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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros JAMBEIRO, O., et al. Nasce a radiodifusão no Brasil. In: Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação [online]. Salvador: EDUFBA, 2004, pp. 24-54. ISBN 978-85-232-1241-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Primeiro capítulo Nasce a radiodifusão no Brasil Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões Eliane Costa Fabiano Brito Sandro Ferreira Suzy dos Santos

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Primeiro capítulo Nasce a radiodifusão no Brasil

Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões

Eliane Costa Fabiano Brito

Sandro Ferreira Suzy dos Santos

Primeiro CapítuloNasce a Radiodifusão no Brasil

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O Cenário Nacional e InternacionalNo final da década de 20, o Brasil passava às margens

da segunda revolução industrial, com uma economia es-sencialmente agro-exportadora, na qual oito produtos pri-mários representavam 90% do valor total das exportações:café (cerca de 70% do total), açúcar, cacau, algodão, mate,tabaco, borracha, couros e peles (Abreu, 1986: 13). Estefator fazia com que o Brasil fosse altamente dependentedos rumos indicados pelo mercado internacional.

A política econômica, embora reservasse lugar privilegi-ado para os Estados Unidos, em vista de seu crescente po-der de barganha (maior mercado consumidor de café bra-sileiro), �caracterizava-se pela ênfase na manutenção de umaalternativa econômica que contrabalançasse a influêncianorte-americana, através da diversificação de parceiros eco-nômicos e financeiros� (Abreu, 1986:11).

Entre os anos de 1928 e 1938 a participação econômicanorte-americana caiu de 27% para 23%, a britânica de 22%para 10%, a francesa de 6% para 3%, enquanto a alemãcresceu de 12% para 25% (Abreu, 1986: 28). A Alemanhahavia, portanto, conquistado um importante espaço naeconomia brasileira do período. Esta, por sua vez, recu-perou o nível das suas atividades de forma singularmenterápida se comparada à experiência de outros países.(Abreu, 1986: 18). A adoção de um sistema de controlecambial que impedia a importação de determinados pro-dutos e protegia a produção doméstica competitiva, im-pulsionando a nascente indústria nacional, foi o principalfator que contribuiu para a superação da crise.

Por outro lado, (...) a diversificação da pauta de expor-tações mostrou-se inviável, neste período, basicamentepor que a indústria recém-implantada não tinha capa-

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cidade de competir num mercado mundial que conti-nuava ainda, como em 1937, circunscrito a autarquias eimpérios coloniais (Singer, 1986:217).

O Reino Unido optou por enfatizar a proteção de seusinteresses financeiros no Brasil, em prejuízo dos interes-ses comerciais, o que reduziu sua importância de país su-pridor de bens. Isto beneficiou os Estados Unidos e, pos-teriormente, a Alemanha, por meio de políticas de com-pensações (Abreu, 1986:14). Em 1930, os investimentosbritânicos eram mais concentrados no setor de serviçospúblicos, como as ferrovias, enquanto os capitais norte-americanos eram aplicados, predominantemente, nas in-dústrias de transformação e atividades comerciais.

Os Estados Unidos trataram de assegurar, não só no Brasilcomo em toda América Latina, com exceção da Argentina1 ,o suprimento adequado das necessidades de sua economia,bloqueando, ao mesmo tempo, a provisão que a Alemanhaviesse a ter. Essa estratégia não impediu o Brasil de estabele-cer, durante a década de 30, relações comerciais com o Reich.Um bom exemplo disso foi o acordo comercial, firmado emfins de 1934, entre Brasil e Alemanha, por intermédio do qualVargas buscou comercializar os produtos brasileiros que nãoeram exportados para os Estados Unidos e que advinham deregiões politicamente importantes, como o Nordeste e o RioGrande do Sul. Dessa forma, Vargas atingia dois objetivos:além de gerar rendimento para o comércio, capitalizava tam-bém apoio ao seu governo, naquelas regiões.

A partir daí, o Brasil conservou uma posição ambíguanas suas relações comerciais. Ao tempo em que prometiaàs autoridades norte-americanas que o comércio de com-pensação com a Alemanha seria reduzido, continuava a re-novar acordos bilaterais com aquele país. (Abreu, 1986: 25).

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Logo após a Primeira Guerra Mundial, os Estados Uni-dos conheceram uma década de prosperidade. Sua indús-tria, favorecida pelo governo e protegida por tarifas alfan-degárias elevadas, estava em plena atividade. Foi um perío-do marcado pela produção colossal e pela especulação de-senfreada, ambas apoiadas pelos bancos. O desenvolvimentoregistrado foi tão expressivo que o país tornou-se a princi-pal potência capitalista do mundo (Weiss, 1966: 1246). Averdade, contudo, é que essa prosperidade era mais apa-rente que real e o establishment artificial sucumbiu à pri-meira crise, o chamado crack da bolsa de Nova York, em1929, antes da qual tinham feito grandes empréstimos, tantoaos vencidos quanto aos vencedores da I Guerra Mundial.

Ao contrário dos Estados Unidos, a Alemanha, princi-pal derrotado da Primeira Guerra, saiu totalmente esface-lada, tanto do ponto de vista geográfico quanto político eeconômico. Geograficamente, perdeu boa parte do seuterritório para os países aliados. Do ponto de vista políti-co, foi forçada a aceitar a limitação do número de homensem seu exército, imposto pelo acordo de paz e, interna-mente, teve que enfrentar um intenso movimento operá-rio, organizado pelo Partido Comunista Alemão. Mas foi,sem dúvida, a sua economia que mais sofreu as conseqü-ências do pós-guerra. Além de ter que arcar com os custosdos anos de conflito armado, o país foi obrigado a assumiros prejuízos provocados nos territórios invadidos. Tudoisso aliado a uma grave crise interna, desencadeada peloelevado índice de desemprego.

Mesmo saindo da guerra ao lado dos vencedores, a Itáliaapresentava claros indícios de crise econômica. O grandenúmero de desempregados motivou a eclosão de um fortemovimento dos trabalhadores, organizado pelo PartidoSocialista Italiano. Do mesmo modo, a Inglaterra amarga-

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va uma crise industrial sem precedentes, que se revelava,sobretudo, na taxa de desemprego e na perda progressivada sua hegemonia política.

A crise de desemprego, no entanto, não se limitou ape-nas aos países que haviam participado diretamente daguerra. A crise se alastrava por toda a Europa, durante adécada de 20:

(...) Grã-Bretanha, Alemanha e Suécia registraram ín-dice médio de desemprego entre 10% e 12%, e nadamenos de 17% a 18% na Dinamarca e na Noruega(...).(Hobsbawm, 1997:95).

No mesmo período, os EUA mantinham uma taxa deapenas 4% de desempregados, o que caracterizava situa-ção de economia em alta. Com a crise de 29, a situaçãotornou-se muito mais grave:

(...) No pior período da Depressão (1932-33), 22% a 23%da força de trabalho britânica e belga, 24% da sueca,27% da americana, 29% da austríaca, 31% da noruegue-sa, 32% da dinamarquesa e nada menos de 44% da ale-mã não tinha emprego (...) (Hobsbawn, 1997: 97).

Além do cenário de forte estagnação econômica, um ou-tro movimento preocupava o mundo: a Revolução Russa,iniciada em 1917, pouco antes do fim da guerra. O principalmovimento revolucionário do século XX atendia aos anseiosdo proletariado, que reivindicava aumento de salário e di-minuição das horas de trabalho para os operários, nos cen-tros urbanos, além da reforma agrária para camponeses.

Os reflexos da Revolução Russa se estenderam por todaa Europa e fortaleceram os movimentos de trabalhadores,

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organizados em torno dos partidos socialistas e comunis-tas. A idéia de que a paz e a segurança sócio-econômicaseriam restabelecidas pelo comunismo proporcionou ocrescimento dos partidos de esquerda europeus, mas, poroutro lado, intensificou a inquietação social e tornou acrise mais crítica, uma vez que não se conseguia imaginaruma saída dentro das estruturas político-econômicas li-berais. Além disso, o fato de o comércio internacional es-tar praticamente parado deixava o cenário ainda maispreocupante e sem perspectiva.

A alternativa para a crise adotada em muitos países foio protecionismo. Os Estados abandonaram o livre comér-cio e passaram a proteger sua economia, no mercado in-ternacional, o que significou o abandono da política eco-nômica liberal. A partir de então, as políticas econômicaspassaram a ser pautadas pela social-democracia, regimepelo qual o Estado assume a responsabilidade pelo bem-estar da população. Consolidada, posteriormente, pelospaíses europeus, após a Segunda Guerra Mundial, a soci-al-democracia permitiu, já na década de 30, por meio depolíticas de geração de emprego e da busca da �har-monização� entre capital e trabalho, uma saída para a cri-se econômica, dentro do próprio sistema capitalista. Alémde diminuir os índices de desemprego, o regime afastoutambém o fantasma do comunismo, que passara a assom-brar toda a Europa e os Estados Unidos depois da Revo-lução Russa.

Antes, porém, a crise econômica mundial já havia cria-do condições históricas para o surgimento de fenômenospolíticos, como o nazi-fascismo, que teve a sua maior ex-pressão na Itália, com Mussolini, e na Alemanha, comHitler. Abalados por fortes manifestações sociais e por umaquase revolução socialista (no caso da Itália), esses dois

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países optaram por uma saída à extrema direita. Tanto onazismo como o fascismo previam a formação de um es-tado forte, interventor, nacionalista e dominador do pen-samento humano.

No caso da Itália, o corporativismo, como solução dosproblemas econômicos, foi estimulado e ganhou dimen-são maior entre a população mais pobre. A vida social foiinvadida por uma ideologia pseudocoletiva que, encarna-da pelo Estado, regulava a rotina dos cidadãos. A políticaeconômica, voltada para as grandes empresas, previa ocrescimento apoiado no rebaixamento dos ganhos dosoperários. Os sindicatos, fortemente controlados pelo re-gime, passaram a ser órgãos do Estado, o que quase oslevou à destruição. Caminho semelhante foi adotado pelaAlemanha, através da expressão mais extrema do fascis-mo, o nazismo. Além do controle e da vigilância sociais, oregime de Hitler pregava a supremacia dos arianos e esti-mulava uma brutal intolerância racial e religiosa.

Para consolidar a imagem paternalista do Estado e man-ter a ideologia do regime, tanto Mussolini quanto Hitler lan-çaram mão da propaganda política. Para isso, utilizaramfortemente a incipiente indústria de comunicação de mas-sa, principalmente o cinema e o rádio, num processo demassificação da opinião pública. O precursor desta estraté-gia foi o ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels,que teve um papel revolucionário na percepção do poder depersuasão que a radiodifusão e o entretenimento poderiamter como instrumentos de propaganda política.

Desde 1938, quando assumiu a liderança da propagan-da nazista, e, principalmente durante a Segunda GuerraMundial, Goebbels trabalhava em duas vertentes. Uma eraa construção e mitificação da imagem de Adolf Hitler comouma espécie de super-herói paternal, repleto de valores em

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voga na sociedade alemã2 . A outra se manifestava pela viada manipulação e financiamento das empresas jornalísticase da indústria do entretenimento, através da contratação deartistas, diretores e escritores já reconhecidos e da produ-ção de filmes, exposições fotográficas, espetáculos públicos� teatrais e musicais � programas de rádio, jornais, livros erevistas. Desta forma, observa Adriana Kurz, expandia-seconjuntamente o amor aos ideais nazistas e o ódio a tudoaquilo que não representasse esses valores:

O entusiasmo e fanatismo das massas hipnotizadas peloseu Führer garantiriam completa adesão nacional tantoa uma nova rodada de matança nos campos de batalhaquanto, no âmbito interno, à sistemática perseguição eextermínio de vítimas inocentes, fossem judeus alemães3

(e logo europeus), doentes físicos e mentais, ciganos, in-digentes, homossexuais ou qualquer espécie de opositorpolítico, sem falar nos artistas �degenerados�4 . Comple-tamente banida de todos os âmbitos da vida política esocial, a razão daria lugar à mais pura insanidade. OSéculo XX se afirmaria como a era da recaída na barbárie(...). Por trás desta tragédia de proporções globais, a pro-paganda nazista mostrava sua força e fazia escola. Umamodernidade reacionária impunha ao mundo a nova carado poder. A estetização da política, sinalizada por Ben-jamin no célebre texto sobre a arte e a reprodutibilidadetécnica, chegaria num nível jamais imaginado. A propa-ganda engolira a política e a estética: o resultado seriadevastador (Kurtz, 1999: 162).

Os efeitos da grande depressão também atingiram oBrasil, que viu ser desvalorizado seu principal produtoeconômico, o café. No campo político, o processo de ur-

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banização e industrialização atinge as camadas médias eas massas urbanas, que passam a exigir participação polí-tica. As reivindicações e pressões dessas novas forças leva-ram à contestação do Estado oligárquico agrário, na me-dida em que este era incapaz de absorver suas demandas.Progressivamente, São Paulo e Minas apropriaram-se dopoder central e instituíram a chamada Política do Café comLeite, segundo a qual paulistas e mineiros se revezavamno governo da República.

Quebrando a regra política, em 1928 o presidente Wa-shington Luís, ligado ao Partido Republicano Paulista(PRP), passa a apoiar ostensivamente a candidatura de umconterrâneo à sua sucessão, o então presidente5 do Estadode São Paulo, Júlio Prestes. Para se opor ao PRP, o PartidoRepublicano Mineiro (PRM), alijado do processo sucessório,aproxima-se então do Presidente do Rio Grande do Sul e,em julho de 1929, lança as candidaturas de Getúlio Vargaspara presidente e de João Pessoa, governador da Paraíba,para a vice-presidência, chapa em torno da qual se forma-rá, posteriormente, a coligação Aliança Liberal.

Ao contrário da coligação Concentração Conservadora,encabeçada por Júlio Prestes, que defendia a continuida-de administrativa, a Aliança Liberal pregava a renovação ea modernização do Estado. Após uma eleição marcadapor acusações de fraude, de lado a lado, a vitória dospaulistas não foi aceita pela Aliança Liberal, que iniciouas articulações para um movimento revolucionário. O es-topim foi o assassinato do candidato a vice-presidência,João Pessoa, em julho de 1930. Os preparativos ainda le-varam dois meses e em 3 de outubro, com a chancela dosmilitares, os revolucionários eclodiram o movimento, queculminaria em 24 de outubro, com a posse do GovernoProvisório, liderado por Vargas (Abreu, 2001: 4999).

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O reflexo da disputa política na imprensa foi contundente.Segundo Werneck Sodré, os veículos que apoiaram a AliançaLiberal consolidaram-se, enquanto os que eram ligados àRepública Velha sofreram duras intervenções:

O movimento liquidara, praticamente, a imprensa queapoiava a situação anterior. Mesmo os jornais que não ha-viam sido destruídos e por isso voltaram a circular de ime-diato, sofreram graves conseqüências (Sodré, 1977: 376).

Através de invasões às redações, desapropriação de bens,nomeação de interventores e prisões, o Governo Provisó-rio anunciou o tom que deveria marcar as relações entreos órgãos de comunicação de massa e o Estado, a partirdaquele momento.

Mídia e CulturaAté meados da década de 30, a indústria de comunicação

de massa no Brasil estava limitada ao cinema e a indústriafonográfica. Embora a imprensa estivesse consolidada, oíndice de analfabetismo, que superava 60% dos 37,6 mi-lhões de habitantes (IBGE, 1934: 41), desencorajava qual-quer investimento de consumo massivo nesse setor. A lite-ratura também era produzida só para as elites. Renato Ortizobserva o baixo consumo de livros nesta época:

Todos os testemunhos e as análises apontam que até adécada de 30 a produção e o comércio de livros no Brasileram praticamente inexistentes em termos de mercado.A tiragem de um romance era, em média, de mil exem-plares, e um �best seller� como �Urupês� vendeu, em 1918,oito mil cópias (1988: 28).

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O rádio, que ainda não completara uma década de exis-tência no país, contava com apenas 18 estações, todas ain-da experimentais.

Embora a imprensa tivesse um papel importante na for-mação da opinião pública e dos valores culturais da época,o cinema e a música popular fomentavam, praticamentesozinhos, a expressão cultural de massa no país. Os locaispara exibição de filmes e espetáculos musicais (teatros, cine-teatros e cinemas) cresceram significativamente. Em 1907,havia 108 estabelecimentos registrados, enquanto em 1922já existiam nada menos que 1.439, concentrados nos prin-cipais centros urbanos: São Paulo, com 398; Minas Gerais,com 312, e Rio de Janeiro, com 108 (IBGE, 1937: 1404).

Marcada pela disseminação do cinema hollywoodianoem todo o mundo, a década de 20 não foi diferente noBrasil. Os westerns, seriados e filmes cômicos norte-ame-ricanos caíram rapidamente no gosto popular e as poucasproduções nacionais eram, em sua maioria, versões brasi-leiras dos sucessos americanos, como David W. Griffith,Charles Chaplin e Mary Pickford, entre outros. SegundoSérgio Augusto, além dos filmes, a influência de Hollywoodimpulsionou também o surgimento das primeiras revis-tas brasileiras especializadas em cinema, a exemplo deScena Muda (1921) e Cinearte (1926) que eram similaresàs produções norte-americanas, como a Photoplay.

Começávamos, então, a construir nosso próprio StarSystem, com atrizes como Eva Nil, lançada pelo minei-ro Humberto Mauro, quando ainda filmava emCataguases, Lia Torá e, na década seguinte, AmandaLeilop, promovida como �a Greta Garbo brasileira�, eRubens Rocca, a quem deram o epiteto de �Lon Chaneydos Trópicos� (Augusto, 2000: 51).

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Em 1929, o jornalista Adhemar Gonzaga, que já edita-va a revista Cinearte, fundou o estúdio cinematográficoCinédia. No mesmo ano, o cinema falado estreou com aexibição do longa-metragem Broadway Melody. Na se-qüência, Luís de Barros lançou a primeira produção bra-sileira falada: Acabaram-se os Otários. Neste momento,acreditava-se que o cinema falado seria a mola propulso-ra da produção nacional, uma vez que a barreira da lín-gua poderia quebrar a hegemonia norte-americana. Defato, os filmes brasileiros, antes preteridos pelo públicopor conta da produção artesanal, começaram a ter umaestrutura industrial de produção.

O sucesso da comédia caipira Acabaram-se os Otários deuimpulso à produtora de Luís de Barros, a Syncrocinex e àdupla de comediantes Genésio Arruda e Tom Bill. No anoseguinte, 1930, dos 14 filmes produzidos em São Paulo, cin-co eram da Syncrocinex, todos dirigidos por Luis de Barros equatro deles estrelados pelos mesmos comediantes: CançõesBrasileiras, Lua de Mel � lançado em 21 de abril como com-plemento do erótico-romântico Messalina � Minha Mulherme Deixou (curta-metragem) e Sobe o Armário (AlmanackPaulistano, 2002).

Estes filmes indicavam um rumo que teria boas possibi-lidades práticas de continuação no cinema brasileiro. Aprodutora (a Syncrocinex), sem dispor de recursos quepermitissem seguir os conselhos da crítica da época, cons-truindo estúdios ou importando equipamento refinado,filma nas precárias condições com que conta, em barra-cões improvisados e com o equipamento disponível, damesma forma que a grande maioria das produtoras naci-onais do momento. O resultado são filmes baratos e degrande aceitação popular (Galvão; Souza, 1986: 468).

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Apesar da indústria cinematográfica nacional delinear-se no início da década de 30, não se pode dizer que elafosse independente ou que sua produção reproduzia umaidentidade nacional. Pelo contrário, a influência norte-americana ia além da �inspiração� dos roteiros, estandopresente por intermédio dos técnicos, formados nos EUA;das produtoras, como a Waldow, do norte-americanoWallace Downey e Alberto Byington Jr., ambos funcioná-rios da filial brasileira da gravadora Columbia; dos no-mes adotados pelos astros, como Tom Bill; ou, ainda, doscenários ou dos nomes dos personagens.

A produção nacional concentrava-se cada vez mais naschanchadas e nos musicais. Enquanto as primeiras retra-tavam o universo caipira, o primeiro musical brasileiro, Coi-sas Nossas, estreou em 1931, copiando o estilo de BroadwayMelody, alternando esquetes cômicos com números musi-cais. Este filme é considerado também o marco inauguralda associação do cinema com o rádio, através do aprovei-tamento dos cantores e atores que se popularizavam emum ou outro veículo. Mais uma vez, a imitação dos filmesoriginais ia além do estilo: em Coisas Nossas sobrepunham-se imagens dos edifícios paulistanos para dar a idéia dosarranha-céus nova-iorquinos, um ritmo acelerado era im-presso às cenas onde pedestres e automóveis tentavam imi-tar um trânsito caótico tipicamente norte-americano e umapessoa6 cantarolava o sucesso Singin�in the Rain no chu-veiro (Augusto, 2000; Galvão; Souza, 1986).

Pode-se dizer que no caso da música, diferentementedo cinema, a influência norte-americana centrava-se nadistribuição, não influindo no conteúdo nem no estilo.Como narra Ruy Castro, em paralelo ao foxtrot, aocharleston, ao dixieland e outros ritmos importados, o sam-ba já se firmara no cenário nacional.

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A primeira gravação de um disco de jazz, por exemplo, ade �Livery stable blues� (...), no dia 26 de fevereiro de 1917,se deu quase ao mesmo tempo que a primeira gravação deum samba: a de �Pelo telefone�, pela banda Odeon. E sónão foi ao mesmo tempo porque, na verdade, o primeirosamba foi gravado alguns dias antes do primeiro jazz.Quando �Livery stable blues� começava a ser prensado nafábrica da RCA Victor, em Nova York, o povo do Rio jáestava cantando �Pelo Telefone� no carnaval de fevereirodaquele ano. (...) Ambos determinaram os rumos que osdois países seguiriam: a música americana conservaria umsotaque �jazzístico� por décadas e a brasileira um sotaque�sambístico� por mais tempo ainda. (Castro, 2000: 131).

Cinco anos após a gravação de Pelo Telefone, atribuídaao sambista Donga, o movimento modernista, de 1922,teve um papel central na defesa da cultura popular e, apartir desta, no deslocamento cultural que aos poucos foisubstituindo a �cultura erudita�, importada de outros paí-ses, pelos produtos da cultura popular brasileira. É nesteperíodo que começa a aparecer uma primeira elaboraçãode identidade nacional, expressa a partir do cinema e, es-pecialmente, da música popular.

O discurso modernista foi adotado por sambistas comoNoel Rosa, talvez a figura mais importante do cenário musi-cal neste período, responsável por várias composições queexaltavam a figura do malandro e do cotidiano carioca. Acanção Não tem tradução, gravada em 1933, por exemplo,ironizava a influência norte-americana no cinema: �o cine-ma falado é o grande culpado dessa gente que sente que umbarracão prende mais que um xadrez�. Na música expressa-va-se em versos irônicos (�Mais tarde o malandro deixou desambar/ dando pinote/ e só querendo dançar o fox-trot!�) e

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afirmava a oposição do samba aos anglicismos em voga:�Amor, lá no morro, é amor pra chuchu, as rimas do sambanão são �I love you�. E esse negócio de �Alô�, �Alô, boy�, �Alô,Johnny� só pode ser conversa de telefone�.

Esta tendência ia de encontro aos interesses políticosem questão:

Já nos anos 20 o campo da arte e cultura era dominadopor uma discussão sobre a identidade e os rumos danação. A ideologia revolucionária formulada nos primei-ros anos da Era Vargas veio revelar fortes pontos de con-tato com as propostas antiliberais deste, então defendi-das por intelectuais como Oliveira Viana, AzevedoAmaral e Francisco Campos, que se tornou o primeiroministro da Educação (CPDOC, 1997, sp.)

Desde a campanha presidencial de 1929, a evolução douso da música popular como instrumento de propagandatornou-se bastante expressivo. As marchinhas a favor deVargas, gravadas por Francisco Alves, na Odeon, em ja-neiro de 1929 - É, sim senhor7; Seu doutor8 e Seu Julinhovem aí9 � encontravam resposta nas defesas de Júlio Pres-tes gravadas por Jaime Redondo, na Columbia, em de-zembro do mesmo ano � Harmonia, Harmonia10 e Comen-do Bola11, ambas compostas por Hekel Tavares e Luiz Pei-xoto. O Governo Provisório configuraria, notavelmente,um marco divisor na formação de uma identidade nacio-nal profundamente ligada ao samba.

A PolíticaA gravidade da crise econômica nacional e internacio-

nal acabou se constituindo numa causa importante para a

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substituição relativamente branda de Washington Luizpelo Governo provisório de Getúlio Vargas, em 1930.Obviamente, as elites cafeeiras que dominavam a cenapolítica brasileira, não ficaram satisfeitas com a revolu-ção. Em conseqüência, começaram a esboçar reação aogoverno, tendo como principal foco de resistência o esta-do de São Paulo. Vargas, que havia assumido a presidên-cia provisoriamente, prometendo uma nova Constituiçãopara o país, passa a sofrer forte pressão dos paulistas paraconvocar uma assembléia constituinte, que elaborasse aCarta Magna do país, restabelecendo o Estado de Direito,suprimido pelo movimento de 30.

Acusando Vargas de estar protelando a Constituinte, em9 de julho de 1932 os paulistas deflagaram a chamadaRevolução Constitucionalista, declarando guerra ao go-verno central. É fato que os interesses políticos regionaise econômicos foram os principais motivos para as elitespatrocinarem a empreitada revolucionária, mas tambémé impossível negar que a grande maioria da populaçãoenvolvida no combate era movida por ideais democráti-cos e legalistas. Entretanto, mesmo com grande adesãointerna, os paulistas não conseguiram ampliar o movimen-to para além de suas fronteiras, e dessa forma tornou-sefácil para o governo Vargas sufocar o movimento.

Um dos principais líderes da revolta foi Júlio de Mes-quita, proprietário do jornal O Estado de S. Paulo. Esteepisódio é considerado o primeiro embate político brasi-leiro, onde a mídia foi largamente utilizada pelos dois la-dos do conflito. Numa vertente, os jornais paulistas, queconcordaram em omitir notícias prejudiciais ao movimen-to constitucionalista, inovaram com a técnica, até entãoinexistente na imprensa brasileira, de publicar páginasinteiras apenas com fotos expressivas, sem nada de texto,

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a exemplo de O Estado e da Gazeta. As estações de rádiopaulistanas também divulgavam discursos de personali-dades da vida cultural da cidade, como Monteiro Lobato,Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e SantosDumont. Na outra vertente, Vargas difundia a imagemdos paulistas rebelados como separatistas, que pretendi-am tornar São Paulo uma �república italiana�. Nas emis-soras do Norte e Nordeste, discursos preconceituosos con-tra as regiões, eram narrados com sotaque nitidamentepaulista (Porto, 1999).

A importância do rádio neste evento pode ser notada notexto, reproduzido abaixo, de um articulista não identificadode O Estado de S. Paulo, publicado em 09 de agosto de 193212:

Há 30 dias que estamos em estado de guerra. Em todoeste primeiro mez de campanha, durante o qual S. Paulotem supportado victoriosamente sobre todas as suas fron-teiras o embate do inimigo, o espaço tem vibrado, trans-mitindo aos quatro cantos do horizonte a voz dos orado-res que se têm succedido, ininterruptamente, aomicrophone dos apparelhos de radiotelephonia. O radioé uma admirável arma de guerra de que talvez ainda nãotenhamos sabido nos utilisar com toda a efficiencia quelhe podemos dar. Della, porém, temo-nos servido paraannunciar a todos os rincões do Brasil, aonde cheguemas ondas das nossas estações transmissoras, qual o verda-deiro caracter da revolução constitucionalista, quaes osreaes propositos e objectivos deste movimento de que S.Paulo tomou a iniciativa desmentindo os vituperios comque o procuram cobrir os nossos inimigos.

E isto está bem. Talvez mesmo não seja demais insistirnessa affirmativa, para que não possa pairar sombra de

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duvida sobre o caracter da guerra civil que hoje divide aRepública e só a má fé explique a persistencia com queella é desvirtuada pelo interesse dos nossos adversarios.

Durante este mez inteiro, ressoaram também através doar, em sucessão insistente, os �apellos� de todos os typose aspectos. Tivemol-os em arroubos de oratoriademosthenica de admirável forma literaria, como emdiscursos gradiloquos de velho estilo; tivemol-os profe-ridos em voz serena e persuasiva, como em arrebata-mentos vibrantes e imperativos; tivemol-os vasados emperíodos onde perpassava a antecipação da victoria,como em phrases merencoreas onde transpareciam osreceios e temores de almas amedrontadas; ouvimosmesmo um orador que falava com tremulos na voz car-regada de lagrimas com que se dirigia aos seus irmãosde um Estado do Norte.

Foram feitos appellos aos bahianos e aos gauchos; aospharmaceuticos e aos advogados; à Marinha e às polici-as; às classes conservadoras e às classes renovadoras; atudo enfim para que se podia appellar...Parece que está inteiramente esgotado, exhaurido, ex-plorado o filão deste genero literario. Note-se desde jáque isto é apenas uma opinião pessoal da qual muitagente discordará provavelmente. Seja-me, porém per-mitido expol-a com a lealdade e franqueza de que sem-pre usei em meus escriptos. É tempo de parar com osappellos. Basta de appellos!

São Paulo está só. Saibamos vencer ou morrer, envolvi-dos no manto do nosso orgulho, sem atroar os ares compedidos de socorro. É isto o que pensam os nossos ir-

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mãos que estão dando o seu sangue nas trincheiras. É oque me mandam dizer.� (Medeiros, 1999, on-line).

Getúlio derrotou as forças constitucionalistas, mas per-cebeu que era difícil governar sem o auxílio das oligar-quias paulistas. Na tentativa de conquistar apoio,flexibilizou sua posição política e convocou uma Consti-tuinte, em 1933, com o objetivo declarado de conciliar asdiversas tendências políticas. Um ano depois, a nova Cons-tituição foi promulgada e Getúlio eleito presidente cons-titucional. Encerrava-se, assim, o Governo Provisório.

Para a imprensa constitucionalista, a vitória de Getúliofoi um duro golpe. Foram expulsos para Portugal 68 líde-res oposicionistas, entre eles Julio de Mesquita e o poetaGuilherme de Almeida. Os jornais que apoiavam o movi-mento foram encampados, a censura endureceu e as pri-sões de jornalistas tornaram-se rotina. Uma das vítimasfoi o popular jornalista Aparício Torelly, o Barão de Itararé.Em 1933, Torelly começou a publicar no Jornal do Povouma série de dez reportagens sobre a vida de João Cândi-do � líder da Revolta da Chibata, uma insurreição de ma-rinheiros, em 1910. Nelson Werneck Sodré conta:

Na terceira (reportagem), o conhecido homem de im-prensa foi seqüestrado por oficiais da Marinha e con-duzido para a Barra da Tijuca, onde sofreu vexames.Foi por isto, certamente, que o �Barão� mandou escre-ver, na porta da redação, �Entre sem bater� (1999: 379).

No ano seguinte, a voz de Francisco Alves transformava aperseguição política em tema de carnaval cantando �Anistia,anistia. Nos três dias de folia. Seu doutor não faça isso porfavor. Na prisão basta só meu coração� (Anistia, Odeon, 1934).

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Paralelamente à situação da política e da economia bra-sileira, a radiodifusão seguia seus passos iniciais. A legis-lação referente à regulamentação da radiodifusão pren-deu-se, inicialmente, aos seus aspectos técnicos. Na déca-da de 20, organizada em torno de associações sem finslucrativos, constituídas por intelectuais, a radiodifusão nãoera utilizada com objetivos econômicos nem políticos.Naquele momento, o ponto principal para o processo deregulação era:

(...) necessidade da distribuição das freqüências e daabrangência do sinal emitido pelas emissoras, não sóem territórios nacionais, mas principalmente com a ul-trapassagem desse sinal além de suas fronteiras(Federico, 1982: 11-12).

Mas na década de 30, a situação havia mudado radical-mente, com a radiodifusão transformando-se rapidamen-te. Ela começa a ser organizada com sentido claramenteeconômico e veículo para o estímulo ao consumo de pro-dutos industrializados, em grande escala, o que muda oconteúdo e o alcance de sua regulamentação. A partir deentão, juntam-se aos aspectos técnicos, os fatores de segu-rança nacional, do controle sócio-político do país e da in-fluência na opinião pública.

Fundando a RadiodifusãoAs primeiras experiências de telecomunicações no Bra-

sil ocorreram entre 1850 e 1900, com o desenvolvimentoda telegrafia por fio, da telegrafia sem fio e da radio-comunicação em geral. Maria Elvira Frederico localiza em1896, a primeira transmissão sem fio, ainda emitida em

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código Morse (1982: 23). Naquele momento, os princi-pais estímulos à evolução das transmissões foram a ga-rantia da vida no mar e a concorrência entre as nações,visando a conquista de novos mercados13.

A utilização dos telégrafos elétricos no Brasil, no en-tanto, já havia sido regulamentada pelo Decreto imperialno 2.614, de 21 de julho de 1860, que previa não só as fina-lidades do serviço, como também as respectivas tarifas.Quatro anos mais tarde, este decreto foi revogado pelo deno 3.288, de 20 de julho de 1864, que determinou a área deabrangência dos telégrafos elétricos, que deveriam servirà administração em geral, ao comércio e aos particulares.Dado o alcance e a natureza do novo meio de comunica-ção e também ao início dos serviços telefônicos, em 28 dedezembro de 1870 um novo decreto imperial estabeleceque as linhas telegráficas e, por extensão, os serviços tele-fônicos, deveriam ser de domínio do Estado.

A legislação permaneceu inalterada até 1877, quando oBrasil aderiu à União Telegráfica Internacional (Interna-tional Telegraph Union), através do Decreto n.º 6.761, de1º de outubro, comprometendo-se, assim, com a Conven-ção Internacional de São Petersburgo, realizada em 1875.A natureza das linhas telegráficas e dos serviços telefôni-cos foi reafirmada, em 1881, pelo Conselho de Estado, quemanteve ambos os serviços sob domínio do governo cen-tral, mas permitiu que fossem feitas concessões a particu-lares para sua exploração. Complementando os fundamen-tos legais que vieram a conformar a prestação de serviçosde telecomunicações no país, a primeira Constituição Re-publicana Brasileira, de 1891, deu aos governos estaduaiso direito de constituírem linhas dentro de seus limites,desde que não existissem serviços federais na região. Istosó foi modificado em 1911, quando o governo federal con-

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cedeu aos estados o direito de instalar linhas concorrentescom as federais.

A Constituição de 1891 consolidou a posição descentrali-zada adotada durante o Império. Esta política gerou atrasose defasagens na implantação de um sistema nacional inte-grado dos serviços telegráficos e telefônicos no Brasil(Federico, 1982: 27). Somente em 1917, através do Decreton.º 3.296, de 10 de julho, a exploração dos serviços deradiotelegrafia e radiotelefonia em todo o território nacionalvoltaram a ser de competência exclusiva do governo federal.As concessões a empresas particulares estrangeiras para a ex-ploração do serviço de telefonia continuaram a ser autoriza-das, permanecendo os Correios responsáveis pela regulamen-tação e fiscalização do serviço telegráfico. O último Decretopromulgado antes do advento da radiodifusão, o de n.º 4.262,de 13 de janeiro de 1921, revogou os parágrafos 1º e 2º do art.3º do Decreto n.º 3.296/17, restringindo às companhias eempresas brasileiras o direito de exploração de serviços deradiocomunicações no país (Federico, 1982: 31).

O Decreto no 3.296, de 10 de julho de 1917, é um docu-mento de grande importância na história da regulação dastelecomunicações no Brasil. Ele declara ser da exclusivacompetência do Governo Federal os serviços radiotele-gráfico e radiotelefônico no território brasileiro. Foi ela-borado, portanto, a partir do conceito de telecomunica-ções como objeto de regulamentação federal, isto é, su-bordinado à política nacional e não às políticas das pro-víncias regionais. Não poderia haver, portanto, regulamen-tações diferenciadas em cada província, mas uma únicaregulamentação para todo o país.

No plano técnico, o decreto utiliza os conceitos deradiotelegrafia � telégrafo sem fio � e radiotelefonia � tele-fone sem fio. O rádio e a televisão não estavam ainda em

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consideração como possibilidades tecnológicas de transmis-são de sons e imagens à distância. No plano político-execu-tivo, o conceito então utilizado estabelecia diferenciação entreos serviços de telecomunicações sob controle civil e os quedeveriam estar sob controle militar. A este último estavamsubordinados as aplicações destinadas à defesa nacional eao serviço do Exército e da Armada. Nesta época, a Aero-náutica e a aviação civil ainda não existiam no Brasil. Osdemais serviços ficavam sob controle do Ministério da Via-ção e Obras Públicas, o precursor do posteriormente cha-mado Ministério dos Transportes e Comunicações, do qualse desmembrou depois o Ministério das Comunicações.

Os serviços de telecomunicações estavam então vincu-lados às atividades do comércio, da navegação (marítima,lacustre e fluvial) e, evidentemente, à defesa do territórionacional. A indústria era inexistente no país e os serviçosresidenciais provavelmente caros demais para serem co-locados no mercado.

No Brasil, a primeira demonstração do que então sechamava de radiotelefonia, foi realizada em 1922, no altodo Corcovado, no Rio de Janeiro, com a colaboração daLight e da Cia. Telefônica Brasileira. As transmissões en-tão feitas divulgavam a capacidade do aparato radiofônicoda fornecedora de equipamentos Westinghouse.

Um ano mais tarde, foi fundada a primeira estação ra-diodifusora nacional pelos idealistas Edgard RoquettePinto, antropólogo e escritor, considerado o �Pai da Radi-odifusão Brasileira�, e Henrique Morize, presidente daAcademia Brasileira de Ciências e diretor do Observató-rio Nacional. Criada com finalidades educativo-culturais,a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro iniciou suas trans-missões em 20 de abril de 1923, a partir da Academia Bra-sileira de Ciências, da qual seus fundadores faziam parte.

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No contexto da época, a fundação da emissora foi quaseum ato de desobediência civil, pois a utilização do rádioencontrava-se restringida por lei, devido à sua conotaçãoestratégica, após a Primeira Guerra Mundial. Paraminimizar as conseqüências, Roquette Pinto indicou paraa presidência de honra da emissora o ministro da Viação eObras Públicas, Francisco Sá, de quem dependeria a revo-gação da lei. No dia 1o de maio, a Rádio Sociedade do Riode Janeiro fez a sua primeira transmissão experimental. Dezdias depois, Francisco Sá revogou a lei que tornava o rádiouma atividade clandestina e no dia 19 de maio a emissorapromoveu a sua instalação solene. Mas somente em 20 deagosto, o presidente Artur Bernardes autorizou oficialmenteo início das irradiações no Brasil, desde que para finseducativos (Siqueira, 2001: 4869). Três meses depois, em30 de novembro, foi constituída em São Paulo a Rádio Edu-cadora Paulista, também partindo de ideais educativos.

Neste período, marcado pela reunião de intelectuais emtorno de rádio-clubes, o uso e as implicações da radiotele-fonia já preocupavam as autoridades brasileiras, princi-palmente porque a Rádio Sociedade conquistava novosadeptos. Mas a radiodifusão era, àquela época, praticadapor diletantismo, movimentando apenas uma elite inte-lectual e social.

Até 1924, o governo entendia que a legislação existentepara a radiotelegrafia e radiotelefonia atendia o controleda atividade radiofônica. Em 5 de novembro daquele ano,contudo, foi promulgado o Decreto n.º 16.657, limitandoa prática da radiotelefonia e proibindo a inserção comer-cial nas transmissões, presentes nos Decretos n.º 3.296/17e n.º 4.262/21 (Federico, 1982: 50).

Mas o primeiro estatuto específico da Radiodifusão noBrasil só foi promulgado após a Revolução de 30, mais pre-

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cisamente, em 27 de maio de 1931, por meio do Decreto n.º20.047, assinado por Getúlio Vargas, então chefe do Gover-no Provisório. Percebendo o efeito que o novo veículo pro-vocava, as autoridades revolucionárias começaram a se pre-ocupar com a sua regulação definindo, então, a radiodifu-são como �serviço de interesse nacional e de finalidadeeducativa�. Um ano depois, através do Decreto no 21.111,de 1o de março de 1932, autorizou a veiculação de propa-ganda, limitada a 10% do tempo de transmissão.

Esses dois documentos estabeleceram as condições paraoutorga das concessões, a necessidade de constituição deuma rede nacional e fixaram as condições técnicas a seremobedecidas pelas emissoras. A sustentação financeira dorádio, porém, não foi diretamente abordada, embora ficas-se instituída a permissão para veiculação de inserções co-merciais. Os decretos de 1931 e 1932 definiram as modali-dades de serviços de telecomunicações, apresentaram a clas-sificação desses serviços e estabeleceram as atribuições daComissão Técnica do Rádio. O Decreto de 1932 foi o pri-meiro ato regulatório nacional a mencionar a televisão, uti-lizando a expressão �radiotelevisão�, uma especificidade daexpressão mais geral �radiocomunicação�, então utilizadapara referir-se ao que hoje se chama telecomunicações.

Sintonizado com a propaganda política que vinha sen-do feita nos Estados Unidos e na Europa através do rádio,Vargas, já naquela época, vislumbrava a utilização do novoveículo no Brasil. Nesse sentido, foi instituída também aobrigatoriedade de retransmissão simultânea de um pro-grama radiofônico nacional, a ser emitido pelo Serviço dePublicidade da Imprensa Nacional (Federico, 1982: 50).Este dispositivo foi mais tarde incorporado ao CódigoNacional de Telecomunicações, que, até hoje, obriga to-das as emissoras de rádio do país a retransmitirem o pro-

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grama Voz do Brasil, inaugurado em 1934, com o nome deHora do Brasil.

Federico afirma que os Decretos n.º 20.047/31 e n.º21.111/32, ao instituírem dispositivos de fiscalização téc-nica e de distribuição de freqüências e concessões, cria-ram um sistema indireto de cerceamento à disseminaçãode emissoras e de fixação das estações já existentes. Se-gundo ela, alguns artigos levaram à restrição do impulsoinicial da radiodifusão, incentivando a concentração. Distoresultou o domínio do poder econômico, uma vez que asentidades associativas tinham dificuldades para atender atodos os novos requisitos e, assim, continuar legalmenteem funcionamento. Este, aliás, foi um dos motivos quelevaram Roquette Pinto a doar a Rádio Sociedade do Riode Janeiro, a PRA-2, ao Ministério da Educação, pois nãodispunha de recursos para cumprir as novas determina-ções legais (Federico, 1982: 52).

O Decreto n.º 20.047/31, através de seu art. 14, por exem-plo, previa que os diretores de emissoras de rádio seriamresponsabilizados pelas idéias divulgadas através de seusprogramas, desde que o nome do autor não fosse mencio-nado. Este artigo foi posteriormente incorporado a Lei deImprensa � Lei n.º 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 � aindahoje em vigor, tanto em relação aos veículos impressos,quanto às emissões de radiodifusão, disposto no parágra-fo 1º do seu art. 28.

Nas emissões de radiodifusão, se não há indicação doautor das expressões faladas ou das imagens transmiti-das, é tido como seu autor: a) o editor ou produtor doprograma, se declarado na transmissão; b) o diretor ouredator registrado de acordo com o art. 9º, inciso III, letrab, no caso de programas de notícias, reportagens, comen-

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tários, debates ou entrevistas; c) o diretor ou proprietárioda estação emissora, em relação aos demais programas.

Já no art. 20, o decreto estipulava a necessidade de préviaaprovação da localização da emissora, das características deseus transmissores e dos planos de instalação. O art. 23 de-terminava a possibilidade de revisão e remanejamento defreqüências por razões técnicas ou de defesa nacional. E oart. 24, a obrigatoriedade de aperfeiçoamento das instala-ções e equipamentos, a fim de estabilizar as freqüências.Estes dispositivos foram posteriormente incorporados aoDecreto n.º 52.795/63, o Regulamento Geral da Radiodifu-são, através dos artigos: 10, parágrafo 4º, 21, 23, 46 e 48,bem como ao Código Nacional de Telecomunicações, atra-vés do seu art. 33, parágrafo 1º, letra b:

Art. 10: A outorga para exploração dos serviços de radi-odifusão será precedida de procedimento licitatório,observadas as disposições legais e regulamentares.Parágrafo 4º: Não havendo canal disponível, além doestudo mencionado no parágrafo anterior, o interessa-do deverá submeter ao Ministério das Comunicaçõesestudo demonstrando a viabilidade técnica, elaboradosegundo normas vigentes, relativo à inclusão de novocanal no correspondente plano de distribuição, na loca-lidade onde pretende explorar o serviço.

Art. 21: O Ministério das Comunicações poderá, emqualquer tempo, determinar que as concessionárias epermissionárias de serviço de radiodifusão atendam,dentro de determinado prazo, às exigências decorrentesdo progresso técnico-científico, tendo em vista a maiorperfeição e o mais alto rendimento dos serviços.

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Art. 23: O Ministério das Comunicações poderá, emqualquer tempo, proceder à revisão ou substituição dasfreqüências consignadas, por motivo de ordem técnica,de defesa nacional ou necessidade dos serviços federais.

Art. 46: As estações deverão executar os serviços de radio-difusão com os equipamentos e nas instalações aprova-dos e de acordo com o respectivo certificado de licença.Parágrafo 1º: Nenhuma alteração poderá ser feita naestação, sem prévia autorização do Ministério das Co-municações.

Art. 48: As empresas concessionárias e permissionáriasde serviços de radiodifusão são obrigadas a observar asnormas técnicas em vigor e as que venham a ser baixa-das pelo Ministério das Comunicações com a finalida-de de evitar interferências prejudiciais aos serviços detelecomunicações.

Lei n.º 4.117/62. Art. 33, parágrafo 1º: Na atribuição defreqüências para a execução dos serviços de telecomu-nicações serão levados em consideração: (...) b) as con-signações de freqüências anteriormente feitas, objeti-vando evitar interferência prejudicial (...).

Regulada no Brasil dentro do espírito autoritário daRevolução de 30, a radiodifusão atravessou todo o séculoXX operada sob licença do Poder Executivo federal. Eingressou no século XXI sem qualquer indicação de quepoderá, em algum momento, ter participação da socieda-de civil na regulação de suas atividades.

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Notas1 A Argentina, através de seu governo, apoiou abertamente os paí-ses do Eixo desde sua formação (Hobsbawm, 1997: 136)2 Por exemplo, foi de Goebbels a idéia da saudação �Heil Hitler�(Salve, Hitler) que ficaria cristalizada na memória da humanidade.3 �Em1933, os judeus representavam menos de um por cento dapopulação da Alemanha, algo em torno de 500 mil pessoas. Em1941, mais da metade deste contingente tinha deixado o país. Osdados foram retirados de Arquitetura da Destruição (1989)� (Kurtz,1999, p. 162).4 �Ainda segundo o filme de Cohen, a matança no âmbito interno� o chamado T4 � somente provocaria o protesto do clero quandocircularam rumores de que a �eutanásia� estava sendo �praticada�também em soldados alemães portadores de danos cerebrais, emdecorrência de ferimentos da guerra. No outono de 1941, 70 mildoentes mentais já haviam sido eliminados. A eficácia �científica�nazista é magistralmente abordada numa obra atípica de IngmarBergman, O Ovo da Serpente (Das Schlangeneiv), produção nor-te-americana e germânica de 1978, que bem poderia ser visto comoum filme de terror, não fosse a (quase irreal) realidade deste tipode aberração pseudo-científica praticada pelo nazismo. Na Berlimdos anos 30, os personagens de Liv Ullmann e David Carradinesobrevivem à crise econômica como cobaias de um terrível projetocientífico: eles serão, lenta e sistematicamente envenenados no lo-cal em que moram, sob o devido registro cinematográfico� (Idem).5 Os governantes dos Estados que constituíam a república federa-tiva do Brasil eram chamados, à época, de Presidentes.6 Há aqui uma cisão entre duas fontes consultadas: Maria RitaGalvão e Carlos Alberto de Souza afirmam que era um rapaz (1986,p. 468) enquanto Sérgio Augusto afirma ser uma jovem quem can-tarolava (2000, p. 53).7 A letra ironiza o presidente Washington Luis e a sucessão �vem,vem, vem/ pra ganhar vintém/vem, seu Julinho, vem/aproveitartambém�.8 �O pobre povo brasiLeiro/ Não tem, não tem, não tem dinheiro/O ouro veio do estrangeiro/Mas ninguém vê o tal cruzeiro/Ó seu

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Doutor! Ó seu Doutor!/Que sobe lá para o poLeiro/ Esquece cádo galinheiro/Só pensa num bom companheiro/A fim de ser o seuherdeiro�.9 �Seu Julinho vem, Seu Julinho vem/Se o mineiro lá de cima des-cuidar/Seu Julinho vem, Seu Julinho vem/Vem, mas custa, muitagente há de chorar�.10 �Eles pensavam que a pimenta não ardia/ e que seu Júlio não semexia/mas vendo Júlio com uma bruta maioria/ Getúlio Vargas lhesrepetia/Harmonia Harmonia/ 17 contra 3 é covardia�.11 �Getúlio/ você ta comendo bola/Não se mete com seu Júlio/Que seuJúlio tem escola/Atrás do liberalismo/Ninguém vá que esse cinismo/épotoca, é brincadeira�12 Foi preservada a ortografia original tal qual transcrita na repor-tagem de Jotabê Medeiros no próprio jornal em 07 de março de1999 (Medeiros, 1999, on-line).13 Uma prova destas experiências no Brasil é a investida da empresanorte americana Westinghouse, que enviou para o país, a título dedemonstração, duas estações transmissoras de 500 w, numa estratégiade busca de novos mercados. (Frederico, op.cit., p.15).

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