MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de...

60
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 7ª VARA FEDERAL CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO Processo a ser distribuído por dependência aos autos 0204688-56.2017.4.02.5101 Demais referências: Autos nº 0504148-32.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo telefônico 0506980-72.2016.4.02.5101 - Cautelar de afastamento do sigilo telefônico 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal 0504147-47.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo telemático 0205067-94.2017.4.02.5101 – Cautelar de busca e apreensão 0205222-97.2017.4.02.5101 – Cautelar de sequestro e indisponibilidade 0204688-56.2017.4.02.5101 – Cautelar de prisão 0509567-67.2016.4.02.5101 – Cautelar de busca e apreensão - Calicute 0509565-97.2016.4.02.5101 - Cautelar de prisões – Calicute 0509503-57.2016.4.02.5101 – Ação penal – Calicute 0017513-21.2014.4.02.5101 – Ação penal – Crossover 0509154-20.2017.4.02.5101 – Cautelar de busca e apreensão (Sadala) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da República que ao final subscrevem 1 , no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, em especial a disposta no art. 129, I, da Constituição Federal, vem oferecer DENÚNCIA em desfavor de: 1) SÉRGIO DE OLIVEIRA CABRAL SANTOS FILHO (SÉRGIO CABRAL), CPF nº XXXXXXXXX, CI nº XXXXXXXXX (IFP/RJ), brasileiro, divorciado, jornalista, nascido no Rio de Janeiro, aos 27 de janeiro de 1963, filho de Sérgio Cabral Santos e Magaly de Oliveira Cabral Santos, com endereço na Rua XXXXXXXXX, atualmente custodiado na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica/RJ, em cumprimento de prisão preventiva; 1 Designados para atuar em auxílio ao Procurador natural neste feito e conexos pela Portaria PGR/MPF nº 1305 e n.º 1307, de 7 de dezembro de 2017. 1/60

Transcript of MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de...

Page 1: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 7ª VARA FEDERAL CRIMINAL DA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

Processo a ser distribuído por dependência aos autos nº 0204688-56.2017.4.02.5101

Demais referências: Autos nº

0504148-32.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo telefônico

0506980-72.2016.4.02.5101 - Cautelar de afastamento do sigilo telefônico

0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal

0504147-47.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo telemático

0205067-94.2017.4.02.5101 – Cautelar de busca e apreensão

0205222-97.2017.4.02.5101 – Cautelar de sequestro e indisponibilidade

0204688-56.2017.4.02.5101 – Cautelar de prisão

0509567-67.2016.4.02.5101 – Cautelar de busca e apreensão - Calicute

0509565-97.2016.4.02.5101 - Cautelar de prisões – Calicute

0509503-57.2016.4.02.5101 – Ação penal – Calicute

0017513-21.2014.4.02.5101 – Ação penal – Crossover

0509154-20.2017.4.02.5101 – Cautelar de busca e apreensão (Sadala)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da

República que ao final subscrevem1, no exercício de suas atribuições constitucionais e

legais, em especial a disposta no art. 129, I, da Constituição Federal, vem oferecer

DENÚNCIA em desfavor de:

1) SÉRGIO DE OLIVEIRA CABRAL SANTOS FILHO (SÉRGIO

CABRAL), CPF nº XXXXXXXXX, CI nº XXXXXXXXX (IFP/RJ),

brasileiro, divorciado, jornalista, nascido no Rio de Janeiro, aos 27 de

janeiro de 1963, filho de Sérgio Cabral Santos e Magaly de Oliveira

Cabral Santos, com endereço na Rua XXXXXXXXX, atualmente

custodiado na Cadeia Pública José Frederico Marques, em

Benfica/RJ, em cumprimento de prisão preventiva;

1 Designados para atuar em auxílio ao Procurador natural neste feito e conexos pela Portaria PGR/MPF nº1305 e n.º 1307, de 7 de dezembro de 2017.

1/60

Page 2: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

2) RÉGIS VELASCO FICHTNER PEREIRA (RÉGIS FICHTNER),

CPF n.º XXXXXXXXX, brasileiro, casado, advogado, filho de

Elisabeth Maria Velasco Pereira, residente na XXXXXXXXX e

3) LUIZ CARLOS BEZERRA (CARLOS BEZERRA), CPF nº

XXXXXXXXX, CI nº XXXXXXXXX (IFP/RJ), brasileiro, casado,

servidor público estadual, nascido no Rio de Janeiro–RJ, aos 17 dias

de outubro de 1959, filho de Antonio Cezario Bezerra e Juracima dos

Santos Bezerra, com endereço na XXXXXXXXX.

1 – DA CONTEXTUALIZAÇÃO DOS FATOS

O complexo de investigações denominado “Operação Lava Jato”

no Rio de Janeiro identificou a existência de um esquema de grandes proporções de

corrupção de agentes públicos, fraudes a licitação, cartel, evasão de divisas e lavagem

de dinheiro no âmbito do Governo do Estado do Rio de Janeiro, sendo certo que o ora

denunciado está inserido na ramificação da organização criminosa liderada pelo ex-

governador do Estado do Rio de Janeiro SÉRGIO CABRAL.

Com efeito, após exaustiva investigação que contou com medidas

cautelares de quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático, as Operações

Calicute e Eficiência conseguiram demonstrar como a organização criminosa comandada

por SÉRGIO CABRAL atuou para praticar atos de corrupção e lavagem que desviaram

mais de USD 100.000.000,00 (cem milhões de dólares) dos cofres públicos, mediante

engenhoso processo de envio de recursos oriundos de propina para o exterior.

Restou claro das investigações que, ao tomar posse como chefe

do executivo estadual do Rio de Janeiro, em 01/01/2007, SÉRGIO CABRAL instituiu

percentual médio de propina de 5% sobre os contratos administrativos celebrados com o

Estado.

2/60

Page 3: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

A organização criminosa, que atuou desviando verbas públicas de

origem federal e estadual, e as remetendo para o exterior, vem sendo desarticulada

progressivamente, já tendo sido identificados vários de seus núcleos e operadores

financeiros, bem como a forma como lavavam os proveitos do crime.

As investigações realizadas até o momento conduziram ao

desmantelamento de parte da organização criminosa que atua na construção civil, na

prestação de serviços e até mesmo na escolha do rio de Janeiro como sede dos Jogos

Olímpicos de 2016.

Em contraprestação às vantagens indevidas pagas aos agentes

políticos, setores da iniciativa privada foram beneficiados em contratações com o Estado

do Rio de Janeiro, notadamente mediante formação de cartéis.

É fato que grande parte desses atos passou por um setor

estratégico e fundamental na Administração Pública, qual seja, a CASA CIVIL.

A Operação Calicute revelou que o ex-governador SÉRGIO

CABRAL cobrava, por meio de seu secretário de governo WILSON CARLOS, sob

operacionalização de CARLOS MIRANDA e LUIZ CARLOS BEZERRA, propina no valor

médio de 5% sobre os contratos celebrados com o Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Avançando nas investigações, por meio de acordo de colaboração

premiada firmado com os irmãos CHEBAR, a Operação Eficiência demonstrou como se

dava a coleta e gerenciamento dos recursos da propina auferida pela organização

criminosa.

No bojo do mencionado acordo, foi revelado que SÉRGIO

CABRAL valeu-se da pessoa de RENATO CHEBAR, operador do mercado financeiro,

para ocultar, em nome deste, o dinheiro da propina que recebeu no Brasil em contas

bancárias no exterior, por meio de operações dólar-cabo.

Em 05 de maio de 2017, no interrogatório judicial prestado na

ação penal de autos nº 0509503-57.2016.4.02.5101, LUIZ CARLOS BEZERRA, cuja

3/60

Page 4: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

função na organização criminosa era recolher dinheiro em espécie e levar a locais

determinados por outros membros da organização, admitiu que as anotações feitas nas

suas agendas apreendidas (cautelar de autos nº 0509567-67.2016.4.02.5101)

registravam a contabilidade paralela da propina da organização criminosa chefiada por

SÉRGIO CABRAL.

Em complemento a esse depoimento, em 11 de maio de 2017,

LUIZ CARLOS BEZERRA confirmou, perante o MPF, que os codinomes “ALEMÃO”,

“GAÚCHO” ou simplesmente “REGIS” referem-se a RÉGIS FICHTNER, ex-chefe da

Casa Civil do Governo Cabral, e que já entregou recursos em espécie a ele (DOC nº 01).

Isto posto, as informações do interrogado LUIZ CARLOS

BEZERRA são corroboradas por elementos de prova obtidos de forma totalmente

independente que comprovam que RÉGIS FICHTNER, de fato, recebia pagamentos

mensais da organização criminosa chefiada por SÉRGIO CABRAL, como se detalhará

adiante.

2. RESUMO DAS IMPUTAÇÕES TÍPICAS

2.1. CORRUPÇÃO PASSIVA NO GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (FATO

01)

No período compreendido entre janeiro de 2007 e abril de 2014,

por pelo menos 20 (vinte) vezes, reveladas por aportes de valores em espécie a título de

um total de R$ 1.560.000,0 0 (um milhão, quinhentos e sessenta mil reais), RÉGIS

VELASCO FICHTNER PEREIRA, de modo consciente e voluntário, solicitou, aceitou

promessa e recebeu vantagem indevida em razão do exercício da chefia da Casa Civil do

Estado do Rio de Janeiro, angariada e distribuída pela organização criminosa chefiada

por SÉRGIO CABRAL, sob orientação e anuência deste, cuja entrega era feita por LUIZ

CARLOS BEZERRA. Em consequência das vantagens recebidas, RÉGIS FICHTNER

praticou atos de ofício infringindo dever funcional (Corrupção Passiva/Art. 317, §1º c/c

art. 327, §2º, na forma do art. 71, todos do CP) (FATO 01).

4/60

Page 5: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Pelos mesmos fatos, SÉRGIO CABRAL e LUIZ CARLOS

BEZERRA respondem pelo crime de corrupção passiva, nos termos do Art. 317, §1º

c/c art. 29 e na forma do art. 71, todos do Código Penal.

Na condição de governador do Estado do Rio de Janeiro,

SÉRGIO CABRAL ainda responde pelo aumento de pena previsto no § 2º do art. 327 do

Código Penal.

2.2. PERTINÊNCIA À ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (FATO 02 – RÉGIS FICHTNER2)

Pelo menos entre janeiro de 2007 e novembro de 2017, RÉGIS

VELASCO FICHTNER PEREIRA, além de outras pessoas (já denunciadas por

integrarem a mesma organização criminosa, ou ainda a serem processadas), de modo

consciente, voluntário, estável e em comunhão de vontades, promoveu, constituiu e

integrou, pessoalmente, organização criminosa que tinha por finalidade a prática de,

entre outros, crimes de corrupção ativa e passiva, fraude às licitações e cartel em

detrimento do Estado do Rio de Janeiro, bem como a lavagem dos recursos financeiros

auferidos desses crimes (Pertinência a Organização Criminosa/Art. 2º, § 4º, II, da Lei

12.850/2013) (FATO 02).

3. DA NARRATIVA DOS FATOS

3.1. Corrupção Passiva – mesada para RÉGIS FICHTNER

Os diversos elementos colhidos no âmbito das operações

Calicute e Eficiência deixam claro que SÉRGIO CABRAL instituiu percentual de

vantagem indevida de 5%, em média, sobre os contratos administrativos celebrados com

o Estado.

Com o aprofundamento das investigações, apurou-se que a

organização criminosa, que atuou desviando verbas públicas de origem federal e

estadual, e as remetendo para o exterior por meio dos irmãos MARCELO e RENATO

2 Os demais denunciados já respondem por essa imputação da mesma organização criminosa em outros processos criminais.

5/60

Page 6: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

CHEBAR, se utilizou da sua estrutura para exigir e obter vantagens indevidas de outros

setores do Governo do Estado do Rio de Janeiro, sendo necessária a atuação de um

estratégico setor na administração estadual: a CASA CIVIL.

A Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro demandava a presença

de uma pessoa tecnicamente bem preparada para encontrar “soluções jurídicas” e

“saídas administrativas” palatáveis e fundamentadas, de modo a maquiar os atos de

corrupção que carregavam o governo CABRAL.

A pessoa escolhida para ocupar o cargo foi o procurador do

Estado RÉGIS VELASCO FICHTNER PEREIRA, que acompanhava CABRAL desde a

década de 90, tendo sido, inclusive, suplente do então senador da República, SÉRGIO

CABRAL.

Assim como os demais integrantes da organização criminosa em

questão, em retribuição aos atos praticados para viabilizar os interesses escusos de

agentes públicos e/ou privados, entre os anos de 2007 e 2014, com periodicidade e por

pelo menos 20 (vinte) vezes, RÉGIS VELASCO FICHTNER PEREIRA, de modo

consciente e voluntário, solicitou, aceitou promessa e recebeu vantagem indevida, em

aportes de valores em espécie, totalizando a quantia de R$ 1.560.000,00 (um milhão,

quinhentos e sessenta mil reais), em razão do exercício da chefia da Casa Civil do

Estado do Rio de Janeiro, angariada e distribuída pela organização criminosa chefiada

por SÉRGIO CABRAL, mediante orientação e anuência deste e entrega feita por LUIZ

CARLOS BEZERRA. Em consequência das vantagens recebidas, RÉGIS FICHTNER

praticou atos de ofício infringindo dever funcional (Corrupção Passiva/Art. 317, §1º c/c

art. 327, §2º, na forma do art. 71, todos do CP).

Os pagamentos periódicos eram entregues pelos operadores

financeiros CARLOS MIRANDA e LUIZ CARLOS BEZERRA.

Em algumas oportunidades, CARLOS MIRANDA incumbiu

CARLOS BEZERRA a repassar os valores recebidos de corruptores aos demais

6/60

Page 7: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

membros e beneficiários da organização criminosa, como RÉGIS FICHTNER, cabendo a

CARLOS MIRANDA o controle contábil paralelo das receitas e despesas.

O suporte probatório que torna esses fatos incontroversos e dá base

à presente denúncia é vasto, destacando-se, a saber:

1. Depoimento de LUIZ CARLOS BEZERRA ao Ministério Público

Federal, detalhando que os codinomes “ALEMÃO”, “GAÚCHO”,

“REGIS” dizem respeito a RÉGIS FICHTNER (DOC n.º 01);

2. Relatório n° 08/2017 – Operação Calicute (DOC n.º 02)

3. Anotações encontradas após medida de busca e apreensão

na residência de LUIZ CARLOS BEZERRA (DOCs n.º 03 e 04);

4. Relatório de Pesquisa nº 2936/2017 (DOC n.º 5);

5. Termo de declaração prestada por CARLOS MIRANDA (DOC

n.º 6);

6.Registros de ligações telefônicas entre REGIS FICHTNER,

HUDSON BRAGA, LUIZ CARLOS BEZERRA e SÉRGIO DE

CASTRO OLIVEIRA (DOC n.º 7);

7. Cautelar de afastamento do sigilo telemático de autos n.º

0504147-47.2017.4.02.5101;

8. Cautelar de afastamento do sigilo telefônico de autos n.º

0504148-32.2017.4.02.5101;

9. Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal de autos

n.º 0504146-62.2017.4.02.5101;

10. Informações extraídas do celular de RÉGIS FICHTNER

(cautelar de busca e apreensão de autos nº 0205067-

94.2017.4.02.5101);

11. Informações extraídas do celular de LUIZ CARLOS

BEZERRA (cautelar de busca e apreensão de autos nº 0509567-

67.2016.4.02.5101);

12. Cautelar de afastamento do sigilo telemático de autos n.º

0506602-19.2016.4.02.5101 (Calicute).

7/60

Page 8: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

3.1.1. Depoimento Prestado em sede de Interrogatório de Luiz Carlos Bezerra

LUIZ CARLOS BEZERRA, no interrogatório judicial prestado em

5 de maio de 2017, no bojo da ação penal de autos nº 0509503-57.2016.4.02.5101,

admitiu que as anotações feitas nas suas agendas apreendidas (cautelar de autos nº

0509567-67.2016.4.02.5101) registravam a contabilidade paralela da propina da

organização criminosa chefiada por SÉRGIO CABRAL.

Complementando este depoimento, em 11 de maio de 2017,

BEZERRA confirmou, perante o MPF, que os codinomes “ALEMÃO”, “GAÚCHO”,

“REGIS” dizem respeito a RÉGIS FICHTNER, ex-chefe da Casa Civil do Governo

Cabral, e que já entregou recursos em espécie a ele (DOC nº 01):

[…] Que o apelido utilizado para designar o ex-chefe da CasaCivil do Governo Cabral, REGIS FICHTNER, era “ALEMÃO”,“REGIS” ou “GAUCHO”; Que já entregou recursos em espéciepor cerca de quatro ou cinco vezes a REGIS FICHTNER; Que asentregas se deram entre meados de 2013 até abril de 2014, salvoengano; Que tais informações podem ser confirmadas pelasanotações já citadas; Que as entregas se deram dentro doPalácio Guanabara e também dentro do escritório de advocaciade REGIS FICHTNER, localizado no prédio do Jockey Clube, noCentro do Rio de Janeiro; Que acredita que o escritório ficavalocalizado no 3º andar; Que recebia as ordens de pagamento deCARLOS MIRANDA, bem como se comunicava com FICHTNERpor meio de telefone; Que os valores entregues eram de R$100.000,00 (cem mil reais); [...]

Por conseguinte, LUIZ CARLOS BEZERRA afirmou que sua

função na organização criminosa era recolher dinheiro em espécie e levar a locais

determinados por outros membros da organização, afirmando que REGIS FICHTNER, de

fato, recebia pagamentos mensais da organização criminosa chefiada por SÉRGIO

CABRAL.

3.1.2. Material Apreendido em Busca e Apreensão com o Operador Financeiro LUIZ

CARLOS BEZERRA

8/60

Page 9: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Ao longo das várias denúncias decorrentes da Operação

Calicute3, foi demonstrado que CARLOS BEZERRA era o operador financeiro da

organização criminosa e responsável por buscar e levar valores em espécie referentes às

propinas recebidas e distribuídas4:

Em razão do cumprimento do mandado de busca e apreensão na

residência de CARLOS BEZERRA (cautelar de autos nº 0509567-67.2016.4.02.5101), foi

3 Autos n.º 0509503-57.2016.4.02.5101 (Operação Calicute); Autos nº 0501024-41.2017.4.02.5101 (OperaçãoEficiência)

4 Acordo de Colaboração premiada firmada com Tânia Maria Fontenelle.

9/60

Page 10: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

encontrado farto material com anotações da contabilidade da organização criminosa ora

investigada.

Em parte desse material apreendido estavam as agendas com

anotações de distribuição de propinas a “ALEMÃO" – codinome utilizado pelo referido

operador ao designar os pagamentos de propinas a RÉGIS FICHTNER, ex-suplente de

SÉRGIO CABRAL quando este era senador, sucedendo-o no Senado (2006 a 2007), e

ex-chefe da Casa Civil do Governo Cabral (01/2007 a 04/2014).

Essas anotações são registros de contabilidade paralela da

organização criminosa, onde constam as entradas de recursos ilícitos em espécie e a

correspondente saída. Ainda que sem uma padronização rígida, são identificáveis os

apontamentos de crédito e débito do caixa de recursos em espécie administrados por

CARLOS BEZERRA.

O Relatório de Análise de Material Apreendido da Polícia Federal,

em complemento ao Relatório n° 08/2017 – Operação Calicute (DOC n.º 02), examinou

as “agendas da contabilidade” apreendidas na residência de CARLOS BEZERRA (DOCs

n.º 03 e n.º 04), e identificou a movimentação registrada por este operador, tendo sido

produzida a PLANILHA 01, constando o total de entrada e saída do montante em

espécie, a data da movimentação e quem foi o beneficiado na distribuição entre o grupo

criminoso.

No que diz respeito aos valores entregues a RÉGIS FICHTNER

("ALEMÃO"), o Relatório Complementar de Análise da DPF aponta os seguintes

pagamentos:

DATA CODINOME VALOR - R$

01/10/14 REGIS (ALEMÃO) 50.000,00

10/09/14 REGIS 100.000,00

Por sua vez, o Relatório de Pesquisa nº 2936/2017 da Assessoria

de Pesquisa e Análise do MPF (DOC n.º 05) identificou 20 (vinte) manuscritos que

revelam recebimentos regulares de créditos por “ALEMÃO”, cujos valores variavam

10/60

Page 11: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais)

cada.

A seguir, os manuscritos da contabilidade da propina que foram

apreendidos com CARLOS BEZERRA, que exemplificam como ele costumava registrar

a propina, lembrando, conforme acima descrito, que “ALEMÃO” é o codinome usado por

esse operador para designar os pagamentos de propina a REGIS FICHTNER, cabendo a

CARLOS BEZERRA buscar os valores e destiná-los conforme ordens de CARLOS

MIRANDA:

ITEM DOCUMENTO LOCALIZAÇÃO VALOR

01Doc. “ITEM 03”,

p. 27100.000,00

02Doc. “ITEM 03”,

p. 3350.000,00

11/60

Page 12: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

03Doc. “ITEM 04”,

p. 0470.000,00

04Doc. “ITEM 04”,

p. 0570.000,00

12/60

Page 13: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

05Doc. “ITEM 04”,

p. 06400.000,00

06Doc. “ITEM 04”,

p. 23

13/60

Page 14: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

07Doc. “ITEM 04”,

p. 2450.000,00

08Doc. “ITEM 21”,

p. 02100.000,00

14/60

Page 15: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

09Doc. “ITEM 21”,

p. 3770.000,00

15/60

Page 16: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

10Doc. “ITEM 21”,

p. 4670.000,00

16/60

Page 17: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

11

Doc. “OperaçãoCALICUTE RJ07 ITEM 44”, p.

02

70.000,000

12

Doc. “OperaçãoCALICUTE RJ07 ITEM 44”, p.

120

70.000,00

17/60

Page 18: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

13

Doc. “OperaçãoCALICUTE RJ07 ITEM 44”, p.

121

* Valor jádiscriminad

o noitem 12

14

Doc. “OperaçãoCALICUTE RJ07 ITEM 46”, p.

51

18/60

Page 19: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

15

Doc. “OperaçãoCALICUTE RJ07 ITEM 46”, p.

121

220.000,00

16

Doc. “OperaçãoCALICUTE RJ07 ITEM 46”, p.

204

70.000,00

19/60

Page 20: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

17

Doc. “OperaçãoCALICUTE RJ07 ITEM 01-

2ºparte”, p. 59

50.000,00

18

Doc. “OperaçãoCALICUTE RJ07 ITEM 01-

2ºparte”, p. 71

* É provável quepalavra “Joquei”tenha sido usadapara identificar olocal da entrega,tendo em vista o

endereço doescritório deadvocacia dopesquisado

20/60

Page 21: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

19

Doc. “OperaçãoCALICUTE RJ07 ITEM nº02”,

p. 27

50.000,00

20Doc. “ITEM 04”,

p. 2550.000,00

VALOR TOTAL IDENTIFICADO R$ 1.560.000,00

21/60

Page 22: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Ou seja, no total da contabilidade paralela apreendida com o

operador CARLOS BEZERRA, constata-se que RÉGIS FICHTNER, ex-suplente de

SÉRGIO CABRAL quando este era senador (no período de 2006 a 2007), e ex-chefe da

Casa Civil do Governo Cabral (01/2007 a 04/2014), recebeu, ao menos R$ 1.560.000,0 0

(um milhão, quinhentos e sessenta mil reais) de propina em espécie da organização

criminosa chefiada por SÉRGIO CABRAL.

Do celular de LUIZ CARLOS BEZERRA foi extraída a seguinte

conversa de WhatsApp com SÉRGIO CABRAL, apelidado de “BD”, na qual faz

referência a uma ida à casa de RÉGIS FICHTNER, ao mencionar “germany's house”, ou

seja, “casa do Alemão”, como costumava designar o chefe da Casa Civil (DOC n.º 12), a

corroborar o depoimento de BEZERRA:

22/60

Page 23: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Ao ser interrogado judicialmente (ação penal de autos n.º

0017513-21.2014.4.02.5101 – Crossover), CARLOS MIRANDA também afirmou que

RÉGIS FICHTNER participava da organização criminosa, tendo recebido mesadas e

prêmios em troca de sua atuação favorável aos interesses do grupo criminoso.

As anotações acima confirmam que RÉGIS FICHTNER

(“ALEMÃO”) associou-se aos integrantes da organização criminosa capitaneada por

SÉRGIO CABRAL, recebendo vantagens indevidas diretamente ou por intermédio de

LUIZ CARLOS BEZERRA, no total de ao menos R$ 1.560.000,00 (um milhão,

quinhentos e sessenta mil reais).

3.1.3. Da Orientação e Anuência de SÉRGIO CABRAL – Declaração de CARLOS

MIRANDA

RÉGIS FICHTNER foi a pessoa estrategicamente colocada na

posição de Chefe da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro para garantir os “arranjos

jurídicos” necessários para viabilizar os planos de governo de SÉRGIO CABRAL,

sempre acompanhados do recebimento de vultosas quantias de vantagens indevidas

para beneficiar fornecedores do Estado do Rio de Janeiro.

Em 12 de dezembro de 2017, CARLOS EMANUEL DE

CARVALHO MIRANDA foi inquirido pelo Ministério Público Federal e respondeu que

(DOC n.º 6):

[…] QUE SÉRGIO CABRAL era o chefe da organização e tinha

duas pessoas de confiança: uma era o WILSON CARLOS que

fazia o ajuste com as empresas, a outra era RÉGIS FICHTNER,

que cuidava de toda a estrutura do governo; QUE, por isso,

quem tratava dos acordos financeiros era o WILSON, e havia

menor interlocução de RÉGIS com outros colaboradores ou

fornecedores do Estado; QUE RÉGIS buscou uma “solução

jurídica” para fazer face ao prejuízo no Maracanã por meio de um

adendo no contrato do Metrô; QUE REGIS sabia de todo o

esquema e buscava soluções jurídicas e administrativas para

23/60

Page 24: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

viabilizar os projetos do governo; QUE quando foi citado o nome

do depoente na CASTELO DE AREIA, houve uma reunião com

SÉRGIO CABRAL, WILSON CARLOS, REGIS FICHTNER e o

colaborador para saber como agir e RÉGIS sugeriu que o

depoente diminuísse a exposição do colaborador junto aos

fornecedores na coleta das propinas; QUE foi nessa ocasião que

LUIZ CARLOS BEZERRA passou a trabalhar diretamente com o

colaborador; QUE os acordos anuais com a Fetranspor eram

feitos por RÉGIS FICHTNER; QUE REGIS passou a integrar a

organização criminosa em 1996, quando foi advogado de

campanha do SÉRGIO CABRAL para prefeito; QUE, não tendo

sido eleito, RÉGIS foi colocado como Procurador da ALERJ, por

CABRAL, quando este foi presidente da ALERJ; QUE não se

recorda ao certo, mas acredita que CABRAL tenha

instrumentalizado uma alteração na Constituição do Estado

para permitir que RÉGIS assumisse o cargo de Procurador da

ALERJ; QUE, em 2002, RÉGIS foi eleito suplente do senador

SÉRGIO CABRAL; QUE RÉGIS foi para Brasília como assessor

do então senador SÉRGIO CABRAL; QUE na campanha de

2006, SÉRGIO CABRAL era candidato a governador e RÉGIS era

formalmente o tesoureiro da campanha; QUE, em 2007, com a

vitória de CABRAL, RÉGIS FICHTNER assumiu a Casa Civil;

QUE desde que assumiu a Casa Civil, RÉGIS passou a

receber uma mesada que era, inicialmente de R$ 50.000,00 e

no final de 2008, aproximadamente, passou para R$

150.000,00; […] (grifado)

O relato de CARLOS MIRANDA, operador financeiro da

organização criminosa e pessoa que fazia a entrega das “mesadas” (vantagens

indevidas) aos agentes corruptos – inclusive RÉGIS FICHTNER –, soma-se ao contexto

probatório apresentado nos autos.

Segundo CARLOS MIRANDA, SÉRGIO CABRAL teria

orquestrado alteração na Constituição do Estado do Rio de Janeiro, quando ainda era

24/60

Page 25: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

deputado estadual, para permitir que RÉGIS FICHTNER assumisse o cargo de

Procurador-geral da Assembleia Legislativa do Estado.

Com efeito, a Emenda Constitucional n.º 10, de 02/06/1998, que

alterou a redação do § 2º do art. 121 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro,

possibilitou que qualquer cidadão de notável saber jurídico e reputação ilibada assumisse

o cargo de Procurador-geral da Assembleia Legislativa, o que era vedado pela redação

anterior, que limitava o posto a integrantes da sua Procuradoria. Vejamos a redação

anterior:

[…]

§ 2º - O Procurador-Geral da Assembléia Legislativa, chefe da

instituição, será nomeado pela Mesa Diretora dentre os

integrantes da sua Procuradoria Geral.

Com a Emenda Constitucional n.º 10/98, o § 2º do art. 121 passa

a ter a seguinte redação:

[...]

§ 2º - O Procurador-Geral da Assembléia Legislativa, chefe da

instituição, será nomeado pela Mesa Diretora dentre cidadãos de

notável saber jurídico e reputação ilibada.

No mesmo ano de 1998, RÉGIS FICHTNER assume o cargo de

Procurador-geral da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a corroborar as

informações prestadas por CARLOS MIRANDA.

CARLOS MIRANDA ainda confirma o pagamento de uma mesada

a RÉGIS FICHTNER que era de R$ 50.000,00 no ano de 2007 e, depois, passou para R$

150.000,00. A afirmação é corroborada pelas anotações encontradas na “contabilidade

paralela” de LUIZ CARLOS BEZERRA, acima demonstrada. Segundo CARLOS

MIRANDA (DOC n.º 6):

25/60

Page 26: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

[…] QUE a relação do colaborador com RÉGIS FICHTNER era

basicamente a entrega da propina paga a RÉGIS, sempre em

valores em espécie; QUE SERJÃO e BEZERRA também fizeram

entregas de dinheiro para RÉGIS; QUE era mais fácil para

SÉRJÃO fazer as entregas porque ele era assessor de WILSON

CARLOS, facilitando o trânsito interno; QUE o dinheiro era

entregue no gabinete de RÉGIS FICHTNER, que ficava no

Palácio Guanabara; [...]

A pedido de SÉRGIO CABRAL, CARLOS MIRANDA participou de

reunião no Palácio Guanabara, após seu nome ter sido citado em reportagem sobre a

Operação CASTELO DE AREIA. Na oportunidade, RÉGIS FICHTNER, que também

estava presente, recomendou a adoção de cautela para evitar a exposição de CARLOS

MIRANDA. Em razão desse fato, CARLOS MIRANDA passou a ser ajudado por LUIZ

CARLOS BEZERRA:

[…] QUE em relação à OPERAÇÃO CASTELO DE AREIA, tem a

dizer que no final de 2010 saiu uma matéria na Folha de São

Paulo, citando o nome do colaborador, envolvido em

escândalo de corrupção com a empreiteira CAMARGO

CORRÊA; QUE em razão disso, SÉRGIO CABRAL chamou o

depoente para uma reunião no Palácio Guanabara; QUE nesse

dia houve um grande congestionamento no Rio de Janeiro, tendo

levado quase três horas para se deslocar do Leblon até

Laranjeiras; QUE nessa reunião também estavam WILSON

CARLOS, CABRAL e RÉGIS; QUE discutiram a matéria na

reunião e a sugestão de RÉGIS foi que MIRANDA se

afastasse dos fornecedores do estado na coleta de dinheiro,

pois estava muito visado; QUE foi nessa oportunidade que

LUIZ CARLOS BEZERRA passou a trabalhar diretamente com

o colaborador, na função de coletar e levar valores em espécie,

provenientes de propina; QUE ainda em relação à OPERAÇÃO

CASTELO DE AREIA, WILSON CARLOS explicou ao colaborador

que a construtora CAMARGO CORRÊA detinha o direito de

26/60

Page 27: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

construir um trecho do metrô; QUE SÉRGIO CABRAL não queria

que a CAMARGO fizesse a obra; QUE para contornar a situação,

RÉGIS FICHTNER engendrou um arranjo jurídico para que fosse

feita a venda do direito da CAMARGO para outra construtora;

QUE em razão da venda desse direito, WILSON CARLOS

recebeu R$ 300.000,00 e RÉGIS FICHTNER também recebeu

R$ 300.000,00 como prêmio; QUE esses valores foram

repassados por SÉRGIO CABRAL, a partir da propina que

recebeu em razão dessa negociação; QUE esses valores

pagos a CABRAL foram parcelados entre os anos de 2007 e

2008, mas os valores pagos a WILSON e RÉGIS foram pagos de

uma só vez, em entrega feita pessoalmente pelo colaborador em

2007; […]

As informações são corroboradas pela reportagem publicada na

Folha de São Paulo em 22/11/20105, em que os nomes de WILSON CARLOS e CARLOS

MIRANDA são citados:

5 http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/2010/11/22/2//5553718

27/60

Page 28: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

28/60

Page 29: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Outro importante fato foi revelado por CARLOS MIRANDA, a

respeito do envolvimento de RÉGIS FICHTNER, ao lado de SÉRGIO CABRAL, com

outro braço da organização criminosa: a FETRANSPOR.

Segundo CARLOS MIRANDA:

[…] QUE sobre a FETRANSPOR, tem a dizer que desde que

SÉRGIO CABRAL assumiu a presidência da ALERJ, em 1995, a

FETRANSPOR pagava propina a CABRAL; QUE CABRAL ficava

com parte dos recursos e distribuía o restante entre os deputados

estaduais; QUE o colaborador participou dos ajustes entre

CABRAL e FETRANSPOR até 2002, quando CABRAL se

desligou da presidência da ALERJ, e assumiu o mandato de

senador da República, QUE em 2007, quando CABRAL assumiu

o governo do Estado do Rio de Janeiro, os pagamentos voltaram

a ser realizados; QUE CABRAL e WILSON CARLOS informaram

ao colaborador que tinham feito um ajuste com JOSÉ CARLOS

LAVOURAS de que o pagamento de propina seria no valor de R$

5.000.000,00 anuais para SÉRGIO CABRAL, dividido em onze

parcelas mensais de 420.000,00 e uma de R$ 380.000,00; QUE,

apesar desse ajuste, LAVOURAS acabou realizando doze

pagamentos de R$ 420.000,00; QUE tal ajuste perdurou de

janeiro de 2007 até março de 2014; QUE todo ano também havia

pagamento de prêmios pela FETRANSPOR a SÉRGIO CABRAL

em razão de negociações relacionadas a IPVA, reajuste de

tarifas, gratuidades etc; QUE no final de 2007 houve a primeira

dessas negociações relacionadas aos citados prêmios, tendo o

primeiro pagamento ocorrido ao longo de 2008; QUE somado ao

valor mensal de R$ 420.000,00, eram acrescidos os valores dos

prêmios, isto é, caso o prêmio ajustado fosse de R$

12.000.000,00, os pagamentos mensais seriam de R$

1.420.000,00; QUE o valor desses prêmios variou entre quinze e

vinte milhões de reais anuais, durante o período de 2008 a 2013,

sendo que em 2014 houve um ajuste de um prêmio bastante

29/60

Page 30: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

superior, que alcança a cifra de R$ 90.000.000,00; QUE o

valor desse prêmio se justifica em razão da negociação feita

em 2013/2014 para a prorrogação da concessão de linhas de

transporte público; QUE esse valor ainda não foi

integralmente pago; QUE o colaborador não participava da

negociação desses ajustes, mas apenas da coleta e

recebimento dos valores ilícitos; QUE em razão das

negociações com a FETRANSPOR, CABRAL também

repassava prêmios a membros da organização criminosa;

QUE em razão desse prêmio de noventa milhões, RÉGIS

FICHTNER foi agraciado com R$ 5.000.000,00; QUE em razão

da deflagração da Operação Lava Jato, em 2014, RÉGIS

FICHTNER abdicou do recebimento desse prêmio de cinco

milhões; […]

Com efeito, os atos de corrupção praticados pela organização

criminosa chefiada por SÉRGIO CABRAL em relação ao recebimento de vantagens

indevidas da FETRANSPOR foram demonstrados e denunciados no bojo das ações

penais de autos n.º 0505914-23.2017.4.02.5101 e n.º 0505915-08.2017.4.02.5101.

A denúncia da ação penal de autos n.º 0505914-

23.2017.4.02.5101 narra que:

No ano de 2014 o total pago de propina à ORCRIM de SÉRGIO

CABRAL foi de R$ 27.260.000,00, mas esse ano revelou outra

situação atípica, tendo em vista dois aportes de R$ 6.500.000,00

cada nos dias 14/01 (“referente a 26/12”) e 16/02 (“referente a

janeiro”), os quais indiciam um bônus vultoso de 13 milhões de

reais por ato de ofício no interesse das empresas, como de fato

ocorreu em janeiro de 2014, com a desoneração do ICMS e

desconto de 50% do IPVA para os ônibus, como será detalhado

em tópico próprio:

[…]

30/60

Page 31: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Na sequência, em trocas de e-mails no início de janeiro de 2014,

os empresários JACOB BARATA FILHO, JOSÉ CARLOS

LAVOURAS e MARCELO TRAÇA, comemoram, junto com LELIS

TEIXEIRA a isenção do ICMS sobre o serviço de transporte

urbano ou metropolitano de passageiros promovida pela

Resolução da Secretaria de Fazenda – SEFAZ nº 706, de 27-12-

20136, publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro,

em 03/01/2014:

6 Resolução SEFAZ Nº 706 DE 27/12/2013 - Publicado no DOE em 3 jan 2014 (Concede isenção do ICMS na prestaçãode serviços de transporte de passageiros com características de transporte urbano ou metropolitano, com fundamento noConvênio ICMS 37/89.) O Secretário de Estado de Fazenda, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista o dispostono Convênio ICMS 133/2013, de 11 de outubro de 2013, que estendeu ao Estado do Rio de Janeiro as disposições doConvênio ICMS 37/1989, de 24 de abril de 1989, e o que consta no Processo nº E-04/058/40/2013,

Resolve :Art. 1 º Fica concedida isenção do ICMS na prestação dos serviços de transporte de passageiros com característicasde transporte urbano ou metropolitano.Art. 2 º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.Rio de Janeiro, 27 de dezembro de 2013RENATO VILLELASecretário de Estado de Fazenda

31/60

Page 32: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

A referida isenção tributária foi sacramentada pelo Decreto nº

44.550, de 02 de janeiro de 2014, expedido pelo Governador

SÉRGIO CABRAL:

Não bastasse, para completar o atendimento integral aos pleitos

dos empresários manifestados por LELIS TEIXEIRA em

novembro de 2013 e recusados pela Secretaria Estadual de

Fazenda, tendo em vista a necessidade de cumprimento das

metas fiscais junto à União, o então Governador SÉRGIO

CABRAL concedeu, por meio do decreto 44.568, de 17 de janeiro

de 2014, desconto de 50% no IPVA para as empresas de ônibus

do Estado do Rio de Janeiro, apenas um dia após o recebimento

do ofício com a solicitação encaminhado pelo Presidente

Executivo da FETRANSPOR, LÉLIS TEIXEIRA. O Decreto foi

assinado no dia 17/01/2014, sexta-feira, e publicado no dia

21/01/2014, terça-feira, tendo por base o processo administrativo

E-12/001/56/2017, que possui apenas 15 páginas e está anexado

na íntegra a esta denúncia. […]

32/60

Page 33: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Tal ato, necessariamente, passou pela Casa Civil, sob comando

de RÉGIS FICHTNER, o qual fazia uso de seu conhecimento jurídico e suas relações

para viabilizar as necessidades das empresas de transporte público no Estado do Rio de

Janeiro.

Outro ato de ofício que atendeu aos interesses do grupo

criminoso no braço do transporte público, diz respeito ao desconto do IPVA incidente

sobre ônibus e micro-ônibus destinados à prestação de serviço de transporte público de

passageiros. Trata-se do Decreto 44.568/2014:

33/60

Page 34: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Conforme consta do Processo n.º E-10/001/56/2014 (DOC n.º 8),

o pleito da FETRANSPOR por “isenção de IPVA”, datado de 16/01/2014, foi

encaminhado à CASA CIVIL – chefiada por RÉGIS FICHTNER – na mesma data, tendo

sido editado o decreto para conceder desconto de 50% sobre o valor do IPVA pago pelas

concessionárias e permissionárias de transporte público no dia 17/01/2014:

34/60

Page 35: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Essa tramitação em tempo recorde bem como o conteúdo do

Decreto Estadual n.º 44.568/14, e em especial a rápida e “certeira” atuação de RÉGIS

FICHTNER junto à Casa Civil em prol dos interesses de empresários do setor de

transporte público, que pagavam vantagens indevidas a SÉRGIO CABRAL e outros

integrantes da organização criminosa, demonstra a benevolência do Governo CABRAL

para com esse setor.

Portanto, nem mesmo os grandes protestos populares de 2013 no

Rio de Janeiro foram capazes de conter a ganância do grupo criminoso. Em troca da

manutenção do status quo das empresas de transporte público que dominavam (e

continuam a dominar) a prestação desse serviço no Estado do Rio de Janeiro, foi

ajustado um prêmio milionário – diga-se, R$ 90.000.000,00 – destinado aos agentes

públicos.

Conforme narrado por CARLOS MIRANDA, a RÉGIS FICHTNER

coube a parcela de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), pelos “arranjos jurídicos”

que de praxe costuma fazer quando na chefia da Casa Civil para viabilizar os interesses

nada republicanos do “chefe” SÉRGIO CABRAL e demais integrantes da organização

criminosa.

Em razão do avanço das investigações da Operação Lava Jato,

RÉGIS FICHTNER optou por não assumir mais esse risco e abdicou da parcela que lhe

era devida.

Todos esses fatos estão a demonstrar que SÉRGIO CABRAL

autorizava, orientava e determinava a entrega de valores indevidos a RÉGIS FICHTNER,

como contraprestação aos serviços prestados à organização criminosa, dentro da área

que lhe incumbia – a Casa Civil.

Por tal razão, SÉRGIO CABRAL responde em coautoria pelos

atos de corrupção passiva praticados por RÉGIS FICHTNER, nos termos do art. 317, §

35/60

Page 36: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

1º c/c 327, § 2º, e art. 29, todos do Código Penal, na forma do artigo 71, do mesmo

diploma legal (20 crimes em continuidade).

3.1.4. A PROPINA E SUA POTENCIAL INFLUÊNCIA NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO

PÚBLICA: CONFIGURAÇÃO DOS CRIMES DE CORRUPÇÃO

A despeito da narrativa acusatória que os repasses de propina à

organização criminosa tinham como contraprestação a prática de atos de ofício do

Estado do Rio de Janeiro por meio de articulação de RÉGIS FICHTNER, direcionados a

favorecer empresas e outros agentes políticos, é certo que os crimes de corrupção são

de natureza formal e, portanto, a eventual prática, pelo funcionário público, do ato de

ofício viciado – assim como o retardamento ou omissão igualmente viciadas – não é

elementar típica dos crimes em tela, mas apenas de suas causas de aumento de pena (§

1º do art. 317 e parágrafo único do art. 333 do Código Penal).

Com efeito, a tipificação penal dos crimes de corrupção tutela a

Administração Pública, em especial nos aspectos de moralidade e probidade, ao

proscrever as condutas que visem sujeitar o exercício de uma função pública a

interesses privados. As condutas criminalizadas são, para o funcionário público

corrompido, solicitar, receber ou aceitar promessa de vantagem indevida; e, para o

terceiro corruptor, oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público.

Em ambos os casos há, ainda, a presença de elementos típicos

que traduzem a ideia de troca, transação ou comércio da função pública. As ações típicas

(solicitar, receber, aceitar, oferecer, prometer) recaem sobre um objeto – vantagem

indevida – que deve ser entendido pelos agentes como a contraprestação de uma

conduta do funcionário público praticada ou omitida em desconformidade, no mínimo,

com o princípio da impessoalidade. No tipo da corrupção passiva, a relação de troca está

expressa na presença da elementar subjetiva “em razão [da função pública]” e, na

corrupção ativa, há previsão do especial fim de agir “para determinar [o funcionário

público] a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.

Assim como não é necessária a prática/omissão do ato de ofício

viciado para a perfectibilização dos tipos penais de corrupção, tampouco é imprescindível

36/60

Page 37: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

para a configuração dos delitos em tela que os atos de ofício do funcionário público

sejam descritos de forma pormenorizada se o comércio da função pública possui, no

caso concreto, contornos genéricos, o que se apresenta especialmente na hipótese da

organização criminosa comandada por SÉRGIO CABRAL, na qual empresários

pagavam mesadas para terem benefícios variados durante a condução da máquina

pública e dos contratos administrativos.

Tais atos já foram demonstrados e denunciados em diversas

ações penais em trâmite perante a 7º Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio

de Janeiro, a exemplo dos processos de autos n.º 0504113-72.2017.4.02.5101 (Carioca

Engenharia); n.º 0504938-16.2017.4.02.5101 (Operação Ratatouille - Marco Antonio de

Luca); n.º 0503870-31.2017.4.02.5101 (Operação Fatura Exposta - Miguel Iskin e

Gustavo Estelita); n.º 0507524-26.2017.4.02.5101 (Operação Unfair Play – Arthur

Menezes Soares Filho); n.º 0505914-23.2017.4.02.5101 e n.º 0505915-

08.2017.4.02.5101 (Operação Ponto Final – Fetranspor).

O Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de sedimentar

esse posicionamento no recente julgamento da Ação Penal 470 (CASO MENSALÃO), no

que toca à tese da prescindibilidade de individualização de atos de ofício nos crimes de

corrupção.

A Ministra Rosa Weber abordou o tema de forma breve mas com

indiscutível clareza:

A indicação do ato de ofício não integra o tipo legal da corrupçãopassiva. Basta que o agente público que recebe a vantagemindevida tenha o poder de praticar atos de ofício para que sepossa consumar o crime do artigo 317 do Código Penal. Seprovada a prática do ato, tipifica-se a hipótese de incidência do §2º do artigo 317, aumentando-se a pena. (fls. 1099 do acórdão –grifos no original)

Em seguida, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar a questão, concluiu

que a mens legis da norma do art. 317 do Código Penal é a repressão à influência

indevida no exercício de função pública. A conduta tipificada na lei fica configurada

quando há vantagem indevida (solicitada, recebida ou meramente prometida), em

37/60

Page 38: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

contraprestação à influência no desempenho de função pública, ainda que tal influência

não esteja materializada, de início, em um ato de ofício concreto:

Isso serve para demonstrar que o crime de corrupção (passiva ouativa) independe da efetiva prática de ato de ofício. A lei penalbrasileira, tal como literalmente articulada, não exige tal elementopara fins de caracterização da corrupção. Em verdade, a efetivaprática de ato de ofício configura circunstância acidental namaterialização do referido ilícito, podendo até mesmocontribuir para sua apuração, mas irrelevante para suaconfiguração.

Um exame cuidadoso da legislação criminal brasileira revela queo ato de ofício representa, no tipo penal da corrupção, apenas omóvel daquele que oferece a peita, a finalidade que o anima. Emoutros termos, é a prática possível e eventual de ato de ofício queexplica a solicitação de vantagem indevida (por parte do agenteestatal) ou o seu oferecimento (por parte de terceiro).

E mais: não é necessário que o ato de ofício pretendido seja,desde logo, certo, preciso e determinado. O comportamentoreprimido pela norma penal é a pretensão de influênciaindevida no exercício das funções públicas, traduzida nodirecionamento do seu desempenho, comprometendo aisenção e imparcialidade que devem presidir o regimerepublicano.

Não por outro motivo a legislação, ao construir linguisticamenteos aludidos tipos de injusto, valeu-se da expressão 'em razãodela', no art. 317 do Código Penal, e da preposição 'para' no art.330 do Código Penal. Trata-se de construções linguísticas comcampo semântico bem delimitado, ligado às noções deexplicação, causa ou finalidade, de modo a revelar que o ato deofício, enquanto manifestação de potestade estatal, existe nacorrupção em estado potencial, i.e., como razão bastante parajustificar a vantagem indevida, mas sendo dispensável para aconsumação do crime.

(…)

Não se pode perder de mira que a corrupção passiva émodalidade de crime formal, assim compreendidos aquelesdelitos que prescindem de resultado naturalístico para suaconsumação, ainda que possam, eventualmente, provocarmodificação no mundo exterior, como mero exaurimento daconduta criminosa. O ato de ofício, no crime de corrupçãopassiva, é mero exaurimento do ilícito, cuja materializaçãoexsurge perfeita e acaba com a simples conduta descrita no tipode injusto.

38/60

Page 39: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Em síntese: o crime de corrupção passiva configura-se com asimples solicitação ou o mero recebimento de vantagemindevida (ou de sua promessa), por agente público, em razãodas suas funções, ou seja, pela simples possibilidade de queo recebimento da propina venha a influir na prática de ato deofício. Já o crime de corrupção ativa caracteriza-se com osimples oferecimento de vantagem indevida (ou de suapromessa) a agente público com o intuito de que estepratique, omita ou retarde ato de ofício que deva realizar. Emnenhum caso a materialização do ato de ofício integra aestrutura do tipo de injusto.

(…)

Nesse cenário, quando a motivação da vantagem indevida é apotencialidade de influir no exercício da função pública, tem-se opreenchimento dos pressupostos necessários à configuração docrime de corrupção passiva. Como já exaustivamentedemonstrado, a prática de algum ato de ofício em razão davantagem recebida não é necessária para a caracterização dodelito. Basta que a causa da vantagem seja a titularidade defunção pública. Essa circunstância, per se, é capaz de vulnerar osmais básicos pilares do regime republicano, solidamenteassentado sobre a moralidade, a probidade e a impessoalidadeadministrativa.

De qualquer sorte, ainda que despiciendo seja o ato de ofício,as regras da experiência comum, que integram o iter doraciocínio jurídico discursivo, indicam que o “favor” serácobrado adiante, em forma de sujeição aos interessespolíticos dos que o concederam. Por isso, é mesmodispensável a indicação de um ato de ofício concretopraticado em contrapartida ao benefício auferido, bastando apotencialidade de interferência no exercício da funçãopública. A comprovação da prática, omissão ou retardamentodo ato de ofício é apenas uma majorante, prevista no § 2º doart. 317 do Código Penal. (fls. 1521/1529 do Acórdão – grifosnossos)

No mesmo sentido, o voto do Relator, Ministro Joaquim Barbosa,

admite que mesmo na hipótese em que a vantagem indevida tenha como

contraprestação atos de ofício genéricos – relacionados, por óbvio, às atribuições do

agente público corrompido – fica configurado o crime de corrupção passiva:

Quanto ao ato de ofício oferecido pelos parlamentares, cito,inicialmente, a doutrina de Juarez Cirino dos Santos,

39/60

Page 40: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

relativamente aos elementos normativos do tipo penal, comapoio em notável produção científica sobre a matéria (Jescheck,Wessels, Welzel, Roxin, Mezger, Maurach): 'A delimitação do objeto do conhecimento – portanto, do alcancedo dolo – requer alguns esclarecimentos: a) os elementosdescritivos do tipo legal (homem, coisa, etc.), existentes comorealidades concretas perceptíveis pelos sentidos, devem serrepresentados na forma de sua existência natural; b) oselementos normativos do tipo legal (coisa alheia, documento etc.),existentes como conceitos jurídicos empregados pelo legislador,devem ser representados conforme seu significado comum,segundo uma valoração paralela ao nível do leigo – e não nosentido da definição jurídica respectiva, porque, então, somentejuristas seriam capazes de dolo.'

Assim, como elemento normativo do tipo, o “ato de ofício” deveser representado no sentido comum, como o representam osleigos, e não em sentido técnico-jurídico.

No caso, é evidente que a prática de ato de ofício porparlamentares envolvia todas as suas atribuições na Câmara dosDeputados, no exercício da função parlamentar, em especial ovoto e a orientação de voto em prol do interesse dos acusadosde corrupção ativa. (fls. 3679/3680 do Acórdão – grifos nooriginal)

O voto do Ministro Ayres Britto segue a mesma linha de

entendimento e admite a corrupção passiva quando a vantagem indevida é relacionada

ao plexo de atribuições do agente público corrompido, e não necessariamente a um ato

de ofício previamente determinado:

À derradeira, quanto à elementar normativa do tipo penal decorrupção passiva, averbo que o ato de ofício visado pelacorrupção tanto pode ser lícito quanto ilícito. No caso, adenúncia enxergou no apoio político do PL ao GovernoFederal a contraprestação ao recebimento da vantagemindevida. Ou seja, o ato de ofício pretendido pela corrupçãose insere na atividade parlamentar cotidiana, integrando oplexo de atribuições inerentes à função exercida pelosparlamentares. Sendo certo que, conforme já consignadodiversas vezes, não se exige para a consumação do delito aefetiva realização de atos funcionais pelo agente corrompido. (fls.4529 do Acórdão – grifos nossos)

40/60

Page 41: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Ao final, o próprio Revisor, Ministro Ricardo Lewandowski,

ressalvou seu posicionamento pessoal contrário, mas, analisando os votos dos demais

membros da Corte, curvou-se ao entendimento da maioria, concluindo:

O Plenário desta Corte, todavia, por sua douta maioria, aoapreciar a mesma matéria nesta AP 470, externou umentendimento mais abrangente, assentando ser suficiente, para aconfiguração do tipo previsto no art. 317 do Código Penal o merorecebimento de vantagem indevida, por funcionário público,dispensando-se a precisa identificação do ato de ofício. E mais:dispensou, também, a necessidade de indicação da relação entreo recebimento da vantagem por parte do servidor e a prática dedeterminado ato funcional.

Basta, pois, segundo entende a Corte, para a caracterização dodelito de corrupção passiva, que se demonstre o recebimento devantagem indevida, subentendendo-se a possibilidade ou aperspectiva da prática de um ato comissivo ou omissivo, nãoidentificado, presente ou futuro, atual ou potencial, desde queeste esteja na esfera de atribuições do funcionário público. (fls.3729 do Acórdão)

Como se vê, o denunciado RÉGIS FICHTNER, no exercício do

cargo de chefe da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro, sob anuência do então

governador, SÉRGIO CABRAL, solicitou e aceitou vantagem indevida para exercer o seu

cargo com especial atenção para os interesses privados de empresários do setor da

saúde, prestação de serviços de alimentação e limpeza, transporte público e construção

civil .

Assim, está plenamente configurado o crime de corrupção

passiva, já que resta claro que o conjunto de funções exercido pelo agente público em

questão está relacionado com os interesses privados dos principais fornecedores de

alimentação e serviços especializados no Estado do Rio de Janeiro, transporte público,

construção civil e saúde, isto é, pode-se aferir extreme de dúvidas a relação de

mercancia que tem por objeto a função pública exercida pela então maior autoridade do

Poder Executivo estadual junto ao Chefe da Casa Civil.

O comércio da função pública está caracterizado ainda que os

atos de ofício não estejam concretamente delimitados, pois a relação genérica entre a

41/60

Page 42: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

vantagem indevida e as atribuições do funcionário público não é óbice para a

configuração dos crimes de corrupção ativa e passiva.

No caso presente, além da configuração do crime de corrupção

passiva, conforme relatado acima, tem-se a prática de ato de ofício em infração a dever

funcional.

3.2. PERTENCIMENTO À ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – ramificação na CASA CIVIL

Pelo menos entre 01/01/20077 e 22/11/20178, RÉGIS FICHTNER,

além de outras pessoas (ou já denunciadas por integrarem a mesma organização

criminosa, ou ainda a serem processadas), de modo consciente, voluntário, estável e em

comunhão de vontades, promoveu, constituiu e integrou, pessoalmente, organização

criminosa que tinha por finalidade, entre outros delitos, a prática de crimes de corrupção

ativa e passiva, fraude às licitações e cartel em detrimento do ESTADO DO RIO DE

JANEIRO, bem como a lavagem dos recursos financeiros auferidos desses crimes.

Com efeito, agindo de forma estruturalmente ordenada,

caracterizada pela divisão formal de tarefas e com o objetivo de obter, direta e

indiretamente, vantagem indevida derivada dos crimes de corrupção ativa, corrupção

passiva e lavagem de dinheiro, o denunciado acima referido integrou organização

criminosa que estava estruturada da maneira a seguir sintetizada, tendo em

consideração as descrições fáticas até aqui realizadas.

A presente denúncia engloba, portanto, parte importante e

estratégica da atividade da organização criminosa liderada pelo ex-governador SÉRGIO

CABRAL, responsável pela prática de atos de corrupção envolvendo também as

contratações na área da alimentação e serviços especializados no Estado do Rio de

Janeiro.

Nos mesmos moldes existentes em relação às demais

organizações criminosas investigadas pela Operação Lava Jato, a sua estruturação e

7 Data da posse do denunciado SÉRGIO CABRAL no cargo de governador do Estado do Rio de Janeiro.8 Data da deflagração da C'est fini, com a prisão preventiva de Régis Fichtner.

42/60

Page 43: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

divisão de tarefas em quatro núcleos básicos: a) o núcleo econômico, formado por

executivos de empresas fornecedoras do Estado do Rio de Janeiro. b) o núcleo

administrativo, composto por gestores públicos do Governo do ESTADO DO RIO DE

JANEIRO, os quais solicitaram e administraram o recebimento das vantagens indevidas

pagas pelas empresas. Aqui encontra-se RÉGIS FICHTNER, como integrante tático e

estratégico da organização criminosa, responsável por operacionalizar e estruturar

administrativa e juridicamente os atos de governo que beneficiaram outros

membros da organização criminosa. c) o núcleo financeiro operacional, formado por

responsáveis pelo recebimento e repasse das vantagens indevidas, a exemplo do

denunciado CARLOS BEZERRA. d) o núcleo político, formado pelo líder da

organização criminosa, o ex-governador SÉRGIO CABRAL.

A narrativa é clara e demonstra que RÉGIS FICHTNER é figura

central do braço administrativo da organização criminosa. Como chefe da Casa Civil, era

o responsável por articular os atos de governo mais importantes, usando de sua

habilidade jurídica para buscar saídas minimamente defensáveis (aos olhos daqueles

que desconheciam os atos de corrupção e a verdadeira motivação do ato) para justificar,

por exemplo, alterações contratuais, editais de licitação, benefícios fiscais ou mesmo a

contratação de obras.

Nas declarações prestadas à Procuradoria da República no Rio

de Janeiro, CARLOS BEZERRA, indagado a respeito dos apelidos e codinomes

constantes das anotações de contabilidade que foram apreendidas residência, admitiu:

“Que o apelido utilizado para designar o ex-chefe da Casa Civil do Governo Cabral,

REGIS FICHTNER, era “ALEMÃO”, “REGIS” ou “GAUCHO”; Que já entregou recursos

em espécie por cerca de quatro ou cinco vezes a REGIS FICHTNER; Que as entregas

se deram entre meados de 2013 até abril de 2014, salvo engano; Que tais informações

podem ser confirmadas pelas anotações já citadas; Que as entregas se deram dentro do

Palácio Guanabara e também dentro do escritório de advocacia de REGIS FICHTNER,

localizado no prédio do Jockey Clube, no Centro do Rio de Janeiro; Que acredita que o

escritório ficava localizado no 3º andar; Que recebia as ordens de pagamento de

CARLOS MIRANDA, bem como se comunicava com FICHTNER por meio de telefone;

Que os valores entregues eram de R$ 100.000,00 (cem mil reais); [...]”

43/60

Page 44: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

E, de fato, o escritório de advocacia do qual RÉGIS FICHTNER foi

sócio localiza-se9 no mesmo prédio do Jockey Club Brasileiro10, na Av. Almirante Barroso,

139, centro, Rio de Janeiro/RJ:

9 http://www.afadv.com.br/escritorio/rio-de-janeiro/ 10 http://www.jcbinforma.com.br/sede_centro1

44/60

Page 45: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

A declaração é corroborada por fonte totalmente independente,

qual seja, a declaração de CARLOS MIRANDA, que confirmou a informação:

[…] QUE desde que assumiu a Casa Civil, RÉGIS passou a

receber uma mesada que era, inicialmente de R$ 50.000,00 e no

final de 2008, aproximadamente, passou para R$ 150.000,00;

QUE o pagamento da mesada foi até março de 2014; QUE a

relação do colaborador com RÉGIS FICHTNER era basicamente

a entrega da propina paga a RÉGIS, sempre em valores em

espécie; QUE SERJÃO e BEZERRA também fizeram entregas de

dinheiro para RÉGIS; QUE era mais fácil para SÉRJÃO fazer as

entregas porque ele era assessor de WILSON CARLOS,

facilitando o trânsito interno; QUE o dinheiro era entregue no

gabinete de RÉGIS FICHTNER, que ficava no Palácio

Guanabara; QUE as conversas entre o depoente e RÉGIS eram

por meio de BBM; [...]

A propósito, cumpre assinalar que as atividades da organização

criminosa, especialmente no que refere ao recolhimento da propina, somente foram

parcialmente interrompidas no dia 17/11/2016, quando foi deflagrada a fase mais

ostensiva da Operação Calicute, com a prisão do líder SÉRGIO CABRAL e outros,

conforme o próprio denunciado CARLOS BEZERRA admitiu em seu interrogatório

judicial nos autos da ação penal nº 0509503-57.2016.4.02.5101.

Com a presente denúncia, alcança-se núcleo altamente relevante

desse grande esquema criminoso liderado por SÉRGIO CABRAL: a importante pasta da

Casa Civil. Graficamente, assim pode ser representada parcela da organização criminosa

já desvendada:

45/60

Page 46: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

De modo a cercar-se de todos os lados de pessoas dispostas a

integrar a organização criminosa e trabalhar em prol dos interesses espúrios do grupo,

SÉRGIO CABRAL aparelhou a Administração Pública estadual de acordo com as

necessidades dirigidas a alcançar tal intento.

E, como repetidamente dito alhures, para comandar a

fundamental e valiosa Casa Civil, nomeou seu parceiro de tantas jornadas, RÉGIS

FICHTNER, o qual se encarregou de conduzir astutamente os projetos do governo

CABRAL, muitos dos quais movidos pelas pujantes vantagens indevidas recebidas em

troca de benefícios distribuídos a corruptores.

3.2.1. Registro de Ligações entre RÉGIS FICHTNER e Membros da Organização

Criminosa

A corroborar o teor do interrogatório e dos depoimentos prestados

por LUIZ CARLOS BEZERRA e por CARLOS MIRANDA, também estão os registros de

ligações telefônicas obtidos na cautelar de afastamento do sigilo telefônico, autorizado

judicialmente (processo de autos nº 0506980-72.2016.4.02.5101).

46/60

Page 47: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Por meio do Sistema de Investigação de Registros telefônicos e

Telemáticos – SITTEL, foram identificadas dezenas de ligações telefônicas entre REGIS

FICHTNER e outros integrantes da organização criminosa, como HUDSON BRAGA,

LUIZ CARLOS BEZERRA e SÉRGIO CABRAL, a revelar o intenso contato entre todos

os membros da organização criminosa (DOC. nº 7):

TERMINAL_1_ORI

GINADOR

LEMBRETE_T

ERMINAL_1

TERMINAL_2_RE

CEBEDOR

LEMBRETE_T

ERMINAL_2

DATA_INIC

IO

5521988476082LUIZ CARLOS

BEZERRA5521982068000

REGIS

FICHTNER

09/09/2014

21:00:54

5521979541212HUDSON

BRAGA5521982068000

REGIS

FICHTNER

06/05/2016

13:43:36

5521979541212HUDSON

BRAGA5521982068000

REGIS

FICHTNER

06/05/2016

13:43:50

5521979541212HUDSON

BRAGA5521982068000

REGIS

FICHTNER

06/05/2016

13:43:51

Considerando que RÉGIS FICHTNER era assessor da Casa Civil

durante o governo Cabral, poderia ser tido como regular o intenso fluxo de telefonemas

entre ambos. Contudo, a análise dos dados, somada ao contexto apresentado ao longo

desta petição, demonstra que o contato com os operadores financeiros LUIZ CARLOS

BEZERRA e SÉRGIO DE CASTRO OLIVEIRA (“SERJÃO” ou “BIG”) não se justificava,

além de expandir a mera relação funcional.

Tanto LUIZ CARLOS BEZERRA quanto SÉRGIO DE CASTRO

OLIVEIRA eram os operadores financeiros da organização criminosa, responsáveis

pelo recolhimento dos valores em espécie (propina) e distribuição entre os integrantes da

organização.

TERMINAL_1_

ORIGINADOR

LEMBRETE_TERMI

NAL_1

TERMINAL_2_

RECEBEDOR

LEMBRETE_TER

MINAL_2

DATA_INICI

O

552182590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA552182068000 REGIS FICHTNER

06/12/2012

15:40:16

552182590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA552182068000 REGIS FICHTNER

06/12/2012

17:16:24

47/60

Page 48: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

552182590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA552182068000 REGIS FICHTNER

06/12/2012

17:16:24

552182590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA552182068000 REGIS FICHTNER

24/05/2013

10:03:37

552182590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA552182068000 REGIS FICHTNER

19/06/2013

13:36:48

552182590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA552182068000 REGIS FICHTNER

20/06/2013

09:03:48

552182590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA552182068000 REGIS FICHTNER

20/06/2013

09:49:38

552182590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA552182068000 REGIS FICHTNER

24/06/2013

12:09:15

552182590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA552182068000 REGIS FICHTNER

24/06/2013

13:28:35

5521982590022SERGIO DE

CASTRO OLIVEIRA5521982068000 REGIS FICHTNER

11/12/2014

11:58:16

RÉGIS FICHTNER possuía, ainda, o contato do operador

financeiro CARLOS MIRANDA em sua agenda de telefone, tendo apagado esse contato,

na tentativa de não deixar rastros de sua relação com o aludido integrante da

organização criminosa:

48/60

Page 49: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

O caractere “x” (em vermelho) revela que RÉGIS FICHTNER

apagou esse contato da sua agenda telefônica. A despeito da medida, foi possível extrair

tal informação de seu celular, apreendido no cumprimento da ordem expedida na cautelar

de autos n.º 0205067-94.2017.4.02.5101 (DOC n.º 13).

Da mesma forma, o empresário GEORGES SADALA também

possuía o contato de RÉGIS FICHTNER em seu celular e o apagou, demonstrando as

relações entre integrantes da organização criminosa (cautelar de busca e apreensão de

autos n.º 0509154-20.2017.4.02.5101 - DOC n.º 14):

E, RÉGIS FICHTNER também possuía o contato de GEORGES

SADALA em sua lista de contatos do celular (DOC n.º 13):

49/60

Page 50: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Por sua vez, o operador financeiro, LUIZ CARLOS BEZERRA

também possuía o contato de RÉGIS FICHTNER em seu celular, apreendido no bojo da

cautelar de busca e apreensão de autos n.º 0509567-67.2016.4.02.5101 (DOC n.º 11):

50/60

Page 51: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

As periódicas ligações e as listas de contatos somadas aos

inúmeros elementos de prova aqui arrolados, demonstram que o RÉGIS FICHTNER é

mais um elemento da teia criminosa formada no Estado do Rio de Janeiro para

satisfação corrupta dos membros que compunham a organização, restando caracterizada

a prática do crime tipificado no art. 2º, § 4º, II, da Lei 12.850/2013.

3.2.2. Da Proximidade entre RÉGIS FICHTNER, SÉRGIO CABRAL, FERNANDO

CAVENDISH e Outros Membros da Organização Criminosa

Soma-se a tudo isso o relacionamento entre SÉRGIO CABRAL e

RÉGIS FICHTNER, que claramente ultrapassa a cena profissional.

51/60

Page 52: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Em 2004, ao lado de FERNANDO CAVENDISH, RÉGIS

FICHTNER marcou presença no casamento de SÉRGIO CABRAL e ADRIANA

ANCELMO:

Além disso, são de amplo conhecimento as acusações de

corrupção que recaem sobre FERNANDO CAVENDISH, causando, no mínimo,

estranheza a relação íntima (senão promíscua) entre o dono da empreiteira DELTA e

REGIS FICHTNER.

Não obstante, REGIS FICHTNER foi mais um personagem da

conhecida festa “Farra dos Guardanapos”, fotografado ao lado de outros integrantes da

organização criminosa, quais sejam, BENEDICTO JÚNIOR, WILSON CARLOS e

SÉRGIO CABRAL:

52/60

Page 53: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Tratando-se de uma complexa e ramificada organização

criminosa, todos os elementos apresentados ao longo desta petição, somados e

contextualizados, reforçam e fundamentam a existência de uma organização criminosa

instalada no Estado do Rio de Janeiro durante o governo CABRAL, da qual faz parte o

denunciado, RÉGIS FICHTNER.

Desde a década de 90, RÉGIS VELASCO FICHTNER PEREIRA

possui relacionamento bastante próximo a SÉRGIO CABRAL, ocupando, a partir de

2007, cargo estratégico na administração estadual, a partir do qual comandou manobras

em favor dos demais membros da organização criminosa, principalmente corruptores.

3.2.3. Material Telemático entre RÉGIS FICHTNER e Outros Membros da

Organização Criminosa

A despeito de o denunciado RÉGIS FICHTNER ter apagado sua

conta de e-mail [email protected], na tentativa de livrar-se de provas dos crimes

cometidos, várias dessas mensagens foram mantidas por outros interlocutores (DOC n.º

09)11:

11 Cautelar de busca e apreensão de autos n.º 0509565-97.2016.4.02.5101

53/60

Page 54: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Ao tratar da implantação do Bilhete Único em linhas

intermunicipais12 – cujas irregularidades foram tratadas na ação penal de autos n.º

0505914-23.2017.4.02.5101 – SÉRGIO CABRAL indica justamente RÉGIS FICHTNER

para esclarecimentos à imprensa em relação à nova lei (DOC n.º 10):

12 Instituído a partir de 1º/02/2010, pela Lei estadual nº 5628/2009.

54/60

Page 55: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Assim, a atuação de RÉGIS FICHTNER em favor de espúrios

interesses patrocinados é elevadíssima, com grande concentração de poder de decisão,

e, conforme amplamente demonstrado, há consistentes elementos de prova de que

FICHTNER recebeu vultosa quantia de vantagens indevidas (propina) neste grande

esquema criminoso que dominou as instâncias governamentais do Estado do Rio de

Janeiro.

Considerando que os atos de governo que viabilizaram os

interesses espúrios da organização criminosa passaram pela Casa Civil, com amplo

conhecimento e articulação de RÉGIS FICHTNER, a atuação deste é central na divisão

de tarefas do grupo.

4. DA CAPITULAÇÃO DOS FATOS E REQUERIMENTOS FINAIS

Pelo exposto, é apresentada a presente denúncia para imputar os

crimes descritos a seguir:

a) RÉGIS FICHTNER, por ter, de modo consciente e voluntário,

entre janeiro de 2007 e abril de 2014, solicitado, aceitado promessa e recebido vantagem

indevida em razão do exercício da chefia da Casa Civil no Governo Cabral, por, pelo

menos, 20 (vinte) vezes, no valor total de R$ 1.560.000,00 (um milhão, quinhentos e

sessenta mil reais), e em consequência das vantagens recebidas ter praticado atos de

ofício, com infração de deveres funcionais, está incurso nas penas do art. 317, §1º c/c

55/60

Page 56: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

art. 327, §2º, por 20 vezes, na forma do art. 71, ambos do Código Penal (20 crimes

em continuidade);

b) SÉRGIO CABRAL, por ter, de modo consciente e voluntário,

entre janeiro de 2007 e abril de 2014, anuído com a solicitação, aceitação de promessa e

recebimento de vantagem indevida a RÉGIS FICHTNER, em razão do exercício do cargo

de governador do Estado do Rio de Janeiro, por, pelo menos, 20 (vinte) vezes, no valor

total de R$ 1.560.000,00 (um milhão, quinhentos e sessenta mil reais), e em

consequência das vantagens recebidas ter praticado atos de ofício infringindo dever

funcional, está incurso nas penas do art. 317, §1º c/c art. 327, §2º, por 20 vezes, na

forma dos artigos 29 e 71, ambos do Código Penal (20 crimes em continuidade);

c) LUIZ CARLOS BEZERRA, entre janeiro de 2007 e abril de

2014, por pelo menos 20 (vinte) vezes, auxiliou para que RÉGIS FICHTNER e SÉRGIO

CABRAL solicitassem, aceitassem promessa e recebessem vantagem indevida,

praticando e omitindo atos de ofício, com infração de deveres funcionais, razão pela qual

está incurso nas penas do artigo 317, § 1º, do Código Penal, na forma do artigo 71,

do mesmo diploma legal (20 crimes em continuidade);

d) RÉGIS FICHTNER, de modo consciente, voluntário, estável e

em comunhão de vontades, promovido, constituído, financiado e integrado,

pessoalmente, uma organização criminosa que tinha por finalidade a prática de, entre

outros, crimes de corrupção ativa e passiva e crime contra o sistema financeiro, em

detrimento da União e do Estado do Rio de Janeiro, bem como a lavagem dos recursos

financeiros auferidos desses crimes, está incurso na pena do art. 2º, § 4º, II, da Lei nº

12.850/2013.

5. REQUERIMENTOS FINAIS

Assim, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer o recebimento

e processamento da denúncia, que deve ser distribuída por dependência aos autos das

medidas cautelares referidas na epígrafe, com o compartilhamento de suas

integralidades à presente prefacial.

56/60

Page 57: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer o

recebimento e processamento da denúncia, que deve ser distribuída por dependência

aos autos das medidas cautelares referidas na epígrafe, com o compartilhamento de

suas integralidades à presente prefacial.

Requer, ainda, o compartilhamento das provas já produzidas nas

ações penais ajuizadas sobre fatos que envolvem a mesma organização criminosa,

perante esse Juízo da 7ª Vara Federal, autuadas sob os seguintes números: 0509503-

57.2016.4.02.5101 (Calicute); 0509565-97.2016.4.02.5101 (busca e apreensão);

0501634-09.2017.4.02.5101 (Eficiência I); 0015979-37.2017.4.02.5101 (Eficiência II);

0015979-37.2017.4.02.5101 (Eficiência III); 0501853-22.2017.4.02.5101 (Mascate);

0104011-18.2017.4.02.5101 (Tolypeutes); 0104045-90.2017.4.02.5101 (Tolypeutes II);

0017513-21.2014.4.02.5101 (Crossover); 0503608-81.2017.4.02.5101 (Fatura Exposta –

Obstrução); 0503870-31.2017.4.02.5101 (Fatura Exposta – Corrupção); 0017513-

21.2014.4.02.5101 (Cartel); 0504938-16.2017.4.02.5101 (Ratatouille); 0504113-

72.2017.4.02.5101 (Corrupção – Carioca Engenharia); 0504466-15.2017.4.02.5101

(lavagem de dinheiro por meio da empresa Survey); 0133004-71.2017.4.02.5101

(Obstrução da justiça – Thiago Aragão); 0504446-24.2017.4.02.5101 (lavagem de

dinheiro por meio da empresa Brasas); 0135964-97.2017.4.02.5101 (lavagem de dinheiro

por meio da joalheria H. Stern); 0505914-23.2017.4.02.5101 (Ponto Final I) e 0505914-

23.2017.4.02.5101 (Ponto Final II); 0507524-26.2017.4.02.5101 (Unfair Play – primeiro

tempo); 0507813-56.2017.4.02.5101 (Unfair Play – segundo tempo); 0509154-

20.2017.4.02.5101 (Cautelar de Busca e apreensão – Georges Sadala).

Após, requer a citação dos denunciados para o devido processo

penal e as oitivas das testemunhas e colaboradores ao final arrolados.

Uma vez confirmadas as imputações, requer a condenação dos

denunciados à reparação dos danos materiais causados por suas condutas, nos termos

do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, fixando-se um valor mínimo

equivalente ao montante cobrado e recebido a título de vantagem indevida no caso, no

57/60

Page 58: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

patamar de R$ 1.560.000,00 (um milhão, quinhentos e sessenta mil reais)13, devendo

o valor ser destinado à União.

Requer, ainda, a condenação dos denunciados à reparação dos

danos morais causados por suas condutas, nos termos do art. 387, inciso IV, do Código

de Processo Penal, em montante não inferior ao dobro dos materiais, ou seja, R$

3.120.000,00 (três milhões, cento e vinte mil reais).

Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2017.

LEONARDO CARDOSO DE FREITASProcurador Regional da República

JOSÉ AUGUSTO SIMÕES VAGOSProcurador Regional da República

EDUARDO RIBEIRO GOMES EL HAGEProcurador da República

RODRIGO TIMÓTEO DA COSTA E SILVAProcurador da República

FELIPE ALMEIDA BOGADO LEITEProcurador da República

RAFAEL A. BARRETTO DOS SANTOSProcurador da República

SERGIO LUIZ PINEL DIASProcurador da República

MARISA VAROTTO FERRARIProcurador da República

FABIANA KEYLLA SCHNEIDERProcuradora da República

Documento eletrônico assinado digitalmente. Data/Hora: 19/12/2017 21:33:05Signatário(a): FABIANA KEYLLA SCHNEIDERCódigo de Autenticação: 1BA494B787F2C169F547FAD5DE39DDE6Verificação de autenticidade: http://www.prrj.mpf.mp.br/transparencia/autenticacao-de-documentos/

Testemunhas/ Colaboradores:

13 USD 2.000.000,00 x R$ 3,17 (contação de 11/10/2017).

58/60

Page 59: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

1) CARLOS EMANUEL DE CARVALHO MIRANDA (CARLOS MIRANDA), CPF nº

XXXXXXXXXX, com endereço na Av. XXXXXXXXXX, atualmente custodiado no

Complexo Penitenciário de Gericinó (Bangu), em cumprimento de prisão preventiva –

COLABORADOR;

2) TÂNIA MARIA SILVA FONTENELLE, CPFXXXXXXXXXX , residente e domiciliada na

XXXXXXXXXX – COLABORADORA.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 7ª VARA FEDERAL CRIMINAL DA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores

da República que ao final subscrevem14, no exercício de suas atribuições constitucionais

e legais, em especial a disposta no art. 129, I, da Constituição Federal, vem oferecer

DENÚNCIA em 64 laudas contra os denunciados acima.

Esclarece que deixa de denunciar CARLOS EMANUEL DE

CARVALHO MIRANDA em razão das penas alcançadas em outras condenações já

superarem o quantum definido em seu acordo de colaboração premiada homologado no

STF.

Para fins de instrução, requer seja o STF oficiado a fim de

fornecer cópia do acordo de colaboração premiada firmado com CARLOS MIRANDA

(PET 7125).

14 Designados para atuar em auxílio ao Procurador natural neste feito e conexos pelas Portarias PGR/MPFnº 1305 e 1307, de 7 de dezembro de 2017.

59/60

Page 60: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - poder360.com.br · 0504146-62.2017.4.02.5101 – Cautelar de afastamento do sigilo bancário e fiscal ... de outubro de 1959, ... Pelo menos entre janeiro

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Núcleo de Combate à Corrupção – Força-Tarefa Lava Jato

Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2017.

EDUARDO RIBEIRO GOMES EL HAGE

Procurador da República

FABIANA KEYLLA SCHNEIDER

Procuradora da República

FELIPE ALMEIDA BOGADO LEITE

Procurador da República

JOSÉ AUGUSTO SIMÕES VAGOS

Procurador Regional da República

LEONARDO CARDOSO DE FREITAS

Procurador Regional da República

MARISA VAROTTO FERRARI

Procuradora da República

RAFAEL A. BARRETO DOS SANTOS

Procurador da República

RODRIGO TIMÓTEO DA COSTA E SILVA

Procurador da República

SÉRGIO LUIZ PINEL DIAS

Procurador da República

Documento eletrônico assinado digitalmente. Data/Hora: 19/12/2017 21:33:05Signatário(a): FABIANA KEYLLA SCHNEIDERCódigo de Autenticação: 1BA494B787F2C169F547FAD5DE39DDE6Verificação de autenticidade: http://www.prrj.mpf.mp.br/transparencia/autenticacao-de-documentos/

60/60