económico e as economias de escala, bem como os factores limitantes: procura e oferta

de serviços, disponibilidade de recursos e in-puts, capacidade financeira, capacidade de gestão e

disponibilidade tecnológica.

4) - Localização: o projecto deve indicar claramente a sua zona geográfica, mencionando os locais

de implantação. Em geral, tomam-se em conta os factores ligados aos estudos sobre a procura e

a oferta, os in-puts, as questões institucionais e os aspectos do relevo dos locais seleccionados.

5) - Engenharia: Nesta etapa são tomados em conta todos os aspectos técnicos relacionados com as

construções, instalações e equipamentos. Para isso, devem ser elaborados estudos prévios:

análise das obras civis, detalhe do equipamento, instalações complementares, a vida útil das

obras e dos equipamentos, a programação das obras e a supervisão da execução do projecto.

6) - estrutura e calendário do investimento: o investimento deve ser apresentado duma forma

desagregada considerando: organização e estudos, terrenos, obras civis, equipamentos e outros

gastos. Por outro lado, os recursos necessários devem ser apresentados de acordo com o

calendário de realização do projecto, com maior detalhamento para os primeiros anos de

implementação. O calendário deve prever os recursos financeiros em moeda nacional e

estrangeira.

7) - Programação da operaçã: inclui previsões sobre a finalização e o início da execução do

projecto. Devem ser tomados em consideração os procedimentos operacionais, as necessidades

anuais em in-puts, recursos humanos e as estimações orçamentais, bem como o fluxo de

recursos.

8) - Financiamento: indicam-se as possíveis fontes de financiamento do projecto: estado, empresa,

município, comunidade, doações, créditos internos ou externos. Em caso de empréstimos,

devem-se indicar os respectivos montantes, os prazos de amortização e a forma de pagamento,

os períodos de graça e as taxas de juro.

9) - Organização e adminsitração do projecto: nesta parte, apresentam-se as medidas adoptadas ou

previstas para a organização e administração do projecto, na fase de execução e operação.

10) - Justificação: a justificação pode ser apresentada desde o ponto de vista financeiro ou tendo em

conta os benefícios que esperam alcançar com o projecto: a medida em que contribui para a

diminuição do défice e sua contribuição para a realização das metas e objectivos do sector. Em

suma, o projecto deve ser justificado em função da importância que assume dentro do contexto

dos planos nacionais de desenvolvimento económico e social.

Terceiro Esquema: Banco Interamericano de Desenvolvimento

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Este esquema tem sido utilizado para a formulação de projectos a serem submetidos ao financiamento

pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e compreende as seguintes etapas:

1) - Resumo do projecto: Apresenta-se uma síntese do projecto proporcionando breves informações

sobre o financiador e o executor, o projecto e seus objectivos, o custo total do projecto e o

montante do crédito solicitado, as condições financeiras sugeridas para o crédito solicitado, a

execução do projecto e as necessidades de cooperação técnica. Este capítulo é preparado no fim,

depois de se ter todos os detalhes do projecto.

2) - Marco de referência do projecto: proporciona uma visão geral do sector educacional a nível

nacional, regional e local. Permite estabelecer as relações entre os problemas educacionais e as

soluções que se vêm adoptando para saná-los. Também se apresentam neste capítulo

informações sobre o sistema educativo do País, informações estatísticas e análises dos problemas

e sua relação com o projecto. Ademais, incluem-se informações sobre projectos semelhantes e

operações de financiamento internacional.

3) - Financiador, executor e outras instituições participantes: Apresenta uma visão completa do

marco institucional em que se vai executar o projecto. As informações inclusas no projecto,

referem-se aos aspectos institucionais que permitem avaliar a situação das instituições

envolvidas: aspectos fianceiros e legais para assegurar a correcta utilização dos recursos.

4) - Procura e necessidades: trata-se de dar uma visão clara da procura dos serviços que se procura

satisfazer com o projecto. Em geral, as informações referem-se aos diagnósticos e planos de

desenvolvimento educacional, económico e social. Quando o projecto proposto se destina a

reforçar ou ampliar programas ou projectos de desenvolvimento da educação, procede-se à

avaliação das operações anteriores. Estas informações justificam o tamanho do rpojecto.

5) - O projecto, seus custos e financiamento: nesta etapa deve-se apresentar informações sobre o

projecto, suas componentes, seus custos e sua importância tanto a nível nacional, como regional

e local. Em relação ao projecto, devem-se indicar seus objectivos e metas, a descrição técnica

das suas componentes, duração, programas de desenvolvimento institucional, programas de

obras civis, programas de aquisição de equipamentos, programas de incremento do pessoal e

problemas técnicos específicos, soluções técnicas e justificação da solução adoptada e prinicpais

beneficiários. Em relação aos custos do projecto, registam-se as informações sobre as bases e

critérios dos custos, as categorias de investimentos, a identificação e quantidade de bens e

serviços, os custos de construção, instalação e equipamentos, quadros-resumos dos custos do

projecto, escalonamento dos custos e os recursos para cobrir os imprevistos. Quanto ao

financiamento do projecto, deve-se sublinhar o investimento por cada categoria e sub-categoria,

considerando o financiamento externo e nacional, os calendários dos investimentos e dos

desembolsos, os investimentos realizados com recursos locais, as condições financeiras, etc.

Adicionalmente, devem-se agregar informações sobre as actividades de cooperação técnica

necess’arias para a execução do projecto, incluindo as consultorias internacionais e nacionais, a

13

capacitação do pessoal local, organização de cursos locais. Se possível, devem-se incluir

informações sobre aspectos ecológicos e ambientais.

6) - Execução do projecto: nesta etapa, estudam-se as previsões sobre a execução, supervisão e

operação do mesmo, apontando a unidade executora do projecto, as entidades responsáveis da

operação, os estudos e desenhos realizados, a situação dos terrenos, bem como, de forma

pormenorizada, a programação da execução do projecto. Também se incluem nesta etapa, as

informações sobre os investimentos anteriores, bem como eventuais problemas que podem sugir

durante a execução do projecto.

7) - Projecções financeiras: as informações contidas neste item devem demonstrar que é possível

atender os compromissos financeiros derivados da execução e operação do projecto. As

projecções financeiras anuais realizam-se por um período de dez anos para o projecto, o

mutuário e o executor e por um período de qutro anos (ou período de desembolso do

empréstimo) para a contrpartida local do projecto. Os comentários às projecções devem referir-

se ao impacto do projecto nos resultados e na situação financeira, à capacidade e

disponibilidade de fundos para financiar a contribuição local e para atender ao serviço da

dívida resultante do empréstimo solicitado e ao pagamento das dívidas existentes, bem como as

medidas de carácter financeiro para assegurar a adequada execução da operação do projecto e

garantir a conservação das obras, uma vez executado o projecto.

8) - Avaliação sócio-económica: neste item devem ser apresentadas informações que permitam

apreciar os benefícios sociais e/ou económicos que se espera alcançar com o projecto, em

conexão com os esforços económicos necessários para executá-lo. Neste capítulo, são

considerados os aspectos macro-económicos sobre a população potencial dos beneficiários, as

características sócio-económicas das mesmas e a infraestrutura económica e social

complementar. Por outro lado, a procura social, para demonstrar que o projecto está em

conformidade com os planos globais e sectoriais e oferece oportunidades à população

desfavorecida. Poderia incluir, os mecanismos de selacção e orientação dos estudantes e

informações sobre a eficiência interna e externa; colaboração com os sectores productivos,

informação específica para a justificação dos objectivos e avaliação do impacto sócio-económica

do projecto.

Quarto Esquema: Cooperação técnica internacional

1) - Objectivos de desenvolvimento: objectivos de desenvolvimento sectorial ou multisectorial aos

quais deve contribuir o projecto.

2) - Objectivos imediatos: são os que o projecto pretende alcançar durante a sua execução.

3) - Origem e justificação do projecto: as informações sobre a origem descrevem o contexto no qual

se situa o projecto, a justificação indica as razões da existência do mesmo, bem como as funções

efectivas que deve cumprir na realização dos objectivos de desenvolvimento.

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4) - Resultados esperados: são os que se devem alcançvar durante a execução do projecto, através

da realização das suas actividades.

5) - Actividades: realizam-se através do pessoal do projecto.

6) - Recursos: inclui descrições sobre: o pessoal do projecto, escritórios para o funcionamento do

projecto, equipamentos e outros materiais necessários, o pessoal estrangeiro, os bens e serviços

com apoio externo.

7) - Plano de operações: que se apresenta, o começo e o fim de cada actividade, sob forma de

calendário e dum cronograma.

8) - Marco institucional: que toma em consideração o organismo nacional de execução do projecto e

os mecanismos de relação entre o projecto e os diferentes serviços envolvidos.

9) - Gestão e avaliação do projecto: Estão inclusas nesta etapa as revisões tripartidas e as revisões

técnicas, a avaliação e os relatórios periódicos.

10) - Orçamentos: que dizem respeito tanto ao financiamento do Governo, como à agência

internacional de financiamento.

1.6 - ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DO PLANO

Como já tivémos ocasião de demonstrar, em aulas e módulos anteriores, o desenvolvimento dos

sistemas educativos, muitas vezes, obedece a planos , programas e projectos, cuidadosamente

desenhados, tendo em vista alcançar objectivos e metas bem definidos, seguindo determinadas

políticas estratégias, ao longo dum certo período. Em geral, esses planos e programas exigem

uma avultada soma de dinheiro, tempo e outros recursos. Por isso, a sua eficácia e impacto

constituem uma preocupação permanente dos políticos, planificadores e administradores. Por

conseguinte, a avaliação do plano e de seus programas ao longo e no fim da sua execução é uma

tarefa muito importante.

1.6.1 - A avaliação no processo de planificação da educação

a) - Objectivos da avaliação

A avaliação é simultaneamente a última e primeira etapa do processo de planificação. Isto quer

dizer que, através da avaliação, o processo de planificação adquire um sentido de continuidade.

A avaliação é um processo através do qual se analisam, duma forma crítica, os resultados

alcançados e se apreciam ou se medem objectivamente o desenvolvimento das actividades,

dentro do contexto dos objectivos previamente determinados. Do ponto de vista metodológico,

existem dois objectivos principais da avaliação:

a.1) - retroalimentar o processo de planificação, isto é, analisar, medir ou apreciar

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* - o impacto do sistema educacional no sistema sócio-económico, através da análise da

contribuição da educação para a melhoria das condições de vida das populações e para

satisfazer as necessidades em recursos humanos qualificados.

* - a eficiência do sistema educacional, os aspectos quantitativos e qualitativos do processo

educacional dos diversos níveis e modalidades. A eficiência está relacionada com as

metas, considerando os factores endógenos do sistema educativo e adequação do

produto deste às necessidades económicas e sociais. Alguns indicadores a utilizar, dizem

respeito à evolução das matrículas, por níveis e modalidades da educação, as taxas de

repetência, abandono e aprovação, os perfis dos graduados em função das necessidades

do mercado do trabalho, o custo unitário e o custo por graduado, etc.

* - O impacto no sistema educativo dos recursos utilizados, considerando a diversidade das

fontes, de níveis e modalidades do mesmo e as componentes do processo educacional

(curriculum, formação de professores, etc.). Por exemplo, o impacto dos investimentos

sobre o nível de escolarização; os resultados da renovação dos processos da

aprendizagem na melhoria da qualidade da educação.

* - O grau de implementação dos planos, programas e projectos e os problemas que se

apresentam durante a sua execução. Por exemplo, os mecanismos de execução, a

utilização dos recursos alocados, etc.

a.2) - Estabelecer um processo de planificação contínuo e permanente, isto quer dizer que,

através da avaliação obtêm-se informações sobre os desvios significativos que se

observam, as suas causas, as acções correctivas que devem ser introduzidas para

assegurar a realização dos objectivos e metas do plano. Portanto, neste caso, num

entendimento mais vasto, a avaliação é feita sobre os planos, programas, projectos,

orçamentos, o impacto da educação no desenvolvimento económico e social, etc. Este

processo de avaliação, duma forma mais restrita, pode incidir sobre os próprios

instrumentos do processo de planificação, em particular, sobre a execução dos

programas, projectos e orçamentos.

Características: Em ambos os casos, o processo de planificação deve apresentar as seguintes

características:

* - considerar a realidade educacional dentro do contexto do desenvolvimento económico e

social – medir ou apreciar o impacto das mudanças educacionais para se alcançar o

desenvolvimento global do país;

* - utilizar uma linguagem comum: - seja qual fôr o grau de desagregação da informação,

de modo que possam ser coerentes os resultados e as acções correctivas;

* - estabelecer mecanismos de participação dos diferentes actores do sistema educacional,

para fortalecer o processo de avaliação;

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* - utilizar estudos e investigações específicas que permitam melhorar os resultados do

processo de avaliação;

* - proporcionar informações significativas, fiáveis, oportunas e suficientes. A significação

é em função dos principais problemas e aspectos que devem ser avaliados; a fiabilidade

deve ser baseada em critérios objectivos; a oportunidade ‘e para favorecer a tomada de

decisões em momentos precisos e a suficiência é no sentido de que a avaliação se basea

em informações necessárias, em termos de quantidade e de qualidade.

Níveis de avaliação

A avaliação dos planos, programas e projectos do sistema educativo pode ser realizada

a vários níveis: nacional, provincial, local e institucional. A determinação dos níveis de

avaliação depende, em grande medida, do grau de descentralização do processo de

planificação da educação. Em cada um destes níveis, os objectivos que se perseguem

dentro do processo de avaliação são diferentes.

A nível nacional, por exemplo, o marco conceptual, os critérios e os indicadores de

avaliação dão ênfase aos aspectos relacionados com o funcionamento do sistema

educativo, sua relação com o desenvolvimento económico e social e a implementação

dos planos, programas e projectos considerando-se, fundamentalmente, os objectivos e

metas.

A nível local e institucional, tem em conta aspectos de detalhe da execução das

actividades programadas e do seguimento da utilização dos recursos, em função dos

objectivos previstos.

A nível provincial ou regional, a avaliação tende a utilizar indicadores que facilitam a

comparação dos resultados obtidos a nível local e que permitam uma apreciação a nível

nacional.

1.6.2 - OS TIPOS DE AVALIAÇÃO

a) - A avaliação prévia ou de factibilidade

A avaliação prévia é uma análise da coerência e consistência da formulação do plano,

ou seja, trata-se de avaliar a factibilidade do plano: se os objectivos foram

adequadamente formulados, se respondem aos problemas encontrados durante o

diagnóstico, se as metas, programas e projectos correspondem aos objectivos do plano e

se será possível a sua execução em função da disponibilidade de recursos, a capacidade

administrativa e outros factores endógenos e exógenos.

Nos factores endógenos consideram-se, principalmente, os aspectos demográficos,

sócio-culturais, sociais, políticos, administrativos, económicos, ecológicos ou ambientais

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na medida em que influenciam o desenvolvimento do sistema educativo. Estes

elementos são estudados na fase do diagnóstico do sistema educativo.

Os factores internos referem-se aos elementos contidos no plano. A avaliação prévia

trata de analisar a consistência interna do mesmo, isto é, se os objectivos estão

correctamente formulados e se as metas, programas, projectos estratégias definidas

permitirão alcançar os objectivos previstos. Em geral, a análise da consistência interna

centra a sua atenção nos fluxos das matrículas dos diferentes níveis e modalidades do

sistema educativo, nas mudanças que o plano propõe e os requisitos que vão tornar

possíveis essas mudanças, na disponibilização de recursos financeiros e humanos e na

capacidade administrativa para se executar o plano.

b) - A avaliação de acompanhamento

Esta avaliação tem lugar durante a execução do plano. Em termos operacionais, trata-se do

acompanhamento da execução do plano na medida em que se analisam os avanços realizados no

cumprimento da programação, de modo a ter informações que permitam corrigir so desvios ou

distorsões. Este tipo de avaliação deve ser feito duma forma contínua, de modo a tornar possível

a tomada de medidas correctivas, tendo em vista uma adequada implementação do plano. Esta

avaliação pode ser feita em relação ao plano, no seu todo, ou considerando apenas, duma forma

desagregada, alguns programas, projectos ou actividades.

A avaliação de acompanhamento deve, em primeiro lugar, identificar os elementos chaves ou

críticos, tendo como base os diferentes aspectos mencionados anteriormente. Em segundo lugar,

deve-se elaborar os instrumentos de avaliação e colectar a informação necessária. Em terceiro

lugar, deve-se analisar a informação para se formularem as medidas correctivas. Podem ser

elaborados três tipos de relatórios da avaliação:

* - Os relatórios específicos que apresentam uma avaliação de determinados aspectos

considerados relevantes e que surgem ao longo da execução. Por exemplo, a avaliação da

situação do analfabetismo, a educação nas áreas rurais, a avaliação da implementação da

reforma educativa.

* - Os relatórios periódicos: trimestrais ou semestrais que propõem recomendações para

uma nova programação das actividades e metas do plano.

* - Os relatórios finais: que é uma avaliação global da implementação do plano,

considerando os resultados das informações periódicas.

c) - A avaliação posterior

A avaliação posterior coincide com a fase final da avaliação de acompanhamento e trata de

analisar as realizações, problemas, dificuldades e incoerências registadas durante a

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implementação do plano, para melhorar os planos seguintes. Portanto, a avaliação posterior

centra a sua atenção nos resultados da execução do plano para o desenvolvimento da educação e

no impacto desta no desenvolvimento económico e social. Compara-se o que foi executado com o

que foi planificado. Esta avaliação posterior pode perseguir os seguintes objectivos: impacto da

educação no sistema sócio-económico; eficiência do sistema educativo e recursos utilizados pela

educação.

1.6.3 - O PROCESSO DE AVALIAÇÃO

O processo de avaliação considera as seguintes oito fases:

* - Formulação ou reformulação de políticas, plano, programa, projecto e orçamento.

* - Determinação dos objectivos e níveis de avaliação

* - Selecção de indicadores

* - Elaboração de critérios de avaliação

* - Elaboração de indicadores

* - Medição e análises de avaliação

* - Formulação de recomendções

* - Tomada de decisões.

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2 - A EDUCAÇÃO E A GLOBALIZAÇÃO

2. 1 AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA GLOBALIZAÇÃO

A globalização é um dos temas que tem sido muito badalado nos últimos tempos. Ela é uma combinação da liberalização das trocas comerciais de bens e serviços e do movimento de capitais. O fenómeno começou há muito tempo ao longo da história: lembremo-nos da rota da seda na Idade Média; a revolução industrial na segunda metade do séc.XIX, reforçada pela exploração colonial e mais recentemente (1947), os acordos comerciais ineternacionais conhecidos por GATT. Mas é nos últimos anos que se tem observado uma tendência para maior aceleração deste fenómeno caracterizada por três factores: a expansão do liberalismo económico, a aceleração das inovações tecnológicas, sobretudo no domínio das comunicações e a interdependência destes três factores.

Carnoy (1999), na sua publicação intitulada “Globalisation and education reform: what planners need to know”, sublinha que as telecomunicações e as tecnologias de informação transformaram profundamente a natureza da economia mundial. As novas tecnologias alteraram não só a maneira como enviamos e recebemos as informações, mas também a natureza do próprio trabalho e as relações sociais dentro e fora do trabalho. A nova economia mundial afecta Estados e nações de diferentes maneiras, dependendo da sua relativa posição e força para influenciar as mudanças globais. Para muitos países da África Sub-sahariana, as forças da globalização exacerbaram as características existentes sobre as inequidades, não apenas entre países mas também dentro dos países, com uma pequena elite a tornar-se parte dessa nova comunidade global e uma maioria que continua excluída.

A - AS TRÊS DIMENSÕES DA GLOBALIZAÇÃO

A.1 - A dimensão económica e financeira

Antes de mais nada, a globalização é um fenómeno económico que domina todo o planeta no seu conjunto. Inicialmente, este fenómeno tinha uma dimensão geográfica: no séc.XIX, as actividades económicas se localizavam principalmente nos países em vias de industrialização (Reino Unido, França, Alemanha e alguns estados dos EUA) e nas zonas periféricas. Hoje, milhões de chineses, indianos, russos e italianos trabalham no seio duma economia globalizada. Agora, este fenómeno tem uma dimensão qualitativa: se no passado, apenas os bens e serviços e capitais atravessavam as fronteiras, hoje é o conjunto dos factores de produção que se transacciona: as tecnologias, os meios e as normas de produção, a mão-de-obra e, sobretudo, com a desregulação, os fluxos financeiros. A economia dispõe hoje dum espaço económico planetário que diz respeito aos mercados de bens e serviços, do trabalho e de capitais. Todas as teorias económicas, as estratégias de empresas e, mesmo as políticas económicas, devem tomar em consideração todos os aspectos desta evolução.

A.2 - A dimensão científica e tecnológica

A aceleração do ritmo das inovações científicas e tecnológicas nos domínios da comunicação, da biotecnologia, da micro-electrónica é significativa na dinâmica da globalização. Com efeito, as inovações tecnológicas facilitam as trocas, aceleram a produção, permitem a rápida difusão no planeta do conjunto de ideias e todo o tipo de bens. Os progressos tecnológicos feitos no domínio das comunicações são revolucionários. Lá onde eram necessários dias, infraestruturas pesadas e onerosas, agora são necessarios apenas cêntimos de segundos para qua as imagens e as mensagens atravessem os oceanos. Esta nova sociedade de comunicação oferece aos seus utentes múltiplas escolhas quanto á forma da informação. Cada um pode ter acesso no momento em que deseja, onde quer que esteja e escolhe o momento em que quer compartilhar essa informação com quem quiser.

A.3 - A interdependência das dimensões da globalização

A principal característica da globalização, é a interdependência destas diferentes dimensões. As inovações tecnológicas permitem acelerar os movimentos de capitais ao ponto de se criar um mercado de bolsas que funciona duma forma

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contínua o que aumenta o volume de capitais, o que chega a fragilizar grandes regiões económicas. A multiplicação dos fluxos económicos e a mobilidade dos factores de produção conduzem, inevitavelmente, à interdependência crescente das nossas sociedades. Finalmente, todos este factores criam um processo de integração que conduz a um mundo globalizado, uma sociedade planetária que deve produzir novas formas de organização social e produzir novos conhecimentos e práticas. Este ritmo acelerado é imposto a todos os actores públicos e privados que devem estar em constante adaptação se pretendem estar à altura da evolução global.

B - AS CONSEQUÊNCIAS DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE A ORGANIZAÇÃO SOCIAL

As características da globalização têm grandes consequências sobre a organização das sociedades humanas e são estas consequências que nos obrigam a repensar as necessidades das nossas sociedades e os meios de dar respostas às mesmas.

B.1 - As consequências geopolíticas

A multiplicação dos fluxos atravessam o mundo tende a tornar as fronteiras mais fluídas. Ora, as fronteiras, por definição, desenham o território dentro do qual se impõe o Estado-Nação. A partir do momento em que as fronteiras perdem a sua pertinência, a capacidade de acção do Estado e dos seus representantes experimenta uma grande erosão. É por esta razão que se pode observar uma redução importante das margens de manobra dos governos emm matéria de política industrial, monetária e fiscal. Mesmo as políticas sociais dependem da conjuntura mundial e das necessidades do mercado. Por conseguinte, aparecem três novos níveis de organização política. A nível supra nacional, os Estados transferem uma parte da sua soberania às entidades regionais (MERCOSUR, SADC, etc.) que gerem os domínios económicos, sociais ou políticos. A nível infra nacional, as entidades regionais concorrem com o Estado, cujos poderes, muitas vezes, são reforçados pelas medidas de descentralização. A nível nacional, o Estado deve tomar em conta os interesses privados das sociedades transnacionais cuja expans~ao foi necessária para favorecer a competitividade da economia nacional. A estes três níveis, a sociedade civil emerge duma forma ielutável como um actor primordial para a definição da organização social: as ONGs, enquanto que parceiros e interlocutores essenciais das organizações internacionais, as associações no seio das sociedades que tomam em conta as necessidades da população.

B.2 - As consequências culturais

Ao nível cultural, a globalização produz dois fenómenos contraditórios: uma standardização e uma diversificação. A padronização dos hábitos alimentares, indumentários, dos meios de produção, dos bens de consumo, o que torna as condições de vida das sociedades mais similares. Por outro lado, a diversificação procura preservar as múltiplas facetas da sociedade, favorecendo o acesso à diversidade de elementos do património mundial. Face à força da onda da uniformização dos modos de vida, das linguagens de comunicação moderna, dos sistemas culturais, as resistências organizam-se no domínio político, para preservar as identidades e para defender os direitos das minorias e as excepções culturais. Contudo, estas resitências permanecem fracas face às mudanças introduzidas pelos novos modelos dominantes e pelas redes de comunicação. Então, a luta pela preservação das identidades corre o risco de tomar uma forma agressiva e violenta. Os progressos da globalização parecem gerar uma reacção que poderíamos chamar de esquizofrenia social e de sentimentos de tristeza ou de solidão individual dentro dum mundo antagónico, mais injusto e mais dividido. Finalmente, a globalização tende a encorajar a emergência de sociedades cada vez mais isoladas, que se refugiamnas pertenças tradicionais, locais, regionais, étnicas ou religiosas, reforçando, deste modo, os processos de resistência à uniformidade e à padronização.

B.3 - A segmentação dos países e das sociedades

Os fenómenos ora apresentados afectam o conjunto do planeta. Mas isso não quer dizer que os países vão todos reagir da mesma maneira. A globalização é marcada pela emergência de três tipos de actores: os que globalizam, os que são globalizados e os que são excluídos da/e pela globalização. Os que globalizam possuem a totalidade do capital, dos recursos, dos conhecimentos e do controlo da informação. Os que são globalizados são trabalhadores e consumidores, pobres em informação e conhecimentos. Os que são excluídos da/ e pela globalização têm pouco ou não têm acesso à informação e aos saberes; não têm peso como consumidores e nem qualquer papel na produção.

2. 2 - A GLOBALIZAÇÃO E A EDUCAÇÃO: algumas precauções a tomar

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Quando se estuda os efeitos da globalização sobre as reformas eas mutações da educação, não se deve ignorar que, salvaguardando algumas raras excepções, ao nível da turma, da escola e do conjunto do processo educativo, esses efeitos não são muito perceptíveis.

A razão principal reside no facto de que quase que não há relações entre as instituições da educação e as outras instituições sociais mais directamente afectadas pela globalização como o sector bancário e financeiro, os transportes e comunicações, as indústrias culturais, os média, a produção e comércio dos bens e serviços. Contudo, algumas das perturbações havidas no mercado financeiro tiveram repercussões desastrosas nos sistemas educativos, tal como teve a deterioração do termos de troca.

É difícil prever os efeitos da globalização nas reformas dos sistemas educativos porque a educação comporta uma multitude de componentes interdependentes, e a mais pequena perturbação pode ter grandes repercussões no conjunto do sistema. Contudo, toda a consideração sobre as consequências da globalização deve expressa com humildade e modéstia; pois implica dúvidas e cepticismo. Por isso, aqui seguem algumas precauções a tomar:

* - Pelo menos, existem duas formas de apreender os efeitos da globalização na educação. A primeira, até que ponto os sistemas educativos são modelados pela globalização? Que transformações a globalização vai impôr à educação nos próximos anos? A segunda, que políticas públicas poderão ser adoptadas para se ter em conta os efeitos da globalização? As políticas devem considerar a globalização como uma tendência inevitável e à qual a sociedade se deve adaptar? O objectivo duma reforma da educação deve tomar em consideração as consequências sociais positivas da globalização e daí procurar tirar benefícios, mas procurando controlar os efeitos negativos?

* - sobre o primeiro ponto, em todas as épocas e em todas as sociedades, qualquer que seja o seu nível de desenvolvimento, diferentes sistemas de educação puderam coexistir: condições boas ou más de escolarização, sistema pedagógico tradicional ou baseado na alta tecnologia, diversas estratégias de aprendizagem que vão desde a base da memorização até ao ensino centrado na criança. Quando se fala da relação entre a educação e a globalização apenas se se refere às áreas tocadas por este fenómeno. O sector da educação é caracterizado por ser muito inerte em relação às mutações. Por seu turno, a globalização exprime-se por tendências que evoluem muito rapidamente. Portanto, pode-se estimar que: existe uma inadequação e uma grande contradição entre os efeitos esperados na educação e as transformações actuais que ela impõe ao sector; a definição das das mutações esperadas e das reformas propostas para a educação, num mundo cada vez mais globalizado não é uma simples visão prospectiva, mas devia ser considerada como um elemento que, desde já, devia ser tomado em consideração nos programas das políticas educativas contemporâneas.

* - Sobre o segundo ponto, tudo depende das suposições que se podem emitir sobre o futuro da globalização. As tendências actuais vão-se prolongar pacificamente e por quanto tempo? Não irão gerar resitências e problemas políticos e sociais?

2.3 - A REFORMA DA EDUCAÇÃO

Neste capítulo, vamos deixar de falar da evolução que é desejável ou que é provável da globalização. Estimando queas tendências actuais da globalização vão durar e que as suas consequências serão geríveis, foram seleccionados cinco domínios de interesse para os decisores da educação e são propostos pontos de vista normativos ou prescritivos sobre a maneira de apreendê-las. Os referidos cinco domínios são os seguintes: as finalidades da educação,a estrutura dos sistemas educativos, os professores, a certificação e o papel dos governos e doutros actores envolvidos.

A - AS FINALIDADES DA EDUCAÇÃO: os novos acentos

A.1- O que a globalização acentua

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a) - a perda dos marcos individuais : a nação, a família e o trabalho são as principais instituições que favorecem a coesão social. A globalização é a principal causa do seu enfraquecimento e contribui para se produzir indivíduos stressados que não estão preparados para enfrentar os desafios da vida, e que não acreditam mais na sociedade e nem no seu futuro.

b) - a fragmentação das sociedades: embora alguns elementos da globalização tenham permitido algumas sociedades acelerarem o seu desenvolvimento, o mundo globalizado continua muito desigual. A globalização traz consigo a exclusão, acentua as desigualdades económicas e sociais e o desaperecimento dos sentimentos de solidariedade universal. Por isso, as reflexões sobre as finalidades da vida são ocultadas pelas preocupações puramente económicas.

c) - a participação desigual no desenvolvimento das sociedades: esta é muito inquietante no nível económico. Hoje, o trabalho é o factor número um da integração social, mas o mundo do trabalho conhece uma mutação fundamental e irreversível. O conceito de trabalho compreende duas realidades bem distintas: por um lado, o trabalho como modalidade de fazer e de agir e, doutro lado, o trabalho como forma de emprego e considerado principal factor de inserção social. As transformações actuais abrangem as duas realidades, mas duma forma contraditória: o trabalho-emprego é um produto cada vez mais raro, o que contribui para excluir uma grande parte da população, tanto da produção, como do consumo; pelo contrário, o trabalho-acção tende a tomar formas heterogéneas e necessárias na sociedade civil. Portanto, é preciso aceitar que o trabalho-emprego não será única forma de inserção social.

A.2 - O que devemos acentuar

A globalizaçãonão é uma revolução radical que vai transformar completamente a educação: a sua acção é de acentuar algumas tendências. Lembremo-nos de que a educação terá sempre como papel inculcar os elementos fundamentais da aprendizagem, tais como a leitura, o cálculo, o saber fazer e o desenvolvimento de competências. Portanto, tudo o que contribui para o homem se comunicar com o mundo exterior e tudo o que contribui para o homem integrar a sua colectividade. Mas, para além disso, para fazer face à globalização, outras finalidades são indispensáveis e constituem a base para uma reforma educativa.

a) - Abrir os horizontes do indivíduo : a sociedade deve ter como finalidade a abertura de horizontes de cada um e de todos. Mas num mundo em constante mutação que produz valores efêmeros, o indivíduo será levado a encontrar os seus próprios meios de referência. Portanto, é imperativo que ele se emancipe psicologicamente e economicamente das formas de actividades esteriotipadas e previsíveis e ganhar o gosto da improvisação, da invenção e da descoberta. Para isso, a escola deve dar ao indivíduo a capacidade de adquirir saberes e competências úteis e a aptidão de interpretar os novos valores, o que lhe permitirá adaptar-se continuamente à evolução do seu meio. Sem este esforço pelo reforço da autonomia individual, a dignidade da pessoa humana será ameaçada pelas múltiplas influências que vêm substituir as referências tradicionais.

b) - Reconstruir a relação social: é através da educação, na escola e nos meios da educação não-formal, que se aprende o desejo e prazer de viver em conjunto, por meio da aprendizagem do trabalho em equipe, pela aprendizagem da escuta de outrém e pela compreensão do meio económico, mas sobretudo, social e político, seja a nível nacional ou a nível mundial. A educação deve ser o catalisador do desejo de viver em conjunto no seio da ”mesma aldeia planetária”, pela aprendizagem dos valores universais tais como a tolerância e os direitos do Homem, pelo respeito dos outros e do seu próprio meio, pela busca dum equilíbrio entre a colectividade e o indivíduo, bem como entre a comunidade e a pessoa pertencente à mesma.

c) - Assegurar uma sociedade produtiva: o trabalho exige pessoas talentosas, criadoras e cooperativas. A educação, como qualquer instituição social, deve permitir a instauração duma sociedade produtiva, na qual todos os seus membros estão associados à produção e ao consumo. As políticas de luta contra a exclusão e de reconstrução da coesão social não podem, agir unicamente através da aprendizagem de conhecimentos de base que podem servir de ponto de partida para a formação contínua, mas devem

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também contribuir para reforçar a autonomia individual, preparando para uma vida em constante evolução onde o trabalho-emprego não é mais o único factor a dar um estatuto social. Por exemplo, um indivíduo deve ser capaz de gerir um ano sem trabalho-emprego estável e, nessa altura, servir-se da oportunidade para uma formação permanente, para uma actividade na vida associativa no seio da comunidade, portanto, toda uma outra forma de trabalho-acção, sinónimo de utilidade social, de reconhecimento e de identidade. Finalmente, num mundo cada vez mais globalizado, a definição das finalidades da educação indica-nos que elas estão ligadas à adaptação na vida em sociedade e isto leva-nos a dizer que é na cooperação com outras instituições sociais que as da educação devem realizar esses objectivos.

B - REPENSAR AS ESTRUTURAS

Reforçar a liberdade individual, reconstruir as relações sociais e dar a todos oportunidades para participar no desenvolvimento são as principais finalidades da educação. Esta deve contribuir para redinamizar uma sociedade cujos cidadãos vão partilhar os valores, as ambições e os projectos para a comunidade, os países e o nosso planeta.

B.1 - As novas exigências

a) - Uma sociedade de cidadãos: construir uma sociedade de cidadãos autónomos, produtivos, participativos e responsáveis vai impôr a reconsideração da repartição das tarefas entre os diferentes níveis e tipos de educação. A educação de base, tal como foi encorajada na Conferência Mundial em Jomtiem (1990), continuará a ser o desafio principal e a prioridade de todos os responsáveis políticos e, em particular, dos que gerem o sector da educação.

b) - Uma estrutura tradicional caduca: Tradicionalmente, deixando de lado o ensino pré-escolar, encontramos em todos os sistemas educativos uma estrutura composta por três níveis:

* - Uma educação primária ou de base para aprender alguns rudimentos introdutivos de vários elementos (leitura, escrita e aritmética);

* - Um ensino secundário alargando as diferentes disciplinas de estudos, constituíndo uma primeira charneira entre os outros dois níveis que preparam os alunos ou para prosseguirem estudos superiores ou para o ensino profissional que lhes prepara para o ingresso imediato no mundo do trabalho;

* - Um ensino superior com a tarefa de formar quadros superiores da nação (engenheiros, pesquisadores, etc.). Esta triologia tradicional perde a sua pertinência num mundo cada vez mais global que tem necessidade de cidadãos melhor formados. Por isso, podemos considerar dois cenários: um abandono progressivo do ensino secundário ou a sua integração na educação de base; e uma redistribuição de tarefas entre os três níveis da educação. Mesmo se os quatro pilares da educação definidos pela Comissão presidida por Jacques Delors (aprender a ser, aprender a aprender, aprender a fazer e aprender a viver em conjunto) são aplicáveis a todos os níveis da educação, é preciso definir finalidades específicas de cada nível.

c) - As missões da educação de base : A globalização implica uma multiplicação de tarefas imputadas à educação de base. O mundo globalizado necessita duma sociedade composta de cidadãos capazes de reagir e de reflectir duma forma autónoma às evoluções contemporâneas. Estas competências devem ser adquiridas por todos os cidadãos, ao mesmo tempo que os elementos fundamentais da aprendizagem: ler, escrever e contar. Portanto, vai competir à educação de base a tarefa de construir a cidadania no seia da aldeia planetária. Para que este nível seja o “passaporte para a vida”, deve dar às crianças a oportunidade de aprender a ser, aprender a aprender, aprender a viver em conjunto, apoiando-se tanto na escola, como nos múltiplos recursos educativos da vida.

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d) - O Ensino superior: missões tradicionais e novas funções sociais – as tarefas tradicionais do ensino superior devem ser adaptadas às novas exigências impostas pela globalização: exigência do Estado que, muitas vezes, tem falta de quadros com fortes capacidades de adaptação às mudanças; exigências também das empresas que têm necessidade de técnicos, engenheiros e gestores capazes de preencher as novas funções e que estejam prontos a adaptarem às inovações. Para responder às necessidades da sociedade, a Universidade não pode ser depositária do conservadorismo político. Ela deve estar na vanguarda. A Universidade deve ser uma arena para o debate, gerar e desenvolver teorias novas, analisar os problemas económicos e sociais, com uma neutralidade política e um rigor científico. Mas, ao mesmo tempo, a Universidade deve dar a todos os cidadãos a possibilidade de se auto-formarem, dentro dum objectivo de formação permanente, e dar a sociedade a ocasião de aprender a enfrentar os seus próprios desafios e resolver os seus problemas.

e) - O ensino secundário: resolver o velho dilema entre um ensino preparatório e um ensino terminal - Entre uma educação de base reforçada, enriquecida com objectivos ambiciosos e um menu abundante de missões, e um ensino superior dotado de responsabilidades tradicionais renovadas e de novas funções sociais, o ensino secundário já não pode desempenhar mais o papel de preparação para o ensino superior aos estudantes bem sucedidos, e nem o papel de transição para o mundo do trabalho em relação aos estudantes mal sucedidos. No contexto duma formação ao longo de toda a vida, cada nível deve ser uma preparação e no da globalização, cada nível deve ser considerado terminal. O ensino secundário deve ter a prioridade de preparar o indivíduo a cuidar da sua própria formação permanente, o que permite o desenvolvimento de competências necessárias para a economia e para a sociedade. Portanto, o ensino secundário deve estar próximo das realidades do mundo de trabalho e fornecer uma formação profissional e técnica. Deve incluir a aprendizagem das principais línguas, civilizações e culturas; novas tecnologias de informação e comunicação, bem como os métodos de pesquisa, selecção e análise crítica da informação.

C - ENSINAR

C.1 - Como ensinar num mundo em mudança?

a) - Uma profissão criticada e com concorrentes : Hoje, existem cerca de 60 milhões de professores no mundo. O recrutamento massivo ocorrido, foi realizado com recursos públicos limitados (devido a políticas de ajustamento estrutural decididas em detrimento de políticas sociais) que nem sempre encontraram candidatos de qualidade. A função docente encontra-se desvalorizada. Devido a baixos salários e a más condições de trabalho, a moral e motivação dos professores deterioraram-se. Mas, hoje o professor enfrenta uma forte concorrência no seu próprio domínio. O surgimento dos serviços de informação e das novas formas de comunicação retirou ao professor a sua qualidade de provedor exclusivo do saber. Por isso, ensinar e aprender já não são competências exclusivas e reservadas á profissão docente, mas estão abertas a outros actores públicos e privados. As novas teorias de aprendizagem remetem em questão a capacidade de ensinar de muitos professores que ainda recorrem a métodos tradicionais, o que torna o seu ensino obsoleto. O aparecimento de novas formas de aquisição do saber e dos novos sistemas de difusão de conhecimentos ameaçam seriamente a profissão. Os multimédias, (dentre os quais os CD-ROM), propõem novas formas de aprender, por si próprio, e a seu próprio ritmo. Alguns advogam a possível disparição desta profissão; mas, isso é pouco provável que aconteça. Contudo, é imperioso que a profissão evolua de tal forma que esteja à altura das novas exigências.

b) - Mais responsabilidades : a globalização, ao enfraquecer o Estado através de medidas de descentralização do poder a favor das entidades locais, duma forma indirecta, dá novas responsabilidades ao professor. Na educação a descentralização traduz-se por um deslocamento do poder de tomada de decisões do centro para as colectividades locais, os directores das escolas e para o professor, enquanto gestor da sua aula. Mas se o professor não está suficientemente preparado para fazer face a este novo desafio, o futuro das reformas que a escola necessita estará comprometido.

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c) - As novas competências: a globalização, a par com o surgimento das novas tecnologias de informação e comunicação, impõe aos professores a aquisição de competências complementares.

C.2 - O professor e o futuro

a) - Um problema de base: formar 60 milhões de professores – Como reciclar 60 milhões de professores, sabendo que a sua formação de base é muito desigual e que nem todos tiveram acesso a um centro de formação contínua? Este é um grande desafio.

b) - Um profissional e um gestor – a profissionalização da função implica que as directivas metodológicas e as regras dêm lugar uma autonomia orientada para objectivos claros e para uma ética que impeça as práticas contrárias aos interesses da colectividade. Para realizar o objectivo principal, que é de educar e formar grupos de alunos muito heterogéneos, o professor deve aprender a dispôr duma autonomia metodológica nas suas diferentes funções: gestão da turma, natureza do contrato didáctico, horas de trabalho variáveis, individualização do ensino. Em paralelo, a profissionalização só será efectiva se os salários forem indexados com critérios de performance e na base de avaliações regulares.

c) - Um intermediário numa sociedade da informação: o papel do professor permanece, no sentido tradicional, porque o aluno terá sempre necessidade do apoio pedagógico, qualquer que seja a forma, para adquirir conhecimentos, pelo menos, a nível da educação de base. Mas, com as NTIC, o professor deixará de ser orador para passar a ser acompanhador. As NTIC vão permitir ao professor utilizar novos métodos de ensino e dar mais autonomia de aprendizagem aos alunos. Um dos papéis fundamentais consistirá em orientar e supervisar o processo de aprendizagem. A partir deste papel de orientação, o professor poderá assegurar que o programa, definido em função de determinadas finalidades, será bem seguido. Em definitvo, o professor trará novas formas de apoio: ensinar a tratar a informação, dar aos alunos a capacidade de procurar a informação desejada e interpretá-la.

D - A QUESTÃO DA CERTIFICAÇÃO

D.1 - As sociedades necessitam de recrutar competências

a) - Os pedidos de certificação: a multiplicação dos fluxos económicos e financeiros, a organização dos Estados em federações regionais, o quadro transnacional de trocas entre empresas (produção, comercialização, distribuição), contribuiram para o alargamento da de recrutamento dos trabalhadores e a aumentar a mobilidade geográfica do trabalho. A mundialização do mercado do trabalho traz duas consequências:

* - a necessidade de comparar as competências : como é que uma empresa pode comparar um diploma da Universidade de Nova Deli com um diploma da Universidade de Camberra? Como estar seguro que tal formação permite adquirir tal competência? Deste modo, há uma forte procura no mercado dum sistema que permita comparar as competências e os diplomas.

* - Os centros de excelência : um fenómeno de concorrência entre os institutos da educação vai-se intensificar, favorecendo, deste modo, a procura duma melhor qualidade. A excelência vai ser a norma de recrutamento das companhias multinacionais que pretendem dominar o mercado mundial.

b) - Uma necessidade partilhada : a necessidade de certificação que é sentida no mercado, não diz respeito apenas ao sector privado. Os últimos anos foram marcados por uma forte vontade de levar o Estado a ocupar-se das funções reguladoras, deixando o mercado regular a actividade económica. Mas o Estado não pode agir sem tomar em conta os interesses económicos da sua população. A primazia do mercado impõe duas acções: por um lado, assegurar o desenvolvimento multinacional das empresas do país; e por outro lado, promover os investimentos no país. O marketing tem um novo campo de aplicação: “a venda de territórios”. O Estado encarrega-se de fazer a promoção das vantagens do seu território, servindo-se de diversos incentivos para atrair os investimentos no

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território nacional. Para isso, as políticas fiscais e a liberalização dos códigos de investimentos já não suficientes. A existência duma mão-de-obra qualificada no território nacional constitui um dos argumentos mais importantes para se decidir a implantação dos centros de produção. O Estado deve garantir aos potenciais investidores que eles vão encontrar no local uma mão-de-obra adaptada às suas necessidades e cujas competências serão garantidas por um sistema de certificação reconhecido internacionalmente.

c) - A cultura de excelência e a padronização das competências: a certificação das competências por um sistema internacional constitui uma verdadeira oportunidade para a educação, se a corrida para a excelência se deve traduzir efectivamente por uma melhoria da qualidade da educação e da transparência na avaliação das competências. Esta melhoria só pode ocorrer se as competências adquiridas na escola e nas diferentes formas de educação informal respondem às necessidades do mercado (abertura de horizontes e autonomia, capacidade de participação e integração na sociedade). Mas estas aptidões são difíceis de quantificar e de padronizar. Portanto, é preciso procurar meios de padronizar e avaliar não apenas as competências cognitivas (aquisição dos saberes e dosaber-fazer), mas também as não cognitivas.

D.2 - Um desafio para a educação

A educação deve dar à sociedade um sistema de certificação eficaz. Existe hoje um número cada vez maior de empresas privadas que criaram as suas próprias instituições de certificação, a fim de contornar as lacunas deixadas pelos procedimentos de exames tradicionais praticados nas instituições públicas do ensino. Contudo, dar monopólio de avaliação e certificação ao sector privado, como acontece nalguns países, pode-se revelar contrário às tradições culturais dalgumas sociedades. Por isso, é preciso reflectir sobre a questão da responsabilidade da certificação em cada país e, se necessário, sobre a comparação dos modos de certificação entre os diferentes países. Alguns estudos sobre estas questões sugerem a criação duma autoridade de certificação. Esta deveria ser composta por representantes dos “produtores” e dos “consumidores” da educação e da formação e por especialistas de avaliação e certificação.

a) - Padroniazr e estabelecer marcos de referência: a comparação de competências só pode ser efectuada seguindo um certo númro de critérios quantificáveis. Para a padronização das competências necessárias no mercado do trabalho e para a definição dos marcos de referência inspirados por outros mercados, a autoridade de certificação (com representantes do sector público e privado) deve ser capaz de criar um sistema de certificação utilizável por um grande número de utentes. Este sistema não se deve limitar apenas às competências adquiridas no âmbito dum determinado curso, mas também deve tomar em conta as competências adquiridas ao longo da vida, tanto as experiências profissionais como as outras formações realizadas.

b) - Pesquisar indicadores para as competências não-cognitivas : Hoje, se a autoridade de certificação quisesse referir-se às competências não-cognitivas correspondentes às novas finalidades da educação (autonomia individual, capacidade de integração e de participação na sociedade), enfrentaria várias dificuldades para fazer a avaliação utilizando métodos científicos. Pesquisas e estudos são necessários, antes de se poder desenvolver um sistema de certificação que permita comparar os sistemas de educação e de formação dos diferentes países. Hoje existem indicadores para avaliar as faculdades não-cognitivas ao nível internacional (para comparar os pa’ises) ou ao nível nacional (para comparar as diferentes instituições de educação e formação).

c) - A autoridade de certificação poderá ser legítima? A autoridade de certificação pode ter um papel chave na regulação e controlo da qualidade. Portanto, é preciso que seja dotada duma certa legitimidade em relação às instituições de ensino e formação, do corpo docente, dos estudantes, do Estado e do sector privado. Contudo, mesmo se a composição reflecte os interesses dos diferentes protagonistas nomeadamente, uma representação equitável das empresas e sindicatos, nenhuma autoridade de certificação será totalmente legítima, pois ela estará sempre sob influência dos desafios a curto prazo, determinados pelo mercado do trabalho e da antecipação, a longo termo, sobre o que deveriam ser as finalidades da educação. Isto quer dizer que a autoridade de certificação só pode

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adquirir uma certa legitimidade se houver um equilíbrio justo entre os objectivos colectivos e a diversidade dos interesses dos indivíduos e dos diferentes actores da educação.

E - AS POLÍTICAS DA EDUCAÇÃO

A educação é cada vez mais um domínio partilhado. A adopção das finalidades, a mobilização de recursos, os métodos administrativos e de gestão, as regras e a regulamentação do sector, o sistema de avaliação e de certificação vão exigir uma participação de todos os actores sociais e isso vai revolucionar consideravelmente as instituições da educação e formação.

E.1 - A perda do monopólio do Estado

a) - A erosão do seu poder de acção: Até ao presente momento, apesar dalgumas excepções nalguns países, os Estados ainda detêm um monopólio e grandes responsabilidades em relação ao sector da educação. Hoje, em muitos países, os Estados estão a experimentar uma severa erosão da sua capacidade de acção, da sua creibilidade e mesmo da sua legitimidade. Já não estão mais à altura de decidir unilateralmente as políticas públicas e, em particular, as políticas da educação. Tem estado a ocorrer uma redistribuição de poderes entre o Estado e as empresas (nacionais e multinacionais), a comunicação social, as associações e as ONGs (de carácter científico, profissionais e culturais), as autoridades regionais, locais, públicas e privadas. Quando a descentralização é posta em marcha, verifica-se que o Estado fica com menos poderes. Esta tendência ocorre numa altura em que o modelo burocrático dos serviços públicos é posto em causa. Qualificado de ineficaz, acusado de ser muito lento, visto como esbanjador dos recursos públicos e ser tolerante para com a corrupção, o sector público tem vindo a perder confiança dos cidadãos. Todos estes fenómenos contribuem para pôr em causa a legitimidade do Estado. Face a esta perda de legitimidade, como se assegura que o interesse colectivo não será omitido quando se confrontar com os interesses de particulares mais poderosos capazes de agir e preservar os seus interesses na elaboração de políticas e na redistribuição de recursos? O dilema não é novo. Mas tem vindo a crescer com a globalização, no momento em que se enfraquece a definição de entidades nacionais e onde o Estado se revela incapaz de enfrentar os problemas económicos e sociais que preocupam os cidadãos. Por conseguinte, face a esta erosão da capacidade da acção do Estado na definição e execução das políticas educativas, seria necessário encontrar outras formas de acção mais eficazes e contrabalnçaria os riscos derivados da incapacidade das autoridades públicas.

b) - A educação e o mercado: para fazer face ao enfraquecimento do Estado, a sociedade se liga mais ao mercado. Esse comportamento tende a criar a ideia da primazia da economia em relação ao conjunto das actividades humanas, e os problemas políticos ou morais são tratados, muitas vezes, como se se tratasse de problemas de ordem económica. Os argumentos mercantilistas são vários: “custo”, “benefício”, “eficácia” são termos muito frequentes nas instituições de ensino. Quando por razões económicas, as políticas de ajustamento estrutural foram adoptadas acompanhadas de reduções nas despesas da educação e outras despesas sociais, o balanço foi tristemente célebre: um acesso cada vez mais difícil a uma educação de qualidade, limitada apenas às pessoas capazes de pagar e uma queda livre generalizada na qualidade do ensino. A introdução de argumentos económicos no domínio da educação traz outras consequências: a educação deve responder a novas exigências de eficácia e de rentabilidade, estar à escuta de particulares e de empresas que se consideram clientes da educação e, deste modo, agem duma forma exigente. Mas isso pode ter efeitos positivos sobre a qualdiade e sobre a avaliação da educação. A distinção tradicional que os economistas faziam entre os bens públicos e bens privados poderá vir a desaparecer.

E .2 - Que parceria?

a) - Organizar a parceria: a educação deve ser um sector gerido em parceria. Estabelece-se uma corrente de trocas e de cooperação entre o Estado e as organizações da sociedade civil baseada na confiança e partilha. Para ser uma verdadeira parceria – e evitar que uns sejam mais parceiros que os outros –

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deve ser acompanhada de outros modos de acção e, sobretudo, de regras que garantam um certo equilíbrio entre as parcerias cujos recursos e as capacidades de acção são fortemente desiguais.

b) - Os novos actores da educação

b.1) - As ONGs: o seu papel na educação tornou-se muito significativo. São consideradas o garante do engajamento moral e benévolo necessário ao desenvolvimento da educação. Mas as mais recentes avaliações conduziram a um certo número de interrogações que incidem sobre: (I) a rentabilidade das asuas actividades em comparação com as da administração pública; (ii) sobre a duração das suas acções e as suas potencialidades; e (iii) sobre o grau de fiabilidade das informações concernentes às suas diferentes operações e performances. Portanto, é com algum cepticismo que esses estudos recomendaram uma grande prudência e aconselharam a adopção de medidas para assegurar a transparência e a eficácia das suas acções.

b.2) - As comunidades: quanto mais globalizado o mundo está, mais acções e políticas devem estar localizadas. “Pensar globalmente, agir localmente” é uma forma clássica que explica o papel crescente das comunidades – as famílias, os pais, as entidades locais organizadas. A participação comunitária pode permititr a mobilização de recursos suplementares, bem como inovações ao nível de conceitos e de ideias: (I) a elaboração e construção de modelos educativos mais pertinentes e eficazes; (ii) a mobilização do património cultural, da herança histórica e das práticas sociais; (iii) uma melhor apreensão das necessidades dos grupos desfavorecidos, marginalizados e excluídos; e (iv) as possibilidades de alargamento do acesso à educação e a melhoria das condições materiais das escolas.

b.3) - O sector privado: Quer se aceite ou não, as exigências do mercado – racionalização, eficácia, rentabilidade – tornam-se inevitavelmente parte do sistema educativo (definição de políticas, gestão, avaliação). Por outro lado, as restrições orçamentais impõem uma diversificação das fontes de financiamento da educação, envolvendo o sector privado nas contribuições. Finalmente, com a globalização, as empresas multinacionais exercem um controlo crescente sobre uma parte significativa da oferta da educação e formação.

c) - Uma parceria para uma melhor educação

Os diferentes actores acima descritos não dispõem da mesma influência e nem dos mesmos recursos. As empresas privadas têm uma crescente capacidade de acção sobre uma grande parte de actividades sociais, em particular na educação. Para responder aos seus próprios objectivos, essas empresas criaramm centros de formação, orientados a objectivos inerentes ao seu próprio espaço de intervenção. O desafio, a nível nacional, é de encontrar uma forma de reconciliar os programas desses centros de formação, largamente autónomos, com as finalidades da educação tais como as adoptadas pela sociedade. O papel do Estado é crucial. A sociedade tem necessidade dum Estado que, jogando um papel de catalisador e de promotor, encoraja e completa a actividade das empresas privadas e dos particulares, assegura os mecanismos de participação, a mobilização da sociedade civil, a representação igual das partes e a transparência na divisão de tarefas. Mas, será que o Estado é capaz de reforçar a sua capacidade de acção face às exigências da sociedade, assegurar a promoção do interesse geral, procurando sempre salvaguardar os interesses dos particulares, reconciliar a preservação e o desenvolvimento das finalidades nacionais da educação com as exigências, cada vez mais pressionantes do mundo globalizado?

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3 - AS CARACTERÍSTICAS DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL NA

EDUCAÇÃO

Face aos desafios impostos pela globalização e a necessidade de se construirem parcerias, os doadores têm organizado encontros regulares para troca de informações e de experiências. Actualmente, está-se numa situação em que o fluxo da ajuda está a diminuir e deve-se fazer melhor utilização dos recursos que têm sido mobilizados para ajuda aos países.

Neste capítulo vamos analisar os dados mais recentes sobre sobre a ajuda oferecida à educação pelos organismos de financiamento aos países em desenvolvimento. Esta análise não só será feita com em valores realmente desembolsados, mas também vamos tomar em consideração as declarações e promessas feitas. Esta análise vai-nos permitir determinar se esse fluxo financeiro reflecte realmente os compromissos de Dakar e qual será o seu prov’avel impacto.

3.1 - OS FUNDOS TOTAIS DE AJUDA AOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Os fluxos de ajuda aos países em desenvolvimento não conheceram grandes variações ao longo da década de noventa.

Para o efeito, analise-se a tabela 1:

De acordo com a tabela acima apresentada, pode-se constatar que os fluxos da ajuda externa atingiram o seu ponto mais

alto em 1991 e baixaram logo a seguir. No ano 2000, as ajudas através de donativos e empréstimos caíram de 60 a 50

biliões de dólares americanos. Destes montantes, cerca de 70% eram provenientes de organismos bilateriais. A ajuda

multilateral veio, sobretudo, do Banco Mundial e da Comunidade Europeia. No ano 2000, estas duas instituições

contribuiram com cerca de 64% do total da ajuda multilateral. Contudo, em termos reais, o volume da ajuda se situou

em somente 80% dos níveis de 1990-91. Esta quebra verificou-se tanto na ajuda multilateral, assim como na ajuda

bilateral.

Ao longo deste período, a África subsahariana, Ásia do Sul e o Sudeste da Ásia receberam cerca de 65% do total da

ajuda ao desenvolvimento. Contudo, a ajuda dada aos países da Ásia do extremo-oriente aumentou significativamente

na sequência da crise financeira de 1997, enquanto que a ajuda dada aos países africanos decresceu. A queda da parte da

ajuda destinada à África subsahariana foi particularmente marcada pelo decréscimo da ajuda multilateral que baixou de

50% em 1990 a 36% no ano 2000.

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Tabela 1: Montante total da ajuda pública ao desenvolvimento

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

TOTAL 55,1 60,6 57,6 54,1 55,8 49,8 48,8 44,8 48,6 49,8 49,6

Ajuda bilateral 41,1 44,6 41,4 38,3 38,6 34,4 34,5 30,6 34,6 36,5 36,0

Ajuda multilateral 14,0 16,1 16,3 15,8 17,2 15,5 14,2 14,2 13,9 13,3 13,5

UNICEF 0,6 0,6 0,7 0,8 0,8 0,7 0,6 0,5 0,5 0,5 0,6

IDA 4,2 4,5 4,7 4,4 5,3 0,4 5,1 5,0 4,7 4,3 4,2

Banco-Inter-

americano

0,2 0,1 0,1 0,1 0,1 4,2 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2

PNUD 1,0 1,0 0,8 0,7 0,5 0,2 0,5 0,6 0,6 0,5 0,4

Fundo Africano

Desenvolv

0,6 0,6 0,7 0,7 0,6 0,5 0,5 0,6 0,6 0,4 0,3

Fundo Asiático

Desenvolv

1,2 1,1 0,9 0,9 1,1 1,0 1,0 1,0 1,0 0,9 0,9

Comunidade

Europeia

2,5 3,2 3,6 3,5 4,0 3,6 4,1 4,4 4,3 4,3 4,4

Outras fontes 3,7 5,0 4,9 4,7 4,9 4,8 2,1 1,9 2,0 2,1 2,6

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a) - O volume da ajuda bilateral à educação

Tal como em relação à ajuda total, os fluxos da ajuda bilateral baixaram, passando de cerca de cinco biliões de dólares americanos no começo da década de noventa a menos de quatro biliões no ano 2000. A queda mais saliente foi observada no ano 2000, durante o qual os compromissos baixaram para cerca de 3,5 biliões o que representa um decréscimo, em termos reais, de cerca de 30% em relação aos montantes de 1990.

Contudo, os valores globais encobrem diferenças significativas entre os organismos. Cinco países (Alemanha, Estados Unidos, França, japão e Reino Unido) representavam entre 75 a 80% dos compromissos assumidos em relação à ajuda bilateral ao sector da educação entre 1990 e 2000. Com a excepção da Alemanha e do Japão cujos valores se mantiveram estáveis, os compromissos dos três países restantes baixaram muito no começo e no fim da década de noventa. Em seguida, observe-se a tabela 2:

Na tabela 2 podem ser observadas variações importantes entre os organismos da ajuda bilateral. Os engajamentos de certos países tais como a Austrália, França, Irlanda e Nova Zelândia ultrapassaram a média de 9-10% do total dos engajamentos bilaterais, enquanto que a dos outros países tais como os EUA, Dinamarca, Finlândia, Itália, Noruega e suiça ficou mais abaixo.

A última coluna indica a evolução da percentagem, em valores absolutos, entre a parte dos engajamentos totais atribuída à educação entre 1990-92 e 1997-2000. Os vários organismos da ajuda indicaram valores altos e baixos da ajuda consagrada à educação, a evolução global entre o começo e o fim da década. A queda dovolume da ajuda à educação foi similar à queda dos valores totais da ajuda ao desenvolvimento, apesar dos engajamentos internacionais de aumentar a ajuda à educação durante a Conferência mundial sobre a educação para todos em 1990.

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Tabela 2: Engajamentos médios anuais de ajuda ao desenvolvimento bilateral a favor da educaçãoPeriodos TOTAL EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO EM %TOTALPaíses 90-92 93-96 97-00 90-92 93-96 97-00 Evol

%90-92

93-96

97-00

Evol

Austrália 521 856 714 127 189 161 27 24 22 23 -2

Áustria 628 473 422 87 77 85 -2 14 16 20 6

Bélgica 484 404 447 76 49 51 -33 16 12 11 -4

Canadá 1661 1524 1295 136 111 120 -12 8 7 9 1

Dinamarca 636 828 733 38 38 43 13 6 5 6 0

Finlândia 466 186 209 14 8 16 14 3 4 8 5

França 5945 5008 4280 1512 1253 1186 -22 25 25 28 2

Alemanha 5221 5098 3653 675 812 636 -6 13 16 17 4

Grécia Nd 20 63 Nd 7 7 Nd Nd 34 10 Nd

Irlanda 27 86 133 7 15 24 250 25 18 18 -7

Itália 2053 1197 575 118 54 25 -79 6 5 4 -1

Japão 14401 14834 14898 930 1051 952 2 6 7 6 0

Luxemburgo 19 37 75 1 4 17 1425 6 10 22 17

Países Baixos 1773 1807 2005 186 97 147 -21 10 5 7 -3

Nova Zelândia 66 65 86 19 22 22 19 29 34 26 -3

Noruega 640 769 853 31 29 67 119 5 4 8 3

Portugal 198 149 218 33 31 20 -40 16 21 9 -7

Espanha 937 608 785 46 53 99 114 5 9 13 8

Suécia 1169 1145 1024 73 84 64 -12 6 7 6 0

Suiça 626 576 558 50 27 18 -63 8 5 3 -5

Reino Unido 2285 1919 2310 290 204 178 -39 13 11 8 -5

EUA 18308 8657 8569 533 395 223 -58 3 5 3 0

TOTAL 58068 46247 43906 4981 4608 4161 -16 9 10 9 1

b) - O volume da ajuda multilateral à educação

Como se pode observar da tabela 1, o Banco Mundial e a União Europeia indicaram níveis similares para a ajuda multilateral que representa cerca de 65% do fluxo total deste tipo da ajuda. Contudo, o Banco Mundial afirma-se como maior parceiro da cooperação internacional no domínio da ajuda multilateral.

Com efeito, o Banco Mundial foi uma das maiores fontes de financiamento durante os anos 90. Com a excepção de 1997, os empréstimos da IDA (Associação Internacional do Desenvolvimento) para o sector da educação subiram anualmente entre 0,7 e 1,2 biliões de dólares americanos. Contudo, depois de 1998, os engajamentos da IDA, expressos em valores reais, caíram de 0,4 a 0,6 biliões dos engajamentos totais. A tabela 3 ilustra melhor como evoluíu o financiamento do Banco Mundial, tanto através do BIRD assim como da IDA.

Em relação às outras fontes multilaterais de financiamento ao sector da educação é muito difícil encontrar dados fiáveis.

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c) O volume da ajuda bilateral em África

Para o efeito, analise-se a seguinte tabela 4 que ilustra o volume de recursos atribuídos ao sector da

educação em África no período de 1991 a 2000.

Tabela 4: Volume da ajuda bilateral em África de 1991 a 2000, em milhões de Euros

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000Moçambique 16,42 17,20 9,17 11,03 8,70 8,39 8,77 10,96 13,88 12,59

Angola 0,98 0,32 0,73 1,27 1,23 2,89 0,57 1,06 3,40 1,40

Botswana 1,41 0,30 -0,11 0,01 0,17 0,12 0,08 0,10 0,11 0,05

África do Sul Nd Nd Nd 0,60 0,17 1,09 2,93 3,40 2,63 2,83

Etiópia 12,43 6,00 1,26 3,35 5,62 5,60 5,78 6,29 5,57 6,14

Ghana 1,53 0,46 0,18 0,22 0,54 0,62 0,63 0,62 0,51 0,68

Quénia 23,20 15,55 7,31 5,28 4,51 2,52 3,72 4,68 3,85 4,38

Rep. Dem. Congo 0,87 0,77 0,20 0,42 Nd 2,00 0,22 0,29 Nd 0,96

Malawi 3,85 0,21 0,29 0,33 0,17 0,25 0,18 1,20 0,68 1,09

Namíbia 11,93 7,34 7,65 8,13 5,82 5,95 6,59 5,41 6,43 7,15

Zâmbia 17,26 23,47 14,59 11,49 8,73 9,07 7,40 6,40 3,55 3,63

Tanzania 27,59 26,34 15,15 19,78 6,88 6,98 8,72 10,71 9,97 13,49

Uganda 1,01 1,12 0,46 0,27 0,94 0,82 0,94 1,01 1,09 0,76

Zimbabwe 7,98 7,49 9,51 0,91 5,74 4,27 0,77 -0,79 -1,85 0,20

T

O

T

A

L

398,17 317,82 232,87 187,65 161,67 165,77 174,55 187,79 225,91 235,55

Fonte: Dados da OCDE inseridos no estudo “Mozambique: building partnership in Education sector Development”, August 2003, por Oliver Saasa.

c) – As tendências actuais entre doadores

Pode ser que uma das razões para o decréscimo do volume da ajuda bilateral à educação tenha a ver com a canalisação dos fundos aos países da ex-URSS. Estes montantes não incluídos no total da ajuda aos países em desenvolvimento. Uma outra questão está ligada ao facto de que os fluxos da ajuda privada também não estão inclusos, assim como os fundos atribuídos às ONGs. Contudo, é preciso notal que os fluxos da ajuda privada têm vindo a crescer nos últimos anos.

Os doadores têm estado preocupados, tanto a nível bilateral como multilateral, com a sua organização interna, com o desenvolvimento de parcerias e com as novas modalidades para a provisão da assitência ao desenvolvimento.

BANCO MUNDIAL: é uma das agências que realizou um trabalho considerável no domínio da reorganização interna o que contribuíu para fortalecer e melhorar a acarteira de projectos e o seu pessoal, tendo sido criada uma rede de trabalho visando promover a qualidade do trabalho, encorajar as parcerias

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externas, promover a formação, etc. Um dos factos mais importantes tem a com a difusão da informação das suas actividades, via INTERNET, junto do seu pessoal e dos seus clientes. Em termos práticos, isso quer dizer que as informações são acessíveis a partir de qualquer ponto do mundo e podem ser obtidas instantaneamente. Estatísticas e indicadores educacionais, desenho e implementação de projectos, são alguns dos elementos que têm estado disponíveis. Para além de oito páginas INTRANET, o Banco Mundial desenvolveu também páginas de INTERNET, inicialmente, acerca da educação pré-escolar e educação à distância e próximamente será sobre educação da rapariga. No momento actual, o Banco Mundial está a sair da abordagem de projectos para uma abordagem sectorial mais ampla e procura dar maior ênfase ao financiamento do ensino primário. O objectivo geral é de, em parceria, trabalhar com o cliente, ajudá-lo a identificar a tomar decisões estratégicas para que daí possa resultar um investimento ajustado às necessidades: ter acesso a um ensino de qualidade e relevante e criar a capacidade institucional. A descentralização tem sido um factor importante na decisão sobre o financiamento.

UNICEF: Desde 1989 a UNICEF tem colocado ênfase no ensino primário e outras áreas relacionadas com este nível de ensino, mas agora tem estado a incidir em mudanças sistemáticas para facilitar a sustentabilidade dos seus programas. No contexto das reformas no seio das Nações Unidas (que enfatizam maior eficácia e eficiência na utilização dos recursos), a Unicef está engajada no apoio a iniciativas sectoriais o que implica aprofundamento da colaboração com o Banco Mundial, Unesco e outras agências. O apoio da Unicef à educação básico parte do princípio de que a escola é um grande protector dos direitos da criança. Ela também tem vindo a aumentar o seu apoio à educação da rapariga. No que diz respeito à questão da centralização/descentralização, a Unicef continua a enfatizar a formulação das políticas dentro dos países e localmente. A sede em Nova Yorque está mais concentrada na criação da rede de trabalho (mesma abordagem que o Banco Mundial) e no diálogo político. O apoio aos programas de investimento sectorial apresenta-se como uma oportunidade para colaboração com outros doadores e como uma parceria mais complexa.

UNESCO: A descentralização é uma preocupação central da Unesco, com os programas a serem cada vez mais entregues aos oficiais no terreno que procuram reforçar as capacidades dos países membros. Como consequência da sua preocupação com milhões de crianças sem acesso à educação e maltratadas pelo mundo de adultos, a Unesco está a encorajar a vontade política dos governos para investirem na educação duradoira (ao longo de toda a vida). Tal como as outras organanizações, a Unesco está a aproximar-se do modelo da Unicef e a clarificar o que deve ser a relação entre Paris e os escritórios implantados nos países membros. Grande ênfase é colocada em relação às necessidades específicas, aos problemas das raparigas desfavorecidas e dos meninos da rua, ao mesmo tempo que os problemas de alívio à pobreza e à paz. Por conseguinte, especial atenção é dedicada à ameaça que o agravamento da pobreza cria à paz em quase todas as sociedades e com os seus consequentes fenómenos de violência, emigração, xenofobia e exclusão. Outros aspectos relacionados com a paz e pobreza que ameaçam a existência humana, são a deterioração do meio ambiente e as suas imensuráveis consequências.

UNIÃO EUROPEIA: esta organização está também a realizar importantes reformas. Em vez de colocar ênfase no financiamento às despesas de capital, a União Europeia está a desenvolver uma política de apoio às despesas correntes, de redução dos técnicos expatriados de longa duração e encoraja a planifcação endógena e, a partir do próximo Acordo de Lomé, vai conceder apoio orçamental. Um aspecto importante é a maior responsabilização dos beneficiários na adopção de programas sectoriais de desenvolvimento como meio de melhor direccionar a ajuda no contexto dum plano mais amplo que envolve o governo e os outros doadores.

Banco Africano de Desenvolvimento (BAD): a formulação de políticas depende muito das preferências dos seus estados membros e clientes. A sua política de financiamento coloca ênfase no alrgamento das oprotunidades de acesso à educação para os grupos desfavorecidos. Contudo, tem prestado atenção aos aspectos do quadro global de desenvolvimento dentro do qual emergem as actividades educacionais, bem

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como o alívio à pobreza que implica o desenvolvimento de políticas de geração de rendimentos e de emprego, em paralelo com outros serviços sociais, incluíndo o sector da saúde.

USAID: Também tem estado envolvida nas reformas organizacionais. A Usaid fez ajustamentos no seu Plano Estratégico que estabelece os objectivos da Agência, procurando parar e reverter o declínio do seu envolvimento no sector da educação. O conceito da construção da capacidade humana através da educação básica, ensino superior e as telecomunicações é um objectivo adicional da organização, envolvendo a participação de outras entidades tais como as ONGs. Um dos aspectos que preocupa a Usaid é o inevitável desenvolvimento da educação aberta e à distância, como resultado do rápido crescimento das novas tecnologiasde informação e comunicação. Isto tem grandes implicações para as comunidades, em especial para as pessoas pobres das zonas rurais remotas, cujo acesso a estas tecnologias é muito limitado.

ASDI: a questão fundamental para esta organização é que as políticas de desenvolvimento incidindo sobre a redução da pobreza, o desenvolvimento sustentável, a igualdade entre o homem e a mulher, democracia e direitos humanos sejam devidamente compreendidas e seriamente levadas a cabo pelo pessoal. Defende a posição de que o desenvolvimento de novas políticas que implicam a mudança da abordagem de projectos para apoio orçamental a programas sectoriais exige novas competências do seu pessoal. Também defende que é importante a formação desse mesmo pessoal porque com a sua anterior experiência de lidar com projectos individuais, não têm necessariamente aptidões e competências para analisar orçamentos, harmonizar políticas e compreender as questões mais vastas aí envolvidas. Esta formação é urgente porque a abordagem sectorial está muito avançada na Etiópia, Moçambique e Tanzania, com possível extensão para Zimbabwe e Namíbia.

NORAD: à semelhança do que sucede com outras agências, a NORAD está desenvolver uma abordagem sistemática da educação básica, através de programas sectoriais e da coordenação com outros doadores tendo como base a orientação do país recipiente, em vez de criar novas políticas. Tem procurado desenvolver políticas que asseguram que a sua ajuda bilateral seja parte integrante da planificação nacional e regional, tendo como base os sectores prioritários definidos pelo Governo e que essa ajuda esteja em sintonia com as actividades dos doadores multilaterais. Uma atenção obrigatória é dedicada à redução da pobreza, com particular ênfase na educação da mulher e da rapariga e nas necessidades especiais.

DANIDA: A Dinamarca tem um documento estratégico, aprovado pelo Parlamento, no qual se estabelece que o desenvolvimento efectivo dos sectores sociais é um pré-requisito para qualquer outro desenvolvimento. A questão da parceria é vista de dois ângulos: por um lado, o desejo de reduzir o número de funcionários que trabalham nos escritórios centrais da Agência, através do desenvolvimento e fortalecimento de ligações institucionais na Dinamarca e com os outros profissionais dos países onde a Danida opera; e , por outro lado, mas ligado aos aspectos anteriores, o desenvolvimento das competências dos investigadores indígenas para que forneçam uma base de dados efectiva. Estes investigadores indígenas não devem existir apenas para enquadrar os seus contrapartes estrangeiros, mas devem estar activamente envolvidos nos trabalhos de pesquisa. Como consequência, esta prática exige o desenvolvimento dalguns aspectos ligados ao ensino superior, área que foi negligenciada duarante vários a favor do forte apoio à educação básica. Sem este apoio qualitativo no ensino superior e sem o desenvolvimento de parcerias com os pesquisadores indígenas, não é possível o reforço das capacidades nacionais.

DFID: o governo saído das eleições de 1997 no Reino Unido empreendeu mudanças significativas na orientação dos programas da ajuda. O alívio da pobreza é uma das questões-chave na política de ajuda aos países em desenvolvimento. Neste sentido, grande ênfase ‘e colocada na equidade do acesso, tratamento e retenção dos alunos, em vez de aumento das matrículas; a remoção das disparidades no género e assimetrias regionais (sobretudo as zonas mais remotas). A DFID encoraja o estabelecimento de parcerias o que implica trabalhar com as ONGs, sociedade civil e sector privado. O alívio da dívida a favor da geração de fundos para os sectores sociais tem sido encorajado, com particular ênfase nos países da Commonwealth. Internamente, a DFID está-se a reorganizar no sentido de promover uma maior

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interligação entre os profissionais, difundir as suas informações e políticas e estabelecer uma base de dados mais sólida.

PAISES BAIXOS: a política seguida no Minstério dos Negócios Estrangeiros (MNE) é a de dar maiores responsabilidades às embaixadas que devem ter a última palavra nas avaliações dos programas e no diálogo com os governos. Em consequência, o próprio MNE está organizado numa base temática. Maior ênfase é colocada na educação básica, em particular no que diz respeito ao acesso da rapariga. Ademais, o MNE está a mudar a sua intervenção baseada nos projectos (que ainda representa cerca de 60%) para uma abordagem do apoio sectorial aos programas de desenvolvimento.

CIDA (Canadá): o governo canadiano estabeleceu uma política na qual identifica as necessidades humanas como uma das seis áreas prioritárias dos programas de ajuda ao desenvolvimento, com maior enfoque na educação básica. CIDA defende, como sua política, que a educação ‘e uma componente importante das estratégias para a redução da pobreza. Maior incidência deve é colocada sobre a formação de professores, o desenvolvimento e aprovisionamento de meios de ensino, ao acesso em termos de género, com particular referência aos grupos mais necessitados: raprigas e mulheres, comunidades rurais desfavorecidas, meninos da rua e as pessoas portadoras de deficiências. A educação pré-escolar também faz parte integrante desta estratégia. No momento de implementação dessas políticas, CIDA enfrenta problemas da falta de pessoal. Nesta altura, a abordagem do governo canadiano é a de fundos “amarrados” (tied funds) e não possui pessoal e nem capacidade para lidar com programas sectoriais. No que diz respeito a parcerias, CIDA está a reforçar a sua cooperação com o Banco Mundial, para compensar a falta de pessoal especializado.

FINNIDA: o apoio com base em programas sectoriais ainda é muito limitado na Finlândia, e a política social está por definir. Contudo, 65% da ajuda , dentro do sector da educação, é destinada à educação básica. A ideia de parcerias é demonstrada pelo desenvolvimento de relações com cinco universidades, cuja expertise está agora disponível na Agência.

COOPERAÇÃO PORTUGUESA: na sua busaca dum diálogo mais amplo entre África e Europa e reafirmando o seu compromisso em relação à democracia e ao Estado de direito, Portugal procura reforçar as suas relações com as agências bilaterais e os Ministérios da Educação. A coordenação será efectuada através duma ajuda orçamental integrada na qual todas as organizações e instituições em Portugal serão associadas para o desenvolvimento de várias iniciativas junto dos cinco PALOPs (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa).

AUSTRIA: tem dificuldades em canalizar a sua ajuda através do apoio sectorial porque tem pouco pessoal para isso. Mas, tem estado a conceder mais apoios a programas do qua a projectos, tem sido sua política apoiar a educação básica em colaboração com as instituições locais do governo, ONGs e outros parceiros locais.

COOPERAÇÃO SUIÇA: o conceito de parcerias tem como os planos de longo prazo dos países que são negociados com os governos e ONGs relevantes e as prioridades destes são largamente respeitadas. Por exemplo, educação básica não é prioridade nos programas suiços na América Latina porque ela não é vista como tal neste continente. Por outro lado, na África Ocidental, a educação básica e a educação de adultos são apoiadas, através de parcerias com grupos locais, tendo em vista reforçar a capacidade das comunidades. É dada formação local sobre aspectos do género e aqui há um encorajamento gradual dos parceiros dos países em desenvolvimento para desenvolver e adoptar a sua própria agenda sobre o género.

BÉLGICA: definir qual tem sido a ajuda ao sector da educação é muito difícil para a cooperação belga, uma vez que muitos dos seus programas de educação estão incorporados em programas de saúde e outros sectoriais. Parcerias foram desenvolvidas com ONGs, Agências especializadas e organizações religiosas.

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JICA (Japão): nos programas de ajuda japonesa, grande coordenação é requerida em relação aos programas da educação, uma vez que não existe um departamento específico para se ocupar dos programas da educação que são implementados noutros programas e modalidades. Muita ajuda bilateral japonesa é feita através de empresas japonesas e isso torna mais flexível toda a cooperação.

ITÁLIA: as ONGs são cada vez mais vistas como parceiros da ajuda italiana que coloca ênfase na importânica dos direitos humanos, em particular os direitos da criança. Por isso, há uma maior concentração nos aspectos sobre o género, em particular na remoção das barreiras culturais e sócio-económicas que impedem a escolarização da rapariga. A Itália dá prioridade à educação da mulher nas zonas rurais e nas zonas afectadas pela guerra. Também dá prioridade à educação gratuíta às famílias pobres. A busca de inovações nos métodos de ensino é também priorizada.

GTZ (Alemanha): coloca ênfase na educação básica (mas também continua a apoiar o ensino técnico-profissional. A Alemanha encoraja o diálogo com os países recipientes visando reduzir as despesas militares a favor da educação e dos grupos mais desfavorecidos e negligenciados. No apoio à educação básica, a Alemanha coloca ênfase da descentralização, sobretudo no que diz respeito a programas descentralizados para a formação, em serviço, de professores. A organização interna coloca os projectos educacionais no contexto duma política sectorial de âmbito social que engloba e ducação e ciência, saúde, população e nutrição, segurança alimentar e construção. A Alemanha também apoia programas de aprendizagem que preconizam um curricula que favorece a inclusão de culturas locais e regionais, bem como a utilização de línguas maternas como forma de dar melhor acesso à informação. Também apoia programas que estimulem as indústrias locais de edição e produção de livros. Defende o desenvolvimento do ensino superior como uma forma de reforçar as capacidades institucionais.

FUNDAÇÃO AGA KHAN: esta fundação trabalha com outras agências tais como CIDA, DFID, USAID, UE e Banco Mundial no financiamento da educação básica que é um tema dominante. Apoia largamente programas de educação pré-escolar, como elemento importante da educação básica. Um dos seus dilemas tem sido o de colocar fundos: a nível central ou, directamente, a nível da escola.

ADEA: trata-se duma associação para o desenvolvimento da educação em África. Portanto, não é uma agência doadora. Um dos serviços estabelecidos pela ADEA é um CD-ROM que contém informação sobre todos os programas da educação em África. Estão alistados cerca de 850 projectos cujo acesso pode ser feito por país, agência, objectivos, etc.

d) - A percepção dos doadores sobre as futuras prioridades na educação

d.1) - Educação pré-escolar

Esta é uma área muito importante e pela qual muitos doadores estão interessados. Para muitos, o termo “educação” é muito limitado e preferem designar “o desenvolvimento da pequena infância”, o que permite fazer uma abordagem mais global, em termos de intervenção no crescimento e desenvolvimento da criança, tanto junto da família, como através de programas educativos para os pais das crianças dos 0-3 anos e progrmas mais orientados para o cuidado das criaças dos 3 anos em diante. O sentimento geral é de que, para melhor sucesso da educação básica, é importante a preparação prévia das crianças antes de entrarem para escola. As agências mais interessadas nesta área são Fundação Aga Khan, Banco Mundial, Unicef, Usaid, Paises Baixos e Itália. Contudo, levanta-se um problema estrutural: em muitos países, estes programas não estão sob alçada dos MINEDs e há fraca coordenação institucional.

d.2) - Educação básica

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Sem dúvida, esta continua a ser a área mais interessante para os doadores. Para a Fundação Aga Khan o financiamento à educação básica é dominante e é acompanhado por outras acções de apoio às comunidades e às escolas individualmente, incluindo algum apoio salarial. A Usaid coloca a sua prioridade no diálogo sobre as políticas e na elevação da qualidade do ensino. ASDI e Países Baixos consagram cerca de 50%, da sua ajuda ao sector da educação, à educação básica.

d.3) - A importância do ensino superior no desenvolvimento da educação básica

Para a DFID, a educação básica é um objectivo geral tendo em vista o alívioda pobreza e a escolarização universal. Mas este nível de ensino não pode ser visto duma forma isolada, devido à sua forte interligação com outros níveis de ensino tais como a Educação de adultos e o ensino superior. Este contribui para a educação básica através da pesquisa, formação de professores e outras actividades.

d.4) - A importância das questões do género

Todos os doadores bilaterais e multilaterais têm manifestado preocupação em relação às questões do género, em particular no que diz respeito ao acesso e permanência na escola. A UNESCO tem realizado um trabalho de apoio aos países na análise de aspectos estereotipados contidos nos livrso escolares e contribuem para perpetuar uma imagem incorrecta sobre a mulher.

d.5) - O conceito de Desenvolvimento sectorial e seus problemas

Esta é uma nova abordagem na agenda dos vários doadores: a mudança de abordagem de projectos para a abordagem de programas sectoriais. Mas esta abordagem não tem sido fácil. Uma questão concreta é levantada pelos doadores: como apoiar programas sectoriais e, ao mesmo tempo, salvaguardar as preferências que eles têm em relação a determinadas áreas? A recomendação é de que os doadores devem adoptar uma atitude mais flexível. Questões controversas também se levantam em relação ao chamado “apoio orçamental”.

3.2 - AS ESTRATÉGIAS DE AJUDA À EDUCAÇÃO E O ALÍVIO À POBREZA

Nos últimos tempos, a questão da pobreza tem sido muito debatida sobre o desenvolvimento e a cooperação internacional. Neste sentido, a Àfrica subsahariana encontra-se numa situação preocupante pois apresenta, em simultâneo, a maior percentagem de pobres e o maior crescimento da pobreza. Os dados disponíveis indicam que, desde a segunda metade da década de 70, a região vive uma fase de estagnação e de recuo, mesmo se as situações variam de país para país.

A pobreza não é apenas uma realidade económica, um rendimento insuficiente (menos de cinco mil meticais/dia/pessoa, no caso de Moçambique), mas é uma realidade multidimensional. Sob o ponto de vista de desenvolvimento humano, a pobreza é caracterizada por quatro indicadores: a brevidade da vida, a falta de recursos materiais, a exclusão e o analfabetismo. As suas causas são múltiplas: de ordem económica, demográfica, social e educacional.

Nos últimos dez anos, reconhece-se que o sector informal tem sido o maior provedor de emprego para milhões de desempregados. Contudo, a insuficiência da formação técnico-profissional é tida como um travão para o emprego de jovens e para a inovação, num meio cada vez mais competitivo.

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A grande maioria dos pobres está nas zonas rurais e depende essencialmente da agricultura e/ou pecuária. Por isso, o aumento da produtividade dos pequenos produtores agrícolas ou pecuários representa um desafio permanente para melhorar a sorte destas populações e controlar o fluxo migratório para as cidades cujos mercados de trabalho já se encontram saturados.

3.2.1 - Porque razão há muito interesse com o alívio à pobreza?

De acordo com vários indicadores, a pobreza decresceu nos últimos 30 anos. É óbvio que tudo depende da definição do que é a pobreza e da forma como as linhas da pobreza são estabelecidas. Contudo, desde os anos 60, a ocorrência de fomes agudas quase desapareceu, a esperança de vida aumentou substancialmente, a mortalidade infantil decresceu, bem como as taxas de analfabetismo. Agora, com tantos progressos havidos, porque ‘e que há tanta preocupação com a pobreza?

Da crise dos anos 80 resultou um declínio substancial no rendimento per-capita em vários países da África e América Latina. Esta crise foi seguida pela adopção de programas de ajustamento estrutural que enfatizam o equilíbrio macro-económico. Dentre outros aspectos, esses programas incluem a privatização de empresas estatais e a abertura dos mercados ao mundo, o que conduziu muita gente ao desemprego ou a trabalhar em condições extremamente precárias. Na América Latina, p.e., o número de pobres aumentou nos anos 80 em cerca de 60 milhões de pessoas. No começo dos anos 90, estimava-se que, um em cada cinco latino-americanos, vivia numa situação de extrema pobreza.

O crescimento económico que se verificou a partir dos anos 90 não trouxe uma solução aos problemas da pobreza porque esse crescimento ocorreu sem que tivesse havido uma significativa criação de novos empregos. Ademais, como já vimos nas aulas anteriores, a globalização das economias que se acelerou nos últimos anos, embora tenha criado um crescimento rápido nalgumas partes do globo, parece deixar muita gente à margem. Portanto, no sistema global, muitas pessoas se tornaram supérfluas e irrelevantes. O crescimento económico, em si só, não é suficiente para combater a pobreza. É importante agir sobre a distribuição do rendimento e investir seriamente no desenvolvimento humano em que a educação é uma componente importante.

3.2.2 - A educação e o alívio à pobreza

Há um consenso geral de que a educação e formação pode contribuir muito para quebrar o ciclo vicioso da marginalização, exclusão e pobreza. Gente melhor educada é mais produtiva, utiliza da melhor maneira qualquer capital de que disponham, está mais apta para inovar e encontrar novas formas de produzição. Uma mulher educada tende a ter menos crianças, o que representa maior disponibilidade alimentos e maior atenção no seu cuidado. Também podem encorajar os seus filhos para irem à escola, ter interesse no que se passa dentro da escola e transmitir alguns conheciemntos e experiências que, por seu turno, vão contribuir para uma melhor aprendizagem dos alunos na escola.

Infelizmente, muitos sistemas educativos, em vez de contribuir para a redução de desigualdades e facilitar a integração social, continuama excluir grande número de crianças e, através do seus sistema selectivo, perpetuar a exclusão. Os que têm acesso a um ensino de alta qualidade nos níveis mais elevados podem alimentar a esperança de obter um emprego, o que não é o caso dos outros.

Apesar dos esforços consideráveis, como resultado da Declaração Mundial sobre “Educação para todos até ao ano 2000”, as taxas líquidas de escolarização ainda estão abaixo de 60-70% em vários países africanos e no sul da Ásia. Algumas matrículas baixaram em África tais como Camarões, Quénia, Tanzania, etc. Daqueles que conseguem ingressar no ensino primário, cerca de 50% abandonam antes de completar cinco anos de escolarização; portanto, antes de poderem ser considerados funcionalmente alfabetizados.

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A verdade é que muitos sistemas educativos não conseguem integrar ou manter na escola as crianças que trabalham (tanto nas zonas rurais como nas zonas urbanas), crianças dalguns grupos étnicos ou castas, em particular, meninas, os mais pobres dos pobres, em geral, os launos que provêm de ambientes desfavorecidos das zonas rurais e urbanas. Muitos países em desenvolvimento não conseguem manter aquelas crianças de grupos desfavorecidos para além de 2-3 anos de escolarização. Mesmo em países industrializados, incluíndo as nações da Europa do Leste, que tinham altas taxas líquidas de escolarização, já não conseguem manter na escola, para além da escolarização obrigatória, os jovens provenientes de meios mais desfavorecidos. Contudo, a sustentabilidade do desenvolvimento de projectos nas zonas rurais, a criação e expansão de micro empresas e de todas as actividades que potencialmente podem mudar o modo de vida dos pobres, requerem pessoas funcionalmente alfabetizadas que saibam ler, escrever e contar. Por outro lado, para se obter um emprego formal no sector moderno da economia já não basta o ensino primário; é preciso ter concluído o ensino secundário.

As razões para tal falhanço são várias e muitas são financeiras. Dada a baixa capacidade financeira dos governos para cobrir todas as despesas, pais e comunidades foram convidados a assumirem uma parte dos custos. Os custos de escolarização que incluem a compra dos livros, uniformes e outras contribuições para escola estão a tornar-se cada vez mais elevados e insuportáveis para algumas famílias. Esta é a razão que explica o declínio das matrículas no Quénia e na Tanzania. Outras razões têm a ver com a organização das escolas e seus regulamentos. Nas zonas rurais, a distância a ser percorrida desencoraja os pais a mandarem as suas filhas à escola; o calendário e os horários escolares entram em conflito com as obrigações das crianças que têm que trabalhar, ganhar algum rendimento ou ajudar a família. Então, estas crianças têm dificuldades de frequentar regularmente a escola. Podem repetir, mas acabam por abandonar a escola. As raparigas que ficam grávidas são excluídas da escola. Outras razões têm a ver com a qualidade das escolas que continua muito fraca. As salas de aulas estão quase sempre superlotadas, o tempo de aprendizagem é reduzido devido ao funcionamento em turnos (três ou quatro turnos em Moçambique) ou ao absentismo dos professores. O conteúdo dos programas, os métodos de ensino seguidos pelos professores e a língua de ensino, muitas vezes, não são relevantes às necessidades dos alunos. Em muitos casos, os professores são incapazes de analisar e procurar atender as necessidades específicas das crianças que vivem em condições difíceis. As turmas numerosas impedem a atenção individualizada que os professores podem pretender dar aos alunos. Mesmo nos casos em que isso não sucede, os professores não foram ensinados a ensinar diferentemente a grupos de alunos e a estimular o seu interesse. Muitas pessoas tomam atitudes fatalísticas em relação ao falhanço da escola, atribuindo-o ao facto das crianças serem pobres. Em vez de compensar a falta de apoio que a criança não tem em casa, provavelmente, muitos presumem, com base na baixa condição sócio-económica e cultural dos pais, que, automaticamente, as crianças terão dificuldades, o que reforça as possibilidades de repetir ou abandonar.

3.2.3 - As estratégias das agências

Banco Mundial: A educação está intimamente ligada aos objetivos de coesão social e de equidade. A política do banco é de reforçar as economias e expandir os mercados para melhorar a qualidade de vida dos povos, em particular dos mais pobres. Para tal, os objectivos do banco são de assegurar o acesso a um ensino relevante e de qualidade, um investimento inteligente e a criação de capacidade para sustentar estas aquisições sem a ajuda do banco. Estes objectivos respondem a cinco factores de mudança neste presente momento: a democratização, o desenvolvimento das economias de mercado, o crescimento da globalização, a expansão das inovações tecnológicas e a mudança de papéis entre o sector público e o privado e em que este tende a ser um actor importante nas áreas sociais. No domínio da educação a diversificação dos actores privados inclui estudantes, pais, comunidades, organizações não governamentais e empresários. A grande questão refere-se aos conhecimentos dos alunos através dum curriculum compatível com as situações de emprego e de desemprego; às competências dos professores e ao tipo de treinamento que devem receber; ao acompanhamento das aprendizagens dos alunos e ao desenvolvimento dos sistemas de avaliação; e à ligação entre o que as escolas fazem e o mundo de trabalho através do curriculum. As inovações tecnolígicas vão ter um grande impacto na geração, recolha, disseminação e uso dos conhecimentos.

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DFID: Alívio à pobreza é a questão central da política de ajuda adoptada pelo governo do Reino Unido que enfatiza: a redução do número de pessoas vivendo numa situação de pobreza até ao ano 2015 e, no domínio da educação isso implica: escolarização primária universal para todos os países até ao ano 2015; realizacão de progressos em relação à igualdade da mulher e eliminação de disparidades no ensino primário e secundário até ao ano 2005; redução em dois terços na mortalidade infantil de crianças abaixo dos cinco anos e em três quartos a mortalidade maternal até ao ano 2015 e o acesso aos cuidados primários de saúde para todos até ao ano 2015. Ênfase vai ser colocada sobre o acesso, para raparigas e rapazes, pobres ou ricos, rurais ou urbanos e os das etnias mais desfavorecidas, qualidade, retenção e equidade. Todos estes aspectos vão ser abordados através de políticas específicas que incluem a melhoria da escola, maior participação local, e prestação de contas, novas oportunidades para os pobres, reconstrução dos sisemas educativos nos países pobres que acabam de sair de situações sociais difíceis (guerras, conflitos, etc.) e da realização de pesquisas sobre a relação entre a educação e a eliminação da pobreza. Ainda há muitas crianças “escondidas” que não foram matriculadas e, por isso, estão largamente ignoradas; as desfavorecidas e portadoras de deficiências são igualmente invisíveis; e há necessidade de se obter uma melhor compreensão da ligação entre a educação e a saúde, como é o caso do impacto do HIV/SIDA sobre as crianças no seio das suas famílias.

O ensino secundário é importante mas é largamente ignorado. A questão necessita de ser vista urgentemente devido à necessidade de dar continuação do grande número dos que terminam o ciclo primário. O trabalho feito ao nível das instituições do ensino superior deve incidir, cada vez mais, sobre a pobreza.

3.3 - ESTRATÉGIAS EDUCATIVAS PARA GRUPOS DESFAVORECIDOS

A noção de grupos desfavorecidos encerra em si uma grande diversidade de categorias: as crianças da rua ou na rua, as crianças na mendicidade, as crianças trabalhadoras, as pessoas sujeitas à exploração sexual, as pessoas portadoras de deficiências, os jovens deliquentes, os nómadas, os refugiados, constituem grupos confrontados com situações de extrema precaridade e vulnerabilidade. A cada um destes grupos devem corresponder respostas específicas, em termos de acolhimento, formação, protecção e inserção.

3.3.1 - Quem são os desfavorecidos?

Os grupos de desfavorecidos são compostos por aqueles que, devido à sua situação económica, género, origem étnica ou linguística, religião ou estatuto político (p.e. refugiado), têm menos oportunidades de serem integrados social e economicamente. Invariavelmente, não têm acesso à terra ou outras formas de actividades para a geração de rendimentos e, e, geral, estão desprovidos dos serviços básicos tais como a saúde, uma habitação condigna e educação.

No domínio da educação, os desfavorecidos são todos os que não têm acesso à educação ou os que, depois de alguns anos de escolaridade, abandoram sem terem adquirido um nível mínimo de habilidades necessárias para gerir a vida adulta num determinado contexto local ou nacional: raparigas em zonas rurais remotas, crianças provenientes de minorias étnicas ou culturais, crianças que vivem em zonas suburbanas são pessoas que, em termos de educação, ou são desfavorecidos ou são simplesmente excluídos. Os perfis dos grupos desfavorecidos variam de país para país. Por isso, a definição de quem é desfavorecido é relativa e depende do contexto nacional. Em Particular, depende do nível educacional atingido pela maioria e da definição de quem é funcionalmente alfabetizado, sobretudo nas áreas económica e social. Em muitos países africanos, os grupos desfavorecidos são compostos por todos aqueles que não têm acesso a, pelo menos, 4-5 anos de escolaridade primária. Em países onde se massificou o acesso ao ensino secundário e onde a sociedade é altamente educada incluíndo em matéria de computação e onde para se obter um

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emprego é preciso ter um grau superior, o grupo de desfavorecidos será constituído por todos aqueles que não concluíram o ensino secundário ou não obtiveram uma qualificação certificada.

Muitos desfavorecidos são encontrados nas áreas rurais, onde, em vários países em desenvolvimento, ainda prevalece um grande índice de pobreza absoluta, mas também é encontrado nas zonas urbanas. Concerteza, a pobreza não é maior nas zonas urbanas que nas zonas rurais. Em particular, no domínio da educação, os indicadores de cobertura e de aproveitamento tendem a serem maiores nas cidades que nas zonas rurais. Contudo, o crescimento do número dos pobres, a erosão das famílias, e a diluição do sentido de comunidade e de solidariedade actuam em detrimento dos laços sociais e de apoio e, como consequência, muito mais crianças são entregues a si próprias nas cidades e com grande risco não só de abandonarem a escola mas também de se tornarem deliquentes ou marginais permanentes.

3.3.2 - A diversidade de programas para os grupos desfavorecidos: por onde começar?

A nível mundial, muitos programas foram levados a cabo para dar oportunidades de aprendizagem a diferentes grupos de desfavorecidos. Estes programas variam, em termos de objectivos, seu tamanho e suas estratégias de ensino e aprendizagem, em conformidade com as características e necessidades das crianças, jovens e adultos a quem se dirigem. Eles são organizados por instituições públicas e por organizações não governamentais, a nível central e local, e representam uma diversidade de abordagens e de intervenções. Diferem nos seus custos e na sua eficácia. Estes programas são vários e de difícil enumeração aqui, pois muito pouco se sabe, em detalhe, sobre os mesmos.

Contudo, uma questão importante para os governos e doadores é de saber qual dos programas apoiar prioritariamente? Atender, em primeiro lugar, os programas que vão ao encontro das necessidades das crianças que ainda estão na escola mas em grande risco de abandonarem antes de concluirem a educação básica? Ou atender aqueles programas que visam dar educação àqueles que nunca tiveram acesso à escola ou que abandonaram precocemente por diversas razões? Ou ainda atender aos programas relacionados com crianças ou jovens que trabalham e vivem na estrada? Ou ainda apoiar os programas de jovens cuja idade escolar é mais avançada e que possuem um certo nível educacional, mas estão desempregados ou estão a trabalhar em condições extremamente precárias.

A distinção que, muitas vezes, é feita entre intervenções preventivas, protectoras, de reabilitação ou curativas, quando se trata de crianças da rua, também é aplicável a todos os outros programas educacionais. Os programas preventivos que procuram atender às necessidades de aprendizagem dos grupos de crianças desfavorecidas antes dos seus problemas se tornarem muito sérios e antes de ter lugar a exclusão, provavelmente, são mais eficazes, a longo prazo, do que as intervenções curativas, quando as crianças já estão a viver na rua, ou quando os jovens já passaram por uma situação de desemprego durante muito tempo e desenvolveram comportamentos que dificultam a fácil integração. Dentre os programas preventivos mais eficazes destacam-se os ligados à educação pré-escolar e os programas alternativos desenvolvidos pelas comunidades (p.e. turmas e/ou escolas comunitárias em Moçambique) que permitem atender a crianças ou jovens que nunca poderiam ter ingressado na escola ou que evitam o abandono precoce. Quanto aos progrmas do ensino técnico-profissional, são mais efectivos aqueles que visam responder a uma demanda do mercado do trabalho, ou assistir aos jovens já engajados em actividades produtivas do que os que procuram dar uma formação aos jovens desempregados pura e simplesmente.

3.3.3 - Motivação das crianças e jovens: profissionalizar ou não?

Muitas vezes, um dos principais problemas da escola tradicional é que os pais, as crianças e jovens sentem que a educação que lhes é dada é irrelevante em relação às suas necessidades e não tem em conta a sua realidade. Mas, ao mesmo tempo, a educação dada às crianças e aos jovens deve ajudar-lhes a melhorar as

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suas práticas nos domínios da nutrição e da saúde, participar nas actividades da sua comunidade e sobreviver num mundo cada vez mais competitivo, bem como trbablhar duma forma produtiva para gerar seus rendimentos. Como já vimos nas aulas anteriores, há um consenso geral de que, dentre as mais relevantes habilidades para crianças e, mais tarde, adultos tanto vivendo nas áreas rurais como urbanas, destaca-se saber ler, escrever e contar. Estas são habilidades gerais indispensáveis para crianças e jovens de modo a ter acesso a conhecimentos e habilidades adicionais. Como algumas crianças e jovens têm que trabalhar para o seu sustento e para apoiar o sustento das suas famílias, determinadas habilidades específicas são-lhes ensinadas o que lhes encoraja a melhorar as suas actividades de geração de rendimentos tais como o comércio de esquinas ou passeios, etc. Ao mesmo tempo, é-lhes dada ajuda na busca de empréstimos e na defesa dos seus direitos. Quando o ensino/formação está orientado para potenciar as actuais actividades da criança/jovem, isso estimula-lhes e sustenta o seu interesse pelo programa pois, através do mesmo, conseguem obter algo que é útil para a sua vida imediata e futura.

Outros programas bem sucedidos são aqueles que dirigindo-se a comunidades nas zonas rurais, criam condições para que sejam estas a organizarem por si próprias os tais programas e a definirem o seu conteúdo, conforme as suas necessidades locais. Tendo em vista tornar sustentáveis os referidos programa e reforçar a capacidade das comunidades a gerí-los, gestores e animadores e outro pessoal precisam de obter um treinamento específico. Em primeiro lugar, as necessidades de treinamento devem ser identificadas a nível local pelos membros da comunidade. Em segundo lugar, as pessoas treinadas devem ser preparadas para o desenvolvimento do projecto: treinar muita gente, logo no começo, antes do projecto ter arrancado e trazer alguns resultados palpáveis, pode não ser condição de sucesso. Portanto, na fase inicial, o projecto deve ter um desenvolvimento em pequena escala.

3.3.4 - Descentralização e parceria: chave para uma gestão bem sucedida

A implementação de programas a favor dos grupos desfavorecidos requere cooperação entre os diferentes actores, desde o nível do Estado ou da sociedade civil, trabalhando a nível central, regional ou local no domínio da educação e doutros sectores económicos ou sociais. Para começar, os indivíduos são diferentes e têm necessidades diferentes de aprendizagem e isso só pode ser satisfeito através de contribuições das agências. Associar as famílias e comunidades na planificação e organização dos programas, bem como no processo de ensino pode jogar um papel importante na motivação das crians para participarem nesses programas. A educação, por si só, não pode aliviar a pobreza. Para que haja sucesso é importante que outras acções sejam empreendidas a partir de for a do domínio da educação. Medidas de redistribuição de rendimentos, reforma da terra, esquemas de habitação, medidas legais condenando o trabalho infantil e programas de saúde e nutrição pode contribuir para reduzir a pobreza e tornar a crian e o jovem mais educáveis. A criação de oportunidades de trabalho, o que permite os jovens a aplicar o que aprenderam é muito importante e requere cooperação com os agentes económicos. A experiência demonstra que o impacto de projectos alternativos de educação tende a ser maior quando são resultado duma abordagem colectiva envolvendo vários agentes que estão preocupados com o combate contra a pobreza e se as suas acções estão coordenadas. Para uma parceria bem sucedida é importante que se definam as responsabilidades de cada uma daspartes. Os parceiros devem estar preparados para mostrar respeito uns pelos outros. A sustentabilidade da parceria entre o Estado e as ONGs depende do poder e da eficiência de ambos.

ONGs, confissões religiosas e associações locais dominam melhor a tecnologia das estratégias alternativas para grupos desfavorecidos. Para além de serem flexíveis e criativos na escolha pedagógica, algumas adoptam metodologias de formação que potenciam (empowering) a participação e responsabilidade dos aprendizes, parecem terem desenvolvido um verdadeiro know-how na construção de relações com os grupos desfavorecidos. Muitas vezes, o seu contacto começa com actividades não educacionais tais como o desporto, divertimentos diversos, protecção dos direitos, actividades agrícolas ou sanitárias. Muitas ONGs enfatizam a necessidade de acompanhar a criança/jovem depois da conclusão do seu programa de formação

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e facilitar a sua colocação em micro-empresas, bem como obter um crédito para o início duma actividade. Neste sentido, elas cooperam com empresas locais, federação de empresas, artisãos locais, comunidades e autoridades locais, bem como representantes de vários ministérios. Finalmente, para financiar os seus programas, eles confiam nos contactos com as autoridades públicas a nível central e local, bem como com as agências e ONGs internacionais.

Devido à incapacidade do Estado em dar educação de base para todos, muitas comunidades rurais em África e noutros quadrantes criaram suas próprias escolas primárias ou, noutros casos, secundárias onde as crianças são matriculadas. A qualidade das ditas escolas pode ser melhorada, mas os conteúdos são adaptados ao meio local. Elas ensinam em línguas locais antes de introduzirem línguas estrangeiras e incluem elementos de história e cultura locais e combinam aulas teóricas com as práticas.

As municipalidades e outras autoridades descentralizadas começaram a financiar e a organizar vários programas para os grupos desfavorecidos. Dentro do quadro duma crescente descentralização da gestão educacional, elas vão se transformar em actores importantes ao nível local. Outros actores contribuem oferecendo uma formação técnico-profissional ou criando fundos para a formação profissional. As universidades estão cada vez mais a tornar-se parceiros importantes porque, elas próprias, organizam programas, quer participando nas reflexões sobre as novas e mais adaptadas pedagogias, e quer participando na preparação dos materiaisde formação ou no acompanhamento e avaliação dos programas implementados por terceiros.

Como resultado da multiplicação de actores e iniciativas das comunidades e das ONGs, a questão coloca-se em termos de saber qual deve ser o papel do Estado e das autoridades públicas descentralizadas. As relações entre o Estado e as ONGs são complexas, pois, de vez em quando, surgem situações de perda mútua de confiança. Nestes casos, as ONGs temem que o governo procure regulamentar as suas actividades e intervir demais nas suas acções, não respeitando os seus próprios compromissos. Por outro lado, o governo tem ciúmes das ONGs devido à sua maior capacidade de mobilizar financiamentos externos aos quais aquele gostaria de ter maior controlo.

Seja como fôr, o papel do Estado é de definir a política global e fixar as metas a serem atingidas. Também deve agir no sentido prevenir o agravamento das desigualdades ou assimetrias entre regiões, comunidades e as zonas rurais e urbanas. Uma outra forma de intervenção seria através do acompanhamento e da certificação dos programas realizados pelas comunidades.

Nem todas as ONGs estão a realizar um trabalho brilhante. Nem todas estão a realizar uma abordagem sectorial e participativa. Nem sempre o seu processo de gestão é transparente e há casos em que elas estão enfermas duma burocracia pesada. Nestes casos, o governo deve jogar um papel importante fornecendo informações sobre quem está a fazer o quê, de modo a facilitar a transparência e os mecanismos de coordenação. Outras ONGs têm problemas de gestão. Por isso, o Estado pode também pode ajudar as ONGs a fortalecerem-se.

3.3.5 - Os desafios da generalização

Muitos governos e agências estão preocupados com a meta de matricular 100% das crianças em, idade escolar. Esta meta não pode ser atingida facilmente pela multiplicação de micro-projectos, daqui a preocupação dos políticos em generalizar. Organizações e agências têm a mesma preocupação de identificar os modelos bem sucedidos e reproduzí-los num outro país e num contexto diferente. Não há um método padrão para a generalização e nem é fácil transferir uma abordagem que funcionou num dado contexto para outro. Contudo, aqui seguem algumas linhas de orientação:

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a) - Alguns programas são mais generalizáveis que outros: programas de educação básica que visem educar jovens que não estão em tão grandes dificuldades, são mais generalizáveis que outros. Estão mais padronizados na sua abordagem geral, mesmo se mantêm uma grande flexibilidade na sua implementação ao nível da base. Por outro lado, os programas que se propõem lidar com crianças da rua necessitam duma variedade de abordagens para atingir objectivos diversos: não são facilmente reproduzíveis. O mesmo pode ser dito em relação aos programas que envolvem artisãos do sector informal: as negociações levam muito tempo a convencê-los para cooperarem com as autoridades públicas. O que pode ser analisado e transferido são os métodos de análise das necessidades locais de formação.

b) - No processo de generalização, a abordagem seguida deve ser descrita etapa por etapa numa espécie de manual a ser utilizado pelos gestores dos formadores noutras áreas. Aqui existe o risco de extrema simplificação, tendo em vista permitir a sua transferência o que até pode implicar o corte de passos. Outro risco é de ritualização que até pode conduzir à extrema burocratização do processo, retirando-lhe a sua espontaneidade e vitalidade, em relação ao esquema original.

c) - A generalização dum programa implica o treinamento do pessoal das ONGs, reforçando a sua capacidade institucional, bem como as equipes de formação queestão no terreno. Isto implica o estabelecimento duma base de informação que vise facilitar o acompanhamento do processo e dos métodos de implementação e avaliação contínua da participação.

d) - Como já vimos, os programas para grupos desfavorecidos que foram bem sucedidos são aqueles que enfatizaram a responsabilização das comunidades e dos próprios aprendizes, através de abordagens participativas e descentralizadas. Na generalização há que assegurar flexibilidade e autonomia operacional aos que estão no terreno e, ao mesmo tempo, procurar garantir a coerência global do sistema e estabelecer os mecanismos de acompanhamento e de prestação de contas (accountability).

e) - A questão da selecção dos parceiros através dum concurso pode trazer alguns problemas, apesar de se garantir que o processo é mais transparente. O concurso pode desencorajar a entrada em competição das pequenas ONGs que trabalham com um público difícil: primeiro, porque podem ter capacidades de gestão limitadas para responder aos procedimentos dos concursos; segundo, podem ter medo de não serem competitivos e de não poderem demonstrar as suas performances em termos de eficiência. Aqui levanta-se o problema da selecção dos indicadores de performance quando se trata de analisar e avaliar programas efectivos.

f) - A institucionalização dos programas educacionais alternativos é também uma questão importante. A longo termo, o que vai suceder a estes programas? Vão continuar a serem alternativos? Ou serão institucionalizados, mesmo correndo o risco de serem considerados programas de segunda categoria por se dirigirem a grupos desfavorecidos? Uma melhor articulação entre a educação forma e não-formal, que permite a mobilidade de estudantes dum para outro sistema, e permitindo sobretudo que os estudantes mais brilhantes tenham a possibilidade prosseguir com a sua formação, pode ser uma boa solução para este dilema. Maior atenção deve ser dada aos mecanismos de certificação.

3.4 - ATACAR PROBLEMAS E NECESSIDADES ESPECÍFICOS

Problemas e necessidades específicos colocam-se em relação às raparigas desfavorecidas, às crianças da rua, aos indivíduos portadores de deficiências e às linguas maternas na educação.

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3.4.1 - As raparigas em condições desfavoráveis

Dez princípios devem orientar a actividade visando alargar as oportunidades educacionais às raparigas em condições desfavoráveis:

i) - O ensino pré-escolar e primário deveria ser oferecido nas mesmas instalações, como um todo contínuo e com um curriculum integrado para crianças dos 3 aos 10 anos;

ii) - estabelecer na escola uma ética de cooperação e de actividades centradas no aluno em todos os níveis;

iii) - recrutar professores, se possível, a partir da comunidade e procurando dar prioridade ao recrutamento das mulheres;

iv) - envolver toda a comunidade na tomada de responsabilidade, em conjunto com o director da escola, na selecção dos alunos; na gestão e recrutamento dos professores; no encorajamento das mulheres para agirem como voluntárias no apoio aos professores; no estabelecimento dum curriculum local e culturalmente relevante; na organização dum calendário compatível com os trabalhos correntes da comunidade; na gestão financeira do orçamento da escola, incluindo a definição das contribuições dos pais para o mesmo.

v) - satisfazer as necessidades da criança em aspectos de nutricionais e de saúde, tendo em vista promover o seu desenvolvimento cognitivo;

vi) - formar professores, em serviço, e enfatizar aspectos pessoais ligados à auto-estima, saúde, educação e alfabetização e educação de adultos;

vii) - dar apoio regular aos professores dando seguimento à sua formação inicial e assegurando que ficam dispersos em relação às pressões da comunidade;

viii) - sempre que possível, seleccionar mulheres para as funções de directoras de escolas dentre quadros que tenham sido formados localmente, dar-lhes uma formação específica em liderança e gestão e proceder ao seu acompanhamento.

ix) - enconrajar relações de colaboração, incluindo formas de co-financiamento e co-gestão entre organizações comunitárias e instituições dos governos;

x) - combinar uma proporção de qualquer fundo externo com uma contribuição proveniente da comunidade para cirar sustentabilidade aos programas iniciados.

No quadros de referências estabelecido pela UNICEF estabelecem-se os seguintes princípios adicionais:

i) - reforçar as estratégias de comunicação para permitir que as boas práticas e as lições aprendidas possam ser transmitidas e compartilhadas com os outros e, deste modo, ter uma boa base paracontinuar a mobilizar apoios para a educação em prol da rapariga;

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ii) defender (fazer advocacia) o programa de educação da rapariga através da difusão de publicações, conferências, seminários e reuniões sobre os direitos e necessidades da rapariga.

3.4.2 – Crianças da e na rua

Antes da Declaração de Jomtien sobre Educação para Todos até ao ano 2000, prestava-se pouca atenção aos problemas das crianças da rua e na rua. Mas, a pouco e pouco, o interesse sobre o assunto foi crescendo no seio de várias organizações e agências através de estudos e pesquisas feitas em África, Ásia, América Latina e Médio Oriente que forneceram uma base de dados, a partir da qual os projectos podem ser analizados e tiradas as devidas lições. O que mais sobressaíu dos estudos da UNESCO é que as pessoas mais comprometidas e efectivas são aquelas que baseam as suas intervenções em problemas pessoais e espirituais. Contudo, a questão das crianças da e na rua desafia a todos pois força-nos a questionar os nossos valores humanos e prioridades. As crianças da e na rua enfrentam dois tipos de violência: por um lado, são vítimas de violência e, por outro lado, elas próprias são símbolo dessa mesma violência. As ONGs jogam um papel importante no apoio a estas crianças, mas o governo deve-se envolver cada vez mais, pois tende a ver negativamente estas crianças. Uma vez que os governos jogam um papel dirigente da sociedade, é necessário assegurar que entende que tem responsabilidades em lidar com o problema pela raiz e procurar encontrar as soluções apropriadas.

Em geral, os Ministérios da Educação tendem a dissociar-se deste problema porque acham que não são responsáveis pelas crianças que não estão na escola. Por isso, os Ministérios da Educação necessitam de serem sensibilizados sobre o seu papel em termos de prevenção das condições que colocam as crianças numa situação de risco e da necessidade de lhes dar uma protecção especial; dando uma educação para a vida (incluindo resolução de conflitos, abuso de drogas, transmissão do HIV/SIDA), educando os pais acerca dos riscos a que estão sujeitos os seus filhos; fazendoda escola um santuário contra abusos e exploração; adoptando regulamentos anti-discriminatórios para crianças afectadas pelo HIV/SIDA e garantindo que as crianças fiquem muito mais tempo na escola.

A adopção do sistema de internamento pode ser importante para fazer face aos problemas de crianças que, por uma ou outra razão, não podem regressar às suas famílias. Na Namíbia, os programas estabelecidos têm como primeira prioridade a reintegração da criança na sua família; mas falhando esta possibilidade, elas são colocadas em internatos que ficam distantes das cidades. Quando possível, estas crianças são distribuidas por diferentes escolas, em vez de concentrar todas elas na mesma escola.

Ao lidar com o problema das crianças da rua, pouca atenção tem sido dada às meninas. A maior atenção vai para os rapazes que são mais visíveis e cada vez menos bem sucedidos na sua integração na escola. Contudo, é preciso ter a consciência de que as meninas tendem a sofrer mais do os rapazes devido aos abusos domésticos, explora,ão sexual e outras formas de sevícias.

Em países tais como o Brasil e México, as municipalidades transformaram-se num elemento chave no desenvolvimento de programas que se dirigem a crianças com este tipo de problemas. Numa única cidade, nesses países, chegam a ser recenseados mais de cem programas.

Contudo, uma grande dificuldade continua ser a discussão sobre o enfoque: se deve ser em medidas preventivas ou em medidas curativas. Muito ainda precisa de ser feito para que as crianças não se separem das suas famílias, sejam apoiadas em casa, para serem bem sucedidos nas escolas e serem colocados for a do perigo dessas situações. Um facto a não ignorar é de que, muitas vezes, as crianças da rua e na rua têm famílias, mas preferem separar-se delas e viver for a.

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A violência parece ser a razão principal e, nestes casos, é mais atraente e agradável viver na rua. Esta é uma questão complexa que não pode ser posta de lado e para qual muito ainda há por investigar.

3.4.3 - As crianças portadoras de deficiências

A questão das crianças portadoras de deficiências tem merecido uma considerável atenção nas pesquisas levadas a cabo pelos países da OCDE que examinam as práticas educativas para este grupo de indivíduos e se questionam sobre a maneira como deverá ser feita aabordagem de cerca de 20-30% de crianças que possuem necessidades especiais de educação. Uma importante base de trabalho está estabelecida na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) que enfatiza “a necessidade e urgência de se dar educação às crianças, jovens e adultos com necessidades especiais dentro do sistema educativo regular”. Nesta base, é disfuncional toda a escola que não estiver preparada para acolher todas as crianças, incluíndo as que possuem necessidades especiais de educação.

As crianças com necessidades especiais de educação podem ser estimadas em cerca de 20%, mas, destes, só uma pequena proporção é que, de facto, é composta por pessoas incapazes. Portanto, há uma tendência para ignorar os restantes 18%.

Não há nenhuma evidência que demonstre que as crianças incapazes aprendem melhor em ambiente segregado, ou que a presença de alunos incapazes distrai os professores da sua tarefa normal, ou que custe mais ter estes alunos em salas de aulas normais. Como alternativa a um sistema dual, um simples sistema inclusivo beneficia a escola que recebe recursos extra que, doutro modo, seriam utilizados na provisão alternativa. Há implicações para os países em desenvolvimento:

i) - O dualismo não deve ser incluído nas leis;

ii) - os professores têm que aprender a trabalhar em equipa;

iii) - devem ser evitadas distorsões na formação de professores;

iv) - o recrutamento de diferentes especialistas para lidar com os vários tipos de incapacidades tem uma vantagem positiva nas escolas inclusivas;

v) - as comunidades devem ser envolvidas;

vi) - os governos centrais devem desenvolver políticas que encorajem a aplicação dos princípios de inclusão e devem assegurar a implementação de convenções internacionais, avaliar e acompanhar o progresso e assegurar também a sua comparabilidade com normas internacionais;

A Etiópia oferece um estudo de caso útil onde o número de crianças “obviamente incapazes” é de cerca de 3% e onde as atitudes sociais incluem a crença de que a incapacidade é uma punição de Deus ou resulta dos espíritos maus. Nas zonas urbanas, estas atitudes são menos pronunciadas, mas, na prática, ainda há discriminação, com um tendência lenta para a aceitação da incapcidade.

Actualmente, apenas existem ONGs a prestarem serviços educativos aos incapazes, mas a FINIDA está engajada num programa que visa formar professores especialistas no país (para evitar problemas de regresso ao país), através duma universidade finlandesa (até agora foram

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formados 43 especialistas com o grau de Bacharel e Mestre). Uma lição aprendida com estes programas é de que, se ao nível de políticas apenas se referem à equidade e não há nenhuma especificação em relação às necessidades especiais de educação, os funcionários tendem a não dar a devida prioridade aos incapazes. Ainda se questiona: proquê formar os incapazes quando a sua taxa de participação, copmarada com a das outras crianças, é baixa?

O objectivo do apoio finlandês é de integrar as crianças incapacitadas nos programas da educação. No caso da Etiópia, não é possível, à partida, pensar-se que as crianças incapacitadas poderão ter aulas nas mesmas salas que as crianças normais. Contudo, tem sido possível organizar essas aulas em salas separadas mas dentro da mesma escola. É preciso ter em consideração de que a integração das crianças incapacitadas, numa abordagem inclusiva é um objectivo a longo termo.

Uma das maiores dificuldades neste domínio é a capacidade dos professores formularem um curriculum apropriado para este tipo de ensino. Eles devem colocar a pergunta e responder à seguinte questão: “Estamos a oferecer um serviço que responde às necessidades dos nossos clientes?”. Ademais, materiais de ensino apropriados devem ser desenvolvidos e estar disponíveis.

Ao nível político, é importante convencer os governos de que as necessidades educativas especiais representam uma questão dos direitos humanos, do que uma definição médica, tratamentos e cuidados. Os governos vão argumentar que devem priorizar a alocação dos seus recursos e vão perguntar porque razão devem gastá-los em provisões dispendiosas. Ademais, vão argumentar que, se as crianças são colocadas em instituições especiais elas vão ser tratadas melhor e convenientemente. A resposta deve ser que a inclusão das necessidades educativas especiais no sistema normal é para permitir que, que o sistema educativo como um todo, esteja preparado para acolher todas as crianças. Os argumentos contra o sistema tradicional são os seguintes:

i) - a classificação médica das crianças com incapacidades é arbitrária, sobretudo no que diz respeito à cegueira e à sudez parciais;

ii) - uma categorização administrativa não vai dar respostas relevantes às necessidades das crianças;

iii) - pesquisas feitas demonstram que há um elevado número de crianças provenientes de grupos étnicos que obtém a classificação de que tem necessidades educativas especiais;

iv) - a institucionalização das crianças tende a marcá-las com as características da instituição;

v) - a interacção entre as crianças incapacitadas e as outras normais é boa para ambas;

vi) - a inclusão de crianças incapacitadas cria maior respeito pelo indivíduo;

vii) - se a segregação começar ao nível da escola, onde elas vão-se enquadrar no mercado dotrabalho?

3.4.4 - O multilinguismo na educação

Um documento intitulado “A necessidade de introduzir a língua materna nos sistemas educativos dos países em desenvolvimento” descre a situação linguística de África, onde 90% do seu povo não compreende as linguas coloniais, que são linguas de instrução, em muitos casos. Apenas 8 países africanos possuem línguas nacionais que são oficiais. Existem argumentos a favor e contra as linguas maternas no ensino. Nos países onde o ensino ‘e feito em linguas nacionais deve ser feito duma forma experimental e contextualizada e não generalizada.

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Um outro documento preparado pelos alemães (do DSE) intitulado, “lingua materna e educação”, apresenta argumentos a favor da utilização da lingua materna na iniciação escolar e demonstra como essa instrução pode complementar a linguagem do dia a dia em casa e contribuir para desenvolver a lingua materna em relação a novos termos e conceitos. Evidências do estudo indicam que o ensino de crianças duma minoria cultural numa linguagem da maioria conduz a problemas de desenvolvimento cognitivo e de domínio das competências neste campo. De particular importância é o estabelecimento e apoio ao desenvolvimento dum “meio de literatura” em linguas maternas, o encorajamento e formação dos autores e editores e casas de publicação de literatura em linguas maternas.

Que fazer em relação às linguas de instrução é uma questão complicada que muitos educadores enfrentam hoje. Nas sociedades multilingues, com duas ou cem linguas, com uma ou nenhuma dominante, a questão de qual ou quais linguas a utilizar nas escolas, em que classe e para que propósitos, não é de fácil resposta. Concerteza, a razão desta dificuldade é que estas questões são profundamente políticas e culturais, que tocam directamente a identidade dum indivíduo, dum grupo ou duma nação inteira. Mas a questão é também pedagógica e de gestão. Como desenvolver materiais quando as línguas não se encontram escritas? Como formar as minorias? Quantos anos são necessários para se dominar a lingua materna e, depois, a lingua nacional? Como decidir a escolha duma lingua materna para o ensino numa situação de comunidade multilingue? É por esta razão e outras que os governos, ministérios da educação e muitas agências continuam a resistir à larga utilização das linguas maternas na educação. Por isso, neste domínio, é preciso agir com muito cuidado e criadoramente.

3.5 – AS NOVAS MODALIDADES DE COOPERAÇÃO NA EDUCAÇÃO

3.5.1 - A abordagem sectorial

A abordagem de programas sectoriais para o desenvolvimento da educação têm-se tornado uma prática corrente nos últimos tempos. Os elementos chave dos programas sectoriais residem no facto oferecerem uma visão mais ampla e, teoricamente, também dão um quadro estratégico claro e colocam o governo e os seus parceiros, incluindo os próprios doadores, a caminharem juntos no processo de implementação, minimizando, deste modo, o recurso à assistência técnica de longa duração. O principal objectivo é de combinar as políticas estabelecidas com os recursos em programas operacionais que assegurem coerência, coordenação e compromisso de todas as partes envolvidas.

Contudo, há alguns paradoxos nesta abordagem: se as agências podem realmente confiar na eficiência das estruturas e dos procedimentos governamentais para a oferta da assistência, então, deve-se concluir que essa assistência é mesmo necessária. O ponto é que as estruturas sobre as quais se realiza a oferta da ajuda não estão adequadamente desenvolvidas e é por isso que essa ajuda é necessária. Ademais, é preciso acrescentar que os programas sectoriais são um meio enão um em si mesmos. Oferecem uma oportunidade de se sair duma abordagem baseada em projectos isolados, mas continuam a ser uma forma de se dar assistência aos países. Requerem um alto grau de confiança nos procedimentos do governo. Contudo, há agências que são relutantes e que adoptam a atitude “deixar os outros avançarem, para ver depois”.

Historicamente, os programas sectoriais desenvolveram-se a partir do momento em que o sector da educação passou a figurar na agenda macro-económica e os doadores começaram a considerar a ideia de aopio orçamental, em vez de dar uma assistência tradicional com base em projectos isolados. Esta abordagem já levantou problemas no seio dalguns governos que também já apresentaram uma proposta aos doadores de que são ambiciosos para tão poucos recursos. Outras dificuldades estão relacionadas com a lentidão ou estagnação que se verifica no processo de reformas orçamentais e do funcionalismo público e

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há casos em que não há mesmo vontade política da parte dos governos e estes nem sempre estão disponíveis para tomarem medidas impopulares o que faz perder confiança.

Do lado dos doadores, também há problemas que se levantam à medida que se vai avançando no processo de aplicação da abordagem de programas sectoriais. Por vezes, os doadores sobrepõem-se aos sistemas e procedimentos do governo, tentam usurpar a direcção do processo, atrasos e incertezas na chegada dos aopios dos doadores (muitas vezes, deixando os governos sem grande margem de manobra), falta de transparência, o uso desnecessário da assistência técnica estrangeira, falta de consistência nos subsídios, fraca comunicação e trabalho em equipe e os indesejáveis desvios de altos funcionários governamentais dos seus postos de trabalho, para assumirem responsabilidades nas agências com remunerações mais elevadas. Outras dificuldades têm a ver com o estabelecimento duma real parceria.

O recente movimento a favor dos programas sectoriais foi caracterizado pela sucessão de conferências, a aplicação bem sucedida desta abordagem noutros sectores e o desejo de encontrar novas modalidades de os doadores oferecerem ajuda ao desenvolvimento da educação, o surgimento de novas políticas no seio dos doadores e as iniciativas visando uma maior coordenação entre s doadores (o grupo horizon 2000, o IWGE e a ADEA).

As experiências até agora recolhidas sugerem que os desenvolvimentos futuros sejam manipulados com muita precaução, e com uma cuidada selecção de países pilotos, tomando em consideração que os programas sectoriais podem representar uma grande reforma que não é de fácil gestão, mesmo nas circunstâncias ideiais, e implicam uma total aceitação de esses programas pertencem aos governos e são da sua autoria, bem como a utilização de sistemas do governo, em vez de sistemas impostos de for a e ainda uma utilização apropriada dos consultores externos. A proposta do código de conduta precisa de ser acordada e implementada como parte do processo. Os programas sectoriais são um processo evolutivo em direcção aos objectivos preconizados que devem ser revistos regularmente e estes objectivos podem ser objecto de revisão quando se constatar que não são realísticos.

Para se trabalhar duma forma apropriada, os programas sectoriais devem ser instrumentos de maior consistência e coerência entre os governos e os doadores. Como instrumentos, os programas sectoriais devem ser desenhados de modo a promover a melhoria da capacidade do governo em gerir os seus programas; a ideia é de se reforçar a gestão lá onde ela é necessária, mas tendo sempre em conta que as agências detêm os recursos que nem sempre estão disponíveis para os governos para este tipo de actividades. Os programas sectoriais exigem um trabalho de genuína colaboração e cooperação entre as agências. De alguma maneira, o conceito de apoio orçamental faz-nos recuar para Bretton Woods e o Plano Marshall, onde este tipo de financiamento precedeu o conceito de abordagem baseada em projectos.

Há diferentes opiniões acerca da “fungibilidade” (transferência?), processo através do qual os fundos alocados a um determinado sector permitem ao governo reduzir as despesas neste sector a fim de aumentar os recursos dum outro sector. Há um argumento segundo oqual dentor dos cofres do governo o dinheiro é fungível dum sector para outro e que o financiamento deve ser alocado para o desenvolvimento dum dado sector. Para o Banco Mundial, o dinheiro é desembolsado tendo em vista compras específicas ou actividades já designadas, p.e. a compra do combustível. Nestas circunstâncias, é aceitável utilizar procedimetnos locais, desde que estejam de acordo com as orientações do Banco Mundial. Contudo, em muitos casos, a forma de compras e auditorias locais nem sempre estão adequados.

Outra dificuldade com os programas sectoriais reside no seu potencial de excluir algumas agências do processo colaborativo com o fundamento de que o tipo de actividades de que são favoritos não coincide pelnamente com o quadro global. Os programas sectoriais representam o que a USAID designa de non project assitance, cujo objectivo é de reforçar a capacidade dos governos. Competência, coer^encia e gestão são os elementos fundamentais para que a técnica funcione. Como é óbvio, o processo ainda está no

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seu começo e ai haverá sempre dificuldades a enfrentar, uma vez que as agências e os governos estão uma agenda que é um desafio e que exige um substancial mudança de atitudes e de métodos de trabalho.

3.5.2 - As consultorias

Tradicionalmente, as consultorias ocupavam uma posição central na provisão da ajuda da parte dos doadores. Universalmente, as consultorias sempre foram percebidas como representando os interesses das agências doadoras, em vez de representar os interesses dos governos beneficiários da ajuda. Contudo, actualmente, as consultorias tendem a ser cada vez mais utilizadas no desenho de políticas e estratégias, elaboração de questões financeira e técnicas e na avaliação das actividades. Como a natureza das consultorias está a mudar, estas tendem a ser mais facilitadoras, de trabalho conjunto e em grupo e de reforço da capacidade institucional.

O mais recente e importante desenvolvimento está relacionado com a mudança de atitudes, passando-se a aceitar consultores locais,nacionais ou regionais. A vantagem é óbvia: os consultores nacionais conhecem a cena local, são mais aceitáveis nas instituições locais, têm uma ampla compreensão e cometimento, bem como afinidades culturais em relação às situações, possuem familiaridade com as línguas locais e habilidades apropriadas para a comunicação e são mais custo-efectivo, particularmente no que diz respeito ao tempo gasto na compreensão das situações e grande potencial para a continuidade. Por isso, deve haver esforços concentrados na criação de habilidades e experiências, através do treinamento e outras formas de preparação. As novas habilidades requeridas pelas novas características da ajuda ao desenvolvimento exigem análise e codificação, tendo em vista uma melhor utilização dos consultores existentes e outros que venham a existir. A questão que se levanta é de saber onde encontrar os consultores com este novo estilo de trabalho? Como evitar a sedução de académicos e outros funcionários públicos? Ou é melhor equipar e apoiar instituições locais, em vez de indivíduos?

A Dinamarca tem incentivado esta política de utilização de instituições, como parte das redes colaborativas entre as diferentes instituições. Uma ligação entre departamentos de universidades oferece uma oportunidade para a criação de capacidades em áreas onde há pouca expertise ou ela existe apenas a nível de consultores internacionais. Estas redes de colaboração não estão baseadas nas ligações tradicionais Norte-Sul, mas em contactos entre um certo número de instituições (uma das quais pode ser da Dinamarca, mas não necessariamente), de modo que possam trocar informações e experiências. Um período de cinco anos é o suficiente para construir capacidades indígenas. Este tipo de relacionamento a longo termo tem o potencial de desenvolver capacidades colectivas ou departamentais que podem evitar que as pessoas desrtem das suas faculdades ou dos serviços públicos. O objectivo óbvio duma consultoria seria de contribuir para o desenvolvimento de capacidades locais. Contudo, uma questão é que muitos consultores não têm interesse em se substituir por consultores locais. Mas é preciso reconhecer que, nalguns casos, os consultores são necessários para realizar uma actividade específica.

Muitas vezes, os governos estão preocupados com o custos dos consultores internacionais: p.e., 240 mil USD são necessários para pagar 12 meses dum consultor, quando com o mesmo montante poderiam pagos salários de 240 professores. Por isso, uma forma de contornar o problema pode ser o recurso aos voluntários (Peace Corps, VSO e outros). Mas uma consultoria bem utilizada pode ser um investimento importante na criação de capacidades locais.

Enfim, uma consultoria é de difícil avaliação. É um elemento necessário no desenvolvimento de estratégias, na avaliação, acompanhamento e outras actividades. Todos aceitam que a criação de capacidades indígenas é essencial e isso deve ser feito duma forma sistemática através de ligações e melhoria das capacidades institucionais. Deve-se ter sempre em conta que, onde não há consultores nacionais, há uma capacidade regional. Contudo, progressos devem ser feitos em termos de harmonização dos emolumentos e

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identificação de novas competências para ir ao encontro das novas formas de colaboração entre os governos e as agências.

3.5.3 - Código de conduta para as agências de financiamento da educação

Um certo número de doadores, mormente os que participam nas reuniões de Horizon 2000, propuseram um código de conduta conjunto para encorajar os países membros e outros a seguirem as linhas gerais de orientacão desse código sobre como os doadores devem harmonizar e coordenar as suas actividades e reforçar as parcerias com os governos. Estas linhas de orientação foram discutidas com os ministros responsàveis da ADEA numa reunião em Kampala, durante a qual eles mostraram interesse na importância de se utilizarem as estruturas locais e assegurar uma eventual harmonização das remunerações, entre os consultores locais e nacionais, bem como harmonização das ajudas de custo e de viagens. O conteúdo global do código de conduta pode ser sumarizado como se segue:

i) - fornecimento de informação total ao governo e aos doadores (incluindo todos os relatórios e avaliações) acerca do sector;

ii) - respeitar as remunerações acordadas com os doadores e evitar o recrutamento de funcionários para consultorias privadas;

iii) - assegurar que a assistência técnica é recrutada conforme as lacunas nas capacidades locais, com relatórios para os gestores do governo, apoio à capacidade institucional e a priorização da capacitação das consultorias locais;

iv) - encorajar os consensos, mecanismos de coordenação e a apropriação;

v) - trabalhar no sentido de utilizar os procedimentos financeiros e de compras e outros (incluindo o ano fiscal) do país beneficiário, tendo em vista passar para o apoio orçamental, logo que os mecanismos apropriados estiverem implantados;

vi) - usar as estruturas existentes para alcançar a total integração na política do MINED;

vii) - assegurar efectiva comunicação entre os escritórios locais do doador e a respectiva sede;

viii) - trabalhar em direcção a acompanhamentos, auditorias e avaliações conjuntas;

ix) - acomodar-se nos calendários do país beneficiário e tomar atitudes intimidatórias aos governos;

x) - assegurar a inclusão dos aspectos do género e ambientais nas actividades educativas.

O objectivo geral do documento é de atingir a transparência, equidade, coordenação e integração e procurando dar liderança e apropriação aos programas governamentais de apoio ao sector da educação, através de acompanhamento, avaliação e auditoria. Pretende-se, deste modo, criar confian e respeito entre os doadores e seus parceiros do governo, através de responsabilidades compartilhadas.

Um grupo de agências que não faz parte do Horizon 2000 apresentou sérias reservas em relação ao código de conduta e indicaram que ele contém elementos que podem ser inaceitáveis para as respectivas administrações e que são inconsistentes com as suas abordagens, para além de que tem implicações legais e financeiras que devem ser aprofundadas entre os doadores. Adenais, foram feitas críticas para o facto de o

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documento não distingue aspectos de políticas e de detalhe. Outra questão está relacionada com o facto de não haver qualquer refer6encia às ONGs ou a instituições tais como universidades. Portanto, o código devia incidir mais nos aspectos de colaboração e de parceria.

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4 – ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE DESCENTRALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO

A – Aspectos legais

A responsabilidade de prover a educação básica está inscrita nas leis de quase todos os países. Muitas vezes, as constituições nacionais determinam que a educação primária deve ser universal e gratuíta. Neste sentido, os legisladores emanam leis que governam a provisão da educação básica e os governos e administrações locais adoptam regulamentação pertinente para executarem essas leis. Todas as tentativas para a descentralização da educação básica, em várias partes do mundo, sempre implicou mudanças na lei. Concerteza, há outros factores que influenciam os resultados da descentralização. Enquanto o sistema formal da educação é produto duma lei, e os esforços para a reforma vão requerer mudanças na lei, também é verdade que a descentralização não se faz apenas passando leis ou decretos. A descentralização é construída e não criada. Acontece duma forma morosa devido à cultura organizacional (p.e. esta a maneira pela qual sempre fizémos as coisas) que deve ser transformada, o que implica uma nova aprendizagem dos papéis e a alteração dos estilos de liderança e os programas e políticas regionais devem ser desenvolvidos.

Também é verdade que, em muitos casos, a descentralização teve lugar sem qualquer tipo de acção legislativa. Em muitos países africanos, a descentralização aconteceu porque a transferência dos serviços de provisão foi mais “de facto” que “de jure”, pois os governos centrais simplesmente se tornaram incapazes de exercer a sua total responsabilidade financeira e administrativa.

4.1 - Descentralização: diferenças na forma, grau e contexto

Num sistema de educação primária centralizado a maior parte das funções de decisão, acompanhamento e

de gestão está concentrada no Ministério da Educação. O governo central regula todos os aspectos do

sistema, incluíndo os que dizem respeito aos estudantes, professores, financiamento e edifícios. Ele fixa as

políticas e realiza as funções de gestão tais como o pagamento de salário dos professores, e organizar

cursos de formação inicial e em serviço dos docentes. Uma vez que há aspectos do dia a dia a ter em

conta, os funcionários possuem algum poder, mas a sua iniciativa é muito limitada.

Em contrapartida, um sistema descentralizado é caracterizado pelo exercício substancial do poder a nível local em vários aspectos, embora sujeito a algum controlo da parte do governo central. Nestes casos, as responsabilidades podem ser descentralizadas para a província, distrito, cidade, escola individualmente ou em grupo.

Na prática, a maior parte dos sistemas educativos possui ambos elementos de centralização e de descentralização. Nalguns sistemas parcialmente descentralizados, alguns poderes mantêm-se nas mãos da autoridade central e outros são exercidos localmente. Os planificadores que estão na reforma da descentralização devem identificar componentes do sistema educativo que são apropriadamente geridos a nível central e também a nível local, tendo em conta as circunstâncias do país e os objectivos da reforma. Os países descentralizam a educação básica devido a uma série de razões: poupar dinheiro e desenvolver uma gestão eficiente e flexível; transferir responsabilidades aos mais capazes níveis governamentais; aumentar as receitas necessárias; conformar com a reforma administrativa mais ampla ou com o princípio geral de que as responsabilidades administrativas devem ser investidas aos mais baixos níveis do governo; dar voz aos utentes na tomada de decisões que lhes afectam; etc. É muito importante definir os objectivos da descentralização para se poder medir os seus resultados no fim da operação.

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a) - Desconcentração, descentralização e devolução

Até agora utilizamos apenas o sentido mais amplo da descentralização: para deslocar a tomada de decisões do centro para o mais próximo possível dos utentes dos serviços. Neste momento impõe-se que nos debrucemos sobre os diferentes tipos de descentralização. A literatura especializada nestes assuntos identifica três tipos de descentralização: desconcentração, descentralização propriamente dita (ou delegação) e devolução. No contexto da educação básica estamos preocupados com a desconcentração e a devolução.

a.1) - Definição da desconcentração

A desconcentração é a entrega da autoridade administrativa ou responsabilidade aos mais baixos níveis do governo ou de agências. Do ponto de vista legal, a característica da desconcentração é a de que as pessoas a quem são dadas responsabilidades adicionais fazem parte do ministério central e continuam a trabalhar sob a supervisão desse ministério. Portanto, a autoridade na tomada de decisões é transferida dentro da mesma entidade legal. Através da desconcentração coloca-se mais responsabilidades nas mãos dos funcionários do ministério que estão colocados próximos dos utentes dos serviços e, deste modo, espera-se que a sua capacidade de resposta em relação às necessidades locais seja muito eficaz. Mas a desconcentração não modifica a noção básica de que quem está a gerir o sistema educativo são agentes do ministério que agem em nome deste e a ele prestam contas. O ministério a nível central continua a ser responsável pelos actos dos seus agentes e pelo financiamento do sistema.

a.2) - Distinção entre descentralização e devolução

Devolução e descentralização, no seu sentido mais restrito, são caracterizados pela ideia de que a entidade ou a agência que recebe os novos poderes está legalmente separado do ministério central que, inicialmente, detinha esses poderes e não tem que lhe prestar contas. Os autores diferem, um pouco, quanto à distinção entre a descentralização e a devolução.

No caso da descentralização (que, algumas vezes, também é referida como delegação), a entidade que recebe os poderes é tipicamente uma instituição pública ou agência regional que está sujeita a um significativo controlo da parte do ministério central. Estes casos são raros no caso da educação básica.

No caso da devolução, o poder para regular a provisão da educação básica é atribuído aos governos ou entidades locais. A devolução tem quatro características: a entidade que assume as responsabilidades está legalmente separada do ministério central; a entidade age em seu próprio nome e não está sob supervisão hierárquica de qualquer ministério central; a entidade apenas exercer os poderes que lhe foram atribuídos pela lei; e a entidade apenas pode agir dentro dos limites geográficos que lhe foram atribuídos por lei. Por cima destas entidades, podemos encontrar um corpo de pessoas eleitas pela população local para fazer a sua supervisão. Devido à sua separação legal do ministério central, a entidade pode realizar contratos e conduzir outro tipo de transacções em seu próprio nome. A entidade local é totalmente responsável pelos seus actos e o ministério central não tem qualquer responsabilidade, a menos que a lei estabeleça outro tipo de arranjo. Contudo, apesar de estar legalmente separada do ministério central, a entidade não é livre de fazer o que lhe apetece. Os governos locais devem agir dentro dos limites estabelecidos pela lei.

Como consequência da devolução, a entidade local é responsável pelas funções que a lei lhe atribui. Os seus agentes agem em nome da entidade local e, somente a entidade local, e não o ministério central, é responsável por eles. Isto tem consequências importantes no financiamento da educação básica. À entidade local pode ser atribuída a tarefa de gerir escolas e pagar os salários dos professores. Porém, se não houver uma fonte segura de financiamento ou se não tiver poderes para, duma forma independente, colectar receitas, a entidade local não vai poder exercer cabalmente as suas novas responsabilidades.

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Um dos objectivos usuais da descentralização é a melhoria da eficiência e equidade do ensino primário, através da transferência de responsabilidades para as autoridades locais. Contudo, a menos que a reforma seja bem planeada e implementada, este objectivo pode não ser completamente realizado. Por exemplo, se a legislação descentraliza a fonte de financiamento, deixando para as entidades locais a responsabilidade de colectar fundos, pode haver um significativo desfazamento entre o tempo em que a autoridade central fica liberta dessa tarefa e o momento em que as autoridades locais ganham capacidade para colectar e alocar fundos. Nestes casos, se a legislação não prevê medidas transitórias, tais como o esquema das compensações, as disparidades regionais podem desenvolver-se.

b) - A questão do controlo formal

A questão chave em qualquer esforço de descentralização é definir que controlo será exercido pelo ministério central sobre a entidade local. Num extremo, se o ministério central controla as entidades locais duma forma tão apertada como faz com os seus agentes, estaremos em presença da desconcentração, e não descentralização ou devolução. Num outro extremo, se o governo central não exerce qualquer controlo, a entidade local terá poder político e estaremos em presença duma situação de estado federado. É entre estes dois extremos que o controlo pelo governo central deve ser definido.

Em geral, como já vimos, as entidades locais apenas podem agir dentro dos limites da lei que lhes cria ou estabelece e regula as suas actividades. Nalguns casos, um ministério central pode ser encarregue de proceder à sua supervisão. Por exemplo, nalguns países, os governos locais estão sob supervisão do ministério do interior e noutros casos, o controlo pode ser exercido pelos tribunais. Noutros casos, muito raros, o controlo pode ser exercido apenas antes da decisão ser tomada pela entidade local (mas este tipo de veto pode acabar com a autonomia da entidade local). Nos outros casos, o controlo é feito após a tomada da decisão.

As decisões das entidades locais podem ser objecto de anulação sob certas condições especificadas pela lei. Alternativamente, a autoridade central pode ter poderes para forçar a entidade local a reconsiderar a sua decisão. A lei também pode estabelecer esquemas de emergência, sob as quais os poderes das autoridades locais podem ser retirados se elas falharem agir em conformidade com a lei. De toda a maneira, a lei deve determinar se acção para remediar compete ao ministério central ou ao tribunal.

Ao devolver o poder de decisão, os políticos podem pretender fazer um balanço entre a autonomia da entidade local e o controlo pela autoridade central ou judicial. Um cuidadoso balanço deve ser procurado entre a necessidade de salvaguardar que as entidades locais não tomem decisões arbitrárias e a necessidade de manter a sua autonomia. Uma opção pode ser a de deixar que o indivíduo que foi afectado pela alegada decisão arbitrária apresente uma queixa aos tribunais contra a entidade local. A outra opção pode ser a de se adoptarem mecanismos de recurso ou de suspensão, tais como o veto pela autoridade central ou a avocação dos poderes para a autoridade central.

No domínio da educação, mesmo se as autoridades locais receberam poderes exclusivos para tomarem iniciativa, algum controlo vai permanecer a nível central. O grau desse controlo vai indicar em que direcção se está a avançar no processo de descentralização. A limitação dos poderes das autoridades locais pode influenciar a sua vontade para aceitar novas funções. Contudo, esta restrição pode ser justificada se as entidades locais forem inexperientes.

c) - Responsabilidades compartilhadas

O controlo formal estabelecido pela lei não constitui o único limite colocado em relação à liberdade de acção das entidades locais. Tomando em consideração que as componentes do sistema educativo são

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interdependentes, as acções das entidades locais devem ser limitadas pelas acções da autoridade central. Para vários aspectos do sistema educativo, existem diversas formas de relacionamento que podem ser estabelecidas entre o governo central e as entidades locais. Por exemplo, mesmo se às autoridades locais são atribuídas responsabilidades sobre o curriculum, a sua liberdade de acção vai ser limitada pelos requisitos estabelecidos sobre os padrões mínimos que os estudantes devem reunir para passarem ao nível seguinte. O governo central pode também fixar os parâmetros do curriculum e as entidades locais escolherem os manuais e liovros a utilizar nas aulas, ou também pode impôr tópicos para uma parte do dia lectivo e deixar o resto do tempo para o curriculum local. O sistema de financiamento das escolas pode também levantar problemas sobre a partilha de responsabilidades, dependendo da liberdade que entidades locais tiverem para estabelecer os seus próprios orçamentos e colectar receitas próprias.

A partilha e distribuição de poderes pode afectar o processo de prestação de contas e a eficiência. Se a capacidade de decisão é exclusivamente atribuída às entidades locais, a prestação de contas vai ser mais reforçada. Por outro lado, as resposanbilidades partilhadas pode promover eficiência e consistência se a autoridade central pode melhorar o processo ou se as entidades locais ainda não estão prontas para assumir totalmente as responsabilidades.

d) - Autoridade na tomada de decisão

Os países que pretendam descentralizar o ensino primário poderão começar de diversas formas de estruturas governamentais (muito centralizadas, moderadamente descentralizadas) e distribuir diferentemente as responsabilidades pelas funções educativas. Vários factores podem influenciar a decisão sobre para onde, dentro das estruturas locais do governo, serão transferidos os poderes relativos ao sector da educação. Estes factores incluem considerações sobre os aspectos financeiros, tais como a capacidade para colectar receitas, a proximidade (geográfica e administrativa) das infraestruturas e dos utentes do sistema e as potencialidades presentes e futuras de gestão.

d) - Contexto e passos da descentralização

A descentralização pode ter lugar dentro do contexto duma política de reformas ou pode ser desencadeado sem haver essa política. A descentralização pode ser feita rapidamente, como foi no caso da Nova Zelândia, ou ser feita mais gradualmente. As diferentes variações podem ser agrupadas em três categorias. Primeiro, se a reforma da educação tem lugar como parte dum programa global de descentralização, aí vai haver realmente uma efectiva descentralização geográfica e funcional. Segundo, se a descentraização do governo já teve lugar, no momento da reforma as estruturas locais já estarão legalmente criadas e a funcionar. Nesse caso, a descentralização da educação será muito facilitada. Contudo, problemas poderão surgir se as entidades locais não estiverem devidamente preparadas para se ocuparem da educação. Por isso, pode ser necessário criar estruturas paralelas para se ocuparem da educação. Se as responsabilidades não estiverem claramente definidas, as autoridades locais da educação podem entrar em competição com as entidades locais Terceiro, o esforço da descentralização pode estar confinado ao sector da educação. Este pode ser o caso dum governo centralizado em que se define a educação um sector a testar no processo de descentralização.

É crucial que, logo no começo do processo, se assegure que todos os potenciais problemas de implementação tais como o estabelecimento de estruturas locais de governo (se desconcentração ou se devolução), são cuidadosamente estudados de modo a evitar os riscos da reforma se realizar num vazio de instituições e sofrer da falta de experiência, infraestruturas e agência de implementação. Em muitos casos as reformas foram realizadas não somente com a adopção de leis, mas com trabalho prático concreto. No Chile, o processo de descentralização foi feito em dois momentos: houve uma descentralização financeira realizada entre 1973 e 1989, seguida pela descentralização pedagógica entre 1990 e 1995.

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4.2 – A legislação para a descentralização

Uma vez estabelecidos os objectivos do programa de descentralização e conhecido o contexto em que a mesma vai ter lugar, devem ser definidos os instrumentos legais a ser utilizados. Isso varia de país para país, dependendo dos quadros legais estabelecidos. Em vários casos, existe uma lei básica que governa a provisão da educação. Então, esta lei deve ser emendada para dar cobertura e força à descentralização do sistema.

Dois conjuntos de de questões se levantam. Primeiro, que aspectos da reforma devem ser abordados na própria lei e quais aqueles que podem ser deixados para decretos e outros instrumentos regulamentares? Segundo, que outras leis devem ser tomadas em consideração ou ser modificadas para poderem facilitar a implementação da reforma. Os reformadores podem ter necessidade de considerar alguns aspectos da constituição e podem ter necessidade de emendar as leis que governam os poderes e funções das autoridades locais, bem como as leis que governam os estatutos dos professores, enquanto funcionários públicos.

As regras estabelecidas para o sistema legal num dado país podem ser extraídas de várias fontes. Fora da constituição, a mais alta fonte é a lei. As leis são adoptadas pelo Parlamento ou Assembleia da República, assinadas pelo respectivo Presidente, promulgadas pelo Chefe do Estado e mandadas publicar. Os parlamentos têm uma vasta latitude na escolha dos conteúdos da legislação e apenas são limitados pela constituição e, nalguns casos, pelos tratados internacionais de que os países fazem parte. Em geral, as leis são adoptadas após um complexo e longo processo de consultas e de debates e apenas podem ser emendadas pelo mesmo órgão. Por esta razão, as leis devem conter apenas os princípios básicos do novo sistema descentralizado. Os detalhes administrativos e outros procedimentos que podem ter que ser modificados à medida que a implementação prossegue, devem ser tratados a nível de decretos ou diplomas ministeriais e circulares ou instruções que também têm força de lei, uma vez que a regulamentam ou complementam. Estes instrumentos são adoptados pelo executivo e o seu processo de modificação ou emenda é mais simples. Estes instrumentos são de cumprimento obrigatório. Contudo, em cada sistema existem limites sobre o que deve ser tratado a nível de decretos.Um dos objectivos da descentralização é atribuir poderes às autoridades locais para regularem partes do sistema educativo. Estas actuam com base em regulamentos que, uma vez adoptados de acordo com os limites estabelecidos pela lei, são também de cumprimento obrigatório. Uma revisão da experiência acumulada em vários países sobre a descenttralização mostra que a legislação atinente à descentralização contém três características:

* - deve ser suficientemente compreensiva para definir claramente os direitos e obrigações das respectivas entidades envolvidas;

* - deve ser suficientemente flexível para permitir uma implementação eficiente

* - deve ser realística, tendo em conta principalmente os constrangimentos durante a implementação.

Cerca de três décadas passadas, discutindo a planificação e administração da educação na África Oriental, Roger Carter notou que, “boa legislação é uma questão de equilíbrio. A questão principal é de saber se permite desenvolver iniciativas tanto a nível central como local”. Ele ainda acrescentou “a quantidade e natureza da legislação que é necessária num dado país vai depender das circunstâncias locais, tradições e temperamentos, bem como das actividades a serem reguladas”.

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Uma das consequências da descentralização é de que as autoridades locais passam a ser responsáveis pelos seus actos e omissões, incluíndo as que resultam na construção de escolas inseguras. Por exemplo, a lei da descentralização do sistema educativo no Chile em 1980, transferiu a responsabilidade pelos edifícios escolares da Ministério da Educação para os municípios. No Zimbabwe muitas igrejas e distritos municipais são proprietários de escolas. A lei deve ser muito cuidadosa na distribuição de responsabilidades entre os diferentes órgãos envolvidos, de modo a evitar problemas que podem advir da imprecisão. Em França, por exemplo, as escolas são estabelecidas por órgãos locais autónomos, mas estes órgãos são dirigidos por um director nomeado centralmente que deve trabalhar com base em fundos disponibilizados pelas autoridades locais para a manutenção das escolas. Quando os planificadores planificam a devolução da propriedade ou gestão de escolas devem estar conscientes das implicações legais e tentar testar antecipadamente a capacidadedas autoridades locais em assumir tais responsabilidades. Arranjos transitórios devem ser feitos. Se o legislador avançar muito depressa nas reformas, corre-se o risco de se criar caos. As novas funções a serem transferidas não podem exceder a capacidade das autoridades locais. As novas responsabilidades transferidas devem ser acompanhadas da autoridade e de recursos. Uma lei que não é realística neste sentido nunca vai alcançar os seus objectivos.

Ganhar consensos e estabelecer uma calendarização realística para a adopção das diferentes peças de legislação são importantes para uma implementação bem sucedida. Mecanismos formais através dos quais se ganham esses consensos, tais como comités temporários ou permanentes, podem ser estabelecidos.

É muito importante que a nova legislação sobre a descentralização educativa não entre em choque com a constituição ou com outras leis existentes. Para se determinar que tipo de legislação deve ser adoptada para se implementar a descentralização, é preciso olhar para os potenciais conflitos com outras leis. Algumas possíveis fontes desses conflitos podem ser as seguintes:

* - princípios gerais sobre direitos e liberdades individuais estabelecidos na constituição e na carta dos direitos humanos;

* - inconsistências entre os objectivos da lei da descentralização e outras leis.

Vários outros estatutos, leis e decretos que lidam com aspectos ligados ao estabelecimento de órgãos autónomos, estatuto dos professores, impostos, relações laborais e segurança social que dizem respeito ao ensino primário podem ter que sofrer alterações e ajustamentos para acomodar as novas reformas.

4.3 - Aspectos a incluir na legislação sobre a descentralização

Uma vez definidos os objectivos da descentralização e tomas as decisões sobre a distribuição de

responsabilidades entre os diferentes órgãos envolvidos, devemos olhar cuidadosamente para o conteúdo da

proposta lei de descentralização.

4.3.1 - Sobre alunos e escolha da escola a frequentar

As questões básicas que envolvem os alunos devem ser colocados no plano da descentralização:

* - quem deve frequentar uma dada escola?

* - se aos alunos é dada uma oportunidade de escolher a escola onde pretendem frequentar, como serão resolvidas as questões de equidade?

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* - quem vai determinar a idade mínima de ingresso, a idade de graduação, as medidas disciplinares apropriadas, etc.?

Alguns sistemas educativos permitem que as crianças frequentem qualquer escola, dentro do sistema, enquanto outros limitam as admissões tendo em conta a residência, os limites geográficos ou os resultados académicos. Se as escolas têm poderes para decidir sobre as admissões, isso deve constar da lei, pois, doutro modo, vai parecer que as decisões dos gestores são arbitrárias. Um mecanismo para assegurar que os direitos dos estudantes de ingresso no sistema são estabelecidos e mantidos. Este mecanismo deve ser tão simples que bastará que cada escola faça publicar anualmente a sua política de admissões, a lista dos candidatos e dos que foram admitidos.

Se a escolha é permitida, a lei deve abordar as respectivas questões de equidade. Essas questões dizem respeito à publicidade das vagas, como são seleccionados os alunos, o que acontece aos alunos cuja escolha não é satisfeita, etc. Como um todo, o sistema deve permitir que, no mínimo, cada aluno seja aceite numa das escolas, em condições razoáveis de equidade. A não resloção destas questões pode conduzir ao agravamento das desigualdades de oporunidades e ao consequente não cumprimento do estabelecido na constituição.

Muitos países estabeleceram parâmetros sobre a idade de ingresso e de saída da escola. Se os decisores optarem em permitir que as escolas estabeleçam outras idades de ingresso e de saída para reflectir as necessidades locais das comunidades, a lei deve ser explícita na aceitação destas variações.

4.3.2 - O emprego dos professores, certificação e liberdade académica

As questões que se colocam são as seguintes:

* - Quem vai fixar os parâmetros para a formação inicial dos professores? Quem vai realizar esta formação?

* - Quem vai contratar e rescindir os contratos com os professores?

* - Precisarão os professores de serem certificados? Quem vai controlar o processo de certificação? Haverá mais do que uma via para a certificação?

* - Os professores terão alguma titularização ao fim dum certo período? Como será feita essa titularização?

* - Serão reconhecidos os sindicatos dos professores? Se sim, qual será o seu papel?

* - Gozarão os professores de liberdade académica?

* - Como serão avaliados e promovidos os professores?

* - Quem será responsável pela formação em serviço dos professores? Quem vai pagar essa formação?

A certificação, contratação, retenção e promoção dos professores são potenciais fontes de difculdades e devem ser abordados pela lei. Tipicamente, nos sistemas centralizados o poder de certificar os professores á atribuido às autoridades centrais. Muitas vezes, as autoridades locais requerem este poder ou o poder de ter

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vias alternativas de certificação, argumentando que eles devem ser autorizados a servir-se de indivíduos que possuem as habilidades necessárias, mesmo que não tenham seguido uma formação pedagógica. O esforço da descentralização deve abordar estes problemas.

Se os professores podem obter titularização, as autoridades locais vão-se sentir constrangidas, assim como estão as entidades centrais. A titularização garante a protecção no emprego o que é difícil modificar. Enquanto as autoridades locais vão-se ressentir destes constrangimentos, os professores não parecem ter interesse em prescindir essa protecção, excepto em troca de significativos benefícios.

Se a liberdade académica fôr estabelecida pela lei ou pelo hábito, os professores vão necessitar de serem protegidos contra a retaliação pelas autoridades locais se escolherem leccionar uma disciplina duma forma que desagrade as autoridades. Nestes casos, o controlo local vai entrar em conflito com o que está estabelecido na lei ou pela prática quanto à liberdade expressão.

A formação em serviço é outra área que envolve professores e a lei. Alguns países requerem esta formação para manter a certificação e as autoridades centrais controlam essa formação. O esforço da descentralização pode requerer que as autoridades locais tenham maior intervenção nesta área. A lei deve abordar estes aspectos.

4.3.3 - O curriculum e a instrução

As questões inerentes ao curriculum e à instrução incluem os seguintes aspectos:

* - Há requisitos constitucionais relativos ao curriculum? Se sim, permite a constituição que se façam desvios em relação a esses requisitos? As autoridades locais serão autorizadas a praticar tais desvios?

* - O ministério a nível central terá autoridade para determinar o curriculum e outros aspectos da instrução? Se sim, as autoridades locais terão poder para praticar desvios em relação aos tais requisitos?

* - Terá a autoridade central a obrigação legal de aceitar as decisões das autoridades locais sobre o curriculum?

* - Se as autoridades locais têm a possibilidade para estabelecer o curriculum ou para fazer um desvio em relação ao estabelecido pelas autoridades centrais, qual será a sua prestação de contas em relação aos parâmetros e padrões nacionais?

* - Quem vai seleccionar os livros e manuais escolares e outros meios de ensino?

* - Vai o ministério a nível central fixar a duração do dia escolar assim como o número de horas que devem ser dedicado a uma dada disciplina?

Há muito tempo o controlo local sobre o curriculum foi tema de discussão nos EUA, enquanto que houve pouco controlo local nos países com os sistemas educativos altamente centralizados. Em França, alguma flexibilidade foi atribuída a algumas escolas e professores, mas não às autoridades locais. Muitas vezes, o controlo central do curriculum, tem sido visto como um meio de promover alguns objectivos nacionais nas línguas e outros valores nacionais. Muitos países em desenvolvimento estabeleceram planos de estudos, enquanto outros criaram sistema de exame que, indirectamente, prescrevem o curriculum. Se a descentralização permite às autoridades locais estabelecer o seu curriculum, a lei deve assegurar que as autoridades centrais reconheçam e validem as decisões curriculares feitas pelas entidades locais.

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4.3.4 - Avaliação da aprendizagem

As questões que se colocam são as seguintes:

* - Quem vai determinar os parâmetros que serão utilizados para avaliar a aprendizagem dos alunos?

* - Que provisões vão ser feitas para atender a variações locais ou regionais?

* - Terão as autoridades locais poderes para desenvolver ou seleccionar formas alternativas de avaliação?

* - Que decisões ou acções terão como base os resultados da avaliação?

* - Terão os estudantes outros recursos se as suas aprendizagens não estão de acordo com os parâmetros fixados?

O sistema nacional de avaliação vai facilitar a mobilidade dos estudantes dentro do país. Vai fornecer uma base para medir as disparidades regionais e limitar a possibilidades das autoridades locais manipularem os resultados da avaliação para mostrarem bons resultados. Um aspecto legal a ser considerado está relaionado com o facto de se saber se o estudante terá ou não a possibilidade de recurso em caso de não atingir os parâmetros fixados. A lei deve abordar estes aspectos. Também devem ser consideradas as consequências legais em relação às autoridades locais cujos resultados de avaliação não atingem os parâmetros fixados.

4.3.5 - Edifícios

A descentralização cria um conjunto especial de questões ligadas aos edifícios. Sem o controlo local da propriedade, as autoridades locais não terão uma verdadeira autonomia. São as seguintes as questões que se levantam:

* - quem vai ser proprietário dos edifícios escolares?

* - Terá o ministério poder para estabelecer o projecto-tipo das instalações escolares?

* - Quem será responsável pela manutenção e reparação das escolas e outros edifícios?

* - Como serão abordados os aspectos de equidade em relação aos edifícios?

Ser proprietário de edifícios escolares tem importantes consequências legais. Com a propriedade vem a responsabilidade pela manutenção e reparação dos edifícios. Se a propriedade deve ser transferida para as autoridades locais, é importante que as autoridades locais tenham recursos humanos e financeiros para permitir que assumam cabalmente essa responsabilidade. Se a propriedade das instalações deve ser transferida para os órgãos locais, as questões de segurança e de saúde dão uma forte razão para que se mantenham os padrões centrais dos edifícios. Os concursos devem ser uniformizados, bem como as inspecções para assegurar que o dinheiro seja gasto duma forma apropriada.

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O último aspecto legal relacionado com os edifícios diz respeito à equidade. É óbvio que o ambiente físico tem um grande impacto na aprendizagem dos alunos. Qualquer esforço de descentralização deve assegurar que os estudantes têm condições comparáveis em termos de edifícios.

4.3.6 - O financiamento

A resolução atempada das questões de financiamento é fundamental para o sucesso da reforma. Não há qualquer esforço de descentralização que pode ser bem sucedido sem uma atenção apropriada ao financiamento. São as seguintes as questões que se levantam:

* - Que fonte de financiamento estará disponível para as autoridades locais responsáveis pela implementação de cada aspecto da educação básica?

* - se o governo central vai continuar a financiar as entidades locais responsáveis pela educação primária, que garantias terão as referidas entidades locais de que esse financiamento será disponibilizado? Como é que os recursos dos órgãos centrais vão ser alocados às várias entidades locais? Que liberdade terão as entidades locais na utilização desse financiamento?

* - Se as entidades locais forem responsáveis em colectar seus próprios fundos para financiar a educação primária, que fontes de recursos lhes serão abertas? Se as autoridades locais tiverem poderes para fixar taxas, estas serão suficientes para financiar o ensino primário?

* - Sob que regras e procedimentos financeiros e orçamentais vão operar as autoridades locais? Essas regras e procedimentos já estão estabelecidos ou ainda devem ser preparados?

* - Quem vai auditar e supervisar as finanças das autoridades locais?

* - Como serão abordadas as questões de equidade? As alocações centrais vão permitir compensações entre regiões? Que mecanismos serão usados para essas compensações?

4.4 - Os passos a dar no processo de descentralização

O propósito deste exercício é de obter uma visão clara sobre que entidades têm actualmente têm responsabilidade sobre as diferentes funções da educação e como é que essas responsabilidades serão transferidas, delegadas ou devolvidas às entidades locais. A escolha da entidade local sobre quem será feita a transferência vai determinar o tipo de legislação necessária. A adopção e implementação bem sucedida da lei da descentralização requere que as preocupações dalguns grupos críticos sejam tomadas em consideração. Isto implica não só os professores e seus sindicatos, os pais e as entidades locais de governo, mas também outros grupos tais como confissões religiosas e doadores.

A implementação das mudanças requere o estabelecimento claro das responsabilidades e dos mecanismos eficientes de controlo a todos os níveis. Para uma planificação e implementação bem sucedida da lei da descentralização, os principais passos a dar são os seguintes:

* - Estabelecer claramente os objectivos da descentralização. Qual é o grau de participação das entidades locais na gestão do sistema? Há eficácia na utilização dos poucos recursos disponibilizados para a operação do sistema?

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* - Decidir que tipo de descentralização se pretende levar a cabo (desconcentração, delegação ou devolução).

* - Avaliar a capacidade institucional dos vários níveis de administração que receberão novas responsabilidades e preparar o plano para o seu reforço, ser fôr necessário.

* - Fazer um inventário de leis e regulamentos que actualmente regulam o funcionamento do sistema e verificar aqueles que terão de sofrer possíveis alterações para acomodar a descentralização.

* - Fazer um mapa das diferentes ligações entre diferentes níveis do governo que são responsáveis por alguns aspectos da educação básica e indicar as mudanças que terão de ser feitas no âmbito da reforma.

* - Avaliar a discrepância entre a lei e a prática. As actuais leis inerentes à educação básica estão a ser implementadas? Se não, porquê?

* - Avaliar as possíveis resistências que poderão se enfrentadas no processo da implementação da reforma.

* - Identificar os grupos que dentro da sociedade têm interesse na reforma e envolvê-los no processo da reforma.

* - Indicar a sequência pela qual as leis e regulamentos terão de ser modificados, estimar o tempo necessário para a implementação de cada etapa e fases de transição.

B – Aspectos de financiamento

Embora seja consenso geral que os governos devem ser os maiores financiadores da educação, em

particular da educação básica, em muitos países as comunidades são envolvidas duma forma significativa.

O financiamento pelas comunidades locais tornou-se especialmente importante nos países onde os

governos são incapazes de satisfazer a demanda. Nestas circunstâncias, os recursos das comunidades

podem ser cruciais para suplementar as escolas oficiais. Nos países onde se encoraja a diversidade de

operadores da educação, em paralelo com as escolas governamentais, as comunidades têm investido na

educação criando escolas de várias orientações religiosa, étnica, política ou outras.

Até que ponto e em que áreas as comunidades podem operar escolas com autonomia total, sob que vários tipos de orientação e apoio, em vez de ser reguladas e controladas, são algumas das questões que se têm levantado. Embora o financiamento pelas comunidades seja desejável porque aumenta os recursos disponíveis para a educação e reduz os encargos do governo, os projectos comunitários nem sempre são bem desenhados. Os planificadores, às vezes, sentem que as iniciativas comunitárias conduzem a uma utilização inapropriada dos escassos recursos, e esse financiamento comunitário pode acentuar as desigualdades sociais.

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Encontrar um equilíbrio adequado pode ser difícil, por causa de diferenças culturais, económicas e outras dentro do país. Diferentes estratégias podem ser desenhadas para os diferentes níveis de educação e as prioridades podem mudar ao longo do tempo.

4.5 - As comunidades e suas características

Há muitos tipos diferentes de comunidades, mas nestas aulas vamos abordar apenas três: comunidades geográficas, comunidades étnicas, raciais e religiosas e as comunidades baseadas na partilha de problemas educacionais.

As comunidades geográficas são definidas em função do local de residência dos seus membros tais como aldeias ou distritos. Em geral, as comunidades rurais costumam ser mais coesas do que as urbanas.

As comunidades étnicas, raciais ou religiosas são baseadas na raça, etnia ou religião. Estas comunidades podem operar escolas: escola portuguesa, escola sueca, escola chinesa, escola muçulmana, etc.

As comunidades baseadas na partilha dos problemas educacionais são constituídas por associações de pais, tendo em vista defender o bem estar dos seus educandos na escola.

O grau de coesão dentro das comunidades varia consideravelmente. Não se pode pensar que um grupo de pessoas que vivem juntas numa zona bem identificada tem um grande sentido de comunidade. Algumas vezes, os governos podem ajudar a criar o sentido de comunidade entre pessoas que, doutro modo, nunca trabalharia em conjunto.

4.6 - Grau, motivação e natureza da comunidade

É muito difícil avaliar e estimar as contribuições feitas pelas comunidades. As estatísticas sobre este

assunto são escassas e calcular as contribuições não monetárias é também muito complicado. Mas, muitas

vezes, essas contribuições são significativas. As contribuições das comunidades são muito fortes lá onde há

uma grande procura de escolas e os governos têm pouca capacidade para satisfazer essa procura. Há muitos

exemplos em África:

No Uganda as contrbuições dos pais e da comunidade em geral chegaram a cobrir entre 65 e 90% das despesas totais das escolas primárias. Mesmo no ensino secundário, as famílias chegam a cobrir 70% das despesas, inclusivé nalgumas escolas oficiais.

O Togo já experimentou uma grave crise de financiamento das suas escolas nos meados da década de 80. Os pais e as comunidades tiverma que cobrir entre um terço a dois terços das despesas totais. Muitas comunidades criaram e geriram suas próprias escolas for a do controlo do próprio governo.

A situação no Chade é comparável à do Togo. As comunidades chadianas chegaram a recrutar cerca de 40% dos professores e também fizeram grandes contribuições na construção de escolas e outras infraestruturas escolares.

No Malawi, as comunidades chegaram a operar cerca de 20% do total das escolas primárias que matricularam cerca de 9,5% do total de alunos deste nível. No Quénia, o movimento de apoio às escolas pelas comunidades é conhecidom pela designação de harambee. Nas zonas rurais espera-se que as comunidades assumam a responsabilidade em construir e manter escolas primárias e em 1987 as escolas

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secundárias originadas a partir do movimento harambee chegaram a totalizar 75% do total das escolas secundárias do país.

4.7 - Mecanismos de financiamento pelas comunidades

Os mecanismos de financiamento pelas comunidades dependem da forma como a escola é operada e os

objectivos das necessidades financeiras.

4.7.1 - Começo e direcção das operações

Em muitos casos, surgem escolas a partir de movimentos como os de harambee. Muitas destas escolas possuem conselhos de escola que acompanham os problemas da escola. Nas escolas onde existem estes conselhos, a sua composição, mandato, funções e amneira pela qual vão operar podem ter uma importância considerável, não só em termos de financiamento mas também noutrso aspectos da vida da escola. Alguns governos introduziram conselhos de escola lá onde não existiam dantes. Isso ocorreu, por exemplo, na Zâmbia.

4.7.2 - Estratégias para a mobilização de recursos

A forma como os conselhos de escola funciona depende não só dos seus poderes formais mas também da cultura. As estratégias para a mobilização de recursos depende da natureza do trabalho a ser realizado. Os mecanismos para a colecta de fundos para construções diferem daqueles para as despesas correntes.

a) - Para as despesas de capital

Para as despesas de capital, os lideres das comunidades organizam diversas actividades tais como cerimónias de lançamento e campanhas. A participação é obrigatória, podendo ser previstas e aplicadas sanções aos que não colaborem. Mesmo os indivíduos que já não se enconttram na aldeia e migraram por razões de emprego ou outras podem ser chamados a contribuir. Outras formas de proceder à colecta dos fundos é a organização de festas, espectáculos, rifas, etc. Nestes casos o pessoal das escolas tende a tomar iniciativa do que os líderes comunitários. As contribuições podem ser feitas em dinheiro ou em espécie. Por exemplo, no Botswana as contribuições podem ser feitas através de cabeças de gado.

b) - Para as depesas correntes

A colecta de fundos para despesas correntes é mais problemática do que a colecta de fundos para construções. Por isso, o meio mais usual tem sido a cobrança feita na altura das matrículas. Uma outra forma pode ser o estabelecimento duma taxa sobre cada kilograma dum produto agrícola vendido. Esta prática é corrente no Quénia onde existem agricultores de chá e café.

4.8 - Questões de políticas com que se confrontam os governos

A medida em que o financiamento pela comunidade é tolerado ou encorajado depende parcialmente da

capacidade do Estado e da maneira como é entendido o seu papel.

4.8.1 - A capacidade do Estado e seu papel

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O dramático exemplo do fiananciamento pela comunidade, como já vimos, coloca-se quando há uma forte procura mas os inputs do governo são limitados e inadequados. Chade, Togo e Uganda são alguns dos exemplos que vimos de estados “fracos” onde os financiamentos dos respectivos governos são insuficientes devido à crise económica que esses países tiveram que enfrentar.

Em todas as sociedades, durante muito tempo, algumas escolas foram operadas e geridas por grupos religiosos, rácicos e outros que valorizam o seu controlo sobre as suas instituições e que gostariam de continuar a manter esse controlo, mesmo se o governo tivesse recursos para colocar à disposição da escola. Contudo, muitas outras escolas recebem os fundos e apoios da comunidade por insuficiência do financiamento do governo. As comunidades gostariam de ver os governos a terem um papel activo e elas apenas fariam algumas doações. Porém, sem estes recursos, as escolas dificilmente funcionariam ou não exisitiriam.

Em contrapartida, a Indonésia pode ser caracterizado por ser um estado forte, com um forte domínio militar. Mas, neste país, há um número significativo de escolas operadas por grupos islâmicos. A proibição destes grupos pode ser mais complicada e difícil e, por isso, as autoridades toleram a sua existência. Contudo, o governo indonésio doava fundos a estas escolas para reforçar o poder do estado e encorajar os donos das escolas para serem mais simpáticos em relação ao regime no poder.

Na antiga União Soviética, o financiamento da educação pelo estado era um direito e uma responsabilidade e, por isso, quase não havia financiamento comunitário. Com a crise económica que se seguiu ao colapso do socialismo, os governos desses países já não conseguem mais financiar a totalidade das despesas educacionais. Isto forçou as autoridades a procurarem outras formas de financiar as escolas tais como o recurso à privatização ou a imposição de proprinas e taxas obrigatórias, mesmo nas escolas públicas.

Singapura é um exemplo dum estado forte em que o governo possui autoridade e recursos e que se quisesse poderia impedir o financiamento comunitário. Contudo, neste caso, o governo preferiu encorajar o financiamento comunitário porque reconhece que tais actividades ajudam a criar e manter o interesse e o compromisso em relação ao processo educativo dos seus filhos.

4.8.2 - As questões de equidade

Em todos os estados, fracos e fortes, a questão do financiamento pelas comunidades pode levantar problemas de equidade. Os mais óbvios levantam-se pelo facto de que algumas comunidades estão em melhores condições para darem a sua contribuição do que as outras. No Quénia, os distritos numa situação desvantajosa permaneceram nesse estado porque os seus rendimentos eram baixos e, por isso, sentiam dificuldades para contribuirem. Problemas similares foram identificados no Botswana e Camarões.

Nalgumas sociedades, as variações regionais reflectem variações culturais. Na Nigéria e no Quénia, por exemplo, os desequilíbrios regionais não se deveram à distribuição natural dos recursos, mas sim ao facto de que alguns grupos étnicos têm longa tradição de trabalho comunitário do que outros.

No Zimbabwe, as antigas escolas para brancos eram geridas por comités que tinham acordos com o governo. Estes acordos permitiam que os comités fixassem taxas a serem pagas pelos país dos alunos para cobrir encargos com aquisição de equipamento adicional e outros meios de ensino ou recrutar pessoal adicional para reduzir o rácio professor/aluno que muitos pais brancos achavam que era alto e não permitia uma correcta aprendizagem dos seus filhos. Muitas vezes, sucedia que astaxas cobradas estavam muito acima das capacidades dos pretos e o método de financiamento perpetuava as desigualdades raciais.

Muitas sociedades enfrentam o problema de disparidades entre as cidades e o campo. As políticas dos governos tendem a aumentar essas disparidades em vez de diminuí-las. Sendo difícil promover estas

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iniciativas nas zonas urbanas, os governos alocam muitos recursos nestas zonas em detrimento das zonas rurais

As desigualdades podem ser sócio-económicas. Quando o financiamento comunitário expande o acesso à educação, cria condições paraque sejam atendidas famílias que, doutro modo, nunca teriam tido acesso. Contudo, pode haver riscos de exploração por elites oportunistas. Estas elites podem mobilizar recursos para serem utilizados em seu próprio benefício do que para servir os beneficiários inicialmente visados.

4.8.3 - A planificação e utilização dos recursos

As questões sobre as formas como são utilizados os recursos nos projectos comunitários são também relevantes. Embora se defenda, muitas vezes, que se deve confiar nas decisões tomadas pelas comunidades, para seu próprio benefício, nem todos os planificadores aceitam essa posição e são vários aspectos que evocam:

* - escolas localizadas em sítios inapropriados porque as comunidades não possuem habilidades e capacidades para planificar;

* - escolas que são indesejavelmente pequenas porque algumas comunidades vizinhas insistiram em ter suas próprias e separadas escolas;

* - projectos iniciados nem sempre concluídos devido à perda de interesse, mudança de prioridades, subestimação dos recursos necessários, ou outros factores.

Em relação aos projectos inacabados, no Quénia, em 1971, havia mais escolas nestas situações do que as escolas concluídas. Isto é demonstração inequívoca de que nem sempre este tipo de projectos é bem dirigido. É sempre um perigo pensar num projecto comunitário numa perspectiva de curto termo e ignorar as suas implicações a longo termo. Os líderes comunitários que se ocupam dos projectos comunitários devem prestar atenção a estes aspectos. As escolas que visam dar uma segunda oportunidade de escolarização a crianças ou jovens que, doutro modo, nunca teriam acesso à escola, em geral, são de má qualidade. Nele frequentam alunos menos brilhantes e são recrutados professores pouco qualificados. Daqui pode-se concluir ter-se realizado um investimento inadequado que ter sido melhor noutro empreendimento ou local. Contudo, há escolas que são excelentes. Por exemplo, as escolas chinesas na Malásia e as escolas da Igreja adventista do sétimo dia são de boa qualidade.

4.9 - As orientações, incentivos e controlos do Governo

Tomando em consideração que o financiamento comunitário, embora seja desejável, muitas vezes, também é problemático, a questão que se coloca é de saber como é que os governos podem estimular, orientar e controlar essas actividades. Depende muito da características de cada comunidade, mas alguns aspectos podem ser apresentados como se segue:

4.9.1 - Incentivos

O governo pode estabelecer um conjunto de incentivos visando estimular o fianciamento comunitário. Dentre os vários aspectos, destacam-se os que visam assegurar uma operação a longo termo, a promessa do governo vir a tomar conta do empreendimento ou apoiá-lo, mesmo que parcialmente, por exemplo, em pessoal, fundos e incentivos fiscais.

a) - Garantias de operação a longo termo

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Para as comunidades que pretendem dar uma educação religiosa, cultural ou política, o mais importante estímulo que podem esperar do governo é a confiança de que o mesmo vai tolerar e encorajar a sua actividade a longo termo. São poucas as pessoas que vão continuar a investir os seus recursos se eles sentirem que as suas escolas não vão ser toleradas por muito mais tempo.

Existe um misto de recordações. Durante os tempos áureos do socialismo muitos regimes socialistas consideravam a educação não só como uma responsabilidade mas também como um direito do Estado. Por isso, eles proíbiam o ensino privado, incluíndo o que operava sem fins lucrativos com envolvimento de agentes voluntários. Alguns países capitalistas também instituiram uma proibição similar. Por exemplo, em 1972, o governo do Paquistão nacionalizou todas as escolas, inclusivé as das igrejas e outras organizações de fins não lucrativos. Em 1974, o governo do Zaire procedeu da mesma forma. Mais tarde, em ambos os casos, estas políticas foram abolidas, mas a confiança das organizações não governamentais foi muito perturbada. É por esta razão que os governos devem dar garantias suficientes de que os seus empreendimentos serão permitidos por muito tempo. Ademais, o governo deve considerar até que medida deseja ver as escolas a tomarem decisões sobre as admissões, os curricula e outras facetas do processo de ensino-aprendizagem e fazer declarações públicas inequívocas a esse respeito. Alguns governos podem achar que isso é uma ameaça para a harmonia social e para unidade nacional, mas outros hão-de preferir aceitar o risco de tolerar a diversidade.

b) - Promessa do governo reaver a responsabilidade mais tarde

Em contrapartida, as comunidades que financiam escolas segundo o modelo do governo têm interesse em que este, mais tarde, venha a tomar conta, parcial ou totalmente, da sua escola dentro de poucos anos. Este foi o motivo que incentivou muito o surgimento de escolas secundárias no Quénia. Esta promessa de apoio permite às comunidades antever que, embora o fardo seja enorme no começo do investimento, este mesmo peso será aliviado mais tarde, a médio ou longo termo. O sistema de Myanmar faz uma demonstração dum tipo de arranjo. As escolas construídas pela comunidade são ligadas (ou anexadas) a uma escola oficial e recebem a designação de escola afiliada. Quando o governo começa a dar apoio, ainda se espera que a comunidade continue a dar algumas contribuições mas o governo assume os encargos com os salários dos professores e trata essas escolas como se fossem escolas oficiais.

Nem sempre é fácil decidir sobre que escola assumir as suas despesas e qual deixar de fora. Em muitos casos, as decisões são baseadas em critérios de carácter geográfico (tais como se a zona possui ou não uma escola oficial) ou de carácter político (p.e., não apoiar um determinado grupo pode ser encarado como sendo marginalização ou exclusão). O estabelecimento de critérios mínimos sobre a dimensão da turma ajuda a contrabalançar os outros critérios e isso dá algumas indicações às comunidades sobre padrões mínimos de qualidade, de construção e de aquisição de material científico.

c) - Pessoal e material

Alguns governos optam em fornecer professores a todas as escolas construídas pelas comunidades. Como os salários do pessoal, em particular dos professores, são os que maior peso têm nas despesas do sistema, esta é uma forma significativa de apoio. A aceitação do governo em apoiar as comunidades, através do pagamento dos salários dos professores, dá-lhes um grande incentivo para cederm terrenos e contruir. Noutros casos, os governos aceitam subsidiar os salários dos professores recrutados pelas comunidades. Mas ainda noutros casos, os governos podem assumir o compromisso de fornecer material escolar e outros meios de aprendizagem e as autoridades locais podem apoiar, em casos de emergência, com mecânicos ou electricistas. Nalgumas sociedades, os governos preferem ver a contribuição inicial das comunidades, antes de decidirem como será feito o apoio às mesmas.

d) - O matching grants

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Em vez de doar edifícios ou outros equipamentos, o governo pode colocar, como condição prévia, a existência dum fundo inicial mobilizado pela comunidade. Esta forma é mais atraente porque as proporções podem variar consoante as capacidades das comunidades e os recursos disponíveis da parte do governo. Por exemplo, no Botswana, para apoiar a construção duma escola secundária do primeiro ciclo, o governo impunha uma contribuição mínima de 50% das despesas totais de capital. Mais tarde, esta percentagem baixou para 25% e, ainda mais tarde, para 10%. As Maurícias utilizam uma fórmula que tem como base uma doação por cada aluno matriculado, variando dum mínimo e atingindo um máximo, consoante os recursos mobilizados pela comunidade. Um prémio adicional pode ser considerado se a comunidade tiver um projecto para comprar uma fotocopiadora ou um computador. Algumas lições a considerar são as seguintes:

* - nos períodos de alta inflação, é mais interessante e importante fazer pagamentos imediatos às comunidades e ajustar os níveis com maior frequência;

* - para manter moral, os desembolsos para determinados projectos com uma certa dimensão devem ser feitos em partes, em vez de um único pagamento após a conclusão;

* - para muitas comunidades pode-se exigir uma contribuição inicial em trabalho ou apoio material, em vez de contribuições financeiras;

* - a aprovação e a disponibilização dos recursos deve ser feita duma forma descentralizada porque as autoridades centrais não podem estar a par de todas as condições locais.

e) - Incentivos fiscais

Os governos podem utilizar o sistema fiscal como uma forma de incentivar o financiamento pelas comunidades. As escolas comunitárias, sem fins lucrativos, são isentas do pagamento de impostos. Também é usual nos países desenvolvidos que as companhias e individualidades não sejam taxadas pelas doações de carácter humanitário que entendam realizar. Nos países em desenvolvimento, sem um sistema sofisticado de taxação, pode ser difícil adoptar-se este sistema, mas algo similar pode ser concebido. Os governos podem dar maior incentivo publicitando as doações feitas pelas companhias e individualidades.

4.9.2 - Orientação

O governo pode oferecer informação e orientação sobre os aspectos pedagógicos, procedimentos contabilísticos e orçamentais e técnicas de organização e de gestão.

a) - Informação técnica e profissional

Enquanto os líderes comunitários podem ser capazes de identificar as necessidades para a educação e as estratégias para a mobilização de recursos, é muito raro que as comunidades possuam e dominem todo o conjunto de habilidades técnicas e profissionais para operar as escolas. O governo pode oferecer orientações técnicas sobre estas matérias, bem como os desenhos arquitectónicos e a planificação da construção dos edifícios. As autoridades locais do governo podem pretender informar os líderes comunitários acerca dos requisitos legais inerentes às suas escolas. Informações várias e outras orientações podem ser dadas através do pessoal local da educação, dos inspectores e supervisores e outros técnicos especializados.

Os conselhos de escola podem precisar de ter informação e orientações sobre o curriculum e os padrões académicos. Isto significa recolher informação sobre os objectivos curriculares em cada classe, estratégias

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para apoiar as crianças com dificuldades de aprendizagem, mecanismos para recrutar professores competentes e os procedimentos para supervisão e acompanhamento do processo de ensino-aprendizagem.

b) - Orçamentação e contabilidade

Muitos projectos comunitários enfrentam dificuldades no arquivo e registo contabilístico das receitas e das despesas, o que cria muitos problemas. Uma contabilidade adequada é muito importante:

* - para prevenir fraude. Muitas escolas têm tido problemas porque há acusações de que houve apropriação ilícita de dinheiros da escola. Algumas vezes, estas acusações são justas, mas noutros casos não são. Mas na falta duma contabilidade adequada é impossível provar seja o que fôr.

* - para permitir que as autoridades possam prever as futuras despesas.

* - para registar quanto foi colectado com as contribuições, por quem e assegurar que essas contribuições podem ser facilmente reconhecidas em caso de necessidade.

* - para facilitar o fluxo de doações tanto do governo como dos doadores a favor das comunidades, uma vez que as contas serão apresentadas duma forma clara e inquestionável.

* - para obter empréstimos, pois é mais fácil mostrar aos credores que a escola está bem organizada, e que sabe como e quando vai restituir os valores emprestados.

A contabilidade não precisa de ser sofisticada e complicada. Ela deve demonstrar como é que o dinheiro foi recebido de cada fonte e como é que foi gasto para cada objectivo. As comunidades bem organizadas também mantêm um bom registo das contribuições feitas em material ou trabalho. Nalguns países, os governos podem designar auditores oficiais para apoiarem as escolas comunitárias na sua contabilidade. Mas como os governos nem sempre têm auditores para designar, podem ser dadas instruções às comunidades sobre como organizar seu próprio sistema de contabilidade e auditoria.

c) - Bases de organização e gestão

Os líderes comunitários podem precisar duma ajuda em aspectos simples de orgaização e gestão. Tais aspectos podem incluir estratégias para orientar reuniões, a criação de consensos, os prazos das reuniões e a lidar com conflitos. Alguns projectos falham porque há uma excessiva expectativa que é colocada nos líderes, mas sem que tenham tido alguma oportunidade de formação nesses aspectos básicos. Para que os grupos funcionem duma forma autosuficiente pode ser necessário passarem-se vários anos e isso só ocorre com um investimento apropriado.

4.9.3 - Os controlos

Alguns governos julgam que são necessários regulamentos para as escolas comunitárias:

a) - Registo de escolas e de gestores

Muitos governos impõem que todas as escolas devem ser oficialmente registadas, incluíndo as que são financiadas egeridas duma forma independente. Esses governos procedem desse modo para avaliar a

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cobertura territorial e permitir a divulgação dos regulamentos. Em muitos casos, antes de serem registadas,as escolas passam por diversas etapas. Num Estado da Nigéria, as escolas devem submeter os seus pedidos de funcionamento com um ano de antecedência. Os respectivos formulários devem ser submetidos aos inspectores da zona que os envia ao Ministério da Educação com os respectivos comentários. Ao receber, o Ministério procede à sua verificação se está em conformidade ou não as políticas do governo, avalia se a proposta da escola se situa num local adequado e se o governo vai ser capaz de pagar algum subsídio. O Ministério pode também solicitar uma clara demonstração de que a comunidade possui terreno e dinheiro suficiente para o projecto. Uma vez satisfeito, o Ministério procede à autorização.

A escola é registada e alocado o seu pessoal quando os edifícios estão completos e satisfazem os requisitos regulamentares. Outros sistemas podem ser menos rigorosos. Em qualquer dos casos, a recusa para registar uma escola é a sanção mais grave que as comunidades podem incorrer. Alguns governos exigem o registo dos seus gestores para permitir que as autoridades:

* - tenham um registo adequado de quem são os gestores;

* - se certifiquem de que os gestores possuem os requisitos exigidos;

* - tenham evidências sobre o grau de organização das comunidades;

* - tenham uma forma de obrigar o gestor a declarar a sua compreensão sobre as suas responsabilidades dentro do sistema.

b) - Recrutamento, qualificações e salários dos professores

Como já vimos anteriormente,alguns governos insistemque todos os professores, tanto das escolas públicas como das escolas comunitárias, sejam contratados no âmbito dos serviços públicos. É óbvio que, para se fazer essa exigência, é necessário que os governos tenham recursos suficientes e isso permite-lhes ter um controlo sobre os recrutamentos, qualificações e salários. Sem este tipo de arranjo, as comunidades podem recrutar professores menos qualificados.

A qualifciação do pessoal não é talvez o maior problema em sistemas que têm reputação sobre a qualidade. Mas pode ser um problema muito sério para as comunidades rurais desfavorecidas, pois a sua tendência será de recrutar professores menos qualificados e menos onerosos. Mas noutras comunidades, mesmo pretendendo recrutar professores com melhores qualificações pode não ser possível por não haver. Neste caso, nada mais resta senão o governo aceitar esses professores e investir na elevação das suas habilidades profissionais (formação em serviço). Nos casos em que os governos não se sentem com capacidade para recrutar e pagar todos os professores, devem ser estabelecidos requisitos mínimos de qualificação.

c) - Matrícula de grupos marginais

O perigo que se pode enfrentar ao permitir que sejam as comunidades a decidir está relacionado com a discriminação de grupos marginais. As experiências já acumuladas demonstram que os projectos comunitários nem sempre abrangem automaticamente os grupos marginalizados tais como os pobres, as mulheres ou as minorias étnicas, a menos que a sua participação no projecto comunitário seja um dos objectivos específicos.

d) - Curriculum

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Alguns projectos procuram estimular as comunidades introduzindo alterações nos curricula. Por exemplo, no Mali a Usaid e a Save Children dos EUA apoiaram um projecto comunitário que pretendia introduzir um curriculum alternativo ao oficial. Esse curriculum alternativo foi produzido em colaboração com instituições governamentais e utiliza uma língua nacional nos primeiros três anos e o francês entra como língua opcional a partir do terceiro ano. Embora ainda não tenha sido avaliado, parece que o projecto encorajou muito a comunidade.

e) - Os desenhos das construções escolares

Algumas autoridades governamentais sentem-se satisfeitas em deixar que as comunidades decidam sobre os desenhos das suas construções ou que utilizem outros modelos importados. Argumentos a favor dos desenhos locais são os seguintes:

* - É importante encorajar e respeitar as culturas locais, das quais as construções são parte integrante;

* - Em muitas zonas rurais remotas as escolas só podem ser construidas com material local; e pode ser completamente impossível transportar chapas de zinco, cimento, janelas, etc;

* - As comunidades podem sentir que é mais fácil conservar e manter edifícios com os quais estão familiarizados do que com os edifícios cujos materiais foram importados;

* - Se a escola já possui edifícios que não estão de acordo com os padrões das escolas estatais, a sua demolição pode ser muito mal encarada pelas comunidades. Esta atitude pode destruir o espírito que o governo pretende encorajar;

* - Os padrões das escolas construídas pelo governo costumam ser pobres e, por isso, seria uma atitude hipócrita e injusta pretender que as comunidades construam escolas de alta qualidade;

Também existem argumentos a favor do governo impôr padrões mínimos de qualidade das construções comunitárias:

* - Alguns edifícios comunitários, quando bem construídos seguindo padrões impostos pelo governo, podem ser uma fonte de orgulho e de prestígio sobre o sector da educação;

* - A cobertura e os edifícios devem ser construídos duma forma muito sólida e seguros contra chuvas muito fortes;

* - Equipamentos, livros e outros materiais são muito onerosos e, por isso, devem ser protegidos contra os roubos, as chuvas e termites;

* - As casas comuns da aldeia, incluíndo as dos chefes comunitários, são feitas de tal modo que não permitem a entrada de muita luz solar e isso torna difícil a leitura se esta tecnologia fôr aplicada na construção de escolas;

* - Alguns edifícios podem ser de construção barata, mas implicarem altos custos de reparação e manutenção e com um tempo de vida útil curto e, nestes casos, seria mais inteligente construir edifícios um pouco mais caros, mas duradoiros.

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Uma vez que os argumentos a favor econtra têm força, as actuações variam de país para país. Algumas autoridades entendem que se deve insistir sobre os padrões mínimos de qualidade, mas outras são mais flexíveis. Há países em que as comunidades constroiem as paredes e o governo ou doadores oferecem as chapas de zinco para a cobertura, pois elas são melhores e eficazes do que o capim. Mas, muitas vezes, as comunidades não possuem dinheiro para comprar chapas de zinco.

f) - Dimensão mínima duma escola

Alguns governos procuram fazer com que as ecolas sejam viáveis e tenham um custo unitário razoável e, para o efeito, insistem sobre as matrículas mínimas e dimensão mínima da escola, antes dela ser oficialmente autorizadas. Embora os requisitos específicos possam ser estabelecidos localmente em cada caso, a dimensão mínima apropriada, em geral, é maior na escola secundária do que na primária.

O controlo da dimensão mínima da escola desencoraja as comunidades a terem iniciativas separas e construirem escolas dispersas. Mas, com esta regulamentação pode suceder, como consequência, que algumas crianças ou jovens não tenham acesso à escola.

g) - Propinas máximas

Preocupados com o perigo de se exacerbarem as desigualdades sociais, os governos podem fixar regulamentos sobre propinas que os pais e outras pessoas da comunidade devem pagar nas escolas comunitárias. O único problema com este tipo de regulamentos é que eles podem ser ou vir a ser irrealistas. Contudo, é importante que as referidas taxas sejam revistas regularmente em função da inflação, sob pena dos regulamentos não serem observados pelos directores das escolas.

4.10 - Desafios e riscos

Alguns desafios e riscos foram identificados, mas outros adicionais devem ser analisados aqui. A lista de

instrumentos efectivos para os incentivos, orientação e controlo pode ser lógica, mas a sua aplicação pode

confrontar-se com muitas dificuldades.

4.10.1 – A dimensão política e a distribuição da autoridade

Encontrar uma distribuição apropriada da autoridade e a prestação de contas dentro da hierarquia do governo é um desafio. A maioria das decisões sobre incentivos, orientação e controlo só podem ser tomadas a nível local, onde as circunstâncias específicas de cada comunidade individualmente podem ser identificadas e tomadas em consideração. Contudo, o governo pode ser reluctante em delegar amplos poderes às autoridades locais. O Governo actua deste modo provavelmente porque duvida da capacidade de todos os funcionários colocados a nível local de tomarem decisões apropriadas dentro da visão nacional do governo.

Em todos os níveis, as tensões podem surgir entre os funcionários e os políticos. Muitas vezes, os funcionários são suspiciosos em relação às motivações dos políticos e estes ressentem-se dos constrangimentos que lhes são impostos por aqueles. Por exemplo, nos Camarões algumas escolas

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enfrentaram dificuldades mesmo antes de iniciarem o seu funcionamento, uma vez que a decisão de se construir uma escola secundária numa determinada área é quase sempre política. Membros do Parlamento e outros membros influentes do governo persuadiram o Ministro da Educação a assinar um diploma que cria a escola, sem se preocupar em saber se a escola existe ou não. Logo que a escola é criada, os líderes comunitários, em colaboração com os funcionários do Ministério da Educação, vão escolher o local apropriado para a escola. Uma vez escolhido o local, vai-se iniciar o processo de colecta de fundos para a construção. Enquanto decorre a recolha de fundos para a construção da escola, esta irá funcionar temporariamente em locais provisórios. Este procedimento cria a possibilidade dalgumas àreas terem mais escolas do que outras onde não há fortes pressões políticas. Daqui resuklta que, muitas vezes, o governo resolve estes problemas através de regulamentos, exercendo maior controlo sobre a iniciativa dum determinado projecto. Neste caso, só os projectos viáveis vão receber luz verde do governo. Por isso, a tendência vai ser a de iniciativa ficar com o governo, diminuindo assim o envolvimento das comunidades locais. Como consequência, em vez de serem as comunidades a iniciarem um projecto e pedirem apoio ao governo, passa-se para a situaç~ao em que o governo inicia um projecto com possível envolvimento da comunidade.

4.10.2 – Disparidades e encorajamento aos grupos mais passivos

Para além das questões sobre onde se situa o poder de decisão, existe a possibilidade de alargarem as disparidades por causa das decisões que são tomadas localmente. Como já vimos, a questão das disparidades coloca-se sempre que se fala do financiamento pela comunidade. Uma questão com que se confrontam os decisores diz respeito aos diferentes incentivos e controlos em relação às comunidades. Tome-se, como exemplo, as comunidades que não têm hábito de trabalho conjunto e nunca expressaram interesse em construir uma escola. Neste caso, deve o governo assumir as construções dessas àreas? A construção da escola nessas àreas pode contribuir para se criar sensibilidade na comunidades sobre o valor da educação e a importância de se mandar os filhos à escola e, deste modo, reduzir as disparidades regionais no acesso. Contudo, pode ser um sinal de que, quando se recusa fazer um trabalho comunitário, pode-se ganhar um prémio, o que também pode criar ressentimentos em relação às comunidades mais activas e bem organizadas. Estas comunidades podem sentir-se penalizadas pelo seu trabalho.

Nestas situações, o governo sempre corre riscos seja o que fôr que faça. Algumas autoridades reagem evitando o problema. Ou eles adoptam a estratégia do mercado em que respondem aos pedidos das comunidades activas e deixam as passivas a sofrerem das consequências da sua passividade; ou proíbem qualquer intervenção das comunidades no financiamento da educação e, operando num sistema centralizado, o governo procede à atribuição dos recursos necessários. Estas duas reacções fazem perder oportunidades e podem conduzir a mais problemas.

Mais positivamente, o governo pode utilizar o seu pessoal local ou o empregue pelas comunidades para trabalhar com as comunidades mais passivas e ajudá-las a identificar as necessidades e as estratégias para fazer face a essas necessidades. Tal pessoal precisa de ter habilidades na conscientização, promoção de coesão e gestão de conflitos. No nível mais prático, esse pessoal deveria dar conselhos sobre a localização das escolas, procurando fazer com que essas escolas sirvam uma população mais ampla, mas sem que se perca de vista a identidade entre as escolas e os indivíduos. Esse pessoal deveria também dar conselhos em matéria de práticas de gestão, procedimentos para a colecta de fundos e outros assuntos pertinentes para uma operação efectiva e sustentável das instituições.

4.10.3 – O tamanho da operação

Os sucessos em micro-projectos não podem ser multiplicados em projectos de larga escala. Os governos que pretendem expandir consideravelmente as matrículas, por exemplo, para alcançar a escolarização primária universal ou do primeiro ciclo do ensino secundário geral, devem ter em conta que tal objectivo apenas pode ser realizado com a participação das comunidades. Contudo, os problemas a enfrentar são

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enormes devido à escala da operação. Tratando-se dum projecto nacional, devem ser definidas fórmulas que balanceiem os inputs do governo e os das comunidades, embora se deva ter consciência das grandes variações dentro do país.

Como fórmula, por exemplo, pode-se estabelecer que a comunidade vai contribuir com um terço dos custos da construção duma escola, através da limpeza do terreno, preparação das fundações e fornecimento dalguns materiais de construção. O governo teria de cobrir os restantes dois terços. Contudo, é preciso ter em mente a questão do cumprimento dos prazos, pois as comunidades não têm habito de operar com prazos rígidos.

Um risco a fazer face tem a ver com os relatórios e informações dos distritos. Nalguns casos as inspecções locais podem prestar falsas informações sobre o trabalho realizado no terreno. Na base dessas informações, as autoridades centrais podem fazer adiantamentos de fundos e, mais tarde, verificar que nenhum trabalho foi executado e os fundos adiantados foram indevidamente utilizados. Tal situação é lamentável, mas é um facto real. Para se ultrapassar este problema a possível solução reside na contratação de técnicos, fiscais e auditores, que vão certificar-se do que se passa no terreno, antes de recomendarem a efectivação de qualquer pagamento.

Um outro problema relaciona-se com o facto de que as construções em larga escala, em geral, requerem a realização de concursos que atraiem grandes empresas, em prejuízo das pequenas. Também é preciso ter em conta os aspectos burocráticos de gestão dum projecto deste tipo a níel nacional. A coordenação não é fácil e a burocracia se se move muito lentamente não vai estar em consonância com o entusiasmo das comunidades; ou a burocracia move-se muito depressa e, nestes casos, muitas decisões são forçadas, pois as comunidades ainda não terão completado o processo de consultas. Para minimizar os efeitos destes problemas, as autoridades centrais podem produzir um manual para ajudar os técnicos em matéria de concepção e desenho de projectos, mecanismos de procurement (aquisições) e de desembolsos para projectos que envolvam a participação de comunidades. Embora este manual possa representar um progresso, deve-se ter consciência de que muitos problemas ainda permanecerão sem solução.

4.11 - Acompanhamento e avaliação

Acompanhamento e avaliação são importantes em todas as políticas. São importantes particularmente no

que diz respeito ao financiamento pelas comunidades. Sem acompanhamento e avaliação cuidadosos, é

impossível ter uma ideia precisa sobre os resultados e a necessidade de ajustamento das políticas. Em

muitos países a qualidade de dados sobre o financiamento pelas comunidades e sobre o impacto das

políticas governamentais deixa muito a desejar. Em geral, o governo tem falta de informações detalhadas,

mesmo sobre como foram utilizados os seus próprios fundos em esquemas de parceria. Daqui resulta que

muito ainda tem de ser feito em termos de acompanhamento, avaliação e pesquisa. Em particular, são

necessários estudos de caso, detalhados para mostrar a dinâmica da operação nas diferentes comunidades e

em diferentes momentos. Tais estudos podem demonstrar a fraqueza dalguns esquemas de parceria, bem

como os seus sucessos. Embora as pesquisas sejam onerosas, tais estudos poderiam gerar valiosas

contribuições sobre como é que os recursos disponíveis poderiam ser utilizados duma forma mais

inteligente.

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4.12 - Conclusão

São grandes os debates sobre onde se devia localizar o contrlo administrativo e quase não se vislumbra uma

solução ideal. As forças que podem ser dientificadas para justificar sistemas centralizados, mistos ou

descentralizados são complexas e variáveis. Nenhum modelo pode ser recomendado para ser aplicado

universalmente e, mesmo em àreas específicas bem identificadas, as necessidades podem mudar ao longo

do tempo.

Uma das grandes atracções do financiamento das comunidades reside no facto de que o mesmo permite aliviar o governo do peso das despesas com o sector da educação, uma vez que permite colectar recursos alternativos. Lá onde os governos são prósperos, o financiamento pela comunidade parece interessarpouco às autoridades centrais, mas lá onde as restrições são muito fortes, o financiamento comunitário é largamente encorajado e reconhecido.

A mais positiva razão para se encorajar o financiamento comunitário reside no valor da parceria e responsabilidade conjunta na educação. O governo do Gana deu um passo corajoso em frente ao envolver os líderes comunitários na selecção dos directores das escolas. Contudo, esta é uma experiência ainda por avaliar.

Ao longo das aulas anteriores foram feitas referências ao facto de que o financiamento comunitário pode agravar as disparidades regionais e sociais. Mas isso não pode ser motivo para desencorajar o financiamento comunitário. É preciso encontrar instrumentos apropriados de orientação e controlo do envolvimento comunitário. Forjar parcerias efectivas pode ser difícil em projectos de larga escala. Contudo, larga escala não quer dizer necessariamente inflexível e com mais esforços e uma elevada compreensão pode ser encontrado o devido equilíbrio entre o governo e as comunidades.

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