Memorização musical
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EM PAUTA - v. 20 - n. 34/35 - janeiro a dezembro de 2012
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CHAFFIN, Roger. Estratgias de recuperao da memria na execuo musical: aprendendo Clair de Lune. Em Pauta, Porto Alegre, v. 20, n. 34/35, 187-221, janeiro a dezembro 2012. ISSN 1984-7491
Estratgias de recuperao da memria na
execuo musical: aprendendo Clair de Lune
Roger Chaffin
Learning Clair de Lune: retrieval practice and expert memorization
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Resumo: Como um intrprete experiente memoriza com rapidez uma nova pea em apenas algumas horas de estudo? Em busca de respostas, gravamos as sesses de estudo de uma pianista profissional, durante seu aprendizado de Clair de Lune de Claude Debussy. Ela tambm nos forneceu relatrios detalhados sobre a es-trutura formal da pea e sobre os guias de execuo utilizados ao longo do aprendi-zado, bem como outras decises tcnicas e interpretativas. Estes relatrios foram utilizados para determinar os aspectos aos quais ela prestou ateno durante as sesses de estudo e os pontos em que ela teve problemas com a recuperao da memria. O treino das recuperaes con-sistiu em uma das principais atividades, ao longo das quase cinco horas despendidas para que a obra pudesse ser executada de memria. A pianista tentou tocar de memria desde o incio do aprendizado, utilizou a estrutura musical para organizar seu estudo e trabalhou com os guias de execuo para acelerar a recuperao a partir da memria de longo prazo. Por-tanto, os intrpretes praticam estratgias de recuperao, mesmo quando o tempo disponvel limitado.
Palavras-chave: memria, memria de msicos profissionais, execuo musical, preparao, guias de execuo.
Abstract: How does an experienced performer memorize when learning a new piece quickly, in just a few hours of practice? To find out, a concert pianist recorded her practice as she learned Clair de Lune by Claude Debussy. She also provided detailed reports on the formal structure of the piece, the performance cues that she selected to attend to while playing, and other decisions about tech-nique and interpretation. These reports were used to determine what she paid attention to during practice and where she had difficulty with memory retrieval. Retrieval practice was one of the main ac-tivities throughout the 4 hours needed to prepare the piece for performance. The pianist tried to play from memory almost from the start, used the musical structure to organize practice, and worked on per-formance cues to speed up retrieval from long-term memory. Performers practice memory retrieval, even when practice time is limited.
Keywords: memory, expert memory, music performance, practice, performan-ce cues.
Traduo: Fernando Rauber Gonalves
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As biografias de msicos famosos contm relatos incrveis sobre suas capacidades de memorizao de vastas quantidades de material (Cooke, 1999, p.41). Experts em outras reas demonstram capacidades similares na memorizao eficaz, as quais parecem beirar o sobrenatural (Chase & Simon, 1973). No entanto, de acordo com a
teria da memria em experts, a recuperao de dados, nestes indivduos, no funciona de
forma diferente dos demais. As extraordinrias habilidades de memorizao dos experts po-
dem ser explicadas segundo os princpios gerais do funcionamento da memria, aplicveis
a qualquer indivduo (Chaffin & Imreh, 2002; Ericsson & Kintsch, 1995). O funcionamento
superior da memria se d pela combinao de trs fatores: conhecimento, estratgia e
esforo. O conhecimento dos experts, em seus respectivos campos do conhecimento, os
habilitam a codificar novas informaes de acordo com padres pr-moldados e j existentes
em sua memria (Mandler & Pearlstone, 1966; Miller, 1956; Tulving, 1962). Para um msico,
estes segmentos de informaes incluem padres familiares como escalas, acordes e arpejos,
cuja prtica constitui significativa parte do treinamento musical (Halpern & Bowser, 1982;
Imreh & Chaffin, 1996/97). Em relao memorizao, os msicos e os artistas profissionais
tambm utilizam esquemas de recuperao que, quando necessrio, os auxiliam no acesso
aos agrupamentos que compem a memria de uma pea (Ericsson & Oliver, 1989). Por
ltimo, as longas horas dedicadas ao estudo aumentam dramaticamente a velocidade de
recuperao, tornando o msico profissional capaz de utilizar a memria de longo prazo
para executar tarefas para as quais a maioria das pessoas dependeriam da memria de
trabalho (Ericsson & Kintsch, 1995).
A validade dos princpios de funcionamento da memria em experts, no campo da
execuo musical, no uma obviedade, tendo em vista que os princpios aqui relatados
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resultam de pesquisas com indivduos especializados em decorar informaes tais como
sequncias de movimentos nos tabuleiros de xadrez (Chase & Ericsson, 1982; Chase & Si-
mon, 1973), sequncias numricas (Chase & Ericsson, 1982; Thompson, Cowan & Frieman,
1993) e pedidos de refeies em restaurantes (Ericsson & Oliver, 1989). Nesses campos, a
primazia da memria declarativa (conceitual), enquanto as memrias motoras e auditi-
vas so menos atuantes. A maioria das execues na tradio musical ocidental resulta de
numerosas horas de estudo para assegurar que o msico possa contar com a capacidade
de recuperao imediata de vastas quantidades de informao, exigindo do musicista
memria automtica e implcita das sequncias motoras requeridas. O pianista Jrg Demus
comentou que, durante a juventude, provavelmente a maioria dos intrpretes depende
quase exclusivamente da memria motora: Quando voc jovem, toca (de cor) quase
sem conscincia do que est fazendo ... mas em uma idade mais avanada ... esta aborda-
gem inconsciente no funciona mais, portanto precisamos utilizar o crebro para ajudar o
corao (Elder, 1986, p.129).
O problema para qualquer um que dependa da memria motora implcita, seja estu-
dante ou profissional, que, quando alguma coisa de errado acontece, e este um fato
inescapvel, o msico no dispe de recursos para enfrentar estes momentos e acaba se
debatendo com a msica, improvisando e tateando, na esperana de que algo lhe fornea
um guia de recuperao que coloque sua execuo de volta nos eixos. Demus acredita que
o risco de humilhao pblica, envolvido na eventual falha de memria no palco, leva a
maioria dos jovens intrpretes a desenvolverem estratgias de memorizao mais confiveis.
Utilizar o crebro uma forma de ajudar a memria motora, amplamente implcita, com
um tipo mais explcito, a memria declarativa. Diz o pianista Leon Fleischer: Provavelmente
o [tipo de memria] menos confivel na execuo pblica a memria digital, porque
o dedo que nos abandona primeiro. Portanto, eu pensaria em uma memria estrutural ...
(Noyle, 1987, p.97).
O comentrio de Fleischer sugere que a memria declarativa, utilizada por um intr-
prete para reter seu repertrio, pode ter estreitos pontos de contato e semelhanas com
as memrias dos jogadores de xadrez, dos indivduos que conseguem decorar longas
sequncias numricas, dos garons que conseguem reter vrias listas de pedidos sem se
confundir grupos que foram estudados em pesquisas anteriores (Ericsson & Kintsch, 1995;
Ericsson & Lehmann, 1996). A maior parte da msica ocidental de concerto hierarquica-
mente organizada em movimentos, sees e subsees, de acordo com as propriedades
harmnicas e meldicas do material musical. Esta estrutura formal fornece aos musicistas
esquemas de recuperaes pr-moldados que podem ser utilizados como mecanismo de
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acesso, confivel e flexvel, para a execuo de obras complexas. Os estudos da memria
musical mostram que os msicos codificam a msica de acordo com seu entendimento
do esquema estrutural, o utilizando para organizar sua prtica. Ao comearem e pararem
nos limites de sees, os msicos estabelecem estes pontos como guias de recuperao.
Se algum problema ocorre durante uma execuo, o msico pode pular para o prximo
guia de recuperao e continuar com um mnimo de interrupo (Chaffin & Imreh, 1997,
2001, 2002; Chaffin, Imreh, & Crawford, 2002). Intrpretes experientes prestam ateno
estrutura musical durante sua preparao, resultando em representaes de memria que
so hierarquicamente organizadas de acordo com a estrutura: os incios de sees so lem-
brados com mais facilidade (Chaffin & Imreh 1997, 2002; Chaffin et al., 2002) e reconhecidos
mais rapidamente (Williamon & Egner, 2004).
Alm dos limites de sees, msicos experientes estabelecem outros guias de recu-
perao para nortear sua execuo. Estes guias de execuo representam quatro aspectos
principais de uma pea musical (Chaffin & Imreh, 1997, 2002; Chaffin et al., 2002). Os guias
estruturais, que representam os limites de sees, j foram mencionados. Outro tipo de guia
estrutural consiste nos pontos de troca, ou seja, quando um material musical idntico se repe-
te em pontos diferentes da pea, criando o risco de confundir o msico sobre qual passagem
est sendo tocada. Os guias expressivos representam os sentimentos musicais transmitidos
audincia, como a surpresa ou o entusiasmo. Os guias expressivos fornecem outros nveis
de organizao hierrquica, dividindo a pea em frases expressivas. Alm destes, existem
tambm guias de execuo para a interpreo e para tcnica. A maior parte das decises
sobre interpretao e tcnica feitas por msicos so automaticamente implementadas
como resultado da prtica. No entanto, alguns guias devem ser monitorados, durante a
execuo, para garantir que sejam realizados conforme o planejado. Esses se tornam guias
interpretativos e guias bsicos de execuo. Os guias interpretatvos representam decises
interpretativas crticas, como um decrscimo de dinmica que prepara um crescendo pos-
terior. Os guias bsicos representam detalhes cruciais de tcnica, por exemplo, o uso de um
dedilhado especfico para posicionar a mo para a prxima passagem.
A Figura 1 mostra um exemplo dos guias de execuo utilizados pela pianista neste
estudo. A figura mostra os guias bsicos, interpretativos e expressivos (representados por
flechas), dos compassos 39-42 de Clair de Lune de Claude Debussy, com anotaes adicio-
nadas pelo autor para propsitos de ilustrao. Trs guias de execuo foram marcados no
incio do compasso 41. Para a pianista, este trecho consistia no clmax expressivo da pea.
No nvel bsico, ela precisava posicionar sua mo para a sequncia de teras descendentes
a seguir. No nvel interpretativo, ela precisava tocar forte. No nvel expressivo, ela precisava
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transmitir o clmax expressivo. Os trs tipos de guias representam, portanto, diferentes
formas de pensar sobre a mesma passagem. Neste compasso, os trs tipos de guias funcio-
naram em conjunto, contudo, nem sempre este alinhamento ocorre. Quatro guias bsicos
de execuo adicionais representam, na Figura 1, relaes harmnicas familiares, que
eram marcos importantes para a pianista, sem, no entanto, demandarem ateno especial
direcionada interpretao ou expresso. Os guias interpretativos e expressivos tambm
podem ocorrer desvinculados de outros guias.
Os guias de execuo so marcos que um msico experiente utiliza para monitorar a
execuo de uma pea. O conjunto de guias forma um mapa mental que fornece meios de
monitorar e controlar a ao rpida e automtica das mos, dando ao msico flexibilidade
para se recuperar de erros e se ajustar s demandas idiossincrticas de cada execuo. O
ato de pensar sobre os guias, durante o estudo, significa treinar justamente a recuperao
da memria. O ato de prestar ateno em uma caracterstica da msica a estabelece como
um guia de recuperao, de maneira que, durante a execuo, o guia possa ser lembrado
automaticamente e sem esforo e, com isto, estimule os movimentos dos dedos, das mos
e dos braos, deliberadamente estudados e necessrios neste ponto.
O estudo consistente e consciente um fator indispensvel para que os guias de execu-
o funcionem de maneira confivel, enquanto o msico estiver vivenciando a presso do
Figura 1 Um exemplo do relatrio original pianista sobre os guias de execuo (indi-
cados por flechas) para os compassos 39-42 de Clair de Lune de Claude Debussy com
anotaes acrescentadas pelo autor.
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evento, do pblico e da situao de palco (Chaffin et al., 2002). Para assegurar sua utilidade
durante uma execuo pblica, a recuperao a partir da memria declarativa de longo
prazo deve acompanhar a velocidade da execuo. Entretanto, este tipo de recuperao
da memria geralmente um processo mais lento em relao aos processos perceptuais
e motores (Ericsson & Kintsch, 1995). Por conta disso, intrpretes com menor experincia
utilizam, no lugar desta, as memrias implticas motoras e auditrias. Para manter uma re-
presentao declarativa explicta na memria de trabalho, durante a execuo, o intrprete
deve ser capaz de pensar sobre o que vem adiante, durante o prprio desenrolar da pea.
Sem um estudo realmente consistente, o fluxo musical constantemente interrompido,
por exemplo, quando o intrprete hesita para poder se lembrar da prxima passagem,
antes de toc-la. A prtica consistente necessria para evitar estas interrupes e tornar a
recuperao, a partir da memria declarativa de longo prazo, rpida, automtica e confivel.
Alcanar a integrao necessria entre pensamento e ao um dos principais objetivos
das longas horas de estudo necessrias para aprender uma obra musical desafiadora.
Ao estudar msicos que se confrontam com novas obras, observa-se que eles praticam
de forma muito consistente os guias de execuo. Em um estudo realizado com estudantes
de piano, constatou-se que o grupo mais avanado comeou a utilizar a estrutura musical
para organizar seu processo de aprendizado antes que o grupo menos avanado o fizes-
se, resultando em mais prtica dos guias estruturais e em execues mais satisfatrias
(Williamon & Valentine, 2002). Estudos de caso longitudinais, com intrpretes experientes,
mostram que eles incorporam os guias de execuo desde o incio da aprendizagem de
uma nova pea. Uma pianista e uma violoncelista praticaram guias de execuo durante
mais de 30 horas e 50 sesses de estudo para aprenderem, respectivamente, o Presto do
Concerto Italiano de J.S. Bach e o Preldio da Sute para Cello N6 para execuo pblica
(Chaffin et al., 2002; Chaffin, Lisboa, Logan, & Begosh, 2006).
No entanto, o que dizer sobre msicas que no requerem um perodo de estudo to
prolongado? Intrpretes experientes frequentemente aprendem novas peas com muita
rapidez. Ser que esta memorizao mais rpida tambm envolve a prtica consistente de
guias de recuperao? Dois estudos de caso longitudinais sobre o aprendizado de obras
menos complexas, em perodos de tempo relativamente curtos, com intrpretes experien-
tes, sugerem que os guias de execuo so indispensveis, mesmo nas obras mais fceis
(Ginsborg, Chaffin, & Nicholson, 2006; Noice, Chaffin, Jeffrey, & Noice, 2008). A necessidade
de incorporao consistente dos guias de execuo se reduz em comparao com as peas
mais difceis, pois menos guias so necessrios e estes no precisam operar to rapidamente.
Contudo, mesmo assim a prtica dos guias de execuo parece ter seu lugar assegurado.
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Ginsborg et al. (2006) descrevem os comentrios de uma soprano e de um regente, durante
as sesses de estudo individuais e em conjunto, na preparao da execuo do Ricercar 1 da
Cantata de Stravinsky para soprano e tenor solistas, coro feminino e conjunto instrumental.
Os comentrios dos msicos identificaram pontos que, posteriormente, foram considerados
guias de execues coletivos e, nas sesses em conjunto, os msicos entraram em acordo
sobre os guias de execuo que compartilhavam. Noice et al. (2008) observou um pianista
de jazz memorizando um standard bebop de 32 compassos, In Deep Freeze de Hank Mobley,
em duas sesses, totalizando 45 minutos de estudo. Guias estruturais, expressivos e guias
bsicos de execuo foram identificados como pontos de partida. Intrpretes experientes
parecem utilizar os guias de execuo em peas mais simples, da mesma forma que em
obras mais desafiadoras.
O presente estudo tem por objetivo comprovar a viabilidade da hiptese, segundo a
qual intrpretes experientes incorporam os guias de execuo, mesmo quando aprendem
rapidamente uma nova pea. Os estudos anteriores apresentaram evidncias diferenciadas
sobre esta hiptese: comentrios (Ginsborg et al., 2006) e incios e interrupes durante
o estudo (Noice et al., 2008). No entanto, os pianistas no estudo de Noice et al. no apre-
sentaram a pea em pblico e pararam de estud-la asim que a memorizaram, antes de a
obra estar pronta para a execuo pblica. O presente estudo examinou quatro tipos de
evidncia, medida que uma pianista j estudada em Chafin et al. (2002) preparava,
pela primeira vez, Clair de Lune de Claude Debussy para a execuo pblica. Embora Clair
de Lune apresente durao similar ao Presto de Bach, a pianista antecipava um processo
de memorizao mais fcil, em virtude do andamento lento. Segundo ela, isto permitiria
bastante tempo para pensar sobre o prosseguimento da msica e porque, diferentemente
do Presto, sua estrutura simples e no repetitiva apresentaria chances menores de confu-
so em relao s diferentes repeties do mesmo tema. A dvida, no entanto, era se a
pianista utilizaria os guias de execuo e a estrutura musical como apoio fundamental na
memorizao, da mesma forma que ela havia feito no Presto.
Caso a pianista tenha utilizado os guias de execuo e a estrutura musical para me-
morizar Clair de Lune, ento constataremos que incios, paradas e repeties, durante a
prtica, ocorreram com mais frequncia nos guias estruturais e nos guias de execuo do
que em outras passagens da msica. Caso a pianista tenha treinado os guias de execuo
como mecanismo de memorizao, verificaremos que as hesitaes, durante as primeiras
execues completas, ocorreram mais nos guias de execuo assinalados do que em outros
pontos da partitura. Vamos tambm comparar os comentrios espontneos da pianista,
registrados durante seu estudo, com suas prprias descries sobre a memorizao da
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pea, a fim deverificar se h correspondncia com o que pode ser inferido da execuo no
momento. Por ltimo, examinaremos o emprego do tempo de estudo, especificamente
a proporo entre a prtica efetiva e o tempo de reflexo, para comprovar que a pianista
praticou constantemente a recuperao da memria.
Metodologia
A pianista
Gabriela Imreh estudou piano na Romnia e atua como concertista nos Estados Unidos.
A msica
Clair de Lune, da Sute Bergamasque, de Claude Debussy, uma das peas mais aclamadas
do repertrio pianstico. Sua capacidade de evocar sentimentos de tranquilidade, mistrio
e encantamento tem garantido sua popularidade durante geraes e motivado sua seleo
como pea de bis por pianistas. A pianista nunca havia aprendido Clair de Lune, contudo
estava familiarizada com esta conhecida pea e j havia tocado outras obras de Debussy
durante sua carreira. Apesar de harmonicamente complexa, Clair de Lune no apresenta
maiores dificuldades tcnicas e sua estrutura ABBA simples pode ser compreendida sem
dificuldades. Sua execuo dura aproximadamente 5 minutos, sendo composta de 72
compassos, em compasso ternrio composto 9/8.
SESSES DE ESTUDO
A pianista gravou suas sesses de estudo, desde o primeiro contato com a obra ao piano
at a primeira execuo pblica, duas semanas depois. As sesses 1-5 ocorreram em seu
estdio e foram gravadas em video. As sesses 6-7 foram gravadas na sala de concerto, no
dia anterior e no dia da primeira execuo pblica, mas somente o udio foi registrado. A
execuo pblica no foi gravada. A pianista no realizou um estudo mental sistemtico e
no estudou a partitura longe do piano, portanto nossos dados cobrem todo o processo
de preparao da pea. O aprendizado de Clair de Lune ocorreu durante uma intervalo de 3
meses (entre as sesses 12 e 14) que entremeiam o aprendizado do Presto de Bach, descrito
por Chaffin et al. (2002, pp. 97-100). Neste momento, a pianista ainda no tinha formulado
sua ideia a respeito dos guias de execuo, articulada pela primeira vez quatro meses depois
como parte da descrio de seu processo de memorizao do Presto.
Cada nicio e interrupo do estudo foi anotado e transcrito. Durante a prtica, a pianista
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comentou, periodicamente, o que estava fazendo. Estes comentrios foram transcritos e
classificados por tpicos (veja Chaffin et al. 2002, p.140-141).
O andamento-alvo mdio de execuo em cada sesso foi medido atravs de um me-
trnomo eletrnico, para que correspondesse ao andamento da execuo em dez pontos
da obra de cada sesso, espaados em intervalos de tempo praticamente equivalentes. Em
cada ponto, o andamento medido foi o andamento-alvo que a pianista objetivava tocar em
cada segmento, ignorando pausas momentneas e hesitaes. As taxas ou frequncias de
estudo obtidas em cada sesso consistem no nmero mdio de batidas tocadas por minuto,
durante toda a sesso (nmero de segmentos de estudo X durao mdia dos segmentos
de estudo em compassos X 3 tempos por compasso) / (tempo de execuo em minutos).
O tempo de execuo foi a durao da sesso gravada, menos o tempo no qual a pianista
no tocou durante incios, finais e quaisquer outras pausas de mais de 30 segundos. A razo
entre a frequncia/andamento expressou a discrepncia entre a frequncia de estudo e o
andamento-alvo (frequncia de estudo/andamento-alvo; veja Chaffin et al., 2002, p.126-135
para mais detalhes sobre cada uma dessas medies).
SESSES DE ESTUDO DA EXECUO COMPLETA
As primeiras vezes que a pianista tocou integralmente a pea de memria foram pon-
tuadas por hesitaes. Seis execues ininterruptas foram examinadas para determinar
onde as hesitaes ocorreram, duas em cada uma das sesses 4, 5 e 7. Os dados obtidos,
nestas execues, foram combinados para calcular o andamento mdio de cada compasso
entre as execues, para formar duas etapas mdias de execuo. As execues iniciais (duas
da sesso 4 e uma do incio da sesso 5) foram representativas das primeiras execues
nas sesses 4 e 5. As execues posteriores (a ltima execuo da sesso 5 e as duas da
sesso 7) foram representativas da execuo mais polida nas sesses 6 e 7. Aps escutar
as gravaes, a pianista considerou as ltimas execues como as mais prximas de sua
inteno artstica.
Intervalos entre compassos (IEC, em segundos) foram medidos para cada execuo com
um software de processamento de udio, do incio da primeira nota em cada compasso
ao nicio da primeira nota do prximo, e convertidos em estimativas de andamento em
tempos por minuto ( andamento = (1 / IEC segundos) * 3 * 60). 1
1 Nos compassos 1 e 9, no h nota no incio do compasso. Nestes casos, o incio do compasso foi determinado por interpolao.
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RELATRIOS DA PIANISTA
A pianista relatou as caractersticas da msica nas quais prestou ateno ou a partir
das quais tomou decises durante a prtica, aproximadamente seis meses aps a primeira
execuo pblica, quando a pea ainda estava bem presente em sua memria e em seu
repertrio. Os relatrios foram organizados em 12 dimenses, que representaram a maioria
dos aspectos musicais considerados pela pianista (veja a Tabela I; veja Chaffin et al., 2002,
p.166-176 para mais detalhes). As dimenses estruturais descrevem sua compreenso da
organizao temtica da pea (delimitaes de sees2 e pontos de troca). As dimenses
da execuo descrevem os guias de execuo focalizados pela pianista, enquanto tocava
(expressivos, interpretativos e bsicos). As dimenses interpretativas moldaram o carter
musical da pea (fraseado, dinmicas, andamento e pedalizao) e as dimenses bsicas
descrevem os fatores necessrios para a execuo correta das notas (padres familiares,
dedilhados e dificuldades tcnicas).
Tabela 1. Dimenses de estudo utilizadas pela pianista
Dimenso Descrio da dimenso
Estrutura musical
Limites de seo: incios e finais de temas musicais, dividindo a pea em sees.Pontos de troca: lugares nos quais duas repeties do mesmo material comeam a divergir.
Guias de execuo
Expressivos: emoes que devem ser transmitidas durante a execuo (por exemplo, tenso ou tranquilidade).Interpretativos: fraseado, dinmicas, andamento e utilizaes do pedal que ainda demandam ateno durante a execuo.
Interpretao
Fraseado: agrupamento de notas para formar unidades musicais.Dinmicas: mudanas de volume, ou nfase em uma srie de notas para formar uma frase.Andamento: variaes na velocidade.Pedal: utilizado para colorir o som atravs do controle da ressonncia e da durao.
Tcnica bsica
Dedilhados: escolhas que fogem do padro usual para tocar certas notas.Dificuldades tcnicas: lugares que requerem ateno aos aspectos moto-res (por exemplo, saltos).Padres familiares de notas: por exemplo, escalas, acordes ou arpejos.
2 A pianista identificou as seguintes sees e sub-sees (nmeros de compasso entre parntese): Aa (1-8), Aa1 (9-14), Ab (15-19), Ab1 (20-26), Ba (27-30), Ba1 (31-42), Ba2 (43-50), Aa2 (51-58), Aa3 (59-65), Coda (67-72).
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Para produzir os relatrios, a pianista fez marcaes em cpias das partituras, que foram
cortadas em pequenas sees e coladas em pginas maiores. Um exemplo do relatrio
das dimenses bsicas mostrado na Figura 2, para os compassos 39-42. As setas indicam
as caractersticas da msica sobre as quais a musicista havia pensado, durante o estudo,
distinguindo dificuldades tcnicas, dedilhados e unidades conceituais (chamados de
padres de familiaridade na Tabela 1 e nos demais pontos da partitura para mais clareza)
marcadas em dimenses distintas. As dimenses interpretativas e os guias de execuo
foram relatados de maneira semelhante em duas pginas adicionais. O relatrio dos guias
de execuo para os mesmos compassos encontra-se na Figura 1.
Os compassos 39-42 representam o clmax da pea e a ateno dada pela pianista para
esta passagem crucial se reflete no elevado nmero (33) de caractersticas bsicas, mar-
cadas na Figura 2. Observe, no entanto, que somente os guias bsicos de execuo foram
Figura 2. Um exemplo dos relatrios fornecidos pela pianista sobre as caractersticas que envolvem aspectos tcnicos bsicos, pensados durante o estudo dos compassos 39-42, separados em trs dimenses (dificuldades tcnicas, dedilhado, unidades conceituais/
padres de familiaridade). As caractersticas so indicadas, respectivamente, por flechas ascendentes e descendentes.
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relatados para a mesma passagem, na Figura 2. Esta constatao no foge ao normal; os
guias de execuo bsicos formam um subconjunto seleto das caractersticas bsicas. A
maioria das caractersticas bsicas tornaram-se automticas com a prtica, prescindindo
da necessidade de ateno durante a execuo. Somente um pequeno nmero de carac-
tersticas bsicas, escolhidas como parte do mapa mental da execuo, tornaram-se guias
bsicos de execuo neste caso especfico.
ANLISE
Para determinar se a pianista estava estudando os guias estruturais de execuo que ela
prpria havia identificado em seus relatrios, anlises regressivas diversas foram utilizadas,
a fim de relacionar a quantidade de guias de execuo, relatados em cada compasso, com
a quantidade de vezes que cada compasso foi estudado e com a fluncia durante a exe-
cuo de memria. Foram consideradas vriaveis referentes aos aspectos quantitativos de
estudo (nmero de incios, paradas e repeties do mesmo compasso) e o andamento por
compasso na execuo integral da pea, bem como variveis de previses, representando
os relatos da pianista sobre estrutura musical, guias de execuo e caractersticas nas di-
menses interpretativas e bsicas (veja a Tabela 1), agrupadas em conjunto. Onze previsores
relevantes presente hiptese sobre memorizao foram selecionados, a partir de uma
anlise exploratria, que incluiu todos os 22 previsores descritos no prximo pargrafo.
As doze dimenses da Tabela 1 resultaram em 21 previsores. O nmero de notas em
cada compasso tambm foi includo como um previsor em todas as anlises. Os relatrios da
estrutura musical foram representados por cinco previsores: o primeiro e ltimo compasso
em cada seo (codificados como variveis descartveis); a posio serial do compasso em
uma seo numerada a partir do incio da seo; o nmero de pontos de troca relatados
em um compasso; os compassos antes de pontos de troca. Cada um dos guias de execuo,
agrupados em bsicos, interpretativos e expressivos, foi representado por trs previsores.
Os relatrios dos guias de execuo foram codificados pelo nmero de guias relatados, por
compasso, para cada dimenso. Para identificar os efeitos em compassos limtrofes, os com-
passos anteriores e posteriores aos guias de execuo bsicos, interpretativos e expressivos
foram representados pela alterao da posio dos previsores um grau (compasso) para trs
ou para diante. Por exemplo, a fim de representar os compassos anteriores e posteriores aos
guias bsicos de execuo, as variveis que os representavam foram deslocadas uma coluna
para cima (anterior) ou uma coluna para baixo (posterior) na matriz dos dados, criando
dois novos mecanismos de previso que representavam, respectivamente, os compassos
anterior e posterior aos guias bsicos de execuo. (Os compassos anteriores aos pontos
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de troca, mencionados anteriormente, foram codificados da mesma forma, um compasso
aps sua ocorrncia). Por ltimo, os relatos das dimenses bsicas e interpretatvas foram
codificados pelo nmero de caractersticas relatadas por compasso, para cada dimenso
interpretativa (fraseado, dinmica, andamento e pedal) e para cada dimenso bsica (de-
dilhado, dificuldades tcnicas e padres familiares).
Houve divergncias quanto aos previsores selecionados para o estudo e para o anda-
mento da msica, a partir das anlises exploratrias. Tanto em relao ao estudo propria-
mente dito quanto ao andamento, a estrutura foi representada pelos primeiros e ltimos
compassos nas sees e pela posio serial, os guias de execuo pela quantidade de cada
tipo (bsicos, interpretativos e expressivos) e pela quantidade de notas. Alm disso, as an-
lises das sesses de estudo incluram: compassos anteriores e posteriores aos guias bsicos
de execuo; compassos anteriores aos guias interpretativos; compassos posteriores aos
guias expressivos. Os mesmos previsores foram utilizados para o andamento com a adio
dos pontos de troca e a omisso de compassos anteriores aos guias bsicos, totalizando 11
previsores para as sesses de estudo e para o andamento.
As correlaes entre os previsores foram, em sua maioria, pequenas (r
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a execuo ininterrupta dos compassos indicados no eixo horizontal. Cada vez que a exe-
cuo para e reinicia, um novo segmento mostrado na linha acima. (O incio do primeiro
segmento de estudo de cada sesso indicado na esquerda pelo smbolo >). De acordo
com os grficos das sesses de estudo, o aprendizado foi dividido em quatro estgios. Os
resumos estatsticos so relatados abaixo, assim como os comentrios da pianista durante
sua preparao.
Tabela 2. Sesses de estudo e caractersticas dos segmentos ao longo das duas semanas
do perodo de aprendizado. Estgio
Estudo por seo Agrupando sees PolimentoSesso Sesso Sesso Sesso Sesso Sesso Sesso
Estatstica descritiva 1 2 3 4 5 6 7
Dias do incio da prtica 1 2 3 11 12 13 14
Durao da seo (horas:min.) 01:06 00:36 00:33 00:55 00:56 00:30 00:13
Mdia de durao dos segmentos (em compassos)
4,3 4.3 5 16.3 23.5 11.8 19.5
Nmero dos segmentos de estudo
172 111 89 40 33 33 9
ESTUDO EXPLORATRIO (SESSO 1)
A pianista iniciou a sesso 1 lendo a partitura (esta leitura no consta no grfico de
estudo). Depois tocou, primeira vista, toda a pea com muitas interrupes, porm sem
parar para trabalhar em nenhum ponto especfico. Com este tipo de abordagem, a pianista
concluiu o primeiro estgio de explorao, cujo intuito foi o de formar uma imagem musical
da pea e identificar os principais marcos e as questes a serem adminstradas (Chaffin,
Imreh, Lemieux & Chen, 2003; Neuhaus, 1973).
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Figura 3. Registros cumulativos de estudo para a sesso 1, indicando onde a execuo
iniciou e terminou. Os registros devem ser lidos de baixo para cima.
ESTUDO POR SEES (sesses 1-3)
O prximo estgio foi caracterizado pelo estudo por sees. Ele durou at a sesso de
estudo 3. A pianista trabalhou a pea em sees, dividindo o tema A em duas subsees
principais, trabalhando, primeiro, nos compassos 1-14, e depois nos compassos 15-16, an-
tes de junt-las. Ela ento realizou o mesmo procedimento para o tema B nos compassos
27-50. A sesso 1 foi concluda com outra tentativa de tocar a pea inteira. Na sesso 2, a
pianista iniciou com passagens j trabalhadas e ento concentrou-se no clmax da pea, nos
compassos 41-42, estabelecendo os guias de execuo mostrados na Figura 1. Este trabalho
ainda no estava finalizado quando a pianista precisou parar por conta da fadiga:
Eu queria ter um pouco mais de resistncia para trabalhar mais. Tenho certeza que conseguiria alcanar meu objetivo logo. [Mas] estou muito cansada ... tentarei amanh. Espero conseguir um pouco de tempo para trabalhar nisso.
Ela no conseguiu continuar sua tarefa e, no dia seguinte, precisou viajar para um recital.
Quando ela retornou, oito dias depois, o trabalho nos compassos 41-42 foi retomado na
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sesso 3. Esta sesso de estudo foi concluda com trs execues do incio da pea at o
compasso 50.
Mesmo sem ter finalizado seu estudo por sesses, a pianista passou para o prximo
estgio na sesso 4, tendo como obetivo tocar toda a pea de memria. A pianista iniciou
a sesso 4, tentando tocar a pea at onde fosse possvel de memria. Ela conseguiu exe-
cutar a pea sem a partitura quatro vezes com xito. A sesso 5 prossegiu com o mesmo
padro, com a pianista alternando o estudo da seo final, at ento negligenciada, com
a prtica da execuo de memria.
Figura 4. Registros cumulativos de estudo para as sesses 2-3, indicando onde a execuo
iniciou e terminou. Os registros devem ser lidos de baixo para cima.
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POLIMENTO (sesso 6)No dia anterior ao concerto, aps o aquecimento, que consistiu em duas execues
integrais de Clair de Lune no palco, a pianista descobriu que a seo final ainda apresenta-
va problemas: Obviamente, a ltima pgina ainda mais fraca, pois eu a comecei muito
depois do que as outras e trabalhei muito menos nela (sesso 6). Ela repetiu o mesmo
procedimento novamente na manh seguinte (sesso 7) e apresentou a pea como um
bis no recital pela tarde. Dois dias aps a execuo, a pianista gravou sua avaliao sobre
sua execuo:
O resultado foi bastante satisfatrio para a primeira execuo... eu cometi somente alguns pequenos erros, no entanto me senti bastante confortvel. Provavelmente o nico erro que me incomodou foi no compasso 33, mas com isto quero dizer que me apeguei a este erro. Durante um minuto, um segundo, uma frao de segundo, eu estava um pouco preocupada. Nem posso dizer onde o erro ocorreu, se ele aconteceu na mo direita ou na esquerda. Eu me recuperei bastante rpido. Foi somente uma deciso tomada em uma frao de segundo e eu sabia o que estava fazendo ... Tirando isso, no ocorreram outros problemas significativos ... Portanto, eu penso que o trabalho foi bem realizado.
Ela planejou apresentar Clair de Lune novamente em outro concerto, um ms depois, mas
por agora a pea estava memorizada e a pianista parou de gravar suas sesses de estudo.
Figura 5. Registros cumulativos de estudo para as sesses 4-7, indicando onde a execu-
o iniciou e terminou. Os registros devem ser lidos de baixo para cima.
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Tabela 4. Coeficientes de regresso (no ajustados) e R para os efeitos dos previsores no
andamento mdio dos dois conjuntos de execues completas e na diferena entre estes.
Efeitos nas mdias de execuo distintas
Efeitos na segunda mdia de exe-cues comparado com a mdia
das primeiras execuesMdia de execuo Mdia de execuo
Varivel de previsoPrimeiro
conjunto de execues
Segundo conjunto de execues
Segundo conjunto de execues
F ( df = 1.59 )
Primeiro conjunto de execues - - 0.77 11.92***
Estrutura musical:
Incio de seo 8.67 -0.94 15.29 ***
Final de seo -9.19 * -15.86 *** -7.58 10.58 *
Posio serial em uma seo 0.78 1.17 * -8.82
Pontos de troca -9.74* -1.93 0.58 9.79 **
Guias de execuo: 5.53
Bsicos -1.32 2.23 3.24 7.63 **
Bsicos (compasso anterior) -3.27 2.72 5.23 24.11 ***
Interpretativos -1.88 -0.29 1.15
Interpretativos (com-passo anterior) 0.55 -0.58 -1.01
Expressivos -0.08 -0.55 -0.49
Expressivos (com-passo anterior) 4.08 0.45 -2.67 5.26 *
Nmero de notas 0.13 0.29* 0.19 4.95 *
R 0.26 * 0.39 *** 0.82 ***
*p < .05, **p < 0.1, ***p < 0.01
Mesuraes descritivas da prticaOs objetivos diversos de cada estgio se refletem nas mudanas na quantidade e
durao dos segmentos praticados em cada seo (veja a Tabela 2). Nas sesses 1-3, os
segmentos de estudo eram curtos e numerosos, pois a pianista trabalhava a pea por
sees. Nas sesses 4-5, os segmentos aumentaram em durao e diminuram em quan-
tidade, pois ela estava praticando a execuo da pea sem interrupes. Nas sesses 6-7,
a durao dos segmentos diminui novamente, pois a pianista estava polindo detalhes,
havendo, portanto, um nmero menor de instncias da execuo completa.
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Consequncias da estrutura musical e dos guias de execuo na prticaOs grficos relativos s sesses de estudo evidenciam que a pianista escolheu alguns
lugares para iniciar e parar e que ela exercitou algumas passagens mais do que outras.
Por qu? A resposta sugerida pelas anlises regressivas resumidas na Tabela 3. Os
significativos efeitos positivos indicam que a pianista iniciou, interrompeu ou repetiu
compassos nos quais ela havia reportado limites estruturais e guias de execuo mais
frequentemente do que outros.
A aprendizagem foi organizada a partir da estrutura formal. Em todos os trs estgios,
os segmentos de estudo iniciaram com mais frequncia nos limites de sees do que em
outros lugares. Os efeitos mostrados da Tabela 3 evidenciam que, assim como em seu
aprendizado do Presto, a pianista levou em conta a estrutura formal, durante a prtica, e
estabeleceu incios de sees como guias de recuperao nos quais ela podia comear sua
execuo (Chaffin & Imreh, 2002; veja tambm Miklaszewski, 1989; Williamon & Valentine,
2002). Os efeitos da posio serial nas sesses 1-3 sugerem que sua ateno estrutura
formal j estava afetando a memria nestas sesses iniciais. Compassos posteriores em uma
seo foram repetidos mais vezes e foram locais de mais incios e paradas, sugerindo difi-
culdades de memorizao. As consequncias das posio seriais deste tipo so usualmente
encontradas na recuperao dos dados e so geralmente considerados como reflexo da
organizao da informao na memria (por ex.: Rundus, 1971). Aqui, o efeito sugere que a
memria da pianista foi organizada em segmentos baseados nas sees da estrutura formal,
e que a recuperao de cada seo iniciou com o primeiro compasso, com cada compasso
guiando sucessivamente a lembranado prximo (Broadbent, Cooper & Broadbent, 1978;
Roediger & Crowder, 1976).
Durante o processo de aprendizado, a pianista se concentrou mais nos guias de execuo.
Os guias bsicos de execuo e os compassos imediatamente posteriores foram repetidos
mais do que outros nas sesses 4-5 e 5-6. Nas sesses 4-5, os compassos antes dos guias
bsicos tambm foram mais repetidos. Os esforos da pianista para tocar passagens mais
longas de memria nestas sees foram aparentemente interrompidas pela repetio
nestes pontos, sugerindo que a recuperao da memria ainda no estava funcionando
de maneira confivel.
Os efeitos dos guias de execuo expressivos foram similares queles dos incios
das sees nas sesses 1-3. Durante o estudo, houve maior nmero de interrupes em
compassos posteriores aos guias de execuo expressivos do que em outros pontos. A
similaridade com os efeitos da estrutura musical sugerem que os guias expressivos podem
ter sido utilizados para subdividir a msica em frases expressivas, subdividindo as sees
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formais da pea. Os guias expressivos desempenharam o mesmo papel no aprendizado
do Presto (Chaffin & Imreh, 2002; Chaffin et al., 2002, pp. 213-216). A ausncia de efeitos
significativos para os guias interpretativos sugerem que, assim como o Presto, estes guias
podem ter sido menos importantes do que os guias estruturais e expressivos (Chaffin &
Imreh, 2002; Chaffin et al., 2002, p.215).
EXPLICAES ALTERNATIVASPoderiam os efeitos dos guias de execuo bsicos e expressivos refletir mais o trabalho
na tcnica e interpretao do que a prtica de recuperao da memria? Para examinar esta
possibilidade, as anlises foram refeitas incluindo todos os previsores adicionais fornecidos
pela pianista. Este previsores representam os relatos da pianista sobre cada aspecto da
msica sobre o qual ela pensou durante a prtica. Caso os efeitos dos guias de execuo
bsicos ou expressivos sejam resultado da prtica da tcnica ou da interpretao e no da
recuperao da memria, ento os efeitos dos guias de execuo devem desaparecer em
anlises expandidas, substitudos pelos previsores, representando uma quantidade maior
de decises bsicas ou interpretativas realizadas durante a preparao da pianista.
Os efeitos dos guias de execuo no desapareceram; os efeitos significativos permane-
ceram inalterados. Tanto os compassos anteriores quanto os posteriores aos guias bsicos
de execuo foram repetidos mais vezes nas sesses 4-5 e 6-7. A execuo tambm foi
interrompida em compassos posteriores aos guias de execuo expressivos nas sesses 1-3.
A repetio extra destes compasos j no era mais significativa e, no lugar dos sete efeitos
significativos dos guias de execuo, mostrados na Tabela 3, foram registrados somente
cinco. Apesar destas mudanas, a concluso permanece inalterada. provvel, portanto,
que os efeitos dos guias de execuo descritos aqui tenham sido resultado da memorizao,
no da tcnica ou da interpretao. A anlise expandida sugere que a pianista relatou seus
guias de execuo e que ela deu especial ateno aos guias de execuo, durante a prtica,
com o intuito de estabelec-los como guias de recuperao no processo de memorizao.
As anlises expandidas mostram que os efeitos dos guias de execuo bsicos e expressivos,
apresentados aqui, foram robustos e no se prestaram a explicaes alternativas.
A recuperao da memria durante a preparao da execuo integral da pea
A pianista esperava que suas tentativas iniciais de tocar de memria fossem repletas de
hesitaes, por conta do esforo necessrio para lembrar-se do que viria a seguir: At o final
do trabalho de amanh, provavelmente conseguirei tocar de memria, ainda que com paradas
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e esbarres (sesso 1). As paradas e esbarres aparecem nos grficos de estudo como
segmentos adjacentes, ascendendo da esquerda para direita, representando interrupes
em segmentos de estudo mais extensos (Figuras 3-5). Contudo, os grficos da prtica no
mostram hesitaes que no chegaram a causar interrupes. Para descobrir isso, compara-
mos o andamento mdio de cada compasso das primeiras prticas de execuo completas
(na sesso 4 e no incio da seso 5) com a mdia das execues completas posteriores (no
final da sesso 5 e a sesso 7), para verificar se existiam, nas primeiras execues, hesitaes
nos guias de execuo no presentes nas execues posteriores.
Os coeficientes de regresso na Tabela 4, representam os efeitos das variveis de
previso na mdia do primeiro e do segundo conjunto de execues. Valores positivos
indicam acrscimo no andamento, valores negativos indicam decrscimo. Por exemplo, o
efeito negativo dos pontos de troca, nas primeiras execues, indicam que o andamento
diminui nestes pontos. As diferenas entre os dois conjuntos de execues so mostradas
no painel direito. A coluna 3 mostra os coeficientes de regresso para o segundo conjunto
de execues, quando o andamento do primeiro conjunto era mantido constante, atravs
da incluso destas execues como previsores adicionais. Estes coeficiententes de regres-
so representam, portanto, os efeitos dos previsores remanescentes, aps ser removida a
variabilidade presente nas primeiras execues (Campbell & Kenny, 1999). As diferenas
entre as execues foram avaliadas pelas anlises da variao, utilizando os previsores
como variveis independentes;o andamento como uma varivel dependente;a execuo
como um fator de mesurao repetido. As diferncias entre as execues foram indicadas
pelo efeito principal da execuo e suas interaes com os outros previsores, sumarizados
na coluna 4 da Tabela 4.3
O andamento diminuiu nos pontos de troca no primeiro conjunto de execues, mas
no no segundo (Tabela 4, colunas 1 e 2), sugerindo que a pianista, nas primeiras execu-
es, hesitou nestes pontos, conforme se lembrava do que vinha a seguir. A execuo dos
pontos de troca necessita que informaes sobre a prxima passagem sejam recuperadas
da memria de longo prazo, para que a continuao correta possa ser ativada. O efeito dos
pontos de troca sugere que, em suas tentativas iniciais de tocar de memria, a pianista he-
3 As diferenas foram avaliadas pela anlise da variao, com o intuito de fornecer uma nica anlise das diferenas. As anlises de regresso relatadas no painel direito da Tabela 4 representam somente uma de duas comparaes possveis. Tambm teria sido possvel considerar as primeiras execues como variveis de previso e as execues posteriores como previsor adicional. Ambas compara-es so igualmente vlidas, porm no produzem nveis de significado equivalentes. A anlise da variao fornece um nico critrio para avaliar as diferenas. Os resultados so apresentados como coeficientes de regresso, ao invs de mdias por consistncia, com a anlise da prtica na Tabela 2, e por que o elevado nmero de mdias envolvidas tornaria a anlise invivel.
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sitou na medida em que tentava se lembrar da continuao correta. Outros efeitos podem
ser consequncia da interpretao. Em ambos os conjuntos de execues, os andamentos
foram mais lentos nos ltimos compassos de sees, um mecanismo comum de interpre-
tao (Clarke, 1995; Krumhansl, 1996). A interpretao tambm responsvel por outros
dois efeitos nas ltimas execues. O andamento foi aumentando de acordo com a posio
serial em uma seo, sugerindo que a pianista delineou cada seo com um gradiente de
andamento (Gabrielsson, 1999). O andamento tambm foi mais rpido nos compassos
contendo mais notas, provavelmente porque a intrprete escolheu acentuar o acrscimo
na tenso musical criada pelo maior nmero de notas, comprimindo sua execuo.
Foram constatadas diferenas substanciais entre as duas mdias de execuo (Tabela
4, colunas 3 e 4). Os efeitos positivos na coluna 3 indicam andamentos mais rpidos nas
ltimas execues, em comparao com as primeiras. O efeito positivo na linha superior da
coluna 3 indica que as ltimas execues foram, em geral, um pouco mais rpidas do que
as primeiras (M = 50,6 e 48,5 tempos/minuto, respectivamente). A diferena reflete a maior
fluidez das ltimas execues. Outros efeitos positivos indicam pontos nos quais o aumento
da fluncia foi mais pronunciado: nos pontos de troca, nos guias bsicos de execuo e nos
compassos aps estes guias. J sugerimos, anteriormente, que processos de recuperao
da memria se faziam necessrios nos pontos de troca. O efeito similar nos guias bsicos
de execuo sugere que estes guias tambm envolvem mecanismos de recuperao. Nas
primeiras execues, quando a pianista ainda estava tentando ordenar e aprender os seg-
mentos da pea, a fim de toc-la de memria, ela hesitou nos pontos de troca e nos guias
bsicos de execuo, para se lembrar do que vinha a seguir. Nos guias bsicos, o efeito foi
to sentido que persistiu no compasso seguinte. Nas execues posteriores, em contraste,
a recuperao a partir da memria de longo prazo j tinha sido automatizada; a pianista
estava polindo a pea para a execuo pblica e as hesitaes desapareceram.
Alm de mais fluentes, as ltimas execues tambm foram mais expressivas. Outras
diferenas entre os dois conjuntos de execues parecem ser decorrentes de gestos in-
terpretativos, desenvolvidos durante o aprendizado. Como anteriormente observado, o
incremento no andamento em compassos com mais notas, nas ltimas execues, parece
ser um gesto cujo propsito acentuar a maior tenso musical de tais compassos. Este
efeito foi ainda mais acentuado nas ltimas execues. Outras diferenas parecem refletir a
utilizao de variaes no andamento, para delinear sees e frases expressivas. Nos finais
de sees, desaceleraes j presentes nas primeiras execues aumentaram e, nos incios
de sees, o pequeno incremento de andamento, nas primeiras execues, tornou-se pe-
queno decrscimo de andamento, nas ltimas execues. A mesma mudana ocorreu nos
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compassos posteriores aos guias expressivos, sustentando ainda mais a concluso sugerida
pelos dados da prtica de que a pianistas dividiu a pea em frases expressivas que iniciaram
nestes compassos (Sloboda & Lehmann, 2001). 4
EXPLICAES ALTERNATIVAS
Para examinar a possibilidade de que os efeitos dos pontos de troca e dos guias bsicos
de execuo poderiam refletir os efeitos da tcnica ou da interpretao, ao invs de recu-
peraes da memria, como sugerimos aqui, as anlises foram refeitas, incluindo todos
os previsores adicionais fornecidos pela pianista. Os resultados das anlises expandidas
sugerem que os efeitos no foram causados por conta de outras propriedadas da msica.
Os efeitos importantes dos guias bsicos de execuo e dos pontos de troca permaneceram
inalterados. Os efeitos no foram, portanto, resultado de questes tcnicas ou interpreta-
tivas. provvel que a diminuio do andamento nestes pontos, nas primeiras execues,
tivesse ocorrido pela necessidade de lembrar o que fazer. Estas hesitaes diminuram nas
execues posteriores, medida que a recuperao da memria tornou-se mais fluente.
Comentrios sobre a memria
Em cada sesso, o tpico mais frequente nos comentrios da pianista foi a memria,
provavelmente porque este aspecto estava justamente sendo objeto de pesquisa e tam-
bm porque a pianista no encontrou entraves na tcnica ou na interpretao. O seguinte
comentrio do incio da sesso 1 mostra que a memorizao foi um dos objetivos principais
desde o incio:
Esta a primeira frase [o tema A]. Estou me esforando muito para aprend-la e memoriz-la agora, porque possvel memoriz-la instantaneamente. Por exemplo, eu me lembro do dedilhado que eu uso e das notas aqui. Eu me lembro que tenho que mudar, [e] mudar novamente. (sesso 1)
Como a memorizao era um aspecto saliente para a pianista, seus comentrios for-
necem numerosos exemplos para ilustrar os trs princpios da memria despecializada.
Os comentrios so, obviamente, evidncia das convices da pianista sobre a memria,
no sobre os processos de memria. No entanto, eles fornecem uma imagem qualitativa a
respeito de suas estratgias de memorizao, sobre as quais ela tinha ideias bastante defi-
nidas. Por outro lado, ela no tinha conhecimento das teorias sobre a memria em experts
descritas neste artigo e ainda no havia articulado, para si mesma, a ideia de que estaria
4 A ausncia de efeitos dos guias de execuo interpretativos provavelmente refletem o fato de que alguns gestos interpretativos diminuem e outros aumentam o andamento, no resultando em um efeito geral.
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de fato fazendo uso de guias de execuo (veja Chaffin et al., 2002, p.250-254). Tampouco
a pianista sabia que seria posteriormente solicitada a apresentar relatos sobre a msica, os
quais seriam utilizados como previsores nas anlises de todo o processo.
PADRES FAMILIARES
Embora os dados comportamentais no forneam evidncia sobre o primeiro princpio
da memoria em experts segundo o qual os segmentos da memria so compostos por
padres familiares previamente armazenados na memria a pianista fez muitos coment-
rios, nas sesses iniciais, sobre sua busca por padres para auxiliar a memorizao, e sobre
os devios de padres esperados com os quais ela precisava se defrontar:
A razo pela qual esta passagem fcil de memorizar porque existe uma estrutura harmnica que termina em um R estranho, portanto dispensamos [a necessidade de memorizao] a maioria dos acordes e [a memria acstica] a melodia tomar conta [da nota R]. (sesso 1)
A identificao de padres , obviamente, um processo ativo. Alguns padres, como a
organizao latente da polifonia na partitura, no eram nem um pouco bvios:
Eu tenho esta maneira muita estranha de memorizar. Eu mesmo no a compreendo. Eu memorizo as coisas em blocos [soprano, tenor e as vozes do baixo]. Por exemplo, eu no consigo relacionar o baixo da mo esquerda .... com nada alm dele prprio. Eu os vejo em sequncia, e tento ver como cada [voz] continua. (sesso 1)
Outros padres foram criados pela escolha de dedilhado:
Ok, eu posso colocar estas quatro [notas] em sequncia ... estas [sequncias] me ajudam muito na memorizao. (sesso 1)
A utilizao de dedilhados consistentes, quando um padro de notas se repetia, reduziu
o trabalho de memorizao:
Existem dois dedilhados diferentes para esta passagem ... estou tentando descobrir se posso utilizar o mesmo [dedilhado] para ambas ... acho que consigo. (sesso 2)
Ainda assim, o dedilhado consistia em uma das principais coisas a serem lembradas:
Por agora, so pequenos erros de dedilhados que fazem voc acertar uma passagem ou no ...
tudo se resume a como voc coloca suas mos [no teclado]. (sesso 1)
A utilizao de semelhanas nos dedilhado como auxlio para a memria tornou a
lembrana destas diferenas particularmente importantes:
Eu no me lembrei de mudar o dedilhado aps a segunda repetio. (sesso 1)
Diferenas como essas so, com frequncia, incorporadas como guias bsicos de exe-
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cuo, pois requerem ateno durante a execuo, para que sejam executados conforme
o planejado. Isto foi o mais prximo que a pianista chegou de mencionar, explicitamente,
o tpico dos guias de execuo.
Como a maioria dos msicos, a pianista no considerou sua busca de padres de vrios
tipos um mecanismo de memorizao (Chaffin et al., 2002, Ch. 3):
Ainda no estou me concentrando na memria. Estou somente tentando entender como as coisas se encaixam. Estou, o tempo todo, escolhendo coisas que penso serem importantes para a memria. Neste momento, parece que estou mais aprendendo do que memorizando ... eu penso que, no final de outra sesso como essa ... eu possa ser capaz de conhecer o suficiente para poder passar pela pea. (sesso 1)
ORGANIZAO DA RECUPERAO
Os padres mais amplos consistem nos temas e subtemas meldicos e a estrutura formal
que fornece ao msico uma organizao pr-moldadade recuperao. A pianista buscou
ativamente estes marcos, comparando diferentes passagens para identificar similaridades
e diferenas:
Esta a primeira frase [tema] ... e isto novamente o mesmo [tema]. As melodias no so paralelas [nas duas repeties do mesmo tema]. um R bemol [na primeira vez], enquanto que na segunda vez ... (sesso 2)
medida que trabalhava no tema B, durante a sesso 2, a pianista descreveu o que
estava buscando:
Ento, estou tentando passar rapidamente pela pea algumas vezes, somente para tentar compre-ender os grandes blocos [subsees do tema B]. (sesso 2)
Uma vez identificadas, as diferentes subsees foram comparadas:
Estou tentando comparar os dois incios [das subsees do tema B]... [nos] compassos 27 e 31. (sesso 2)
De forma similar:
Estou tentando comparar as duas mos [diretas] ... (sesso 3)
A pianista tambm utilizou a estrutura formal para se referir passagens especifcas:
Estou tentando executar a seo do meio [Aa2] pela quarta vez ... (sesso 6)
PRTICA DE RECUPERAO
A pianista tentou tocar de memria desde o incio. No comeo da Sesso 1, ela
comentou:
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Ok, eu preciso lembrar disso... [executa uma passagem] Como voc pode ver, estou tentando tocar o mximo possvel de memria ... (sesso 1)
O esforo direcionado para atos de recuperao, durante o estudo, foi notvel. Por exem-
plo, aps tocar as duas primeiras pginas de memria com dificuldades, ela comentou:
De qualquer forma, estou tentando me localizar sem a partitura, somente para ver o que consigo lembrar. De fato, de toda a [primeira] pgina, eu s no consegui continuar em um lugar, talvez eu no estivesse concentrada o suficiente, porque, provavelmente, com tempo suficiente, eu poderia ter conseguido.
Conforme tocava de memria, ela escutava seus erros e, posteriormente, os conferia
na partitura:
Com certeza fiz erros, e sabia [o que estava fazendo de errado] enquanto tocava ... Portanto, o que eu vou fazer repetir a passagem mais algumas vezes e olhar atentamente a partitura. (sesso 2)
Eu quase pulei um compasso no compasso 17. Eu queria conferir o compasso 35, porque eu acho que esqueci a nota do baixo.(sesso 4)
A partir de agora, a todo momento haver alguma outra coisa que vai ressurgir..que ainda no foi conscientemente memorizada e consolidada na memria cognitiva [declarativa] ... de vez em quando, eu toco com a partitura somente para conferir algumas coisas. Sempre existe algum pequeno detalhe que me escapa. (sesso 5)
Ela avaliava constantemente seu progresso:
Basicamente, queria conferir o que eu podia lembrar de ontem, e me parece que a primeira pgina est consolidada, assim como algumas coisas da segunda pgina. (sesso 2)
Eu ainda fiz alguns erros, mas no muitos. (sesso 4)
Ok, eu fiz alguns erros. (sesso 7)
A razo frequncia/andamento como medida da prtica de recuperao
Os comentrios da pianista sugerem que ela estava constantemente testando sua me-
mria, forando a execuo da pea, mesmo quando as notas no vinham com facilidade.
As hesitaes nos pontos de troca e nos guias bsicos de execuo, durante as primeiras
prticas da execuo completa (veja a Tabela 4), confirmam que ela hesitou durante estas
primeiras execues. A presena de hesitaes similares de maneira mais geral na prtica
sugerida pelas razes frequncia/andamento, demonstradas na Tabela 5. A razo frequncia/
andamento (descrita na metodologia) fornece uma medida da prevalncia das hesitaes
sobre todas as sesses de estudo, atravs da comparao do andamento-alvo mdio que a
pianista estava tentando alcanar, durante uma sesso com a frequncia de estudo efetiva-
mente realizada. A razo frequncia/andamento consiste na discrepncia entre estas duas
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medidas e oferece uma indicao da proporo do tempo de estudo empregado em pausas
curtas, geralmente no mais do que alguns segundos, e em decrscimos momentneos
no andamento. A razo frequncia/andamento fornece, portanto, uma medida global do
tempo empregado pensando, em vez de tocando, durante a prtica. Neste caso, seus co-
mentrios indicam que ela estava pensando muito sobre a memorizao; portanto, a razo
estabelecida entre frequncia e andamento fornece uma medida do tempo empregado
pensando sobre a memorizao, assim como em outras questes.
Tabela 5. Razo frequncia/andamento durante as duas semanas de aprendizado
Estgio
Estudo por seo Agrupando sees Polimento
Anlise descri-tiva
Sesso 1
Sesso 2
Sesso 3
Sesso 4
Sesso 5
Sesso 6
Sesso 7
Andamento-alvo mdio (tempos/min.)
63 62 58 55 57 52 48
Frequncia de estudo (tempos/min.)
37 42 43 39 44 39 40
Razo frequn- cia/andamento 0.59 0.67 0.74 0.71 0.74 0.75 0.83
A razo frequncia/andamento aumentou durante as sesses de .59 para .83, com
uma mdida de 0.72.5 Para entendermos o significado desta razo, ponderemos que, se a
pianista tivesse mantido seu andamento-alvo,durante toda a prtica, ela teria finalizado
seu aprendizado em 3 horas e meia, ao invs das quase 5 horas que, de fato, gastou. De
forma alternativa, se ela tivesse praticado a mesma quantidade de tempo, ela poderia ter
tocado novamente metade de toda a msica durante as sesses. A razo frequncia/an-
damento corrobora, portanto, a impresso causada por seus comentrios, segundo a qual
ela trabalhou arduamente para tocar de memria ao longo de cada sesso de estudo. Ao
tentar tocar as passagens recm aprendidas a qualquer custo, ela estava, de fato, treinando
a recuperao da memria.
5 A Tabela 4 tambm mostra que o andamento-alvo mdio diminui ao longo das sesses. A mudana provavelmente reflete o aumento de foco da pianista na expresso musical, conforme ela explicou, na seguinte observao sobre sua primeira execuo pblica: eu provavelmente toquei um pouco mais lento [do que na prtica], e eu gostei mais da execuo, me permitindo acalmar o andamento em alguns lugares, somente para tentar transmitir o clima certo, ao contrrio da prtica, quando voc simplesmente conserta coisas ... ou simplesmento no sente vontade disso. Por esta razo, os an-damentos mais rpidos, nas ltimas execues, como mostra a Tabela 4, foram provavelmente em virtude do incremento na fluncia, ao invs de na expressividade.
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Concluses
O objetivo principal desta investigao foi verificar se a pianista iria incorporar, cons-
cientemente, a prtica de recuperao da memria em seu aprendizado, prevista pelo
terceiro princpio da memria em experts (Chaffin & Imreh, 2002; Ericsson & Kintsch, 1995;
Williamon & Valentine, 2002). A resposta foi ntida: o tempo e o esforo empregados no
treinamento da recuperao da memria constituram a caracterstica mais marcante do
processo de aprendizado. Mesmo no perodo limitado de duas semanas, no qual a pianista
aprendeu Clair de Lune, constatamos evidncias inequvocas deste treino de recuperao:
nos incios e nas paradas, durante as sesses de estudo, nas hesitaes, durante ensaios
para a execuo, nos comentrios da pianista, e na razo frequncia/andamento. A pianista
considerou a memorizao como seu desafio principal e, desde o incio, trabalhou ativa-
mente para alcanar seu objetivo.
Assim como os memorizadores especializados em outras reas, a pianista praticou
extensivamente as estratgias de recuperao com o propsito de tocar sem interrup-
es ou hesitaes. Embora o aprendizado de Clair de Lune tenha ocorrido durante duas
semanas e o do Presto, pela mesma pianista, em 10 meses (Chaffin et al., 2002), o processo
de aprendizado das duas peas passou por etapas muito semelhantes. A leitura inicial da
pea, primeira vista, para compreender o panorama mais vasto, foi seguida por sesses
de estudo por sees, depois pela tentativa de agrupar os pedaos da pea para tocar de
memria e finalmente por sesses de polimento para a execuo. Em cada estgio, a pianista
estudou os guias de execuo, prestando ateno adiferentes guias em diferentes pontos.
Esta concluso consistente com a de outros estudos de casos longitudinais, envolvendo
tanto o estudo prolongado (Chaffin et al., 2006) como perodos menores (Ginsborg et al.,
2006; Noice, et al., 2008).
A evidncia comportamental mais significativa, direcionando para o treinamento da
recuperao, foi a ateno conferida aos guias bsicos de execuo. A idia, segundo a
qual os msicos experientes utilizam os guias de execuo para monitorar e guiar suas
execues, surgiu do estudo do Presto (Chaffin et al., 2002). Os msicos, durante o estudo,
apoiam-se em certas caractersticas da msica e, desta forma, as estabelecem como guias
de recuperao. Durante a execuo, estes guias automaticamente estimulam as memrias
motoras e auditivas necessrias para monitorar e guiar a execuo. Estes guias de execuo
fornecem ao intrprete profissional a rede de segurana necessria, permitindo a recupe-
rao de erros e lapsos de memria.
A pianista praticou os guias bsicos de execuo nas sesses 4-5, quando estava juntando
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a pea para execut-la de memria, e nas sesses 6-7, quando estava polindo sua execu-
o. Em ambos os estgios, repetiu compassos que continham guias bsicos de execuo,
assim como os compassos seguintes, mais frequentemente do que outros. O efeito desta
repetio ficou evidenciado nas medidas por compasso do andamento, nas prticas da
execuo, nestas sesses. As tentativas de execuo nas sesses 4-5 foram marcadas por
hesitaes nos guias bsicos de execuo e nos pontos de troca. As execues posterio-
res, em contraste, foram mais fluentes nestes pontos. Guias bsicos e pontos de troca so
lugares nos quais esperamos que a recuperao da memria de longo prazo acontea. A
maior fluncia das execues nestes pontos mostram que a repetio, durante a prtica,
aumentou a velocidade e o automatismo da recuperao.
Os comentrios da pianista sustentaram a evidncia comportamental da prtica da
recuperao, confirmando que a memorizao foi considerada como o principal desafio do
aprendizado da pea e que este aspecto foi trabalhado ativamente desde o incio da sesso
1. A razo frequncia/andamento fortaleceu esta concluso, ao mostrar que a pianista em-
pregou mais de um quarto do tempo de estudo pensando durante pausas entre a prtica.
As anlises da prtica e do andamento sugerem que boa parte deste tempo adicional foi
empregado pensando sobre os guias bsicos de execuo.
Constatamos tambm ampla evidncia da utilizao do segundo princpio da memria
em experts, qual seja, a utilizao de uma organizao preexistente de recuperao (Ericsson
& Kintsch, 1995). A pianista utilizou a estrutura formal de Clair de Lune como uma moldura
para seu estudo, mostrando que ela estava pensando sobre a msica de acordo com sua
estrutura. Nas sesses 1-3, a prtica foi organizada por sees. Ao mesmo tempo, nesta e em
outras sesses, a pianista usou os limites de sees como pontos de partida e de interrupo
nas sesses 1-3. Ainda que este padro de estudo no mostre diretamente que ela estava
utilizando a estrutura formal como mecanismo de organizao da recuperao,demonstra
que ela estava pensando constantemente sobre a estrutural formal, medida que pratica-
va. Utilizaes similares da estrutura musical para organizar a prtica tm sido observadas
em outros estudos de msicos experientes (Chaffin & Imreh, 2002; Miklaszewski, 1989;
Williamon & Valentine, 2002).
As frases expressivas revelaram outros nveis na organizao hierrquica da pea em
sees e subsees. A pianista utilizou guias expressivos como pontos de partida desde
o incio do aprendizado, mostrando que ela j estava segmentando a msica em frases
expressivas, desde as primeiras sesses de estudo (Chaffin et al., 2002, pp. 189-190, 199-
200; Chaffin et al., 2003). Nas sesses 1-3, ela repetiu e parou mais em compassos que eram
incios de frases expressivas (por exemplo, compassos aps guias expressivos), assim como
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em compassos que eram nicios de sees. A pianista continou a pensar em frases expres-
sivas nas sesses posteriores, utilizando o andamento para marcar o incio destas frases,
nas ltimas prticas da execuo completa. Este gesto msical foi o mesmo utilizado para
marcar o incio de sees.
A sustentao encontrada em relao ao primeiro princpio da memria em experts,
a utilizao de padres familiares para codificar a msica, foi mais limitada (Ericsson &
Kintsch, 1995). A presena do primeiro princpio no processo de memorizao da pianista
foi sustentado pelos comentrios nas sesses 1-3, mostrando que a busca por padres foi
uma estratgia deliberada que ela acreditava ser benfica para a memorizao. No entanto,
ao contrrio do estudo do Presto (Chaffin et al., 2002), os dados comportamentais destas
sesses no forneceram evidncias suficientes para confirmar a utilizao deste princpio.
A prtica no foi afetada pelo nmero de padres familiares em um compasso, talvez por-
que a pianista tenha considerado os padres de Debussy na msica mais fceis de serem
integrados do que os encontrados na msica de Bach.
Este estudo do aprendizado de Clair de Lune demonstrou que os princpios da memria
em experts, que foram significativos na memorizao do Presto, podem ser aplicados adequa-
damente a outra pea de um estilo de msica muito diferente e em um perodo de tempo
muito menor. Os mesmos princpios da memria musical em experts, como comprovado
nos estudos citados anteriormente, podem ser aplicados a outros solistas, instrumentos
e tradies musicais. As generalizaes feitas a partir destes estudos de caso baseiam-se
em princpios psicolgicos gerais (Ericsson & Oliver, 1988). A utilizao por parte dos m-
sicos da estrutura musical e da execuo consistente com os princpos da memria em
experts,desenvolvidos nos estudos com experts em outros campos de atuao, e com os
princpios da memria, derivados de estudos com populaes em geral. Existe uma boa
razo para acreditarmos, portanto, que os mesmos princpios podem ser generalizados
maioria dos intrpretes experientes.
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Nota do autor
Agradeo Gabriela Imreh por sugerir as ideias desenvolvidas nesta pesquisa e por
fornecer os dados necessrios; Mary Crawford pelas valiosas sugestes em uma verso
anterior deste artigo; Len Katz e David Kenny pelos conselhos sobre estatstica; Aaron
Williamon, Julie Konik e Dawn Dougert pela transcrio das sesses de estudo; Stepha-
nie Taylor pela mesurao do andamento por compasso; Miles Ingram por mesurar o
andamento-alvo. Relatos anteriores sobre estes dados foram desenvolvidos por Chaffin,
Imreh, & Konik (1998) e Chaffin, Imreh, de Vries, & Taylor (1999).
Correspondncias sobre este artigo devem ser endereadas Roger Chaffin, Department
of Psychology U-1020, University of Connecticut, Storrs, CT 06269- 1020 USA. E-mail: Roger.
Referncias
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