MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO … · pela hospitalidade e por me permitirem maior...
-
Upload
truongphuc -
Category
Documents
-
view
216 -
download
0
Transcript of MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO … · pela hospitalidade e por me permitirem maior...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA
Políticas de Saúde, Planejamento e Avaliação
MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:
A experiência de Belo Horizonte
Maria Rachel Jasmim de Aguiar
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos
Rio de Janeiro
2007
MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR
MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:
A experiência de Belo Horizonte
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Linha de Pesquisa: Políticas de Saúde, Planejamento e Avaliação.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos
Rio de Janeiro
2007
A282 Aguiar, Maria Rachel Jasmim de.
Modos de organização do trabalho na aten-
ção primária à saúde : a experiência de Belo
Horizonte / Maria Rachel Jasmim de Aguiar.
248 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva)-
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, 2007.
Bibliografia: f. 213-227.
1. Trabalho em saúde 2. Atenção primária
à saúde. I. Título.
CDD 362.1
MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR
MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE:
A experiência de Belo Horizonte
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Linha de Pesquisa: Políticas de Saúde, Planejamento e Avaliação.
Aprovada em 09 de julho de 2007.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos – Orientador
Universidade Federal do Rio de Janeiro
__________________________________________________ Profª. Drª. Ligia Giovanella
Fundação Oswaldo Cruz
__________________________________________________ Prof. Dr. Tulio Batista Franco
Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro 2007
Aos que lutam pelo bom, pelo justo, pelo melhor.
Aos meus pais, Raphael e Angela, lutadores neste mundo.
AGRADECIMENTOS
A Deus, acima de tudo, pelo Dom da Vida e a Luz de cada dia;
A toda a minha família, em especial minhas avós queridas pelas orações e
incentivo, e meus avozinhos, in memorian, que vêm iluminando meu trabalho e
inspirando meus estudos;
Ao Flavio, meu companheiro de sempre, doce ternura que caminha ao meu
lado, que me acolheu e me incentivou com muito amor para que eu me
empenhasse na realização deste trabalho;
A meus pais, Angela e Raphael, pelo amor cada dia maior, pela saudade
apertada, pelas orações e pelo exemplo de vida, companheirismo e fé;
A minha irmã Cissa, pelo carinho, compreensão e paciência ao longo desses
dois anos de intensos estudos e inquietações;
A meu irmão Pedro, pelo carinho e apoio desde o início deste trabalho, ainda
que hoje um pouco mais distante, e pelos incentivos e palavras de conforto;
A Angela, Fiora e Pepo que, torcendo por mim, compreenderam minhas
ausências;
Ao Prof. Carlos Eduardo Aguilera Campos, por me fazer compreender a
essencialidade da Atenção Primária e por tantos meses de trabalho, estímulo e
amizade;
Às Profas. Ligia Bahia e Maria de Lourdes Cavalcanti, mestres da saúde pública
com quem tive momentos de grandes aprendizados e reflexões;
À Profa. Claudia March, mestre, companheira e grande amiga, cuja orientação
ao longo dos anos me ajudou a trilhar este caminho e chegar até aqui;
A Isabel Mansur, Márcia Pacheco e André Silva, grandes companheiros na sala
de aula e por estes caminhos da Saúde Coletiva, mestres do meu dia-a-dia;
À Verônica Fernandez, por todo afeto e disponibilidade nos tempos de
faculdade e de trabalho juntas e nestes anos de estudo;
À Luana Pontes, jovem mestre e doutoranda, pelas palavras de fé e conforto
em todas as horas da minha vida;
Às amigas Manuela e Denise e amigos Carlos, Vinicius, Thiago, Paulo
Roberto, Daniel e Gustavo, companheiros nesta luta por um mundo melhor e
torcedores desta batalha;
À perto-longe-perto amiga Flora Lobosco, fonte de esperança a cada
reencontro;
A Priscila Penna, Audrey Cintra e Annie Schtscherbyna, que sempre confiaram
que eu chegaria aqui, e a Ivisson Carneiro, grande indutor da minha
perseverança;
À Carla Godoy e Mirella Amorim e todos os colegas da GGACI/ANS, por toda
a paciência, distração e compreensão ao longo do último ano;
Aos amigos do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal
Fluminense, Vagner, Kátia e Alcidéa, que tanto colaboraram no início do curso
desta trabalhadora-estudante, e aos Professores Armando Cypriano, Gilson
Saippa, Mônica Machado, Marcos Moreira, Marcos Senna, José Paravidino,
Manoel Martins, Aluísio Silva Jr., Lílian Koifman, Maria Luiza Garcia e Luiz
Hubner, que sempre me incentivaram como sanitarista;
Aos Professores Ligia Giovanella e Tulio Franco, pelas contribuições na
qualificação do meu projeto de mestrado e por terem aceitado participar da
banca de minha defesa;
À Alexia Ferreira e Afonso Reis, pelas dicas para conformação da pesquisa,
pela hospitalidade e por me permitirem maior proximidade com meu campo de
estudo;
À Dra. Sonia Gesteira e aos profissionais da Secretaria Municipal de Belo
Horizonte e do Programa Saúde da Família/ BH Vida: Saúde Integral, pela
atenção e esclarecimentos prestados;
Aos que me permitiram um “descanso militante” por uma “militância
acadêmica” e que me aguardam;
A todas as pessoas que acreditaram, rezaram e torceram para que o esforço,
enfim, desse bons frutos.
Comungar é tornar-se um perigo: viemos pra incomodar
Anônimo
Carpe diem quam minimum credula postero
(Colha o dia, confia o mínimo no amanhã) Horácio (65 - 8 AC)
SUMÁRIO LISTA DE ILUSTRAÇÕES 10 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 11 RESUMO 13 ABSTRACT 14 APRESENTAÇÃO 15 CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO E ASPECTOS METODOLÓGICOS 17
1.1 INTRODUÇÃO AO(S) TEMA(S) 17
1.2 JUSTIFICATIVA 24
1.3 OBJETIVOS 25
1.4 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA 26
CAPÍTULO 2 – ATENÇÃO PRIMARIA À SAÚDE: AS ORIGENS, OS SENTIDOS, UNS
CAMINHOS 33
2.1 SOBRE OS MODELOS ASSISTENCIAIS EM SAÚDE 33
2.2 ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM POUCO DE HISTÓRIA 36
2.2.1 Características da Atenção Primária 42
2.3 A ATENÇÃO PRIMÁRIA NO CONTEXTO DAS REFORMAS DA SAÚDE 44
2.4 CAMINHOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL 48
2.4.1 Atenção Primária, Atenção Básica e Saúde da Família: um debate semântico? (ou Um
campo de práticas brasileiro) 54
2.4.2 A Institucionalização do Programa Saúde da Família 57
2.4.3 Características da Saúde da Família 59
2.5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 62
CAPÍTULO 3 – TRABALHO EM SAÚDE E REORGANIZAÇÃO DO PROCESSO DE
TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 69
3.1 BREVE INTRODUÇÃO SOBRE O TRABALHO EM SAÚDE 69
3.1.1 Processo de trabalho e processo de trabalho em saúde 71
3.1.2 A micropolítica do trabalho em saúde (ou o trabalho como lugar de construção dos
sujeitos que somos) 76
3.2 PRESSUPOSTOS PARA O PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE 77
3.2.1 Integralidade nos modos de fazer saúde 80
3.2.2 A produção do cuidado e o campo da gestão 83
3.3 TRABALHO EM EQUIPE 85
3.3.1 Multi – Inter – Transdisciplinaridade e Integralidade: pressupostos para a organização do
trabalho das equipes de saúde 88
3.4 A ATENÇÃO PRIMÁRIA E A REORIENTAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM
SAÚDE 91
3.4.1 O processo de trabalho na Saúde da Família e a composição de equipes 93
3.5 BREVE SÍNTESE 97
CAPÍTULO 4 – CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EM ESTUDO: CONHECENDO
BELO HORIZONTE E SEU(S) MODO(S) DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA
ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 100
4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EM ESTUDO 100
4.1.1 Indicadores sócio-demográficos 100
4.1.2 O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte 102
4.2 A SAÚDE DE BELO HORIZONTE: UM POUCO MAIS DE HISTÓRIA 107
4.2.1 Acolhimento: um dispositivo para a mudança do processo de trabalho em saúde 111
4.3 BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL E A SAÚDE DA FAMÍLIA 114
4.3.1 As Linhas do cuidado 117
4.3.2 Características da Atenção Primária e papel Saúde da Família em Belo Horizonte 122
4.3.3 Um novo modo de fazer saúde: a implantação das Equipes de Saúde da Família 124
4.3.3.1 O papel dos profissionais das Equipes de Saúde da Família 126
4.3.3.2 O gerente do Centro de Saúde 127
4.3.3.3 Saúde Mental e Saúde Bucal: presentes 127
4.3.3.4 Reabilitação: experiência multiprofissional na Atenção Primária 130
4.3.4 Organização dos processos de trabalho e reordenamento da assistência 132
CAPÍTULO 5 – NOSSOS ACHADOS: RESULTADOS E DISCUSSÃO 135
5.1 PERCEPÇÕES SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL 135
5.1.1 A mudança e os impactos da Estratégia de Saúde da Família em Belo Horizonte 135
5.1.2 Integralidade do cuidado como eixo da atenção 142
5.1.3 Alguns debates acerca da universalidade e do consumo de saúde 147
5.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA SOB UMA
PERSPECTIVA “SISTÊMICA” 151
5.3 A ORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA
155
5.3.1 Reflexos da ampliação do acesso para o trabalho em saúde 155
5.3.2 Organização do trabalho em equipe 164
5.3.3 Pressupostos para o processo de trabalho na Atenção Primária à Saúde 168
5.4 MULTIPROFISSIONALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE: DEMANDAS PARA A
ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE 172
5.4.1 Núcleo de Apoio em Reabilitação e Núcleo de Atenção Integral da Saúde da Família 176
5.4.2 Outras “modelagens”: equipes matriciais e supervisão 181
5.5 VISITA DOMICILIAR 186
5.6 O PROCESSO DE TRABALHO E AS RELAÇÕES DE REDE 190
5.7 CONCEPÇÃO DE MODELO ASSISTENCIAL 193
5.8 MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 199
CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS 202 REFERÊNCIAS 213 APÊNDICES 228
Apêndice 1 – Roteiros de entrevista 229
Apêndice 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 239
ANEXOS 241
Anexo 1 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo
Horizonte 242
Anexo 2 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
– Universidade Federal do Rio de Janeiro 245
Anexo 3 – Organograma da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, MG – 2005 247
Anexo 4 – Indicadores utilizados na construção das áreas de vulnerabilidade à saúde por setores
censitários 248
LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS
Figura 1 – Áreas Administrativas Regionais – Belo Horizonte, MG 101
Figura 2 – Unidades de Planejamento – Belo Horizonte, MG 101
Figura 3 – Esquema de divisão territorial para a saúde em Belo Horizonte, MG 103
Figura 4 – Área de Abrangência de Centro de Saúde 105
Figura 5 – Linha de produção do cuidado 118
Figura 6 – Fluxograma descritor, resumido, da linha de cuidado interna à UBS/ESF 121
QUADROS
Quadro 1 – Abordagens da Atenção Primária à Saúde 40
Quadro 2 – Desafios de Recursos Humanos nas Américas 94
Quadro 3 – Distribuição da população de Belo Horizonte segundo riscos – 2007 104
Quadro 4 – Características dos Centros de Saúde selecionados para o estudo 106
TABELAS
Tabela 1 – População residente segundo as Áreas Administrativas Belo Horizonte, MG – 2000
101
Tabela 2 – Distribuição das Unidades Assistenciais do SUS Belo Horizonte, MG 102
Tabela 3 – Distribuição da população segundo Área Administrativa por Classificação de Risco.
Belo Horizonte, MG – 2005 105
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
AB Atenção Básica
ACD Auxiliar de Consultório Dentário
ACS Agente Comunitário de Saúde
AIS Ações Integradas de Saúde
APS Atenção Primária à Saúde
CREAB Centro de Reabilitação Sagrada Família
CD Cirurgião Dentista
CERSAM Centro de Referência em Saúde Mental
CERSAT Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
CONASP Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária
CS Centro de Saúde
DFID Departamento para Desenvolvimento Internacional do Reino
Unido
ESB Equipe de Saúde Bucal
ESF Equipe de Saúde da Família
ESM Equipe de Saúde Mental
F. SESP Fundação Serviço Especial de Saúde Pública
FUNASA Fundação Nacional de Saúde
GEAS Gerência de Assistência da Secretaria Municipal de Saúde de
Belo Horizonte
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
LOS Lei Orgânica da Saúde
MS Ministério da Saúde
NAR Núcleo de Apoio em Reabilitação
NOAS Norma Operacional de Assistência à Saúde
NOB 96 Norma Operacional Básica do SUS 01/96
OMS Organização Mundial da Saúde
OPAS Organização Pan-Americana da Saúde
PAB Piso da Atenção Básica
PAB-A Piso da Atenção Básica Ampliado
PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PEC Programa de Extensão de Cobertura
PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
PMF Programa Médico de Família
PNAB Política Nacional de Atenção Básica
PND Plano Nacional de Desenvolvimento
PPREPS Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde
PREV-SAÚDE Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
PROESF Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família
PSF Programa Saúde da Família
REFORSUS Reforço à Reorganização do SUS
RMBH Região Metropolitana de Belo Horizonte
SESP Serviço Especial de Saúde Pública
SF Saúde da Família
SMSA Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte
SNS Sistema Nacional de Saúde
SPT 2000 Saúde para Todos no Ano 2000
SUDS Sistema Único e Descentralizado de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
THD Técnico em Higiene Dental
UBS Unidade Básica de Saúde
UPA Unidade de Pronto Atendimento
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
USAID Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento
Internacional
USF Unidade de Saúde da Família
VD Visita Domiciliar
WONCA Europa Sociedade Européia de Clínica Geral / Medicina Familiar
RESUMO O presente estudo pretende contribuir para a reflexão sobre a reorientação dos modelos assistenciais a partir da reorganização da Atenção Primária à Saúde (APS) ocorrida recentemente no país, com expansão da estratégia de Saúde da Família, particularmente após a implementação do “Programa BH Vida: Saúde Integral” em Belo Horizonte, MG. Para a reflexão, abordam-se aspectos do processo de trabalho em saúde, reconhecendo-se a centralidade da conformação de equipes baseadas na multiprofissionalidade e na interdisciplinaridade. O estudo teve como objetivos conhecer a percepção de sujeitos institucionais da gestão e da assistência do sistema de saúde de Belo Horizonte sobre a organização da APS antes e após a implementação do programa; a composição de equipes para atuarem neste nível de atenção; o processo de trabalho dos profissionais de tais equipes e a relação entre processo de trabalho e modelo assistencial no município. Para atingir tais objetivos, desenvolveu-se um estudo de caso utilizando-se a abordagem qualitativa. Foram entrevistados onze informantes-chave: três membros da Gerência de Assistência da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte – sendo dois coordenadores de áreas técnicas vinculadas à GEAS – três gerentes de unidades básicas de saúde de distritos sanitários distintos e cinco profissionais vinculados a estas unidades, entre eles um agente comunitário de saúde, um auxiliar de enfermagem, um médico e dois enfermeiros. As entrevistas apontaram que a integralidade constitui-se forte característica do programa e que a mudança de modelo, aliada ao dispositivo do acolhimento, produziu aumento da demanda aos centros de saúde, porém destacaram que isso tem gerado sobrecarga aos trabalhadores das equipes de saúde da família. Foi evidenciada a importância da multiprofissionalidade e da interdisciplinaridade e da incorporação de outros profissionais às equipes. Entretanto, no que se refere à possibilidade de sua inserção nas equipes mínimas não houve clareza nem consenso sobre seu papel, tendo sido também cogitada a conformação de equipes supervisoras ou matriciais para apoio às equipes mínimas. Comparando os resultados com a literatura existente e com documentos do município, percebe-se que a opção por equipes matriciais tem obtido êxito, porém deve-se caminhar no sentido da elaboração conjunta dos projetos terapêuticos. O BH Vida: Saúde Integral possui muitos limites e contradições, mas se apresenta como uma experiência bem-sucedida em região metropolitana, pautada na organização do trabalho em equipes multiprofissionais e produtora da ampliação do acesso para a atenção integral à saúde, o que pode ser levado em conta em tempos de expansão e consolidação da estratégia de Saúde da Família. Palavras-chave: atenção primária à saúde, modelo assistencial em saúde, trabalho em saúde, trabalho em equipe, Programa Saúde da Família, Belo Horizonte.
ABSTRACT The aim of the present study is to contribute to the thoughts around a new orientation of the health care models taking as a starting point the reorganization of Primary Health Care (PHC) in Brazil, which was recently expanded by the Family Health Program, and in particular after the implantation of the program “BH Life: Integrated Health” in Belo Horizonte, State of Minas Gerais. To this purpose we approached different aspects of the work process, taking into consideration the multi-professional and multi-disciplinary composition of teams. The purpose of this study was to learn how the managers and care professionals of the health system of Belo Horizonte perceive the organization of Primary Care before and after the implantation of the Family Health Program; the composition of the teams acting on this level; the work process of the professionals composing these teams and the relation between work process and care model. To this end a case study based on a qualitative approach was conducted. Eleven key informants were interviewed: three members of the management of the Health Secretariat of the city of Belo Horizonte – two coordinators of related technical areas, three coordinators of primary care units from distinct sanitary areas and five professionals acting in these areas: one community health agent, one nursing aid, one physician and two male nurses. The interviews pointed to integrality as outstanding characteristic of the program and indicated that the change of the model allied to the implantation of the new mechanism has increased the demand for the health centers, however emphasizing that this has resulted in work overload for the professionals of the Family Health teams. The importance of multi-professional and interdisciplinary care as well as of incorporating other professionals to the teams was evidenced. As refers to the possibility of their insertion in the minimum teams there was no clearness or consensus about their role in the teams, and the conformation of supervising teams for providing support to the minimum teams was cogitated. Comparing these results with the existing literature and documents of the municipal health authorities it can be noted that the option for supervising teams has been well succeeded, but a joint elaboration of therapeutic projects should be pursued. The BH Life: Integrated Health has a number of limitations and contradictions but is a well-succeeded experience in a metropolitan region, characterized by the organization of the work in teams and producing wider access to integrated health care, a fact to be considered in times of expansion and consolidation of the Family Health Strategy. Key words: primary healthcare, health care model, health work, team work, Family Health Program, Belo Horizonte.
APRESENTAÇÃO É interessante pensar a construção de uma dissertação... Cheguei ao curso com
inúmeras indagações que me instigaram a desenvolver este trabalho. Para algumas encontrei
respostas ao longo do tempo; outras se tornaram pressupostos que não pude deixar de
investigar e de buscar soluções ou pistas ou novas indagações.
Minha aproximação com o tema da Atenção Primária à Saúde (APS) e da organização
do trabalho neste campo vem desde o meu curso de graduação em Nutrição, quando me
dediquei a uma pesquisa que produziu o trabalho intitulado “O profissional nutricionista e a
reorientação do modelo tecnoassistencial em Niterói a partir do Programa Médico de Família:
um estudo de caso” (AGUIAR, 2005).
Naquele estudo, pretendi contribuir para o debate sobre a reorientação do modelo
assistencial do Sistema Único de Saúde (SUS) de Niterói a partir da reflexão sobre o processo
de trabalho dos profissionais de saúde do município, particularmente os trabalhadores da
equipe do Programa Médico de Família (PMF) de Niterói e os profissionais nutricionistas de
Policlínica Comunitária. O estudo apontou a importância do profissional nutricionista na
equipe multiprofissional e muitas pistas foram surgindo no decorrer do trabalho. Acredito que
elas devam ser aprofundadas na reflexão sobre o papel do nutricionista na APS, em especial
em uma conjuntura de reorientação da mesma a partir da adoção de programas e estratégias de
saúde da família.
Desde então, tem crescido a motivação por pensar a reorientação dos modelos de
assistência à saúde à luz da reorientação dos processos de trabalho, o que passa
necessariamente pela (re)organização destes processos. Para além do papel do profissional
nutricionista, o papel dos demais profissionais precisa também ser (re)pensado. Antes, a
organização do trabalho em equipe precisa ser definida a partir de critérios que conduzam a
uma real transformação do modelo de assistência.
A APS foi o campo de práticas que escolhi, novamente, para o desenvolvimento da
presente dissertação e a reflexão feita foi a organização do trabalho em saúde neste nível de
atenção. Consideramos as transformações que o conceito de APS vem sofrendo ao longo do
tempo, como será abordado no decorrer do texto.
Princípios da APS como a universalidade, a integralidade e a eqüidade foram
incorporados pelo Sistema de Saúde no Brasil. Acredito que uma das formas de concretizá-los
é através da organização do trabalho em equipes. Por isso, para além da discussão sobre o
papel do nutricionista, de um ou outro profissional específico, creio ser fundamental a
reflexão sobre os modos de organização do trabalho em saúde, admitindo a centralidade do
trabalho em equipe.
A dissertação foi estruturada da seguinte forma: o capítulo 1 introduz o estudo,
justificando a realização desta pesquisa e apresentando os objetivos, bem como a metodologia
adotada.
No capítulo 2, fazemos um resgate da Atenção Primária à Saúde, desde seu
surgimento, sua apropriação e trajetória no Brasil, apontando os principais aspectos,
características e princípios deste campo de práticas, refletindo e problematizando
principalmente a Saúde da Família.
O capítulo 3 foi constituído de uma breve sistematização da produção teórica do
trabalho em saúde. A apresentação da categoria trabalho demandou um referencial não
específico do campo da Saúde Coletiva, mas que deve ser considerado para melhor
compreensão do tema e para discussão acerca dos processos de trabalho e de modos de
organizá-lo na saúde. O debate sobre trabalho em equipe foi feito utilizando-se referencial
próprio da saúde coletiva, à luz dos aspectos de multi e interdisciplinaridade. O final deste
capítulo apresenta a intersecção dos dois debates, o trabalho e a APS.
O capítulo 4 destina-se à apresentação de alguns indicadores e ao resgate de
antecedentes do BH Vida: Saúde Integral, atual “modelo de atenção à saúde” adotado no
município de Belo Horizonte, MG, o qual elegemos como campo para o estudo de modos de
organização do trabalho na APS para a presente dissertação.
O desenvolvimento, com resultados e discussões, faz parte do capítulo 5. Este foi
dedicado à análise do modelo de atenção de Belo Horizonte a partir de fontes documentais e
entrevistas com sujeitos envolvidos com o processo de formulação e implementação da
experiência, sejam eles ligados à gestão e/ou profissionais da atenção. Acredito que, mais do
que produzir o dado novo, com os depoimentos foi possível validar nosso pressuposto inicial,
de modo a contribuir para o entendimento do processo de trabalho em saúde e, em particular,
na APS, como especificidade da equipe, e não da profissão, e de que deve ser tomado como
política.
O último capítulo é dedicado à realização de um balanço do estudo e às considerações
finais.
Muitas inquietações, muitas “pulgas atrás da orelha” e muita vontade de pensar e
contribuir para este debate. Espero dar conta de pelo menos algumas daquelas pistas que
ficaram por ser investigadas. À luta!
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO AO ESTUDO E ASPECTOS
METODOLÓGICOS
1.1 INTRODUÇÃO AO(S) TEMA(S) As constantes mudanças políticas, sócio-culturais e econômicas vivenciadas pela
sociedade brasileira desde o século passado têm sido acompanhas por transformações na
esfera das políticas sociais, o que inclui o sistema de saúde.
Até a década de 1970, vigia no Brasil o modelo médico assistencial privatista,
marcado pela desigualdade na distribuição e acesso aos serviços de saúde, especialmente para
as camadas mais pobres da população e para aqueles excluídos do mercado formal de
trabalho, incapaz de resolver inúmeros problemas de saúde. Estas questões não eram
específicas do caso brasileiro, de modo que no final dos anos 1970 estabeleceu-se um novo
debate internacional sobre modelos de assistência. Aquele modelo, baseado na medicina
curativa e hospitalocêntrico, entrou em crise, permitindo o surgimento da proposta de
Medicina Comunitária e de Atenção Primária à Saúde (APS).
No Brasil, essas propostas tornaram-se estratégias para redemocratizar a política e
levar assistência à saúde a toda a população. Vigorou a idéia de descentralização, tendo sido
estruturados programas de descentralização municipal e de priorização dos serviços básicos
de saúde. (LUZ, 2001, p. 17) Algumas destas estratégias foram implementadas, outras se
limitaram apenas à formulação, mas são apresentadas no presente trabalho, como o Programa
de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), o Programa Nacional de
Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE) e as propostas do Plano do Conselho Nacional de
Administração da Saúde Previdenciária (Plano CONASP), que foram as Ações Integradas de
Saúde (AIS).
Em parceria com as universidades, diversos municípios organizaram uma rede de
Unidades de Saúde para Atenção Primária, como Niterói, Londrina e Campinas, entre outros.
(SILVA Jr., 1997) Essas experiências subsidiaram o Movimento de Reforma Sanitária, que
culminou na realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986. A VIII Conferência
18
norteou o processo de reformulação do Sistema de Saúde, que ganhou forma de lei na
Constituição de 1988 e na Lei Orgânica da Saúde1 (LOS) em 1990, instituindo-se o SUS.
Princípios como a universalidade, a integralidade e a eqüidade foram incorporados
pelo Sistema de Saúde no Brasil. A partir de 1993, o desencadeamento da municipalização
das ações e serviços significou a expansão dos espaços onde têm sido introduzidas mudanças
tanto na organização dos serviços quanto nas práticas de saúde. (TEIXEIRA; SOLLA, 2005,
p. 462) Esse processo resultou na transferência gradativa da responsabilidade pela APS para
os municípios.
Teixeira & Solla (2005) identificam a APS como “renomeada” no Brasil para Atenção
Básica (AB). Já Piancastelli (2001) considera sinônimos os termos APS e AB, bem como
diversos outros autores, conforme demonstrou Gil (2006). No entanto, há quem identifique
diferenças entre estas duas expressões2.
Heimann & Mendonça (2005) esclarecem que a concepção de AB supera a proposição
da multicausalidade encontrada na APS na década de 1980, fundamentando-se no paradigma
da determinação social da doença, “o que implica organizar os serviços e o sistema de saúde
em função das necessidades da população”. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 482-483)
Apesar dos preconceitos e da noção de concepção “redutora” (BRASIL, 2003c) em
torno da APS nas décadas de 1980 e 1990, não existem bases que diferenciem a AB da APS.
Contudo, escolhemos utilizar prioritariamente o termo APS por considerarmos que “primária”
se refira, essencialmente, à atenção primordial, à atenção primeira a que os indivíduos devam
ter acesso. Não significa que haja oposição entre estas abordagens, pois não são conceituadas
de forma diferente; apenas as “denominações” ou “nomenclaturas” são distintas. Entretanto,
no nosso entendimento, atenção básica deixa margens para interpretá-la como uma atenção
elementar, simples e livre de tecnologias complexas3. Todavia, o termo atenção básica
aparecerá, especialmente quando se tratar de citação.
No Brasil, a trajetória da APS passa pelo Programa Saúde da Família (PSF), cujo
surgimento pode ser compreendido como o de um modelo assistencial implantado para
reorganizar o SUS a partir da APS. A principal característica da política de saúde pública
desenvolvida nos anos 1990, sobretudo na segunda metade da década, foi a ênfase na atenção
1 Lei Orgânica da Saúde ou Legislação Sanitária: Capítulo “Saúde” da Constituição Federal de 1988 e Leis nº 8.080 e 8.142 de 1990. 2 A caracterização e diferenciação dos termos atenção primária à saúde e atenção básica e a discussão sobre as diferentes abordagens da APS serão feitas com maior aprofundamento no capítulo 2, dedicado a este tema. 3 A respeito de tecnologias, Merhy (2002) apresenta o conceito de tecnologias leves, leveduras e duras. Esta não é uma discussão simples, mas a compreensão destes termos se tornará mais clara no capítulo 3, quando abordaremos o trabalho em saúde (Cf. subseção 3.1.1 Processo de trabalho e processo de trabalho em saúde).
19
básica, (MARQUES; MENDES, 2002, 2003) especialmente quando os recursos financeiros
destinados a esse nível de atenção passaram a incentivar o PSF.
Este programa apresenta inúmeras proposições da APS, entre elas o trabalho
organizado em equipes multiprofissionais. Apesar disso, sua implementação vem se dando
numa conjuntura de aprofundamento do capitalismo globalizado e de neoliberalismo, na qual
as políticas públicas vêm assumindo um caráter restritivo, sem ultrapassar um nível de
assistência emergencial aos mais pobres, num contexto sócio-econômico desfavorável à
distribuição de renda e ao bem-estar, que só admite políticas focalizadas e de combate à
miséria absoluta.
Com a aprovação da Norma Operacional Básica do SUS 01/96 (NOB 96), o
financiamento ao PSF foi então institucionalizado, ganhando significativa evidência. A NOB
96 corroborou para o crescimento do PSF, parte de um conjunto de medidas e iniciativas que
visavam o fortalecimento da atenção básica, segundo os princípios e diretrizes do SUS.
(BRASIL, 1996; MARQUES; MENDES, 2002, 2003) O êxito de experiências municipais,
como o Programa Médico de Família (PMF), de Niterói, por exemplo, e da experiência
nacional do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) impulsionou a formulação
do PSF como programa de atenção básica, difundido hoje para todo o país.
No entanto, a adesão dos municípios ao programa não se deu de forma imediata.
Muitos municípios, que já organizavam a atenção à saúde e a rede de serviços tendo como um
dos pilares a APS, resistiram ao PSF. Ao longo do tempo, o programa vem sendo incorporado
em todo o país; porém, há municípios que adaptaram seus modelos de APS em virtude do
PSF, como foi o caso de Belo Horizonte, MG, implementando o Programa “BH Vida: Saúde
Integral”, bem como outros vêm mantendo seus programas e estratégias “intactos” ao PSF,
como ocorre em Niterói, RJ, ao incrementar até hoje o PMF.
O PSF constitui estratégia de reorientação do modelo assistencial pautada nos
princípios do SUS, visando trabalhar com uma concepção holística do processo saúde-doença
e estabelecendo uma relação de vínculo-responsabilização com os usuários do serviço. O
programa se caracteriza também pelo perfil generalista dos profissionais que compõem suas
equipes mínimas (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de
saúde), porém não prevê a incorporação de inúmeros profissionais.
Recentemente, o Ministério da Saúde vem dando um tratamento à Saúde da Família
considerando-a como uma forma de organizar a AB. A ruptura com a abordagem de
programa, passando a adotar a denominação de estratégia de Saúde da Família, denota a
mudança de enfoque: de um programa anteriormente tido como verticalizado e transitório
20
para uma estratégia escolhida para reorientação da atenção à saúde no país. (CORBO;
MOROSINI, 2005)
A expansão da Estratégia de Saúde da Família ocorreu de forma mais ágil em
municípios de pequeno e médio porte. Visando a consolidá-la também em grandes centros
urbanos, o Ministério da Saúde criou o Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da
Família (PROESF), apoiado pelo Banco Mundial e instituído como linha de financiamento na
rede do SUS para organizar a AB pela Saúde da Família.
Esse programa se estruturou sobre três componentes: 1) a adequação da rede
propriamente dita, com apoio à conversão e expansão da Saúde da Família; 2) a capacitação
das equipes; e 3) o monitoramento e a avaliação. (BRASIL, 2005b) Para a gestão nos três
níveis – municipal, estadual e federal – é colocada como desafio a qualificação da atenção,
através de investimentos na Saúde da Família e do resgate do papel desta como organizadora
do SUS.
Ao longo deste trabalho, pode-se observar que, tomando como base estudos que
apontam para a relação entre as práticas e saberes e a estrutura social, procuramos a
delimitação do campo da Saúde Coletiva no que se refere ao tema da organização do trabalho
em saúde.
Refletir sobre a APS no contexto do trabalho produziu indagações de outra ordem.
Penso o trabalho humano como elemento estruturante da sociedade, mas também como
modificação das condições do meio, enfatizando as relações entre quem produz e quem
recebe o produto; o trabalho do ponto de vista das práticas.
A APS é lugar de produção da saúde, do processo de trabalho em saúde e, dessa
forma, muitas questões do mundo do trabalho, suas mudanças e tendências tomam corpo neste
nível de atenção; entre elas, a precarização das relações e vínculos de trabalho, a
reestruturação produtiva e a transição tecnológica, bem como o próprio modo de organização
do trabalho.
É importante lembrar que, nos anos 1990, o Estado tratou sua força de trabalho na área
de saúde
de forma predatória, pela defasagem crescente dos seus salários, pela quase inexistência de recursos para atender ao crescimento da demanda por atenção médica, ou ao menos para repor o contingente de profissionais em função de mortes e aposentadorias, e pela exigência de uma crescente “produtividade” desacompanhada de condições mínimas de trabalho adequadas para o desempenho de suas funções. (LUZ, 2001, p. 35)
21
Essas questões, aliadas a outras mais específicas, são nós críticos que se apresentam
para a melhoria da qualidade da APS, tais como: a ausência de um dispositivo legal acerca da
responsabilidade sanitária; a responsabilidade fiscal e orçamentária; a qualificação das
equipes; a falta de discussão e articulação da APS com os demais níveis de atenção; a
indefinição ou falta de compreensão da política de APS – ou da APS como política –, com
necessidade de real integração entre Saúde da Família e APS nos diversos municípios do país;
a incompreensão e não incorporação da integralidade, eqüidade e universalidade nas políticas
e ações de saúde; a diferença salarial entre os profissionais do SUS e os profissionais do PSF,
em grande maioria contratados e não concursados.
Para superação destes problemas, são necessárias ações em diferentes frentes, como a
multiplicação de práticas centradas no usuário, na relação entre este e o trabalhador de saúde,
práticas produtoras de vínculo, acolhimento e autonomia do usuário, e não apenas a
reprodução de práticas consolidadas, o que demanda para a formação profissional a
abordagem integral, em vez da especializada. Além disso, deve haver centralidade do trabalho
em equipe.
A viabilização de políticas de formação profissional que conduzam a esse modelo,
bem como de políticas de educação permanente, passa pela compreensão do serviço como
produtor de conhecimento e do trabalho como princípio educativo, isto é, de que o trabalho é
espaço de construção do ensino-aprendizagem, de que se aprende com o trabalho. O processo
educacional, portanto, deve ser integrado ao processo de trabalho, viabilizando a própria
Estratégia de Saúde da Família como um todo e visando a um verdadeiro processo de
educação permanente para a equipe de saúde.
São necessárias também outras ações, concebidas sob a leitura de que as
transformações no trabalho derivam da profunda globalização do capitalismo no mundo atual,
tendo a produtividade como um fim em si mesmo.
O processo de especialização na área da saúde também se torna intenso neste sistema
de produção, demandando estratégias para enfrentá-lo. A proposta do trabalho em equipe é
uma das estratégias que têm sido veiculadas, compreendendo-se o trabalho em equipe
multiprofissional como uma modalidade de trabalho coletivo que configura na relação
recíproca entre as múltiplas intervenções técnicas e a interação dos agentes de diferentes áreas
profissionais. (PEDUZZI, 2001)
A esse respeito, vale destacar a publicação da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005,
pelo Ministério da Saúde, criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família, com a
finalidade de ampliar a integralidade e a resolubilidade da Atenção à Saúde. (BRASIL, 2005c)
22
Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para
além daqueles já contemplados na equipe mínima proposta pelo próprio Ministério. Esta
Portaria, porém, não vigorou.
A preocupação com a força de trabalho em saúde e sua organização tem produzido
discussões em âmbito internacional. De acordo com a VII Reunião Regional dos
Observatórios de Recursos Humanos em Saúde, realizada em Toronto, Canadá, em 2005,
vislumbra-se que viveremos, até 2015, a década dos recursos humanos em saúde nas
Américas. (MENDES; MARZIALE, 2006a; REUNIÃO REGIONAL DOS
OBSERVATÓRIOS DE RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE, 2006)
A Reunião produziu o documento “Chamado à ação de Toronto”, uma iniciativa que
pretende congregar sujeitos de setores distintos da sociedade que contribuam para um esforço
conjunto de longo prazo pela valorização, desenvolvimento e fortalecimento dos recursos
humanos da saúde na Região das Américas. O documento tem como princípios a
compreensão de que: 1) os trabalhadores são a base do sistema de saúde – a contribuição dos
trabalhadores de saúde é um fator essencial para a melhoria da qualidade de vida e de saúde;
2) o trabalho em saúde é um serviço público e uma responsabilidade social e 3) os
trabalhadores são protagonistas do funcionamento e da evolução do sistema de saúde, rumo à
crescente e constante qualificação do sistema de saúde.
A perspectiva é que, até 2015, cada país tenha tido um significativo progresso no
alcance de suas metas de saúde assentada no desenvolvimento da sua força de trabalho.
(MENDES; MARZIALE, 2006b)
Em 1995, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) lançou um documento em
que analisava o tratado de integração do Mercosul e seus efeitos diretos e indiretos sobre o
setor saúde, focalizando o campo dos recursos humanos para a saúde, principalmente porque
tinham o entendimento de que nessa área surgiriam as primeiras ações e reações setoriais em
relação ao Mercosul. (OPAS, 1995)
O documento analisava os países integrantes do Mercosul, que se caracterizavam pela
concentração de renda e desemprego, com um mercado de trabalho marcado por baixos
salários. Para reverter esta situação, apontava como necessária a elevação do nível de vida da
população, diminuindo, através do aumento da produtividade, o valor dos bens e serviços que
o trabalhador consome. “Isso só será possível investindo-se na qualificação da mão-de-obra e
provocando mudanças profundas na organização do trabalho. Não é o mercado o agente
desta mudança, mas o Estado, instrumentalizador das transformações na qualificação dos
23
RH”. (OPAS, 1995, p. 23, grifo no original) Este debate era travado tanto no âmbito do
trabalho em geral como no trabalho em saúde.
No sistema de saúde brasileiro, desde já a discussão acerca da força de trabalho, suas
condições materiais, sua formação, qualificação, organização e processo de trabalho devem
ser pensados e debatidos tanto no campo específico da saúde como num contexto geral.
Optamos pela discussão da micropolítica do trabalho no âmbito das práticas, do
cuidado. A abordagem macropolítica, da força de trabalho no Brasil e nas Américas, é
importante e deve ser feita inclusive para compreensão das tendências do trabalho geral e do
trabalho em saúde e para a contextualização das questões que venham a ser apontadas, mas
não será o nosso foco principal.
Damos preferência à denominação de trabalhador ao invés do termo recursos
humanos (embora às citações não possa esquivar-me de utilizá-lo). Trabalhadores não devem
ser encarados como insumos a serem requeridos como mercadorias, abordagem tão freqüente
na sociedade capitalista, mas sujeitos, produtores de atos; na saúde, trabalhadores envolvidos
com a terapêutica.
Como muitos autores com quem tentamos dialogar ao longo desta dissertação, somos
a favor da valorização do trabalho humano como aquele que se caracteriza pela
indissolubilidade entre o pensar e o fazer, entre as dimensões relativas à vida social e vida
política, tão relegada na história do capitalismo. Valorização do trabalho como lugar de
realização e transformação humana.
Ainda assim, autores abordam essa questão de diferentes formas. Também no âmbito
da política institucional esta diferença pode ser encontrada; por exemplo, a partir dos
enfoques diferenciados da gestão do trabalho e da educação em saúde no próprio Ministério
da Saúde, que nos últimos anos (Governo Lula) sofreu mudanças na composição de seu
quadro e, em conseqüência, nas diferentes abordagens para este tema.
Enfocando o aspecto da micropolítica, a discussão do processo de trabalho tem sido
cada vez mais freqüente no interior das discussões sobre reorientação do modelo assistencial,
sendo condição essencial para a mudança deste. A equipe multiprofissional e o
redimensionamento da prática assistencial, voltando-a para o indivíduo e não para o
procedimento, ampliando e incorporando os diversos saberes e práticas das diversas
profissões, são fundamentais para a construção de um modelo que realmente atenda às
necessidades de saúde dos cidadãos.
24
1.2 JUSTIFICATIVA A investigação sobre o processo de trabalho em saúde e o trabalho em equipe nos
possibilita a reflexão sobre que tipo de sujeito político está se conformando, recuperando-se
que a idéia e a formulação sobre saúde são políticas, bem como o é a resposta sobre quem é o
outro na política de saúde – o outro que se apresenta não só com necessidades de saúde, mas
com demandas, direitos e conflitos no sistema de saúde.
Diversos autores têm se dedicado a analisar e a descrever a organização do trabalho
e/ou o perfil dos profissionais da AB do ponto de vista dos trabalhadores, (BARBOZA;
FRACOLLI, 2005; COTTA et al., 2006; PEDROSA; TELES, 2001; SILVA; TRAD, 2005)
muitas vezes motivados a desenhar políticas direcionadas à qualificação e melhor
desempenho desses profissionais.
A compreensão da adoção do PSF como forma de pôr em prática os princípios do
SUS, como apontam inúmeros documentos, (BRASIL, 1996, 2003a; MARQUES; MENDES,
2002, 2003; VIANA; DAL POZ, 1998) nos obriga a olhar para a organização das práticas dos
profissionais, dos processos de trabalho em saúde, neste nível de atenção.
Com a reformulação do modelo de APS no país, há uma necessidade de rediscutir o
papel dos profissionais que atuam neste campo. De um modelo anteriormente caracterizado
pela distribuição dos profissionais em programas integrais à saúde ou orientado por “Ações
Programáticas”, (CAMPOS, 2006) passa-se a conformar um sistema em que a “equipe PSF”
responsabiliza-se por toda a “operação” da APS no território.
Partindo do pressuposto de que o processo de trabalho em saúde e, em particular, na
APS é especificidade da equipe, e não da profissão, e de que deve ser tomado como política,
procuramos conhecer a(s) forma(s) de organização do trabalho na APS em Belo Horizonte,
MG, particularmente a partir da implementação do Programa “BH Vida: Saúde Integral”, que
é a experiência de Saúde da Família do município. Optamos pelo município de Belo
Horizonte por este ter adotado um modelo reconhecido como produtor de vínculo entre o
usuário e a equipe, de escuta e atendimento às necessidades de saúde, pelo acolhimento
enquanto dispositivo para a mudança do processo de trabalho, pela gestão como forma de
governar tais processos e, principalmente, por ter como diretriz o trabalho em equipe
multiprofissional.
25
1.3 OBJETIVOS O presente trabalho tem como objetivo contribuir para a reflexão sobre a reorientação
dos modelos assistenciais a partir da reorganização da APS ocorrida recentemente no país,
com expansão da Estratégia de Saúde da Família, abordando aspectos do processo de trabalho
em saúde, trazendo a questão da multi e interdisciplinaridade como demanda para a APS hoje
e enfocando o debate na centralidade do trabalho para a sociedade, particularmente a
centralidade do trabalho em equipe para a APS.
São detalhados como objetivos específicos conhecer a percepção de sujeitos
institucionais de Belo Horizonte, particularmente aqueles que fazem parte da gestão do
sistema de saúde e/ou da atenção à saúde no nível da APS, quanto aos seguintes aspectos:
- organização da APS existente anteriormente à implementação do BH Vida: Saúde
Integral no município;
- composição das equipes de APS, bem como sobre a inserção e os papéis dos
diferentes profissionais neste nível de atenção a partir da implementação de
programas como o PSF;
- processo de trabalho dos profissionais de saúde da equipe, enfocando a percepção
sobre a micropolítica do trabalho na APS, e sua relação com o modelo assistencial,
antes e após a implementação do BH Vida: Saúde Integral;
- processo de reorientação do modelo assistencial em saúde no município, a
participação dos sujeitos neste processo e o instrumental utilizado para a mudança;
- extinção, manutenção e/ou incorporação de estruturas de organização do trabalho
na APS anteriores ao BH Vida: Saúde Integral.
É importante destacar que não houve uma formulação do Ministério da Saúde sobre
qual fosse a equipe ampliada do PSF no momento de sua criação e nos anos seguintes, o que
fez com que cada município formulasse suas propostas, como é o caso em estudo.
O município de Belo Horizonte, MG, apresentaria um modelo adequado à realidade
brasileira ou, ao menos, a sua realidade como município, sem perder de vista que se dá no
campo de conhecimento da Saúde Coletiva. Em tempos de discussão da expansão da Saúde da
Família para os grandes centros urbanos, um olhar para a organização do trabalho em Belo
Horizonte pode ser uma boa contribuição para o aprofundamento da APS em nosso país.
26
1.4 ESTRATÉGIA METODOLÓGICA A realização deste trabalho se deu mediante estudo de caso em três Unidades Básicas
de Saúde (Centros de Saúde – CS) localizadas no município de Belo Horizonte, MG, e na
Secretaria Municipal de Saúde do referido município. A estratégia metodológica utilizada na
investigação foi a análise documental referente ao modelo de assistência à saúde em Belo
Horizonte e a pesquisa qualitativa, realizada através de entrevistas semi-estruturadas a sujeitos
institucionais envolvidos com a gestão e a atenção do Programa “BH Vida: Saúde Integral”,
experiência da Estratégia de Saúde da Família do município.
Segundo Minayo (2004), a pesquisa qualitativa é capaz de incorporar a questão do
significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais e
torna-se importante para (a) compreender os valores culturais e as representações de determinado grupo sobre temas específicos; (b) para compreender as relações que se dão entre atores sociais tanto no âmbito das instituições como dos movimentos sociais; (c) para avaliação das políticas públicas e sociais tanto do ponto de vista de sua formulação, aplicação técnica, como dos usuários a quem se destina. (MINAYO, 2004, p. 134)
A pesquisa qualitativa se justifica como escolha para o presente estudo devido ao fato
de a Saúde Coletiva sugerir direitos, situação histórica e comprometimento de condições de
vida social. Da mesma forma, os processos inseridos e decorrentes desse campo do
conhecimento, sejam a saúde-doença, a reorientação de modelos tecnoassistenciais ou o
trabalho em saúde, também merecem uma abordagem qualitativa, possibilitando-se captar
algo dos aspectos subjetivos da realidade social.
Para Lefèvre & Lefèvre (2003, p. 9), estas pesquisas, necessariamente, devem ser
qualitativas, pois tais pesquisas têm justamente como objetivo a geração ou reconstrução de
qualidades.
Sobre a análise do trabalho em saúde, podemos considerar a fala de Ramos (2005a),
para quem o trabalho possui uma natureza reflexiva e criativa:
A descrição precisa, definitiva, exaustiva de qualquer processo de trabalho, normalmente realizada pela análise funcional, não capta suas múltiplas determinações e, menos ainda, a complexidade dos atributos gerais e profissionais que os trabalhadores colocam em jogo na sua realização. (RAMOS, 2005a, p. 217)
27
Ao considerar os diferentes desenhos metodológicos de pesquisa qualitativa,
Deslandes & Gomes (2004, p. 104) destacam o estudo de caso por ser um dos desenhos de
pesquisa mais freqüentes para análise de experiências dos serviços e por poder traduzir a
lógica científica da abordagem qualitativa.
Bruyne, Herman & Schoutheete (1991) definem o estudo de caso como um estudo
minucioso de casos particulares, onde os dados e informações devem ser capazes de traduzir a
realidade de uma dada situação.
Para Becker (1994), em ciências sociais, o estudo de caso tem dois objetivos. O
primeiro deles diz respeito à tentativa de compreender, da forma mais abrangente possível, o
grupo ou organização em estudo. O segundo se refere à tentativa de “desenvolver declarações
teóricas mais gerais sobre regularidades do processo e estruturas sociais”. (BECKER, 1994, p.
118) Dessa forma, num estudo de caso, lida-se, ao mesmo tempo, com questões que surgem
num campo empírico e com aquelas situadas mais no campo teórico.
Becker destaca que “todo estudo de caso permite que nós façamos generalizações a
respeito das relações entre os vários fenômenos estudados. Porém, como tem sido
freqüentemente assinalado, um caso é, no fim das contas, apenas um caso”. (BECKER, 1994,
p. 129, grifo nosso) Assim, para se obter conclusões fidedignas, o pesquisador deve
determinar prévia, minuciosa e atentamente o quadro teórico, além de realizar um plano de
análise e construir variáveis suscetíveis de observações rigorosas, de modo que se separem,
claramente, fatos de origem acidental e de origem essencial. (BRUYNE; HERMAN;
SCHOUTHEETE, 1991)
Reconhecemos que o estudo de caso é aprofundado, mas não é recomendado fazer
generalizações. De todo modo, este tipo de estudo é fundamental para a descrição e análise
detalhada do caso, permitindo comparações.
A entrevista semi-estruturada, utilizada como estratégia metodológica, é aqui
considerada como uma “conversa com finalidade”, combinando perguntas fechadas e abertas.
O entrevistado tem a liberdade para fazer seus relatos e expor suas opiniões a partir de um
roteiro previamente elaborado pelo pesquisador.
De acordo com Minayo (2004), no campo das Ciências Sociais, a fala individual é
instrumento privilegiado de coleta de informações, à medida que se torna reveladora dos
diversos códigos de sistemas e valores contraditórios. Segundo Lefèvre & Lefèvre (2003, p.
15), é importante fazer perguntas aos indivíduos que, de alguma forma, são representativos da
coletividade para que se expressem mais ou menos livremente, isto é, para que produzam
discursos.
28
Poder-se-ia questionar o uso de entrevistas semi-estruturadas. Afinal, em que sentido a
fala de um é representativa da fala de muitos? Para Bourdieu,
Todos os membros do mesmo grupo são produtos de condições objetivas idênticas. Daí a possibilidade de se exercer na análise da prática social, o efeito de universalização e de particularização, na medida em que eles se homogeneízam, distinguindo-se dos outros. (BOURDIEU4, 1973 apud MINAYO, 2004, p. 111)
E insiste que “cada agente, ainda que não saiba ou que não queira, é produtor e
reprodutor do sentido objetivo, porque suas ações são o produto de um modo de agir do qual
ele não é o produtor imediato, nem tem o domínio completo”, (BOURDIER, 1973 apud
MINAYO, 2004, p. 111) expressando a realidade objetiva.
Minayo (2004, p. 113) concebe que os indivíduos entrevistados tanto representam
quanto falam por si mesmos:
ao mesmo tempo em que os modelos culturais interiorizados são revelados numa entrevista, eles refletem o caráter histórico e específico das relações sociais. Desta forma os depoimentos têm que ser colocados num contexto de classe, mas também de pertinência a uma geração, a um sexo, a filiações diferenciadas etc. E porque cada ator social se caracteriza por sua participação, no seu tempo histórico, num certo número de grupos sociais, informa sobre uma “subcultura” que lhe é específica e tem relações diferenciadas com a cultura dominante. (MINAYO, 2004, p. 113)
Destarte, a pesquisa qualitativa não necessita de uma amostra, um grupo
estatisticamente representativo, mas que seja intersubjetivamente representativo, desde que se
leve em conta que há muitas concepções que um indivíduo compartilha com o grupo do qual
faz parte, identificando-o como pertencente ao mesmo – concepções que são construídas
coletivamente, ainda que cada um as expresse individualmente.
É importante destacar a defesa de Mercado-Martínez & Bosi (2004, p. 39):
O setor saúde é um dos espaços sociais onde a opinião dos especialistas e profissionais continua sendo decisiva no planejamento, organização e avaliação dos serviços. Ante tal situação, as propostas derivadas da PQ [pesquisa qualitativa] pressupõem a existência de diversos pontos de vista e também a inexistência de verdades únicas, universais e eternas. Nesse sentido, a visão dos profissionais de saúde, ou dos especialistas, passa a ser considerada uma dentre tantas interpretações possíveis e existentes. (MERCADO-MARTÍNEZ; BOSI, 2004, p. 39)
4 BOURDIEU, P. Ésquisse d’une Théorie de la Pratique. Paris: Libraire Droz, 1973.
29
Pressupomos que o processo de trabalho em saúde e, em particular, na APS é
especificidade da equipe, e não da profissão, e deve ser tomado como política. Assim, a
metodologia escolhida busca fornecer instrumentos para conhecer a(s) forma(s) de
organização do trabalho na APS em Belo Horizonte, possibilitando que seja(m) cotejada(s)
com as de outros municípios do Brasil, sejam elas dentro do próprio PSF ou a partir de outras
experiências, anteriores ou posteriores ao início da implementação deste no país.
A escolha pelo município de Belo Horizonte se deve ao fato de ter desenvolvido uma
proposta de modelo de assistência à saúde orientado à produção de vínculo entre o usuário e a
equipe, de escuta e atendimento às demandas da população, de autonomização e acolhimento
e de gestão como forma de governar processos de trabalho. Belo Horizonte já havia
implementado ações e unidades de saúde destinadas ao primeiro nível de atenção antes
mesmo do surgimento do PSF e formulou como modelo de APS o Programa BH Vida: Saúde
Integral, cujos protagonistas tanto eram/são membros da gestão do sistema se saúde no
município quanto gerentes e profissionais da rede de serviços. Uma das premissas do modelo
formulado passou a ser a organização do trabalho em saúde em equipes multiprofissionais.
Além disso, o BH Vida: Saúde Integral se desenvolve em área metropolitana, na qual é
observada grande variedade de situações de saúde na população, dada a diversidade social,
econômica, política e cultural encontrada em grandes municípios.
A opção por este município também foi feita devido à mudança de modelo ser recente,
existindo pequeno volume de trabalhos acadêmicos escritos divulgados e disponíveis, com
repercussão nacional, bem como pelas oportunidades de contato da pesquisadora com os
sujeitos entrevistados.
Como forma de captar as percepções dos sujeitos envolvidos com a gestão do modelo
assistencial, foram entrevistados onze informantes-chave, entre eles 3 membros da Gerência
de Assistência da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (GEAS/SMSA), sendo
que 2 eram coordenadores de áreas técnicas vinculadas à GEAS. Estes 3 entrevistados
apresentam vínculo de longa data com a SMSA – em torno de 14 a 20 anos –, sendo que 2 são
concursados e atuavam na atenção antes de trabalharem na gestão e 1 é cedido de outro órgão,
tendo trabalhado na SMSA apenas no nível central.
Foram selecionados também 3 Centros de Saúde (CS), que são as Unidades Básicas de
Saúde do município, onde estão vinculados os profissionais das equipes de Saúde da Família.
Os critérios de escolha dos CS foram: a) fazerem parte de Distritos Sanitários5 distintos e b)
5 Os Distritos Sanitários são os gestores de todos os equipamentos instalados no seu território, sendo responsáveis pela operacionalização da rede própria e outras atividades inerentes ao sistema municipal de saúde.
30
apresentarem vulnerabilidade à saúde diferenciada entre si. Os CS selecionados e suas
características estão descritas no capítulo 4, seção 4.1 – Contextualização do campo em
estudo.
As entrevistas com todos os gerentes foram agendadas previamente à ida da
pesquisadora ao campo, tendo sido entrevistados os gerentes dos 3 CS selecionados. As
conversas com os profissionais também foram agendadas previamente, porém sofreram
alterações durante o trabalho de campo: encontramos dificuldades para acessá-los para as
entrevistas, principalmente os médicos – praticamente indisponíveis em todos os CS que
selecionamos – e os ACS, já que suas atividades são executadas principalmente junto à
comunidade, fora das unidades de saúde. Os profissionais da equipe de enfermagem –
enfermeiros e auxiliares de enfermagem – eram os mais presentes nos CS em todos os
horários que os buscamos – manhã e tarde. Ainda assim, foi possível entrevistarmos 5
profissionais vinculados às equipes de Saúde da Família dos 3 CS, sendo 1 Agente
Comunitário de Saúde, 1 Auxiliar de Enfermagem, 1 Médico e 2 Enfermeiros.
Como instrumento para descrição do caso individual, compreensão das especificidades
dos grupos (profissionais da atenção, gerentes e membros da gestão) e comparabilidade dos
diversos casos, foram elaborados roteiros de entrevista semi-estruturada (Apêndice 1)
diferentes entre si conforme inserção do profissional no sistema de saúde:
- Roteiro de entrevista I: Membro da Secretaria Municipal de Saúde (SMAS) –
Gestão da Assistência
- Roteiro de entrevista II: Coordenador de Área Técnica
- Roteiro de entrevista III: Gerente de Unidade Básica de Saúde
- Roteiro de entrevista IV: Profissional de Equipe de Saúde (APS/PSF)
Elaboramos, ainda, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
destinado aos sujeitos da pesquisa (Apêndice 2). Todos estes instrumentos foram construídos
respeitando-se os critérios de ética em pesquisa no Brasil, segundo a Resolução 196/1996 do
Conselho Nacional de Saúde.
Os roteiros, o TCLE e o projeto de dissertação foram submetidos aos Comitês de Ética
em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (COEP/SMSA/PBH) e do
Sua descrição e a estrutura do Sistema de Saúde de Belo Horizonte pode ser mais bem compreendida no capítulo 4 - Contextualização do campo em estudo: conhecendo Belo Horizonte e seu(s) modo(s) de organização do trabalho na atenção primária à saúde.
31
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(CEP/IESC/UFRJ), tendo sido aprovados para aplicação em campo, o que respaldou a nossa
atuação. Os pareceres de ambos os comitês podem ser vistos no Anexo 1 e no Anexo 2.
As entrevistas com os membros da GEAS/SMSA foram realizadas na própria SMSA e
as entrevistas com os gerentes e profissionais dos CS, nos seus respectivos CS. Todas as 11
entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas através do método de análise de conteúdo,
definido por Gomes (1994) como um conjunto de técnicas de análise visando à verificação de
hipóteses ou questões e a descoberta de questões que se encontram implícitas nos discursos.
Em termos gerais, a análise de conteúdo relaciona estruturas semânticas (significantes)
com estruturas sociológicas (significados) dos enunciados; articula a superfície dos textos
com variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção de
mensagem, que lhe dão características. (MINAYO, 2004, p. 203)
A técnica utilizada para atingir os significados – manifestos e latentes – no material
coletado foi a análise temática. Esta técnica consiste em descobrir os núcleos de sentido que
compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o
objetivo analítico visado e desdobra-se em três etapas (MINAYO, 2004, p. 209):
1) pré-análise: escolha dos documentos a serem analisados; retomada dos
pressupostos e objetivos iniciais da pesquisa, reformulando-os frente ao material
coletado; e elaboração de indicadores que orientem a interpretação final. Nesta
fase são determinados a unidade de registro (expressões-chave), a unidade de
contexto (delimitação do contexto de compreensão da unidade de registro), os
recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os conceitos
teóricos mais gerais que orientarão a análise;
2) exploração do material: nesta fase, o texto é recortado em unidade de registro; são
escolhidas as regras de contagem (para verificação da freqüência das unidades de
registro); e os dados são classificados e agregados segundo categorias teóricas e
empíricas;
3) tratamento dos resultados obtidos e interpretação.
32
As três etapas acima foram executadas. Para análise temática das entrevistas foram
utilizadas categorias que expressam os núcleos de sentido que compõem uma comunicação.
As categorias foram relativas:
- à organização da APS;
- ao trabalho em saúde, delas decorrentes o trabalho em equipe multiprofissional, o
processo de trabalho dos profissionais da atenção e seu processo de trabalho na
equipe multiprofissional;
- à organização do trabalho;
- à composição profissional da equipe da APS, bem como à inserção e papel dos
diferentes profissionais da equipe de Saúde da Família;
- à multiprofissionalidade e à interdisciplinaridade;
- à relação entre o processo de trabalho em saúde e o modelo assistencial em Belo
Horizonte;
- à relação entre os distintos níveis de assistência à saúde, assim como à referência e
à contra-referência.
As unidades de contexto e os conceitos teóricos que embasaram o estudo e,
conseqüentemente, as análises que foram feitas estão fundamentadas a seguir, nos capítulos 2
e 3. A exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação feitas à luz de estudos
no âmbito da saúde coletiva compõem o capítulo 5.
CAPÍTULO 2 – ATENÇÃO PRIMARIA À SAÚDE: AS ORIGENS, OS
SENTIDOS, UNS CAMINHOS
A Atenção Primária à Saúde (APS) apresenta-se como campo de práticas repleto de
debates e enfrentamentos tanto técnicos quanto políticos. A compreensão destas disputas pode
ser feita a partir de um traçado histórico, apontando o surgimento do campo, a definição do
termo “APS” bem como das diferentes concepções que giram em torno deste tema.
Este capítulo é introduzido pela seção “Sobre Modelos Assistenciais em Saúde”, como
forma de contextualização do tema da APS. A seguir, fazemos um apanhado histórico da
APS, termo cunhado internacionalmente, com seus princípios, características e os meios de
institucionalização do campo e seus caminhos no Brasil, redefinido e “refundamentado” como
Atenção Básica (AB).
2.1 SOBRE OS MODELOS ASSISTENCIAIS EM SAÚDE
As necessidades de saúde de uma população são atendidas por políticas. Desse modo,
“as ações voltadas para o atendimento dessas necessidades se realizam conforme a
organização dos serviços de saúde, configuradas politicamente segundo os modelos de
Estado”. (RAMOS, 2005a, p. 207)
Segundo Elias (2005, p. 65), a análise de um sistema de saúde deve desvelar a lógica
de sua estruturação, de seu funcionamento e as articulações institucionais que apresenta,
tendo-se em mente as qualificações em relação à população, o modelo assistencial
implementado e as formas de financiamento adotadas.
A reorientação dos modelos tecnoassistenciais é um dos componentes da reorientação
de sistemas de saúde. A partir do questionamento às velhas práticas institucionais, buscou-se
viabilizar modelos alternativos que visem à integralidade da atenção e contemplem as
propostas da Reforma Sanitária.
Silva Jr. (2006) produziu um estudo que teve como objetivo a formulação de modelos
tecnoassistenciais em saúde no Brasil, buscando as origens e os elementos estruturadores dos
modelos hegemônicos de prestação de serviços de saúde e as propostas alternativas que
surgiram das críticas à Medicina Científica, nos anos 1970.
34
Como eixo de análise, tomou as formulações de modelos assistenciais propostas por
Merhy, Cecílio & Nogueira (1992) e por Campos (2006)6. Na primeira, o modelo assistencial
corresponde a um arranjo entre os saberes da área e de estratégias políticas para organização
da produção de serviços:
...ao se falar de modelo assistencial estamos falando tanto de organização da produção de serviços a partir de um determinado arranjo de saberes da área, bem como de projetos de construção de ações sociais específicas, como estratégia política de determinados agrupamentos sociais. (...) Entendendo deste modo, que os modelos assistenciais estão sempre se apoiando em uma dimensão assistencial e em uma tecnológica para expressar-se como projeto de política, articulado a determinadas forças e disputas sociais, damos preferência a uma denominação de modelos
tecnoassistenciais, pois achamos que deste modo estamos expondo as dimensões chaves que o compõem como projeto político. (MERHY; CECÍLIO; NOGUEIRA, 1992, p. 84)
Estes autores concebem os modelos como projetos tecnoassistenciais de grupos sociais
para serem implementados enquanto estrutura concreta de produção das ações de saúde e que
a conformação desses modelos expressa uma forma de poder político, uma conformação do
Estado e de suas políticas. (MALTA et al., 2005; MERHY; MALTA; SANTOS, 2004)
Campos (2006) utiliza as noções de forma e de modo de produção de serviços, modelo
assistencial e conformação dos sistemas de maneira equivalente. Para o autor,
...a combinação de várias modalidades [assistenciais] – sempre articuladas segundo uma lógica específica e dominante – constituiria uma certa forma de produção de serviços. ...seria possível a identificação concreta de diferentes modos ou formas de produção, conforme o país e o período histórico estudado, um pouco em analogia com o conceito marxista de formação econômico-social. Portanto, forma ou modo de produção de serviços de saúde seria uma construção concreta de recursos (financeiros, materiais e força de trabalho), tecnologias e modalidades de atenção, articulados de maneira a constituir uma dada estrutura produtiva e um certo discurso, projetos e políticas que assegurassem a sua reprodução social. (CAMPOS, 2006, p. 37, 38)
Paim (1999b) aponta a organização das ações para a intervenção no processo saúde-
doença, articulando recursos físicos, tecnológicos e força de trabalho para enfrentar e resolver
os problemas de saúde existentes em uma coletividade. Redefinindo modelos assistenciais,
Paim (2003), esclarece que
6 Silva Jr. utilizou a 1ª edição do livro “Reforma da reforma: repensando a saúde”, de Gastão C. W. Campos, de 1992.
35
Modelos de atenção à saúde ou “modelos assistenciais” podem ser definidos genericamente como combinações de tecnologias (materiais e não-materiais) utilizadas nas intervenções sobre problemas e necessidades sociais de saúde. (...) Modelo de atenção é, portanto, um dado modo de combinar técnicas e tecnologias para intervir sobre problemas de saúde (danos e/ou riscos) e atender necessidades de saúde individuais e coletivas; é uma maneira de organizar os “meios de trabalho” (saberes e instrumentos) utilizados nas práticas ou processos de trabalho em saúde. Aponta como melhor integrar os meios técnico-científicos existentes para resolver problemas de saúde individuais e/ou coletivos. Corresponde à “dimensão técnica” das práticas de saúde; incorpora uma “lógica” que orienta as intervenções técnicas sobre os problemas e necessidades de saúde. (PAIM, 2003, p. 164-165)
Observamos certa congruência na compreensão dos diferentes autores sobre o termo,
embora o caráter “político” seja predominante nas duas primeiras formulações.
A definição de Rezende & Peixoto (2003) para “gestão do modelo assistencial” denota
a noção apresentada por Merhy, Cecílio & Nogueira (1992) quanto à expressão de poder
político, conformação de Estado e políticas, quando a entende como a forma escolhida por um
gestor para organizar os serviços de saúde:
Um Modelo Assistencial baseia-se em uma “escolha” de política de saúde, em uma metodologia para a sua gestão, em uma teoria que explica como se dá o processo saúde/doença num determinado lugar, em uma proposta prática de ação para a solução dos problemas e em um método (processo de trabalho) de intervenção. Estas opções são técnico-políticas, já que implicam determinar os rumos que a saúde deve tomar, as estratégias de ação que devem ser desenvolvidas, as prioridades que deverão ser perseguidas, entre outros. (REZENDE; PEIXOTO, 2003, p. 56)
Assim, a forma como no Brasil a produção da saúde se organiza e se organizou ao
longo dos anos expressa os momentos políticos e as vertentes técnicas hegemônicas em cada
época. Silva Jr. (2006) elencou como modelos de assistência no Brasil:
1) o Modelo de Saúde Pública, que surgiu no início do século XX articulado aos
interesses econômicos agro-exportadores. Era composto de duas vertentes: a
campanhista, que desenvolvia atividades por meio de campanhas sanitárias, e a
vertical permanente, baseada na proposta de centro de saúde. A partir da década
de 1960 suas atividades foram desaceleradas e não priorizadas;
2) o Modelo de Assistência Médica Previdenciária, que surgiu na década de 1920
sob influência da medicina liberal, destinando-se a prestar assistência médica
individual aos trabalhadores urbanos e industriais. Entrou em crise no final da
década de 1970;
36
3) a Medicina Comunitária, difundida nas universidades a partir da década de 1960,
quando se constituíram núcleos de desenvolvimento de modelos alternativos de
assistência financiados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e
instituições filantrópicas americanas. Neste modelo, foram produzidas
experiências que se materializaram sob a forma de projetos-plioto de
universidades ou de projetos de estruturação de serviços municipais com
integração docente-assistencial, como em Niterói, RJ, e Campinas, SP.
As constantes mudanças no sistema de saúde até se configurar o SUS acompanham as
transformações estruturais e conjunturais que o país tem vivido. Por sua vez, o impacto
transformador dos modelos assistenciais é representado por modificações substantivas na
produção dos serviços, bem como no proceder dos profissionais.
Ao longo do tempo, o debate em torno da Atenção Primária à Saúde vem
conformando diferentes modelos ou correntes de pensamento em torno da reorientação do
modelo assistencial no país, sem, no entanto, produzir um efeito mais integral para reversão
do atual modelo de assistência. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 485)
Os modelos assistenciais formulados e/ou implementados no país no âmbito da APS
serão descritos na seção 2.4.
2.2 ATENÇÃO PRIMÁRIA: UM POUCO DE HISTÓRIA
Nos anos 1950, a Medicina Geral se tornou alicerce do Sistema Nacional de Saúde da
Inglaterra, apresentando como características básicas a idéia de se alcançar os pacientes
precocemente no ambiente domiciliar, provendo cuidados contínuos, incluindo a prevenção
das doenças.
Nos Estados Unidos, a Medicina Geral alcançou o seu apogeu no início dos anos 1940,
mas apresentou declínio a partir do avanço científico da prática médica e da mudança do
ensino médico proposto pelo relatório Flexner. (CAMPOS, C., 2005b)
O movimento de Medicina Comunitária estruturou-se nos EUA nos anos 1960, numa
conjuntura de intensa mobilização popular e intelectual, buscando a racionalização para os
serviços de saúde, enfatizando a regionalização, hierarquização dos serviços, participação
comunitária e introdução de novas categorias profissionais na assistência. Esse movimento se
insurgiu contra a hiperespecialização e como uma forma de resistência à ênfase dada ao
37
modelo Flexneriano, que preconizava o estudo científico e parcializado do paciente
estritamente no ambiente dos hospitais universitários. (CAMPOS, C., 2005b; SILVA Jr.,
2006) Sua implantação foi baseada nos centros comunitários de saúde, (MERHY; MALTA;
SANTOS, 2004, p. 49) fundamentando-se na necessidade de “integração” dos marginalizados
da sociedade norte-americana. (SILVA Jr., 2006, p. 57)
A Medicina Comunitária preocupava-se com as demandas psicossociais dos pacientes
e se constituiu em um movimento dentro das escolas médicas. De acordo com C. Campos
(2005b), pressupunha-se que a prestação de cuidados de saúde aos indivíduos se desse em seu
contexto epidemiológico e social, o que impunha o conhecimento das condições e
necessidades de saúde e o seu manejo por meio de métodos e intervenções apropriadas sobre
populações definidas e conhecidas.
Os programas de Medicina Comunitária chegaram à América Latina na década de
1970, sendo implantados principalmente na Colômbia, no Brasil e no Chile, patrocinados por
fundações norte-americanas e endossados pela OPAS. (MERHY; MALTA; SANTOS, 2004;
SILVA Jr., 2006)
O surgimento da APS foi influenciado pela Medicina Comunitária e por outros
movimentos – acadêmicos, setoriais da saúde e políticos – ao redor do mundo. Segundo Cueto
(2004), o contexto político de emergência da APS está relacionado à crise da hegemonia dos
EUA nos anos finais da Guerra Fria, o que resultou em novas propostas para a saúde e o
desenvolvimento no final da década de 1960.
Cueto (2004) cita a medicina rural na Índia, a experiência dos missionários da
Comissão Médica Cristã, a massiva expansão dos serviços de medicina rural na China
comunista – especialmente o movimento dos “médicos dos pés descalços” – e o novo
contexto político caracterizado pela emergência de nações africanas descolonizadas, bem
como a expansão de movimentos nacionais, antiimperialistas e de esquerda em muitas nações
subdesenvolvidas como fatores/ movimentos que influenciaram a APS. (CUETO, 2004, p.
1865, tradução nossa)
Segundo este autor, desde o final dos anos 1960 houve um aumento de projetos da
Organização Mundial da Saúde (OMS) relacionados com o desenvolvimento dos serviços
básicos de saúde, o que pode ser considerado um precedente institucional da APS. Os
modelos que se constituíram eram chamados “alternativos” pela OMS e pelo Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF), pois estas agências internacionais os consideravam
38
alternativos7 ao modelo até então existente: campanhista e verticalizado, concentrado em
doenças específicas. (CUETO, 2004, p. 1866, tradução nossa)
Nesse contexto, a década de 1970 assistiu à formulação e difusão do ideário da
Atenção Primária à Saúde (APS), que apresenta similaridades à Medicina Comunitária.
Destaca-se que o surgimento desses movimentos se deu em um contexto histórico marcado
pela crescente urbanização, crescimento populacional e desigualdade. (CAMPOS, C., 2005b)
Reunida em 1977, a Assembléia Mundial de Saúde, principal instância de deliberação
da OMS, elaborou a declaração “Saúde para Todos no Ano 2000” (SPT 2000). No ano
seguinte, a Conferência Internacional de Cuidados Primários em Saúde, organizada pela OMS
e pelo UNICEF, na cidade de Alma-Ata, Cazaquistão, formulou proposições que
preconizavam a SPT 2000. Os princípios da APS foram, então, apresentados como meio
necessário para a efetivação das propostas elaboradas durante a conferência. (CORBO;
MOROSINI, 2005; PIANCASTELLI, 2001)
A Declaração de Alma-Ata em 1978 afirmava que os cuidados primários de saúde
seriam os meios principais para que todas as populações do mundo pudessem alcançar um
padrão aceitável de saúde em um futuro próximo, apresentando como definição dos cuidados
primários de saúde
cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. (CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE, 1978)
Cueto (2004) aponta três idéias chave na Declaração de Alma-Ata: 1) a “tecnologia
apropriada”, inserida como crítica ao papel negativo da “tecnologia orientada para a doença”;
2) a crítica ao elitismo médico, reprovando a super-especialização dos trabalhadores da saúde
e as campanhas verticalizadas e 3) o conceito de saúde como ferramenta para o
desenvolvimento sócio-econômico. (CUETO, 2004, p. 1867, tradução nossa)
Para Piancastelli (2001, p. 130), ainda que já houvesse “um espaço de primeiro contato
na atenção à saúde, a catalogação da APS, como doutrina, veio dar-se na Conferência
7 No documento intitulado “Alternative Approaches to Meeting Basic Health Needs in Developing Countries”, de 1975, a OMS e o UNICEF citaram experiências bem-sucedidas de APS em países como Bangladesh, China, Cuba, Índia, Niger, Nigéria, Tanzânia, Venezuela e Iugoslávia. (CUETO, 2004, tradução nossa)
39
Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde”. Segundo Heimann & Mendonça (2005, p.
486), a Conferência lançou uma primeira aproximação entre a APS e os cuidados primários.
Com a difusão do ideário da saúde como um bem universal após a Conferência de
Alma-Ata em 1978, alguns governos passaram a agregar o acesso à assistência médica básica
ao rol dos direitos humanos. A incorporação dos primary care (cuidados primários) como
elemento fundamental do processo de hierarquização da atenção em saúde, aliada ao
entendimento de que a APS constitui-se estratégia de organização do sistema, possibilitou sua
incorporação por inúmeros países. (PIANCASTELLI, 2001, p. 131) A OMS passou a ser a
maior difusora do pensamento da APS – não mais as fundações norte-americanas – e o Banco
Mundial, o maior financiador dessas políticas. (MERHY; MALTA; SANTOS, 2004, p. 50)
Em 1979, a Assembléia Mundial da Saúde endossou a Declaração de Alma-Ata e
definiu o conceito de APS como
Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de autoconfiança e autodeterminação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde. (WHO, 19788 apud STARFIELD, 2002, p. 30-31)
Segundo Heimann & Mendonça (2005, p. 487), a SPT 2000, aproximada à APS,
tornou-se importante referência para a organização dos sistemas nacionais de saúde na década
de 1980, particularmente para a América Latina. No entanto, como será descrito na seção 2.3,
na década de 1990 prevaleceram reformas de cunho neoliberal.
Barbara Starfield (2002) discorre sobre a evidência do impacto positivo da APS na
saúde das populações, oferecendo métodos inovadores para avaliar a consecução e
contribuição dos sistemas e profissionais da APS. Atribuiu à APS o conceito de nível do
sistema de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e
problemas, fornece atenção sobre a pessoa – não direcionada para a enfermidade – no
decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições não muito incomuns ou raras e
coordena ou integra a atenção fornecida em algum outro lugar ou por terceiros.
(STARFIELD, 2002, p. 28)
8 WORLD HEALTH ORGANIZATION. Primary Health Care. Geneva: World Health Organization, 1978.
40
Desde 2003, a OPAS vem conduzindo uma iniciativa de revigorar a APS. Assim,
lançou, em 2005, o documento “Renovação da Atenção Primária em Saúde nas Américas”
(OPAS/OMS, 2005). O documento se baseia no legado de Alma-Ata e do movimento de
APS, avalia as lições aprendidas com a APS e as experiências de reformas do setor saúde nas
Américas e na Europa e atualiza um conjunto de valores, princípios e elementos essenciais
para a construção de sistemas de saúde com base na APS, pressupondo que tais sistemas serão
necessários para lidar com a “agenda inconclusa de saúde” nas Américas. Como afirma
Starfield (2002, p. 12), “uma atenção primária forte é essencial para um sistema de saúde
forte”.
De acordo com o documento, há quatro abordagens que resultaram em distintas
formas de atuação no desenvolvimento dos sistemas de saúde, no que se refere à APS, como
pode ser observado no Quadro 1.
Quadro 1 – Abordagens da Atenção Primária à Saúde
ABORDAGEM ÊNFASE
APS Seletiva Conjunto específico de atividades de serviços de saúde voltados à população
pobre
Atenção primária Nível de atenção em um sistema de serviços de saúde
“APS abrangente” de Alma-
Ata
Uma estratégia para organizar os sistemas de atenção em saúde e para a
sociedade promover saúde
Abordagem de Saúde e de
Direitos Humanos
Uma filosofia que permeia os setores social e de saúde
Fonte: Adaptado de OPAS/OMS (2005)
Estas abordagens têm relação com os diferentes enfoques sobre APS apresentados por
Vuori (1985):
- um conjunto de atividades
- um nível de atenção
- uma estratégia de organização do sistema de serviços
- uma filosofia que permeia todo o sistema de saúde.
41
Estes distintos entendimentos que formataram a ação em cuidados primários não são
contraditórios ou excludentes, podendo coexistir em um mesmo sistema de saúde, pois, como
refere Starfield (2002), não existe uma única forma de delimitação das práticas primárias em
saúde.
A APS seletiva está relacionada principalmente aos países em desenvolvimento,
concentrando-se em algumas poucas intervenções de alto impacto para combater os
problemas de saúde mais prevalentes, como a mortalidade infantil e algumas doenças
infecciosas. (OPAS/OMS, 2005)
Segundo Cueto (2004), a abordagem da APS seletiva surgiu em 1979, um ano após a
Conferência de Alma-Ata e serviu de base para uma pequena Conferência intitulada “Saúde e
População no Desenvolvimento”, patrocinada pela Fundação Rockefeller9. O termo APS foi
introduzido como o nome de uma nova perspectiva, significando um pacote de intervenções
tecnológicas de baixo custo para combater as principais doenças que acometiam os países
pobres. (CUETO, 2004, p. 1868, tradução nossa)
Inicialmente, o conteúdo do “pacote” não era completamente claro, até que se reduziu
a quatro intervenções, que se tornaram conhecidas como GOBI (das iniciais em inglês para
monitoramento de crescimento, técnicas de reidratação oral, amamentação e imunização).
Mais tarde, outras intervenções foram incluídas, passando a ser preconizadas pelo GOBI-FFF
(das iniciais em inglês para GOBI e complementação alimentar, alfabetização de mulheres e
planejamento familiar). (CUETO, 2004; OPAS/OMS, 2005)
Em relação à segunda abordagem – a APS adotada como primeiro nível de serviços de
saúde para toda a população, porta de entrada no sistema de saúde e local de cuidados
contínuos de saúde – trata-se da concepção mais comum dos cuidados primários de saúde em
países da Europa e outros países industrializados.
A “APS abrangente” baseia-se na Declaração de Alma-Ata e inclui a necessidade de
enfrentar determinantes de saúde mais amplos; acessibilidade e cobertura universais com base
na necessidade; envolvimento comunitário e individual e autoconfiança; ação intersetorial
para a saúde; e tecnologia apropriada e efetividade de custos em relação aos recursos
disponíveis. Esta forma, no entanto, foi implementada em apenas poucos países.
Já a abordagem que enfatiza a compreensão da saúde como direito humano e a
necessidade de abordar os determinantes sociais e políticos da saúde encontrou muitos
9 Esta Conferência contou com a participação de líderes de diversas agências em sua organização, como o presidente do Banco Mundial, o vice-presidente da Fundação Ford e um administrador da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O UNICEF participou do encontrou e, influenciado pelo novo propósito de APS seletiva, passou também a incentivá-la e difundi-la. (CUETO, 2004, tradução nossa)
42
seguidores no movimento da Reforma Sanitária Brasileira. A sua diferença em relação à
abordagem da Declaração de Alma-Ata encontra-se mais nas implicações sociais e políticas
do que sobre a forma de atuar e os princípios propriamente ditos. (OPAS/OMS, 2005)
A OPAS admite que o conceito de APS tornou-se cada vez mais expansivo desde
Alma-Ata, porém confuso, não sendo capaz de realizar tudo o que seus defensores
pretendiam. O objetivo último desta Organização é renovar o conceito de forma a refletir
melhor as necessidades de saúde e desenvolvimento das pessoas na região da Américas,
revitalizando a capacidade dos países de elaborar uma estratégia coordenada, eficaz e
sustentável para combater os problemas de saúde existentes e melhorar a eqüidade.
2.2.1 Características da Atenção Primária
Alguns princípios são necessários para se ter uma efetiva organização de um sistema
de saúde através da APS. Merhy, Malta & Santos (2004) e Silva Jr. (2006) enumeraram os
elementos estruturais da Medicina Comunitária dos anos 1960:
- resgate à preocupação com a saúde dos grupos populacionais, embora restrita à
população local;
- oferta universal das ações preventivas e curativas, tidas como serviços básicos;
- organização hierarquizada dos serviços;
- utilização de tecnologia adequada, propondo-se uma revisão nos critérios de
seleção e utilização de tecnologias;
- utilização de equipe de saúde;
- utilização de pessoal auxiliar, visando ampliação de cobertura;
- inclusão de práticas médicas alternativas; e
- participação comunitária.
Na Medicina Comunitária, o trabalho em equipe é evidenciado como estratégia de
operacionalização dos serviços de saúde. (PEREIRA, 2005, p. 127) Para Starfield (2002, p.
46), constituem-se como principais características da APS: o primeiro contato, a
longitudinalidade, a abrangência e a coordenação (ou integração), os quais devem ser
considerados em conjunto.
43
O “primeiro contato” ou “primeiro atendimento” é uma porta de entrada, podendo a
atenção ao primeiro cuidado ser avaliada pela acessibilidade do serviço de saúde e pela sua
utilização. (STARFIELD, 2002, p. 61) Assim, um serviço de atenção primária deve funcionar
como porta de entrada do sistema de saúde, organizado em diferentes níveis de atenção e
constituindo ele mesmo um nível próprio de atenção.
A longitudinalidade é o aporte regular de cuidados pela equipe de saúde e seu uso
consistente ao longo do tempo, pressupondo uma relação pessoal duradoura entre o paciente e
o profissional ou equipe de saúde. A construção de vínculos com a equipe de saúde é
fundamental; é determinada pela necessidade, por parte do usuário, de estabelecer um
controle sobre o seu processo de sofrimento.
A abrangência se refere ao que aqui chamaremos integralidade10. Pela integralidade,
um serviço de APS é o nível de atenção que possui a melhor condição de contextualizar o
problema de saúde e de identificar os diversos determinantes que contribuíram para a sua
manifestação. A integralidade exige que a APS reconheça, adequadamente, a variedade
completa de necessidades relacionadas à saúde do paciente e disponibilize os recursos para
abordá-las, constituindo um mecanismo importante porque assegura que os serviços sejam
ajustados às necessidades de saúde. (STARFIELD, 2002)
A coordenação (integração) da atenção é a capacidade de um serviço centralizar e
disponibilizar informações a respeito de problemas e serviços anteriores utilizados pelo
paciente, objetivando a construção de uma sólida base de informações. Deve integrar ou
coordenar os serviços prestados pelos diferentes profissionais da equipe. (STARFIELD, 2002,
p. 368)
Ao renovar a APS, a OPAS/OMS (2005) almeja difundir valores, princípios e
elementos estruturais e funcionais. Entre eles, destacamos os valores de eqüidade,
solidariedade e o direito ao mais alto nível de saúde possível, valor este expresso em muitas
constituições nacionais – como na Constituição Brasileira – e articulado em tratados
internacionais. (OPAS/OMS, 2005, p. 8)
A OPAS reafirma os princípios de Alma-Ata, agregando outros, como receptividade,
orientação de qualidade, responsabilização governamental, justiça social, sustentabilidade,
participação e intersetorialidade.
Os elementos tratam, principalmente, de estruturar um sistema de saúde com base na
APS, garantindo a cobertura e o acesso universal a serviços à população, a oferta de cuidados
10 Mattos (2001b) apresenta para a integralidade não um conceito, mas sentidos, que serão abordados e desenvolvidos no capítulo 3, subseção 3.2.1 Integralidade nos modos de fazer saúde.
44
abrangentes e integrados, a prevenção e a promoção e o cuidado no primeiro atendimento. As
famílias e as comunidades constituem a base de planejamento e ação e deve-se desenvolver
mecanismos ativos para maximizar a participação individual e coletiva em saúde.
2.3 A ATENÇÃO PRIMÁRIA NO CONTEXTO DAS REFORMAS DA SAÚDE
As mudanças e reformas no setor saúde têm produzido impactos na implantação da
APS nos diferentes países. Vários movimentos de reforma, engendrados nos países
desenvolvidos, tiveram repercussão nos países da América Latina, inspirando propostas de
mudanças tanto na formação dos profissionais de saúde quanto na reorganização dos serviços
de saúde. (CANESQUI; OLIVEIRA, 2002, p. 241)
Canesqui & Oliveira (2002, p. 242) mostram que desde a década de 1950 alguns
movimentos de reforma foram propostos e contrariaram a excessiva técnica e especialidade
no ensino médico, bem como o hospital como única forma de efetivá-lo. Com isso, diversos
modelos e estratégias foram concebidos para recompor os atos médicos e reorientar os
serviços de saúde.
No entanto, a onda neoliberal, originada em meados da década de 1970 nos países
desenvolvidos, tem tido como alvo freqüente as políticas sociais, como as de saúde. Segundo
Elias (2005, p. 61), neste contexto, a temática da saúde foi “reuniversalizada”, porém através
de uma vertente predominantemente economiscista e inserida nas mudanças para uma nova
ordem mundial.
Verifica-se a participação de organismos e agências internacionais no debate do setor
saúde, influência esta que não é recente. Não faz parte do presente trabalho o aprofundamento
da discussão acerca da participação dessas ou de outras entidades no debate da saúde, mas é
importante considerar alguns elementos como a tese da oferta de idéias e sugestões que tais
agências têm feito desde o século passado e que de alguma forma podem ter induzido ou
fomentado a formulação de políticas pelos governos para o setor. Mattos (2001a) faz uma
síntese das iniciativas dos organismos relacionadas ao setor saúde e destaca o papel exercido
pelo Banco Mundial nas décadas de 1980 e 1990.
Para meados da década de 1980, o autor aponta a decisão do Banco em ingressar no
debate acerca das políticas de saúde, produzindo o documento intitulado “Financiando
serviços de saúde: uma agenda para reforma”. Naquele momento, o Banco Mundial
apresentava uma proposta de redução da responsabilidade dos governos no financiamento dos
45
serviços de saúde. Esta política apontava para uma nova ordem mundial que vinha se
configurando, diminuindo atribuições do Estado embora, para Mattos (2001a), o argumento
do Banco – reconhecendo algum grau de participação dos governos – partisse de um “ponto
de vista mais ameno” de modo a possibilitar um maior diálogo com outras agências.
No início dos anos 1990, o Banco alterou seu enfoque, surgindo “a idéia de construir
um critério de efetividade em termos de custo, que seria útil, principalmente, na construção de
um pacote de intervenções a ser financiado pelos governos dos países em desenvolvimento”.
(MATTOS, 2001a, p. 385)
Para Viana & Dal Poz (1998), o processo de reformas dos sistemas nacionais de saúde
vivenciados por vários países na década passada constitui o que chamam de “agenda global da
saúde”, assim constituída: separação das funções de provisão e financiamento das ações de
saúde; inclusão de mecanismos de mercado; ênfase na efetividade clínica; e mudanças na
concepção de saúde e no papel dos usuários nos sistemas de saúde. Estes autores baseiam-se
na leitura de que a implementação dessa agenda de reforma e os resultados obtidos
dependeriam de três variáveis: exigências econômicas, interesses organizados e dimensão
política. (VIANA; DAL POZ, 1998, p. 8)
É, no entanto, o enfoque economicista apontado por Mattos (2001a) que predomina no
“Informe sobre o Desenvolvimento Mundial” elaborado pelo Banco Mundial, em 1993,
dedicado ao tema “Investir em Saúde”. A tônica do documento passa pela divisão das ações
entre os setores público e privado, recomendando aos países em desenvolvimento a adoção de
um Sistema de Saúde em que fosse responsabilidade do Estado a universalização da
assistência básica à saúde. Em outras palavras, haveria um mínimo a ser financiado por cada
governo, um pacote essencial, composto exclusivamente de intervenções altamente custo-
efetivas; a expansão deste “pacote”11 caberia à avaliação de cada governo. A assistência
especializada e com grande incorporação tecnológica, ou as intervenções de saúde que não
fossem tão custo-efetivas como as do pacote de cuidados essenciais, seria prestada/ financiada
pelo setor privado12. (ELIAS, 2005; MATTOS, 2001a)
11 O pacote era composto tipicamente por ações classificadas como tecnologias simples e de alto impacto, como vacinação, pré-natal, ações de promoção e prevenção da saúde, o mesmo conjunto de ações que compõem a atenção primária desde sua origem. (IBAÑEZ et al., 2006) Vale destacar que a idéia de “pacote” ou “cesta” básica de serviços de saúde não é uma produção do Banco Mundial nos anos 1980 ou 1990, mas desde 1979 foi tomada como política dentro da APS seletiva por outras agências, como a Fundação Rockfeller e o UNICEF, como já foi apontado. 12 Um exemplo do empenho de agências em induzir este debate e como a reforma do Estado se expressou no Brasil foi a realização de um Seminário com o tema “A Separação do Financiamento e da Provisão de Serviços no Sistema Único de Saúde”, ocorrido no Rio de Janeiro, nos dias 13 e 14 de abril de 1999. O Seminário foi realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Banco Mundial e o DFID – Departamento para Desenvolvimento Internacional do Reino Unido, contando também com apoio do Banco do Brasil. (BRASIL;
46
Para Elias (2005), esta situação denota as relações de determinação entre política de
saúde, organização de serviços e as concepções de Estado a elas subjacentes. Desse modo, a
correspondência para um Estado provedor da assistência básica universalizada e incentivador
do setor privado na assistência especializada é uma política de saúde que garanta serviços
básicos a toda a população e serviços especializados dependentes de financiamento privado,
individual ou coletivo. A forma de organização dos serviços de saúde é delimitada por esta
política. (ELIAS, 2005, p. 64) O modelo assistencial estaria assim delimitado por esta
política.
O Relatório do II Seminário Internacional de Experiências em Atenção Básica e Saúde
da Família expressa que “as estratégias de Atenção Básica e de Saúde da Família fazem parte,
sem dúvida, de um amplo quadro de reformas do setor saúde que se instalou em todo o mundo
nos últimos anos”, mas aponta que não existe uma “receita” universal de reformas. (BRASIL,
2002, p. 1) Esse documento resume um panorama internacional, particularmente o latino-
americano, onde as reformas têm se concentrado
em alguns aspectos ligados à gestão e relacionados com a eficiência econômica, mas não têm convergido adequadamente para os processos de mudança verificados na noção de seguridade social. As questões de eqüidade, proteção social, qualidade da assistência e reorientação do modelo de atenção têm sido tratadas de forma marginal. (BRASIL, 2002, p. 2)
Observamos que o enfoque é, de fato, economicista, como afirmou Mattos (2001a). A
seletividade que caracterizou a APS no cenário de crise econômica da década de 1980 e a
emergência de governos neoliberais nos países desenvolvidos, de onde se originou boa parte
das agências que apóiam projetos de ajuda ao desenvolvimento de países pobres, colaboraram
para a disseminação de programas seletivos de atenção primária. (CUETO, 2004)
As políticas de ajuste estrutural e as idéias sobre reforma do Estado tinham finalidade
de reduzir os gastos públicos, o que influenciou na diminuição das generosidades entre nações
e nos projetos de baixo custo e curto prazo. Os princípios da focalização e da seletividade
ganharam destaque na agenda dos organismos de cooperação internacional e passaram a
orientar a ação de instituições como o Banco Mundial, principal difusor dessas idéias.
(IBAÑEZ et al., 2006)
BANCO MUNDIAL, 2001) Este tema será debatido e confrontado com o caso brasileiro ao longo do presente capítulo.
47
Corbo & Morosini (2005, p. 163) ressaltam que o modelo de APS teve diferenciadas
interpretações. Por um lado, a APS foi interpretada como programa focalizado para
populações empobrecidas, com baixa incorporação tecnológica, utilização de força de
trabalho pouco qualificada e com pouca efetividade na resolução dos problemas de saúde das
populações. Induzida, entre outros, por organismos internacionais e aliada a propostas de
reformas de ajuste econômico, como identificamos anteriormente, a APS, nesta formulação,
pressupôs uma atenção de baixo custo, descontinuada e sem articulação com os outros níveis
do sistema de saúde. Por outro lado, foi também concebida como um modelo de organização
dos sistemas de saúde, estruturando-se e organizando-se de forma a procurar atender às
necessidades de saúde da população, articulada com os outros níveis.
Estas interpretações guardam relações com as de Cueto (2004) quanto às diferentes
abordagens da APS (Cf. OPAS/OMS, 2005). Segundo o autor, o surgimento da APS seletiva
produziu debates, principalmente com os defensores da “APS abrangente” de Alma-Ata.
Alguns consideravam a APS seletiva complementar; outros, uma contradição com a
Declaração de Alma-Ata.
Os partidários de uma APS abrangente acusavam a APS seletiva de ser um modelo
tecnocrático estreito que desviava a atenção da saúde básica e do desenvolvimento sócio-
econômico, não sendo dirigida às causas sociais. Cueto (2004) afirma que, em sua versão
mais radical, a APS seria um adjunto da revolução social; em sua versão mais moderada, uma
adição aos serviços médicos pré-existentes, o primeiro contato, uma extensão dos serviços às
áreas rurais ou, ainda, um pacote de intervenções da APS seletiva. A esta última, foram feitas
críticas emblemáticas pela esquerda acadêmica na América Latina, sendo significativa a de
que “primária” realmente significava atenção “primitiva” à saúde e a de que era um meio de
controle social13 da pobreza. (CUETO, 2004) A APS seletiva tornou-se o modo dominante de
atenção primária em muitos países – embora fosse considerada, inicialmente, uma estratégia
provisória –, prosseguindo por meio de programas verticais de sub-populações ou específicos
por doença. (OPAS/OMS, 2005)
Baseados em estudos que analisaram as limitações de propostas subsidiárias da APS e
focalizadas em populações pobres, Teixeira & Solla (2005) mostraram que havia dois
caminhos distintos: a possibilidade de construção de um Estado de Bem-Estar Social14 nos
países industrializados e desenvolvidos ou, simplesmente, a constituição de sistemas que, ao
13 No sentido de haver um controle sobre e não da população. 14 Não se trata, necessariamente, de privilegiar a APS seletiva, mas da ênfase à APS e não ao Estado de Bem-Estar Social. É fundamental lembrar que esta noção está ligada à de Seguridade Social, que exige, mais que políticas de saúde, políticas de proteção social.
48
privilegiar a APS, promovessem o acesso de serviços básicos às populações excluídas,
proposta essa defendida para os países de Terceiro Mundo15.
Ao Brasil coube o segundo caminho.
2.4 CAMINHOS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO BRASIL
A incorporação das propostas da Atenção Primária à Saúde nas práticas e organização
dos serviços de saúde no Brasil tem ocorrido de forma intensa. No entanto, antes que as
estratégias internacionais para promover a extensão da APS a partir de Alma-Ata se
delineassem, várias experiências no país já tinham sido levadas a caso no sentido de estruturar
redes básicas calcadas na Saúde Pública e na atenção ambulatorial, estimulando a participação
das populações ou o trabalho de agentes de saúde. (CANESQUI; OLIVEIRA, 2002)
Silva & Dalmaso (2002) descreveram a trajetória de iniciativas de extensão de
cobertura da saúde no Brasil em um trabalho acerca da prática e identidade dos agentes
comunitários de saúde (ACS). Baseadas na consolidação feita por tais autoras, Corbo &
Morosini (2005) buscaram elementos nos programas de extensão de cobertura que foram
inspiradores para a construção da Estratégia de Saúde da Família.
Corbo & Morosini (2005, p. 157) apontam a criação do Serviço Especial de Saúde
Pública (SESP) e a implantação dos Programas de Extensão de Cobertura (PECs) como
propostas que contribuíram para o surgimento das diretrizes e dos princípios do que veio a se
conformar como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e o Programa Saúde
da Família (PSF).
O SESP foi criado em 1942 como conseqüência de um convênio firmado entre o
Brasil e os EUA e desenvolvia ações na região Amazônica e do Vale do Rio Doce, grandes
produtores de borracha e minério de ferro, respectivamente, que interessavam aos EUA por
serem matérias-primas importantes para sua ofensiva de guerra.
A partir da década de 1950, o SESP expandiu-se em várias regiões do país. Em 1960,
foi transformado em Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (F. SESP), vinculada ao
15 Para Cueto (2004), mesmo a APS apresentava dois caminhos: a APS [abrangente de Alma-Ata] e a APS seletiva. As duas concepções que se assumiam eram, para a primeira, o reconhecimento de que as doenças nos países menos desenvolvidos são social e economicamente sustentadas e precisam de resposta política. Para a segunda, assumia-se que as principais doenças nos países pobres eram uma realidade natural e precisavam de soluções tecnológicas adequadas. Essas duas idéias foram tomadas – mesmo antes da configuração da APS – representando um dilema, e um outro caminho foi escolhido. (CUETO, 2004, p. 1872, tradução nossa) Pode-se dizer que no Brasil mais de uma abordagem da APS, em diferentes momentos históricos, foi seguida, como trataremos adiante.
49
Ministério da Saúde (MS). Em 1990, foi integrada à Fundação Nacional de Saúde
(FUNASA). Para Silva & Dalmaso (2002), a F. SESP funcionou como “laboratório” para o
aperfeiçoamento de práticas, diretrizes e princípios que vieram a se colocar para o PACS e o
PSF. Segundo as autoras, algumas das principais diretrizes destes programas já faziam parte
do modelo de assistência desenvolvido pela F. SESP, como a oferta organizada de serviços na
unidade, no domicílio e na comunidade; a abordagem integral à família; a adscrição de
clientela; o trabalho com equipes multiprofissionais; o trabalho com a comunidade; o enfoque
intersetorial; o tratamento supervisionado para o controle de doenças prevalentes e a
realização de visitas domiciliares. (SILVA; DALMASO, 2002, p. 26)
Em 1972, o II Plano Decenal de Saúde para as Américas, oriundo da III Reunião
Especial dos Ministros de Saúde da América Latina, recomendava a todos os países a
extensão de cobertura dos serviços de saúde. (SOUZA, 1980, p. 78) No Brasil, os PECs
encontravam-se expressos no II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), referente ao
período de 1975-79, contendo metas próprias para a política social. As pressões por reforma
na política de saúde possibilitaram transformações concretas, como a formação do Sistema
Nacional de Saúde (SNS) em 1975, um modelo nacional de política de saúde que pela
primeira vez desenvolvia ações nos três níveis de governo de forma integrada, e a promoção
do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) em 1976.
Os PECs adquiriram, neste contexto, espaço para o seu desenvolvimento, surgindo
como proposta governamental de atendimento às necessidades básicas de saúde da população,
até então sem assistência. Estes programas se baseavam nas concepções do movimento de
Medicina Comunitária, como “a integração de atividades preventivas e curativas voltadas para
o indivíduo e a coletividade, a utilização de equipes de saúde, o uso de tecnologias
apropriadas e o recurso à participação comunitária”. (CORBO; MOROSINI, 2005, p. 159)
Segundo Corbo & Morosini (2005), os PECs de maior expressão foram o Programa de
Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS) e o PIASS, instituídos no âmbito do II
PND. Criado em 1975, em colaboração com o Ministério da Educação e a OPAS, o PPREPS
tinha como objetivo preparar trabalhadores visando a um processo de extensão de cobertura
adequado às diferentes necessidades de diversas regiões brasileiras.
De acordo com Souza (1980, p. 78), reiteradas denúncias de crise no setor saúde na
década de 1970 em diversos países abriram campo para experiências alternativas de prática
médica estimuladas por organismos internacionais ligados ao ensino e serviço. A partir de tais
experiências, desenvolveram-se conceitos como a regionalização, hierarquização e integração
dos serviços com ênfase em ações de cuidados primários, desenvolvidas por profissionais de
50
nível auxiliar, e na participação da comunidade. Para o autor, esse conjunto de antecedentes
viria a criar condições para o surgimento do PIASS, em agosto de 1976.
O PIASS estendia os serviços de atenção básica à saúde à Região Nordeste e
configurava-se como a primeira medida de universalização do acesso à saúde. Suas diretrizes
básicas eram a ampla utilização de pessoal de nível auxiliar, pertencentes à própria
comunidade; encaminhamento a serviços especializados; a participação comunitária e a
desativação gradual de unidades itinerantes de saúde que seriam substituídas por serviços
básicos de saúde permanentes. O PIASS constituiu-se no tema central da VI Conferência
Nacional de Saúde, realizada em 1977. (TANAKA et al., 1992)
Quanto a sua estrutura e organização, a instalação da rede de serviços de saúde seria
feita através de módulos básicos, um conjunto formado por postos de saúde localizados em
comunidades rurais, apoiados por uma unidade de maior porte, o centro de saúde, situado na
sede do município. Isso dava a dimensão do que era compreendido como “extensão de
cobertura”:
Extensão de cobertura entendida não apenas como proporção numérica entre população atingida e a população total, mas como o resultado de uma oferta eficaz e sistematizada dos serviços básicos de saúde que satisfaçam às necessidades da população, dispostos em lugares acessíveis, garantindo o acesso aos diferentes níveis de atenção do sistema de saúde. (SOUZA, 1980, p. 82)
Embora tenha sido “proposto como expressão de política pública, em contexto de
regime de exceção, no bojo das medidas que visavam à manutenção da estrutura de poder
dominante”, (SILVA; DALMASO, 2002, p. 64) o PIASS é avaliado por alguns autores como
uma experiência bem-sucedida, pois possibilitou a melhora na saúde da população do
Nordeste do país a partir da implantação de uma estrutura básica de saúde pública nas
comunidades de até 20.000 habitantes. (BAPTISTA, 2005; SOUZA, 1980)
Em 1980, a VII Conferência Nacional de Saúde, cujo tema era “Extensão das Ações
de Saúde através dos Serviços Básicos”, apresentou uma proposta de reformulação da política
de saúde e a formulação do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-
SAÚDE). Este Programa consistia em uma proposta de expansão do PIASS nacionalmente,
visando a estabelecer uma rede de serviços básicos no país que oferecesse cuidados primários
de promoção, proteção e recuperação da saúde, tendo como meta a cobertura de saúde a toda
a população. (CAMPOS; BAHIA, 1993; MACEDO, 1980)
51
A idéia de organização do sistema de saúde através da APS já era evidente naquele
momento, como verificamos no trecho a seguir:
Os serviços básicos de saúde devem constituir um programa nacional prioritário e axial da política de saúde do governo, ordenador principal das ações governamentais na área da saúde e das relações entre as diversas instituições públicas de saúde, nos três níveis de nossa organização político-administrativa. O Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde – PREV-SAÚDE – terá como objetivo a extensão dos serviços de saúde a toda a população brasileira, o mais rapidamente possível, implicando em implantação acelerada de uma rede básica de unidades de saúde de cobertura universal, com prioridade para as populações rurais, de pequenos centros e de periferias das grandes cidades. Os modelos de serviços devem adequar-se às peculiaridades regionais, sem prejuízo do cumprimento do núcleo mínimo de ações e máxima simplificação recomendável de tecnologias e recursos utilizados. (MACEDO, 1980, p. 23)
A ênfase dada à APS durante a ditadura militar era, portanto, a de uma política
simplificada e focalizada nas camadas mais pobres, como é o caso das populações rurais e das
periferias dos grandes centros urbanos, travestida de mudança rumo à universalização do
acesso aos serviços de saúde.
O PREV-SAÚDE acabou não sendo incorporado como política pelo governo nem
sendo estabelecido na prática, mas revelou um momento inédito de entrada do discurso da
Reforma Sanitária na arena de discussão institucional de saúde. (BAPTISTA, 2005, p. 27)
No início da década de 1980, procurou-se consolidar o processo de expansão de
cobertura iniciado em meados dos anos 1970, em atendimento às proposições formuladas pela
OMS na Conferência de Alma-Ata (1978), especialmente por meio da APS. (VECINA
NETO; CUTAIT; TERRA, s.d.)
A Conferência de Alma-Ata enfatizou a necessidade de que os países em
desenvolvimento, entre eles o Brasil, implementassem políticas de saúde capazes de melhorar
os indicadores de morbi-mortalidade de seus povos, principalmente com ações de controle das
doenças transmissíveis, entre elas, a vacinação. Como fruto de outros debates nacionais,
porém nessa mesma época (1982), o governo brasileiro criou o Plano de Reorientação da
Assistência à Saúde no âmbito da Previdência Social (Plano do Conselho Nacional de
Administração da Saúde Previdenciária – Plano CONASP). (GONÇALVES; ALMEIDA;
GERA, 1996; TANAKA et al., 1992) Dentre as propostas de intervenção do Plano CONASP,
destacavam-se as Ações Integradas de Saúde (AIS), que retomariam a estratégia apresentada
no PREV-SAÚDE.
52
As AIS eram uma proposta de universalização do direito à saúde, com serviços de
saúde compondo um sistema unificado, regionalizado e hierarquizado. (BAPTISTA, 2005;
CAMPOS; BAHIA, 1993; TANAKA et al., 1992) Implantadas a partir de 1983, fizeram parte
do processo de avanço dos debates sobre a saúde, consolidando “a proposta de
descentralização como única alternativa para constituição de um sistema de saúde adequado
às reais necessidades da população, viabilizando sua universalização e eqüidade”. (COHN,
2005, p. 47)
Além das propostas e programas aqui apresentados, majoritariamente oriundos de
iniciativas do governo federal e, em especial durante a ditadura militar, permeados por fortes
características do autoritarismo, alguns municípios implementaram alternativas incorporando
serviços destinados à Atenção Primária à Saúde da população já durante a década de 1980.
Em parceria com as universidades, diversos municípios organizaram uma rede de Unidades de
Saúde para Atenção Primária, como Niterói, Londrina e Campinas, entre outros. (SILVA Jr.,
1997)
Aliado a isso, o Movimento de Reforma Sanitária elaborou críticas ao modelo médico-
hegemônico no país almejando a transformação do sistema de saúde. O Movimento de
Reforma Sanitária, ao mesmo tempo em que criticava a desigualdade do acesso aos serviços
de saúde, a inadequação dos serviços às necessidades da população, a qualidade insatisfatória
dos serviços e a ausência de integralidade, propunha o reconhecimento da saúde como direito
do cidadão, a universalização e eqüidade, a continuidade e melhoria da qualidade dos serviços
e a integralidade das ações. (PAIM, 1999a) Tinha-se em vista a importância da política
pública de saúde para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e solidária,
considerando a descentralização, universalização e unificação como elementos essenciais para
a reforma do setor. (VECINA NETO; CUTAIT; TERRA, s.d.)
Em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde consagrou tais anseios. Em
consonância com o caminho traçado pela política de saúde, desde a proposta das Ações
Integradas de Saúde, bem como do Sistema Único e Descentralizado de Saúde (SUDS)16,
conduziu ao processo de implantação do SUS, gravado na Constituição de 1988 e Lei
Orgânica da Saúde (LOS).
No entanto, os primeiros anos da implementação do SUS foram bastante conturbados.
Ainda no esforço de institucionalização, o Brasil apresentava um sistema de saúde composto,
de um lado, por serviços públicos prestados pelas próprias instituições governamentais ou por
16 Posterior às AIS, em 1987, o SUDS avançou na descentralização da saúde, permitindo maior autonomia e responsabilidade aos estados.
53
compra de serviços de terceiros para grupos sociais de média e baixa renda, a ampla maioria
da população. De outro, pela prestação privada de serviços e planos privados de saúde para os
grupos de renda mais elevada e uma parcela dos trabalhadores urbanos das atividades
industriais e de serviços pertencentes ao setor mais dinâmico da economia. Para Elias (2005),
Essas características concorrem para a configuração de um tipo de “Sistema” segmentado na prestação da assistência e no acesso aos serviços, iníquo no atendimento das necessidades sociais, desprovido de controle público eficaz, desarticulado na prestação da assistência e indutor da separação entre as ações de saúde nos planos da atenção individual e coletiva. (ELIAS, 2005, p. 70)
Para alguns autores, a reforma no setor saúde brasileiro proposta pelo Governo Federal
nos anos 1990 era coerente com o que agências internacionais (como o Banco Mundial)
propunham aos países da América Latina, procurando combinar estratégias de mercado com
medidas compensatórias para a parcela da população sem condições de acessá-lo. Deste
modo, estaria garantida uma “cesta mínima de serviços de saúde” aos cidadãos mais pobres e,
àqueles em condições sócio-econômicas mais favoráveis, a oferta de produtos de saúde para
compra no mercado, público ou privado. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005; MERHY;
ONOCKO, 2002)
No início da década de 1990, propôs-se uma rede de estabelecimentos de saúde no
Brasil voltada fundamentalmente para a assistência básica de saúde, sendo o setor público
responsável principalmente pelos serviços de APS. Os estabelecimentos assistenciais que se
dedicavam à APS eram principalmente o posto de saúde, com procedimentos mais
simplificados, praticamente sem incorporação de equipamentos e contando apenas com
trabalhadores de nível elementar ou médio, e o centro de saúde, mais complexo que o posto
de saúde, com assistência médica com pequena incorporação tecnológica e dispondo
continuamente de profissionais de nível superior. (ELIAS, 2005, p. 76)
A APS foi reformulada no Brasil, ganhando a denominação de “Atenção Básica” no
âmbito do SUS e uma nova qualificação a partir da criação do Programa Saúde da Família
(PSF), como será visto a seguir.
54
2.4.1 Atenção Primária, Atenção Básica e Saúde da Família: um debate semântico? (ou Um campo de práticas brasileiro)
No âmbito do SUS, o nível de atenção à saúde que incorpora a abordagem da APS
denominou-se Atenção Básica (AB). Esta formulação foi feita com intuito de “construir uma
identidade institucional própria, capaz de estabelecer uma ruptura com uma concepção
redutora desse nível de atenção”. (BRASIL, 2003c, p. 7)
Em 2006, foi publicada a Portaria MS nº 648, a respeito da Política Nacional de
Atenção Básica (PNAB). O documento apresenta a seguinte definição para a AB:
A Atenção Básica caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território. É o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde. Orienta-se pelos princípios da universalidade, da acessibilidade e da coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação social. (BRASIL, 2006b, p. 10)
Esta formulação incorporou uma série de características da APS, porém identificada
como AB. A denominação de AB é anterior a essa Portaria e prevaleceu ao termo APS nos
anos 1990, como pode ser observado nos vários documentos daqueles anos referentes às
políticas de saúde e à própria AB. Teixeira & Solla (2005) identificam a APS como tendo sido
“renomeada” no Brasil para AB e alguns autores consideram APS e AB sinônimos, como
fizeram Piancastelli (2001) e outros, citados por Gil (2006).
No entanto, Heimann & Mendonça (2005, p. 486) demonstram que há diferenças
substantivas entre estas duas expressões. Elas descrevem o surgimento da APS numa
perspectiva restrita, associada à racionalização dos gastos hospitalares, porém ampliado
através das propostas difundidas a partir de Alma-Ata, em 1978. O projeto SPT 2000 teria
tomado o modelo da multicausalidade como modelo explicativo da saúde e da doença,
mantendo o paradigma da clínica.
O Movimento Sanitário no Brasil incorporou parte das críticas através da substituição
do paradigma da multicausalidade pelo paradigma da determinação social da doença. Isso
levou à proposição de uma reorganização dos serviços de saúde em um sistema integrado e
55
que amplia o acesso a todos os níveis de atenção em função das necessidades, demandas e
representações da população. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 487)
No caso brasileiro, Gil (2006) explica que essas primeiras experiências de implantação
de serviços municipais de saúde no final da década de 1970 e início dos anos 1980 foram
inspiradas no referencial da APS proposto em Alma-Ata. Porém, com o transcorrer do tempo
e desenvolvimento do SUS, este referencial foi sendo substituído gradativamente e fortalecido
com a concepção de AB, tal como foi assumida pelo MS.
Em realidade, não existem bases que diferenciem as abordagens de AB e APS: suas
características, definições e ênfases apontam para o mesmo caminho. Importa definir quais
são os serviços de primeiro contato e os princípios que os regem; importa organizá-los como
primeiro nível de atenção à saúde da população, não relevando tanto diferenciar os termos.
As diferenças entre os termos e os tempos – políticos e ideológicos – em que têm sido
adotados esses termos permitem compreender que o processo em curso é permeado por
conflitos17 e desafios. É neste contexto que surge o PSF, estratégia prioritária para
organização do campo de acordo com os preceitos do SUS.
No início da década de 1990, o Brasil apresentava, de um lado, a carência de cobertura
na saúde associada à crise de financiamento do setor; de outro, os resultados positivos
alcançados pela experiência nacional do PACS quanto à diminuição da mortalidade infantil e
materna. Assim, tornou-se pauta política do MS a viabilização de uma proposta para a APS
capaz de ampliar a capacidade resolutiva do PACS e de criar condições para sua expansão em
direção aos centros urbanos.
O PIASS foi importante para a multiplicação das práticas de saúde com ACS. Em
1991, foi formulado o PACS, começando pelos estados do Nordeste e estendendo-se, a seguir,
para a Região Norte. (SILVA; DALMASO, 2002)
A primeira experiência em ampla escala de utilização dos ACS ocorreu no Ceará,
entre 1987 e 1990, através do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Em
1991, o MS adotou o programa, implementando-o nacionalmente. A partir dele,
institucionalizou as experiências que já vinham ocorrendo de maneira isolada e focalizada em
diversas regiões do país e, principalmente, garantiu legitimidade à função dos ACS, que
passaram a atuar sob a avaliação e supervisão de um enfermeiro. O PACS é considerado uma
17 Como mencionamos no capítulo 1, escolhemos utilizar prioritariamente o termo atenção primária à saúde, considerando “primária” como primordial, referindo-se à atenção primeira a que os indivíduos devam ter acesso. Ademais, é como APS que este nível de atenção é trabalhado internacionalmente e sua utilização favorece os diálogos com as formas como outros países a encamparam, como é o caso de Cuba, Canadá e Espanha, por exemplo.
56
estratégia transitória para o PSF. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005; SILVA; DALMASO,
2002; VIANA; DAL POZ, 1998)
A escolha do agente e as condições institucionais da gestão da saúde em nível local
para implantação do PACS são considerados elementos importantes por Viana & Dal Poz
(1998), para quem ele não representou apenas mais um programa vertical do MS, mas foi um
instrumento na implementação do SUS e na (re)organização dos modelos locais de saúde.
(VIANA; DAL POZ, 1998, p. 10)
Com intuito de reorganizar a prática assistencial em novas bases e critérios, surgiram
programas em substituição ao modelo tradicional de assistência, orientado para a cura de
doenças no hospital. (MERHY; FRANCO, 2000; BRASIL, 2001) Em 1994, o PSF é
concebido como instrumento de reorganização do SUS e de municipalização, incorporando a
experiência anterior do PACS e alternativas de implantação de serviços de APS que vinham
sendo implementadas por alguns municípios brasileiros. É o caso das propostas da Medicina
Geral e Comunitária (Porto Alegre, 1983), da Ação Programática em Saúde (São Paulo, anos
1970), Programa Médico de Família (PMF) (Niterói, 1992)18 e o modelo Em Defesa da Vida
(Campinas, final dos anos 1980). Corbo & Morosini (2005, p. 164) destacam duas
experiências como sendo as mais próximas e de repercussão mais imediata na formulação do
PSF: o PMF, em Niterói, elaborado a partir do “Plano Médico de Família de Cuba”, planejado
com apoio de consultores cubanos e implantado em 1992; e o Serviço de Saúde Comunitária
do Grupo Hospitalar Conceição, de 1983.
As origens da proposta do PSF remontam, ainda, ao surgimento e à difusão do
movimento de Medicina Comunitária estruturado nos EUA na década de 1960. Este modelo
foi difundido a vários países da América Latina, como já foi posto, vindo a ser absorvido
como fundamentação da política de organização da APS no Brasil. (TEIXEIRA; SOLLA,
2005, p. 463)
18 O Ministério da Saúde, ao adotar o Programa de Saúde da Família, contou com a participação permanente da equipe Coordenadora Municipal de Niterói em seu corpo de colaboradores. Mais tarde, este intercâmbio permitiu a ampliação do Programa Médico de Família em Niterói. (NITERÓI, 1997)
57
2.4.2 A Institucionalização do Programa Saúde da Família O PSF, ao enfocar a família e não o indivíduo, ao agir preventivamente sobre a
demanda, reorganizando-a, e ao promover a integração com a comunidade e em um enfoque
menos reducionista sobre a saúde, foi considerado por Viana & Dal Poz (1998) um
instrumento de (re)organização dos modelos locais de saúde. Na década de 1990, programas
como o PSF passaram a ser incentivados através de recursos financeiros destinados à APS,
verificando-se uma expansão desta principalmente no período posterior a 1996. Naquele ano,
foi aprovada a Norma Operacional Básica do SUS 01/96 (NOB 96). Com isso, o PSF foi
institucionalizado, ganhando significativa evidência. A NOB 96 enfatizou a implantação do
PSF, sendo ele parte de um conjunto de medidas e iniciativas que visavam o fortalecimento da
AB, segundo os princípios e diretrizes do SUS. (BRASIL, 1996, 2003a; MARQUES;
MENDES, 2002, 2003)
A NOB 96 estabeleceu como uma das formas de repasse de recursos aos municípios o
Piso da Atenção Básica (PAB)19, que possui dois componentes: um fixo (PAB fixo) e um
variável (PAB variável). Através do PAB variável, alguns programas e ações passaram a ser
incentivados financeiramente, como é o caso do PSF.
Por um lado, a NOB 96 aponta relações de independência do município como gestor
pleno, mas, por outro, propõe projetos de incentivos de financiamento das ações de saúde de
modo verticalizado. Segundo Bueno & Merhy (1997), a NOB 96 fere a autonomia do
município enquanto gestor único do sistema na esfera local, “impedindo ou pelo menos
induzindo os programas prioritários, não definidos nos fóruns deliberativos locais de controle
social”. Ao município que desenvolva programas como o PSF, o PACS e outros previstos no
PAB, é ofertado um financiamento fragmentado sob a forma de uma “cesta básica” ou
“pacote” da atenção à saúde, comprometendo a integralidade da atenção. Esta atitude, que
penaliza os municípios que não adotem o PSF e o PACS (BUENO; MERHY, 1997),
encontra-se em consonância com a lógica neoliberal que permeia a Reforma do Estado desde
a década de 1990, como discutimos anteriormente.
Para Corbo & Morosini (2005), a partir de 1996, o MS começou a romper com a idéia
de programa, que estava vinculado à idéia de verticalidade e transitoriedade. Assim, passou-
se a utilizar a denominação de estratégia de Saúde da Família, por considerá-la a estratégia
19 Com a publicação da Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS) em 2001, o PAB foi ampliado – PAB-A [ampliado]. Dessa forma, a NOAS ampliou as responsabilidades da AB, possibilitando a remuneração de um conjunto de procedimentos assistenciais, terapêuticos e de apoio diagnóstico de média e alta complexidade para referência da AB. (BRASIL, 2003b; HEIMANN; MENDONÇA, 2005)
58
escolhida para reorientação da atenção à saúde no país. Nesse período, ainda, o PSF começou
a ter uma integração maior com o PACS, apontando para uma maior integração – e fusão –
dos dois programas. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005; VIANA; DAL POZ, 1998)
Em 1999, o financiamento mudou da lógica de número de equipes implantadas para
percentual de cobertura populacional realizado pelas equipes. Em 2003, foi definido um
financiamento diferenciado para a implantação do PSF em grandes centros urbanos, no
âmbito do Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF). A
estratégia foi negociada ao final de 2002 no Governo Fernando Henrique Cardoso
(HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 494), mas a opção política por reorientar o modelo de
atenção à saúde a partir da reorganização das ações básicas permaneceu como prioridade na
agenda política do Governo Lula.
Desenvolvido pelo MS, apoiado pelo Banco Mundial e instituído como linha de
financiamento na rede do SUS para organizar a APS pela Estratégia de Saúde da Família, o
PROESF teve como objetivo o apoio à organização e ao fortalecimento da APS no país
através do investimento em estratégias de qualificação dos trabalhadores e de monitoramento
e avaliação da AB. Os recursos disponibilizados pelo projeto visavam a auxiliar a implantação
e consolidação do PSF nos municípios com mais de 100 mil habitantes por meio da
reestruturação das unidades e equipes do programa, da integração com os outros níveis do
SUS e do aperfeiçoamento da gestão do sistema. (BRASIL, 2005b; CORBO; MOROSINI,
2005)
O foco do PROESF nesses municípios se fundamentou pela ocorrência de uma baixa
cobertura do PSF e pela grande concentração da população brasileira em grandes municípios.
Um dos principais problemas encontrados nessa estratégia continuou sendo a gestão do
trabalho, uma vez que as novas práticas instituídas exigem uma melhor formação dos
profissionais, incluindo as estratégias contidas na educação permanente.
O desafio colocado para a gestão nos três níveis – municipal, estadual e federal – é a
qualificação da atenção, através de investimentos na Saúde da Família e do resgate do papel
da APS como organizadora do SUS.
59
2.4.3 Características da Saúde da Família O PSF surgiu em 1994 como indutor de mudança no modelo assistencial. Seu objetivo
é reorganizar a prática assistencial, em substituição ao modelo tradicional de assistência,
orientado para a cura de doenças e o hospital. A atenção do PSF é centrada na família,
entendida e percebida a partir de seu ambiente físico e social. (BRASIL, 2001)
Com base nos princípios do SUS e nas concepções da APS, o PSF incorporou em sua
formulação as noções de integralidade, continuidade, universalidade, acessibilidade (ao
sistema), eqüidade, resolutividade, responsabilização, humanização, vínculo e participação
popular, sendo princípios básicos:
- Caráter substitutivo: substituição das práticas convencionais de assistência por um
novo processo de trabalho, centrado na vigilância à saúde;
- Integralidade e hierarquização: adoção da Unidade de Saúde da Família como
primeiro nível de ações e serviços do sistema local de saúde;
- Territorialização e adscrição da clientela: definição de território de abrangência a
partir do cadastramento e acompanhamento da população adscrita à área;
- Equipe multiprofissional: composição da equipe de Saúde da Família
minimamente por um médico generalista ou médico de família, um enfermeiro,
um auxiliar de enfermagem e 4 a 6 agentes comunitários de saúde (ACS). O
número de ACS varia de acordo com o número de pessoas sob responsabilidade
da equipe;
- Responsabilização e vínculo: as equipes assumem como sua responsabilidade
contribuir para melhoria da saúde e da qualidade de vida das famílias na sua área
de abrangência, devendo oferecer atenção humanizada; e
- Estímulo à participação da comunidade e ao controle social: a gestão local deve
favorecer e estimular a criação e utilização dos canais de participação social para o
planejamento e controle das ações previstas na estratégia. A equipe, por sua vez,
deve ser indutora na promoção da participação das organizações sociais e seus
membros no planejamento, gestão e avaliação da saúde local e desenvolver
projetos conjuntos para a melhoria da qualidade de vida.
Embora o Ministério da Saúde preconize que as equipes sejam compostas, no mínimo,
por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis ACS, outros
60
profissionais podem ser incorporados às Unidades de Saúde da Família (USF) ou em equipes
de supervisão, de acordo com as necessidades e possibilidades locais. (BRASIL, 2001, 2003c)
Dependendo do número de famílias no território abrangido pela USF, ela comporta
uma ou mais equipes. As equipes realizam visitas domiciliares (VDs), identificando os
componentes familiares, as condições de moradia, de saneamento e ambientais da população
cadastrada, bem como algumas condições de morbidade e fatores de risco.
Utilizaremos a definição de espaço dada por Testa (2002) para melhor apreensão do
atributo de territorialização. O espaço tem por funções a produção e a reprodução. O espaço
para a produção econômica é aquele ocupado por empresas produtivas, ao passo que o espaço
da reprodução é duplo, dividindo-se em espaço para a reprodução biológica cotidiana ou
social e em outro espaço que nasce em qualquer dos anteriores quando neles se “produz” um
diálogo que é um uso construtivo das contradições e conflitos individuais ou sociais. (TESTA,
2002, p. 39, tradução nossa) É “localizado” no espaço de reprodução que se dão as relações
entre os usuários e os profissionais do PSF.
Uma das diretrizes operacionais apontadas para a implantação do PSF é a substituição
das práticas convencionais pela oferta de uma atuação centrada na lógica da vigilância à
saúde. A definição de vigilância à saúde pode ser encontrada nos trabalhos de Carmen F.
Teixeira. Motivada por diferentes autores, sustenta que essa denominação engloba propostas
que incluem o fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica e sanitária, a implantação de ações de vigilância nutricional dirigidas a grupos de risco, a vigilância na área de saúde do trabalhador, levando em conta os ambientes de trabalho e os riscos ocupacionais, a vigilância ambiental em áreas específicas de risco epidemiológico, sem perder de vista a necessidade de reorientação das ações de prevenção de riscos e de recuperação da saúde, isto é, a própria assistência médico-ambulatorial, laboratorial e hospitalar. (TEIXEIRA, 2002)
Silva & Dalmaso (2002, p. 60) identificaram pontos centrais do programa, como o
estabelecimento de vínculos e a construção de laços de compromisso e de co-responsabilidade
entre os profissionais de saúde e a população, além da possibilidade de integração e a
promoção da organização das atividades em um território definido, propiciando o
enfrentamento e resolução dos problemas identificados.
Pelo princípio da integralidade20, a SF compromete-se na busca da organização dos
serviços, ações e práticas de saúde de forma a garantir à população o atendimento mais
20 Como já mencionado, a integralidade será mais bem abordada no capítulo 3., subseção 3.2.1 – Integralidade nos modos de fazer saúde.
61
abrangente de suas necessidades. Isso implica uma compreensão ampliada do processo saúde-
doença, estreitar a relação entre a atenção básica e os demais níveis de atenção à saúde e
integrar os componentes preventivo e curativo das práticas. (CORBO; MOROSINI, 2005, p.
169).
A universalidade está diretamente relacionada à acessibilidade. Para Corbo &
Morosini (2005, p. 169), o sistema de saúde só é universal na medida em que se torna
acessível, o que apresenta grande afinidade com o contexto da APS no Brasil, já que pretende
ser a porta de entrada do sistema de saúde. Consideram, contudo, que deve haver uma
qualificação das portas de entrada como espaços de acolhimento para a população.
Temporão (2006) aponta que, no processo histórico, a AB foi gradualmente se
fortalecendo e deve se constituir como porta de entrada preferencial do SUS, sendo o ponto de
partida para a estruturação dos sistemas locais de saúde, o que já havia sido admitido na
NOAS em 2001 e 2002. (HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 493) No entanto, consideramos
a idéia de Cecílio (1997), para quem a rede básica de serviços não conseguiu se tornar a
“porta de entrada” mais importante para o sistema de saúde, que continua sendo os hospitais –
através dos serviços de urgência/ emergência e ambulatoriais.
Luiz Carlos Cecílio repensou o modelo assistencial como um círculo, e não como uma
pirâmide recolocando a relação entre os serviços de forma mais horizontal. Problematizou o
princípio da hierarquização, destacando a importância de se qualificar todas as portas de
entrada do sistema, de modo a
serem espaços privilegiados de acolhimento e reconhecimento dos grupos mais vulneráveis da população, mais sujeitos a fatores de risco e, portanto, com maior possibilidade de adoecimento e morte, para, a partir deste reconhecimento, organizá-los no sentido de garantir o acesso de cada pessoa ao tipo de atendimento mais adequado para o seu caso. (CECÍLIO, 1997, p. 475)
Como Barbara Starfield destacou,
o crescente enfoque sobre as “portas de entrada” deveria ser acompanhado por uma estratégia para obter informações referentes à natureza e extensão dos encaminhamentos, o desenvolvimento de melhores critérios para encaminhamento e o papel adequado dos subespecialistas na atenção aos pacientes. (STARFIELD, 2002, p. 241)
Concordamos com o Cecílio no sentido de que “o centro de nossas preocupações é o
usuário e não a construção de modelos assistenciais apriorísticos, aparentemente capazes de
62
introduzir uma racionalidade que supõe ser a melhor para as pessoas”. (CECÍLIO, 1997, p.
477)
A eqüidade se baseia no princípio da igualdade, porém se diferencia dela pelo
“reconhecimento da condição de igualdade entre as pessoas em relação aos direitos, mas
também o reconhecimento das condições que as diferenciam em relação às possibilidades
concretas de gerar a própria existência e de vivê-la”. (CORBO; MOROSINI, 2005, p. 170).
Corbo & Morosini (2005, p. 171) também dissertam a respeito da humanização. Para
as autoras, a humanização do atendimento remete-se à noção de cuidado, relacionada à
condição humana, à necessidade de cuidados como algo que distingue o humano das demais
formas de existência, evocando questões éticas relativas ao convívio socialmente
estabelecido, no caso do trabalho em saúde, e à ética profissional. Trata-se do acolhimento, do
respeito à alteridade expressa em um sujeito doente e do estabelecimento de vínculos de
ordem afetiva e técnica que permitam a construção de relações de responsabilidade e
reciprocidade. Na SF, a humanização diz respeito também à continuidade do atendimento e à
possibilidade de estabelecimento de vínculos entre a equipe de saúde e a população abrangida.
Os princípios citados são também encontrados na formulação da PNAB (BRASIL,
2006b), comentada na seção 2.4.1. Concatenados, são dispositivos essenciais para se ter uma
real organização do sistema de saúde através da APS.
2.5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A proposta de reordenação da APS e do modelo assistencial a partir da Saúde da
Família apresenta diferentes leituras.
Em sua trajetória, a APS foi questionada como modelo assistencial. Para Cordeiro
(1997), a atenção primária, tal como entendida, pensada e debatida na década de 1970, estava
fora de cogitação no final da década de 198021, haja vista a noção associada à baixa
incorporação de tecnologia.
Tem-se que encontrar uma forma de organização das práticas de saúde que considere o que exista de mais efetivo e eficaz em termos de tecnologia, de procedimentos, de equipamento, de materiais, mas que seja acessível a toda a população. Devem-se estabelecer critérios objetivos e técnicos que permitam tanto
21 Embora o livro “Saúde, trabalho e formação profissional” (Cf. CORDEIRO, 1997) tenha sido publicado em 1997, este posicionamento de Hésio Cordeiro refere-se a um debate ocorrido durante o Seminário “Choque Teórico II”, sobre o tema “Saúde, trabalho e formação profissional”, realizado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz, em 1989.
63
ao indivíduo que ganha um salário mínimo quanto ao capitalista terem acesso a uma ponte de safena ou a uma angioplastia. (CORDEIRO, 1997, p. 60)
Em 1998, Viana & Dal Poz apontaram como um dos dificultadores para a
implementação do PSF a noção de que a APS é sinônimo de tecnologia simplificada. No
entanto, para estes autores, o PSF introduziu uma noção mais sofisticada de APS ao
desenvolver um instrumental de informática baseada na automação de procedimentos
diagnósticos e apoiando-se na realização de exames e na utilização de instrumentos como a
ultra-sonografia. (VIANA; DAL POZ, 1998, p. 20) Esta concepção amplia aquela de Cordeiro
(1997), crítica por ele produzida antes mesmo da criação do SUS, o que mostra avanços do
modelo adotado no Brasil em relação à formulação conhecida até então sobre APS, além de
incorporar os princípios do SUS.
No entanto, o exemplo dado por Viana & Dal Poz não pode ser generalizado, haja
vista o grande número de municípios ainda sem acesso a tecnologias de ponta ou a recursos
de apoio diagnóstico e de tratamento.
Para Merhy & Franco (2000), o PSF apresentava similaridades com as propostas da
Medicina Comunitária e das Ações Primárias de Saúde, que vinham sofrendo duras críticas
desde sua formulação. Entre elas, Silva Jr. (2006, p. 61) reuniu as principais críticas à
Medicina Comunitária em relação:
- às práticas, observando-se que a integração preventivo-curativa continuava
centrada no ato médico e em suas tecnologias;
- à manutenção da dualidade do sistema, oferecendo-se “cuidados primários” para
alguns segmentos menos favorecidos da sociedade, e a medicina flexneriana para
os mais abastados;
- à hierarquização proposta, que, dadas as dificuldades de deslocamento e acesso
das populações periféricas, acabava por dificultar a utilização de maiores opções
tecnológicas por essas populações;
- à utilização de tecnologia adequada, referindo-se à Medicina Comunitária como
um projeto medicalizador de grande interesse para a indústria da saúde, pois
conferia capacidade de consumo, subsidiada pelo Estado, às populações
anteriormente fora do mercado;
- às práticas médicas alternativas, incorporadas numa visão cooptativa; e
64
- à utilização da equipe de saúde, por não ser, no caso, uma proposta
democratizante, já que se defendia a delegação controlada de conhecimentos e
técnicas conforme o nível de atuação e o agente envolvido, “mantendo-se a tutela
do conhecimento médico-científico”.
Em relação às críticas às Ações Primárias de Saúde, um debate foi travado entre os
defensores de duas diferentes abordagens da APS (sobre o qual dissertamos na seção 2.3).
Numa delas, o PSF não seria colocado a atuar na questão clínica22, mas agindo como linha
auxiliar ao modelo médico-hegemônico. (MERHY; FRANCO, 2000, p. 146) O PSF teria
tomado para si a Saúde Coletiva, deixando a saúde individual para a corporação médica, o que
os autores consideraram uma desvantagem por delimitar o campo de ação dos modelos de
atenção.
Recentemente, Teixeira & Solla (2005) observaram este fato de maneira diversa à
expressa acima, afirmando que a trajetória institucional do PSF ilustra um processo de
“refuncionalização” de suas noções e práticas
na medida em que, partindo de uma concepção voltada para a reorganização da prática médica, clínica, através da ampliação do objeto de trabalho (dos indivíduos à família), estas propostas foram paulatinamente associadas aos princípios da medicina comunitária e incorporaram princípios e diretrizes que vão além da clínica, especialmente a contribuição da epidemiologia e da administração e o planejamento em saúde. (TEIXEIRA; SOLLA, 2005, p. 463)
Merhy & Franco (2000) apontaram, ainda, que a implantação do PSF por si só não
garantiria a reorientação do modelo assistencial. Pois, mais do que isso, seria necessária a
mudança nos processos de trabalho, peça chave para a mudança do modelo, como será
discutido no capítulo 3.
Merhy, Malta & Santos (2004, p. 61) apontaram limites em relação ao formato e à
organização do processo de trabalho adotado, como a concepção de formato único para todo o
país e equipes e a idéia de visita domiciliar, pois “o simples fato de realizá-las não significa
que o médico tenha abandonado sua prática ‘procedimento centrado’ e nem mesmo que o
trabalho dos outros profissionais deixe de ser estruturado pelos atos e saberes médicos”. Para
esses autores, a VD é um importante instrumento da Saúde Coletiva e deve-se avaliar a forma
mais oportuna de inseri-la no cotidiano dos serviços.
22 O debate sobre a questão clínica poderá ser mais bem compreendido no capítulo 3, seção 3.2 – Pressupostos para o processo de trabalho em saúde.
65
A questão do custo/financiamento também foi identificada como uma questão
problemática especialmente em relação aos profissionais, bem como a rotatividade e
instabilidade nas equipes, combinada à terceirização de profissionais como “nova modalidade
de recursos humanos no SUS”. (MERHY; MALTA; SANTOS, 2004, p. 62)
Marques & Mendes (2002) consideram que as críticas de Merhy & Franco (2000) se
referem ao modo como o PSF foi estruturado e organizado e concordam que a formulação de
políticas pelo MS, em especial políticas para a AB, é obstáculo à elaboração de políticas pelos
municípios, diminuindo ou até impedindo sua autonomia para tomada de decisões frente às
necessidades locais. Bueno & Merhy (1997) já afirmavam que a NOB 96 iria inibir a
autonomia do município, induzindo-o a adotar programas não definidos localmente. Os
municípios, “dependentes dos recursos federais, passaram a ser meros executores da política
estabelecida no âmbito federal”, (MARQUES; MENDES, 2003) em detrimento de
desenvolverem programas e ações pautados nas necessidades da população, respeitando as
distintas realidades sociais e sanitárias de cada região do país.
Coincidentemente, o PSF foi elaborado em 1993, ano da publicação do relatório
“Investir em Saúde” pelo Banco Mundial. Algumas análises podem ser feitas no sentido de
identificar no PSF uma estratégia que não se diferencia muito das recomendações das
agências internacionais, que propõem políticas universalizantes, porém focalizadas23, de
cunho neoliberal, dirigidas principalmente aos países pobres e às populações de baixa renda.
Ressalta-se que o programa foi incorporado no projeto Reforço à Reorganização do SUS24 –
REFORSUS – do Banco Mundial, pelo qual as Unidades Básicas de Saúde (do PSF) foram
privilegiadas para receber investimentos, bem como incentivadas a implantar Pólos de
Capacitação para Educação Continuada das Equipes. (BRASIL, 2001; VIANA; DAL POZ,
1998)
Heimann & Mendonça (2005, p. 484) identificam no desenvolvimento da AB, dentro
das reformas da década de 1990, singularidades e raízes em outras fases do debate e da
implementação da Reforma Sanitária brasileira, porém influenciado por um contexto externo
de reformas setoriais voltadas “para reorganizar a proteção social em saúde”. Para essas
autoras, o PSF formulado na década de 1990 constituiu um modelo de organização da atenção
23 Recuperamos que a idéia de o “pacote básico” ou “cesta básica” de serviços de saúde foi difundida pela Fundação Rockefeller e UNICEF a partir de 1979, preconizando a APS seletiva, com ações focalizadas altamente custo efetivas (GOBI e GOBI-FFF). (CUETO, 2004) Não foi uma “produção” do Banco Mundial, mas foi por ele apropriada e ofertada nos anos 1990. 24 O REFORSUS foi criado em 1996, tendo por base um acordo de empréstimo firmado entre o governo brasileiro e os Bancos Interamericano de Desenvolvimento e Mundial. Este acordo, no valor de US$ 650 milhões, destinou-se a investimentos de recuperação da rede física de serviços de saúde. (BRASIL, 2003a)
66
no nível primário, inserido na AB e que convive com outros modelos no SUS, sendo que a
atual configuração do sistema não rompeu propriamente com o modelo capitalista periférico
de organização dos serviços de saúde, fortemente identificado com a medicina curativa. Na
década de 1990 prevaleceu a hegemonia de pensamentos das reformas neoliberais e a
operacionalização do SUS passou a se configurar como um projeto de contra-reforma.
(HEIMANN; MENDONÇA, 2005, p. 487)
No bojo das políticas de ajuste advindas de organismos internacionais, Bresser Pereira
assumiu, no primeiro Governo de Fernando Henrique Cardoso, o Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado, onde comandou a Reforma da Gestão Pública de 1995. À
época, Heimann & Mendonça (2005, p. 488) relatam que o Ministério da Saúde sofria pressão
por parte do Ministério de Bresser, numa perspectiva em que a saúde deixaria de ser
responsabilidade do Estado e a prestação de serviços deveria ser realizada no setor privado.
Para Bresser Pereira (1998), “Se o seu financiamento em grandes proporções é uma atividade
exclusiva do Estado - seria difícil garantir educação fundamental gratuita ou saúde gratuita de
forma universal contando com a caridade pública - sua execução definitivamente não o é”.
(BRESSER PEREIRA, 1998, grifo nosso)
As mudanças econômicas, ideológicas e políticas definidas pelos especialistas do
Banco Mundial apontavam para a diminuição do papel do Estado e para o fortalecimento do
mercado para financiar e oferecer cuidados à saúde, sendo característica a oferta da idéia de
separação das ações de provisão e financiamento de serviços, como já abordamos.
Atualmente, os investimentos internacionais continuam ocorrendo, como é o caso do
PROESF, financiado pelo Banco Mundial.
Apesar das críticas, o PSF é considerado importante no Brasil por possibilitar que uma
maior parcela da população seja atendida, pelo menos, por este nível de atenção. O Programa
tem se constituído um dos pilares do movimento de reorganização do sistema de saúde
brasileiro, o que pode ser evidenciado da seguinte forma:
a) grande expansão numérica da Estratégia de Saúde da Família, especialmente a
partir de 1998, com ampliação quantitativa e territorial;
b) crescente legitimação institucional da Estratégia de Saúde da Família no âmbito
do SUS, com crescente adesão dos gestores municipais à proposta, e a “trajetória
institucional” das coordenações do PACS/PSF em municípios, estados e no
próprio MS, passando da condição de coordenações de programas para diretorias
67
ou departamentos de Atenção Básica, a partir dos quais, institucionalmente, são
reordenados os diversos programas e áreas técnicas; e
c) fortalecimento dos mecanismos de sustentabilidade financeira. A “trajetória de
financiamento” desses programas até a NOB 96 demonstra o aumento do volume
de recursos e aprimoramento dos mecanismos de repasse que funcionavam por
meio de convênio. (O PROGRAMA..., 2002)
Nos últimos anos, a APS no Brasil tem se transformado intensamente, especialmente a
partir da institucionalização do PSF, reestruturando as práticas e buscando uma efetiva
mudança do modelo. Tal iniciativa tem obtido êxito na ampliação do acesso e da cobertura
dos serviços básicos de saúde e na organização das demandas aos demais níveis de atenção,
alcançando grupos populacionais até então excluídos do consumo de serviços e de um
cuidado integral em saúde.
A mudança de orientação do PSF leva Teixeira & Solla (2005) a crerem que se trata,
na verdade, de instrumento de uma política de universalização da cobertura da APS e,
portanto, um espaço de reorganização do processo de trabalho em saúde nesse nível. Contudo,
mesmo com a expansão da rede e maior possibilidade de universalização do acesso, há a
necessidade de se intensificar os esforços destinados à melhoria da qualidade dos serviços e
das práticas de saúde, de modo a garantir uma efetiva reorganização da APS e reorientação do
modelo assistencial no Brasil.
Nesse sentido, vale o esforço da PNAB, apontando para
a redefinição dos princípios gerais, responsabilidades de cada esfera de governo, infra-estrutura e recursos necessários, características do processo de trabalho, atribuições dos profissionais, e as regras de financiamento, incluindo as especificidades da estratégia Saúde da Família. (TEMPORÃO, 2006)
A qualidade
25 permanece com atributo fundamental a ser alcançado no SUS e deve ser
apropriada por qualquer profissional envolvido com a SF mas, antes, fundamentalmente,
incorporada à própria conformação dos modelos assistenciais e aos modos como se organiza e
25 Recentes iniciativas governamentais possibilitaram a implantação de projetos de avaliação e melhoria contínua da qualidade no campo da APS no Brasil. Este campo, até então inexplorado, constitui-se uma prioridade no atual processo de consolidação da Estratégia de Saúde da Família, após uma década de acelerada expansão. (CAMPOS, C., 2005a)
68
se opera o trabalho em saúde no âmbito da APS. Nesse contexto, torna-se relevante,
novamente, a reflexão sobre a composição e trabalho das equipes do programa.
Hoje parece haver um PSF “de fato” que acabou se conformando de maneira
diversificada, de acordo com as diferentes realidades dos municípios, superando a fase de um
PSF como “intenção de política”, quando se reconfigurava em 1996. De qualquer modo, isso
não atenua as críticas à indução que mesmo hoje é feita utilizando o financiamento, como
ocorre através do PROESF.
Em relação às diferentes abordagens de APS, esta tomou vários enfoques no Brasil. A
não utilização de profissionais de nível superior e a priorização de intervenções tecnológicas
de baixo custo para combate das principais doenças que acometiam as regiões mais pobres do
país, bem como a fragmentação do financiamento e da integralidade da atenção a partir do
estabelecimento do PAB como forma de repasse de recursos, aproximam esse programa à
abordagem de APS seletiva.
Em sua fase de formulação e nos primeiros anos de implementação, o PSF tornava-se
muito próximo deste enfoque, respondendo ao movimento internacional, aos incentivos e
idéias internacionais. No entanto, ao longo do tempo, o PSF vem se transformando em uma
estratégia e um meio para reorientação do modelo assistencial, perdendo características de
focalização.
Por outro lado, a APS no Brasil foi utilizada como instrumento de democratização da
política, como ocorreu a partir do Movimento Sanitário, tendo tido mais importância que o
cunho da focalização. Em suma, a APS serviu como instrumento de organização social,
prevalecendo, hoje, o enfoque da APS como “Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos”.
Todas essas considerações são feitas para que realmente haja a superação de modelos
hegemônicos que ainda se encontram muito fortalecidos, centrados no poder político e técnico
das corporações profissionais e, como dizem Merhy, Malta & Santos (2004, p. 64), cada vez
mais distantes da defesa da vida individual e coletiva.
Um dos desafios é preservar e fortalecer a dimensão pública da política de saúde,
promovendo ações coletivas intersetoriais e a reorganização dos processos de trabalho em
saúde.
CAPÍTULO 3 – TRABALHO EM SAÚDE E REORGANIZAÇÃO DO
PROCESSO DE TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
A Atenção Primária à Saúde (APS) é lugar de produção da saúde e, conseqüentemente,
muitas questões acerca do processo de trabalho em saúde se materializam neste nível de
atenção.
Para melhor compreensão desta temática, o presente capítulo traz uma breve
conceituação da categoria trabalho e do processo de trabalho e uma sistematização da
produção teórica do processo de trabalho em saúde. Em seguida, abordamos o trabalho em
equipe como forma de organizar os processos de trabalho em saúde, aproximando esta
questão à da APS.
O objetivo deste capítulo é elucidar a definição de alguns conceitos que serão
trabalhados no contexto das práticas de saúde em Belo Horizonte, presentes nos resultados e
na discussão realizada nesta dissertação.
3.1 BREVE INTRODUÇÃO SOBRE O TRABALHO EM SAÚDE
O trabalho é uma prerrogativa humana cuja definição geral trata da atividade através
da qual o homem, guiado por determinada finalidade, transforma um objeto por meio de
determinados instrumentos. Segundo Marx (1985), “Antes de tudo, o trabalho é um processo
entre o homem e a Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media,
regula e controla seu metabolismo com a Natureza.” (MARX, 1985, p. 149)
Considerando que o trabalho define a essência humana, o homem, para continuar
existindo, precisa produzir continuamente sua própria existência através do trabalho.
(FRIGOTTO, 2005; SAVIANI, 1994, 2003)
Segundo Frigotto (2005, p. 58), o trabalho, nesta dimensão ontológica ou ontocriativa
(de criação do ser humano), não se reduz à atividade laborativa, mas corresponde à produção
de todas as dimensões da vida humana. Para o autor, o sentido de propriedade também está
explícito na compreensão da concepção ontocriativa do trabalho, significando o direito do ser
humano de apropriar-se, transformar e recriar pelo trabalho a natureza. Assim, percebe a
centralidade do trabalho como práxis que possibilita criar e recriar o mundo humano.
(FRIGOTTO, 2005, p. 60)
70
Essa produção deve se dar através do domínio pelo trabalhador dos fundamentos
científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho produtivo.
Entretanto, na sociedade moderna, o saber é força produtiva, devendo ser propriedade privada
da classe dominante. Se o saber é generalizado e apropriado por todos, os trabalhadores
passam a ser proprietários dos meios de produção. Contudo, na sociedade capitalista, o
trabalhador só detém a força de trabalho, pois, ao dominar o instrumento, o trabalhador dita o
seu ritmo de trabalho.
Para Saviani (1994, 2003), aí está a contradição que se insere na essência do
capitalismo: o trabalhador não pode ter meio de produção, não pode deter o saber, mas
também não pode ser expropriado de maneira absoluta do conhecimento pois, sem ele,
também não pode produzir, porque para transformar a matéria precisa de algum tipo de saber.
E se não trabalha, não acrescenta valor ao capital. Este saber, então, só é permitido em “doses
homeopáticas”, um mínimo para poder operar o processo produtivo, mas não deve ultrapassar
esse limite.
Segundo Saviani, Taylor contornou essa contradição desapropriando os trabalhadores
daquele saber, elaborando-o e desenvolvendo-o de forma parcelada. O trabalhador domina
apenas aquela parcela de saber que ele opera no processo produtivo, mas não aquele saber que
é força produtiva. A produção moderna coletivizou o trabalho e isso implica em
conhecimento do conjunto do processo, porém este é privativo do grupo dirigente.
(SAVIANI, 1994, p. 157)
É necessária uma análise que leve em conta as determinações reais dos processos
envolvidos na realização do trabalho, para a qual Testa (2002) desenvolve um esquema que
especifica as determinações e conseqüências das práticas profissionais e culturais ou sociais.
Desse modo, chama “macrotecnoestrutura” ao conjunto de instituições, suas normas e
relações condizentes com os aspectos globais do funcionamento social. Como exemplo, cita
as estruturas do governo e do Estado e políticas de ordenamento da sociedade. A
“mesotecnoestrutura” corresponde ao âmbito específico da atividade analisada, como os
organismos que orientam as atividades de serviço, em particular de saúde. A “tecnoestrutura”
corresponde à Instituição específica que se analisa, suas articulações internas e suas normas.
(TESTA, 2002, p. 28, tradução nossa)
Para o autor, esses componentes se determinam de acordo com os níveis que ele indica
(macro, meso e tecnoestruturas), ao mesmo tempo em que determinam em subconjuntos a
71
realização do trabalho concreto e abstrato26 que realiza a força de trabalho segundo as
diversas práticas que ocorrem.
Segundo Marise Ramos (2005a), do ponto de vista ontológico, a atenção à saúde é a
ação humana destinada ao cuidado do/com o outro. Nesse sentido, sendo o trabalho “a
mediação primeira na produção da existência humana, o trabalho em saúde seria o meio pelo
qual a existência é produzida/mantida como bem-estar físico, mental e social”. (RAMOS,
2005a, p. 208)
O trabalho em saúde guarda simultaneamente o sentido econômico, devido à sua
finalidade de manter a existência de pessoas objetivadas como fatores de produção, e o
sentido ontológico, pois a atenção integral se volta para as necessidades do ser humano como
sujeito e não como objeto. Este caráter “contraditório” leva à discussão da integralidade como
atributo das práticas dos profissionais de saúde e das organizações dos serviços, (RAMOS,
2005a, p. 208) como abordaremos mais a frente.
3.1.1 Processo de trabalho e processo de trabalho em saúde Segundo Minayo (2004, p. 82-83), dois conceitos são considerados chaves para o
conhecimento de saúde: o processo de trabalho em saúde e as condições gerais de produção.
Assim, define o primeiro como locus privilegiado das relações de produção e reprodução
dessas relações, visto como matriz de formação sócio-econômica, política e ideológica e,
portanto, de luta de classe, de dominação e de resistência. Essa definição extrapola aquela que
enfatiza apenas os aspectos técnicos e econômicos, abrangendo a totalidade das relações
antagônicas entre capital e trabalho no interior do processo produtivo. O segundo, as
condições gerais de produção na relação imediata entre o processo de produção e a estrutura
social e política, consiste nas condições de vida e na intervenção do Estado.
O processo de trabalho é um conceito que se refere tanto à base técnica quanto à
organização social do trabalho. Bosi (2000) define esse processo pelo qual o homem molda a
natureza que lhe é exterior, em sua dimensão técnica, como o processo pelo qual um dado
objeto é transformado num produto com valor de uso, ou seja, que visa à satisfação de
necessidades humanas experimentadas pelo conjunto da população. (BOSI, 2000, p. 109)
26 A noção de trabalho concreto se refere à atividade específica que cada trabalhador desenvolve em relação ao produto que se obtém e, conseqüentemente, difere segundo o tipo de produto. Já o trabalho abstrato é inespecífico e corresponde ao mero fato de trabalhar segundo as condições dadas pelas macro e meso tecnoestruturas. (TESTA, 2002, p. 28, tradução nossa)
72
No entanto, as aceleradas transformações científicas e tecnológicas que vêm ocorrendo
nas últimas décadas têm produzido mudanças significativas nas formas de organização do
trabalho e nos processos de produção de bens e serviços. O modelo taylorista/fordista de
produção em massa vem sendo substituído por outro, toyotismo, introduzindo-se a
flexibilização do trabalho e a chamada “qualidade total”.
Este modelo de “produção flexível” é definido por Salgado (1997) como “modelo
baseado em pequenos grupos autônomos, de pessoal altamente qualificado, em que a máquina
se coloca como um complemento do homem, tendo realmente sua produtividade aumentada
pela criatividade humana”. (SALGADO, 1997, p. 87) Em lugar da produção em série e
economia de escala, passa-se a produzir segundo demandas determinadas, diversificando-se
os processos produtivos que se dirigem a determinados nichos ou segmentos do mercado.
(SAVIANI, 2003, p. 150)
Sob o modo de produção capitalista, a mercantilização do trabalho reconfigura o
trabalho em saúde como produtor de um bem-estar definido pelos padrões dessa
sociabilidade. “À medida que o ser humano se ‘coisifica’ como fator de produção e é reduzido
em sua humanidade, o trabalho em saúde se reduz à produção e à manutenção das vidas
objetivadas.” (RAMOS, 2005a, p. 208)
Todo processo de trabalho é uma organização de um conjunto de pessoas para realizar
o trabalho segundo objetivos institucionais. (TESTA, 2002, p. 58, tradução nossa) O processo
de trabalho em saúde tanto é parte de um processo geral e, portanto, compartilha
características comuns com os demais processos, como também é um serviço que se funda
numa inter-relação pessoal particular e intensa.
Como processo geral, o processo de trabalho em saúde sofre as mesmas repercussões,
exigindo do trabalhador “o domínio de técnicas diversificadas para atuar (e sobreviver) num
contexto que faz emergir novas habilitações e suprime outras, por obsoletas.” (AMÂNCIO
FILHO; MOREIRA, 1997, p. 19) No entanto, com a precarização do trabalho, há aumento da
exclusão na sociedade, o que aumenta a demanda para o trabalhador de saúde, causada por
este mesmo processo. O trabalhador de saúde sofre com a reestruturação produtiva em mão
dupla; é, popularmente falando, “o cego cuidando daquele que não enxerga”.
O processo de trabalho em saúde apresenta dimensões complementares e interatuantes.
De um lado, o processo de trabalho, com sua direcionalidade técnica, envolve instrumentos e
força de trabalho, sendo passível de uma análise macroeconômica geral. Por outro lado, há a
dimensão do serviço. (MALTA; MERHY, 2003; NOGUEIRA, 1997; PIRES, 1998) Talvez o
73
setor saúde seja um dos mais peculiares à forma de sociedade baseada na proeminência do
trabalho em serviços.
Um terceiro aspecto levantado por Nogueira (1997) diz respeito ao fato de esse serviço
se dar sobre pessoas – e não sobre coisas – e, sobretudo, com base numa inter-relação em que
o consumidor contribui no processo de trabalho e é parte desse processo, fornecendo valores
de uso necessários ao processo de trabalho. O usuário não se porta como um consumidor
comum diante da mercadoria e não possui informações necessárias para a tomada de decisão
sobre o que irá consumir. A assistência é um processo de inter-relação entre quem consome o
serviço e quem o presta. O usuário é co-partícipe do processo de trabalho e o produto final, a
própria ação de assistência à saúde, é produzida no mesmo momento em que é consumida.
(NOGUEIRA, 1997; PIRES, 1998)
Sendo parte do setor terciário, o setor saúde é passível de reestruturação produtiva e de
terceirização. E não só em atividades-meio, como limpeza, manutenção, vigilância nos
serviços de saúde, mas também em atividades-fim, diretamente relacionadas à assistência à
saúde e ao consumo de insumos27 – laboratoriais, tecnológicos etc.
Esta mudança de paradigma na organização do trabalho, como trata Salgado (1997),
tem reflexos diretos no perfil profissional do trabalhador. Na sociedade moderna, com a
Revolução Industrial, a objetivação e a simplificação do trabalho coincidiram com o processo
de transferência para as máquinas das funções próprias do trabalho manual. Os “ingredientes
intelectuais”, antes indissociáveis do trabalho manual, dele se destacaram, indo incorporar-se
às máquinas. (SAVIANI, 1994, p. 158) O trabalho se tornou abstrato28, ou seja, simples e
27 A definição de Reestruturação Produtiva da Saúde, segundo Emerson Merhy e Túlio Franco no Dicionário da Educação Profissional em Saúde, 2006, págs. 225-226. (PEREIRA; LIMA, 2006), é “a resultante de mudança no modo de produzir o cuidado, gerada a partir de inovações nos sistemas produtivos da saúde, que impactam o modo de fabricar os produtos da saúde, e na sua forma de assistir e cuidar das pessoas e dos coletivos populacionais”. A reestruturação produtiva de saúde se refere à forma nova e/ou diferente de organizar os processos de trabalho em saúde, porém, não significa que haja uma inversão de tecnologias do cuidado, uma transição tecnológica, posto que isso demanda uma mudança no sentido de provocar uma ruptura com o modo anterior de organização dos processos de trabalho. (FRANCO, 2003b) Segundo Pires (1998) o que ocorre é uma das formas de reestruturação produtiva porque muda o modo de trabalhar das pessoas a partir das novas tecnologias duras (equipamentos) incorporadas. No entanto, o núcleo tecnológico dos processos de trabalho, criadores dos produtos, permanece como antes. Merhy (2002, p. 27) relendo a posição de Denise Pires, defende que, na saúde, a reestruturação produtiva se caracteriza pela “modelagem” da gestão do cuidado em saúde e pela possibilidade de operar sua produção por núcleos tecnológicos não dependentes dos equipamentos. 28 Os componentes que se relacionam com o trabalho abstrato não só são inconscientes como têm pouca visibilidade – tanto os valores sociais como as relações sociais de produção – junto com a imprecisão do conceito de cidadania, de modo que freqüentemente não são considerados no desenho de políticas nem de estratégias sócio-econômicas. Por outro lado, os aspectos que se relacionam com o trabalho concreto – tanto os processos de trabalho e suas conseqüências organizativas como os valores econômicos – são visíveis, em especial o valor de troca. Esta visibilidade, juntamente com o deslocamento assinalado das tecnoestruturas, faz
74
geral, organizado de acordo com princípios científicos, simples e gerais, abstratos, elaborados
pela inteligência humana.
Nessas condições, o trabalho especificamente humano, mesmo no âmbito da produção material (no interior das fábricas), passa a ser o trabalho intelectual consubstanciado no controle e supervisão das máquinas e de seus eventuais sucedâneos. É, assim, um trabalho “político”, já que diz respeito ao exercício do poder de controle, de direção, de comando. (SAVIANI, 1994, p. 159)
Para Saviani (1994), a transferência das próprias operações intelectuais para as
máquinas leva a uma tendência de desaparecimento das qualificações intelectuais específicas,
com a elevação do patamar de qualificação geral como contrapartida. (SAVIANI, 1994, p.
160) Contudo, não nos parece que esta tendência se relacione ao trabalho em saúde.
Algumas características apontadas por Nogueira como particulares do trabalho em
saúde são a integração entre seus aspectos intelectual e manual e a fragmentação dos atos – da
prestação e do consumo dos serviços de saúde. Esta é acentuada pelo fato de a saúde ser uma
área em que, em geral, há acúmulo de novas tecnologias e de variedades de serviços (e não
meramente substituições), (NOGUEIRA, 1997, p. 73) haja vista as tecnologias médicas, em
geral, não substituírem tecnologias existentes, incorporando cada inovação ao acervo de
recursos tecnológicos acumulados. (PAIM, 1999b, p. 498)
Melo (1997, p. 65) ressalta que na saúde as relações de trabalho se dão em torno de
práticas.
Nas relações de trabalho, impera o discurso dominante mediador, um discurso médico, organizado segundo uma ordem médica, com ações práticas e técnicas específicas, aparentemente um discurso que unifica e que organiza as relações entre profissionais de saúde e pacientes. Essas relações, porém, não se reduzem ao interior do discurso, ou seja, tanto os profissionais de saúde como os pacientes irão se relacionar enquanto seres sociais, e outros discursos, outras representações estão em jogo. Há uma esfera mais abrangente no agir social, que é uma interação de representações, constituindo um complexo de relações sociais entre profissionais de saúde, pacientes e instituições. (MELO, 1997, p. 68)
Testa (2002, p. 28, tradução nossa) defende que, como conseqüência das
determinações entre as tecnoestruturas, há a criação de valores de uso pelo trabalho concreto,
de valores sociais pelo trabalho abstrato e de valor de troca por ambos. A partir deles é que
com que as determinações econômicas em sentido estrito dominem por completo o panorama do desenho de políticas e estratégias. (TESTA, 2002, p. 29, tradução nossa)
75
são produzidos os processos de organização, tanto do trabalho como da sociedade, de maneira
consciente no caso das profissões e inconsciente no caso das práticas sociais.
Para ele, a análise terá um conteúdo específico que corresponde aos processos de
trabalho, suas modificações recentes e o aparecimento de processos de trabalho novos como
conseqüência das incorporações tecnológicas em quase todas as práticas profissionais. Essa é
a parte sensível da análise a realizar, pois se trata de um processo consciente que se expressa
nas formas organizativas do trabalho, objeto do presente estudo.
A partir das considerações acima, podemos inferir que o processo de trabalho define o
modelo tecnoassistencial29 e é definido por:
- objeto de trabalho: o usuário e o problema/necessidade de saúde que apresenta;
- tecnologia de trabalho: o conhecimento utilizado para fazer algo, o conhecimento
aplicado e
- as relações (que se estabelecem).
Partilhamos da posição de Costa, Fortes & Marques (1998), que explicam que
O produto do fazer em saúde para consumo do usuário é resultado de um processo de como os trabalhadores compreendem e agem sobre as necessidades, problemas e demandas de saúde, através de tecnologias mediadas pelos saberes, desejos, ideologias, relações técnicas e sociais estabelecidas entre os agentes das práticas e a inserção que possuem na instituição a que pertencem. (COSTA; FORTES; MARQUES, 1998, p. 147)
Em relação às tecnologias envolvidas no trabalho em saúde, Merhy (2002) as
classifica como
- Duras, como no caso de equipamentos tecnológicos do tipo máquinas, estruturas
organizacionais, normas, formulários, protocolos, leis (estão programadas,
estruturadas previamente);
- Leve-duras, como no caso do conhecimento, de saberes bem estruturados que
operam no processo de trabalho em saúde, como a clínica médica, a clínica
psicanalítica, a epidemiologia, o taylorismo, o fayolismo. Possuem uma parte dura
29 Travamos o debate sobre modelos tecnoassistenciais no capítulo 2 (seção 2.1 – Sobre os modelos assistenciais em saúde).
76
porque são estruturados, mas, ao serem aplicadas, o profissional se utiliza de uma
forma própria e pessoal de agir e de se relacionar; e
- Leves, como no caso das relações, do tipo produção de vínculo, autonomização,
acolhimento e gestão como forma de governar processos de trabalho. As relações
são consideradas tecnologias por serem uma forma de agir em saúde. É um
pressuposto do trabalho em saúde, pois, qualquer que seja ele, é sempre relacional.
Vacinas, curativos, cirurgias, anamnese são sempre realizados na relação com o
outro, entre o trabalhador de saúde e o usuário. Entretanto, tanto pode haver uma
relação burocrática em saúde, não-cuidadora (procedimento-centrada) quanto
cuidadora (usuário-centrada).
O debate dos usos e predominância das tecnologias de saúde permeia todo o presente
estudo e é elemento de análise do trabalho de campo realizado. A seguir, outras considerações
a respeito do processo de trabalho em saúde são feitas de modo a fundamentarem nosso
debate.
3.1.2 A micropolítica do trabalho em saúde (ou o trabalho como lugar de construção dos sujeitos que somos)
“A discussão sobre processo de trabalho em saúde, se se pretende operar mudanças no
modo de trabalhar na área, passa necessariamente pela abordagem dos aspectos da
micropolítica do trabalho em saúde, visando publicizar o espaço e buscar novos sentidos e
formatos.” (MALTA; MERHY, 2003, p. 63)
Todo trabalhador, quando realiza o trabalho em saúde, opera dois tipos de trabalho:
trabalho vivo e trabalho morto30. O primeiro se refere ao trabalho em ato, o trabalho criador;
já o segundo, a todos os produtos-meios (ferramentas, matérias-primas) resultantes de um
trabalho humano anterior que o homem utiliza para realização de um dado trabalho.
Assim, quando o trabalho vivo é capturado, de tal forma que o homem não consegue
exercer nenhuma ação de forma autônoma, ele se torna trabalho morto. Contudo, quando se
trata do trabalho em saúde, a autonomia do trabalho vivo é bem ampla: mesmo que o trabalho
vivo seja "capturado" pelas tecnologias mais estruturadas (duras e leve-duras) ou que esteja
submetido ao controle empresarial, no encontro entre o usuário e o trabalhador “dá-se o
30 Trabalho vivo e trabalho morto são categorias de Karl Marx encontradas em O Capital (Cf. MARX, 1985).
77
‘espaço intercessor’ com possibilidades de mudanças, de atos criativos”, o que torna muito
difícil capturar o trabalho vivo em ato na saúde. (MALTA; MERHY, 2003, p. 63)
É importante considerar que o processo de trabalho se organiza através da sua
micropolítica. (MERHY, 2002) Quando os trabalhadores estão em seu ambiente de trabalho,
cada profissional trabalha em defesa dos seus interesses. Os interesses das corporações (da
corporação médica, por exemplo) estão no imaginário dos profissionais a ela pertencentes e
isso aparece no projeto terapêutico (hegemonizado pelo médico, por exemplo). Cada
profissional defende interesses próprios, privados, no espaço de trabalho. A política é defesa
de interesses; no espaço de trabalho, num “espaço micro”, a defesa é micropolítica.
Os interesses podem ser privados ou públicos. De todo modo, o espaço onde o
processo de trabalho se organiza é um espaço em disputa, há disputa de interesses, embora
sua defesa nem sempre seja consciente.
É importante refletir a intervenção na micropolítica do processo de trabalho buscando
um novo fazer em saúde, em defesa da vida. (MERHY; MALTA; SANTOS, 2004)
3.2 PRESSUPOSTOS PARA O PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE O predomínio da Clínica sobre a Epidemiologia representa o desenvolvimento de uma
racionalidade técnica no campo da saúde – uma nova característica da racionalidade
iluminista do início do século XIX. (TESTA, 2002, p. 34, tradução nossa)
Segundo Testa, este predomínio se baseia em uma luta política, pois no século XIX as
necessidades de se concretizar avanços em termos de melhores condições de vida se
relacionavam mais com a “higiene pública”, a maneira prática como se traduzia o saber
epidemiológico, do que com a Clínica, cujas ferramentas de intervenção ainda não haviam
adquirido o desenvolvimento que só alcançaria um século depois. Entretanto, esta contradição
não se superou com uma síntese, mas com as práticas conservadoras do modelo médico-
hegemônico.
Para o autor, a inclusão subordinada da Epidemiologia à concepção epistemológica da
Clínica se concretizou com a inexistência do sujeito – o sujeito da reflexão – e também com a
eliminação do sujeito como objeto desta reflexão – a partir da ênfase da clínica nas doenças,
não nos doentes. A Saúde Pública passou a fazer parte do projeto burguês, consolidando-se no
saber biológico e na prática médico-hegemônica. (TESTA, 1997, p. 34, tradução nossa)
78
No Brasil, mais especificamente na área da saúde, Mendes-Gonçalves (1984) trouxe
grande contribuição para o estudo da tecnologia em saúde, relacionando-a com o processo de
trabalho no setor.
Mendes-Gonçalves (1984) discutiu a medicina como prática social, por meio do
estudo do trabalho médico, dividindo-o em duas partes: numa, procurou estabelecer as
características gerais de historicidade da prática médica, partindo de seus elementos
constitutivos; na outra, buscou especificar as determinações mais concretas da prática por
referência à estrutura particular de historicidade configurada no modo de produção capitalista.
Nesse estudo, Mendes-Gonçalves aborda a polarização tradicional do processo de
trabalho em saúde: em um pólo, a prática clínica (cujo objeto é o corpo individual); no outro,
a prática sanitária (correspondente à epidemiologia, cujo objeto é a população). O primeiro
pólo, a prática clínica, relaciona-se à particularidade individual do adoecimento, recortando o
seu objeto de trabalho pela idéia de doença no corpo anátomo-fisiológico individual. O
segundo, relativo à prática sanitária, ao espaço público da saúde, delimita o seu objeto de
trabalho pela idéia de doença no coletivo. (MENDES-GONÇALVES, 1984)
Debates mais recentes têm ressaltado a prática clínica enquanto “clínica clínica” e
“clínica ampliada”. (CAMPOS, G., 2005a) A primeira se refere à clínica oficial, expressa em
um esforço da instituição médica em transformar a doença em objeto científico, passível de
elaborações estruturadas e, portanto, base de apoio para uma ação orientada dos profissionais.
A segunda diz respeito à clínica do sujeito. O profissional de saúde, além de saber fazer,
precisa saber construir uma relação com os usuários que resulte em responsabilidade,
liberdade e compromisso por parte tanto dos usuários quanto dos profissionais de saúde,
ambos sujeitos do projeto terapêutico31.
Atualmente, o trabalho em saúde está reduzido a sintomas e doenças, destinando-se a
aliviar um mal ou curá-lo. Na clínica ampliada, objetiva-se não apenas o diagnóstico, mas,
sobretudo, entender e formular políticas de saúde para a população, aumentando a eficácia nas
intervenções clínicas e analisando os aspectos subjetivos de cada sujeito.
O objetivo “desta clínica” é produzir saúde e ampliar o grau de autonomia dos
sujeitos. O diagnóstico baseia-se, entre outros aspectos, na história de vida do usuário,
31 De acordo Franco (2003a, p. 179), quando o usuário entra em uma unidade de saúde (uma unidade básica de saúde, por exemplo) em busca de resolução de um problema de saúde, ele é inserido no atendimento. Primeiramente, passa pela avaliação do risco de adoecer ou da instalação de um processo mórbido. Após a definição, o(s) profissional(is) que o atendeu(ram) imagina(m) um conjunto de atos assistenciais pensados para resolver o problema de saúde. A este conjunto denomina projeto terapêutico.
79
associado ao saber clínico do profissional, e as ações terapêuticas visam à educação em saúde,
o auto-cuidado e o modo de viver do sujeito. (CAMPOS, G., 2005a)
Sob esta ótica, a clínica deve ser capaz de superar a organização de serviços nos
moldes do paradigma médico-sanitarista clássico dos níveis de complexidade (primário,
secundário e terciário). Neste paradigma, situam-se, de um lado, sinais e sintomas a suprimir;
de outro, níveis de complexidade tecnológica adequados à dimensão fenomenológica dos
primeiros, configurando uma clínica de “coisas a fazer”, de produção zero de sintoma. A
questão reside na superação deste dilema sem que haja negação da tecnologia, dos saberes e
da necessidade de recursos. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40)
Como estratégias essenciais para a concretização da clínica ampliada, são necessários:
dispositivos de organização que facilitem o vínculo entre sujeito e profissionais de saúde,
definindo claramente as responsabilidades de cada um; organização de equipes de referência;
suporte matricial para as equipes para apoio clínico; equipes interdisciplinares; avaliação de
risco e de vulnerabilidade dos casos, com elaboração de projeto terapêutico; e espaços
coletivos que permitam o contato entre a direção das unidades, a rede de serviços e os
representantes dos usuários, além de redes de ajuda formadas pelas famílias, voluntários e
associações.
A construção de vínculo através da responsabilização do profissional pela saúde da
população a que atende não é uma preocupação tão-somente humanizadora, mas uma
qualificação do trabalho em saúde, (CAMPOS, G., 2005a) visto que o vínculo e a
responsabilização contribuem para a superação de uma tradição que reduz a prática clínica à
dispensação de consultas e incluem a subjetividade e a participação do usuário no seu
processo terapêutico. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40)
Todos os profissionais de saúde, de uma maneira ou de outra, fazem clínica, e todas as
tecnologias, conjuntamente, são necessárias ao processo de trabalho em saúde – nenhuma é
dispensável. Percebe-se, contudo, que os focos de ação entre os profissionais se diferenciam
segundo a tecnologia em saúde que é priorizada.
O que se discute não é o uso da tecnologia, mas o que hegemoniza e matricia o
processo de trabalho. Nossa compreensão é a de que as tecnologias leves devem ser
predominantes. No mesmo sentido, Mascarenhas (2003) afirma a necessidade de construção
de um novo tipo de vínculo e de responsabilização:
Cabe aos trabalhadores de saúde, no cotidiano dos trabalhos e no processo coletivo de gestão dos serviços, a fim de resolver os problemas identificados no dia-a-dia, a
80
construção de um outro proceder em saúde, que se oriente pela constituição de um vínculo efetivo entre o usuário e os trabalhadores do setor, na busca por uma resolutividade que se oriente por ganhos de autonomia dos usuários perante os seus “modos de andar na vida”. Considera-se necessário, neste caminhar, um conjunto dos serviços de saúde, que, pelo menos, garanta o acesso dos usuários às ações de saúde, ofertando múltiplas opções tecnológicas para enfrentar seus distintos problemas. (MASCARENHAS, 2003, p. 34)
A integralidade da atenção surge como atributo que corrobora para a orientação acima,
como discutiremos a seguir.
3.2.1 Integralidade nos modos de fazer saúde A integralidade da atenção traz de volta ao trabalho em saúde a humanidade das
pessoas frente às suas necessidades de saúde, (RAMOS, 2005a, p. 208) superando certa
“coisificação” do ser humano como fator de produção e a redução do trabalho em saúde à
produção e à manutenção das vidas objetivadas, como já discutimos. O caráter contraditório
do trabalho em saúde traz a discussão da integralidade como atributo não só das práticas dos
profissionais de saúde como também das organizações dos serviços.
Estas interpretações encontram-se descritas por Mattos (2001b). Nosso ponto de
partida nesta discussão é o de que não existe uma definição, mas vários sentidos atribuídos
para a integralidade.
Mattos (2001b) reúne três conjuntos de sentidos sobre este princípio do SUS32
definido na Constituição de 1988: a integralidade como traço da boa medicina, a integralidade
como modo de organizar as práticas e a integralidade como respostas políticas
(governamentais) a problemas específicos de saúde.
No primeiro conjunto de sentidos, a integralidade consistiria em uma resposta ao
sofrimento do paciente que procura o serviço de saúde e uma recusa à redução deste ao
aparelho ou sistema biológico. Por esta acepção, a integralidade está presente na atitude de
um médico quando, diante de um encontro com um paciente, busca prudentemente
reconhecer, para além das demandas explícitas, suas necessidades de saúde. A abordagem que
32 Segundo a Constituição brasileira, o Estado deve garantir “o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde para sua promoção, proteção e recuperação”. Além disso, a integralidade aparece como um dos princípios do SUS: “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”. (MATTOS, 2004, p. 1412) Entre os princípios e diretrizes do SUS, pode-se dizer que a universalidade e a integralidade “estão em pé de igualdade”. Um não é mais do que o outro, um não deve vir antes do outro. A universalidade garante o acesso a todos, enquanto a integralidade garante tudo. Tudo a todos, princípio e diretriz do SUS. Porém, como atributo do trabalho em saúde, é o tudo que deve ser estruturado, é o tudo que deve ser organizado no trabalho.
81
se faz do paciente é holística, concebendo-o como um ser total, e não fragmentado ou
parcelado. Assim, a integralidade também está presente na preocupação desse profissional
com o uso das técnicas de prevenção, tentando não expandir o consumo de bens e serviços de
saúde, nem dirigir a regulação dos corpos.
Nesse sentido, a integralidade é uma característica da boa prática médica, isto é, da
medicina que tem a doença como objeto privilegiado de conhecimento e como eixo de suas
intervenções. A defesa da integralidade não significa ignorar a gama de conhecimentos sobre
as doenças, mas um uso prudente desse conhecimento, um uso guiado por uma visão
abrangente das necessidades dos sujeitos.
No segundo conjunto de sentidos, a integralidade se refere ao modo de organizar as
práticas, à organização do trabalho nos serviços de saúde. Mattos (2001b) relembra a
dicotomia presente na estrutura do sistema de saúde no Brasil na década de 1970, quando se
encontrava consolidada a divisão entre as instituições responsáveis pela saúde pública
(Ministério da Saúde) e pela assistência médica individual (Ministério da Previdência e
Assistência Social) até o surgimento do SUS.
O arranjo institucional dicotomizado apresentava conseqüências sobre a organização e
as práticas dos serviços de saúde. A integralidade exigiria certa “horizontalização” dos
programas anteriormente verticais, sobretudo aquele desenhados pelo Ministério da Saúde,
superando a fragmentação das atividades no interior das unidades de saúde.
Neste conjunto, o autor se volta, ainda, para um sentido da integralidade em que não é
aceitável que os serviços de saúde estejam organizados exclusivamente para responder às
doenças de uma população, embora eles devam dar tais respostas. Os serviços devem estar
organizados para realizar uma apreensão ampliada das necessidades da população a que
atendem.
Por último, há o conjunto de sentidos sobre a integralidade e as políticas
especificamente desenhadas para dar respostas a um determinado problema de saúde ou aos
problemas de saúde que afligem certo grupo populacional. Trata-se de atributos das respostas
governamentais a certos problemas de saúde ou às necessidades de certos grupos específicos.
Destaca-se um sentido de integralidade aplicável a certas propostas de respostas
governamentais aos problemas de saúde, que se caracteriza principalmente pela recusa em
objetivar e recortar os sujeitos sobre os quais a política de saúde incide, e que, portanto,
amplia o horizonte de problemas a serem tratados pela política.
Em um outro sentido também aplicável às respostas governamentais na área de saúde,
a noção de integralidade expressa a convicção de que cabe ao governo responder a certos
82
problemas de saúde pública e que essa resposta deve incorporar tanto as possibilidades de
prevenção como as possibilidades assistenciais. (MATTOS, 2001b)
Recuperando as mudanças que têm se processado no mundo do trabalho e,
conseqüentemente, têm influenciado significativamente os processos de trabalho em saúde,
partilhamos da idéia de Marise Ramos (2005a, p. 208-209), pela qual o princípio da
integralidade em saúde exigiria, necessariamente, a superação da separação entre trabalho
manual e intelectual e entre dirigentes e dirigidos na distribuição de tarefas e
responsabilidades aos membros de um grupo de trabalho.
Para se conceber a atenção integral, o ser humano deve ser concebido como “íntegro”,
“inteiro”. (CIAVATTA, 2005) Por sua vez, não há como considerar o usuário dos serviços de
saúde por inteiro se assim o trabalhador de saúde não se sentir e não for considerado.
(RAMOS, 2005a, p. 210)
Não há como o trabalhador agir com base na integralidade se a sua formação não for
integral. Para Ciavatta (2005, p. 85), isto sugere superar o ser humano dividido historicamente
pela divisão social do trabalho, superar a redução da preparação para o trabalho ao seu
aspecto operacional, permitindo a formação para a leitura do mundo e para a atuação como
cidadão.
Segundo Ramos (2005a, p. 214), todo homem possui uma concepção de mundo. O
processo de formação humana deve ser pleno, promovendo a crítica a essa concepção de
mundo desagregada, de modo a torná-la:
- crítica – superando convicções que não correspondem à realidade e buscando
aproximá-las ao máximo do real;
- coerente – conquistando a coerência entre “pensamento” e “norma de conduta”,
entre “teoria” e “prática”, entre “filosofia” e “política”; e
- unitária – sendo uma concepção crítica e coerente não de um ser humano isolado,
mas de um grupo/classe social.
Por isso, Marise Ramos, ao falar especialmente em formação profissional (em saúde),
defende que integrar formação geral e formação técnica na educação de trabalhadores –
formação integral – é condição necessária para a realização da integralidade como atributo das
práticas e da organização do trabalho em saúde. (RAMOS, 2005a, p. 217)
Para a autora, é preciso promover a apropriação dos conhecimentos científicos no
âmbito epistemológico, metodológico e produtivo. No âmbito epistemológico, compreendê-
83
los não como estruturas teórico-conceituais absolutas e neutras, mas com significado sócio-
histórico, político e cultural. No âmbito metodológico, compreender e apreender o método
que levou à construção do conhecimento e a capacidade de tomá-lo como pressuposto na
construção de novos conhecimentos. E, no âmbito produtivo, fazer uso de teorias e conceitos
e procedimentos para a realização de atividades concretas. (RAMOS, 2005a, p. 218) Além
disso, há que se considerar o trabalho como princípio educativo: o trabalho é espaço de
construção do ensino-aprendizagem, isto é, aprende-se com o trabalho.
Permitidas estas apropriações aos trabalhadores por meio da formação, a integralidade
na formação e no trabalho em saúde estará no “resgate do ser humano como o sentido de
todas as práticas.” (RAMOS, 2005a, p. 220)
Assumimos, portanto, a integralidade como valor e, por isso, imprescindível à
formação profissional em saúde, à organização do trabalho em saúde e às práticas. Valor sem
o qual o trabalho em saúde, seja organizado em equipe multiprofissional, seja organizado de
outra forma, não tem como produzir a existência do homem, perde a dimensão ontocriativa e
dedica-se apenas a mera mercantilização da força de trabalho.
3.2.2 A produção do cuidado e o campo da gestão No presente estudo, é fundamental compreender que a garantia do processo de cuidado
seja realmente um processo, e não uma soma de etapas do cuidado. Segundo Merhy & Cecílio
(2005), todo processo de trabalho em saúde, para produzir o cuidado, deve primeiro produzir
atos de saúde. A produção de um procedimento é a produção de um ato de saúde, porém isso
pode ser feito dentro de um certo modo de cuidar que não é obrigatoriamente sentido como
“cuidador” pelo usuário, ainda que seja considerado como tal pelo trabalhador que executa o
ato de saúde.
Em alguns casos, esta situação pode não levar à produção da saúde, pois esta implica
que o processo produtivo impacte ganhos ou resgate graus de autonomia no “modo do usuário
de andar na vida”. As produções de atos de saúde podem ser apenas produtoras de/ centradas
em procedimentos e nos interesses da organização em si, e não centradas nas necessidade de
saúde dos usuários. “A finalidade última pela qual esta produção se realiza esgota-se na
produção de um paciente operado, vacinado, e ponto final.” (MERHY; CECÍLIO, 2005)
Destarte, os autores interpretam os processos de produção do cuidado como forma de
expor diversas tensões entre:
84
- o cuidado centrado nos procedimentos ou centrado nos usuários;
- um agir privado e um público, inscrito no modo de operar o trabalho vivo em ato;
- as disputas permanentes de distintas intenções em torno do que são o objeto e o
sentido das ações de saúde.
Para o desafio de intervir no campo da gestão, apontam as seguintes “polaridades”
como características do agir em saúde:
1. produzir o cuidado em saúde de modo centrado no usuário – que mobiliza estrategicamente o território das tecnologias leves e leve-duras – sem descartar a utilização dos processos de produção de procedimentos – mobilizadores de tecnologias duras e leve-duras e, em regra, centrada no profissional;
2. produzir o cuidado em saúde, que está sempre inscrito em uma dimensão
pública de jogos de interesses e representações, sem eliminar o exercício privado das produções intercessoras, base de constituição de qualquer ato de saúde, mas tomando o território particular do usuário como eixo de “publicização” dos outros;
3. atuar em ambientes organizacionais assentados em muitos grupos de interesses,
sem deixar de buscar pactuar o interesse do usuário como se fosse de todos.” (MERHY, CECÍLIO, 2005)
Neste âmbito da gestão, vale considerar a postura de Campos (1999):
... o estilo de governo e a estrutura de poder das organizações condicionam e determinam comportamentos e posturas. Um sistema de poder altamente verticalizado, com tomada centralizada de decisões, tende a estimular descompromisso e alienação entre a maioria dos trabalhadores. Um processo de trabalho centrado em procedimentos e não na produção de saúde tende a diluir o envolvimento das equipes de saúde com os usuários. (CAMPOS, 1999, p. 395)
Para Malta & Merhy (2004, p. 265), a gestão em saúde terá de enfrentar a tensão nos
terrenos da política, da organização e do processo de trabalho, em que os conflitos entre os
sujeitos estarão sempre ocorrendo. Os diferentes projetos terão de utilizar novas modalidades
assistenciais nas suas estratégias gerenciais que não anulem as anteriores, convivendo e
recriando o novo. Cabe também não abandonar as lógicas administrativas que permitam a
construção de um agir em saúde mais eficiente e sempre cuidador, comprometido com a
defesa da vida.
85
A organização do trabalho em saúde em equipes nos parece uma forma de contornar
esta questão, visto que todos os trabalhadores nela envolvidos se empenhariam na construção
e na prática de um projeto terapêutico – individual ou coletivo, dependendo do caso.
Abordamos esta forma de organização na seqüência.
3.3 TRABALHO EM EQUIPE
O trabalho é o processo através do qual o homem transforma a natureza; portanto, os
homens não o fazem individualmente, isoladamente, mas relacionando-se entre si. O
indivíduo é um produto histórico tardio, já que o homem se constitui inicialmente como ser
em relação com os outros. Ele só se individualiza no processo histórico e é somente na época
moderna, na sociedade capitalista, que surge o indivíduo em contraposição à sociedade.
(SAVIANI, 2003)
Uma das formas de viabilizar a relação entre os trabalhadores e de organizar o trabalho
é a constituição de equipes, visto que a equipe é um instrumento de trabalho ou uma forma de
responder ao usuário que seja menos alienada e fragmentada do ponto de vista organizativo.
A equipe profissional tem importante papel na construção da relação entre sujeitos, na
formação do vínculo e responsabilização e como dispositivo facilitador desta interação no
processo de trabalho. A importância da equipe multiprofissional tem sido evidenciada a fim
de se superar o modelo médico-centrado (e procedimento-centrado) em direção a um modelo
que tenha o usuário e a relação profissional-paciente como objetos. Além disso, a equipe
multiprofissional tem relevância ao ampliar o trabalho médico para um trabalho coletivo em
saúde e ao enfrentar o intenso processo de especialização na área da saúde, fruto da divisão do
trabalho.
Como discutimos anteriormente, a divisão social do trabalho é intrínseca aos diversos
modos de produção da sociedade e reflete a divisão de classes sociais, tendo em vista as
diferenças que as constituem. A divisão decorrente do trabalho parcelado é própria do modo
de produção capitalista e se acentua à medida em que ocorrem os avanços tecnológicos
(especialmente através de máquinas). Destarte, neste modo de produção, há um parcelamento
do trabalho em numerosas operações, executadas por diferentes trabalhadores, caracterizando
86
assim a divisão técnica, que não deixa de se caracterizar como uma divisão social33.
(MATUMOTO et al., 2005)
No processo de trabalho da equipe de saúde, a divisão técnica é mais visível e mais
fácil de ser apreendida e analisada. A própria formação e a contratação para uma dada função
definem minimamente esta divisão. Além da divisão por categorias profissionais, há
subdivisões por especialidades dentro de uma mesma categoria, como na categoria de
médicos.
Esta divisão técnica incide diretamente sobre a produção de cuidados. O parcelamento
é tomado como natural, mas, ao mesmo tempo, leva à perda do objeto da atenção em saúde: o
usuário.
Ao analisar esta divisão, a equipe pode se deparar com sua impotência e imobilidade perante os problemas dela conseqüentes, especialmente se tratados no limite estrito da divisão técnica. De certa forma, para se proteger dessa sensação do não-saber, mas principalmente sob a pressão da lógica de produção capitalista, o trabalhador tende ao movimento hegemônico da produção de procedimentos. (MATUMOTO et al., 2005, p. 20-21)
A divisão técnica define os territórios de atuação de cada membro da equipe
explicitando as atribuições oficiais, porém gera expectativas em relação ao que se espera do
desempenho uns dos outros, entre os trabalhadores e destes em relação aos usuários. Em
geral, estas expectativas não são explicitadas nas relações cotidianas, mas podem colaborar
com o surgimento de obstáculos para desenvolvimento do trabalho da equipe. (MATUMOTO
et al., 2005, p. 21)
A partir da constituição de equipes, Peduzzi (1998) analisou as concepções de
profissionais de saúde sobre o sentido do trabalho em equipe multiprofissional e as evidências
empíricas do caráter coletivo desse trabalho. Partindo de uma definição que distingue a equipe
como agrupamento de agentes e a equipe como integração de trabalhos34, observou que os
profissionais projetam a perspectiva de integração. Para a autora, o trabalho em equipe
emerge como modalidade de trabalho coletivo, definido sob uma perspectiva de integração
dos trabalhos especializados, dos trabalhos dos diferentes profissionais. (PEDUZZI, 2001)
33 O trabalho manual geralmente é executado por trabalhadores de classes sociais menos favorecidas enquanto o trabalho intelectual cabe àqueles que pertencem às classes mais privilegiadas. (MATUMOTO et al., 2005, p. 20) 34 Marina Peduzzi adota a noção de que equipe agrupamento é caracterizada pela fragmentação, ao passo que equipe integração se caracteriza pela ação consoante à proposta da integralidade das ações de saúde. (PEDUZZI, 2001)
87
Pires (1998) abordou o trabalho em saúde apontando que, majoritariamente, esse
trabalho é coletivo, realizado por diversos profissionais de saúde e diversos outros grupos de
trabalhadores que desenvolvem uma série de atividades. Entretanto, o trabalho coletivo pode
se dar tanto numa dimensão de equipe como numa dimensão fragmentada, dividida, segundo
a lógica taylorista da organização e gestão do trabalho. Dessa forma, evidenciam-se, muitas
vezes, a busca dos profissionais por equipes que reiteram o modelo médico-hegemônico.
Assim como Peduzzi (2001), Ribeiro, Pires & Blank (2004) tratam da integração no
trabalho em equipe:
Trabalho em equipe de modo integrado significa conectar diferentes processos de trabalhos envolvidos, com base em um certo conhecimento acerca do trabalho do outro e valorizando a participação deste na produção de cuidados (...). Significa também utilizar-se da interação entre os agentes envolvidos, com a busca do entendimento e do reconhecimento recíproco de autoridades e saberes da autonomia técnica. (RIBEIRO; PIRES; BLANK, 2004, p. 444)
O trabalho em equipe é uma condição para a resolutividade do trabalho em saúde,
permite complementaridade e, por ele, somos desafiados em nossa “certeza” profissional.
Matumoto et al. (2005) consideram o trabalho de equipe em saúde como
uma rede de relações (de trabalho, de poder, de afeto, de gênero etc.) entre pessoas, produzidas permanentemente no dia-a-dia, com múltiplas necessidades de significados, de encontros e desencontros, satisfações e frustrações, lágrimas e sorrisos. (MATUMOTO et al., 2005, p. 14)
Para tais autores, o trabalho em equipe é gerido e concretizado no mesmo instante do
ato do trabalho. A equipe torna-se equipe enquanto produz o cuidado do usuário. Há também
uma leitura de que o trabalho em equipe
é um instrumento para superação do paradigma médico convencional de organização dos serviços, onde saberes disciplinares estanques orbitam ao redor do saber médico hegemônico. O trabalho em equipe adota o caráter multidisciplinar, alargando competências comuns, desmontando e reorganizando poderes e saberes estabelecidos. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)
O trabalho em equipe está no plano das relações e envolve interação, relação e
necessidade de produzir resultados. A relação entre profissionais envolve o cumprimento de
um conjunto de regras para que se possibilite a construção do projeto terapêutico, com uma
88
concepção do processo de saúde e doença em direção à integralidade. No entanto, como
profissionais de saúde, continuamos sem saber o que o outro faz, desconhecemos o trabalho
do outro. Dessa forma, a discussão sobre equipes só faz sentido se for em referência aos
usuários. Mais uma vez, a integralidade deve ser o norte para o trabalho em equipe;
integralidade em uma perspectiva ética de respeito ao outro, colocando contradições para os
profissionais.
A especialização e a equipe são dois movimentos que ocorrem simultaneamente;
porém, são contraditórios. É preciso problematizar o trabalho vivo em ato, problematizar a
relação com os usuários e problematizar a relação com os trabalhadores da equipe.
3.3.1 Multi – Inter – Transdisciplinaridade e Integralidade: pressupostos para a organização do trabalho das equipes de saúde
A discussão do trabalho em equipe aparece, muitas vezes, relacionada à multi, inter e
transdisciplinaridade. A discussão semântica de tais conceitos não é o tema central do
presente estudo; portanto, são apenas explicitadas para compreensão das idéias que
representam e a que nos referenciamos ao longo do trabalho.
Araújo & Rocha (2007, p. 461) resumem as contribuições de Almeida Filho (2000)35,
que fez as seguintes distinções – de caráter didático – entre os conceitos que citamos:
− Multidisciplinaridade: refere-se basicamente à associação ou justaposição de
disciplinas que abordam um mesmo objeto a partir de distintos pontos de vista.
Não se verifica uma integração interdisciplinar;
− Interdisciplinaridade: busca a superação das fronteiras disciplinares, o
estabelecimento de uma linguagem interdisciplinar consensualmente construída.
Há troca entre as disciplinas com integração de instrumentos, métodos e esquemas
conceituais;
− Transdisciplinaridade: indica uma integração das disciplinas de um campo
particular para uma premissa geral compartilhada, estruturadas em sistemas de
vários níveis e com objetivos diversificados. Observa-se uma tendência de
horizontalização das relações interdisciplinares. Apresenta como definição “a
possibilidade de comunicação não entre os campos disciplinares, mas, entre
35 ALMEIDA FILHO, Naomar. Intersetorialidade, transdisciplinaridade e saúde coletiva: atualizando um debate em aberto. Revista de Administração Pública, v. 34, n. b, p. 47-61. 2000.
89
agentes em cada campo, através da circulação não dos discursos, mas dos sujeitos
dos discursos”. (ALMEIDA FILHO, 200036 apud ARAÚJO; ROCHA, 2007, p.
461)
A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) preconiza a constituição de equipes
multiprofissionais considerando que
são essenciais e requerem não apenas a mistura certa de profissionais, mas também uma delineação de papéis e responsabilidades, sua distribuição geográfica e treinamento para maximizar a contribuição de trabalho de equipe para os resultados em saúde, trabalhador de saúde e satisfação do usuário. (OPAS/OMS, 2005, p. 13)
Fazendo o debate no campo semântico, Ramos (2005a, p. 210) questiona se a
multiprofissionalidade seria, por si só, capaz de superar a separação entre trabalho manual e
intelectual e entre dirigentes e dirigidos na distribuição de tarefas e responsabilidades aos
membros de um grupo de trabalho. Como vimos anteriormente, a autora considera que o
princípio da integralidade necessariamente exige esta superação. Considerar que a
integralidade requer a atuação coordenada de muitos profissionais não lhe parece suficiente,
posto que a relação que se estabelece entre eles pode se manter sob os auspícios da divisão social e técnica do trabalho, com níveis significativos de separação entre trabalho manual e intelectual, entre dirigentes e dirigidos, numa estrutura rigidamente diferenciada e hierarquizada. (RAMOS, 2005a, p. 209)
O trabalho em equipe e a integração de funções poderiam responder ao desafio da
multiprofissionalidade, mas a autora argumenta que “nem mesmo esses atributos rompem,
necessariamente, com os preceitos da divisão social e técnica do trabalho.” .(RAMOS, 2005a,
p. 209) Para ela, a diretriz da multiprofissionalidade precisa ser mais que alterações
quantitativas de refuncionalização programática de cadeias lineares e hierarquizadas de
produção dos serviços de saúde. (RAMOS, 2005a, p. 219)
Saviani (2003) faz uma ressalva à interdisciplinaridade. Segundo o autor, acreditava-se
que a via da interdisciplinaridade seria capaz de superar a fragmentação do conhecimento.
Entretanto, a noção de interdisciplinaridade pode conter o risco apenas de uma justaposição,
pois a própria noção, de certa forma, envolve o pressuposto da fragmentação.
36 ALMEIDA FILHO, Naomar. Intersetorialidade, transdisciplinaridade e saúde coletiva: atualizando um debate em aberto. Revista de Administração Pública, v. 34, n. b, p. 47-61. 2000.
90
Com efeito, parte-se do entendimento que os conhecimentos são fragmentados e cada um tem uma especialidade. Se reúno diferentes profissionais, supondo com isso superar o problema, já estou pressupondo uma perspectiva parcial do conhecimento, contendo a idéia do especialista e do não-especialista. (SAVIANI, 2003, p. 142)
Dependendo da concepção epistemológica, a interdisciplinaridade aparecerá como
necessidade ou como problema:
... o trabalho interdisciplinar se apresenta como uma necessidade imperativa pela simples razão de que a parte que isolamos ou arrancamos do contexto originário do real (...) tem que ser explicitada na integridade das características e qualidades da totalidade. É justamente o exercício de responder a esta necessidade que o trabalho interdisciplinar se apresenta como um problema crucial, tanto na produção do conhecimento quanto nos processos educativos e de ensino. (FRIGOTTO, 1995, p. 3337 apud RAMOS, 2005b, p. 115-116)
A multiprofissionalidade e o trabalho em equipe podem ser pensados a partir de alguns
vetores, como a transdisciplinaridade. Esta não é uma evolução da multi ou da
interdisciplinaridade, mas parte de uma postura ética, e não de uma perspectiva meramente
metodológica. As disciplinas não são prontas e acabadas, mas um processo, e a
transdisciplinaridade nega a privatização do conhecimento pelas profissões.
Neste debate, também consideramos a definição de que “a interdisciplinaridade, como
método, é a reconstituição da totalidade pela relação entre os conceitos originados a partir de
distintos recortes da realidade; isto é, os diversos campos do conhecimento representados em
disciplinas.” (RAMOS, 2005b, p. 116)
Ressaltando o aspecto necessariamente multidisciplinar/multiprofissional da equipe,
defendemos que é preciso pensar e propor formas de organização do trabalho que, ao mesmo
tempo, tenham impacto na qualidade da atenção e permitam a realização de um trabalho
interdisciplinar, criativo e integrador dos saberes dos diferentes profissionais da saúde.
37 FRIGOTTO, Gaudêncio. A interdisciplinaridade como necessidade e como problema nas ciências sociais. In: JANTSCH, P. e BIANCHETTI, Lucídio. (org.). A interdisciplinaridade: para além da filosofia do sujeito. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 25-49
91
3.4 A ATENÇÃO PRIMÁRIA E A REORIENTAÇÃO DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE
Neste ponto, faremos uma aproximação entre os debates da Atenção Primária à Saúde
(APS), objeto de análise do capítulo 2, e da reorientação do processo de trabalho em saúde,
bem como de seu(s) modo(s) de organização.
A reorganização do processo de trabalho passa pela qualificação da força de trabalho e
integração dos profissionais na assistência, resgatando o sentido do trabalho multiprofissional
e qualificando o produto final ofertado. (MALTA; MERHY, 2003, p. 65)
Franco & Magalhães Jr. (2003) destacam que a resolutividade na rede básica está
ligada ao recurso instrumental e conhecimento técnico dos profissionais, bem como à ação
acolhedora, ao vínculo entre profissionais e usuários e ao significado que se atribui à relação
entre estes sujeitos. Os autores consideram que há um descuido com a saúde que gera excesso
de encaminhamento para especialistas e alto consumo de exames, fazendo com que os
serviços sejam pouco resolutivos, pois a assistência organizada deste modo não é capaz de
atuar sobre as diversas dimensões do usuário. Com isso, “prevalece um processo de trabalho
partilhado, que desconhece o sujeito pleno que traz consigo, além de um problema de saúde,
uma certa subjetividade, uma história de vida, que são também determinantes do seu processo
de saúde e doença.” (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 127)
Para superação desta questão, apoiamo-nos na proposição de Campos (2006). Segundo
este autor, a estruturação de equipes multiprofissionais é a base principal da organização dos
serviços de saúde, às quais se adscrevem um dado número de usuários. Esta organização teria
duas justificativas:
Uma, de quebrar a costumeira divisão do processo de trabalho em saúde segundo recortes verticais, compondo segmentos estanques por categorias profissionais (...). A outra, prende-se à idéia de responsabilizar cada uma dessas equipes por um conjunto de problemas muito bem delimitados e pelo planejamento e execução de ações capazes de resolvê-los, o que ocorreria por meio da vinculação de cada equipe a um certo número de pacientes previamente inscritos, do atendimento de uma certa parcela da demanda que espontaneamente procura a unidade, bem como pela responsabilidade em relação aos problemas coletivos. (CAMPOS, 2006, p. 152-153)
Ribeiro, Pires & Blank (2004) recordam os objetivos centrais das equipes do Programa
Saúde da Família (PSF): a prestação de assistência integral, contínua, com resolutividade e
qualidade às necessidades de saúde da população adscrita, destacando-se a perspectiva da
família. Para isso, é preciso que haja uma abordagem multidisciplinar, processos diagnósticos
92
de realidade, planejamento das ações e organização horizontal do trabalho, compartilhamento
do processo de decisão e estímulo ao controle social. Esses autores consideram que tal
proposta constitui-se um desafio, “já que se propõe uma ruptura com o modelo assistencial
atual e a construção de uma nova prática”. (RIBEIRO; PIRES; BLANK, 2004, p. 441)
Silva & Trad (2005) ressaltam que o trabalho em equipe multiprofissional é um
importante pressuposto para a reorganização do processo de trabalho no âmbito do PSF,
visando uma abordagem mais integral e resolutiva. Para Merhy & Franco (2000), apesar de o
PSF trazer na sua concepção teórica a tradição herdada da vigilância à saúde, o programa
reconhece que a mudança do modelo assistencial se dá a partir da reorganização do processo
de trabalho. A alternativa pensada estruturou o trabalho assistencial a partir de equipes
multiprofissionais. Contudo, se a idéia de mudança do processo de trabalho ficar presa ao
simples fato de se conformar uma equipe e à mudança do trabalho da equipe da Unidade de
Saúde para o território e o domicílio (cf. BRASIL, 2001), aqui pode se repetir o modelo
médico-hegemônico, haja vista a transferência de lugar não signifique, necessariamente, a
mudança do núcleo tecnológico de operar o trabalho.
A proposição de inovações no modelo de gestão e no processo de trabalho das equipes
que atuam na saúde da família deve ter o objetivo de reverter o modelo médico-hegemônico,
reconstruindo as práticas assistenciais. A responsabilização do profissional pelas ações de
saúde, o vínculo entre equipe e população adscrita, a abordagem do usuário como sujeito do
processo e a integração da APS com os demais níveis de atenção do sistema de saúde devem
ser tomados como eixos estruturadores dos serviços prestados. (MASCARENHAS, 2003, p.
70)
Esses eixos abririam possibilidades de alteração nos microprocessos de trabalho e nas
relações de interação entre as pessoas no cotidiano dos serviços, como, por exemplo, a
necessidade de trabalho em equipe e a importância de valorização de cada profissional no
processo de cuidado da saúde do usuário.
A relevância dessas questões na melhoria da saúde do usuário e na sua qualidade de vida ocorreria como decorrência do fato que o usuário ou a comunidade saberia que dispõe de uma equipe definida e responsável pelo cuidado da sua saúde e da de sua família. (MASCARENHAS, 2003, p. 71)
Tendo-se clareza de que a reorientação do modelo tecnoassistencial exige não só uma
mudança na organização de serviços, mas, principalmente, na dimensão assistencial, a
reorientação do processo de trabalho torna-se norte imprescindível. A construção de um
93
compromisso efetivo dos trabalhadores de saúde com o mundo das necessidades dos usuários
passa pela busca da construção de um modelo tecnoassistencial em que atuem equipes
multiprofissionais, operadoras de conhecimentos multiprofissionais. (MERHY, 2002) Afinal,
como nos diz Franco (2003b, p. 110), “atuar sobre o núcleo tecnológico de produção do
cuidado é o mesmo que operar sobre o modelo tecnoassistencial, estando essas dimensões
ligadas, por assim dizer, pela lógica de produção do cuidado, onde um determina o outro e
vice-versa.”.
Considerando as afirmações de Testa (2002, p. 30, tradução nossa), compreendemos
que para se pensar a reorganização dos processos de trabalho deve-se levar em conta os
valores sociais que se deseja promover. No nosso caso, valores que incluam a produção de
vínculo e responsabilização, o acolhimento e o usuário como centro da atenção e do cuidado
em saúde. Pois tal reorganização pode levar, inclusive, à transformação da sociedade,
devendo ser conduzida por reais valores de mudança.
É importante considerar a inovação do processo de trabalho como o surgimento de um
processo de trabalho novo. Para Testa (2002), o mais desejável será sempre que a inovação
tenha um conteúdo propositivo que esteja de acordo com a ideologia que o grupo que analisa
sustenta, para que a inovação não vá em direção oposta à que se julga “boa” ou “desejável”.
(TESTA, 2002, p. 65, tradução nossa) Por isso a importância da transição tecnológica, da
mudança, no sentido de provocar uma ruptura com o modo anterior de produção de saúde e de
organização dos processos de trabalho.
3.4.1 O processo de trabalho na Saúde da Família e a composição de equipes No capítulo 2, balizamo-nos no documento “Renovação da Atenção Primária em
Saúde nas Américas”, iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde de revigorar a
abordagem da APS. O texto enfatiza a importância a ser dada ao trabalho/trabalhador de
saúde neste nível de atenção e aponta desafios de recursos humanos nas Américas para
promover a renovação da APS, (OPAS/OMS, 2005, p. 17) como mostra o Quadro 2:
94
Quadro 2 – Desafios de Recursos Humanos nas Américas
DESAFIOS ATUAIS
• Os profissionais de saúde são pouco motivados e pouco compensados em comparação com outros
profissionais
• Há um número insuficiente de trabalhadores qualificados em saúde para oferecer cobertura universal
• O trabalho em equipe é pouco desenvolvido ou é promovido de forma insuficiente
• Os profissionais qualificados preferem trabalhar em hospitais e cidades
• Faltam apoio e supervisão adequados
• O treinamento pré e pós-graduação do pessoal de saúde não estão alinhados às exigências da prática de APS
• Migração internacional de trabalhadores em saúde
IMPLICAÇÕES DE RECURSOS HUMANOS EM PLANEJAR UM SISTEMA DE SAÚDE
COM BASE EM APS
• A cobertura universal exigirá um volume importante de profissionais treinados em atenção primária
• Os recursos humanos devem ser planejados de acordo com as necessidades da população
• O treinamento em recursos humanos deve ser vinculado às necessidades de saúde e deve se tornar sustentado
• Devem ser implementadas políticas de qualidade sobre o desempenho dos profissionais
• As capacidades humanas (tanto os perfis quanto as competências) devem ser caracterizadas e cada perfil
profissional deve ser ajustado a um cargo específico
• Exigem-se mecanismos de avaliação contínua para permitir que os trabalhadores em saúde se adaptem a novos
cenários e abordem as necessidades variantes da população
• As políticas devem apoiar uma abordagem multidisciplinar à atenção abrangente (integral)
• A definição de trabalhadores em saúde deve ser expandida para incluir não apenas clínicos, mas também
aqueles que trabalham em sistemas de informação, gerência e gestão de serviços
Fonte: Adaptado de OPAS/OMS (2005)
Estas recomendações ecoam no Brasil. Assim como no PSF, é preconizada uma
abordagem multidisciplinar para as políticas de modo a promover uma atenção abrangente,
integral na APS como política para as Américas.
Nacionalmente, diferentes documentos (especialmente documentos do Ministério da
Saúde) destinam-se a descrever e delinear diretrizes para o trabalho das equipes de Saúde da
Família, (BRASIL, 2003c; 2006b) apesar de muitas vezes parecerem apenas documentos
normativos e prescritivos. Como exemplo, citamos o “Documento Final da Comissão de
Avaliação da Atenção Básica”, que ressalta alguns aspectos relacionados ao trabalho em sua
formulação de atenção básica (BRASIL, 2003c):
95
− o processo de trabalho da AB deve se pautar, entre outros, pelo princípio da
integralidade, significando que:
a) deve promover a integração de práticas de promoção e recuperação
da saúde, prevenção de doenças e agravos e reabilitação de seqüelas;
b) deve se articular com os outros níveis de atenção do sistema para
assegurar a continuidade da atenção à saúde; e
c) é necessária a articulação do setor saúde com outros setores;
− os meios de trabalho da AB necessitam articular saberes e práticas de natureza
diversa;
− os agentes do processo de trabalho constituem uma equipe de saúde; e
− a AB tem um papel fundamental na organização do sistema de saúde.
Decerto, sabemos que não há como abordar a questão dos “modelos” sem normas, mas
reforçamos a idéia de que elas não devem prevalecer sobre outras questões no trabalho em
saúde. Piancastelli (2001) assinala que, no cotidiano das ESF, uma série de ações e
pressupostos tem se materializado em princípios:
− desenvolvimento de um novo processo de trabalho nos cuidados à saúde, substituindo as práticas convencionais de atendimento e funcionamento das unidades de saúde, baseada na organização estanque de programas e no atendimento fragmentado e descontínuo de pacientes;
− envolvimento de médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, agentes comunitários de saúde e, progressivamente, outros profissionais;
− adscrição de famílias (...) que se vinculam à unidade de saúde e à equipe de profissionais de saúde;
− a oferta de atenção integral à saúde dos indivíduos e das famílias, envolvendo a promoção, a prevenção de doenças e agravos à recuperação da saúde;
− articulação no atendimento com a rede de serviços de saúde, para assegurar a referência e contra-referência (...);
− conhecimento da realidade das famílias pelas quais é responsável (...); − identificação dos problemas de saúde prevalentes e situações de risco às quais a
população está exposta; − elaboração, com a participação da comunidade, de um plano local para
enfrentamento dos determinantes do processo de saúde-doença; − prestação de assistência integral, respondendo de forma contínua e racionalizada
à demanda, organizada ou espontânea (...); − desenvolvimento de ações educativas e intersetoriais para o enfrentamento dos
problemas de saúde identificados; − eleição da família e de seu espaço social como núcleo básico de abordagem no
atendimento à saúde; − estímulo à organização da comunidade para efetivo exercício do controle social;
e, − compromisso de fazer com que a saúde seja reconhecida como um direito de
vida e, portanto, expressão de qualidade de vida. (PIANCASTELLI, 2001, p. 133-134)
96
Em relação ao trabalho, o PSF parece ter atenuado a tradicional polarização prática
clínica/ prática sanitária, apontada por Mendes-Gonçalves (1984) via APS.
Santana (2000) apontava para as peculiaridades do processo de trabalho das equipes de
Saúde da Família (ESF) relacionadas a questões de ordem mais geral, no bojo das quais se
situam a concepção e o desenvolvimento da Estratégia de Saúde da Família, e à redefinição
permanente, na prática cotidiana, do objeto e dos instrumentos de trabalho desta “nova
equipe”. Realizando uma avaliação no contexto de expansão da Estratégia (cf. HEIMANN;
MENDONÇA, 2005), o autor avançava na polêmica, pensando na possibilidade de
redefinição da composição básica da equipe, imaginando que esta poderia se alterar no futuro
ou se adaptar, naquele tempo presente, conforme ditames da realidade nos diferentes
contextos sociais, econômicos e culturais do país. (SANTANA, 2000, p. 13)
A esse respeito, destacamos a publicação da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005,
pelo Ministério da Saúde, que criava os Núcleos de Atenção Integral no âmbito da Estratégia
da Saúde da Família, com a finalidade de ampliar a integralidade e a resolubilidade da
Atenção à Saúde. (BRASIL, 2005c) Os núcleos seriam constituídos por profissionais de
diferentes áreas do conhecimento, para além daqueles já contemplados na equipe mínima;
porém, a Portaria foi revogada por falta de orçamento, segundo o Ministério da Saúde.
(RADIS, 2006, p. 4)
Os Núcleos visavam à qualificação da Atenção Básica com ênfase na Estratégia Saúde
da Família; a ampliação do acesso às ações de Atividade Física, Saúde Mental, Reabilitação,
Alimentação e Nutrição e Serviço Social; a promoção da autonomia dos usuários e famílias; e
o fortalecimento da cidadania.
Seriam compostos pelas seguintes modalidades de ação desenvolvidas em conjunto
com a Atenção Básica: a) alimentação/nutrição e atividade física; b) atividade física e saúde;
c) saúde mental e d) reabilitação. A composição profissional das diversas modalidades deveria
respeitar as seguintes definições:
− Alimentação/Nutrição e Atividade Física: nutricionista, profissional de educação
física e instrutor de práticas corporais;
− Atividade Física: profissional de educação física e instrutor de práticas corporais;
− Saúde Mental: psicólogo, psiquiatra, terapeuta ocupacional e assistente social,
sendo obrigatória a presença do psicólogo ou de psiquiatra e de pelo menos mais
um profissional entre os mencionados;
97
− Reabilitação: fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e assistente
social, sendo obrigatória a presença do fisioterapeuta e de pelo menos mais um
profissional entre os mencionados.
Os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família deveriam estar articulados com
os serviços de referência existentes, como, por exemplo, Centros de Atenção Psicossocial,
Centros de Reabilitação, Centros de Lazer e Esportes e com profissionais dos serviços
especializados. (BRASIL, 2005c) A importância desta iniciativa consistia na possibilidade de
maior resolutividade do PSF e para a organização da APS. Todavia, a não implementação da
Política preconizada pela Portaria prejudica a real efetivação do SUS.
No nosso entendimento, o SUS são seus princípios e diretrizes e, sendo estes núcleos
fundamentais para a concretização de princípios como a integralidade, a negação desta forma
de Política não contribui para que o SUS, de fato, ocorra, ainda que estejamos falando no
âmbito da Atenção Primária. Se esta é reorganizadora, estruturante e porta de entrada
preferencial do sistema de saúde, é local privilegiado onde todas as características
preconizadas se dêem em sua plenitude.
Em nosso capítulo 5 (Nossos Achados: Resultados e Discussão) recuperaremos este
debate para reflexão sobre os modos que o município de Belo Horizonte vêm encontrando
para inserção de profissionais que não fazem parte das ESF na atenção primária.
3.5 BREVE SÍNTESE
Para Franco & Magalhães Jr. (2003), a organização dos processos de trabalho é a
principal questão que se deve enfrentar para a mudança dos serviços de saúde, para que eles
operem centrando-se no usuário e nas necessidades destes. No modelo assistencial médico-
hegemônico, o fluxo da unidade básica de saúde se volta para a consulta médica,
prevalecendo o uso de tecnologias duras. O processo de trabalho apresenta-se carente de
interação de saberes e práticas.
Os autores afirmam que a mudança do modelo assistencial requer inversão das
tecnologias do cuidado a serem utilizadas na produção da saúde. Segundo eles, a condição
para que o serviço seja produtor do cuidado é que o processo de trabalho seja centrado nas
tecnologias leves e leve-duras. (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 128)
98
O novo paradigma trazido pelo SUS, expresso em seus princípios, impôs, de fato, uma
revisão no conceito do processo de trabalho em saúde e na operacionalização das políticas
para os trabalhadores do setor, tendo em vista que as condições históricas relativas ao
contingente de trabalhadores do SUS são fatores intrínsecos à efetiva consolidação do SUS.
(MAGALHÃES, 1998, p. 193)
Deve-se ter sempre em mente que o trabalhador é agente ativo do processo de trabalho
em saúde, agente ativo em um modelo de prestação de serviços que deve ser humanizado.
(MAGALHÃES, 1998, p. 194) Para atuar na APS, ele precisa ter auto-organização do
trabalho, ser um prestador de serviços de saúde integral com qualidade, investigador,
comunicador, educador, administrador e membro da equipe de saúde, para o trabalho coletivo.
Além disso, deve ser intérprete da condição humana, realizando na prática o enfoque
científico e humano, o enfoque clínico-epidemiológico-social e o enfoque sistêmico
(referência e contra-referência).
Os fluxos dos encontros entre as equipes de saúde com os usuários devem ter mão
dupla e todos os trabalhadores das equipes, além das suas contribuições específicas, devem
colocar o seu potencial à disposição dos usuários. (CAMPOS, 1998, p. 18) As interações entre
trabalhadores e pacientes contribuem para o estabelecimento de relações de longa duração,
que facilitam a efetividade na Atenção Primária. São os meios pelos quais os profissionais
aprendem a respeito dos problemas dos pacientes e como os pacientes aprendem sobre a
maioria dos aspectos de sua atenção. É a amplitude e a profundidade do contexto que
distingue as interações na atenção primária daquelas de outros níveis de atenção.
(STARFIELD, 2002, p. 292)
Esse encontro singular qualifica a assistência. Para Campos (1998), esses encontros
também deveriam acontecer fora das situações de doença e com preocupações de caráter mais
coletivo, como nas ações de promoção da saúde e prevenção de doenças. Porém, ressalta-se
que um modelo com ênfase na promoção e prevenção não pode ser contraposto à clínica, que
deve ser respeitada e possibilitada. (CAMPOS, 1998, p. 18)
Adicionalmente, o trabalho em equipe tem a finalidade de impactar os diferentes
fatores que interferem no processo saúde-doença. “A ação interdisciplinar pressupõe a
possibilidade da prática de um profissional se reconstruir na prática do outro, ambos sendo
transformados para a intervenção na realidade em que estão inseridos.” (ARAÚJO; ROCHA,
2007, p. 456)
Todas as características aqui apontadas e discutidas têm o papel de subsidiar a reflexão
a respeito do modelo assistencial que vem se conformando para a APS no Brasil, com base no
99
processo de trabalho. A opção pelo PSF está cada vez mais consolidada nos municípios e,
portanto, faz-se mister que tal reflexão sirva para a remodelagem da assistência à saúde.
Partilhamos da idéia de Merhy & Franco (2000), para quem o PSF deve modificar os
processos de trabalho, fazendo-os operar de forma dependente de tecnologias leves, ainda que
outras tecnologias sejam necessárias para a produção do cuidado. A implantação do PSF por
si só não significa que o modelo assistencial esteja sendo modificado, não significa que
haverá mudança no núcleo tecnológico que ali se opera. A existência de diferentes tipos de
PSF, uns médico-centrados, outros usuário-centrados, dependerá de se conseguir reciclar a
forma de produzir o cuidado em saúde. Nas ESF, há que se identificar os elementos que
configurariam uma nova lógica no agir dos profissionais e na forma como se produz o
cuidado em saúde.
Para isso, mais uma vez, preconizamos valores como o vínculo, o acolhimento e,
principalmente, a conformação de equipes para organização dos processos de trabalho em
saúde como forma de responder satisfatoriamente a todas as necessidades de saúde do
usuário, qualificando a assistência, produzindo cuidado, produzindo vida.
CAPÍTULO 4 – CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EM ESTUDO:
CONHECENDO BELO HORIZONTE E SEU(S) MODO(S) DE
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
A implementação do SUS desencadeou mudanças concretas nos serviços de saúde de
Belo Horizonte, principalmente com a implantação do Acolhimento e do Programa de Saúde
da Família/ BH Vida: Saúde Integral nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). (SILVA, 2006,
p. 10)
Nesse sentido, o município de Belo Horizonte apresenta um modelo de assistência à
saúde peculiar, proposta orientada à produção de vínculo entre o usuário e a equipe,
autonomização e acolhimento e à gestão como forma de governar processos de trabalho.
A experiência de reorientação do processo de trabalho no nível da Atenção Primária à
Saúde e do modelo assistencial no município, bem como seus antecedentes, serão descritos no
presente capítulo, dividido em duas partes. Na primeira seção (4.1), apresentamos o município
e alguns dados e indicadores como contextualização do campo de estudo; a partir da segunda
seção (4.2), resgatamos parte da conformação do Sistema de Saúde de Belo Horizonte até a
implantação do modelo assistencial atual.
4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO EM ESTUDO 4.1.1 Indicadores sócio-demográficos
Belo Horizonte foi inaugurada em 12 de dezembro de 1897 para ser capital do estado
de Minas Gerais. Projetada para abrigar 200 mil moradores, possui uma população de cerca
de 2,3 milhões de habitantes e ocupa uma área de pouco mais de 330 Km². A densidade
demográfica é estimada em 6.764,96 habitantes/km². A Região Metropolitana de Belo
Horizonte (RMBH) integra 34 municípios, incluindo-se a capital mineira, e abriga pouco mais
de 4,3 milhões de habitantes, ocupando uma área de aproximadamente 9.400 Km². (BELO
HORIZONTE, 2005, p. 18)
Para a gestão e o planejamento da cidade, Belo Horizonte foi subdividida em nove
áreas administrativas regionais, efetivadas em 1989, e em 81 unidades de planejamento,
conforme representado na Figura 1 e na Figura 2.
101
Figura 1 – Áreas Administrativas Regionais – Belo Horizonte, MG
Fonte: Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2000 (BELO HORIZONTE, 2000)
Figura 2 – Unidades de Planejamento – Belo Horizonte, MG
Fonte: Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2000 (BELO HORIZONTE, 2000)
Os indicadores de população total residente em Belo Horizonte por Área
Administrativa no ano de 2000 encontram-se na Tabela 1.
Tabela 1 – População residente segundo as Áreas Administrativas Belo Horizonte, MG – 2000
Poulação residente Homens MulheresAbs. % Abs. % Abs. %
Barreiro 262.194 11,71 127.724 12,08 134.470 11,38Centro-Sul 260.524 11,64 116.723 11,04 143.801 12,17
Leste 254.573 11,37 118.080 11,17 136.493 11,55Nordeste 274.060 12,24 130.037 12,30 144.023 12,19Noroeste 338.100 15,10 158.376 14,98 179.724 15,21
Norte 193.764 8,66 93.546 8,85 100.218 8,48Oeste 268.124 11,98 67.799 6,41 74.054 6,27
Pampulha 141.853 6,34 126.276 11,94 141.848 12,01Venda Nova 245.334 10,96 118.702 11,23 126.632 10,72
BELO HORIZONTE 2.238.526 100,00 1.057.263 100,00 1.181.263 100,00
Área Administrativa
Fonte: Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2003 (BELO HORIZONTE, 2003c)
102
4.1.2 O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte A Atenção Primária à Saúde está sob a responsabilidade da Gerência de Assistência da
Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (GEAS/SMSA) (Cf. Anexo 3). Em sua
estrutura, a GEAS conta com uma Gerência de Apoio Diagnóstico; uma Gerência de Apoio
Terapêutico; com as Coordenações de Áreas Técnicas – Atenção à Criança e ao Adolescente,
Atenção à Mulher, Atenção ao Adulto – uma Coordenação de Reabilitação e 9 Gerências de
Atenção à Saúde, sendo uma para cada Distrito Sanitário.
A rede própria de assistência à saúde do município contempla diferentes unidades,
como Unidades Básicas de Saúde (Centro de Saúde – CS), Unidades de Referência, Unidades
de Referência Secundária, Policlínicas, Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAM),
Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERSAT), Hospital Municipal e outros.
(BRASIL, 2005a, p. 9) Junto com a rede contratada/conveniada, estas constituem o conjunto
de unidades assistenciais do SUS de Belo Horizonte. Na Tabela 2 é apresentada a distribuição
de tais unidades.
Tabela 2 – Distribuição das Unidades Assistenciais do SUS Belo Horizonte, MG
Tipo de Unidade Própria1 Setor contratado/ Conveniado2
Básica (Centro de Saúde) 140 0 Referência Secundária 6 28 C. de Referência em Saúde do Trabalhador – CERSAT 1 0 C. de Referência em Saúde Mental – CERSAM 7 0 Centro de Convivência – CV 8 0 Serviço Residencial Terapêutico 0 0 C. de Referência da Infância e Adolescência – CRIA (Equipes Complementares)
9 0
C. de Referência em Imunobiológicos Especiais – CRIE 1 0 Apoio Diagnóstico 13 38 Farmácia Distrital 9 0 Unidade de Urgência 7 8 Hospital 1 50 Centro de Reabilitação – URS Sagrada Família – CREAB 1 Serviço de Reabilitação – URS Padre Eustáquio 1 Núcleo de Reabilitação – Barreiro e Norte 2 Núcleo de Saúde do Trabalhador 1 Unidade de Ultrassom 1
TOTAL 208 124
1Fonte: SMSA/SUS/BH. In: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 40), atualizado de acordo com dados gentilmente fornecidos pela Gerência de Assistência à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (GEAS) em março de 2007. 2Fonte: SMSA/SUS/BH. In: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 40)
103
A organização territorial em saúde foi estabelecida pela SMSA de acordo com as
necessidades e possibilidades das práticas de intervenção. (BELO HORIONTE, 2005, p. 47)
As subdivisões adotadas seguem a esquematização abaixo:
Figura 3 – Divisão territorial para a saúde em Belo Horizonte, MG
Município
Distrito Sanitário
Área de abrangência do Centro de Saúde
Área de equipe PSF
Microárea
Moradia A delimitação dos Distritos Sanitários corresponde à das Áreas Administrativas
Regionais. Os Distritos Sanitários são responsáveis pela operacionalização da rede própria,
bem como por outras atividades inerentes ao Sistema Municipal de Saúde, como vigilância
sanitária, vigilância epidemiológica, controle de zoonoses e sistema de informações,
(SANTOS, 1998, p. 35) além de contarem, nas limitações do SUS, com atendimentos de
urgência, consultas especializadas e internações, apoio diagnóstico e farmácia no próprio
território ou referenciados em outro distrito. (CAMPOS, 1998, p. 22)
As definições territoriais das áreas de abrangência dos Centros de Saúde são
estabelecidas com base nos setores censitários definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), sendo constituídas por um agrupamento de setores contíguos,
respeitando-se os seus limites.
A definição dos setores censitários que formam uma área é feita através de avaliação
por equipes locais e distritais a partir de aspectos como a demanda atendida, o perfil
epidemiológico da região, o acesso à unidade de saúde, a existência de barreiras geográficas,
o tamanho populacional, o fluxo de transporte entre outros.
O estabelecimento de áreas de equipes do PSF segue características38 comuns à
estratégia nacional de Saúde da Família, sendo nucleares a territorialização e a adscrição de
clientela. A noção de território refere-se à vinculação da assistência à saúde à área onde o
usuário está inserido, como será visto mais adiante neste capítulo.
38 Cf. Capítulo 2, subseção 2.4.3 – Características da Saúde da Família.
104
O espaço territorial das áreas das equipes de Saúde da Família é o locus operacional de
ações, com objetivo de promover e conservar a saúde da população. À implantação do PSF no
município, a composição das áreas de equipes considerou o tamanho da população e o índice
de vulnerabilidade à saúde39 na área, o que orientou uma organização diferenciada dos
recursos assistenciais, (BELO HORIZONTE, 2005, p. 48) especialmente quando se observa a
seguinte distribuição de risco na cidade (Quadro 3):
Quadro 3 – Distribuição da população de Belo Horizonte segundo riscos – 2007
RISCO % POPULAÇÃO1
Muito elevado 7,0
Elevado 27,0
Médio 37,0
Baixo 29,0
TOTAL 100
1Fonte: dados gentilmente fornecidos pela Gerência de Assistência à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (GEAS) em março de 2007.
Para efeito de organização do trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS), as
áreas das equipes de Saúde da Família, por sua vez, são subdivididas em microáreas de acordo
com o número de famílias e índice de vulnerabilidade à saúde (Tabela 3). Com o BH Vida:
Saúde Integral, os profissionais da assistência do CS também passaram a trabalhar em equipe
junto aos ACS e se responsabilizam por determinado número de famílias dentro de um
conjunto de microáreas, como mostra a Figura 4.
A rede de Centros de Saúde é organizada, portanto, a partir da definição de territórios
(áreas de abrangência), sobre os quais estes têm responsabilidade sanitária, e “utiliza
tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os problemas de
saúde de maior freqüência da população e relevância no seu território”, além de considerar as
necessidades da população. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 13)
39 O índice de vulnerabilidade à saúde utilizado pela SMSA combina diferentes variáveis buscando resumir informações que traduzem as desigualdades intra-urbanas, apontando áreas prioritárias para intervenção e alocação de recursos, favorecendo a proposição de ações intersetoriais. Os indicadores utilizados na construção das áreas de vulnerabilidade à saúde por setores censitários referem-se aos seguintes temas: saneamento, habitação, educação, renda, sociais/saúde (Cf. Anexo 4). Após o cálculo do índice de vulnerabilidade à saúde, os setores são classificados nas seguintes categorias: risco baixo, risco médio, risco elevado e risco muito elevado. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 48-49)
105
Tabela 3 – Distribuição da população segundo Área Administrativa por Classificação de Risco. Belo Horizonte, MG – 2005
Risco muito elevado
Risco elevado Risco médio Risco baixo TOTAL
Barreiro 18.593 102.851 134.933 5.817 262.194Centro-Sul 31.473 26.756 6.943 200.831 266.003
Leste 18.121 47.658 89.510 93.805 249.094Nordeste 15.065 79.677 125.968 53.350 274.060Noroeste 17.567 54.096 169.249 96.439 337.351
Norte 16.829 85.834 83.863 7.238 193.764Oeste 16.654 81.451 76.481 94.112 268.698
Pampulha 8.037 23.513 42.957 68.095 142.602Venda Nova 15.558 101.764 119.707 7.573 244.602
TOTAL 157.897 603.600 849.611 627.260 2.238.368
Fonte: Adaptado de Gerência de Epidemiologia e Informação/SMSA/SUS/BH. In: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 50)
Figura 4 – Área de Abrangência de Centro de Saúde em Belo Horizonte, MG
Fonte: Programa BH Vida (BELO HORIZONTE, s.d.)
Em 2005, Belo Horizonte apresentava o maior percentual de cobertura da população
do país em grandes centros. Em uma cidade onde residem cerca de 2,3 milhões de habitantes,
75% deste contingente está coberta pela Estratégia, com atuação de aproximadamente 2.200
ACS. (BRASIL, 2005a, p. 10)
A distribuição da população abrangida pela Saúde da Família tem a seguinte
característica: a população de risco muito elevado, risco elevado e risco médio têm 100% de
cobertura. Em relação à de baixo risco, somente aqueles que estão nas áreas de abrangência
106
das unidades onde mais de 80% da população está sob risco muito elevado, elevado ou médio
são cobertos pelo Saúde da Família. Os demais não estão cobertos40.
Quadro 4 – Características dos Centros de Saúde selecionados para o estudo
Centro de Saúde
Distrito Sanitário
Nº de Equipes Saúde Família Risco População
Cobertura pelo PSF
α Leste 03 Médio: 81,31% Elevado: 18,7%
11.000 hab.1 100%
β Centro-Sul 03 Muito elevado: 100% 9.000 hab. 100%
γ Noroeste 04 Baixo: 5% Médio: 85% Elevado: 10%
20.000 hab.2 100%
1Segundo o censo de 2000, a população da área de abrangência do referido CS equivale a 9.114 habitantes. No entanto, deve atingir cerca de 11.000 atualmente, de acordo com dados fornecidos pela gerente da unidade. 2Atualmente, estão cadastrados cerca de 10.500 habitantes, o que equivale a 50 a 60% da população da área de abrangência. Estima-se que esta chegue a 20.000 habitantes, número que não é possível precisar devido à desatualização do sistema de informação da unidade, mas está 100% coberta pela Saúde da Família, segundo dados coletados junto à gerência do CS.
Atualmente, há 507 equipes de Saúde da Família (ESF), 200 equipes de Saúde Bucal
(ESB) e 65 equipes de Saúde Mental atuando em 139 CS do município41. Estes contam, ainda,
com diversos profissionais que fazem parte de suas equipes e atuam de forma articulada com
as ESF. Com isto, têm ampliadas as possibilidades de atenção primária, além da possibilidade
de atenção à população não coberta pela Saúde da Família. (BELO HORIZONTE, 2006, p.
13)
A rede básica de Belo Horizonte possui, ainda, diversificados recursos que contribuem
para sua qualificação e resolutividade. Além disso,
esta rede sofreu e sofre influências de várias proposições de modos de intervenção em saúde: no início dos anos 90 a reorganização da rede e da assistência a partir da criação dos distritos sanitários, definição de territórios e áreas de abrangência das unidades próprias e municipalizadas, com o fortalecimento da vigilância em saúde; a influência das ações programáticas ou oferta organizada com a definição e implantação de diversos protocolos assistenciais; a forte influência do modelo em defesa da vida e a implementação do dispositivo do acolhimento desde 1996; e, mais recentemente, a incorporação das propostas, novos profissionais e saberes com a saúde da família. Toda esta história faz com que o modelo assistencial para a atenção básica atualmente em discussão esteja permeado por todas estas influências, não sendo possível, nem desejável, uma reprodução estrita de um padrão
nacionalmente definido. Faz-se necessária uma construção permanente, baseada em
40 Dados gentilmente fornecidos pela GEAS, março de 2007. 41 Idem.
107
avaliações permanentes e análises das novas demandas que são apresentadas para o SUS-BH. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 14, grifo nosso)
É esta construção do sistema de saúde em Belo Horizonte, singular e relativamente
autônoma, que resgatamos e discutimos a seguir.
4.2 A SAÚDE DE BELO HORIZONTE: UM POUCO MAIS DE HISTÓRIA Recorrendo à ampla pesquisa bibliográfica e documental, Reis (2002) buscou
caracterizar a produção de serviços de saúde em Belo Horizonte, de 1897 a 1964. A partir do
conceito de modelo tecnoassistencial42, aplicado em cada contexto social e histórico de Belo
Horizonte, identificou diversas formas de organizar a produção de serviços de saúde na
cidade.
A três grandes períodos43 históricos, o autor associou os modelos de acordo com
objetivos, políticas, tecnologias, organização, unidades, trabalhadores, processos de trabalho
específicos, destinação a determinados segmentos da população e proponente-executores.
Desse modo, descreveu que nos primeiros anos de existência do município coube ao
poder público municipal responder pela Saúde Pública e, por meio do Modelo Policial
Campanhista, iniciar a constituição de modelos tecnoassistenciais que responderiam aos
agravos da saúde no âmbito coletivo, função que passou a ser assumida sempre pela esfera
estatal em composições variadas de modelos municipal, estadual e federal.
A partir de 1928, constituiu-se por parte do Estado de Minas Gerais o Modelo Rede
Local Permanente, que proveu a assistência ambulatorial preventiva lastreada pela educação
sanitária, higiene pessoal, profissional e ambiental e a assistência preventiva/ curativa a
algumas doenças infecciosas. A assistência curativa individual era realizada em parte pela
esfera estadual em ambulatórios e hospitais especializados próprios (Lepra, Tuberculose,
Saúde Mental e Urgências), parte pelo setor privado filantrópico e subsidiada pelo estado e
município e parte pelo Modelo Rede Básica Médico-curativa, constituído pela prefeitura de
Belo Horizonte a partir de 1938. Estes modelos e políticas destinavam-se principalmente à
população pobre da cidade. (REIS, 2002, p. 185)
42 A acepção de modelos (tecno) assistenciais para fins desta dissertação encontra-se no capítulo 2, seção 2.1 – Sobre os modelos assistenciais em saúde. 43 1897 a 1930 – Belo Horizonte nos tempos da República Velha; 1930 a 1945 – Belo Horizonte no Estado Novo; 1946 a 1964 - Belo Horizonte no período democrático-populista. (REIS, 2002)
108
A partir de 1933, o governo federal passou a organizar os Institutos de Aposentadoria
e Pensões (IAPs), assim como os governos municipais e estaduais, incluindo Belo Horizonte e
o estado de Minas Gerais, organizaram a correlata assistência para seus funcionários, em
unidades próprias, que garantiam assistência hospitalar e ambulatorial – em sua maior parte
comprada na rede privada – aos trabalhadores formais, constituindo o Modelo da Medicina
Previdenciária. O restante da população não coberta por essas políticas, mas detentora de
poder aquisitivo, buscava sua assistência ambulatorial e hospitalar via desembolso direto –
mercado – no setor privado lucrativo que, junto com o setor privado filantrópico, conformava
o Modelo Liberal Privatista. (REIS, 2002, p. 186)
Veloso & Matos (1998) descrevem que em 1948 foi criado o Departamento de
Assistência à Saúde. O município era responsável, através do hospital municipal, pela
prestação de assistência médico-hospitalar e odontológica aos enfermos de comprovada
pobreza, aos seus funcionários e familiares e aos associados de outras instituições
conveniadas. Além disso, responsabilizava-se pelo serviço de profilaxia das moléstias
endêmicas e pela assistência social. A ação municipal na área da saúde era complementar e
dirigida a grupos muito delimitados.
Segundo as autoras, com o passar dos anos, a fragilidade das ações públicas na área
levou a população a se organizar para romper com a desassistência, o que pôde ser observado
no final da década de 1970, início da década de 1980. (VELOSO; MATOS, 1998, p. 85)
Em 1983, foi criada a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA),
iniciando-se uma ruptura com a histórica articulação à assistência social e produzindo uma
maior aproximação com prestação de serviços. O convênio das Ações Integradas de Saúde44
(AIS) permitiu aos municípios, como no caso de Belo Horizonte, incorporar maior
contingente de trabalhadores e serviços. (VELOSO; MATOS, 1998, p. 86)
Ainda segundo estas autoras, a ampliação de recursos e serviços que as AIS
proporcionaram exigiu a estruturação de um quadro profissionalizado. Desse modo, em 1986
houve a primeira seleção competitiva interna para coordenadores de Unidades Básicas de
Saúde (UBS) e coordenadores técnicos de nível central.
Os gerentes de UBS são considerados por Campos (1998, p. 20) agentes para a
mudança do modelo de atenção. A criação das gerências nos níveis local e central permitiu
uma aproximação da SMSA com as unidades, “organizando-as internamente e articulando os
44 Sobre as AIS, cf. Capítulo 2, seção 2.4 – Caminhos da Atenção Primária à Saúde no Brasil.
109
serviços segundo uma concepção macro do fazer saúde para a cidade”. (VELOSO; MATOS,
1998, p. 86)
No entanto, até 1993, a SMSA desempenhava funções de prestadora de serviços num
modelo assistencial primordialmente curativo e centrado na atenção médica, onde eram
privilegiados os interesses do complexo médico-hospitalar. O sistema permanecia
fragmentado, atendendo à demanda de forma desorganizada e insuficiente. (CAMPOS, 1998;
VELOSO; MATOS, 1998)
Apesar disso, Belo Horizonte foi a primeira grande cidade a municipalizar as unidades
básicas de gestão estadual, em 1991, e as unidades secundárias do extinto Instituto Nacional
de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), em 1992, seguindo o princípio de
municipalização que se colocava para a concretização do SUS. Em 1994, assumiu a gestão
semiplena, dando início à construção efetiva do sistema municipal de saúde sob comando
único do gestor municipal.
De fato, a gestão semiplena e a territorialização são duas condições apontadas para
Belo Horizonte como essenciais para a construção de uma rede que melhor se adaptasse à
Estratégia de Saúde da Família. (BRASIL, 2005a, p. 8) A partir desta modalidade de gestão,
desenvolveu-se um processo de expansão da rede básica, das unidades especializadas de apoio
diagnóstico, da rede de urgência e de saúde mental, bem como de estruturas para o controle da
rede contratada e conveniada e implantação de projetos e programas especiais. (BELO
HORIZONTE, 2003a; 2005)
Segundo Santos (1998, p. 31), a gestão semiplena permitiu que os municípios que
mais tinham acumulado em termos de organização no período anterior pudessem avançar na
sua condição de mero prestador de serviços do governo federal para a condição de gestor do
seu Sistema Municipal de Saúde. Em Belo Horizonte, a habilitação consolidou algumas
iniciativas do município, como o Conselho Municipal de Saúde, criado em 1991, o Fundo
Municipal de Saúde, constituído em 1992, a municipalização dos recursos e a existência do
Plano Municipal de Saúde. (VELOSO; MATOS, 1998, p. 92)
Simultaneamente, o município adotava a distritalização como estratégia para a
mudança do modelo de atenção à saúde, de modo que os caminhos para a substituição do
modelo fossem apropriados às características locais e coerentes com os princípios do SUS.
Iniciava-se a construção de um modelo de Vigilância à Saúde45 com base nos Distritos
45 A definição de vigilância à saúde encontra-se no capítulo 2, subseção 2.4.3 – Características da Saúde da Família.
110
Sanitários restrita, num primeiro momento (1989), aos serviços próprios. A partir de 1993, foi
estendida a serviços conveniados e contratados. (CAMPOS, 1998; REIS et al., 1998)
Este processo acelerou a descentralização dos serviços, partindo-se da base
territorial/populacional, baseada na definição de territórios46 de responsabilidade das
Unidades Básicas e da construção de um conhecimento sobre a realidade sócio-sanitária da
população que habita essas áreas, e com enfoque de risco epidemiológico47. (CAMPOS, 1998;
MAGALHÃES Jr., 1998; VELOSO; MATOS, 1998)
Cada território é reconhecido e desvendado em suas diferenças e desigualdades. São selecionados os problemas de saúde prioritários e, através de um planejamento
local, criam-se os meios e as ações capazes de enfrentá-los. O trabalho é realizado por equipes multidisciplinares das Unidades Básicas de Saúde, juntamente com os usuários (...). A Unidade Básica, referência da população, do seu território e da área de abrangência, constitui a primeira instância do atendimento e a última instância da descentralização. Organiza o sistema de vigilância à saúde de sua área de abrangência e acolhe, atende ou encaminha toda a demanda espontânea do território sob sua responsabilidade. (CAMPOS, 1998, p. 20, grifo no original)
Distritalização, territorialização e descentralização, cuja constituição e
desenvolvimento ocorreram principalmente entre 1989 e 1993, contribuíram para a
aproximação dos profissionais de saúde da realidade das pessoas que eles atendiam, para a
internalização do conceito de risco, em especial de áreas de risco e de grupos sociais em áreas
de risco, e para a compreensão da necessidade de atuação considerando os diferenciais de
risco. (VELOSO; MATOS, 1998)
A demanda por um novo modelo de atenção à saúde exigia um novo modo de
produção na saúde, que se daria a partir da reformulação do processo de trabalho no setor.
Segundo Costa, Fortes & Marques (1998, p. 147),
a reflexão sobre o processo de trabalho apresentou-se como uma questão privilegiada para o setor, à medida que indagou e permitiu o estabelecimento de uma nova abordagem a respeito dos sujeitos/agentes e das práticas sanitárias, além de se ter constituído importante analisador institucional. (COSTA; FORTES; MARQUES, 1998, p. 147)
46 A territorialização foi tomada como característica da Saúde da Família, como pode ser visto no capítulo 2 (Cf. 2.4.3 – Características da Saúde da Família). 47 O enfoque de risco pressupõe que os serviços de saúde analisem os problemas de sua área de abrangência, definam prioridades e direcionem parte de suas ações aos grupos sociais excluídos do atendimento de suas necessidades. (MALTA et al., 1998, p. 123) Baseada no conceito de risco, a SMSA criou, posteriormente, o Índice de Vulnerabilidade a Saúde (Cf. subseção 4.1.1 – Indicadores sócio-demográficos).
111
No período entre 1994 e 2002, a rede de Atenção Básica no município se estruturou
buscando a integralidade e o acolhimento. Algumas das medidas foram a criação do “Projeto
Vida” no combate à mortalidade infantil (FERREIRA et al., 1998; MALTA; MERHY, 2004)
e a estruturação de uma rede de urgência descentralizada ao hospital, denominada Unidade de
Pronto Atendimento (UPA). (BELO HORIZONTE, 2005, p. 112)
Na Atenção Primária à Saúde, a necessidade de ampliação do acesso e da
responsabilização dos profissionais de saúde com os usuários foi agregada ao debate da
territorialização, “buscando romper com uma prática em que a oferta limitada de tecnologias
restringia o acesso às ações programadas e fechava as portas ao sofrimento agudo.”
(VELOSO; MATOS, 1998, p. 93)
Assim, durante a implementação do Projeto Vida, surgiu um instrumento denominado
Acolhimento, dispositivo que impulsionou a mudança do processo de trabalho das equipes.
Segundo Campos (1998, p. 21), as Unidades de Saúde passaram a operar de portas abertas,
acolhendo, imediatamente, toda demanda que chegava aos serviços.
4.2.1 Acolhimento: um dispositivo para a mudança do processo de trabalho em saúde O Projeto Vida era considerado um dispositivo institucional capaz de influenciar o
processo de trabalho nas unidades de saúde e a organização do modelo de assistência, além de
demandar a reorientação deste modelo. (MALTA et al., 1998, p. 127) Isto pode ser observado
nas estratégias que buscou utilizar para avançar nas práticas assistenciais, como a melhoria do
acesso às unidades, com a implantação do Acolhimento, e a ampliação da oferta de serviços,
com melhor utilização do potencial de trabalho e responsabilização de toda a equipe.
(FERREIRA et al., 1998, p. 221)
O Acolhimento surgiu no interior do grupo de condução do Projeto Vida como
proposta de um modelo inovador para a rede pública municipal que visava reorganizar a
assistência, modificando o cotidiano das unidades, revendo práticas consolidadas e
repensando o trabalho em saúde. Sua implantação exigiu uma construção coletiva com as
equipes locais para que as mudanças de fato pudessem ocorrer e para que adotassem a defesa
da vida como lema. (MALTA et al., 1998, p. 126)
Nesse contexto, o Acolhimento constitui-se na
mudança do processo de trabalho em Saúde de forma a atender a todos os que procuram os serviços de Saúde, restabelecendo no cotidiano o princípio da
112
universalidade, assumindo nos serviços uma postura capaz de acolher, escutar e dar a resposta mais adequada a cada usuário, restabelecendo a responsabilização pela saúde dos indivíduos e a conseqüente constituição de vínculos entre profissionais e população; reorganizar o processo de trabalho de modo a possibilitar a intervenção de toda a equipe multiprofissional, encarregada da escuta e resolução do problema do usuário. O fluxo de entrada não mais se processa de forma unidirecional, agendando-se para o médico todos os pacientes que chegam; toda a equipe participa da assistência direta ao usuário e são encaminhados para a consulta médica apenas aqueles que dela necessitam. Dessa forma, toda a equipe participa da resolução do problema, colocando em prática outros “saberes” existentes, potencializando-se a capacidade de resposta e intervenção. (MALTA et al., 1998, p. 128)
Esta estratégia baseava-se na construção de serviços de saúde que acolhessem os
usuários como diretriz operacional que efetiva o SUS. As equipes passariam a mobilizar todo
o seu aparato “tecnológico” para se alcançar resolutividade, buscando promover a saúde nos
planos individual e coletivo e contribuindo “para um aumento da autonomia do usuário no seu
viver”. (MALTA et al., 1998, p. 121)
O saber de outras categorias profissionais passou a ser valorizado e incluído na
atenção, além de ser redefinido o papel de cada profissional. (VELOSO; MATOS, 1998, p.
93) A escuta qualificada e a análise das demandas foram incorporadas como práticas e o
serviço passou a se responsabilizar pela continuidade daquela ação, fosse como atendimento
imediato na própria unidade, agendamento, encaminhamento adequado ou outra resposta.
(CAMPOS, 1998, p. 21)
Esta estratégia modificou o perfil de atendimento nas unidades, levando o sistema a
buscar a superação de suas insuficiências, (VELOSO; MATOS, 1998, p. 93) e teve como
significados:
- ser dispositivo de reflexões e de mudanças a respeito da forma como se
organizavam os serviços de saúde, de como os saberes vinham sendo ou
deixando de ser utilizados para a melhoria da qualidade das ações de saúde e
do quanto estavam a favor da vida;
- retomar a reflexão sobre a ampliação e universalidade do acesso, a
integralidade na assistência, a resolutividade, a responsabilização clínica e a
governabilidade das equipes locais diante das práticas de saúde –
especialmente do “trabalho vivo dependente”48;
48 O debate em torno do “trabalho vivo”, bem como das “tecnologias do trabalho”, foi realizado no capítulo 3, subseção 3.1.2 – A micropolítica do trabalho em saúde (ou O trabalho como lugar de construção dos sujeitos que somos).
113
- resgatar o conhecimento técnico das equipes, possibilitando o enriquecimento
da intervenção dos vários profissionais de saúde na assistência;
- permitir a reflexão sobre a “humanização” da atenção e das relações em
serviço e sobre a lógica de poder contida nesse processo, contribuindo para
uma mudança na concepção de saúde como um direito de cidadania; e
- resgatar o espaço de trabalho como lugar de sujeitos. (MALTA et al., 1998;
MALTA; MERHY, 2004)
Diante da demandas pela capacitação de equipes, pela definição de atribuições entre as
categorias e pela padronização das condutas para assistência, um grupo multidisciplinar
elaborou protocolos assistenciais. Isto representou um avanço devido
ao processo de formulação sob a ótica da intervenção multiprofissional, legitimando a inserção de toda a equipe na assistência, a humanização do atendimento, a identificação de risco por todos os profissionais, a definição de prioridades, a padronização de medicamentos, enfim, a qualificação da assistência. (MALTA et al. 1998, p. 135)
Além disso, Malta et al. (1998) trazem como avanços o reconhecimento de que, com a
reorganização do processo de trabalho, tornava-se possível a melhor utilização dos recursos
da unidade, qualificando o trabalho de todos os profissionais. Esse dispositivo produziu
impacto na organização do trabalho, integrando todos os profissionais da assistência e
estabelecendo um novo pacto entre os profissionais da equipe.
Quanto ao “fazer saúde”, o Acolhimento aliou a vigilância à saúde à assistência à
demanda espontânea, práticas anteriormente tidas como antagônicas e contraditórias.
(MALTA et al., 1998, p. 137)
Algumas dificuldades foram apontadas para a estratégia, destacando-se a relação
conflituosa no que diz respeito às categorias profissionais. Segundo Malta & Merhy (2004, p.
263), sua implantação esbarrou em entraves relacionados a questões corporativas por parte
dos trabalhadores de saúde porque alterava o processo de trabalho. Como se observou:
1) auxiliares de enfermagem: foram a chave do processo de mudança. Vivenciaram,
de fato, a alteração do seu processo de trabalho, ampliando o número de
atividades mas, muitas vezes, assumiram o papel de recepção/escuta e de decisão
114
sobre o encaminhamento (consulta médica ou não) em locais em que o restante
da equipe não se envolveu;
2) enfermeiros: tiveram suas atividades ampliadas, enriquecendo seu exercício e
conteúdo profissionais; no entanto, o aumento quantitativo, sem discussões de
limites, produziu pressões e estresses;
3) médicos: passaram a atender uma clientela diferente, como os casos agudos,
exigindo-se mais do núcleo de competência desta categoria. Contudo, as
mudanças no processo de trabalho médico demonstraram-se pouco
significativas, chegando a prevalecer, em muitos locais, o atendimento a um
número fixo de consultas por dia. (MALTA et al., 1998, p. 139)
Mesmo diante destas questões, Malta et al. (1998, p. 139) afirmam que o Acolhimento
é uma postura de escuta e a composição das equipes depende da realidade de cada unidade de
saúde, não sendo possível o estabelecimento de um determinado número de profissionais.
Malta & Merhy (2004, p. 265) avaliaram que o Projeto Vida e o Acolhimento
provocaram intervenções positivas, possibilitando a ampliação da dimensão do núcleo
cuidador, desencadeando processos mais conjuntos e partilhados no interior da equipe e
melhorando a resposta assistencial.
4.3 BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL E A SAÚDE DA FAMÍLIA O Programa “BH Vida: Saúde Integral” se apresenta como instrumento fundamental
de reorganização dos serviços municipais de saúde tendo em vista os princípios do SUS e o
papel do município na gestão dos serviços de saúde. (VIEGAS; BRITO, s.d.) O programa se
orienta pela integralidade e pelo acesso qualificado aos serviços de saúde e se fundamenta em
quatro eixos, resumidos a seguir:
- Eixo Assistencial:
a) rearticulação do processo assistencial no âmbito das unidades básicas
de saúde, tendo como pressupostos: projeto usuário-centrado, acesso
115
resolutivo, acolhimento, vinculação responsabilizadora, busca da
autonomia do usuário, impacto da produção de saúde inclusive no
âmbito coletivo, integralidade e qualidade da atenção prestada;
b) constituição de fluxos pactuados e regulados com os demais níveis de
atenção e
c) proposição de matriz de avaliação de equipe de centro de saúde e do
seu processo gerencial;
- Eixo das Redes Especializadas: construção das redes especializadas de
referência, contendo o conceito de linha continuada de cuidado49 e viabilizando
e potencializando uma atenção no primeiro nível ou primária, resolutiva,
qualificada e humanizada;
- Eixo da Vigilância em Saúde: articulação entre as ações centradas nos
indivíduos e as ações no âmbito coletivo, de caráter preventivo, a partir de
cortes previamente estabelecidos por campos do conhecimento, a saber:
vigilância sanitária, controle de zoonoses, vigilância epidemiológica e saúde do
trabalhador;
- Eixo da Gestão e Controle Social: constituído de ações gestoras
a) que garantam a existência dos três eixos anteriores em sua
potencialidade;
b) que enfrentem questões relativas aos recursos humanos e processos de
trabalho, aos recursos logísticos e a questão estratégica dos processos
informacionais para o funcionamento da rede assistencial e
c) que articulem e fomentem a participação popular. (BELO
HORIZONTE, 2003a; 2005)
O primeiro eixo de intervenção do BH Vida: Saúde Integral, ao se referir à
rearticulação do processo assistencial no âmbito das UBS, consiste fundamentalmente da
reorganização da atenção primária no município de Belo Horizonte, cujo principal
instrumento de ação é o Programa de Saúde da Família (PSF).
Os debates acerca da Saúde da Família ocorreram principalmente a partir de 1999,
quando foi implantado o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) em Belo
49 Linha continuidada do cuidado, linha do cuidado e linha de produção do cuidado são denominações equivalentes para uma das principais características idealizadas para o modelo assistencial em Belo Horizonte. Este conceito poderá ser mais bem compreendido a seguir, no presente capítulo.
116
Horizonte. Neste projeto piloto, foram mobilizados ACS para a constituição de 22 equipes em
22 dos 129 Centros de Saúde existentes à época. (BRASIL, 2005a, p. 9)
A opção por um novo projeto, significando a opção por um novo modelo assistencial
em Belo Horizonte, ocorreu em meio à polêmica sobre a concepção de como organizar a rede
básica. Segundo Malta (2001, p. 349), alguns setores defenderam uma transição rumo ao PSF
por consolidar formas mais estáveis de financiamento junto ao governo Federal, reduzindo-se
também os momentos de enfrentamento pela adesão aos modelos definidos centralmente.
Outra divergência apontada pela autora referia-se ao entendimento de que se tornava
desnecessário investir em redes, em sistemas de saúde, mas sim em caminhos “simplificados”
como a promoção, hábitos e estilo de vida saudáveis. Malta (2001, p. 350) retrata que para os
defensores desta concepção, torna-se desnecessário impactar os grupos sociais através de um
esforço na organização das redes e na organização do processo de trabalho.
A autora identificava nestes pontos o debate atual na saúde coletiva, considerando que
muitos grupos vinham fazendo a aposta de estruturar propostas como as Cidades Saudáveis e
o PSF, trabalhando com premissas preventivistas. Conforme relatou, esse debate esteve
presente em Belo Horizonte, resultando na saída da equipe da SMSA, que considerou que a
tentativa de se implantar o PSF mesmo sem clareza sobre quais os passos a serem dados,
levou à desestruturação de projetos importantes.
A partir de 2002, a reorientação do modelo assistencial à saúde em Belo Horizonte deu
novos passos. Iniciou-se uma mudança no formato organizacional da atenção primária através
da contratação de centenas de profissionais para comporem equipes de saúde da família,
conforme o programa do Ministério da Saúde – o PSF50 –, sendo parte deles trabalhadores que
já eram vinculados ao corpo funcional do município/da SMSA e parte novas contratações.
(BELO HORIZONTE, 2005, p. 76)
Em 2002, foi implantado o Programa “BH Vida”. A partir do ano seguinte, a
integralidade da atenção à saúde no BH Vida passou a ser vista não apenas sob o aspecto da
organização dos recursos disponíveis, mas especialmente em relação ao fluxo do usuário para
acesso a tais recursos. Franco & Magalhães Jr. (2003) defendem que a garantia da
integralidade depende de se operar mudanças na produção do cuidado em todos os níveis da
assistência – rede básica, secundária, atenção à urgência e atenção hospitalar. Considerando
50 A equipe mínima de saúde da família preconizada pelo Ministério da Saúde é composta por um médico generalista ou médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e quatro a seis ACS, cujo número varia de acordo com o número de pessoas sob responsabilidade da equipe. Conforme apresentamos no capítulo 2 (Cf. subseção 2.4.3 – Características da Saúde da Família), outros profissionais podem ser incorporados às unidades de saúde da família ou em equipes de supervisão, de acordo com as necessidades e possibilidades locais. (BRASIL, 2001, 2003c)
117
esta reflexão, o programa passou a se chamar “BH Vida: Saúde Integral”. (FRANCO;
MAGALHÃES Jr., 2003, p. 126)
O Programa BH Vida: Saúde Integral foi desenvolvido pela Prefeitura de Belo
Horizonte para a estruturação do SUS tendo como eixo principal a organização da atenção por
meio da Estratégia de Saúde da Família e a estruturação do cuidado integral em todos os
níveis de assistência. Este modelo se orienta pela humanização do atendimento e
estabelecimento de vínculos.
A implantação do PSF em Belo Horizonte reforçou a importância do conceito de
território, da responsabilização, da vinculação e da vigilância da saúde. (BELO
HORIZONTE, 2005, p. 71) Além disso, materializou a concepção de AB do município de
Belo Horizonte como “rede de centros de saúde que se configuram como porta de entrada
preferencial da população aos serviços de saúde e que realizam diversas ações que buscam a
atenção integral aos indivíduos e comunidade”. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 13)
4.3.1 As Linhas do cuidado No BH Vida: Saúde Integral, a produção do cuidado é considerada de forma sistêmica
e integrada aos demais níveis assistenciais. Assim, todos os recursos disponíveis devem ser
integrados por fluxos que são direcionados de forma singular orientados pelo projeto
terapêutico do usuário. Os fluxos devem, ainda, ser capazes de garantir o acesso seguro às
tecnologias necessárias à assistência. (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 129-130)
Franco & Magalhães Jr. (2003) trabalharam com a imagem de uma linha de produção
do cuidado (Figura 5), que parte da rede básica – ou de onde se der a entrada no sistema –
para os diversos níveis de assistência.
Linhas do cuidado podem ser definidas como
Modelos matriciais de organização da atenção à saúde que visam a integralidade do cuidado e integram ações de promoção, vigilância, prevenção e assistência, voltadas para as especificidades de grupos ou necessidades individuais, permitindo não só a condução oportuna dos pacientes pelas diversas possibilidades de diagnóstico e terapêutica, como também, uma visão global das condições de vida. (BRASIL, 200651, p. 5 apud ANS, 2006, p. 15)
51 BRASIL, Ministério da Saúde, Plano nacional para o controle integrado das DCNT - promoção da saúde, vigilância, prevenção e assistência. Brasília, 2006c. - em revisão
118
Figura 5 – Linha de produção do cuidado
USUÁRIO Linha de Produção do Cuidado
(estruturada por projetos terapêuticos)
UBS, PSF e todo
cardápio de serviços
Apoio Diagnóstico e Terapêutico
Medicamentos Serviço de Especialidades
Outros serviços
Fonte: FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 130
As linhas do cuidado podem ser pensadas em duas dimensões: atenção à saúde
(individual) e diretriz de gestão ou para a formulação de políticas de atenção. Como dimensão
da atenção à saúde significa: cuidado integral, contínuo, articulado e oportuno, segundo as
necessidades do paciente, até a sua recuperação ou melhoria de sua autonomia no cotidiano.
Como diretriz de gestão, significa a organização necessária para viabilizar o cuidado
individual, em fluxo ágil em cada nível de atenção e entre eles, além de organizarem e
integrarem as equipes de saúde, reformulando processos de trabalho, organizando a atenção
primária e especializada, as urgências e emergências (ambulatorial e hospitalar), o apoio
diagnóstico, as terapias e a assistência farmacêutica, bem como as ações meio como
contratações, desenhos de rede, marcações, autorizações, auditorias e avaliações, de modo a
facilitarem o cuidado. (ANS, 2006; BRASIL, 2006a)
Para organizar a atenção à saúde, as linhas do cuidado podem ser divididas e
organizadas por diferentes critérios, tais como:
- fases de vida: da Criança (recém-nato, infante, pré-escolar, escolar,
adolescente), da Mulher (gestante, adulta, menopausa) e do Idoso;
- agravos (Doenças Respiratórias, Hipertensão, Diabetes, Cânceres, Doença
renal, AIDS, etc.);
- especificidades como Saúde Bucal, Mental, do Trabalhador etc.
Em qualquer critério escolhido, as linhas do cuidado devem ser desenhadas para
garantir a atenção integral e “continuidade do cuidado, como conexão, tanto de cada uma das
119
ações de promoção, proteção, cura, controle e de reabilitação quanto entre elas.” (BRASIL,
2006a, p. 35)
Para Cecílio & Merhy (2003, p. 206), as linhas de produção do cuidado são centradas
em processos de trabalho claramente marcados pela micropolítica do trabalho vivo em ato.
Franco & Magalhães Jr. (2003, p. 130) reforçam esta idéia argumentando que o usuário é o
elemento estruturante de todo processo de produção da saúde, desmontando-se o tradicional
modo compartimentado de intervir sobre o campo das necessidades. O trabalho integrado
reúne, na cadeia produtiva do cuidado, um saber cada vez mais múltiplo, pois
as linhas de cuidado pressupõem, também, uma visão global das dimensões da vida dos usuários e uma resposta global. Para além das respostas fragmentadas de profissionais isolados, as linhas de cuidado pedem respostas complementares de um trabalho em equipe. (BRASIL, 2006a, p. 36)
Belo Horizonte adotou o conceito de “linha de produção do cuidado” como eixo
ordenador da assistência integral. No BH Vida: Saúde Integral, este conceito sintetiza a idéia
de que a rede assistencial (primária, secundária e terciária) deve estar integrada e ofertar todos
os recursos – ou “tecnologias do cuidado” – necessários à assistência ao usuário.
A linha do cuidado é demarcada pelo projeto terapêutico determinado ao usuário, após estabelecimento do seu diagnóstico e o risco individual ou coletivo de agravo à sua saúde, com buscas a implantar este sistema, tendo como centro a rede básica de assistência à saúde. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 79)
Esta forma de produção do cuidado apareceu em Belo Horizonte como uma inovação
nas propostas assistenciais do SUS, podendo ser considerada uma primeira experiência de
radical integralidade na atenção à saúde. (BELO HORIZONTE, 2003a; FRANCO;
MAGALHÃES Jr., 2003)
A implantação das linhas de cuidado possibilita descrever e analisar a produção de um
grande pacto na rede de assistência à saúde, que deve ser feito entre todos os sujeitos que
controlam serviços e recursos assistenciais.
É o centro de viabilização da proposta de integralidade, associado à consolidação do vínculo/responsabilização da ESF [equipe de saúde da família], produzindo uma grande capacidade de interlocução, negociação e implicação de todos os atores dos diversos níveis assistenciais. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 79)
120
Define-se que a equipe de atenção primária – equipe da UBS ou equipe de saúde da
família – tem responsabilidades sobre o cuidado; deve acolher, discriminando riscos, e, ser
gestor do projeto terapêutico. Portanto, deve acompanhar o usuário, garantindo o acesso aos
outros níveis de assistência (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 130) e a integralidade do
cuidado.
A situação esperada é um “caminhar” do usuário, na rede de serviços, seguro,
tranqüilo, sem obstáculos, com qualidade da assistência. Para isso, preconiza-se a garantia de:
- Disponibilidade de recursos que devem alimentar as linhas de cuidado;
- Fluxos assistenciais centrados no usuário, facilitando o seu “caminhar na
rede”;
- Instrumentos que garantam uma referência segura aos diversos níveis da
atenção (formulários, central de marcação, uso da informática etc.);
- Garantia de contra-referência para as equipes de saúde da família nas UBS,
onde deve ocorrer vínculo e acompanhamento da clientela sob cuidados da
rede assistencial;
- Definição dos diversos níveis gestores do cuidado, de forma que o projeto
terapêutico executado na linha de produção tenha um acompanhamento seguro;
- Programação de reuniões periódicas para manutenção do pacto sobre o sistema
em funcionamento, numa gestão colegiada que envolva todos os que controlam
recursos assistenciais. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 79-80)
A proposta inicial para o BH Vida: Saúde Integral foi de organizar as linhas do
cuidado nas seguintes áreas: Atenção ao Idoso, Saúde da Criança, Saúde Materna, Atenção ao
Agudo, Atenção às doenças cardiovasculares e Saúde Bucal, (FRANCO; MAGALHÃES Jr.,
2003, p. 131) além das linhas internas aos níveis de atenção. A Figura 6 descreve o fluxo da
linha de cuidado que opera internamente à Atenção Primária em Belo Horizonte:
121
Figura 6 – Fluxograma descritor, resumido, da linha de cuidado interna à UBS/ESF
Fonte: BH Vida: Saúde Integral (BELO HORIZONTE, 2003a, p. 15)
De fato, a APS ganha relevância ao se considerar que a maior parte dos problemas de
saúde pode ser resolvida neste nível de atenção. Para isso, a concretização de um modelo de
Saúde Integral impõe à APS diversas características, como pode ser visto a seguir.
122
4.3.2 Características da Atenção Primária e papel Saúde da Família em Belo Horizonte52 As práticas desenvolvidas no nível da APS em Belo Horizonte seguem princípios e
diretrizes. Alguns destes são comuns à Estratégia de Saúde da Família e podem ser vistos no
capítulo 2, seção 2.4.3, ao passo que outros são singulares ao programa no presente
município. Em conjunto, essas características explicitam a intencionalidade política do
modelo de organização proposto. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 14)
Há princípios53 tomados para a APS que se relacionam também com o sistema de
saúde como um todo, a saber:
- Universalidade;
- Eqüidade;
- Integralidade e
- Participação social. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 14-15)
Os pressupostos54 para a APS de Belo Horizonte são:
- Acessibilidade: circunstâncias que viabilizam ou impedem a entrada do usuário
na rede de serviços, podendo ser físicas, de natureza cultural ou administrativa
da organização dos serviços;
- Educação permanente: compreende o serviço de saúde como local de
aprendizagem contínua, participativa e potencialmente transformadora dos
processos de trabalho;
- Intersetorialidade;
- Gestão democrática;
- Humanização: valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de
produção de saúde – gestores, usuários e trabalhadores e
- Qualidade da atenção. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 15)
52 A SMSA adota a denominação “atenção básica” em grande parte de seus documentos. No entanto, como já mencionado nos capítulos 1 e 2, priorizo a utilização do termo atenção primária à saúde, considerando “primária” como primordial, referindo-se à atenção primeira a que os indivíduos devam ter acesso. 53 Princípios: base de uma determinada política de saúde; atuam como ponte entre valores sociais mais amplos – como o direito à saúde, o conceito ampliado de saúde – e os elementos estruturais ou diretrizes desta política. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 14) 54 Pressupostos: condições sistêmicas, mais amplas, que devem reger as diretrizes do modelo assistencial (para a APS). (BELO HORIZONTE, 2006, p. 15)
123
Além destas características, a APS em Belo Horizonte é orientada, também, pelas
seguintes diretrizes55:
- Abrangência56: ações adequadas às necessidades de saúde da população e aos
problemas mais freqüentes, integrando ações programadas e atendimento à
demanda espontânea e articulando ações clínicas individuais e ações coletivas;
- Atenção generalizada: oferece o cuidado para qualquer problema de saúde em
qualquer estágio do ciclo de vida do paciente;
- Primeiro contato;
- Acolhimento: expressão de escuta qualificada, relação cidadã e humanizada;
- Longitudinalidade;
- Vinculação: adscrição da população às equipes não só através do território,
mas também do estabelecimento de afetividade, relação terapêutica e
continuidade do cuidado, de modo a tornarem-se referência aos pacientes,
constituindo fortes laços interpessoais;
- Responsabilização;
- Coordenação do cuidado;
- Resolutividade;
- Atenção centrada na pessoa, e não na enfermidade ou no evento;
- Atenção orientada à família e à comunidade;
- Valorização do saber e autonomização do usuário, possibilitando que o
usuário ganhe autonomia e se co-responsabilize por seu cuidado;
- Trabalho em equipe;
- Uso do planejamento e da programação;
- Vigilância à saúde e
- Organização baseada no território. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 15-17)
A função primordial da Saúde da Família no SUS de Belo Horizonte tem sido
reorganizar a assistência à saúde a partir da APS através da reorganização do trabalho nos CS
e da inserção de novos saberes e práticas no cotidiano dos serviços.
55 Diretrizes: características ou propriedades que a rede básica de saúde deve apresentar no seu modo de organização, traduzidas em elementos estruturais e funcionais. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 15) 56 No capítulo 2, fazemos uma comparação entre a abrangência e a integralidade (Cf. 2.2.1 – Características da Atenção Primária).
124
Dadas as características de sua organização – elevada cobertura, profissionais
generalistas, inserção do ACS, jornada de trabalho integral etc. –, diferentes das da
organização anterior, a Saúde da Família parece trazer maior potencial para efetivação das
diretrizes mencionadas. Portanto, deve ser a porta de entrada para a população a ela adscrita,
prestando atenção integral de modo oportuno e qualificado. (BELO HORIZONTE, 2006, p.
17)
A Saúde da Família em Belo Horizonte está localizada nos CS, o que faz com que as
diversas ações que nele ocorrem sejam realizadas pelas equipes dos centros. Assim, os
membros das ESF são responsáveis, junto com os demais profissionais, pela realização das
atividades matriciais do CS, tais como: vacinas, procedimentos de enfermagem, algumas
ações referentes à vigilância epidemiológica (controle de surtos, notificações) entre outras.
Isto se deve ao fato de serem ações de tecnologia leve-dura e não comprometerem o
estabelecimento do vínculo da população e a continuidade do cuidado e porque várias destas
atividades estão intimamente ligadas às competências e atribuições das diferentes categorias
profissionais, independentemente de estes profissionais estarem compondo as ESF. (BELO
HORIZONTE, 2006, p. 18)
4.3.3 Um novo modo de fazer saúde: a implantação das Equipes de Saúde da Família Conforme apresentamos, em 1999 foram implantadas equipes compostas por ACS. No
primeiro semestre do ano de 2000, 2.625 ACS foram incorporados à rede, atingindo a 70% da
população de Belo Horizonte ou cerca de 1,5 milhão de habitantes e exercendo atividades de
vigilância, conscientização e promoção em qualidade de vida. (BRASIL, 2005a, p. 9)
Com a incorporação do PSF ao modelo em Belo Horizonte a partir de 2002, as equipes
passaram a ser constituídas por um médico generalista, um enfermeiro, dois auxiliares de
enfermagem57 e quatro a seis ACS. Houve incentivo para que os profissionais médicos e
enfermeiros da rede migrassem para a Saúde da Família, porém a Secretaria Municipal de
Saúde (SMSA) de Belo Horizonte não obteve o resultado esperado. Dessa forma, aqueles que
optaram por não fazer parte das ESF permaneceram nas suas unidades de saúde de origem.
(BELO HORIZONTE, 2006; BRASIL, 2005a)
A SMSA incentivou, também, a criação de “equipes de apoio” para agregar o
especialista, particularmente os das clínicas básicas, ao trabalho da equipe básica de saúde da 57 Nisto consiste uma das diferenças entre o BH Vida: Saúde Integral e o PSF do MS, o qual sugere apenas um auxiliar de enfermagem para compor a equipe básica.
125
família. Para o desenvolvimento das ações no PSF, médicos clínicos, ginecologistas e
pediatras passaram a atuar como apoio às ESF. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 71) A
responsabilidade clínica e sanitária da população coberta passou a ser do médico generalista e
equipe; porém, nos casos em que o núcleo de conhecimento específico do especialista é
necessário, este é acionado. O profissional especialista tornou-se referência para a equipe
básica e seu trabalho se configurou numa espécie de “retaguarda” para as equipes básicas,
destinado principalmente a situações agudas ou mais complexas.
Um outro segmento de profissionais que não aderiram à estratégia ficou responsável
pelo atendimento da população dita como de baixo risco, nos moldes do atendimento à
demanda e agendamento de consultas. (BELO HORIZONTE, 2006; BRASIL, 2005a)
Em 2003, a SMSA publicou o documento “Recomendações para a organização da
atenção básica na rede municipal de saúde” (Cf. BELO HORIZONTE, 2003b), pelo qual
preconizava que as decisões quanto às formas de organizar a unidade de saúde ou a
composição das equipes deveriam considerar sempre a garantia dos princípios e diretrizes do
modelo da Secretaria, assim como a qualidade e a resolutividade da assistência.
A SMSA recomendava que as unidades, independentemente da sua forma de
organização e/ou cobertura por ESF, deveriam aderir a pactos de garantia do cumprimento das
diretrizes do modelo e de alcance de resultados, com o seu desempenho sendo avaliado
periodicamente segundo critérios e indicadores definidos e pactuados com as unidades de
saúde e equipes.
Agregando discussões acerca da organização do processo de trabalho em nível
micropolítico, a SMSA reforçava as diretrizes para o modelo tecnoassistencial definido e
propunha formas de organizar a APS para todos os cidadãos. E ressaltava que, portanto, não
existiriam modelos distintos de atenção, coexistindo de forma paralela, mas formas diversas
de organização das UBS, que levassem em conta a situação de vulnerabilidade da população e
gerassem impacto na situação de vida e saúde da população. (BELO HORIZONTE, 2003b, p.
4)
A atenção básica passava a ser compreendida num único modelo de atenção, pautado
em diretrizes comuns, a ser implementado pelos diversos profissionais de saúde. A
implantação de ESF continuava sendo priorizada, como no início, para as áreas de risco muito
elevado, elevado e médio, porém passou a ser prevista a cobertura para a população de baixo
risco nos CS onde esta representasse menos de 20% da população da área de abrangência.
(BELO HORIZONTE, 2006, p. 8)
126
4.3.3.1 O papel dos profissionais das Equipes de Saúde da Família
Os profissionais das ESF no BH Vida: Saúde Integral possuem atribuições comuns a
todos e outras que são específicas de cada categoria profissional.
Observa-se que o trabalho do médico generalista – ou médico de família – tem
características que são preconizadas também pela Sociedade Européia de Clínica Geral /
Medicina Familiar (WONCA Europa), como:
- realizar abordagem centrada na pessoa, e não na doença, orientada para o
indivíduo, o contexto familiar e comunitário;
- possuir um rol de atividades determinado pelas necessidades de saúde da
comunidade;
- lidar com problemas de saúde complexos e não pré-selecionados;
- estar apto a gerir simultaneamente múltiplas queixas e patologias de forma
contínua e com eficiência e
- coordenar os cuidados médicos quando acionadas outras especialidades ou
recursos de diagnóstico. (BELO HORIZONTE, 2006; WONCA EUROPA,
2002)
As características do trabalho dos profissionais enfermeiros parecem vir mudando em
direção ao atendimento integral, tendo sido incorporadas e ampliadas atividades assistenciais,
como já ocorria desde a implantação do Acolhimento. (MALTA et al., 1998) O espaço de
ação extrapola o CS, atingindo a família, a comunidade e outras instituições sociais da área.
Os auxiliares de enfermagem também “lidam com novos desafios no trabalho das
ESF”, embora parte importante de seu tempo seja destinada à realização de atividades-meio.
Salienta-se que as ações de enfermagem são de natureza cuidadora, sendo o cuidado a
“essência da enfermagem”, que envolve a ação de cuidar, mas também o aspecto subjetivo.
(BELO HORIZONTE, 2006, p. 21)
Os ACS são destacados como peça chave da Saúde da Família. Este novo ator para o
modelo de atenção à saúde neste município é membro integrante da ESF e tem suma
importância; seu saber provém do conhecimento do território, da relação de vizinhança e dos
laços solidários que aí se constroem, sendo este saber o diferencial que enriquece a prática da
equipe. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)
127
Com seu trabalho definido mais por objetivos e metas do que por processos de
trabalho, o ACS tem o papel de fazer o elo entre a equipe de saúde e os usuários através de
um relacionamento estreito e permanente com a comunidade, onde ele deve morar. As
principais atividades desenvolvidas são as de Educação em Saúde para prevenção a doenças e
promoção da saúde e aquelas voltadas à Vigilância junto ao domicílio e à área de abrangência.
(BELO HORIZONTE, 2003b; 2006)
4.3.3.2 O gerente do Centro de Saúde O gerente do CS é também sujeito institucional que tem grande importância na
implementação da Saúde da Família. Como vimos para a década de 1990 no município, os
Gerentes de UBS são agentes para a mudança do modelo de atenção. (CAMPOS, 1998, p. 20)
Ele é o gestor de saúde na área de abrangência do CS, o representante legal da gestão
municipal mais próximo dos trabalhadores e das equipes. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 26)
Porém, é importante que haja um “incremento” na sua atuação, pois, além de exercer
funções gerenciais usuais de supervisão e coordenação, deve criar e sustentar espaços de
interlocução entre os atores, articulando objetivos institucionais aos saberes e interesses dos
trabalhadores e usuários, evitando a tendência a se reproduzirem formas burocratizadas de
trabalho. O gerente deve trabalhar com as demandas dos sujeitos e provocar/ofertar temas
relevantes para discussão, ajudando as equipes a aumentarem sua capacidade analítica e de
intervenção na realidade em que atuam. (BELO HORIZONTE, 2006, 70)
Como nos diz G. Campos (2005b, p. 112), a gestão de processos de trabalho é a forma
concreta como os modelos se reordenam, devendo o tema do processo
saúde/doença/intervenção ser incorporado aos conhecimentos e práticas de gestores, bem
como negociados com usuários e trabalhadores das equipes.
4.3.3.3 Saúde Mental e Saúde Bucal: presentes A Saúde da Família em Belo Horizonte é também caracterizada pela integração com
outras áreas da saúde no nível da APS, com equipes de Saúde Bucal (ESB) e de Saúde Mental
(ESM) atuando junto às de Saúde da Família.
Um dos princípios da Política de Saúde Mental fundamenta-se na construção de uma
clínica capaz de superar a organização de serviços nos moldes do paradigma médico-
128
sanitarista clássico, dos níveis de complexidade (primário, secundário e terciário), em que se
situam, de um lado, sinais e sintomas a suprimir e, “de outro, níveis de complexidade
tecnológica adequados à dimensão fenomenológica dos primeiros, configurando uma clínica
de ‘coisas a fazer’, de produção zero de sintoma”. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)
Naquele paradigma estariam presentes
a ênfase excessiva na chamada organização da demanda; o acento nos cuidados primários, na prevenção e na vigilância à saúde (...) em detrimento do tratamento das doenças; a expectativa demasiada na racionalidade do planejamento; a tendência dominante à organização de programas para doenças estatisticamente constatáveis, paralela à recusa sistemática da demanda espontânea. (LOBOSQUE; ABOU-YO, 1998, p. 244)
A questão trazida é a superação deste dilema, com a reinvenção cotidiana da clínica e
de sua construção.
Alguns princípios e diretrizes dessa Política são também orientadores da Estratégia de
Saúde da Família, como universalidade, eqüidade, atenção integral e generalizada,
acessibilidade, abrangência, acolhimento, humanização, vínculo e responsabilização e
trabalho em equipe. Contudo, em Belo Horizonte, destacam-se como “pontos de encontro”
dos dois projetos o conceito de território, o trabalho em equipe e o vínculo e a
responsabilização, no que diz respeito à clínica.
Para a Saúde Mental, o território, para além de um ordenador espaço-temporal, é
também o ordenador político-social dos serviços e ações, como o é para a Saúde da Família.
Destarte, “o território não está dado, é algo a se construir, por intermédio de ações coletivas”.
(BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)
Nesta mesma direção, o trabalho em equipe é tido como “um instrumento para
superação do paradigma médico convencional de organização dos serviços, onde saberes
disciplinares estanques orbitam ao redor do saber médico hegemônico”. A adoção do caráter
multidisciplinar nesta forma de organização alarga competências comuns, além de desmontar
e reorganizar poderes e saberes estabelecidos, pois o cuidado e os projetos terapêuticos
requerem a combinação de instrumentos, técnicas e atos terapêuticos complexos e variados,
orientados pelas necessidades dos usuários. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 39)
Outrossim, em relação à clínica, o vínculo e a responsabilização são “pontos de
encontro” que contribuem para a superação de uma tradição que reduz a prática clínica à
dispensação de consultas e incluem a subjetividade e a participação do usuário no seu
processo terapêutico. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40)
129
A organização da Saúde Mental na APS baseia-se nos referidos princípios e seguem
critérios. Entre eles, destacamos:
- as equipes de Saúde Mental (ESM) nos CS se integram a uma rede assistencial,
atuando conjuntamente com os demais dispositivos;
- as ESM devem priorizar o atendimento dos portadores de sofrimento mental
grave e persistente, porém sem deixar de acolher, orientar e encaminhar outras
demandas – que podem ser atendidas e acompanhadas pela ESF, com suporte e
apoio das ESM;
- as ESM se mantêm referenciadas aos seus CS e respectivas ESF58;
- o acolhimento dos portadores de sofrimento mental é responsabilidade da
unidade e deve ser feito pela ESF a que o usuário é adscrito, a qual conta com
apoio matricial da ESM;
- é preconizada a organização do trabalho em equipe multidisciplinar;
- deve-se garantir a participação da comunidade no controle e planejamento das
ações de saúde mental na microárea e território;
- deve-se garantir o atendimento de qualidade à clientela prioritária, com pronto
acesso e construção de um projeto terapêutico singularizado, contendo, além
das medidas e ações clínicas strito sensu, aquelas relativas à reabilitação/
reinserção social e aos cuidados/ orientações em caso de crise;
- deve haver discussão conjunta entre os equipamentos destinados à saúde
mental nos diferentes níveis de atenção – ESM, CERSAM, Centro de
Convivência e ESF – de modo a favorecer o intercâmbio;
- deve-se garantir o acompanhamento do usuário, pelas ESM e/ou ESF, no
percurso da linha do cuidado que ele vier a requisitar nos diversos níveis de
atenção, participando e contribuindo nas ações que se façam necessárias nestes
níveis;
- as ESF devem se responsabilizar pelo cuidado clínico de todos os portadores
de sofrimento mental de seu território. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40-41)
58 Em geral, cada ESM responde por duas ou três UBS. A proporcionalidade ESM/ESF obedece a critérios epidemiológicos, demográficos, de acesso, de números de egressos hospitalares, p. ex., e não ser baseada no número de ESF a referenciar. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 40)
130
A saúde bucal também está incorporada à Estratégia de Saúde da Família no município
e sua organização no âmbito da APS tem como objetivo a ampliação gradativa do acesso da
população aos serviços odontológicos, visando à melhoria da função mastigatória para se
reverter o atual quadro epidemiológico. O atendimento das urgências odontológicas, como na
Saúde Mental e Saúde da Família, deve ser feito conforme diretrizes de responsabilização e
vínculo. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 43) De fato,
A inserção da Saúde Bucal na estratégia Saúde da Família representou a possibilidade de criar um espaço de práticas e relações a serem construídas para a reorientação do processo de trabalho e para a própria atuação da saúde bucal no âmbito dos serviços de saúde. Dessa forma, o cuidado em saúde bucal passa a exigir a conformação de uma equipe de trabalho que se relacione com usuários e que participe da gestão dos serviços para dar resposta às demandas da população e ampliar o acesso às ações e serviços de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal, por meio de medidas de caráter coletivo e mediante o estabelecimento de vínculo territorial. (BRASIL, s.d.)
No município, há diferentes modalidades59 de equipes de Saúde Bucal (ESB) e uma
das metas atuais é a continuidade de credenciamento de ESB através de equipes modalidade
II, o que aponta para a importância dada ao Técnico em Higiene Dental (THD) no controle da
incidência das doenças bucais e no acesso aos serviços. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 44)
4.3.3.4 Reabilitação: experiência multiprofissional na Atenção Primária
A assistência em reabilitação em Belo Horizonte encontra-se centrada na atenção
secundária, que conta com o Centro de Reabilitação Sagrada Família (CREAB) e Serviços de
Reabilitação. As ações no nível da APS encontram-se restritas aos CS que possuem, de forma
isolada, algum profissional de reabilitação ou estágios acadêmicos. Somado a isso, as ESF
não estão suficientemente preparadas para a detecção, ações, acompanhamento e
encaminhamentos daqueles usuários que necessitam de reabilitação.
É premente a necessidade de implementar ações de promoção, prevenção e
reabilitação na APS de modo a manter e/ou melhorar as condições de vida da população.
(BELO HORIZONTE, 2006, p. 33) Considerando o estrangulamento na prestação de serviço
para a atenção secundária em reabilitação e para melhorar este fluxo na base e estimular a
promoção da saúde, a SMSA instituiu, em 2005, um projeto piloto, o Núcleo de Apoio em
59 ESB Modalidade I: composta por Cirurgião-Dentista (CD) e Auxiliar de Consultório Dentário (ACD); ESB Modalidade II: composta por CD, ACD e Técnico em Higiene Dental (THD).
131
Reabilitação (NAR), para dar suporte às equipes em uma das regionais mais populosas da
cidade, o Distrito Sanitário Barreiro. (BRASIL, 2005a, p. 15) Atualmente, o município conta
com dois núcleos, tendo sido implantado um núcleo mais recente no Distrito Sanitário Norte.
A proposta é que seja constituído um NAR em cada distrito sanitário. (BELO HORIZONTE,
2006, p. 33)
O Núcleo é constituído de 16 profissionais, entre fisioterapeutas, terapeutas
ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais. A partir da
capacitação e sensibilização das equipes com trabalho in loco e treinamentos, o núcleo do
Barreiro se tornou referência para assistência em casos específicos.
As atividades do núcleo englobam as visitas domiciliares, pelas quais são atendidos os
pacientes acamados cadastrados previamente; os grupos operativos, que debatem sobre
algumas patologias ou são organizados pela comunidade, tendo caráter lúdico ou de
convivência; ação em creches e asilos junto com as equipes; e atendimento à população.
(BRASIL, 2005a, p. 15)
Identificadas as populações a serem priorizadas nas modalidades de ação do NAR – as
pessoas com deficiências e incapacidades em todos os ciclos de vida, seus cuidadores e
familiares e pessoas em situação de risco e com alto grau de vulnerabilidade – o NAR passa a
desenvolver diversas ações em conjunto com as ESF. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 34)
No entanto, há uma série de ações que são específicas do NAR e que dependem
fundamentalmente do conhecimento trazido por cada profissional. Destacamos, entre elas:
- Desenvolver ações de reabilitação;
- Realizar VDs para orientações, adaptações, acompanhamentos a usuários
acamados restritos ao leito e/ou domicílio, em conjunto com os ACS;
- Capacitar, orientar e dar suporte às ações dos profissionais das ESF;
- Realizar com as ESF reuniões periódicas para discussão e elaboração de
Projetos Terapêuticos, estabelecendo condutas conjuntas e complementares;
- Orientar e informar as pessoas com deficiência, cuidadores e ACS sobre
manuseio, posicionamento, atividades de vida diária, recursos e tecnologias de
atenção para o desempenho funcional frente às características específicas de
cada indivíduo;
- Desenvolver ações de reabilitação baseadas na comunidade;
- Realizar encaminhamento e acompanhamento das indicações e concessões de
órteses e próteses realizados por outro nível de atenção à saúde;
132
- Acolher os usuários que requerem cuidados de reabilitação, realizando
orientações, atendimento e/ou acompanhamento, de acordo com a demanda da
ESF;
- Qualificar a APS com ênfase na Estratégia de Saúde da Família, ampliando a
resolubilidade e avançando na construção da integralidade das ações na
atenção à saúde;
- Produzir material gráfico (cartilhas, folders) de orientações sobre promoção,
prevenção, curiosidades e cuidados com a saúde. (BELO HORIZONTE, 2006,
p. 34-35)
Como se vê, diversas ações que são específicas dependem, de fato, do conhecimento
trazido por cada profissional, da base cognitiva de cada profissão, que acaba se relacionando
com a formação profissional, embora seja intrínseco às questões de identidade e objeto.
4.3.4 Organização dos processos de trabalho e reordenamento da assistência Em Belo Horizonte, parte-se da idéia de que qualquer inovação desejada na atenção
necessariamente deve se atrelar a inovações nas formas de organização e gestão do trabalho.
Para isso, é preciso a integração dos trabalhadores entre si e destes com os usuários e com a
população, construindo novas formas de interação e de respostas. (BELO HORIZONTE,
2006, p. 47)
Isso exige uma mudança nos processos de trabalho em saúde,
implicando na valorização da comunicação e dos espaços de participação e negociação, do trabalho em equipe, das parcerias, do uso de dispositivos de qualificação da escuta e dos projetos terapêuticos, da produção e apropriação coletiva de instrumentos como protocolos clínicos e organizacionais, do uso da informação, e das ferramentas do planejamento, monitoramento e avaliação das intervenções, como estratégias importantes para o desempenho no trabalho, melhorando as respostas e aumentando a satisfação dos usuários e trabalhadores. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 49)
Assim, considerando que o processo de trabalho é pactuado pela equipe, de forma que
garanta as diretrizes gerais propostas para organização da assistência, algumas características
são listadas quanto ao ambiente interno à unidade de saúde e às equipes, a saber:
133
1) Cada trabalhador de saúde, na sua atividade produtiva, depende de outros profissionais
e estes dos demais. Não há auto-suficiência no trabalho em saúde e todos formam uma
rede de petição e compromissos que opera no dia-a-dia dos serviços, mesmo que esta
rede de relações não seja formalizada;
2) A ESF deve ter autonomia para organizar seu processo de trabalho desde que garanta
amplo acesso com acolhimento da sua clientela, oferte ações individuais e coletivas e
participe do sistema de referência e contra-referência, operando a linha do cuidado e
pactuando-a com a gerência da UBS;
3) A UBS deve ser tratada com prioridade, dado seu papel fundamental de apoio,
coordenação e referência para os serviços;
4) As ações de enfermagem devem ser ofertadas durante todo o dia, a toda clientela que
aparecer na Unidade, independente do seu vínculo. Todos os usuários devem ter
acesso, devem ter uma escuta qualificada e uma resposta positiva ao seu problema de
saúde;
5) As ESF estão organizadas prioritariamente em áreas de risco e devem abranger 70%
da população do município. Há, portanto, parte da população que não está vinculada, à
qual deve ser garantida assistência integral, com acolhimento na rede assistencial e
livre curso na linha do cuidado, quando necessário. As condutas e encaminhamentos
deverão ser garantidos conforme os preceitos do acolhimento e de um serviço usuário-
centrado. A inserção desta clientela na linha do cuidado ocorre da mesma forma que a
dos usuários contemplados com vinculação às equipes;
6) O trabalho dos ACS está relacionado principalmente às ações de promoção à saúde e
cuidados com a clientela adscrita e está voltado também à vigilância junto ao
domicílio e à área de abrangência;
7) Quanto à relação com os outros níveis tecnológicos da atenção, todas as demandas por
tecnologias materiais ou não que exijam outros níveis de atenção devem ser
claramente demandados e monitorados pela equipe. Da mesma forma, o sistema
necessita desenvolver mecanismos de forma a captar a “clientela escapada” da APS ou
134
própria de serviços de urgência, para o seu encaminhamento para o núcleo básico, ou
seja, sua unidade de referência. (BELO HORIZONTE, 2003a, p. 5-7)
Esta exposição reitera a argumentação feita no capítulo 3 de que a reorientação do
modelo assistencial exige, igualmente, a reorientação do processo de trabalho. Nesse sentido,
a SMSA sugere, entre as diretrizes para a organização do processo de trabalho das equipes,
estratégias para o reconhecimento da situação a ser transformada. A primeira delas seria a
“qualificação do encontro entre trabalhadores e usuários”, pois conhecer as reais necessidades
e demandas dos usuários e comunidade para o “fazer saúde” depende da garantia da qualidade
da interação que se estabelece entre serviços, trabalhadores, gestores e população.
Na qualidade dessa interação, são destacadas a capacidade e o potencial de escuta dos
trabalhadores, individualmente e em equipe, para o que se utilizam de saberes específicos,
técnicos, competências “de núcleos”, bem como outros saberes e experiências, exercitando
habilidades que devem ser comuns a todos os trabalhadores da saúde, as competências “de
campo”. Cabe ressaltar que o desenvolvimento e aprimoramento desta escuta qualificada
depende do aprimoramento do trabalho em equipe. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 51)
Outra estratégia recomendada pela SMSA é a utilização de informação para o
reconhecimento da realidade de modo a organizar e orientar o trabalho das equipes locais e
CS. Isto é corroborado pela idéia de que a informação constitui insumo e ferramenta
estratégica para o planejamento, acompanhamento e avaliação das ações de saúde. Nesse
sentido, são também preconizados o planejamento local, a programação, monitoramento e
avaliação e a consolidação de espaços de participação dos usuários e comunidade. (BELO
HORIZONTE, 2006)
Outras discussões acerca dos modos de organização do trabalho na APS em Belo
Horizonte serão aprofundadas a seguir, em confronto e em discussão com os resultados
obtidos através da pesquisa de campo realizada para coleta dos dados desta dissertação.
CAPÍTULO 5 – NOSSOS ACHADOS: RESULTADOS E DISCUSSÃO
O presente capítulo constitui-se no desenvolvimento “em si” da dissertação, contendo
os resultados e as discussões pertinentes ao nosso pressuposto inicial e objetivos.
Os resultados referem-se a dados coletados e trabalhados a partir de documentos
oficiais da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSA) e, principalmente, a
dados “subjetivos” obtidos a partir das entrevistas semi-estruturadas. Estes, portanto, referem-
se diretamente ao indivíduo entrevistado, isto é, suas atitudes, valores e opiniões, que,
segundo Minayo (2004), só podem ser conseguidos através da contribuição dos atores sociais
envolvidos.
5.1 PERCEPÇÕES SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DO BH VIDA: SAÚDE INTEGRAL 5.1.1 A mudança e os impactos da Estratégia de Saúde da Família em Belo Horizonte
O documento “A Atenção Básica de Saúde em Belo Horizonte: Recomendações para a
organização local” (Cf. BELO HORIZONTE, 2006) aponta vários avanços decorrentes da
implantação da Saúde da Família. Entre eles, destaca que:
- o incremento do número de trabalhadores e a reorganização do processo de
trabalho modificaram a forma de abordar as pessoas;
- houve diversificação na oferta de ações de promoção da saúde, ampliação do
acesso aos serviços de saúde – em especial para a população adulta – com a
APS se configurando como principal porta de entrada do sistema;
- houve um aumento na complexidade do cuidado médico e de enfermagem
prestado na APS;
- com a estabilização de diversas equipes, houve ampliação do vínculo da
população com o Centro de Saúde (CS), com responsabilização das equipes e
possibilidade de prestação de cuidado de forma continuada. (BELO
HORIZONTE, 2006)
136
Decerto, algumas falas apontam que houve uma “herança” do modelo assistencial
anterior que corroborou para os resultados positivos do programa:
Desde 93, quando uma administração popular assume, (...) um grupo, os sanitaristas da época, se reúnem e fazem uma proposta para Belo Horizonte, que, ao meu ver, apesar de algumas mudanças, ela vem firmemente sendo sustentada pela administração... Que é realmente de garantir o Sistema Único de Saúde com todos os seus princípios. Eu acho que é uma cidade, é uma capital, uma metrópole, nós nunca tínhamos vivido no Brasil uma experiência dessa, que eu acho que até hoje a gente não vive, então nós tivemos que inventar muita coisa. (Membro da GEAS A) ...antes do PSF a gente já tinha essa coisa do acolhimento e do cuidado integral, não é específico do PSF, a gente já tinha esses princípios do SUS como missão mesmo. Então acolhimento é uma coisa antiga, acabar com a ficha, acabar com a fila, acolher todo mundo, organizar, isso é uma história antiga de Belo Horizonte. (Membro da GEAS B) ... não tinha PSF, mas nós tínhamos inúmeras concepções de PSF. Nós tínhamos os princípios do PSF. Acolhimento é uma coisa super trabalhada, questão de visitas domiciliares, era trabalhado, (...) então tínhamos essa tentativa de aproximar, essa concepção de território, não só como barreira, mas também com todo dispositivo, tudo aquilo que aquela área, que aquela vida, aquela comunidade pode oferecer. (Membro da GEAS A)
Porém, conforme apresentamos no capítulo 4, houve embates e obstáculos a serem
suplantados para a implementação do BH Vida: Saúde Integral, particularmente para a
implementação do PSF, o que acabou a acarretando em um “atraso” em relação a outros
municípios no Brasil.
As entrevistas apontam alguns fatores que influenciaram ou que podem ter
influenciado este “tempo” do PSF no município:
Foi uma opção, eu acho que uma opção política da gestão. (Gerente A) ... quando se constrói um modelo você se agarra nele meio muito, não é?, meio demais e às vezes fica com uma certa dificuldade de escutar o que pode vir de diferente e o que pode ser interessante. (Membro da GEAS A) ... por ser uma grande cidade, nós tivemos dificuldade, por ter várias categorias profissionais, com várias posturas, por ter dificuldade de fazer com que as pessoas desmistificassem o modelo anterior, para aceitação. (Gerente B)
e evidenciam o debate, as críticas e as resistências que surgiram à época:
... houve uma resistência muito grande da própria gestão municipal na saúde a essa implantação, a essa mudança, porque é uma mudança traumática. Hoje é mais fácil falar, mas foi muito difícil. A própria população criticava inicialmente. Então a
137
decisão política não foi fácil de ser tomada, não! (...) Quando você não tem nada, é só expandir cobertura, é fácil; mas quando você já tem uma rede instalada, que você vai ter que enfrentar o seu próprio conceito do que é atendimento adequado em saúde, a população, a corporação médica, isso tudo é uma mudança muito brusca. (Membro da GEAS C) A consolidação de qualquer processo dentro da Prefeitura, ela sempre passou por muita discussão. (...) Esse momento político demanda tempo e em Belo Horizonte como já tinha uma saúde bem estruturada dentro dessa lógica (...) de ter um ginecologista, de ter um clínico, de ter a equipe de saúde, de ter esses profissionais dentro da unidade, ficou complicado, ficou difícil da gente não fazer uma discussão muito grande com a sociedade, entendeu? E (...) como todo processo de organização de serviço, envolve tanto a questão política quanto a questão organizacional de fato. (Gerente C) ... na implantação do Programa de Saúde da Família foi difícil. A gente tinha alguns facilitadores e alguns dificultadores, tinha vários mitos de que “o Programa de Saúde da Família vai desmantelar, e não vamos conseguir, e não sei o quê... vai acabar com tudo que já foi feito com a criança...” Tinha vários mitos. Então a implantação foi pesadíssima. (Gerente B) Olha, a implantação do PSF aqui (...) foi uma coisa muito complicada. [Muitos saíram da SMSA] pela maneira a meu ver extremamente autoritária de funcionar, de trabalhar a concepção de modelo. Mas agora eu acho que de 2003 para cá a gente consegue retomar, ampliar um pouquinho. Nós conseguimos fazer um pacto com os trabalhadores nessa concepção. Porque Belo Horizonte até pouco tempo atrás ela resistiu ao PSF da maneira também como o Ministério apresentava. (Membro da GEAS A) ... o PSF aqui entrou muito rapidamente, sem uma organização equivalente eu acho. (...) Criou uma equipe para implantar o PSF, então nesse andar aqui [do prédio da SMSA], a gente trabalhava aqui, [a GEAS, as coordenações de área] e o PSF. O PSF ficava lá, a gente ficava completamente à margem. Na época houve questões políticas internas de conflito, então quem estava conduzindo o processo, conduziu assim: “isso é o novo modelo vocês não entendem fiquem aí, não façam nada, só não atrapalhem o que nós estamos fazendo aqui.” (...) a gente poderia ter feito um movimento mais harmônico eu acho, mais participativo, dentro da Secretaria. (Membro da GEAS B) Sinceramente, foi até uma coisa muito mal feita, porque nós tivemos pouco tempo para implantar. (...) Em princípio eu acho que foi realmente, foi muito rápido, aquela coisa assim: “olha, nós vamos ter que implantar e pronto!” (Auxiliar de enfermagem)
De acordo com Reis et al. (1998), criticava-se, na construção de um modelo SUS
condizente, inclusive em Belo Horizonte, o investimento no PSF e no PACS se estes fossem
“entendidos pela visão míope de substitutivos de uma rede básica, ou mesmo dela
desvinculados”, pois serviriam para cumprir “o papel de pacote mais barato de gastos em
saúde destinados aos ‘mais pobres’, cidadãos de menor categoria” 60. Pois consideravam que
tais programas tinham seus méritos, mas não passavam de programas e apresentavam limites
de eficácia de prevenção de mudança nos indicadores de morbi-mortalidade. Para eles,
60 Nesta dissertação, o debate acerca da noção de “pacote básico” e outras abordagens da APS foi realizado ao longo do capítulo 2 – Atenção primaria à saúde: as origens, os sentidos, uns caminhos.
138
soluções mais efetivas de problemas de saúde, além de exigirem cuidados primários,
demandavam saberes e tecnologias mais bem articulados nos diversos níveis da assistência
que globalmente respondessem ao complexo processo de produção da prevenção, ao mesmo
tempo em que permitissem impactar o sofrimento agudo e/ou crônico expressos, individual e
coletivamente, como problemas de saúde. (REIS et al., 1998, p. 383)
A resistência em Belo Horizonte era não só de ordem “política”, mas também se
relacionava com o saber e o fazer dos profissionais:
... a gente tinha uma rede estruturada, funcionando bem, reconhecida na cidade, e aí houve muita resistência para você sair de uma rede com profissionais, bons pediatras, bons clínicos e bons ginecologistas para trabalhar com médico generalista, que você não sabe muito bem, não está formado ainda, não existe... (Membro da GEAS C) Era o médico, não tinha formação em generalista... e é isso também, que eles não acreditavam que eles iam dar conta de atender três clínicas numa só, tinha um monte de receio. (Gerente B) ... essa resistência vinha muito porque havia um questionamento e uma indagação sobre o saber dos profissionais. Obrigar esses profissionais a reordenar tudo aquilo que eles tinham até então conduzido na vida, então tem isso também, [tanto] do ponto de vista do saber acadêmico, quanto do ponto de vista de um saber, vamos dizer assim, mais democrático, onde você teria que dividir esse saber com a população, dividir esse saber com o ACS, dividir o saber com o enfermeiro... (Membro da GEAS A) ... convencer o profissional que há anos estava na saúde pública, de uma forma muito fácil de trabalhar, lá, esperando o usuário chegar, uma forma muito cômoda de trabalhar, convencendo-as de que nós tínhamos que ir na casa, de que o ideal era isso... muito complicado. (Gerente B) ... não é fácil você entrar na casa de uma pessoa, não é fácil você saber lidar com a pessoa, às vezes a pessoa não precisa de um médico, ela precisa de um psicólogo, um ouvinte, e saúde é isso!... Saber escutar o paciente, e muita gente não quer isso! Muita gente não tem paciência para isso. (Auxiliar de enfermagem) ... a gente teve que reestruturar toda nossa organização, os profissionais que estavam antes na unidade, que não estavam trabalhando na lógica do PSF, tiveram que modificar o processo de trabalho para estarem entendendo o PSF, que lógica é essa de trabalhar, com a responsabilidade de um território menor, não é?, porque a gente já trabalhava numa lógica de território, de área de abrangência, mas não de uma maneira tão localizada. (Gerente A)
“Saber é poder”; e à medida que um dado conhecimento ganha respaldo, é fortalecido.
Isso pode justificar, em parte, a resistência que os profissionais apresentavam ante a
implantação do PSF, particularmente os profissionais médicos. De formação e práticas
tradicionalmente flexinerianas e próximas à Medicina Científica (Cf. SILVA Jr., 2006),
baseadas na especialização e na ênfase na medicina curativa, esses se depararam com um
139
modelo “alternativo” onde o saber compartimentado tinha seu poder diminuído, isto é, viam-
se com seu poder diminuído, viam-se enfraquecidos diante de um novo modelo, diante da
demanda por um novo profissional: o generalista.
Apesar das resistências, ao mesmo tempo, o modelo vigente até a mudança ocorrer era
criticado:
[Era uma crítica] Que a gente fazia na época, (...) que é por exemplo, que um centro de saúde teria basicamente que ficar atendendo os casos light... ficaria exclusivamente dedicado e voltado à prevenção, e era isso que a gente via acontecer de uma certa maneira: as crianças rechonchudinhas: puericultura... mas a hora que tinha uma febrinha, fora! Na hora que aparecia meio desnutrido: hospital, não é? Em todos os campos... Grupos de Diabéticos fazendo pós-graduação em diabetes, mas na hora que descompensava não dava conta. E a mesma coisa com a loucura: na saúde mental a gente tinha vários grupos, vários atendimentos em saúde mental, mas de casos light, não é? (...) dava conta de atender aqueles casos mais leves (...) mas enquanto isso os portadores de sofrimento mental grave estavam também se dirigindo ao hospital. (Membro da GEAS A) O que a saúde pública oferecia era um [medicamento] oral, um atendimento ao bebê saudável. A gente não tinha essa estrutura que a gente tem hoje. (Gerente B) A gente tinha muita dificuldade... não existia acolhimento, existia enfermeira de apoio, então normalmente as enfermeiras ficavam supervisionando, elas não faziam uma consulta de enfermagem. (Auxiliar de enfermagem) Eu acho que era mais bagunçado, o usuário ficava mais perdido, hoje não, hoje o usuário está sendo mais acolhido. (ACS) ... a questão de consultas era marcação por ordem de chegada, não via se o paciente era da área ou não, não tinha busca ativa, não tinha esse vínculo das pessoas com a gente... Era uma organização que deixava a desejar (...). A gente não tinha essa vigilância em saúde igual tem hoje, que a gente tem a nossa população e a gente trabalha em cima dela, do que é realmente o que ela precisa. (Enfermeira A) ... antes o usuário não era tratado como indivíduo, (...) ele chegava num montante, eu tinha dez vagas para população de clínico, e acabou o assunto. Quem dormia na fila, pegava essas dez vagas, não importava se estava só com uma gripe, ou com uma unha encravada, ou o quê que era... ele pegou a vaga, a vaga era dele... Hoje não! (Gerente B) Antigamente as pessoas tinham que ficar na fila, as pessoas tinham que madrugar. Hoje não, hoje as pessoas podem chegar ao Centro de Saúde às oito horas, passam no acolhimento que naquela hora ali tudo pode ser resolvido. Antigamente não, você entrava na fila, como eu já entrei várias vezes, os médicos marcariam para outro dia, para daqui a cinco dias e hoje não, hoje o processo é mais rápido, entendeu? (ACS) [Antes] As pessoas buscavam a unidade de saúde da mesma forma, eram acolhidas dentro da unidade de saúde e eram referenciadas para um dos profissionais que atendiam. Por exemplo, se fosse uma criança, era pediatra. Se fosse um adulto, era o clínico. Se fosse uma mulher e tinha uma queixa ginecológica, era para o ginecologista. Se fosse um caso de saúde mental, era... Então o paciente ia para essas caixinhas, vamos dizer assim, mas o todo, o paciente às vezes ficava, de fato, fragmentado. Hoje [com o] generalista (...) é exatamente o contrário. (Gerente C, grifo nosso)
140
No entanto, o BH Vida: Saúde Integral, através do PSF, vem demonstrando cada vez
mais relevância para a concretização do SUS em Belo Horizonte; representa a consolidação
de princípios e diretrizes do sistema e é fundamento de uma mudança em direção à melhoria
da qualidade da atenção prestada.
[O BH Vida: Saúde Integral] representa o acesso da população com o serviço de saúde, a possibilidade de que a pessoa caminha dentro do SUS, e ele possibilitou que a população realmente fosse vinculada às unidades, com isso ela caminha com a rede de serviço de uma maneira mais organizada. (...) Eu acho que é uma maneira de vincular, direcionar a assistência do usuário do SUS. (Gerente A) O BH Vida: Saúde Integral vem para consolidar uma proposta (...) de atenção iniciada pela atenção primária, não é?, que é a atenção básica à saúde, e referenciando para os outros níveis de atenção nos casos mais complexos. A proposta do BH Vida: Saúde Integral, ela é a proposta do Programa de Saúde da Família, trabalhando a questão da integralidade (...), o acesso das pessoas aos outros níveis do sistema, (...) trabalhando a questão da saúde integral pela valorização da vida, pela valorização da consciência cidadã, pela mobilização da comunidade para essas questões da saúde. (...) Valoriza a saúde dentro de um contexto, que é o contexto da área onde a pessoa trabalha, onde a pessoa produz a sua vida. (Gerente C) ... você vê o paciente na sua contextualidade como um todo, isso favorece muito o desenrolar do processo de saúde e doença dele, então eu entendo o PSF assim: como a grande porta de entrada para o SUS, e além disso, esse vínculo que a gente faz, porque o paciente vem atrás de você, não vem atrás de uma consulta qualquer, (...) ele tem o referencial do médico que o acompanha. (Médica) [Eu definiria o BH Vida: Saúde Integral] como um modelo de assistência muito interessante, muito abrangente e que tem atendido sim à população. É um atendimento humano, é um vínculo super importante que a população tem com a gente. (Enfermeira A) Agora sim a gente está vendo que a população está tendo um elo maior com os médicos, com os Centros de Saúde... (ACS) [O BH Vida: Saúde Integral] é fundamental para sustentar o SUS em Belo Horizonte. Hoje o PSF, além de ter uma resolutividade muito grande, acho que tem uma possibilidade de atendimento, de resolução mesmo da demanda do usuário, e eu acho que estabelece uma rede na rede de serviços, nos dá possibilidade de estabelecer uma linha de cuidado do usuário dentro do SUS. (Gerente A)
O fato de a Saúde da Família ter se estruturado de forma integrada, dentro do sistema
de saúde municipal, dá ao programa uma condição diferenciada em relação ao PSF em outros
municípios:
... a idéia de não fazer uma rede paralela, de trabalhar com a própria rede foi acertadíssima. Trouxe muita dificuldade? Trouxe, mas foi acertadíssima porque hoje ela está integrada, ela faz parte do sistema municipal, não é um sistema paralelo como nós temos em torno de Belo Horizonte, vários. Então não compete: a
141
população tem um centro de saúde, ela não tem um centro de saúde e um PSF. Não existe competição, não existe paralelismo. (Membro da GEAS C)
A constituição integrada da APS, através do PSF, ao SUS de um município tem grande
relevância. De fato, se se deseja que a APS seja porta de entrada preferencial no sistema de
saúde, ela só pode estar inserida na rede de serviços de saúde; e se se deseja que a APS seja
ordenadora do sistema e que os profissionais que atuam neste nível se responsabilizem pela
continuidade da atenção aos usuários, acompanhando seu caminhar na rede de serviços, a
APS não pode, de modo algum, se constituir paralelamente a ela.
Esta é uma condição que revela como a Saúde da Família em Belo Horizonte parece
apresentar vantagens em relação a outros municípios que optam por ter mais de um tipo de
unidade de saúde voltada para a atenção primária da população. O município de Niterói, RJ, é
um desses exemplos de “constituição de dois sistemas”. Em 1992, foi inaugurado o primeiro
módulo do Programa Médico de Família (PMF). Formulado a partir de cooperação técnica
com o Ministério da Saúde Pública de Cuba, o PMF tinha como uma de suas características a
complementaridade das Unidades Básicas de Saúde (UBS). (MASCARENHAS, 2003)
O PMF vem logrando êxito ao longo dos anos e significou ampliação do acesso às
populações de alto risco – mais pobres e com quadros mais graves de mortalidade. (CUNHA;
MACHADO; BRANT, 1994) Inclusive, tornou-se referência nacional para o desenvolvimento
de estratégias que visam a reorganização dos sistemas locais de saúde. Contudo, permanece
constituindo-se de forma paralela à rede de serviços, permitindo, ainda, à população adscrita a
um determinado módulo “duas” portas de entrada “preferenciais”: a UBS de sua área e o
próprio módulo do PMF.
A Saúde da Família possui caráter substitutivo e não complementar; sob este último,
poderia ser levada a um paralelismo. Escorel et al. (2007, p. 168) apresentaram resultados de
uma pesquisa em 10 municípios com população acima de 100.000 habitantes de quatro
regiões do país defendendo que “a integração das unidades de saúde da família à rede
assistencial é fundamental para garantir uma oferta abrangente de serviços e para coordenar as
diversas ações requeridas para resolver as necessidades menos freqüentes e mais complexas.”
De caráter substitutivo e em construção, a Estratégia de Saúde da Família em Belo
Horizonte apresenta limites que ainda precisam ser ultrapassados:
... falta de mão do obra, falta de estrutura... por exemplo, você teria que ter um carro aqui à disposição, para ir na casa do paciente fazer um curativo, não é o paciente que
142
tem que vir andando na dificuldade para fazer um curativo aqui não. (Auxiliar de enfermagem) ... eu acho que o Programa de Saúde da Família tem vários problemas. Faltam recursos humanos, falta medicamento, falta material, falta informação mais adequada, falta mais estudo, faltam muitas outras coisas, mas eu acho que foi uma luz no fim do túnel maravilhosa. (Gerente B) Os obstáculos são muitos, nós temos muito que crescer em termos de construção de uma rede de serviço, de uma rede articulada em termos de desenvolvimento da garantia de que o usuário caminha na linha de cuidado, no estabelecimento dos processos terapêuticos... a gente tem muito que crescer nesse sentido. Não é um obstáculo, mas é um grande desafio também. É fazer com que a população entenda que projeto é esse, que a gente trabalha nele, porque hoje a equipe começa a entender um pouco o projeto; agora, a população muitas vezes procura uma oferta diferente daquela que a gente (...) está ofertando. Ela não reconhece, ela procura mesmo essa questão imediatista, o modelo médico-centrado por uma questão cultural. Então eu acho que é um desafio nosso, construindo isso junto da população, que ela perceba que modelo é esse, que universo é esse que a gente trabalha nele hoje, que lógica é essa. De estar fazendo a vigilância em saúde dessa população e não estar só fazendo a atenção a essa demanda, atendimento pontual. (Gerente A)
Os diversos pontos levantados nas falas, como a estrutura, a força de trabalho e a
“nova lógica” que comanda o modelo assistencial implantado são destrinchados em nossas
análises, que constam do presente capítulo. Outros limites e pontos a serem enfrentados
também fazem parte deste capítulo 5.
5.1.2 Integralidade do cuidado como eixo da atenção
A valorização da integralidade no BH Vida: Saúde Integral pode ser vista, inclusive,
na própria reestruturação da SMSA: antes da implementação do programa, SMSA e sistema
de saúde encontravam-se fragmentados; após a implementação, alguns entrevistados
identificam que o sistema passou a ser integral – na ação, porém não na formulação.
... hoje é uma rede; além de muito grande, muito mais complexa e com muitos mais desafios basicamente porque assumiu a integralidade do cuidado. (...) [Antes] já era difícil mas não era tão complexo porque as áreas eram mais restritas, eram aquelas áreas prioritárias de atenção e agora a gente quer dar conta do todo, de tudo, não é?, então fica cada vez mais complexo. O conhecimento era disponível, mas acho que tem uma maturação, uma elaboração mesmo para a integralidade, cuidado... Hoje a gente vê que é muito mais, é o desafio da vida, não é?, porque saúde eu acho que ninguém está se contentando a ficar cuidando de doença. (...) Está toda uma seqüência do cuidado, que é o grande desafio mesmo. (Membro da GEAS B) ... a integralidade é um desafio no modus operandis, está no marco para todo mundo, é um referencial para todo mundo, mas na hora de concretizar as ações, eu acho que é ainda muito fragmentado, e é muito restrito, e ainda acho que é assim. Então na formulação, no planejamento das ações, quem está lá na execução, eu acho que já
143
incorporou um pouco mais a coisa da integralidade, do cuidado, mas aqui como a gente está no processo de estruturar e de concretizar uma proposta e a gente está assim nessa transição entre um marco anterior do como fazer fragmentado, dividindo em coordenações, saúde da mulher, da criança, do adolescente, adulto, enfim, etc. Isso, você não ouve isso também, lá na rede, no dia-a-dia. (...) Na formulação, na estrutura da secretaria isso se repete e (...) fica distante dessa realidade, não dá conta dessa realidade. (Membro da GEAS B)
A adoção das linhas do cuidado como forma de intervir de ponta a ponta deve servir
para a consolidação do princípio da integralidade. Inclusive, a partir do acompanhamento do
usuário na rede de serviços, sua análise possibilita mapear todos os recursos disponíveis nos
diversos segmentos da saúde, avaliar as tecnologias utilizadas para assisti-lo quanto ao tipo,
fluxos e mecanismos de regulação, tentativas de negociação de acesso, utilização dos recursos
das clínicas especializadas, vigilância à saúde, promoção e os ruídos produzidos. (ANS, 2006,
p. 15) Como observam os sujeitos da pesquisa,
[Linha do cuidado] É a organização de todo o fluxo, de demandas e de necessidades. (Gerente A) Elas representam, eu acho, que é uma tentativa mesmo de unir um modelo que corre um grande risco de se fragmentar, porque tem inúmeras pontas, tem inúmeros dispositivos, então, ao correr o risco de se fragmentar, estabelece uma linha que una essas intervenções e que as potencialize. (Membro da GEAS A) O Programa BH Vida e o Programa de Saúde da Família trabalham o tempo inteiro com a linha do cuidado, ele não tem como trabalhar sem, senão ele não trata de saúde integral. Que o objetivo não é saúde integral? Se você não trabalha a linha do cuidado é difícil você atingir a proposta usada, que é a proposta de trabalhar a saúde em todos os níveis de complexidade. (Gerente C)
Notamos que o conceito e a adoção das linhas do cuidado têm sido incorporadas no
cotidiano dos serviços,
As linhas do cuidado (...) têm acontecido no dia-a-dia do trabalho. No atendimento aos usuários, quando uma equipe define, dentro das demandas apresentadas, qual que é o caminho que o usuário precisa percorrer, que esse é o nosso entendimento hoje na linha de cuidado, e a gente não tem dado conta de fazer o acompanhamento muito efetivo, de garantir o processo às vezes nos outros níveis de atenção. Mas essa prática, hoje, os profissionais aqui já tem, isso é rotina de trabalho. (Gerente A) [A linha do cuidado] Começa ali, na hora que você acolhe o paciente ou é uma visita domiciliar que você faz, ou é no seu trabalho no dia-a-dia: você avalia aquele paciente e aí você começa a trabalhar as questões do cuidado desse paciente... Ele vai ser atendido pelo médico? Vai ser atendido pelo enfermeiro? E aí, como que a gente vai trabalhar isso no decorrer da vida dele? Encaminha ele para um especialista? Encaminha ele para uma urgência e acompanha? (...) Trabalhar com ele durante todo o processo que ele faz aqui na unidade, isso é uma questão da linha do cuidado. A outra questão da linha do cuidado é a questão da vida desse paciente, que
144
chegou à unidade, fez o teste do pezinho e aí começa... Isso faz parte do cuidado no decorrer da vida, que exige a responsabilidade da equipe, existe a co-responsabilidade da família. Conhecer como que vai ser o percurso desse paciente dentro do serviço de saúde, e também, conhecer o paciente como indivíduo que está vulnerável dentro do contexto em que ele vive. (Gerente C)
ainda que não se “apreenda” este “nome” para os “fluxos”:
Eles já têm essa idéia de que a gente deve estar direcionando, que o usuário que a gente recebe é nossa responsabilidade, delimitando que caminho é esse que ele precisa percorrer e atender as suas necessidades. (Gerente A) A gente tirou como meta captar gestantes até o terceiro mês, que a gente queria que elas fizessem o pré-natal bem feito, você entendeu?! E aí a gente avançou muito na questão do pré-natal. Acompanhamento das crianças: nós temos um fluxograma... A mãe teve um bebê: o ACS já avisa para a gente. Mas a mãe vem aqui porque ela é orientada a fazer o teste do pezinho. Então ela sai do teste do pezinho, aqui na unidade, a enfermeira já vem e faz a avaliação e já agenda para o médico a consulta, que tem que ser até 30 dias. Se ela for de risco, uma criança de baixo peso, não é?, ou uma criança filha de mãe adolescente, marca bem antes de trinta dias e já marca o puerpério para mãe. (Gerente C) ... você consegue dar uma continuidade no tratamento do paciente e você consegue fazer essa ligação toda em tudo que ele está sentindo, que seja de uma endocrinologista, da cardiologia... não interessa, entende? Você consegue fazer o elo em tudo. (Médica)
Percebemos, nas falas, as dimensões das linhas do cuidado como percurso do usuário
a) dentro do serviço e b) na vida. Além destas, como mencionamos no capítulo 4, há as linhas
do cuidado por agravos. Assim, são constituídas diversas linhas do cuidado a serem
conduzidas e operadas em Belo Horizonte, em especial no âmbito da APS, mas também nos
demais níveis e na própria SMSA. No entanto, a fragmentação na formulação, como
mencionamos, traduz-se na própria estrutura e forma de operação das áreas técnicas da SMSA
e, conseqüentemente, das linhas do cuidado:
... ficou [na GEAS] a linha de cuidado do idoso, e a materno-infantil, porque a gerente da comissão perinatal trabalha [na GEAS]. A linha de cuidado de cardiologia ficou na Gerência de Projetos Especiais, que trabalha com atenção especializada, então o quê que acontece: na prática acabou desenvolvendo o que está sob [gestão da GEAS], do idoso, que é a atenção básica, andou mais porque [a GEAS tem] mais gestão. A cardiologia então andou mais na atenção especializada, porque eles têm mais gestão. Essa é a minha interpretação. Eu acho que acabou que a estrutura administrativa predominou sobre a possibilidade de fato de articulação. Pessoalmente eu tenho dúvida (...) se essa idéia de fazer uma linha de cuidado máxima, no sistema, se ela é viável de verdade, se ela é efetiva. Eu penso que talvez o que funcione mesmo seja o profissional da atenção primária, de fato, cuidar dos seus pacientes e ter acesso. (...) A estrutura macro é fundamental para ser o potencial de realizar as coisas, mas a realização das coisas mesmo ela se dá na microestrutura,
145
na relação entre profissionais, e tal. Esse sistema macro ele não consegue garantir o funcionamento de linha de cuidado porque, na verdade, saúde é relação de confiança, não é? O cardiologista tem que confiar no médico de saúde da família e no clínico, porque se não ele vai interferir e vai atrapalhar o caminho desse paciente. (Membro da GEAS C)
Essa fragmentação da estrutura e formulação parece refletir na constituição das linhas
de cuidado. Apesar de tomadas como política no município e como eixo para a implantação
do BH Vida: Saúde Integral, sua “parcialização” parece suscitar um debate em relação ao que,
de fato, elas servem quando se fala em integralidade:
... a gente fala da linha de cuidado integral à gestante, recém-nascido, criança, aí a gente emenda com adolescente na rede porque a gente está preocupada com o futuro do jovem, do adulto etc., e aí, não tem muita proposta. Até o adolescente a gente vai; do adolescente até a doença instalada no adulto fica um vácuo. (...) Não tem proposta de seguimento da saúde dessas pessoas, tem quando elas estão doentes, então a tal da promoção da saúde, tirando dieta, alimentação e atividade física, ninguém está propondo. (Membro da GEAS B) O que é isso de verdade? No real do Sistema de Saúde, sabe, é possível você ir segmentando patologias ou grupos e permitindo integralidade só para esse tipo de paciente? Como é que fica o grosso da assistência? (Membro da GEAS C) ... tinha que ser uma linha do cuidado do ciclo da vida, da integralidade do cuidado nos diversos níveis de assistência, mas integralidade da vida da pessoa, na linha da vida mesmo. (Membro da GEAS B)
O cerne desta questão está justamente no “fragmentar” do cuidado em várias linhas.
Por mais que as linhas do cuidado possam se estruturar por diferentes critérios, como
elucidamos no capítulo 4, a primazia das linhas por agravos – Doenças Respiratórias,
Hipertensão, Diabetes, Cânceres, Doença renal, AIDS etc. – em detrimento das linhas por
fases da vida – da Criança, da Mulher, do Adulto, do Idoso – pode ter como resultado
indesejável uma integralidade pouco acessível, ou uma integralidade regulada, acessível
apenas aos que apresentam condições de saúde e doença mais “importantes” – do ponto de
vista clínico e biológico – para serem tratadas, ou que pela “eqüidade” tiveram suas
necessidades atendidas, limitando o acesso do paciente agudo aos serviços e insumos de
saúde, produzindo um acesso desigual às tecnologias de saúde por indivíduos ou coletivos.
Reconhecemos que há pessoas e coletividades que apresentam especiais necessidades
de acompanhamento contínuo para determinados agravos, principalmente quando estes são
crônicos. Porém, acreditamos que a opção por linhas do cuidado internas aos níveis de
atenção pode ser uma boa forma de garantir a integralidade. Contudo, como frisam Cecílio &
Merhy (2003, p. 200), esta somente pode ser obtida em rede, visto que a linha do cuidado
146
pensada de forma plena atravessa inúmeros serviços de saúde. Por isso consideram linhas de
produção do cuidado como uma estratégia gerencial, sendo referencial para a intervenção da
micropolítica do trabalho em saúde. (CECÍLIO; MERHY, 2003, p. 201)
Entretanto, sua tomada como estratégia gerencial parece esbarrar na problemática da
referência e contra-referência – temas que serão abordados mais adiante no presente capítulo
– como se vê na fala da gerente a seguir:
... com as unidades de referência terciária a gente praticamente não tem comunicação... Essa coisa do gerenciamento da linha de cuidado que aparece como atribuição da unidade básica, gerenciar e acompanhar toda linha do cuidado do usuário, a gente ainda tem muito que avançar nesse sentido. (Gerente A)
As linhas do cuidado como políticas não podem se prestar a autonomização e
desarticulação entre os dois grupos de linhas do cuidado ou dentro de cada um deles, pois, se
assim for, pouco se diferenciarão dos programas verticais ou da lógica anterior de organização
do trabalho a partir de programas integrais à saúde ou orientado por “Ações Programáticas”.
Deve-se “vislumbrar o desenho de políticas de saúde como linhas de cuidado, integrando
ações de promoção e prevenção às de cura, controle e reabilitação, de acordo com as
particularidades de grupos ou necessidades individuais”. (BRASIL, 2006a) Uma das
premissas deste modus operandis reside no modo de organizar o trabalho em saúde para
garantia da atenção integral.
A integralidade se inicia pela organização dos processos de trabalho na APS, onde a
assistência deve ser multiprofissional, atuando através de diretrizes como o acolhimento e a
vinculação de clientela e onde a equipe se responsabiliza pelo cuidado. Este é exercido
utilizando os diversos campos de saberes e de práticas, associando-se a Vigilância à Saúde à
assistência individual. Segundo Franco & Magalhães Jr. (2003, p. 129), pretende-se, com isso,
recuperar o valor dos atos assistenciais fundantes da clínica. A propedêutica e um dado projeto terapêutico cuidador, na rede básica de assistência à saúde, deve ser levada ao limite das suas possibilidades, deixando os exames de maior complexidade para a função real de apoio e diagnóstico. (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 129)
Esta afirmação nos leva a aprofundar um outro tema, levando em conta que um dos
pressupostos condicionantes da integralidade é o caráter público dos serviços de saúde e,
portanto, um modelo de Estado comprometido com políticas públicas e universais. (RAMOS,
147
2005a, p. 208) Assim sendo, destacamos a universalidade como tema também a ser
enfatizado.
5.1.3 Alguns debates acerca da universalidade e do consumo de saúde Pelo princípio da universalidade, todos os cidadãos têm direito ao acesso aos serviços
e ações de saúde, independentemente da estratégia utilizada para organização do cuidado ou
se são residentes na área de abrangência. “Este é um princípio fundamental do SUS, que não
prescinde da necessidade de organizar os serviços com dispositivos como a territorialização
ou adscrição de clientela.” (BELO HORIZONTE, 2006)
Foi importante o destaque que uma das entrevistadas deu à “dicotomia” universalidade
vs território adscrito, como sendo princípios excludentes a um primeiro olhar, mas
completamente “consortes” quando vistos com mais clareza:
... eu queria falar um pouquinho da questão do acesso e da universalidade, que eu acho que é o grande nó hoje... Todos nós temos acesso aos serviços de saúde, não é?, e aí vem uma pessoa aqui na minha unidade e ela não é adscrita na minha área... E aí? O primeiro atendimento eu tenho que acolher, eu tenho que fazer esse atendimento, porque o acolhimento é um princípio do SUS. Se ele for um caso de urgência, eu vou reverter ele para urgência, se for o caso eu vou atendê-lo, mas vou fazer um encaminhamento para o responsável desse paciente, para onde ele vai ser mais bem cuidado. Por que ele vai ser mais bem cuidado noutro local e não no meu local? Porque ele vai para um local em que o ACS vai poder fazer uma vigilância dele, que ele vai ter uma equipe disponibilizada para estar atendendo esse paciente, então é essa questão do território. O território vem exatamente para poder qualificar a atenção, para trabalhar a questão do vínculo, para trabalhar a questão da vigilância epidemiológica, da vigilância sanitária... A partir do momento que você conversa com o paciente, dialoga com ele, coloca para ele que ele vai ter um território onde ele vai ter as mesmas características, que ele vai ter um ACS que vai lá, conversar com ele, que vai saber das suas questões de saúde, vai ter uma equipe preocupada em estar direcionando o atendimento para ele, ou seja, ele vai ter uma atenção mais qualificada. Esse paciente entende a questão da universalidade, a questão do acesso, e aí, o que eu acho que falta, é exatamente convencer e conversar com as pessoas. (Gerente C, grifo nosso)
Porém, uma leitura estreita destes princípios pode torná-los antagônicos: a população
adscrita, pertencente a um território, tem acesso aos serviços de saúde, particularmente os
destinados à Saúde da Família; aquela não territorializada, não adscrita, acaba ficando à
margem deste modelo. O fato de o BH Vida: Saúde Integral permitir o acesso e produzir
cuidado à população não adscrita a uma dada unidade deve ser tido com um dos pontos mais
importantes do programa.
148
Reforçando o debate, há uma importante advertência feita pelos entrevistados do nível
central, relacionando à universalização – enquanto acesso universal a insumos e
medicamentos – a cultura consumista:
Universalidade... mas a gente tem muito conflito com isso também. Vem de tudo (...) profissional médico prescreve aquela coisa mais tecnologia de ponta, vamos dizer assim, mas de resolutividade nem tão diferente do que está na farmácia básica, nos PSF e o usuário acha que o SUS tem que dar. Então isso é conflitante, fonte de conflito. Eu acho que se a gente não trabalhar com esse paradoxo da tecnologia, alta tecnologia biomédica dos medicamentos, dos equipamentos, dos recursos tecnológicos, dessa influência comercial que a gente tem na formação, no trabalho dos profissionais, não é?, com medicamento, com equipamento, com recursos de material, a gente acaba vivendo esse conflito. Você tem uma proposta do básico, da visão do coletivo, do que é razoável para a maior parte das pessoas, do que é anti-consumista, não é?, e ao mesmo tempo tem que lidar com uma realidade, com uma cultura de produção, de consumo, consumista. Acho isso complicado, a universalidade. (Membro da GEAS B)
Apontamos dois eixos para serem trabalhados em relação ao consumismo. Um se
refere ao consumismo como sendo fundamental para a reprodução do sistema capitalista, com
a reflexão dessa lógica em todos os setores da sociedade, o que, obviamente, não seria
diferente com a saúde.
Nós somos de uma cidade muito grande com vários outros serviços. Tem uma rede contratada paralela, com poder de atratividade muito grande, os hospitais. Eles têm um poder de atração muito grande... a população vê o Fantástico, vê tecnologia médica ali disputando. (Membro da GEAS C)
O outro eixo se relaciona com o dispositivo do Acolhimento para atendimento à
demanda espontânea, quando se vê o consumismo “em saúde” se arraigando nos indivíduos e
coletivos.
[para o Acolhimento] tem que ter no máximo 25% do trabalho [dos profissionais] diário, com atendimento à demanda espontânea, no máximo duas horas. O resto tem que ser organizado, programado, porque senão nem eles agüentam, e não adianta para o paciente também, fica uma coisa de consumo, só, e aí... Hoje acho que está acontecendo em Belo Horizonte um consumo do serviço de saúde. (Membro da GEAS C, grifo nosso)
149
O que se vê? Consumo de saúde – como se um bem61 fosse –, de consultas, de exames,
de equipamentos... Por um lado, há um incremento na busca pelos serviços de saúde pela
população, aumentando a demanda espontânea, que pressiona e sobrecarrega os trabalhadores,
como veremos mais adiante. Por outro lado, o próprio serviço de saúde, os próprios
trabalhadores e, quiçá, o aparelho formador, produzem a mesma demanda por um consumo
“desenfreado” da saúde. Os profissionais parecem cada vez mais se destituir do saber clínico,
ao contrário do que preconizaram Franco & Magalhães Jr. (2003, p. 129), delegando ao
equipamento o diagnóstico e a opção terapêutica. E o serviço/ gerência parece vir respaldando
tal posição,
... eletrocardiograma, raio X, tinha que ter na unidade básica, para não estar direcionando esse povo para urgência, porque eu tendo um eletrocardiograma e um raio X dentro da unidade, eu consigo perceber se é uma pneumonia de fato, se é um problema cardiológico de fato... e já trato na unidade e já fico livre... não precisa de ele ir para urgência. (Gerente B)
embora a justifique:
... numa cidade como Belo Horizonte, que é uma grande metrópole, a gente não funciona [como o PSF do MS]. Por que não funciona? Porque a demanda do usuário é diferente da demanda de usuário de um município pequenininho, e a forma de encaminhar um usuário de um município pequeno é muito mais próxima do que uma cidade como Belo Horizonte, então Belo Horizonte tem que ter posto de saúde, mesmo, bem equipado. Eu falo porque eu sei que está até faltando raio X e faltando eletrocardiograma na nossa unidade e outras coisas... (Gerente B)
Assim como Vanderlei & Almeida (2007, p. 444), quando pensamos a gerência no
âmbito da Estratégia de Saúde da Família, temos a perspectiva de compreendê-la como um
instrumento do processo de trabalho em saúde capaz de contribuir para a transformação deste
rumo a um modelo de atenção usuário-centrado, e não em função do controle e dos
procedimentos, além de ser capaz de protagonizar mudanças e de se comprometer com a
defesa da vida do usuário.
No entanto, a fala de gerente transcrita acima mostra uma contradição em relação ao
papel da rede básica. Recuperando a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), sobre a
qual nos apoiamos no capítulo 2, utilizamos a definição da Atenção Básica como um conjunto
61 Segundo Teixeira (s.d.), dificilmente se pode considerar a saúde um “bem” na acepção mercantil da palavra. A assistência à saúde pode ser entendida em seu aspecto de mercadoria porém, ainda assim, deve ser examinada em suas peculiaridades.
150
de ações de saúde que compreendem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de
agravos e riscos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. A AB
utiliza tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade, que devem resolver os
problemas de saúde de maior freqüência e relevância em seu território, (BRASIL, 2006b, p.
10) ou seja, não cabe às unidades básicas comportarem equipamentos como os sugeridos pela
entrevistada acima, nem se tornarem unidades de pronto-atendimento ou urgência. Pois, como
lugar preferencial de entrada no sistema de saúde, outras tecnologias devem ser prioritárias,
como as “leves” e “leve-duras”.
Afinal, “uma coisa é o uso do pronto-atendimento [PA] como um recurso a mais para
abordar o usuário, e outra coisa é reduzir a UBS a um lugar exclusivamente onde só se faz
PA.” (FRANCO; BUENO; MERHY, 1999, p. 351) Como para os próprios profissionais da
atenção entrevistados para fins desta pesquisa:
... se eu precisar entubar alguém aqui eu não vou entubar (...). E a questão, isso aqui é uma atenção básica, eu tenho que estar prestando atendimento principalmente de prevenção, promoção não é isso? (Médica)
É claro que, como unidade de saúde, o CS está sujeito a receber e não deve se esquivar
de atender situações de urgência. Entretanto, a incorporação de tecnologias de média e alta
densidade pode significar a manutenção de uma lógica procedimento-centrada, dura
tecnologicamente, resistente à inversão do modelo-hegemônico e à reorientação do processo
de trabalho.
Segundo afirmaram Cecílio & Merhy (2003, p. 206),
as linhas de produção do cuidado são centradas em processos de trabalho marcados de modo muito claro pela micropolítica do trabalho vivo em ato enquanto as linhas de produção de insumos, como regra, obedecem a outros arranjos de micropolítica, nos quais a dimensão do trabalho morto é muito mais presente. (CECÍLIO; MERHY, 2003, p. 206)
É o que se infere das falas e comportamentos que priorizam os equipamentos em
detrimento da clínica.
151
5.2 A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA SOB UMA PERSPECTIVA “SISTÊMICA”
A estabilização das equipes de saúde da família é apontada como um dos desafios
existentes em Belo Horizonte, principalmente em relação ao profissional médico. Para este, a
Saúde da Família é, ainda, uma opção profissional temporária.
Principalmente em relação a médico, eles saem muito por causa da questão da Residência, então a rotatividade é muito grande. (Enfermeira B) [Os médicos mais novos] E que são a maioria, normalmente eles vêm para o PSF porque não fizeram Residência ainda. O que a gente tem é essa dificuldade de vínculo. (...) quando passam para a Residência eles saem do PSF, e aí começa tudo de novo. E o médico de saúde da família é um médico para ter vínculo: “eu vou atender sua família toda, eu vou ser SEU amigo, eu vou ser SEU conhecido, eu vou ser o SEU médico...” (...) Então tem que ter uma referência. (Auxiliar de enfermagem)
Em alguns casos, o médico de apoio é o único profissional que permanece estável no
CS. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 28) Isto demonstra a urgente necessidade de
fortalecimento da prática da medicina de família, sua especificidade e valorização profissional
e social, (BELO HORIZONTE, 2006, p. 11) e de fortalecer a APS como um todo.
Há extrema dificuldade em se estabelecer prioridades de acordo com a demanda e em
se organizar o trabalho em função da área física dos CS e da existência de equipes de Saúde
da Família sem a configuração mínima de profissionais, o que é um dos problemas mais
expoentes no modelo proposto. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 48) Como foi debatido nas
entrevistas,
Tem 70 equipes sem médico hoje das 500, é muita coisa. (...) Sem generalista, isso para não falar do ginecologista que falta em algumas unidades; pediatria não falta não. Então 70 equipes sem generalista é complicado. [Mas] estão nomeando em concurso. (Membro da GEAS B) O profissional médico, ele é tão insuficiente que na verdade não teve seleção não, se ele deseja trabalhar tem vaga sobrando, mesmo a gente com 507 equipes em nenhum momento nós conseguimos manter todas com profissional médico. A maior parte do tempo a gente tem em torno de 60 equipes que não têm o profissional médico. (...) Nos momentos de final do ano, na época de seleção para residência médica, que vai aí de setembro a março, chega a ficar com 20% das equipes sem médicos. E quando a gente está no melhor momento, que é no meio dos semestres, fica em torno de 10%, 13% sem médico.
(...) das equipes, em torno de 50% estão estabilizadas desde o início. (...) Tem uma diferença, a gente podia cortar em três fatias: essa turma que está estabilizada há muito tempo, a turma que tem estabilidade relativa, em torno de 30%
152
das equipes, e 20% que aí não tem nenhuma estabilidade... troca, troca, troca sem parar! (Membro da GEAS C)
Segundo os entrevistados, em torno de 20 a 25 unidades apresentam esta característica
de rotatividade de forma mais marcante. Os motivos que levam a isso, em geral, parecem se
relacionar também à classificação de risco da área em que o CS se localiza:
... roda muito, alta rotatividade profissional, área de risco, você não consegue fixar profissional. (Membro da GEAS B) ... área de maior risco (...) tem uma fama: fama de ser violento, de ser... Então é mais difícil de você manter equipes ali naqueles lugares. Tem alguns bairros da cidade que têm essa fama. Eu digo fama por quê? Porque a gente tem bairros tão violentos quanto, tão problemáticos quanto, que não têm a mesma fama, que estão lá com a equipe toda... (...) são bairros pobres, região de favela, região com alta densidade demográfica, então muito concentrada, bairros que de fato têm algum índice maior de violência e aí a gente viu que não é só isso... isso aí é um dos ingredientes, está muito
relacionado ao processo de trabalho interno das unidades. (Membro da GEAS C, grifo nosso)
Como bem se revela durante a entrevista, a “fama” não se refere apenas às condições
sociais e econômicas que permeiam a realidade do território, mas à própria organização do
processo de trabalho no interior das unidades. Neste ponto, destaca-se o papel fundamental
que o gerente de unidade deve cumprir:
... está muito relacionado ao processo interno da unidade. A organização do trabalho, a capacidade gerencial, a capacidade de negociação da gerente com a comunidade, a relação que a comunidade tem com a unidade... Tem muita coisa que faz parte dessa manutenção ou não de equipe na unidade, estabilização ou não. (Membro da GEAS C)
A função gerencial e a relação dos gerentes com os profissionais das equipes devem
ser levadas em conta quando se analisa não só a estabilidade das ESF, mas também quando o
objeto é a forma como o trabalho na APS vem sendo conduzido nos CS e no âmbito do PSF.
Segundo Vanderlei & Almeida (2007, p. 448), “a gerência implica uma função integrativa do
ponto de vista das relações de trabalho e também possibilita perceber suas relações com o
trabalho em equipe”.
Os gerentes de unidades básicas são agentes para a mudança do modelo assistencial
(CAMPOS, 1998, p. 20) e, portanto, devem direcionar sua ação para a organização dos
processos de trabalho no nível em que atuam, viabilizando e dando suporte a espaços de
153
articulação entre os sujeitos e articulando objetivos institucionais aos saberes e interesses dos
trabalhadores e dos usuários, conforme apontamos no capítulo 4.
Destacamos as seguintes falas em relação a esta questão:
Eu trabalho na organização de todo o processo de trabalho da unidade, então tanto na implementação das rotinas, dos protocolos assistenciais, na aplicação das diretrizes estabelecidas pela Secretaria, como no controle administrativo, da ordem do suprimento das necessidades de insumos. Tudo que diz respeito ao funcionamento da unidade eu acompanho. (Gerente A) Eu faço o gerenciamento da unidade básica. Dentre várias outras coisas, participo das reuniões, trazendo informação de secretaria, informação do distrito, que é a forma da organização de saúde pública também, e dentro da unidade eu participo junto no envolvimento, para viabilizar os programas. Então a gente faz o Programa de Saúde da Família e eu estou junto em todos os entendimentos para garantir o programa proposto pela Secretaria de Saúde e viabilizar com que de fato ele aconteça. Porque todo mundo tem entendimento do programa, mas nem todo mundo quer o Programa de Saúde da Família, então a gente tem que estar o tempo todo acertando arestas, ajeitando, trazendo informação, explicando sobre o funcionamento para poder estar garantindo. (Gerente B) Eu acho que eu sou ator importante na gestão de serviço (...) no sentido de estar possibilitando que a equipe entenda que modelo é esse que a gente está trabalhando e como é que ela se insere nisso, viabilizando as diretrizes, os princípios, para garantir que essas coisas aconteçam na prática. (Gerente A)
Na avaliação das necessidades e demandas, devem ser consideradas as percepções dos
usuários, os problemas vividos e levantados pelos trabalhadores e os incômodos na realidade
local. Também devem ser considerados o momento e os contextos de implementação e
consolidação dos Colegiados Gestores, na perspectiva da gestão participativa. (BELO
HORIZONTE, 2006, p. 49) De acordo com os sujeitos da pesquisa, os colegiados vêm se
efetivando como instrumentos dos próprios gerentes.
... a gente faz a reunião de colegiado gestor, que é fazer uma reunião, falar quais são as atividades previstas para nossa unidade, então a gente faz com um de cada categoria profissional e um de cada equipe de saúde da família, então eles também me auxiliam. Antes era muito só eu na gerência, agora por essa gestão colegiada (...) ficou mais fácil. (Gerente B) [No colegiado gestor] a gente discute algumas questões que são mais complicadas de a gente fazer, e a gente tem o apoio do colegiado e aí vai para discussão com a equipe toda. É uma forma de a gente gerenciar, compartilhar também, dividindo algumas questões que a gente gostaria que fosse pactuada antes de ir para uma discussão maior, entendeu, e vai mais fortalecido quando vai assim. (Gerente C)
Do ponto de vista da gestão, faz-se necessário programar momentos de diálogo com as
equipes, para orientar o planejamento, a organização e a avaliação, viabilizando efetivamente
154
a integração. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 50) Dispositivos e mecanismos de educação
permanente62 também são necessários para a superação de algumas dessas condições acima,
além de serem imprescindíveis estratégias que garantam a permanência desses profissionais
nas equipes – e no programa.
A educação permanente está profundamente relacionada ao aprimoramento da prática
profissional e, por conseguinte, ao incremento da qualidade dos serviços. Em serviço, é um
processo que deve emergir do próprio profissional através da reflexão constante sobre sua
prática, por isso a importância do papel ativo dos sujeitos envolvidos. A motivação provocada
pelo “desconforto” é, também, um fator essencial para a educação permanente. (BELO
HORIZONTE, 2006, p. 70) Neste sentido, vale reiterar o trabalho como princípio educativo,
ou seja, o trabalho como espaço de construção do ensino-aprendizagem. Conforme
dissertamos no capítulo 3, aprende-se com o trabalho.
Uma outra medida que pode trazer benefícios é a manutenção e a continuidade da
realização de concursos públicos para preenchimento dos cargos de profissionais das equipes,
a exemplo do último concurso, realizado no segundo semestre de 2006, pelo qual foram
nomeados profissionais médicos e enfermeiros de Saúde da Família63. Esta forma de vínculo
traz benefícios para o trabalhador, como a estabilidade e a garantia de direitos trabalhistas,
entre outros, e, conseqüentemente, para o Estado e a população, que deixam de assistir à
contínua e elevada rotatividade de profissionais nas equipes.
Além dos aspectos levantados, julgamos que aqueles relacionados à estrutura das
unidades de saúde também contribuam para a problemática em questão. Como captamos:
O Ministério não prescreve se tem que ser equipes isoladas ou a equipe dentro de centro de saúde. Ele orienta que deve ter no máximo três equipes no mesmo local. O problema é a estrutura. Nós temos aí que andar muito, grana mesmo, para você refazer, redesenhar essa rede física. (Membro da GEAS C) ... eu acho que para as unidades foi entrando aquele, um trator passando: “agora é assim”, numa unidade que – até hoje as unidades são inadequadas em espaço físico, não é? – onde tinha 20 e poucos funcionários, passou a ter 60, não tem gerente que consegue gerenciar. (Membro da GEAS B)
62 Em resposta à lacuna criada pela ausência de profissionais generalistas necessários para compor as equipes, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) passou a dispor de um curso de Especialização em Saúde da Família, com 372 horas/aula, procurando atender uma demanda específica descrita pela SMSA e tomando como eixo características da estratégia como o vínculo com a clientela e a referência com a equipe. (BRASIL, 2005a, p. 15) A titulação já alcançou cerca de 1000 profissionais médicos e enfermeiros. Além disso, foi criado o Centro de Educação em Saúde, responsável, junto à GEAS, pela realização de capacitações. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 11) 63 Dado fornecido em entrevista por um membro da GEAS (C).
155
... eu acho que Belo Horizonte como um todo tem melhorado mas a maioria das unidades elas são... a área física muito ruim, muito apertado e isso limita o nosso trabalho, entendeu? (Enfermeira A)
Estes são limites sobre os quais o BH Vida: Saúde Integral ainda precisa avançar. Para
além destes, há aqueles relacionados aos processos de trabalho em si dos profissionais das
ESF, como dissertamos na seqüência.
5.3 A ORGANIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE TRABALHO NA ATENÇÃO PRIMÁRIA 5.3.1 Reflexos da ampliação do acesso para o trabalho em saúde
A Saúde da Família ampliou o acesso à saúde, tendo em vista que o programa atingiu
uma população anteriormente pouco conhecida pelos centros de saúde, que se encontrava
retida no leito e demandava atenção domiciliar, o que não era prestado no modelo de
atendimento até então vigente. As falas dos entrevistados ilustram esta questão:
... o adulto e o idoso que antes estavam fora, estão dentro da unidade agora, então deu muito mais que acesso. (Membro da GEAS B) ... aumentou muito a complexidade dos casos atendidos, ampliou o acesso em especial para o adulto e para o idoso, para as doenças crônicas. [O BH Vida: Saúde Integral] trouxe para nós questões que não estavam colocadas na atenção primária, por exemplo, não era problema do Centro de Saúde você ter um paciente com trauma (...) com uso de sonda contínuo... isso não era problema. Ele nunca ia ao Centro de Saúde, isso não existia. (Membro da GEAS C) ... a ampliação do acesso, que eu acho que esse foi o principal avanço da implantação do BH Vida: Saúde Integral. (Gerente A) ... a gente já tinha uma rede de Centros de Saúde bem legal, funcionando muito bem (...). Naquela época a gente já achava que funcionava muito bem, bons profissionais, uma rede já com um nível de articulação importante, em especial a questão do atendimento materno-infantil muito bom, mas o acesso para a população adulta era absolutamente insuficiente. Eu acho que a gente não tinha nem clareza disso... só fomos ter essa clareza a hora que na gente abriu o PSF, que aí nós vimos o tamanho da dívida que existia. (Membro da GEAS C)
Um dos fatores apontados como causa da ampliação do acesso é o aumento do número
de trabalhadores que ocorreu para implantação das equipes:
... o processo de organização do serviço ele foi todo modificado com a implantação do PSF, as unidades modificaram completamente sua forma de organização, criou o
156
acesso com a implantação das equipes, porque houve um incremento de recursos humanos muito expressivo. (Gerente A)
O modelo de Atenção Primária baseado na livre demanda levava aos centros de saúde
principalmente crianças com doenças agudas, gestantes, portadores de diabetes ou de
hipertensão arterial. Este modelo anterior apresentava baixa resolubilidade e eficiência. A
atenção era ocasional e passiva, as relações interpessoais eram negadas e existia uma
tendência a desumanizar a assistência, predominando cuidados curativos e reabilitadores.
(SENA-CHOMPRÉ et al., 2000, p. 53)
Esse quadro vem se modificando e a ampliação do acesso ocorrida pode ser aliada ao
Acolhimento, outro avanço no SUS de Belo Horizonte, que vem cumprindo um papel
importante no BH Vida: Saúde Integral. Ele pode ser entendido como um dispositivo para
garantir a entrada da demanda espontânea dos usuários nas unidades, como forma de acolher
o sofrimento e a doença, ultrapassando a lógica “programática”, que excluía a entrada de
usuários que não se enquadravam nos programas e prioridades estabelecidas. (BELO
HORIZONTE, 2006, p. 91)
Franco, Bueno & Merhy (1999, p. 349), ao relatarem a experiência da inversão do
modelo tecnoassistencial com base no acolhimento em uma UBS em Betim, MG, também o
associaram a um aumento extraordinário do atendimento geral da unidade, traduzindo tal
situação em indicador de acessibilidade aos serviços da unidade de saúde.
Em Belo Horizonte, o Acolhimento vem funcionando de diversas maneiras quanto à
formatação e à composição das equipes que recebem o usuário e às atividades que oferecem.
Parece haver um incômodo do trabalhador com este dispositivo, que alia sua incompreensão
com as potencialidades do acolhimento à grande demanda de usuários nas unidades. Além
disso, a dificuldade em lidar com a demanda não imediatamente reconhecida como da saúde
provoca uma sensação de pouca resolutividade por parte das equipes. (BELO HORIZONTE,
2006, p. 90) As entrevistas trouxeram contribuições a esse respeito, como se vê abaixo:
[Antes] Tinha número de consultas definido, não era porta aberta o tempo todo. Você não trazia quem nunca vinha para dentro da unidade. Então a unidade encheu; isso preocupa mais as pessoas e toma mais tempo. É essa demanda desorganizada o dia inteiro. Quarenta pessoas no acolhimento. (...) Quem consegue em duas horas resolver a vida, escutar bem, dar uma boa resposta para quarenta pessoas trabalhando em equipe... trabalho é em equipe no acolhimento, mas aí para definir “ah, você, fez consulta hoje? Vou marcar para a tarde!”, mas tem que escutar quarenta pessoas. (Membro da GEAS B)
157
Hoje está muito mais estruturado, a gente faz o acolhimento, (...) faz uma escuta qualificada de todo mundo que chegou nessa unidade e direciona, encaminha aquele usuário para o atendimento adequado. Aquele usuário que chegou com problema de dor de garganta, ele vai ser encaminhado ao médico que está dando assessoria no acolhimento, para poder fazer aquele atendimento no momento. Aquele usuário que está com dificuldade financeira, com dificuldade na família, vai ser encaminhado para dentro da unidade, para outros encaminhamentos. Então, hoje o acolhimento funciona muito bacana, fez com que a gente atendesse hoje na unidade mais ou menos umas sessenta pessoas. Sessenta pessoas que antes não conseguiam chegar no posto... por dia... só no acolhimento... fora as consultas já pré-agendadas, fora todas as outras atividades. (Gerente B) ... quando você pega um acolhimento que você vai ver casos agudos, são coisas que você poderia ter resolvido de outra forma, antes de chegar aqui poderia ter sido feito outra coisa. A gente vê que tem pacientes que trazem problemas para você que não são da saúde. (Médica)
A forma de organização do acolhimento em muitas unidades o coloca como única e
rígida porta de entrada, reduzindo-o a um determinado espaço físico, desvirtuando-o da
compreensão de postura que deve ser adotada por toda a equipe para a compreensão de
aparato para agendamento de consultas médicas com equipe, horário e local definidos. (BELO
HORIZONTE, 2003b; 2006)
“Volta amanhã porque o horário do acolhimento dessa menina é de manhã...” As pessoas tenderam a achar que a recepção não pode resolver, tem que passar tudo pelo acolhimento, até resultado de exame. Então o acolhimento em algum sentido passou a ser barreira, por incrível que pareça. (Membro da GEAS B)
Percebemos, de fato, variações na forma como se organiza o Acolhimento nos
diferentes CS visitados para esta pesquisa. Em um primeiro momento, o dispositivo pareceu
de fato um empecilho devido à “fixação” de horário específico, mas durante a entrevista ficou
claro que ele ocorre ao longo do dia:
O acolhimento acontece todos os dias, a gente faz uma orientação para que as pessoas cheguem à unidade por volta de oito horas da manhã, para que você tenha essa capacidade de pedir um exame de urgência para você olhar, às vezes não sou eu que vou olhar à tarde, porque eu estou em outra atividade mas tem um médico que vai, que ficou disponibilizado naquele horário, então a gente troca idéia... O acolhimento é o tempo todo da unidade. A gente faz essa orientação para que venha na parte da manhã, para você dar conta de pedir, solucionar e resolver aquele caso. A parte da tarde a gente deixa mais o horário para casos agudos realmente, porque você não tem como prever que alguém não vá passar mal na parte da tarde. (Médica)
Em alguns casos, o Acolhimento pareceu se aproximar a uma “triagem” feita pela
equipe de enfermagem, orientada por “fluxos” construídos para este “momento”:
158
... o enfermeiro e o auxiliar de enfermagem [ficam] no Acolhimento direto, e a médica atendendo, então ficamos nós duas lá [enfermeira e auxiliar] fazendo tipo a acolhida, acolhendo os usuários e fazendo os fluxos. Se é consulta de emergência, que tem que ser na hora, se é agudo (...) a gente passa direto para o médico, o que não é agudo a gente agenda. (Enfermeira B) O usuário chega à unidade e aí a gente se organizou da seguinte forma: ele já tem a consulta agendada? Então a gente já retira o prontuário, já para os médicos fazerem o atendimento. Se ele chegou como demanda espontânea, ele vai para o acolhimento. Vai ser escutado pela equipe e aí direcionado. (Gerente C)
A forma como a fala acima descreve o fluxo se aproxima daquele apresentado no
capítulo 4 (Cf. Figura 6 - Fluxograma descritor, resumido, da linha de cuidado interna à
UBS/ESF). Ou seja, mais do que a prática de acolher, este parece vir sendo incorporado à
linha do cuidado para os CS, embora não seja reconhecido como tal pelos profissionais que
nele trabalham – tanto gerentes quanto os da ponta. No entanto, o fluxo construído pode levar
ao enrijecimento do Acolhimento, tornando-o uma prática protocolizada e pouco relacional.
Felizmente, também reconhecemos a prática diferente, “em meio à triagem”, sendo resolutiva,
ou seja, o Acolhimento como lugar em que também se resolve, orienta:
... quando essa demanda não vem pelo ACS, esse usuário vem à unidade, ele passa no acolhimento, ele é escutado. Ou ali mesmo a gente dá as orientações e resolve, ou esse usuário é encaminhado para uma consulta, que seja uma consulta com dentista, com médico, com enfermeiro, com pediatra, com ginecologista. É a partir do Acolhimento, dessa escuta que a gente encaminha esse paciente para a consulta, e na consulta a gente encaminha ele para os grupos operativos. (Enfermeira A)
Encontramos estas diferentes visões do Acolhimento na literatura. Melo, Santos &
Werneck (2004) avaliaram a percepção de usuários e trabalhadores de dois CS de dois
Distritos Sanitários distintos de Belo Horizonte quanto ao processo de “aplicação” do modelo
de atenção à saúde, segundo a linha do cuidado. No estudo, identificaram que a maioria dos
trabalhadores de um dos CS entrevistados relacionavam o Acolhimento com o processo de
escuta e resolução do problema do usuário, sendo que a minoria acreditava no dispositivo
como um instrumento de triagem. No outro CS, a maior parte dos entrevistados associava o
Acolhimento a um processo de escuta humanizada, seguida daqueles que o consideravam
triagem e, por último, daqueles que concordavam com a maioria dos trabalhadores
entrevistados no primeiro CS, para quem o Acolhimento se tratava de um processo de escuta e
resolutividade.
Para Franco, Bueno & Merhy (1999, p. 349) foi possível construir um indicador de
resolubilidade da equipe de acolhimento, no caso uma equipe multiprofissional composta pela
159
enfermeira, pela assistente social e pelas auxiliares de enfermagem organizada na UBS
investigada para fazer a escuta dos problemas de saúde levadas pelos usuários. Como
resolubilidade, consideraram a solução encontrada pela equipe de acolhimento para as queixas
sem outro tipo de encaminhamento.
Sena-Chompré et al. (2000) analisaram o processo do Acolhimento como estratégia de
reorganização da assistência de enfermagem nos serviços básicos de saúde de Belo Horizonte
– antes da implantação do PSF – a partir de entrevistas feitas a uma enfermeira e uma auxiliar
de enfermagem em cada um dos três CS, de três distintos Distritos Sanitários. As
trabalhadoras entrevistadas referiram-se ao Acolhimento como modalidade que resgata o
enfoque da promoção e da prevenção como abordagem educativa, embora tenham se referido
a mecanismos de trabalho pautados na hegemonia do modelo sustentado na prática médica.
É importante frisar que a SMSA não recomenda a organização do atendimento à
demanda espontânea por clínica, (BELO HORIZONTE, 2006, p. 94) mas sim como escuta
qualificada que deve ocorrer a todo momento, por todo e qualquer profissional da equipe e do
CS, buscando a criação de vínculo entre profissionais/equipes e usuários. Para Melo, Santos
& Werneck (2004, p. 75) o acolhimento transcendeu seu significado e abandonou “sua
caracterização restrita à consulta, tornando-se um instrumento criador de vínculos e
responsável pela resposta que o usuário encontra no serviço”.
Com a ampliação do acesso, o acompanhamento de novas demandas passou a ser
incorporado como atividade para o CS e a estruturação do trabalho a partir da territorialização
e da adscrição de clientela fez com que o CS passasse a ter um papel mais ativo, em lugar de
expectante da população, com a possibilidade de criar alternativas de intervenções nas
condições de vida e moradia dos pacientes. (BRASIL, 2005a, p. 9)
Assim, estruturadas prioritariamente nas áreas de maior risco no município, as equipes
depararam-se com o desafio de trabalhar o território e o domicílio, mas ao mesmo tempo de
dar uma resposta eficaz à demanda não programada que recorre à unidade de saúde, incluindo
a população não vinculada às equipes, que deve ter acesso à assistência com a mesma
qualidade. (FRANCO; MAGALHÃES Jr., 2003, p. 129) Neste contexto, há a orientação de
que o atendimento aos casos agudos seja feito a qualquer usuário que procure o CS, mesmo
que pertencente a outra área de abrangência ou a outro município. (BELO HORIZONTE,
2006)
Esta discussão deve deixar claro o papel da Saúde da Família na atenção ao agudo.
Como recomendação da SMSA,
160
Num modelo que prevê a adscrição de clientela definida, a responsabilização, a criação de vínculo e o atendimento integral, é papel dos centros de saúde se organizarem para possibilitar a entrada e o atendimento aos quadros agudos dos cidadãos adscritos. Sem este pressuposto, dificilmente um serviço de atenção primária será referência para a população. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 18)
Percebemos que estas características são vivenciadas nos Centros de Saúde da
pesquisa, que incorporam e reafirmam o vínculo entre os usuários e os profissionais e CS
como um dos principais atributos do trabalho em saúde:
... o que a gente pode fazer por essa comunidade a gente tenta fazer. Estabelecer esse vínculo no sentido de estarem eles confiando que a gente vai junto conquistar alguma coisa. Existe muito essa relação. É uma coisa que fortaleça a nossa estada aqui. Porque a gente percebe que de fato existe esse vínculo, existe essa coisa de proximidade, entendeu? Existe essa coisa deles procurarem a gente porque eles sabem que a gente vai tentar uma resposta. Pode ser até um não, mas que a gente não vai se omitir de fazer, de dar essa resposta. (Gerente C)
Associado ao vínculo, percebemos que a responsabilização dos profissionais, equipes
e centros de saúde pela saúde dos usuários tem se concretizado. Aliás, assim como Franco,
Bueno & Merhy (1999, p. 352), consideramos vínculo a responsabilização pelo problema de
saúde do usuário, individual e coletivo. Porém, a ampliação do acesso e o acolhimento, em
especial, aliados à territorialização, à vinculação e à responsabilização parecem vir
aumentando a demanda sobremaneira, o que tem levado os trabalhadores a situações de
sobrecarga, cansaço, insatisfação e sofrimento, além de evidenciar a falta numérica de
determinados profissionais:
Eu acho que nós aqui, a nossa realidade da unidade básica é um pouco pesada pela demanda, a demanda é muito intensa, a porta se abriu. Isso é bom mas para a gente aqui é pesado. (...) É um acolhimento que tem uma proposta muito interessante, de acolher todo mundo que chega, mas isso desgasta um pouco porque as nossas ações programadas de vigilância ficam um pouco a desejar. (Enfermeira A) ... auxiliar de enfermagem é o que faz mais falta dentro de uma unidade básica, porque (...) se sair o auxiliar de enfermagem... se você sair agora, um paciente meu está na área... Quem vai ficar aqui fazendo a vacina? (Auxiliar de enfermagem) Eu particularmente acharia que deveria ter um médico, como tem, mais auxiliares de enfermagem porque para algumas fica sobrecarregadas, enfermeira também e agente comunitário principalmente porque às vezes fica de licença médica, às vezes estão de férias e as que ficam, ficam mais sobrecarregadas, têm que trabalhar para cobrir aquelas áreas e realmente isso acontece também com as outras, com os médicos, com os auxiliares, eu acho que teria que ter um aumento de profissional nessa parte. (ACS)
161
Para uma área igual a essa nossa, que é uma área que demanda muita atividade domiciliar, demanda muito curativo, cuidado é muito necessário, a gente precisava ter no apoio pelo menos 3 ou 4 auxiliares de enfermagem para liberar os outros auxiliares [os das ESF], para estarem fazendo essas atividades. (Gerente C) ... hoje a gente está num momento de muita insuficiência de profissionais auxiliares de enfermagem e, além disso, (...) eles são mais velhos, a carga de trabalho deles aumentou muito, o volume de pessoas na unidade de saúde aumentou muito, (...) então eles estão adoecendo muito. (Membro da GEAS C) ... apoio aqui que falta: apoio de enfermeiro, a gente precisaria de um enfermeiro de apoio... Eu acho que ia ajudar muito, porque ele ia ficar com essa questão da supervisão e o enfermeiro do PSF poderia estar atuando mais na sua área. (Enfermeira A) ... oito horas de trabalho diárias, oito horas você está ligada, o tempo inteiro... Se você sai dessa sua sala, (...) se eu passo no corredor, tem dois, três me esperando para perguntar isso, para avaliar uma ferida, para ver um paciente que entrou na observação, (...) Você está em alerta o tempo inteiro, então isso te gera cansaço, isso te gera insatisfação (...) você não consegue parar, tamanha a demanda. (Médica) ... lidar com a saúde é uma coisa pesada (...) eu saio cansada. A gente tinha que ter um apoio psicológico, um suporte, tem muitos que estão assim estressados, muito cansados. (Auxiliar de enfermagem) ... na ponta [a gente sofre muito com] a pressão do usuário, diretamente sobre a gente. Tudo que não consegue realizar acha que a gente que é culpado, não entendem que a gente está aqui cumprindo ordens, que a gente tem determinadas limitações, que tem coisas que não dependem da gente, dependem de um órgão mais superior, e a gente é que está na linha de frente mesmo. (Enfermeira B)
As condições apresentadas acima mostram como a mudança do modelo assistencial
pode afetar drasticamente os processos de trabalho mesmo sem estes estarem
“completamente” reorientados, modificados. O sistema de saúde em Belo Horizonte – assim
como o SUS e o PSF nacionalmente – tomou como premissas para sua reorganização a
produção de vínculo entre o usuário e a equipe, no sentido de escutar e atender demandas da
população, e o acolhimento. Todavia, a viabilização destes princípios parece vir sendo feita
sem condições estruturadas para garantir que o “produto” final do trabalho seja a saúde dos
indivíduos e coletivos.
Recai sobre os trabalhadores a responsabilidade de acolher, e acolher bem, e dar uma
resposta para os usuários e população, mesmo que eles estejam em número insuficiente na
unidade, ou envolvidos com alguma outra atividade ou tarefa do próprio CS, ou demandados
pela sua ESF e população a ela adscrita, mesmo que isso prejudique a execução de programas
e ações preconizadas pelo nível central, como as de promoção, prevenção e vigilância. E por
essa razão o trabalhador fica cansado e desmotivado, exaure-se e sofre.
162
A gente fica sobrecarregado pelo número de profissionais para uma demanda excessiva e mais nessa questão de implementar mesmo o que já se tem. A Prefeitura de Belo Horizonte ela procura inovar projetos, fazer coisas novas, mas a gente esbarra até nas dificuldades para execução desses projetos por estas questões. (...) Você não consegue parar para fazer um projeto seu, você não consegue trazer os projetos que a própria Prefeitura oferece e fazê-los de forma adequada até do que está escrito, são projetos bons, tem um interesse grande das ações de promoção e prevenção, mas você não consegue parar, tamanha a demanda. (Médica)
No estudo de Sena-Chompré et al. (2000), realizado antes da implantação do PSF em
Belo Horizonte, os trabalhadores de enfermagem também relataram haver sobrecarga em seu
trabalho a partir da implementação do Acolhimento pois, apesar de haver maior autonomia de
decisão às enfermeiras, estas passaram a acumular mais funções assistenciais, limitando sua
ação na gerência da equipe de enfermagem.
Para além dos modos de organização do trabalho na APS, o sofrimento e a loucura do
trabalho são temas de discussão não só no âmbito da saúde mas também no trabalho geral.
Contudo, tal discussão não é objetivo da presente dissertação e, embora tenhamos identificado
elementos que a sustentam, não a aprofundaremos.
Apesar da problemática relacionada à sobrecarga dos trabalhadores, devemos
reconhecer que a garantia de acesso a toda a população é um dos pontos mais fortes do
programa. Isso também foi recorrente em nossa investigação:
... no acolhimento, a gente atende no mínimo, mais ou menos, sessenta pessoas por dia. Tudo bem que está estafando todo mundo, porque a gente percebeu que a demanda está enorme e o número de recursos humanos está insuficiente. Está ficando todo mundo nervoso... quando é dia de acolhimento a gente põe aqui, enfermeiro, auxiliar e o médico, e aí você vê que está todo mundo no sofrimento, que está fazendo acolhimento porque é uma demanda enorme que está chegando para a gente, mas para o usuário humanizou demais. Eles não chegavam ao posto, só quem dormia na fila que chegava. (Gerente B) Mas eu acredito nisso, você trabalhando com acesso continuado o tempo todo. Por exemplo, uma equipe está sempre de retaguarda para a outra. Você tem que organizar: “Agora está na hora, vocês vão fazer atividade programada, atividade educativa, visita, tem alguém na retaguarda no acolhimento?” (Membro da GEAS B)
Analisando dados de produção/horas trabalhadas, Franco, Bueno & Merhy (1999, p.
349) construíram um indicador que refletia o rendimento profissional da enfermeira e da
assistente social a partir do acolhimento, confirmando que este dispositivo, ao reorganizar os
processos de trabalho, fazia com que as profissionais utilizassem todo o seu potencial para a
assistência, garantindo “impacto extraordinário no acesso aos usuários”.
163
Como no estudo dos autores acima, nossos achados demonstram que, apesar das
conseqüências para o trabalho na APS, a ampliação do acesso significou a concretização de
um dos princípios do SUS: a universalidade. Os sujeitos da pesquisa avaliaram a assistência à
saúde em BH à luz dos princípios e diretrizes do SUS, destacando a universalidade e a
eqüidade, voltadas para a temática do acesso.
Universalidade: eu acho que nós conseguimos um acesso universal na atenção primária. Não vou falar universal porque é muito, mas nós chegamos muito perto desse acesso universal para a atenção primária. Talvez não a população aqui do centro da cidade [baixo risco], mas a gente ampliou demais esse acesso. Equidade: a gente tem buscado a equidade, eu acho que, também na atenção primária, com essa idéia muito importante (...) de usar o índice de vulnerabilidade, colocou mais para quem precisa mais. Primeiro, o mercado limita, então quando vai faltar médico falta lá, é lá onde o povo precisa mais, então a gente faz um desenho mas a realidade é colocada ao contrário. A gente tenta instrumentos para desfazer a pressão do mercado e tal, mas uma outra questão da equidade é que quando você ascende ao segundo nível, a atenção especializada, aos exames, aí meu filho... aí a equidade voa para o espaço, porque de um jeito ou de outro, quem tem mais recurso: recurso cognitivo, recurso financeiro... a gente tem criado muito mecanismo de impedir acesso diferenciado, porque tem muito exame, por exemplo, tem muito procedimento de alta complexidade que precisa de exame de média complexidade, que a gente não tem oferta, então só quem tem dinheiro consegue realizar (...). A justiça é outro mecanismo de entrada diferenciada... ordem judicial “a rodo” que garante, para quem tem mais conhecimento, mais relação, mais dinheiro, o acesso diferenciado no sistema. Na atenção básica a gente conseguiu um pouco mais, mas no sistema como um todo, mesmo com muito mecanismo de regulação, de impedir esse tipo de acesso diferenciado, ele ainda acontece. Quando a gente vai estudar o resultado está lá. É muito poder, dinheiro é poder, conhecimento é poder... e ele É exercido. (Membro da GEAS C) ... tem uma questão da eqüidade. Primeiro vamos tentar trabalhar os locais em que o risco é maior para poder tentar igualar. E a gente sabe que a gente vai ter muitos problemas aí. A eqüidade ela vem para tentar igualar no patamar que a gente considera, pelo menos, o mínimo. As pessoas terem o mínimo de acesso, terem acesso à saúde. Isso num local onde as pessoas nunca tiverem acesso é tentar igualar àquelas pessoas que hoje estão numa área que não é de risco e que têm acesso à saúde. (Gerente C)
É importante compreender como a universalidade vem sendo buscada, conforme
abordamos na subseção 5.1.3. Porém a eqüidade ainda não tem se mostrado tão efetiva; aliás,
tem se mostrado conflituosa. Mais uma vez, são apontados novos desafios para o programa:
no caso, garantir a universalização do acesso e impedir, cada vez mais, o acesso diferenciado.
Sem esta, a primeira não se concretizará.
164
5.3.2 Organização do trabalho em equipe
O modo de produção em saúde e o modo de organização do trabalho para tal produção
no âmbito da APS em Belo Horizonte apresentam alguns desafios relacionados, ainda, à
micropolítica do trabalho. A dificuldade de se trabalhar em equipe parece se agravar pela
pouca clareza das atribuições dos diferentes profissionais. As falas a seguir relatam:
É um grande desafio a definição de atribuições, a articulação do conhecimento desses diferentes profissionais, a valorização do conhecimento de cada um. A orientação é: trabalho em equipe, mas isso não quer dizer que acontece, não é? (risos). (...) A entrada do profissional ACS não é uma coisa simples, existe uma certa barreira, um certo colocar para esse profissional só o trabalho braçal, usar pouco o imenso potencial desse profissional. (Membro da GEAS C) ... eu vejo hoje, por exemplo, o profissional médico, num lugar, até então que ele desconhecia, essa forma de trabalhar... O médico preparado para trabalhar dentro do consultório, atendendo individualmente, e aí de repente ele tem que estar no trabalho em equipe, dividindo com outros profissionais, e esse é um lugar difícil, uma vez que ele não foi preparado para estar ocupando, mas esse é um movimento que a equipe vem fazendo, no sentido de estar reconhecendo qual o espaço de atuação de cada um, de estar interagindo o tempo todo. (Gerente A) ... trabalhar em equipe é um grande desafio, não é uma coisa tão simples. Eu acho que a gente tenta focar aqui nos objetivos comuns. (...) A gente tenta trabalhar aqui é a questão de qual que é o objetivo que a gente tem: fazer um atendimento ao usuário bom, ter uma proposta usuário-centrada, e a partir disso a gente vai tentando trabalhar, respeitando as competências de cada um. Quando eu falo competência, é para diferenciar a questão da hierarquia. Porque um grande nó crítico na questão do trabalho da equipe é a questão da hierarquia, que é diferente da questão da competência. (...) Quando a gente está em equipe, nós somos iguais, temos um objetivo comum, mas nós temos competências diferentes. (Gerente C)
De outro lado, reconhece-se que houve avanços, embora se reclame uma organização
do trabalho um pouco mais “protocolizada”:
A gente já vê melhoria nessa organização do trabalho que estava muito desordenado, (...) já tem uma melhoria. Eu que acho lenta. Acho que se tivesse uma coisa mais normativa, mais gerencial ajudava. (Membro da GEAS B)
A fragmentação do processo de trabalho em alguns CS e a escassez dos métodos de
planejamento e do uso das informações disponíveis nas rotinas dos serviços têm se
apresentado como problemas, bem como a escassez do uso de instrumentos de gestão no nível
local capazes de subsidiar negociações e do acompanhamento do trabalho e seu desempenho.
(BELO HORIZONTE, 2006, p. 47) A SMSA vem preconizando algumas estratégias de modo
165
que as equipes se aprimorem enquanto equipes multiprofissionais, buscando o trabalho
integrado, e conduzam o processo de trabalho de forma mais sistemática, na direção de
melhores resultados. Entre elas, recomendam momentos de reunião, tidas como
método para colocar em análise todas as situações vividas no âmbito do trabalho, tanto relacionadas ao processo e desempenho, quanto às interrelações nas equipes. São espaços que (...) devem ser priorizados para debates enfocando a análise de dados epidemiológicos e outros da realidade local (...). Servem ainda como espaço de discussão das situações de conflito e dificuldade das equipes de captar a percepção de cada sujeito sobre a resolutividade da oferta, de discutir o acolhimento, de avaliar a co-responsabilidade do usuário e a qualidade da assistência. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 67)
E, conforme percebemos, este “método” vem sendo aplicado nos CS.
... cada um reconhece as suas atribuições, tem o momento de reunião da equipe, uma vez por semana a equipe senta, conversa. Nesse processo tem momentos que surgem atritos, quem faz o quê... até porque o processo é novo ainda na cidade. (Gerente A) [Nas reuniões] a gente elabora grupos operativos, a gente elabora várias visitas domiciliares, a gente elabora passeios, a gente elabora um monte de trabalho com cada equipe. (ACS) A gente se reúne uma vez por mês, os médicos, tanto generalistas como médicos de apoio e os enfermeiros, nós fazemos uma discussão do que está acontecendo, como que está a organização do trabalho, em que uma equipe está com dificuldade e o que a outra não está. A gente faz essa troca de idéias de informações uma vez por mês. (Médica)
É curioso notar que, ao serem perguntados sobre como se organiza o trabalho em
equipe, houve predominância de respostas pelos sujeitos da presente pesquisa que se
remetiam ao momento de organizá-lo – as reuniões
Hoje nós temos vários fóruns de discussão dentro da unidade que possibilitam a organização do processo de trabalho. Um deles é o colegiado gestor, outro os fóruns de discussão das equipes. Todas as equipes de PSF se reúnem semanalmente para discutir o processo de trabalho, como é que a equipe está organizada, como é que ela deve estar se articulando, para organizar mesmo como é que se faz o dia-a-dia da equipe. Temos também fórum do PSF, que é um fórum onde a gente reúne profissionais de todas as equipes para discutir como é que as coisas estão fluindo, quais são os problemas e aí propor soluções. Temos um fórum da enfermagem... Hoje as equipes vão organizando o processo através dos fóruns de discussão interna. E desses fóruns saem propostas, encaminhamentos, que vão viabilizando o processo de trabalho. (Gerente A) Dentro da nossa unidade é o seguinte: a gente tem uma reunião quinzenal com a equipe toda. Nessa reunião a gente discute as questões da unidade: o acolhimento, (...) a organização de uma coleta, organização da vacina... A gente também tem uma
166
reunião semanal com a equipe. A equipe se reúne e eu participo até um certo momento da reunião, depois eu saio para a equipe ter o seu momento entre eles mesmos no qual a gente discute se vai ver ali os indicadores, (...) quais são os indicadores que a gente quer atingir, as metas que a gente tem, e qual é a operação que a gente vai desenvolver para atingir aqueles indicadores. (Gerente C)
– ou às reuniões e à forma como são divididos os processos de trabalho:
Eles se organizam da seguinte forma: a gente organiza agenda ou ciclo de vida; tem um turno daquele médico, daquele enfermeiro, que ele faz atendimento à criança, um outro horário dele ele faz atendimento à mulher, outro horário ele faz atendimento em clínica, um outro dia de retorno, o outro dia eles participam de grupos operativos, o outro dia eles participam de visitas domiciliares, e toda semana eles se reúnem em equipe para a discussão dessa organização (...). Senta o médico, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e os agentes comunitários para saber como vai organizar. Então o agente comunitário traz a informação do domicílio, de que a fulana, acamada, precisa de visita, porque não está bem, aí o auxiliar de enfermagem vai até a casa, ou se necessário o enfermeiro vai a casa, ou se necessário o médico vai até a casa, dentro daquela programação prevista. Se é uma urgência a gente já pede direto para o usuário ir para o serviço de urgência, nós temos organizado dentro da agenda o dia de visita do médico, o dia de visita do enfermeiro, o dia de visita do auxiliar de enfermagem. (Gerente B) ... a equipe se reúne semanalmente para organizar suas atividades durante a semana. O enfermeiro faz puericultura, atende pré-natal. A gente realiza visitas domiciliares, o médico também realiza visitas domiciliares que são planejadas durante a reunião semanal e fora isso os atendimentos. (Enfermeira A) A equipe faz uma reunião... a gente trabalha em equipe mesmo. Se não tem um enfermeiro, um auxiliar trabalha e ajuda a assistir um médico. A gente tem um trabalho legal de equipe. (Auxiliar de enfermagem) ... dentro da equipe a gente divide o trabalho. Algumas consultas a gente divide, por exemplo, puericultura a gente intercala algumas consultas, não a maioria, mas algumas consultas em puericultura ficam a cargo do enfermeiro, a maior parte fica a cargo do generalista, e a primeira consulta em puericultura com um mês de vida da criança fica da responsabilidade do pediatra, daí para a frente: enfermeiro e médico sendo que a maioria é com médico generalista. (Médica)
Utilizando as “categorias” expressas por Peduzzi (1998), a fala acima se aproxima
mais da abordagem agrupada da equipe do que de uma abordagem integrada à medida que
observamos uma característica de fragmentação. A equipe integração, de outro lado, se
caracteriza pela ação consoante à proposta da integralidade das ações de saúde, (PEDUZZI,
2001) debate que apresentamos no capítulo 3.
Para além da articulação no trabalho interno à equipe, é preciso também que o trabalho
seja integrado – e integrador – ao/no Centro de Saúde como um todo, o que não parece
acontecer em todo lugar:
167
... estão fazendo grupo [operativo] por equipe de Saúde da Família, em vez de fazer grupo por unidade. Então eu acho que houve essa coisa de perda da identidade da unidade. Tem um trabalho que às vezes é isolado nas equipes. Então a gerência ela não consegue ver o todo, porque o todo é a população toda, então tem ganhos, tem mais capilaridade na Saúde da Família, porque tem mais vínculo, mais responsabilização, mais acesso, mas você tem essa crise de identidade da unidade, porque perde um pouco a percepção do todo. Aí sala de vacina é um pouco isso, reflete isso, porque cada um cuida dos seus meninos, e aí a unidade perdeu aquela [identidade]. (Membro da GEAS B) ... cada equipe faz o seu grupo de hipertensos e diabéticos. Agora, por exemplo, como eu já fiz uma capacitação para atendimento em adolescentes, então os adolescentes ficam comigo; a equipe três, o enfermeiro já trabalhou e já fez alguns projetos com atenção ao idoso, então ele fica com os idosos. A outra médica que trabalhava aqui (...) já tinha uma facilidade para lidar com obesidade, então ela fazia ações de educação em obesidade. A [enfermeira] já tem uma facilidade em trabalhar com desnutridos. (Médica)
Assim, não só a equipe deve trabalhar totalmente integrada internamente, mas também
com as demais ESF e com os demais profissionais que atuam no âmbito do CS – recepção,
apoio, gerência etc.
Em relação aos profissionais de apoio, observamos que estes vêm desempenhando
principalmente dois tipos de função:
- apoio nos grupos de discussão da unidade, os chamados grupos operativos,
sobretudo quando são de temática ligada à sua especialidade e prática; e
- formação dos profissionais das ESF, notadamente dos profissionais médicos,
“treinando-os” para as práticas de generalistas.
No entanto, eles vêm realizando atividades e funções que não estão previstas ou
recomendadas pela SMSA (Cf. BELO HORIZONTE, 2006), como a manutenção de agendas
abertas para marcação direta dos usuários em função da elevada demanda e da sobrecarga das
ESF. Assim,
A importância [dos profissionais de apoio] para mim é grande porque realmente caso haja uma necessidade que na hora um médico da equipe não está, que o enfermeiro não está, e que as auxiliares talvez não estejam, esses apoios eles podem dar andamento com o paciente que está lá na frente e vai ser resolvido o problema dele. (ACS) [No acolhimento] o que não é agudo a gente agenda. Quando enche a agenda do médico a gente passa para a do médico de apoio, do pediatra de apoio. O médico de apoio não é este tapa buraco, mas acaba sendo isso por causa da demanda. Eles seriam para dar um apoio mesmo, uma troca de experiência. (Enfermeira B)
168
Porém, são apontadas ao mesmo tempo vantagens e limites da opção pelos
profissionais de apoio de um modo geral e em especial pelos profissionais médicos.
... tem um conflito aí da enfermeira da unidade que não é da equipe de Saúde da Família, a auxiliar da unidade que não é da equipe de Saúde da Família, que precisa manter essa unidade do serviço funcionando. (Membro da GEAS B) Esse desenho é muito bom e ruim também... ele traz um aporte positivo, porque ele faz essa troca entre os profissionais. Acho que dá o tempo necessário para os profissionais avançarem na clínica, mas de outro lado também ele tem uma parte que é ruim que é, de alguma maneira, os profissionais, alguns profissionais, pela pressão da demanda de adultos se acomodam, transferem, especialmente para os ginecologistas, que eles têm mais dificuldade de atender a mulher, mas também para o pediatra transfere uma população que deveria estar sob responsabilidade deles. (...) É um desenho muito interessante, mas também que tem armadilhas nele mesmo. (Membro da GEAS C)
Deseja-se que cada equipe multiprofissional opere de maneira articulada, integrando-
se às demais equipes e outros trabalhadores dos CS, configurando-se como colegiados
ampliados, pautando o processo de trabalho e a condução dos serviços. É nesses espaços que
se deve construir o trabalho, trazendo à tona conflitos, impossibilidades, lacunas, entraves que
incidem na própria rede e sujeitos, produzindo desconforto, inquietação e, conseqüentemente,
mudança. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 47)
5.3.3 Pressupostos para o processo de trabalho na Atenção Primária à Saúde
Atualmente, predominam problemas de saúde e outros em geral, e não somente
problemas “médicos” de saúde, o que aponta para a reorganização do processo de trabalho e
das equipes e o redirecionamento para alternativas. Esta situação possibilita a ampliação das
ações para diferentes frentes, como a intersetorialidade, o conhecimento dos apoios possíveis
e disponíveis, bem como a potencialização dos mesmos. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 49)
Um dos pontos levantados é o debate acerca da persistência do modelo biomédico na
prática dos profissionais e a conseqüente medicalização da atenção, além de como este
dispositivo passa a fazer parte do ideário da população. “Este é o grande passo para a tão
sonhada mudança do modelo assistencial” (BELO HORIZONTE, 2006, p. 12) e foi também
ressaltado por nossos entrevistados:
A questão do poder que esse saber dá faz com que o médico, que a lógica médica se imponha no trabalho de equipe, não só porque o médico é prepotente, (...) porque muitas vezes o que eu percebo, os outros profissionais, os outros saberes recuam, na
169
sustentação de uma decisão frente ao médico. Isso aí é como se reafirmasse a lógica médica sem necessariamente precisar ter médico (...) que é uma coisa social, nós temos que desconstruir essa lógica! (Membro da GEAS A) O usuário não gosta muito de passar pelo enfermeiro, ele acha que o enfermeiro não resolve o problema dele. Tem que passar remédio, não é? (Auxiliar de enfermagem) O quê que se discute na equipe? A questão do projeto terapêutico para o paciente que é discutido na equipe, respeitando as competências de cada profissional. Não é questão hierárquica, é questão das competências. Até porque se eu sou médico, não quer dizer que eu saiba mais desse paciente, não é? A minha competência é a questão daquilo que é do médico. Mas o auxiliar às vezes conhece muito mais desse paciente... a forma como ele vive, que é um fator fundamental para trabalhar as questões de saúde, é mais às vezes do que o próprio médico. (Gerente C)
Esta fala evidencia a necessidade de mudança e de reorientação que impera sobre os
processos de trabalho, insistência percebida também no depoimento que segue:
Aumentou muito o número de profissional, mas eu acho que ainda não é o suficiente, ou para a nossa demanda ou para o tipo de serviço que nós estamos fazendo, sabe? Não tenho uma conclusão ainda sobre isso. Se a gente colocar mais dez, se vai resolver alguma coisa... não sei se o caminho é esse. Se a gente tentasse organizar para poder estar fazendo realmente a promoção à saúde... (Enfermeira B)
Convém mostrar que há profissionais que buscam a reorientação do processo de
trabalho no seu dia-a-dia. A fala a seguir é um exemplo desta inclinação:
... mesmo nas consultas, além de estar atendendo o protocolo, que é uma consulta de enfermagem, eu faço prevenção sim, porque eu oriento essa paciente em várias coisas e encaminho ela para os grupos de planejamento familiar, de gestantes... (Enfermeira A)
É fundamental o reconhecimento do “corpo de conhecimentos” que os profissionais
das ESF utilizam na sua ação de saúde. Como eles mesmos descrevem:
[Utilizo conhecimentos] De vigilância em saúde, de promoção e vigilância a saúde e atendimento básico mesmo. Apesar de que, às vezes, aqui, pelo fato de a gente ter dificuldade de encaminhar para urgência, às vezes a gente tem que usar até mesmo conhecimento de urgência aqui, mas a gente atende pré-natal, puericultura... ações básicas mesmo. (Enfermeira A) Conhecimento mais técnico mesmo, que a gente usa mais, é mais o técnico mesmo. (Enfermeira B) O que a gente usa mais, por sermos generalistas, eu acredito, é a parte clínica. (Médica)
170
Há um predomínio da clínica na ação de saúde dos profissionais. No entanto, o ACS,
novo ator introduzido pela Saúde da Família, apresenta como saber não qualquer ciência ou
técnica, mas o conhecimento do território, a relação de vizinhança e os laços solidários que aí
se constroem, sendo este saber o diferencial que enriquece a prática da equipe. (BELO
HORIZONTE, 2006, p. 39) É tecnologia leve pura! E encontramos isso na nossa investigação,
como segue:
Na minha atuação em saúde... olha, eu como agente comunitário, a técnica que vejo é a da saúde mesmo, é entre população e o centro, e o posto. (...) Eu sou uma base chave porque desde a hora que eu saio para trabalhar eu ouço, eu vejo o que as pessoas estão... as opiniões, você está me entendendo? (ACS)
As competências do ACS são formuladas para atuar na interação social serviço-
comunidade e suas funções vão além do campo da saúde, na medida em que requerem
atenção a variados aspectos das condições de vida da população, “no campo de interface
intersetorial da saúde, assistência social, educação e meio ambiente”. (BELO HORIZONTE,
2006, p. 23)
A identidade do ACS se constrói em situações concretas e na relação com a população
e com os demais integrantes da equipe de saúde. (SILVA; DALMASO, 2002) Esta construção
de identidade se pauta juntamente com a forma como o ACS atua e conduz seu trabalho e
como percebe e concretiza seu trabalho em relação à equipe:
... nós somos agentes comunitários de saúde, podemos falar que a gente é os olhos clínicos do médico, não é?, [porque] a gente vai até a população, vê o que está acontecendo. (ACS)
A forma do ACS se relacionar com o usuário e utilizar dessa relação como sua
principal ferramenta para agir em saúde faz-nos resgatar o debate da clínica ampliada (Cf. G.
CAMPOS, 2005b), apresentado no capítulo 3 (seção 3.2 – Pressupostos para o processo de
trabalho em saúde).
A construção de vínculo através da responsabilização do profissional pela saúde da
população a que atende não é uma preocupação apenas humanizadora, visto que qualifica o
trabalho em saúde. O profissional de saúde, além de saber fazer, precisa construir uma relação
com o usuário que resulte em responsabilidade, liberdade e compromisso tanto por parte dos
usuários quanto por parte dos profissionais de saúde, ambos sujeitos do projeto terapêutico.
171
A compreensão do Projeto Terapêutico como dispositivo que se agrega à escuta
qualificada das necessidades e demandas do usuário – no caso do projeto terapêutico
individual – e da comunidade – no projeto terapêutico coletivo – possibilita o exercício da
clínica ampliada, sendo mais uma oportunidade de aprimoramento do trabalho em equipe,
haja vista sejam frutos de elaboração coletiva. Segundo a SMSA, se necessário, devem ser
previstos apoio e articulação com os serviços da rede, incluindo outros profissionais da área
da saúde e demais níveis de atenção. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 69, grifo nosso)
Para além da base cognitiva de cada profissão, há as disciplinas e conhecimentos que
podem ser utilizados por qualquer profissional e em que se baseiam suas formas de agir.
Portanto, a valorização de conhecimentos e saberes voltados para a viabilização de uma
abordagem de Saúde e de Direitos Humanos para a Atenção Primária à Saúde64 é de suma
importância. A organização e reorientação dos processos de trabalho só são possíveis quando
se compreende que conhecimentos subsidiam o “fazer saúde” dos diferentes profissionais.
Além do desafio para o profissional médico de ter que ter uma clínica muito abrangente, a maioria deles era ou Pediatra, ou Clínico ou GO [gineco-obstetra], então eles já têm que dar um salto muito grande do ponto de vista da ampliação do seu conhecimento, mesmo. De outro lado eles têm uma outra prática completamente diferente de consultório, porque é lidar com problemas de saúde e não com doença. Nós temos uma rede de saúde articulada, que se conhece. Então tem uma rede lógica, por trás, apesar de na ponta às vezes o profissional não ter tanta clareza dessa rede, mas existe um desenho lógico na estrutura do Sistema de Saúde na cidade que, igual eu falei, potencialmente permite pensar em integralidade da assistência. (Membro da GEAS C)
Conforme apontado em algumas falas na subseção 5.3.1, também compreendemos que
o aumento de profissionais – no caso, médicos – nas equipes não é suficiente para se ter uma
atenção à saúde voltada para a autonomização dos usuários, nestes centrada, produtora e
qualificadora de vida. É preciso, definitivamente, uma revolução dos processos de trabalho
em saúde. Se estes não mudam, o modelo assistencial não se modifica e a lógica biomédica
consumidora de saúde continua predominando.
Um dos fatores que contribui para a superação e inversão desta lógica é o debate sobre
a composição qualitativa das equipes, bem como da importância da multiprofissionalidade e
da interdisciplinaridade para o trabalho em saúde, especialmente para a APS. É o que nos
propomos a fazer a seguir.
64 A abordagem de Saúde e de Direitos Humanos enfatiza a compreensão da saúde como direito humano e a necessidade de abordar os determinantes sociais e políticos da saúde. As abordagens da APS estão descritas no capítulo 2, seção 2.2 – Um pouco de História.
172
5.4 MULTIPROFISSIONALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE: DEMANDAS PARA A ORGANIZAÇÃO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Consideramos imprescindível a incorporação dos conceitos de multiprofissionalidade
e interdisciplinaridade65 no cotidiano de cada profissional da APS e que sejam tomados como
política. Ao longo do estudo, captamos as diferentes concepções destes atributos. A seguir,
destacamos algumas:
Multiprofissionalidade é você ter ali disponível vários profissionais com diferentes abordagens sobre o problema de saúde, quer dizer, no caso da saúde, não é? Você tem um enfermeiro, um médico, o auxiliar de enfermagem, o ACS, você tem o psicólogo, o TO [terapeuta ocupacional] da saúde mental, tem o psiquiatra, o assistente social, e aí o potencial de trabalho desses profissionais à disposição da resolução do problema do usuário, trabalhando ali, meio em paralelo. A interdisciplinaridade, acho que assim: (...) você teria esses profissionais e a possibilidade de aproximação desse campo de conhecimento na construção de projetos terapêuticos mais próximos. (Membro da GEAS C) [Interdisciplinaridade] é você montar uma equipe de forma que você possa atender a demanda daquela comunidade, e que essa equipe realmente trabalhe em equipe, com troca de informações, e que (...) você possa ver o indivíduo na sua contextualidade, que não adianta olhar só coração não, não adianta olhar só pulmão que ele não vai melhorar a asma dele não. (...) Vários profissionais atuando numa melhor qualidade de vida de uma pessoa e se estendendo para aquela família, para aquela comunidade. (Médica) Eu acho que o interdisciplinar é alguma coisa (...) que entra um dentro do outro, entendeu, essa disposição, essa disponibilidade (...) do profissional com o seu saber, do seu poder, de permitir a troca, a entrada de saberes... Isso para mim é uma interdisciplinaridade. (Membro da GEAS A) ... se você pensar numa questão mesmo acadêmica, escolar, uma disciplina vem complementando a outra o tempo todo. (...) Acho que aí tem um pouco do trabalho multiprofissional, cada profissional com sua formação fazendo, complementando o trabalho. Uma ação mais macro de uma possibilidade de um olhar mais ampliado sobre uma determinada situação. E as disciplinas, acho também que elas se complementam nesse sentido. A interdisciplinaridade é qualquer intercessão que existe entre elas. (Gerente A) ... multiprofissionalidade a princípio com um número menor, seria eu ter acesso a um outro conhecimento de um outro profissional dentro do nosso local de serviço para poder viabilizar, dar uma atenção mais integral para aquele usuário, você ter um vínculo maior com aquele usuário, uma responsabilização por aquele usuário... seriam o que eu falo, o nutricionista, o fisioterapeuta, psicólogos, assistente social, na mesma unidade. (Gerente B)
65 Os conceitos de mutiprofissionalidade e interdisciplinaridade foram trabalhados no capítulo 3, subseção 3.3.1 – Multi – Inter – Transdisciplinaridade e Integralidade: pressupostos para a organização do trabalho das equipes de saúde.
173
Devemos apreender tais acepções destes atributos para melhor analisarmos as
concepções de equipe e da forma como ela está ou como deve estar composta segundo os
nossos entrevistados. Ao abordarmos a temática da composição da equipe para atuar no
âmbito da APS, percebemos importantes divergências. Em geral, aqueles que fazem parte do
nível central incorporam o discurso de que a equipe da APS, mais especificamente a ESF,
deve ser mínima, composta apenas pelos profissionais que hoje estão presentes66.
... eu acredito na Saúde da Família, um generalista que dá conta de tudo, não tenho dúvida disso não. E acho que é importante ter um especialista de retaguarda, como é um pediatra, um ginecologista e um clínico, acho que esse seria ideal. (Membro da GEAS B)
Eu acho que essa composição está boa. Essa história de falar que tem que botar um fisioterapeuta, um fulano, um fulano na equipe, eu acho que não é por aí, não. Eles precisam de suporte, na minha opinião, mas não uma equipe. Eles precisam de suporte em reabilitação. Tem que ver que desenho é esse, porque também não adianta o fisioterapeuta, você precisa de um fisioterapeuta, de um nutricionista, e aí fica muito caro. Acho que tem que ver a viabilidade. É preciso um suporte na área de reabilitação, isso eu não tenho dúvida. (...) Saúde mental eles precisam também, mas a gente aqui já se virou. (Membro da GEAS C) Eu acho que um generalista bem treinado, que eu acho que ainda falta, ele faz bem esse acompanhamento da família sim. (...) A gente sai da faculdade de medicina podendo atender tudo, então eu acho que tem condição de fazer isso sim, é o contrário ao movimento da especialização, acho interessante este resgate. (Membro da GEAS B)
Percebe-se que há uma diferença entre tais defesas da equipe mínima. De um lado,
opta-se por um modelo onde um médico generalista dê conta de tudo; de outro, o
financiamento é usado como justificativa para tal defesa. Mas os próprios sujeitos têm clareza
de que esta opção por um número restrito de categorias profissionais não é suficiente para dar
conta do todo, ou seja, de uma atenção integral.
A demanda pela ampliação da equipe aparece na fala dos profissionais que atuam na
atenção e dos gerentes dos CS:
... nós temos que ter junto o fisioterapeuta, temos que ter o nutricionista, nós temos que ter outras pessoas juntinho para fazer uma equipe multiprofissional junto na unidade básica, para estar apoiando essas equipes. Seriam profissionais de apoio, dentro da unidade básica de saúde, porque hoje a gente esbarra com o diabético... a gente não consegue fazer um convencimento sozinha. O diabético tem uma alimentação adequada para ele. Eles davam com seqüelado de AVC, de vários outros problemas em casa que nós da equipe de Saúde da Família não damos conta de resolver isso sozinha. Então tem várias outras coisas... assistente social: eu tenho
66 Relembrando, em Belo Horizonte, as ESF são compostas por um médico generalista, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem e quatro a seis ACS.
174
áreas de risco elevado, eles esbarram o tempo todo com pessoas com problemas sociais, que a gente não está dando conta de resolver, que é o que nós estamos mais berrante na saúde pública. (Gerente B, grifo nosso) ... hoje nós temos um psiquiatra que atende a comunidade toda, entendeu, nós temos UM psiquiatra, nós temos UMA nutricionista que é referência da Centro Sul toda, como é quê você quer que promova isso? (Auxiliar de enfermagem) [na atuação em saúde, sinto] necessidade de às vezes ter categorias como psicólogo, que aqui a gente não tem, a gente tem que mandar para outros Centros de Saúde... são coisas que costumam deixar a desejar, não é? (...) Fisioterapeuta, ah, tem tantos que eu acho que deveria ter... Igual a sala de odonto, poderia ter outras. (ACS) Psicólogo é importantíssimo, só que (...) um psicólogo só para quatro equipes é pouquíssimo, mas é muito importante porque discute com a gente, lê os casos que a gente encaminha (...) eles estão retornando para a gente os pacientes, marca reunião
com a gente, para a gente estar discutindo os casos. A questão da assistente social é importantíssimo também, que a gente tem muito problema que é problema social mesmo, que não adianta a gente estar batalhando aí em cima da saúde, sabendo que são outros problemas que estão afetando. (Enfermeira B, grifo nosso)
É interessante como esta última fala, indiretamente, refere-se a uma “solução” para a
contra-referência – problemática que será discutida mais adiante, neste capítulo. O fato de se
incorporar profissionais à APS que hoje estão concentrados em outros níveis de atenção
garante o retorno do usuário para a ESF após um atendimento. Não se trata de trazer para a
APS processos de trabalho “tecnologicamente” mais complexos, mas garantir principalmente
a abordagem multiprofissional e interdisciplinar da atenção, levando-se em conta que os
espaços de discussão a respeito da condição de saúde dos usuários signifiquem oportunidade
para troca de saberes e para construção em equipe do trabalho em equipe.
Fazendo um paralelo com o que nos mostra Campos (1999, p. 396), quando um
usuário se utiliza de um serviço matricial67 – de um profissional que não opera
direta/cotidianamente na ESF mas a apóia e supervisiona – ele nunca deixa de ser paciente da
equipe de referência, da ESF. Não há encaminhamento, mas desenho de projetos terapêuticos
que são executados não apenas pela ESF, mas por um conjunto mais amplo de trabalhadores.
De qualquer forma, a responsabilidade principal pela condução/continuidade do cuidado
daquele usuário permanece sendo da ESF. Esta observação altera a tradicional noção de
referência e contra-referência vigente nos sistemas de saúde.
As ações de saúde, para serem resolutivas, devem contar com a participação de todos
os profissionais e saberes institucionais das diversas áreas. É necessário considerar que não se
trata de um debate corporativo ou defensor de uma organização do trabalho baseada na
divisão deste, mas do empoderamento de cada profissional, de cada profissão num campo
67 A discussão sobre equipes de apoio matricial e equipes de supervisão será feita mais adiante neste capítulo.
175
onde circulam múltiplas necessidades, demandante de múltiplos saberes e de múltiplos
núcleos de ação profissionais, fundamentadas em diferentes bases cognitivas. Em uma das
entrevistas revelou-se a importância deste fator:
... às vezes eu vou à casa de uma pessoa mas eu preciso saber se ela melhorou e tem sinais ali que só o enfermeiro e só o auxiliar vão poder me trazer, com certeza. Então se eu preciso aferir uma pressão novamente ou avaliar uma ferida novamente aí dependendo do caso vai o enfermeiro ou vai o auxiliar, e traz essa informação para a gente. (Médica, grifo nosso)
As iniciativas de Saúde Bucal e Saúde Mental mostram a necessidade de ampliar a
equipe da APS, isto é, não só a ESF deve ser considerada equipe de APS, sendo unicamente a
ela que a população recorre quando apresenta queixas, demandas e/ou necessidades de saúde.
O saber que uma ESB carrega, bem como seu modo de fazer saúde lhe são específicos e não
podem ser realizados por outros profissionais.
Eles [equipe de saúde bucal] fazem o atendimento deles lá dentro da odontologia mesmo, mas trabalham junto com a gente na atenção, na educação em saúde, (...) de acompanhar a gente numa visita domiciliar de um paciente acamado para ver o que está acontecendo. (...) A gente trabalha junto nisso: eu estou aqui atendendo, percebi alguma coisa que não diz respeito a minha formação que eu preciso que um dentista olhe, eu encaminho, na mesma hora a pessoa tem essa avaliação e segue na outra para mim. (Médica, grifo nosso)
Também a ESM apresenta essa peculiaridade e exerce “clínicas” específicas dos
saberes de cada profissional que a compõe.
... profissional de saúde mental também é muito poderoso. Ele é poderoso por um saber, que é um saber que as pessoas não dominam, é um saber que o profissional também não quer repassar, por ter esse poder. (Membro da GEAS A)
Esta fala cabe não só aos profissionais da ESM68, mas a todo profissional – como
categoria – e cada profissional – em particular.
A implantação do Núcleo de Apoio em Reabilitação (NAR) é, juntamente com a
Saúde Bucal e a Saúde Mental, uma importante experiência de como são essenciais os demais
profissionais de saúde, como vimos no capítulo 4, subseção 4.3.3.4 – Reabilitação:
experiência multiprofissional na atenção primária. Para além desses outros níveis de atenção,
68 ESM: Psiquiatra, psicólogo, terapeuta ocupacional, enfermeiro, assistente social e auxiliar de enfermagem.
176
os “profissionais da reabilitação” precisam ser trazidos para a APS, reiterando-se que esta
opção busca garantir maior resolutividade à atenção prestada neste nível.
5.4.1 Núcleo de Apoio em Reabilitação e Núcleo de Atenção Integral da Saúde da Família
A discussão acerca da reabilitação no âmbito da APS em Belo Horizonte se fez
presente em nosso estudo:
... eu diria que tem uma carência imensa na área de reabilitação. Que nós não temos praticamente profissional da área de reabilitação, tem pouquíssimo e existe uma necessidade muito grande. (...) Nós temos três centros de referência em reabilitação com atendimento secundário concentrado principalmente em fisioterapia mas tem profissionais de TO [terapia ocupacional] também. É absolutamente insuficiente porque a nossa realidade sanitária, acho que do Brasil, com muito envelhecimento populacional, muita doença cardiovascular, muita seqüela de AVC, com quadro de causa externa, muito trauma... A gente teve uma redução da mortalidade infantil muito importante ao mesmo tempo em que você tem muito recém-nascido que precisa de estimulação precoce, precisa de reabilitação, nasce prematuro. Então você tem um quadro sanitário que te aponta para a necessidade de reabilitação e você não tem oferta. Então a gente tem esses três centros de referência em reabilitação, quer dizer, já começa inadequado: três centros de referência numa cidade desse tamanho... sem chance, não é? Você tem que ir todo dia, como é que você vai? (Membro da GEAS C) Nós temos o serviço social, temos a psicologia que atende aqui... só esses. E sentimos a falta de alguns profissionais sim, e um suporte às equipes de PSF (...). Por exemplo, nutricionista, fisioterapeuta... não que eu ache que tenha que ter dentro da unidade. A gente tem uma dificuldade de ter o referenciamento realmente, para algumas demandas que a gente tem. (...) Nutricionista nós nem temos referência. Fisioterapia está centralizado nos PAM’s, tem o CREAB, tem o Centro de Reabilitação da Noroeste, mas nesse centro de reabilitação eles recebem as demandas da cidade, não necessariamente da regional, do Distrito, então isso acaba distanciando, dificultando o acesso do usuário a esse serviço. (Gerente A)
A importância do NAR como resposta à deficiente oferta de atenção em reabilitação
em Belo Horizonte aparece nas falas a seguir:
[A equipe do NAR] chega numa unidade de saúde junto com as equipes, ela trabalha quais são os pacientes acamados, quais são os grupos operativos, quais são os pacientes que teriam necessidade de reabilitação e atende junto com as equipes. A idéia é de que elas dêem um certo aporte para que a equipe consiga manejar melhor casos que precisam de reabilitação na atenção primária e também casos que eles supõem que precise de reabilitação. Na verdade às vezes uma orientação simples resolve. (Membro da GEAS C)
177
Agora tem Núcleos de Reabilitação começando no Barreiro, agora está indo para o [Distrito Sanitário] Norte (...) que estão fazendo um apoio às equipes de Saúde da Família, avaliando as demandas mais prevalentes, para capacitá-los, para dar seqüência dessas pessoas: acamados, dor nas costas; esse tipo de coisa poderia ficar na Atenção Primária... (Membro da GEAS B) [o Núcleo] é itinerante, ele não fica num lugar. Ele tem um local que ele está alocado porque ele precisa de uma referência e no centro de saúde que ele fica é uma experiência riquíssima. A questão que está colocada para nós é: “é sustentável, (...) uma equipe consegue trabalhar itinerante dessa maneira?” E é uma equipe só para uma população de 250 mil habitantes, então a demanda é exponencialmente maior do que a capacidade de atendimento. E também vivendo essa situação de instabilidade de equipes: [o núcleo] circulou, quando ele volta, ele encontra outras equipes, porque os médicos mudaram. (...) são processos paralelos para dar suporte ao trabalho das equipes de Saúde da Família, mas que têm muito caminho a percorrer. (Membro da GEAS C)
Estas colocações demonstram a relevância da inserção de outros saberes, de outros
profissionais na APS, ressaltando a organização do trabalho em equipe na saúde. No entanto,
são apontados novamente o financiamento e a estrutura física como empecilhos à
incorporação de mais profissionais de reabilitação:
... nós precisamos de financiamento para garantir profissional de reabilitação (...) eu acho que nós ainda estamos com um desafio imenso na área física e na estrutura para as equipes que estão aí, então colocar mais profissionais dentro dessas unidades... a longo prazo eu acho que tem que pensar em núcleo de reabilitação para um número... o Ministério até pensou, só não financiou ainda, um Núcleo de Atenção Integral. (Membro da GEAS C)
Para além da composição dos Núcleos de Reabilitação, consideramos os Núcleos de
Atenção Integral na Saúde da Família (Cf. BRASIL, 2005c) como lugar para incorporação de
profissionais estratégicos para aumentar a eficácia da APS. Desta forma, os profissionais
contemplados nos núcleos dariam apoio e suporte às ESF, complementando a atuação destas
com apoio matricial. A importância dos Núcleos de Atenção Integral também surgiu na fala
de outra entrevistada:
... eu fiquei muito inquietada, eu achei bacana, primeiro porque a gente já poderia atender a demanda, a necessidade, e na questão da reabilitação era legal, porque Belo Horizonte não tem uma política. Se tem uma falha ao meu ver, é no campo da reabilitação, física, inclusive... mental e física, mas mental menos, porque a gente acaba atendendo... mais física, então seria muito interessante. (Membro da GEAS A)
178
Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento,
para além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades
de ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde
Mental; e IV – Reabilitação. Porém, mesmo a Portaria MS nº 1.065 de 4 de julho de 2005 não
tendo vigorado, a discussão sobre qual a composição ideal de equipes de saúde da família/
equipes da atenção primária abre espaço para movimentos corporativos, que devem ser
criticados.
Afinal, não é viável nem possível uma ESF ser composta por todos as categorias
profissionais de saúde, nem é possível que a fragmentação do trabalho dentro da equipe possa
produzir, efetivamente, integralidade da atenção. Em algum lugar isso se perde, isso se
reparte, e em algum lugar um saber mais “poderoso” poderá prevalecer.
Porém reconhecemos que é fundamental a inserção destes profissionais não só no
âmbito da reabilitação, como em Belo Horizonte, mas na APS como um todo, como proposto
através dos Núcleos de Atenção Integral, em seus aspectos de promoção, prevenção,
recuperação e reabilitação, bem como no que tange à vigilância à saúde.
Novamente, não se trata de “inchar” as equipes ou os CS com profissionais diversos,
mas inserir todos os profissionais, melhor dizendo, todos os saberes possíveis no cotidiano
dos CS, das ESF e das ações de saúde. Mas, como Mattos69 (2006 apud MACHADO, 2006, p.
9), acreditamos que o critério deve ser a necessidade:
À medida que o perfil epidemiológico muda, ou melhor, que o modo de andar a vida do brasileiro muda, a gente repensa a capacidade de respostas da atenção básica, enriquecendo-a, o que significa encher aquele conteúdo de atenção básica com novos dispositivos tecnológicos e, às vezes, com novas habilidades. (MATTOS70, 2006 apud MACHADO, 2006)
Assim, a incorporação de outros profissionais ocorrerá de forma mais coerente. Além
disso, como foi falado anteriormente por um dos sujeitos entrevistados, deve-se realmente
considerar que a constituição de núcleos como o NAR e os Núcleos de Atenção Integral é
onerosa, em um primeiro momento, para a administração municipal, mas o financiamento e a
disponibilidade de recursos não podem estar acima da constituição de um modelo que seja
cada vez mais capaz em sua resolutividade. Há que se pensar em modelos de transição para se
atingir um modelo máximo multiprofissional e interdisciplinar, de modo a se ter uma atenção
69 Declaração de Ruben Mattos concedida para o artigo de Kátia Machado na Revista RADIS: Comunicação em Saúde (Cf. MACHADO, 2006). 70 Idem.
179
à saúde cada vez mais próxima das necessidades da população e, por conseguinte, cada vez
mais resolutiva.
Outra questão que nos surge e é corroborada por Carvalho71 (2006 apud MACHADO,
2006, p. 9) é: a APS, como porta de entrada preferencial do sistema de saúde, deve se limitar
às ações do generalista ou a ela se juntariam outros profissionais? Para este sanitarista, todas
as profissões, com maior ou menor intensidade, têm contribuições a dar aos cuidados
primários de saúde. Em contrapartida, foi destacado em nossa pesquisa que os “profissionais
da reabilitação” não são do primeiro contato:
O médico, o enfermeiro, o auxiliar de enfermagem e o ACS acho que é importante porque eles são o primeiro contato, os outros profissionais, não necessariamente... podem dividir o trabalho. Às vezes isso dificulta a absorção, sabe. Eles não são um primeiro contato, então você não tem que estar disponível o tempo todo. Você tem que ter o recurso disponível, então você precisaria ter retaguarda oito horas mas não precisa ser a mesma pessoa. (Membro da GEAS C)
Contudo, não partilhamos de tal pensamento, haja vista o primeiro contato seja
característica da APS e, portanto, de todos os profissionais que atuam neste nível.
Recuperando Bárbara Starfield, o “primeiro contato” ou “primeiro atendimento” é uma porta
de entrada, podendo a atenção ao primeiro cuidado ser avaliada pela acessibilidade do serviço
de saúde e pela sua utilização. (STARFIELD, 2002, p. 61) Deste modo, um serviço de
atenção primária deve funcionar como porta de entrada do sistema de saúde, organizado em
diferentes níveis de atenção, sendo ele mesmo um nível próprio de atenção.
Não defendemos aqui que os usuários recorram, no CS, diretamente a profissionais
que não fazem parte da ESF, como não defendemos que busquem, em um primeiro momento,
os profissionais médicos. Porém, acreditamos que o Acolhimento deve ser capaz de não só
encaminhar os usuários para consultas e grupos operativos ou outras atividades no âmbito do
CS, com já se faz, mas também encaminhar para as ações destes profissionais “não equipe de
Saúde da Família”, que devem ser ofertadas no cardápio mínimo oferecido à população de sua
área de abrangência, o que é o caso dos profissionais da ESB, por exemplo.
Carvalho72 (2006 apud MACHADO, 2006, p. 9), aponta uma segunda questão: “em
que momento, em que intensidade, em que tempo e em que lugar novos profissionais devem
71 Declaração de Gilson Carvalho concedida para o artigo de Kátia Machado na Revista RADIS: Comunicação em Saúde (Cf. MACHADO, 2006). 72 Idem.
180
ser inseridos no PSF?” e indica critérios que podem favorecer sua solução. Para ele, algumas
condições são essenciais quando se pensa em ampliar a equipe:
- saber o que fazer em cada nível de cuidado;
- situar “o que fazer” na linha do tempo (se no princípio, meio ou fim do
cuidado à saúde);
- estabelecer uma relação ideal de proporcionalidade entre vários componentes
da equipe;
- adequar à realidade de tempo e local e
- atender à viabilidade econômica e financeira do sistema de saúde.
Decerto, a incorporação de novos profissionais traz para a APS a possibilidade de
executar novas práticas, mas deve ser feita em consonância com as linhas de produção do
cuidado.
A visão a respeito do vínculo e da responsabilização, bem como da territorialização,
não deve ser estreita, permitindo a criação de vínculos entre os profissionais de equipes
matriciais, como os núcleos, o que não significa vinculação a estas equipes, aos núcleos. O
estabelecimento de vínculos entre profissionais e usuários é aspecto do processo de trabalho
em saúde; portanto, não é exclusivo de nenhum profissional.
Já a vinculação, além de ser formalizada, deve ser mesmo feita e priorizada para as
ESF, desde que permitida a presença dos demais profissionais de forma contínua na APS para
que também o trabalho realizado por eles com os usuários seja contínuo. Esta continuidade é
característica da APS e deve ser preconizada. Campos (1999, p. 397) reconhece a idéia de
“gradientes de vínculos”, criando mecanismos de aproximação e de comprometimento entre
os pacientes e as equipes de referência/ESF, o que permite maior visibilidade da qualidade do
trabalho de cada equipe.
Respaldamo-nos em Panizzi & Franco (2004) que, em estudo sobre a mudança do
modelo assistencial em Chapecó, SC, perceberam que um modelo assistencial, mesmo que
avance na organização dos serviços, demanda a inversão do processo de trabalho centrado no
saber e na pessoa do médico para uma prática baseada em equipes multiprofissionais.
Destacamos o trecho a seguir:
Ao não receber uma assistência multiprofissional, as necessidades do usuário passam a ser dimensionadas pela oferta do serviço, e geralmente esta é medida pela
181
disponibilidade de consultas médicas. Isso reduz a potência para resolutividade no cuidado ao usuário, pois uma equipe, como é esperado, traz em si um vasto patrimônio de conhecimento, com múltiplas possibilidades de ofertar aos usuários as mais diferentes tecnologias de cuidado, que vão desde o acolhimento, os atos próprios de prevenção e promoção à saúde à clínica ampliada. (PANIZZI; FRANCO, 2004, p. 82)
Em virtude disso, não se pode prescindir da atuação e integração de outros
profissionais para a atenção primária, primordial, primeira à saúde da população. Mais uma
vez, apontamos a necessidade de uma organização verdadeiramente multiprofissional do
trabalho, de modo que as necessidades de saúde dos usuários sejam atendidas em todas as
dimensões e que se efetive a integralidade da atenção. Para um modelo integral, esta se
constitui premissa elementar.
Porém, a organização multiprofissional do trabalho em equipe consta da superação do
poder atribuído aos profissionais devido ao seu saber para que este seja partilhado. Ou seja, há
necessidade de integração de diversos profissionais, detentores de saberes específicos de sua
formação e atuação, bem como do enfrentamento da tendência das profissões e especialistas
de reduzirem seu campo de responsabilidade ao núcleo restrito de saberes e competências de
sua formação de base. (CAMPOS, 1999, p. 402)
A compreensão dessa superação como diretriz para o modelo assistencial é
fundamental para suplantar, igualmente, o debate corporativo e para apreender que o processo
de trabalho em saúde e, em particular, na APS é especificidade da equipe, e não da profissão,
devendo ser tomado como política.
5.4.2 Outras “modelagens”: equipes matriciais e supervisão A inserção de outros/novos profissionais e a organização de seu trabalho em equipe
aparecem como demanda para a APS em Belo Horizonte. Percebemos que, para os
profissionais da atenção entrevistados, sua presença é muito relevante e mesmo numa equipe
de apoio às ESF – e não numa ESF ou equipe básica – seria importante para melhoria da
qualidade do trabalho da própria equipe básica:
Dependendo da demanda, eu acho que [outros profissionais de saúde fariam parte] até da equipe. Por exemplo, nós temos um psiquiatra que atende a unidade inteira, aliás, ele atende a uma área de abrangência enorme, sendo que o generalista geralmente precisa do acompanhamento. A gente tem uma reunião mensal com eles, é muito pouco, então tem profissionais que eu acho, teriam que estar fazendo parte
182
mesmo, ou pelo menos de um grupo, por exemplo, na micro-área, ter pelo menos na micro-área que são quatro centros de saúde, ter um fisioterapeuta para esses quatro centros de saúde, entendeu? Importante ter o nutricionista na rede também, fonoaudiólogo, muito importante... (Enfermeira B) [Eu acho que outros profissionais deveriam fazer parte] do apoio. Nós e os psiquiatras às vezes vamos até fazer VD, ele vai com a gente em alguma visita domiciliar, mas só como apoio já ajudava demais. (Auxiliar de enfermagem)
A estruturação de equipes matriciais e/ou de supervisão tem sido apontada como
opção para esta problemática da inserção de novos atores no âmbito da APS.
A forma matricial tem o significado de apoio a várias equipes de referência e foi
descrita por Campos (1999). O autor descreveu e sugeriu um arranjo institucional para o
trabalho em saúde denominando-o de equipes de referência com apoio especializado matricial
na perspectiva de que esta disposição “estimulasse, cotidianamente, a produção de novos
padrões e inter-relação entre equipe e usuários, ampliasse o compromisso dos profissionais
com a produção de saúde e quebrasse obstáculos organizacionais à comunicação.”
(CAMPOS, 1999, p. 395)
A reforma e ampliação da clínica e das práticas de atenção integral à saúde dependem
do estabelecimento de novos padrões de relacionamento entre o(s) profissional(is) de saúde e
o(s) usuário(s). Campos, ao sugerir a adoção de um arranjo no processo de trabalho que
estimule maiores coeficientes de vínculo entre equipe de saúde e usuário concreto, recomenda
a adoção
de um novo sistema de referência entre profissionais e usuários. Cada serviço de saúde seria reorganizado por meio da composição de equipes básicas de referência, recortadas segundo o objetivo de cada unidade de saúde, as características de cada local e a disponibilidade de recursos. (...) estas equipes obedeceriam a uma composição multiprofissional, variável conforme o caso de se estar operando em atenção primária, hospital, especialidades, etc. (CAMPOS, 1999, p. 396, grifo no original)
Para a rede básica, sugere um exemplo de equipes de saúde da família (médico-
generalista, auxiliares de enfermagem e agentes de saúde), ou equipes de saúde da criança
(pediatra, enfermeiros etc.), de saúde do adulto (clínico, auxiliares de enfermagem etc.). De
acordo com a disponibilidade, cada equipe mínima poderia contar com médico, enfermeiros,
assistentes sociais, psicólogos. Se houvesse um número menor de profissionais em relação ao
número de equipes necessárias ao atendimento da população de um dado território ou região,
seria organizado o apoio matricial destes especialistas a um determinado número de equipes
183
de referência. A supervisão e apoio do trabalhado da equipes poderia ocorrer por parte de
enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas e especialistas. “Esta organização
amplia as possibilidades e composição interdisciplinar dos projetos terapêuticos, sem diluir a
responsabilidade sobre os casos e sem criar percursos intermináveis de encaminhamento.”
(CAMPOS, 1999, p. 397)
Ainda, segundo este autor, os técnicos de referência não deveriam executar o projeto
terapêutico isolando-se dos demais, mas sim acionando apoio de outros profissionais e de
outras equipes conforme o entendimento que se for adquirindo sobre o caso. Contudo, a
iniciativa em relação a cada caso e a principal responsabilidade pelo desdobramento do
projeto devem ser da equipe de referência/ ESF.
Em relação à supervisão de equipes, Matumoto et al. (2005, p. 10) mostram que ela
aparece como um dispositivo para a construção da grupalidade e de um projeto de trabalho
buscando possibilitar que as próprias equipes analisem suas práticas e reflitam sobre como
trabalham e que resultados alcançam. Como instrumento de gestão de programas de saúde, a
supervisão foi discutida por Reis & Hortale (2004), em estudo de caso no PSF em
Teresópolis, RJ. Para estas autoras,
Quando analisada como parte integrante do sistema de saúde, a supervisão apresenta-se como elemento viabilizador da política de saúde, à proporção que repassa conceitos, redefine procedimentos, dá mobilidade entre os vários níveis do sistema e orienta a execução dos serviços. (REIS; HORTALE, 2004, p. 494)
A visão moderna do termo supervisão associa controle e educação, propondo uma
relação entre parceiros, identificando práticas e instrumentos de atuação conjunta sobre o
objeto de trabalho e é denominada “convisão” no sentido de uma gestão “co-laborativa” ou
construção conjunta. (REIS; HORTALE, 2004, p. 494) esta concepção se aproxima daquela
de Matumoto et al. (2005, p. 10), que tomam a supervisão como um trabalho conjunto de
equipes: da equipe de supervisão e da equipe de trabalhadores – no caso, da ESF.
No plano geral, as supervisões se caracterizam pelo monitoramento das ações de saúde
na perspectiva do modelo do PSF e pelo acompanhamento de todas as atividades da unidade;
no plano específico, as supervisões têm caráter funcional, sendo realizadas em função das
especialidades. (REIS; HORTALE, 2004, p. 497) Entre outras atividades, cabe ao supervisor
realizar visitas semanais às unidades de Saúde da Família, participar de reuniões de equipe e
operacionalizar processos de educação continuada e permanente das ESF. Dentro da
184
concepção de “convisão”, o supervisor deve ser agente de produção do conhecimento, não só
induzindo às dúvidas, mas também tentando encontrar soluções junto ao grupo.
As ESF em Teresópolis são formadas por um médico, um enfermeiro, um ou dois
auxiliares de enfermagem e quatro a seis ACS, além de estagiários de medicina, odontologia e
enfermagem. São coordenadas por um enfermeiro e contam com uma equipe de supervisores
técnicos das áreas de gineco-obstetrícia, pediatria, clínica, nutrição, psicologia e enfermagem
para aprofundamento das questões, esclarecimento das ações e tomada de decisões em relação
às especialidades. (REIS; HORTALE, 2004, p. 494) Observa-se a presença de profissionais
“não médicos” para o suporte.
O PMF, de Niterói, também se estrutura a partir de uma equipe de supervisores. Nesse
caso, é composta de profissionais com formação em clínica médica, pediatria, gineco-
obstetrícia, cirurgia geral, saúde mental, epidemiologia e serviço social. Ressalte-se que, à
exceção do serviço social e da epidemiologia – esta não sendo específica para nenhum
profissional –, todas as outras são especialidades que fazem parte do núcleo de saberes e
práticas específicas do profissional médico. (AGUIAR, 2005)
Por um lado, essas modelagens parecem encontrar alguma semelhança com as equipes
de apoio adotadas em Belo Horizonte. Todavia, estas são compostas principalmente por
aqueles profissionais médicos das especialidades “básicas” – pediatria, clínica geral e gineco-
obstetrícia – e por enfermeiros e auxiliares de enfermagem que não estão incorporados às ESF
– embora para estes profissionais de enfermagem a SMSA busque não trabalhar com a
concepção de função de “apoio”, pois não concebe que enquanto um grupo de profissionais
enfermeiros esteja “fazendo PSF” outro grupo esteja desenvolvendo ações típicas da
enfermagem. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 31) Como vimos no capítulo 4, as equipes de
apoio constituíram-se como referência para a equipe básica e seu trabalho se configurou numa
espécie de “retaguarda” para tais equipes, destinado principalmente a situações agudas ou
mais complexas. (BELO HORIZONTE, 2005, p. 71)
O apoio matricial para as ESF tem sido pensado e experimentado como um dos
dispositivos para aprimorar o suporte às equipes e suas demandas de referenciamento de
pacientes. No apoio matricial, a retaguarda de especialistas em algumas áreas específicas e
prioritárias é articulada estabelecendo-se como referência para as ESF e caminhando,
inclusive, no sentido da elaboração conjunta dos projetos terapêuticos. Além das equipes de
apoio presentes nos CS, o apoio matricial pode ser oferecido por profissionais dos Distritos
Sanitários, do nível central, das ESM e dos diferentes serviços de referência, como a atenção
185
secundária. Esta opção organizacional no município pode ser encontrada na fala de membros
da GEAS:
... o trabalho com o PSF desse chamado apoio matricial, que não é só de formação, mas é de atendimento. Então o papel é esse: fazer intervenções multidisciplinares ali para atender a necessidade daquele indivíduo naquele momento. (Membro da GEAS A) ... não adianta você ter um nutricionista aqui, um fisioterapeuta lá e um terapeuta ocupacional em outro lugar. (...) Acho que um desenho melhor é numa equipe matricial próxima, uma para cada quatro centros de saúde, talvez... mais próxima, dando suporte. Um profissional também que nos falta demais é o farmacêutico. Nossa assistência farmacêutica, eu acho que é muito aquém do necessário. Nós temos uma boa rede de farmácia para dispensação, mas para assistência farmacêutica nós estamos longe, tem que melhorar muito. (Membro da GEAS C)
Todo este debate acerca do apoio matricial e da supervisão traz à tona novamente a
questão da base cognitiva de uma profissão: como pode um profissional ser supervisionado de
modo a exercer uma função para a qual não possui formação? O objeto de trabalho apresenta
alguma especificidade ou não?
A supervisão faz supor que os profissionais da ESF – médicos, principalmente –
estariam respaldados por aqueles profissionais não médicos ou não enfermeiros
(fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, assistente social etc.) para fornecer assistência na
APS e desenvolveriam com tais profissionais atividades de formação, discussão de casos,
entre outros. Entretanto, caberia ao profissional da equipe mínima a responsabilidade pela
saúde da população a que atende, ao passo que os demais exerceriam apenas a função de
supervisor. Neste caso, estes não estariam cumprindo o papel de “árbitro final” em questões
específicas ao seu campo de formação e de práticas.
Todavia, as equipes poderiam nunca ser “completas” do ponto de vista de que dariam
conta de todos os problemas e necessidades que lhes surgissem. Isso não é possível. Desse
modo, a supervisão deve se conformar como dispositivo para criação, junto às equipes, de
processos de produção e gerenciamento de cuidados, Além disso,
no trabalho de supervisão, os supervisores precisam ajudar a equipe a suportar a quebra do mito da equipe perfeita, perceber e lidar com sua incompletude, ou seja, suportar um sentimento de falta permanente e usar positivamente a potência de produção daquilo que já detém para a produção do cuidado. Sem essa superação, a equipe se imobiliza pela falta (falta um determinado profissional, um exame, recursos materiais etc.) e não consegue saltar para um processo criativo a partir dos recursos que já possui. (MATUMOTO, 2005, p. 13)
186
Como defendemos anteriormente, a opção por formatações de equipes de supervisão
ou matriciais é de grande valia para a saúde pública no Brasil, em particular para o PSF, mas
devem ser consideradas as necessidades de cada região do país, de cada município, bem como
de cada distrito sanitário e/ou região administrativa e/ou área programática (etc.). A
incorporação de outros profissionais, particularmente de nível superior, também dependeria
da disponibilidade de pessoal. (CARVALHO; CAMPOS, 2000, p. 511)
Campos (1999, p. 394) apresenta exemplos de experiências que aplicaram o método de
equipes de referência com apoio matricial em distintos serviços de saúde, entre eles unidades
de atenção em saúde mental do Serviço de Saúde Cândido Ferreira – Campinas, SP, um
hospital geral em Betim, MG e um serviço de atendimento domiciliar em Aids – Campinas,
SP, além de duas cidades que reorganizaram seu sistema de atenção básica (rede de centros de
saúde e equipes de Saúde da Família), Betim, MG e Paulínia, SP.
Ressaltamos, igualmente, a importância da constituição de equipes matriciais para
atuar na saúde do idoso, em ações de vigilância à saúde e ações comunitárias desenvolvidas
de forma intersetorial com a saúde – como em escolas, creches etc. Trabalho de grupo,
educação em saúde, caminhadas terapêuticas, ginástica para idosos são também exemplos de
atividades que podem ser desenvolvidas por distintos profissionais e ofertadas para a clientela
de todas as equipes de referência/ ESF. (CAMPOS, 1999, p. 396)
Equipes de referência específicas poderiam ser indicadas conforme as especificidades
de cada caso e, também, por sua vez, com as especificidades dos distintos profissionais de
certo serviço. (CAMPOS, 1999, p. 397) Porém, é necessária uma avaliação criteriosa – como
propôs Carvalho73 (2006 apud MACHADO, 2006, p. 9) – para que seja dado o veredicto
acerca da composição ideal de uma ESF, bem como da forma como será organizado interna e
externamente o processo de trabalho no âmbito da APS.
5.5 VISITA DOMICILIAR Uma das práticas de saúde executadas e vivenciadas no município mesmo antes do
PSF é a visita domiciliar (VD).
As visitas fazem parte do trabalho das equipes. A orientação é para que os ACS façam uma visita por mês por família, e quantas forem necessárias se houver alguma
73 Declaração de Gilson Carvalho concedida para o artigo de Kátia Machado na Revista RADIS: Comunicação em Saúde (Cf. MACHADO, 2006).
187
situação que assim exija. Médico e enfermeira devem conhecer sua população e gradualmente ir visitando as famílias, e sempre que haja necessidade de atenção a pacientes que não possam se deslocar. (Membro da GEAS C)
A visita domiciliar é o meio pelo qual o profissional da equipe pode conhecer o
contexto de vida do usuário, constatar in loco as reais condições de habitação e identificar as
relações familiares. A VD deve facilitar o planejamento da assistência por permitir o
reconhecimento pela ESF dos recursos que a família dispõe. (BELO HORIZONTE, 2006, p.
102) Um dos sujeitos da pesquisa reconhece que ainda se “faz pouca VD”:
... o paciente não teria que estar andando 40 minutos para estar olhando a pressão. Eu teria que estar indo até a casa do paciente para fazer isso. (...) A gente faz ainda muito pouco, uma vez por semana. (...) Vai um enfermeiro, um auxiliar e um médico, quando tem médico. (...) Vai um de cada categoria, vão até dois auxiliares, mas não é o ideal. O ideal não é uma vez por semana você fazer... uma vez por semana você faz um paciente e aí ele fica mais um mês sem ser visitado, dois ou três meses. (Auxiliar de enfermagem)
Quando as ações se estendem para dentro do domicílio, desvenda-se uma “nova”
realidade, de indivíduos com limitações de acesso aos serviços de saúde e com variáveis graus
de necessidades.
... acho que o fundamento do PSF é isso, é você ir mesmo, sabe, ter vontade e estar indo às casas dos pacientes, estar conhecendo realmente, ver como eles vivem, para ver se a gente consegue melhorar a questão da saúde. Não adianta a gente estar tratando aqui sem saber o que está acontecendo lá, se está resolvendo o problema dele, naquele momento ali, sem saber o que está lá para trás. (Enfermeira B)
O domicílio, com todas as suas relações – físicas e humanas – apresenta para os
serviços de saúde uma complexidade e uma dinâmica que vão além da capacidade de
intervenção do modelo assistencial curativo. Destarte, para atuar com competência e
apreender esse novo cenário, faz-se mister atuar na perspectiva multiprofissional,
transdiciplinar e intersetorial, com responsabilização da equipe pelo usuário. É preciso,
ainda, mudar o foco da cura para a intervenção cuidadora, para a abordagem de situações
onde a cura não existe, mas onde é possível a presença do cuidado constante. (BELO
HORIZONTE, 2006, p. 98)
A incorporação das VDs no cotidiano dos profissionais médicos, enfermeiros e
auxiliares de enfermagem das ESF nos traz uma importante reflexão. Como percebemos em
nosso estudo anterior (Cf. AGUIAR, 2005, p. 23), ao compararmos a VD exercida pelas
188
equipes do Programa Médico de Família (PMF) de Niterói à exercida pelas equipes do PSF
(formatadas conforme orientação do MS), um exame mais detalhado permitia identificar
diferenças na divisão técnica e social do trabalho nas equipes dos dois programas. No PSF, as
VDs são de responsabilidade principalmente dos ACS, que possuem formação elementar, e
dos auxiliares de enfermagem, enquanto no PMF74 tanto o profissional médico quanto o
auxiliar de enfermagem realizam a VD.
A esse respeito, Moreira (2001) ressaltou o risco de se ter “um trabalho de campo
centrado quase que exclusivamente nas observações e ações do Agente Comunitário de
Saúde”. O autor não desmerece o papel que os ACS cumprem, nem mesmo superdimensiona
o profissional médico ou enfermeiro, mas adverte que não se pode prescindir das observações
destes profissionais no cotidiano das famílias, o que considera ser, talvez, uma das mais
inovadoras proposições do PMF. (MOREIRA, 2001) Abaixo apresentamos resultados da
presente pesquisa a esse respeito:
... só o agente faz uma busca ativa. O agente vai buscar e traz para a equipe, noutras vai o agente comunitário com o auxiliar de enfermagem: curativo, olhar uma pressão e tal. Noutras, enfermeiro com auxiliar de enfermagem, quando é um curativo mais extenso para ser feito e tal. Noutras o médico vai sozinho, com o agente, mas sempre a gente procura ir com agente comunitário, que é aquela pessoa que tem vínculo dentro daquela casa, então a gente vai juntamente com ele. Então depende do caso que vai saber quem vai quem não vai, mas normalmente é um dia para o auxiliar, um dia para o enfermeiro, um dia para o médico que vai juntamente com o agente comunitário. (Enfermeira A) A gente olha esses pacientes [acamados e pessoas com dificuldade de locomoção] e tem uma periodicidade também de visita domiciliar, que vai intercalando médico, enfermeiro, auxiliar e o agente de saúde que é praticamente mensal. Mas entre médico, enfermeiro e auxiliar é mais intercalado, porque não dá para ir todo mundo todo mês, isso é inviável. (...) [Pacientes não acamados ou sem dificuldade de locomoção também recebem visita] Do ACS, médica não. (Médica)
As colocações acima e as anteriores nos fazem refletir sobre o fato de o PSF poder
estar investindo em um “modelo simplificado”. Conforme manifestamos em estudo anterior:
No nosso entendimento, a VD no PMF, ao ser realizada por profissionais com formação de nível técnico e superior, pode contribuir para uma percepção diferenciada dos problemas de saúde da população adscrita à equipe e para uma maior resolutividade. (AGUIAR, 2005, p. 23)
74 Relembrando, a composição da equipe mínima do PMF é de 1 médico e 1 auxiliar de enfermagem.
189
A mesma ponderação fazemos agora: é fundamental a incorporação desta prática por
todos os profissionais da ESF do BH Vida: Saúde Integral, pois
A VD, ao envolver aspectos diversos como observação das condições de saúde-doença da população, bem como estrutura do domicílio, número de moradores, condições de higiene, de saneamento, entre outros aspectos, amplia a clínica realizada pela equipe, produzindo vínculo entre profissionais e usuários e responsabilização dos profissionais pela saúde daquela população. (AGUIAR, 2005, p. 23-24)
Apesar disso, concordamos com a ressalva de Merhy, Malta & Santos (2004, p. 61) de
que o simples fato de realizar VDs não significa que o médico tenha abandonado sua prática
procedimento-centrada e nem mesmo que o trabalho dos outros profissionais deixe de ser
estruturado pelos atos e saberes médicos.
Apostamos na VD como instrumento que possibilita a melhoria da qualidade do
trabalho em saúde, especialmente quando utilizada também por outros profissionais, como
chega a ocorrer no município em questão:
A equipe de saúde mental que tem a nossa referência fica nesse bairro. Ela vem aqui, a gente faz visita domiciliar junto com a psicóloga, já fiz diversas visitas junto com a psicóloga em casa de pacientes que são atendidos lá e aqui com a gente. Então não é a equipe de saúde da família falando: “toma que o filho é seu”. É a equipe toda, junto, eu acho que isso que é importante. (Enfermeira A, grifo nosso) ... odontologia, que faz parte da equipe de saúde da família, então quando a gente necessita que a (...) equipe de saúde bucal vá até a casa por um problema específico, eles vão também. Eles fazem visita de domicílio de todos os acamados adscritos da nossa área de abrangência. (Gerente B) ... odontologia antes ela era isolada, você tem uma época assim que odontologia ela ia atender e pronto: acabou. Agora não, ela está na equipe participando, atuando nos grupos, atuando nas visitas. (Enfermeira A)
Novamente, a base cognitiva dos profissionais da ESB e da ESM, bem como de todo e
qualquer profissional, garantem-lhe uma especificidade, uma singularidade que por si só
justificam a sua importância na APS e na realização das diversas atividades e ações que ela
propõe, como é o caso das VDs.
E como é destacado acima, esses profissionais fazem parte da equipe e criam vínculos
com a população, o que é fundamental para o sua ação de saúde. E por assim fazerem,
permitem que a atenção à saúde no BH Vida: Saúde Integral se aproxime ainda mais da
produção de respostas de saúde satisfatórias.
190
5.6 O PROCESSO DE TRABALHO E AS RELAÇÕES DE REDE
A manutenção e a ampliação da rede de APS em Belo Horizonte apresentam ainda
como desafio a idéia de conjunto do Sistema de Saúde, com esforço para garantia da
integralidade e continuidade da assistência. Por mais resolutiva que a Saúde da Família possa
ser, não é suficiente para abranger todas as necessidades de saúde da população. (BELO
HORIZONTE, 2006) Isso impõe não só à equipe um processo de trabalho de
acompanhamento de todo o ciclo do paciente como também a necessidade de fortalecimento
da rede de saúde em todos os seus pontos.
Em outras palavras, é necessário garantir a articulação da rede de serviços, bem como
garantir o acesso aos demais níveis de atenção e aos serviços de apoio diagnóstico e
terapêutico, num modelo centrado no usuário e organizado pela APS. Contudo, não se pode
prescindir de uma melhor compreensão do significado das linhas do cuidado, por exemplo, e
da opção por elas como instrumento de gestão.
Anteriormente, ressaltamos as linhas do cuidado quanto à característica da
integralidade; agora, ousamos afirmar que as linhas do cuidado, como “linhas da vida”, são a
expressão do princípio da longitudinalidade e da coordenação75 na APS, haja vista buscam
garantir o caminhar do usuário – desde que orientado pelo projeto terapêutico – pelos
diferentes níveis de complexidade do sistema, garantindo o acesso seguro às tecnologias
necessárias à assistência.
A longitudinalidade preza pelo aporte regular de cuidados pela equipe de saúde e seu
uso consistente ao longo do tempo, baseada em uma relação pessoal duradoura entre um
paciente e um profissional ou equipe de saúde. A coordenação das diversas ações e serviços
necessários para resolver necessidades menos freqüentes e mais complexas também se
“enquadra” na concepção das linhas do cuidado. Nossa afirmação é respaldada pelas falas a
seguir:
Se você tem uma equipe que acompanha essa população, que inclusive trabalha na relação com os outros níveis assistenciais, essas pessoas são encaminhadas ao cardiologista, ao endócrino, um dia eles vão à urgência... tem que ter um profissional ou uma equipe de profissionais que faça uma intermediação e a negociação: “que tratamento?” Porque cada um dos especialistas prescreve alguma coisa... Quem é que ajuda na mediação para definir: “esse medicamento aqui vale a pena! Esse aqui não!”? (Membro da GEAS C)
75 Os conceitos de longitudinalidade e de coordenação, bem como o conjunto dos princípios da APS, foram trabalhados no capítulo 2, subseção 2.2.1 – Características da Atenção Primária.
191
Cada equipe tem um livro de ocorrência, que é o livro de registro do que acontece na equipe. Então vamos supor, se o ACS detectou que a Dona Maria foi internada, mas ele não passou [pelo CS] porque no sábado ela foi para a urgência, ele põe no livro da equipe: “Dona Maria foi para a urgência no dia tal”. E a equipe, o objetivo é que a equipe faça contato com o local para saber como a Dona Maria está e porque que ela foi parar lá, qual a situação. Para a gente conhecer de fato o que está acontecendo naquela área, qual foi o movimento, porque se a gente deixar as coisas para o prontuário, só na hora em que você retira o prontuário que você toma conhecimento. (Gerente C)
Giovanella (2006, p. 959) aponta programas de gestão clínica adotados em alguns
países da União Européia na década de 1990 como situações em que a atenção primária
passou a colaborar sistematicamente com outros serviços, compartilhando um esquema de
atenção com base em diretrizes clínicas para doenças específicas, ampliando suas funções.
Com base em critérios e fluxos definidos e de acordo com a necessidade, o profissional
responsável pelo primeiro contato – no caso do seu estudo, o generalista – encaminha o
usuário para o especialista ou outro nível de atenção, “e recebe e retorna o paciente,
responsabilizando-se pela coordenação dos cuidados”.
As falas dos entrevistados e a consideração da autora acima nos leva a abordar o
debate sobre referência e contra-referência e a relação entre os profissionais e as unidades dos
diferentes níveis de atenção. O tema da referência e contra-referência apresenta duas
dimensões: uma se refere ao processo de trabalho, enquanto outra se relaciona mais com a
“macrorrelação” entre as unidades do sistema de saúde, com a “relação de rede”. Na
dimensão do trabalho, vemos que há o reconhecimento de que tanto o nível primário quanto
os demais níveis de atenção apresentam-se como obstáculos para melhoria desta relação:
... a relação entre a urgência e atenção primária é tensa. O da urgência está trabalhando demais, ele acha que o outro está empurrando serviço para ele. O da atenção primária acha que o outro é que não quer atender. O especialista a mesma coisa. Uma tendência à desqualificação dos trabalhos das equipes enorme... (Membro da GEAS C) ... referência e contra-referência ainda é um desafio. (...) Vejo os dois lados, tanto o que chega [à unidade de referência secundária], muito encaminhamento errôneo, sem explicação adequada, sem orientação e encaminhamento indevido que não precisava encaminhar, quanto o profissional da especialidade [que] não dá um retorno adequado para a unidade básica continuar aquele atendimento. Eu acho que falta integração, conhecimento da realidade um do outro, não é?, para configurar uma rede de ajuda mesmo. (Membro da GEAS B)
A integração entre os níveis é uma proposta que aparece como demanda dos
profissionais, cuja resposta já vem sendo elaborada pelo nível central:
192
... tem que ter mais comunicação mesmo, reunião, a gente estar trocando idéia, porque talvez eles não saibam realmente o que está acontecendo aqui, nem a gente sabe como que eles estão lá também, a gente está julgando, aí o médico lá não quis receber uma paciente, mas a gente não sabe como eles estão lá também, então ficar fazendo mais reunião para discutir junto com eles isso, como que está sendo isso para eles também. (Enfermeira B) ... falta um pouco é... uma reunião para cada qual, não é? (risos) conhecer o seu trabalho, então a gente vivenciar a urgência, a urgência vivenciar nosso dia a dia, sabe?... (Enfermeira A) ... deveria haver reuniões em que a gente pudesse discutir as nossas dificuldades e as dificuldades deles, porque, quando você encaminha alguém, é porque você esgotou a sua possibilidade de atendimento, não é? Mesmo que seja alguma coisa que podia ter sido resolvida dentro da unidade básica, talvez o meu potencial não fosse suficiente e eu estou pedindo ajuda, por isso que é importante a contra-referência, para você dar continuidade no acompanhamento. (...) Ninguém conhece, pelo que eu percebo, o que acontece na atenção básica. (...) E não é porque o colega lá não dá conta ou não quer, é porque às vezes está tão sobrecarregado também, entende? Então quem está lá não está dando conta... aí vira essa confusão. (Médica) ... a gente pretende abrir espaço para os nossos profissionais de atenção primária. Ainda não está pronto isso, mas atuar um pouco na unidade de urgência da referência dele para que ele compreenda o funcionamento, da mesma maneira que a gente quer levar os profissionais de urgência nas unidades básicas para essa rede se reconhecer. (Membro da GEAS C)
Estas iniciativas são bastante importantes, pois se calcam na relação entre os
profissionais e, portanto, na relação de rede para se alcançar a integralidade, espinha dorsal do
programa no município. Isto possivelmente contribuiria para a valorização da APS no sistema
de saúde, para a valorização dos profissionais da APS, para a melhor apreensão de que um
sistema de saúde organizado a partir da APS deposita nesta a responsabilidade de ser porta de
entrada do sistema e para a concretização de uma rede de serviços de saúde integrada.
Porém, quando a referência deixa de ser um problema, é na contra-referência que
reside o nó crítico desta relação:
Então o quê que acontece? Às vezes a gente manda um paciente, muitos profissionais do nível secundário não dão o retorno... alguns dão, mandam a contra-referência, e às vezes até o próprio lá encaminha para outro setor, mas muitos não. (Auxiliar de enfermagem) Deixam a desejar demais as contra-referências... nós fazemos referenciamento, não recebemos contra-referência, fica solto, sabe, a gente tem que ir buscar, tem que correr atrás. (Enfermeira A) ... uma dificuldade que a gente tem é a questão da contra-referência, então a gente encaminha o usuário para uma consulta de cardiologia e hoje ainda é pontual o seguimento de uma contra-referência para o profissional que atende, então a interrupção ainda é um pouco difícil nesse sentido. (Gerente A)
193
Quando é um profissional de um PAM (...) eles atendem os pacientes e fazem uma contra-referência por escrito. É uma rotina. Alguns profissionais fazem, outros não. Qual que é a nossa maior luta hoje, que a gerência tem na secretaria e que a gente tem na unidade? É que todos têm que vir com a contra-referência. Às vezes até vêm pacientes, às vezes não entrega, entendeu? Têm algumas intercorrências aí que a gente está tentando apontar. (Gerente C) ... eu mando com facilidade o paciente para eles, mas eu não tenho um feedback deles, infelizmente. É um nó seriíssimo que o Distrito Leste está tentando implantar com eles, de garantir a contra-referência para a gente. Então o usuário chega aqui: o que é lúcido, o que é capaz, fala para a gente o que o médico de lá falou, mas o que não é não traz nem papel, a gente fica com ele perdido aqui. (Gerente B)
Ao mesmo tempo, há uma dimensão que se relaciona mais com a relação entre as
unidades do sistema de saúde, a que chamamos relação de rede:
... de alguma maneira [o BH Vida: Saúde Integral] ainda vai forçando a modificação de prática na rede toda, porque pressiona muito para cima os outros níveis assistenciais. (Membro da GEAS C) ... os encaminhamentos para urgência têm sido um nó para a gente, infelizmente... toda Belo Horizonte é delimitada por área. O nosso Distrito Leste tem quatorze unidades básicas de saúde, uma unidade especializada, que é o PAM Sagrada Família, e uma unidade de urgência, que é o UPA Leste. Então, todos nós temos que referenciar essas unidades para os atendimentos, mais especificamente. Quando a gente não acha vaga, a gente fica tentando ligar para outros lugares para conseguir, mas não somos tão bem recebidos porque nós não pertencemos àquela regional. Quem é responsável por nós em urgência é o UPA Leste, então às vezes traz muita dificuldade, porque nós estamos com dificuldade de lotação de médicos nas urgências e isso tem trazido problemas mesmo. (Gerente B)
Como se observa, esta dimensão estrutural também se relaciona ao trabalho, no caso
ao baixo número de profissionais médicos lotados nas emergências, mostrando concomitância
entre ambas as dimensões.
Evidencia-se, mais uma vez, que a falta de pessoal é um dos grandes desafios a serem
enfrentados. Porém a prática e o modo de fazer saúde dos profissionais precisam ser revistos
para a consolidação do modelo assistencial em Belo Horizonte.
5.7 CONCEPÇÃO DE MODELO ASSISTENCIAL
Em relação à compreensão do modelo em Belo Horizonte, a Saúde da Família parece
permanecer operando dentro de um modelo “antigo” de atendimento. A concepção atual de
PSF parece distorcida, inviabilizando o trabalho mais ampliado e com enfoque não só em
194
ações terapêuticas, mas também de vigilância, estabelecendo-se vínculo e co-
responsabilização. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 47)
Talvez esta não seja uma idéia unânime; há quem preconize ações de promoção da
saúde, prevenção de doenças, vigilância à saúde etc., diversificando as ações estritamente
terapêuticas:
Olha, nós temos o programa de grupos operativos, que é para o hipertenso, o diabético, os desnutridos, o de planejamento familiar... Nós temos passeios de convivência, passeio com os idosos ao zoológico, aos parques, nós temos o programa de caminhadas, que a [médica generalista] que reiniciou o programa, que é para o pessoal hipertenso, diabético. (...) A gente faz um programa de cuidadores dos idosos, que é responsabilizar as pessoas, mostrar como cuida do idoso, interar com o idoso daquela casa... Então são várias atividades para poder estar tentando trabalhar educação em saúde. (Gerente B) A gente realiza alguns passeios também, começamos a fazer ano passado alguns passeios e às vezes o médico vai, o enfermeiro também, às vezes só o auxiliar de enfermagem, vai depender daquela semana, entendeu? (Enfermeira A) ... temos o grupo de atenção a mulher, que trabalha a questão da inserção da mulher na comunidade (...). É um grupo de escuta das mulheres; temos o grupo de hipertensão; o grupo de diabetes... Como a gente tem muitas pessoas a gente faz por microáreas, porque é bom, porque as pessoas são vizinhas, elas acabam se unindo ali com um objetivo comum mesmo. Temos o grupo de doenças respiratórias agudas; vamos fazer agora uma chamada nutricional para a gente avaliar, pesar e medir as crianças, todas até 5 anos e classificá-los de acordo com o grau de nutrição leve, moderada, grave, para fazer uma abordagem diferenciada, e temos uma coleta para as mulheres que é feita toda quarta-feira, coleta de material crvico-uterino, uma enfermeira que faz uma abordagem e aí faz a coleta do material nas mulheres que estão na faixa etária acima de 40... são mulheres mais vulneráveis. (Gerente C)
A incorporação destas atividades no cotidiano dos serviços, bem como daquelas de
Vigilância à Saúde executadas principalmente pelos ACS, são definidoras do modelo
assistencial que se busca e que se tem. Para G. Campos (2005a), o modelo de atenção deve ter
como diretrizes o trabalho em equipe interdisciplinar, o vínculo e a atenção ao sujeito e à
família aliada à atenção à doença e risco, mas deve reorganizar e repensar as ações de saúde
coletiva para além da vigilância à saúde, para que não se desemboque em um conceito
“restrito, visão reduzida e positivista, tecnocrática”.
Apesar desta ressalva, reiteramos que a vigilância à saúde, enquanto conjunto de ações
que incluem o fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica e sanitária, a
implantação de ações de vigilância nutricional dirigidas a grupos de risco, a vigilância à saúde
do trabalhador, considerando os ambientes de trabalho e os riscos ocupacionais, a vigilância
ambiental em áreas específicas de risco epidemiológico, não perde de vista a necessidade de
reorientação das ações de prevenção de riscos e de recuperação da saúde. (TEIXEIRA, 2002)
195
Ou seja, mesmo um modelo baseado na vigilância à saúde engloba saberes dos profissionais
das diversas áreas da saúde e de outras áreas além da saúde que atuam conjuntamente sobre os
determinantes e condicionantes do processo saúde-doença, de forma contínua e sistemática,
no sentido de modificar a realidade sanitária da população. (BELO HORIZONTE, 2006, p.
74)
Um modelo de atenção baseado na vigilância, se restrito a uma visão reduzida,
meramente técnica, sem incorporar os diferentes saberes e sem compreender as diferentes
dimensões e concepções do processo saúde-doença76, tende realmente a se tornar um modelo
tecnocrático e que não dá conta de responder às necessidades e demandas da população. No
entanto, este modelo se coloca como um modo de fazer em saúde que considera a promoção
da saúde, a prevenção aos riscos de adoecer e morrer, a reabilitação e a recuperação. Como
nos diz C. Campos (s.d.),
Como proposta no campo teórico metodológico a Vigilância da Saúde constitui-se um esforço para adequar a atuação do setor saúde sobre as várias dimensões do processo saúde doença, especialmente do ponto de vista da sua determinação social. A partir daí busca desenvolver novas propostas de operacionalização dos sistemas de saúde, de forma a se respeitar uma visão que se pretende mais totalizadora. (CAMPOS, C., s.d.)
Esta concepção aponta para a atuação sob o ponto de vista da integralidade que, por
suposto, não pode ser desvinculada da atuação em diferentes frentes, agregando os diferentes
saberes e campos de atuação e de conhecimento.
De fato, a reorganização para atenção à demanda dos usuários dificultou uma melhor
organização das ações programadas e de vigilância. Por isso, as equipes parecem se ressentir
de não “fazerem PSF”, por não “fazerem prevenção e promoção”, (BELO HORIZONTE,
2006, p. 17) como pudemos observar:
Para te ser sincera, eu não me sinto fazendo realmente o PSF, sabe, porque eu acho que o PSF não é o que eu estou fazendo como enfermeira, devido à demanda, às várias atividades que a gente tem numa unidade de saúde. A gente não está fazendo prevenção. Eu acho que o PSF é isso, a base dele seria isso: prevenção, promoção de saúde... E eu acho que a gente tenta, na medida do possível, estar corrigindo isso,
76 O debate sobre concepções de saúde e doença (Cf. SABROZA, s.d.) está intimamente ligado ao de modelos tecnoassistenciais, por nós travado no capítulo 2 (seção 2.1 – Sobre os modelos assistenciais em saúde) e aqui retomado para reconhecimento da percepção de modelo pelos sujeitos entrevistados. Para efeitos desta dissertação, vale a afirmação de que, dadas as diferentes concepções de saúde e doença e as diferentes dimensões que as determinam, nenhum saber profissional pode ser considerado dispensável ao se buscar a melhoria da qualidade de vida da população, devendo-se buscar organizar o trabalho em equipes tanto de profissionais de saúde quanto de forma intersetorial.
196
mas como a gente tem que apagar fogo o tempo todo então a gente acaba deixando um pouquinho a promoção de lado, por mais que a gente tente. É bem complicado fazer promoção do jeito que nós estamos, atendendo direto só agudo, agudo, agudo! (Enfermeira B) O PSF, para mim, é promoção da saúde, você tem que tirar o paciente do centro de saúde. Nós teríamos que ir até a ele, não é ele estar vindo até a gente, e a gente não tem tempo de promover a saúde. Quê que eu teria que estar indo? É ir pesar as crianças, tipo Pastoral de Criança mesmo, sabe? Você não ver cartão atrasado, estar orientando, alimentação... acho que tudo isso. O PSF funcionaria se ele estivesse fora do centro de saúde, então eu acho que deveria ter funcionários de equipe aqui dentro, e o PSF lá fora. (Auxiliar de enfermagem) Eu acho que Belo Horizonte tem caminhado bem por ser um município grande, tem investido bem, mas ainda existe um peso maior do atendimento imediato do paciente, você fica muito mais preso às ações curativas e de atendimento de demanda do que realmente fazer a promoção e prevenção. (Médica)
A APS não é restrita à promoção da saúde; este é apenas um conjunto de ações que a
APS, pelo PSF, pode e deve assumir em seu cotidiano, mas não o único, o que é reforçado
pela fala a seguir:
... existe um discurso de que Saúde da Família é promoção de saúde, nós não concordamos com isso. Saúde da Família é promoção, é prevenção, é assistência, não é? É reabilitação também. (...) As equipes, inclusive para terem reconhecimento, respeito e habilidade, elas têm que estar disponíveis para atender no caso de estar ruim, porque senão a população: “só posso ir lá quando eu estou bom?” Ela não vai... [a Saúde da Família] tem que ser o ponto de primeiro contato. Eu acho que também isso o Ministério propõe. (Membro da GEAS C)
A dicotomia entre ações curativas e ações de promoção e prevenção ainda precisa ser
mais bem ventilada no interior das equipes. Além disso, é necessário compreender que a
promoção da saúde extrapola os serviços de saúde, devendo ser ampliada para ações
intersetoriais, (BELO HORIZONTE, 2006, p. 47) contribuindo para a melhoria da qualidade
de vida da população.
... as outras políticas sociais são muito frágeis, mas não na saúde. A gente precisaria de políticas sociais fortes na área de assistência social, na área de esportes, especialmente essas duas, na área de cultura, porque a população está trazendo para o Sistema de Saúde toda a necessidade... (Membro da GEAS C) Qual que é o único equipamento da prefeitura que fica aberto 12 horas lá no Alto Vera Cruz? Qual? Só o centro de saúde. Então é ali que a população se dirige muitas vezes, mesmo que não seja para procurar saúde. (...) Eu acho que nós precisamos de um reforço nesse sentido, porque senão tudo isso que a gente construiu, [a saúde] vai ter que cumprir uma função para além do que ela se propõe, e nós temos que tomar cuidado para não ficar onipotente demais, não é? E da saúde ser responsável por absolutamente tudo... está certo olhar esgoto, eu acho que olhar esgoto é muito
197
importante, mas eu não posso virar uma COPASA77, entendeu, eu não posso botar o ACS fazendo, preocupando em abrir valão, em fazer um esgoto. Temos que ter uma complementação das demais políticas, que senão nossos princípios vão se esvair. (Membro da GEAS A)
As abordagens feitas por estes sujeitos integrantes do nível central são importantes,
devendo ser consideradas estas e outras questões acerca da intersetorialidade quando se deseja
reorientar o modelo de atenção à saúde. Adicionalmente, captamos a percepção dos sujeitos
sobre a relação entre o processo de trabalho em saúde e o modelo assistencial. A fala a seguir
ilustra como a lógica que impera sobre o serviço e a assistência à saúde, a todo e qualquer
tempo, determina e é determinada pelo processo de trabalho:
A gente trabalhava na lógica do território, na área de abrangência, mas a gente tinha profissionais, médicos, por exemplo, pediatra, clínico, ginecologista, serviço de enfermagem e serviços de zoonoses, atendendo de uma maneira geral, os profissionais atendendo numa lógica de produção, dentro de uma cota de consultas por dia, no caso de atendimento médico e atendendo muito mais à demanda espontânea, àquilo que chegava dentro da unidade. Com o PSF a gente ampliou isso, você sai da lógica da produção, do número, no caso do médico, de um número determinado de atendimentos para a responsabilização sobre uma determinada população, e aí na lógica da vigilância em saúde. Não só daquele que chega, e principalmente com a incorporação do ACS, mas daquele que está lá no domicílio que precisa ser tratado, ele tem um olhar da equipe. (Gerente A, grifo nosso) ... antes deixava muito a desejar isso, não que o serviço não funcionasse, funcionava mas era muito centrado acho que em consultas e o paciente aqui vinha buscar isso e aí se deixa a desejar porque não está fazendo uma cobertura, uma vigilância do que a aquela população realmente demanda. (Enfermeira A)
Fica explícito que a lógica de produção anteriormente reinante servia ao/ era servida
pela divisão do trabalho, ao passo que o modelo seguinte, voltado à promoção da saúde e
vigilância em saúde, sustenta/ é sustentado por uma organização do trabalho que visa integrar
os profissionais das diferentes categorias de modo que participem da “organização” e
“orientação” do seu próprio trabalho, ou melhor, do trabalho de sua (própria) equipe.
Por conseguinte, as tendências do modelo de atenção à saúde se relacionam ao
processo de trabalho, como se infere das falas abaixo.
... a nossa perspectiva é de a longo prazo ir aprimorando o trabalho na atenção básica, ir aproximando os níveis assistenciais... para isso é preciso muito suporte, muito cuidado e carinho com essas equipes, muita proximidade da gestão com elas e eu acredito que a longo prazo é um caminho muito interessante, muito acertado. (Membro da GEAS C)
77 COPASA: Companhia de Saneamento de Minas Gerais.
198
... nós temos muito que crescer em termos de construção de uma rede de serviço, de uma rede articulada em termos de desenvolvimento da garantia de que o usuário caminha na linha de cuidado, no estabelecimento dos processos terapêuticos... (Gerente A) ... a gente fica tentando fazer uma promoção e prevenção mas a gente se sente amarrado, entende, por causa dessa demanda. Eu acredito que à medida que você for melhorando essa questão de educação e saúde (...) aí sim você pode fazer uma atenção melhor na promoção e prevenção. (Médica) Eu vejo que cada dia vem melhorando, sabe, mas se a gente não parar um pouco e discutir, eu acho que vai ter uma sobrecarga e muita gente não vai dar conta. Que é uma coisa... é um modelo que está no papel que é maravilhoso mas no dia-a-dia eu acho que está desgastante um pouco, precisa parar e vamos ver o que a gente vai fazer, porque senão vai desgastar muita gente e muita gente não vai dar conta e vai sair do barco. (Enfermeira A) ... acho que o desafio maior (...) é a questão do processo de trabalho de acordo com a dinamicidade local, mas sem perder de vista os princípios e as diretrizes do SUS. Eu acho que é isso. Apostar em novos modos de fabricar os processos de saúde, não é?, a gente tem que apostar o tempo inteiro nisso, sempre com a visão de acesso universal, integralidade da atenção, sempre com essa visão, do acolhimento permanente. (Gerente C)
Em suma, não se modifica modelo assistencial sem mudança do processo de trabalho.
Por isso afirmamos o quanto são necessárias transformações, inversões, revoluções no
processo de trabalho em saúde, principalmente na APS, visto que é a porta de entrada
preferencial no sistema de saúde e o nível a que o usuário estará sempre ligado, vinculado,
independentemente do tipo de serviço ou recurso que esteja utilizando em um dado momento.
As tendências do modelo de atenção à saúde em Belo Horizonte estarão sempre
relacionadas ao processo de trabalho: se se deseja um modelo produtor de cuidado, de vínculo
entre o usuário e a equipe são necessárias atitudes em relação ao processo de trabalho que
viabilizem a conformação de tal modelo, como a persistência do acolhimento como
dispositivo para a mudança do processo de trabalho e da gestão como forma de governar tais
processos, além do trabalho em equipe multiprofissional como principal diretriz.
A posição de Escorel et al. (2007, p. 169-170) sintetiza este nosso entendimento: a
conversão do modelo de atenção básica à saúde se dá através da organização do trabalho em
equipe, com a substituição de práticas convencionais de assistência e com a incorporação de
novas práticas voltadas para a família e a comunidade, com objetivo de influenciar os
determinantes sociais do processo de saúde e doença.
Para nós, quando o PSF é implantado e consegue alterar o processo de trabalho
profundamente, consegue alterar a atitude dos profissionais, consegue mudar o núcleo
tecnológico do trabalho fazendo com que tecnologias leves hegemonizem o processo de
trabalho das equipes, com escuta qualificada, processos terapêuticos autonomizadores dos
199
usuários, transformando-os em sujeitos terapêuticos, isso é uma transição tecnológica e é aqui
que, de fato, ocorre a mudança do modelo assistencial.
5.8 MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Com base nos significados apontados por Malta et al. (1998, p. 122), em especial em
relação à preocupação com a melhoria da qualidade das ações de saúde a favor da vida, à
universalidade do acesso e à “humanização” das relações em serviço e sobre a lógica de poder
contida nesse processo, contribuindo para uma mudança na concepção de saúde como um
direito, podemos afirmar que o Acolhimento imprimiu à APS em Belo Horizonte a
Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos, conforme dissertamos no capítulo 2. A proposta
do Acolhimento significou a possibilidade de resgatar princípios e, no cotidiano dos serviços,
responder concretamente com a ampliação do acesso e humanização das relações. (MALTA,
et al., 1998, p. 136) Por esta dimensão, também aqui a APS serviu como instrumento de
organização social.
De certo modo, a gestão do próprio sistema de saúde, fortalecida a partir da gestão
semiplena assumida em 1994, pode ter contribuído para uma idealização própria do modelo
assistencial, com iniciativas, programas e estratégias próprias, como o Projeto Vida e o
Acolhimento, e com manutenção da autonomia do município frente à forte indução e
disseminação de políticas pelo MS/ governo federal, especialmente na década de 1990.
Entretanto, a intervenção de saúde através do BH Vida: Saúde Integral revelou um período de
transição do modelo assistencial, conduzindo a alterações no processo de funcionamento dos
CS, onde se vinculam as equipes de Saúde da Família, no processo de trabalho das diversas
categorias profissionais, com foco no trabalho em equipe e com referência na família.
Atualmente, verifica-se que os CS se reorganizaram para propiciar acolhimento da
população adscrita, porém ainda são encontradas dificuldades como a desorganização das
atividades de vigilância à saúde, a melhor definição e compreensão do processo de trabalho
dos profissionais da ESF e o incipiente preparo das equipes para lidarem com usuários com
problemas crônicos e necessidade de cuidado contínuo. (BELO HORIZONTE, 2006, p. 9)
A inserção de profissionais na APS que não apenas os preconizados para a equipe
mínima como os das ESM e do NAR78 não deixam de ser relevantes no sentido de apontar
78 Não citamos aqui as ESB por já se tratarem de uma política definida centralmente pelo governo federal, ao passo que as iniciativas das ESM e dos NAR praticamente inexistem enquanto demandas de profissionais para o MS – pelo menos formalmente.
200
para as necessidades que a população apresenta, demandantes de saberes diversos e, portanto,
de uma equipe multiprofissional e ampla para que se tenha uma resposta de saúde satisfatória.
Isto deve ser compreendido num contexto em que a APS e a Medicina de Família são
consideradas a principal estratégia da saúde no século XXI. Analisando o sistema de saúde
cubano, Ordóñez Carceller (2005) argumenta que as mudanças são essenciais. Em Cuba, há
mudanças desde 1959 que se processam na maneira de organizar o trabalho em cada
momento. Elas ocorrem periodicamente na forma como realizam as atividades e na forma de
trabalho como equipe de saúde.
Assim, o PSF e as formas próprias de organização da APS que Belo Horizonte vem
construindo não devem ser entendidos como modelos assistenciais, mas como estratégias de
que determinados gestores podem lançar mão para a organização da assistência à saúde,
ressaltando-se no PSF as propostas para maior responsabilização/vinculação de clientela, com
ênfase nas ações domiciliares. (REIS et al., 1998, p. 383-384)
A fase atual de expansão da Estratégia de Saúde da Família ocorre envolta por uma
série de fatores que dificultam sua implementação nas áreas metropolitanas, como a falta de
financiamento, o despreparo e a qualificação insuficiente dos profissionais para atuar na
estratégia, o formato padrão/rígido para composição das equipes sem respeitar as
particularidades locais, a insuficiência de mecanismos de relação do PSF com outros serviços,
as precariedades das redes ambulatoriais e hospitalares, a dinâmica urbana complexa, a
violência urbana, o tráfico de drogas e armas e a dificuldade da interação de novos saberes e
de novas práticas para ações coletivas e sociais no âmbito do PSF. (GOMES; PINHEIRO,
2005, p. 288)
Segundo Escorel et al. (2007, p. 174), nos grandes municípios, a garantia da
integralidade permanece como nó crítico. Estudando municípios de grande porte (população
acima de 100.000 habitantes) de quatro regiões do país, as autoras observaram que a extensão
da cobertura de atenção primária ampliou a demanda por atenção secundária, porém o acesso
a esta permaneceu difícil. A referência, pouco estruturada, configurou-se como grande
dificuldade para garantia do atendimento nas especialidades médicas e exames de apoio
diagnóstico.
Há um desafio de superação permanente de contradições, principalmente quando na
área da saúde novos modelos são reclamados, colocados à prova ou substituídos, como no
cadenciamento que o SUS em Belo Horizonte promove ao lidar com equipes de Saúde da
Família, com lógicas e processos que se sustentam nos contornos da vinculação e
responsabilização frente a usuárias e usuários. No entanto, se for repetido o modelo
201
assistencial vigente apenas “maquiado”, esperando que, ao atender a família, realizar VD,
prestar assistência e promover ações de prevenção e promoção da saúde sem respeitar o
desejo/projeto de vida do paciente, sem colocá-lo para discutir isto e as práticas de serviço,
estar-se-á simplesmente mantendo as relações de poder e de dominação. (GOMES;
PINHEIRO, 2005, p. 296)
Por mais que o BH Vida: Saúde Integral se encontre em fase de consolidação, não é
precoce avaliar seu andar até os dias de hoje quanto às abordagens da APS. Ao que tudo
indica, continua prevalecendo a Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos do ponto de
vista da filosofia que permeia os setores social e de saúde, enfatizando a compreensão da
saúde como direito humano e a necessidade de abordar os determinantes sociais e políticos da
saúde. Porém, caso sejam mantidas práticas que não garantem a inserção de novos sujeitos e
novos modos de fazer saúde no âmbito da APS, bem como sejam mantidas práticas médico-
hegemônicas que apenas reconhecem a APS como um nível de atenção, capaz de dispensar
apenas cuidados primários em saúde, a concepção deste campo de atenção em Belo Horizonte
não será outra senão a da “APS abrangente” de Alma-Ata, ou seja, a de uma estratégia apenas
para organizar os sistemas de atenção em saúde e para a sociedade promover saúde. A
diferença desta em relação à abordagem de Direitos Humanos encontra-se mais nas
implicações sociais e políticas do que sobre os princípios propriamente ditos. (OPAS/OMS,
2005)
Por fim, acreditamos que há muitos obstáculos a serem superados para a concretização
de um SUS universal, eqüitativo e provedor de atenção integral à saúde de toda a população,
porém que não inviabilizam as possibilidades da Estratégia de Saúde da Família de provocar
transformações significativas na reorganização das práticas, a partir da mudança do objeto de
atuação para a família e o resgate das ações de prevenção e promoção, além da busca de
satisfação do usuário. Para Gomes & Pinheiro (2005, p. 297) isto implica reconhecer a
relevância desse tipo de estratégia na construção do direito à saúde como uma questão de
cidadania.
Reforça-se, assim, a nossa interpretação de que a APS em Belo Horizonte, por meio
do BH Vida: Saúde Integral, se assim tem se mantido, potencialmente se identificará à
Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos, o que permite ao programa a viabilidade de
inversão do modelo médico-hegemônico a partir da APS, estruturante do sistema de saúde.
CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação sobre o processo de trabalho em saúde no âmbito da Atenção Primária
e o trabalho em equipe como forma de organizá-lo nos possibilitou inúmeras reflexões a partir
da compreensão da adoção do PSF como forma de se efetivar e concretizar os princípios e
diretrizes do SUS.
Considerando os movimentos de reformulação do modelo de atenção primária no país,
reconhecemos a necessidade de rediscutir o papel dos profissionais que atuam neste campo,
em especial a forma como se organizam para dar uma resposta às demandas de saúde da
população. Esta forma influencia e é influenciada pelo modelo assistencial almejado, seja no
âmbito do nível central e da formulação das políticas ou no da atenção e das práticas de saúde.
Partimos do pressuposto de que o processo de trabalho em saúde e na APS é
especificidade da equipe, devendo ser tomado como política; assim, buscamos conhecer a
forma de organização do trabalho na APS em Belo Horizonte, MG, particularmente a partir da
implementação do Programa BH Vida: Saúde Integral.
Procuramos contribuir para a reflexão sobre a reorientação dos modelos assistenciais a
partir da reorganização da APS ocorrida recentemente no país, com expansão da Estratégia de
Saúde da Família, abordando aspectos do processo de trabalho em saúde, trazendo a questão
da multi e interdisciplinaridade como demanda para a APS e enfocando o debate na
centralidade do trabalho para a sociedade, particularmente a centralidade do trabalho em
equipe para a APS.
Nossa investigação trouxe como principais resultados a percepção de sujeitos que
fazem parte da gestão do sistema de saúde e/ou da atenção à saúde no nível da APS em Belo
Horizonte sobre os seguintes aspectos:
Organização da APS existente antes e após a implementação do BH Vida: Saúde Integral
Os entrevistados demonstraram ter conhecimento a respeito da organização da APS
antes do BH Vida: Saúde Integral, destacando pontos positivos que até hoje continuam sendo
preconizados no modelo de atenção primária no município, como o acolhimento, o cuidado
integral e a concepção de território para a ação em saúde. Além disso, apresentaram fatores
que influenciaram a “demora” da implementação do PSF em Belo Horizonte em relação a
outros municípios. O principal foi a resistência dos próprios profissionais que atuavam na
203
época da implementação tanto no nível central como na atenção, o que já havíamos
identificado na literatura.
O fato de Belo Horizonte ter estruturado anteriormente modelos para a APS – como o
Acolhimento e o Projeto Vida – empoderava os técnicos e gestores no município para que
resistissem à mudança do modelo de atenção. A forma indutora e centralizadora como o
Ministério da Saúde procedeu à época da criação do PSF, como discutimos, também torna
plenamente compreensível que muitos sanitaristas e estudiosos se opusessem a um modelo
que se assemelhava a uma “cesta básica de serviços de saúde para os pobres”.
Contudo, a Saúde da Família vem logrando êxitos, sendo reconhecida sua relevância
para a concretização do SUS em Belo Horizonte. A integração do PSF à rede de serviços de
saúde do município é um dos principais méritos do programa, o que o diferencia de outras
experiências encontradas no país. Porém, como em todo processo, há obstáculos a serem
vencidos, como a falta de trabalhadores, de estrutura e de compreensão por parte de
trabalhadores e usuários do significado da APS e da mudança na forma de ofertar e produzir
saúde.
Reorientação do modelo assistencial em saúde: Integralidade e Universalidade
Uma das características mais fortes evidenciadas após o BH Vida: Saúde Integral é a
reorientação do modelo para a garantia da integralidade da atenção. Embora o cuidado
integral se constituísse previamente como uma preocupação – e uma atitude –, a adoção das
linhas do cuidado permitiu a concretização da intervenção de ponta a ponta, bem como o
acompanhamento do usuário na rede de serviços, mapeando-se os recursos disponíveis, fluxos
e mecanismos de regulação. As linhas de cuidado ainda precisam ser mais difundidas no
cotidiano dos serviços de saúde e práticas dos profissionais, especialmente para que estes se
baseiem nelas para sua “operação” em campo e para que não se reproduza a fragmentação do
cuidado e alienação do trabalho em saúde.
Preocupamo-nos com a fragmentação do trabalho em várias linhas e com a primazia
de linhas por agravos em detrimento das linhas por fases da vida. Reconhecemos que há
pessoas e coletividades que apresentam especiais necessidades de acompanhamento contínuo
para determinados agravos, porém acreditamos que há risco de apenas estes portadores de
agravos “crônicos” terem acesso a uma atenção integral, o que a faria regulada e acessível a
poucos. Deve-se vislumbrar o desenho de políticas de saúde como linhas de cuidado,
integrando ações de promoção, prevenção, cura, controle e reabilitação de acordo com as
particularidades de grupos ou necessidades individuais. (BRASIL, 2006a)
204
Outra característica evidenciada em nosso estudo foi a universalidade do acesso.
Surgiu um debate em relação à “dicotomia” universalização vs territorialização, porém ficou
claro que tanto a população adscrita a uma unidade básica de saúde quanto aquela não adscrita
ou pertencente a outro território têm seu acesso garantido, isto é, não há negativa de cobertura
para nenhum indivíduo.
De outro lado, alguns depoimentos associaram a universalidade ao elevado consumo
em saúde. A “facilidade” de acessar equipamentos, insumos e serviços com a “premissa” da
universalidade tem provocado uma grande procura por inovações tecnológicas por parte de
profissionais e usuários. Este comportamento tem sua razão de ser quando percebido sob a
ótica do capitalismo, pela qual o consumo desenfreado e injustificado garante a reprodução
deste sistema.
Esta polêmica nos levou a refletir sobre o papel dos gerentes de UBS, haja vista uma
das defesas do “consumismo” tenha sido de uma gerente entrevistada. Compreendemos que a
gerência no âmbito da Estratégia de Saúde da Família não deve se dar em função do controle
e dos procedimentos. Vemos a APS como lugar em que se realiza um conjunto de ações de
saúde destinadas à promoção, proteção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e
manutenção da saúde, não podendo ela comportar maquinários e procedimentos
tecnologicamente mais densos. Pois, se assim for, mantém-se uma lógica procedimento-
centrada, dura tecnologicamente, resistente à inversão do modelo hegemônico e à reorientação
do processo de trabalho em saúde.
Organização do trabalho: um olhar “macropolítico”
Outro desafio a ser enfrentado pelo sistema de saúde em Belo Horizonte é a
estabilização de equipes de Saúde da Família, principalmente em relação ao profissional
médico. O município permanece com ESF incompletas, mas os entrevistados elencam
diferentes fatores para tal condição. O primeiro deles se refere justamente à alta rotatividade
das equipes. Em segundo lugar, a localização e classificação de riscos também dificultam a
fixação dos profissionais nas ESF. Porém, surge um terceiro elemento, que relaciona a
dificuldade de estabilização das ESF ao processo de trabalho no interior das unidades. São
destacadas iniciativas como o Colegiado Gestor para o fortalecimento da ação do gerente,
além da programação de momentos de diálogos com as equipes para orientar o planejamento,
a organização e a avaliação.
205
Às iniciativas de educação permanente das ESF e a realização de concursos públicos
também é dada importância para o aprimoramento da prática profissional e para tornar viável
a estabilização das equipes, levando à melhoria da qualidade da atenção.
Organização do trabalho: um olhar “micropolítico”
A Saúde da Família ampliou o acesso da população aos serviços de saúde. Este
movimento foi associado ao aumento do número de profissionais após a implementação das
ESF e ao dispositivo do Acolhimento, que garante a entrada da demanda espontânea dos
usuários nas unidades ultrapassando a lógica “programática” existente até então. (BELO
HORIZONTE, 2006)
Embora o Acolhimento venha sendo organizado de diferentes maneiras nas unidades,
ora como única e rígida porta de entrada, ora como processo de escuta qualificada e de
resolutividade, ele se tornou instrumento criador de vínculos. Assim, corroborou para que o
acompanhamento a novas demandas passasse a ser incorporado como atividade para os
centros de saúde. As equipes se depararam com o desafio de trabalhar o território e o
domicílio e, ao mesmo tempo, de dar uma resposta eficaz à demanda não programada que
recorre à unidade de saúde, incluindo a população não vinculada às equipes. Isso levou a um
aumento expressivo da demanda e a situações de sobrecarga, cansaço, insatisfação e
sofrimento. Estas características estiveram presentes em quase todos os depoimentos,
principalmente dos profissionais da assistência.
A mudança do modelo assistencial pode afetar os processos de trabalho mesmo sem a
reorientação destes. O sistema de saúde em Belo Horizonte pauta-se em diversos princípios,
porém sua viabilização parece vir sendo feita sem condições estruturadas para garantir que o
“produto” final do trabalho seja a saúde dos indivíduos e coletivos. Faltam trabalhadores e
exigem-se atividades diversificadas – VDs, promoção, vigilância etc. –, gerando sobrecarga.
Contudo, prevalece a ampliação do acesso como um dos pontos mais fortes do programa e
como característica do modelo de atenção à saúde.
Outro fator debatido foi o modo de organizar os processos de trabalho. A pouca
clareza das atribuições dos profissionais agrava a já existente dificuldade de se trabalhar em
equipe. Para contornar tal problema, os centros de saúde vêm realizando reuniões entre os
profissionais do CS e entre aqueles das ESF para organização dos fluxos da unidade e das
equipes, bem como para divisão e delegação de tarefas. Entretanto, pareceu predominar uma
forma agrupada de abordagem da equipe, em lugar de uma forma integrada. Isto é importante
de se considerar, particularmente quando se pensa a atuação dos profissionais de apoio.
206
O desejável é que a equipe multiprofissional opere de maneira articulada, integrando-
se às demais equipes e a outros trabalhadores dos CS, configurando-se como colegiados
ampliados, pautando o processo de trabalho e a condução dos serviços.
“Orientações” para o processo de trabalho na APS
Foi evidenciada a persistência do modelo biomédico na prática dos profissionais de
saúde, o que motivou alguns sujeitos da pesquisa a buscarem a reorientação do processo de
trabalho no seu dia-a-dia.
Há o predomínio da Clínica como corpo de conhecimentos para a ação em saúde;
porém, o ACS apresenta como saber o conhecimento do território, a relação de vizinhança e
os laços que constrói com a população. Esse é o grande diferencial no seu processo de
trabalho, pois o permite atuar na interação social serviço-comunidade. Desse modo,
resgatamos o debate da clínica ampliada, pelo qual o profissional de saúde, além de saber
fazer, precisa construir uma relação com o usuário que resulte em responsabilidade, liberdade
e compromisso.
Neste contexto, o projeto terapêutico interdisciplinar é compreendido como uma
oportunidade para o aprimoramento do trabalho em equipe, que deve incluir outros
profissionais da saúde.
O trabalho em equipe e sua composição na APS
A multiprofissionalidade e a interdisciplinaridade foram reconhecidas pelos sujeitos da
pesquisa como possibilidades para a aproximação de conhecimentos na construção de projetos
terapêuticos, para a troca de informações e para a busca de objetivos comuns dentro da
equipe. Estes atributos são imprescindíveis e a compreensão de como os sujeitos os percebem
foi importante para abordarmos a temática da composição da equipe da APS.
Em geral, aqueles sujeitos que fazem parte do nível central incorporam o discurso de
que a equipe da APS, especificamente a ESF, deve ser mínima, composta apenas pelos
profissionais que atualmente a constituem. Já os profissionais da ESF reivindicaram a
ampliação da ESF, apesar de ora defenderem a ampliação da equipe mínima, ora solicitarem a
presença de outros profissionais numa equipe de suporte, de apoio.
Um dos depoimentos se referiu a uma “solução” para a contra-referência ao
reconhecer que a incorporação de outros profissionais à APS garante o retorno do usuário
para a ESF após um atendimento, garantindo a abordagem multiprofissional e interdisciplinar
da atenção. A utilização de um serviço matricial por um usuário não faz com que ele deixe de
207
ser paciente da ESF, pois, em vez de encaminhamentos, há projetos terapêuticos executados
pela ESF e por um amplo conjunto de trabalhadores. De qualquer forma, a responsabilidade
principal pelo cuidado permanece sendo da ESF.
Belo Horizonte apresenta propostas de equipes matriciais e multiprofissionais que,
mais uma vez, diferenciam seu modelo de atenção do de experiências de outros municípios.
As equipes de Saúde Bucal e de Saúde Mental são exemplos, porém destacamos a formação
dos Núcleos de Apoio em Reabilitação (NAR). Encontramos pouca bibliografia que abordava
o assunto – discutido apenas em documentos da SMSA. Contudo, face às entrevistas,
concluímos que os NAR representam uma importante experiência de como são essenciais os
profissionais de saúde que não compõem a ESF.
Contrapusemos os NAR e os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família (Cf.
BRASIL, 2005c), considerando-os lugar para incorporação de profissionais estratégicos de
modo a aumentar a eficácia da APS. Os profissionais contemplados nos núcleos dariam apoio
e suporte às ESF, complementando a atuação destas com apoio matricial.
O debate que travamos não é corporativo, haja vista que este empobrece a equipe ao se
querer a presença de todos os profissionais de saúde nela e, ao fazê-lo, acaba-se tomando
como argumento a fragmentação do trabalho. Todavia, é fundamental a inserção destes
profissionais na APS como um todo para desenvolvimento e aprimoramento dos aspectos de
promoção, prevenção, recuperação, reabilitação e vigilância à saúde e para melhoria contínua
da qualidade.
Em relação à porta de entrada, compreendemos esta como uma característica da APS
enquanto nível de atenção e não um atributo profissional ou individual. Foi apontado que
profissionais que não compõem a ESF não são para o primeiro contato. Ora, a instituição do
Acolhimento na UBS já cumpre essa função; não defendemos que os usuários recorram, no
CS, diretamente a profissionais que não fazem parte da ESF, como não defendemos que
busquem, em um primeiro momento, os profissionais médicos. Pensamos que o Acolhimento
deve ser capaz de não só encaminhar os usuários para consultas e grupos operativos ou outras
atividades no âmbito do CS, como já se faz, mas também encaminhar para as ações destes
profissionais não pertencentes à ESF, que devem ser ofertadas à população.
As equipes matriciais e de supervisão aparecem no estudo como modelagens a serem
consideradas para a organização do trabalho em equipe e para aprimorar o suporte às equipes
e suas demandas de referenciamento de pacientes. No apoio matricial, a retaguarda de
especialistas em algumas áreas específicas e prioritárias é articulada estabelecendo-se como
208
referência para as ESF e caminhando no sentido da elaboração conjunta dos projetos
terapêuticos.
A vinculação “formalizada” dos usuários deve continuar sendo feita com a ESF de sua
referência. Já a criação de vínculo, como atributo do processo de trabalho em saúde, deve ser
preconizada para todos os profissionais, incluindo-se os das equipes matriciais, como os
profissionais de apoio, o NAR, a ESM e a ESB.
Visita domiciliar
A VD é uma das práticas extra-muros de saúde coletiva realizada pelas ESF, em
especial pelos ACS, mas deve ser estruturada e realizada sob a perspectiva multiprofissional e
interdisciplinar. Consideramos a importância da incorporação desta prática por profissionais
médicos e enfermeiros para superação da divisão social e técnica do trabalho, além de
possibilitar as observações destes profissionais como qualificadoras do trabalho da equipe.
Entretanto, a incorporação de médicos e enfermeiros não pode significar que a VD seja
instrumento para um modelo procedimento-centrado.
Apostamos que a VD possibilita a melhoria da qualidade do trabalho em saúde,
principalmente quando utilizada também por outros profissionais, como chega a ocorrer no
município através da atuação das ESB e das ESM: esses profissionais fazem parte da equipe e
criam vínculos com a população, o que é fundamental para sua ação de saúde.
Processo de trabalho e relações de rede
A idéia de conjunto do sistema de saúde em Belo Horizonte também se constitui um
desafio. É necessário garantir a articulação da rede de serviços e o acesso aos demais níveis de
atenção e aos serviços de apoio diagnóstico e terapêutico, sem prescindir de uma melhor
compreensão do significado das linhas do cuidado e da opção por elas como instrumento de
gestão.
Como “linhas da vida”, as linhas do cuidado se configuram como expressão dos
princípios da longitudinalidade e da coordenação na APS, haja vista buscam garantir o
caminhar do usuário pelos diferentes níveis de atenção do sistema, garantindo o acesso seguro
às tecnologias necessárias à assistência. Neste contexto, abordamos o tema da referência e
contra-referência sob dois focos: o processo de trabalho e a “macrorrelação” entre as unidades
do sistema de saúde ou “relação de rede”. Tanto o nível primário quanto os demais níveis de
atenção se apresentaram como entraves à melhoria desta relação, segundo os entrevistados.
Profissionais da atenção reivindicaram a integração entre os níveis, ao mesmo tempo em que
209
membros do nível central apontaram para atividades conjuntas como uma alternativa para
resolução deste problema.
Modelo assistencial e a relação com o processo de trabalho em saúde
Embora a Saúde da Família pareça permanecer atuando dentro de um modelo “antigo”
de atendimento, (BELO HORIZONTE, 2006, p. 47) observamos que vêm sendo preconizadas
ações de promoção da saúde, prevenção de doenças e vigilância à saúde, diversificando as
ações estritamente terapêuticas. Entretanto, a reorganização para atenção à demanda dos
usuários dificultou uma melhor organização de ações programadas e de vigilância. Por isso, as
equipes parecem se ressentir de não “fazerem PSF”, por não “fazerem prevenção e
promoção”, como se manifestou nas entrevistas.
A APS não é restrita à promoção da saúde, sendo este apenas um conjunto de ações
que a APS, pelo PSF, pode e deve assumir em seu cotidiano, mas não o único. A dicotomia
entre ações curativas e ações de promoção e prevenção ainda precisa ser mais bem ventilada
no interior das equipes. Ademais, é necessário compreender que a promoção da saúde vai
além dos serviços de saúde, devendo ser ampliada para ações intersetoriais.
Captamos também a percepção dos sujeitos sobre a relação entre o processo de
trabalho em saúde e o modelo assistencial e concluímos que um é determinante e é
determinado pelo outro. Os rumos que tomam os modelos de atenção estão sujeitos a
processos de trabalho que os sirvam, portanto os orientam conforme o objeto almejado. De
outro lado, o modo de organização dos processos de trabalho produz uma dada forma de fazer
saúde que caracteriza um modo de produção de saúde.
Em Belo Horizonte, se há o desejo de um modelo produtor de cuidado e de vínculo
entre o usuário e a equipe, são necessárias a persistência do Acolhimento como dispositivo
para a mudança do processo de trabalho e, principalmente, a ampliação e consolidação do
trabalho em equipe multiprofissional.
Outros achados e considerações finais
Identificamos que o Acolhimento imprimiu à APS em Belo Horizonte a Abordagem
de Saúde e de Direitos Humanos, pois significou a possibilidade de resgatar princípios e, no
cotidiano dos serviços, responder concretamente com a ampliação do acesso e humanização
das relações, servindo como instrumento de organização social.
A gestão semiplena assumida em 1994 pode ter contribuído para uma idealização
própria do modelo assistencial, com iniciativas, programas e estratégias próprias e com
210
manutenção da autonomia do município frente à forte indução e disseminação de políticas
pelo MS/ governo federal, especialmente na década de 1990. No entanto, a intervenção de
saúde através do BH Vida: Saúde Integral revelou um período de transição do modelo
assistencial, levando a alterações no funcionamento dos CS e no processo de trabalho dos
diversos profissionais, enfocando o trabalho em equipe e com referência na família.
Outra consideração a ser feita é a de que a inserção de profissionais na APS que não
apenas os preconizados para a equipe mínima mostrou-se relevante para a atenção
multiprofissional ao conjunto de necessidades que a população apresenta.
Apesar de o BH Vida: Saúde Integral se encontrar em fase de consolidação, avaliamos
que continua prevalecendo a Abordagem de Saúde e de Direitos Humanos enquanto filosofia
que permeia os setores social e de saúde, enfatizando a necessidade de abordar os
determinantes sociais e políticos da saúde.
O presente trabalho não tem a intenção de ser prescritivo, mas de fornecer subsídios
para o debate que vem sendo feito desde a formulação e implantação do PSF no Brasil às
custas de muito incentivo financeiro e de muita indução do que é um modelo ideal para a
Atenção Primária à Saúde. Não pretendemos formular política para a APS, em especial no
que tange à organização do trabalho em saúde neste nível de atenção, mas destacar questões
que devem ser consideradas, em especial num contexto em que a APS vem sendo cada vez
mais compreendida e valorizada como estruturante do modelo assistencial à saúde. Conforme
manifestamos, em tempos de expansão e consolidação da Saúde da Família em grandes
centros, o reconhecimento de experiências que vêm alcançando êxito em regiões
metropolitanas é essencial.
Acreditamos que o BH Vida: Saúde Integral apresenta inúmeros limites e
contradições, porém reconhecemos nele uma tentativa – bem sucedida – de ampliação do
acesso para a atenção integral à saúde. Isto significa que o modelo da capital mineira traz
elementos que devem ser considerados ao se buscar a difusão da Estratégia de Saúde da
Família pelo país.
Contudo, é importante considerar que a mudança é sempre necessária, seja para a
inversão de um dado modo de agir, de processar o trabalho ou de organizar o trabalho.
Ordóñez Carceller (2005) analisando o sistema de saúde cubano, argumentou que as
mudanças são essenciais, por isso lá ocorrem desde 1959, quando foi implementado o modelo
de medicina de família. As mudanças a que se refere estão relacionadas ao modo de organizar
o trabalho em cada momento, na forma como realizam as atividades e na organização do
trabalho em equipe.
211
Nesse sentido, os debates acerca da incorporação de novos profissionais para atuarem
na APS devem ser feitos recusando-se a defesa corporativista, mas lutando pela melhoria da
qualidade da atenção prestada aos usuários, pela garantia de prestação de cuidado em uma
linha que permita ao usuário caminhar na rede de serviços de saúde e, principalmente, andar
na vida, respaldado por um projeto terapêutico interdisciplinar, de modo que a integralidade
da atenção, como fruto do trabalho, lhe seja garantida. A lógica da APS deve ser um dos
princípios e diretrizes para a escolha e conformação do modelo assistencial, e não o inverso,
quando se opta primeiramente por determinados profissionais e formas de organização do
trabalho e, depois, busca-se as características e orientações que lhe sirva de justificativa.
Para superação das dificuldades que a conformação do trabalho em equipe enfrenta,
precisamos de mudanças em alguns eixos, entre eles: conhecer o trabalho do outro,
reconhecer a dinamicidade das equipes e pensar além das fronteiras, não estando amarrados
ao que “sabemos”, ao “nosso domínio”, ao que “nos dá poder”, bem como pensar a equipe
como ferramenta para a integralidade. Multiprofissionalidade e interdisciplinaridade são os
desafios para que tenhamos modelos assistenciais realmente pautados nas necessidades dos
usuários.
Este é um objetivo audacioso e difícil de ser solucionado, pois implica na abertura e
articulação de campos disciplinares e de campos de responsabilidade muito distintos entre si.
(CAMPOS, 1999, p. 399) Além disso, as relações de poder estabelecidas nas divisões de
classe também se reproduzem na divisão social e técnica do trabalho, bem como as relações
políticas e ideológicas, (MATUMOTO, 2005, p. 21) devendo ser suplantadas. Como adverte
Paim (1999a), no âmbito do SUS, o modelo médico privatista poderá ser mantido à medida
que se institucionalizem práticas e políticas sociais reprodutoras de interesses econômicos e
políticos de grupos profissionais, empresas, corporações e elites políticas, distantes das
necessidades e dos interesses de grande parcela da população.
Estamos, enfim, diante de uma situação em que, mais do nunca, se faz necessário
resistir e lutar pela transformação da sociedade, de modo a superar os entraves que
caracterizam a atual ordem social, caminhando em direção a uma forma social em que os
indivíduos e coletividades se organizem na busca pela superação da atual divisão e
desumanização do homem e divisão do trabalho. Sem dúvida, isto produzirá a inversão do
modo de produção da saúde.
Por fim, talvez não tenhamos finalizado as questões nem refletido por completo sobre
todas as inquietações que nos motivaram a iniciar esta investigação. Apesar dos percalços,
especialmente no que tange a dificuldade de acessar profissionais de saúde para participarem
212
como sujeitos desta pesquisa, encerramo-la com a sensação de “dever cumprido”, de termos
respondido pelo menos à grande parte daquelas pistas que haviam ficado por serem
investigadas.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Maria Rachel Jasmim de. O profissional nutricionista e a reorientação do modelo tecnoassistencial em Niterói a partir do Programa Médico de Família: um estudo de caso. 2005. 68f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Nutrição) – Faculdade de Nutrição, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2005.
AMÂNCIO FILHO, Antenor; MOREIRA, M. Cecília G. B. Introdução. In: AMÂNCIO FILHO, Antenor; MOREIRA, M. Cecília G. B. (Orgs.). Saúde, trabalho e formação profissional. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. 138p. p. 19-27.
ANS (AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR) (Brasil). Manual técnico de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças na saúde suplementar. Rio de Janeiro: ANS, 2006. 65p.
ARAÚJO, Marize Barros de Souza; ROCHA, Paulo de Medeiros. Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 2, p. 455-464. 2007.
BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria. O direito à saúde no Brasil: sobre como chegamos ao Sistema Único de Saúde e o que esperamos dele. In: ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO (Org.). Textos de apoio em políticas de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. p. 11-41.
BARBOZA, Tatiane Aparecida Venâncio; FRACOLLI, Lislaine Aparecida. A utilização do “fluxograma analisador” para a organização da assistência à saúde no Programa Saúde da Família. Cadernos de Saúde Pública, v. 21, n. 4, p. 1036-1044. 2005.
BECKER, Howard. S. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Hucitec, 1994. 178p.
BELO HORIZONTE, Secretaria Municipal de Saúde. BH-VIDA: Saúde Integral. Diretrizes para o avanço e articulação do processo assistencial na SMSA para o período 2003-2004. Belo Horizonte: 2003a. Disponível em http://portal1.pbh.gov.br/pbh/srvConteudoArq/bhvidasaudeintegral.pdf?id_conteudo=4523&id_nivel1=-1. Acesso em 27 dez. 2006.
______, Secretaria Municipal de Saúde. Organização da atenção básica na rede municipal de saúde de Belo Horizonte. A atenção básica de saúde em Belo Horizonte: Recomendações para a organização local. Belo Horizonte, maio de 2006. (Mimeo.)
______, Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Saúde de Belo Horizonte: 2005-2008. Belo Horizonte: 2005. Disponível em
214
http://portal2.pbh.gov.br/pbh/srvConteudoArq/PMS_BH_2005_2008.pdf?id_conteudo=12107&id_nivel1=-1. Acesso em 27 dez. 2006.
BELO HORIZONTE, Secretaria Municipal de Saúde. Recomendações para a organização da atenção básica na rede municipal de saúde. Belo Horizonte, 2003b. Disponível em http://portal1.pbh.gov.br/pbh/srvConteudoArq/recomendacoes_org_at_basica.pdf?id_conteudo=4524&id_nivel1=-1. Acesso em 27 dez. 2006.
______. Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2003. Belo Horizonte, 2003c. Disponível em http://portal.pbh.gov.br/pbh/index.html?id_conteudo=3808&id_nivel1=-1. Acesso em 28 dez. 2006.
______. Mapas e Gráficos. In: ______. Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2000. Belo Horizonte, 2000. Disponível em http://portal.pbh.gov.br/pbh/index.html?id_conteudo=611&id_nivel1=-1. Acesso em 14 jan. 2007.
______. Programa BH Vida. s.d.. Disponível em http://www.pbh.gov.br/smsa/montapagina.php?pagina=bhvida/index.php. Acesso em 07 jan. 2007.
BOSI, Maria Lúcia Magalhães. Trabalho e subjetividade: cargas e sofrimento na prática da Nutrição Social. Revista de Nutrição, v. 13, n. 2, p. 107-115, 2000.
BRASIL, Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Para entender a gestão do SUS. Brasília: CONASS, 2003a. 248p.
______, Ministério da Saúde, Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas, Departamento Nacional de Auditoria do SUS. Curso básico de regulação, controle, avaliação e auditoria do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006a. 256p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos)
______, Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde: manual básico. 3. ed. rev. e ampl., 1ª reimp. Brasília: Ministério da Saúde, 2003b. 66p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos)
______, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Belo Horizonte. Revista Brasileira Saúde da Família, Brasília, p. 6-19. 2005a.
______, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Avaliação para melhoria da qualidade da Estratégia Saúde da Família (Documento Técnico). Brasília: Ministério da Saúde, 2005b. (Série B. Textos Básicos de Saúde)
215
BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2006b. 60p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Série Pactos pela Saúde 2006, v. 4)
______, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Coordenação de Acompanhamento e Avaliação da Atenção Básica. Documento Final da Comissão de Avaliação da Atenção Básica. 2003c. Disponível em http://dtr2004.saude.gov.br/dab/caadab/documentos/documento_revisado_em_22_de_out.pdf. Acesso em 28 abr. 2006.
______, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Atenção Básica. Saúde Bucal. Saúde da Família. s.d.. Disponível em http://dtr2004.saude.gov.br/dab/saudebucal/saude_familia.php. Acesso em 15 abr. 2007.
______, Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, Departamento de Atenção Básica. II Seminário Internacional de Experiências em Atenção Básica e Saúde da Família, 27 a 29 de novembro, 2001: resumo executivo. Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 64p. (Série D. Reuniões e Conferências)
______, Ministério da Saúde, Secretaria Executiva. Programa Saúde da Família. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 36p.
______, Ministério da Saúde. Portaria nº 1.065 de 2005. Cria os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família. Brasília, DF, 2005c.
______, Ministério da Saúde. Portaria nº 2.203 de 1996. Dispõe sobre a Norma Operacional Básica do SUS 01/96. Brasília, DF, 1996.
______, Ministério da Saúde; BANCO MUNDIAL. Seminário A Separação do Financiamento e da Provisão de Serviços no Sistema Único de Saúde: Rio de Janeiro, 13 e 14 de abril de 1999. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 216p. (Série D. Reuniões e Conferências)
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. A reforma do estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Lua Nova - Revista de Cultura Política, n. 45, p. 49-95. 1998.
BRUYNE, Paul de; HERMAN, Jacques; SCHOUTHEETE, Marc de. Dinâmica da Pesquisa em Ciências Sociais. Tradução de Ruth Joffily, prefácio de Jean Ladrière. 5. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991. 251p.
BUENO, Wanderlei Silva; MERHY, Emerson Elias. Os equívocos da NOB 96: uma proposta em sintonia com os projetos neoliberalizantes? Conferência Nacional de Saúde On-line. Na seqüência da 10ª Conferência Nacional de Saúde. Tema: Norma Operacional Básica 01/96.
216
1997. Disponível em http://www.datasus.gov.br/cns/temas/NOB96/NOB96crit.htm. Acesso em 19 out. 2005.
CAMPOS, Carlos Eduardo Aguilera. Estratégias de avaliação e melhoria contínua da qualidade no contexto da Atenção Primária à Saúde. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 5, suplemento 1, p. S63-S69. 2005a.
______. Os princípios da Medicina de Família e Comunidade. Revista de APS, v. 8, n. 2, p. 181-190. 2005b.
______. Vigilância da Saúde no Espaço de Práticas do PSF. (texto didático) (s.d.) Disponível em http://www.apmfc.org.br/VigilEpidPSF.htm. Acesso em 12 abr. 2007.
CAMPOS, Carlos Eduardo Aguilera; BAHIA, Ligia. A história das políticas de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Cadernos Didáticos UFRJ, 1993. p. 3-14.
CAMPOS, Cezar Rodrigues. A produção da cidadania – Construindo o SUS em Belo Horizonte. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 11-30.
CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 4, n. 2, p. 393-403. 1999.
______. Política de Saúde no Brasil: cenários para os próximos anos da década. 2005a. In: III CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS EM SAÚDE, 2005b. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. Palestra proferida em 12 jul. 2005.
______. Reforma da Reforma: Repensando a Saúde. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. 220p.
______. Saúde Paidéia. 2 ed. São Paulo: Hucitec, 2005b. 185p.
CANESQUI, Ana Maria; OLIVEIRA, Ana Maria Franklin de. Saúde da Família: modelos internacionais e estratégia brasileira. In: NEGRI, Barjas; VIANA, Ana Luiza d’Ávila (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em dez anos de desafio. São Paulo: Sobravime; Cealag, 2002. 632p. p. 241-269.
CARVALHO, Sérgio Resende; CAMPOS, Gastão Wagner de Souza. Modelos de atenção à saúde: a organização de Equipes de Referência na rede básica da Secretaria Municipal de Saúde de Betim, Minas Gerais. Cadernos de Saúde Pública, v. 16, n. 2, p. 507-515. 2000.
217
CECÍLIO, Luiz Carlos de Oliveira. Modelos tecno-assistenciais em saúde: da pirâmide ao círculo, uma possibilidade a ser explorada. Cadernos de Saúde Pública, v. 13, n. 3, p. 469-478. 1997.
CECÍLIO, Luiz Carlos de Oliveira; MERHY, Emerson Elias. A integralidade do cuidado como eixo da gestão hospitalar. In: PINHEIRO, Roseni; MATTOS, Ruben Araujo de (Orgs.). Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS / ABRASCO, 2003. 228p. p. 197-210.
CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memória e de identidade. In: FRIGOTTO, Galdêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. p. 83-105.
COHN, Amélia. A Saúde na Previdência Social e na Seguridade Social. In: COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo. Saúde no Brasil: políticas e organização de serviços. 6. ed. São Paulo: Cortez: CEDEC, 2005. parte I, p. 13-57.
CONFERÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE CUIDADOS PRIMÁRIOS DE SAÚDE. Alma-Ata, 1978. Declaração de Alma-Ata. Alma-Ata, URSS, 6 a 12 de setembro de 1978. Disponível em http://www.opas.org.br/coletiva/uploadArq/Alma-Ata.pdf. Acesso em 12 out. 2006.
CORBO, Anamaria D’Andrea; MOROSINI, Márcia Valéria G. C. Saúde da Família: história recente da reorganização da atenção à saúde. In: ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO (Org.). Textos de apoio em políticas de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. p. 157-181.
CORDEIRO, Hésio. Debate. In: AMÂNCIO FILHO, Antenor (Org.) Saúde, trabalho e formação profissional. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. 138p. p. 49-61.
COSTA, Mônica Aparecida; FORTES, Ninon de Miranda; MARQUES, Zeila de Fátima A. Gestão e Modelo Assistencial – elementos para transformação – o caso Barreiro. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 143-159.
COTTA, Rosângela Minardi Mitre; SCHOTT, Márcia; AZEREDO; Catarina Machado; FRANCESCHINI, Sylvia do Carmo Castro; PRIORE, Sílvia Eloísa; DIAS, Glauce. Organização do trabalho e perfil dos profissionais do Programa Saúde da Família: um desafio na restruturação da atenção básica em saúde. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 15, n. 3, p. 07-18. 2006.
CUETO, Marcos. The origins of primary health care and selective primary health care. American Journal of Public Health, v. 94, n. 11, p. 1864-1874. 2004.
218
CUNHA, João Paulo Pinto da; MACHADO, José Ângelo; BRANT, Maria José Grillo Caldeira. Niterói: Relato de experiência. Revista Saúde em Debate, n. 3, p. 25-29. 1994.
DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu. A pesquisa qualitativa nos serviços de saúde: Notas teóricas. In: BOSI, Maria Lúcia Magalhães; MERCADO-MARTÍNEZ, Francisco Javier (Orgs.) Pesquisa qualitativa de serviços de saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. 607p. p. 99-120.
ELIAS, Paulo Eduardo. Estrutura e organização da atenção à saúde no Brasil. In: COHN, Amélia; ELIAS, Paulo Eduardo. Saúde no Brasil: políticas e organização de serviços. 6. ed. São Paulo: Cortez: CEDEC, 2005. parte II, p. 59-119.
ESCOREL, Sarah; GIOVANELLA, Ligia; MENDONÇA, Maria Helena Magalhães de; SENNA, Mônica de Castro Maia. O Programa de Saúde da Família e a construção de um novo modelo para a atenção básica no Brasil. Revista Panamericana de Salud Publica/ Pan American Journal of Public Health, v. 21, n. 2, p. 164-176. 2007.
FERREIRA, Arlindo Gonçalves; FALCÃO, Laila de Carvalho; ACCIOLY, Maria Cecília; MEDEIROS, Neuza Soares; CAMPOS, Raquel Álvares da Silva; LANSKY, Sônia; PORTO, Yula Franco. O Projeto Vida no Distrito Sanitário Leste. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 221-242.
FRANCO, Túlio Batista. Fluxograma descritor e projetos terapêuticos para análise de serviços de saúde, em apoio ao planejamento: o caso de Luz (MG). In: MERHY, Emerson Elias; MAGALHÃES Jr., Helvécio Miranda; RIMOLI, Josely; FRANCO, Túlio Batista; BUENO; Wanderley Silva. O Trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. São Paulo: Hucitec, 2003a. 296p. p. 161-198.
FRANCO, Túlio Batista. Processos de trabalho e transição tecnológica na saúde: um olhar a partir do Sistema Cartão Nacional de Saúde. 2003. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2003b.
FRANCO, Túlio Batista; BUENO, Wanderlei Silva; MERHY, Emerson Elias. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 15, n. 2, p. 345-353. 1999.
FRANCO, Túlio Batista; MAGALHÃES Jr., Helvécio Miranda. Integralidade na assistência à saúde: a organização das linhas do cuidado. In: MERHY, Emerson Elias; MAGALHÃES Jr., Helvécio Miranda; RIMOLI, Josely; FRANCO, Túlio Batista; BUENO; Wanderley Silva. O Trabalho em saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano. São Paulo: Hucitec, 2003. 296p. p. 125-133.
219
FRIGOTTO, Galdêncio. Concepções e mudanças no mundo do trabalho e o ensino médio. In: FRIGOTTO, Galdêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. p. 57-82
GIL, Célia Regina Rodrigues. Atenção primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singularidades do contexto brasileiro. Cadernos de Saúde Pública, v. 22, n. 6, p. 1171-1181. 2006.
GIOVANELLA, Ligia. A atenção primária à saúde nos países da União Européia: configurações e reformas organizacionais na década de 1990. Cadernos de Saúde Pública, v. 22, n. 5, p. 951-963. 2006.
GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 67-80.
GOMES, Márcia Constância Pinto Aderne; PINHEIRO Roseni. Acolhimento e vínculo: práticas de integralidade na gestão do cuidado em saúde em grandes centros urbanos. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 9, n. 17, p. 287-301. 2005.
GONÇALVES, Maria de Lourdes; ALMEIDA, Maria Cecília Puntel de; GERA, Suelí Canhoto. A municipalização da vacinação em Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 12, n. 1, p. 79-87. 1996.
HEIMANN, Luiza Sterman; MENDONÇA, Maria Helena. A trajetória da atenção básica em saúde e do Programa de Saúde da Família no SUS: uma busca de identidade. In: LIMA, Nísia Trindade; GERSHMAN, Silvia; EDLER, Flavio Coelho (Orgs.). Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. 504p. p. 481-502.
IBAÑEZ, Nelson; ROCHA, Juan S. Yazle; CASTRO, Paulo Carrara de; RIBEIRO, Manoel Carlos Sampaio de Almeida; FORSTER, Aldaisa Cassanho; NOVAES, Maria H. D.; VIANA, Ana Luiza d’Avila. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, v. 11, n. 3, p. 683-703. 2006.
LEFÈVRE, Fernando; LEFÈVRE, Ana Maria Cavalcanti. Discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Ed. rev. e ampl. Caxias do Sul, RS: EDUCS, 2003. 256p.
LOBOSQUE, Ana Marta; ABOU-YD, Miriam. A cidade e a loucura – entrelaces. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 243-264.
LUZ, Madel T. Políticas de descentralização e cidadania: novas práticas em saúde no Brasil atual. In: PINHEIRO, Roseni; MATTOS, Ruben Araujo de (Orgs.). Os sentidos da
220
integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: UERJ, IMS / ABRASCO, 2001. p. 17-37.
MACEDO, Carlyle Guerra de. Tema central: Extensão das ações de saúde através de serviços básicos. In: VII Conferência Nacional de Saúde. Anais... Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1980.
MACHADO, K. Equipe mínima, dilemas e respostas. RADIS: Comunicação em Saúde, n. 51, p. 8-10. 2006.
MAGALHÃES, Maria de Fátima Lage. Recursos humanos e modelo assistencial – um encontro instigante. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 193-200.
MAGALHÃES Jr., Helvécio Miranda. Estrutura administrativa – um enfoque necessário na consolidação do SUS. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 177-191.
MALTA, Deborah Carvalho. Buscando novas modelagens em saúde: as contribuições do Projeto Vida e do Acolhimento na mudança do processo de trabalho na rede pública de Belo Horizonte, 1993 - 1996. 2001. 423 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2001.
MALTA, Deborah Carvalho; FERREIRA, Leila Maria; REIS, Afonso Teixeira dos; MERHY, Emerson Elias. Acolhimento – uma reconfiguração do processo de trabalho em saúde usuário-centrada. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 121-142.
MALTA, Deborah Carvalho; JORGE, Alzira de Oliveira; FRANCO, Túlio Batista; COSTA, Mônica Aparecida. Modelos assistenciais na saúde suplementar a partir da produção do cuidado. In: BRASIL, Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar. Duas Faces da mesma moeda: microrregulação e modelos assistenciais na saúde suplementar. Rio de Janeiro: Ministério da Saúde, 2005. 270p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). cap. 5, p. 143-160.
MALTA, Deborah Carvalho; MERHY, Emerson Elias. A avaliação do Projeto Vida e do Acolhimento no Sistema Único de Saúde de Belo Horizonte. Revista Mineira de Enfermagem, v. 8, n. 2, p. 259-267. 2004.
221
MALTA, Deborah Carvalho; MERHY, Emerson Elias. A micropolítica do processo de trabalho em saúde – revendo alguns conceitos. Revista Mineira de Enfermagem, v. 7, n. 1, p. 61-66. 2003.
MARQUES, Rosa Maria; MENDES, Áquila. A política de incentivos do Ministério da Saúde para a atenção básica: uma ameaça da autonomia dos gestores municipais e ao princípio da integralidade? Cadernos de Saúde Pública, v. 18, suplemento, p. 163-171. 2002.
______. Atenção Básica e Programa de Saúde da Família (PSF): novos rumos para a política de saúde e seu financiamento? Ciência & Saúde Coletiva, v. 8, n. 2, p. 403-415. 2003.
MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política, livro I, v. I., t. 1. 2 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. (Série Os economistas)
MASCARENHAS, Mônica Tereza Machado. Avaliando a implementação da atenção básica em saúde no município de Niterói, RJ: Estudos de caso em Unidade Básica de Saúde e Módulo do Programa Médico de Família. 2003. 181f. Tese (Doutorado em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 2003.
MATTOS, Ruben Araújo de. A integralidade na prática (ou sobre a prática da integralidade). Cadernos de Saúde Pública, v. 20, n. 5, p. 1411-1416. 2004.
______. As agências internacionais e as políticas de saúde nos anos 90: um panorama geral da oferta de idéias. Ciência & Saúde Coletiva, v. 6, n. 2, p. 377-389. 2001a.
______. Os Sentidos da Integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: PINHEIRO, Roseni; MATTOS, Ruben Araújo de (Orgs.). Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: IMS/UERJ - ABRASCO, 2001b. 180p. p. 39-64.
MATUMOTO, Silvia; FORTUNA, Cinira Magali; MISHIMA, Silvana Martins; PEREIRA, Maria José Bistafa; DOMINGOS, Nélio Augusto Mesquita. Supervisão de equipes no Programa Saúde da Família: reflexões acerca do desafio da produção de cuidados. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 9, n. 16, p. 09-24. 2005.
MELO, Joaquim Alberto Cardoso de. Educação e saúde: dimensões da vida e da existência humana. In: AMÂNCIO FILHO, Antenor; MOREIRA, M. Cecília G. B. (Orgs.). Saúde, trabalho e formação profissional. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. 138p. p. 65-69
MELO, Luciana Quintão Foscolo; SANTOS, Sílvia França; WERNECK, Marcos Azeredo Furquim. Estudo do processo de aplicação de um modelo de atenção em saúde na Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, segundo a linha do cuidado – o caso de dois Centros de Saúde, na visão de seus trabalhadores e dos usuários neles atendidos. Arquivos de Odontologia, Belo Horizonte, v. 40, n. 1, p.73-86. 2004
222
MENDES, Isabel Amélia Costa; MARZIALE, Maria Helena Palucci. Década de recursos humanos em saúde: 2006-2015. Revista Latino-americana de Enfermagem, v. 14, n. 1, p. 1-2. 2006a.
______. Sistemas de saúde em busca de excelência: os recursos humanos em foco. Revista Latino-americana de Enfermagem, v. 14, n. 3, p. 303-304. 2006b.
MENDES-GONÇALVES, Ricardo Bruno. Medicina e historia: raíces sociales del trabajo médico. México/España/Argentina/Colombia: Siglo Veintiuno Editores, 1984. 204p.
MERHY, Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002. 189p.
MERHY, Emerson Elias; CECÍLIO, Luiz Carlos de Oliveira. O singular processo de coordenação dos Hospitais. Saúde em Debate, v. 27, n. 64, p. 110-123. 2005.
MERHY, Emerson Elias; CECÍLIO, Luiz Carlos de Oliveira; NOGUEIRA, Roberto Costa. Por um modelo técnico assistencial da política de saúde em defesa da vida: contribuição para as Conferências de Saúde. Cadernos da 9ª Conferência Nacional de Saúde: Descentralizando e Democratizando o conhecimento. vol. 1. Brasília, 1992.
MERHY, Emerson Elias; FRANCO, Túlio Batista. Programa Saúde da Família: contradições e novos desafios. In: CONGRESSO PAULISTA DE SAÚDE PÚBLICA. Anais... São Paulo: Associação Paulista de Saúde Pública, 2000. p. 145-154. Disponível em http://www.datasus.gov.br/cns/temas/tribuna/PsfTito.htm. Acesso em 19 out. 2005.
MERHY, Emerson Elias; MALTA, Deborah Carvalho; SANTOS, Fausto Pereira dos. Desafios para os gestores do SUS hoje: compreender os modelos de assistência à saúde no âmbito da reforma sanitária brasileira e a potência transformadora da gestão. In: FREESE, Eduardo (Org.). Municípios: a gestão da mudança em saúde. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2004. 338p. p. 45-76.
MERHY, Emerson Elias; ONOCKO, Rosana (Orgs.). Agir em Saúde: um desafio para o público. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. (Saúde em Debate; 108. Série Didática; 6).
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. 269 p.
MOREIRA, Luiz Carlos Hubner. O Programa Médico de Família de Niterói como estratégia de implementação de um modelo de atenção que contemple os princípios e diretrizes do SUS. Niterói, 2001 (Mimeo).
223
NITERÓI, Fundação Municipal de Saúde. Implantação do Médico de Família em Niterói: Relato de experiência. Niterói: Fundação Municipal de Saúde, 1997. 24p.
NOGUEIRA, Roberto Passos. As dimensões do trabalho em saúde. In: AMÂNCIO FILHO, Antenor; MOREIRA, M. Cecília G. B. (Orgs.). Saúde, trabalho e formação profissional. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. 138p. p. 71-76
O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: evolução de sua implantação no Brasil: Relatório Final. Universidade Federal da Bahia, Instituto de Saúde Coletiva, Centro Colaborador – Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas Públicas de Saúde, 2002. Disponível em http://dtr2004.saude.gov.br/dab/caadab/documentos/psf_evolucao_brasil.pdf. Acesso em 19 out. 2005.
OPAS (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE). Recursos Humanos em Saúde no Mercosul. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1995. 147p.
OPAS/OMS (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE). Renovação da Atenção Primária em Saúde nas Américas. Documento de Posicionamento da Organização Pan-Americana da Saúde/ OMS. Washington: PAHO. Agosto de 2005.
ORDÓÑEZ CARCELLER, Cosme. A Medicina Familiar no século XXI: Experiências e desafios. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado de Saúde, Hemorio. Palestra proferida em 23 set. 2005.
PAIM, Jairnilson Silva. A Reforma Sanitária e os Modelos Assistenciais. In: ROUQUAYROL, Maria Zélia; ALMEIDA FILHO, Naomar. Epidemiologia & Saúde. 5. ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1999a. 600p. p. 473-487.
______. Políticas de Descentralização e Atenção Primária à Saúde. In: ROUQUAYROL, Maria Zélia; ALMEIDA FILHO, Naomar. Epidemiologia & Saúde. 5. ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 1999b. 600p. p. 489-503.
______. Vigilância à saúde: tendências de reorientação de modelos assistenciais para a promoção da saúde. In: CZERESNIA, Dina; FREITAS, Carlos Machado de (Orgs.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendência. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. 176p. p. 161-174.
PEDROSA, José Ivo dos Santos; TELES, João Batista Mendes. Consenso e diferenças em equipes do Programa Saúde da Família. Revista de Saúde Pública, v. 35, n. 3, p. 303-311. 2001.
PEDUZZI, Marina. Equipe multiprofissional de saúde: a interface entre trabalho e interação. 1998. 254 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. 1998.
224
PEDUZZI, Marina. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Revista de Saúde Pública, v. 35, n.1, p. 103-109. 2001.
PEREIRA, Isabel Brasil. Políticas de saúde e formação do trabalhador. In: ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO (Org.). Textos de apoio em políticas de saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. p. 117-142.
PEREIRA, Isabel Brasil; LIMA, Júlio César França (Orgs.). Dicionário de Educação Profissional em Saúde. Rio de Janeiro: Editora EPSJV/Fiocruz, 2006.
PIANCASTELLI, Carlos Haroldo. Saúde da Família e formação de profissionais de saúde. In: ARRUDA, Bertoldo Kruse Grande de (Org.). A educação profissional em saúde e a realidade social. Recife: Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP), Ministério da Saúde, 2001. 318p. (Série: Publicações Científicas do Instituto Materno-Infantil de Pernambuco (IMIP), n. 1)
PIRES, Denise. Reestruturação produtiva e trabalho em saúde no Brasil. São Paulo: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social – CUT; Annablume, 1998. 254p.
RADIS: Comunicação em Saúde, n. 49, set. 2006.
RAMOS, Marise. Integralidade na atenção e na formação dos sujeitos: desafio para a educação profissional em saúde. In: PINHEIRO, Roseni; MATTOS, Ruben Araújo de (Orgs.). Construção social da demanda: direito à saúde, trabalho em equipe, participação e espaços públicos. Rio de Janeiro: CEPESC/UERJ: ABRASCO, 2005a. 304p. p. 207-221.
RAMOS, Marise. Possibilidades e desafios na organização do currículo integrado. In: FRIGOTTO, Galdêncio; CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005b. p. 106-127.
REIS, Afonso Teixeira dos. Modelos tecno-assistenciais em Belo Horizonte, de 1897 a 1964: em direção a uma compreensão sobre a produção de serviços de saúde. 2002. 201f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2002.
REIS, Afonso Teixeira dos; CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; MERHY, Emerson Elias. Posfácio. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 381-387.
REUNIÃO REGIONAL DOS OBSERVATÓRIOS DE RECURSOS HUMANOS EM SAÚDE, 7 (2005: Brasília, DF) Chamado à Ação de Toronto: 2006-2015: rumo a uma década
225
de recursos humanos em saúde nas Américas. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 12p. (Série D. Reuniões e Conferências)
REZENDE, Conceição Aparecida Pereira; PEIXOTO, Maria Passos Barcala. Metodologia para análises funcionais da gestão de sistemas e redes de serviços de saúde no Brasil. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde, 2003. (Série Técnica Projeto de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde, 7)
RIBEIRO, Edilza Maria; PIRES, Denise; BLANK, Vera Lúcia G. A teorização sobre o processo de trabalho em saúde como instrumental para análise do trabalho no Programa Saúde da Família. Cadernos de Saúde Pública, v. 20, n. 2, p. 438-446. 2004.
SABROZA, Paulo Chagastelles. Concepções sobre Saúde e Doença. (texto didático) (s.d.) Disponível em www.ead.fiocruz.br/cursos/autogestao/ags/apresentacao/autogestao/contexto/tema1/tema1.html. Acesso em 04 abr. 2005.
SALGADO, Maria Umbelina Caiafa. O novo paradigma da organização do trabalho e a formação profissional na área da saúde. In: AMÂNCIO FILHO, Antenor; MOREIRA, M. Cecília G. B. (Orgs.). Saúde, trabalho e formação profissional. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. 138p. p. 83-91.
SANTANA, José Paranaguá de. O trabalho em equipe. In: ______ (Org.). Colaboração do Ministério da Saúde e do Pólo de Capacitação em Saúde da Família da UFMG: NESCON- Faculdade de Medicina e Escola de Enfermagem. Organização do cuidado a partir de problemas: uma alternativa metodológica para a atuação da Equipe de Saúde da Família. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde/ Representação do Brasil, 2000. 80p. p. 13-15.
SANTOS, Fausto Pereira dos. O novo papel do município na gestão da saúde – o desenvolvimento do Controle e Avaliação. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 31-49.
SAVIANI, Demerval. O choque teórico da politecnia. Trabalho, Educação e Saúde, v. 1, n. 1, p. 131-152. 2003.
______. O Trabalho como princípio educativo frente às novas tecnologias. In: FERRETI, Celso João et al. (Orgs.). Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 147-162.
SENA-CHOMPRÉ, Roseni Rosângela; LEITE, Juliana C. Araújo; MAIA, Carmem C. Araújo; GONZAGA, Roberta Lopes; SANTOS, Flávia Cunha de Oliveira. O Acolhimento como mecanismo de implementação do cuidado de enfermagem. Cogitare Enfermagem, Curitiba, v. 5, n. 2, p. 51-57. 2000.
226
SILVA, Iêda Zilmara de Queiroz Jorge da; TRAD, Leny A. Bomfim. O trabalho em equipe no PSF: investigando a articulação técnica e a interação entre os profissionais. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v. 9, n. 16, p. 25-38. 2005.
SILVA, Joana Azevedo da; DALMASO, Ana Sílvia Whitaker. Agente comunitário de saúde: o ser, o saber, o fazer. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. 240p.
SILVA, Teresa Cristina Santos. A construção das práticas de integralidade no cotidiano de uma equipe de saúde da família. 2006. 149f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2006.
SILVA Jr., Aluisio Gomes da. Modelos assistenciais em Saúde. In: VII Congresso Latinoamericano de Medicina Social. Anais... Buenos Aires, Argentina, 1997.
______. Modelos Tecnoassistenciais em Saúde: O debate no campo da Saúde Coletiva. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2006. 143p. (Saúde em Debate; 111. Série Didática; 7)
SOUZA, José Alberto Hermógenes de. O modelo PIASS, sua programação e sua evolução para o Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde. In: VII Conferência Nacional de Saúde. Anais... Brasília: Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1980.
STARFIELD, Bárbara. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde, 2002. 726p.
TANAKA, Oswaldo Yoshimi; ESCOBAR, Eulália Maria A.; GIMENEZ, Aparecida Silvia M.; CAMARGO, Katia G.; LELLI, Carmen L.S.; YOSHIDA, Tania M. Gerenciamento do setor saúde na década de 80, no Estado de São Paulo, Brasil. Revista de Saúde Pública, v. 26, n. 3, p. 185-194. 1992.
TEIXEIRA, Aloísio. Mercado e imperfeições de mercado: o caso da assistência suplementar. (s.d.) Disponível em http://www.ans.gov.br/portal/upload/forum_saude/forum_bibliografias/abrangenciadaregulacao/AA4.pdf. Acesso em 24 abr. 2006.
TEIXEIRA, Carmen Fontes. Promoção e vigilância da saúde no contexto da regionalização da assistência à saúde no SUS. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, suplemento, p. 153-162. 2002.
TEIXEIRA, Carmen Fontes; SOLLA, Jorge Pereira. Modelo de atenção à saúde no SUS: trajetória do debate conceitual, situação atual, desafios e perspectivas. In: LIMA, Nísia Trindade; GERSHMAN, Silvia; EDLER, Flavio Coelho (Orgs.). Saúde e democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005. 504p. p. 451-479.
TEMPORÃO, José Gomes. Apresentação. In: BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica.
227
Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 60p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos) (Série Pactos pela Saúde 2006, v. 4)
TESTA, Mario. Análisis de instituciones hipercomplejas. In: MERHY, Emerson Elias; ONOCKO, Rosana (Orgs.). Agir em Saúde: um desafio para o público. 2. ed. São Paulo: Hucitec. 2002. (Saúde em Debate; 108. Série Didática; 6). p. 17-70.
VANDERLEI, Maria Iêda Gomes; ALMEIDA, Maria Cecília Puntel de. A concepção e prática dos gestores e gerentes da estratégia de saúde da família. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 2, p. 443-453. 2007.
VECINA NETO, Gonzalo; CUTAIT, Raul; TERRA, Valéria. Notas Explicativas. s.d.. Disponível em http://www.saude.sc.gov.br/gestores/sala_de_leitura/saude_e_cidadania/extras/notas.html. Acesso em 18 jul. 2006.
VELOSO, Bianca Guimarães; MATOS, Sonia Gesteira. A complexa construção do SUS-Belo Horizonte – Os desafios que ele propôs. In: CAMPOS, Cezar Rodrigues; MALTA, Deborah Carvalho; REIS, Afonso Teixeira dos; SANTOS, Alaneir de Fátima; MERHY, Emerson Elias (Orgs.). O Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. 390p. p. 83-102.
VIANA, Ana Luiza D’Ávila; DAL POZ, Mário Roberto (coordenadores). Reforma em Saúde no Brasil: Programa de Saúde da Família; Informe Final. Rio de Janeiro: UERJ, IMS, 1998. 36p. (Série Estudos em Saúde Coletiva; n. 166)
VIEGAS, Mônica; BRITO, Rubens José de Amaral de. A Saúde em Belo Horizonte. s.d.. Disponível em http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/pbh/arquivos/mod10.pdf. Acesso em 22 jan. 2007.
VUORI, Hannu. The role of the schools of public health in the development of primary health care. Health Policy, v. 4, n. 3, p. 221-230. 1985.
WONCA EUROPA (Sociedade Europeia de Clínica Geral / Medicina Familiar). A definição europeia de Medicina Geral e Familiar (Clínica Geral / Medicina Familiar). (Tradução: Dr. Rui Pombal). 2002. Disponível em http://www.woncaeurope.org/Web%20documents/European%20Definition%20of%20family%20medicine/European%20Definition%20in%20Portuguese.pdf. Acesso em 11 abr. 2007.
229
Apêndice 1 – Roteiros de entrevista
ROTEIRO DE ENTREVISTA – I
Membro da Secretaria Municipal de Saúde (SMAS) – Gestão da Assistência 1. IDENTIFICAÇÃO b) Nome completo: c) Idade: d) Formação – graduação: curso / universidade/local / ano – pós-graduação: curso / universidade/local / ano e) Qual tem sido sua atuação profissional desde a sua formação na graduação? E desde que entrou no serviço público? f) Quando começou a atuar na SMAS? De que forma entrou/ começou a atuar nela? (Tipo de vínculo) g) Que atividade você exercia anteriormente à SMAS? h) Qual a sua função atual na SMAS? E no sistema de saúde de BH? 2. MUNICÍPIO a) População do município: b) População da Região Metropolitana de BH: c) População coberta pelo PSF – BH: RMBH: d) Quantas equipes estão implantadas atualmente? e) Como é feito o recrutamento e seleção de profissionais para o PSF? 3. Como está organizada a rede de serviços de saúde em BH? O que pensa a respeito? 4. Como você definiria o Programa “BH Vida: Saúde Integral”? E o PSF – MS (Estratégia de Saúde da Família)? Compare-os. 5. Existe relação formal entre o BH Vida e o PSF – MS? Qual(is)? [PROESF?] O que pensa a respeito? 6. A implementação do PSF em BH foi tardia em comparação com outros municípios no Brasil. Que fatores você acha que influenciaram nesse “tempo” do PSF em BH? 7. Como ocorreu a mudança do modelo na APS em BH? (Sujeitos, instrumental utilizado) O que mudou? O que pensa a respeito desta mudança e da forma como se procedeu? 8. Como se organizava a APS antes da implementação do BH Vida no município? Qual a sua opinião sobre essa organização? 9. Como se organizava o trabalho em saúde na APS antes do BH Vida? Que profissionais atuavam na APS? Qual sua opinião sobre essa organização? 10. Como você descreve o papel do BH Vida no SUS de BH? 11. Como o BH Vida se comporta nos diferentes distritos sanitários? (Tanto em termos de estrutura como de organização do trabalho e processo de trabalho) 12. Qual o papel das demais unidades de saúde nos distritos sanitários? Como se dá a relação entre a APS e os demais níveis de atenção? 13. E como se dá a relação entre os profissionais da APS e os dos demais níveis? [referência e contra-referência] Como você acha que deveria ser esta relação? 14. Qual é a composição da equipe (mínima) da APS? (E do PSF?) 15. A equipe do PSF tem formação específica em APS? Se sim, é prévia ou ocorre no decurso das atividades do programa? Como e onde se processa?
230
16. Houve formação específica para os profissionais que aderiram à mudança, i. e., os profissionais que já faziam parte do SUS de BH e que se incorporaram às equipes do PSF? Se sim, como e onde se processou? 17. Como se organiza o trabalho em equipe na APS? O que pensa a respeito? 18. Que composição de equipe você consideraria ideal para trabalhar na UBS? (E no PSF?) 19. Há outros profissionais (de outras profissões) para o atendimento em equipe no nível da APS? Se sim, quais? [Se não, passar para 23] 20. Que papel estes profissionais desempenham na APS? E qual o papel deles a partir da implementação do PSF/BH Vida? O que pensa a respeito? 21. Qual a relevância da inserção desses profissionais na APS para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 22. Como se dá a relação entre os profissionais da equipe? E entre estes e os profissionais de apoio? (Se houver: Quem são os profissionais de apoio? Resposta na pergunta 19) [E entre eles e as áreas técnicas? (são os mesmos que os profissionais de apoio?)] 23. E como se dá a relação entre os profissionais das equipes e a gerência da UBS? 24. Quando foram instituídas as linhas de cuidado? O que representam as linhas de cuidado para o BH Vida? E para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 25. Descreva as linhas de cuidado, sua(s) forma(s) de gestão, seus princípios, características e incorporação no cotidiano das unidades de saúde/ UBS. 26. Você conhece/ tomou conhecimento da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005, publicada pelo Ministério da Saúde criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família? O que pensa a respeito? [Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para
além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades de
ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde
Mental; e IV – Reabilitação. Porém, a Portaria não está em vigor] 27. Sua publicação trouxe impacto na organização da APS e do trabalho em saúde na APS em BH? 28. Existe APS fora do BH Vida? Se sim, como você considera sua existência em relação ao BH Vida? E ao sistema público de saúde como um todo? 29. Quais profissionais praticam/praticariam a APS mesmo não fazendo parte das equipes do BH Vida? Como se organiza o trabalho na APS neste “outro” modelo? 30. O que você entende por multiprofissionalidade? E interdisciplinaridade? 31. Fale sobre os princípios e diretrizes do SUS e como você avalia a assistência à saúde em BH em relação aos mesmos. 32. Por fim, qual a tendência do modelo assistencial em BH? E quais são os principais avanços e obstáculos neste processo? (Se não falar nada em relação à organização do trabalho, repetir incluindo trabalho na formulação) Qual a sua participação neste processo?
231
ROTEIRO DE ENTREVISTA – II
Coordenador de Área Técnica 1. IDENTIFICAÇÃO a) Nome completo: b) Idade: c) Formação – graduação: curso / universidade/local / ano – pós-graduação: curso / universidade/local / ano d) Qual tem sido sua atuação profissional desde a sua formação na graduação? E desde que entrou no serviço público? e) Quando começou a atuar na “SMAS”? De que forma entrou/ começou a atuar nela? (Tipo de vínculo) f) Que atividade você exercia anteriormente à “SMAS”? g) Qual a sua função atual na “SMAS”? E no sistema de saúde de BH? 2. Você tem conhecimento de como está organizada a rede de serviços de saúde em BH? O que pensa a respeito? 3. Como você definiria o Programa “BH Vida: Saúde Integral”? E o PSF – MS? Compare-os. 4. Você tem conhecimento se existe relação formal entre o BH Vida e o PSF – MS? Qual(is)? [PROESF?] O que pensa a respeito? 5. A implementação do PSF em BH foi tardia em comparação com outros municípios no Brasil. Que fatores você acha que influenciaram nesse “tempo” do PSF em BH? 6. (Você tem conhecimento de) como ocorreu a mudança do modelo na APS em BH? (Sujeitos, instrumental utilizado) O que mudou? O que pensa a respeito desta mudança e da forma como se procedeu? 7. (Você tem conhecimento de) como se organizava a APS antes da implementação do BH Vida no município? Qual a sua opinião sobre essa organização? 8. (Você tem conhecimento de) como se organizava o trabalho em saúde na APS antes do BH Vida? Que profissionais atuavam na APS? Qual sua opinião sobre essa organização? 9. Como você descreve o papel do BH Vida no SUS de BH? 10. Você tem conhecimento de como o BH Vida se comporta nos diferentes distritos sanitários? (Tanto estrutura quanto organização do trabalho e processo de trabalho) Se sim, como ocorre? 11. Você tem conhecimento do papel das demais unidades de saúde nos distritos sanitários? Se sim, como ocorre? 12. Como você acha que deveria ser a relação das unidades de saúde entre si destacando a relação das UBS/ unidades de PSF com as demais unidades da rede? 13. E como se dá a relação entre os profissionais da APS e os dos demais níveis? [referência e contra-referência] Como você acha que deveria ser esta relação? 14. Você tem conhecimento se a equipe do PSF tem formação específica em APS? Se sim, é prévia ou ocorre no decurso das atividades do programa? Como e onde se processa? 15. Você tem conhecimento se houve formação específica para os profissionais que aderiram à mudança, i. e., os profissionais que já faziam parte do SUS de BH e que se incorporaram às equipes do PSF? Se sim, como e onde se processou? 16. Você, particularmente, teve/tem tido formação específica para o PSF? Se sim, como foi? Onde? Quando? 17. Como se organiza o trabalho em equipe na APS? O que pensa a respeito?
232
18. Que composição de equipe você consideraria ideal para trabalhar na UBS? (E no PSF?) 19. Há outros profissionais (de outras profissões) para o atendimento em equipe no nível da APS? Se sim, quais? [Se não, passar para 23] 20. Que papel estes profissionais desempenham na APS? E qual o papel deles a partir da implementação do PSF/BH Vida? O que pensa a respeito? 21. Qual a relevância da inserção desses profissionais na APS para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 22. Como se dá a relação entre os profissionais da equipe? E entre estes e os profissionais de apoio? (Se houver: Quem são os profissionais de apoio? Resposta na pergunta 19) [E entre eles e as áreas ténicas? (são os mesmos que os profissionais de apoio?)] 23. E como se dá a relação entre os profissionais das equipes e a gerência da UBS? 24. Existem atividades de promoção da saúde, prevenção de doenças, vigilância à saúde nas UBS? Quais? Quem as pratica? A quem são direcionadas (indivíduos, grupos)? 25. Você sabe se os usuários seguem um fluxo dentro da unidade para terem sua(s) necessidade(s) de saúde atendida(s) [sem interrupção]? 26. Quando foram instituídas as linhas de cuidado? O que representam as linhas de cuidado para o BH Vida? E para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 27. Descreva as linhas de cuidado, sua(s) forma(s) de gestão, seus princípios, características e incorporação no cotidiano das unidades de saúde/ UBS. 28. Como se dá a relação entre a gerência da UBS e as coordenações das áreas técnicas? O que pensa a respeito? 29. Você conhece/ tomou conhecimento da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005, publicada pelo Ministério da Saúde criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família? O que pensa a respeito? [Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para
além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades de
ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde
Mental; e IV – Reabilitação. Porém, a Portaria não está em vigor] 30. Você tem conhecimento se sua publicação trouxe impacto na organização da APS e do trabalho em saúde na APS em BH? 31. Você tem conhecimento se existe APS fora do BH Vida? Se sim, como você considera sua existência em relação ao BH Vida? E ao sistema público de saúde como um todo? 32. Quais profissionais praticam/praticariam a APS mesmo não fazendo parte das equipes do BH Vida? Como se organiza o trabalho na APS neste “outro” modelo? 33. O que você entende por multiprofissionalidade? E interdisciplinaridade? 34. Fale sobre os princípios e diretrizes do SUS e como você avalia a assistência à saúde em BH em relação aos mesmos. 35. Por fim, qual você acha que é a tendência do modelo assistencial em BH? E quais são os principais avanços e obstáculos neste processo? (Se não falar nada em relação à organização do trabalho, repetir incluindo trabalho na formulação) Qual a sua participação neste processo?
233
ROTEIRO DE ENTREVISTA – III Gerente de Unidade Básica de Saúde 1. IDENTIFICAÇÃO a) Nome completo: b) Idade: c) Formação – graduação: curso / universidade/local / ano – pós-graduação: curso / universidade/local / ano d) Qual tem sido sua atuação profissional desde a sua formação na graduação? E desde que entrou no serviço público? e) Quando começou a atuar na SMAS? De que forma entrou/ começou a atuar nela? (Tipo de vínculo) f) Que atividade você exercia anteriormente à UBS? g) Qual a sua função atual na UBS? E no sistema de saúde de BH? 2. UNIDADE DE SAÚDE a) Nome da UBS: b) Distrito Sanitário: c) Quando foi implantada a UBS? d) Risco: e) População residente na área de abrangência da UBS: f) População adscrita à UBS: g) % de cobertura: h) Quantas equipes estão implantadas atualmente na área de abrangência desta UBS/ atuam nesta UBS? i) Como é feito o recrutamento e seleção de profissionais para o PSF? 3. Você tem conhecimento de como está organizada a rede de serviços de saúde em BH? O que pensa a respeito? 4. Se você trabalhasse no nível central, de que forma organizaria a assistência à saúde em BH? 5. Como você definiria o Programa “BH Vida: Saúde Integral”? E o PSF – MS? Compare-os. 6. Você tem conhecimento se existe relação formal entre o BH Vida e o PSF – MS? Qual(is)? [PROESF?] O que pensa a respeito? 7. A implementação do PSF em BH foi tardia em comparação com outros municípios no Brasil. Que fatores você acha que influenciaram nesse “tempo” do PSF em BH? 8. (Você tem conhecimento de) como ocorreu a mudança do modelo na APS em BH? (Sujeitos, instrumental utilizado) O que mudou? O que pensa a respeito desta mudança e da forma como se procedeu? 9. (Você tem conhecimento de) como se organizava a APS antes da implementação do BH Vida no município? Qual a sua opinião sobre essa organização? 10. (Você tem conhecimento de) como se organizava o trabalho em saúde na APS antes do BH Vida? Que profissionais atuavam na APS? Qual sua opinião sobre essa organização? 11. Como você descreve o papel do BH Vida no SUS de BH? 12. Você tem conhecimento de como o BH Vida se comporta nos diferentes distritos sanitários? (Tanto estrutura quanto organização do trabalho e processo de trabalho) E neste Distrito Sanitário?
234
13. Você tem conhecimento do papel das demais unidades de saúde nos distritos sanitários? E neste Distrito Sanitário? 14. Como você acha que deveria ser a relação das unidades de saúde entre si destacando a relação das UBS/ unidades de PSF com as demais unidades da rede? 15. E como se dá a relação entre os profissionais da APS e os dos demais níveis? [referência e contra-referência] Como você acha que deveria ser esta relação? 16. Você tem conhecimento se a equipe do PSF tem formação específica em APS? Se sim, é prévia ou ocorre no decurso das atividades do programa? Como e onde se processa? 17. Você tem conhecimento se houve formação específica para os profissionais que aderiram à mudança, i. e., os profissionais que já faziam parte do SUS de BH e que se incorporaram às equipes do PSF? Se sim, como e onde se processou? 18. Você, particularmente, teve/tem tido formação específica para o PSF? Se sim, como foi? Onde? Quando? 19. Como se organiza o trabalho em equipe na APS? O que pensa a respeito? 20. Há VD’s? Se sim, quem as realiza? 21. Que composição de equipe você consideraria ideal para trabalhar na UBS? (E no PSF?) 22. Há outros profissionais (outras profissões) para o atendimento em equipe no nível da APS? Se sim, quais? [Se não, passar para 25] 23. Que papel estes profissionais desempenham na APS? E qual o papel deles a partir da implementação do PSF/BH Vida? O que pensa a respeito? 24. Qual a relevância da inserção desses profissionais na APS para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 25. Como se dá a relação entre os profissionais da equipe? E entre estes e os profissionais de apoio? (Quem são os profissionais de apoio? Resposta na pergunta 21) [E entre eles e as áreas técnicas? (são os mesmos que os profissionais de apoio?)] 26. E como se dá a relação entre os profissionais das equipes e a gerência da UBS? 27. Existem atividades de promoção da saúde, prevenção de doenças, vigilância à saúde nesta UBS? Quais? Quem as pratica? A quem são direcionadas (indivíduos, grupos)? 28. Os usuários seguem um fluxo dentro da unidade para terem sua(s) necessidade(s) de saúde atendida(s) [sem interrupção]? 29. Você conhece o conceito de linhas de cuidado? Se sim, na sua opinião, o que representam as linhas de cuidado para o BH Vida? E para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 30. Descreva as linhas de cuidado, sua(s) forma(s) de gestão, seus princípios, características e incorporação no cotidiano das unidades de saúde/ UBS. 31. Como se dá a relação entre a gerência da UBS e as áreas técnicas? O que pensa a respeito? 32. Você conhece/ tomou conhecimento da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005, publicada pelo Ministério da Saúde criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família? O que pensa a respeito? [Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para
além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades de
ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde
Mental; e IV – Reabilitação. Porém, a Portaria não está em vigor] 33. Você tem conhecimento se sua publicação trouxe impacto na organização da APS e do trabalho em saúde na APS em BH? 34. Você tem conhecimento se existe APS fora do BH Vida? Se sim, como você considera sua existência em relação ao BH Vida? E a esta unidade em que você atua? E ao sistema público de saúde como um todo? 35. Quais profissionais praticam/praticariam a APS mesmo não fazendo parte das equipes do BH Vida? Como se organiza o trabalho na APS neste “outro” modelo?
235
36. O que você entende por multiprofissionalidade? E interdisciplinaridade? 37. Fale sobre os princípios e diretrizes do SUS e como você avalia a assistência à saúde em BH em relação aos mesmos. 38. Por fim, qual você acha que é a tendência do modelo assistencial em BH? E quais são os principais avanços e obstáculos neste processo? (Se não falar nada em relação à organização do trabalho, repetir incluindo trabalho na formulação) Qual a sua participação neste processo?
236
ROTEIRO DE ENTREVISTA – IV
Profissional de Equipe de Saúde (APS/PSF) 1. IDENTIFICAÇÃO a) Nome completo: b) Idade: c) Formação – graduação: curso / universidade/local / ano – pós-graduação: curso / universidade/local / ano d) Qual tem sido sua atuação profissional desde a sua formação na graduação? E desde que entrou no serviço público? e) Quando começou a atuar na SMAS? De que forma entrou/ começou a atuar nela? (Tipo de vínculo) f) Que atividade você exercia anteriormente à SMAS? g) Qual a sua função atual na SMAS? E no sistema de saúde de BH? 2. UNIDADE DE SAÚDE a) Nome da UBS: b) Distrito Sanitário: c) População residente na área de abrangência da UBS: d) População adscrita à UBS: e) População/ nº de famílias no território sob sua responsabilidade: f) Como foi seu recrutamento e seleção para o PSF? 3. Você tem conhecimento de como está organizada a rede de serviços de saúde em BH? O que pensa a respeito? 4. Se você fosse gestor de saúde/ trabalhasse no nível central, de que forma organizaria a assistência à saúde em BH? 5. Como você definiria o Programa “BH Vida: Saúde Integral”? E o PSF – MS? Compare-os. 6. Você tem conhecimento se existe relação formal entre o BH Vida e o PSF – MS? Qual(is)? [PROESF?] O que pensa a respeito? 7. A implementação do PSF em BH foi tardia em comparação com outros municípios no Brasil. Que fatores você acha que influenciaram nesse “tempo” do PSF em BH? 8. (Você tem conhecimento de) como ocorreu a mudança do modelo na APS em BH? (Sujeitos, instrumental utilizado) O que mudou? O que pensa a respeito desta mudança e da forma como se procedeu? 9. (Você tem conhecimento de) como se organizava a APS antes da implementação do BH Vida no município? Qual a sua opinião sobre essa organização? 10. (Você tem conhecimento de) como se organizava o trabalho em saúde na APS antes do BH Vida? Que profissionais atuavam na APS? Qual sua opinião sobre essa organização? 11. Como você descreve o papel do BH Vida no SUS de BH? 12. Você tem conhecimento de como o BH Vida se comporta nos diferentes distritos sanitários? (Tanto estrutura quanto organização do trabalho e processo de trabalho) E neste Distrito Sanitário? 13. Você tem conhecimento do papel das demais unidades de saúde nos distritos sanitários? E neste Distrito Sanitário? 14. Como você acha que deveria ser a relação das unidades de saúde entre si destacando a relação das UBS/ unidades de PSF com as demais unidades da rede?
237
15. E como se dá a relação entre os profissionais da APS e os dos demais níveis? [referência e contra-referência] Como você acha que deveria ser esta relação? 16. A equipe do PSF tem formação específica em APS? Se sim, é prévia ou ocorre no decurso das atividades do programa? Como e onde se processa? 17. Você tem conhecimento se houve formação específica para os profissionais que aderiram à mudança, i. e., os profissionais que já faziam parte do SUS de BH e que se incorporaram às equipes do PSF? Se sim, como e onde se processou? 18. Você, particularmente, teve/tem tido formação específica para o PSF? Se sim, como foi? Onde? Quando? 19. Como se organiza o trabalho em equipe na APS? O que pensa a respeito? E na sua equipe, como se organiza o trabalho? 20. VD? 21. Que composição de equipe você consideraria ideal para trabalhar na UBS? (E no PSF?) 22. Há outros profissionais (outras profissões) para o atendimento em equipe no nível da APS? Se sim, quais? [Se não, passar para 25] 23. Que papel estes profissionais desempenham na APS? E qual o papel deles a partir da implementação do PSF/BH Vida? O que pensa a respeito? 24. Qual a relevância da inserção desses profissionais na APS para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 25. Como se dá a relação entre os profissionais da equipe? E entre a equipe e os profissionais de apoio? (Se houver: Quem são os profissionais de apoio? Resposta na pergunta 21) [E entre a equipe e as áreas técnicas? (são os mesmos que os profissionais de apoio?)] 26. E como se dá a relação entre os profissionais das equipes e a gerência da UBS? 27. Você desenvolve atividades de promoção da saúde, prevenção de doenças, vigilância à saúde nesta UBS? Quais? Quem mais as pratica? A quem são direcionadas (indivíduos, grupos)? 28. Os usuários seguem um fluxo dentro da unidade para terem sua(s) necessidade(s) de saúde atendida(s) [sem interrupção]? 39. Você conhece o conceito de linhas de cuidado? Se sim, na sua opinião, o que representam as linhas de cuidado para o BH Vida? E para o sistema público de saúde de BH (como um todo)? 29. Descreva as linhas de cuidado, sua(s) forma(s) de gestão, seus princípios, características e incorporação no cotidiano das unidades de saúde/ UBS. 30. Você tem conhecimento de como se dá a relação entre a gerência da UBS e as coordenações das áreas técnicas? O que pensa a respeito? 31. Você sente necessidade de complementaridade à sua ação de saúde? Com que freqüência? Em que situações? E quais são elas? 32. Qual é o corpo de conhecimentos que você mais utiliza em sua ação de saúde? (junto à equipe, à gerência de UBS, às coordenações das áreas técnicas e às famílias) 33. Você conhece/ tomou conhecimento da Portaria nº 1.065 de 4 de julho de 2005, publicada pelo Ministério da Saúde criando os Núcleos de Atenção Integral na Saúde da Família? O que pensa a respeito? [Os núcleos seriam constituídos por profissionais de diferentes áreas do conhecimento, para
além daqueles já contemplados na equipe mínima, constituídos por quatro modalidades de
ação em saúde: I - alimentação/nutrição e atividade física; II - atividade física; III - Saúde
Mental; e IV – Reabilitação. Porém, a Portaria não está em vigor] 34. Você tem conhecimento se sua publicação trouxe impacto na organização da APS e do trabalho em saúde na APS em BH?
238
35. Você tem conhecimento se existe APS fora do BH Vida? Se sim, como você considera sua existência em relação ao BH Vida? E a esta unidade em que você atua? E ao sistema público de saúde como um todo? 36. Quais profissionais praticam/praticariam a APS mesmo não fazendo parte das equipes do BH Vida? Como se organiza o trabalho na APS neste “outro” modelo? 37. O que você entende por multiprofissionalidade? E interdisciplinaridade? 38. Fale sobre os princípios e diretrizes do SUS e como você avalia a assistência à saúde em BH em relação aos mesmos. 39. Por fim, qual você acha que é a tendência do modelo assistencial em BH? E quais são os principais avanços e obstáculos neste processo? (Se não falar nada em relação à organização do trabalho, repetir incluindo trabalho na formulação) Qual a sua participação neste processo?
239
Apêndice 2 – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Prezado(a) senhor(a), O(A) senhor(a) foi selecionado(a) para participar da pesquisa cujo título provisório é “Modos de Organização do Trabalho na Atenção Primária à Saúde no Brasil: a experiência de Belo Horizonte”, sob responsabilidade dos pesquisadores MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR (mestranda) e Prof. Dr. CARLOS EDUARDO AGUILERA CAMPOS (orientador) como parte integrante da Dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva – Área de Concentração: Políticas e Planejamento em Saúde, do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ). A pesquisa tem como objetivos contribuir para a reflexão sobre a reorientação dos modelos assistenciais a partir da reorganização da Atenção Primária à Saúde (APS) ocorrida recentemente no Brasil, com expansão da Estratégia de Saúde da Família, abordando aspectos do processo de trabalho em saúde, trazendo a questão da multi e interdisciplinaridade como demanda para a APS hoje e enfocando o debate no trabalho em equipe na APS. Os objetivos específicos são conhecer a percepção de sujeitos institucionais de Belo Horizonte, particularmente aqueles que fazem parte da gestão do sistema de saúde e/ou da atenção à saúde no nível da APS sobre: a) a organização da APS existente anteriormente à implementação do BH Vida: Saúde Integral no município; b) a composição das equipes de APS, bem como sobre a inserção e os papéis dos diferentes profissionais neste nível de atenção a partir da implementação de programas como o PSF; c) o processo de trabalho dos profissionais de saúde da equipe, enfocando a percepção sobre a micropolítica do trabalho na APS, e a relação entre o processo de trabalho em saúde e o modelo assistencial, antes e após a implementação do BH Vida: Saúde Integral; d) o processo de reorientação do modelo assistencial em saúde no município, a participação dos sujeitos e o instrumental utilizado para a mudança; e) a constituição e/ou incorporação do conjunto de sujeitos da mudança no novo modelo; e f) a extinção, manutenção e/ou incorporação de estruturas de organização do trabalho na APS anteriores ao BH Vida: Saúde Integral. Trata-se de estudo de caso no município de Belo Horizonte, MG, utilizando-se da análise de documentos referentes ao modelo de assistência à saúde neste município e entrevistas semi-estruturadas a sujeitos institucionais envolvidos com a gestão e atenção no programa “BH Vida: Saúde Integral”. Sua participação consistirá em responder às perguntas formuladas pelos pesquisadores. Esclarecemos que um será utilizado um Roteiro de Entrevista como base para nossa “conversa”, que será gravada para garantir a fidedignidade dos dados. Isto nos auxiliará na análise do material, uma vez que a conversa tem a função de aprofundar nossa compreensão sobre a organização do trabalho em saúde na Atenção Primária em Belo Horizonte de modo a auxiliar na discussão sobre o processo de trabalho e a reorientação do modelo assistencial em saúde. Para podermos gravar a conversa, precisamos de seu consentimento, sendo este um procedimento dentro dos padrões de ética em pesquisa. O nosso compromisso em relação ao uso das gravações e do material escrito produzido neste encontro é que os dados coletados terão fins científicos e que sua voz não será, em hipótese alguma, utilizadas em meios de comunicação. Esclareço que todas as informações pessoais e seu nome serão mantidos em sigilo e não aparecerão em nenhum lugar neste estudo.
240
A sua participação é voluntária e de seu livre-arbítrio, podendo-se recusar a responder quaisquer perguntas. O(A) senhor(a) pode desistir de participar na pesquisa ou solicitar sua exclusão a qualquer momento. A participação na pesquisa não trará benefícios individuais e a recusa em participar também não trará qualquer prejuízo na sua relação com a instituição de pesquisa ou com os pesquisadores. Porém, será de muitos benefícios coletivos para analisarmos a atual organização do trabalho em saúde no campo da atenção primária e para a reflexão sobre a reorientação dos modelos assistenciais no Brasil. Para isso, peço que assine este “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, demonstrando que foram entendidos a finalidade e o uso da entrevista que será concedida. Mais tarde lhe poderá ser enviada uma cópia gravada e/ou impressa da sua entrevista, caso seja do seu interesse. Os pesquisadores assumem a responsabilidade de dar retorno dos resultados da pesquisa aos participantes em um novo encontro. Desde já agradecemos sua colaboração, que será de grande valor para melhor analisar a organização do trabalho em saúde no campo da atenção primária em nível local no Brasil. O presente termo será emitido em duas vias, ficando o participante de posse de uma delas. Se o(a) senhor(a) está de acordo com os termos propostos neste documento, por favor, assine abaixo: Eu,______________________________________(nome), RG nº__________________, declaro para os devidos fins que concordo em participar da Pesquisa de título provisório: “Modos de Organização do Trabalho na Atenção Primária à Saúde no Brasil: a experiência de Belo Horizonte”, sob a responsabilidade de MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR e CARLOS EDUARDO AGUILERA CAMPOS, concedendo uma entrevista gravada sobre o tema proposto. Declaro estar ciente e de acordo com os objetivos e procedimentos da referida Pesquisa e autorizo a utilização dos dados que eu conceder durante a entrevista para fins científicos e sua divulgação posterior. Belo Horizonte, ___ de ___________ de _____. ______________________________
Assinatura do Participante Os pesquisadores responsáveis por este estudo comprometem-se a conduzir todas as atividades de acordo com os termos do presente Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme a Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. Belo Horizonte, ___ de ___________ de _____. ______________________________
Assinatura do Pesquisador R.G.
Caso tenha qualquer dúvida pedimos que a esclareça diretamente com os pesquisadores: MARIA RACHEL JASMIM DE AGUIAR – Tel.: (21) 8811-6894 – [email protected] CARLOS EDUARDO AGUILERA CAMPOS – Tel.: (21) 9966-8922 – [email protected] CEP – Comitê de Ética em Pesquisa do IESC/UFRJ – Tel.: (21) 2598-9328 COEP – Comitê de Ética em Pesquisa da SMSA/BH – Tel. (31) 3277-7767
242
Anexo 1 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de
Belo Horizonte
245
Anexo 2 – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva –
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Anexo 3 – Organograma da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, MG – 2005
Fonte: SMSA/SUS/BH. In: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 39)
247
SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE
Assistência
Urgência
Regulação E Atenção Hospitalar
Vigilância em Saúde
e Informação
Administrativa
Gestão do Trabalho e Educação em Saúde
Orçamento E Finanças
Controladoria
Planejamento e Desenvolvimento
Projetos Especiais
Comunicação Social
Assistência Terapêutica
Apoio Diagnóstico
Auditoria Assistencial
Controle e Avaliação
Apoio Operacional
Epidemiologia e Informação
Vigilância Sanitária
Zoonoses
Saúde do Trabalhador
Recursos Materiais
Compras e Licitações
Engenharia Clinica
Contratos e Convênios
Manutenção
Lavanderia
Arquivo
Transporte Sanitário
Serviços Gerais
Planejamento e Administração De Recursos
Humanos
Registro e Pagamento De Pessoal
Contribuições Sociais e
Benefícios
Orçamento
Pagamentos
Controle Financeiro
Contabilidade
Ouvidoria Pública
Relações com
a Imprensa
Apoio Operacional da Comunicação
248
Anexo 4 – Indicadores utilizados na construção das áreas de vulnerabilidade à saúde
por setores censitários
Fonte de Indicadores
Informação Peso
Descrição
Saneamento
0,50
1,00
0,50
Total=2,00
1-Percentual de domicílios particulares permanentes com abastecimento de água inadequado ou ausente 2-Percentual de domicílios particulares permanentes com esgotamento sanitário inadequado ou ausente 3-Percentual de domicílios particulares permanentes com destino do lixo de forma inadequada ou ausente
Habitação 0,75
0,25 Total=1,00
4-Percentual de domicílios improvisados no setor censitário 5-Razão de moradores por domicílio
Educação 1,50 0,50
Total=2,00
6-Percentual de pessoas analfabetas 7-Percentual de chefes de família com menos de 4 anos de estudo
Renda 0,50
1,50 Total=2,00
8-Percentual de chefes de família com renda de até 2 salários mínimos 9-Renda média do chefe de família (invertida)
Sociais/Saúde 0,25
1,50
0,25 1,00
Total=3,00
10-Coeficiente de óbitos por doenças cardiovasculares em pessoas de 30 a 59 anos 11-Óbitos proporcionais em pessoas com menos de 70 anos de idade 12-Coeficiente de óbitos em menores de 5 anos de idade 13-Proporção de chefes de família de 10 a 19 anos
Fonte: Plano Municipal de Saúde (BELO HORIZONTE, 2005, p. 49)