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Mesa temática: 9. Feminismos transnacionales, hermenéutica y políticas de identidad
VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E OS SUJEITOS DO FEMINISMO:
REFLEXÃO SOBRE ALGUMAS PRODUÇÕES BRASILEIRAS11
Thalita Rodrigues
Mestranda em Psicologia na área de Psicologia Social – linha de pesquisa Política,
Participação Social e Processos de Identificação – da Universidade Federal de Minas
Gerais, Brasil. [email protected]
Claudia Mayorga
Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais,
Brasil.
RESUMO
Neste trabalho propomos uma reflexão sobre as possíveis implicações que as
discussões sobre o sujeito do feminismo, realizadas pelos feminismos da diferença /
feminismos da terceira onda e também presente na teoria de performatividade de gênero
(Butler, 2000, 2006; 2013), poderiam ter para a análise e enfrentamento da violência
contra as mulheres. Pretende-se assim pensar como o deslocamento da noção da opressão
feminina universal, recorrentes nos feminismos da segunda onda, juntamente com as
análises que contemplem interseções entre desigualdades (Crenshaw, 2002; Mayorga &
Prado, 2010) poderiam contribuir com a compreensão sobre a violência contra as
mulheres. Desta forma, refletiremos sobre os impactos de compreendermos esse problema
social e as desigualdades de gênero partindo-se da concepção de uma categoria
universal, no singular e pré-discurvisa, mulher, que apaga a diversidade de experiências
existentes e, dentre outras coisas, define que ao homem caberia o papel de algoz e à mulher
o papel de vítima. Nosso ponto de partida é a compreensão de que todas/os estamos
submetidas/os à diversas dinâmicas de opressão que se interseccionam como as relações
entre gênero, raça, classe e sexualidade. Estes marcadores sociais se interralacionam,
produzindo diferentes experiências de mulheres, bem como complexificando o processo
de subjetivação e as políticas de identidade (Butler, 2013; Costa, 2002), e também o
enfrentamento às opressões através de políticas públicas. Para a realização deste trabalho,
analisaremos a produção de três autoras brasileiras sobre violência contra as mulheres
1Autorizo o Comitê Acadêmico do II Congreso de Estudios Poscoloniales e III Jornada de Feminismo
Poscolonial “Genealogias criticas de la colonialidad”, Buenos Aires- Argentina, 2014, a publicar este texto
no formato que melhor definir.
(Chauí, 1985; Gregori, 1991; Saffioti, 1995; 2004; 2009), a partir dos debates de Santos
e Izumino (2005) sobre produções brasileiras sobre a temática de violência contra as
mulheres. . A partir da compreensão das concepções de violência contra as mulheres
destas três autoras, realizaremos uma reflexão sobre sujeitos dos feminismos articulando
as discussões da performatividade de gênero e interseções de opressões, a partir de
conceitos como articulação de categorias e interseccionalidade. Esta proposta é
desafiadora tanto epistemologicamente quanto metodologicamente, pois não basta ter
como horizonte estas discussões sobre sujeitos do feminismo, performatividade de
gênero, articulação de categorias e ou interseccionalidade, há que se repensar os
procedimentos metodológicos e a nossa capacidade de contemplar tais diferenças nas
experiências das mulheres, em nossos campos de pesquisas com nossas/os
interlocutoras/es.
Palavras-chave: violência contra as mulheres; política de identidades; feminismos
da terceira onda; performatividade de gênero; articulação de categorias.
1 - Feminismos da terceira onda e as disputas em torno do sujeito do feminismo
O feminismo surge como uma das primeiras críticas à razão e à democracia
moderna, denunciando que o sujeito moderno não contemplava as mulheres. A crítica se
direciona para o problema da universalidade da razão e visa a desconstrução da
subalternidade até então inerente à socialização das mulheres (Mayorga & Prado, 2010).
São muitas as concepções dos feminismos que, a partir das desigualdades entre
homens e mulheres, embora não se restrinja a apenas estas análises, sobre as
desigualdades sociais. Uma das maneiras que os feminismos têm sido pensados é através
das ondas que representariam momentos distintos com determinadas demandas e
concepções acerca das pautas políticas. De acordo com Nogueira (2001b) as ondas, ou
vagas, poderiam ser divididas em três. Apesar da sugestão que o nome faz, é necessário
ressaltar que as “ondas” não devem ser compreendidas como estágios do desenvolvimento
dos feminismos, mas sim como diferentes momentos das lutas feministas e que podem
coexistir em distintos e contextos históricos. Tais perspectivas feministas refletem tanto os
diferentes contextos histórico-políticos quanto dão indícios de como os contextos se
relacionam com as tensões em torno das compreensões sobre o que é (são) o(s)
feminismo (s) e quem seria (m) o(s) sujeito (s) deste(s) movimento (s). Ressaltamos, no
entanto, que essa divisão em ondas é uma das leituras possíveis do movimento feminista.
Algumas das leituras e compreensões que tem sido feitas sobre os sujeitos dos
feminismos, e contribuem para a realização deste trabalho, são as análises entre sujeito do
feminismo e pós-estruturalismo (Costa, 2002; Mariano, 2005) e contribuições do
construcionismo social para a psicologia social feminista (Nogueira, 2001). Todas essas
perspectivas de análise trazem como questões: a desnaturalização do sexo e da diferença
sexual; o questionamento ao binarismo de gênero, juntamente com sua consequente
essencialização identitária e; o tensionamento à categoria mulher enquanto sujeito no
singular e previamente delimitada. Tem também, como pressuposto, a construção
discursiva das relações sociais, contribuições do pós-estruturalismo e do pós-
modernismo.
Falar sobre as ondas do feminismo é uma estratégia de trazer para o debate sobre
violência contra as mulheres a dinâmica de aproximações e distanciamentos que as
diversas perspectivas feministas tem tido sobre a categoria mulher e as dinâmicas de
desigualdades sociais. A perspectiva de análise das Ondas do Feminismo (Nogueira,
2001b, Piscitelli, 2009) evidencia como, em diversos momentos e contextos, as lutas
sociais travadas por mulheres, ganharam formatos distintos, de acordo com o contexto.
Sendo assim, tanto a categoria mulher quanto as lutas políticas por emancipação dessas,
bem como os próprios movimentos feministas, estão em dinâmicas de igualdade e
diferença constante (Scott, 1999).
Tendo como contexto histórico-político o início do século XX, a chamada Primeira
Onda do feminismo se organizava em torno de questões relativas aos direitos civis, como o
direito ao voto (Nogueira, 2001b). Segundo Piscitelli (2009) “entre as décadas de 1920 e
1930, as mulheres conseguiram, em vários países, romper com algumas das expressões mais
agudas de sua desigualdade em termos formais ou legais” (126). É importante ressaltar que
Nogueira (2001b) traz uma dimensão sobre feminismo da Primeira Onda a partir das
experiências europeias e, que mesmo entre estes países, há diferentes momentos e
compreensões sobre as lutas pelos direitos civis. Assim, é necessário retomarmos a
compreensão de que este momento dos feminismos não foi superado e nem significa o
primeiro estágio de outros subsequentes (Nogueira, 2001b; Piscitelli, 2009).
A segunda onda, iniciada nas décadas de 60 e 70, por sua vez, tem sido
compreendida enquanto a organização das mulheres em busca da reconfiguração das
desigualdades entre homens e mulheres. As feministas demandavam mudanças culturais
e reposicionamentos sociais de homens e mulheres, denunciando desigualdades históricas
que se mantinham, apesar dos avanços concernentes aos direitos civis (Nogueira, 2001b;
Piscitelli, 2009).
Partindo do princípio de que todas as mulheres são oprimidas, e que portanto,
haveria uma universalidade tanto desta desigualdade quanto da categoria mulher, uma das
questões centrais à estas formulações é a proposta de compreender a origem da opressão
feminina (Piscitelli, 2009, Nogueira, 2001b, Nicholson, 2000, Mariano, 2005). A pergunta
sobre a origem (quando) será posteriormente refeita pelas feministas da terceira onda, em
muitas outras perguntas: “como se organizam as desigualdades entre homens e
mulheres?”, “como se organizam as desigualdades entre as mulheres?”
Esta universalidade da opressão feminina e da categoria mulher traz importantes
questões sobre a concepção de sujeito em jogo, bem como impactos teórico-políticos para
os feminismos e as lutas pela democratização social. “Assim, as formulações de uma
identidade essencial como homem ou como mulher permaneceram analiticamente
intocadas e politicamente perigosas” (Haraway, 2004, p. 218).
Neste contexto, o conceito de gênero é reformulado pelas feministas, propondo uma
reflexão que explique as desigualdades entre homens e mulheres não mais pela natureza,
ou pelos discursos biológicos, mas sim pela cultura através das investigações sociais
(Nogueira, 2001a).
Uma dimensão importante das concepções de gênero presentes nas formulações da
segunda onda é a heterossexualidade. Rubin (1986) problematiza esse pressuposto,
evidenciando o sistema sexo/gênero e a suposta heterossexualidade inerente. Butler (2003)
nomeia esta prerrogativa presente nas normas de gênero como heteronormatividade
compulsória. Segundo a autora, as normas de gênero forjam uma coerência entre sexo,
gênero e desejo.
Segundo Haraway (2004), as feministas da segunda onda historicizaram o binarismo
natureza versus cultura, mas não ampliaram a crítica à distinção sexo/gênero, uma vez
que tal distinção servia ao combate dos determinismos biológicos.
As feministas da segunda onda cedo fizeram a crítica da lógica binária do par
natureza/cultura, inclusive das versões dialéticas da narrativa marxista-humanista
de dominação, apropriação ou mediação da “natureza” pelos “homens” através do
“trabalho”. Mas esses esforços hesitaram em ampliar inteiramente sua crítica à
distinção derivada sexo/gênero. Esta distinção era muito útil no combate aos
determinismos biológicos pervasivos constantemente utilizados contra as feministas
em lutas políticas urgentes a respeito das “diferenças sexuais” nas escolas, nas
editoras, nas clínicas e assim por diante. Fatalmente, nesse clima político limitado,
aquelas primeiras críticas não historicizaram ou relativizaram culturalmente as
categorias “passivas” de sexo ou natureza. (pp.217-218)
Assim como Haraway (2004), várias autoras tem refletido sobre os impactos da
concepção de gênero e mulheres presentes nas formulações da segunda onda do
feminismo. Estas reflexões e críticas incidem inclusive sobre os usos que o conceito
gênero teve enquanto sinônimo de mulheres e a importância de se diferenciar
produções sobre mulheres e produções que pensem as relações de gênero. (Scott, 1995,
Nogueira, 2001a). Perspectivas feministas que compreendem gênero enquanto uma
construção social sobre as diferenças sexuais biológicas, atualizam a dicotomia natureza
versus cultura (Butler, 2013, Haraway, 2004). O sexo, representaria, nestas perspectivas,
a matriz biológica sobre a qual o gênero, cultural, recobriria. Butler (2000) tensiona esta
dicotomia problematizando o quanto o próprio corpo e o sexo são revestidos de
significados e construções também socioculturais.
O ´sexo´ é um ideal regulatório cuja materialização ocorre (ou deixa de ocorrer)
através de certas práticas altamente reguladas. Em outras palavras, o ´sexo´ é um
constructo ideal que é forçosamente materializado através do tempo. Ele não é um
simples fato ou a condição estática de um corpo, mas um processo pelo qual as
normas regulatórias materializam o ´sexo´ e produzem essa materialização através
de uma reiteração forçada destas normas (Butler, 2000, p. 154)
Assim, se gênero foi inicialmente pensado para romper com a ideia de natureza
enquanto destino, perspectivas feministas binárias acabam reificando gênero enquanto
destino social:
Não se pode, de forma alguma, conceber o gênero como um constructo cultural que
é simplesmente imposto sobre a superfície da matéria- quer se entenda essa como
o ´corpo´, quer como um suposto sexo. Ao invés disso, uma vez que o próprio ´sexo´
seja compreendido em sua normatividade, a materialidade do corpo não pode ser
pensada separadamente da materialização daquela norma regulatória (Butler, 2000,
p. 152)
A perspectiva de gênero compreendida a partir do binarismo homem versus mulher
contribui também para o apagamento das diferenças que as próprias categorias
identitárias homens e mulheres contém. Conforme Scott (1999), o jogo de oposição
binária “assume que tudo em cada categoria (mulher/homem) é a mesma coisa (é igual);
portanto, se suprimem as diferenças dentro de cada categoria” (p. 219). Esta lógica binária
contribui, portanto, para a essencialização destas categorias, reificando identidades.
Segundo Butler (2003), a política feminista, baseada nesta oposição e na necessidade da
categoria mulher a priori, é excludente: “a insistência sobre a coerência e unidade da
categoria mulheres rejeitou efetivamente a multiplicidade das interseções culturais, sociais
e políticas em que é construído o espectro concreto das ‘mulheres’” (p. 35). A autora
nomeia este processo como política feminista da identidade, que se basearia na ideia de
que seria necessário um sujeito a priori, mulher, para que assim as ações políticas
acontecessem:
Tentei sugerir que as categorias de identidade frequentemente presumidas como
fundantes na política feminista- isto é, consideradas necessárias para mobilizar o
feminismo como política da identidade- trabalham simultaneamente no sentido de
limitar e restringir de antemão as próprias possibilidades culturais que o feminismo
deveria abrir. As restrições tácitas que produzem o “sexo” culturalmente inteligível
têm de ser compreendidas como estruturas políticas generativas, e não como
fundações naturalizadas (Butler, 2003, p. 211).
Uma consequência, portanto, desta política feminista situada na segunda onda do
feminismo, questionada por Butler (2003), Haraway (2004), Scott (1995, 1999), e tantas
outras autoras, é conceber gênero como o ponto de partida para o qual se deve olhar e agir
quanto às desigualdades sociais, especificamente, entre homens e mulheres. Mas, por que
gênero seria o marcador social privilegiado para nortear as intervenções sociais? E
outras desigualdades como as raciais, de classe, etárias? E as desigualdades transnacionais
como àquelas entre norte e sul global?
A partir de questionamentos sobre esse feminismo - nomeado aqui como de
Segunda Onda –, comprometido com a busca pela origem da opressão universal das
mulheres, bem como da universalidade da categoria mulher, que feministas de diversas
partes do mundo vem realizando problematizações acerca das produções de gênero e os
sujeitos dos feminismos.
“A decepção com modelos e discursos realizados por feministas brancas levaram
outros coletivos de mulheres a utilizar suas experiências de exclusão, opressão e
discriminação, bem como de resistência, para desenvolver formas próprias de
trabalhar com os conceitos de gênero e feminismo” (Mayorga & Prado, 2010, p. 49-
50).
Assim, a terceira onda tem o enfoque na discussão sobre as diferenças internas do
próprio feminismo, colocando em xeque, não apenas a universalidade de gênero para se
pensar as experiências das mulheres, mas também a necessidade de repensar este
marcador social e colocá-lo em relação a outros. É neste momento que surgem as
denúncias e críticas de mulheres não contempladas pelas falas e posicionamentos das
feministas brancas, ocidentais, universitárias das décadas de 60 e 70.
“Feministas negras, lésbicas, asiáticas, africanas, latino-americanas têm se
esforçado na construção de importantes contribuições para a compreensão das
múltiplas faces da opressão feminina que afetam as experiências de vida de muitas
mulheres por todo o mundo” (Mayorga & Prado, 2010, p. 49).
Muitas são as teóricas, e suas respectivas análises, que contribuem para a
ampliação dos debates feministas. Feministas negras como hooks (2004) e as denúncias
sobre o racismo presente nas teorizações das feministas brancas, bem como a ausência
de reflexões de gênero nas discussões raciais, contribuem para a complexificação das
análises sobre as desigualdades sociais por colocar em relação dinâmicas até então
questionadas separadamente. Anzaldúa (2005/1987) propõe, através da consciência
mestiça, um novo olhar sobre as relações de gênero, sexualidade e étnicas. Falando a
partir das fronteiras de sua experiência, a autora problematiza o fato de ser mulher,
lésbica, chicana, ativista e acadêmica nos Estados Unidos. Spivak (2012) e suas reflexões
acerca da diversidade de subalternas/os e seu silenciamento sistêmico, propõe que o papel
das intelectuais pós- coloniais seria tanto o de questionar a forma como as hierarquias e
discursos se configuram quanto problematizar a possibilidade de uma epistemologia dos
pós- coloniais de se falar pelas/os colonizadas/os. Ao problematizar a configuração das
hierarquias e desigualdades, as/os intelectuais visibilizariam como as resistências dos pós-
colonizados sempre são tidas como ilegítimas e, portanto, subalternas. (Costa,
2006).
Ao lançarem luz sobre questões como raça, sexualidade, localização geopolítica,
estas feministas contribuem para (re)pensarmos as desigualdades sociais e,
consequentemente, a violência contra as mulheres. Ampliar o nosso olhar sobre este
fenômeno compreendendo que, para além dos avanços concernentes às legislações de
enfrentamento à violência contra as mulheres, formulação de políticas públicas e da
“universalidade” que a violência contra as mulheres tem, é necessário nos debruçarmos
sobre como diferentes marcadores sociais trarão diferentes configurações para a violência
contra as mulheres.
Juntamente à estas reconstruções e desconstruções dos sujeitos e ações
feministas, algumas saídas tem sido elaboradas para pensar a relação entre distintos
marcadores sociais ou, as relações entre as diferentes diferenças. Uma destas respostas é a
de Kimberle Crenshaw (2002). A autora propõe o conceito de interseccionalidade,
articulando mais de uma opressão: “a interseccionalidade é uma conceituação do
problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre
dois ou mais eixos de subordinação” (p.177).
Mayorga e Prado (2010) também propõem um exercício articulatório para a
compreensão de desigualdades, no contexto universitário brasileiro, a partir das reflexões
das feministas da terceira onda e das discussões sobre democracia:
Entende-se neste contexto articulação como sendo um processo de fixação de
significados que anteriormente estavam díspares, mas que no processo articulatório
ganham sentido e fixidez para a manutenção de relações de reciprocidade identitária.
Segundo Laclau e Mouffe (1985), o conceito de articulação pode ser entendido como
“práticas que estabelecem uma relação entre elementos de modo que a identidade
deles é modificada como um resultado da prática articulatória” (p.54).
A compreensão de que a categoria mulheres deve estar no plural, contemplando as
diversas experiências existentes é um exercício importante para a compreensão e
enfrentamento à violência contra as mulheres. Esta dimensão da pluralidade das
experiências de mulheres está presente na Política Nacional de Enfrentamento à Violência
contra as Mulheres:
“A violência contra as mulheres não pode ser entendida sem se considerar a dimensão
de gênero, ou seja, a construção social, política e cultural da(s) masculinidade(s) e
da(s) feminilidade(s), assim como as relações entre homens e mulheres. É um
fenômeno, portanto, que se dá no nível relacional e societal, requerendo mudanças
culturais, educativas e sociais para seu enfrentamento, bem como o reconhecimento
de que as dimensões de raça/etnia, de geração e de classe contribuem para sua
exacerbação.” (Brasil, 2011, p. 20).
A compreensão binária de gênero, apaga a multiplicidade que as categorias
identitárias de homens e mulheres contém. Esta redução é excludente, essencialista e pode
incorrer no risco de reificar posições de sujeito. Para as dinâmicas da violência contra as
mulheres, pode delimitar às mulheres a posição de vítimas, ao invés de mulheres em
situação de violência, e aos homens, a posição de algozes. Além disso, deixa de lado as
dinâmicas da sexualidade e pressupõe relações heterossexuais. Assim, como as feministas
negras, lésbicas, latino-americanas, orientais denunciaram a exclusão que as feministas
brancas cometiam ao pensar apenas a dimensão do gênero, temos nos perguntado sobre
quais tantas outras dinâmicas violentas e opressoras ficariam de fora ao não
compreendermos o fenômeno da violência contra as mulheres enquanto interseccional.
Ter a dimensão de que há distintas experiências de mulheres e que estas diferenças serão
importantes para a compreensão das violências sofridas complexificam a compreensão
deste fenômeno, bem como as respostas para seu enfrentamento. Conforme vimos, a
Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres reconhece a
importância de compreendermos esse fenômeno a partir de um olhar interseccional.
Entretanto, este tem sido um desafio teórico- prático.
Passaremos agora à análise de algumas produções brasileiras sobre a temática da
violência contra as mulheres, para dialogar sobre contribuições dos feminismos para o
alargamento da compreensão das violências contra as mulheres.
2- Violência contra as mulheres: algumas perspectivas de estudos brasileiros
Ao analisar a história dos estudos de mulheres ou de gênero, Heilborn e Sorj (1995)
resgatam também a história do movimento feminista no Brasil. As autoras relatam a
especificidade brasileira do movimento sempre ter tido a participação de acadêmicas e
que, segundo versões da história, o feminismo brasileiro teria surgido antes na academia
e depois se disseminado em outros setores sociais. Portanto, o movimento feminista
brasileiro tem uma origem intelectual e que utilizou dos espaços institucionais das
universidades para divulgar suas bandeiras de luta, demandas e ações políticas. Os estudos
sobre violência doméstica ou conjugal, segundo as autoras, foram importantes
catalisadores da identidade do feminismo nacional” (Heilborn & Sorj, 1995, p. 21), uma
vez que ampliaram o campo de repercussão das demandas feministas para além dos
movimentos sociais, visibilizando os feminismos em outros contextos.
Os primeiros estudos realizados debruçavam-se sobre as denúncias de violência
doméstica nas instituições policiais e sobre as ações feministas de combate a violência
doméstica. De acordo com Santos e Izumino (2005), é possível verificar três eixos teóricos
que nortearam a realização destes trabalhos, a partir dos anos 1980 e que tem tido
importantes impactos na produção nacional sobre o tema. O primeiro seria a concepção
da dominação masculina na qual a violência contra as mulheres seria entendida como
derivada da dominação da mulher pelo homem, sendo a mulher cúmplice desta situação.
Já a segunda perspectiva seria a dominação patriarcal, baseada no feminismo marxista e
nas teorias sobre o patriarcado enquanto origem das opressões feministas. A última
perspectiva, segundo as autoras, seria a relacional e compreenderia a violência como uma
forma de comunicação entre os parceiros. A noção de dominação é relativizada e a mulher
não é mais entendida como vítima, mas cúmplice da violência.
Com o intuito de pensar aproximações e distanciamentos entre perspectivas distintas
sobre violência contra as mulheres, as articulações entre desigualdades e seus impactos na
compreensão de sujeito, utilizaremos a divisão de Santos e Izumino (2005). A partir desta
divisão, faremos uma breve apresentação de estudos, realizados a partir da década de 80,
e que ainda são importantes referenciais teórico-políticos para as reflexões sobre violência
contra as mulheres.
A primeira perspectiva teórica apresentada como sendo da dominação masculina,
refere-se ao artigo Participando do debate sobre mulher e violência, de Marilena Chauí
(1985). A violência contra a mulher seria produto de uma ideologia de dominação
masculina que é cotidianamente (re) produzida tanto por homens quanto mulheres. A
violência seria entendida como o ato de transformar as diferenças em desigualdade a fim
de oprimir e subalternizar. O discurso hegemônico, caracteristicamente masculino,
essencializaria uma feminilidade a partir da maternidade, restando às mulheres a
perspectiva de agir sempre a partir do discurso masculino, uma vez que nós, mulheres,
dominadas e constituídas heteronomamente, não conseguiríamos estabelecer um discurso
feminino. A reflexão de Chauí é complexa e, apesar de conceber as mulheres como
objetificadas e também instrumentos da dominação, compreende que nós seríamos
cúmplices da violência que sofremos, não no sentido de livre-arbítrio, mas que nossa
constituição enquanto mulheres foi realizada a partir deste discurso que é masculino e que
seríamos instrumentos da manutenção e reiteração desta dominação. Além de vítimas da
violência masculina, poderíamos também ser agressoras de outras mulheres, reproduzindo
tal discurso umas com as outras. A mulher seria
[d]efinida como esposa, mãe e filha (ao contrário dos homens para os quais ser
marido, pai e filho é algo que acontece apenas), [as mulheres] são definidas como
seres para os outros e não como seres com os outros” (Chauí, 1985, p. 47)
Chauí (1985) traz uma perspectiva interessante de análise ao realizar um
deslocamento sobre desigualdades a partir das diferenças sexuais, identificando que são
discursos que constituem subjetividades. Como temos discutido com os feminismos, as
discussões binárias de gênero, são um risco ao pensarmos as relações de desigualdade e
violências por, através do apagamento das diferenças, incorrer no perigo de
essencializarmos identidades reificadas em si mesmas. Embora não esteja falando de
categorias identitárias, mas sim de discusros, Chauí (1985) não traz à tona a multiplicidade
das experiências de ser mulher e homem, conforme Scott (1999) problematize. É
interessante, porém o deslocamento promovido por esta autora ao compreender que as
mulheres também são agressoras e reprodutoras deste discurso masculino. Chauí
aproxima-se das discussões feministas da segunda onda (Piscitelli, 2009) que explicam a
opressão universal das mulheres através da ideia de patriarcado (Pateman, 1993), ao
mesmo tempo que traz ao debate sobre violência contra as mulheres a perspectiva de
compreensão de que há desigualdades também nas relações entre mulheres, contribuições
das discussões feministas da terceira onda. Tal deslocamento promove tensões nas
concepções vitimistas sobre as condições das mulheres em situação de violência, que
universalizam a opressão das mulheres e incorrem no risco de uma análise determinista baseada na
ideia de vítimas e algozes, bem como abre perspectivas para compreendermos dinâmicas das
relações entre mulheres, inclusive de violências entre mulheres.
A segunda perspectiva teórica abordada por Santos e Izumino (2005) seria a de
dominação patriarcal defendida por Saffioti e Almeida (1995) e Saffioti (2004). A autora
compreende a violência contra as mulheres enquanto parte da estrutura social de
dominação-exploração patriarcal, vinculada ao sistema capitalista-racista, realizada por
homens, e que é também mantida e (re) produzida pelas mulheres. Consoante à proposta
de Pateman (1993), Saffioti (2004) propõe que a discussão de patriarcado é fundamental
para compreendermos a violência doméstica. A autora define patriarcado a partir de
Hartmann (1979) considerando-o
como um pacto masculino para garantir a opressão de mulheres. As relações
hierárquicas entre os homens, assim como a solidariedade entre eles existente,
capacitam a categoria constituída por homens a estabelecer e a manter o controle
sobre as mulheres (Saffioti, 2004, p. 104).
Assim, às mulheres caberia a satisfação sexual dos homens, ser reprodutoras de
herdeiros e de novas reprodutoras, além de atuarem enquanto mão de obra. Aos homens
seria portanto garantido o uso e desfruto do corpo feminino, justificando, desse modo, o
uso da violência para manter seu domínio.
Para Saffioti (2004),
não obstante a força e a eficácia política de todas as tecnologias sociais,
especialmente as de gênero, e, em seu seio, das ideologias de gênero, a violência
ainda é necessária para manter o status quo. Isto não significa adesão ao uso da
violência, mas uma dolorosa constatação (p. 139).
A partir da leitura de Scott (1989) e Rubin (1975), Saffioti (2004) reconhece a
importância do conceito de gênero, mas com ressalvas. Para a autora, tal conceito seria
relevante no sentido histórico, uma vez que gênero contempla a organização social a partir
das diferenças entre homens e mulheres e em termos de recusa ao essencialismo biológico.
Gênero enquanto inovação conceitual propiciou que a academia se debruçasse mais sobre
a situação das mulheres enquanto categoria social. Entretanto, a autora problematiza o fato
do termo não abarcar as relações desiguais de poder entre homens e mulheres, que o
conceito de patriarcado necessariamente trata. Sua proposta é, portanto, pensar a violência
doméstica englobando tanto o conceito de gênero quanto o de patriarcado.
As proposições da autora sobre a relação entre dominação masculina sobre as
mulheres, capitalismo e racismo são importantes contribuições para o feminismo
brasileiro e para o enfrentamento à violência contra as mulheres. Entretanto, apesar de
considerar esta articulação entre marcadores sociais como gênero, raça e classe a
concepção da autora desloca pouco sobre como estas interseções atuam na produção da
situação de violência contra as mulheres e na própria desigualdade patriarcal de gênero
(Saffioti, 2009). Saffioti admite em suas análises a importância do marcador raça, como
podemos ver a seguir:
Entretanto, não fica evidente em suas reflexões e teorias, como as dinãmicas raciais
colaboram ou complexificam o fenômeno da violência contra as mulheres. Se por um lado
Saffioti faz um percurso teórico extenso e sólido sobre a ontogênese do gênero e o conceito
de patriarcado (Saffioti, 2004, 2009), recorre às análises marxianas e weberianas para
pensar as desigualdades de classe e os impactos do capitalismo (Saffioti, 2004), o mesmo
não ocorre com as relações étnico-raciais. O racismo brasileiro, o mito da democracia racial,
a branquitude e branqueamento (Gomes, 2005; Munanga, 2004) o dispositivo da
mestiçagem (Tadei, 2002) são importantes aspectos a serem analisados para a compreensão
das dinâmicas sociais brasileiras e suas consequentes desigualdades e violências. E mesmo
ao propor os conceitos de gênero e patriarcado, a partir de uma tradição materialista
dialética, Saffioti (2009) não se desloca da busca da origem das desigualdades entre homens
e mulheres, como podemos ver na passagem a seguir:
Os hominídeos desceram das árvores, houve mutações e a cultura foi-se
desenvolvendo. É pertinente supor-se que, desde o início deste último processo,
foram sendo construídas representações do feminino e do masculino. Constitui-se,
assim, o gênero: a diferença sexual, antes apenas existente na esfera ontológica
orgânica, passa a ganhar um significado, passa a constituir uma importante
referência para a articulação das relações de poder. A vida da natureza (esferas
ontológicas inorgânica e orgânica), que, no máximo, se reproduz, é muito distinta
do ser social, que cria sempre fenômenos novos (Saffioti, 2009, p.33).
As pesquisas brasileiras sobre violência contra as mulheres da década de 80 são
marcadas por estas duas perspectivas teóricas. Enquanto a concepção de violência contra
as mulheres adotada é a de Chauí (1985), as reflexões que orientam e explicam esta
experiência são de Saffioti e Almeida (1995) e Saffioti (2004) e sua concepção de
patriarcado. Não foi incorporada, contudo, a reflexão de Chauí (1985) sobre a
cumplicidade das mulheres na violência enquanto reprodutoras do sistema de dominação
masculina. Este debate de Chauí (1985) é importante por problematizar uma visão
vitimista presente na concepção patriarcal defendida por Saffioti que é baseada em uma
compreensão rígida de dominação masculina sobre as mulheres (Santos & Izumino,
2005). Outro ponto crítico dos estudos da década de 80 é utilizarem os termos violência
doméstica, violência contra as mulheres e violência familiar como sinônimos, o que
resultaria em uma imprecisão terminológica (Santos & Izumino, 2005).
A terceira perspectiva de compreensão da violência contra as mulheres é a
relacional que relativiza o binômio dominação-vitimização. Maria Filomena Gregori é a
principal autora a realizar tal trabalho com o livro Cenas e Queixas no qual relata sua
pesquisa no SOS – Mulher de Campinas, entre 1982 e 1983, buscando compreender tanto
as práticas das feministas e os discursos utilizados quanto a experiência das mulheres em
situação de violência. Gregori (1993) analisa as contradições do discurso militante
feminista, que evitava o lugar de serviço assistencialista, e acreditava que as mulheres
sairiam da situação de violência através da conscientização feminista. A autora aponta
que há uma lacuna entre a proposta das militantes de trabalhar a autonomia e emancipação
feminina e a demanda das mulheres que procuram o SOS e que na maioria das vezes, não
querem se separar dos companheiros. Assim, a pesquisadora questiona se as mulheres são
mesmo meras vítimas da violência. Gregori formula a hipótese de que a violência seria
uma forma de comunicação entre parceiros e que, apesar de ser no corpo da mulher a
incidência dos danos, as mulheres seriam cúmplices neste processo de comunicação.
A perspectiva de Gregori critica as noções de dominação de Chauí e Saffioti, por
entendê-las enquanto uma prescrição prévia de quem ocupa o lugar de vítima e quem seria
o algoz. Tais perspectivas seriam vitimistas e portanto limitadas ao não esperar que
houvesse outra postura, se não a de vítimas, para as mulheres em situação de violência.
Se por um lado seus apontamentos inovam ao trazer para a discussão do feminismo
brasileiro questionamentos acerca da vitimização das mulheres, por outro lado, ao
pressupor uma relação de igualdade entre parceiros, a autora ignora que a violência
pressupõe uma relação de poder (Santos & Izumino, 2005). Assim, apesar de conceber a
mulher como cúmplice da violência, tal como Chauí (1985), a compreensão da violência
e das relações existentes são diferentes.
Santos e Izumino (2005) fazem duas ressalvas ao trabalho de Gregori. A primeira
é quanto a perspectiva teórica adotada que compreende a violência contra a mulher como
se houvesse igualdade entre os parceiros, desconsiderando as relações de poder. A aposta
de Gregori é uma via perigosa, pois se não vitimiza a mulher em situação de violência,
pode cair em outro extremo de culpabilizá-la pela violência sofrida. A segunda ressalva
é quanto a análise da pesquisa realizada. Gregori não contempla em suas análises o
contexto mais amplo de ocorrência das cenas de violência e nem analisa o contexto
institucional do SOS na produção das queixas. Além disso, a autora generaliza o sentido
das queixas, sem levar em consideração as histórias de vida das mulheres em situação de
violência, chegando à conclusões universalizantes.
Mesmo com críticas contundentes a seu trabalho, Gregori (1993) tem contribuições
muito importantes para pensarmos violência contra a mulher. Como já foi dito, ao
questionar as concepções até então utilizadas de dominação, ela visibiliza o quão
vitimistas e binários os estudos (e claro, as práticas interventivas) vinham sendo. Tendo
em vista os debates e disputas em torno do conceito de gênero e da categoria mulher,
Gregori (1993) promove tensionamentos interessantes sobre as prescrições dos lugares nas
relações de violência. A partir destes questionamentos do livro Cenas e Queixas, até
mesmo a denominação às mulheres vítimas de violência é substituída, gradativamente,
para mulheres em situação de violência, conceito que é inclusive atualmente utilizado na
política nacional de enfrentamento à violência contra a mulher (Brasil, 2011; Santos &
Izumino, 2005).
Gostaríamos de ressaltar, ainda, que além deste tensionamento da vitimização,
Gregori analisa neste livro as relações entre as mulheres presentes no SOS. A autora
analisa tanto as aproximações e, principalmente os distanciamentos, entre as feministas que
atuavam no SOS e as mulheres em situação de violência. Ela traz para o debate as diferenças
e desigualdades raciais, de classe,e etárias entre as mulheres e suas perspectivas diante do
fenômeno da violência contra as mulheres. Além disso, Gregori ainda mostra as
desigualdades existentes também entre as próprias mulheres atendidas no SOS. Como por
exemplo, no caso de racismo narrado em Cenas e Queixas, no qual “Marlene, por ser
branca, se sentia superior a Elena; para esta, ser negra realçava a sua condição de vítima”
(Gregori, 1993, p. 88). Assim, apesar dos limites de sua tese em desconsiderar as relações
de poder entre homens e mulheres e a cumplicidade destas nas situações de violência,
Gregori traz contribuições consonantes com as discussões sobre os sujeitos dos
feminismos dos feminismos da Terceira Onda. A autora traz indícios sobre a necessidade
de compreendermos a violência contra as mulheres em relação com outras desigualdades
e violências, como o racismo.
Considerações finais
Realizamos neste ensaio um exercício teórico-político de pensar contribuições das
discussões feministas sobre sujeitos dos feminismos (Costa, 2002; Mariano, 2005;
Nicholson, 2000), a partir das formulações dos feminismos da diferença/ feminismos da
terceira onda e da teoria da performatividade de gênero (Butler, 2000; 2013), para a
compreensão e enfrentamento à violência contra as mulheres. Entendemos que o
deslocamento das noções universais de opressão feminina e da categoria mulher,
realizadas pelos feminismos da diferença, bem como as propostas de análises que
compreendam as desigualdades a partir das interseções (Crenshaw, 2002; Mayorga, Prado,
2010), contribuem para a compreensão da categoria mulheres no plural. Esta perspectiva
possibilita contemplar a multiplicidade que as categorias identitárias contém bem como
complexifica a compreensão do fenômeno da violência contra as mulheres em relação com
outras dinâmicas violentas e opressoras que ficariam de fora ao não compreendermos o
fenômeno da violência enquanto interseccional.
Chauí (1985), Gregori (1993) e Saffioti (1995, 2004, 2009) e suas formulações
sobre violência contra as mulheres apresentam debates que se aproximam das discussões
dos feminismos da diferença como a análise de que mulheres reproduzem discursos
sexistas e violentos (Chauí, 1995; Gregori, 1993), a necessidade de pensarmos as relações
de classe e as desigualdades sociais (Gregori, 1993, Saffioti, 2004). Entretanto, também
apresentam pontos de tensão ao partirem de concepções binárias de gênero, que não
contemplariam a multiplicidade de experiências de homens e mulheres (Chauí, 1985;
Saffioti, 2004, 2009) e ou deixam de lado as relações de poder inerentes às relações de
gênero (Gregori, 1993). Outro ponto importante a ser pensado, e que é pouco debatido nas
produções destas autoras, é sobre as relações raciais e como o racismo e machismo se
articulariam produzindo experiências de violência interseccionais.
Assim, esse exercício inicial propôs colocar em relação autoras distintas e suas
concepções de feminismo a fim de lançar outros olhares sobre a violência contra as
mulheres, auxiliando tanto na sua compreensão quanto no seu enfrentamento, (tentando)
levar em consideração as múltiplas violências que esta violência aglutina. Pensar as
relações raciais como hooks (2004), as questões da sexualidade e étnicas a partir das
fronteiras conforme proposta de Anzaldua (2004) e refletir sobre a construção das
subalternidades que congregam além de marcadores sociais relações coloniais como
Spivak (2012), são importantes contribuições entre os feminismos para pensarmos este
fenômeno, não com um olhar rígido, mas a partir das dinâmicas de igualdade e diferença
e de acordo com o contexto.
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