Mobilidade começa na calçada

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Mobilidade começa na calçada Ironia do destino ou não, a Prefeitura de Candelária lançou edital para pavimentação de 13 ruas em um dos dias que permeiam a Semana da Mobilidade Humana. Acontece que o objetivo dessa semana, de 16 a 22 de setembro, é convencer motoristas a deixarem o carro em casa, a fim de promover uma mobilidade sustentável. Está certo que o evento é aderido por apenas algumas cidades do país, e que no Rio Grande do Sul, só é levada a sério em Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas. Mas, a administração municipal não deveria ter avaliado melhor as necessidades dos cidadãos e dar valor a um bem comum a todos: as queridas calçadas? Afinal, antes mesmo de ser motoristas, todos são pedestres. É lamentável o estado de boa parte dos 30 quilômetros de calçadas do Município. Pior mesmo, só a situação daqueles que têm dificuldades próprias de locomoção: cadeirantes e deficientes visuais, por exemplo. Idosos, sem dúvida. E, até mesmo a saudável mãe que sabe o quanto é complicado empurrar o carrinho do seu filho recém-nascido de uma esquina à outra. As calçadas candelarienses definitivamente não foram feitas para pessoas. Estão lá para dar base aos postes, cestas de lixo, mesas de bar, bancas de jornal e, principalmente, passagem para os carros. A lei impõe ao proprietário a responsabilidade pela calçada em frente ao seu imóvel, mas muitas pessoas não sabem sequer o que pode ser considerado um piso padrão e acessível. Como órgão público, a Prefeitura teria papel importante para induzir ações nesse sentido. Afinal, o que seria a calçada, se não uma via pública? Mas, pouquíssimo do orçamento é investido para recuperar e fazer novos caminhos. E quando alguém quer construir em terreno que lhe pertence, inúmeras são as regras para, conforme o Artigo 31 do Plano Diretor de Candelária, “acomodar o fluxo de pessoas nos dois sentidos de circulação”. Aí, sim, o cidadão precisa entender a calçada como uma via pública, como algo público. Além disso, é contraditório o comportamento da sociedade contaminada pelo carro. O cidadão candelariense reclama do buraco na rua, mas não do buraco na calçada. Se cobrassem da Prefeitura um piso decente para andar a pé, com a mesma ênfase com que reivindicam o recapeamento de uma avenida, as coisas começariam a mudar. A cidade é

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Mobilidade começa na calçada

Ironia do destino ou não, a Prefeitura de Candelária lançou edital para pavimentação de

13 ruas em um dos dias que permeiam a Semana da Mobilidade Humana. Acontece que

o objetivo dessa semana, de 16 a 22 de setembro, é convencer motoristas a deixarem o

carro em casa, a fim de promover uma mobilidade sustentável. Está certo que o evento é

aderido por apenas algumas cidades do país, e que no Rio Grande do Sul, só é levada a

sério em Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas. Mas, a administração municipal não

deveria ter avaliado melhor as necessidades dos cidadãos e dar valor a um bem comum

a todos: as queridas calçadas? Afinal, antes mesmo de ser motoristas, todos são

pedestres.

É lamentável o estado de boa parte dos 30 quilômetros de calçadas do Município. Pior

mesmo, só a situação daqueles que têm dificuldades próprias de locomoção: cadeirantes

e deficientes visuais, por exemplo. Idosos, sem dúvida. E, até mesmo a saudável mãe

que sabe o quanto é complicado empurrar o carrinho do seu filho recém-nascido de uma

esquina à outra. As calçadas candelarienses definitivamente não foram feitas para

pessoas. Estão lá para dar base aos postes, cestas de lixo, mesas de bar, bancas de jornal

e, principalmente, passagem para os carros.

A lei impõe ao proprietário a responsabilidade pela calçada em frente ao seu imóvel,

mas muitas pessoas não sabem sequer o que pode ser considerado um piso padrão e

acessível. Como órgão público, a Prefeitura teria papel importante para induzir ações

nesse sentido. Afinal, o que seria a calçada, se não uma via pública? Mas, pouquíssimo

do orçamento é investido para recuperar e fazer novos caminhos. E quando alguém quer

construir em terreno que lhe pertence, inúmeras são as regras para, conforme o Artigo

31 do Plano Diretor de Candelária, “acomodar o fluxo de pessoas nos dois sentidos de

circulação”. Aí, sim, o cidadão precisa entender a calçada como uma via pública, como

algo público.

Além disso, é contraditório o comportamento da sociedade contaminada pelo carro. O

cidadão candelariense reclama do buraco na rua, mas não do buraco na calçada. Se

cobrassem da Prefeitura um piso decente para andar a pé, com a mesma ênfase com que

reivindicam o recapeamento de uma avenida, as coisas começariam a mudar. A cidade é

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o lugar onde se vive. Um município de alta qualidade deve ser um direito de seus

moradores. E o dever de seus gestores. Espera-se que a soma de R$2.312.678,30, orçada

para a pavimentação das ruas, seja, realmente, bem aplicada. Mas que nas próximas

eleições, os eleitores saibam depositar seu voto, sua confiança, em candidatos que

enxerguem, de fato, a necessidade do povo. Afinal, para quem não sabe para onde ir,

qualquer caminho basta.