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Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR)

Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM)

Claudio Cezar Henriques (UERJ)

João Luiz Pereira Domingues (UFF)

João Medeiros Filho (UCL)

Leonardo Santana da Silva (UFRJ)

Luciana Marino do Nascimento (UFRJ)

Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ)

Michela Rosa di Candia (UFRJ)

Olavo Luppi Silva (UFABC)

Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ)

Pierre Alves Costa (Unicentro-PR)

Rafael Soares Gonçalves (PUC-RIO)

Robert Segal (UFRJ)

Roberto Acízelo Quelhas de Souza (UERJ)

Sandro Ornellas (UFBA)

Sergio Azevedo (UENF)

Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR)

Conselho EditorialSérie Letra Capital Acadêmica

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Claudia Susie Camargo RodriguesCláudia Maria Lima WernerTamara Tania Cohen Egler

Organizadores

EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA E CIDADE: uma experiência interdisciplinar

Vol. IV

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Copyright © Claudia Susie Camargo Rodrigues, Cláudia Maria Lima Werner e Tamara Tania Cohen Egler (Orgs.), 2019

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998.Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os

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Letra CapitaL editora

Telefax: (21) 3553-2236/[email protected]

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃOSINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

E26

Educação, tecnologia e cidade: uma experiência interdisciplinar / organização Claudia Susie Camargo Rodrigues, Cláudia Maria Lima Werner, Tamara Tania Cohen Egler. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2019.

196 p. : il. ; 15,5x23 cm.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-674-9

1. Educação. 2. Educação - Efeitos das inovações tecnológicas. 3. Tecnologia educacional. 4. Professores - Formação. 5. Prática de ensino. I. Rodrigues, Claudia Susie Camargo. II. Werner, Cláudia Maria Lima. III. Egler, Tamara Tania Cohen.

19-58786 CDD: 371.334 CDU: 37.01:62

Leandra Felix da Cruz - Bibliotecária - CRB-7/6135

editores Tamara Tania Cohen Egler João Baptista Pinto

Capa Luiz Guimarães

projeto GráfiCo e editoração Luiz Guimarães

revisão Rita Luppi

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Sumário

Prólogo ................................................................................................7Tamara Tania Cohen Egler

Apresentação .....................................................................................11Claudia Susie Camargo RodriguesCláudia Maria Lima WernerTamara Tania Cohen Egler

Eixo i – Método e tecnologia na Educação ....................................17

Ensinar a pensar: método na formação de professores .................19Tamara Tania Cohen EglerVera Magalhães

Os sentidos da imanência e da autonomia: a reivenção da educação em Tamboril ...........................................31Lalita Kraus

A nata do NATA: a radical experiência do novo e a hipótese da formação de uma elite periférica na subjetivação do princípio do mérito .....................................................................46Reinaldo Ramos da Silva

Eixo ii – Formação de professores com tecnologia .....................77

Desafios da formação de professores para a integração de TIC ...79Andrea Brandão LapaMarina Bazzo de Espíndola

Trajetória de uma formação de professores/as para apropriação crítica de Tecnologias de Informação e Comunicação na prática pedagógica ...............................................96Vânia Amélia Miranda KoerichAndrea Brandão Lapa

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Realidade Virtual e Realidade Aumentada na UFRJ: experiências no ensino e na pesquisa ..........................................118Claudia Susie C. Rodrigues Cláudia M. L. Werner

Eixo iii – Arte e cidade na Educação ...........................................139

O graffiti e a paisagem da cidade: arte, política e cultura em Campos dos Goytacazes ...........................................................141Elis de Araújo MirandaArthur Nogueira Rangel

“Da escola para a cidade: a busca de caminhos interdisciplinares em Geografia e Artes para a formação da cidadania” .................166Raquel de Padua PereiraMicaela Altamirano

Lista de teses de doutorado e dissertações de mestrado .............185

Autores ............................................................................................190

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Prólogo 7

Prólogo

Muitos desafios foram produzidos ao longo da pesquisa que resulta nos livros que estamos levando a público, pesquisa

que teve financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo programa Observatório da Educação (OBEDUC). Fomos contemplados em dois editais: o primeiro, com o projeto “Políticas públicas para tecnologias da educação”, de 2011 a 2013; e o segundo, com o projeto “Política, tecnologia e interação social na educação”. Como podemos ler nos títulos, o objeto da pesquisa se inicia com o trabalho de compreender o lugar da tecnologia na educação, quando examinamos a inclusão de tecnologias nas escolas, e na Pedagogia. No segundo, se amplia o objeto de investigação para compreender a relação da tecnologia com o método de fazer educação e a transformação das relações entre a escola e a cidade dadas as tecnologias digitais.

Foi um longo trabalho: o primeiro foi realizado no Laboratório Espaço, que coordenamos no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) em parceria com o Lab3D da COPPE, coordenado pela professora Cláudia Maria Lima Werner, ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Já o segundo foi realizado por quatro laboratórios de pesquisa, incluindo dois outros grupos de pesquisa: a) Laboratório Cultura, Planejamento e Repre-sentação Espacial, coordenado por Elis Miranda, da Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), de Campos dos Goytaca-zes; b) o Laboratório de Novas Tecnologias (LANTEC), da Univer-sidade Federal de Santa Catarina (UFSC), coordenado por Andrea Lapa, da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. O primeiro focou na inclusão da cidade na educação, o segundo levou adiante a tarefa de formar uma rede de pesquisadores em educação.

Podemos enunciar os desafios de coordenação desses projetos, a partir das seguintes perguntas:

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8 Prólogo

– De que forma devemos valorizar a competência de cada labo-ratório?

– Como organizar uma pesquisa tão ampla?– Qual método e metodologia?– Como formar uma rede de pesquisadores?

Para organizar a pesquisa com a participação de um número considerável de pesquisadores, optamos pela autonomia de cada grupo de pesquisa. Esse posicionamento se deve a nossa percepção que considera a relação entre o individual e o coletivo, quando se compreende que para alcançar a coesão entre os indivíduos para formar um coletivo de objetivos compartilhados, parte-se da liber-dade de ação, por permitir a criatividade de cada um, que emana de suas próprias indagações, decorrentes de seu acervo. Esse posicio-namento se deve à percepção sobre a formação de coletivos autôno-mos que se comunicam entre si, o que permite relações imanentes na produção do conhecimento.

Existem duas formas de fazer pesquisa. Uma centralmente or-ganizada: o coordenador responde pela orquestração da pesquisa, quando ele formata a metodologia e a aplica em diferentes lugares. Pode-se fazer a mesma pesquisa a partir da mesma metodologia em diferentes cidades. A nossa proposta foi colocar em marcha uma concepção para fazer pesquisa com a participação de 60 pesquisa-dores; é preciso autonomizar o método e a metodologia, que foi o caso do segundo projeto aprovado pelo OBEDUC.

Consideramos que a democracia é a melhor forma de fazer pesquisa coletiva. Quando a criatividade emana de cada pesquisa-dor, e permite a realização da pesquisa por cada pesquisador, o que revela a complexidade dos olhares, objetos e acervos de cada um para formar uma totalidade em torno de uma forma de pensar, fazer e agir compartilhada. Essa totalidade permite encontrar uma nova percepção da complexidade que se deseja examinar. Trata-se de sair de um plano de pesquisa centralmente organizado para um plano de pesquisa descentralizado e democrático.

Isso é muito importante porque o conhecimento passa a ser produto de uma relação que transfere do coordenador para o pes-quisador a responsabilidade de construir o seu objeto de conheci-

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Prólogo 9

mento, fazer a sua análise e delegar aos membros do coletivo a tarefa de produzir conhecimento novo. O poder da criatividade foi trans-ferido para a totalidade dos membros que participam da pesquisa. O que enriqueceu os resultados alcançados com o desenvolvimento da pesquisa. Essa forma de pensar resulta na publicação de quatro livros, sendo o presente livro o último da coletânea.

Política pública de educação e as sensorialidades no lugar – Vol. I Elis Miranda

Formação de sujeitos em espaços sociais virtuais – Vol. IIAndrea Lapa & André Lacerda

Tecnologia na política de educação – Vol. III Tamara Tania Cohen Egler & Lalita Kraus & Vera Lucia Magalhães

Educação, tecnologia e cidade: uma experiência interdisciplinar – Vol IV Claudia Susie Camargo Rodrigues, Cláudia Maria Lima Werner & Tamara Tania Cohen Egler

Essa estratégia resulta numa percepção que reúne os múltiplos olhares sobre a educação, como valorizar as relações da técnica com o método para fazer uma educação criativa e criadora, que encon-tramos no livro organizado por Elis Miranda, ou seja, os resultados alcançados pela pesquisa através da qual se examinam as sensoriali-dades do lugar na educação cidadã. Com Andrea Lapa e André La-cerda, o volume II examina a relação da técnica com a formação de professores. No livro organizado por Tamara Tania Cohen Egler, Lalita Kraus e Vera Lucia Magalhães – o volume III –, é examina-do o método de fazer educação bem como as transformações das relações da escola com a cidade quando mediadas por tecnologias de informação e comunicação. No livro coordenado por Claudia Susie Camargo Rodrigues, Cláudia Maria Lima Werner e Tamara Tania Cohen Egler, volume IV, que ora estamos apresentando, es-tão publicados os principais resultados analíticos realizados durante o transcorrer da pesquisa.

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10 Prólogo

Era nosso objetivo, portanto, revelar que a técnica é inseparável do pensamento humano, sendo possível fazer formação crítica por mediação da tecnologia, onde o espaço é sujeito e objeto da educa-ção, sendo que nós, professores e pesquisadores, temos competên-cia para pensar e propor políticas de educação com mediação tec-nológica. Tudo isso para dizer que não precisamos importar paco-tes digitais produzidos por corporações educacionais globalizadas e que produzem relações transcendentes de dominação globalizada sobre a educação no Brasil.

Tamara Tania Cohen EglerCoordenadora geral das pesquisas

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Apresentação 11

Apresentação

Claudia Susie Camargo RodriguesCláudia Maria Lima WernerTamara Tania Cohen Egler

O presente livro é produto da pesquisa “Política, tecnologia e interação social na Educação”, coordenado pela professora

Tamara Egler e financiado pelo programa Observatório da Educação (OBEDUC) da CAPES. Nele estão apresentados os principias resultados analíticos, que aconteceram ao longo do trabalho que reuniu grande número de pesquisadores em torno do objeto associado às relações entre tecnologia, educação e cidade. Era preciso examinar um conjunto de fatores, como as transformações necessárias no método de fazer educação, as possibilidades da tecnologia na pedagogia, as transformações necessárias à formação de professores, apresentando uma oportunidade de ensino e pesquisa com caráter multidisciplinar e, no entendimento da criação de uma nova paisagem urbana, inovando na forma de ensinar, ressignificando o cotidiano escolar de forma mais criativa, dinâmica e lúdica.

Para alcançar esse desígnio, o livro foi organizado em três ei-xos, a saber: Método e tecnologia na Educação; Formação de profes-sores com tecnologia; Arte e cidade na Educação.

Eixo I – Método e tecnologia na Educação

No artigo “Ensinar a pensar: método na formação de professores”, de autoria de Tamara Egler e Vera Magalhães, a ques-tão proposta para análise se desenvolve a partir da percepção que considera a superação do processo de ensino-aprendizagem conteu-dista, para propor uma forma de educar relacionada com o método

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12 Apresentação

de fazer pesquisa que está associado ao conhecimento que ensina a pensar, e que tem por objetivo ampliar a capacidade de compreen-são dos professores, para compreender o mundo em que vivemos. A autora tem por ponto de partida sua experiência vivida no labo-ratório Espaço do IPPUR/UFRJ, onde desenvolveu um método de orientação de IC, mestrado e doutorado. Foi possível transferir esse conhecimento para a escola, para o desafio de compartilhar esses saberes com professores da educação fundamental. O objetivo geral foi investigar o processo de formação, por mediação de tecnologias, do pensamento criativo e analítico, no sentido de desenvolver o pen-samento abstrato e capacitar o cérebro a fazer operações mentais para dar significado à coisa que se deseja analisar, para a difícil tarefa de associar empiria com teoria. Quer dizer, a proposta pedagógica foi formar professores na pesquisa, para que eles possam ensinar os estudantes a pensar a partir de suas próprias interrogações. O pri-meiro passo foi formar os professores no método, para capacitar sua repetição em sala de aula. Essa estratégia deve-se a nossa compreen-são que considera a subjetivação do conhecimento como produto de sua produção; trata-se de aprender fazendo. O seu método está associado à certeza de que a informação está disponível na Internet, sendo acessível por meio de palavras-chave, o que torna dispensável produzir aulas para transmitir informação. O trabalho é ensinar a pensar. Como fazer isso? O foco do trabalho esteve associado aos processos e procedimentos que devem ser conhecidos para se alcan-çar o desígnio de produzir um pensamento analítico. E para isso a proposta foi separar informação acessível na Internet, de capacida-de analítica. Para tanto, torna-se necessário sair do conteúdo para entrar na análise do mundo de verdade, que existe no presente, nos diferentes contextos da complexa realidade do nosso país.

O artigo “Os sentidos da imanência e da autonomia: a reinven-ção da educação em Tamboril”, de Lalita Kraus, analisa a prática político-pedagógica da educação contextualizada para a convivência com o Semiárido, implementada nas escolas municipais de Tambo-ril, no Estado do Ceará, incluindo todo um conjunto de elementos que possibilitam uma reinvenção da educação a partir da busca de autonomia dos sujeitos envolvidos no processo educacional. Trata--se de prática defendida e implementada pela Rede de Educação do

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Apresentação 13

Semiárido Brasileiro (RESAB), uma articulação sociogovernamen-tal que é composta por organizações governamentais e não gover-namentais e atua nos 11 estados do Semiárido brasileiro. O método dialoga com Paulo Freire, se baseia na realidade social dos estudan-tes e possibilita contextualizar o processo de ensino-aprendizagem com a diversidade cultural de cada lugar a partir do princípio de que a educação deve estar associada ao lugar no qual se vive. Resulta da construção coletiva de movimentos sociais e institutos de pesqui-sa, quando a concepção de convivência propõe um paradigma de desenvolvimento fundado na combinação entre atividades econômi-cas apropriadas e a garantia de qualidade de vida para a população, respeitando as condições ambientais.

“A nata do NATA: a radical experiência do novo e a hipótese da formação de uma elite periférica na subjetivação do princípio do mérito”, de Reinaldo Ramos da Silva, apresenta o resultado de sua pesquisa de doutorado sobre um estudo referente à atuação dos vetores socioestruturantes da NATA, escola profissionalizante de ensino médio do Estado do Rio de Janeiro. A pergunta principal examina os resultados sociais alcançados por um discurso eminen-temente competitivo e meritocrático, que foca na valorização da au-toiniciativa. Importantes resultados da pesquisa realizada revelam como no lugar de práticas individualistas associadas ao discurso, foi possível observar o que orientou as práticas colaborativas e hu-manistas dos estudantes egressos da escola de ideologia neoliberal.

Eixo II – Formação de professores com tecnologia

O segundo eixo é formado por três artigos, o primeiro deles, de autoria de Andrea Lapa e Marina Espíndola, discorre sobre os “Desafios da formação de professores para a integração de TIC”. Nesse artigo, as autoras trazem reflexões que fundamentaram sua prática, tanto nas intervenções quanto nas pesquisas, e representam o marco teórico que consideram orientador para a formação de pro-fessores, quando é dada a integração de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na escola. Apesar do potencial da educação como espaço de oportunidade para a formação para a cidadania, observam um grande descompasso da escola com a cultura digital.

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14 Apresentação

Para fazer o percurso no campo identificam questões associadas à linguagem; as formas de organização curricular; constrangimento de um currículo organizado de maneira linear e fragmentada; as formas de organização social em redes rizossômicas; a importância da interdisciplinaridade, entre outras. Sua proposta para a forma-ção de professores está estruturada em dois eixos: acesso às redes digitais de banda larga da Internet e a apropriação crítica do conhe-cimento socialmente produzido.

O segundo artigo “Trajetória de uma formação de professo-res/as para apropriação crítica de Tecnologias de Informação e Comunicação na prática pedagógica”, de Vânia Koerich e Andrea Lapa, retrata bem seu conteúdo. O artigo é um produto de uma dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC. O seu objetivo apresenta os resultados da organização de um processo de formação de professores quanto a uma apropriação crítica das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) nas práticas pedagógicas. Foca no processo vivenciado por quatro professores/as de uma escola básica da rede pública estadual de Santa Catarina, quando foi realizada uma expe-riência singular de intervenção e pesquisa sobre o uso de espaços sociais virtuais da Internet nas práticas de ensino. Foi um experi-mento de interação universidade/escola que se realizou a partir da formação para práticas de pesquisa originárias da universidade e aplicadas para os professores das escolas, que foram desafiados a fazer pesquisa, participar de seminários e escrever artigos autorais. A metodologia qualitativa contou com observação participante, análise documental e entrevista semiestruturada, e teve como ob-jetivo identificar fatores e circunstâncias que favorecem a formação de professores na integração crítica de tecnologias digitais de in-formação e comunicação. Os resultados são positivos e revelam ser possível levar para a escola os sentidos de autoria e dignificação, que resultam da pesquisa e que favorecem as práticas pedagógicas.

Já o terceiro artigo, de autoria de Claudia Rodrigues e Cláudia Werner, intitulado “Realidade Virtual e Realidade Aumentada na UFRJ: experiências no ensino e na pesquisa”, apresenta uma nova oportunidade de ensino e pesquisa, com um caráter multidiscipli-nar, criada no Programa de Engenharia de Computação e Sistemas

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Apresentação 15

da COPPE/UFRJ, e descreve a disciplina de Introdução à Realida-de Virtual e Aumentada como um de seus resultados. As autoras discutem os benefícios que a Realidade Virtual e a Realidade Au-mentada proporcionam hoje e num futuro bem próximo na área da educação, e destacam o crescimento do interesse no contato com essas tecnologias 3D.

Eixo III – Arte e cidade na Educação

No terceiro eixo, Elis Miranda e Arthur Rangel, em “O graffiti e a paisagem da cidade: arte, política e cultura em Campos dos Goytacazes”, apresentam sua pesquisa sobre as referências simbóli-cas impressas na paisagem urbana da cidade de Campos dos Goyta-cazes, no Estado do Rio de Janeiro, produzidas por grafiteiros. Nes-sa perspectiva, o graffiti é entendido enquanto uma arte libertária que busca difundir novas ideias, mensagens políticas e referências culturais. Um movimento artístico que vem passando por processos de ressignificações em sua própria estrutura organizacional, técnica e de estética. Dessa forma, esse estudo possibilita um entendimento da criação de uma nova paisagem urbana, onde o sentido da repre-sentação é descrito sob a ótica dos artistas, produtores desses novos significados. Sendo os grafiteiros sujeitos da ação, o artigo revela como essas ações recriam a paisagem urbana.

Ainda nesse eixo, o artigo “Da escola para a cidade: a busca de caminhos interdisciplinares em Geografia e Artes para a forma-ção da cidadania”, de Micaela Altamirano e Raquel Pereira Pádua, propõe inovar as formas de ensinar e ressignificar o cotidiano es-colar, tornando-o mais criativo, dinâmico e lúdico. Dessa forma, os estudantes compreendem que podem ser agentes ativos nos espaços públicos. Em especial, é relatado o caso de um projeto realizado com as turmas de sexto ano de uma escola municipal da cidade de São Paulo que misturou a linguagem das artes plásticas com a foto-grafia. Essa experiência, dentre outras, objetivou a valorização das vivências do espaço urbano para a formação da cidadania, através do diálogo interdisciplinar sobretudo entre Geografia e Artes, bem como outras áreas e disciplinas, como a Literatura.

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eixo i Método e tecnologia na Educação

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eixo i - MÉTODO E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO 19

Ensinar a pensar: método na formação de professores

Tamara Tania Cohen Egler1

Vera Magalhães2

É preciso estar atento aos processos de transformação do mundo. Esse é o nosso desígnio: compreender o mundo

em que vivemos e como se transforma a educação fundamen-tal, no contexto da sociedade da informação e comunicação. No presente artigo o objetivo é revelar o método que usamos para fazer avançar a pesquisa “Política, tecnologia e interação social na educação”3, que examina a transformação da Educa-ção pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). A questão se desenvolve a partir da percepção que considera a superação do processo de ensino-aprendizagem conteudista, para propor uma forma de educar associada ao método de fa-zer pesquisa, e tem por objetivo ampliar a capacidade de pen-sar de professores e estudantes, para analisar e compreender o mundo em que vivemos.

O desenvolvimento da pesquisa deve-se à possibilidade de fazer uma ponte entre o nosso laboratório de pesquisa4 e a escola, o que foi possível pelo fato de receber recursos financeiros, do Observató-rio da Educação (OBEDUC) da Capes. A primeira tarefa foi compor os grupos de pesquisa, e para tanto foi realizada uma seleção de

1 Tamara Egler – professora titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional IPPUR/UFRJ, pesquisadora CNPq, coordenadora do Lab Espaço, coor-denadora do INCT Política Pública, Inovação e Desenvolvimento Urbano. 2 Vera Magalhaes – professora de Língua Portuguesa e Literatura – Colégio Esta-dual Candeia /Escola Socioeducativa João Luiz Alves. 3 Projeto premiado pelo edital do Observatório da Educação (OBEDUC) da Capes. 4 Projeto Tecnologia na educação e na cidade, coordenado por Tamara Egler, pre-miado no edital Obeduc da CAPES, 2013.

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20 eixo i - MÉTODO E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO

professores, e os critérios utilizados passavam pelo perfil de pro-fessores necessariamente associados ao tema proposto no projeto de investigação e multidisciplinaridade do grupo de professores. Foi quando optamos por concentrar a pesquisa em torno de uma escola: O CIEP 175 – José Lins do Rego, em São João de Meriti, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. No presen-te artigo nosso objetivo é levar a público o método que aplicamos para desenvolver a pesquisa que tem por objetivo analisar o lugar da mediação tecnológica na Educação.

Esta proposta tem sua origem na minha condição de professora pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Re-gional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), onde coordeno o Laboratório Espaço. Essa condição me permitiu desenvolver ampla experiência de orientações de pesquisa para dou-torado, mestrado e IC. Quando ao lado da professora Ana Clara Torres Ribeiro, socióloga e metodóloga, foi possível apreender a complexidade do presente método. O nosso desafio foi levar essa nossa experiência para compartilhar esses saberes com professores da Educação fundamental.

O nosso objetivo geral é investigar o processo de formação, por mediação de tecnologias, do pensamento criativo e analítico, no sentido de desenvolver o pensamento abstrato e capacitar o cérebro a fazer operações mentais para dar significado à coisa que se deseja analisar, para a difícil tarefa de associar objeto empírico e objeto teórico. Os objetivos específicos estão enunciados a seguir:

– formação de professores pesquisadores;– fazer o exercício de identificar objetos;– identificar as variáveis do objeto;– ampliar a capacidade de fazer a interlocução com os autores

do campo;– proceder a sua análise da realidade;– dar sentido comum à realidade, produzir identidades e alte-

ridades;– capacitar o cérebro para produzir representações do pensa-

mento;– interagir com o mundo social ele mesmo.

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eixo i - MÉTODO E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO 21

Para alcançar o desenvolvimento da investigação, foram enun-ciadas as seguintes perguntas:

• Qual é a importância do método de educar com tecnologia?

• Como, por que e quando elas são utilizadas para fazer a for-mação das pessoas e cidadãos?

• Quais são as potencialidades do método para desenvolver potencialidade ou para impor limites?

• Como podemos pensar políticas públicas que ampliem a ca-pacidade de comunicação e interação social na educação?

Formação de professores na pesquisa

O primeiro passo foi formar os professores no método, para capacitar sua repetição em sala de aula. Essa estratégia deve-se a nossa compreensão que considera a subjetivação do conhecimento como produto de sua produção; trata-se de aprender fazendo. Não conhecemos outra possibilidade de ensinar a fazer pesquisa que não através da experiência. Essa premissa antecede e sucede a ordem de desenvolvimento dos trabalhos; a produção e apropriação do conhe-cimento fazem parte de uma mesma totalidade, cada passo produ-zindo novas interrogações e conduzindo para novos objetos. É um processo sucessivo, produção/apropriação, não acaba nunca. É no exercício de fazer pesquisa que se forma o professor/pesquisador, para que ele possa levar para sua sala de aula o método subjetivado. No sentido de substituir o processo de ensino-aprendizagem con-teudista, por uma forma criativa de pensar e analisar a realidade em que se vive. Quer dizer, a proposta pedagógica é formar professores na pesquisa, para ensinar os estudantes a pensar a partir de suas próprias interrogações.

A partir dessa proposta foi possível aplicar o método de fazer pesquisa com os professores associados ao projeto, e o desafio era capacitar os professores para definir o seu objeto de conhecimento, e para formular a sua pergunta sobre a realidade de sua vida cotidia-na. Quando cada professor propôs diferentes objetos de investiga-ção, foi possível observar a delimitação de diferentes objetos, desde o uso da tecnologia no ensino de línguas, da cidade como espaço

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22 eixo i - MÉTODO E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO

de educação, do dimensionamento de objetos edificados, e também de processos químicos e físicos na vida cotidiana, para citar os mais importantes.

Para fazer essa transmissão era preciso formar o grupo de pes-quisa, construir um espaço de interlocução entre diferentes pesqui-sadores, professores e estudantes e formar um grupo coeso para exercitar o método e capacitar para a realização da pesquisa. Para fazer isso nós compreendemos a comunicação como a ação que nos coloca em comum (SANTOS, 1994), são os fios invisíveis da comu-nicação que formam o tecido social e dão sentido comum ao mun-do. Esse foi o objetivo: formar um grupo de pesquisadores coesos, para a tarefa de fazer a transmissão do método. Essa condição é importante porque se considera o grupo de pesquisa como um co-letivo em que a comunicação acontece de forma vertical e horizon-tal, do professor para os estudantes e também entre os estudantes. Com isso foi possível formar o grupo coeso, para ampliar a fluidez da comunicação e a confiança entre os membros da pesquisa. Nem tudo eram rosas, e ao longo do processo aconteceram desligamen-tos, tanto como desejo dos estudantes quanto determinação da nos-sa coordenação.

Estamos diante de uma proposta de método que muda a forma de pensar a produção e apropriação do conhecimento. Não se trata de produzir o conhecimento pela divisão das disciplinas, mas pela especificidade do objeto. Trata-se de educar pela ação do sujeito na produção do conhecimento, ou melhor, de formar os professores para objetivar o mundo e responder às perguntas sobre a realidade em que se vive. Esse foi o nosso trabalho: aplicar a proposta de pro-dução da pesquisa para a análise dos fenômenos sociais, de Bour-dieu (1998; 2007) e Ribeiro (2001; 2011) na educação fundamental.

Na modernidade, a organização do conhecimento se estrutura pela divisão das disciplinas, quando se considera um conjunto de normas que organizam um determinado ramo do conhecimento, como, por exemplo, Sociologia, Política, Economia, História entre outras. A contribuição de Bourdieu (1998; 2004) e Ribeiro (2001; 2012) estabelece um ponto de observação distinto, que propõe um deslocamento da divisão das disciplinas para a produção de obje-tos e campos. Mas, o que é isso? Trata-se de sair de um lugar inte-

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lectualista para entrar na análise do mundo social de verdade, do que existe. Quando se supera a divisão tradicional para entrar num processo analítico capaz de reencontrar os fios condutores da tota-lidade do objeto em observação e considerar a sua indivisibilidade.

Foi possível compreender como a organização do conhecimen-to por disciplinas da modernidade está superada. Por isso a pesquisa foi organizada contemplando as diferentes disciplinas; os membros da pesquisa estavam associados à formação em Sociologia, Sistemas de Informática, Pedagogia, Letras, Matemática, História, Química, Física. O desenvolvimento dos trabalhos teve o objetivo de examinar os efeitos do método proposto, nas diferentes disciplinas. Era possível a sua aplicação nas diferentes salas de aula das diferentes disciplinas. A multidisciplinaridade proposta permitiu a experiência necessária tanto nas Ciências Humanas como nas Ciências Exatas. A integração dos resultados alcançados – tanto pelos professores de Exatas como pelos professores de Humanas – revela como é possível pensar fenômenos físicos e sociais por um método compartilhado.

O conceito de campo em Bourdieu (1998) significa formas de pensar e agir compartilhadas. Por isso a importância do sentido de multidisciplinaridade, para ampliar as possibilidades analíticas de-rivadas de diferentes teorias, de diferentes disciplinas. Quando se coloca à disposição do pesquisador categorias e conceitos das dife-rentes disciplinas, produz-se uma interação conceitual e amplia-se a capacidade de dar significado às coisas. O que permite a produção do conhecimento novo, esse que resulta da reflexão em torno do objeto proposto.

Essa proposta é importante para nós porque autonomiza o professor a pensar e analisar a realidade em que vive. Nós estamos acostumados a pensar em termos de narrativas que se fazem sobre a sociedade e que são repetidas em sala de aula pelos professores. São estruturas simbólicas que estruturam a vida social, como ensina Bourdieu (1998). Essa é a prática da educação nas escolas do Brasil, quer dizer, o professor passa pela formação em uma das disciplinas tradicionais e irá repetir essa narrativa para os estudantes em sala de aula. A proposta é revolucionar a educação a partir de um posi-cionamento político que valoriza o sujeito do pensamento criativo.

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O método

O método está associado à uma forma de organizar o pensa-mento, é uma operação mental, acontece no cérebro (MORIN, 2005) e está associada à capacidade do indivíduo por produzir sinapses en-tre os neurônios; resulta da experiência acadêmica, produz acervos do conhecimento e amplia a capacidade de pensar acumulada pelo indivíduo. Trata-se de apreender e subjetivar a complexidade das categorias e conceitos para que sejam reintroduzidos na realidade e permitam analisar o fenômeno em processo de observação. Quer dizer, teoria e empiria fazem parte de uma mesma totalidade e não podem ser separadas. A teoria deve entrar como um instrumento para a análise e não como uma narrativa dada para ser decorada.

Esse ponto de nossa demonstração é importante porque recu-sa a Educação que ensina apenas conteúdo teórico. Nós sabemos como, no ensino universitário, a formação de professores está as-sociada a um conjunto de conteúdos disciplinares que deve ser se-guido por todas as escolas, por todos os professores, para todas as disciplinas, em todos as cidades dos país. Um único olhar sobre a realidade, o que impõe o pensamento único, destituído de sentido sobre a realidade na qual se vive.

O trabalho de pesquisa: construindo o objeto

Como ensinar o método?A primeira tarefa foi ensinar como objeto empírico + objeto

teórico = objeto. Essa distinção é muito importante porque nós es-tamos acostumados a pensar a partir de textos prontos, que se auto-definem como capazes de escrever a verdade sobre o mundo. O que precisamos fazer é ensinar a escrever o que podemos compreender do mundo.

O ponto de partida considera a autonomia do pesquisador na delimitação do objeto de investigação, e, para tanto, se considera essa abstração como movimento interno ao sujeito pesquisador, sen-do o trabalho de coordenação permitir a emergência de objeto de pesquisa de cada membro associado à linha de pesquisa proposta. Trata-se de ensinar o método de fazer pesquisa, e este é o desa-

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fio: operar o pensamento para a tarefa de compreender a realidade que vivemos e interagir com ela positivamente, considerando a me-diação de tecnologias de informação e comunicação, para propor transformações na educação fundamental.

Na contemporaneidade, com o desenvolvimento de Tecnolo-gias da Informação e Comunicação (TIC), a produção do conheci-mento pode ser organizada por objeto e campo. A criação do obje-to é produto do ponto de vista do sujeito que é capaz de interrogar, fazer perguntas sobre a sua condição com o seu corpo, e sua relação com o mundo que o cerca. Compreendemos que cada pessoa tem uma causa, alguma coisa que toca na sua emoção e que se deseja compreender. O trabalho ao qual nos propomos é transformar a emoção numa questão que orienta para a definição do objeto do conhecimento. Quer dizer, trata-se de fazer a ponte entre emoção e razão, para a tarefa de compreender o mundo em que vivemos. São os problemas da vida cotidiana que se transformam em objetos do conhecimento. Uma forma de organização do pensamento, capaz de reconhecer, identificar e analisar uma coisa que estamos interro-gando no nosso cérebro. Essa foi a nossa proposta para os profes-sores: ver e ler a coisa que está no seu cérebro, como nos legou Ana Clara Torres Ribeiro (2001, 2012).

Essa operação mental capacita o pesquisador a levar adiante a complexidade das atividades necessárias para o desenvolvimento da pesquisa. Para fazer isso é preciso delimitar o objeto empírico; identificar o objeto teórico; criar processos e procedimentos para o desenvolvimento da metodologia, quando os resultados alcançados pelas operações propostas permitem a realização da análise. A sala de aula é o lugar da experiência dos professores, onde se conhecem as condições dos processos de ensino-aprendizagem, potencialida-des e limites.

Ali se encontram os atores, processos e fatos que delimitam o objeto empírico. A tarefa está associada à capacidade de fazer a re-visão da literatura para alcançar o desígnio de identificar categorias e conceitos. Para fazer a associação entre objeto empírico e teórico e, assim, desenvolver a capacidade analítica sobre o objeto proposto. É uma operação mental, resulta da capacidade de cada um fazer a devida associação entre objeto empírico e objeto teórico. A somató-

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ria dos dois vai resultar na construção do objeto. Objeto empírico + objeto teórico = objeto.

O método aqui proposto está associado a essa certeza de que a informação está disponível na Internet, sendo acessível por meio de palavras-chave, o que torna dispensável produzir aulas para trans-mitir informação. O nosso trabalho é ensinar a pensar. Como fazer isso? O foco do trabalho esteve associado aos processos e proce-dimentos que devem ser conhecidos, para alcançar o desígnio de produzir um pensamento analítico. Este foi o maior desafio: sair do conteúdo para entrar na análise do mundo de verdade, que existe no presente, nos diferentes contextos da complexa realidade do nos-so país.

Para fazer a transmissão, a primeira tarefa foi solicitar aos es-tudantes e formação a enunciação de um pequeno texto contendo causa, questão e perguntas que antecipam a delimitação do objeto do conhecimento. O ponto de inflexão considera a separação do objeto empírico e objeto teórico. Sabemos como essa não é uma ta-refa fácil, está associada a nossa capacidade de realizar a delimitação do objeto empírico identificando atores, processos e fatos. E a iden-tificação de autores, teorias, categorias e conceitos, para construir o objeto teórico.

Para alcançar esse desígnio, era preciso considerar o trabalho na sala de aula, associado à experiência do professor. O desafio era pro-por uma questão sobre o que existe na transmissão do conhecimento, em cada aula, de cada professor, que poderia ser transformado em objeto empírico. Compreende-se a questão como uma problemática e se deseja examinar, e o objeto como as relações que se estabelecem entre atores, processos e fatos de um recorte da realidade.

O objeto é produto do pensamento, do ato de conceber uma problemática que está associada à experiência do sujeito, e do ponto de vista que ele escolhe para ver e ler o fenômeno em processo de investigação. É uma coisa que se deseja conhecer, compreender e analisar. Essa coisa está associada a nossa experiência de vida e de trabalho, e quanto maior o acúmulo de conhecimento, maior a ca-pacidade de ver, ler, compreender a analisar. É preciso separar o ob-jeto percebido pelo objeto cientificamente produzido. O primeiro é produto da experiência, o segundo é produto do método científico.

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O primeiro é dos sujeitos observadores; o segundo é da ciên-cia, socialmente produzido. Quer dizer, para formular um objeto é importante construir relações analíticas entre teorias, categorias e conceitos. Quando se considera a teoria formada por categorias e conceitos que têm o poder de dar significado às coisas em obser-vação, a teoria deve ser acionada de forma ativa para ser capaz de dar significado ao objeto empírico. O objeto só pode ser definido perante uma problemática teórica; não se trata de fazer apenas uma descrição empírica, mas de colocar o objeto empírico em relação ao objeto teórico. Isso quer dizer que a análise é produto dessa forma de pensar, capaz de fazer a interação analítica entre teoria e empiria (BOURDIEU, 2007). Esse foi o desafio proposto aos professores que participaram da pesquisa.

Na nossa experiência de trabalho, observamos um conjunto de pesquisas que ora valorizam empiria, e ora valorizam a teoria, muitas vezes com dificuldades de fazer a análise que se origina da interação analítica entre as mesmas. Para a nossa análise, o méto-do para fazer pesquisa é produto de um olhar sobre a realidade, essa inatingível. Importa reconhecer que se trata de uma operação mental, uma representação que obedece a uma ciência socialmente produzida.

Objeto teórico

Para alcançar resultados positivos de pesquisa é necessário pro-duzir um objeto teórico que valorize e reconheça a diversidade de teorias. Para promover o debate teórico, alertamos para a necessária condição de estar sempre alerta no sentido de ampliar a família de conceitos visando à produção de uma análise criativa. O avanço da formulação do método dá-se a partir da formulação de uma família de conceitos5 que permite iluminar e dar significado à complexidade dos fenômenos em processo de observação, e tem por objetivo dar lógica à linha demonstrativa da narrativa.

A produção do conhecimento é uma operação abstrata, ela será sempre uma representação da realidade, jamais a realidade em si,

5 Ibidem.

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por essa ser inatingível. Os professores devem então se reconhecer como produtores de estruturas simbólicas e, para isso, é necessário compreender que cada um representa o mundo à luz de sua subje-tividade. A produção simbólica da realidade pode ser realizada por diferentes linguagens. A Arte, a Sociologia, e mesmo a Física são sempre abstrações, representações simbólicas que representam uma parte do mundo.

Ao longo do trabalho foi possível valorizar toda linguagem ca-paz de dar significado ao mundo. Essa compreensão é muito impor-tante na contemporaneidade, já que a imagem digital veio para fa-zer parte do mundo. Muito importante é o texto de Miriam Moreira Leite, que explica como o texto imagético é tão importante como o texto verbal. A invenção da tecnologia digital permite mil e umas representações da realidade, amplia as possibilidades de dar signifi-cado ao mundo em que vivemos, tanto no que se refere à linguagem, quanto àquilo que se refere à acessibilidade e à difusão da narrativa.

O desenvolvimento das atividades se deu ao longo de seminá-rios, quando tivemos a oportunidade de acompanhar cada uma das etapas propostas, delimitação de objeto empírico e objeto teórico, até que os professores fossem capazes de proceder à análise, quando foram entregues os relatórios de pesquisa. Durante os seminários foi possível percorrer um conjunto de temas pertinentes ao exercício do método, sendo nosso objetivo revelar a importância do método, garantir a autonomia do professor pesquisador, valorizar a criativi-dade, reconhecer a produção de conhecimento novo, e dignificar a condição de ser professor, que ensina a pensar.

O poder da educação

Quer dizer, a educação no país está fundada sobre narrativas pré-concebidas, essas que definem os conteúdos que deverão ser da-dos em sala de aula. Respondem por uma forma de pensar anterior-mente definida pelas elites políticas. Associada a interesses inconfes-sáveis sobre o destino das classes subalternas. Por isso, a importante contribuição de Gramsci, que ilumina a nossa análise quando alerta sobre a interpretação dos interesses que estão por trás dessa prática de educação.

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O conceito de hegemonia é uma forma de pensar referida à vontade coletiva, que deve ser prioritária sobre a vontade individual e revela a importância do interesse público sobre o privado. Sendo a educação uma construção intersubjetiva da vontade geral. Esse é o nosso desígnio: fazer uma educação ancorada na enunciação de uma narrativa autônoma, reflexiva, imanente. Como produzir um consenso criativo, que resulta da análise de cada sujeito, quer sejam professores, quer sejam estudantes. O desafio proposto na educação pelo método é fazer pesquisa para alcançar uma alternativa de edu-cação capaz de produzir uma narrativa consensual. Quando muitos concordam sobre um sentido comum da ação, então será possível produzir um consenso originário da interação social.

Por isso a importância de uma educação fundada sobre um pro-cesso de criação de consenso, que se origina da formulação de uma estrutura simbólica, uma narrativa coletiva, pelos sujeitos da educa-ção de si mesmos. Ou mais simplesmente, é possível educar para alcançar um pensamento analítico e autônomo, para formar uma vontade coletiva originária das condições de vida e de trabalho das classes subalternas. Quem fala o quê? Esta é a nossa proposta do mé-todo: ensinar a pensar para enunciar uma estrutura simbólica que se origina das condições de existência social na vida das pessoas, e não apenas da vontade de dominação das elites políticas.

Quer dizer, a educação tradicional é transcendente, relação social em que se define o poder de cima para baixo; as elites polí-ticas definem o que se deve ensinar, para formar uma classe social dependente de seu desígnio. Enquanto que a educação que ensina a pensar, nega a autoridade da narrativa do poder político sobre a condição humana, ela é imanente, de baixo para cima. A proposta aqui formulada é passar da produção do conhecimento de uma in-terpretação transcendente para uma análise imanente. Só é possível transformar a educação através da apropriação do conhecimento de forma analítica e criativa, em que se autoriza professores e estudan-tes a serem autores capazes de fazer uma análise de sua própria exis-tência na realidade vivida. Trata-se de pensar uma política pública de educação associada à participação democrática dos cidadãos, de todos que desejam participar. Em que a verdade é derivada de uma ação coletiva, de todos para todos.

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Os sentidos da imanência e da autonomia: a reivenção da educação em Tamboril

Lalita Kraus

O presente artigo analisa a prática político-pedagógica da educação contextualizada para a convivência com o

Semiárido (ECCSA), que é implementada nas escolas municipais de Tamboril, no Estado do Ceará. É uma prática defendida e implementada pela Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB), uma articulação sociogovernamental, que é composta por organizações governamentais e não governamentais e atua nos 11 estados do Semiárido brasileiro.

Trata-se de um processo pedagógico que se baseia na realida-de social dos estudantes e possibilita contextualizar o processo de ensino-aprendizagem com a diversidade cultural de cada lugar, a partir do princípio de que “a educação não pode se dar ao luxo de ignorar o chão que pisa” (MARTINS, 2006, p. 45). Trata-se de uma proposta pedagógica que se insere dentro de um projeto político de convivência com o Semiárido. Resultado da construção coleti-va de movimentos sociais e institutos de pesquisa, a concepção de convivência propõe um paradigma de desenvolvimento fundado na combinação entre atividades econômicas apropriadas e a garantia de qualidade de vida para a população, respeitando as condições ambientais (SILVA, 2013; PIMENTEL, 2000). Assim, a RESAB pro-põe uma educação que seja funcional e voltada para tal propósito político.

Conviver pressupõe uma mudança paradigmática substan-cial, que marca a passagem entre as ruínas das intervenções go-vernamentais no território e a emergência de um paradigma in-surgente e coletivo. Como qualquer paradigma, a convivência é possível na medida em que se opera uma mudança profunda no pensamento, percepções e valores que formam uma determinada

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visão da realidade. Por isso, a RESAB foca no papel da educação para fomentar um processo cultural necessário para a construção de um novo paradigma político-cultural emergente. Trata-se, so-bretudo, de desconstruir estereótipos sobre o Semiárido, desco-lonizar o currículo e construir uma nova representação do lugar a partir da qual pensar a convivência. É isso que a RESAB realiza também nas escolas de Tamboril.

O presente objeto de pesquisa se insere dentro do debate acerca de duas alternativas inconciliáveis, que determinam mo-dos de ver e de explicar o mundo, assim como pensar e gerar mu-danças: a transcendência e a imanência. Segundo Hardt e Negri (2000, p. 93), “a própria modernidade é definida por crise, uma crise nascida do conflito ininterrupto entre as forças imanentes, construtivas e criadoras, e o poder transcendente, que visa res-taurar a ordem”.

Isso se reflete também na forma de conceber a educação e a ação social no território.

A ECCSA propõe uma prática de baixo para cima, que se dife-rencia da forma como a educação é verticalmente e hierarquicamen-te organizada (EGLER, 2014). Ao mesmo tempo, como Egler (2014) aponta, destacam-se dois posicionamentos também em relação à ação social: um que valoriza uma análise tradicional da política, re-conhecendo apenas a ação política das instituições tradicionais, e outro que, a partir da complexidade do mundo atual, reconhece diferentes modos de fazer política como, por exemplo, o das redes, como a RESAB. Assim, a ECCSA transita dentro desse debate, re-presentando uma proposta pedagógica imanente, que é resultado de uma ação social de baixo para cima.

O objetivo do artigo é, portanto, analisar a educação contextua-lizada e suas peculiaridades enquanto proposta imanente, destacan-do o seu propósito de contribuir para a autonomia dos sujeitos e do processo educacional. Do ponto de vista metodológico, foi conduzi-da uma pesquisa qualitativa a partir de entrevistas com os membros da rede e a comunidade escolar de Tamboril, e da participação ob-servante em encontros e intercâmbios no município.

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1. Tamboril: retalhos de uma experiência

O objeto analisado é a prática político-pedagógica da educação contextualizada para a convivência com o Semiárido (ECCSA), que é implementada em 40 escolas municipais do município de Tam-boril, no Semiárido cearense. Trata-se de uma prática que acontece através da parceria entre a RESAB e a Secretaria Municipal de Edu-cação (SME) e o envolvimento de professores, direção escolar, estu-dantes e da comunidade, totalizando 291 professores e professoras, e 3.214 estudantes.

Para compreender a proposta da ECCSA é necessário esclare-cer, por um lado, os princípios mais gerais do processo de contex-tualização no processo de ensino e aprendizagem e, por outro lado, a finalidade da convivência com o Semiárido. É a aplicação de tais princípios para essa determinada finalidade política que determina e caracteriza a peculiaridade dessa prática.

A contextualização é um processo pedagógico que se baseia na realidade social dos estudantes, e possibilita contextualizar o proces-so ensino-aprendizagem com a diversidade cultural de cada lugar. Pois, como Martins (2006) aponta, a educação não pode desconside-rar a realidade onde os professores e estudantes vivem, sobretudo considerando que “cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam” (BOFF, 1997). O chão onde os pés de professores e estudantes pisam deve, portanto, ser considerado no processo educacional. E, por isso, contextualizar em Tamboril significa adaptar os conteúdos curriculares escolares ao espaço geo-gráfico, à cultura, à identidade e à especificidade do contexto, possi-bilitando um diálogo entre a escola e a vida cotidiana.

Segundo os princípios da educação popular (FREIRE, 1979; 1983), contextualizar significa relacionar a vida da família e da co-munidade com a escola, fazendo da vida um objeto de conhecimen-to escolar e construindo uma própria forma de perceber a vida. O lugar, no nosso caso as comunidades de Tamboril e o Semiárido, torna-se o ambiente educador, na medida em que constitui o objeto de estudo a partir do qual é construído um novo conhecimento a partir do saber popular e da experiência. Isto é, um novo conheci-mento tecido com os fios da cultura local.

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Nesse processo de leitura do mundo e de construção de um novo olhar se realiza o que Paulo Freire (1979) define de ato políti-co. A leitura da própria realidade permite problematizá-la, possibili-tando um processo de conscientização que, por sua vez, redundaria na ação social e política. Os professores se formam e inserem deter-minadas temáticas nas disciplinas, os alunos pesquisam na comu-nidade e, a partir dos resultados da pesquisa, começa um processo de problematização da realidade, assim que se possam identificar caminhos para a transformação da mesma. É uma prática que asso-cia a dimensão pedagógica à dimensão política, para que a relação entre educação e desenvolvimento deixe de ser meramente residual, estabelecendo vínculos verdadeiros entre a matéria de estudo e a realidade local.

No caso da ECCSA, as transformações e o tipo de desenvol-vimento perseguido estão associados à finalidade da convivência com o Semiárido, isto é, uma proposta pautada na ideia de convi-vência com as características socioambientais do Semiárido, a par-tir de uma nova leitura do próprio lugar, da criação de um novo conhecimento e de novos significados do lugar e da vida no lugar (PIMENTEL, 2002). Trata-se, assim, de desconstruir e reconside-rar o imaginário que considera o Semiárido como inóspito, seco, pobre e sem possibilidade de vida, descolonizando o currículo es-colar de saberes e discursos hegemônicos, saberes preconcebidos e considerados universais. Assim, constrói-se uma nova territoria-lidade carregada de novos sentidos para a vida cotidiana (CARVA-LHO, 2011).

Essa nova perspectiva da convivência e essa nova visão do de-senvolvimento exigem um processo cultural constituído por novas aprendizagens e a tomada de consciência dos reais limites e poten-ciais do Semiárido (SILVA, 2013). Devem orientar e ser orientados por “uma mudança profunda no pensamento, percepções e valores que formam uma determinada visão da realidade” (CAPRA, 1999, p. 29). Requer novas formas de pensar, sentir e agir no Semiárido, isto é, um novo processo de construção e transformação simbólico-cultural, que em Tamboril começa nas escolas.

Assim, é operada uma transformação de “baixo para cima”, a partir do exercício da autonomia dos sujeitos envolvidos no proces-

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so educacional, assim que a educação se vincule com as necessida-des das comunidades escolares. O presente artigo foca, portanto, nos principais processos envolvidos na educação contextualizada para possibilitar tal transformação cultural, destacando os elemen-tos que distinguem a lógica de “baixo para cima”.

2. Ver e Refletir: processos de uma transformação simbólico-cultural

Em Tamboril o processo de contextualização do currículo e do processo de ensino-aprendizagem dentro e fora das escolas segue os princípios e a lógica do percurso pedagógico do Ver, Refletir e Agir. Trata-se da aplicação dos princípios da educação popular que há décadas é implementada no território, sobretudo por parte da Igreja da teologia da libertação. Assim, a ECCSA representa a tenta-tiva de inserir tal experiência no tecido social, deixando de ser uma educação informal, restrita a alguns grupos e espaços limitados, para chegar, contagiar e transformar a educação formal, ou seja, o processo educacional nas escolas.

Ver e Refletir significa conhecer a própria realidade para que a mesma possa ser pensada e compreendida de forma crítica, e sub-sequentemente transformada mediante o Agir. Trata-se da “práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 1983, p. 67). É um movimento que permite a realização de um novo conhecimento na prática, constituindo uma relação dialógica em que a prática é condição do novo conhecimen-to, que, por sua vez, subordina a prática. É, assim, que concilia a dimensão simbólica e material, a dimensão subjetiva e objetiva, a dimensão cultural e política.

Em Tamboril, a aplicação dos princípios do Ver e Refletir trans-forma a prática pedagógica, sobretudo no que diz respeito ao papel do professor, ao currículo e à relação entre a escola e a comunidade.

Transformar a prática pedagógica significa transformar, em primeiro lugar, a atitude e postura do professor. Para a ECCSA, em Tamboril, isto significa buscar e construir uma prática docente mais crítica e autônoma, que permita que os professores desvinculem a própria prática pedagógica do livro didático, contextualizando e in-

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cluindo novos conteúdos a partir da relação dialógica entre a escola e a realidade.

Para tanto, acontece um processo de formação modular conti-nuada com os professores. É assim que começa o processo de leitu-ra, o Ver, e de reinterpretação da realidade, o Refletir. As temáticas das formações são definidas a partir do projeto de convivência com o Semiárido (RESAB, 2006), incluindo elementos relativos ao Se-miárido, suas potencialidades e seus desafios, para que se possam definir melhores formas de gerar renda, sobretudo através da agri-cultura, de captar água, respeitar o meio ambiente, viver as relações humanas, cuidar da saúde e agir como cidadão.

Na sala de aula as temáticas da formação modular são inse-ridas em cada disciplina, na medida em que “a temática norteia a contextualização, pois é essa que é contextualizada nas diferentes disciplinas”1, trazendo também elementos da realidade dos estudan-tes através de um procedimento de contextualização dos conteúdos curriculares. Portanto, contextualizar significa que, por exemplo, a partir da temática água, o estudo de área e perímetro em mate-mática pode ser contextualizado tratando e medindo as áreas e a quantidade de água armazenada nas cisternas e nos reservatórios da comunidade dos estudantes.

Contextualizar o currículo é um processo fundamental para uma prática educacional autônoma. Em Tamboril o currículo escolar é pensado e organizado mensalmente e bimestralmente a partir do li-vro didático, dos programas educacionais governamentais (Programa de Alfabetização na Idade Certa, Mais Educação) e agora também da educação contextualizada. É uma construção curricular que considera apenas a escolha do livro didático e dos conteúdos a serem trabalha-dos. Trata-se de uma concepção tão tecnicista e mecânica do currículo escolar como organização de conteúdos que, em muitos casos, já vem pronto, “sugerido do alto”, ou é repetido dos anos passados. Por isso, não surpreendem as palavras de uma professora: “Quase todos nós ficamos presos de forma cega ao livro didático, repetindo os planeja-mentos e as grades curriculares dos anos anteriores”2.

1 Assessor 1 da Secretaria Municipal de Educação. Entrevista: março de 2014.2 Participação observante na formação modular em Tamboril. Depoimento de pro-fessor: 21 de março de 2014.

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Isso reflete um modelo arborescente, segundo o qual o cur-rículo é concebido de forma autoritária, indicando o que deve ser feito na sala de aula, negando autonomia e criatividade na relação professor-estudante. Além disso, gera uma relação de dependência do professor com o livro, na medida em que “se transforma numa bíblia”3, como se fosse uma fonte pronta e acabada de conhecimento (MARTINS, 2006).

Portanto, a contextualização do currículo tem uma forte co-notação política, na medida em que significa quebrar essa imposi-ção de conteúdos. Contextualizar significa abordar em Geografia o conteúdo das estações, explicando a existência das quatro estações, mas também da manifestação delas no Semiárido, com suas causas e implicações. Significa também abordar em História as imigrações dos retirantes durante as épocas de seca, mas também a história dos índios, da resistência, de figuras como Antônio Conselheiro e a his-tória das próprias comunidades.

Dessa forma, os conteúdos são reformulados em autonomia, desconstruindo discursos preestabelecidos e incluindo novos conte-údos, a partir do princípio de que o conhecimento tem como base as vivências e o conhecimento acumulado pelas pessoas (LIMA, 2006). Isso permite um processo de humanização do processo edu-cativo, na medida em que o livro didático não é mais a única fonte de conteúdo e guia incontestável da prática de ensino, e os conteú-dos não são entendidos como algo estático e acabado, estimulando a curiosidade e a autonomia na produção do conhecimento. Assim, superam-se as concepções pedagógicas que consideram e tratam os estudantes como repositórios vazios e os professores como transmis-sores de conteúdos (MENEZES e SANTIAGO, 2014).

Em Tamboril, a contextualização prevê uma interação entre a escola e a comunidade, a teoria e a prática, a ciência e a vida co-tidiana. Essa interação acontece em inúmeros momentos a partir das pesquisas e das visitas nas comunidades rurais, quando os estu-dantes investigam, conhecem e coletam dados na comunidade para compreender e investigar uma determinada temática trabalhada na sala de aula. Além disso, acontecem momentos de culminância, em

3 Assessor 2 da Secretaria Municipal de Educação. Entrevista: março de 2014.

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que são apresentados os resultados alcançados na pesquisa de cam-po e nas atividades realizadas em sala de aula. A culminância é um dos momentos-chave para fomentar uma discussão, envolvendo a comunidade escolar e o poder público na busca por soluções para eventuais problemas identificados.

Para contextualizar o processo educacional, transforman-do os conteúdos dos livros didáticos e do currículo e gerando um novo conhecimento, a problematização dos resultados das pesquisas se torna um momento-chave, permitindo uma análise crítica da realidade dos estudantes, cumprindo com o itinerário pedagógico que consiste na observação e na reflexão (o Ver e o Refletir), para que seja estimulada a ação a partir das questões sociais (o Agir). Por exemplo, após ter contextualizado a temática água no estudo da Matemática – mediante o estudo de área e pe-rímetro dos reservatórios de água da comunidade –, a problema-tização pode levantar perguntas tais como: se a cisterna contém 16 mil litros de água que são suficientes para o consumo humano de uma famílias de cinco pessoas, porque falta água para essa família durante o ano? Essa problematização leva a considerar todo um conjunto de elementos acerca da condição climática, do consumo de água, do desperdício, das políticas ineficientes e da insuficiência dos reservatórios existentes, entre outras. Dessa forma, a educação permite que os professores e os estudantes cheguem a ser sujeitos, pensando e discutindo questões ligadas ao cotidiano (FREIRE e SHOR, 2008), “transformando a escola num agente de desenvolvimento”4.

A ECCSA opera como um potente dispositivo produtor de sub-jetividade. Por um lado, o processo de problematização e reflexão crítica permitem desconstruir determinadas concepções, visões e re-presentações, que podemos considerar como hegemônicas (BOUR-DIEU, 2010). Por outro lado, possibilita desvendar a realidade, descobrindo em autonomia os elementos que compõem o próprio lugar, mas que uma determinada hegemonia cultural, mediática e descontextualizada “mascara” ou desconsidera (PIMENTEL, 2002; FREIRE, 1983). É um reaprender a aprender.

4 Assessor 2 da Secretaria Municipal de Educação. Entrevista: março de 2014.

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Por isso muitos professores, estudantes e pais comentam que antes da educação contextualizada “eu achava que a seca era uma condição natural, não sabia que eu podia fazer alguma coisa a respeito, que as pessoas pudessem melhorar isso”5; “não sabia que o frango caipira é de melhor qualidade do frango de granja, e que a fruta do quintal é melhor da fruta do mercado”6; “a gente acreditava que o problema da falta de água e do lixo não fossem problemas que afetassem também a vida na nossa comunidade”7. São novas questões que estimulam um novo entendimento da rea-lidade e novas marcas na formação subjetiva, a partir das quais se constitui uma nova maneira de se relacionar com o mundo social e de atuar na vida cotidiana.

A inclusão de novos saberes, novas questões e de uma visão mais complexa possibilitam superar e desconstruir as relações de do-minação, possibilitando que as palavras trabalhadas na sala de aula não sejam apenas “palavras da escola”, mas “palavras da realidade e da comunidade” (MENEZES e SANTIAGO, 2014). As dinâmicas da vida cotidiana com seus acontecimentos, bem como a experiência das pessoas que compõem a comunidade escolar, articulam-se com o conhecimento tradicional curricular gerando um novo conheci-mento (GIROUX e SIMON, 2008; SANTOS, 2002b).

Desse modo, em Tamboril acontece mais um movimento de superação da teoria pedagógica moderna que, como todas as ci-ências modernas, reconhece apenas a validade do conhecimen-to dito científico, reproduzido também nos livros didáticos. O processo educacional valoriza determinados saberes e experiên-cias, em detrimento de outros (SANTOS, 2002). Ao contrário, a prática da ECCSA opera segundo uma outra racionalidade, na medida em que inclui as experiências do cotidiano no processo educacional, transformando a produção do conhecimento nas es-colas de Tamboril.

Segundo os princípios e a prática da ECCSA em Tamboril, a autonomia no processo educacional é alcançável, desvinculando-se

5 Diretora de escola. Entrevista: novembro de 2015.6 Pai de aluno. Entrevista: março de 2014.7 Coordenadora pedagógica da escola. Entrevista: novembro de 2015

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e transformando a relação de professores e estudantes com o livro didático e o currículo, ou seja, com qualquer forma de imposição “do alto”. Para tanto, é valorizado um processo autônomo de for-mação do conhecimento a partir da experiência e da prática dos sujeitos envolvidos. Isso exige que a administração e a gestão do pro-cesso educacional passem através um processo de transformação, tornando-se mais participativo, colaborativo e horizontal. Isto é, exi-ge um processo de democratização da gestão escolar, cujo princípio fundamental é a participação e o compartilhamento do planejamen-to educacional e das práticas pedagógicas (ANDRADE, 2010).

Toda a ação da RESAB, inclusive em Tamboril, é voltada para isso, a partir da decisão de garantir uma composição sociogover-namental e se inserir nos espaços políticos em nível nacional, re-gional e estadual, assim como na gestão municipal e nas escolas. Em Tamboril, os assessores da SME são membros da RESAB e essa dupla identidade permite que tentem abrir brechas, favorecendo a criação de espaços de discussão e de compartilhamento entre a co-munidade escolar, os movimentos sociais e o poder público, e entre a escola e a comunidade.

De todo modo, existe uma cultura que ainda privilegia e se fun-da em princípios e práticas hierárquicas e autoritárias. Por exemplo, determinados programas governamentais, como o Programa pela Alfabetização na Idade Certa (PAIC), impedem a realização de uma prática educacional crítica e autônoma, na medida em que prevê formações para os professores que capacitam para aplicar em sala de aula materiais que determinam exatamente como o professor deve organizar o seu tempo e a sua rotina na sala de aula, indicando os conteúdos, as atividades a serem desenvolvidas com os estudantes e o tempo a ser dedicado por cada atividade8. Tudo isso determina um processo educacional despersonalizado, formal, burocrático e autoritário no qual os professores se transformam em reprodutores dos conteúdos apresentados nos materiais didáticos, tirando a pos-sibilidade de exercer qualquer tipo de autonomia.

Ao contrário, o processo de ECCSA procura criar a base e ofe-recer os instrumentos para uma prática docente autônoma, que con-

8 Professora 1. Entrevista: novembro de 2015.

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sidere a experiência e o saber dos professores e de toda a comunida-de escolar, para que se formem “professores pensantes, ao contrário do Estado que quer meramente reprodutores de conteúdos”9.

A prática da autonomia precisa de uma nova subjetividade do professor, assim que a ECCSA se possa tornar um modo de ser do professor e um modo de compreender e entender a educação, e não apenas mais um programa a ser executado. O processo de subjeti-vação necessário para uma prática docente mais autônoma, precisa de um tempo ampliado e de um acompanhamento sistemático de todo o processo de contextualização, que, diferentemente dos ór-gãos públicos, não se esgotam depois do período de mandato ou de implementação de um programa. Somente dessa forma o processo educacional se transforme num processo de humanização e de cons-trução de uma relação libertadora mediante o envolvimento de toda a comunidade escolar (FREIRE, 1983).

Uma outra variável central para um processo de democratiza-ção da gestão escolar é o nível de dependência política. Se, por um lado, a maioria dos professores de Tamboril é concursada, reduzin-do a possibilidade que se determine uma situação de dependência política, que, podemos dizer, é inversamente proporcional ao grau de dependência política, por outro lado, a direção e a coordenação pedagógica são cargos “por indicação”, isto é, de confiança, criando as condições para práticas de clientelismo, isto é, relações fundadas na relação de dependência e na troca de favores (PARO, 1996). As-sim, elimina-se, ou pelo menos se diminui consideravelmente, qual-quer oposição aos poderes públicos locais, transformando a escola num espaço instrumentalizado por práticas autoritárias, mediante uma forte ingerência pública na gestão escolar.

A dependência política serve para uma gestão educacional for-temente influenciada por um sistema que prioriza os programas governamentais, visto que trazem recursos financeiros e materiais, e foca nas provas externas porque é o que determina a avaliação da qualidade educacional do município. O sistema de avaliação ex-terna afirma o poder de controle central do Estado em torno dos currículos, da gestão educacional, do trabalho dos professores e

9 Assessor 1 da Secretaria Municipal de Educação. Entrevista: novembro de 2015.

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das prioridades da SME. Nesse sistema avaliador predomina “uma racionalidade instrumental e mercantil que tende a supervalorizar indicadores e resultados acadêmicos quantificáveis e mensuráveis a despeito de contextos e processos educativos específicos” (AFON-SO, 2001, p. 26).

A SME participa dos programas nacionais, recebe financiamen-tos e deve alcançar determinados resultados em termos de índices educacionais e avaliações externas. A direção escolar tende a priori-zar o cumprimento dos programas educacionais governamentais e os resultados das provas externas. Da mesma forma, os professores recebem bolsas e formações, e são responsáveis pelo desempenho dos estudantes. Constitui-se um sistema determinado e imposto “de cima”, que impõe determinadas prioridades para as escolas e a SME, exercendo um controle e reduzindo, portanto, a autonomia de escolha e de ação. É um sistema fundado no tripé “responsabilidade – cobrança – resultado” (AFONSO, 2001): a SME se torna respon-sável pela realização e o sucesso das ações previstas; os professores são cobrados para a melhoria dos resultados alcançados nas pro-vas externas, exercendo um controle sobre o que se ensina e como se ensina, como uma professora ressalta: “Devemos nos preocupar apenas com as provas externas, enquanto a educação contextuali-zada não é avaliada como os outros programas e, portanto, não se torna prioridade”10.

O processo educacional é, assim, despersonalizado e trans-formado num mecanismo técnico, por uma política educacional definida e imposta de “cima para baixo”, passando pelo MEC, pela secretaria estadual e pela SME, até chegar nas escolas e na sala de aula, onde o processo de ensino e aprendizagem formalmen-te acontece. Ao contrário, a ação rizomática da RESAB almeja qualificar tais programas, na medida em que qualifica a prática docente e o processo educacional. É a ação rizomática da RESAB que tenta infiltrar as propostas na estrutura hierárquica das insti-tuições, dialogando com seus atores e suas políticas, na tentativa de operar transformações de baixo para cima, qualificando o pro-cesso educacional.

10 Professora 2. Entrevista: novembro de 2015.

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Embora a ação rizomática da RESAB tente superar e transformar as formas de dependência política e de clientelismo, sobretudo operando mediante uma composição sociogovernamental, em Tamboril existe um conflito de interesses devido ao fato de que os únicos representantes da RESAB no município são membros da se-cretaria e não existem representantes da esfera não governamental. Isso faz assim com que “talvez nós mesmos, às vezes, não batemos de frente, até por medo de perder nosso trabalho”11. Também na ação social da RESAB existe, portanto, um risco constante que se gerem situações de dependência política.

Conclusão

A ação em rede da RESAB foca na prática da educação contex-tualizada para a convivência com o Semiárido, entendida como um processo de transformação simbólico-cultural que inclui novos mo-dos de educar, de pensar e de ser. Prevê uma prática pedagógica au-tônoma, de modo que a comunidade escolar possa fazer uma leitura e problematização compartilhada da realidade (Ver e Refletir), assim que se criem as condições para uma nova organização social (Agir). Assim, define-se um processo com forte conotação pedagógica e, ao mesmo tempo, política.

A ECCSA em Tamboril propõe todo um conjunto de elemen-tos que possibilitam uma reinvenção da educação, a partir da busca de autonomia dos sujeitos envolvidos no processo educacional. Isso significa, sobretudo, possibilitar uma relação dialógica entre escola e comunidade, entre a teoria e a experiência, entre o livro didático e a vida cotidiana.

A pesquisa revelou que isso é possível apenas através de um pro-cesso de democratização do sistema educacional. É por isso que, na tentativa de transformar a prática pedagógica em Tamboril, manifesta-se uma constante tensão entre a ação “de baixo” e “de cima”, entre um sistema arborescente e um rizomático, entre um modelo educacional contra-hegemônico e o modelo hegemônico estatal.

11 Assessor 3 da Secretaria Municipal de Educação. Entrevista: novembro de 2015.

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A nata do NATA: a radical experiência do novo e a hipótese da formação

de uma elite periférica na subjetivação do princípio do mérito

Reinaldo Ramos da Silva1

Introdução

Este artigo é resultante de uma pesquisa de doutorado em Educação realizada na Universidade Federal Fluminense (UFF) sob orientação do professor doutor Paulo Carrano, defendida em fe-vereiro de 2018, consistindo em um estudo exploratório qualitati-vo semidiretivo de egressos com amostragem dirigida e método de análise biográfica. A tese se dedicou a melhor compreender a dinâ-mica de atuação dos vetores socioestruturantes do espaço da insti-tucionalidade de uma escola profissionalizante de ensino médio do Estado do Rio de Janeiro, o NATA, organizada administrativamente sob um regime de parceria público-privada.

Foi tomada como premissa metodológica central as contribui-ções legadas pelo campo da Sociologia do Indivíduo, entendendo os chamados processos de individuação como apoios privilegiados para organizar hipóteses teóricas que visam apreender instâncias circunstanciadas da realidade social pela via da detecção das linhas de força aduzidas no discurso dos atores submetidos a múltiplos processos de forja institucional.

Classifica-se o modelo pedagógico da escola em questão como pautado em uma lógica eminentemente competitiva e meritocrática, inclinado a operar sobre a subjetividade de seus educandos em uma dinâmica análoga à dos processos de socialização típicos da atual fase do capitalismo em uma forma mais insidiosa que na maioria

1 Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense.

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das escolas convencionais da rede pública. Foi aventada a possibili-dade da forja de indivíduos cindidos pelo discurso da autoiniciativa hiperindividualista caro à racionalidade civilizatória do neolibera-lismo, assumindo tal hipótese a partir das formulações descritas por autores como Bauman, Laval e Sennett.

O evento que demarca a gênese da formulação do problema que animou esta pesquisa foi a instituição, no ano de 2012, de um pro-grama permanente de intercâmbio em França, com duração de 15 dias, em caráter turístico-pedagógico para estudantes recém-forma-dos pela instituição. A estratégia metodológica assumida consistiu em selecionar sete estudantes por amostragem dirigida, em universo de 18 egressos dos três primeiros anos do programa, visando estabelecer uma sequência de entrevistas que subsidiariam o extrato empírico da tese. No verão europeu de 2016 o trabalho de campo foi complemen-tado com o acompanhamento in situ dos alunos brasileiros na região de Nice, durante a realização do intercâmbio daquele ano.

Como hipótese secundária foi considerada a formação de uma espécie de “elite periférica” entre estes egressos, em razão do potencial distintivo incorporado a partir da breve experiência de internacionalização, bem como pelo acúmulo de distinções de merecimento concedidas em conformidade ao modelo de escola-rização vigente na unidade. A conclusão do trabalho aponta que o modelo de seletividade preconizado na escola atua na confor-mação de uma espécie de “elite periférica”, sobretudo no grupo de egressos do intercâmbio em França, mas não associa de forma direta a eventual assimilação do discurso do hiperindividualismo neoliberal ao processo de socialização escolar vivido pelos atores da pesquisa.

Apresentando o NATA

O Colégio Estadual Comendador Valentim dos Santos Diniz, escola onde foi implementado o Núcleo Avançado em Tecnologia de Alimentos (NATA), oferece Ensino Médio Integrado à Educa-ção Profissional Técnica, isto é, disciplinas da grade curricular do núcleo comum em diálogo com as disciplinas de caráter téc-nico-profissional.

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A escola, localizada no bairro do Colubandê, no município de São Gonçalo, foi construída em maio de 2009 em um espaço cedido pela Cooperativa Central de Produtores de Leite (CCPL).Trata-se da primeira escola de tecnologia de alimentos do Estado do Rio de Janeiro, uma parceria entre as Secretarias de Educação e de Agri-cultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento (SEEDUC/RJ e SEAPPA), com o Grupo Pão de Açúcar (agora sob o comando da multinacio-nal francesa Casino) e a CCPL.

O NATA possui uma proposta curricular inovadora, com base em ações interdisciplinares e na integração dos conteúdos. A com-posição da média bimestral é complexa, levando em consideração avaliações intermediárias, finais, integradas e trabalhos, o que pode indicar uma inclinação para o formalismo em termos avaliativos, ou noutros termos, um apego à parametrização e à pretensão de objeti-vidade que a quantificação empresta à educação.

O colégio conta ainda com 20 salas de aula (todas com lousas digitais, ainda que não tenham sido usadas em nenhum momento durante meu período como docente na escola por alegadas ques-tões de licenciamento de software), duas bibliotecas (geral e técnica), quatro laboratórios de análises microbiológicas e físico-químicas e duas usinas-piloto. Em 2014 seu corpo técnico era composto por 75% de mestres e doutores, todos com larga experiência no ramo da indústria alimentícia.

A escola é frequentemente procurada pela indústria laticinista, além de panificadoras e hotéis do porte do Copacabana Palace, por exemplo. No ano de 2012, o primeiro da parceria com o grupo Casino, formaram-se 94 alunos, sendo 52 profissionais qualificados e certificados como técnicos em leite e derivados, e 42 técnicos em panificação. Na ocasião, até aquele momento, aproximadamente 30 egressos haviam ingressado no ensino superior. Segundo dados do Censo Escolar de 2016, a escola contava com 323 alunos matricula-dos no ensino médio e 47 funcionários.

A partir do ingresso na escola os alunos escolhem a área profis-sional em que desejam atuar: panificação ou laticínios. Em seguida passam a ser ranqueados e monitorados pela equipe pedagógica, que se reúne semanalmente com os professores tanto do corpo téc-nico quanto do corpo comum com a finalidade de promover peque-

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nos “conselhos de classe”. Dessas reuniões são indicados aqueles que serão encaminhados aos estágios internos (usinas industriais e laboratórios científicos) e externos (diretamente na indústria ou no ramo varejista).

A escola possuía na ocasião do início da pesquisa um diretor, ligado à Secretaria Estadual de Educação, e uma gestora, ligada ao instituto privado responsável pelas atividades de ensino técnico e pelo estágio na França.

O modelo de seletividade permanente e os critérios para a participação no estágio internacional

O NATA possui uma rotina administrativa pautada em rigorosos processos de registro de avaliação. O princípio da comensurabilidade (que nos remete à J.F.Lyotardem seu seminal diagnóstico da condi-ção pós-moderna) é plenamente reconhecível no modelo pedagógico assumido pela escola. A individuação, por seu turno, é clivada pela lógica da competição e da seletividade. A primeira seleção é para o ingresso na escola (há cláusula de barreira para alunos da rede privada com limite de 5% para essa modalidade de ingressantes). O processo seletivo e classificação de candidatos do Colégio Estadual Comenda-dor Valentim dos Santos Diniz é disponível a qualquer aluno egresso do Ensino Fundamental da Rede Pública ou Privada. O processo é di-vidido em duas fases, sendo a primeira composta por prova objetiva de Português e Matemática e a segunda por uma redação. Ambas as fases possuem caráter eliminatório e classificatório.

A prova é realizada de forma única para os colégios de ensino médio voltado à educação profissional do Rio de Janeiro. Das va-gas gerais, 120 são destinadas ao NATA, na seguinte proporção: 60 vagas para o curso de Panificação e 60 para o curso de Leite & De-rivados, reservando 5% para pessoas portadoras de necessidades es-peciais e 5% para alunos oriundos de escolas privadas2. Os docentes do currículo comum são selecionados em processos internos com etapas que vão desde a análise curricular, passando pelas dinâmicas de grupo até as entrevistas de admissão. Os professores recebem

2 (Disponível em http://www.institutogpa.org.br/igpa/educacao/nucleo-avancado-em-tecnologia-de-alimentos-NATA.htm, acessado em 10/08/2015).

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acima do salário-base da categoria devido a gratificações que são adicionadas ao soldo.

A partir do ano de 2014, com a mudança na direção do corpo técnico da escola, novos critérios são implementados. Portanto, é somente a partir dos intercambistas do ano de 2015 que podemos utilizar marcadores de trajetória para serem relacionados com o perfil dos alunos selecionados para o estágio no exterior. Se nos dois primeiros anos a escolha era realizada no Conselho de Classe final segundo indicação e votação coletiva, no ano de 2014, quando são escolhidos os contemplados com a viagem para o ano seguinte, já é possível determinar com mais precisão quais fatores são deci-sivos para a escolha dos alunos. Se antes todos os alunos da escola eram possíveis candidatos, a partir de 2014 era necessário inscrever--se em um processo seletivo, que demandava as seguintes condições: 1) Inscrição e Redação (tema informado no momento da inscrição); 2) Participação no Panis et Lactis I, II e III – evento científico anual realizado pelo Instituto Pão de Açúcar (IGPA) – ; 3) Participação em visitas técnicas; 4) Participação em outras atividades, como palestra na Fundação Getúlio Vargas; 5) Participação da Monitoria em pelo menos um período; 6) Voluntariado do IGPA (Árvore Solidária e Páscoa Solidária, Dia de Solidariedade); 7) Estágio em lojas do GPA; 8) Nenhuma ocorrência ou observação no estágio que desabone sua conduta; 9) Entrevista com professor coordenador e Instituto GPA.

Tais medidas sobretudo visavam minimizar o risco de partici-pação de alunos não interessados em prosseguir na área profissio-nal de formação após o intercâmbio francês. É importante regis-trar a existência de avaliações permanentes para monitorias e os estágios internos e externos pelo viés da formação técnica, além das avaliações bimestrais regulares (técnicas e propedêuticas), sen-do as notas finais resultados de uma composição entre avaliações coletivas e individuais que incluem testes e provas isolados para cada disciplina, além dos chamados “trabalhos integrados”, que envolvem as diferentes áreas do conhecimento: humanas, tecnoló-gicas e ciências da natureza.

Os sete alunos selecionados para participar da etapa de entre-vistas desta pesquisa, todos na faixa etária de 18 a 21 anos, apresen-taram cinco características fundamentais em comum: 1) são prova-

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velmente pertencentes a estratos sociais populares; 2) são morado-res do município de São Gonçalo e nele residem desde a infância; 3) estudavam em escolas públicas da região antes de ingressarem no NATA; 4) todos buscaram o NATA prioritariamente em razão do interesse por um ensino público secundário de qualidade (mais que pela formação profissional); 5) foi por intermédio do NATA que esses alunos fizeram as primeiras viagens interestaduais e a primeira viagem internacional de suas vidas.

Quatro alunos cresceram em lares monoparentais por razões de divórcio. Destes, três tiveram uma forte participação de uma de suas avós em suas trajetórias de vida e um foi educado pelo pai. Quatro trabalhavam ou já haviam trabalhado em atividades familia-res como pequenos comércios e artesanato. Apenas um possuía um ou mais parentes diretos com nível superior. Pela avaliação objetiva da raça, três alunos são brancos, um preto e quatro são pardos3.

Seguindo a perspectiva analítica proposta por Kauffmann em A entrevista compreensiva, formulamos um guia semidiretivo baseado em quatro eixos fundamentais: 1)percurso escolar e contexto fami-liar; 2) trajetória no NATA; 3) inserção profissional/acadêmica; e 4) o estágio na França.Nossa pesquisa não foi projetada como uma verificação de hipóteses postuladas à priori, ou como busca de re-lações empíricas entre variáveis; mas como o momento central da produção de hipóteses e a geração de “dados” através de um ins-trumento de observação que muda constantemente, pois integra o “conhecimento” adquirido anteriormente (ou pelo menos as inter-pretações desenvolvidas em um determinado momento, com base na experiência adquirida na pesquisa de campo).

Assim sendo, três aspectos primordiais orientaram a fase ana-lítica do nosso trabalho: 1) o panorama dos egressos participantes do estágio em solo francês4; 2) a hipóteseda forja de um“individuo neoliberal”; 3) os modos de subjetivação do princípio do mérito na seleção para o estágio no exterior.

3 Não houve autoatribuição de pertença étnico-racial, mas a partir do sistema de classificação do IBGE foi possível fazer uma avaliação informal segundo os caracte-res fenotípicos mais objetiváveis dos sujeitos da pesquisa.4 Ver em Tecnologia na política de Educação, vol. III. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2018.

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A hipótese da forja do “indivíduo neoliberal”

O neoliberalismo é um conceito tão usado e invocado também nos campos acadêmico, militante e midiático (e nem sempre é bem definido) que parece ter se tornado uma palavra comum, perdendo seu rigor explicativo e também impedindo sua análise crítica. É o caso de o neoliberalismo como questão central nos debates públicos desde 2007-2008 devido à sua profunda crise: uma crise sistêmica, incluindo a “civilização” de acordo com alguns analistas ou atores sociais. Laval, a partir de uma perspectiva foucaultiana, nos indica:

O neoliberalismo deve ser entendido como um conjunto de discursos, dispositivos, disciplinas que levam à transformação do modo de governo dos homens, relações sociais e subjetividades com o padrão de concorrência generalizada. O neoliberalismo é, em suma, a construção de uma empresa individual, autocentrada, maximizando, buscando capitalizar recursos para aumentar seu poder e propriedade pessoal. A originalidade da racionalidade neoliberal é ampliar a lógica do mercado a todas as esferas da existência humana, incluindo a esfera política (LAVAL, 2010, p.12; tradução nossa).

Na perspectiva marxista, o geógrafo e teórico anglo-saxão Da-vid Harvey prefere insistir na constituição do neoliberalismo e sua imposição como um “projeto de classe” dos chefes e setores domi-nantes da sociedade contra os interesses dos funcionários e dos se-tores subordinados, tendo como perspectiva central o controle da mais-valia, a “recuperação da taxa de lucro” e a acumulação de capi-tal. Para Harvey (2014), o neoliberalismo representa uma transição das formas fordistas de produção e organização para um “regime de acumulação flexível”, ou seja, a flexibilização e precariedade do tra-balho, a transformação da gestão corporativa (terceirização, tempo parcial, produção just in time).

É interessante notar que os recentes estudos sociológicos estão centrados sobre a criação do “sujeito neoliberal” no atual Chile, e como essa “identidade contemporânea” pode obter um controle sobre as maneiras pelas quais o indivíduo leva seus relatórios para outros. Araújo e Martucelli procuram verificar a ideia da existên-cia de um cidadão funcional na ordem neoliberal implementada

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no Chile, isto é, um indivíduo submisso, individualista e em grande parte despolitizado. Seu ponto de partida é a hipótese de que o mer-cado e seus requisitos teriam sem dúvida levado o país a uma trans-formação substancial não só do modelo econômico, mas também do estilo de vida dos cidadãos. Sua vasta pesquisa realizada em três grandes cidades (Santiago, Concepción e Valparaíso) entre os anos de 2008 e 2010 atestou a existência de uma realidade complexa: ape-sar do fato de que o consumo maciço, facilitado por acesso quase ilimitado ao crédito ser relatado como um elemento que permite alguma inclusão no modelo neoliberal, o sentimento generalizado da ausência de um estado protetor e perda de proteção social parece se articular com o desenvolvimento de uma subjetividade coletiva de solidariedade “de baixo”, através da criação de redes de proteção interpessoal informal.

No Chile, os cidadãos estão muito longe de indivíduos neoli-berais puros (...) o neoliberalismo já reforçou, em novas bases e através de novas tensões, uma situação comum na América Latina: a dos indivíduos que enfrentam os desafios da vida social com fra-cas proteções institucionais... se a afirmação dos indivíduos é, sem dúvida, uma realidade na atual sociedade chilena, não é, no entanto, o resultado do triunfo do indivíduo neoliberal. Pelo contrário, mes-mo indivíduos emergentes das cinzas do modelo neoliberal foram forçados a aprender a se proteger das instituições, suas carências e suas prescrições impossíveis ou contraditórias (MARTUCCELLI e ARAÚJO, 2012, p.313; tradução nossa).

Dados os evidentes limites metodológicos da presente pesquisa, sabemos ser impossível realizar um salto analítico dessa magnitude com os dados que coletamos. Mas a estrutura do estudo promovido por Araújo e Martuccelli pode nos ser útil no esclarecimento de elementos presentes no discurso de nossos sujeitos de pesquisa que podem revelar situações análogas àquelas verificadas na pesquisa de larga escala implementada no Chile: em nosso caso, no microcosmo de uma instituição escolar em particular.

O movimento investigativo aqui empreendido aponta para a questão da desigualdade como uma chave de leitura essencial para analisar o lugar do indivíduo e suas flutuações em um estado de cultura atravessado pela instabilidade e pelo imperativo da eman-

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cipação em um cenário global marcado pela impermanência e pelo atrofiamento dos valores sociais ligados à cooperação com conse-quente atomização da vida social. A desigualdade que representa a luta de classes para o marxismo, para o sistema de produção capita-lista é a base que lhe mantém e justifica enquanto estrutura de pro-dução e consumo de bens, sob o véu da ideologia da meritocracia e da igualdade formal. A falácia democrática da igualdade formal é mais perversa em sociedades muito desiguais, onde a ideologia hegemônica se vale de exceções à regra para sustentar a crença dos excluídos e estigmatizados na possibilidade do êxito a partir da ideia de perseverança – o que agrega valor à narrativa biográfica porque faz dela epopeica, heroica. A sensação (ou a ilusão) de mobilidade interessa mais que a mobilidade propriamente dita e presta-se ao papel de propaganda ideológica do sistema instituído de produção e consumo com potente função colonizadora do imaginário social.

A hiperindividualização dos processos sociais e o culto ao su-cesso individual têm uma marca forte dessa linha de força presen-te no modelo atual de capitalismo. Os estados tornaram-se linhas auxiliares do capital transnacional, atuando no sentido de reforçar essa ideologia que faz dos indivíduos o princípio, o meio e o fim da vida em sociedade em razão da diluição sistemática da força de intervenção das instituições públicas ante o poder dos mercados. A solidariedade “presente em nossos genes”, como indica Sennett em um veio que remete à Rousseau, ressurge atualizada como hipótese de resultado colateral originado em uma falha do próprio sistema, que encontra o paradoxo de ser exatamente nas sociedades com maior aprofundamento das desigualdades (e em que há maior pene-tração da narrativa do self made man, do “herói de si mesmo”) que se observa o recurso à cooperação incidir como fenômeno de consti-tuição de suportes ante a instabilidade institucional predominante. Os resultados encontrados por Martuccelli ao estudar os efeitos da estrutura neoliberal sobre os indivíduos chilenos parecem ganhar sentido específico também no caso aqui investigado.

Em uma realidade onde torna-se cada dia mais difícil crermos no mito do self made man, tornou-se justamente a realidade onde essa figura emerge cada vez mais como o avatar de sucesso, onde a meritocracia, esse conceito vago e impreciso, torna-se na política

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primeira para a “salvação”. Dardot e Laval (2016) são mais cuidado-sos ao indicar que a nova forma de controle, esse “novo espírito”, em lugar de representarcaminho para a emancipação do homem, ele representa uma forma de ampliar a lógica da empresa, ou seja, a lógica da instrumentalização e da competição. Assim, quando a em-presa adquire a tipologia ideal de organização, o indivíduo formado desde esse arquétipo passa a ser o “indivíduo empresarial”, aquele que gere a si, que se controla, dirige a si mesmo.

O neoliberalismo entende indivíduos, organizações e estados como atores racionais que precisam de dados imparciais, atuali-zados e comparáveis para fazer escolhas racionais. Para o mesmo autor, a avaliação é reconhecida como o método privilegiado de conhecimento do neoliberalismo. Nesse caso, torna-se uma questão interessante a hipótese do aparecimento de atores dentro da escola que derivam da estrutura de individualização delineada para a forja institucional de indivíduos neoliberais para a formação de um perfil singular de individualização em que os atores, como no modelo do “homem plural”5, de Bernard Lahire, ao vivenciarem experiências socializantes heterogêneas e eventualmente contraditórias, tornam--se portadores de uma pluralidade de disposições que determinam suas formas de viver, agir e sentir. Essa característica difusa, que é reforçada até pela duplicidade institucional que permeia a gestão da escola, é registrada na fala do aluno Paulo que, ao discorrer sobre as dificuldades para conseguir conversar com a direção da casa, con-funde-se em provável ato falho sobre a condição jurídica da escola:

Uma coisa que eu acho é que hoje em dia é um pouco difícil você ir no NATA, falar com a direção, é uma forma deles se organiza-rem, mas eu também acho que é muito exagerada essa decisão

5 Lahire (1998) promove uma diversidade de socializações que se entrelaçam para formar um habitus com várias influências. Lahire vê assim na revolução digital e na individuaçãonovos fatores de socialização que podem entrar em conflito ou confir-mar socializações relacionadas à família ou à educação. O conceito de um homem plural, portanto, diz respeito, num período em que o acesso à informação é cada vez mais fácil nas sociedades ocidentais, à individuação progressiva do indivíduo que se vê como livre em suas escolhas e, portanto, quebra com as instâncias tra-dicionais de socialização. No entanto, Lahire não refuta a tese de que o homem não estaria “livre” de forma alguma: a liberdade de escolha significa mais ampliar oportunidades de socialização do que diminuir.

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de ter que agendar um horário para visita como se fosse um órgão público, às vezes até o órgão é mais fácil do que você falar com alguém no NATA. Você até tenta, mas em dias da semana você não consegue; tem que ser de um dia para o outro (grifo nosso).

“Como se fosse um órgão público”: a perplexidade presente no discurso de Paulo expõe o quanto o discurso voltado para a gestão, a autonomia empreendedora e a estreita relação com a lógica ad-ministrativa do mundo corporativo opera sobre o imaginário dos educandos. Essa permanente ambiguidade também permeia o dis-curso do aluno Milton, que menciona a ocorrência do fenômeno de um “currículo oculto”: “A escola ensina o que não está programado para ensinar, tanto que antes eles dizem que não miram na univer-sidade, mas na verdade eles não sabem o que querem”. O mesmo entrevistado cita problemas na interface entre a escola e o mercado de trabalho, consignados em uma contradição inerente à própria constituição da escola: formar mão de obra superespecializada para um mercado de trabalho “nivelado por baixo”:

a relação mais complicada era com a gerência, porque a esco-la entrava em contato para falar da nossa formação, a direção da escola interpretava aquilo que faziam com a gente do NATA como um desperdício de mão de obra especializada que poderia ser bem aproveitada, mas nem a própria direção do NATA con-seguia mudar essa situação.

a relação de poder que existia dentro do mercado era o que me deixava mais bestificado, por um salário tão baixo as pessoas brigavam entre si, às vezes era uma diferença tão mínima, pra ver como é degradante a situação do trabalhador em ter que se submeter a situações como essas, de desgaste, de mal-estar, por uma coisa tão pouca, mas que ainda assim faz uma grande diferença na vida dessas pessoas. A mobilidade urbana também, porque tem gente que sai de casa às 4h da manhã e chega ao trabalho às 6h.

Outro aspecto que aponta para o caráter multifatorial das ex-periências de individuação dentro no NATA se apresenta na fala do aluno David, que destaca a liberdade de aprender no seu próprio

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tempo nas atividades de usina – condição não usual em uma escola formadora de mão de obra para o mercado de trabalho numa lógica tradicional. O aprendizado no tempo do próprio educando segue uma tradição pedagógica progressista. O aprendiz dono de seu pró-prio tempo organiza a experiência para além do automatismo ine-rente a uma formação sob o princípio do just in time, permanecendo em uma dimensão de artesania que não separa o artífice de sua arte, preservando o caráter provedor de sentido que se dilui com o avan-çar das transformações nos modos de produção típicos da presente fase do capitalismo descritos nos capítulos anteriores desta tese.

No colégio você produz o seu tempo para aprender, den-tro de seu aprendizado. Isso, aqui você aprende na calma, o tempo para você fixar mesmo aquilo. Agora quando passa a trabalhar você lida com outras circunstâncias, você precisa ter um padrão do produto, uma apresentação, você lida com o tempo porque o público geralmente não tem muita paci-ência. Eu tinha que lidar com determinado tipo de coisas, então eu cresci profissionalmente; daí foi outro estágio, já es-tava formado e eu tinha que aprimorar aqui. Eo que eu tinha aprendido, então foi muito importante pra mim, logo que eu saí do NATA, ingressar na área, começar a trabalhar e crescer profissionalmente (grifo nosso).

As falas abaixo, das alunas Lina e Alice apontam para um ele-mento comum aos processos ideológicos radicados na ideia do em-preendedorismo (“correr atrás”), do self made man, mas não são sufi-cientes para atribuir ao NATA o papel exclusivo na definição dessas expressões individuais de caracteres típicos de uma racionalidade neoliberal:

Eu tenho uma responsabilidade por obrigação, mas é uma res-ponsabilidade minha. Desde muito nova eu ia catando as coisas para vir da minha casa até chegar no Alcântara, isso num per-curso de meia hora, e na volta a mesma coisa. Eu ia andando e tudo que eu achava que dava para vender e gerar uma renda, eu pegava. Então hoje tudo que eu tenho, eu divido. Minha avó reclama porque tudo que eu tenho para mim, eu divido com os outros. Se fulano está precisando, fulano vai ter porque eu vou

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ajudar, eu sinto a responsabilidade de ajudar e dividir as mi-nhas coisas (Lina, grifo nosso).

Com certeza, o que dá para eu fazer, eu consigo me virar e cor-rer atrás. O que mais o NATA me mostrou foi aprender a correr atrás do que eu quero. Se eu quiser, só vai depender do meu esforço, da minha dedicação (Alice).

Chama nossa atenção o trecho grifado da fala da aluna Lina, por representar em particular uma evidência discursiva que deixa pistas acerca dos eventuais descaminhos nos percursos de assimi-lação da lógica produtiva típica da fase neoliberal da cultura do Ocidente. O que poderíamos chamar de “falha” na replicação do DNA neoliberal serve para talvez indicar que a socialização ante a situação de precariedade institucional típica de sociedades marca-das pela desigualdade estrutural e onde o discurso do mérito costu-ma ser ainda mais evidente, assume a forma da forja de indivíduos solidários, que encontram na cooperação e no estabelecimento de redes de sociabilidade e de afeto as formas fundamentais de suporte ante essa mesma precariedade. A cooperação floresce na aridez de um sistema visivelmente incapaz de garantir condições reais de o mérito vir a ser transmutado em conquistas posicionais satisfatoria-mente sólidas no âmbito da estrutura social. A noção intuitiva da cooperação configura-se numa instância de resistência ao discurso de atomismo social que habita o núcleo ideológico do capitalismo em sua atual etapa.

Para além dos efeitos previsíveis da retórica hiperindividualista do neoliberalismo expressa na máxima thatcherista “a economia é o método. O objetivo é mudar o coração e alma”, existe no NATA uma perceptível interpolação de cooperação e competição e que talvez o grande resultado da superposição de seus processos sele-tivos seja forjar indivíduos com uma tautológica aptidão para par-ticipar de processos seletivos. O discurso da formação para o mun-do “real”, o “mundo do trabalho”, onde a realidade é muito mais “dura”, mimetiza o discurso de espaços de formação que também recorrem à violência simbólica como etapa no processo formativo do próprio caráter. Não é um modelo tão afastado das Forças Ar-madas, por exemplo (convivência estendida, competição, merito-

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cracia, estabelecimento de redes de solidariedade como suporte e preparação para o “mundo real”). Mas, se por um lado o NATA enquanto instituição escolar é uma unidade produtora de mão de obra especializada e reprodutora de uma compreensão do princípio do individualismo afeita às dinâmicas socializadoras do espírito do capitalismo em sua fase neoliberal, por outro, enquanto fenômeno social, ele demonstra que, por vias talvez não planejadas, transfor-mar “o coração e alma” implica bem mais que inculcar a retórica da competição e do empreendedorismo em escala ubíqua: a consciên-cia da própria desvantagem social tende a forjar entre os “deserda-dos do capital cultural” o reconhecimento da função formativa dos suportes existenciais.

Prosseguindo, é forçoso admitir que as regularidades presentes nas falas dos atores entrevistados não demonstraram um nível de satisfação capaz de permitir correlacionar, numa perspectiva socio-lógica à escala individual, elementos que corroborem a hipótese do indivíduo bem adaptado e funcional a uma estrutura societária de cariz neoliberal como resultante fixa dos processos de individuação implicados pelos desafios inerentes à racionalidade institucional que atravessa o NATA. Mas tal hipótese, se não se sustenta empiricamen-te, também não deve ser considerada como improvável: os resulta-dos explicitam que sendo múltiplas as linhas de força que ocupam a institucionalidade escolar do projeto dupla escola, configura-se a existência de um campo de disputa em que as individuações deve-rão seguir variáveis conformadas a processos que não podem ser reduzidos a simplificações epistêmicas.

Os modos de subjetivação do princípio do mérito: o “joio e o trigo”

Nessa reconstrução de imagens adequadas ao que se espera dos atores em cena, o aluno do NATA aprende a construir sua imagem e intui o que dele se espera para fazer jus às posições de destaque dentro das possibilidades de reconhecimento postas nos limites do espaço institucional. Desde as seleções internas para estágios e monitorias até a viagem-estágio para a França. Seleção e sucesso constituem um binômio, quase uma extensão tautológica. A seleção

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produz acréscimo da estima de si e gera consciência de que existem lógicas invisíveis, mas que podem ser bem intuídas e apropriadas para representar um bom papel social – no sentido daquilo que se espera estrategicamente do outro. Não se trata tanto de investigar apenas as dinâmicas familiares – a meritocracia tem regras não escritas. Em função de seu funcionamento político pedagógico, que classificamos como pautado em uma lógica eminentemente competitiva e meritocrática, o NATA tende a atuar sobre a subjetividade de seus educandos em uma dinâmica análoga à dos processos de socialização típicos da atual fase do capitalismo em uma escala acima das escolas convencionais da rede pública:

A subjetivação se forma nesta tensão entre a alienação escolar; pautada na sua utilidade; e a vocação, ou estudo com sentido. Se o aluno não tem em vista a utilidade dos estudos, perde a motivação pela escola. Por isto se torna importante o tema da motivação, do projeto, do senso subjetivo do trabalho (ANDRÉ e BUFREM, 2010, p. 11).

Assim, é salutar encontrar no percurso atores que “jogam” de maneira diversa às expectativas de forja da instituição, o que refor-çará a tese de que a individuação é um marco característico profun-do dos arranjos societários pós-industriais. O desafio é trazer à luz essas assimetrias caras aos processos de individuação e conseguir demarcar os múltiplos vetores atuantes no processo de institucio-nalização da proposta pedagógica da escola, que é, em última ins-tância, um projeto inserido em um contexto mais abrangente do sistema público escolar como garantidor de uma divisão social do trabalho orientada por uma racionalidade neoliberal: a racionali-dade da seletividade e a competitividade como valores afirmativos. Segundo Dupriez:

A meritocracia é um dos principais componentes da instituição escolar em sociedades democráticas. Como demonstrado por muitos trabalhos anteriores, a meritocracia é uma mistura sutil de igualdade formal e seleção, que, no final, atribui aos méritos de uns e às responsabilidades de outros as diferenças objetiva-mente observadas nos percursos escolares e no acesso aos di-plomas. A meritocracia assume assim uma função ideológica,

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fornecendo uma justificativa socialmente aceitável para a desi-gualdade educacional, tendo como consequência existência de posições sociais e profissionais igualmente desiguais (DUPRIEZ, 2012, p.180).

Pelo discurso oficial, a escola parece ter a intenção clara de cooptar os alunos para o mundo do trabalho. E a distinção é a se-dução oferecida. Segundo Bourdieu (2009), o diploma representa um capital cultural institucionalizado, com valor simbólico mais imediatamente reconhecível e utilizável pelo mercado. Não se trata objetivamente do capital cultural puro que correntemente é ligado de maneira umbilical ao acesso aos bens culturais e ao capital eco-nômico estabelecido como exposto na teoria da reprodução.

É vital compreendermos se na formação desta “elite periférica” a apropriação do capital cultural se dá de modo subversivo, no sen-tido de romper com a cultura estandartizada pela separação de clas-ses, ou se trata apenas do capital cultural institucional, o diploma, que pensa a escola como meio para a ascensão social –não negando a possibilidade dessa divisão eventualmente representar um falso dilema, pois a aquisição do capital cultural institucional não exclui o acúmulo do capital cultural lato sensu.

Mas nos cabe refletir sobre a forma como o processo transcor-re, com qual nível de consciência e expectativa por parte dos atores envolvidos nesses processos. A entronização da consciência do méri-to no plano simbólico é uma operação provavelmente resultante de um processo pertencente ao conjunto de provas estruturais às quais os atores são submetidos em uma dinâmica que não se encerra ao longo da socialização escolar e que pertence ao percurso de vida como sentido de fluxo contínuo. O sentido de mérito na fala do aluno David é admitido como pertinente, ainda que reconhecesse o potencial de seus concorrentes diretos. Sua fala refere o papel central dos avaliadores nesse processo, o que sinaliza a percepção do mérito como uma forma de “economia escolar”, na forma de ele-mento fundamental para a acumulação de maior capital simbólico:

Eu sentia que eu era um candidato, saber se eu ia ou não era outra história, mas eu senti que estava entre as pessoas que po-deriam ir, ‘tinham’ muitas pessoas competentes também e isso

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cabia ao professor ou avaliador que selecionou a gente saber quem estava mais apto pra ir ou não, mas eu sabia que eu tinha capacidade sim pra ir, estava me empenhando (grifo nosso).

Sendo indagada sobre a percepção do próprio mérito na ava-liação da escola e sobre quais características poderiam ter sido determinantes na sua escolha para participar do intercâmbio, Íris referencia novamente uma autoavaliação que denota o estigma da insuficiência escolar:

Eu acho que pela sinceridade de como levar o curso, levar a sério, né? Por mais que minha mãe não quisesse que eu entrasse na escola, por ser integral e tal e eu reclamava que a gente tinha problema de alimentação, mas eu estudava. Eu fui dessa época que na escola só tinha ovo. Pela sinceridade e a postura, não pela inteligência, pois eu me achava muito fraca, eu me sentia muito fraca com relação a outros alunos da turma, então eu acho que foi por uma questão de maturidade (eu me cobrava muito) (grifo nosso).

É interessante na fala acima (também presente em outras fa-las) o fato de haver um consenso acerca de valores como esforço, pontualidade, comprometimento, seriedade, participação como ele-mentos determinantes para a validação do sentido de mérito insti-tucionalmente reconhecido, mais que as competências objetiváveis na quantificação através do sistema de notas, definido por ela como “inteligência”:

Acredito que sim, eu não sei quais foram os critérios usados para seleção da vaga de estágio, mas acredito que a personalida-de de cada um, o jeito de fazer as coisas e como eu executei as coisas durante o curso devem ter influenciado (Lina).

Realmente é uma pergunta difícil, mas vamos lá: eu acho que quando as pessoas observaram direta ou indiretamente eu não sei dizer, as pessoas observam umas às outras, eles viam que eu era interessado, buscava sempre estar presente, aprender, falando sobre as aulas práticas e teorias; também eu sempre fui muito pontual, tentava sempre manter o meu horário, chegar até mais cedo, ajudar antes de começar a aula,

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eu tenho demostrado interesse, não tinha dificuldade em fa-zer perguntas, tirar dúvidas, por exemplo, ‘você pode me en-sinar como faz isso aqui?’, eu tinha minhas dificuldades mas buscava sempre superá-las, era pontual (David, grifos nossos).

A ausência de critérios claros nos dois primeiros anos pontua diferenças nos discursos dos alunos acerca da autoavaliação do mé-rito no processo seletivo. A própria definição de critérios objetivos opera dentro do sentido de valorização do mérito segundo a per-cepção da escola, uma vez que a falta de transparência pode aduzir a prevalência de favorecimentos lastreados por hierarquias de pre-ferência pessoal. Tanto que Lina, uma das selecionadas para 2013, admite sua surpresa pela escolha muito em razão de não ser uma estudante que tenha constituído uma relação muito próxima com a coordenação pedagógica e com o corpo técnico-docente. A carência de critérios objetivos para a seleção sugere o estabelecimento de um valor de “dádiva” (no sentido do senso comum) em detrimento do sentido de mérito.

Lina, Íris, Milton e Paulo, tendo participado do intercâmbio nos anos de 2013 e 2014, referiram dificuldade em apontar os pon-tos que foram mais bem avaliados pelos professores selecionadores para o estágio. Paulo, que participou em 2015, sintetiza suas impres-sões com a seguinte frase: “Era uma coisa bem misteriosa...”. Alice, que participou em 2015 do intercâmbio (já sob o registro da nova gestão do IGPA, que estabeleceu critérios objetivos para o processo seletivo), refere-se a essa mudança de modelo da seguinte forma:

Na verdade, as avaliações foram diferentes. Nas primeiras, os alu-nos não sabiam de nada, só foram saber na formatura, que teve umas provas, mas que era para trabalhar em um supermercado do Grupo Pão de Açúcar como atendente em queijo. No segundo foi a mesma análise da dedicação dos alunos, eu acho que não teve um processo seletivo fixo. No nosso a gente teve que fazer um texto explicando qual tipo de profissional você era, tinha uma entrevista, entrega de currículo e no desempate era se você tivesse feito estágio externo, boas notas, participado de monitoria.

Lina, participante de 2013 descreve uma circunstância menos organizada, depondo que notou uma evolução considerável no pla-

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nejamento envolvendo a visitação das turmas seguintes: “Foi tudo muito junto, eu até vi as fotos das últimas viagens, teve uma produ-ção maior... mas na nossa época foi tudo bastante improvisado. A gente conheceu coisas que não tem a ver”.

A implementação em 2014 do novo sistema de seleção para o estágio no exterior na forma de um processo seletivo formal induz uma mudança significativa na postura dos alunos, tendo como efeito maior mobilização entre os que se voluntariam para o estágio. Como a inscrição para a seleção transcorre somente no terceiro ano do ensi-no médio, é a partir dessa fase que os candidatos passam a ser obser-vados mais amiúde: “No terceiro ano você já está se formando, está próximo da formatura, então as coisas ficam mais presentes, batendo a porta, chega mais perto, então eu comecei a pensar nisso mais pro terceiro ano, sempre me empenhando nas atividades e etc.”, como refere o aluno David. Porém, na percepção da aluna Lina, ter encara-do com interesse sincero todo o percurso formativo desde o primeiro ano na escola foi um fator de diferenciação a seu favor:

Antes mesmo da primeira viagem, no final do primeiro ano no ‘NATA’, eu sempre estava nos laboratórios, ajudando os profes-sores e correndo atrás. Então foi isso, mesmo antes de saber des-sa viagem, eu me dediquei à escola, à formação. Eu acho que foi a análise do meu esforço nesses três anos. Quando todos fica-ram sabendo da viagem, todo mundo começou a se esforçar mais. No meu caso, foi um gás a mais, não só por isso, mas essa viagem fez eu me dedicar ainda mais. Eu já vinha me dedicando durante todo o tempo (grifo nosso).

A mesma aluna ainda descreve os desdobramentos de toda a experiência adquirida no período de sua formação no colégio, en-fatizado uma mudança substancial na relação entre ela e sua mãe, operando como outro marcador de passagem para a vida adulta:

O NATA te dá muita responsabilidade e faz você amadurecer muito. Minha mãe também me vê muito diferente agora do que antes do NATA, das responsabilidades, dos estágios e de me dedicar. Agora ela me vê como uma mulher que tem auto-nomia para fazer o que for preciso e por isso me dá bastante liberdade.

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Não subsumindo o princípio da construção da própria autono-mia segundo essa premissa, é provável que a consequente aquisição de maiores graus de liberdade individual no âmbito familiar repre-sente uma conquista tão ou mais importante que o mérito chance-lado pela instituição por ocasião do reconhecimento das virtudes elencadas pelos entrevistados como decisivas para a escolha dos eleitos como representantes da escola na França.

A “elite periférica”

A viagem à França adquire caráter de distinção social e cultural, de marco fundamental da emergência de uma “elite periférica”. É forçoso sublinhar o cuidado com a expressão “elite” no contexto em que estamos tratando, porque visa indicar muito mais distinção que privilégio, sendo, portanto, tomada em um sentido estrito, muito aquém da ideia de um “passaporte garantido” para o caminho da ascensão de classe. Em se tratando de um fenômeno recente e de amplo espectro, inegavelmente a ascensão de uma geração de novos atores periféricos com muito mais acesso ao capital cultural (intra e extrainstitucional), produtores de conhecimento e cultura, coloca em questão os caminhos tradicionais da reprodução dos capitais e dos fatores de distinção, sendo esse fenômeno ainda credor de pes-quisas à altura de sua relevância sociológica.

De fato, no processo de aculturação ao modelo do grupo em que ele procura integrar, o ator na mobilidade social é diretamente confrontado com a questão da memória das experiências vividas no meio de origem. Como diz Alfred Schütz:

do ponto de vista do estrangeiro ... a cultura do novo grupo tem sua própria história, e esta história é acessível para ele. No entan-to, ela nunca consegue fazer parte integrante de sua biografia, pois a história de seu grupo de origem foi capaz de fazer. Somen-te o modo de vida de seus pais e avós torna-se para um homem a base do seu próprio modo de vida. Tumbas e memórias são coi-sas que não podem ser transferidas ou adquiridas. O estranho, portanto, se aproxima do outro grupo como um recém-chegado no verdadeiro sentido do termo. No melhor dos casos, ele irá desejar e estará pronto para compartilhar com o novo grupo

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o presente e o futuro em uma experiência viva e imediata. No entanto, no que diz respeito às experiências passadas, isso é to-talmente excluído. Além disso, do ponto de vista do novo grupo, o estranho é sempre um homem sem história (SCHUTZ, 1980, p.97; tradução nossa).

Pela ótica do ideal típico, o estrangeiro é, portanto, condenado a fazer malabarismos com duas memórias, duas histórias que não podem ser atualizadas no mesmo contexto. Certas práticas, certas histórias, certas expressões encontram seu lugar apenas em um dos dois ambientes. O indivíduo que experimentou uma dupla sociali-zação parece ser condenado a uma oscilação permanente entre os dois grupos de referência, daí uma “tensão” entre fundo e destino.

A dinâmica interna de seleção do NATA propicia aos alunos a possibilidade de participarem de eventos no interior do estado e nas regiões produtoras de laticínios do sul de Minas Gerais e do Estado de São Paulo. Dos alunos entrevistados, todos moradores do município de São Gonçalo, foi após o ingresso na instituição que suas primeiras viagens de longo termo se deram. A experiência de estudos em tempo integral, as viagens sem os pais, o estreitamento das relações profissionais da área técnica, a atribuição de responsa-bilidades nas atividades de estágio, todos esses elementos agregados contribuíram de forma inequívoca para a consolidação do caráter indutor de processos de amadurecimento nos estudantes do NATA. Deslocar-se sozinho impõe um desafio e uma oportunidade funda-mental de autonomização. A questão da circulação nos territórios opera como um importante marcador de passagem para a vida adul-ta e é interessante a reflexão que emerge da transição do local para o universal – no caso dos alunos em questão, feita com um encurta-mento considerável nas etapas naturalmente presumidas:

Eu sempre pensei em morar fora do país, mas meus pais me prendiam bastante. Então eu não conhecia nada, não sabia an-dar sozinha. Quando eu entrei no ‘NATA’ foi que meus pais co-meçaram a ver que eu tinha que passar a semana aqui, no fim de semana sempre tinha que ir para a casa de alguém estudar, aí foi quando comecei a sair um pouco do ovo. A primeira vez que saí do Estado foi pelo ‘NATA’ para uma feira em Juiz de

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Fora – MG. A primeira vez que sai do país e do continente também foi pelo ‘NATA’. Hoje eu consigo me viro; quando co-mecei no ‘NATA’ eu comecei a amadurecer muito porque aqui eu não era vista como aluna, e sim como profissional. Então eu tinha que me desenvolver, eu já sairia daqui na maioridade, com curso técnico, então eu tinha que saber onde eu queria chegar e como eu chegaria. Por isso fiz esses estágios externos (Tamara – grifo nosso).

Antes de entrar no ‘NATA’, como eu era muito nova e minha mãe ser superprotetora, eu não saía muito. Eu ia até Niterói, fiz al-guns passeios em São Paulo acompanhada dela e depois que eu entrei pra cá, não tinha muito jeito, eu tinha que fazer um está-gio na indústria do Rio de Janeiro e não aqui e depois teve esse estágio na França, aí já conhecemos um outro país. Estando aqui também você percebe que você não tem que ficar preso. O Wan-derson, mestre da usina, sempre diz que a gente tem que cortar o cordão umbilical. Eu estou pronta para trabalhar em qualquer outro lugar que me mandarem (Alice – grifo nosso).

Aqui no Brasil, antes de eu ir para França, eu só conheci a região Sudeste. (David).

Quando eu falei da fábrica que trabalhamos, a primeira vez que nós fomos (isso antes da França), nós viajamos sozinhos para Minas Gerais na época de carnaval e quando chegamos lá tinha hospedagem, hotel. Chegamos 2h da manhã e a gente se virou (Paulo).

Quando fomos fazer o estágio na loja de São Gonçalo do lado do Shopping Boulevard, eu conversei, falei que eu preferia ir para o Rio. Tinha uns amigos que foram selecionados para o Rio e eu consegui trocar a minha vaga com uma menina que foi ‘jogada’ lá para o Leblon. A gente acordava cedo, no primeiro dia a gente estava completamente perdido. Eu lembro que para descobrir o trajeto até lá a gente foi se virando e no final deu tudo certo (Paulo – grifo nosso).

No caso da aluna Tamara, o relato foi sobre a conversa com um primo que lhe disse que gostaria muito que sua filha pequena fosse com ela “quando crescesse”. Nas palavras de Íris, ela se converteu em uma espécie de “sensação” na família: “Meu primo de cinco anos fez uma redação para a escola sobre a prima (ela), mostrou minha foto.

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Quando minha tia falou, fiquei emocionada. Ficou muito marcado por ser França, andar de avião, faculdade pública”. Para Lina, que afirma ter parentes “pelo Brasil inteiro”, “gente que nem sabia meu nome sabia que eu ia para a França. As pessoas me paravam na rua para perguntar, nem eram da família, mas ficou sabendo pelo amigo”.

A excepcionalidade de uma viagem para o exterior para esses alunos é um fenômeno de tal forma extraordinário que em razão de suas origens de classe, e mesmo das limitações de experiências de livre circulação no próprio território regional/nacional, a incredu-lidade acaba surgindo como um traço extremamente marcante em praticamente todos os depoimentos colhidos:

Eu já não estava acreditando mais e quando a coordenadora cha-mou meu nome, eu não levantei e eu só sabia rir e uma menina me deu um empurrão e mandou eu ir porque eu não conseguia demonstrar nenhuma reação, eu só fiquei rindo. A ficha só caiu uma semana antes da viagem (Alice).

No dia que eu soube que iria para França, nossa, nem dormi (Íris).

Nossa! Quase desmaiei quando recebi a notícia, minha mãe tam-bém nem acreditou e minha avó disse que já sabia, parece que ela foi lá na escola e estavam anunciando que ia ter uma viagem, e ela disse que tinha certeza que eu iria, mas foi um choque, lembro que todo mundo pulou em cima de mim e me abraçou, até a minha ficha cair demorou muito (Milton).

Na época, quando o pessoal veio falar comigo, eu ainda estava em estado de choque porque eu ia para outro continente, eu ia para a Europa; então, eu ficava sem reação porque a ficha não tinha realmente caído. Os alunos vinham falar, se informar com você e perguntar como é que você conseguiu, como é que você fez para conseguir? Então é uma coisa muito boa no momento que você vê que seu esforço valeu a pena. Eu já sabia que iria valer, já teria valido sem a viagem, mas o meu esforço foi reco-nhecido de uma forma muito positiva (Tamara).

O primeiro nome foi o meu, eu lembro até hoje da minha rea-ção, eu estava sentado na cadeira com as pessoas da minha tur-ma, a posição que eu estava eu fiquei parado, minha reação foi ficar imóvel, minha reação foi nenhuma, eu fiquei parado, eu

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lembro que foi um alvoroço, todo mundo gritando me dando tapa nas costas e eu parado, eu lembro que começaram a me falar ‘vai lá, vai lá’, aí eu fui, fui meio que sem chão, eu cami-nhando meio que sem chão em direção, eu tive que me levantar, ir lá pra frente receber um papel que eu fui premiado, foi uma sensação indescritível, minha sensação foi ficar imóvel, parado, tensão zero (David).

Entre os relatos acerca do período imersivo, abundam referên-cias aos marcos turísticos e a elementos idiossincrásicos da cultura francesa, relatados eventualmente entre o anedotismo e a perplexi-dade, como ilustra o depoimento da aluna Alice:

A gente desembarcou em Paris, eu entrei em estado de choque porque eu estava em Paris. A gente foi para um hotel maravilho-so, ficamos numa cidade muito bacana. Fizemos tour naqueles ônibus de dois andares, na maioria dos pontos turísticos, subi-mos a Torre Eiffel, eu fiquei boba, passei do lado do Arco do Triunfo e vi que embaixo dele tem uma rua em volta dele, an-damos na Champs-Elysées, fomos no Jardim de Luxemburgo. Co-memos escargot... O mais legal é que a gente comeu escargots de graça num colégio público.

Quando pergunto sobre a experiência, a resposta vem em um estilo nada francês: “Tem gosto de um tempero e é borrachudo”. Alice prossegue:

A gente foi num restaurante, ‘um cara’ veio falar comigo, mas eu não estava entendendo o que ele queria dizer e ele ficou muito chateado e nervoso, mas de uma forma rude por fato de eu não estar entendendo. Outro cara veio e respondeu e ele disse: – Não ensinam o francês no Brasil? Alguém disse que não e ele respondeu: – Pois deveriam. Eles se acham superimportantes e superiores. Eu acho que as pessoas de lá, mesmo com a arro-gância, elas são mais educadas de alguma forma patriotas, eles zelam e são conscientes das leis.

O depoimento de David acrescenta impressões similares acerca da receptividade dos parisienses, seguida de sua leitura do acolhi-mento em Carros, por ocasião da realização do estágio formativo:

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Vamos dizer que parece que eles são mais frios, porque o bra-sileiro quando recebe estrangeiro, ele quer usar, ele veio de fora, ele veio para gastar dinheiro, ele tem que ser bem tra-tado aqui, quando eu cheguei lá como brasileiro vendo nos-so povo, nosso país recebendo as pessoas de forma calorosa, eu vi essa recepção deles meio fria, principalmente em Paris tendo dificuldade para dar informação, dando informação er-rada. Agora no lugar onde nós fizemos o nosso estágio, nosso curso, nós tivemos uma recepção bem calorosa, eles já estavam aguardando a gente, estavam a nossa espera, eu me lembro que na nossa chegada na CFA eles pararam as atividades deles... Presidente, diretoria, funcionários pararam pra nos receber, o intérprete falava palavras bonitas, palavras de boas-vindas, agradecimentos, dizendo que a gente podia ficar à vontade, que a gente estava ali para aprender, que podíamos contar com eles para o que precisassem, eles foram tão calorosos na recep-ção que colocaram até uma bandeira do Brasil, não sei se tinha da França (grifo nosso).

Já o aporte de Milton é o mais crítico entre nossos entrevista-dos, possivelmente em razão de não haver nutrido expectativas de-masiado otimistas acerca da realidade com a qual viria a se deparar: “foi uma viagem legal, uma ótima oportunidade, mas eu senti que eu não fiquei tão encantado quanto meus colegas. Conhecer a cida-de foi legal, mas não sei se eu não me encanto facilmente com as coi-sas”. Não é improvável que seu olhar de geógrafo talvez já detivesse o desenho de uma cartografia austral tendente a não reproduzir uma visão colonizada das relações entre o Novo e o Velho Mundo. Nos depoimentos que colhemos, são dele as únicas impressões que buscam mais a semelhança que a diferença:

Vi muitas coisas, mas tinham coisas que eu pensava que era e não era, pensei que fosse uma cidade 100% limpa, mas não é bem assim, é bem suja, tem morador de rua, prostituta, tudo, igual tem aqui, é claro que a cidade funciona muito melhor, o aspecto da cidade é bem diferente, mas eu acho que isso já é uma coisa cultural, acho que não tem melhor nem pior so-mente históricos diferentes, formações diferentes. Dentro do metrô, tenha um monte de feirante vendendo fruta, a música é liberada.

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Recolher informações sobre a experiência da viagem para a França revela tonalidades distintas quando conversamos com os mais antigos. A nostalgia é presente em quase todos os discursos bem como o desejo de retorno, mas em uma condição menos tute-lada. Por mais que a viagem ainda não possibilite aos alunos uma experiência de pleno arbítrio sobre si mesmos – por ser uma expe-riência mediada pelo grupo mantenedor e pelos limites impostos pelas circunstâncias legais –, a vivência não deixa de ser ao mesmo tempo uma experiência iniciática com profundas implicações nas suas trajetórias de vida, segundo os princípios de liminaridade e communitas de Victor Turner (1964). É provavelmente um momento inédito de afastamento da vigilância e controle familiares, traduzido na maneira como descrevem o momento de retornar para casa:

Eu não queria ir embora, eu já estava triste no último dia, eu não dormi e quando deu a última hora eu fiquei olhando pela janela e não acreditava que eu ia embora. Quando cheguei no Rio de Janeiro, na Ilha do Governador, eu disse: – Mãe, eu posso pegar o avião de retorno? (Alice).

Não, na volta eu só senti sono, lá estava no verão e o sol ia mais ou menos até às dez da noite, era como fosse seis horas da tarde aqui no Brasil, e brasileiro quando vê sol quer aproveitar, pri-meiramente eu estava na França, não é todo dia que eu vou para França (David).

Foi uma experiência maravilhosa, a melhor coisa que já fiz na minha vida, a melhor oportunidade que eu já tive e falando a nível de país também; quando a gente fala que não há es-perança, eu acho que é uma coisa bem interna, pois quando você vai para outro país, falando por mim no Rio de Janeiro cercada de violência onde a gente já sai de casa com medo, mas lá você fica fora de casa até três horas da manhã na rua com telefone e não tem problema. Isso é algo que foge total-mente da sua realidade, você ganha noção de mundo. Eu fiz essa viagem e minha cabeça expandiu de tal forma que eu vejo as coisas e as culturas são diferentes, mas para tudo exis-te um jeito na vida, sabe? (Tamara)

Nas palavras da aluna Lina, numa síntese de sua representação subjetiva da transição dialética do local para o universal:“Não que o

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morro tenha ficado pequeno, mas é como se tudo aquilo que você achava que era bom aqui tivesse se tornado pequeno”.

Considerações finais

A expectativa acerca dos impactos da experiência em território francês no imaginário dos alunos segundo a amostragem utilizada foi possivelmente superestimada. Se não podemos afirmar em ab-soluto que a experiência foi indiferente aos alunos, também não é possível afirmar que se tratava unanimemente de uma experiência tão definidora do ponto de vista da formação da identidade dos estudantes – ao menos com o distanciamento cronológico que nos foi possível aferir. Essa constatação é relevante pois encaminha a necessidade de um eventual retorno a esses egressos para efeito de acompanhamento longitudinal e aprofundamento de análise do fe-nômeno sobre o qual nos debruçamos.

Também é um dado essencial da pesquisa a não identificação entre os entrevistados de qualquer menção exacerbada ao próprio mérito, a alegação de se autoatribuir qualquer talento extraordiná-rio. Pelo contrário, é corrente a opinião de que um sem número de colegas eram equivalentemente capazes de atingir os mesmos patamares de êxito escolar que aquele verificado entre os escolhi-dos para o intercâmbio, e que tais conquistas, na autopercepção dos mesmos, se devem a qualidades nada excepcionais como empenho, comprometimento e interesse.

A mudança no processo de seleção para a viagem à França parece confirmar essa tendência: há um deslocamento sutil, visan-do eliminar da concorrência os candidatos menos interessados em prosseguir nas áreas de formação profissional da escola, mas os va-lores fundamentais que se buscava identificar no perfil dos candida-tos permaneceram iguais. Essa constatação aponta para os estudos desenvolvidos por Jaílson de Souza e Silva (2003) acerca do conceito de inteligência institucional, no qual os alunos assimilam as “regras não escritas do jogo” e passam a valer-se de uma forma de astúcia social (e emocional) para assegurar a consecução dos objetivos que lhes são prioritários. Os estudantes do NATA surgem como cons-trutores de possibilidades e aproveitam a experiência escolar como

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caminho para a ampliação de seu capital social e cultural, para am-pliar a circulação territorial, para, em suma, transitar e conhecer o diferente – mais do que buscarem a tão esperada inserção no merca-do de trabalho. Nosso estudo aponta para a presença de uma forte agência desses jovens em relação aos limites que o projeto escolar do NATA lhes apresenta e aponta para variadas formas de forja indivi-dual ao se articularem com o mundo do trabalho.

O NATA é um espaço de múltiplos encontros, de ampliação de possibilidades existenciais – fatores de politização pela socialização e pela diferença. A variedade de percursos de vida posteriores à conclusão do ensino médio vai da militância em movimentos sociais ao acesso a cursos superiores da área de humanas e ao ingresso em instituições consideradas de elite e que representam a essência do pragmatismo liberal, como o IBMEC e a ESPM. Não obstante sua formação eminentemente voltada para os interesses do mercado de trabalho, sobretudo o corpo docente responsável pelas aulas de So-ciologia, Filosofia, Geografia e História teve “mérito” em articular estratégias pedagógicas isoladas ou integradas capazes de ampliar a dotação de sentidos políticos aos conteúdos ensinados em relação dialética com a realidade social dos educandos.

O modelo de seletividade preconizado na escola também atua na conformação de uma espécie de “elite periférica”, sobretudo no grupo de egressos do intercâmbio em França, sublinhando que esse conceito de elite é tomado aqui em um sentido aberto, pois encami-nha a existência de distinções que se ancoram respectivamente: 1) na apropriação do capital simbólico representado pela diplomação; 2) na apropriação do capital social ancorado na ampliação das redes profissionais; e 3) na apropriação do capital cultural e político ad-quirido na socialização pela diversidade e pela diferença, processo que nomeamos de “a radical experiência do novo”. A conformação dessa elite encaminha o surgimento potencial de trânsfugas de clas-se, porém, não nos detivemos nesta pesquisa em um estudo que an-corasse a constatação desses trânsfugas como pontos exóticos, pois era demandada uma análise dos pontos normais para a caracteriza-ção do excepcional, sobretudo com uma análise mais acurada do perfil socioeconômico e do capital cultural das famílias de origem dos alunos participantes.De toda forma, cabe indicarmos a confor-

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mação do devir trânsfuga como categoria possível a ser investigada em estudos posteriores a partir da temática investigativa iniciada neste trabalho.

Outro desdobramento desse modelo poderia ser a assimilação da crença individual no princípio fundamental da meritocracia, que sobrevaloriza os investimentos pessoais e subestima a função dos su-portes, especialmente os institucionais. Uma vez “modelados” por essa lógica, os educandos poderiam identificar-se com o discurso da seletividade permanente como fator importante para a forja distintiva e para o reconhecimento do esforço e do “talento” pessoais, passan-do a reprodutores ideológicos dessa visão. Porém essa constatação é insuficiente como suporte à tese de que o discurso meritocrático da escola em seu currículo oficial ou oculto seria integral ou parcial-mente responsável pela adesão dos educandos dessa instituição a uma cosmovisão neoliberal (ainda que não tenhamos empreendido uma investigação com o ânimo e o fôlego empírico que isso demandaria). Como sabemos, os processos de assimilação das ideologias dominan-tes são complexos e multifatoriais, estando presentes em todo o teci-do institucional, no aparato midiático e no sistema educativo.

Ao cabo da pesquisa faz-se necessário refletir sobre seus limites por entendermos que eles tratam também de resultados importan-tes para a compreensão do esforço e do movimento investigativo empreendido, sendo, portanto, as próprias margens que dão for-ma e fluxo às possibilidades reflexivas que dele emergirão. A op-ção metodológica por um estudo exploratório teve como intenção garantir cientificidade ao processo de pesquisa segundo as circuns-tâncias que se nos apresentavam por ocasião de sua concepção: um fenômeno ainda pouco investigado (a experiência de intercâmbio internacional de jovens de ensino médio público). Nosso objetivo primordial era o de apontar preliminarmente a existência de um fe-nômeno particularmente relevante e novo para ensejar a realização futura de estudos mais detalhados.

Assim sendo, percebemos que uma análise mais precisa acerca das trajetórias individuais e escolares dos atores selecionados, das relações entre as histórias pessoais de suportes e a história coletiva das oportu-nidades (dimensão sociopolítica), bem como das condições sociofami-liares, teriam possibilitado um avanço analítico mais consistente. Outro

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aspecto a ser aperfeiçoado seria o de avançar na análise das relações entre escola e trabalho como maneira de ampliar as articulações entre o particular e o geral a partir do caso que nos propusemos a investigar. Igualmente, cabe registrar que nos é satisfatório o resultado alcançado de maneira geral, acreditando havermos pontuado questões importan-tes acerca de um fenômeno ainda pouco comtemplado pela literatura no campo que é a análise de egressos de escolas públicas de ensino médio em intercâmbio em solo estrangeiro.

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eixo ii Formação de professores com tecnologia

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eixo ii - FORMAÇÃO DE PROFESSORES COM TECNOLOGIA 79

Desafios da formação de professores para a integração de TIC

Andrea Brandão Lapa (UFSC)Marina Bazzo de Espíndola (UFSC)

Introdução

Este artigo trata da inserção do grupo de pesquisa Comunic da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no projeto Rede de Políticas Públicas e Educação (RPPE), coordenado pela profes-sora Tamara Tânia Cohen Egler (IPPUR/UFRJ). O Comunic1 é um grupo de pesquisa sediado no Centro de Ciências da Educação da UFSC, que atua na interface das áreas da Educação e da Comunica-ção, com pesquisas sobre a integração de Tecnologias de Informa-ção e Comunicação (TIC) à Educação, especialmente na formação de professores.

No escopo do projeto RPPE, nosso grupo se ocupou de inves-tigar fatores e circunstâncias potencializadores de uma formação crítica de sujeitos nas redes sociais, em três distintas dimensões: a) a dimensão prática, que tratou da pesquisa-ação de intervenções pe-dagógicas com TIC realizadas por professores do ensino básico e su-perior; b) a dimensão teórica-metodológica, que buscou indicadores no âmbito da Teoria Crítica e, também, nas experiências práticas de coletivos ativistas nas redes sociais; c) a dimensão tecnológica, que tratou do desenvolvimento de software para o apoio à pesquisa.

Durante os anos de 2013-2016 participaram desta pesquisa na UFSC: André Ary Leonel, Andreson Lopes de Lacerda, César Sma-niotto Junior, Débora Nazário, Fran Adalid Cardoso, Giliane Bruna Rebello, Graziela Gomes Stein, Ingrid Nicola Souto, Isabel Coluc-ci Coelho, Jean Carlos Pantoja, Leonardo Calbusch, Nilza Gomes,

1 Comunic – Grupo de Pesquisa em Mídia-Educação e Comunicação Edu-cacional (http://comunic.sites.ufsc.br/).

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Pedro Rebeschini, Samuel Heidermann, Simone Leal Schwertl, Vâ-nia Amélia Koerich e Vinicius Culmant Ramos. Também os profes-sores da Educação Básica: Ana Carla Mess, Arisnaldo Adriano da Cunha, Jaisson Ramos, Jane Bauer Argenta, Maria do Carmo Ávila Lehmkuhl, Marília Lara Bergamo, Robson Ferreira Fernandes e Sa-brina Botelho Kons. Além das autoras Andrea Lapa e Marina Bazzo de Espíndola, líderes do Comunic.

Compreendemos que nossa integração à rede das demais ins-tituições RPPE se deu a partir de nosso lugar específico: a área da Educação. Um edital como este do Observatório de Educação da Capes, que tinha como uma das metas promover a aproximação universidade-escola, propiciou não apenas a pesquisa sobre a escola, mas com a escola. Menga Lüdke (2001; 2012) já tratou dos proble-mas causados pelo afastamento dos objetivos da pesquisa feita na universidade, daquela feita na escola, e da importância da “delicada questão do envolvimento entre o professor da educação básica e a pesquisa” (LÜDKE, 2012, p. 640). Este projeto resultou ser uma excelente oportunidade de enfrentarmos, juntos, esse desafio: de construir, com todas as suas contradições, uma pesquisa com pro-fessores sobre a integração de TIC na escola, com a participação e envolvimento de pesquisadores da universidade.

Outras publicações deste projeto apresentam resultados das pesquisas realizadas no período (especialmente LAPA; LACER-DA, 2018). Nos dedicamos neste artigo a trazer algumas reflexões que fundamentaram nossa prática, tanto nas intervenções quanto nas pesquisas, que representam o marco teórico que consideramos orientador para a formação de professores para a integração de TIC na escola.

Contexto contemporâneo da cultura digital

Vivemos nas últimas décadas uma rápida transformação impul-sionada pelo avanço tecnológico que conectou o planeta inteiro em redes digitais de comunicação. Nela, as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) são tratadas como as propulsoras de novos modos de pensar, agir e sentir que afetam, indiscriminadamente, indivíduos e comunidades. Além da rapidez, que conduz muitas

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vezes a uma adesão irrefletida, outra característica dessa revolução tecnológica é o alto grau de penetrabilidade (CASTELLS, 2003a), pois atividades econômicas, sociais, políticas e culturais essenciais são estruturadas pela Internet e em torno dela, em um processo que altera o tecido em que a própria atividade humana acontece, de modo que “ser excluído dessas redes é sofrer uma das formas mais danosas de exclusão em nossa economia e em nossa cultura” (CASTELLS, 2003b, p. 8).

A geolocalização da exclusão das redes digitais coincide e reforça outros mapas de exclusão econômica, social e política. Segundo os dados do PNAD de 20162, a Internet foi usada em 69,3% dos domicí-lios brasileiros: 76,7% no Sudeste, 74,7% no Centro-Oeste, 71,3% no Sul, 62,4% no Norte e 56,6% no Nordeste. Nos domicílios em que a Internet não estava presente, os principais motivos alegados foram: falta de interesse (34,8%), o serviço era caro (29,6%) e nenhum mo-rador sabia usar (20,7%). Esse retrato brasileiro, pouco mostrado no discurso dominante da apologia da técnica, serve especialmente para desnaturalizar a sociedade brasileira como conectada.

É correto afirmar que a nova geração aparenta ser mais conectada. Segundo dados de 2017 da pesquisa TIC Kids Online Brasil3, 82% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos são usu-ários de Internet, totalizando 24,3 milhões (CGI.br/NIC.br, 2018), enquanto 5,2 milhões de crianças e jovens estão desconectados, so-mando 2,5 milhões que nunca acessaram a rede. O perfil desses jovens usuários vem, predominantemente, de área urbana (86%), pertencem às classes mais altas, A e B, (98%), têm pais com escola-ridade de nível médio ou mais (87%). As regiões Norte e Nordeste do Brasil têm menor índice de imersão tecnológica com, respecti-vamente, 69% e 73% de percentual de crianças e jovens que aces-saram a Internet nos últimos três meses. Os dados demonstram a defasagem ainda gritante de acesso à Internet e da face da exclusão

2 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) TIC 2016, resultados revelados em fevereiro de 2018, disponível no site do IBGE: ht-tps://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=o-que-e. 3 Pesquisa TIC Kids Online Brasil de 2017, divulgada em agosto de 2018, disponí-vel no site do CETIC.br: https://cetic.br/pesquisa/kids-online/.

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da cultura digital, que tem cor, classe e distribuição regional, contri-buindo para ampliar as desigualdades nacionais.

Nesse contexto, a educação, em especial a escola pública, de-sempenha um papel ainda mais importante. Muito mais do que aquela que transfere o legado social e que transmite a história e os conhecimentos socialmente produzidos, ela é o lugar da formação para a cidadania. E pode ser o lugar de dirimir as desigualdades sociais no acesso à cultura digital.

A educação no contexto da cultura digital

Apesar do potencial da educação como espaço de oportunida-de para a formação para a cidadania, observamos um grande des-compasso da escola com a cultura digital. Martín-Barbero (2004) identifica ser um problema, principalmente, de linguagem, pois a escola se baseia na oralidade transcrita e se organiza pela linguagem cartesiana do livro, enquanto os jovens se comunicam, aprendem, se expressam e constroem conhecimento de maneira audiovisual. O constrangimento de um currículo organizado de maneira linear e fragmentada, enquanto a sociedade se organiza em redes rizossô-micas (EGLER, 2010), leva Martín-Barbero a propor que a educação deveria se libertar do currículo que é separado por disciplinas e “mudar totalmente para que haja uma inter-relação de conhecimen-to” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 692)

Não podemos esquecer de todo cenário apontado anteriormen-te, que nos demonstra que a necessidade de inclusão na cultura digi-tal tem que ser realizada em duas dimensões: como acesso às redes digitais de banda larga da Internet e seus espaços de difusão da informação e conhecimentos socialmente produzidos; mas também como uso consciente e crítico desses conteúdos e meios digitais. Essa é a defesa da mídia-educação que propõe uma alternativa atra-vés da educação crítica dos meios para combater a padronização dos indivíduos consumidores e não cidadãos (BELLONI, 2002; RIVOL-TELLA, 2005; FANTIN, RIVOLTELLA, 2012).

Muito se diz sobre o potencial democrático da Internet. Primei-ramente pelo rompimento da comunicação “um para muitos”, pas-sando a uma configuração “todos para todos”, em redes, onde cada

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nó/indivíduo é tanto um receptor quanto um emissor de conteúdos. Está certo que o avanço tecnológico de uma comunicação bidirecio-nal possibilitou a base tecnológica para essa mudança, mas as relações humanas baseadas em processos democráticos está longe de ser so-mente determinada pelas TIC, embora ela imponha condições.

Uma abordagem mais otimista busca reverter a alienação, e a adesão voluntária a ela, através tanto de uma leitura crítica dos meios e seus conteúdos quanto de uma postura ativa dos sujeitos na busca por alternativas (LAPA, 2014). Isto é, o reconhecimento e a compreensão das condições que estruturam a ação humana, mas também a busca de escapes para a subversão da lógica programada (MACHADO, 2002), de modo a encontrar brechas de possibilidade, fissuras no pensamento dominante para a criação de uma outra glo-balização (SANTOS, 2000), pelo uso dos mesmos artefatos que alie-nam para atender outros objetivos mais humanos e sociais. Nessa perspectiva, a educação é reconhecida como um espaço privilegia-do de ação política. Espaço de formação crítica para uma cidadania plena, ativa, transformadora, o que nos remete a refletir sobre o papel das mídias na formação, ou deformação, de sujeitos.

O cenário contemporâneo traz à luz dois problemas importan-tes à educação. O primeiro seria de que as mídias digitais permitem hoje um livre fluxo de informações e uma conexão em redes sociais que tanto produzem uma cacofonia de conteúdos e sentidos como potencializam o ativismo político atual. O segundo seria de que, na esteira das novas configurações do capitalismo, empresas e governo ampliam seu controle sobre a comunicação e assim interferem no fluxo de informações à custa da livre expressão e da democracia.

A promessa não realizada de que a Internet produziria uma sociedade mais democrática demonstrou o equívoco de abordagens limitadoras, sejam elas de perspectiva instrumental que, ao enten-der as TIC como neutras, colocam a responsabilidade unicamente nos indivíduos pelos seus usos e consequências, ou sejam elas de perspectiva substantivista, que, ao enxergarem valores e intenciona-lidades embutidas na tecnologia, depositam nas tecnologias o papel de determinadoras da configuração social independente de nosso controle. O que vemos hoje são modernizadas formas de coloniza-ção cultural e homogeneização comercial formando mercados glo-

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bais, sujeitos sujeitados em abrangência planetária. Se por um lado, empresas de mídia com crescente concentração de propriedade pa-dronizam discursos e interpretações dos fatos, de outro vemos o quanto as TIC ajudam a aumentar o nível de participação e autoria das pessoas. Há, portanto, na integração das TIC uma dupla face da mesma moeda, isto é, convivem relações complexas entre mídia corporativa autoritária e a cultura participativa libertadora, como Jenkins (2009) chamou. Se defendemos, como a perspectiva da teo-ria crítica, que não há um desenvolvimento tecnológico sem possi-bilidade de participação da sociedade, isto é, que a tecnologia pode ser humanamente controlada (FEENBERG, 2002), a integração das tecnologias na sociedade pode vir a ser, para além de riscos e danos, um espaço de oportunidade a depender das formas de apropriação dos indivíduos.

Retornamos, portanto, à educação. Pois, apesar da existência e do acesso a uma base tecnológica menos hierárquica e que permite uma comunicação bidirecional, com ampliação de pontos recepto-res que também são emissores de conteúdos, o problema hoje é o do “acesso desigual às oportunidades, experiências, habilidades e conhecimento que irão preparar os jovens para a plena participação no mundo de amanhã” (JENKINS et al., 2006, p. 3). O autor alerta ainda para o fato de que necessitamos ampliar as oportunidades para que os jovens possam se ver como produtores culturais e parti-cipantes, e não simplesmente como consumidores, críticos ou não.

Assim chegamos ao foco da alfabetização crítica da mídia, como é defendida por Kellner e Share (2005), como:

um imperativo para a democracia participativa, pois as novas tecnologias de informação e comunicação, associadas a uma cul-tura de mídia com base no mercado, fragmentaram, conecta-ram, convergiram, diversificaram, homogeneizaram, estabiliza-ram, ampliaram e remodelaram o mundo (p. 689-690).

O campo teórico do debate sobre a alfabetização crítica das mídias não é novo e nos remete aos anos 30, quando, na Escola de Frankfurt usaram a teoria crítica social para analisar como a cultura popular e as TIC induzem à ideologia e ao controle social. Nos anos 60, os Estudos Culturais fizeram acréscimos às questões de ideologia

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com compreensão mais sofisticada de audiência como construtores ativos de significado e não simples espelhos da realidade externa. A partir desse marco teórico, destacamos a contribuição de Kellner e Share (2008) para o campo da Educação e Comunicação que defi-nem alguns marcos conceituais para a educação midiática, que são:

1) o reconhecimento da construção da mídia e da comunica-ção como um processo social, em oposição a aceitar textos como transmissores isolados de informações, neutros ou transparentes;

2) algum tipo de análise textual que explore as linguagens, gê-neros, códigos e convenções do texto;

3) uma exploração do papel das audiências na negociação de significados;

4) a problematização do processo da representação para reve-lar e colocar em discussão questões de ideologia, poder e prazer;

5) a análise da produção, das instituições e da economia polí-tica que motivam e estruturam as indústrias de mídia como negócios corporativos em busca do lucro.

O quanto essas premissas estão presentes na educação, especial-mente na escola pública, indica como a nossa sociedade tem garan-tido a alfabetização midiática da sua população. O que nos remete a conhecer o espaço dado a essa formação nas políticas públicas de educação no Brasil, especialmente na formação de professores.

Políticas públicas

A partir da década de 1980 sucederam-se iniciativas governa-mentais de Políticas Públicas de TIC na escola. O programa pionei-ro foi a TV Escola4 que iniciou em 1996, quando as escolas públicas receberam um kit de equipamentos (televisor, videocassete, antena parabólica, receptor de satélite e dez fitas de vídeo VHS) e havia uma produção audiovisual associada aos conteúdos programáticos

4 http://tvescola.mec.gov.br.

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do currículo que era (e ainda é) veiculada em canal nacional via satélite.

Outra importante ação governamental em relação às TICs na educação no Brasil foi o Programa Nacional de Informática na Edu-cação (PROINFO)5, concentrando as políticas públicas de tecnolo-gia educacional e ações em uma articulação entre governos federal, estaduais e municipais, “com o objetivo de promover o uso peda-gógico da informática na rede pública de educação básica” (MEC, 2017). Para isso, o governo federal levou computadores e conteúdos digitais para as escolas, e “em contrapartida, estados, Distrito Fede-ral e municípios devem garantir a estrutura adequada para receber os laboratórios e capacitar os educadores para uso das máquinas e tecnologias” (MEC, 2017).

Nas primeiras fases do programa, o esforço estava bastante cen-trado em equipar as escolas com computadores e salas informatiza-das, buscando atingir aproximadamente 7.500 unidades de ensino e 5 milhões de alunos, bem como a instalação de 200 Núcleos de Tecnologia Estaduais, capacitação de 25 mil professores do ensino fundamental e médio e fornecimento de 100 mil sistemas de Infor-mática para a Educação (SIE) – hardware e software básico – (CERNY et al., 2014). Em 2010, foi também instituído no âmbito das ações do Proinfo, o Programa Um Computador Por Aluno (PROUCA)6 que visava distribuir 150 mil computadores a estudantes de 300 escolas da rede pública. Em 2013 houve uma nova iniciativa de aquisição de equipamentos, naquele momento os tablets, para as escolas de ensi-no médio. O programa Proinfo previu também o desenvolvimento de ações formativas para a apropriação técnica das TIC e também sua aplicação pedagógica.

O PROINFO e seus programas mais consolidados, como o PROUCA, já foram extensamente estudados pela literatura acadêmica, apontando uma série de desafios tanto técnicos e de in-fraestrutura, como de organização e pedagógicos, ainda a superar no que se refere à integração efetiva das TIC na educação. As prin-cipais análises indicam uma ênfase na dotação de infraestrutura nas

5 http://portal.mec.gov.br/proinfo.6 https://www.fnde.gov.br/programas/proinfo/eixos-de-atuacao/progra-ma-um-computador-por-aluno-prouca.

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escolas, ao mesmo tempo ressaltam que essa infraestrutura ainda não está garantida, no que se refere aos equipamentos tampouco quanto ao acesso adequado de conexão à rede de Internet e à dispo-nibilidade e facilidade de acesso aos espaços informatizados (CER-NY et al., 2014). Com maior destaque, são apontadas críticas em re-lação às formações vinculadas ao PROINFO, ainda com um caráter bastante instrumental. O programa iniciou com formações técnicas aligeiradas para a integração das TIC, não considerando suas im-plicações para os contextos educativos. Em um segundo momento foram agregadas algumas iniciativas de formação pedagógica mais generalista, contudo ainda bastante uniformizadas, o que, segundo Cerny et al. (2014), dificultou a realização de trabalhos mais vol-tados para a realidade e necessidades de cada região ou contexto escolar. Mais recentemente, uma iniciativa ainda pouco estudada e descontinuada após as experiências-piloto em três estados, o Curso de Especialização em Educação na Cultura Digital7, buscou vincular as potencialidades pedagógicas das TDIC às áreas disciplinares e de atuação dos professores da escola e ao contexto da cultura digital.

Os resultados dessas iniciativas indicam que o desafio da for-mação de professores para a integração das TIC vai muito além do treinamento técnico ou mesmo pedagógico, e envolve também as dimensões política e cultural (HERNANDEZ, 2000). Nesse sentido, Cerny e seu grupo (2014) discutem que, apesar dos avanços na im-plementação de espaços informatizados que ajudam na realização de algumas tarefas dos docentes e dos alunos, sem a integração da dimensão cultural o computador na escola acaba configurando as TIC apenas como instrumentos auxiliares e não transformadores do processo de ensino e de aprendizagem.

Com base nas análises tecidas, reafirmamos que as políticas de difusão e implementação das TIC nas instituições educativas ainda são marcadas por uma visão instrumental e carecem de uma reflexão mais aprofundada sobre suas potencialidades pedagógicas (STRUCHINER, 2009; PRETTO, 2003). Essa questão é também apontada por diversos teóricos da educação que reivindicam uma apropriação crítica da tecnologia como contraponto à disseminação

7 http://educacaonaculturadigital.mec.gov.br/.

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de práticas descontextualizadas de massificação do conhecimento, a partir da oferta de modelos “instrucionais” fechados, com pouca ou nenhuma participação dos principais agentes do processo edu-cativo: professores e alunos (ESPÍNDOLA, 2010; BARRETO, 2003; BELLONI, 2003).

Também bastante significativo nesse cenário, pesquisas ressal-tam a falta de estímulo dos profissionais envolvidos nos processos de integração de tecnologias na educação e a falta de valorização dos saberes docentes (STRUCHINER, 2009). O cenário das políticas educacionais de tecnologia na educação interfere diretamente no contexto de trabalho dos professores. As diretrizes do Ministério de Educação e Cultura ressaltam a necessidade de integração de toda a potencialidade que as novas tecnologias oferecem às esco-las públicas, recomendação presente também nos textos do Banco Mundial como solução para os problemas educacionais de países subdesenvolvidos (BARRETO, 2003). Belloni (2005) relembra que a entrada das TIC na educação ocorreu por forte pressão do merca-do e exigências de uma sociedade cada vez mais midiatizada, com demandas de formação para grande número de alunos, cada vez por mais tempo (aprendizagem ao longo da vida). Portanto, é fácil constatar que além do potencial pedagógico, outros condicionantes impulsionam a difusão das TIC na educação.

A formação de professores para integração de TIC

A partir da compreensão de que é o professor o elemento cen-tral para a mudança no cenário da educação e da importância de seus contextos para o desenvolvimento, incorporação e ressignifi-cação de inovações (ESPÍNDOLA, 2010), é fundamental pensar no papel desse sujeito nas iniciativas de integração das TIC nas escolas, bem como caminhos para efetivar sua ação de acordo com as neces-sidades da realidade escolar.

No ensino público brasileiro as iniciativas de integração das TIC para uma finalidade educativa que vá além do acesso e or-ganização da informação para os estudantes ainda são recentes e pontuais, oriundas de iniciativas próprias de professores com mais familiaridade com as TIC e a cultura digital. Nas universi-

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dades, a expansão da modalidade de ensino a distância têm ex-perimentado a integração dessas tecnologias para a superação das limitações de tempo e espaço, o que faz com que professores envolvidos nestas iniciativas aos poucos tragam exemplos para a formação inicial de professores nas demais modalidades, mas essas ações se configuram como exceção. No geral, os profes-sores formados pelas universidades ainda não têm referências e encontram pouco respaldo sobre as possibilidades de integração de TDIC ao processo de ensino-aprendizagem (CERNY; ESPÍN-DOLA, 2016). Assim, são lançados na prática, no cotidiano da escola para lá reinventar a educação que já não dá mais conta de promover a necessária formação dos estudantes, das demandas da sociedade e tampouco de sua análise. Nesse contexto, um dos desafios dos professores é desenvolver possibilidades pedagógi-cas efetivas para a integração de TIC a partir de uma estrutura de conhecimento da sua formação, do seu espaço de atuação e as relações com a cultura digital.

A formação pedagógica dos professores é ainda marcada por uma série de disputas, sendo majoritariamente direcionada para os conteúdos específicos das áreas de ensino, com poucas oportuni-dades para refletir sobre questões substanciais relacionadas ao pa-pel docente e ao processo pedagógico de suas disciplinas (BAZZO, 2007). Dessa forma, a maioria dos professores exerce a prática de ensino construindo seus modelos a partir de sua prática, na tentati-va e erro, na reflexão a partir de feedback dos alunos e de exemplos de seus antigos professores (ESPÍNDOLA, 2010).

O ensino é uma atividade fortemente dependente do contexto em que se realiza e que abrange grande variedade de situações e interconexões entre teoria e prática (CUNHA, 2008; HARRIS et al., 2007), envolvendo a aplicação de conhecimentos pedagógicos e disciplinares que se expressam de maneira integrada (CUNHA, 2008). Assim, a atividade docente é idiossincrática, pois cada pro-fessor imprime sua marca e seu jeito de fazer-se professor, numa construção que depende das suas experiências e também do espa-ço pedagógico no qual atua, considerando a influência da estrutu-ra social sobre seu trabalho. Os conhecimentos que os professores têm sobre seu fazer pedagógico são a referência para sua prática,

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construídos a partir de seus saberes e vivências da trajetória pesso-al e profissional (ISAÍA; BOLZAN, 2007). O conhecimento peda-gógico é a combinação de muitos componentes em que as concep-ções pessoais, a experiência prática e a reflexão do professor têm papel central e definidor.

Reconhecendo essas particularidades, torna-se fundamental in-vestigar de maneira integrada a prática de ensino em contextos reais com as possibilidades pedagógicas das TIC para orientar caminhos de desenvolvimento de novas iniciativas de formação profissional que visem à efetiva integração dessas tecnologias na educação (ES-PÍNDOLA; GIANNELLA, 2018; BÚRIGO et al., 2014).

Dessa forma, quando se pensa em formação continuada de professores, não há como pensá-la como um processo exógeno e imposto à escola. Os professores precisam pensar nas suas ne-cessidades formativas e partir do seu contexto de trabalho para questioná-lo e transformá-lo. No que concerne à formação para a integração de TIC no ensino, é preciso considerar que envolve a mudança de uma série de elementos da docência e não somente dos recursos que o professor utiliza. A expectativa é de uma trans-formação educacional.

Por se tratar de algo novo, de uma mudança, envolve uma sé-rie de sentimentos de insegurança e risco e a necessidade de sair da zona de conforto não só da prática efetiva, mas, principalmente estar aberto à mudança de concepções muitas vezes bastante arrai-gadas sobre os processos de ensinar e aprender (ESPÍNDOLA et al., 2010). Sendo assim, é esperado que os primeiros usos de TIC no ensino se aproximem das práticas tradicionais sedimentadas e, aos poucos, conforme o professor vai se familiarizando com as fer-ramentas e tendo novas referências, sua prática vá incorporando novas potencialidades (WEST et al., 2007).

Não podemos esquecer, no entanto, que essas “novas possibili-dades” estão sempre orientadas pelas concepções de educação que norteiam as ações do professor. Por isso, pensar na simples adoção da tecnologia como um recurso pedagógico será pouco efetivo para a transformação da escola. Ao mesmo tempo, se pensarmos em um processo contínuo de ação e reflexão apoiada pelo coletivo da escola em parceria com as universidades, talvez encontremos um caminho

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para modificar tanto a escola quanto a universidade em seus pro-cessos de ensino e aprendizagem. Assim, através de ciclos de expe-rimentação e reflexão, os professores têm a possibilidade de ressig-nificar as tecnologias dentro de seu contexto, processo fundamental para que ocorra inovação na sua prática pedagógica (ESPÍNDOLA, 2010; BANNAN-RITLAND, 2008).

Considerando todo o exposto, a formação de professores preci-sa ser pensada como uma parceria entre todos os atores do contexto educacional (formador e formadores que se alternam nas ensina-gens e aprendizagens) para “construir novas formas de educação voltadas para a apropriação criativa das tecnologias, sem deixar de construir conhecimento novo que fundamente a reflexão sobre as relações entre tecnologia e sociedade” (LAPA; BELLONI, 2012, p. 180-181).

Considerações finais

Considerando a pesquisa como um espaço fundamental para o desenvolvimento docente, tanto no âmbito do ensino universitário quanto no escolar, o COMUNIC procura articular os referenciais aqui apresentados com um processo de pesquisa e desenvolvimento colaborativo de experiências de integração de TIC na escola. Essa proposta tem se mostrado promissora, no entanto, alguns desafios precisam ser considerados.

Assim como nos sugeriu Hernandez (2000), a integração de TIC envolve desafios culturais importantes. Percebemos que quan-do pensada a partir dos contextos reais de ensino e tendo os atores da escola como protagonistas, a integração de TIC encontra na pró-pria concepção a primeira barreira cultural: somos parte de uma so-ciedade de consumidores de soluções tecnológicas que nos chegam prontas, muitas vezes para problemas que não temos e adaptamos nossas ações a partir delas. Pensar de maneira autônoma a partir das necessidades reais da escola e na perspectiva de produtor de tec-nologias para esse contexto é um passo enorme para professores e também para pesquisadores do campo de tecnologias na educação. Apesar de essa ideia estar presente em grande parte dos trabalhos com os quais nos alinhamos teoricamente, na prática da pesquisa

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ainda é um grande desafio, acreditamos que não apenas para o nos-so grupo. Por isso, reforçamos a necessidade do movimento de aná-lise das caraterísticas da cultura digital e das TIC como ponto de partida para a promoção de iniciativas de formação de professores dentro da perspectiva crítica.

Outro importante desafio que se coloca é que a escola não é vista (e não se vê) como espaço de produção de pesquisa e co-nhecimento, o que acarreta um outro importante desafio para iniciativas formativas baseadas na pesquisa e desenvolvimento de intervenções educativas de maneira colaborativa. A voz da uni-versidade é, ainda, supervalorizada, dificultando uma horizon-talidade nesse processo. Por outro lado, os professores da escola não são incentivados pela gestão (nos diferentes níveis) a fazer pesquisa como parte de suas atribuições, tanto no que se refere à disponibilidade de carga horária para participarem dessas ini-ciativas, como também cultivando uma percepção de que o espa-ço da escola não é lugar de pesquisa porque os professores não sabem fazê-la. Este é um círculo vicioso de diminuição do valor dos conhecimentos e profissionais daquele espaço, que acabam incorporando essas concepções.

Além desses desafios, ou como parte deles, podemos apontar os já bastante recorrentes na literatura, como a falta de infraestru-tura nas escolas, falta de apoio dos pares e sobrecarga desses pro-fissionais. No âmbito mais individual/pessoal do processo de inte-gração das TIC, os professores vivenciam não somente os reflexos dos desafios sociais postos ao trabalho docente na escola, mas tam-bém desafios de diversas naturezas que envolvem os processos de mudança (ESPÍNDOLA et al., 2010). Um dos desafios primordiais desse processo é construir a compreensão de que não existe tecno-logia capaz de solucionar os problemas históricos da educação num passe de mágica. É um processo que envolve empenho pessoal no estudo e disponibilidade para arriscar-se em direção à necessária reconfiguração das concepções acerca de seu papel, das concepções de educação, do currículo e da prática pedagógica, num processo contínuo de aprendizagem.

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Trajetória de uma formação de professores/as para apropriação crítica

de Tecnologias de Informação e Comunicação na prática pedagógica

Vânia Amélia Miranda Koerich1

Andrea Brandão Lapa2

Introdução

O mundo contemporâneo está hoje atravessado por Tecnolo-gias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC)3, o que transfor-mou todo o contexto social, cultural, político e econômico. A maior parte dessas transformações é caracterizada pelos avanços tecnoló-gicos, novos padrões de comunicação e de consumo, a potência na distribuição da informação e, principalmente, pelo modo como as pessoas, instituições, empresas e organizações passaram a coorde-nar e administrar as tarefas com a integração de novos meios de comunicação digital.

O que não pode ser desconsiderado, em qualquer análise ou discussão sobre a integração de TDIC na sociedade, e aqui queremos salientá-lo, é que grande parte da população brasilei-ra ainda não tem acesso ao consumo das “mídias digitais”, tais como a telefonia móvel, a Internet, a televisão interativa, os jo-

1 Mestra pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGE/UFSC), professora do Ensino Básico da Rede Pública Estadual. E-mail: [email protected] 2 Professora do Centro de Ciências da Educação da Universidade Federal de San-ta Catarina (CED/UFSC). Brasil, Santa Catarina, Florianópolis. E-mail: [email protected]. 3 “As Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação diferem das Tecnolo-gias da Informação e Comunicação (TIC) no sentido de compreenderem a junção de diferentes mídias com a presença de tecnologias digitais” (TEIXEIRA, 2014, p. 27). Entretanto, as entendemos como parte das TIC.

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gos de computador (ALONSO, 2017), estando excluída desse mundo digital.

Pesquisas divulgadas pelo jornal NEXO (2016)4 mostram que no Brasil os fatores financeiros e a escolaridade são condições para o maior acesso aos benefícios da cultura digital. Contudo, Castells (2005) defende a inevitabilidade de sua influência, pois, mesmo aque-les/as que estão afastados/as digitalmente, são afetados/as e parti-cipam da organização da sociedade, agora como uma sociedade em rede (CASTELLS, 2005). Portanto, nessa sociedade organizada por um mercado globalizado que impõe hábitos, atitudes e estilos de con-sumo, é necessário pensar “o exercício da cidadania” (CANCLINI, 1999, p. 44). Para que todos compreendam que as “tecnologias se en-trelaçam com movimentos sociais”, mas também redefinem “aspectos do jogo de poder social” e político (SODRÉ, 2012, p. 175).

Portanto, o importante é considerarmos essencial que não basta viabilizar o acesso aos meios tecnológicos como uma inclusão social. A inclusão, de fato, só poderá ser conquistada à medida que as pessoas saibam o que fazer nesse novo contexto para construírem uma socie-dade mais justa, que permite o acesso a todos e que acreditamos ser possível. E o saber o que fazer começa pelo repensar a alfabetização realizada na educação formal, que deve ocorrer a partir das práticas sociais, incluindo a de “múltiplas alfabetizações”, como a alfabetização crítica da mídia (KELLNER; SHARE, 2008, p. 694). Porque, afinal, “ser internauta aumenta, para milhões de pessoas, as possibilidades de serem leitores e espectadores” (CANCLINI, 2008, p. 54).

Integração de tecnologias digitais de informação e comunicação na educação

A partir de dados e indicadores educacionais do Censo Esco-lar/INEP 2016, apresentados pelo Portal QEdu, é possível perceber que de 145.647 escolas básicas públicas no Brasil, 55.435 ainda não

4 A análise de Rodolfo Almeida, Simon Ducroquet e Daniel Mariani, divulgada pelo jornal NEXO (digital) sobre os dados da pesquisa PNAD (2014), divulgada em 30 de maio de 2016, demonstrou que no Brasil a maior parte da população pobre, negra e de moradores da zona rural está fora da rede. Link para a pesquisa, disponível em: https://goo.gl/wf7fKt. Acesso em: 7 junho de 2017.

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estão estruturadas com o requisito básico (Internet) para que seus/as professores/as integrem os ambientes virtuais em suas práticas pedagógicas.

Alguns pontos relacionados à realidade da imersão digital de professores/as brasileiros/as do ensino básico, que lecionam no 5º e 9º ano (dados do Censo Escolar/INEP 2015 no Portal QEdu), mereceram também nossa atenção. Interrogados/as so-bre o uso da Internet para fins pedagógicos5, 31.146 professo-res/as afirmaram nunca tê-la utilizado no processo de ensino e aprendizagem, além de 180.435 apontarem que, em seu tempo livre, sempre, ou quase sempre, leem sites na rede. Logo, isso deixa claro que o mundo digital está presente na vida particular dos/as professores/as, embora não de forma igualitária na vida profissional.

Outro ponto que despertou nossa atenção nesses dados, diz respeito à formação continuada de professores/as, das três esferas públicas: 66.320 afirmaram sentir grande necessidade de aperfei-çoamento para o uso pedagógico de TIC, enquanto 228.567 de-clararam que gostariam de ter participado de mais atividades de formação docente nos últimos dois anos. Quanto aos fatores que os impediram de participar de atividades de formação docente, 139.950 indicaram a questão financeira, enquanto que 161.388, a falta de tempo.

Espíndola et al. (2010) referenciam Rogers (2003) e Kiliçer (2009), ao afirmar que muitos/as professores/as embora já utilizem computadores e Internet na vida particular e reconheçam o poten-cial pedagógico dessas ferramentas, não as integram em suas práti-cas educacionais por falta de formação que os permita experimen-tar e observar outras experiências de sua aplicação. E chamam a atenção para a importância da troca de informações e da discussão entre os pares a fim de ocorrer novas adesões e inovações com a utilização das TDIC nos contextos de ensino.

A importância da integração das TDIC na prática pe-dagógica é defendida por Martin-Barbero não só porque os adolescentes e jovens já as utilizam constantemente, mas também,

5 Disponível em: www.qedu.org.br/brasil/pessoas/professor. Acesso em: 7 agosto de 2017.

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e principalmente, porque têm um potencial interacional e hiper-textual enriquecedor, que deve ser explorado no campo educa-cional. E a qualidade da educação básica pública, na cultura digi-tal, passa pela mudança no modelo de comunicação escolar que permita a integração crítica das TDIC ao uso da escrita e leitura hipertextuais e da postura do/a professor/a, que precisa passar de transmissor/a de conteúdo para ser questionador/a, “formu-lador de problemas, provocador de interrogações, coordenador de equipe de trabalho, sistematizador de experiências e possibi-litar o diálogo entre culturas e gerações” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p. 353).

Essas questões trazem uma implicação e uma relevância gran-de para a nossa área, a Educação. Como os/as professores/as es-tão sendo formados? Há alguma mudança na formação de pro-fessores/as com a difusão das TDIC e sua grande imersão na sociedade?

A alternativa crítica da mídia-educação

A partir da compreensão da importância da escola básica e pú-blica na diminuição das desigualdades de acesso e na inclusão digi-tal, as práticas na interseção entre áreas como a Educação e a Co-municação, a princípio distantes, passam a exigir uma perspectiva crítica (BELLONI, 2001) para permitir a compreensão das relações entre a mídia, os indivíduos e a educação na sociedade contemporâ-nea. O alerta vem da necessidade de ensinar à nova geração a usar não apenas as mídias, mas a aprender com elas, através delas, como cidadãos capazes de usar conscientemente as TDIC como meios de interação (BÉVORT; BELLONI, 2009).

Para as autoras supracitadas, a mídia-educação compreende todas as maneiras de estudar, aprender e ensinar, e em todos os níveis do processo de ensino-aprendizagem que utilizem as mídias e demais ferramentas digitais. A aposta é a de que os jovens, ao se apropriarem criticamente da comunicação de massa, na qual são simples espectadores, possam ser também produtores de mensa-gens e cidadãos digitais responsáveis e ativos através dela (BÉVORT; BELLONI, 2009).

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Entendemos que uma formação, na perspectiva da mídia-edu-cação, possa permitir que a escola cumpra sua função de formar o/a estudante como cidadão/ã e sujeito de suas próprias escolhas e decisões, mesmo dentro de uma sociedade mediada pelas tecnolo-gias e intensamente influenciada pelo consumo e mídias de massa. Isso porque, ao compreender as formas de linguagem, produção, emissão e transmissão das mídias, o/a estudante pode compreender as formas de poder, manipulação e opressão existentes em seu con-texto e na sociedade em geral (FANTIN, 2016).

Tendo em vista a importância de uma formação dos/as estu-dantes para a apropriação crítica das tecnologias e mídias digitais, uma reflexão sobre a necessidade da mídia-educação na formação de professores/as de escola básica, da rede pública brasileira, nos parece auxiliar para entendermos como isso pode ocorrer. Porém, mais que isso, a necessidade de refletir a condição do/a próprio/a professor/a, um sujeito formado/a como cidadão/ã, para que ele/a possa propor uma educação transformadora e formadora de cidadãos/ãs.

Formação de professores/as para a apropriação de TDIC

Na literatura do campo que debate a formação de professo-res/as, diversos autores, entre eles, Leonel (2015), Cerny et al. (2014), Moraes (2013) apontam a necessidade de uma reforma educacional que direcione para uma reformulação dos modelos de formação inicial e continuada, historicamente estabelecidos e ofertados em nosso país.

Nesse sentido, os dados apontam que quando há a formação de professores/as para a integração de TDIC na educação básica catarinense (LEONEL, 2015), esta não prevê uma apropriação crí-tica como defendemos. Isto é, as políticas públicas do Estado se restringem apenas à necessidade de instrumentalizar o/a profes-sor/a para usar as tecnologias digitais (CERNY; ALMEIDA; RA-MOS, 2014), apoiadas no modelo de racionalidade técnica (GÓ-MEZ, 1995) que prepara o/a professor/a para aplicar modelos e técnicas ao direcionar sua prática pedagógica e não para criar suas

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próprias estratégias de ensino de acordo com o perfil dos/as alu-nos/as e o contexto da escola.

Partindo dessa realidade, entendemos a necessidade e a impor-tância de uma formação de professores/as na perspectiva da mí-dia-educação, como espaço de reflexão, conforme defende Belloni (2011). E também, que seja permanente, em sucessivos processos formativos que associam teoria e prática.

Discutindo questões relacionadas à formação de professores/as, Lapa, Gomes e Koerich (2015) entendem que o contexto da cul-tura digital exige oportunidades para que esses/as profissionais possam repensar sua prática, compreender as relações que se esta-belecem na sociedade em transformação e se constituir como su-jeitos de suas próprias escolhas e trajetórias de ensino e aprendiza-gem, com a integração de tecnologias digitais. E defendem que há dois caminhos integrados e complementares para essa formação: a formação do/a professor/a como pesquisador/a da própria prática e a formação desenvolvida na perspectiva da mídia-educação como possibilidade para a apropriação crítica e criativa das TDIC. Para isso é necessário que os/as professores/as encontrem espaços para experimentar, refletir, pesquisar e avaliar sua prática do cotidiano da escola (LAPA et al., 2015).

No tocante à formação de professores/as como sujeitos que incorporam as tecnologias na escola mediante uma abordagem crí-tica, é necessário compreendê-lo/a como “articulador dos saberes, autor, coautor, propositor e mediador do conhecimento” preparan-do-os para novas formas de ensinar e aprender (Idem, p. 3). Uma formação nessa perspectiva é que apresentaremos a seguir.

Nessa mesma defesa sobre formação crítica para os/as pro-fessores/as, Fagundes (2016) apresenta uma discussão do porquê “atualmente, falar em professor como pesquisador nos remete ao professor reflexivo, à pesquisa-ação, à pesquisa sobre a própria prá-tica, entre outros”. Para essa autora, todos esses conceitos remetem a uma formação do “professor que pensa, que reflete sobre sua pró-pria prática e elabora estratégias em cima dessa prática, assumindo sua realidade escolar como um objeto de pesquisa, de reflexão e de análise” (FAGUNDES, 2016, p. 292). É essa a concepção que vamos adotar neste artigo.

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O processo formativo no Projeto RPPE 2013-2014

Iniciamos esclarecendo que dentro do projeto RPPE não hou-ve, a priori, um planejamento ou projeto de curso de formação de professores/as que gerasse o processo de formação que será apre-sentado neste texto, ao contrário, todo um envolvimento coletivo de professores/as de escola básica com alguns pesquisadores/as da universidade, as colaborações e negociações entre profissionais das duas instâncias de ensino com intuito de entender as potencialidades dos espaços sociais virtuais da Internet na prática pedagógica é que foi considerado como formação de professores. Essa caracterização se deu porque se reconheceu nesse processo particularidades de uma formação docente, conforme descreveremos neste texto. Nessa experiência, é possível perceber elementos para pensar futuras for-mações de professores para apropriação crítica de TDIC na prática pedagógica.

No ano de 2013 teve início o projeto de pesquisa do Núcleo UFSC6 no escopo do projeto RPPE, que aproximou a universi-dade e quatro professores/as da Escola de Educação Básica Cel. Antônio Lehmkuhl (EEBCAL)7, situada no Município de Águas, Santa Catarina. Esses/as professores/as, ao integrarem o projeto, foram desafiados/as a utilizar um espaço social virtual da Inter-net nas suas práticas de ensino e realizar uma investigação des-sa própria ação pedagógica amparados por pesquisadores/as da universidade.

6 Projeto de pesquisa: Educação e Tecnologia: investigando o potencial dos es-paços sociais virtuais para a formação do sujeito e a produção coletiva de co-nhecimento, coordenado pela professora doutora Andrea Brandão Lapa (CED/UFSC), teve apoio do “Programa Observatório de Educação” da CAPES/INEP/SECADI MEC e integrou o projeto em rede “Redes de Políticas Públicas e Edu-cação – RPPE”, coordenado pela professora doutora Tamara Tania Cohen Egler, PROPUR/UFRJ.7 As autoras deste artigo participaram desse projeto. Com uma trajetória de 28 anos de trabalho em escola básica do ensino público, e por fazer parte do Gru-po Comunic/UFSC, a autora coordenou os encontros de estudos e trabalho dos professores na escola básica e acompanhou os professores nas reuniões entre a universidade-escola; a coautora, professora da UFSC, coordenou todo o projeto do Núcleo UFSC que integrou o Projeto RPPE.

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Nessa experiência, que teve a duração de dois anos, tivemos a oportunidade de intermediar as ações entre a escola e a universi-dade e acompanhar de perto as atividades desses/as professores/as. Nesse momento, preocupamo-nos em coletar e produzir dados a partir de diário de bordo (DB), questionário (QU) e ficha do pro-fessor (FH). Além de gravação de encontros de estudos e pesquisa, arquivar cópias dos projetos de intervenção, de pesquisa, relatórios e artigos elaborados pelos/as professores/as, mas sem um objetivo claro de investigação8.

Esse processo permitiu muitas reflexões, troca de ideias e até mesmo a mediação de conflitos a cada sistematização de ações, bem e malsucedidas da prática e na pesquisa. Permitiu também um le-vantamento de muitos dados para a análise. Até porque, em alguns momentos, as discussões envolveram, além da troca de experiências profissionais, problemas da vida particular dos/as professores/as e de alunos/as, do contexto escolar e da sociedade, que direta ou indiretamente interligavam-se com questões educacionais e que não podiam ser ignoradas.

Tendo em vista a insegurança com as novas práticas com inte-gração de TDIC que estavam se propondo realizar, logo no primei-ro encontro entre os/as quatro professores/as eles/as decidiram se amparar coletivamente para desenvolver as atividades e se forta-lecer na nova experiência. Já naquele momento, eles/as formaram um grupo de estudos e trabalho, propondo um encontro semanal e que esta autora, então integrante do Núcleo UFSC/RPPE e tam-bém professora de escola básica, os acompanhasse nessa trajetória. Portanto, partiu deles/as tanto a iniciativa de encarar junto a expe-riência e a sistemática de encontros, quanto a de ter uma destas au-toras nesses encontros para ampará-los e intermediar as ações com a universidade. E foi nesse coletivo que todas as atividades foram sendo conduzidas, inclusive as de interação com os/as pesquisado-res/as da universidade.

8 Posteriormente, dedicamo-nos a investigar a experiência em uma pesquisa apre-sentada na dissertação de mestrado e defendida em agosto de 2018, para identifi-car desafios e potencialidades que pudessem ser considerados elementos em uma futura formação de professores para apropriação crítica de TDIC, estudando esse caso específico.

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Nesse grupo criado, eles/as se reuniram 53 vezes, das quais 36 ocorreram somente entre os pares da mesma escola básica, e dentre es-tas, 15 encontros foram de estudos para construir um embasamento teórico coletivo, 21 de trabalho para discutir e elaborar projetos de in-tervenção, de pesquisa, relatórios e artigos científicos, e outros 17 es-pecificamente direcionados à orientação e socialização de resultados em interações presenciais com pesquisadores/as da universidade.

Todo esse envolvimento que se constituiu em um processo formativo foi acontecendo com diferentes composições e espa-ços: i) os encontros de estudos e trabalho; ii) encontros universi-dade-escola: na universidade; iii) encontros universidade-escola: na escola.

i) Os encontros de estudos e trabalho ocorreram no coletivo formado pelos/as quatro professores/as da escola básica e foram orientados por uma das autoras deste artigo. Seu percurso foi de-terminado e reorganizado de acordo com os objetivos da pesquisa dos/as professores/as, as necessidades demonstradas por eles/as, os desafios que foram surgindo ao longo da intervenção com as TDIC e com a pesquisa-ação. Era um espaço de troca entre pares que esta autora organizava para apoiar o trabalho docente aten-dendo às demandas imediatas quanto ao estudo, planejamento e organização dos/as professores/as, tanto na intervenção quanto na pesquisa.

Esse contato se estabeleceu com uma média de quatro horas por semana, durante toda experiência e, por exigência da gestão escolar, os encontros ocorriam no período noturno, fora da carga horária de trabalho dos/as professores/as. Porém, por opção des-ses/as professores/as envolvidos/as, se no dia da semana combi-nado fosse um feriado, o encontro acontecia em outro lugar que não o da escola, para que pudessem dar conta de realizar todas as atividades de pesquisa e também de planejamento, avaliação e rea-valiação das práticas pedagógicas com integração das TDIC. Eles/as justificavam a preferência pelos encontros nesses dias pela difi-culdade que tinham em conciliar os horários de trabalho, família e participação na pesquisa.

A experiência da pesquisa dos/as professores/as tratou-se ba-sicamente de uma proposta de elaboração de projetos de interven-

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ção com os/as alunos/as da escola em que fosse utilizado, por livre escolha dos/as professores/as, um espaço social virtual da Internet na prática pedagógica com vistas à apropriação crítica das TDIC na educação como inclusão digital, objeto de estudo e ferramenta pedagógica.

Sendo assim, tomando os espaços sociais virtuais como ob-jeto de estudos, os/as professores/as em sala de aula experimen-taram com os/as alunos/as modos diferentes de interação, bem como discutiram e refletiram questões que lhes permitiram a compreensão das atitudes necessárias para o uso consciente des-se meio virtual de interação e comunicação e das diferentes rela-ções que podem se constituir ao se utilizar esses espaços sociais virtuais como fonte de pesquisa, interações pessoais, educacio-nais e profissionais.

E foi nos encontros de trabalho que cada professor/a elaborou dois projetos de pesquisa e dois de intervenção, dois relatórios parciais de sua experiência, um a cada ano, além de sistemati-zar apresentações para a socialização dos resultados em seminá-rios internos, só com integrantes do núcleo UFSC e externos, que contou com integrantes de vários núcleos do projeto RPPE. Escreveram dois textos, um relatando seu percurso educacional desde o ensino básico até a referida experiência, e outro, sobre o tema da mídia-educação. E, finalmente, foram estimulados/as a produzir um artigo científico com o relato de sua experiência na pesquisa, para a publicação em um livro, o que os permitiu se entender como autores.

Isso criou novos desafios para os/as professores/as, como a necessidade de definir conceitos e compreender a linguagem da pesquisa científica, tratar e analisar os dados e separar e entender as distintas atividades de docência e de pesquisa. E gerou também muitas situações de incerteza, conflitos e insegurança no desenvol-vimento da prática ao adotar novas tecnologias e nova postura pro-fissional, durante toda experiência, que exigiu contatos constantes com os pesquisadores da universidade.

Observamos que nesses encontros de trabalho eles/as se apoia-ram na discussão e elaboração de seus projetos, relatórios e artigos, intercalavam a discussão coletiva com a elaboração individual, que

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voltava à discussão coletiva, sendo depois reformulada ou revista individualmente. Mas também se apoiavam, para pensar e repensar as próprias limitações e potencialidades na mediação com a TDIC, na autoria, no desenvolvimento de uma base teórica coletiva e em outras superações pessoais e profissionais. Nesses encontros de traba-lho encontraram o lugar para expor seus conflitos e se fortalecer na experiência de pesquisar e mediar a prática com TDIC. Esse espaço de trabalho coletivo e colaborativo do grupo foi reconhecido posi-tivamente pelos professores, como demonstra a fala de P19 em um desses encontros de estudo e trabalho.

No primeiro momento discutimos sobre nossas angústias, anseios, obstáculos e inseguranças. Porém, aos poucos, per-cebemos que somos capazes, que juntos teremos mais força. Ao longo do encontro, cada um foi lendo o seu resumo do projeto e apareceram sugestões e ideias. Desta forma, fomos nos ajudando e percebendo um resultado significativo (FH, 30/05/2013).

As fases de elaboração e reelaboração de cada texto foram construídas com a orientação de pesquisadores/as da universida-de, que incentivaram cada professor/a a olhar, enxergar e perceber o próprio trabalho realizado como algo valioso, importante de ser revelado e publicado, sempre com a possibilidade de discutir, re-ver, analisar e voltar para dirimir as dúvidas. Levando cada um/a a compreender o sentido de observar, olhar, ler e refletir sobre o que fez em sua prática. Ao término, era evidente a satisfação dos/as professores/as diante do que produziram, e que levava sua própria autoria.

Nos encontros de estudos os/as professores/as se apoiavam nos aportes teóricos na perspectiva crítica da mídia-educação indica-dos pelos/as pesquisadores/as para sustentar e aliviar os conflitos gerados, permitindo-os/as compreender suas limitações nas ações pedagógicas e na pesquisa das práticas com espaços sociais virtu-ais. Os autores/as e textos que sustentaram as discussões foram os seguintes:

9 Neste texto os professores de escola básica serão identificados como P1; P2; P3; P4.

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Autores/as Título Ano

Maria Luiza Belloni (Org.) A formação na sociedade do espetáculo 2002

Evelyne Bévort; Maria L. Belloni

Mídia-Educação: conceitos, história e perspecti-vas

2009

M. L Belloni; N. G. Gomes Infância, mídias e aprendizagem: autodidaxia e colaboração

2008

Manuel Castells Redes de indignação e esperança (prefácio e posfácio -Edição brasileira)

2013

M. B. Espíndola; M. Struchiner; T. R. Giannella

Integração de Tecnologias de Informação e Comunicação no ensino: contribuições dos mo-delos de difusão e adoção de inovações para o campo da Tecnologia Educacional

2010

Corinta M. G. Geraldi; Dario Fiorentini; Elisabete Montei-ro de Aguiar Pereira (Orgs.)

Cartografia do trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a)

1998

Henrique Antoun; Fábio Malini

Ontologia da liberdade na rede: a guerra das narrativas na Internet e a luta social na demo-cracia

2010

Andrea B. Lapa; Maria L. Belloni

Introdução à Educação a distância 2010

Andrea B. Lapa; Maria L. Belloni

Educação a distância como mídia-educação 2012

Andrea B. Lapa Mídia Educação TIC e Educação 2013

Andrea B. Lapa A formação de comunidades de aprendizagem e a reflexão crítica em cursos EAD

2013

C. L. K. Leite; M. O. A. Passos; P. L. Torres; P. R. C. Alcantara

Aprendizagem colaborativa no ensino virtual 2005

José Moran Tendências em Educação 2014

A. P. Petroni; V. L. T. de Souza

Vigotski e Paulo Freire:contribuições para a autonomia do professor

2009

Leonardo Sakamoto facebook-e-o-twitter-foram-as-ruas literalmente 2013

Maria da Graça Setton Mídia e Educação 2011

Monica Fantin Cultura digital e escola. Do seu livro da pesquisa com o Rivoltella. Disponível em: www.youtube.com/watch?-v=wh07ToYNORE. Publicado em: 27 mar. 2013.

Nelson Preto Professor é ou não é autor? Palestra publicada em 25 de outubro de 2011. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=5fPsV0O5fPw

Pier Cesare Rivoltella O que é mídia-educação. Disponível em: www.youtube.com/ watch?v= L_IxBT_yZA0. Publicado em 3 de agos-to de 2007.

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Evidenciamos que eles/as entenderam a importância de de-senvolver um embasamento teórico coletivo para fundamentar suas ações pedagógicas, que o contexto da cultura digital exige um novo olhar sobre a prática pedagógica com a integração de TDIC e valori-zaram o tempo destinado a refletir acerca de suas práticas, tal como confirmam as falas de P1, a seguir:

Esse trabalho de pesquisadora, fundamentado em referenciais te-óricos e metodológicos, articulados à minha prática pedagógica, estão me oferecendo oportunidades e novas experiências, enrique-cendo meu percurso de educadora. Permitindo transformações po-sitivas e significativas, me permitindo reflexões sobre a forma mais produtiva no processo de ensinar. A base teórica realizada nessa pesquisa me fez compreender que é necessário gostar de estudar, aprofundar conhecimentos, não limitar-se à sala de aula e realizar um trabalho com prazer e dedicação (FH-P1, 12/09/2014).

ii) Encontros universidade-escola: na universidade, definem os momentos nos quais os/as professores/as foram até a universidade para muitas ações conjuntas com a presença e orientação de pesqui-sadores/as, tais como:

1 – Socialização dos desafios e possibilidades dos/as professo-res/as na integração dos espaços sociais virtuais na prática pedagógica.

2 – Orientação e discussão para a elaboração de instrumentos de levantamento dos dados da pesquisa-ação.

3 – Orientação e discussão para análise dos dados.

4 – Indicação de referenciais teóricos na perspectiva crítica da mídia-educação que permitiram o desenvolvimento de uma base teórica para amparar a prática pedagógica com integração de espaços sociais virtuais da Internet e para a pesquisa-ação.

5 – Seminários internos (Núcleo UFSC/RPPE) para socializa-ção do andamento da pesquisa.

6 – Seminário interno de socialização da dimensão teórica da pesquisa Núcleo UFSC/RPPE.

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7 – Seminário na UFSC que reuniu outros núcleos participantes da pesquisa RPPE-nacional para a socialização. Evento rea-lizado em janeiro 2014, que permitiu conhecer a identida-de de cada integrante do RPPE através da apresentação de resultado de suas pesquisas realizadas em 2013.

8 – Socialização de resultados parciais e finais da pesquisa.

iii) Encontros universidade-escola: na escola, definem os mo-mentos nos quais os/as pesquisadores/as da universidade foram até a escola. Considerando que os/as professores/as da escola básica não tinham nenhuma experiência de participação em projetos ou formação docente para a pesquisa da própria prática. Que também era sua primeira experiência de integração de espaços sociais vir-tuais na prática pedagógica, as reuniões entre Escola-Universidade foram momentos de muita expectativa para os/as professores/as e para os/as pesquisadores/as da universidade. Exemplo disso foi o primeiro encontro no qual, muitas informações foram socializadas:

a) visão geral do projeto RPPE;b) reconhecimento do espaço físico e estrutura instrumental

da escola;

c) interação entre professores/as e pesquisadores/as;

d) definição entre a coordenadora do Núcleo UFSC/RPPE e o gestor da escola básica acerca de questões relacionadas ao envolvimento dos professores no projeto; negociação sobre a participação, o envolvimento e o apoio da escola para os/as professores/as e para a pesquisa, e também, de um momento de evento de formação organizado pela universidade que envolveria todos/as os/as professores/as da escola.

Nesse processo inicial, os/as pesquisadores/as da universi-dade dedicaram especial atenção às orientações dadas a todo o grupo, mas também, individualmente, para cada professor/a, na elaboração do projeto de intervenção, que exigiu muita discussão e reflexão sobre:

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• Definição do problema de ensino de cada um.

• Objetivos pedagógicos a alcançar.

• Compreensão quanto à escolha do espaço social virtual da Internet para ajudar a resolver o problema de ensino.

• Redimir dúvidas e inseguranças quanto à integração de TDIC na prática.

O desafio desse momento foi o de garantir que a escolha do recurso tecnológico fosse realizada para torná-lo aliado ao processo de ensino-aprendizagem. Portanto, para ajudar a resolver o proble-ma de ensino identificado pelo/a próprio/a professor/a.

Outro momento que exigiu muita dedicação por parte dos pesquisadores foi na elaboração do projeto de pesquisa de cada professor/a, atendendo as suas especificidades. Neste caso, o de ajudá-los a vencer suas limitações nessas atividades, pois não sabiam como realizar a pesquisa.

Essas orientações estimularam pensamentos diferentes sobre os modos e as estratégias de ensino-aprendizagem, desencadea-vam reflexões críticas na prática e sobre a prática que integrava os espaços sociais virtuais da Internet na educação, criava novas demandas de atividades na escola, desencadeava novas leituras e muitas discussões nos encontros de estudos e trabalho. Isso tam-bém suscitava outras dúvidas que exigiam novo encontro com os/as pesquisadores/as da universidade e a indicação de outros referenciais teóricos, como afirma P1, em um encontro de estudo e trabalho.

Referente ao apoio pedagógico é relevante na medida em que este dá suporte teórico, dá sugestões e permite trocas de ideias. Está contribuindo para sanar nossas dúvidas e nos mostrando que somos capazes de inserir as redes sociais e mudar nossa prá-tica pedagógica (FH, 28/08/2013).

Além de todo o envolvimento dos/as quatro professores/as dessa unidade de ensino no projeto RPPE, um segundo mo-mento importante da universidade na escola refere-se ao evento de formação de professores oferecido na escola pelos integrantes

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do Grupo de Pesquisa Comunic, que estavam envolvidos no re-ferido projeto. A partir de um pedido do gestor da escola, os/as pesquisadores/as planejaram e executaram, naquele contex-to escolar, o “Projeto de Extensão UFSC: o uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) no Processo de Ensino Aprendizagem”. O curso, com duração de 32 horas, foi oferecido a todos os professores da EEBCAL quando de seu pe-ríodo de parada pedagógica, em 2013. Pretendia-se que todos/as os/as profissionais/as da escola envolvida tomassem conheci-mento do projeto que ali estava sendo desenvolvido, e também, para incentivar e formar professores/as que tivessem interesse na integração de TDIC no ensino. As horas de curso contemplaram discussões e reflexões sobre:

• O projeto RPPE que já estava sendo desenvolvido na escola.

• Socialização dos critérios de escolha da escola e dos/as pro-fessores/as.

• Socialização dos projetos dos/as quatro professores/as en-volvidos no projeto.

• Introdução à Perspectiva sobre Educação e TDIC (mídia-edu-cação).

• Aprendizagem crítica.

• Uso pedagógico de TDIC/WEB no ensino.

• Debate sobre o uso crítico e criativo dos recursos tecnológi-cos.

• Oficinas práticas de uso de redes sociais virtuais na educa-ção.

• Introdução à educação online.

• Debate sobre softwares livres e proprietários.

• Avaliação da referida formação.

Isso permitiu aos envolvidos no projeto RPPE/núcleo da UFSC e aos/as demais professores/as da mesma escola básica, uma re-flexão sobre as potencialidades educacionais dos espaços sociais virtuais, além de discussões para o planejamento de ações de in-

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tervenção e indicações de referenciais teóricos na perspectiva da mídia-educação para nortear práticas de ensino com TDIC dentro e fora do projeto.

Percebemos que os/as professores/as valorizavam o apoio da universidade, que conviver e trabalhar com pesquisadores mais ex-perientes lhes permitiu acesso a recursos e soluções já dominados por eles/as, que representaram atalhos em sua própria evolução como pesquisadores/as, como já foi apontado por Lüdke (2012). O fato é que, os momentos de trabalho e estudo apenas entre os/as professores/as da escola básica, somados ao suporte dos/as pesqui-sadores/as, fazia com que se sentissem amparados/as e motivados/as a vencer seus próprios desafios e do contexto.

Um dos pontos principais nessa relação entre a escola bá-sica e a universidade foi a postura de respeito aos saberes do outro, que se estabeleceu entre os/as profissionais/as de ambas as instâncias de ensino, escola básica e universidade/UFSC. De modo geral, essa condição permitiu aos/as professores acolher a opinião dos/as pesquisadores/as e expressar a própria durante todo o período de integração de TDIC, ao lado da pesquisa da própria prática.

Entretanto foi possível perceber que, de início, os/as professo-res/as mostraram uma grande dependência de diretividade para mediar sua prática através das TDIC e, principalmente, para realizar as etapas da pesquisa da própria prática. Neste ponto, como o intui-to era a formação crítica dos/as professores/as para permitir uma apropriação crítica de TDIC na educação, eles/as foram recebendo orientações para tomar suas próprias decisões. E o apoio da univer-sidade foi o de dar suporte, observar e compreender as necessidades dos/as professores/as no decorrer da experiência e ajudá-los/as a desenvolver outros conhecimentos, além daqueles que já tinham de sua prática e formação inicial.

Afirmamos, com base nos dados levantados, que essa expe-riência de formação, na perspectiva da mídia-educação, precisou quebrar essa diretividade, ao mesmo tempo em que os/as profes-sores/as precisaram ser desestabilizados/as, sair desse conforto de ter alguém ou algo que direcionasse sua ação pedagógica. E percebemos que, depois dessa superação, todos os quatro profes-

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sores valorizaram participar desse outro modo de aprender, de serem sujeitos de sua formação, que os permitiu utilizar as TDIC como objeto de estudo e ferramenta pedagógica através da inte-gração de espaços sociais virtuais da Internet ao seu processo educacional, defendida pela perspectiva da mídia-educação (BÉ-VORT; BELLONI, 2009), e a partir de uma experiência acompa-nhada, que fomentava a ação e a reflexão, através da pesquisa da própria prática pedagógica.

Portanto, superadas as limitações iniciais, os/as professores/as atribuíram muito valor a essa aproximação entre a escola e a uni-versidade no que se refere à forma como esse processo formativo foi diferenciado e conduzido, que precisou quebrar uma cultura de formação técnica e instrumental, enfrentando suas relutâncias ini-ciais. Mas também por instigar mudanças em sua percepção sobre o ensino e a aprendizagem; dar suporte à pesquisa e ter a oportuni-dade de compreender, aos poucos, a metodologia de pesquisa; per-mitir trocas de ideias e a compreensão de como conduzir e mediar suas ações de ensino com TDIC; da importância de utilizar essas tecnologias e da mídia-educação para a apropriação crítica dessas ferramentas digitais no ensino. E ainda, por receber indicações de autores/as e textos específicos a fim de que a equipe lesse e debates-se algumas teorias, permitindo uma busca mais direcionada às suas necessidades, sem ter que buscar em todo o escopo da fundamenta-ção. Esses elementos se percebem na fala de P3, já no primeiro ano da experiência:

De suma importância, primeiro porque, se não fosse a oportu-nidade de participar do projeto, provavelmente ainda estaria lecionando da mesma forma de sempre, e não teria ainda uti-lizado a rede social a favor do processo ensino-aprendizagem. O apoio do pessoal da universidade também foi importante, pois eles sempre nos orientaram como proceder e de que ma-neira relatar tudo de forma academicamente correta (FH-P3, 23/10/2013)

Como processo formativo, essa aproximação representou um diferencial para esses/as professores/as em sua primeira experiên-cia de integração de espaços sociais virtuais em sua prática. Mas

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também como professores/as-pesquisadores/as da própria prática, pois permitiu acesso às discussões e reflexões que, isoladamente, não conseguiriam.

Partimos do pressuposto de que a formação de professores precisa permitir um espaço de reflexão para que possam formar alunos/as sujeitos críticos e criativos. Nesse sentido, a formação para a integração de TDIC precisa acontecer a partir da pesquisa da própria prática com TDIC e na perspectiva da mídia-educação (BÉVORT; BELLONI, 2009) para que a sua integração na edu-cação aconteça mediante uma perspectiva crítica. Tendo em vis-ta que todas essas experiências serviram, e continuam servindo, para a apropriação crítica de TDIC pelos/as professores/as em novas intervenções pedagógicas, entendemos que a experiência aqui apresentada se constituiu em uma formação de professores nessa mesma direção.

Considerações finais

O objetivo deste artigo é apresentar o processo formativo que ocorreu a partir da experiência vivenciada pelos/as quatro profes-sores/as de escola básica, quando de sua participação no projeto RPPE. Nele analisamos as condições para que uma formação possa fortalecer o/a professor/as para uma apropriação crítica de TDIC em suas práticas de ensino.

Evidenciou-se que essa formação teve como base a prática pedagógica através de grupos fechados10 nos espaços sociais vir-tuais da Internet e a partir dela, os/as professores/as assumi-ram sua própria prática pedagógica como um objeto de pesqui-sa, de reflexão e de análise, para identificar o potencial desses espaços virtuais na educação formal, amparados por uma base teórica na perspectiva crítica da mídia-educação desenvolvida no coletivo. Todas essas ações de intervenção e pesquisa-ação contaram com três importantes condições/circunstâncias que se mostraram relevantes para uma formação de professores/as que vise uma apropriação crítica de TDIC: apoio entre os pares,

10 Com acesso restrito a convidados.

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apoio da universidade e infraestrutura escolar, como mostra a figura a seguir:

Com base em toda discussão apresentada, afirmamos que essa experiência se constituiu em um espaço de formação na mídia-edu-cação e para a mídia-educação. Porque nela o/a professor/a experi-mentou uma nova prática com as TDIC, analisou e refletiu acerca de sua realidade, aprendeu a partir da integração dos espaços sociais virtuais na sua prática de ensino, acompanhado pela universidade. E nesse processo, que lhe permitiu estar em formação, precisou se formar através da reflexão sobre as próprias ações pedagógicas. Por-tanto, um espaço de formação tanto para a mídia-educação, quanto para a pesquisa-ação.

Em resumo, compreendemos que um espaço de possibilida-de para a apropriação crítica de qualquer TDIC na escola básica é a formação permanente do/a professor/a como pesquisador/a da própria prática, embasada numa perspectiva crítica da mídia-educação que conte com um espaço de discussão sistematizado para estudo e trabalho. Que o/a professor/a deve ter as condi-ções necessárias, de infraestrutura (suporte técnico, pedagógico, tempo na carga horária para planejamento, avaliação, discussão, desenvolvimento de uma base teórica), para utilizar as tecnolo-gias e para realizar as atividades de pesquisa, com orientação de pesquisadores experientes.

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Realidade Virtual e Realidade Aumentada na UFRJ: experiências

no ensino e na pesquisa

Claudia Susie C. Rodrigues1

Cláudia M. L. Werner2

1. Introdução

Experiências e invenções que utilizam o conceito de Realidade Virtual (RV) estão cada vez mais acessíveis e conhecidas pelo público. Mas esse conceito não é novo; foi criado no final da década de 1980 por Jaron Lanier, músico e cientista da computação. Essa tecnologia tenta recriar o máximo de sensação da realidade para um indivíduo por meio de interações em tempo real com o uso de técnicas e de equipamentos computacionais (KIRNER & TORY, 2006). Com apa-relhos cada vez mais robustos, a RV tem a intenção de transportar as pessoas para ambientes ricos em imaginação e tão convincentes quanto o mundo real. Assim, pode-se criar situações utilizando siste-mas de software que colocam o usuário para visualizar mundos tridi-mensionais distintos, revolucionando tarefas do dia a dia.

A visualização tridimensional é obtida pelo ser humano através da percepção do sistema nervoso e psicológico, assim dando uma sensação 3D ou também referenciadas como visualização tridimen-sional (GONZALES & WOODS, 1993). O mundo funciona em três dimensões porque, graças aos nossos olhos e ao nosso cérebro, con-seguimos ter a sensação de profundidade. Basicamente, cada um

1 Claudia Susie C. Rodrigues - Doutora em Engenharia de Sistemas e Computação. Pesquisadora do Laboratório de Realidade Virtual (Lab3D) da COPPE na Univer-sidade Federal do Rio de Janeiro.2 Cláudia M. L. Werner - Doutora em Engenharia de Sistemas e Computação. Pro-fessora Titular do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação e coorde-nadora do Laboratório de Realidade Virtual (Lab3D) da COPPE na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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dos nossos olhos enxerga uma imagem diferente do mundo, mes-mo que essa diferença seja pequena (alguns poucos centímetros que correspondem à distância entre os olhos). Como teste, ao colocar-mos um dedo na frente do nosso rosto, distante de 30 centímetros, e fecharmos alternadamente um dos olhos, veremos imagens diferen-tes para cada olho, capturando parte diferente do mesmo dedo. Ao usar os dois olhos simultaneamente, o cérebro junta as imagens em uma só, uma imagem 3D, que é como nós vemos o mundo real. O nosso cérebro é o responsável por interpretar essas três dimensões – profundidade, altura e largura.

No caso da Realidade Virtual (Virtual Reality), enxergamos o mundo através de uma simulação dele. Os sistemas de software criam ilusões de que estamos vendo algo real. Com a ajuda da alta quali-dade das imagens, a RV lança mão de ambientes virtuais que iludem nossos olhos e nosso cérebro, dando a impressão de estar mesmo vendo objetos com a sensação de profundidade, altura e largura.

As aplicações dessa tecnologia são diversas (AZUMA et al., 2001): jogos, medicina, educação, marketing, engenharia e muito mais. Quando utilizada com a audiência certa, o resultado da RV no público é impactante. Ela desperta sentimentos por meio de experi-ências únicas vivenciadas pela imersão da RV.

A RV pode ser explicada como uma simulação em terceira dimensão do mundo real ou de um mundo imaginário qualquer. Essa simulação é mais imersiva, ou seja, por meio de dispositivos o usuário tem a impressão de estar em outro mundo. Os usuários têm uma sensação de presença física e podem manipular os objetos 3D. Aplicações de RV propiciam a visualização, movimentação e interação do usuário, em tempo real, em ambientes tridimensionais gerados por computador. Além da visão, outras sensações como o tato e a audição podem ser usadas para enriquecer a experiência do usuário. Enquanto imerso, o usuário não pode ver o mundo real em torno dele (MILGRAM e KISHINO, 1994).

A RV transporta o usuário para o ambiente virtual, diferente-mente da Realidade Aumentada (RA), que mantém o usuário no seu ambiente físico e transporta o ambiente virtual para o espaço do usuário, permitindo a interação com o mundo virtual de maneira mais natural e sem necessidade de treinamento ou adaptação (KIR-

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NER e TORI, 2006). Ela pode ser reconhecida através do game que foi um sucesso em 2016, o Pokémon Go, o jogo que fez todo mundo caçar monstrinhos na tela do celular.

A Realidade Aumentada (Augmented Reality) é uma tecnologia nova e emergente, uma evolução da RV. Segundo AZUMA et al. (2001), ela suplementa o mundo real com objetos virtuais que pare-cem coexistir no mesmo espaço do mundo real, através de algum dispositivo tecnológico. A RA pode adicionar gráficos, sons, tato e cheiro ao mundo natural. Como o nome já diz, a RA aumenta o ambiente para o usuário, sendo capaz de ampliar sua percepção e a sua interação com o mundo real. Ela enriquece o ambiente real com informações virtuais que ajudarão no desempenho de suas tarefas. AZUMA et al. (2001) também definiram algumas características de um sistema para que o mesmo seja considerado de RA: “Combina objetos reais e virtuais num ambiente real”; “opera interativamente, e em tempo real”, e “registra (alinha) objetos reais e virtuais, uns com os outros”. Uma das formas de funcionamento da RA é através do reconhecimento de um marcador (ou um símbolo). O software processa a imagem captada por uma câmera ligada ao computador e identifica o posicionamento do símbolo; em seguida, o software disponibiliza um objeto virtual com base nesse posicionamento. A ideia é abrir um livro qualquer que tenha um marcador impresso, você aponta a câmera do seu celular (ou tablet, computador etc.) para esse marcador e poderá assistir a animação dos personagens que se apresenta sobre o livro. A RA permite que objetos virtuais sejam exibidos na sua frente.

O objetivo deste capítulo é descrever uma nova oportunidade de ensino e pesquisa, com um caráter multidisciplinar, criada no Programa de Engenharia de Computação e Sistemas da COPPE/UFRJ, dentro da linha de pesquisa de Engenharia de Software, com as tecnologias de Realidade Virtual e Aumentada. E descrever a dis-ciplina de Introdução à Realidade Virtual e Aumentada como um de seus resultados, a fim de facilitar o desenvolvimento de aplicações tecnológicas com base na criatividade e na produção do saber inte-rativo e o aumento do interesse dos alunos.

Este capítulo está organizado em oito seções. Esta seção con-tém a Introdução. A Seção 2 mostra diferentes formas de ver e inte-

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ragir entre os seres humanos. A Seção 3 aborda a Realidade Virtual e Aumentada na Educação. A Seção 4 mostra novas oportunidades no ensino e pesquisa que surgiram dentro da linha de pesquisa de Engenharia de Software. A Seção 5 descreve a disciplina de Intro-dução à Realidade Virtual e Aumentada. A Seção 6 descreve alguns resultados do ensino e da pesquisa. E a Seção 7 contém algumas considerações finais.

2. Diferentes formas de ver e interagir

Quando os seres humanos conversam uns com os outros utili-zam vários canais de comunicação, como a linguagem falada, lingua-gem escrita, gestos, olhar, expressão facial e até a entonação. Cada um desses canais fornece diferentes percepções e a sua combinação não é igual a sua soma. A RV reconhece que diferentes métodos de interação enriquecem e facilitam a comunicação e o relacionamento entre as pessoas e, por isso, a cada dia novos recursos tecnológicos são criados para tornar o processo de comunicação mais transparen-te, flexível, eficiente, poderoso e expressivo.

A RV permite que o usuário interaja com um sistema, com o ob-jetivo de obter uma sensação de realidade. Com a tecnologia atual, as formas de interação estão disponíveis por meio da visão (pode-se ver um ambiente em 360 graus ou em 3D), audição, tato e até olfato.

Ela utiliza equipamentos especiais, como luvas de dados, capa-cetes e óculos estereoscópicos, para oferecer ao usuário a possibili-dade de navegar por um ambiente virtual tridimensional de manei-ra bem próxima a um ambiente real (TORI et al., 2006) e permitir o máximo de sensações. Uma luva de dados é um dispositivo de inte-ração, semelhante a uma luva comum, que permite a sensação tátil e o controle fino do movimento das mãos. Ela envolve a simulação do toque e inclui a habilidade de perceber a pressão, força, torção, temperatura e textura. Ao utilizar uma luva, o usuário é capaz de sentir o peso e o pulsar de um coração virtual.

Outra solução de dispositivo é utilizar a própria mão. Estudos incentivam a utilização desse tipo de interação (interação via gestos) muito mais intuitivo nos ambientes virtuais. E ainda, os usuários com necessidades especiais poderiam se beneficiar com esse tipo de

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interação. A mão é gravada por uma câmera de vídeo e digitalizada por um hardware especial. Um software de reconhecimento de ima-gem usa os dados da imagem para determinar a posição atual e a forma (“gesto”) da mão (PAVLOVIC et al., 1997).

Um dos equipamentos mais sofisticados para a implementação de RV é a chamada CAVE, um espaço cúbico no qual o participante entra e se movimenta livremente enquanto é envolvido por proje-ções tridimensionais nas paredes e, em algumas implementações mais sofisticadas, no chão e no teto. A RV imersiva é aquela na qual o usuário é totalmente isolado, ao menos visual e auditivamente, do mundo real (TORI, 2010). Nesse espaço, o usuário se desloca no ambiente para poder ver um objeto que está atrás de uma mesa virtual, por exemplo.

A estereoscopia acrescenta a dimensão de profundidade às telas de projeção dos mundos virtuais, tornando-os mais próximos e rea-listas da forma que os usuários os veem no mundo real. A visualiza-ção de imagens 3D é obtida através de duas imagens diferentes que são geradas, uma para o olho esquerdo e outra para o olho direito. O processo pode ser simulado utilizando-se duas câmeras organi-zadas com a mesma distância interocular dos olhos humanos (que varia em torno de 6,5 cm). Logo, colocando-se as câmeras separadas uma da outra com base nessa distância, simula-se o sistema visual humano. Há várias técnicas de estereoscopia, entre elas, a Técnica de Polarização da Luz. Nesta técnica, dois projetores comuns são usados para projetar imagens diferentes para os olhos esquerdo e direito. Filtros de luz com polarização oposta são colocados sobre a lente de cada projetor. Cada usuário deve usar óculos com as lentes polarizadas de forma correspondente, de modo que cada olho en-xergará somente a imagem correta. Uma tela de projeção prateada (ou aluminizada) é necessária para preservar a polarização da luz (SISCOUTTO et al., 2006). Esse tipo de visualização é interessante porque permite a visualização por várias pessoas ao mesmo tempo, que utilizam um óculos simples de baixo custo. As imagens 3D en-cantam o espectador que têm a sensação de estar naquele ambiente; quando as imagens se movimentam, saltam para fora da tela, surpre-endendo a audiência. Mesmo a exposição de fotografias 3D possui esse poder de transposição.

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A fotografia e o vídeo 360 graus apresentam um ambiente ou um produto de forma totalmente interativa, em uma única janela, em todos os ângulos, oferecendo uma sensação de imersão do resul-tado. Disponibiliza um passeio entre os vários ambientes de um de-terminado lugar, que permite uma pessoa conhecer esse lugar sem precisar ir lá pessoalmente. Utilizando uma câmera 360, fotos em 360 graus são capturadas e emendadas para criar uma projeção es-férica do ambiente. Aqui, tem-se a sensação de estar no alto de um prédio de 100 andares, voando entre as montanhas geladas, mer-gulhando no fundo do oceano cercado de peixes e muito mais. Ela permite que, com o auxílio do mouse, o usuário desloque a lente da câmera para ver outro ângulo que desejar daquele mesmo ambien-te, tanto na foto como no vídeo.

O áudio 3D é outra técnica que já está disponível há algum tempo. Quando você assiste a um filme no cinema ou em casa, no home theater, e tem a sensação de que o som do filme percorre todos os cantos da sala, está utilizando a tecnologia chamada Surround que dá uma impressão de realidade à cena (HERRE et al., 2015). O áudio 3D utiliza a técnica chamada Binaural, que dá uma sensação muito maior de imersão no áudio que está sendo transmitido. Tem--se a sensação de imersão no fone de ouvido. O som é percebido vin-do dos lados, de cima, debaixo. Essa técnica capta os sons em 360 graus, permitindo perceber com apenas um fone de ouvido estéreo quando alguém está se aproximando e até mesmo de qual direção vem determinado barulho ou grito.

A RV e a RA são tecnologias bastante promissoras, mas que tam-bém apresentam muitos desafios e espaços para aprimoramento.

3. RV e RA na Educação

A seguir, são discutidos alguns aspectos relacionados à partici-pação da RV e da RA na Educação, que têm merecido atenção espe-cial dos pesquisadores. Como esse tipo de tecnologia pode auxiliar no processo de ensino e aprendizagem, e na construção de conheci-mentos no contexto escolar e acadêmico?

No mundo tecnológico de hoje existem novas formas de se pro-mover situações de aprendizagem. As aulas expositivas não devem

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ser as únicas formas de se trabalhar a formação do aluno. Alunos experimentarem viagens virtuais numa aula de Geografia, ou visu-alizarem em 3D a reação química entre dois átomos formando uma nova substância, são experiências possíveis através da RV e que são tão engajadoras como um processo de exploração, descoberta, ob-servação e construção de uma nova visão do conhecimento, ofe-recendo ao aprendiz a oportunidade de melhor compreensão do objeto de estudo.

Segundo BELL e FOGLERL (1995), a principal vantagem de se utilizar a RV é a sua capacidade de permitir a visualização de situações e conceitos que não poderiam ser vistos de outra forma, e ainda a imersão do aluno dentro dessa visualização. Segundo os autores, o interesse e o entusiasmo do aluno são também evidentes benefícios da RV. De acordo com TORI (2010), as tecnologias de RV e RA costumam chamar a atenção dos alunos e motivá-los, mas deve-se considerar a curiosidade pela novidade.

A potencialidade dessas novas tecnologias está exatamente no fato de permitirem a exploração de alguns ambientes, processos ou objetos, não através de livros, fotos, filmes ou aulas, mas através da manipulação e análise virtual do próprio alvo do estudo.

A introdução da RV, e consequentemente da RA, na educação demonstra um novo paradigma que relata uma educação de forma di-nâmica, criativa, colocando o aluno no centro dos processos de apren-dizagem e buscando uma formação de um ser crítico, independente e construtor de seu conhecimento. A grande preocupação é com o in-vestimento em hardware e software, mas hoje em dia é possível montar uma boa plataforma com custo relativamente baixo. Há poucos anos, os equipamentos e software de RV eram acessíveis apenas a grandes empresas; hoje é um recurso bastante viável de ser aplicado em larga escala em atividades educacionais (TORI, 2010).

4. As oportunidades

Em 2009, a criação do Laboratório de Realidade Virtual (La-b3D) – http://www.lab3d.coppe.ufrj.br – culminou com a oportuni-dade de iniciar uma área dentro da linha de pesquisa de Engenharia de Software do Programa de Engenharia da Computação e Sistemas

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da COPPE/UFRJ: Realidade Virtual e Aumentada no Ensino de En-genharia de Software.

O laboratório foi concebido com o objetivo de criar um ambien-te apropriado ao acesso e à utilização de conteúdos no ensino e na pesquisa; despertar o interesse no contato com as tecnologias de Rea-lidade Virtual e Aumentada; facilitar o desenvolvimento de aplicações tecnológicas, com base na criatividade e na produção do saber intera-tivo, estimulando dessa forma a construção de um conhecimento plu-ral; criar um canal de integração entre professores, técnicos, alunos e a sociedade; e contar com o apoio de profissionais e pesquisadores que já atuam nessas áreas, somando experiências positivas.

O Lab3D está localizado no prédio do Centro de Tecnologia da COPPE/UFRJ e, com o passar dos anos, foi se equipando com di-versos dispositivos, mais acessíveis, que pudessem estar disponíveis para os alunos nos seus projetos finais de disciplina, projetos finais de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Atualmen-te, ele disponibiliza os seguintes equipamentos: Oculus Rift, Kinect, Leap Motion, tablets, câmera 360 graus, Display-wall, sistema de exibição estereoscópica com técnica de polarização da luz, quadro interativo, TV 3D, filmadora 3D e estações de trabalho de última geração. A sua infraestrutura conta com uma sala de visualização 3D com 25 lugares, uma sala de reunião e um laboratório com 10 estações de trabalho.

Mesmo com a popularização dessas novas tecnologias e o gran-de interesse em RV atualmente, ainda se observa um desconheci-mento e distanciamento dos alunos de computação à pesquisa e desenvolvimento de aplicações nesse tema, bem como poucos de-senvolvedores criando aplicativos ou jogos para RV.

Esses fatos aliados à inserção de novas técnicas e novos ramos do saber aplicados à RV e RA fez com que, ao longo dos anos, hou-vesse a necessidade da criação de uma nova disciplina com apren-dizado diferenciado, que envolvesse todo esse tipo pesquisa, dispo-sitivos e tecnologia para desenvolver aplicações em diferentes áreas de atuação como: ensino, nutrição, artes, letras, entretenimento, urbanismo etc.

No que diz respeito à nova disciplina criada, foi uma constante preocupação, desde o início, com a forma de transmissão do co-

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nhecimento técnico dessa nova área aos alunos, de forma a ser mais interessante e atrativa, uma vez que essas tecnologias avançadas poderiam, inclusive, proporcionar melhor comunicação dentro da equipe e o aprendizado cooperativo.

Nesse contexto, a disciplina “Introdução à Realidade Virtual e Aumentada”, direcionada tanto para a graduação como para a pós--graduação da UFRJ, foi criada em 2014, despertando um grande interesse pelos alunos.

5. A disciplina

Nome da disciplina: Introdução à Realidade Virtual e AumentadaObjetivo da disciplina: oferecer aos alunos uma introdução sobre

os conceitos fundamentais de tecnologias avançadas 3D como a Rea-lidade Virtual e a Realidade Aumentada para o desenvolvimento de competências nos estudos mais avançados da área e para a capaci-tação ao realizar trabalhos ilustrativos das metodologias estudadas.

Objetivos específicos:• definir e diferenciar os tipos de Realidade Virtual e Aumen-

tada existentes;

• conhecer os dispositivos e ferramentas de Realidade Virtual e Aumentada;

• construir aplicações específicas no decorrer do curso e na vida profissional.

Metodologia de ensino: a metodologia é baseada em aulas expo-sitivas e acesso a Ambiente de apoio à aprendizagem colaborativa à distância (Moodle)1. Para a fixação dos tópicos estudados, os alunos recebem, ao longo do curso, tarefas que são postadas em fórum on-line para acesso de todos os alunos, contribuindo de forma colabo-rativa com seus conhecimentos específicos. São realizadas aulas prá-ticas nos laboratórios, envolvendo diferentes dispositivos, incluindo aqueles não convencionais. Há também momentos de visitas aos laboratórios parceiros com a intenção de troca de informações e acessos a diferentes tipos de equipamentos. Por fim, são desenvolvi-dos projetos individuais ou em grupos para a fixação dos conteúdos.

Critérios de avaliação de aprendizagem: a avaliação é realizada através de participação, prova e trabalhos individuais ou em gru-

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pos, em temas envolvidos com o programa, bem como entrega de relatório final com vídeo da aplicação funcionando.

Ementa: Apresentação do Curso e Motivação, Visão Geral, His-tórico de RV e RA, Conceitos básicos, Características gerais, Funda-mentos de RV e RA, Dispositivos de Entrada e Saída, Interação em Ambientes Virtuais, Estereoscopia, Aplicações de RV e RA, VRML e Unity3D.

A seguir são expostas as experiências recentes ocorridas na dis-ciplina Introdução à Realidade Virtual e Aumentada na UFRJ.

5.1 Cursos

5.1.1 Perfil dos alunos

Essa disciplina foi ministrada em quatro momentos: 2014.1, 2016.1, 2016.2 e 2018.1. A ideia principal era trabalhar com essas tecnologias 3D ligadas ao ensino, contudo aceitando o desafio de congregar conhecimentos das áreas de arte, ciência e tecnologia, com base em um modelo transdisciplinar de pesquisa e implemen-tação de resultados.

A primeira turma continha 14 alunos de graduação do cur-so de Engenharia de Computação e Informação (ECI) da Escola Politécnica da UFRJ (Poli). Outro resultado positivo dessa turma foi a continuação da participação de um aluno no grupo de Rea-lidade Virtual e Aumentada, que finalizou o seu projeto final de curso, participou como aluno de iniciação científica e como aluno de mestrado com o tema da dissertação “VMAG 3.0 - Suporte à Vi-sualização 3D de Modelos de Sistemas Através de Interfaces Mul-timodais e Multiusuários”, trabalhando com Kinect e Realidade Virtual (ANTUNES, 2018).

A segunda turma foi composta por 22 alunos também de gra-duação, no entanto, continha 15 alunos da ECI e sete alunos da Escola de Belas Artes (EBA). Foi uma experiência desafiadora, onde os grupos finais de trabalhos contaram com a participação tanto de alunos da Computação como de Artes.

A terceira turma foi composta por nove alunos de pós-gradu-ação do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da COPPE. Os trabalhos finais tinham como enfoque principal o de-

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senvolvimento de aplicações voltadas para o ensino de Engenharia de Software, RV e RA.

A quarta turma foi composta por 23 alunos da graduação do curso de ECI e duas alunas do curso da EBA.

Os alunos de graduação do curso da ECI, geralmente, estão em seus últimos anos de curso.

A oportunidade de ter diferentes perfis de aluno dentro da sala de aula foi uma surpresa e um desafio. Que culminou em trabalhos diferentes e muito bons. Eles compartilharam em seus relatórios as importantes discussões e contribuições dos alunos com diferentes formações. Houve a riqueza de diferentes visões e opiniões que pro-vavelmente não teriam caso a equipe toda fosse formada apenas por engenheiros. Eles relataram que o grupo ficou mais engajado e que a dinâmica do trabalho foi muito boa. Acharam que o mesmo ficou mais completo com a contribuição das capacidades de cada membro do grupo, inclusive com um investimento maior na concepção do trabalho e na interface gráfica.

5.1.2 Estrutura do curso

O curso começa com aulas expositivas, onde o professor apre-senta a teoria. Em cada aula são apresentados inúmeros vídeos que ilustram o conteúdo e dinamizam a aula. Ao final de cada aula é so-licitado aos alunos uma pequena atividade. Cada atividade faz com que o aluno busque exemplos concretos relacionados à teoria e que coloque sua contribuição na ferramenta Moodle. É incentivado que todos leiam essas contribuições, com o objetivo de ampliar e solidi-ficar o conhecimento estudado.

Essa primeira parte do curso dura em torno de seis semanas que incluem duas aulas práticas no laboratório.

As aulas práticas apresentam tutoriais de linguagens e ferra-mentas que serão utilizadas durante o curso, principalmente no trabalho final. Os alunos se dividem entre os computadores e desenvolvem pequenos exemplos orientados pelo professor. Essa aula é aproveitada para que os alunos tirem dúvidas de instalação e assuntos mais técnicos. Apesar de ser agitada (a aula é dada em outro ambiente), a aula é diferente e bastante motivadora para os

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alunos. Eles podem experimentar em pequenos exemplos as tecno-logias de RV e RA e prever infinitas possibilidades nos seus futuros projetos. As Figuras 1 e 2 mostram aulas práticas no laboratório.

Figura 1 – Aula prática no laboratório.

Figura 2 – Aula prática no laboratório.

Há ainda o dia em que são disponibilizados todos os dispositivos de RV presentes no Lab3D. Nesse dia os alunos são convidados, de forma organizada, a experimentar cada uma delas, visualizando dife-rentes exemplos. Em diversas estações dispersas por todo o laborató-rio, grupos formados com um pequeno número de alunos exploram

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dois Oculus Rifts, um deles com o Leap Motion, tablets, Cardboard, Kinect, câmeras de vídeo 3D e TV 3D, câmera 360 graus e simples computadores com diferentes aplicações de RV. Os alunos têm contato com muitos exemplos nesses diferentes dispositivos de RV e RA. As Figuras 3 e 4 mostram alunos interagindo com dispositivos no Lab3D.

Figura 3 – Aluno utilizando o Oculus Rift.

Figura 4 – Aluna utilizando o Oculus Rift com o Leap Motion.

São disponibilizadas também visitas a outros laboratórios de RV parceiros no campus da UFRJ, dependendo da disponibilidade

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dos mesmos. Já houve visita ao Centro de Pesquisa e Desenvolvi-mento Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES) da Petrobras, localizado na Ilha do Fundão, e ao Laboratório de Métodos Compu-tacionais em Engenharia (LAMCE) da COPPE/UFRJ (http://www.lamce.coppe.ufrj.br). Este último disponibiliza equipamentos como CAVE, Domo e Holografia para que os alunos interajam. As Figuras 5 e 6 registram uma visita ao LAMCE, onde os alunos estão imersos num Domo e na CAVE, respectivamente.

Figura 5 – Alunos numa visita ao LAMCE, utilizando o Domo.

Figura 6 – Alunos numa visita ao LAMCE, utilizando a CAVE.

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Há espaço também, dentro das aulas, para a exposição dos tra-balhos dos alunos de graduação e pós-graduação que foram e são desenvolvidos no Lab3D.

Após a parte teórica, é aplicada uma prova relativa a tudo que foi exposto, com o objetivo de ter uma nota individual de cada alu-no, já que o trabalho é, geralmente, feito em grupo.

Depois desses momentos, durante mais ou menos seis semanas, os alunos apresentam em cada aula o andamento dos seus trabalhos. Dessa forma, eles se organizam para que sempre possam apresen-tar alguma contribuição. As professoras ajudam a incrementar ou a diminuir o escopo dos projetos. Essa etapa se mostrou, ao longo dos anos, muito rica, pois os alunos cada vez se organizam mais, dividem as tarefas e preveem suas contribuições com mais precisão. Devido à divulgação de todos os trabalhos já realizados, percebe-se que os trabalhos dos últimos anos têm se mostrado mais elaborados e com um nível de complexidade maior.

O fim das aulas culmina com a entrega de um relatório, apre-sentação do trabalho com slides, demonstrações e a exibição de um vídeo com a aplicação funcionando. O objetivo do relatório, além de formalizar as decisões, é mostrar quais as ferramentas, sistemas operacionais e dispositivos foram utilizados, seguindo um modelo de relatório técnico que pode auxiliar numa possível extensão da ferramenta desenvolvida. Ele representa uma possível contribuição para o projeto final de curso que muitos deverão fazer brevemente.

A presença e a participação dos alunos é cobrada desde o iní-cio do curso, pois eles aprendem muito mais quando compartilham suas ideias.

6. Resultados alcançados

Além da formação de um número grande de alunos nessa nova área de conhecimento (68 no total), o curso culminou com uma boa produção de material científico, como artigos publicados e apre-sentados em periódicos – (RODRIGUES & WERNER, 2013a), (RO-DRIGUES & WERNER, 2013b), (RODRIGUES et al., 2010) e (RO-DRIGUES & RODRIGUES, 2010) –, congressos nacionais e inter-nacionais, projetos finais de curso, duas dissertações de mestrado,

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resumos de projetos de iniciação científica e palestras sobre o tema em diferentes universidades e departamentos da UFRJ.

Em Rodrigues (2012) e Rodrigues et al. (2016), descrevem-se os resultados da tese de doutorado que propôs um primeiro ambiente tridimensional de ensino e aprendizagem para apoiar a compreen-são de modelos de software em larga escala. A primeira dissertação de mestrado que resultou dessa pesquisa (FERNANDES, 2017), (FERNANDES et al., 2015), (FERNANDES et al., 2016) e (FERNAN-DES et al., 2017) desenvolveu a análise dinâmica de sistemas com-plexos por meio de RV. A segunda, descrita em (ANTUNES et al., 2015), (ANTUNES et al., 2016), e (ANTUNES et al., 2018) e (ANTU-NES, 2018), explorou novas oportunidades de interação por gestos, através do Kinect. Além disso, o projeto final de curso de Antunes (2015) já propunha uma aplicação que dava suporte ao ensino da disciplina de Modelagem de Sistemas, usando o controle por gestos como atrativo aos usuários. E o projeto final de curso de Martins (2018) apresentou os benefícios da utilização dessas tecnologias na educação, bem como dois protótipos de aplicações de Realidade Aumentada e Virtual voltadas para o ensino de Biologia e Geogra-fia, exemplificando então como essas tecnologias seriam utilizadas.

Vários projetos de IC foram desenvolvidos, entre eles: para aprendizagem em RA apoiando o ensino das métricas estáticas de coesão e acoplamento de sistemas orientado a objetos – (MOTTA et al., 2018), (BONICENHA et al., 2016) e (BONICENHA et al., 2015) –; um passeio virtual em 360 graus dentro do museu, utilizando um dispositivo de visualização 3D como o Oculus Rift para visitar todas as áreas do museu sem precisar estar presente fisicamente (LACER-DA et al., 2017); dentre outros.

Projetos similares também foram desenvolvidos em cooperação internacional com a Universidade da Califórnia, Irvine, a Universi-dade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) buscando fortalecer a interação entre esses grupos de pesquisa e abrindo perspectivas para a troca de experiência, acom-panhamento do intercâmbio de estudantes e a promoção de avanços no ensino de ES com RV e RA, entre 2009 e 2018, além de parcerias dentro da UFRJ com os departamentos de Nutrição, IPPUR e Escola de Belas Artes, de 2011 até 2018.

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7. Considerações finais

Este capítulo reforçou a ideia de que utilizar as tecnologias de Realidade Virtual e Aumentada para auxiliar a educação tem re-percussões positivas. E que um ambiente virtual pode trazer uma experiência atrativa para o processo de aprendizagem. A disciplina Introdução à Realidade Virtual e Aumentada, de caráter lúdico e qualitativo, parece ter propiciado mais facilidade e fluidez no enten-dimento dos conceitos básicos dessas tecnologias avançadas tridi-mensionais, evidenciado pelo aumento da procura pela participação em projetos de pesquisa. Trata-se de uma disciplina criada, inicial-mente, para alunos de Engenharia de Computação e Informação e que hoje tem um caráter multidisciplinar, atendendo alunos de outras áreas, como os da Escola de Belas Artes.

O formato da disciplina proporcionou participação e interesse dos alunos sobre o tema. Desde a sua introdução como disciplina optativa, em 2014, os resultados obtidos têm sido satisfatórios, tanto quanto o interesse no contato com as tecnologias de Realidade Vir-tual e Realidade Aumentada, como positivos, em relação ao aumen-to do investimento dos alunos na sua pesquisa.

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eixo iii Arte e cidade na Educação

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O graffiti e a paisagem da cidade: arte, política e cultura em Campos dos Goytacazes1

Elis de Araújo Miranda2

Arthur Nogueira Rangel3

Introdução

As expressões urbanas, ações e representações culturais elabo-radas por sujeitos inseridos em grupos, buscam difundir ideias e estabelecer diálogos entre o artista e demais sujeitos na/da cidade. Assim, o presente trabalho tem como foco a análise do graffiti, com-preendido a partir da presença dessas pinturas na paisagem urba-na da cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), apontado como um movimento de resistência e representação simbólica de um grupo subalternizado, a partir das suas grafias e desenhos expressos na paisagem urbana.

Dentre as artes urbanas com o uso de tinta, destaca-se o graffiti como a expressão urbana que possui maior representatividade na cidade de Campos dos Goytacazes, paralelamente com o movimen-to da pichação que teve um significativo avanço nos últimos cinco anos, logo após o projeto de expansão de vagas no ensino de nível superior da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Institu-to Federal Fluminense (IFF). Este trabalho busca analisar as ideias difundidas a partir dos graffitis impressos na paisagem urbana de

1 Esta pesquisa contou com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).2 Doutora em Planejamento Urbano e Regional. Professora associada do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano e Regional (PPGDAP) da Universidade Federal Fluminense. Coordena o Laboratório de Pesquisa Cultura, Planejamento e Representações Espaciais (LabCult).3 Mestre em Geografia pela Universidade Federal Fluminense. Integra o Laboratório de Pesquisa Cultura, Planejamento e Representação Espacial. Professor da Rede Pública Municipal de Ensino da Prefeitura de Campos dos Goytacazes.

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Campos dos Goytacazes. De forma mais específica, o trabalho busca identificar os graffitis na paisagem na atualidade, relacionando-os aos grafiteiros que os produziram, assim como averiguar as formas de atuação dos grafiteiros na produção dos graffitis: festival, “rolês” e/ou mutirões, e os lugares da cidade onde essas representações encontram-se impressas.

O estudo ampara-se no método fenomenológico, que se cons-titui como a base da formação da escola denominada Geografia Humanista. Esta escola de pensamento tem em Eric Dardel (1954), Yi-Fu Tuan (1983) e Edward Relph (1976) os seus principais expoen-tes. A Geografia Humanista debruça-se sobre as experiências viven-ciadas pelos sujeitos nos lugares, onde as experiências socializadas entre os sujeitos e a apropriação concreta ou simbólica do espaço se dá a partir de relações de identidade cultural e/ou de movimentos artísticos. A mediação e a compreensão dos fenômenos, tais como ansiedade, conduta, sociabilidade, topofilia ou topofobia, só ocorre-riam por meio de suas vivências a partir de ações realizadas em gru-po em um dado espaço-tempo, pois o mundo se retrataria como um espaço vivido, a partir do qual o indivíduo, habitante de um mundo físico e social, por meio de suas ações, atuaria diretamente sobre os significados e as intencionalidades, construindo dessa forma suas experiências com o lugar (ROCHA, 2007, p. 23).

A produção da paisagem marca as referências de um grupo em um dado lugar. As referências simbólicas impressas na paisagem, criadas no contexto de movimento artístico, demonstram as formas pelas quais os sujeitos podem se expressar para a sociedade, e que a produção do espaço se faz também por meio das relações de afeto, identidade, sociabilidade e não apenas por meio da dominação, do controle, da imposição de limites e fronteiras e da violência, como fazem os grupos que buscam delimitar o uso do espaço com o uso de armas, normatizações ou controles de circulação que expressam o controle do território a partir de relações de poder.

Para a elaboração deste trabalho seguimos as seguintes etapas: a) primeiro foi realizada uma pesquisa teórico-conceitual sobre a arte do graffiti enquanto um fenômeno urbano; b) em um segun-do momento, foram realizadas entrevistas com grafiteiros atuantes na cidade de Campos dos Goytacazes, buscando a compreensão da

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formação do lugar e do próprio movimento do graffiti a partir de suas visões; e c) por fim, foi realizado um trabalho de campo, assim como o acompanhamento dos eventos culturais ligados ao graffiti, realizados na referida cidade, buscando realizar registros fotográfi-cos de suas artes, e também participar de suas dinâmicas culturais e artísticas para fins de compreender as diferentes dinâmicas que envolvem a produção do graffiti a partir de “rolês”, de festivais ou de multirões.

O graffiti enquanto arte efêmera, realizado por um grupo su-balterno que vive às margens da sociedade, está a todo momento buscando dar voz aos seus ideais, a partir de suas grafias urbanas, numa tentativa de autoafirmação de sua existência. Desse modo, o presente trabalho evidencia em seus resultados as dinâmicas exis-tentes nas ações dos grafiteiros em Campos dos Goytacazes.

1. O graffiti no contexto da arte urbana

O termo graffiti aqui utilizado está em ressonância com os gru-pos de artistas de rua que usam essa grafia para designar seus traba-lhos. Desse modo, graffiti é definido por Stahl (2009):

O termo graffiti é uma reminiscência do vocábulo italiano Sgra-ffire. Assim, o sgraffire é uma técnica de decoração de fachadas, segundo a qual se sobrepõem várias camadas de estuque; antes deste secar, o artista faz incisões em forma de linhas e levanta grande zonas da camada superior (STAHL, 2009, p. 9).

A segunda definição de graffiti, apresentada por Gitahy (1999, p. 13), onde “graffiti vem do italiano inscrição ou desenho de épo-cas antigas, [...] riscados a ponta ou a carvão, em rochas, paredes e etc.”. Numa espécie de síntese das duas definições apresentadas, Ni-cholas Ganz define o termo graffiti como uma derivação da palavra italiana sgraffito, que significa rabisco ou ranhura e que, segundo ele, existe desde os primórdios da humanidade (GANZ, 2010, p. 8).

O que nos interessa não é a definição da técnica, mas o graffiti enquanto ação coordenada, elaborada por sujeitos organizados em grupos que buscam imprimir uma marca no espaço como um ato político por meio de uma produção artística. Assim, entendemos

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o graffiti como técnica, movimento cultural-identitário e como mo-vimento artístico disseminado mundialmente. Não há, no mundo, uma paisagem metropolitana sem graffitis ou pichações.

1.1 Graffiti: um movimento artístico-político-cultural

As escritas urbanas ao longo do tempo vêm compondo formas de resistências perante a sociedade, impondo-se a autoexistência do movimento juvenil que, por sua vez, pode impor a um determinado lugar uma representatividade de poder, dominação ou reflexão de um único indivíduo ou de uma coletividade. Apesar do graffiti e da pichação possuírem, a princípio, objetivações distintas de domina-ção e transgressões, estas estão pautadas sobre a mesma base ideo-lógica, que é a escrita urbana que busca difundir ideais políticos, so-ciais, étnicos e culturais, pois o graffiti e a pichação se caracterizam por possuírem enraizadas em seus movimentos a essência do caráter comunicativo (LOPES, 2011, p. 34).

Essa essência na qual o graffiti se originou, tal qual é praticado até os dias de hoje, é apontada numa espécie de consenso entre os es-tudiosos e os próprios praticantes da arte, como um movimento que surgiu nos Estados Unidos da América (EUA), entre os anos de 1960 e 1970, sobretudo nos bairros periféricos da cidade de Nova Iorque.

Durante os anos de 1960, a cidade de Nova Iorque vivenciava uma profunda crise em seus setores econômicos e produtivos. Imigrantes que trabalhavam nas indústrias sofreram repressões e discriminações raciais. Em uma tentativa de “limpeza social” da área central, os imigrantes de origem latino-americana e/ou africana, em especial os imigrantes haitianos e porto-riquenhos, foram removidos para as áreas mais periféricas da cidade, onde era desprovida de qualquer assistência de política social, com acesso por meio de trens.

Martin Luther King e Malcom X apresentaram as lideranças políticas em defesa dos direitos dos imigrantes, pois esse movimen-to contrariava os ideais políticos e ideológicos das elites brancas (TARTAGLIA, 2010, p. 37).

Outra importante configuração organizacional que lutava pe-los direitos civis dos imigrantes foi a criação de um grupo partidário

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intitulado Partido dos Panteras Negras, que buscava institucionali-zar a busca pela luta dos direitos políticos civis e econômicos. Por sua vez, toda disputa e conquista adquirida nos anos 1960 foram, de certa forma deturbados, principalmente pela incompatibilidade dos grupos étnicos e culturais residentes nos guetos de Nova Iorque nos anos 1970, pois ao invés de ocorrer uma união em prol dos direitos coletivos, ocorreram conflitos culturais nos guetos novaiorquinos.

Se, por um lado, a diferença de etnias nos guetos novaiorquinos causava conflitos, por outro, essa mesma diversidade deu origem ao movimento Hip-hop, que teve como proposta reduzir os embates en-tre as gangs residentes nessa região, sobretudo nos bairros do Bronx e do Brooklyn. Dessa forma, Herschmann (2005), salienta que:

O hip-hop emergiu nos anos 70 nos Estados Unidos, como um forte referencial que permitiu a conformação de identidades al-ternativas e da consagração para os jovens, em bairros cujas anti-gas instituições locais de apoio foram destruídas. As identidades alternativas locais foram sendo forjadas a partir de modas e lin-guagens que vinham das ruas, dos guetos e de grupos e turmas de bairro. Nos Estados Unidos, muitos artistas, dançarinos e fãs do hip-hop continuam a pertencer a um sistema elaborado de grupos (HERSCHMANN, 2005, p. 186).

Na conjuntura da emergência do movimento hip-hop, as gangs deixaram de batalhar fisicamente uns contra os outros, e passaram a disputar espaços a partir de batalhas de rimas (rap), das danças robo-tizadas e estilizadas que acompanhavam sincronicamente as batidas das músicas (break), do graffiti (artes plásticas) e tendo o basquete e o skate como práticas esportivas e de exibição de habilidades e movi-mentos de corpos. Assim, o hip-hop surgiu como um movimento de delimitação territorial dos distintos grupos periféricos e, por fim, se torna um movimento cultural de produção de um lugar de práticas artístico-culturais e esportivas, integrando os grupos periféricos. As-sim, o graffiti, integrado ao movimento hip-hop, se torna uma expres-são dissipadora de valores e identidades, reconhecendo a identifica-ção e afeição do grupo com o lugar (TUAN, 1983, p. 152).

Desse modo, o graffiti emerge como uma cultura juvenil de gru-pos excluídos, que, assim como hoje, buscam dar voz aos agentes

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marginalizados e subalternizados pelo sistema em sua base conser-vadora. Assim, em relação ao movimento juvenil, como uma forma de reduzir as batalhas ou conflitos nos guetos, Arce (1999) destaca:

Essa nova dimensão das batalhas urbanas teve uma importante participação na atenuação dos níveis de violência entre esses se-tores jovens, à medida que as rivalidades são canalizadas para o terreno simbólico, o que é um dos aspectos pouco avaliados e submetidos à reflexão. Desse modo, o fenômeno do grafite diluiu, em alguns casos, a força das identidades cotidianas forte-mente ancoradas na defesa dos limites do bairro, como sucedeu com o cholismo, pois eles vivem na cidade de uma maneira mais ampla (ARCE, 1999, p. 130).

Desde então, a partir dos anos 1970, o graffiti – que cada vez mais vinha ganhando espaço como uma cultura juvenil de massa – sofreu tentativas de “desmarginalização” ao ter sua expressão es-peculada à incorporação do conceito artístico da época e, conse-quentemente, com as galerias, o que marcaria como o fenômeno de tentativa de libertação de sua forma original (STAHL, 2009, p. 9).

Galerias de artes, museus e colecionadores de artes tentaram atribuir valor às obras produzidas nas ruas, organizando exposições de graffitis em formato de quadros ou em paredes de galerias, atri-buindo aos desenhos pintados em telas como arte e relacionando os muros das cidades às galerias4. Esse processo de musealização e de galerização do graffiti foi bastante criticado pelos artistas de ruas, pois, segundo eles, o processo de musealização priva os objetos de suas funções originais e os revestem de novos significados, desti-tuindo os sujeitos de suas ações políticas, e as obras, de seus valores simbólicos, e atribuindo-lhes valores de mercado.

Em seu meio cultural original e subversivo, o graffiti se enqua-dra no contexto da street art por ser um ato artístico-político-cultural e não um simples objeto a ser consumido, pois ele está dentro de um

4 Ver as obras de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), que é considerado um dos artistas mais importantes da segunda metade do século XX. Segundo o texto impresso na exposição desse artista na mostra do Centro Cultural Banco do Brasil, entre 12 de outubro de 2018 a 7 de janeiro de 2019, Basquiat inicia sua atuação como artista de rua escrevendo frases críticas, enigmáticas e/ou poéticas em paredes e muros da cidade de Nova Iorque com o pseudônimo SAMO.

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contexto público no qual os trabalhos são realizados por indivíduos inseridos em contextos socioespaciais específicos, para a sociedade com o uso de técnicas artísticas e trazem referências de outros artis-tas, de outros lugares e temporalidades. Na rua, o graffiti pode ser visto por todos indistintamente e as mensagens políticas, poéticas ou enigmáticas dos grafiteiros podem ser disseminadas por meio de fotografia, do cinema, estampadas em camisetas ou até mesmo inse-ridas em mostras de artes em galerias. A paisagem da cidade passa a ser parte da obra e não apenas suporte.

1.2 O graffiti em Campos dos Goytacazes

Enquanto um fenômeno urbano, transgressor, poético e efême-ro, o graffiti na cidade de Campos dos Goytacazes só passou a ga-nhar maiores proporções a partir do ano de 2011 (RANGEL; LES-SA, 2016, p. 182). Antes desse período, o que se via eram cartazes de propagandas, mensagens religiosas e pichações em ações realiza-das por indivíduos sem organização de grupos ou por agências de propaganda e marketing.

Enquanto uma expressão artística que compõe a paisagem ur-bana, o graffiti ganha visibilidade na área central da cidade a partir do ano de 2011, quando novos agentes se inserem na cidade. Mesmo que o movimento tenha iniciado nos primeiros anos da década de 2000, principalmente nas áreas periféricas, sobretudo com grafitei-ros que atuavam como pichadores e passaram a se expressar com o graffiti para deixarem se ser perseguidos pela polícia, a partir de 2011 a cena da arte urbana é alterada com a vinda de estudantes uni-versitários e de novos cursos técnicos abertos a partir do contexto do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni)5.

Dessa forma, o primeiro grupo de grafiteiros organizado na cidade de Campos dos Goytacazes, com uma proposta de difundir as mensagens da periferia a partir da arte urbana pela cidade, foi a

5 O REUNI é um programa que se realizou entre 2003 e 2012. Campos dos Goytacazes recebeu cinco novos cursos na área de Ciências Humanas com a expansão da Universidade Federal Fluminense, e o Instituto Federal Fluminense abriu os cursos de Licenciatura em Música, Licenciatura em Artes Visuais e Licenciatura em Teatro.

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crew6 Progressivo Artcrew. Criada no ano de 2004 e tendo como seu pioneiro e fundador o grafiteiro “Andinho”7, passou desde então a atuar intervindo no espaço urbano numa perspectiva de difundir a arte urbana pela cidade.

No mesmo ano de 2004, Andinho foi o responsável por organi-zar o primeiro encontro de grafiteiros em Campos dos Goytacazes, que foi intitulado “Intervenção em Grande Muro”, com o objetivo de criação de um painel pintado coletivamente, com impacto visual agra-dável para que o graffiti se tornasse algo comum e aceito na cidade.

Foi então, a partir da realização do encontro de grafiteiros, que se formou o grupo Progressivo Artcrew (PAC), a partir da união de grafiteiros, sejam eles de Campos ou de municípios vizinhos. A Pro-gressivo ArtCrew se mantém em Campos até os dias atuais.

Fotografia 1 – Graffiti realizado pelo Progressivo Artcrew no ano de 2011, na área central da cidade. Fonte: arquivo pessoal do autor.

Uma recorrente dúvida debatida e discutida em um trabalho anterior foi o porquê de o graffiti na cidade de Campos dos Goytaca-

6 Denominação dada pelos artistas para designar grupos de grafiteiros.7 “Andinho” é um grafiteiro residente na cidade de Campos dos Goytacazes, no entanto aprendeu a arte do graffiti e todas as suas técnicas quando era morador na cidade do Rio de Janeiro.

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zes só veio a ganhar maiores proporções na área central a partir do ano de 2011, mesmo tendo a criação de uma crew no ano de 2004. O que ocorreu é que a área central da cidade só passou a ser alvo dos grafiteiros quando a cidade vizinha de Macaé foi inserida no contexto da produção de petróleo e passou a receber os benefícios das rendas petrolíferas: a cidade passou por um crescimento demo-gráfico, com movimentos migratórios que levou a concentrar em Macaé trabalhadores oriundos de diferentes cidades do Brasil, em especial do Rio de Janeiro.

Os jovens imigrantes de Macaé migraram para Campos dos Goyta-cazes por estar ali concentrada a oferta de cursos técnicos e de nível superior. Assim, os estudantes de Macaé passaram a rivalizar com os estudantes de Campos, passando a existir uma disputa pela visibilidade de suas artes no espaço urbano de Campos (RANGEL; LESSA; 2016).

Desde então, a maioria dos grafiteiros que atua na área central de Campos dos Goytacazes, assim como nas áreas periféricas, é em maioria de estudantes universitários que vieram de outras cidades. Além de estudantes que migraram para Campos, a arte do graffiti foi difundida a partir da oferta de oficinas de graffiti ofertadas pela Fundação Municipal da Infância e da Juventude (FMIJ) e no Serviço Social do Comércio (SESC). Os objetivos do SESC e da FMIJ se dis-tinguiam. No SESC o objetivo é a difusão de uma técnica artística, enquanto os objetivos da FMIJ era de “retirar os jovens das ruas com uma ocupação artística”.

Se em sua essência o graffiti foi originado como uma arte urba-na subversiva e efêmera, onde grafiteiros utilizavam tags para assinar seus trabalhos, hoje, na cidade de Campos dos Goytacazes, o que vimos é um processo de transformação da arte urbana, onde o graffiti perdeu seu caráter marginal e os artistas passam a se integrar em con-textos até então não acessados, como as escolas de artes, as oficinas oferecidas em centros culturais ou serem chamados para atuarem em oficinas oferecidas pelas secretarias municipais de Cultura, de Entre-tenimento ou da Infância e da Juventude, e até mesmo para decorar quartos de crianças e jovens de classes abastadas. Em Campos dos Goytacazes, quando o graffiti é produzido a partir dos festivais finan-ciados pela municipalidade (Figura 1), as pinturas deixam de ser uma arte marginal e passam a ser uma expressão aceita pela sociedade.

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Figura 1 – Fragmento do Edital do Primeiro Festival de Graffiti em Campos dos Goytacazes, no ano de 2016.

Dessa forma, o processo de assimilação do graffiti por parte dos gestores municipais ocorreu justamente a partir do momento em que o graffiti perde seu poder de subversão e passa a atender às demandas estabelecidas pelos representantes do poder local. Os itens vedados no edital de Festival de Graffiti proposto pela FMIJ expressam a censura em relação a temas de caráter político, desvir-tuando o caráter subversivo, marginal e periférico que deu origem ao graffiti em Nova Iorque.

Nesse mesmo evento, acompanhamos e entrevistamos os gra-fiteiros. Questionamos se naquela ocasião (ano eleitoral) o poder público municipal estava tardiamente valorizando a arte urbana na cidade, visto que o graffiti existe na cidade desde a década de 2000, e só então no ano de 2016 foi realizado o primeiro festival com financiamento público. O grafiteiro a atuar mais tempo na cidade respondeu desta maneira:

O poder público acha bacana quando realizamos um painel bo-nito, onde aquela área passa a ser valorizada em virtude da arte, no entanto eles não querem saber se para a realização daquele

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painel foram gastos quinhentos ou seiscentos reais. A população aceita bem o graffiti, e o poder público por sua vez também aceita, só que ele não apoia o movimento, não ajuda no incenti-vo dessa arte (Entrevista concedida pelo grafiteiro a atuar mais tempo em Campos).

Nesse contexto, no processo de cooptação do graffiti durante os festivais financiados por gestores municipais, o grafiteiro passa a atuar de forma controlada e sua criação prioriza a estética, deixando de atuar a partir de uma perspectiva política. Dessa forma, o graffiti, que originalmente surgiu nas ruas, guetos e bairros, passa a ser con-trolado e ganha status de produto para o mercado.

2. A produção da arte urbana na cidade de Campos dos Goytacazes e suas vertentes

Quando não atuam em festivais, o processo de produção da arte urbana na cidade de Campos dos Goytacazes apresenta outras características. Durante os últimos três anos é notório o crescimento da quantidade de pinturas, a ampliação dos desenhos e a espacia-lização por áreas da cidade, principalmente em sua área central, por ser um ponto estratégico e que possui maior visibilidade. No entanto, a produção da arte urbana não está limitada apenas à área central ou bairros próximos ao Centro, e verifica-se o crescimento e expansão da arte urbana do graffiti para áreas periféricas e favelas.

Além do graffiti, verifica-se também a ampliação do conhecimento de outras técnicas artísticas com o uso de tinta, possibilitada pela in-serção de novos artistas com formação em centros universitários e em cursos e oficinas de artes oferecidos na cidade. Ao mesmo tempo que ampliam-se as possibilidades artísticas, ampliam-se as áreas geográficas de atuação dos novos artistas, o que ocasionou uma dissipação dessas expressões para bairros mais distantes e com menor circulação8.

A cidade de Campos dos Goytacazes, de um modo geral, vive um processo de metamorfose da sua arte urbana. Essa transforma-

8 Devido ao crescimento de adeptos aos grupos juvenis que atuam por meio das expressões urbanas, bairros mais distantes como Penha e Goytacazes passaram a fazer parte das dinâmicas desses grupos.

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ção abarca principalmente a estrutura e o modo de se fazer a arte urbana na cidade, onde passado e presente se combinam em intera-ções formando novos signos e formas que se convertem em temas a serem trabalhados pelos novos artistas. Em outras palavras, os novos artistas, principalmente os que proveem de oficinas, possuem sua formação artística pautada nos conhecimentos adquiridos com os artistas veteranos, no entanto, diferentemente dos veteranos, os novos artistas não retratam diretamente por meio de sua arte uma afeição com o lugar; eles optam por adotar um determinado tema e a partir dele realizam suas obras.

Ainda em relação a essa nova vertente da arte urbana em Cam-pos, há ainda aqueles sujeitos que desenvolvem suas técnicas a partir de formação acadêmica em cursos de designer gráfico ou de artes visuais, visto que essa nova geração de artistas é composta por uni-versitários, sendo alguns deles provenientes de outras cidades e até mesmo de outros estados.

Importa ressaltar que todas essas expressões artísticas possuem formas e estilos distintos, com os quais estão relacionados aos seus criadores com técnicas adquiridas na rua ou nas oficinas de artes que se fundem. Assim, as principais expressões de arte urbana pre-sentes na cidade de Campos dos Goytacazes são: o graffiti, a picha-ção (ou pixação) e o estêncil. Destacamos algumas expressões e os artistas que as produziram, pois são esses os sujeitos que têm trans-formado a paisagem urbana e têm delimitado lugares de encontros dos grupos que se apropriam da cidade, mesmo que simbolicamen-te, por meio de suas marcas na paisagem.

2.1 Graffiti

Destacamos as distintas formas de realizar uma pintura em gra-ffiti, segundo técnicas descritas pelos grafiteiros de Campos: Gra-ffiti 3D, Wildstyle, Bomber, Letras Grafitadas, Graffiti Artístico ou Livre Figuração, Graffiti Plástico, Graffiti Domeio, descritas e apre-sentadas a seguir.

Graffiti 3D – São desenhos tridimensionais, criados a partir de ideias visuais que apresentam certa profundidade e são característi-cos por não possuírem contorno. Esse modelo de graffiti requer do

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grafiteiro uma técnica bem desenvolvida de cores e formas. Nesta obra, Kane KS imprime a palavra JESUS sob um leão. Simbologias advindas de religiões neopentecostais que se embrenham em áreas periféricas e passam a ser referências para grafiteiros inseridos nes-ses contextos urbanos.

Fotografia 2 – Graffiti 3D feito no viaduto pelo grafiteiro Kane KS. Fotografia de Arthur Rangel.

Wildstyle – Modelo de graffiti cuja principal característica são le-tras distorcidas, que têm o formato de setas e que cobrem o desenho quase por completo. Suas letras são de difícil identificação, são utiliza-das como códigos e são compreendidas pelas pessoas que conhecem o mundo do graffiti. Nesse estilo há pouca possibilidade de criações com expressões políticas por se tratar de uma representação do nome do artista, uma forma de reafirmar-se no grupo de um lugar. Da mesma forma ocorre com o estilo descrito a seguir, o estilo Bomber.

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Fotografia 3 – Graffiti Wildstyle realizado na Avenida 28 de Março pelo grafiteiro Gouk. Foto de Arthur Rangel.

O Bomber, também conhecido como “vômito” ou throw-up. Es-tilo caracterizado por apresentar letras cujas aparências são de ex-pressões gordas e que parecem estar vivas. Essa técnica geralmente utiliza-se de duas ou três cores, sendo ela a forma mais praticada por grafiteiros e pichadores iniciantes, por não requerer muita habilida-de técnica e nem conseguir se posicionar politicamente.

Fotografia 4 – Graffiti Bomber feito pelo grafiteiro Dog Jam na quadra debaixo do viaduto central. Fotografia de Arthur Rangel

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As Letras Grafitadas pode ser considerado mais um estilo que não tem a preocupação em disseminar ideias, mas apenas dissemi-nar o nome e a técnica do artista. É o tipo de graffiti que utiliza técnicas tanto da grafitagem quanto da pichação, no entanto são for-mas mais sofisticadas do que o Bomber. As letras grafitadas são ca-racterizadas por sempre representarem a assinatura do grupo após ele realizar uma pintura em mural de forma coletiva.

Fotografia 5 – Graffiti estilo Letras Grafitadas. Praça da República, Centro, Campos dos Goytacazes (RJ). Foto de Arthur Rangel.

O Graffiti Artístico ou Livre Figuração é um estilo mais ela-borado em técnica, estilo e expressão de ideias. Os artistas apre-sentam elementos que fazem parte do mundo do grafiteiro, ou seja, essa modalidade é caracterizada por proporcionar a liberda-de artística do seu autor, bem como a incorporação de caricatu-ras, personagens de histórias em quadrinhos, figurações abstra-tas e realistas e discutem temas políticos oriundos de um dado contexto sociogeográfico-histórico-cultural. Na representação a seguir (Fotografia 6), obra criada por uma crew de grafiteiras de-nominada Teta-a-toa, as artistas discutem questões de gênero, o papel da mulher na sociedade e as formas de trabalho em que as mulheres atuaram e atuam na cidade de Campos dos Goytacazes (Fotografia 7).

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Fotografia 6 – Graffiti Artístico ou Livre Figuração realizado na mureta da Beira Rio pela grafiteira Panda no I Festival de Graffiti. Foto de Arthur Rangel.

Fotografia 7 – Graffiti Artístico ou Livre Figuração realizado na mureta da Beira Rio pela grafiteira Panda no I Festival de Graffiti. Foto: Elis Miranda.

O Graffiti Plástico, estilo de graffiti que mistura elementos da arte urbana juntamente com elementos e técnicas das artes plásti-cas, apresenta um resultado tal qual aqueles quadros pintados e são

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aceitos como arte de galeria. O artista Michael Elioberto é formado em Artes Visuais posterior a sua formação de grafiteiro. Por meio desses estilo e técnica, o artista imprime ideias que causam ruídos na comunicação dos transeuntes com as obras nas ruas. Os pedes-tres costumam parar para admirar a obra por ser bonita e colorida ou se identificar com o desenho. Neste caso, o artista cria uma re-presentação de um indígena hábil com o arco e flecha, buscando im-primir uma imagem positiva dos índios goitacá, etnia que dá nome ao município.

Fotografia 8 – Graffiti Plástico realizado na mureta da Beira Rio pelo grafiteiro Elioberto no I Festival de Graffiti. Foto de Arthur Rangel.

Por fim, o estilo de Graffiti Domeio, um estilo único criado pelo grafiteiro Murilo Domeio, que se utiliza de traços mais firmes e marcados, assemelhando-se a características tribais para a com-posição de sua arte. As máscaras criadas por Domeio encontram-se inscritas em lugares dispersos na cidade, em muros pintados com cores fortes (Fotografia 9) que passam a ser incorporadas ao traço do artista. É como se o proprietário do imóvel tivesse preparado o muro para receber tais obras que costumam permanecer por muito tempo na cidade.

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Fotografia 9 – Graffiti Domeio realizado na Avenida 28 de Março. Fotografia de Arthur Rangel.

2.2 Pichação

Assim como o graffiti, a pichação (ou pixação) também apresenta distinções em suas técnicas e estilos. Os pichadores de Campos as dis-tinguem como: Pichação Paralela, Pichação Estilo Reprodução, Picha-ção Politizada. A Pichação Paralela (Fotografia 10) é o estilo de pichação utilizado pelo poder paralelo, principalmente para demarcar territórios e pontos de comercialização de drogas. Essa técnica busca represen-tar a imposição do poder do grupo local em relação a outros grupos.

Fotografia 10 – Pichação ligada às facções do tráfico. Rua Dr. Pereira Nunes. Foto de Ar-thur Rangel.

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Enquanto a Pichação Estilo Reprodução prioriza a repetição da marca do pichador por meio da sua assinatura, as denominadas tags. Esse estilo e utilizado principalmente por pichadores iniciantes que buscam, por meio da reprodução exaustiva de sua tag, o reconheci-mento na sociedade e entre os demais pichadores. O suporte para a realização das pinturas é cuidadosamente selecionado. A Fotografia 11 demonstra a preferência de pichadores pelos muros revestidos com pedras, o que torna a pintura “eterna” pelo grau de dificuldade de limpeza dos muros, e assim a assinatura se torna “eterna”, ou até que o muro seja demolido.

Fotografia 11 – Pichação Estilo Reprodução realizada com tags de pichadores na Avenida Alberto Torres, Centro da Cidade. Foto de Arthur Rangel.

A Pichação Politizada, na qual o pichador busca dar voz e expressar as ideias pelas quais se identifica e estão associadas à voz de um grupo, de forma direta e incisiva a respeito de ques-tões políticas, ideológicas e de problemas sociais. Geralmente esse tipo de pichação se relaciona com o momento político ou social em que é vivenciada/realizada a pichação e quase sempre são criadas ao mesmo tempo em que acontecem marchas, passe-

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atas ou atos que devem criar comunicação com pessoas que não tenham participado dos atos, mas que faz com que elas pensem sobre o tema.

Fotografia 12 – Pichação Politizada na Av. Pelinca. Foto de Arthur Rangel.

2.3 Estêncil

Como uma das três técnicas de pintura em parede com o uso de tinta, o estêncil se expressa segundo o Estêncil Artístico e Livre Figuração, Estêncil Subversivo. Entretanto, em ambos os casos há conceitos a serem discutidos, pois os artistas estão inseridos em mo-vimentos políticos e culturais e, a partir do estêncil, desejam disse-minar uma ideia, um conceito-chave.

O Estêncil Artístico e Livre Figuração permite ao artista tra-balhar com elementos artísticos próprios ou se remeter a temas já estabelecidos por outros artistas em outros tempos ou lugares, mas ainda necessitam ser discutidos nessa cidade. Esse estilo costuma ser mais bem visto pela sociedade, pois prioriza traços mais detalhados e passa a ser caracterizado como “belo” pela população. E o artista passa a ser convidado para criar em espaços públicos e privados e ser remunerado por seu trabalho.

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Fotografia 13 – Estêncil realizado pelo grafiteiro Pablo no viaduto do Centro da cidade. Foto de Arthur Rangel, 2017.

O Estêncil Subversivo é utilizado em manifestações sociais e intervenções urbanas que buscam de forma direta alcançar os tran-seuntes, grupos sociais, agentes políticos com poder de decisão. Esse estilo se assemelha ao da Pichação Politizada, no entanto, prioriza-se trabalhar com imagens ou com frases metafóricas. E ao utilizar o estêncil, os artistas se resguardam das ações policiais que já assimi-laram que “pixo é vandalismo e graffiti é arte”. E quando o ato da pintura se dá com uma única cor e é realizado à mão livre, os agen-tes policiais entendem que se trata de pichação, e quando há cores, quando se utilizam de máscaras para que a pintura seja feita dentro de um padrão estético, o agente policial a considera bonita e, assim, não criminaliza a ação, mesmo que as frases sejam de cunho político contundente.

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Fotografia 14 – Estêncil Subversivo. Autor desconhecido. Foto: Arthur Rangel, 2016.

Apesar da evidência dada a essas três categorias de arte urbana, destacamos que as expressões artísticas realizadas nas ruas não se esgotam em tais categorias, pois existem outros estilos que são cria-dos a partir de uma ou duas categorias das que foram citadas. Dessa forma, tanto o graffiti, a pichação e o estêncil, compõem formas, téc-nicas e estilos que podem variar de acordo com o artista, o grupo ao qual pertence. Além das artes em tintas, há outras expressões com uso de colagens de papel, como os stikers, os “lambes” e/ou os car-tazes, que não são feitas diretamente com a aplicação de papéis em muros, postes, bancos, pilastras. Geralmente são desenhos elabora-dos graficamente e depois impressos em papéis e, por fim, colados em paredes com uso de cola artesanal.

Ainda em relação às caracterizações, cabe aqui destacar que não é o intuito desta pesquisa criar uma catalogação das expressões urbanas na cidade de Campos dos Goytacazes, visto que as expres-sões urbanas se [re]criam a cada ação dos sujeitos e isso não caberia dentro do prazo estimado para a construção deste trabalho. A prin-cipal intenção é apresentar as expressões realizadas na cidade de Campos dos Goytacazes, relacionar aos artistas e identificar como essas ações criam na cidade formas de uso e ocupação simbólica do espaço urbano por meio das intervenções nas paisagens. Ao mesmo

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tempo possibilitam ao leitor uma melhor compreensão das próprias expressões e dos variados estilos com os quais os transeuntes se de-param diariamente.

Considerações finais

Conforme evidenciado anteriormente, o presente trabalho par-tiu de estudos e análises de arte urbana, buscou conhecer a história do graffiti e os contextos históricos e geográficos das primeiras pin-turas que receberam essa denominação. Buscamos também conhe-cer as técnicas de produção artística a fim de identificar quais delas são utilizadas por artistas de Campos e, por fim, buscamos conhecer a produção local, identificando seus autores, as técnicas adotadas por cada artista e os lugares de atuação.

Por mais que o graffiti tenha passado por intervenções por parte do poder público local durante a realização dos festivais, os grafitei-ros tentaram escapar das regras impostas e criaram desenhos com mensagens subliminares a partir de um equilíbrio entre o caráter subversivo – garantindo a liberdade de expressão – e as demandas impostas pelos gestores municipais. Identificamos que os grafiteiros tentam atuar no limite de sua “liberdade”, sem deixar de atender aos requisitos propostos pelos governantes e, assim, garantir a presença do graffiti na paisagem urbana e o reconhecimento do graffiti como uma expressão artística.

Além dos festivais, foram realizadas ações coletivas denomina-das como mutirões e ações individuais, os “rolês”. Nos mutirões procuram realizar seus trabalhos em grupo de grafiteiros, em áreas periféricas ou em favelas localizadas no Centro da cidade, seguindo duas regras: o estilo é livre, o tema é lugar, onde cada artista expres-sa a sua relação com o lugar como morador ou não daquele bairro.

Destacamos ainda o papel das universidades instaladas em Campos dos Goytacazes (Universidade Federal Fluminense; Uni-versidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro e Instituto Federal Fluminense). Os espaços universitários se tornaram lugar de encontro da juventude, pois nas universidades eles integram os cursos de graduação ou de extensão, integram sujeitos dos mais dis-tintos lugares, classes sociais e formação cultural. A partir das uni-

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versidades adquirem formação e podem, ainda, se tornarem agentes culturais, promovendo atividades como os saraus; compõem cole-tivos artísticos e culturais e participam de espaços de decisão das políticas culturais universitárias.

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166 eixo iii - ARTE E CIDADE NA EDUCAÇÃO

“Da escola para a cidade: a busca de caminhos interdisciplinares em Geografia e Artes para a

formação da cidadania”1

Raquel de Padua Pereira2

Micaela Altamirano3

Introdução

A experiência da construção e experimentação de um pro-jeto educacional interdisciplinar é o tema do presente artigo. Tal projeto foi planejado e levado a cabo por nós durante os anos de 2013 a 2015, em escolas das redes pública e privada da cidade de São Paulo. O projeto em questão surgiu inserido num contexto4 específico de uma política pública aplicada ao sistema municipal de educação da cidade, onde exercíamos a função de professoras efetivas, porém sem a carga completa de aulas atribuídas em nos-sas disciplinas: Geografia e Artes. Diante deste cenário, em que

1 Versão reduzida deste artigo foi apresentada no II Congreso de Estudios de la Ciu-dad (CIVITIC) na cidade de Cuenca, Equador, em outubro de 2017 e publicada no livro Memorias del Congreso de la Ciudad CIVITIC 2017 – Derecho a la ciudad. Disponível em http://revistas.uazuay.edu.ec/index.php/memorias/issue/view/182 Bacharela e licenciada em Geografia pela FFLCH-USP; mestra em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR-UFRJ e atualmente doutoranda em Geografia pelo IGE – Unicamp. Membro da Rede de Políticas Públicas para a Educação (RPPE). Foi professora das redes pública e privada na cidade de São Paulo (SP).3 Bacharela em Comunicação e Artes do Corpo e licenciada em Artes pela PUC-SP; mestra e atualmente doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. Foi professora das redes pública e privada na cidade de São Paulo (SP).4 Nesse contexto, quando um professor não possui a carga de aulas completas, preci-sa cumprir sua carga horária efetiva na escola. O montante de horas que sobram, que varia de acordo com a atribuição de aulas de cada professor, em parte é cumprido fora da sala de aula – em atividades de planejamento e estudo, por exemplo – ou em substituição a outro professor faltoso no dia, o que o obriga a entrar em sala de aula, já que a secretaria municipal, por lei, garante aos estudantes o direito à aula.

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possuíamos poucas aulas atribuídas, elaboramos o projeto “Da es-cola para a cidade”.

Primeiramente, havia o intuito de enriquecer o tempo que pas-sávamos com os estudantes para além da atribuição formal de suas disciplinas. Dessa maneira, o objetivo inicial do projeto foi desen-volver propostas em sala de aula, em caráter experimental, funcio-nando como disparadoras de questões a serem investigadas durante as vivências no espaço público da cidade, que serão relatadas mais adiante. A partir da primeira experiência com o projeto em escola da rede pública municipal, pudemos levar o mesmo escopo para outras instituições de ensino, onde atuávamos paralelamente a esta.

Além do contexto institucional supracitado, vale ressaltar que essa parceria surgiu a partir de premissas subjetivas e teóricas comuns entre nós no campo profissional, quer dizer, no que tange aos anseios sobre a atuação docente dentro e fora dos muros da escola. Com força, houve a influência do compartilhamento de visões comuns sobre a cidade de São Paulo, propiciada por inúmeras trocas de ideias e experiências de vida que ambas possuímos sobre/na metrópole paulistana.

A partir do subjetivo, portanto, essas experiências nos influen-ciaram, no plano objetivo, a escolher tanto nossa área de formação quanto a atuação profissional na educação básica. Existia, em nós, uma inquietação comum ao percebermos em nosso dia a dia a im-possibilidade do exercício pleno da cidadania por parte dos habitan-tes da cidade, principalmente os mais jovens, e um profundo ques-tionamento a respeito do quanto a educação formal estaria criando condições para atuar de fato nessa construção.

A escola onde surgiu esse projeto, localizada na periferia no-roeste da metrópole paulistana, recebe um público, de modo geral, proveniente de classes populares. As primeiras questões que surgiam em discussões e conversas dentro e fora das salas de aula apontavam para a relação desses estudantes com o território da cidade. Era evidente que as condições objetivas de existência dos estudantes, muitas vezes, os impedia de realizar uma infindável gama de pos-sibilidades de vivências lúdicas para além dos limites dos bairros. O acesso a locais da metrópole que não se encontram nas regiões próximas de suas escolas ou de suas casas era comumente encara-do como impossível, pelo fato de haverem grandes dificuldades e

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barreiras para a realização da mobilidade urbana, por não terem conhecimento da existência de espaços públicos de convivência ou por não se sentirem confortáveis em frequentarem um local ao qual não se sentiam pertencentes.

Por outro lado, essas mesmas condições objetivas de existência, muitas vezes, propiciavam àquelas crianças e adolescentes experiên-cias na cidade relacionadas às estratégias de viração para a sobre-vivência (RIBEIRO, 2005), como inserções no mundo do trabalho para ajudar no orçamento doméstico familiar; a vivência do brincar nas ruas, ainda presente nas periferias da metrópole. Essas experi-ências de cidade que eles compartilhavam entre si traziam pistas acerca dos sentidos construídos em relação aos espaços e caminhos que eles conheciam na cidade. Nesse cenário, portanto, foi se dese-nhando o tema norteador do projeto: a metrópole de São Paulo e as experiências dos estudantes no espaço urbano.

Diante de tamanha complexidade referente ao tema, a pers-pectiva comum ao campo da Geografia e das Artes seria: a cidade como suporte formativo e plataforma didática para a aprendizagem dos conteúdos dessas disciplinas, porém em busca de uma formação interdisciplinar que privilegiasse a construção da cidadania. Nesse momento, o trabalho de campo, ou seja, a aula fora dos muros da escola, aparece como um dos aportes metodológicos. Isto porque acreditamos que, no contato com o espaço urbano real, os estudan-tes poderiam apreender seus sentidos sobre a arte, através de cami-nhos cotidianos e também na descoberta de novos caminhos como construção de seus territórios na cidade.

A abordagem percorria duas vias: primeiro, o convite a ver a cidade, perceber o entorno, reconhecer a diversidade de sujeitos presentes nos diversos ambientes, descobrir novos trajetos e novos territórios e ressemantizar os já conhecidos, sensibilizando assim os sentidos dos estudantes para situarem-se e refletir na relação aqui-agora com o espaço público; segundo, a sistematização de conhe-cimentos próprios das disciplinas, apreendidos na experiência em ato, oportunizando a compreensão da Arte e da Geografia como mecanismos potentes de observação crítica do mundo, que nos ofe-recem ferramentas para intervir e expressar nossas vivências e ur-gências no contexto comum habitado por todos.

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Sobre os objetivos

Entre os objetivos deste artigo estão o compartilhamento e a análise dessa experiência, que foi construída através de ativida-des interdisciplinares, norteada pela busca da interação dos sa-beres e práticas didáticas e pedagógicas das disciplinas de Geo-grafia e Artes, bem como pela valorização do espaço geográfico e da expressão artística inserida no urbano como objetos do co-nhecimento.

O contato com monumentos, expressões visuais urbanas – como graffiti, pichação e lambe-lambe – e equipamentos culturais públicos ou de acesso gratuito, assim como o transporte público como meio exclusivo de locomoção e a localização geográfica de espaços públicos distribuída nas cinco zonas da metrópole – leste, oeste, norte, sul e centro – foram aspectos orientadores das escolhas dos locais a serem visitados, contextualizando uma prática pedagó-gica que entendia a cidade como espaço educacional, considerando a importância desses elementos na construção do conhecimento re-lacionado às disciplinas específicas.

Buscamos, também e, sobretudo, proporcionar aos estudantes a experiência do envolvimento em um projeto que trabalhou com diferentes perspectivas ao mesmo tempo, por caminhos metodoló-gicos que se entrecruzaram e se encontraram, ao final, como expe-riência compartilhada, fortalecedora dos vínculos entre professores e estudantes, bem como entre estes enquanto grupo, estimulando e enriquecendo o aprendizado e o cotidiano escolar. A busca por uma nova perspectiva sobre o próprio existir na cidade tornou-se, nesse processo, uma busca compartilhada, em condições de afetação mú-tua, de construção de novas relações e novos olhares, uma vez que tudo era experienciado em presença, com a participação dos estu-dantes e educadores envolvidos.

Sobre motivações e referências

A geógrafa Lana de Souza Cavalcanti, pesquisadora do campo do ensino básico em Geografia, sugere, em sua obra, que há um potencial pouco explorado no que se refere à mediação entre escola

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e cidade (CAVALCANTI, 2012). Sob esse viés, através do destaque das disciplinas Geografia e Artes à temática urbana, procura-se fo-mentar a construção de conhecimentos abrangentes sobre a cidade, a formação da cidadania, bem como a valorização dos princípios democráticos e da diversidade, inerentes ao usufruto coletivo dos espaços públicos.

O filósofo Jacques Rancière, em seu livro O mestre ignorante, desenvolve um pensamento acerca da emancipação no processo de aprendizagem e coloca como premissa que “é preciso apren-der qualquer coisa e a isso relacionar todo o resto”5, a partir da qual considera que o estudante que for capaz de se aproximar de fato de algo – uma obra de arte, por exemplo, seja ela de qual na-tureza for –, poderá ter um referencial comparativo para compre-ender de maneira autônoma diversas outras expressões, artísticas ou não. Nesse livro, o autor propõe uma tríplice questão – O que vê? O que pensas disso? O que fazes com isso? – que pode nortear o processo de apreensão da experiência vivenciada pelas turmas de alunos na cidade, ao propor de forma simples uma conexão com o que se observa e abrir o caminho para a reflexão, a construção de sentido e a consciência crítica.

Considerando que o território no qual atuamos é o mes-mo da vivência cotidiana, assumimos que o estudante está apto a fazer esse questionamento por si só, contanto que tenha sua sensibilidade despertada para perceber o ambiente ao seu redor. Assim, irá assumir a possibilidade de se aproximar do exercício da cidadania, compreendendo sua autonomia e capacidade de ação no território da metrópole. A emancipação intelectual, sobre a qual Rancière discorre ao longo do livro, rege a atmosfera das atividades propostas neste projeto educacional, constituindo ter-reno fértil para os alunos construírem percursos autônomos de aprendizagem, dentro e fora da escola, e aproximá-los de univer-sos tão complexos quanto os que carregam em si mesmos, por meio do exercício de indagar o universo que os circunda. Essa redescoberta do cenário urbano não se dá somente pelo inteligí-vel, mas é mesmo uma partilha do sensível, em que os estudantes

5 RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante – Cinco lições sobre a emancipação intelec-tual. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2005, p. 141.

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percebem o ambiente, o outro e a si próprios de outras formas. A experiência do estar na cidade é um caminho, acima de tudo, de sensibilização, em que todo o corpo é mobilizado a adquirir ou exercitar competências para se relacionar com o contexto em que está inserido.

O semioticista Algirdas Julien Greimas, importante nome para o aporte teórico deste projeto, reconhece que a estética – e a possi-bilidade do acontecimento da experiência estética – é presente em nosso cotidiano, porém encerrada em um risco iminente de uma recaída na anestesia: em certo ponto de nossas vivências do dia a dia o impulso em direção à estesia perde sua potência diante do esva-ziamento ou do excesso – características intensamente presentes na contemporaneidade. Comportamentos cotidianos perdem significa-do, objetos estéticos são dessemantizados diante dos usos sociais, alhures imaginários nutridos de esperança de liberdade tornam-se exercícios redundantes fadados à ausência de informações. Assim entendemos que o sujeito-aluno percorre cotidianamente seus traje-tos na cidade contaminado por essa anestesia – em estado de indife-rença ou até mesmo de hostilidade, por crerem no espaço público como ambiente ameaçador.

Segundo Greimas, objetos e comportamentos cotidianos não são mais que ordinários até que sejam investidos de sentido (GREI-MAS, 2002). O sentido pode emergir em um acontecimento, um momento de ruptura com o cotidiano programado, que toma ines-peradamente os sentidos do sujeito provocando uma experiência estésica – das sensações, do afetar-se. Porém, assumindo que essas descontinuidades são da ordem do fortuito – principalmente em um meio caótico como o da cidade –, o autor nos propõe uma re-dução do tempo e do espaço por meio de um exercício de cultivo diário da espera por esses pequenos fragmentos de surpresa que nos aproximam do essencial, permanecendo ainda na ordem do material, e nos colocando em uma atitude de sujeitos permanen-temente comprometidos com a construção do sentido da própria vida cotidiana.

O sentido, então, não é somente uma escolha, mas uma cuida-dosa construção, um objeto de valor almejado pelo sujeito, em um equilíbrio paciente de uma valorização dos detalhes, do olhar de-

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morado sobre o vivido e a atenção ao inesperado quase impercep-tível. Nessa acepção, a cidade como espaço educacional, inserida em um processo pedagógico e didático de vivência coletiva, torna--se um objeto de observação e experiência do sensível, oportuni-zando um despertar para o papel do estudante como sujeito ativo na construção material e simbólica desse espaço. O comprometi-mento com a apreensão daquele aqui-agora vivenciado, convida os estudantes a essa construção de sentidos nos locais descobertos e em seu cotidiano, ressemantizando seu processo de aprendizagem e a vida na cidade.

O jovem que conhece, compreende e apropria-se do ambiente em que vive estabelece um diálogo que resulta em ação. Não pode-mos interferir em algo que não conhecemos, não podemos refletir sobre algo que não nos afeta, não podemos exercer o papel de cida-dãos em uma cidade que está separada de nós por muros e grades de ferro, ou por catracas visíveis e invisíveis. Precisamos entender que existem caminhos para dar voz a nossas urgências ou ao menos nos atentar à diversidade de questões presentes no espaço habitado por nós, que é público e coletivo.

Sobre aportes metodológicos

A apreensão da realidade dos espaços urbanos pelos estu-dantes foi trabalhada a partir da base conceitual da Geografia e subsidiada pelo aporte conceitual e didático das Artes, para finalmente ser aplicada em exercícios práticos em trabalho de campo na cidade.

No que se refere aos aportes teórico-metodológicos da Geo-grafia acadêmica e escolar, procuramos iluminar, primeiramente, a experiência imediata e cotidiana dos estudantes com a cidade para, a partir disto, introduzir o trabalho com conceitos científicos. A con-cepção de que a cidade é muito mais do que um conteúdo progra-mático escolar busca superar o espaço urbano com simples forma concreta, física, em direção ao plano do simbólico e do afetivo em relação aos seus espaços (CAVALCANTI, 2012). Assim, valorizamos a comunicação e a atribuição de sentidos às palavras de acordo com a experiência de cidade que cada estudante trazia em sua trajetória

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de vida, como por exemplo, os deslocamentos e mobilidades já pra-ticadas no espaço urbano.

O resgate do conhecimento prévio da cidade por parte dos estudantes, em sala de aula, através do compartilhamento de suas experiências como elementos constitutivos de realidades diversas e comuns, funciona como disparador de uma relação de cognição com os conteúdos e conceitos próprios da Geografia, conforme ex-plica CAVALCANTI:

Compreendendo o mundo, e também o seu lugar, como uma espacialidade, o aluno terá convicção de que aprender elemen-tos do espaço é importante para entender o mundo e seu lugar, na medida em que ele é uma dimensão constitutiva da realidade [...]. (CAVALCANTI, Lana de Souza, 2012, p. 47).

O conceito de cidade se insere, nesse intento, como porta de acesso à abordagem de outros conceitos mais específicos da Geo-grafia, como paisagem, território e lugar, a princípio. E, à medida em que as etapas de campo são praticadas, as representações sociais da cidade, ou seja, os significados, os sentidos, a construção de um imaginário simbólico a partir do espaço vivido e do território usado (SANTOS, 2005)6, tornam-se os elementos mais ricos para os deba-tes e reflexões entre professores e estudantes.

Buscamos compreender, através dos deslocamentos no espaço urbano, a maneira como a sociedade contemporânea dele se apro-pria, os condicionamentos, possibilidades e determinações sobre-postas num espaço complexo, normatizado e fragmentado (CAR-LOS, 2007)7, como o da metrópole paulistana. Acreditamos que a ampliação desses deslocamentos, a partir do roteiro proposto pelo projeto, fazem parte de uma permanente e dinâmica construção, enriquecida pelo contato direto com espaços públicos e com a arte nele inserida, direcionando questionamentos a respeito de noções básicas e fundamentais, como o direito à cidade.

Significa dizer, tal qual propôs Lefebvre (1991), que a cida-

6 SANTOS, Milton. O retorno do território. In: Observatório Social de América Latina (OSAL). Año 6, n. 16 (jun. 2005); Buenos Aires: CLACSO, 2005. ISSN 1515-3282.7 CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH, 2007, 85p.

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de é considerada, nessa perspectiva, como produto do modo ca-pitalista de produção, porém, contraditoriamente, ela é produzida socialmente como lugar da criatividade, do encontro, da festa, da criação. É nesse sentido que a abordagem da arte urbana inserida nos espaços públicos subsidia a abordagem interdisciplinar inerente à temática proposta, através dos aportes teórico-metodológicos de Geografia e Artes.

As manifestações artísticas, em seus mais variados formatos, possuíam uma importante função orientadora na elaboração dos roteiros das visitas e na proposição dos debates feitos em sala de aula, antes e depois das saídas. Inicialmente, procurávamos traçar um percurso investigativo no sentido de compreender as escolhas de artistas ou do poder público ao ocupar determinada posição no espaço público com uma intervenção artística e quais consequências a presença daquela nova linguagem poderia gerar na dinâmica do local, não nos atendo necessariamente à cidade de São Paulo ou ao cenário contemporâneo. Para isso, discussões eram geradas a partir da apreciação de imagens de obras, notícias de jornal, vídeos de artistas e a própria observação do entorno próximo.

A obra de arte na cidade configura um objeto sincrético, que coloca em relação o arranjo da manifestação artística em si e de to-dos os elementos que compõem o cenário urbano – arquitetura, trá-fego de carros e pedestres, comércio, atmosfera sonora etc. A arte pública insere-se nesse cenário como uma nova proposta para expe-riência do espaço, contribui para redefinição e não simplesmente uma representação do mesmo. Ela modifica a percepção sobre arte e também sobre a cidade, pois está deslocada das regras do espaço institucional, ao mesmo tempo em que interfere no nosso modo de estar na urbe.

A aposta em aproximar os estudantes da arte manifestada no espaço público era justamente encontrar esse caminho de apuração dos sentidos, da possibilidade da estesia no lugar cotidiano da anes-tesia – a qual se refere Greimas – uma vez entendendo que a arte poderia mediar o contato do corpo com a cidade, e a cidade, em uma circunstância ressemantizada, poderia ser o contexto em que o estudante se sentiria convidado a estar em contato com a expressão da arte.

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O filósofo e pesquisador Nelson Brissac Peixoto, em seus estudos sobre arte e urbanismo, possui uma fala alinhada com o argumento aqui desenvolvido sobre a arte pública ser levada a um diálogo muito mais amplo com a cidade, compartilhando, ou até convertendo-se na experiência do lugar, com o público que ali transita:

O próprio conceito de espaço público está em crise. Numa cidade onde não se sabe mais o que é público, o que é privado, fomos alienados do espaço público que, na verdade, é um espaço de guerra [...] é preciso pensar que tipo de intervenção pode ajudar a nos relacionarmos com essa cidade contemporânea na qual o espaço público está em crise [...]. A obra de arte pode ser uma intervenção em um determinado espaço, alternando sua conformação, requerendo outra forma de apreensão, provocando outras experiências. Ela pode ser essa afirmação de uma presença, de uma manifestação particular, de uma particular interação com o lugar e as outras obras. Nos dois casos, porém, é um acontecimento. Em vez de monumentum erguido pela cultura institucionalizada, é o momentum da criação artística (PEIXOTO, 1998, p. 113-120, grifo do autor).

Levando em conta todas essas potencialidades descritas acima, na etapa inicial foi realizado um período de contextualização das possibilidades da arte no espaço urbano e seus desdobramentos, para que então escolhêssemos quais manifestações artísticas iriam conduzir à definição de nossos trajetos. Após a eleição do local a ser visitado, uma aula sistematizada sobre sua história e suas caracterís-ticas era realizada com os alunos e, geralmente, eles eram convida-dos a selecionar previamente, e se atentar durante a visita, obras es-pecíficas daquele lugar que mais chamassem sua atenção, para que inspirassem um trabalho criativo a ser desenvolvido posteriormente em sala de aula.

Sobre a prática

A proposta foi desenvolvida em diferentes escolas, com estu-dantes de diferentes níveis de ensino, tendo sido realizadas modifi-cações e adequações nas atividades e nos locais de visita, de acordo

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com as condições apresentadas pela instituição e o repertório dos estudantes. Optamos por relatar neste artigo apenas um dos casos – o projeto realizado com as turmas de sexto ano de uma escola mu-nicipal – por considerar o exemplo que melhor contemplou todas as etapas e, assim, um recorte representativo no elenco das experi-ências anteriores e posteriores.

Em resumo, as atividades do projeto passaram pela Literatu-ra, através da leitura de um livro que explora aspectos não eviden-ciados sobre as origens da cidade, e da confecção de crônicas dos próprios alunos a respeito de seu lugar, Pirituba; pela Geografia, através da realização do trabalho de campo, transpondo os limites do bairro, vivenciando o transporte público, intercambiando o co-nhecimento prévio dos alunos com outros lugares da cidade; e pelas Artes, consolidando toda a experiência num trabalho que misturou a linguagem das artes plásticas com a fotografia.

1ª Etapa – LEITURA8

O ponto inicial do projeto foi proposto nas aulas de Leitura – disciplina que propõe a leitura de diversos gêneros textuais – com a apreciação da obra Crônicas de São Paulo: um olhar indígena9, e ela-boração de uma crônica escrita pelos alunos a respeito de seu pró-prio lugar: o bairro de Pirituba, onde se localiza a escola. O livro, assinado por um autor indígena que migrou para São Paulo, é um apanhado de dez crônicas sobre bairros da cidade que levam nomes indígenas, e traz reflexões sobre os povos que participam e partici-param da construção da cidade e de cada bairro. Para a redação da crônica, a turma foi estimulada não somente a coletar informações utilizando a Internet, mas a ouvir depoimentos de vizinhos, parentes e conhecidos moradores do bairro.

8 Os alunos da rede municipal de ensino de São Paulo contam com uma aula na grade curricular chamada Sala de Leitura, visando a inserção do estudante na lin-guagem escrita, segundo a Portaria 3.079/08, disponível no site da Prefeitura de São Paulo (acesso em junho/2017).9 MUNDURUKU, Daniel. Crônicas de São Paulo: um olhar indígena. São Paulo: Callis, 2004.

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2ª etapa – GEOGRAFIA

Após o contato imagético com aspectos dos bairros de São Pau-lo, por meio da obra literária, foi feito coletivamente um levanta-mento dos que mais despertaram o interesse das turmas, sendo um em cada zona da cidade. Verificamos quais equipamentos culturais poderiam ser acessados nas regiões escolhidas, para que compreen-dessem a referência do destino final de cada trajeto.

Em seguida à definição dos destinos, foi feita com as tur-mas uma pesquisa prévia, em sala de aula (e sala de informática), sobre os bairros escolhidos, visando à preparação do roteiro de trabalho de campo: histórico, coleta de mapas, imagens, infor-mações sobre itinerário via transporte público, pontos de inte-resse histórico, estratégico ou turístico, entre outras informações relevantes.

As turmas – três no total – foram divididas em grupos de traba-lho, para que cada equipe visitasse duas das regiões selecionadas e posteriormente intercambiasse as experiências entre os outros cole-gas que iriam a destinos diferentes. O trabalho de campo era o mé-todo prático de ensinar aos pequenos pesquisadores a importância da experiência empírica na visita aos bairros nas regiões norte, sul, leste, oeste e central da capital. Cada grupo visitou ao menos um dos bairros abaixo e todos os grupos visitaram o bairro da escola, a região central.

• Pirituba: “Nosso lugar”, bairro da escola e onde quase todos os estudantes vivem.

• Zona norte: bairro Carandiru – Destino: Parque da Juven-tude.

• Zona sul: bairro Jabaquara – Destino: Centro Cultural Jaba-quara: Sítio da Ressaca e Biblioteca Pública.

• Zona leste: bairro Tatuapé (visão rápida do bairro de Itaque-ra também) – Destino: Sesc Belenzinho.

• Zona oeste: bairro Butantã – Destino: Instituto Butantã.

• Zona central: Vale do Anhangabaú (todos os grupos) – Desti-no: monumentos e intervenções artísticas diversas na região.

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Figura 1 – No mapa podemos ver a localização dos pontos escolhidos e a imagem dos estu-dantes durante a realização do trabalho de campo. Fonte: Google Maps e acervo pessoal.

3ª etapa: ARTES

Durante o processo que antecedeu a realização dos trajetos, os estudantes foram convidados a produzir mapas mentais, croquis e colagens sobre a visão deles da cidade de São Paulo, os caminhos percorridos no dia a dia e locais que consideravam relevantes em sua vivência cotidiana ou que desejariam conhecer. No desenvolvi-mento da pesquisa prévia incluímos a arte e expressões urbanas e os equipamentos culturais como itens da pesquisa a serem descobertos, além de um aprofundamento sobre seus autores – artistas urbanos ou até mesmo anônimos – ou a história que marca a existência dos equipamentos, além dos tipos de atividades desenvolvidas em cada um desses locais.

Na realização dos trajetos, os alunos eram estimulados a per-ceber, observar, registrar e interagir livremente com a produção cultural presente naquele meio. Na etapa posterior ao trabalho de campo, foram coletadas fotos antigas – datadas do século passado – dos bairros visitados e proposto a eles que criassem obras visu-ais mesclando o cenário antigo com aspectos presentes na vivência atual dos locais. O exercício tinha o intuito de traduzir esteticamen-

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te as impressões e reflexões provocadas ao longo do processo de trabalho, aguçando a percepção do processo de transformação da cidade e trabalhando uma construção coletiva de novas imagens da metrópole.

As produções visuais, assim como fotos e outros registros das experiências, compuseram um painel que exibia um grande mapa da cidade – desenhado por parte dos alunos – com as imagens agru-padas por região, apresentado na Mostra Cultural da escola no final do semestre.

Sobre os resultados

A experiência vivida no espaço público era retomada no re-torno ao ambiente escolar com uma proposição aos estudantes: criarem possibilidades de construção de novos sentidos no seu lo-cal de convivência diária, que é a própria escola. Os projetos eram finalizados sempre com a realização de uma intervenção de natu-reza estética em algum espaço socializado da escola. A produção desses trabalhos artísticos era sempre vivenciada também como um processo de deslocamento da percepção sobre a escola em si, pois se configurava um momento de prazer e liberdade, uma res-semantização do espaço, do tempo e da função daquele lugar, arti-culando novos sentidos.

Era também durante o processo de criação de seus próprios projetos de intervenção que retomávamos, coletiva e individualmen-te, o percurso desenvolvido até ali e constatávamos que as escolhas dos grupos para a elaboração das propostas refletiam as mudanças de percepção, de seu estado de ânimo e suas motivações na relação com a arte, a cidade, com o patrimônio e os espaços comuns de convivência.

Além da proposição de uma produção artística, realizávamos debates e avaliações das atividades, buscando chegar a uma melhor noção sobre o impacto que aquele conjunto de experiências havia provocado na vida dos estudantes, quais sentidos novos foram cons-truídos em sua vida cotidiana. Algumas provocações eram feitas aos grupos para que se colocassem como sujeitos ativos nesse processo de construção de sentido, instalados ativamente no acontecimen-

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to – fosse pela postura que admitissem diante do objeto, fosse por realizar ações ou intervenções mais concretas no ambiente. Assim, lançávamos questões sobre quais mudanças poderiam ser instaura-das naqueles enunciados (o espaço público como um todo e os ele-mentos que o compõem) para que pudessem estabelecer relações melhor sucedidas com seus enunciatários, transpondo o estado de anestesia dos sujeitos em interação com as manifestações que com-põem esses locais.

A elaboração e execução desses projetos foi sempre pensada en-volvendo muito diálogo com os estudantes e da própria vivência “usu-rada” na cidade das autoras/professoras. A sensação de uma espécie de sufocamento em um ambiente pouco propício ao acontecimento, dado o seu ritmo aceleradíssimo e construções ausentes de sentido – que nos colocam em estado de defesa muito mais do que abertura desses sentidos – foi a motivação fundamental que mobilizou em nós o impulso para encontrarmos meios de ressemantizar o cotidiano es-colar e socializar esses encontros com outros sujeitos, que têm seus corpos afetados pelos mesmos fatores, em maior ou menor medida.

Pudemos compartilhar com os estudantes essas experiências de trabalho do campo na cidade, vivenciadas como escapatórias ur-banas, que resultaram em produções artísticas que continham suas percepções do espaço urbano, agora já ampliado em repertório; em textos que também expressavam os sentidos dessas trajetórias e apropriações de novos espaços na cidade. Enfim, acreditamos que essa experiência interdisciplinar foi exitosa em seu processo teórico--metodológico e em sua práxis dentro e fora da sala de aula, pois os estudantes puderam enriquecer suas vivências e ampliar seu conhe-cimento e experiência urbana através dos aportes das disciplinas de Geografia e Artes.

ReferênciasCARLOS, Ana Fani A. O lugar no/do mundo. São Paulo, as contradições no processo de reprodução do espaço. In: O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: Labur Edições, 2007.

CAVALCANTI, Lana de Souza. A geografia escolar e a cidade: ensaios sobre o ensino de geografia para a vida urbana. 3ª ed. – Campinas, SP: Papirus, 2012 – (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico).

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FONSECA, Fernanda Padovesi; OLIVA, Jaime Tadeu. A Geografia e suas lin-guagens: o caso da Cartografia. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri (Org.) A Geografia na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1999, p. 62-78.

GREIMAS, Algirdas Julien. Da imperfeição. São Paulo: Hacker Editores, 2002.

LEFEBVRE, Henri. O direto à cidade. São Paulo: Ática, 1991.

PADUA PEREIRA, Raquel de. Mobilidade da juventude da zona leste de São Paulo: construindo representações sociais e visões da metrópole. Dissertação de mestrado. Instituto de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. IPPUR-UFRJ, 2012.

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SANTOS, Milton. O retorno do territorio. En: OSAL: Observatorio Social de América Latina. Año 6, n. 16 (jun. 2005). Buenos Aires: CLACSO, 2005. ISSN: 1515-3282.

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Anexos

Imagens do trabalho de campo, por Raquel de Padua Pereira.

Figura 1– Estudantes avançam o olhar e comentam o que veem da cidade através da janela do trem.

Figura 2 – Estudantes observam a cidade da plataforma da estação de Metrô.

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Figura 3 – Mural na estação de Metrô que faz referência à toponímia tupi-guarani da cidade e aos direitos humanos.

Figura 4 – Professora e estudantes observam o Vale do Anhangabaú a partir do Viaduto Santa Efigênia, região central de São Paulo.

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184 eixo iii - ARTE E CIDADE NA EDUCAÇÃO

Figura 5 – Estudantes elaboram decalque do mapa de São Paulo sobre escultura de bronze na Praça da Sé, marco zero da cidade, região central.

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Lista de teses de doutorado e dissertações de mestrado 185

Lista de teses de doutorado e dissertações de mestrado

A lista abaixo apresenta teses de doutorado e dissertações de mestrado defendidas no âmbito do projeto “Políticas

Públicas para Tecnologias da Educação – 2011-2013 – e Política, Tecnologia e Interação Social na Educação – 2013 e 2016” –, sob financiamento do programa Observatório da Educação da Capes.

Orientação

Tamara Tania Cohen EglerInstituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio de Janeiro

Teses de doutoradoAldenilson dos Santos Vitorino Costa. Tecnologia e desenvol-

vimento local na cidade de Piraí: política pública, inovação e vida cotidiana. Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018.

Natália Urbina Castellon. Redes de comunicação no espaço po-pular do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Planejamen-to Urbano e Regional. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018.

Lalita Kraus. Democracia e desenvolvimento no Semiárido bra-sileiro. Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Re-gional. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016.

Dissertações de mestradoFabíola de Cássia Freitas Neves. 48 MIL Curtidas: o Coletivo

Papo Reto em Rede. 2019, 110 f. Dissertação (Mestrado em Plane-jamento Urbano e Regional) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

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186 Lista de teses de doutorado e dissertações de mestrado

Carolina Calcavecchia dos Santos Vianna. Vida cotidiana e di-reito à cidade nas escolas ocupadas. Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.

Ivan Mussa Tavares Gomes. Exploração de ambientes em jogos eletrônicos. Programa de Pós-graduação em Comunicação. Univer-sidade do Estado do Rio de Janeiro, 2014.

Natália Andrea Urbina Castellon. Redes e territórios na Fave-la Santa Marta: abordagens da comunicação popular. Programa de Pós-graduação em Geografia. Universidade Federal do Rio de Ja-neiro, 2012.

Orientação

Elis de Araújo MirandaPrograma de Pós-graduação em Geografia na Universidade Federal Fluminense (UFF) /CamposUniversidade Federal Fluminense

Dissertações de mestradoArthur Nogueira Rangel. O graffiti na área central de Campos

dos Goytacazes: arte, poder e simbolismo das tatuagens realizadas na epiderme urbana. Programa de Pós-graduação em Geografia na UFF/Campos, 2018.

Joilson Bessa da Silva. Salas de cinema e sociabilidade em Cam-pos dos Goytacazes. Programa de Pós-graduação em Geografia na UFF/Campos, 2017.

Priscila Viana Alves. Experiências poéticas em Porto Alegre: uma leitura geográfica de Mário Quintana. Programa de Pós-gradu-ação em Geografia na UFF/Campos, 2017.

Raphael Neves da Conceição (2014-2016). Reconstituição da paisagem da Baixada Campista. Programa de Pós-graduação em Ge-ografia na UFF/Campos, 2016.

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Lista de teses de doutorado e dissertações de mestrado 187

Orientação

Walter Antônio Bazzo & Andrea Brandão LapaPrograma de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT/UFSC). Universidade Federal de Santa Catarina.

Tese de doutoradoSimone Leal Schwertl Leal. Educação científica e tecnológica

contemporânea em cursos de Engenharia apoiada por espaços so-ciais da Web 2.0. Programa de Pós-graduação em Educação Científi-ca e Tecnológica, PPGECT/UFSC, 2015.

Orientação

Andrea Brandão LapaPrograma de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFSC). Universidade Federal de Santa Catarina.

Dissertações de mestradoVânia Amélia Miranda Koerich. Formação de professores

para apropriação crítica de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação. Programa de Pós-graduação em Educação, PPGE/UFSC, 2018.

Arisnaldo Adriano da Cunha. Autoria e cooperação na formação de sujeitos nas redes sociais: caso do ENEM no Facebook. Programa de Pós-graduação em Educação, PPGE/UFSC, 2016.

Isabel Colucci Coelho. O que a escola pode aprender com a Internet? Uma imersão no exemplo de movimentos so-ciais articulados em redes virtuais para a formação crítica de sujeitos. Programa de Pós-graduação em Educação, PPGE/ UFSC, 2015.

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188 Lista de teses de doutorado e dissertações de mestrado

Orientação

Cláudia Maria Lima Werner e Claudia Susie Camargo RodriguesPrograma de Engenharia de Sistemas e Computação da COPPE/UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

Dissertações de mestradoSergio Henriques M. B. Bento Antunes. VMAG 3D – Apoio à

compreensão de modelos de sistemas de software utilizando o con-trole por gestos em um ambiente multiusuário de visualização 3D. M.Sc. Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da CO-PPE/UFRJ, 2018.

Filipe Arantes Fernandes. VisAr3D-Dynamic: uma abordagem para apoiar a compreensão do comportamento dinâmico de software por meio de Realidade Virtual. Programa de Engenharia de Siste-mas e Computação da COPPE/UFRJ. M.Sc., 2017.

Orientação

Rodrigo Cury Paraizo e José Ripper KosPrograma de Pós-graduação em Urbanismo PROURB/UFRJUniversidade Federal do Rio de Janeiro

Fabiana Mabel Azevedo de Oliveira. O Lugar na educação e a educação no lugar: uma proposta de alfabetização urbana com as TIC's. Programa de Pós-graduação em Urbanismo. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2019

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Lista de teses de doutorado e dissertações de mestrado 189

Orientação

Victor GiraldoProfessor do Programa de Pós-graduação em Matemática Universidade Federal do Rio de Janeiro

Cleber Dias da Costa Neto. A comunicação matemática em fó-runs de discussão no Moodle: a experiência no CAP-UFRJ. Progra-ma de Pós-graduação em Matemática. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013.

Orientação

Carmen Teresa GabrielPrograma de Pós-graduação em EducaçãoUniversidade Federal do Rio de Janeiro

Marcella Albaine Farias da Costa. Currículo, história e tecnolo-gia: que articulações na formação inicial de professores? Programa de Pós-graduação em Educação. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015.

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190 Autores

Autores

Andrea Brandão [email protected] da Universidade Federal de Santa Catarina, cre-

denciada no Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFSC) onde atua na Linha Educação e Comunicação, com ên-fase na pesquisa sobre a formação crítica de cidadãos na cultu-ra digital. Lidera o grupo de Pesquisa Comunic, investigando temas como: educação em direitos humanos na cultura digital, alfabetização midiática, formação de professores para a integração de TIC, educação hacker, ativismo nas redes sociais, educação mediada por TIC. Atualmente está envolvida no pro-jeto “Conexão Escola-Mundo: espaços inovadores para formação cidadão”, uma pesquisa em rede de colaboração internacional sobre a educação para os direitos humanos na perspectiva da ética hacker. Coordena o Núcleo UFSC na pesquisa na e com a es-cola básica, investigando uma prática inovadora de educação em direitos humanos por meio da imersão na cultura digital, numa perspectiva ativista de empoderamento, autoria e produção cola-borativa inspirada na ética hacker.

Arthur Nogueira [email protected] e graduado em Geografia, com ênfase na ge-

ografia cultural e na área urbana. Cursou Licenciatura em Ge-ografia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnolo-gia Fluminense em 2015. Foi bolsista de iniciação científica pelo Núcleo de Estudos Geográficos (NEGEO). Mestre em Geografia pela Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Labora-tório de Cultura e Pesquisa Espacial (LABCUL). Atualmente atua como professor de Geografia na Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes.

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Autores 191

Cláudia Maria Lima [email protected] em Matemática (Modalidade Informática) pela Uni-

versidade Federal do Rio de Janeiro (1985) e doutora em Engenha-ria de Sistemas e Computação pela COPPE/Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992). Atualmente é professora titular da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Ciência da Computação, com ênfase em Engenharia de Software, atuando principalmente nos seguintes temas: reutilização de softwa-re, educação em engenharia de software, visualização de software e ecossistemas de software. Coordenadora do Laboratório de Realida-de Virtual (Lab3D) da COPPE/UFRJ e pesquisadora 1D do CNPq, possui mais de 300 artigos em revistas e congressos nacionais e in-ternacionais. Orientou 17 teses de doutoramento, 50 dissertações de mestrado e 20 monografias de graduação.

Claudia Susie Camargo [email protected] Bacharelado em Informática pela Universidade Fede-

ral do Rio de Janeiro (1990), mestrado (1992) e doutorado (2012) no Programa de Engenharia de Sistemas e Computação (COPPE/UFRJ). Tem experiência na área de Ciência da Computação, com ênfase em Ensino de Engenharia de Software, Realidade Virtual e Aumentada e Trabalho Cooperativo Suportado por Computador. Fez MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (2004). Atualmente faz pós-doutorado no Programa de Engenharia Civil da COPPE/UFRJ, desenvolvendo pesquisas junto ao Laborató-rio de Métodos Computacionais em Engenharia (LAMCE) e o Labo-ratório de Realidade Virtual (Lab3D) da COPPE/UFRJ.

Elis de Araújo [email protected] em Planejamento Urbano e Regional pela Universi-

dade Federal do Rio de Janeiro (2006). Mestrado em Desenvolvimen-to Sustentável do Trópico Úmido pela Universidade Federal do Pará (2001); graduação em Geografia pela Universidade Federal do Pará (1996). Atualmente é professora associada da Universidade Federal

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192 Autores

Fluminense, departamento de Geografia de Campos dos Goytacazes. Coordena o Laboratório Cultura, Planejamento e Representações So-ciais (LabCULT). Participa da Rede de Políticas Públicas do Estado do Rio de Janeiro (PRONEX/FAPERJ). Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Pú-blicas (ESR/UFF), sendo coordenadora desse programa (2019-2020). Integra a Rede de Políticas Públicas (INCT/CNPq/CAPES) e a RED Latino-americana de Participação Popular em Políticas Públicas (Bra-sil - Argentina - Colômbia). Membro titular do Conselho Municipal de Cultura de Campos dos Goytacazes (2019-2021) – câmara técnica Instituições de ensino.

Lalita [email protected] adjunta do Programa de Graduação em Gestão

Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (GPDES) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR). Completei o doutorado no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, IPPUR/UFRJ. Atualmente pesquisadora do Labespaço IPPUR/UFRJ, membro da Rede de Política Pública de Educação (RPPE) e da Rede de Políticas Públicas (RPP). Possui graduação em Gestão de Empresa e Marketing, Università di Bologna (2005); mestrado em Administração e Planejamento para o Desenvolvimento, Uni-versity College of London/UCL (2010); e mestrado em Desenvol-vimento Local e Mercados Internacionais, Universita degli Studi di Parma (2008). Tem experiência de pesquisa na área do plane-jamento para o desenvolvimento, movimentos sociais e redes na política. Consultora e assessora voluntária de movimentos sociais e Ong para a elaboração, administração e gestão de projetos no Nordeste do Brasil.

Marina Bazzo de Espí[email protected] graduação em Ciências Biológicas pela Universida-

de Federal de Santa Catarina (2001), mestrado em Biologia Ve-getal pela mesma instituição (2005) e doutorado em Educação,

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Autores 193

Gestão e Difusão em Biociências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2010). Atualmente é professora associada da Universidade Federal de Santa Catarina, atuando em pesquisa, ensino e extensão. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Formação de Professores, Educação em Ciências, Tecnologia Educacional e Educação a Distância. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Mídia-Educação e Comunicação Educacional (COMUNIC).

Raquel de Pádua [email protected]ógrafa pela Universidade de São Paulo (USP) – Bacha-

relado e licenciatura (2008) –; mestra em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ, 2012); e doutoranda em Geografia pelo Instituto de Geo-ciências da Universidade Estadual de Campinas (IGE/Unicamp, 2018-atual). Foi bolsista integrante do Laboratório da Conjuntu-ra Social: tecnologia e território (LASTRO/IPPUR-UFRJ) entre 2010 e 2012, sob coordenação de Ana Clara Torres Ribeiro. In-tegrou a Rede de Políticas Públicas para Educação (RPPE), atu-ando no projeto “Tecnologia e Interação Social na Educação”; vinculada ao Laboratório Espaço, Sociedade e Tecnologia (La-bEspaço), IPPUR-UFRJ) e financiado pelo Observatório da Edu-cação (OBEDUC) da Capes. Tem experiência acadêmica na área de Geografia urbana e Planejamento urbano e regional, com ênfase nos temas: centralidades e periferias urbanas; juventude, cultura e representações do espaço urbano; geografia e planeja-mento urbano na educação para a cidade. Possui experiência pro-fissional consolidada na área da Educação como professora de Geografia para o Ensino Fundamental II, Médio e Superior nas redes pública e privada do município de São Paulo, supervisão de projetos, além de produção e revisão de material didático au-toral e editorial. Também atuou como consultora e pesquisadora em projetos de análise de infraestrutura urbana e de impactos socioambientais.

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194 Autores

Reinaldo Ramos da [email protected] e licenciado em Filosofia (UFRJ, 2006), mestre em

Educação, Difusão e Gestão em Biociências (UFRJ, 2009), doutor em Educação sob orientação do professor doutor Paulo Carrano na linha de pesquisa Diversidade, Desigualdades Sociais e Educa-ção (UFF 2018). Realizou intercâmbio na modalidade sanduíche no ano de 2016 na Université Paris Descartes – Paris III – Sor-bonne Nouvelle – (Laboratório CERLIS - Centre de Recherches sur Les Liens Sociaux) sob orientação da professora doutora Anne Barrère.

Tamara Tania Cohen [email protected], mestre em Planejamento urbano e regional, dou-

tora em Sociologia, professora do Instituto de Pesquisa e Pla-nejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Coordenadora do Laboratório Esta-do, Sociedade, Tecnologia e Espaço, pesquisador 1B do CNPQ, Cientista do Nosso Estado da Faperj; coordenadora de diversos projetos, entre os quais o do Núcleo de Políticas Públicas do Rio de Janeiro (2009), que integra o programa Pronex da Faperj/CNPq, 2011, 2013. Políticas públicas e tecnologias da educação do Programa Observatório da Educação da Capes, 2010,2013 e coordenadora INCT Política pública, inovação e desenvolvimen-to Urbano, CNPq, 2014. Seu campo de atuação está associado ao estudo dos processos de transformação do espaço, no contexto do processo de globalização e tem por suporte técnico a informa-ção e a comunicação digital. Sua produção bibliográfica consiste em nove livros, uma coletânea de vídeos, capítulos de livros e artigos publicados em revistas nacionais e internacionais, sites e plataformas na Internet. Orientou 14 teses de doutoramento, 32 dissertações de mestrado, nove monografias de graduação e 91 monografias de iniciação científica.

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Autores 195

Vânia Amélia Miranda [email protected] em Educação, linha de pesquisa Educação e Comuni-

cação do Programa de Pós-Graduação em Educação (UFSC). Título da pesquisa: “Formação de Professores para apropriação Crítica das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação”. Licenciada em Pedagogia pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI, 2003). Es-pecialista em Séries Iniciais e Educação Infantil pela Faculdade Edu-cacional de Medianeira (FACEMED, 2004). Sempre atuou em escolas públicas em Santa Catarina, e exerceu as funções: secretária de escola estadual; gestora de escola municipal; coordenadora pedagógica de projetos, escola pública integral; professora das séries iniciais do ensi-no fundamental. Integrante do grupo de estudos COMUNIC/UFSC, que pesquisa e estuda as tecnologias digitais de informação e comu-nicação e suas relações com a educação, tendo como fundamentos os conceitos da mídia-educação.

Vera Magalhã[email protected] graduação com licenciatura L.Portuguesa/Literatu-

ras pela Universidade Estácio de Sá (2005). Especialista em Lín-gua Portuguesa pelo Instituto de Língua Portuguesa, sob a di-reção do professor Evanildo Bechara. Especialista em Educação Continuada, Flexível e a Distância pela Universidade Gama Filho e Ceteb/Brasília. Integrante da equipe de professores pesquisa-dores do Laboratório Espaço na pesquisa “Política, Tecnologia e Interação Social na Educação”, coordenado pela professora doutora Tamara Tânia Cohen Egler, financiado pelo Programa Observatório da Educação (OBEDUC) no IPPUR/UFRJ, desde 2010. Professora da educação básica concursada pelo governo do Estado do Rio de Janeiro no Ciep Brizolão 175 José Lins do Rego/São João de Meriti (RJ), desde 2006 até 2016. Professora de educação básica concursada pelo governo do Estado do Rio de janeiro no Colégio Estadual Candeia, na Ilha do Governador (RJ), pela Diretoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas (DIESP), desde set/2016.

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