Medicina tibetana 8

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MEDICINA TIBETANA Livro 8 Uma publicação destinada ao estudo da medicina tibetana editada pela Biblioteca de Obras e Arquivos Tibetanos, Dharamsala, Índia.

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MEDICINA TIBETANA

Livro 8

Uma publicação destinada ao estudo da

medicina tibetana editada pela Biblioteca de

Obras e Arquivos Tibetanos, Dharamsala,

Índia.

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MEDICINA TIBETANA

Livro 8

Dr. Lobsang Rapgay

Dra. Giacomella Orofino

Enrico dell' Angelo

Traduzido por:

Williams Ribeiro de Farias

Dra. Yeda Ribeiro de Farias

EDITORA CHAKPORI

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Título original:Tibetan Medicine Series 7

Biblioteca de Obras e Arquivos Tibetanos, Dharamsala, Índia

1995

Direitos autorais para línguas portuguesa e espanhola adquiridos pela

EDITORA CHAKPORI

Brasil

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AGRADECIMENTOS À PRESENTE EDIÇÃO

Agradeço ao Sr. Lhasang Tsering, ao Venerável Dagom Rimpoche e

seu assistente Lama Tsultrim Dorge, ao Sr. Lobsang Samten, à Srta. Nying-

ma Sherpa, ao Sr. Tsewang Jigme Tsarong, Diretor do Centro Médico Tibe-

tano em Dharamsala, à Maria do Carmo Chagas Ribeiro e ao Sr. Sérgio

Fanelli, que ajudaram a tornar possível a edição destes livros sobre Medicina

Tibetana.

O Editor

Williams Ribeiro de Farias

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NOTA DA PRESENTE EDIÇÃO

Esta publicação da Biblioteca de Obras e Arquivos Tibeta-

nos traz informações curiosas sobre a cultura, as tradições e as

superstições do povo tibetano. Não constituem textos médicos e

não apresentam análise científica na área médica.

É importante conhecermos as tradições da população que

se submeterá aos cuidados médicos para que estas sejam respei-

tadas e para que possam assimilar o conhecimento que o médico

está transmitindo. De outra maneira, corre-se o risco de criar um

desrespeito aos mais velhos e às suas tradições. O médico deve

saber contornar as superstições sem ferir as tradições evitando

que o paciente venha a cometer erros advindos das mesmas.

Deve-se evitar entrar em confronto direto, com o risco de destruir

suas raízes e sua identidade, onde toda aquela sociedade foi fun-

damentada.

As superstições de um povo podem ter um fundamento

científico, mas não necessariamente. Podemos extrair delas infor-

mações valiosas, possíveis de serem avaliadas e aperfeiçoadas

para melhoria da qualidade de vida. Por outro lado, religiões africa-

nas que se utilizam de sacrifícios animais em seus rituais servem

apenas para banalizar a violência. Este tipo de prática religiosa, ao

incentivar o sadismo, sempre foi um péssimo exemplo para a edu-

cação das crianças.

Williams Ribeiro de Farias

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ÍNDICE

TRADIÇÕES TIBETANAS SOBRE O PARTO

E OS CUIDADOS COM A CRIANÇA

Homenagem 9

Sinais que ocorrem durante a concepção 10

Sinais durante a gestação 10

Duração da gestação 11

A saúde da gestante 13

Sinais de proximidade do parto 13

Preparação da vestimenta do bebê 14

Sinais de parto iminente 16

Assegurando um parto sem dificuldades 17

Seccionando o cordão umbilical 18

Recuperação e placenta 21

Cerimônias realizadas após o parto 22

O nome da criança 23

Festividades do nascimento 23

O primeiro passeio do bebê 23

Cuidados gerais 24

A saúde da criança 25

Alimentação 26

Crescimento 26

Celebrações de aniversário 27

Patologia 27

Sintomas gerais das doenças 28

Diagnóstico 30

Tratamento de pústulas bucais 31

Dentição 31

Diarréia e vômitos 32

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Sarampo 33

Tratamento no deslocamento do fígado 34

Preparação da medicação preventiva 36

Lazer 37

Educação 38

Epílogo 41

Notas 42

SUPERSTIÇÕES TIBETANAS RELACIONADAS COM O

PARTO 48

RITUAL TIBETANO PARA A MORTE

Morrer 55

Morte 56

A transferência de consciência 57

Mantras de emergência 58

Lamas convidados 59

Cálculos astrológicos 59

Preparação para desfazer-se do corpo 61

Solicitando orações 62

Doações 63

O dia da luz 64

Desfazendo-se do corpo 64

Limpeza 69

O sétimo dia 69

O 14º e o 21º dia 70

O vigésimo-oitavo dia 70

O 35º e o 42º dias 70

O quadragésimo-nono dia 70

A oferenda anual 72

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TRADIÇÕES TIBETANAS SOBRE O PARTO

E OS CUIDADOS COM A CRIANÇA

Uma Escalada ao Paraíso do Ser Compassivo

Thubten Sangay

Homenagem

A terra tibetana, que se eleva do topo da terra,

Limpa, alta, fria e calma, circundada pelas

montanhas nevadas,

Contada nos Vedas como residência dos deuses,

E seu único líder, Sua Santidade o Dalai Lama,

reverencio.

Como enxames de insetos que surgem no verão,

Muitos seres habitam as terras além dos oceanos,

seguindo ou não as mais diversas doutrinas religiosas

E, mesmo assim, a Terra da Neve‚ é reconhecida como a terra da

religião.

Oh Gloriosa Deusa Mag-ze, Oh Protetor Pe-Har

Benevolentes deuses, protetores do Tibete,

Cedam-me, neste momento, a ventura de escrever

brevemente sobre as técnicas necessárias

Para sustentação e educação destas crianças

que são como os filhos dos deuses.

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Tendo lançado ao ar a flor destas auspiciosas palavras,

posso registrar resumidamente aquelas boas tradições sobre o

parto e os cuidados com as crianças nas terras do Tibete.

Sinais que Ocorrem Durante a Concepção

Se uma criança está destinada a ter uma vida favorável, os

pais, em especial a mãe, apresentarão, certamente e com freqüên-

cia, sonhos auspiciosos durante a última parte da noite, experimen-

tando um prazer inteiramente novo. Geralmente são sonhos como

colher e comer uma fruta, com a presença de certos objetos auspi-

ciosos, como uma concha branca, sonha que está usando jóias

finas, vendo e recebendo manifestações do corpo, da fala e da

mente dos Seres Iluminados, tocando instrumentos musicais, com

o nascer do sol etc. Todos são considerados auspiciosos. Se a

criança está destinada a ter uma vida pouco afortunada, sonha que

está caindo de um abismo, que não está usando qualquer orna-

mento ou jóia, que está em uma planície deserta, vazia, discutindo

com outros, com choros, com a escuridão etc. Além disso, a mãe

torna-se infeliz sem qualquer razão aparente.

Casais que não possuem filhos devem solicitar que um

mestre espiritual realize certos rituais tântricos utilizando mandalas

de divindades, para que possam conceber um menino. Se pedirem

para usar um amuleto especial, serão capazes de gerar um filho.

Muitas considerações sobre tais práticas podem ser encontradas

nas escrituras.

Sinais durante a gestação

Diz-se que os pais desfrutam de um prazer sexual maior do

que o usual quando uma criança está sendo concebida. A mãe

pode, além disso, tornar-se indisposta durante dois ou três dias,

apresentando uma doença semelhante a um distúrbio de mKris-pa.

Ela perde o desejo de alimentar-se, sente-se cansada, e pesada e

indisposta no trabalho diário.

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São sinais indicativos do nascimento de uma criança do

sexo masculino quando a região lateral direita do estômago da

mãe apresentar-se mais elevada do que a esquerda, quando a

mama direita secretar leite, quando ela tende a inclinar-se para a

direita ao sentar ou levantar etc., quando a saliência do estômago é

mais pontuda e elevada, quando sente seu corpo leve e quando

sonha com o nascimento de meninos, cavalos e elefantes ou que

está se encontrando com os mesmos. Quando os sinais acima

ocorrem do lado esquerdo, quando a saliência do estômago está

mais plana, quando deseja encontrar-se com homens mais do que

o habitual e parece apreciar músicas, danças e jóias, estes sinais

indicam o nascimento de uma menina.

Se, além da combinação dos sinais acima, o centro do

estômago estiver deprimido e com as laterais proeminentes, indi-

cam nascimento de gêmeos. Se todos os sinais estão misturados e

confusos, indicam nascimento de hermafrodita.

Duração da gestação

Geralmente, a criança permanece no útero durante trinta e

oito semanas, entretanto, as escrituras afirmam que este tempo de

permanência pode variar. Na primeira semana, a combinação entre

o esperma do pai e o "sangue" da mãe possui uma consistência

cremosa. Na segunda semana‚ apresenta-se como um iogurte

espesso. Na terceira semana, o embrião adquire a forma de uma

formiga e na quarta, a forma de uma castanha de caju. Na quinta

semana desenvolve-se o cordão umbilical e são visíveis as saliên-

cias dos membros. O canal vital é formado na sexta semana,

assim como os ombros e os joelhos. Na sétima semana, formam-

se os olhos, as palmas das mãos e as solas dos pés. Na oitava

semana, desenvolvem-se a cabeça e os dedos das mãos e dos

pés. Na nona semana, as porções superior e inferior do corpo são

diferenciadas e surgem as bases dos nove orifícios. Na décima

semana, todo o corpo aumenta suas dimensões. Na décima-

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primeira, salientam-se as aberturas dos órgãos sensoriais e na

décima-segunda formam-se os órgãos principais e os intestinos.

Na décima-terceira semana, a criança sente fome e sede e, nesta

fase, a essência dos alimentos sólidos e líquidos é transmitida à

criança através do cordão umbilical. Da décima-quarta semana em

diante, artérias, veias e nervos aumentam em tamanho e número.

Da décima-sétima semana em diante, a energia move-se através

das bases sensoriais, o tecido muscular, o sangue e os ossos

aumentam em número e completa-se o desenvolvimento dos cinco

órgãos sensoriais. Na vigésima-quarta semana a criança é capaz

de experimentar felicidade e sofrimento.

Se a criança for do sexo masculino, curva-se sob as coste-

las, com a face coberta pelas mãos, olhando para o dorso de sua

mãe. Uma garota enrola-se da mesma maneira, mas sobre o lado

esquerdo, olhando de frente. A criança permanece abaixo do

estômago da mãe, entre as duas regiões: aquela que contém ali-

mentos digeridos e a que contém alimentos não digeridos.

Após seis meses e meio os pensamentos da criança tor-

nam-se claros e ela é capaz de enxergar o útero como uma sala.

Desta fase em diante, as partes externas e internas do corpo, os

dentes, os cabelos e as unhas, a cor da pele e a experiência das

sensações físicas começam a se desenvolver. Após a trigésima-

sétima semana, torna-se consciente do movimento de virar-se gra-

dualmente. Na trigésima-oitava semana este processo está com-

pleto, a cabeça aponta para baixo, os braços estão nas laterais, as

pernas apontam para cima e a criança está pronta para nascer.

Entretanto, se durante a gestação houve demasiada perda de san-

gue, impedindo o desenvolvimento completo da criança ou se a

cavidade pélvica estiver bloqueada por ar ou, ainda, se o útero

estiver edemaciado, a criança deverá nascer mais tarde.

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A saúde da gestante

Durante a gestação, a mãe deve evitar ingerir alimentos

oferecidos por aqueles que não tenham conservado suas obriga-

ções morais ou ser hóspede de tais pessoas. Ela não deve vestir

roupas de segunda mão. Sua alimentação não deve ser muito

quente nem muito fria e devem ser evitados os licores fortes, gran-

des quantidades de cerveja e alimentos picantes, azedos e con-

dimentados. Deve ingerir alimentos nutritivos, cuidando para não

se exceder. Também devem ser evitadas as atividades extenuan-

tes e relações sexuais freqüentes. Se estas restrições não forem

observadas, desnecessário mencionar a grande dor causada ao

futuro bebê. Tais ações podem até mesmo resultar em defeitos

físicos na criança.

Quanto à sua saúde, a gestante não deve permanecer muito

inativa. Deve realizar trabalhos domésticos leves, circundar tem-

plos, fazer caminhadas etc. Esta última atividade exercita a crian-

ça, torna seu corpo flexível, possibilitando um parto mais tranqüilo

e proporciona à criança um corpo firme e ereto.

Se a mãe, no primeiro mês de gestação, tomar um pouco de

água consagrada, abençoada por um mestre espiritual, ou receber

regularmente iniciações para a longa vida ou, melhor ainda, se

puder receber uma iniciação tântrica mais elevada, estará contri-

buindo para a longevidade e a riqueza da criança.

Ao aproximar-se da época do nascimento, a mãe deve inge-

rir alimentos nutritivos fortes, assim como leite, sopa ou caldo de

carne com arroz, para suprimir a elevação de rLung em seu corpo.

Sinais de proximidade do parto

Apesar da mãe estar geralmente bem, a região inferior de

seu corpo começa a tornar-se muito pesada, seus olhos parecem

estar cansados e permanecer em pé é difícil e exaustivo. A virilha,

o abdome e a vagina tornam-se dolorosos e ela perde a vontade de

alimentar-se. A parte superior do dorso, o pescoço, o coração e as

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veias das coxas começam a doer. Ela pode tornar-se levemente

irritável. Dores súbitas, incontroláveis e a emissão de um fluido

semelhante à urina são sinais que precedem a abertura do colo do

útero. Assim, em um momento auspicioso a gestante deve ser

levada para uma sala tranqüila e limpa, na qual a criança nascerá,

reunindo em torno dela todos os requisitos para o parto.

Deve ser queimado incenso medicinal para afugentar as

influências prejudiciais e purificar o local. Serão necessárias uma

ou duas auxiliares habilitadas em partos, ou parentes, que possam

permanecer com a mãe. Não devem ser recebidos outros visitan-

tes. Nesta fase, ela deve ingerir um pouco de caldo forte para

suprimir a elevação de rLung. Em outra sala, pode ser recitada a

escritura "Coleção de Mantras" (em tibetano, "rGyal-bkah gzungs-

bsdus")

Preparação da vestimenta do bebê

Os materiais para a roupa do bebê devem estar prontos

antes do parto, mas é tradição não cortá-los ou costurá-los até

depois do nascimento. Diz-se que quando há demasiada prepara-

ção, o bebê pode ir a óbito durante o parto.

Após o cordão umbilical ter sido cortado e antes do primeiro

banho, o bebê é colocado sobre a macia roupa de baixo de sua

mãe. Após o banho, é envolvido em uma peça quadrada de seda

ou de algodão branco e macio ou em algum material mais quente

no inverno. Quando ainda estávamos no Tibete, em torno desta

peça de seda, amarrava-se um manto feito de um tecido de algo-

dão branco, macio, com uma nesga de cada lado. A roupa não

tinha mangas, possuía uma gola, amarras ao invés de botões e

três abas, pontudas e sem forro, atadas atrás da gola. Um pequeno

gorro com a forma de um abafador de bule de chá é feito com o

mesmo material. Era necessária a confecção de um bom supri-

mento de babadores de bebê, quadrados, feitos de algodão ou fla-

nela macios. Eram amarrados em torno do corpo da criança,

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estendidos logo abaixo das axilas. Um cinto era atado em torno do

manto, feito com material lanoso branco, grosso, com cerca de três

polegadas de largura com brocado na parte externa. O brocado era

costurado ao cinto com pontos em cruz. Uma aplicação com dese-

nho de uma suástica era belamente costurado na parte de trás do

cinto. O cinto tinha quatro amarras, duas acima e duas mais abai-

xo.

Sobre estas roupas, o bebê era envolvido em um xale qua-

drado de lã grossa. No inverno, um xale de pele de carneiro bran-

co, revestido internamente, também era utilizado. Duas aplicações

quadradas de tecido brocado, um vermelho e outro verde, podiam

ser maravilhosamente costurados na face externa deste xale. Os

quatro cantos de uma aplicação tocando os quatro lados da outra,

formando um diamante dentro de um quadrado. Estas roupas eram

fixadas com uma fivela de bronze ou ouro, para que fossem con-

servadas no local quando a criança estivesse repousando. Um

recém-nascido não necessitava de imediato de blusas com man-

gas, mas dois ou três trajes grandes, semelhantes às camisas tibe-

tanas, eram necessários após alguns dias. Os trajes eram feitos de

seda ou algodão e se estendiam até os pés, com mangas um pou-

co mais longas que o comprimento dos braços. Com alguns meses

o menino devia vestir calças de algodão ou de lã com uma abertura

na frente e uma veste superior sem mangas amarrada com faixas

ou botões sobre o ombro. Uma menina devia vestir uma saia com

uma veste superior semelhante. Tradicionalmente, fazia-se um

pequeno gorro ornamentado com imitações de olhos e orelhas de

gato. No Tibete, a ama-seca carregava a criança em suas costas

amarrada em um grande manto vermelho de lã. Este manto pos-

suía duas aplicações costuradas como descrito anteriormente.

Podia ser fixado por uma bela e resistente fivela de duas pontas

feita de bronze ou ferro. Pelo menos duas destas fivelas eram

necessárias.

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Se a mãe possuísse roupas de bebê de uma criança ante-

rior que estivesse viva, não necessitava de muitas roupas novas,

exceto uns poucos babadores e forros.

Estes eram os tipos de vestimentas usadas nas terras ele-

vadas do Tibete. Entretanto, atualmente encontram-se disponíveis

uma grande variedade de roupas de bebê provenientes de outros

países e são utilizados mantos ao invés de xales tibetanos. Assim,

os pais decidem quais roupas são adequadas, considerando-se o

clima, o horário e o país.

Sinais de parto iminente

O colo do útero vibra, muito sangue e muco é eliminado e

quando o feto completa sua rotação no útero, a mãe experimenta

uma dor excruciante. Nesta fase, a passagem da vagina abre-se e

as pernas e o abdome da mãe devem ser massageados com óleo.

No inverno, ela deve conservar-se muito aquecida.

A facilidade do parto depende em parte da compatibilidade

dos pais. Uma criança nasce sem dificuldades se os pais pertence-

rem a linhagens semelhantes e se o pai tiver boa descendência,

pois crianças de boa linhagem possuem ossos flexíveis, não impor-

ta seu tamanho. Por exemplo, quando um touro cruza com uma

"dri", a fêmea do iaque, para gerar um "dzo", ou quando um burro

cruza com uma égua para gerar uma mula, com freqüência a

fêmea irá a óbito sem dar à luz. Se isto é real para os animais, é

muito mais verdadeiro para um precioso nascimento humano. Inci-

dentalmente, por causa da probabilidade de morte da fêmea, em

algumas regiões do Tibete, o cruzamento de um touro com uma

"dri" não é considerado ético, pois esta ação "irrita as divindades

locais", é proibido, quase ao ponto de ser ilegal.

Quando um viajante, seja monge ou monja, chega a uma

casa, fechada por ocasião de um parto, ocorrem, posteriormente,

danos causados por influências externas prejudiciais. Para prevenir

tais danos, devem ser recitadas orações e realizados determinados

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rituais. Cinco fios de diferentes cores são passados pelo buraco de

uma agulha e ambos são fixados no batente externo da porta. Isto

afasta qualquer perigo. Alternativamente, uma suástica de farinha

de aveia é desenhada sobre um pedaço de material preto e sacu-

dido para fora. Isto afugenta e pacifica as influências prejudiciais.

Assegurando um parto sem dificuldades

Os capítulos sobre a saúde da criança encontrados nas

escrituras médicas ensinam certos métodos e rituais para provocar

o nascimento quando o trabalho de parto é longo e difícil. Serão

descritos um ou dois deles, fáceis de serem realizados.

Nove pequenas denteações, como aquelas encontradas nas

laterais de um dado, são feitas sobre um pequeno pedaço de man-

teiga quadrado. Um praticante de tantra recita o seguinte mantra

duas ou duzentas vezes:

Om Sha-sha-lam-phye shu-shu-lam-phye

Soprando sobre a manteiga, ele a oferece para a mãe. Após

deglutir, a mulher dará à luz rapidamente. Se não houver nenhum

praticante de tantra, o médico, o pai, um tio ou alguém que tenha

conservado seus deveres morais podem recitar este mantra.

O melhor ritual é aquele no qual um pequeno pedaço de

manteiga é moldado com a forma de um peixe com dois olhos. O

mantra a seguir,

Om ka-ka-mahi-lam-phye ki-ki-mahi-lam-phye shon-shon mahi-

lam-phye ma-mo-hbyung bzhihi-lam-phye,

é recitado mil vezes e soprado na manteiga e esta é oferecida à

mãe. Ela ingere primeiro a cabeça, sem mastigá-la. Uma pena de

pavão e oito pêlos de um urso são queimados e as cinzas deposi-

tadas em um copo de água. O último mantra é repetido uma cente-

na de vezes. Logo após a mãe ingerir esta solução, o parto se con-

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solida definitivamente. Há outros rituais, mas são muito numerosos

e os descritos acima são suficientes para demonstração.

Alguns afirmam que comer um pequeno peixe pescado no

Lago Manasarowara, aos pés do Monte Kailash, com um pouco de

água fria assegura um nascimento mais rápido e alguns chefes de

família conservam um pequeno suprimento deste peixe. Algumas

pessoas experientes dizem que antes do nascimento a mãe deve

beber chá de manteiga, chá doce ou chá preto, todos com proprie-

dades frias. Portanto, ela deve evitar cerveja, cebola e alho, pois

causam muita sonolência, efeito resultante de suas propriedades

quentes e ácidas e também porque tais alimentos tornam o feto

preguiçoso, reduzindo sua capacidade de auxiliar no processo do

parto e retardando as contrações.

Seccionando o cordão umbilical

Para evitar que o útero seja deslocado, aplica-se sobre o

estômago da mãe farinha de cevada misturada com um pouco de

manteiga derretida morna ou cerveja de cevada. Ela deve agachar-

se sobre os joelhos em uma cama confortável e empurrar. Com

estes procedimentos, dará à luz rapidamente. Não deve empurrar

com muita força, pois pode haver o risco de um colapso uterino.

Alguns dizem que ao empurrar no momento correto, a mãe deve

fazer um som como de um torrão de chá sendo triturado em um

pilão (corresponderia a um torrão de açúcar cristalizado sendo

esmagado por uma colher), para facilitar e acelerar o trabalho de

parto. As escrituras médicas afirmam que o parto ocorre com faci-

lidade depois que a mãe experimenta sua dor mais cruciante.

Assim que o bebê nasce, a auxiliar anuncia o ocorrido à

mãe e respinga um pouco de água sobre sua face para refrescá-la.

Se necessário, pode ser utilizado um ventilador ou ventarola. A

auxiliar tenta fazer com que a mãe sinta alegria e bem-estar.

Se o bebê nasce com a cabeça voltada de frente para a

mãe, com o cordão umbilical em torno da porção superior do corpo,

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haverá prosperidade para aquela família. Se nascer envolvido por

uma pele membranosa, esta deve ser cortada com um entalhe

auspicioso. Um bebê nascido com uma fontanela relativamente

pequena, que treme e chora ao nascer será fácil de cuidar.

Ao nascer, devem ser proferidas as seguintes palavras:

"Minha criança, você nasceu de nossos corações. Que você viva

uma centena de anos, que assista a cem outonos, que tenha uma

vida longa e gloriosa, superando todas as doenças e desfrutando

de completa felicidade, prosperidade e fortuna".

A auxiliar deve comprimir o sangue do cordão umbilical da

criança com seus dedos por três vezes e amarrar um fio resistente,

com um nó de encontro ao umbigo e um outro nó a quatro dedos

de distância do primeiro. Certo de que não haja sangramento, o

cordão é seccionado entre os dois nós. Um medicamento em pó(1)

misturado com manteiga deve ser aplicado de imediato sobre o

umbigo e, depois, diariamente.

Uma auxiliar abençoada com boa sorte deve pegar o bebê

com as mãos limpas e banhá-lo em água morna perfumada com

açafrão do Kashimir. Este procedimento dará uma boa compleição

à criança. A água do banho deve ser retirada preferivelmente de

um rio ou córrego limpo e corrente. Imediatamente após o banho, o

bebê deve ser envolvido com vestes limpas e macias, permeada

com a fumaça de um incenso especialmente abençoado para com-

bater as forças prejudiciais. Com mãos limpas e unhas bem apara-

das, deve mergulhar um pequeno chumaço de algodão em óleo e

esfregá-lo no palato da criança. Isto proporcionará gengivas sau-

dáveis no futuro.

Antes que seja oferecido o leite materno ao bebê, a sílaba

HRIH deve ser desenhada sobre sua língua com água de açafrão.

Isto dará à criança o sábio poder da palavra. Além disso, deve ser

alimentada com uma colher de água com almíscar para protegê-la

dos deuses da terra. Finalmente, deve ser fornecida uma mistura

de manteiga com mel. Agora o bebê pode alimentar-se do leite de

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sua mãe. A água de açafrão, o chumaço de algodão, a água com

almíscar e a mistura de manteiga e mel devem ser preparados

anteriormente.

A maioria das declarações médicas afirmam que a letra

HRIH deve ser desenhada sobre a língua, entretanto, alguns textos

contidos na tradição oral declaram que a letra DHIH deve ser

desenhada na água com açafrão, ou então HRIH, utilizando-se

uma solução de “gi-wam”(2). Aparentemente, DHIH destina-se a

dar inteligência à criança e HRIH‚ a dar longa vida e prosperidade

sendo, portanto, ambas benéficas. O tipo de chumaço, escova ou

pena a ser utilizada não está definido nas escrituras. Deve-se utili-

zar o selo gravado em madeira de zimbro com a letra DHIH, que é

distribuído pelo Governo do Tibete, sob as ordens de Sua Santida-

de o 13º Dalai Lama, juntamente com um pequeno texto sobre os

cuidados com a criança nos vários distritos tibetanos ou uma vare-

ta redonda, fina, de ouro ou prata, que as mulheres usam em feixes

como ornamentos ou uma escova de pêlos finos ou uma pena de

ponta arredondada feita de marfim, sândalo ou zimbro, ou de qual-

quer madeira macia e não venenosa. O melhor tipo de açafrão pro-

vém do Kashimir, conhecido no idioma hindi como Kashimir gosar.

Se a mãe não tiver leite, o bebê deve ser colocado no peito

de uma outra mãe que o tenha. Esta deve possuir a mesma idade,

apresentar boa saúde e ser proveniente de uma boa família. Alem

disso, não deve ter gerado uma criança que tenha falecido. Um

bebê que suga fortemente é um bebê saudável.

Para proporcionar à criança memória clara, sabedoria e voz

doce, deve ser administrada uma substância medicinal(3) triturada

e fervida em leite de carneiro branco. Este leite deve ser trazido por

uma menina que venha da direção sul da casa. Esta menina deve

ser de boa família e os pais devem estar vivos. Tal procedimento é

realizado para proporcionar uma perspectiva favorável pois, con-

forme a lenda, Saraswati nasceu ao sul, no oceano, como filha de

Brahma.

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Se o bebê nasce com dentes ou se o dente inferior nasce

primeiro, de acordo com uma antiga evidência, é um mau sinal que

prediz certos infortúnios para a família. Para evitar isto, devem ser

realizadas oferendas de fogo para a divindade Gzhon-nu gdong

drug.

Imediatamente após o parto, há o costume de colocar-se o

anel da mãe sobre o pênis do filho, cobrindo-o com fuligem. Isto é

feito para evitar que o menino mude o sexo.

Os pais devem saber o momento exato em que o cordão foi

seccionado, pois este horário é utilizado no cálculo de horóscopos.

Após alguns dias, o cordão remanescente cairá. Deve ser envolvi-

do em um pedaço de pano e alfinetado no ombro de um vestido.

Recuperação e placenta

Um medicamento preparado com a pele de uma cobra

negra é colocado sobre a vagina por um curto período de tempo

para auxiliar na recuperação da mãe. Se a placenta não for elimi-

nada logo após o nascimento, o útero pode sofrer um prolapso,

gerando uma situação muito arriscada. Até sua expulsão, portanto,

a mãe não deve ingerir cerveja, leite, iogurte e especialmente rapé

ou tabaco, uma vez que todos produzem calor no estômago. Deve-

se ingerir caldo de carne moída, arroz, sopa de ossos com trigo

moído ou sopa de carne e cevada. A auxiliar deve pressionar as

laterais do estômago da mãe, para baixo, com as palmas das

mãos, em direção à vagina, para ajudar na expulsão da placenta.

As escrituras sobre os cuidados com as crianças declaram

que a placenta deve ser queimada. O local depende do mês do

nascimento, pelo calendário tibetano. No primeiro, quinto e nono

mês, a placenta é queimada na direção leste; no segundo, sexto ou

décimo mês, é queimada na direção norte; no terceiro, décimo e

décimo-primeiro mês, na direção sul e no quarto, oitavo e décimo-

segundo mês, no oeste. Deve ser queimada a certa profundidade

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no solo para que não seja desenterrada por cães, aves e outros

animais.

Tão logo a placenta tenha sido expulsa, deve ser fornecida

à mãe uma alimentação nutritiva e forte, assim como cerveja de

cevada tibetana fervida para suprimir os rLungs.

Cerimônias realizadas após o parto

Na manhã seguinte ou no próximo dia auspicioso, a casa

deve ser limpa e purificada com incenso medicinal queimado em

seu interior e sobre o telhado. A face e as mãos da mãe devem ser

lavadas com leite de vaca ou de "dri". Um pouco de leite de vaca‚

derramado sobre uma xícara de porcelana branca e borrifada sobre

a mãe e a criança e em torno do quarto com um galho de kusha ou

um raminho de zimbro enquanto são proferidas as seguintes pala-

vras: "Ofereço este límpido leite proveniente de deuses puros. Para

que todas as impurezas possam ser eliminadas." Os outros mem-

bros da família podem estar presentes oferecendo cachecóis

(katas) da boa sorte para a criança e os pais.

Até que estas cerimônias tenham sido realizadas, nenhum

visitante deve ser recebido, pois de outro modo o bebê pode adoe-

cer. Assim que terminam as cerimônias, os amigos chegam e ofe-

recem ao bebê oferendas como cachecóis da boa sorte e presen-

tes como babadores e mantos e trazem para a mãe carne, man-

teiga, mel etc.

Cerimônias especiais

Em um dia auspicioso, um mestre em tantra deve ser con-

vidado para que venha à casa realizar um ritual de fortalecimento à

vida da criança. Ele molda uma residência dos deuses com massa

de bolo ou pão e faz oferendas para as divindades de meditação e

para os cinco deuses pessoais que todos temos. Toma então de

quatro flechas, se a criança for do sexo masculino, ou cinco fusos,

se do sexo feminino, e visualiza a energia vital da criança habitan-

Page 23: Medicina tibetana 8

23

do no interior dos mesmos. Dispõe um dos objetos (flecha ou fuso)

sobre o telhado da casa, outro sobre a laje, um acima da porta e

outro sobre o assoalho. Para proteger a criança dos espíritos pre-

judiciais, o mestre amarra um cordão protetor fortalecido por man-

tras em torno do pescoço e do punho do bebê. Ele também amarra

uma pequena bolinha de shu-dag (Acorus calamus) em torno de

seu pescoço. Devem ser feitas oferendas de alimento às divinda-

des e aos guardiães, todo mês, no dia do nascimento da criança.

Também devem ser feitas oferendas aos espíritos.

O nome da criança

O nome deve ser dado no dia seguinte ao nascimento, em

homenagem à estrela que predominou aquela noite, a um grande

mestre espiritual, a uma divindade, a um guardião da Doutrina, a

uma dádiva ou um parente. O nome deve ser bonito e auspicioso.

Alternativamente, pode-se pedir a um mestre espiritual que dê um

nome à criança .

Festividades do nascimento

Em um dia favorável, penduram-se bandeiras ao vento

sobre o telhado da casa e fazem-se oferendas às cinco divindades

pessoais e aos protetores, enquanto que aos membros da família

e convidados são servidos os melhores petiscos. As razões para

pendurar as bandeiras e realizar as oferendas estão nos textos

sobre os cuidados com a criança.

O primeiro passeio do bebê

Seu primeiro passeio deve ser feito em um dia predetermi-

nado e nunca em algum outro não auspicioso para a criança ou

sob sua estrela não auspiciosa (todos temos um dia e uma estrela

auspiciosos e não-auspiciosos, dependendo do ano em que nas-

cemos). Na manhã daquele dia, o bebê deve ser banhado em água

morna e seu corpo, gentilmente massageado com óleo e vestido

Page 24: Medicina tibetana 8

24

com roupas limpas. Existe um ritual antigo no qual a criança, usan-

do cabresto de mula, é carregada pelo exterior da casa, circundan-

do-a no sentido horário, por um tio ou uma tia.

Os pais devem levá-la para visitar os locais sagrados da

região e devem marcar uma audiência com seus mestres espiri-

tuais pessoais. Devem solicitar um nome a cada um dos mestres

espirituais que encontrarem. O nome permanente, entretanto, é

dado como explicado anteriormente.

Cuidados Gerais

Os babadores devem ser trocados freqüentemente. Quando

vestir o bebê, disponha os braços lateralmente, estenda as pernas

e enrole-o no babador e no camisolão. Em torno deste, amarre o

cinto e se estiver frio, envolva-o em um manto. Feito isto, o bebê

desenvolverá pernas eretas. Como agita muito os braços, ele pode

eventualmente arranhar a face e, se continuar, poderá desenvolver

dor nas axilas.

Quando deitar o bebê, certifique-se de que o sol não esteja

brilhando diretamente em seus olhos, pois isto resulta em estra-

bismo. Se as fontanelas ou as solas dos pés são expostas a um

calor muito forte, os olhos do bebê podem perder a claridade. O frio

intenso nestes dois locais pode causar surdez. Se o bebê é carre-

gado de forma incorreta, pode desenvolver uma curvatura anormal

no pescoço. Fazê-lo sentar-se muito cedo pode deslocar o fígado

para baixo. Portanto, deve-se tomar o cuidado de proteger o bebê

contra os perigos do fogo, dos pássaros, dos animais e das doen-

ças contagiosas em todos os momentos. De vez em quando, uma

massagem é benéfica, com óleo e sob o calor do sol. Isto tornará

o corpo forte e saudável e a babá deve ser instruída nestes assun-

tos. Podem ser utilizados óleos de gergelim e de mostarda. Uma

pequena quantidade é despejada em um copo com água morna ou

fria, dependendo do tempo. A água impede que o óleo lambuze as

mãos e as roupas do bebê.

Page 25: Medicina tibetana 8

25

Algumas vezes, quando a mãe estiver trabalhando, poderá

sentir dor nas mamas e o bebê deverá chorar com fome. Neste

momento, deve ser dado leite ao bebê. Atualmente, as mães ali-

mentam seus bebês com mamadeiras. Ao dar apenas um bico de

plástico para sugar, este não deve possuir orifício para prevenir do-

enças de rLung.

A saúde da criança

Eventualmente, deve ser aplicado sobre o umbigo sal medi-

cinal combinado com manteiga ou um composto medicamentoso(4)

em pó dissolvido em manteiga. Quando o bebê estiver deitado para

dormir, sua cabeça deve estar sempre direcionada para o norte ou

leste. O couro cabeludo deve estar coberto com algodão embebido

em óleo. Durante o dia a mãe não deve dormir, pois o bebê neces-

sita de seus cuidados.

Nas escrituras sobre os cuidados com a criança afirma-se:

"Para proporcionar inteligência e longa vida, triture ingredientes

medicinais(5) formando uma mistura fina. Combine-a com mel ou

manteiga. Ao fornecer um pouco desta mistura todas as manhãs,

consegue-se inteligência e saúde". A mistura deve ser feita por

alguém que seja experiente na preparação de medicamentos,

deve-se pedir que um médico a faça. Certas substâncias enroladas

no formato de uma pequena trouxa, amarrada em torno do pescoço

do bebê o protegerá dos danos causados por deuses da terra, por

nagas e por influências prejudiciais.

Os métodos de preparação de medicamentos podem ser

encontrados nos capítulos setenta e um e setenta e dois da escritu-

ra médica “Gunatantra” (em tibetano, yon-ten rgyud) e com mais

detalhes nos capítulos cento e três e cento e quatro. Métodos de

preparação também podem ser encontrados no “Comentário ao

Gunatantra”, no texto “Safira Azul” (em tibetano, Be-ngon) e nas

várias tradições orais.

Page 26: Medicina tibetana 8

26

Alimentação

Devem ser fornecidos regularmente ao bebê açúcar cristal,

mel, manteiga derretida, biscoitos doces e, eventualmente, frutas e

carne fervida e frita em manteiga fresca. Estes alimentos propor-

cionam boa compleição e nutrem a musculatura. Certas substân-

cias medicinais(6) finamente trituradas e fervidas com manteiga

devem ser fornecidas regularmente na forma de uma pequena pílu-

la para o vigor e a saúde.

Diz-se que um bebê que se alimenta de sólidos está com

fome quando suga o polegar.

Crescimento

De acordo com um antigo conhecimento, há seis estágios

no desenvolvimento precoce de uma criança: sua habilidade de

agitar e dar suas mãos aos pais após os cinco meses, sua capaci-

dade de sentar-se após seis meses, o surgimento dos dentes após

oito meses, engatinhar após nove meses, caminhar após um ano e

a capacidade de falar as palavras "A-ma" e "A-pa" após dois anos.

Se a criança não caminha após um ano, os pais devem rea-

lizar um pequeno ritual. Sente-a e segure-a de costas sobre uma

vaca branca; uma auxiliar faz a vaca mover-se, gritando "da-ya, da-

ya". Este ritual ajudará o bebê a caminhar.

É costume perfurar a orelha do bebê aos oito meses. Perfu-

ra-se a orelha direita do menino e a orelha esquerda da menina. De

acordo com as escrituras sobre os cuidados com a criança, esfre-

ga-se um pouco de mercúrio no lóbulo. A orelha é perfurada a par-

tir do dorso, no seu ponto mais fino, utilizando-se uma agulha

transpassada com um pêlo de cachorro. O orifício é tratado com

um pouco de óleo. A perfuração da orelha é um ritual realizado

principalmente para a prosperidade, mas não é feito se a criança é

uma encarnação reconhecida (Tulku) ou se está destinada a ser

ordenada.

Page 27: Medicina tibetana 8

27

Quando o bebê está engatinhando e os pais estão ocupa-

dos, não sendo possível observá-lo constantemente, ele deve ser

preso em um quadrado para evitar que ocorra qualquer acidente.

De acordo com um conhecimento antigo, se as primeiras

palavras da criança são "A-ma" ou "Ma", ela será separada primei-

ro de sua mãe e se falar "A-pa" ou "Pa", de seu pai. A melhor pala-

vra que a criança poderia pronunciar primeiro poderia ser "A-ni" (tio

ou tia).

Celebrações de aniversário

As escrituras sobre os cuidados com a criança dizem que o

primeiro aniversário deve ser celebrado hasteando-se bandeiras de

orações e fazendo-se as oferendas mais refinadas às divindades e

aos protetores. A criança de ser banhada, vestida com roupas

novas e levada a uma audiência com um mestre espiritual. Poste-

riormente, a família janta as melhores comidas e bebidas e todos

se divertem.

Patologia

Em geral há vinte e quatro tipos de doenças que afetam as

crianças. As condições que propiciam algumas delas vêm da mãe

e outras surgem de cuidados inadequados com a criança. As con-

dições que vêm da mãe incluem cuidados inadequados para com

sua saúde durante a gestação e durante a amamentação. Tais

condições podem causar deformidades como surdez, cegueira,

gagueira, deformidades na formação do corpo, dedos extras, pele

manchada etc. Estas deformidades, resultantes de doenças con-

traídas pela mãe durante a gestação e que afetam posteriormente

o feto, são inatas e difíceis de curar, enquanto outras são curáveis.

Após o nascimento, as doenças podem ser causadas por

atitudes como sacudir demasiadamente o bebê, sentá-lo muito

cedo, não trocar os babadores com a freqüência necessária e dar

alimentos e bebidas excessivamente quentes ou frios. Estas doen-

Page 28: Medicina tibetana 8

28

ças são curáveis e os pais devem procurar um médico sábio ime-

diatamente, seguindo exatamente suas instruções. Se o bebê está

se alimentando exclusivamente de leite materno, a mãe deve inge-

rir todos os medicamentos. Se está sendo alimentado por ambos,

leite materno e sólidos, a mãe e a criança dividem os medicamen-

tos. Uma criança completamente desmamada ingere todos os

medicamentos.

Sintomas gerais das doenças

As escrituras sobre os cuidados com as crianças mencio-

nam alguns dos sintomas gerais das doenças: choro constante

com expressão dolorosa ou infeliz, ela segura a região do corpo

que quando pressionada causa dor, há perda do apetite, respiração

irregular, as unhas tornam-se pontiagudas, a voz apresenta-se fra-

ca, a criança geme, emite sons estranhos, não tem vontade de

brincar etc.

Os sinais específicos das doenças incluem: elevação da

temperatura, tosse, pulsação das veias e das artérias, sudorese e

vômitos, sangramento nasal, ruídos altos no estômago, fezes diar-

réicas de cores diferentes, sede intensa, o umbigo apresenta-se

inchado, a criança esfrega o nariz e a boca com as mãos, arranha

o peito ou mesmo a mãe, manifesta o desejo de comer, mas na

verdade não come etc. Os sintomas de doenças graves incluem:

ressecamento e endurecimento das narinas, contração das ore-

lhas, membros finos, olhos fundos, língua seca, estômago duro,

taquipnéia, diarréia aquosa, fortes movimentos rotatórios da cabe-

ça, protuberâncias da pele etc. O deslocamento do fígado até o

nível do umbigo é particularmente grave e a chance da criança

sobreviver é pequena. De outro lado, se os olhos, ouvidos, nariz,

boca e compleição apresentam uma aparência sadia, se a criança

respira bem, se veias e artérias não estão pulsando, se as palmas

das mãos e as solas dos pés possuem uma coloração rósea e ela

Page 29: Medicina tibetana 8

29

se alimenta bem, a doença é curável e um médico habilidoso deve

ser imediatamente consultado.

Há quinze tipos de espíritos que afetam a criança, sete

acometem o menino e oito são causas de doenças das meninas.

Um deles é o fantasma de um rei assassinado que renasceu como

um espírito por causa de sua raiva. Um outro é o fantasma de uma

mulher maldosa e outro ainda é de um rei dos nagas. Os sinais que

indicam danos causados por estes espíritos incluem um medo

súbito, choro excessivo principalmente nas primeiras horas da

manhã e da noite, tremores, gemidos, sono perturbado, a criança

morde seus lábios, recusa-se a receber o leite materno, os olhos

tornam-se brancos, esfrega suas unhas em sua mãe e apresenta

febre. Quando estes sinais ocorrem deve-se consultar um médico.

A criança não deve ingerir alimentos fortes como álcool, carne,

sangue, vegetais verdes etc. É preferível alimentá-la com os três

alimentos brancos: leite, iogurte e manteiga. Rituais especiais

devem ser realizados, incluindo o Ritual em Três Partes, a Oferen-

da da Água, a Leitura dos Cinco Grandes Mantras e o ritual das

Cem Carnes e dos Cem Alimentos na qual são feitas efígies e ofe-

recidas ao espírito. Uma roda de proteção deve ser amarrada à

criança e, se possível, o ritual "Do" (mdos) deve ser realizado. Se

isto não trouxer melhora, de acordo com as escrituras, deve ser

procurado um poderoso mestre em tantra e solicitado que realize,

entre outros, a volta da “Roda de Fogo” juntamente com o “Mantra

Irado” e o ritual para a “Destruição do Pássaro Demônio”. Estes

rituais estão explicados no texto "Chung-dpyad padma-gches-

phreng" e também estão presentes em uma obra do grande médico

Dkon-mchog phan-dar conhecida como "Nyams-yig rgya-rtsa".

Finalmente, um médico espiritual com poderes sobre o

mantra deve ser consultado novamente, para aconselhamento.

Page 30: Medicina tibetana 8

30

Diagnóstico

Há três maneiras de diagnosticar as doenças: através do

exame das veias, da voz e do leite materno.

As veias dorsais do lóbulo da orelha são examinadas

enquanto a criança está defrente para o sol. Há três veias atrás de

cada lóbulo que revelam as condições dos órgãos do corpo. As

três veias do lóbulo direito fornecem informações sobre os pul-

mões, o fígado e os rins; as três veias do lóbulo esquerdo, sobre o

coração, baço e rins. Nas meninas, as veias do coração e dos pul-

mões são contrárias. A doença pode ser diagnosticada através da

coloração das veias. Quando apresentam-se com cor marrom,

indicam febre; se amarelas indicam uma doença de mKris-pa; cin-

zas, uma doença causada pelo frio; brancas, um distúrbio do

humor Bad-kan e vermelhas, uma doença do sangue. Uma altera-

ção nas veias relacionadas com os pulmões, o fígado e o coração

indica danos causados por espíritos. Veias pouco nítidas sinalizam

ocorrência de morte e neste caso devem ser realizados rituais(7),

solicitadas iniciações da longa vida e compreendidas as práticas

de doar-se.

A doença pode ser diagnosticada pelo exame da voz. Cho-

ros longos e estridentes indicam um distúrbio de mKris-pa; um cho-

ro que soa baixo e profundo indica doença causada por frio; um

som áspero, um desequilíbrio de rLung e um som semelhante ao

de um pato é sinal de diarréia ou vômitos. Um bebê acometido por

espíritos emite uma variedade de sons estranhos.

Diagnosticar uma doença utilizando-se do leite materno

envolve a compressão das mamas para a retirada de uma pequena

quantidade de leite sobre um recipiente cheio de água e posterior

avaliação das reações que ocorrem entre eles. Se o leite não per-

manecer flutuando sobre a superfície da água, o bebê não necessi-

ta de tratamento por um médico. Se continuar suspenso na água, a

criança está doente, mas não é grave. Se permanecer como uma

coluna reta, é um sinal de morte. Quando vai até o fundo, também

Page 31: Medicina tibetana 8

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é um sinal de perigo. Quando se assemelha a nuvens indica dano

causado por espíritos.

A coloração do leite também pode ser examinada. Marrom

indica doença do sangue; amarelo, distúrbio de mKris-pa; esbran-

quiçado com bolhas sugere desequilíbrio de rLung; o leite com

filamentos verdes indica um distúrbio de Bad-kan e quando asse-

melha-se à desova de rãs, indica doença causada pelos deuses da

terra.

Tratamento de pústulas bucais

As crianças com freqüência desenvolvem pústulas na boca

e pode-se tratá-las com uma mistura contendo almíscar adicionado

a um minúsculo retalho de cordão umbilical que é colocada na

boca. Um outro medicamento pode ser administrado(8). O leite de

uma cabra branca misturado com as cinzas da pena de um tipo de

pombo e aplicados às pústulas também serão benéficos. Se depois

de alguns dias a criança é imersa em água, a dor cessará e a

doença não retornará. Além disso, algumas pessoas afirmam que

esfregar regularmente um resíduo de cordão umbilical no interior

da boca ou colocar um anel de ouro limpo com uma pedra de tur-

quesa dentro da boca também pode ser de algum auxílio.

Dentição

No comentário do "Gunatantra" afirma-se que quando um

jovem pavão desenvolve pela primeira vez as penas da coroa e

quando um bebê desenvolve sua primeira dentição ambos experi-

mentam dor no corpo inteiro.

Um determinado medicamento(9), fervido com mel e deixado

a esfriar, pode ser aplicado em todo o corpo para acelerar o desen-

volvimento dos dentes. Também existem medicamentos para qual-

quer distúrbio que surja em decorrência da dentição.

Page 32: Medicina tibetana 8

32

Diarréia e vômitos

A diarréia pode ser tratada com mantras. Três longos cor-

dões protetores são trançados para formarem uma corda e esta é

cortada em duas. Vinte nós são amarrados em cada uma. O man-

tra "Ya-ma chod" (pronuncia-se “yama cho”) é recitado cem vezes

para cada corda e “soprado” nelas. Uma das cordas é amarrada

em torno do pescoço do bebê e a outra em seu punho. Quanto aos

vômitos, o mesmo ritual é realizado utilizando-se o mantra "Ya-ma

shig" (pronuncia-se “yama chik”). A diarréia associada ao “calor” é

vermelha, marrom, amarela ou verde e a diarréia associada com

“frio” é geralmente branca.(10)

Os vômitos são mais frequentemente causados por mKris-

pa frio. Seus sintomas são: incapacidade para digerir o leite da

mãe ou o alimento, olhos amarelados e estômago saliente. Pode

ser tratado com a aplicação de baforadas de fumaça produzidas

pela queima de uma combinação de substâncias medicinais(11)

sobre o estômago do bebê ou através de medicamentos(12) adicio-

nados ao caldo de carne fresco. Se o conteúdo do vômito é um

muco esverdeado ou o próprio leite de sua mãe, o medicamento

deve ser adicionado ao mingau de arroz. Se vomitar o mingau, um

pequeno jejum ajudará. Se nenhum destes tratamentos for bem

sucedido, uma aplicação de moxa sobre o topo da cabeça curará a

doença(13).

Um remédio para a ocorrência simultânea de vômitos e diar-

réia encontra-se na escritura médica "A Casa dos Tesouros das

Pedras Preciosas, uma Coleção de Tradições Orais Preciosas",

escrito pelo médico rDo-karma Chos-rGyal.

Geralmente quando um bebê tem diarréia não deve ser ofe-

recido carne, mingau de aveia ou de arroz, mas alimente-o com

mingau de farinha de trigo indiano ou tibetano bem cozido com

manteiga fresca, queijo ralado doce e um pouco de sal; deixe

esfriar até que engrosse um pouco. Se o bebê está desmamado

deve ser oferecido mingau de trigo torrado com queijo e sal duas

Page 33: Medicina tibetana 8

33

ou três vezes por dia. Estes mingaus curarão a diarréia muito

facilmente. Alguns pais preferem o mingau preparado com arroz,

mas apesar deste procedimento auxiliar na cura da diarréia asso-

ciada ao calor, não age quando o distúrbio está associado com frio.

O trigo é melhor.

Sarampo

Há muitos tipos de doenças eruptivas, algumas ocorrem

somente uma vez e outras são recorrentes. O sarampo e a varíola,

uma vez curadas, não mais ocorrem. Houve muito interesse no

tratamento de varíola e existem muitas curas. O uso de vacinas

também está difundido e, portanto, não escreverei sobre este

assunto aqui. O sarampo, entretanto, é prevalente entre crianças

menores, de forma que descreverei algo sobre esta patologia. O

tratamento sob esta denominação não é mencionado nos tantras

médicos, apesar de que os sintomas descritos na escritura da tra-

dição oral “Safira Azul” assemelham-se ao “tremor febril” e, uma

vez tomadas as precauções, nenhum tratamento é necessário.

Devem ser evitados alimentos azedos como bebidas alcoólicas,

queijo azedo etc., além de cebolas e alhos, pimenta preta e sal, ou

seja, tudo aquilo que aumenta o calor do corpo ou que piore a

doença. A criança deve alimentar-se com os três alimentos bran-

cos. Deve ser evitado especialmente o sal, uma vez que o mesmo

faz com que as erupções se desenvolvam no interior das pálpe-

bras.

As escrituras da tradição oral mencionam sete tipos de

sarampo, que podem ser condensados em duas variedades. Os

sintomas são geralmente semelhantes para qualquer doença con-

tagiosa, manifestando-se especificamente com pequenas pústulas,

como sementes de mostarda, que aparecem sobre todo o corpo

quando a doença irrompe. As axilas e a virilha também tornam-se

quentes. Dia após dia, as pústulas secam, mas até que isto ocorra,

a criança deve ser mantida aquecida.

Page 34: Medicina tibetana 8

34

Em certas regiões do Tibete, existe um método tradicional

para eliminar rapidamente as pústulas. Em primeiro lugar, os ali-

mentos inadequados citados acima são evitados, depois, fricciona-

se cerveja de cevada engrossada no corpo da criança por dois

dias, durante os quais a criança deve permanecer aquecida. As

pústulas serão eliminada e, quando isto ocorre, ela deverá receber

alimentos nutritivos para suprimir rLung.(14)

Tratamento no deslocamento do fígado

O fígado de um bebê é muito macio e com membranas

finas, assim, se o bebê recebe alimento ou leite insuficiente ou é

colocado a sentar-se muito cedo, o órgão pode facilmente se des-

locar para baixo. Os sintomas podem ser uma recusa para alimen-

tar-se ou mamar, elevação da temperatura, dispnéia e perda de

peso. Se não for submetido a tratamento imediato e se o fígado

descer além do umbigo, o bebê não sobreviverá. Por outro lado, os

casos curáveis são de duas variedades: aqueles causados por

calor e aqueles causados por frio. Os sintomas do primeiro são

olhos vermelhos, sangramento nasal, coloração azulada da pele

mesmo que a face apresente boa compleição, pulso ondulante e

urina marrom-avermelhada. Os sintomas da doença, quando cau-

sada por frio, são bocejos, lacrimejamento, um fígado exsudativo e

dor neste órgão após a digestão do alimento.

A cura de um fígado deslocado para baixo causado pelo

calor inclui dieta correta, sangria, administração de medicamentos,

aspersão de água e moxabustão. Os alimentos a serem evitados

incluem carne velha, manteiga rançosa, cevada, alimentos fortes,

em especial aqueles produtores de calor, assim como o álcool.

Uma dieta correta incluiria carne fresca, caldo de carne fresca,

manteiga fresca, iogurte fresco, açúcar, leite e mingau de trigo e

arroz. A dieta deve ser adotada pela mãe também, se esta estiver

amamentando a criança. A sangria é realizada nas veias das pan-

turrilhas e dos tornozelos. Apenas o sangue afetado deve ser reti-

Page 35: Medicina tibetana 8

35

rado e não o sangue vital. Muitos medicamentos(15) indicados para

estes casos são encontrados nos textos médicos. A água utilizada

na aspersão deve ser fria e o tratamento deve ser realizado à noite

sob a luz das estrelas. Um litro desta água é despejado na região

da nona vértebra. Como alternativa, uma bexiga cheia de água fria

é pressionada contra o corpo da criança. Isto interrompe a pulsa-

ção das veias do fígado e resulta na redução do calor.

O moxabustão, nestes casos, é aplicado em três locais

depois que o calor foi eliminado: a região do fígado entre a nona e

a décima-segunda vértebra, os quatro cantos ocultos do fígado

situados a uma distância de um dedo de largura de um lado a outro

do umbigo e na região das duas costelas flutuantes. Se a queima é

feita antes do calor ter sido dissipado, o fígado não retornará ao

seu sítio correto. O momento, portanto é de grande importância. As

instruções devem ser retiradas da “Escritura da Safira Azul”.

A cura de um fígado deslocado causado pelo frio inclui die-

ta, medicamentos(16), banhos medicinais(17), purgação(18) e moxa-

bustão. A dieta já foi explicada. O moxabustão é realizado nos

locais mencionados, mas o momento não precisa ser tão exato.

Estes tratamentos são descritos na “Escritura da Safira

Azul”. O moxabustão e a sangria, no entanto, seriam insuportáveis

para a criança e para os pais. Devem ser utilizados apenas como

último recurso.

Há um método tradicional de curar um fígado deslocado,

ainda praticado por algumas mulheres experientes. Nas primeiras

horas da manhã, a criança é despida e deitada sobre uma cama. A

mulher pega um espelho de bronze ao qual é amarrado um cache-

col branco de lã ou seda e pressiona-o sobre a coluna vertebral da

criança, abaixo das costelas, movendo-o em círculos na região

frontal do corpo em uma área logo acima do umbigo. Ela repete o

movimento sobre o outro lado do corpo. Todo o processo é repeti-

do três a quatro vezes. Depois o cachecol é mergulhado em água

muito fria e espremido sobre o corpo da criança, acima do umbigo

Page 36: Medicina tibetana 8

36

e sob as costelas daquele lado, fazendo-a pular com o choque. O

cachecol úmido é amarrado em torno da cintura da criança e

depois ela é vestida e colocada na cama. Este tratamento deve ser

realizado em segredo. Se a criança já é portadora da doença há

algum tempo, o tratamento deve ser repetido duas ou três vezes

com intervalos de três ou quatro dias. Este método é de grande

auxílio para que o fígado retorne à sua posição correta. Se o espe-

lho fixa-se à pele quando colocado sobre o fígado ficando difícil

deslizá-lo, é um sinal de que o fígado foi deslocado. Se o fígado

estiver deslocado já há algum tempo, ao pressionar com os dedos,

ele estará duro.

Em algumas regiões do Tibete existe um método tradicional

para prevenir esta doença. Quatro ou cinco semanas após seu

nascimento, o bebê era seguro pelas pernas, de cabeça para bai-

xo, e balançado suavemente para lá e para cá poucas vezes.

Depois ele repousava durante uma hora em decúbito frontal. Diz-se

que se este procedimento fosse repetido de hora em hora a criança

nunca adquiriria esta doença.

Preparação da medicação preventiva

Um pouco de uma substância negra, semelhante à fuligem

e um pouco de musgo amarelo, ambos encontrados sobre um

pedra negra, cuja localização esteja de frente para o norte e não

tenha sido tocada pelos raios de sol, são queimados juntamente

com dois ou três fios de cabelo retirados do topo da cabeça da mãe

para formar cinzas e dadas para a criança com um pouco de ceva-

da. Isto conservará a criança protegida das doenças durante um

ano. Uma mistura de almíscar, Acorus calamus e melaço, forne-

cida à criança com cerveja de cevada, assegura não apenas uma

saúde semelhante a um vajra, mas protege das doenças e danos

causados por espíritos durante doze anos. Estas preparações são

descritas no “Compêndio de Ensinamentos Orais Preciosos sobre

a Ciência da Cura” pelo Dr. rDo-karma Chos-rGyal.

Page 37: Medicina tibetana 8

37

Lazer

Quando a criança aprende a andar e a falar, os pais não

devem ser muito rígidos com ela. É melhor que ela seja encorajada

a brincar com os amigos que desejar, sempre que assim quiser,

deixar que seu corpo realize grande quantidade de exercícios,

permitir que amadureça e que sua fala se desenvolva rapidamente.

Entretanto, sempre existe o perigo de acidentes, quedas, mordidas

de cães, ataque de animais de fazenda etc. Os pais devem estar

conscientes disto.

As crianças gostam de brincar com terra e freqüentemente

cobrem-se com ela, mas contanto que não haja sujeira, espinhos,

metais ou vidro, isto só pode ser bom para seus corpos. As crian-

ças também comem barro e alguns pais com pouco conhecimento

batem nelas por este motivo, mas aqueles com mais experiência

dizem que o barro é benéfico para os intestinos e, de nenhuma

maneira, prejudicial.

Não deve ser permitido que as crianças carreguem instru-

mentos pontiagudos, tais como canivetes de bolso, espetos etc. No

Tibete, os meninos brincam com modelos de cavalos, vacas,

macacos etc., flautas feitas de argila ou de ossos do tornozelo de

carneiro. As meninas brincam com bonecas de pano, partes do

material da qual são feitas as bonecas, agulhas e linhas, pequenas

bolas coloridas de vidro ou de pedra para fazer truques de mão,

penas amarradas com um peso em baixo como uma peteca, cor-

das de pular etc. As crianças pequenas gostam de colocar brin-

quedos em suas bocas, portanto, estes devem ser macios sem

extremidades pontiagudas. Atualmente, entretanto, existem muitos

tipos diferentes de brinquedos e os tradicionais não são necessá-

rios.

Quando brincam, as crianças com freqüência lutam. A

criança que começa a lutar deve ser gentilmente reprimida pelos

seus próprios pais e não pelos pais de outras crianças, pois pode

causar atrito entre os primeiros.

Page 38: Medicina tibetana 8

38

No Tibete, quando a criança é capaz de falar e compreen-

der, sua mãe, avó ou babá contam-lhe estórias agradáveis para

tranqüilizá-la e sentir sono.

Educação

A educação infantil no Tibete começava aproximadamente

aos cinco anos de idade. Em um dia auspicioso, a criança era

registrada em uma escola. Alternativamente, um tutor era convida-

do e na época adequada, com a criança frente a uma direção aus-

piciosa, ele iniciava sua educação, em casa, ensinando-a a ler o

alfabeto a partir de um livro contendo as vogais e as consoantes

em tamanho grande. Prosseguindo com seus estudos desta manei-

ra, mais tarde, seria registrado em uma escola.

Apesar de ser ensinada, sua própria inteligência e esforço

são pré-requisitos necessários para o sucesso de sua educação. A

maioria das crianças não é entusiástica para estudar; indolentes,

elas preferem brincar. A responsabilidade de criar condições para

a educação é dos pais. E assim, quando chega o momento, eles

não devem ser negligentes em suas considerações que valerão

para toda sua vida, nem negar à criança oportunidades para sua

educação por serem demasiadamente apegados à ela. O melhor é

proporcionar entusiasticamente seu aprendizado. Além disso,

mesmo que os pais tenham uma boa educação, não devem tentar

educá-la, pois a criança não desenvolve o mesmo tipo de respeito

pelos pais como o fazem pelos professores e isto retardaria seu

aprendizado. Eles devem enviá-la, com certeza, a uma boa escola

e apresentá-la a seu professor e posteriormente ao seu tutor espiri-

tual, encorajando-a para que adquira um profundo respeito por ele.

Quando a criança se esforça muito na escola, os pais devem

demonstrar que estão satisfeitos, dando-lhe pequenos presentes

como alimentos e roupas, elogiando-a e, em geral, fazendo-a sen-

tir-se feliz. A gentileza dos professores e do tutor deve ser retribuí-

Page 39: Medicina tibetana 8

39

da convidando-os para uma visita a sua casa de vez em quando e

oferecendo-lhes doações à escola e ao tutor.

Com base em suas próprias experiências de vida, os pais

devem algumas vezes dar à criança conselhos úteis e benéficos.

Entre os oito e os treze anos, se a criança desobedece seus pais,

falta às aulas, briga, rouba ou mente, parece não haver alternativa

para não apanhar de seus pais ou de seu professor. Um menino

deve apanhar de seu pai e a menina de sua mãe. Quando a crian-

ça atinge a idade de quatorze anos, ela está mentalmente e fisica-

mente mais desenvolvida e um método mais suave de disciplina

deve ser utilizado pois, de outro lado, uma criança desta idade, que

apanha de seus pais ou de seu professor, perde completamente

seu amor e respeito pelos mesmos, sobrevindo-lhes rancor. Dos

quatorze anos em diante, ela deve ser disciplinada apenas ver-

balmente. Haverá momentos nos quais os pais, com relutância,

necessitarão corrigir a criança utilizando algumas verdades desa-

gradáveis. Tais palavras devem ser duras, não importando se a

criança fica desconcertada, pois tal conselho visa seu benefício. Há

um provérbio que diz: "Bons medicamentos algumas vezes são

amargos, certos conselhos algumas vezes são duros". Sua Santi-

dade o Quinto Dalai Lama dizia: "Se não for explicado, nem o pai

compreenderá, portanto, fale claramente. O fogo não ajudará se

não estiver mais queimando a madeira, portanto, alimente o fogo

no momento adequado". Na obra “Bodhisattvacarya Avatara”, de

Shanti Deva, afirma-se:

"Se é possível ser corrigido, porque ficar infeliz;

Se não é possível ser corrigido, porque, também, ficar

infeliz?"

Portanto, até atingirem a adolescência e serem capazes de

pensarem por si mesmas, os pais devem preocupar-se com abne-

gação e sem lamentações com relação à sua educação, tendo em

mente o amor que possuem à vida de seus filhos.

Page 40: Medicina tibetana 8

40

Se for ordenado, ao atingir a adolescência deve residir em

uma comunidade monástica. Costuma-se dizer: "Monges vivem

juntos como bandos de gansos". Mais especialmente, é muito

importante estudar e contemplar os ensinamentos de Buda e seus

comentários com o único objetivo de servir à doutrina e aos seres

vivos ou trazer felicidade temporária e permanente tanto para si

quanto para todos os outros. É muito conveniente, portanto, intro-

duzir a criança em um colégio monástico. Como Senhor do Dhar-

ma, disse Sakya Pandita: "Mesmo sendo já muito velha, a pessoa

deve continuar aprendendo".

Se o jovem não possui inclinação para a vida monástica, os

pais devem fazer acordos quanto ao casamento, no momento ade-

quado, nem muito precoce, nem muito tardiamente. Diz o ditado:

"O dever dos pais é casar as crianças. O dever das crianças é car-

regar o cadáver de seus pais". Quando um filho se casa, diz-se que

sua família ganhou um novo membro. Quando uma filha se casa,

sua família perdeu um membro. Se os arranjos para esta perda ou

adição não são feitos na época correta, há o risco de que o jovem

faça uso de sua vida para propósitos não construtivos ou não signi-

ficativos. Os pais têm a responsabilidade de assegurarem que isto

não ocorra.

Geralmente, apesar da educação e da saúde, há tanto feli-

cidade como tristeza na vida, está é sua natureza. Diz um antigo

ditado: "Durante uma longa primavera há três períodos de calor e

três períodos de frio; durante uma longa vida há três períodos de

felicidade e três períodos de sofrimento". Portanto, sem ficar

demasiadamente satisfeito com a felicidade, ou deprimido com a

tristeza, se você é bem ou mal afortunado, se é feliz ou triste, se

depositar sua verdade nas Três Jóias e viver uma vida de virtude e

honestidade, você encontrará contentamento.

Page 41: Medicina tibetana 8

41

Epílogo

Os pais possuem um amor inato, natural, por seus filhos.

Quando a criança está feliz, eles estão felizes, quando ela sofre,

eles também sofrem; não recuar ante qualquer necessidade, por

amor às suas crianças, é uma atitude comum a todos os pais.

Entretanto, a maneira como se desenvolve, e mesmo o fato de ela

sobreviver ou não, tudo vai depender de quanto os pais conheciam

sobre cuidar e educar crianças. É muito importante conhecer estas

abordagens.

Posteriormente, por amor próprio ou por amor a seus pais e

ao seu país, as crianças devem adquirir grande entusiasmo por

estudos proveitosos, assim como história tibetana, as obras de

Sakya Pandit etc. e por todas as atividades instrutivas, tanto espiri-

tuais como temporais. Como adultos, devem refletir sobre a bon-

dade de seus pais e professores e desenvolver um forte sentimen-

to de amor por seu país. Quando éramos jovens e desamparados,

aqueles que demonstraram mais bondade conosco foram nossos

pais, aqueles que nos mostraram o caminho da felicidade temporá-

ria e permanente foram nossos professores e se nosso país for

feliz e próspero, também seremos. Por outro lado, se nosso país é

pobre e fraco, mesmo que sejamos pessoalmente ricos, podemos

apenas sentir vergonha. Por esta razão, devemos considerar a Lei

da Causa e Efeito, de acordo com a religião dos deuses, e os prin-

cípios do bom comportamento, de acordo com a religião dos

homens. As ações de nossa fala e de nosso corpo devem ser

sempre exemplares, universalmente elogiáveis e nunca devemos

procurar por aqueles de má conduta. Um velho ditado afirma: "Más

influências podem destruir um país", o que significa que os maus

elementos na sociedade podem destruir as boas tradições da

mesma. Também afirma o ditado: "Considere seu comportamento,

desconsidere as circunstâncias". Com relação à sua prosperidade,

se uma pessoa é amável e de boa aparência, ela será comentada

e suas virtudes se espalharão até que finalmente se torne um ser

Page 42: Medicina tibetana 8

42

humano refinado e um recurso indispensável à sua comunidade.

Posteriormente, após haver completado sua educação, o indivíduo

será capaz de realizar muito, sem contar tanto com outros, tornan-

do-se eminente na sociedade. Por exemplo, um cavalo de boa apa-

rência, com um bom pêlo e um bom caráter, que nunca se espanta

ou dá coices, é o tipo escolhido pelos reis e pela nobreza. Mas se

nunca lhe foi ensinado como trotar bem, como uma criança a quem

faltou educação, ele perde uma qualidade essencial. Por outro

lado, um cavalo que é conhecido por seu trote gracioso, mas que

dá coices, empina e recusa-se a obedecer as rédeas é como uma

criança que teve apenas uma boa educação. Tal cavalo é indese-

jado por todos, passa de mão em mão, seu valor decresce, até que

finalmente se torna um fardo. Toda criança, portanto, que possua

um caráter louvável associado com uma boa educação será capaz

de satisfazer seus desejos e de outros.

Notas

1. "Rur-ta", Saussurea lappa (C.B. Clarke)

2. “Ghi-wam”, uma resina amarelo-laranja extraída da vesícula

biliar de elefante (neste caso, a qualidade da resina é de melhor

qualidade), de vaca (intermediária) ou da terra (baixa qualidade)

3. São eles:

i)"A-ru-ra", Terminalia chebula, Retz., mirabólano

ii)"Shing-kun", Ferula narthex, Boiss., assafétida

iii)"Tsha-ba-sga-pi-pho-gsum", combinação de três medicamentos

quentes: Zingiber officinale, Rosc., Piper longum e Piper nigrum

iv)"Shu-dag", Acorus calamus

v)"Manupatra", uma flor amarela brilhante

vi)"Lche-myang-tsha", sal de sequóia

4. Ver nota 1

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5. Ingredientes:

i)"Shu-dag", Acorus calamus

ii)"Gla-rtsi", almíscar

iii)"A-ru-ra", Terminalia chebula

iv)"Yungs-dkar", semente de Brassica comprestis, Linn., semen-

te de colza

6. Lista de ingredientes:

i)"Yungs-dkar", semente de Brassica comprestis

ii)"Shu-dag", Acorus calamus

iii)"Rgyam-tsha", sal-gema muito claro

iv)"Pi-pi-ling", Piper longum

v)"Ru-rta", Saussurea lappa, C.B.Clarke

vi)"Ba-spru-ba"; Mirabilis himalaica, Edgew

7. –Bla-hgug tshe-hdug, "O Ritual da Apreensão da Vida e da

Alma"

–Tshe-chhog, "Ritual para a Longa Vida", etc.

8. Uma preparação de blon-po-gsum (um medicamento que con-

tém três ingredientes: folha de cinamomo, açafrão e Baellium

indiano) e "gu-gul", Commiphora mukul; ou uma preparação de

"ru-rta" (Saussurea lappa), "a-ru" (Terminalia chebula), "gu-gul"

(Commi-phora mukul) e "shu-dag" (Acorus calamus); ou uma

preparação contendo uma pequena quantidade de uma mistura

de "gla" (almíscar) e "gu-gul" (Commiphora mukul) adicionada a

uma combinação de "blon-po-gsum" (mistura de três frutas:

Terminalia chebula, Terminalia bellerica e Emblica officinalis)

9. Partes iguais dos seguintes ingredientes: "a-byag" (uma flor

amarela) e "skyu-ru" (Emblica officinalis)

10.Medicamento para diarréia associada com “calor”: uma prepa-

ração de "mkris-phye bdun-po" ou uma preparação de "ka-pad

bsnam-pa" à base de "Indra bzhi" ou uma preparação de "gur-

gum" (açafrão), "dom-khris" (bile de urso), "ha-loi me-tog"

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(Althaea rosea) ou uma preparação de "sa-myag", "gla-rtsi"

(almíscar), "tsan-dan dkar-po" (Santalum album), "gur-gum"

(açafrão), "dug-nyung" (Hollarrhena antidysenterica, W.), "bong-

ba dkar-po" (Aconitum balfouri), "ga-pur" (Cinnamomum cam-

phora, Nees.), "ba-le-ka" (Aristolochia saccada, W.), "re-ral"

(Adiantum pedantum, avenca comum), "skyer-shun" (casca

intermediária de Berberis aristata), "dom-khris" (bile de urso) e

"brag-zhun" (exsudato de uma pedra).

O medicamento para diarréia associada com “frio” consiste de uma

preparação de "se-hbrus" (droga que contém Punica granatum,

Piper longum, Piper nigrum e Cinnamomum zeylanicum) ou uma

preparação de "da-trig" (Schisandra spaeranda, "mon-chag" e

"bir-ba").

O medicamento geral para diarréia é uma preparação de "bong-

buhi lche-tshod" (língua de macaco) ou uma preparação de

"rgod-khrag" (sangue de cabrito montanhês selvagem) e "btsod

khrag" (sangue de antílope).

11. i)"Se-hbru lnga", um medicamento que contém cinco ingredien-

tes:

ii)"Rgyam-tsha", sal-gema claro

iii)"Bur-dkar", melaço esbranquiçado

12.Uma preparação de:

i)"lchag-zhu"

ii)"dza-ti", noz-moscada

iii)"sug-smel", cardamomo de folhas menores

iv)"da-trig", Schisandra spaerandra

v)"srab-hbras", uma flor negra, dura

vi)"a-phug", rabanete

vii)"kanda-kari", Solanum xanthocarpum, W.

viii)"sga-pi-pho gsum", três medicamentos quentes: Zingiber

officinalis, Piper longum e Piper nigrum

ix)"sbrang-rtsi", mel

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45

x)"bu-rum", melaço

13."Se-bru" e "ha-ho" finamente triturados e combinados com "ri-

bong klad-pa" (cérebro de coelho), fervidos em água e deixados

a esfriar.

14.Medicamentos para sarampo incluem: uma solução de "nor-bu

bdun", "hong-len" (Pichrorriza kurroa, Royle), "Ba-sha-ka"

(Adhatoda vasica, Nees), "Ba-le-ka" (Aristolochia saccada, W.)

ou uma solução de "dpah-bo bchu-gsum" ou de "phye-ma chhu"

ou ainda de "stod-lugs spang-rtsi bchu-gnys". Depois que as

lesões se romperem, aplique também "dngul-chhu bzhi-pa" (

uma preparação que envolve o mercúrio) em uma solução de

"tshar-bong" (um arbusto enorme com fruto acinzentado) ou

uma preparação de "stag-sha" (Oxytrophis chiliophylla, Royle),

"gu-gul" (Commiphora mukul), "bsnan-pahi phye-ma" sobre uma

preparação básica de "bya-khyung-lnga" (um medicamento con-

tendo uma espécie de mirabólano, Acorus calamus, Saussurea

lappa, Baellium indiano e almíscar) ou uma preparação de

"dngul-chhu" (preparação de mercúrio), "mu-zi bsnan-pahi phye-

ma" (enxofre) sobre uma preparação básica de "bya-khyung-

lnga" ou uma preparação de "kyi-lche" (um tipo de genciana) e

"hong-len bsnan-pahi phye-ma" (Pichrorriza kurroa) sobre um

preparado básico de "bya-khyung-lnga". Quaisquer destas pre-

parações serão comprovadamente benéficas se administradas

em uma solução de "tshar-bong".

15.Dois deles são:

i)"brag-zhum" (exsudato de pedra, resina mineral) em pó adicio-

nado a uma mistura em ebulição de "tig-ta" (Swertia chirata,

Roxb.) e "ba-sha-ka" (Adhatoda vasica, Nees.)

ii)"pri-yang-ku" (Callicarpa macrophylla, Vahl. ou Dracocepha-

lum tanguticum, Maxim.), açafrão do Kashmir, açafrão do

Nepal adicionados a uma mistura fervida de "a-ru-ra" (Termi-

nalia chebula, Retz.) e "skyu-ru-ra" (Emblica offinalis)

Page 46: Medicina tibetana 8

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16.Uma mistura de "gur-kum" (açafrão) e "chu-gang" (extraído do

bambu) adicionados a uma preparação fervida de "a-bar-skyur

gsum" (uma combinação de três frutas, incluindo o mirabólano),

ou "dza-ti" (Myristica fragrans), "sug-smel" (Elettaria cardamo-

mum), "shing-tsha" (Cinnamomum zeylanicum) e "sga-skya"

(gengibre selvagem), misturado com "bur-dkar" (melaço esbran-

quiçado) ou uma preparação de "bye-ma gla-sgang" (semente

de Cyperus rotundus, Linn.), "gur-gum" (Crocus sativus), "ghi-

wam", resina amarelo-laranja que pode ser extraída da vesícula

biliar de elefante (de melhor qualidade), de vaca (qualidade

intermediária) e da terra (qualidade inferior) misturada com "ka-

ra" (torrão de açúcar), alternado com "rgyam-tsha gsum" (um

medicamento composto de Zingiber officinalis, Saussurea lappa

e Terminalia chebula) e adicionados a uma solução fervida de

“dza-ti” (Myristica fragrans), “sug-smel” (Elettaria cardamomum)

e “sga-skya” (Zingiber officinalis)

17.O banho medicinal é preparado a partir de uma combinação de

“spos-dkar” (Shorea robusta, a resina da árvore-sal), “sga-skya”

(gengibre selvagem), “pi-ling” (Piper longum) e “la-la-phud”

(Trachys-permum) ou uma mistura de ossos e medula óssea de

vaca trituradas e quaisquer flores não tóxicas em quantidades

iguais. Adiciona-se à ambas as misturas o conteúdo aquecido

do estômago de animais herbívoros de casco fendido.

18.Um purgativo suave seria uma preparação de "thal-dkar rdo-rje"

(Cassia tora, Linn.) e "so-ma ra-dza" (as sementes da Cannabis

sativa), adicionados a uma mistura fervida de "dur-byid" (uma

variedade de talo, com flores marrom-avermelhadas), "lchun-

rtsa" (Rheum palmatum, um tipo de ruibarbo do Himalaia), "a-ru-

ra" (Terminalia chebula, Retz.) e "sngon-bu" (uma erva peluda

com flores azuis, contendo seiva leitosa). Se afetar adversamen-

te os pulmões, adicione um pouco de "dpos-dkar" (Shorea

robusta, Saerdu, F.) Se prejudicar o estômago adicione certa

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quantidade de "manu-pus-kar" e se afetar mKris-pa adicione

"sga-skya" (Zingiber officinalis) e "bu-ram" (melaço).

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SUPERSTIÇÕES TIBETANAS RELACIONADAS COM O PARTO

Norbu Chophel

Superstição 1

Nove meses e dez dias é a duração usual de uma gestação,

mas os tibetanos acreditam que, se um cavalo passar sobre uma

mulher grávida, por acaso, ou se a mesma passar por baixo deste

animal ou mesmo se sua sombra incidir sobre ela, esta mulher

desenvolverá o que se denomina Ta-dip* (rTa: cavalo; sGrib: halo

invisível poluído, escuro), ou seja, ela permanecerá grávida duran-

te doze meses, o tempo de gestação de uma égua.

Há casos nos quais a criança desaparece do útero após um

trovão atordoante. Os tibetanos crêem que os trovões sejam nada

mais do que o grito de um dragão e é este quem retira a criança do

útero.

* A expressão tibetana Dip ou sGrib possui muitos significados, mas em geral refere-se a um halo pouco nítido, invisível. Um homem sofre com freqüência deste distúrbio, se estiver continuamente sujeito a coisas impu-ras, não necessariamente resíduos, mas também coisas que não são vistas ou mesmo supostamente limpas (por fora, mas impuras por dentro). Quan-do submetido às poluições, um homem pode sofrer de doenças comuns como resfriados, cefaléias etc. ou então desenvolver dip. Por exemplo, um homem piedoso adquirirá dip se visitar o matadouro de um açougueiro. Nos dois casos o homem se tornará doente, com uma sensação pesada e sono-lenta na cabeça. A moléstia pode ser eliminada apenas com a observação de um ritual de purificação. Acontece o mesmo com um homem que assiste a um funeral – ele pode eliminar qualquer dip que tenha acumulado através da realização de um ritual simples de inalação da fumaça de incenso, imer-gindo o corpo na fumaça. Além disso, se um tibetano vê um homem com secreção em excesso nos olhos diria que um distúrbio de dip abateu-se sobre ele. Ocorre o mesmo com infecções oculares raras etc.

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Superstição 2

Quando a mãe dá a luz a uma criança ela não deve tocar

nenhuma propriedade familiar ou seu próprio cabelo imediatamente

após o parto. Se o fizer, acredita-se que aquela matéria tocada se

esgotará ou será perdido rapidamente.

Superstição 3

Os tibetanos afirmam que podem determinar o sexo do

bebê enquanto ainda no útero. Além de buscar o auxílio dos pode-

res proféticos e da visão clarividente de um lama reencarnado, se a

mãe elimina sangue antes do parto será um menino e se não hou-

ver eliminação de sangue será uma menina. Este sangue é deno-

minado Dung-Trag (gDung-Khrag) que significa linhagem sanguí-

nea. É assim denominado pois uma linhagem sanguínea é inter-

rompida quando a família não possui descendentes masculinos.

Os tibetanos acreditam sinceramente que uma criança pode

mudar o sexo mesmo depois de nascido. Dizem que há muitas

testemunhas oculares que contam estes casos. A maioria dos oci-

dentais, entretanto, são absolutamente contrários a esta idéia. De

acordo com os tibetanos, uma mudança de sexo é causada princi-

palmente por maldições vindas de outras pessoas, principalmente

mulheres. É provável que isto ocorra pois creêm na existência de

sinais de magia negra. Para evitar tais infortúnios, em especial

uma mudança de sexo de um menino para uma menina, a mãe

deve evitar discutir com outras mulheres, visitá-las ou mesmo inge-

rir qualquer coisa dada por outra. Ainda, por precaução, a mãe

deve tocar os genitais do bebê ou colocar um anel de ouro imedia-

tamente após o nascimento.

Superstição 4

Afirma-se que se a criança no útero é um menino e o pai

estiver presente no momento do parto, ela não será expulsa pron-

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tamente pois acredita-se que o menino possa sentir-se envergo-

nhado perante seu pai.

Superstição 5

Quando a criança nasce, realiza-se uma cerimônia de puri-

ficação. Se for uma garota, esta se realizará no quarto dia após o

nascimento e no terceiro dia se for um menino. Em algumas

regiões do Tibete esta diferença não é observada. A cerimônia é

realizada para livrar o bebê das impurezas do parto. Até que esta

tenha sido realizada, as pessoas estão proibidas de visitar a casa.

Em qualquer caso, a família não recebe ninguém, pois acredita-se

que toda a atmosfera dentro da casa tenha sido poluída pelo parto.

Como a cerimônia de purificação é realizada pela manhã, os vizi-

nhos, os amigos e os parentes chegam com presentes para cele-

brar o nascimento e dar boas vindas ao mundo. Esta cerimônia de

purificação é denominada Bang-so. Envolve uma cerimônia religio-

sa breve, incluindo a queima de incensos, material para purificar

tudo e o método tibetano de limpar impurezas invisíveis. A mãe

lava sua face e cabelos com água morna e veste roupas limpas.

Superstição 6

Apesar de algumas mudanças na atitude, os tibetanos pre-

ferem geralmente que seu primeiro filho seja uma menina, assim

quando ela cresce será não apenas mais útil para a família, mas

também acredita-se que isto garantirá uma longa vida aos pais.

Superstição 7

Uma criança nunca (raramente) deve ser retirada de casa

durante a noite para evitar que sejam lançadas pragas e para pre-

venir doenças causadas por seres malignos e outros espíritos pre-

judiciais. Desta maneira eles pretendem protegê-la de ver qualquer

coisa amedrontadora no escuro, especialmente porque é comum

acreditar-se que uma criança pode ver coisas que os adultos não

podem. Se houver necessidade de que o bebê saia de casa, colo-

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ca-se a fuligem de um forno sobre o nariz e o peito. Desenha-se

uma linha escura ascendente utilizando o terceiro dedo.

Superstição 8

É um costume comum cortar todo o cabelo da criança

algum tempo após o nascimento. Chamado "cabelo de nascença" é

considerado impuro e impediria o crescimento natural do cabelo.

Acredita-se que o corte assegure um bom crescimento posterior-

mente.

Superstição 9

Acredita-se que não seja auspicioso comprar ou fazer rou-

pas para uma criança que ainda não nasceu. Mesmo tendo com-

prado tecido para babadores, estes não devem ser feitos antes do

nascimento do bebê. Quando esta prática não é respeitada, acredi-

ta-se que o recém-nascido venha a falecer em breve. Muitas pes-

soas consideram seriamente esta superstição porque testemunha-

ram-na como verdadeira.

Superstição 10

Dormindo ou acordada a criança faz muitas expressões. A

explicação médica faz referência à presença de rLung no intestino

causado pela alimentação ou sucção inadequada ocasionando dor

e as caretas observadas. Quando não há rLung, ela sorri. A expli-

cação popular tibetana afirma que existe um anãozinho chamado

Thep-rang (pequena criatura dos contos de fadas) que irrita o bebê

tornando-o carrancudo e com aparência infeliz, mas quando Thep-

rang brinca com o bebê ele sorri.

Outra explicação popular afirma que o bebê parece infeliz

quando tem lembranças de suas terríveis experiências nos reinos

infernais; quando se lembra de tempos mais felizes, sorri.

Uma outra crença ainda para os sorrisos e caretas da crian-

ça declara que a mesma está sendo cuidada por um porco e um

macaco invisíveis que cuidam dela em dias alternados. No dia do

Page 52: Medicina tibetana 8

52

porco acredita-se que ocorra o desenvolvimento da carne e, por-

tanto, ela dorme melhor e permanece mais calma, enquanto que no

dia do macaco ocorre o desenvolvimento e a formação dos ossos.

Como a criança experimenta dor decorrente deste crescimento, ela

não dorme bem e chora com mais freqüência.

Superstição 11

Três dias após o nascimento ou em um dia auspicioso a

criança é tirada de casa para um pequeno passeio. A cerimônia é

chamada Go-don (sGo-'don) que significa saída. Depois disto, não

sai de casa novamente durante pelo menos um mês. (Esta prática

é completamente ignorada atualmente).

Superstição 12

Porque a criança aperta a mão com tanta força nos primei-

ros meses de vida? A resposta popular tibetana é a seguinte: acre-

dita-se que possua a pedra preciosa da satisfação de todos os

seus desejos dentro de sua mão e não quer de forma alguma per-

dê-la.

Superstição 13

Se uma criança sorri ao encontrar um homem pela primeira

vez, acredita-se que ele terá uma longa vida. Por outro lado, se ela

chora ou não apresenta nenhuma expressão facial agradável ao

vê-lo, o homem terá uma vida breve ou dias difíceis se encontram

em seu caminho.

Superstição 14

Uma criança nascida no trigésimo dia de um mês (não

necessariamente na véspera do próximo mês, porque alguns

meses, os lunares, não têm trinta dias, ou seja, um mês pode ter-

minar no dia 29 e alguns possuem 31 dias), sempre estará pedindo

por alguma coisa, dê-me isto e aquilo e assim por diante.

Superstição 15

Page 53: Medicina tibetana 8

53

Encontramos crianças dizendo e fazendo todos os tipos de

coisas. O povo tibetano acredita que elas são capazes de predizer

o futuro e revelar o desconhecido, bastante inadvertidamente. Por

exemplo, as crianças algumas vezes brincam de bang-bang e se

divertem imensamente, perdendo algumas vezes, ganhando outras

e espreitando o inimigo como em um comando real. Mas os tibeta-

nos mais velhos não apreciam estes jogos acreditando que eles

trazem uma guerra ou luta real e repreendem-nas dizendo: "Parem

com este jogo azarado!" ou "Parem de criar superstições!" Se a

criança diz algo auspicioso ou age de uma maneira muito auspicio-

sa na frente de um tibetano mais velho, ela será afortunada e será

recompensada com algo.

Superstição 16

Se possível, os pais tibetanos preferem que seu bebê rece-

ba o nome de Sua Santidade o Dalai Lama. De outro modo, levam-

na a um lama reencarnado de elevada posição na hierarquia

lamaísta para que lhe dê o nome. Mas alguns pais pouco ortodoxos

dão eles mesmos o nome da criança um dia após o nascimento ou

escolhem um nome ao acaso. Por exemplo, se nasceu no sábado

(em tibetano: Pen-pa) eles podem dar à criança o nome de Penpa

Dhondhup (menino) ou Penpa Dolma (menina) e assim por diante.

Mas geralmente as pessoas preferem que um lama reencarnado

dê o nome, acreditando-se que isto traga consigo um significado

mais poderoso, além de minimizar as doenças e outros incidentes

desagradáveis que porventura possam se abater sobre ela. Algu-

mas vezes quando o bebê está gravemente doente, um lama reen-

carnado pode propor uma mudança de nome. Em raras ocasiões,

quando a criança ou um adulto que já morreu volta a vida nova-

mente, recebe um novo nome de Shi-log (literalmente, “retorno da

morte”). Nomes pré-natais ou no útero também são requisitados

aos lamas por pais ansiosos.

Page 54: Medicina tibetana 8

54

Quando a família encontra dificuldades em criar as crianças,

o que ocorre quando mais de uma falece, dá-se ao sobrevivente ou

ao próximo um nome estranho como Khyi-kyag e Ta-khog. Eles

acreditam que isto repeliria futuros infortúnios para ele.

Superstição 17

Caminhar sobre a roupa da criança deve ser evitado quando

e onde possível porque pode resultar em problemas de saúde cau-

sados por "Dip" (ver explicação na página 43) que se manifestam

como obstrução nasal e resfriado. Esta atitude também é conside-

rada um sinal da parte de um criminoso. No que diz respeito ao

assunto, andar sobre as roupas de outras pessoas é absolutamen-

te proibido. Se a criança está na fase de caminhar, isto a fará viajar

e cair freqüentemente porque a divindade pessoal da criança foi

molestada e não pode guiá-la adequadamente.

O mesmo é verdadeiro para os adultos, apesar de aconte-

cer com menor gravidade. Todos, incluindo as mulheres, devem

evitar caminhar sobre as roupas de outras mulheres, especialmen-

te quando a vestimenta é usada abaixo da cintura. Acredita-se

também que sua divindade pessoal está sendo degradada.

Superstição 18

Se uma criança chora incessantemente sem nenhuma

razão, acredita-se que um visitante vindo de longe chegará em

breve.

Superstição 19

Se uma criança curva-se e olha para trás entre suas pernas,

acredita-se que esta ação indica que sua mãe já está ou ficará grá-

vida em breve. Diz-se que ela está procurando para ver quem vem

atrás de si.

Page 55: Medicina tibetana 8

55

RITUAL TIBETANO PARA A MORTE

Thubten Sangay

Morrer

Geralmente, quando a vida de um doente tibetano termina e

a morte é inevitável, aquele que está cuidando dele deve reunir

seus amigos e parentes para questioná-lo sobre seu desejo.

Devem ser removidas as vestimentas e as roupas de cama feitas

de pele de animais, pois esta pode ocultar a “transferência da

consciência”. Uma pílula especialmente abençoada, obtida previa-

mente pelo moribundo ou por aquele que dispensa os cuidados,

deve ser misturada em uma xícara ou um copo de água e oferecida

para que ele beba imediatamente antes de cessar sua respiração

externa. Neste momento, ele deve deglutir uma ou duas porções

de “relíquias de Tathagata” misturadas com manteiga de vaca ou

dri. Diz um ditado: "As últimas palavras são o desejo, o último ali-

mento é a relíquia, a última bebida é a pílula abençoada".

Quando uma pessoa morre, não há mais a capacidade de

falar e sua respiração externa está prestes a cessar, qualquer ami-

go, com quem tenha tido bom relacionamento, deve falar bem alto

em seu ouvido o nome de um mestre espiritual por quem tenha fé

poderosa e o nome de uma divindade na qual tenha confiança,

recomendando com veemência que medite nos mesmos. Poderia

dizer, por exemplo: "Pense em Sua Santidade o Dalai Lama, pense

em Avalokiteshvara".

Page 56: Medicina tibetana 8

56

Se a pessoa que está morrendo é um chefe de família, sua

esposa e filhos não devem estar presentes no momento da morte,

porque é importante que o indivíduo morra com a mente tranqüila e

virtuosa. Isto assegurará um bom resnascimento. Quando cessa

também a respiração interna e ele está preso pela morte, o corpo

deve ser deixado sozinho e não deve ser tocado por ninguém.

Morte

Ninguém deve manusear o corpo até que a “transferência

de consciência” tenha sido completada. Amigos íntimos devem ser

chamados à casa para providenciar as necessidades imediatas.

Devem convidar um mestre espiritual para que realize a “transfe-

rência de consciência”, monges para efetuar os rituais necessários

e orações de emergência e providenciar que seja traçado o horós-

copo do falecido.

Devem ser queimadas lâmpadas de manteiga ao redor do

corpo continuamente. Estas lâmpadas são oferendas, mas também

afastam os maus espíritos do corpo. No Tibete, era utilizado óleo

ao invés de manteiga, uma vez que eram usadas como sinal de

luto e não havia um momento sequer a desperdiçar derretendo

manteiga.

Como sinal de luto, os membros da família deixavam seus

cabelos soltos sem tranças, não lavavam suas faces, não usavam

brincos e vestiam apenas roupas pretas e antigas. Algumas famí-

lias arriavam as bandeiras que tremulavam no telhado de suas

casas. Não havia música ou dança durante quarenta e nove dias.

Uma refeição de arroz, pão e chá deveria ser colocada na tigela do

falecido e, ao amanhecer e ao anoitecer de todos os dias, deveriam

ser realizadas oferendas de cevada queimada em um recipiente de

barro não usado, acompanhadas pelo som dos címbalos.

Page 57: Medicina tibetana 8

57

A Transferência de Consciência

Até que o mestre espiritual tenha completado a “transferên-

cia de consciência”, o corpo não deve ser tocado ou movido de

nenhuma maneira, ou então esta poderá deixar o corpo através do

local que foi tocado. Afirma-se que quando a consciência deixa o

corpo através de um ponto abaixo da cintura, poderá acontecer um

mau renascimento e ocorrerá um bom renascimento se deixar o

corpo através de um ponto acima da cintura. As escrituras listam

renascimentos específicos para as consciências que saem de cada

um dos nove orifícios: Se sair pela boca, renascerá como um espí-

rito, se sair pelo umbigo, como um deus do reino do desejo, e

assim por diante. Portanto, é necessário convidar um mestre espiri-

tual muito experiente.

Transferir a consciência é um método especial do Tantra

para prevenir que o falecido venha a renascer no samsara e espe-

cificamente para evitar que renasça em quaisquer dos três reinos

inferiores, através da poderosa elevação de sua consciência para

um reino puro. Pode-se requisitar a certos mestres eminentes, que

não possam vir pessoalmente à casa, para realizarem a Transfe-

rência à Distância. Deve-se dizer a estes mestres para qual dire-

ção está dirigida a cabeça do defunto.

Alguns mestres fornecem pílulas para a transferência de

consciência. Tal pílula deve ser produzida por um homem de "boa

família". Ele lava suas mãos, mistura a pílula com manteiga de

vaca ou de dri e pressiona-a de encontro ao topo da cabeça. Este

procedimento deve ser feito antes que qualquer pessoa tenha

tocado o corpo. Não deve ser utilizada a manteiga de dzo-mo, um

cruzamento entre a fêmea do iaque e um touro, assim como de

animais considerados impuros. Quando estas pílulas não estão

disponíveis e a transferência é feita por um mestre espiritual, a

primeira pessoa a tocar o corpo após o término da transferência

deve puxar o cabelo do topo da cabeça antes de manusear o cor-

Page 58: Medicina tibetana 8

58

po. Isto auxilia a consciência a partir pelo topo da cabeça. Agora,

qualquer um pode tocar o corpo.

A consciência pode deixar o corpo através de qualquer dos

nove orifícios, mas é difícil fazê-la sair pelo topo da cabeça. Esta

saída assegura ao menos um renascimento nos reinos dos

homens ou dos deuses, sem mencionar outras sete vantagens

ensinadas nas escrituras. Todos os quatro ramos do budismo tibe-

tano concordam com isto. Entretanto, o método profundo de “trans-

ferência de consciência” pelo topo da cabeça é obviamente para

favorecer o falecido.

Quando a pessoa é capaz de morrer na “postura do leão”,

todas as aberturas são seladas, com exceção daquela situada no

topo da cabeça, permitindo que a consciência deixe o corpo atra-

vés deste ponto. Isto é conhecido como Transferência pela Condu-

ta. É possível também elevar a consciência a um reino puro atra-

vés de seu próprio poder ou pela confiança nas bênçãos das pala-

vras de um mestre espiritual.

Estas práticas pertencem ao caminho tântrico rápido e, por-

tanto, não há muito a ser escrito. Havendo um desejo venturoso e

veemente para saber mais, a pessoa deve abordar um mestre e

estudar as escrituras apropriadas.

Mantras de Emergência

Amigos íntimos e parentes devem ajudar a cuidar das ques-

tões necessárias. Devem ser oferecidos mantras de emergência

aos grandes mestres espirituais. Estes mestres devem ser presen-

teados com katas (cachecóis de seda), dinheiro, uma carta de

mantras e se possível, uma estátua do Buda Shakyamuni. A está-

tua deve ser de ouro, cobre, metal fundido ou barro. Deve ser sóli-

da e adornada com trajes cerimoniais. Caso não possa ser ofereci-

da uma estátua, ele deve ser presenteado com uma grande pintura

(tanka) ou pelo menos com uma miniatura (tsakali). Se não for

possível, presenteie-o apenas com um kata, dinheiro ou uma carta

Page 59: Medicina tibetana 8

59

de mantras. Estes mestres não devem ser solicitados para realizar

o Ritual de Purificação. São oferecidos mantras de emergência

também para estátuas abençoadas.

Lamas Convidados

Os monges convidados para recitar os mantras devem per-

manecer com o corpo até que este seja retirado. Eles recitam

vários mantras e realizam auto-iniciações do Buda Mi-trug-pa (mi-

hkhrugs-pa) ou da divindade Kun-rig. Diariamente, realizam o

Ritual de Purificação, um método de purificar o falecido de suas

más ações. Cada vez que este ritual é realizado, um pedaço de

roupa do falecido, amarrado a um "kata" de oferenda é colocado na

mandala. Deve ser utilizada uma roupa velha ou usada e removido

um botão. O nome do falecido é escrito sobre um pedaço de papel

e colocado sobre a extremidade da roupa.

Cálculos Astrológicos

Deve ser dado ao astrólogo o ano do nascimento do falecido

e a data e a hora da morte. A partir disto ele é capaz de escolher

uma data auspiciosa para se desfazer do corpo e determinar se

algum ritual especial deve ser realizado, para evitar que a família

passe por infortúnios. Ao decidir que o ritual é necessário, deve ser

convidado à casa para realizá-lo e deve ser oferecido um paga-

mento por seu trabalho.

Se a consciência sutil do falecido permanece em meditação

sobre a clara luz da morte, a face não perde a sua coloração e o

corpo não elimina odor fétido. É errado perturbar tal meditação, de

modo que o corpo deste tipo de meditador deve ser deixado dois

ou três dias, até que a meditação esteja terminada. Quando longa,

a consciência deve ser despertada. Sopra-se fumaça de incenso

dentro das narinas acompanhada pelos sons de címbalos, trompe-

tes, tambores e sinos enquanto canta-se a “Oração para o Renas-

cimento no Paraíso Sukhavati” ou a “Oração para o Renascimento

Page 60: Medicina tibetana 8

60

no Puro Reino de Heruka”. Quando a consciência desperta de sua

meditação, a cabeça solta-se, saem os bodhicittas amarelo e ver-

melho das narinas e o corpo começa a cheirar mal.

Quando uma pessoa é concebida no útero de sua mãe, a

essência do bodhicitta ou bindu vermelho e branco de seus pais

residem no coração do feto. O bodhicitta branco que veio do pai

ramifica-se do coração para o chakra do topo enquanto o bodhicitta

vermelho ramifica-se para o chakra do umbigo. Estes dois bodhicit-

tas estão contidos em seus sítios pelos ramos ascendente e des-

cendente da energia que preserva a vida, que reside sempre no

coração. Na morte, estas duas energias perdem seu poder, os dois

bodhicittas são incapazes de permanecer em seus sítios e conver-

gem gradualmente para o coração. Aqui tanto a energia sutil de

preservação da vida como a consciência são completamente

envolvidas. Neste momento, aqueles que são capazes permane-

cem na “Meditação sobre a Clara Luz da Morte”. Finalmente, a

energia sutil de preservação da vida também perde a força e com

este colapso, a consciência separa-se do coração e adquire uma

existência no bardo. Agora não há mais nenhuma energia inerente

deixada no corpo e, assim, através da força dos quatro elementos

externos, os bodhicittas vermelho e branco são expirados através

das narinas e algumas vezes pelo órgão sexual.

Mais informações sobre este assunto podem ser encontra-

das em importantes textos tântricos. Se houver interesse em adqui-

ri-las, primeiramente, treine-se no caminho comum, depois receba

uma iniciação em uma categoria mais elevada de Tantra através

de um mestre qualificado e, finalmente, busque um ensinamento

nos textos. Desta maneira, poderá compreendê-los, pois além de

não saber suficientemente, não sou autorizado a escrever mesmo

sobre o pouco que conheço.

Pode-se desfazer do corpo daquele que praticou a medita-

ção da morte assim que a consciência o deixa, mas só podemos

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61

nos desfazer do corpo daquele que não praticou tal meditação

após recebermos a resposta do astrólogo.

Preparação para Desfazer-se do Corpo

Se o astrólogo determinar que se deve desfazer do corpo

três ou quatro dias após a “transferência da consciência”, o corpo

deve ser conservado na casa até aquele dia. Portanto, ele deve ser

lavado para evitar o mau cheiro. No Tibete, um corpo era lavado

para ser conservado livre dos abutres também. Entre suas sessões

de orações, os monges lavavam o corpo em uma banheira de fer-

ro, de cobre ou de madeira contendo água perfumada com açafrão,

cânfora ou outros odores agradáveis. Não é necessário sabão. O

corpo é seco com uma toalha limpa. Para evitar a eliminação de

qualquer conteúdo do corpo, a boca, as narinas e o órgão sexual,

se for uma mulher, são bloqueados com manteiga. O órgão sexual

de um corpo masculino é amarrado na extremidade com um fio de

algodão ou de lã.

Atualmente, seguindo os costumes da Índia, todo o corpo é

envolto frouxamente em uma veste de algodão branco de forma

que nenhuma parte do corpo fique à vista. As mãos e as pernas

são dispostas na horizontal e amarradas com faixas de um tecido

de algodão. Ele permanece sobre a cama com apenas um lençol e

coberto com um tecido branco de algodão. Oferendas como katas

(cachecóis), coroas ou ramalhetes de flores são colocadas em

cima, as cortinas são fechadas e o corpo é deixado só.

No Tibete, entretanto, depois que o corpo foi lavado, alguém

experiente nestes assuntos amarra-o em posição agachada com

uma corda forte e o envolve em seda ou, como era mais comum,

em uma manta branca de lã. O corpo é colocado sobre uma plata-

forma de tijolos em um canto da casa na qual a morte ocorreu.

Uma pessoa saudável e bem-aventurada colocava uma coroa e um

colar de iniciação sobre o corpo. As cortinas eram cerradas e o

corpo era deixado só. Acreditava-se que se o corpo permanecesse

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62

sobre o assoalho ou sobre uma cama, aqueles locais transforma-

vam-se automaticamente em cemitérios e, consequentemente,

ocorreriam muitas mortes naquela casa. As razões para que o cor-

po fosse curvado de tal maneira era, principalmente, para evitar

que se tornasse um “defunto andante” e, em segundo lugar, para

permitir que famílias pobres empregassem um único homem forte

para carregar o corpo em suas costas até o cemitério. A corda

tinha que ser forte e limpa e era queimada no local de destino do

corpo, juntamente com incenso para evitar o mau cheiro. Atual-

mente, não há necessidade de seguir tais procedimentos. Mesmo

no Tibete, os muçulmanos, chineses e nepaleses não procediam

desta forma.

Enquanto o corpo permanecia na residência, cachorros e,

especialmente, gatos eram conservados afastados, pois se estes

animais sentassem sobre o defunto, acreditava-se que aquele

pudesse tornar-se um “defunto andante” por este motivo. Em épo-

cas mais remotas, um corpo deixado durante muitos dias dentro de

uma casa eventualmente tornava-se um “defunto andante” e por

este motivo toda casa era esvaziada. Atualmente, ainda se podem

ver estas casas vazias em certas vilas. As casas do passado

tinham portas com não mais que cinco pés de altura, com o objeti-

vo de impedir que o “defunto andante” saísse pela porta afora. Os

“defuntos andantes” são incapazes de se curvar e assim, ao tenta-

rem transpor a porta, cairiam (diz-se que quando um “defunto

andante” cai, é incapaz de levantar-se novamente).

Solicitando Orações

Amigos e parentes devem preparar agora o dinheiro e as

oferendas necessárias para solicitar a oração, a qual deve ser

escrita e apresentada aos vários mestres espirituais. Uma lista de

mestres a serem abordados deve ser redigida com base em uma

relação usada recentemente por uma família que perdeu um paren-

te. A lista deve ser tão longa quanto sentir que for necessária. Deve

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63

ser feita uma lista, posteriormente, com as várias oferendas apre-

sentadas todos os dias durante um período de sete semanas.

Estas preparações devem estar terminadas antes que o corpo seja

levado embora. Amigos e parentes devem oferecer sua ajuda, indi-

ferentes às suas próprias necessidades.

São feitas oferendas aos mestres espirituais altamente ele-

vados. Pode-se solicitar que estes mestres realizem o ritual de

Limpeza da Maldade. Uma peça de roupa usada pelo falecido é

oferecida e colocada sobre uma plataforma da construção utilizada

no ritual. Um botão é retirado desta roupa antes de ser oferecida.

A doação de presentes pode ou não ser feita juntamente

com o pedido de orações; é uma decisão que cabe à família. Os

presentes não são uma necessidade e a quantia em dinheiro deve

estar dentro das possibilidades do indivíduo. Qualquer oferenda

deve ser dada sem discriminação aos numerosos mestres espiri-

tuais e às meditações.

A "Espada que Corta a Conexão" simboliza a interrupção do

continuum de renascimentos futuros ou o assassinato do Senhor

da Morte. Pode ser de qualquer comprimento. Um kata e uma ora-

ção solicitada são amarradas a ela. Esta é a última oferenda a ser

preparada antes que o corpo seja levado da casa.

Doações

As doações feitas pela família, antes que o corpo seja leva-

do, devem levar as inscrições "Doação da Luz do Dia" em um

envelope. Doações feitas depois daquele dia devem levar as ins-

crições "Doação de Consolo" ou "Nuvem de Oferendas" no envelo-

pe. Aquelas feitas muito tempo depois que a família se desfez do

cadáver devem ser marcadas com o "Sinal de Nascimento". Jun-

tamente com as doações, deve ser oferecido um kata de boa ou

média qualidade, dobrado em sinal de luto. Algumas pessoas ofe-

recem algumas varetas de incenso também.

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64

O Dia da Luz

O dia no qual o corpo deve ser levado ao cemitério é deter-

minado pelo astrólogo. O dia anterior é conhecido como o Dia da

Luz da Imortalidade. Pela manhã, os amigos mais íntimos devem

reunir-se e cada um deve trazer um recipiente com manteiga derre-

tida, muitas oferendas de kata e incenso para os vários templos da

região, como oferendas ao corpo, à mente e à fala dos Budas.

Estas oferendas devem estar completas antes do meio-dia. Os

pedidos de orações, previamente preparados, devem ser embru-

lhados e enviados para os vários distritos. Devem ser feitos donati-

vos aos pobres também. Finalmente, um kata é amarrado à espa-

da, que deve ser levada, juntamente com as outras oferendas, ao

Templo dos Guardiães.

É costume que os amigos mais íntimos não retornem à casa

do falecido no Dia da Luz. Um ou dois parentes devem permanecer

na casa e à tarde deve ser dada uma grande gratificação aos mon-

ges. Desnecessário dizer que estes monges devem ser servidos

com o melhor alimento e o melhor chá até partirem. Os tibetanos,

naturalmente, procedem assim até os dias de hoje, na Índia.

Desfazendo-se do Corpo

Completadas todas as preparações, o corpo deveria ser

retirado da casa ao amanhecer, na hora do tigre, entre as três e as

cinco horas após o Dia da Luz.

No Tibete, a melhor maneira de carregar o corpo era em

uma espécie de palanquim. No entanto, em geral, era utilizada um

tipo de mesa quadrada, virada ao contrário. Duas varas longas,

fortes e retas eram amarradas ao longo de cada lado e aí era colo-

cado o cadáver em posição curvada. Um colar e uma coroa de ini-

ciação dos cinco Dhyani Budas eram colocados sobre o corpo e

cada um dos auxiliares eram presenteados com um kata. A carreta

com o corpo era carregada para fora de casa nos ombros de quatro

homens fortes, com a fumaça de incenso purificador emanando

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65

pela porta. Para simbolizar a viagem do falecido no Caminho da

Virtude em suas vidas futuras, um kata era amarrado ao corpo,

preso em uma extremidade e o corpo era posicionado de frente

para uma direção auspiciosa, determinada por um astrólogo. O

esquife era então carregado três vezes no sentido horário e três

vezes no sentido anti-horário em torno da urna de incenso.

O marido, o irmão mais íntimo ou o filho mais velho ajudava

a carregar o corpo durante parte do trajeto, como um sinal de res-

peito e lembrança da compaixão do falecido, apesar dele não estar

necessariamente no esquife. Uma mulher da família permanecia na

porta atrás do corpo e realizava o ritual "Recuperando a Boa Sorte"

com uma flecha decorada e um kata. Algumas famílias, entretanto,

evitavam este ritual com medo de que este empobrecesse o faleci-

do em sua próxima vida.

Os amigos e parentes reunidos em frente ao esquife segu-

ravam algumas varetas de incenso e todo o cortejo prosseguia. Se

a rota passasse através de Lhasa e pelo templo, o corpo era colo-

cado de frente para os mesmos por um momento. Quando o corte-

jo ultrapassava os limites da cidade, os parentes e amigos deixa-

vam seus incensos sobre uma marca limpa e retornavam para

casa. Naquele dia eles não visitavam a residência do falecido.

Um ou dois homens de confiança partiam para o cemitério

na frente do cortejo com provisões para os carregadores: farinha

de cevada, manteiga, chá, pão, carne cozida, etc. Todos os carre-

gadores, em diferentes fases da viagem, deviam receber uma boa

gratificação adiantada e ser presenteados com katas, eram dadas

a eles as roupas do falecido e cedidos os equipamentos para dor-

mir. Ao homem forte, em especial, que cortava o corpo, era dado

um bom presente e ficava combinado que ele poderia ficar com a

mortalha. A coroa e o colar da iniciação, entretanto, voltavam para

a família, assegurando assim o "Retorno da Boa Sorte".

Os carregadores não descansavam no caminho, pois qual-

quer local onde sentassem tornava-se um cemitério. Algumas famí-

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lias que levavam seus mortos para muito longe, enviavam homens

à frente, com tendas e provisões para estabelecer acampamentos

em áreas não habitadas onde construíam plataformas de tijolos

para os carregadores.

O grupo avançado, levando as provisões, fazia chá e servia

os carregadores e o cortador de corpos com alimentos e bebidas

tão logo chegassem ao cemitério. Agumas famílias ricas convida-

vam monges dos monastérios, especializados na recitação de

mantras, para cantarem durante meia hora. A eles era fornecido

um pagamento, mas não alimento ou bebida. O cortador de cor-

pos queimava uma grande quantidade de incenso purificador, for-

mando nuvens imensas. Retirava o corpo de sua mortalha, virava

sua face para o chão e começava a cortá-lo umas poucas vezes

nas costas com uma faca afiada. Depois ele virava o corpo para

cima e procedia da mesma forma do outro lado.

Geralmente, o cemitério ficava sobre uma rocha plana,

conhecida como mandala, no final da qual estava uma grande

pedra. O corpo já retalhado era atado a esta pedra pelo pescoço.

Isto evitava que os abutres o arrastassem para fora da mandala.

As aves chegavam uma de cada vez e circundavam o corpo. Subi-

tamente, investiam e atacavam a carne. Em alguns cemitérios,

aguardavam a chegada de seu líder e deixavam-no dar as primei-

ras bicadas, antes de começarem o banquete. Enquanto estavam

comendo não tinham medo do homem e o cortador de corpos

Não se enterravam os corpos no Tibete, pois a terra congela-

da impedia a abertura de covas e a deterioração dos cadáve-

res. A razão pela qual os corpos não eram cremados devia-se

à necessidade de grande quantidade de madeira para trans-

formar o corpo em cinzas e à escassez de florestas nas terras

elevadas do Tibete. A pouca madeira existente era utilizada

para aquecimento de residências. Assim, treinando abutres

para alimentarem-se dos cadáveres evitava-se que fossem

deixados ao ar livre.

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67

podia pegar algumas penas de suas asas. Depois, ele as pintava

com cores diferentes e transformava-as em brinquedos semelhan-

tes a petecas. Algumas vezes, enquanto os abutres estavam

comendo, um ou dois praticantes de Tantra realizavam rituais.

Depois que os abutres devoravam a carne, o crânio conten-

do o cérebro era colocado ao lado sob uma pedra pesada e plana,

enquanto o restante dos ossos era triturado até se transformar em

pó. O cérebro era então amassado até tornar-se um pó. Se a famí-

lia ou o mestre espiritual requisitasse o crânio, este era separado;

de outro modo era triturado junto com os demais ossos. O crânio

nunca era entregue para qualquer um. Dentro deste osso mistura-

va-se farinha de cevada com o cérebro e mais alguns restos de

carne ou sangue para formar uma massa que era então amontoada

sobre a mandala. Deste modo, o cortador de corpos impedia que

os abutres investissem para devorá-lo, pois o cérebro é uma gulo-

seima para estas aves.

Como bons praticantes espirituais, os abutres não matam

para conseguir seu alimento. Como monges que não comem mais

depois de terem bebido sua água e sua refeição do meio-dia,

dizem que os abutres, do mesmo modo, nao comerão mais após

devorarem o cérebro. Presume-se que, se o cérebro for dado pri-

meiro, os abutres ignorarão não apenas os ossos mas também a

carne. Isto, entretanto não foi verificado.

Os cabelos do defunto eram separados e queimados. Algu-

mas famílias ricas convidavam alguns monges para realizarem o

ritual do cabelo.

Quando terminava este trabalho, o cortador de corpos e

seus ajudantes lavavam-se em um riacho nas proximidades, ali-

mentavam-se com pão, queijo e chá e voltavam para suas casas.

Naquele dia, eles não visitavam a casa do falecido. Qualquer

membro da família entre eles, permanecia em uma hospedaria ou

com amigos. Também não era considerado correto retornar com

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68

qualquer alimento, portanto as cestas de alimentos voltavam sem-

pre vazias.

A residência do falecido era limpa imediatamente após a

retirada do corpo. O pó e os tijolos sobre os quais o corpo havia

permanecido eram atirados em um rio ou em algum local distante.

A casa era permeada com o odor de incensos purificadores e dois

ou três monges eram convidados para recitarem, em sua totalida-

de, o Sutra da Perfeição da Sabedoria em Oitocentos Versos. A

família oferecia-lhes uma gratificação e eles partiam.

No Tibete, era proibido dar aos abutres os corpos daqueles

que haviam morrido de varíola, hanseníase ou outra doença conta-

giosa ou grave. Tais corpos eram cremados. Os corpos daqueles

que morriam assassinados por armas eram atirados nos rios. Diz o

ditado: "Dê os corpos aos abutres das montanhas ou aos peixes

dos rios".

Atualmente, na Índia, carregamos nossos mortos estirados

e os transportamos à pé ou em veículos até o local da cremação.

Em um ou dois acampamentos espalhados pela Índia, alguns tibe-

tanos mais pobres ainda curvam seus defuntos como faziam no

Tibete e os levam para o local de cremação sobre os ombros de

um único homem forte. Alguns procedem de acordo com os cos-

tumes da época e do local onde vivem. Por exemplo, a prática de

acender a fogueira em um ponto próximo da cabeça do cadáver

por um parente próximo. Ainda assim, na essência, os costumes

tibetanos são observados. Embora na Índia os corpos não sejam

oferecidos aos abutres seria bom se pudéssemos seguir as demais

tradições tibetanas, visto que são consideradas adequadas.

As cinzas são geralmente espalhadas sobre as águas dos

rios. Eventualmente, alguns ossos são separados do fogo e colo-

cados em um recipiente especial para serem utilizados em um

ritual tântrico invocando, entre outros, a divindade Mi-thrug-pa.

Após o ritual, os ossos são triturados, misturados com igual quanti-

dade de argila e réplicas miniaturas de Budas, divindades, relicá-

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rios etc., são moldadas para que sejam colocadas no alto das mon-

tanhas.

Limpeza

Aqueles que estão de luto devem começar a limpeza nova-

mente uma semana após a morte, apesar de que o dia correto

deveria ser o dia auspicioso da vida ou da alma do enlutado. Um

astrólogo deve ser consultado para calcular não apenas os dia e os

horários, mas também o sinal de nascimento da pessoa que traz a

água e de que direção ela deve trazê-la. Neste dia, os membros da

família distribuem sabonetes, toalhas, fitas, pentes e óleo para os

cabelos, todos novos. Todos os materiais velhos são jogados fora.

O cabelo é trançado com fitas novas e vestem-se novamente jóias

e roupas coloridas. A bandeira é hasteada sobre a casa e o perío-

do de luto termina.

O Sétimo Dia

Ou seja, sete dias após a morte. Se esta ocorreu em uma

manhã de quarta-feira, o sétimo dia é a próxima terça-feira; se

ocorreu à tarde, o sétimo dia é a próxima quarta-feira. Neste dia, os

monges pertencentes à tradição do falecido são convidados a

comparecerem à casa onde preparam bolos e lâmpadas de man-

teiga para oferendas na realização de um ritual tântrico conhecido

como cerimônia de purificação e maturação. São enfocadas as

virtudes do falecido e realiza-se, em conjunção, a auto-iniciação de

uma divindade meditacional. Uma peça de roupa do falecido é

amarrada a um kata e utilizada no ritual. À noite, realiza-se uma

pequena cerimônia de oferendas.

Dinheiro e oferendas são entregues aos monastérios rela-

cionados na lista de orações e as oferendas são realizadas nos

templos onde existem estátuas e escrituras. Isto inclui a Cerimônia

das Mil ou das Cem Oferendas, a Doação da Letra Dourada, quei-

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mada como um pavio em uma lamparina de manteiga e o preen-

chimento das lamparinas com manteiga.

O dinheiro é oferecido aos monges e àqueles que realiza-

ram as oferendas. Naturalmente, são servidos alimentos e bebidas

aos monges.

O 14º e o 21º Dia

Da mesma forma, são realizadas, nestes dois dias, o ritual

de purificação e a cerimônia de oferendas, como no sétimo dia. As

oferendas são feitas aos monastérios, sem se basear na lista da

semana anterior, pois podem ser feitas aos vários templos.

O Vigésimo-oitavo Dia

O vigésimo-oitavo dia é seguramente muito importante, pois

acredita-se que a maioria dos seres deixarão o estado intermediá-

rio (bardo) neste momento e renascerão em um dos seis tipos de

reinos. As cerimônias deste dia são mais elaboradas. O ritual de

purificação e de oferendas são mais extensas, pois consistem da

cerimônia das mil ou das cem oferendas realizadas nos templos

que guardam as escrituras e a oferenda de manteiga feita nos tem-

plos que guardam as estátuas. Dinheiro e alimentos são oferecidos

aos monastérios mais importantes e individualmente aos monges.

São feitos donativos aos indigentes.

O 35º e o 42º Dias

As cerimônias e oferendas destes dois dias são realizadas

da mesma forma que aquelas realizadas no 14º e 25º dias, sendo

que os monastérios a serem beneficiados são determinados pela

lista.

O Quadragésimo-nono Dia

Este é o último destes dias especiais. Tanto o sutra como o

tantra afirmam que uma existência no bardo, em geral, não ultra-

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passa os 49 dias. As oferendas mais elevadas são feitas neste dia.

Convidam-se lamas, monges, amigos e parentes.

Uma estátua deve ser construída e terminada antes deste

dia, moldada na imagem de uma divindade indicada pelo mestre

espiritual que realizou as orações e o ritual de purificação do

momento da morte. Esta estátua é conhecida como o sinal de nas-

cimento do falecido. É melhor que seja feita de ouro, ou então de

prata, cobre, liga de cobre e estanho ou de argila, dependendo dos

recursos da família. Dá-se à face uma camada de tinta de ouro e

nela pintam-se os olhos. São colocadas belas vestes ao redor da

estátua.

Se não for possível manufaturar esta escultura, deve ser

feita uma grande pintura ou pelo menos uma miniatura. Esta repre-

sentação da divindade, de qualquer forma, é colocada sobre o altar

e parentes e amigos oferecem katas.

Os monges que realizam a cerimônia de lavar o sinal de

nascimento empreendem a auto-iniciação de uma divindade duran-

te a cerimônia de consagração e realizam o ritual de purificação. À

noite, realiza-se uma grande cerimônia de oferendas. São servidos

os melhores alimentos e as melhores bebidas aos bons amigos,

que auxiliaram durante as últimas semanas, em agradecimento às

suas gentilezas, e aos monges, sendo que para estes é oferecida

um generosa gratificação.

Pela manhã e à noite são realizadas oferendas nos templos

da vizinhança. Isto inclui pintar ou laminar de ouro as estátuas

letras douradas são queimadas como pavio em lâmpadas de man-

teiga, oferecem-se katas, manteiga para as lamparinas etc. A

alguns monastérios especiais oferece-se dinheiro e para os indi-

gentes são feitos donativos. Neste dia, a tigela do falecido é atirada

dentro de um rio.

No final da cerimônia, os monges recitam orações de dedi-

cação, algumas páginas do Sutra da Boa Era e orações auspicio-

sas. A família oferece katas e dinheiro aos monges, os alimentos

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das cerimônias são repartidos e são servidas bebidas. Parentes e

amigos presentes recebem katas de oferendas e, com todos dota-

dos de um estado de ânimo feliz, as cerimônias para as sete

semanas chegam ao fim.

As cerimônias espirituais descritas acima são realizadas

para aqueles que possuem recursos para empreendê-las, mas

aqueles a quem faltam recursos devem realizar pelo menos as

linhas básicas destas práticas espirituais pois são conhecidas por

beneficiar os vivos e os mortos.

A Oferenda Anual

É costume realizar-se uma cerimônia de oferenda um ano

depois da morte. Sua prática baseia-se no fato do falecido ter

adquirido um bom renascimento resultante do poder e da virtude

dos serviços realizados durante as sete semanas depois da morte.

É, portanto, um acontecimento festivo.

Neste dia, que deve ser auspicioso, são convidados paren-

tes, amigos íntimos, mestres espirituais e monges. Uma centena

de oferendas para os cinco sentidos são cuidadosamente arruma-

das sobre o altar. Os monges realizam a extensa auto-iniciação de

uma determinada divindade, solicitam um campo de virtudes tal

como aquele no Guru Puja e cantam os versos de oferendas. Os

leigos servem-nos e fornecem as melhores oferendas para a ceri-

mônia. Se possível, pela manhã e à noite apresentam-se katas e

oferendas aos templos da vizinhança. Depois da cerimônia os

monges recebem dinheiro e katas e aos amigos e parentes é ofe-

recido o melhor banquete. Ouvem-se músicas alegres e, finalmen-

te, após serem presenteados com katas, os hóspedes partem.

A maioria das famílias comemorarão todos os anos, sem

falhar, a morte daqueles que foram tão queridos: mestres espiri-

tuais, pais, professores, esposas, parentes etc.

Esta foi uma breve descrição das cerimônias realizadas

pelo tibetano comum: monge, leigo, homem ou mulher. Aquelas

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cerimônias realizadas para seres consagrados podem ser encon-

tradas nas escrituras e este não é o artigo apropriado para abordá-

las.