Mediação Sociopedagógica na Escola: Conceitos e Contextos

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Pedro Silva, Conceição Coelho, Conceição Fernandes, Joana Viana XXIV Encontro Galego-Português de Educadoras e Educadores pela Paz Abril de 2010

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MEDIAÇÃO SOCIOPEDAGÓGICA NA ESCOLA: CONCEITOS E CONTEXTOS

Pedro Silva Conceição Coelho

Conceição Fernandes Joana Viana

Introdução

O presente texto corresponde à comunicação homónima integrada no XXIV Encontro Galego-Português de Educadoras e Educadores pela Paz, a decorrer na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, do Instituto Politécnico de Leiria, em Abril de 2010.

Visa contribuir para o debate em torno da problemática da mediação sociopedagógica na escola através da promoção de uma reflexão teórica e conceptual, a qual assenta na interpelação da bibliografia especializada e na apresentação de três projectos – o Projecto TecLAR, o Projecto EDUCULT e o Projecto Magalhães1 –, conduzidos em contextos específicos, e em que um, vários ou todos os autores participam e/ou participaram. Trata-se de projectos recentes, tendo o primeiro terminado há menos de um ano e os restantes estando ainda em desenvolvimento.

Neste sentido, o texto apresenta-se dividido em duas partes, correspondendo a primeira à reflexão teórica e conceptual e a segunda à breve apresentação de cada um dos projectos. Termina com uma síntese (mais do que uma conclusão).

1. Reflexões em torno de uma problemática

Na esteira de Durkheim, que cedo salientou a importância da definição de conceitos, queremos começar este texto-diálogo por tal tipo de reflexão, tendo em conta a polissemia que tende a habitar os vocábulos correntemente usados, mesmo na ciência.

Pode haver uma tensão – para não a apelidar de contradição – entre o conceito de educação – constante do título do Encontro no qual se insere esta reflexão: “Educação pela Paz” – e o de escola – constante do título deste texto: “Mediação Sociopedagógica na Escola”. Ora, sabemos que o conceito de educação é lato, apontando para um desenvolvimento global do indivíduo, e podendo abranger aspectos formais e informais, contextos variados, tempos e espaços múltiplos, indivíduos e grupos diversificados, etc. Neste sentido, para efeitos da presente reflexão, podemos estabelecer uma distinção entre educação escolar e não escolar. Nesta última, temos, por exemplo e como uma das primordiais, a educação familiar.

Acontece que Família e Escola correspondem a duas instituições sociais centrais das sociedades contemporâneas. A primeira, desde tempos ancestrais (e revestindo, ao longo da história, formas variadas); a segunda, assumindo esta importância apenas recentemente, atendendo a que a escola de massas só se consolidou no século XX (onde tal aconteceu, pois à escala planetária continua longe de ser de acesso universal) e que continua a alargar-se. A importância destas instituições é tal que temos visto os cientistas sociais encararem a primeira como uma instituição de socialização primária e a segunda como uma instituição de socialização secundária. Contudo, o significativo processo de escolarização da sociedade a par do

                                                                                                                         

1 A coordenação dos mesmos pertence, respectivamente, a Joana Viana, Conceição Coelho e Pedro Silva.  

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assalariamento crescente de ambos os membros do casal (Portugal tem das maiores taxas de assalariamento feminino a tempo inteiro) tem, entre outros aspectos, contribuído para uma reconfiguração (Stoer e Silva, 2005) da relação entre aquelas instituições, incluindo uma alteração das relações tradicionais entre socialização primária e secundária, conduzindo a “uma espécie de secundarização da socialização primária e de primarização da socialização secundária” (Tedesco, 2000:91) e a um processo de parentização docente (Silva, 2003). Também a crescente dificuldade da escola em assumir sozinha a plenitude do seu projecto educativo tem levado – quer como causa, quer como consequência – a uma relação mais estreita com, entre outros, a comunidade, os mass media e as TIC, a par de mais requisitos junto das famílias, num processo tendencialmente de docentização parental (Silva, 2003).

A relação escola-família (e escola-família-comunidade) tem sido teorizada como uma relação entre culturas (Silva, 2003), ou seja, entre a cultura escolar – caracterizada pelos sociólogos como essencialmente letrada, urbana e de classe média – e a cultura local, numa relação que tanto pode ser de continuidade como de descontinuidade ou mesmo, no limite, de violência simbólica (socorrendo-nos do conhecido conceito de Bourdieu). Tendo em conta a advertência de Tomaz Tadeu da Silva (1995) segundo a qual a equivalência antropológica das culturas convive com a sua desigualdade sociológica, as relações entre culturas configuram-se, também elas, como relações de poder (Silva, 2003). Assim sendo, a relação entre escolas e famílias revela-se como uma relação “armadilhada” porque, entre outras razões, potencialmente reprodutora de desigualdades sociais (Silva, 2003). Uma relação, pois, a pedir mediação. Tanto mais que integra uma considerável pluralidade de actores, quer centrais, quer periféricos (cf., por exemplo, os textos e autores contidos em Silva, 2007), cuja interacção origina uma resultante sempre incerta.

O trabalho de mediação, neste contexto, deverá ter ainda em conta a caracterização da relação como uma dupla díade, ou seja, a existência de duas vertentes – escola e lar – e de duas dimensões de actuação – individual e colectiva (Silva, 2003). Isto significa que a mediação pode passar pela intervenção em qualquer uma das vertentes, cada uma com o seu próprio território e forma de apropriação (público/privado, por exemplo), assim como pode passar por identificar e jogar com o tipo de acção (individual/colectiva) desempenhada pelos diferentes actores sociais em presença, quando não mesmo pelos mesmos indivíduos - que podem, por exemplo, agir na qualidade de pais (acção individual em defesa de interesses particulares) ou na de membros da respectiva associação de pais (acção colectiva em defesa de interesses gerais ou, pelo menos, sectoriais).

Falar em mediação sociopedagógica na escola significa, entre outras coisas, ter em conta uma certa concepção de escola. Aludimos anteriormente à distinção entre educação escolar e não escolar. Convirá agora explicitarmos que a escola já não é mais a escola, no sentido em que o conceito de escola tem vindo a mudar, sobretudo tornando mais porosas as suas fronteiras, se não mesmo, e concomitantemente, deslocando-as. A escola não é mais (ou, se se preferir, é cada vez menos) a escola-ilha ou a escola-muro (tão bem retratada em The Wall, dos Pink Floyd) para se tornar crescentemente numa escola-comunidade e/ou comunidade educativa, aproximando-se, pois, do conceito de educação participada. Mesmo sabendo que a escola continua a ser um espaço físico e social atravessado por relações sociais desigualitárias, a pluralidade de actores tem aumentado. Basta ver, por exemplo, a composição dos actuais Conselhos Gerais das escolas e agrupamentos ou como a legislação em vigor considera os pais como membros das escolas ou ainda o crescente número de profissionais que começa a integrar os estabelecimentos escolares. Do mesmo modo que a relação escola-família não se confina à interacção pais-professores, a escola não é mais o território exclusivo de professores, alunos e funcionários. Há algum tempo que vimos defendendo (Silva, 2003, 2008) a integração nas escolas de outro tipo de profissionais, entre eles, por exemplo – e para além dos psicólogos, com carreira já consagrada –, assistentes sociais2, animadores culturais, educadores sociais,                                                                                                                          

2 Veja-se, por exemplo, o importante papel que estes já vêm desempenhando nos GAAFs (Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família), os quais se encontram em franca fase de expansão.  

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profissionais em ciências da educação, mediadores culturais, sociólogos, antropólogos, etc. Naturalmente, isto não significa que todas as escolas ou agrupamentos devam ter toda esta plêiade de profissionais. Tal deverá ser avaliado em função da especificidade de cada contexto.

As escolas constituem organizações complexas, fluidas e com fronteiras porosas. Temos defendido que deveriam construir dispositivos organizacionais (Silva, 2003, 2008), ou seja, estratégias não só de reconhecimento da diversidade cultural nelas existente (o que passa, naturalmente, pela sua relação com famílias e comunidades), mas também de produção de conhecimento sobre essa mesma realidade, passando, assim, de uma postura tendencialmente monocultural a uma multi/intercultural (Peres, 1999; Stoer e Cortesão, 1999; Vieira, 1999; Stoer e Magalhães, 2005). Para tal, cremos ser importante a formação de professores para a educação intercultural, mas também a incorporação de profissionais nas escolas com capacidade de investigação (produção de conhecimento) nesta área (sociólogos ou antropólogos, por exemplo). Esta produção de conhecimento sobre a heterogeneidade social e cultural da escola (latu senso) não pode deixar de considerar ainda, parece-nos importante sublinhar, a clivagem sociológica que perpassa pela escola e sua relação com outras instituições e actores sociais. Classe social, género e etnia constituem três pólos desta clivagem de ordem estrutural (Silva, 2003). Poderíamos acrescentar – o que se revela significativo na relação intra-escolas e entre escolas e famílias – a idade, pois a interacção criança-adulto constitui uma das marcas da instituição escolar. Ter em conta a clivagem sociológica aponta, assim, para uma concepção crítica de mediação (a qual não pode, por exemplo, ser confundida com a mera resolução de conflitos).

O conceito de mediação, como qualquer outro, levanta várias questões. Por exemplo: o que é? Mediação de quê? De quem? Com quem? Como? Para quê? Como qualquer outro, este conceito contém também uma história. Vemos que tem vindo a assumir uma visibilidade crescente. Segundo José Alberto Correia e João Caramelo (2003:177), “Na última década a problemática da mediação social parece estar a ocupar o espaço semântico atribuído ao local na gestão da chamada questão social.” Para Catarina Morgado e Isabel Oliveira (2009:48), “A Mediação é uma negociação com a intervenção de um terceiro neutral, baseada nos princípios da voluntariedade das partes, da neutralidade e imparcialidade do terceiro (mediador) e na confidencialidade do processo, a fim de que as partes em litígio encontrem soluções que sejam mutuamente satisfatórias.” As finalidades, modalidades e contextos da mediação podem variar:

- Catarina Morgado e Isabel Oliveira (2009:53), por exemplo, sustentam que “desenvolver uma cultura de mediação na escola implica a formação para a democracia, a educação para a paz e os direitos humanos, a prevenção da violência e a criação de um clima pacífico que favoreça uma boa convivência escolar.”

- Maria Carme Torremorell (2008) apresenta três modelos de mediação: “modelo de solução de problemas”, “modelo transformativo” e “modelo comunicacional”. Na sua perspectiva, são cinco os níveis de análise da mediação: (i) mediação como formação integral, enquanto processo de aprender a ser (intrapessoal); (ii) mediação como processo que veicula a convivência, que actua como construtora de relações entre as pessoas (interpessoal); (iii) mediação como coeficiente de coesão, que actua no seio dos grupos e estimula o debate reflexivo e o questionamento das dinâmicas instituídas (intragrupal); (iv) mediação como nó de intercomunicação (intergrupal); e (v) mediação como cultura (social).  

- José Alberto Correia e João Caramelo (2003:179) sublinham que “a mediação e os modos de a praticar adquirem uma multiplicidade de formas” em função do contexto de intervenção. Assim, “Na escola ela é uma mediação cultural ou um dispositivo de prevenção da indisciplina e da violência, no campo jurídico ela propõe-se promover a administração local dos conflitos, no bairro ela propõe-se acautelar a violência e reparar os danos das incivilidades, nas famílias, como realça Six (2002:47), os mediadores tendem a «substituir os confessores», nas empresas eles procuram estabelecer a comunicação com os clientes, na res-pública procuram melhorar o acesso aos serviços. Em suma, os mediadores fazem um verdadeiro zapping social.” (ibid.)

A mediação tende a ser encarada quer como um processo de prevenção e/ou resolução de conflitos, quer como uma forma de potenciar estes mesmos conflitos a fim de provocar a

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mudança social, nomeadamente no sentido de contribuir para relações sociais mais igualitárias. Temos, assim, aquilo que poderíamos designar por uma perspectiva conservadora – a mediação enquanto “ortopedia social” (Correia e Caramelo, 2003:173) – e uma perspectiva crítica – a mediação enquanto promotora de mudança social. No primeiro caso, temos a frequente redução do conflito social a um problema de comunicação: “na notoriedade da mediação não está ausente a tendência para reduzir a conflitualidade social aos défices de comunicação entre os indivíduos ou entre estes e as instituições.” (Correia e Caramelo, 2003:178). No caso da relação escola-família, por exemplo, esta perspectiva pode assentar num pressuposto do défice cultural das famílias de meios populares e/ou minorias étnicas, levando a mediação a produzir um efeito de escola-espelho (Silva, 2003) e, assim, a reproduzir, na prática, as desigualdades sociais. A perspectiva crítica, por sua vez, pode aproximar-se de uma postura intercultural, promovendo a ponte entre culturas e relações sociais mais igualitárias. No primeiro caso, estaríamos mais perto de um multiculturalismo benigno, assente no reconhecimento dos diferentes estilos de vida; no segundo, mais próximos de um multiculturalismo crítico, que procura associar a preocupação dos estilos com as oportunidades de vida (Stoer, 2000).

Reflectindo sobre a mediação em contexto escolar, Morgado e Oliveira (2009:50) sustentam que a mesma deve consistir numa “intervenção organizacional ao nível dos conflitos existentes na escola: relação professores/direcção, relação professores/professores, relação professores/alunos, relação professores/pais; bem como no contexto da sala de aula: relação professores/alunos, relação dos alunos entre si e relação professores/pais.” Para estas autoras, a mediação escolar deverá passar por uma “equipa multidisciplinar de mediadores, devidamente capacitados em mediação de conflitos, com formação nas áreas de psicologia, sociologia, serviço social, pedagogia, entre outras.” (op. cit.:51).

Márcia Alves de Oliveira (2009), por sua vez, numa reflexão sobre um processo de mediação escolar conduzido no Brasil, comete à equipa de gestão escolar o papel dinamizador do processo de modo a possibilitar a criação de uma “parceria professor/aluno/pais”. Esta autora introduz um conceito novo neste texto, o de parceria, que remete para um processo de negociação entre vários actores, associados em torno de objectivos comuns. O conceito de parceria (ou partenariado3) difere do de mediação na medida em que não torna necessária a existência de um actor com características especiais e desempenhando um papel de moderador entre actores potencialmente conflituantes.

Um outro conceito próximo é o de rede. Para Isabel Guerra (2006:29) “O interesse da noção de rede é exactamente poder dar conta da formação de colectivos de acção gerados pelo encadeamento das interacções locais, sem recurso a um actor e/ou uma regra dominante e com contínuas evoluções no tempo, tendendo a responder às diversas exigências da mudança social.” (itálico nosso). Tal como na noção de parceria, não se torna necessário “o recurso a um actor e/ou regra dominante”, o que a distingue do conceito de mediação no sentido acima exposto. Ainda segundo Isabel Guerra, “Os conceitos de parceria e partenariado não tiveram origem na academia e dificilmente têm uma base científica, mas estão muito próximos do conceito científico de redes.” (op. cit.:29, n12). O conceito de rede tem sido utilizado pelo sociólogo catalão Manuel Castells na caracterização que nos oferece das sociedades pós-industriais, que ele apelida precisamente de sociedade em rede e onde as tecnologias de informação e comunicação (TIC) desempenham um papel fulcral. Segundo ele, uma rede é um conjunto de nós interligados. As redes são formas muito antigas de actividade humana, mas actualmente essas redes ganharam uma nova vida, ao converterem-se em redes de informação, impulsionadas pela internet (Castells, 2001). Assim, a sociedade em rede, que “é a estrutura social dominante do planeta”, assenta numa economia global, onde a ciência e a tecnologia constituem as “forças produtivas essenciais”, pelo que “a riqueza e o poder na sociedade em rede dependem, antes de mais nada, da qualidade da educação”. Para ele, “a sociedade em rede                                                                                                                          

3 Deixamos aqui de lado a distinção conceptual introduzida por Fernanda Rodrigues e Setphen Stoer (1998), por não ser relevante no contexto deste texto.  

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só se pode desenvolver a partir de um novo sistema tecnológico, o das tecnologias de informação e comunicação de base microelectrónica e comunicação digitalizada”, pelo que “a internet é simultaneamente o instrumento chave e o símbolo deste novo sistema tecnológico.” (Castells, 2005).

Como sabemos, o problema do analfabetismo não se coloca actualmente como no passado. Hoje a questão, nos países desenvolvidos, é a dos níveis de literacia e a dos info-excluídos. E em Portugal ainda subsistem desigualdades no acesso às TIC (Cardoso et al., 2005). Contudo, um estudo recente de Ana Nunes de Almeida, Ana Delicado e Nuno de Almeida Alves (2008) sugere uma rápida disseminação no uso de computadores e da internet, com algum esbatimento das desigualdades sociais, entre as crianças e jovens em idade escolar. As TIC têm tido um desenvolvimento significativo no meio escolar, como resultado de políticas assertivas neste âmbito. Mesmo sabendo que renovação tecnológica nas escolas não implica necessariamente inovação pedagógica (Coelho, 1992), elas desempenham um papel crescente neste meio.

Os desafios no processo de ensino e aprendizagem são cada vez maiores. Com a evolução tecnológica, podemos aprender de muitas e diversas formas, em qualquer lugar, em qualquer momento. As tecnologias tornam-se progressivamente mais acessíveis a alunos e professores, formandos e formadores, observando-se a utilização de uma diversidade de tecnologias em educação no intuito de promover a aprendizagem, o crescimento e o desenvolvimento do aluno. O processo de ensino-aprendizagem, actualmente, não se limita ao trabalho realizado dentro da sala de aula. Ele integra tudo o que se faz dentro e fora dela, ao nível presencial e virtual, acções de pesquisa, de comunicação e de produção. Neste domínio, predomina a mobilização de experiências, de projectos e a articulação entre os conhecimentos adquiridos pelos alunos/educandos e as situações reais, experimentais, culturais e profissionais.

As TIC, enquanto tecnologia, não são mágicas nem miraculosas. Tudo depende do uso que os humanos delas fazem. Pela sua potencialidade, no entanto, podem-se constituir num poderoso medium que facilita a comunicação entre indivíduos e grupos e a ponte entre culturas. Por outras palavras, as TIC podem-se constituir num meio (material) que facilita a mediação (social e cultural). É neste sentido que apresentamos, de seguida, três contextos onde se desenrolaram projectos de mediação sociopedagógica em que as TIC desempenham um papel de relevo. Todos contam com a presença de, pelo menos, um dos autores deste texto. Os dois primeiros projectos são de intervenção, o terceiro de investigação. O primeiro está terminado. Os restantes continuam a desenrolar-se.

2. Contextos 2.1. Contexto 1: o Projecto TecLAR

Caracterização

O Projecto TecLAR, Ensinar e Aprender entre Gerações com Tecnologias, constitui um espaço de aprendizagem e partilha de experiências e conhecimentos, entre adultos com mais de 60 anos e crianças do 1º ciclo do ensino básico, com base na utilização do computador e da internet. Adultos e crianças aprendem colaborativamente, constituindo as TIC o impulso das aprendizagens realizadas, troca de saberes e interacção entre as duas gerações. Para o desenvolvimento do Projecto TecLAR foi criada uma rede ou comunidade socioeducativa, que envolve o professor, os alunos de uma turma e um grupo de adultos, orientados por uma profissional de Ciências da Educação, com o papel de formadora e animadora.

A concretização do projecto centra-se em dois momentos e em dois espaços fundamentais. Por um lado, a dinamização de sessões de trabalho (apenas) com os adultos, na iniciação ao uso do computador e da internet, permitindo-lhes aprenderem o que lhes interessa, com sentido prático

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e lúdico, de acordo com os seus objectivos pessoais: desde a elaboração de documentos escritos, a elaboração de vídeos ou slideshows de fotografias, a consulta e pesquisa de informação na internet, a comunicação com os outros através de e-mail, de chat, de fóruns de discussão, à participação e publicação de conteúdos em blogues individuais e no blogue colectivo do projecto, entre outras actividades e aprendizagens. Por outro lado, o trabalho conjunto e a aprendizagem colaborativa entre os adultos e os alunos do 1º ciclo, baseado no desenvolvimento de recursos (com interesse e objectivos) educativos, através da realização de projectos temáticos, articulados com o projecto educativo de escola ou com o projecto curricular de turma, utilizando como principais ferramentas as TIC. O trabalho cooperativo e de interacção decorre ora na escola do 1º ciclo ora na Instituição de Ensino Superior que promove o desenvolvimento do projecto (Viana, 2006).

Com o desenvolvimento deste pretende-se, fundamentalmente: (i) proporcionar aos adultos novas aprendizagens, no âmbito de uma realidade muito próxima dos mais novos (TIC), nomeadamente o uso do computador e da internet; (ii) ajudar os adultos a mobilizarem os seus saberes e interesses pessoais de uma forma vantajosa em termos educativos e escolares, fazendo assim com que se sintam úteis na comunidade em que se inserem; (iii) proporcionar aos alunos aprendizagens sobre temas escolares, de uma forma inovadora, não formal e não escolar; (iv) contribuir para o estreitamento e proximidade das relações estabelecidas entre os adultos e os seus familiares ou amigos, através do uso e domínio das TIC; (v) contribuir para a ocupação do tempo livre dos adultos aposentados. É, portanto, aproveitada a memória individual e colectiva dos adultos, fazendo-os sentirem-se úteis e integrados socialmente, ao colaborarem na educação e formação escolar das crianças. O blogue “Experiências no Projecto TecLAR”, disponível na web (http://projectoteclar.blogspot.com), constitui o espaço social de partilha entre todos os intervenientes no TecLAR..

O Projecto TecLAR decorreu na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, do Instituto Politécnico de Leiria (ESECS-IPL), entre Novembro de 2005 e Junho de 2009. Começou no dia 14 de Novembro de 2005, com 22 adultos e com a participação de 20 crianças de uma turma do 4º ano da Escola Amarela de Leiria, orientada pela Professora Fátima Serrano. No ano lectivo 2006/2007, participaram no Projecto TecLAR 18 adultos em colaboração com 13 alunos do 4º ano da Escola Paulo VI, turma orientada pela Professora Conceição Silveirinha. No ano lectivo 2007/2008, 18 adultos trabalharam colaborativamente com 20 alunos do 4º ano, da Escola EB1/JI Cruz d’Areia, turma orientada pela Professora Conceição Coelho. No último ano lectivo de dinamização do Projecto TecLAR (2008/2009), pela primeira vez envolveu-se uma turma do 1º ano, da Escola EB1/JI Cruz d’Areia, com a Professora Conceição Coelho, em colaboração com 19 adultos.

As experiências de cada ano lectivo são distintas e assumem contornos diferenciados ao nível da aprendizagem inter-geracional, dos resultados e ganhos obtidos, das relações estabelecidas e dos conhecimentos adquiridos. Durante o seu desenvolvimento, o Projecto evoluiu e “ganhou vida”, dinamismo e cada vez mais sentido e pertinência para os actores envolvidos. Viveram-se momentos e experiências, caracterizados pelos participantes no projecto como sendo de aprendizagem, colaboração e partilha de saberes, aquisição de valores e atitudes, convívio e amizade, entreajuda e crescimento pessoal. Cada encontro entre as duas gerações constituiu um momento intenso, com expressão de fortes emoções e afectividade, muito para além das aprendizagens ou aquisição de conhecimentos escolares ou relativos ao uso das TIC.

Resultados

Tendo por base o trabalho desenvolvido e os resultados observados, ao longo dos quatro anos do Projecto, verifica-se que, com a sua participação, os adultos elevam a auto-estima, a auto-confiança e a motivação para continuarem a aprender, consequência da mobilização dos seus saberes e experiências de vida, de forma significativa e útil: “O Projecto TecLAR alterou de forma positiva toda a minha vida. Além de aprender a dominar as novas tecnologias, descobri uma excelente forma de combater a solidão. (…) Imagino que aprenderam alguma coisa com os

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mais velhos e outras questões que, decerto, recordarão mais tarde nas suas vidas.” (Margarida Martins, 72 anos); “O que mudou foi o meu estado de espírito, porque agora sinto-me mais valorizado, mais confiante, mais realizado.” (António Dias, 68 anos). Com a participação no projecto verifica-se que os adultos estreitam a relação estabelecida com os mais novos, netos e filhos, ao nível de conhecimentos e aprendizagens associados à utilização das TIC, podendo, por exemplo, desenvolverem actividades em conjunto no computador e comunicarem através da internet, promovendo, assim, a inclusão digital: “A linguagem da informática é um mundo de conhecimentos que nos deixa maravilhados, que antes não conhecíamos. (…) A interligação com os miúdos da escola primária foi um verdadeiro bálsamo, benfazejo para as nossas idades” (João Quinta, 79 anos).

Por sua vez, os alunos têm a oportunidade de realizarem aprendizagens e adquirirem conhecimentos curriculares no âmbito da Língua Portuguesa, Estudo do Meio, Matemática, Expressões e TIC, desenvolvendo competências ao nível do saber ser e do saber estar, de modo não formal e não escolar, em contacto com “novos” educadores (Coelho & Viana, 2008): “Eu gostei muito da experiência porque eram alunos idosos que nos ajudavam.” (Luís, 9 anos); “Gostámos muito de trabalhar com os amigos mais velhos porque foi uma experiência nova e diferente do que é habitual. Os nossos amigos também gostaram de nos ter conhecido, de terem podido trabalhar connosco e de terem aprendido algo novo sobre computadores.” (Sarah e Bárbara, 9 anos).

Considerando que, como vimos anteriormente, a mediação não se refere apenas e unicamente à gestão de conflitos, mas constitui também “um processo de aprendizagem de novas formas de sociabilidade” (Bonafé-Schmitt, 2000 in Almeida, 2009), desde as relações entre pares, as relações entre sujeitos e organizações, às relações entre organizações e comunidade, é nesta perspectiva que se integra o desenvolvimento do projecto TecLAR. Explicitando: com o desenrolar do TecLAR, promoveram-se e trabalharam-se as relações entre pares - quer entre os alunos, quer entre os adultos -, as relações entre os adultos e a instituição escolar, entre os alunos enquanto grupo-turma e a comunidade através da relação estabelecida com os adultos, pessoas mais velhas, diferentes dos seus pares, do professor e da família, que demonstram saberes e experiências diversificadas, provenientes de diferentes meios e culturas.

Eis mais alguns testemunhos: “Estes senhores e senhoras já são aposentados (tiveram empregos, mas agora já não trabalham neles) e trabalham em grupo com os alunos da nossa turma. São todos muito simpáticos, alegres e amigos. Contam histórias e coisas verdadeiras sobre o mundo em que viviam quando eram da nossa idade, fazem versos, cantam connosco o hino da sala e ajudam-nos a pesquisar e a organizar a informação. Nós ajudamo-los a trabalhar melhor nos computadores e a usarem os programas e a internet.” (Rafael, Francisco Lino, Francisco Vazão, Frederico, David e Tiago Carreira – 4ºD da Escola da Cruz da Areia); “Tenho-me apercebido que todas as crianças estão a gostar muito desta experiência, apesar de nós já podermos ser todos seus avós! São crianças muito simpáticas, educadas, amáveis e muito habituadas às novas tecnologias e, quero dizer, que me têm ensinado algumas coisas!” (Maria da Cruz, 68 anos).

2.2. Contexto 2: o Projecto EDUCULT

Caracterização

Olá Crescidos!

Nós somos os alunos do 2º ano da escola da Cruz da Areia. O ano passado trabalhámos com uns amigos crescidos do TecLAR. Agora somos amigos deles mas só fora da escola porque o TecLAR já não vem à escola. Nós temos saudades deles. Gostávamos de trabalhar nos grupos a fazer histórias, de lancharmos juntos, de cantar o nosso hino e também de outras coisas que fazíamos. Por isso lembrámo-nos de uma coisa: este ano vamos

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trabalhar com meninos da Turquia, da Áustria, da Hungria, da Polónia e se calhar também com escolas dos Açores, de Maputo que é em Moçambique, e da Guiné. Alguns países são muito longe de Leiria e não sabem como é a nossa vida cá. Nós também não os conhecemos a eles. Então decidimos estudar melhor a cidade de Leiria e Portugal para lhes mandarmos mailes e cartas a dizer-lhes como é. Vamos falar-lhes do Castelo, da Sé, das músicas e das danças, das comidas e de outras coisas. A Professora disse-nos que os crescidos, como já vivem há muito tempo cá, nos podiam ajudar a pesquisar e a fazer este trabalho. Podem? Podia ser assim: nós mandávamos mailes a pedir informações e depois vocês respondiam a dizerem-nos o que sabem. O Projecto chama-se “Ao Encontro de Culturas” e em Inglês escreve-se: Let's Meet In Cultural And Educational Dimension. (Turma 2ºD – EB1/JI Cruz da Areia, AJS, Leiria, 2009-2010)

Este mail, enviado ao grupo Trad’Inovações, que integra o programa 60+ do Instituto Politécnico de Leiria, sendo aparentemente um ponto de partida, não foi mais do que a tentativa de dar continuidade formal a uma relação de afectos e saberes anteriormente iniciada entre crianças e adultos de uma mesma comunidade, durante o Projecto TecLAR, já aqui referido. O pretexto é a entreajuda, mas a razão principal tem a ver com o prazer que as crianças sentiram em trabalhar e aprender com alguém que “vem de fora” e não só com a professora.

Aproveitando uma dinâmica intergeracional de abordagem, em que se colocam em interacção várias gerações (crianças do mesmo e de outros países, idosos e jovens adultos de uma mesma comunidade), pretende-se desenvolver uma perspectiva de compreensão e aceitação da diferença, de valorização das identidades locais, regionais e nacionais, promovendo valores como a entreajuda, a fraternidade, a tolerância, ou seja, praticando uma educação pela paz.

O projecto EDUCULT (no âmbito do Programa Comenius), para o qual as crianças desafiam os adultos a colaborar, visa, essencialmente, um encontro de culturas, no sentido de comparar e perceber o comum e as diferenças, o que une e o que separa indivíduos, grupos e povos que habitam o mesmo mundo Neste intercâmbio, que será desenvolvido ao longo de 2 anos com escolas da Áustria, da Hungria, da Polónia e da Turquia, pretende-se difundir e incrementar a ideia entre docentes, não docentes, alunos e outros elementos da comunidade, de que a diversidade ao ser encarada como riqueza em vez de problema pode ser factor de harmonia e não de conflitos. Propõe-se comparar os diferentes currículos em vigor em cada um dos países, mas também divulgar as heranças culturais, sociais e históricas, através da recolha e partilha nas áreas da literatura (contos, lendas, poesias, etc.), da dança, da gastronomia, dos costumes, das tradições, da religião e do património arquitectónico. Com esta parceria pretende-se, além de alargar os conhecimentos de alunos e professores, promover uma educação intercultural junto dos participantes, através de diversificadas situações de aprendizagem. O Projecto abrange crianças e jovens desde a educação de infância ao 3º ciclo do ensino básico. Em Portugal decorre na Escola da Cruz da Areia, do Agrupamento de Escolas José Saraiva, em Leiria. As TIC constituem-se como um recurso fundamental ao longo de todo o Projecto, quer no domínio da pesquisa, selecção e organização da informação, quer no da comunicação entre os parceiros.

Resultados

O Projecto já passou a fase de arranque, mas está ainda a menos de metade do seu “percurso”. Contudo, é já possível descortinar alguns traços caracterizadores da caminhada feita até agora (Abril 2010). Estes decorrem das actividades quotidianas que têm lugar na escola e nas turmas, mas também dos encontros que, até ao momento, foram promovidos com a presença de todos os actores. O primeiro destes encontros ocorreu na Turquia, em Outubro de 2009, na cidade asiática de Eskisehir (a cerca de meio caminho entre Istambul e Ancara). Imediatamente o reconhecimento da diversidade cultural, se tornou numa evidência e numa regularidade. Esta diversidade teve uma tradução nalguns aspectos mais visíveis como os costumes, as tradições, a arquitectura, mas também em aspectos menos visíveis, mas perceptíveis, como os valores, desde logo os religiosos. Também, desde o início, este “confronto” de culturas teve uma tradução num maior respeito pela diferença, pois o conhecer ajuda a compreender e a aceitar melhor. O

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segundo encontro ocorreu em Portugal, em Março de 2010. Nele, foi possível pôr em contacto – agora físico e não virtual – os professores e alunos das várias escolas e países envolvidos, mas também os mais idosos, que já vinham colaborando desde o Projecto TecLAR. Os momentos de convívio e de troca de vivências e experiências foram vários. Tiveram lugar em diversos locais e contaram com múltiplas colaborações. Para além da Direcção do Agrupamento participaram no Encontro, o Clube Europeu, as Salas de Educação Especial, os professores das Actividades Extra-Curriculares (AEC), a Associação de Pais e o Atelier de Tempos Livres da Escola da Cruz da Areia, a ESECS-IPL, o poder local (Câmara Municipal de Leiria e Junta de Freguesia da Barreira), associações culturais e recreativas várias e imprensa local. O facto de os diferentes eventos terem decorrido nos mais variados espaços da comunidade demonstra que a escola, mais uma vez, não se confinou às quatro paredes, abrindo-se e buscando a participação e a colaboração da comunidade a que pertence.

Estas actividades revelaram-se momentos de excepcional troca de saberes – na múltipla acepção do saber, do saber-fazer, do saber estar, do saber ser – e de afectos. São momentos que culminam todo um trabalho colectivo anterior e que servem de catapulta para novos desenvolvimentos na rede estabelecida e de motivação para novos encontros. No intervalo dos Encontros, as TIC continuam a revelar-se como meio privilegiado de intercâmbio de diferentes culturas e mundivisões. O blogue do Projecto EDUCULT, em actualização permanente (http://project-educult.blogspot.com/), constitui-se como o ponto de encontro e amostragem do quotidiano dos diferentes actores intervenientes nas escolas envolvidas. Por cá, também outros blogues, nomeadamente o Tecletras e Saberes (http://tecletras.blogspot.com/), o do Projecto TecLAR e o do Projecto Trad’Inovações, vão divulgando o que vai acontecendo. Se o empenho e satisfação revelados nas actividades até agora desenvolvidas, tão bem expressos no último número do jornal da Escola e nos blogues, forem encarados como indicador do efeito do Projecto nas práticas pedagógicas dos diferentes actores envolvidos, podemos dizer que o principal objectivo está a ser atingido. Mas avaliar esse efeito a curto prazo não nos parece lícito... Apenas o futuro dirá. No presente, fica uma das muitas “avaliações” feitas pelas crianças após o Encontro na sua escola:

“No último dia, os grupos de estrangeiros foram para salas diferentes e mostraram livros, falaram das suas terras e escolas, cantaram canções e aprenderam a dizer bom dia e obrigada. Na nossa sala estiveram os professores da Hungria. Eram muito simpáticos. Aprendemos uma canção em Húngaro. E eles cantaram em Português. Na sala de outros meninos, a falarem-lhes dos seus costumes e tradições, estiveram professores e alunos de outros países.

Gostávamos que eles cá estivessem mais tempo. Agora vamos trocar mailes e cartas com os alunos destes professores e doutros. Esperamos que eles nos escrevam depressa.

Todos os que nos visitaram queriam ter um Magalhães como os nossos. Na escola deles não há computadores nas salas, nem para os professores nem para os alunos.

Foi muito divertido e obrigada amigos. Aprendemos mais coisas sobre o mundo.”

(Ana Sofia, Diogo Costa, Maria G, António, Guilherme, Alexandra, Pedro e Mª João - 2º D)

2.3. Contexto 3: o Projecto Magalhães

Caracterização

Esta designação corresponde à versão abreviada do Projecto “O Computador Magalhães entre a Escola e a Família num Agrupamento de Escolas de Leiria: Um Olhar Sociológico sobre os seus Efeitos”. Trata-se de um projecto de investigação que se prevê decorrer entre Novembro de 2009 e Dezembro de 2011, sendo realizado no âmbito do Centro de Investigação Identidades e Diversidades, do Instituto Politécnico de Leiria (CIID-IPL), com a colaboração do

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Agrupamento de Escolas José Saraiva (AJS), Leiria, onde é realizada a pesquisa de terreno, e com uma equipa composta pelos autores deste texto. O Projecto, que resulta de uma solicitação do GEPE-ME (Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação, do Ministério da Educação), visa responder a um conjunto de questões, entre elas:

- Quem usa o computador Magalhães (que actores sociais)? Em que contextos?

- Quais os usos do computador Magalhães? Em que contextos (por exemplo, sala de aula, intervalo, tempos livres, casa)?

- Quais os modos de regulação sobre os usos? Por parte de quem? Em que contexto?

- Que efeitos, escolares e sociais, dos usos do computador Magalhães nos vários actores sociais e nas suas interacções? Em particular, na sala de aula e na relação escola-família?

Estando perante um estudo de natureza longitudinal – tendo em conta, desde logo, a temporalidade prevista – a equipa optou pela construção de um design misto, ou seja, cruzando uma metodologia de dominante quantitativa com uma de dominante qualitativa, adoptando, assim, a perspectiva da existência de um continuum (e não de uma ruptura) entre o que se tem convencionado chamar investigação quantitativa e investigação qualitativa.

Assim, no que respeita à natureza extensiva da pesquisa, decidiu-se administrar questionários aos alunos, professores e famílias de turmas do 1º CEB, e, eventualmente, aos órgãos das unidades orgânicas (Direcção, Coordenador do PTE) e entidades pertinentes (associações de pais), prevendo-se também a realização de entrevistas. Quanto à vertente intensiva optou-se pela etnografia de uma turma seleccionada numa das escolas do Agrupamento. Será obtida informação adicional através da consulta de legislação e outros normativos, do registo de imprensa e do registo de software educativo específico para o Magalhães. Não está descartada a possibilidade da utilização de outros instrumentos de recolha de informação, nomeadamente através do recurso à constituição de focus groups. A informação obtida será objecto de um tratamento adequado, nomeadamente estatístico e por análise de conteúdo. A natureza do Projecto, ancorada numa postura ontológica e epistemológica de índole fenomenológica, atenta ao cruzamento fecundo entre o dedutivo e o indutivo, com particular destaque para o contexto de descoberta, acentua a plasticidade do design construído.

Resultados

Sendo um projecto ainda recente, os dados são muito provisórios. Eles apontam, no entanto, no âmbito do conjunto das 30 turmas das escolas do 1º ciclo do Agrupamento, para4:

- Dos 548 alunos do 1º CEB, 438 adquiriram o Magalhães, ou seja 80% (saliente-se que boa parte dos 20% que não adquiriram estava então no 4º ano e já próximo do final do ano lectivo);

- A existência de flutuações no grau de adesão por escola, que se situam desde os 95% aos 28% (as informações que circularam em cada uma das comunidades e o papel desempenhado pelos docentes podem ter tido um contributo importante);

- Uma fraca adesão à banda larga (BL), na medida em que 37 adesões em 438 corresponde a 8,4%. (Note-se, porém, que, para além do facto de muitas famílias poderem ter já banda larga, nas escolas do 1º CEB existe rede sem fios);

- Dos 438 alunos que adquiriram, 276 (64%) correspondem a famílias não inseridas em qualquer um dos escalões da acção social escolar, ou seja, a contrario, um pouco mais de um terço dos aquisidores integra-se nos escalões A, B ou C;

                                                                                                                         

4 Dados referentes a 2008/2009, ano de introdução do Magalhães. No presente ano lectivo, os computadores destinam-se aos alunos do 1º ano, não tendo ainda chegado.  

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- Por outras palavras, 94% (162) dos integrados num daqueles escalões adquiriu o Magalhães contra 64% (276) dos não integrados em qualquer escalão (quase metade dos integrados corresponde ao Escalão A, ou seja, não pagou, seguindo-se o grupo do Escalão B, que pagou 20€; a menor proporção de aquisição por parte dos não integrados pode dever-se ao custo económico, mas os 50€ que teriam de desembolsar aponta paralelamente para outras hipóteses, incluindo a de serem alunos prestes a concluírem o 4º ano ou já possuírem outros equipamentos – nalguns casos o portátil do programa e.escola de irmãos mais velhos).

No que respeita aos professores e para o presente ano lectivo (2009-2010), é possível constatar que a) a grande maioria dos docentes indica ter formação na área das TIC; b) todos os docentes afirmam usar habitualmente computadores; e c) apesar de todos os docentes afirmarem usar computador, um número significativo só usou pontualmente o Magalhães e cerca de 1/3 nunca o usou. Naturalmente, estes dados levantam uma série de questões que estamos a analisar. No presente ano lectivo serão também inquiridos os alunos e respectivas famílias.

Uma das preocupações do Projecto é tentar entender até que ponto o uso generalizado das TIC no meio escolar pode contribuir ou não para o estabelecimento de novas redes de sociabilidade e de novos padrões de interacção junto de, entre outros actores sociais, crianças, famílias, professores e comunidades. Por outras palavras: até que ponto se pode constituir numa ponte entre culturas – a cultura escolar e as culturas locais? Por outras palavras ainda: até que ponto poderemos estar perante um processo de mediação sociopedagógica?

3. Síntese

Como vimos, nas últimas décadas tem-se observado o aparecimento e um acelerado desenvolvimento das TIC, como é o caso do computador e da internet, que têm assumido uma cada vez maior preponderância nas acções do dia-a-dia da população, em todos os níveis e domínios da sociedade. Com a disseminação de diversas tecnologias, serviços, ferramentas ou comunidades online torna-se cada vez mais fácil, simples e rápido aceder à informação e adquirir conhecimentos, comunicar e produzir conteúdos. O desenvolvimento das TIC e das suas especificidades veio dinamizar as formas de intervenção e de actividade das pessoas, que se juntam (virtualmente) em torno de objectivos comuns; veio proporcionar novas possibilidades de interacção, de aprendizagem e oportunidades de travarem conhecimento com outros; possibilitou também oportunidades de aquisição de conhecimentos em diversas áreas, bem como práticas conjuntas (Viana, 2009).

Neste contexto, torna-se plausível que qualquer pessoa seja capaz de saber onde está a informação, como lhe pode aceder e seja capaz de transformar essa informação em conhecimento. Para as crianças e jovens que nascem e crescem neste mundo de tecnologias em rede, num mundo digital - os “nativos digitais” (Prensky, 2001) ou a “geração internet” (Tapscott, 1998 in Mota, 2009) -, as tecnologias tornam-se naturais. São instrumentos com os quais lidam facilmente no seu quotidiano. Pelo contrário, os adultos ou idosos, afastados deste mundo tecnológico, ao depararem-se com tais tecnologias, têm de se esforçar para aprenderem a lidar com elas (“imigrantes digitais”, Prensky, 2001), para se adaptarem a novos contextos sociais, de trabalho e de comunicação com os outros. Adultos cujos contextos, social e profissional, não exigiram a sua familiarização com o computador e a internet, apresentam dificuldades em compreender o sentido, a utilidade e mesmo as potencialidades destas tecnologias. Em consequência, acabam por se (auto)marginalizar, seja nos empregos, seja em casa, relativamente à família, especialmente aos mais novos, filhos e netos, para os quais as TIC são vividas diariamente (Viana, 2006).

Especialmente numa abordagem da educação que tenha em conta a existência de redes entre a escola e as outras instâncias sociais e comunitárias, os contextos extra-escolares, com utilização

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educativa frequente das TIC, através do desenvolvimento de projectos locais ou comunitários em que se incluem, para além de escolas, museus, organizações não governamentais, bibliotecas, entre outros, a mediação desempenha um papel fundamental de “suporte à criação e desenvolvimento de um tecido social mais organizado, articulado e regulado” (Veiga Simão, Caetano & Freire, 2009), através da promoção da participação e da coesão social.

Foi tendo em conta este conjunto de questões que considerámos pertinente partilhar as experiências conduzidas nos três projectos apresentados – TecLAR, EDUCULT e Magalhães –, dois deles ainda em desenvolvimento. Tendo como agente intermediador as TIC, nos projectos criou-se uma ponte entre diferentes gerações, entre a escola, a família e a comunidade, entre o mundo escolar e o mundo não escolar, entre diversos agentes educativos e sociais, promovendo-se processos de aprendizagem. Do ponto de vista das crianças que participam e/ou participaram nos projectos, tratou-se, entre outros aspectos, de reforçar o fio que tece os laços que põem em contacto os seus vários contextos de socialização, pois, como adverte Bernard Lahire (2007:23), para elas “se trata de un tiempo marcado por socializaciones múltiples y a menudo complejas, en las cuales se hace sentir la influencia conjunta, y en ocasiones contradictoria, de la familia – y en esta, de los padres, de la fratría e incluso de los miembros de la familia extensa -, del grupo de pares - unido a menudo a las industrias culturales y los medios audiovisuales específicamente orientados hacia la juventud – y de la institución escolar.” É, neste sentido que Helena Almeida refere que a mediação se concretiza de forma complexa no quotidiano e se maximiza à medida que “os actores vão criando laços e superando os obstáculos decorrentes dessa complexidade” (Almeida, 2009:125). Enquanto projectos que cremos ser também de mediação sociopedagógica, constituem-se em processos de educação intercultural, de educação para a cidadania e de educação pela paz.

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