MÍDIA E EDUCAÇÃO: ANÁLISE DAS IMAGENS DE CARTILHAS NA...

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1 MÍDIA E EDUCAÇÃO: ANÁLISE DAS IMAGENS DE CARTILHAS NA ERA VARGAS Reniane Silva de Souza RESUMO O presente estudo objetiva discutir algumas imagens utilizadas em cartilhas planejadas pela DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) no período Vargas, entre as décadas de 1930 e 1940. O DIP era o órgão responsável pela difusão das ideias nacionalistas e da imagem pública do presidente, com objetivo de atingir diretamente as massas e, no caso das cartilhas em tela, sobretudo as crianças. A investigação se insere na metodologia de pesquisa histórica, na perspectiva dos Estudos Culturais da Mídia, a partir da discussão teórica de Douglas Kellner, Guy Debord, Maria Helena Capelato, entre outros. Ao longo do texto levantamos apontamentos acerca da influência política de outros líderes na construção dessa ''máquina de propaganda'' de Getúlio Vargas, dentre os quais, Adolf Hitler, que ao implantar o nazismo na Alemanha fez um forte investimento em propaganda, colocando-se, assim como o presidente brasileiro, como amigodas crianças e da juventude. Os resultados da pesquisa indicam como a utilização da mídia de forma planejada pode resultar na difusão de ideias, principalmente entre os jovens, de que serão o futuro da nação. Acreditamos que a discussão sobre mídia, propaganda e política seja bastante atual, sobretudo em um período marcado por profundas mudanças políticas no cenário nacional e mundial, além de apontar para novas possibilidades de análises históricas. Palavras-chave: Era Vargas; Imagem; Mídia; Propaganda; Política; Introdução Nos dias atuais a mídia exerce um papel fundamental, assim como contribuiu para demonstrar a sua eficácia na construção de uma conjuntura política nas décadas de 1930 e 1940, durante a chamada Era Vargas. O governo de Getúlio utilizou de vários meios midiáticos para deixar a sua marca na história, independente do resultado positivo ou negativo, mas o suficiente para garantir a seu governo força e centralização. Como Capelato argumenta “O poder utiliza meios espetaculares para marcar sua entrada na história” (CAPELATO, 2009, p. 67). Diante dessa investigação, perpassaremos por um contexto histórico da história do Brasil, para compreendermos as razões que possibilitaram a entrada de Getúlio Vargas no comando do país e as suas principais ações no governo para garantir tal poder. Talvez até mesmo pela preocupação de outros modelos de regimes políticos servirem como base, tanto para sustentação de sua ideia quanto para a prevenção de ideias contrárias, consideradas perigosas para a manutenção da “ordem” nacional.

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MÍDIA E EDUCAÇÃO: ANÁLISE DAS IMAGENS DE CARTILHAS NA ERA

VARGAS

Reniane Silva de Souza

RESUMO

O presente estudo objetiva discutir algumas imagens utilizadas em cartilhas planejadas

pela DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) no período Vargas, entre as

décadas de 1930 e 1940. O DIP era o órgão responsável pela difusão das ideias

nacionalistas e da imagem pública do presidente, com objetivo de atingir diretamente as

massas e, no caso das cartilhas em tela, sobretudo as crianças. A investigação se insere

na metodologia de pesquisa histórica, na perspectiva dos Estudos Culturais da Mídia, a

partir da discussão teórica de Douglas Kellner, Guy Debord, Maria Helena Capelato,

entre outros. Ao longo do texto levantamos apontamentos acerca da influência política

de outros líderes na construção dessa ''máquina de propaganda'' de Getúlio Vargas,

dentre os quais, Adolf Hitler, que ao implantar o nazismo na Alemanha fez um forte

investimento em propaganda, colocando-se, assim como o presidente brasileiro, como

“amigo” das crianças e da juventude. Os resultados da pesquisa indicam como a

utilização da mídia de forma planejada pode resultar na difusão de ideias,

principalmente entre os jovens, de que serão o futuro da nação. Acreditamos que a

discussão sobre mídia, propaganda e política seja bastante atual, sobretudo em um

período marcado por profundas mudanças políticas no cenário nacional e mundial, além

de apontar para novas possibilidades de análises históricas.

Palavras-chave: Era Vargas; Imagem; Mídia; Propaganda; Política;

Introdução

Nos dias atuais a mídia exerce um papel fundamental, assim como contribuiu

para demonstrar a sua eficácia na construção de uma conjuntura política nas décadas de

1930 e 1940, durante a chamada Era Vargas. O governo de Getúlio utilizou de vários

meios midiáticos para deixar a sua marca na história, independente do resultado positivo

ou negativo, mas o suficiente para garantir a seu governo força e centralização. Como

Capelato argumenta “O poder utiliza meios espetaculares para marcar sua entrada na

história” (CAPELATO, 2009, p. 67).

Diante dessa investigação, perpassaremos por um contexto histórico da história

do Brasil, para compreendermos as razões que possibilitaram a entrada de Getúlio

Vargas no comando do país e as suas principais ações no governo para garantir tal

poder. Talvez até mesmo pela preocupação de outros modelos de regimes políticos

servirem como base, tanto para sustentação de sua ideia quanto para a prevenção de

ideias contrárias, consideradas perigosas para a manutenção da “ordem” nacional.

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As variadas formas de interpretações sobre a cultura midiática, no caso, com

maior ênfase em imagens, e o estudo de cada detalhe podem revelar sobre uma época,

um povo, ou uma sociedade. E neste caminho de desejo de fazer novas descobertas, é de

suma importância retomar as pesquisas de autores conceituados nesta área, como

Capelato, Pandolfi, Schmitz, entre outros.

1. As transformações políticas e sociais no Estado Novo

Após a Revolução de 1930, os rumos do Brasil prometiam mudanças na

propaganda política da Aliança Liberal, pois algumas ações eram necessárias, ainda que

não estivessem nas configurações da sua campanha na época das disputas das eleições,

mas foram tomadas em nome da segurança nacional e do crescimento do país.

No governo provisório as transformações ocorreram em âmbito político e social.

Como Pandolfi aponta:

Na área social, o Governo Provisório também fez investimentos

significativos. Ainda em novembro de 1930 foram criados o

Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, chamado no Ministério

da Revolução, e o Ministério da Educação e Saúde Pública.

(PANDOLFI, 2003, P.2)

As transformações ocorridas na área social, como a criação do Ministério da

Educação, merecem destaque nessa pesquisa, pois, a partir dessa nova estrutura

educacional e a sua funcionalidade na sociedade, em especial voltadas às crianças,

reside nossa problemática de análise, qual seja: investigar as imagens do presidente

presentes nos materiais educacionais voltados para as crianças das escolas públicas,

durante os governos Vargas.

Do ponto de vista político, o país estava em ebulição na época. Segundo

Napolitano,

Com o esvaziamento do tenentismo como força política autônoma, as

suas lideranças acabaram por se dispersar entre os movimentos de

esquerda (PCB e Aliança Nacional Libertadora) e de direita (Ação

Integralista Brasileira) que surgiram entre 1932 e 1935. Muitos outros

tenentistas foram incorporados como quadros políticos e

administrativos do governo federal, rendendo-se ao novo jogo político

das elites civis. (NAPOLITANO, 2016, P. 100).

No Estado Novo (1937-1945), pois a educação escolar assumiu grande

importância para legitimar o modelo de governo ali implantado, para isso, tornou-se

necessário o uso de instrumentos de propagandas visando à eficácia do plano que era

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baseado em modelos europeus com regimes autoritários. Um deles foi a criação do DIP

(Departamento de Imprensa e Propaganda), responsável pela propaganda varguista.

Segundo Velloso,

O Departamento foi criado pelo decreto presidencial de dezembro de

1939, o DIP, sob a direção de Lourival Fontes, viria materializar toda

a prática propagandística do governo. A entidade abarcava os

seguintes setores: divulgação, radiofusão, teatro, cinema, turismo e

imprensa. Estava incumbido de coordenar, orientar e centralizar a

propaganda interna e externa; fazer censura ao teatro, cinema, funções

esportivas e recreativas; organizar manifestações cívicas, festas

patrióticas, concertos e conferências; e dirigir e organizar o programa

de radiodifusão oficial do governo (VELLOSO, 2010, P.158. apud:

HENN; NUNES, 2013, P.3).

Neste momento o DIP estava incumbido de criar recursos para propagar a

visão de governo através das mídias da época. Para Maria Helena Capelato (2009, p. 55)

o desejo de seduzir as massas na Era Vargas se deu de modo próprio, com

características da cultura política brasileira, marcada pelo positivismo. Dessa forma, um

dos objetivos no Estado Novo era construir a ideia de um progresso com base nos

conceitos nacionalistas.

As ideias nacionalistas já eram difundidas em alguns países como Alemanha

com o regime nazista, na Itália com o regime fascista, França com o regime franquismo,

entre outros, sendo suas maiores características as noções de autoritarismo e

centralização. E nessas nações, o poder concentrava-se na figura de um líder autoritário

e, ao mesmo tempo, mostrava-se ao povo vários tipos de propaganda de como seria a

forma ideal para uma sociedade sair da crise, alegando grande parte da culpa à liberdade

vivenciada naquela época.

Para Napolitano, no Brasil, essas políticas têm as seguintes características:

Defendidas por intelectuais de renome à época, como Azevedo

Amaral, Oliveira Vianna e Francisco Campos, essas doutrinas

pregavam reformas estruturais no governo Estado brasileiro que

reforçassem a burocracia, o controle da educação, a repressão e a

propaganda política, como pilares de um governo forte. (...) Para os

ideólogos autoritários, era necessário um chefe político personalista

que conduzisse esse processo, cuja autoridade e estilo de governo não

fossem questionados periodicamente nos pleitos eleitorais, colocando

em risco as diretrizes estratégicas do desenvolvimento nacional. Nos

anos 1930, isso significava, na prática, reforçar o poder e a autoridade

pessoal de Getúlio Vargas. (NAPOLITANO, op. cit. P.110-111)

No Brasil, a educação escolar voltada para as crianças obteve um papel

fundamental para a divulgação das concepções do governo varguista. Capelato é uma

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dessas autoras que reforça esta ideia da educação durante o Estado Novo como uma

maneira de propaganda política. Segundo ela:

Além dessa especificidade no que se refere à profusão de imagens e à

intensidade do uso da propaganda, é preciso levar em conta que cada

um dos regimes apresentou uma maneira própria de se valer das

imagens e dos símbolos com sentido político. (CAPELATO, 2009,

P.55).

Esta forma de propaganda se intensificou quando houve uma reforma no sistema

educacional no Estado Novo, deixando clara a intenção nas novas medidas adotadas

pelo governo. De acordo com Célia Regina Otranto e Ronaldo Mendes Pamplona,

houve dois lados a serem estudados pela Reforma Capanema (1942 a 1946), nome

como ficou conhecida a reforma educacional do período. De acordo com os autores:

...instituída através das chamadas Leis Orgânicas (Decretos-Lei),

envolvendo os seguintes ramos do ensino: secundário, industrial,

comercial, agrícola, normal e primário. Foi um período em que a

dualidade na educação se expressava, na medida em que os egressos

da educação média profissionalizante só tinham acesso ao ensino

superior, na mesma carreira, não podendo escolher outra, e até mesmo

este acesso restrito era extremamente dificultado, o que fazia com que

poucos alunos tivessem oportunidade de cursar o ensino superior. Por

outro lado, os alunos que terminavam o secundário, podiam prosseguir

ao superior, sem restrição alguma. (OTRANTO, PAMPLONA, 2008,

P. 10).

Neste sentido, a um grupo específico estava limitado o ingresso na universidade,

pois, era preciso seguir a mesma área do ensino secundário profissionalizante,

notadamente formado por estudantes proletários. Sendo assim, haveria muita demanda

para determinadas áreas e poucas vagas para esses alunos. E a outra versão que os

autores apontam, não havia restrições nenhuma para os que terminavam o ensino

secundário, ou seja, aquele não profissionalizante, que atendia muito mais aos jovens de

classe média.

A estrutura governamental da Era Vargas foi muito bem planejada, pois se

pensava nos detalhes para evitar consequências no futuro. Estruturar um país em moldes

autoritários e, ao mesmo tempo, conquistar o apoio da população não era uma tarefa

fácil. Foram necessários vários órgãos de responsabilidade e compromisso com o

governo, no intuito de consolidar uma forte influência voltada para utilizá-la no futuro,

imaginando um país sem contestações populares.

Nessa esteira de reflexão, consideramos que o órgão de propaganda do governo,

o DIP, e a reforma na educação foram os fortes alicerces ideológicos do governo Vargas

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e os meios pelos quais eles se mantiveram no poder, usando as táticas de doutrinação da

sociedade a serviço dos interesses do Estado. Embora existissem diversas outras formas

de dominação, a partir do rádio, desfile, discursos governamentais, desfiles com teor

propagandístico, visitas em escolas, hospitais e outros órgãos, imagens não só voltadas

para a educação mais também em outros setores.

2. O papel das mídias na contemporaneidade

Neste período, há uma forte preocupação com os conflitos sociais originários de

crises que afetavam tanto a economia quanto a política. Assim, vale pensar as questões

sociais existentes na época de Getúlio Vargas, veiculadas através de imagens e que

representavam uma ideologia política para atingir as pessoas daquele momento (os pais,

os adultos da sociedade) bem como aquelas do futuro (as crianças).

Guy Debord afirma que

Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas

de produção se anuncia como uma imensa acumulação

de espetáculos... O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas

uma relação social entre pessoas, midiatizada por imagens. (GUY

DEBORD, 1997, P.14 e 15).

Podemos entender que a imagem se tornou um produto político ideológico que

circulava entre as pessoas e o seu efeito se dava na forma espetacular, pelo uso

estratégico feito pelo governo Vargas para atingir a sociedade, certamente havia outras

formas como o rádio, os desfiles, as festas, as inaugurações, visitas aos estados como

MT, fotos, filmes, discursos distribuídos na imprensa, até as cartilhas educativas

distribuídas para moldar os “futuros cidadãos do país”.

Para Capelato as imagens e símbolos foram sendo dinamizadas na propaganda

política de alguns regimes políticos para manutenção da força no poder. O varguismo

buscou nas massas o apoio para se manter-se no poder, e como forma de conquista

utilizava a cultura midiática, fortemente ligada às questões nacionais, (como no símbolo

da bandeira nacional), e consequentemente, na construção da figura paterna e de líder de

Vargas como o chefe da nação.

De acordo com Douglas Kellner os grupos podem resistir às mensagens

veiculadas na cultura da mídia e direcionadas às massas, até mesmo as pessoas da época

de Vargas resistiram às cartilhas impostas para as crianças da sociedade vigente daquele

período.

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A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que

resulta de sua própria atividade inconsciente) se expressa assim:

quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita

reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos

compreende sua própria existência e seu próprio desejo. (GUY

DEBORD, 1997, P. 24).

Segundo Capelato (2009, p. 221) “as propagandas políticas varguistas e

peronistas operaram no sentido de incutir na sociedade uma nova forma de identidade: a

identidade nacional coletiva”. Uma das estratégias para implantar na sociedade

brasileira a mudança de uma identidade nacional individualista em identidade nacional

coletiva foi a utilização de produtos culturais voltados para a educação. Esse era um dos

meios viáveis para introduzir novos valores na sociedade daquele momento pensando na

estrutura utilizada pelo governo dentro do que passou a ser compreendido como uma

política de massas.

Além disso, quando se discute os problemas sociais, econômicos e políticos

vivenciado pelo Brasil e outros países daquele momento, que ainda sofriam os reflexos

da “quebra da Bolsa de Valores de Nova York”, as populações começam a questionar a

conjuntura política presente, indagando sobre os regimes liberais em busca de soluções

para os seus problemas.

Neste momento as propostas políticas baseavam em governos autoritários

influenciados pela Europa, idealizando correntes antiliberais e antidemocráticas

preocupadas com as revoltas populares. A estratégia seria criar um governo forte e

autoritário, mas ao mesmo tempo, simpático com as massas. Neste sentido, a indústria

cultural passou a ser direcionada para essas massas, para barrar ou evitar as revoluções e

inserir uma nova identidade cultural nacional.

Ainda, segundo Capelato (2009, p.226) os críticos do liberalismo no Brasil,

diziam que o atraso do país se referia ao analfabetismo, no qual este se justificaria pelo

atraso concentrado na inferioridade das populações negras e pobres. O novo governo

forte, autoritário, tinha por missão colocar o Brasil nos “eixos”, integrando todos os

trabalhadores por meio da educação, da disciplinarização e consciência nacional. Diante

de tantos problemas com a formação de uma identidade nacional coletiva é que a

educação assumia um papel importante na Era Vargas.

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3. A representação das crianças nas cartilhas do governo varguista

Durante o governo Estado Novo na Era Vargas, a propaganda tomou conta do

cenário político do país e diversos setores da sociedade passaram a sofrer forte

influência direta e indiretamente, entre eles, a escola destacou ao receberem algumas

cartilhas para as crianças, sendo um dos objetivos da política populista e midiática,

garantir certa influência nas crianças do presente para uma sociedade idealizada no

futuro. Deste modo, iremos analisar algumas imagens utilizadas nas cartilhas escolares

que enfatiza a ideia de consciência nacional e o culto ao líder por meio da educação.

Imagem 1 – Trechos da cartilha utilizada nas escolas: “A Juventude no Estado Novo”,

publicado pela DIP, 1937 a 1945. Rio de Janeiro (RJ), (CPDOC).

A imagem acima está na cartilha “A Juventude no Estado Novo”, feita pelo D.I.

P (Departamento de Imprensa e Propaganda) nos anos 40, toda ilustrada com desenhos,

textos extraídos de discursos do Presidente Getúlio Vargas, as imagens bem coloridas,

contendo 24 páginas, e com medidas de 41,5 x 31 cm.

Ao analisarmos a imagem 1, aparece Vargas sorrindo e tocando o rosto de uma

menina, observamos uma preocupação de retratar a representação dele na figura

paterna, preocupado com a educação das crianças, vistas como o futuro da nação, e

também sua imagem como parte dos personagens que compunham a cartilha que as

escolas recebiam, com objetivos veiculados ao seu governo.

“Crianças!

Aprendendo, no lar e nas

escolas o culto da Pátria,

trareis para a vida prática

todas as probabilidades

de êxito.

Só o amor constrói e,

amando o Brasil,

forçosamente o

conduzireis aos mais

altos destinos entre as

Nações realizando os

desejos de

engrandecimento

aninhados em cada

coração brasileiro.

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“Precisamos reagir

em tempo, contra a

indiferença pelos

princípios morais,

contra os hábitos do

intelectualismo

ocioso e parasitário,

contra as tendências

desagregadoras,

infiltradas pelas mais

variadas formas nas

inteligências moças,

responsáveis pelo

futuro da Nação.”

A frase enfatiza o desejo do governo Vargas em conscientizar as crianças a amar

a pátria, mesmo com sofrimento, e não importa o local que estejam o amor à pátria tem

que estar acima de tudo. E como recompensa para sua lealdade levaria a uma vida

promissora e esperançosa para o futuro ideal. O amor ao qual se refere, é o amor ao

país, e a partir desses caminhos esperados pelo governo, todos aqueles que

contribuíram, iriam receber o fruto do seu trabalho no futuro.

A bandeira nacional, as crianças e a imagem de Vargas estavam todas inseridas

no mesmo contexto, pois o foco da propaganda era as crianças, “fáceis” de serem

manipuladas, além disso, a bandeira nacional tinha que estar alicerçada com a adoração

à pátria e não poderia faltar na imagem o presidente da época buscando enfatizar a

imagem de homem íntegro e preocupado com as crianças.

Imagem 2 – “A juventude no Estado Novo”, 1937 a 1945. Rio de Janeiro (RJ), (CPDOC).

Na imagem 2, também retirada da cartilha “A juventude no Estado Novo”,

vemos Vargas e as crianças em posição lateral para que possamos ver suas

características como o sorriso das crianças, possível referência a sua obediência. É

possível observar que existem várias bandeiras do Brasil nas mãos das crianças,

simbolizando o patriotismo das mesmas, e sua disposição em obedecer ao líder em

destaque na imagem, e a amar a pátria.

Ainda, percebe-se que o foco está na figura de Vargas, pois ele está no topo,

enquanto as crianças estão mais baixo, separadas por uma espécie de “muro” e seus

olhares remetem à presença de um ser superior. Chama-nos a atenção para as feições

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das crianças por estarem felizes e contentes com a nova educação a partir de todas as

exigências do governo, e talvez neste sentido a imagem atinja também aos pais.

Nesse momento Vargas faz um apelo aos princípios morais, à honestidade, ao

respeito, à bondade e também contra aqueles que usam o intelectualismo estagnado

daqueles opositores que não buscam alterações e tampouco mudança, ou seja, ociosos.

Além disso, luta contra o intelectualismo explorador, é pensar sobre todos aqueles que

possuem propostas de governo diferentes sobre o país. Buscando eliminar as

contradições, as ideias contrárias às suas propostas, ou até mesmo silenciando a

população para não dar brechas a outras teorias de forma de vida.

A imagem de Vargas procura demonstrar o seu carisma com as crianças,

lembrando as imagens do governo alemão, chefiado naquele momento histórico por

Adolf Hitler. Esse político autoritário também explorou o seu carisma para conquistar o

público infantil, como podemos observar na imagem a seguir.

Imagem 3 – Hitler com crianças, Alemanha, 1935; Vargas com as crianças, 1939.

Podemos encontrar algumas semelhanças na intenção da utilização dessa

imagem, pois no caso Hitler e Vargas escolheram um público em comum no campo da

propaganda. E a estrutura física das imagens é bem parecida a posição de cada

personagem, as demonstrações de afeto, a alegria no olhar das crianças, entre outros.

Entretanto as funcionalidades de cada governo se dão de modo próprio, há uma

intencionalidade por trás de cada imagem, e cada uma possui as suas particularidades.

Desse modo, analisar a situação de crise econômica vivenciada no Brasil e como

consequência uma crise na estrutura política, era necessário demonstrar confiança nesse

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“Contemplai-a, agora,

com maior e justificado

orgulho. Ela tremúla só,

única e dominadora,

sobre todo o nosso vasto

território. Símbolo do

Brasil de hoje e de

amanhã, bela e forte,

afirma a unidade moral

e material do nosso

povo, numa síntese

perfeita da sua

existência e dos seus

ideais de

engrandecimento.”

novo governo instaurado no país. E dessa forma a situação vivida na Alemanha após as

derrotas nas duas grandes guerras era bem diferente da realidade da nação brasileira.

Nos discursos de Vargas ficava evidente a participação efetiva da família e da

escola para que suas metas fossem atingidas, é claro, não na busca de efeitos imediatos,

mas no futuro. Integrando a ideia de progresso alternado com obediência do povo sobre

o governante da nação.

Neste sentido, citamos Napolitano:

Aos olhos da oposição, tanto liberal quanto a comunista, a retórica

nacionalista e as práticas autoritárias assumidas pelo Estado Novo

tornavam o regime muito parecido com os fascismos que dominavam

países importantes da Europa nos anos 1930. (...) Mas no caso

brasileiro, como vimos, nem as Forças Armadas, nem a Igreja

Católica, nem Getúlio Vargas, pessoalmente, tinha muita inclinação

pelo modelo fascista-totalitário, embora não recusassem o

autoritarismo com algumas doses do modelo corporativista como

forma de governo e tutela social. (NAPOLITANO, op. cit. P. 129.)

O autor conclui a ideia de que as articulações feitas por Vargas para manter-se

no poder utilizando o autoritarismo não quer dizer a adoção dos regimes fascistas, e sim

de comportamentos de controle na sociedade e do próprio governo. As propagandas

utilizadas revelam esse seu lado exigente sobre os indivíduos sem deixar alternativas de

escolha de regime e como consequência a ausência de alguns direitos das pessoas. Neste

momento podemos identificar uma contradição, pois a ideia de liberdade, ou até mesmo

a conquista de direitos e transformação serão ancoradas na figura feminina, tema da

próxima imagem.

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Imagem 4 – Trecho da cartilha “A juventude no Estado Novo”, 1937 a 1945. Rio de Janeiro

(RJ), (CPDOC).

Deparamos nessa imagem 4 com aspectos que refletem muito as discussões

teóricas feitas por Capelato, relacionando a figura da mulher como aquela que gera em

seu ventre o futuro da nação. Tanto a mulher quanto as crianças, ou filhos, estão

dispostas a lutar e em suas mãos está a bandeira do Brasil para fortalecer as propostas

nacionalistas. Neste sentido que a autora argumenta sobre o papel da família: “A

representação da família próspera e unida sugeria que a situação confortável era fruto da

política de justiça social” (CAPELATO, 2009, P.54).

Porém a imagem da mulher nesse período remete-nos a representações da

república como figura feminina como na imagem a seguir de 1889. Articular símbolos

nacionais com os novos elementos da política era uma das metas da educação naquele

contexto.

Aliás, a figura feminina na república brasileira deve ser entendida como uma

influência dos conceitos herdados de outros países, exemplo, a França. Baseado nos

ideais de liberdade, de uma monarquia fundamentada na figura masculina de um rei

para a transformação de um novo símbolo diferente, o símbolo da mulher, esteve

presente também no Brasil, mas por diversos motivos não obteve sucesso. 1

O texto complementa a intencionalidade da imagem, pois a figura feminina

demonstrava ao povo o compromisso de realizar as mudanças consideradas eficientes

para a população, e não pensando somente em uma elite dominadora na época da

política do café-com-leite. O governo varguista aproveita-se de símbolos que causavam

sucesso entre as classes populares em outros lugares, procurando enfatizar o laço de

união com todos assim, as vontades impostas para a população no Estado Novo eram

justificadas pela defesa de uma liberdade no país, que seja essa econômica ou de

consciência nacional.

1 Aqui no Brasil, a figura da mulher também foi utilizada como um elemento anti-republicano. Os bispos

incentivaram o culto à figura de Maria. Em 1904, Nossa Senhora Aparecida foi declarada padroeira do

Brasil.

A figura da república-mulher obteve fracasso. Faltou uma comunidade de sentido. A figura feminina foi

usada como prostituta, em muitos casos, ou depreciativa de outra forma. Isso se deve ao fato de que não

houve na sociedade brasileira uma participação feminina nos fatos políticos, portanto sua imagem cívica

não tinha nenhum sentido entre a população. (JUNIOR, 2011, pág. 1)

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Imagem 5 - A Patria Mineira. N. 28,21 de novembro de 1889, p.3

Ambas as imagens 4 e 5, possui um interesse caracterizado pelo uso de símbolos

patrióticos utilizados em diferentes contextos históricos. No caso da imagem 5, reflete

sobre os ideais da Revolução Francesa que se baseava em uma monarquia governada

por um rei, que de acordo com Júnior (2011, p.1) “Após a ‘Terceira República’ a figura

da mulher se popularizou. Aparece Marianne, nome popular na França, que se tornou a

personificação da República. Como reação, o governo incentivou o culto a Virgem

Maria”.

E no Brasil isso aconteceu de forma muito diferente, aliás, a herdeira do trono

era mulher, mas houve uma tentativa de anulação dos direitos de Isabel pelo seu marido

Conde d’Eu. A configuração da república brasileira por possuir suas próprias

características revela o motivo do fracasso pelo qual o uso da figura feminina na

república não deu certo.

De acordo com Schmittz e Costa a escolha da figura feminina na imagem 4 na

Era Vargas supõe na tentativa de articular as imagens utilizadas da época em que houve

uma exaltação patriótica na criação da república, pois nesse momento havia um

sentimento de libertação da pátria brasileira. Para concluir essa ideia, os autores citam:

A escola e os professores foram os atores escolhidos para preparar as

novas gerações. Estes teriam como tarefa articular a identificação da

população com os símbolos da nação e com os comportamentos

considerados patrióticos. Tratava-se, pois, de formar indivíduos para

desenvolver uma maturidade intelectual racional que os tornasse aptos

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a constituir, na sociedade civil, o corpo político do Estado Nacional.

Para tanto, Capanema criou o Instituto Nacional do Livro (INL) em

1937; e a partir do decreto-lei no 1.006 de 30 de dezembro de 1938,

todos os materiais didáticos produzidos deveriam ter aprovação do

governo e seguir a política estadonovista. (SCHMITZ; COSTA, 2017,

P. 06)

Imagem 6 – Cartilha “Getúlio Vargas para crianças”, 1942. Rio de Janeiro (RJ).

(CPDOC/CDA Rev.30)

A imagem 6 foi usada como capa da cartilha “Getúlio Vargas para crianças”,

percebe-se um olhar extremamente cuidadoso e bem calculado para definir os ângulos

de cada ponto específico, com uma intenção essencialmente propagandística. O seu

olhar desperta nas crianças um sentimento fraternal, de proteção, ou seja, o exemplo fiel

para toda criança.

De acordo Schmitz e Costa (2017, p. 393) essa cartilha foi escrita por Alfredo

Barroso, ilustrada por Francisco Dias da Silva, editada em 1942, e publicada pela

Empresa de Publicações Infantis Ltda., no Rio de Janeiro. Em um formato de 13 x 11,5

cm, 112 páginas, sendo 52 ilustrações impressas em preto e branco. Também com um

texto de fácil compreensão, apropriada para as crianças. Na visão dos autores foi uma

das cartilhas mais lidas nas escolas, pois se tornou comum e ideal para a juventude

brasileira.

Algumas características dessa cartilha ficam evidentes diante das pesquisas

feitas pelos autores citados acima, entre elas podemos identificar a repetição do nome de

“Getúlio Vargas”, um marco temporal para contribuir com os acontecimentos dos fatos.

Outro fator bastante interessante e planejado é a forma de transmitir ao leitor os feitos

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positivos da imagem de Vargas contando as conquistas de seu governo. A variedade de

termos diferentes, mas que se relacionam diretamente com as crianças cria um vínculo

mais efetivo, além disso, as imagens das crianças e de Vargas procuram evidenciar esse

laço de amizade.

A política da época e a produção midiática criada ou aprovada pela DIP enfatiza

a importância desses instrumentos de manipulação para relacionar-se com a sociedade

daquele momento histórico. Sendo assim, Schmitz e Costa citam:

...enquanto parte de políticas oficiais do Estado, essas fontes se

constituem num suporte de interlocução que veiculam valores e

ideologias. Logo, como mediadores de representações políticas e

culturais de uma determinada sociedade e, como fonte de pesquisa,

permitem conhecer o modo como determinada sociedade estabeleceu

relação com sua história e seu passado. (SCHMITZ; COSTA, 2015, P.

04)

No Estado Novo, os meios de propaganda possuem um objetivo muito bem

calculado pensado de acordo com o público que ao mesmo tempo aceitava as condições,

além disso, também tinha o direito de resistir ao espetáculo como o autor Douglas

Kellner argumenta em sua pesquisa.

Imagem 7 – Capa da cartilha “Getúlio Vargas o amigo das crianças”, 1940. Rio de Janeiro (RJ),

(CPDOC).

Os autores Schmitz e Costa (2017, p. 390) detalham a capa dessa cartilha

“Getúlio Vargas: o amigo das crianças” de 1940, tendo 32 páginas, no formato de 27 x

19 cm, com 45 ilustrações, sendo 35 de Vargas. Nesta mesma análise há hipóteses sobre

a origem dessa capa, já que não tem autoria autografada. Diante dessas possibilidades, é

possível que houvesse a participação da DIP e da Gráfica Olímpica.

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A capa da cartilha propagou um forte sentimento buscando atingir o lado

emocional na demonstração de seu amor com as crianças. A linguagem clara e objetiva

levava o leitor a encontrar em diversos momentos a exaltação de Vargas com conceitos

direcionados a ele mesmo no intuito de criar um vínculo ainda maior na formação de

pessoas.

Nesse sentido, naquela época as crianças eram associadas a um ser humano sem

conhecimento, em fase de construção, para isso foram utilizadas diversas ferramentas na

tentativa de ensinar seus métodos em um grupo social “desprovido” de teorias sobre a

organização de uma sociedade.

A representação em destaque agora se dá, sobretudo, no título da cartilha, que

torna mais abrangente, partindo para o lado emocional da criança, pois nessa fase o

aspecto familiar começa a ser questionado, com a sua vivência entre amigos e

profissionais que estão à sua volta. Assim Vargas de “pai” transita a imagem para o

“amigo” da criança, papel fundamental que representaria esse outro lado do líder, o

apoio que a própria criança necessita naquele momento, ou seja, de um amigo e não

mais um membro da sua família.

Imagem 8 – Getúlio Vargas, o amigo das crianças, publicado pelo DIP em novembro de 1940.

(REV.30 16 f/CPDOC)

Na contracapa da cartilha “Getúlio Vargas o amigo das crianças”, vê-se outra

forma de propaganda característica de seu governo, mostrando a si mesmo em uma

posição de superioridade. Neste caso Getúlio Vargas se encontra no canto superior

“É preciso plasmar na cera

virgem, que é a alma da

criança, a alma da própria

Pátria.”

(Getúlio Vargas)

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esquerdo, enquanto a criança está no canto inferior direito, no qual a posição de cada

personagem representa a posição política idealizada pelo regime: aquele, de cima, dita

as ordens à nação e aqueles que as recebem em baixo.

A mensagem escrita nesta contracapa deixa clara a intenção de Vargas ao fazer

uma comparação entre as crianças e a pátria, a intencionalidade em moldar as mentes

das crianças ainda em estado de inocência e para o governo a pátria deveria ser pensada

e estruturada com essa ideia de pureza.

Considerações Finais.

A cultura midiática na construção de um projeto político no país no governo de

Vargas levou-nos a uma reflexão sobre a política atual, pois até que ponto estamos

inseridos no mundo virtual ou não virtual sobre efeitos de alguma propaganda

influenciando-nos a tomar algumas atitudes, refletindo mais tarde em fatos reais e

contraditórios na democracia brasileira?

Quando repensamos a maneira como foi utilizada por Vargas cada cartilha

entregue nas escolas deparamos que cada cartilha tinha sua intencionalidade e forma de

atuação sendo instruído por um órgão responsável, o DIP (Departamento de Imprensa e

Propaganda), sendo assim, conseguimos relacionar com a visão de futuro do governo,

pois o objetivo de controlar a sociedade tornou-se evidente a utilização de meios

midiáticos voltados para as crianças.

A figura de “pai” para as crianças criando um laço de afetividade e compromisso

com cada uma delas expõe a necessidade de as crianças verem nele a lealdade para com

elas, para que elas tivessem o mesmo amor que Vargas tinha com a Pátria, ou seja,

demonstrar preocupação com o futuro desejado das crianças na ideia de progresso

remete à obediência de cada criança que almeja um futuro melhor.

Na construção de uma identidade nacional em cada cidadão brasileiro, era

necessário utilizar alguns meios que fossem o suporte para a eficácia de um projeto

político, como argumenta Capelato (2009, p.229): “Nesse contexto de preocupações

com a formação da nova identidade política, a educação foi considerada como elemento

prioritário para a introdução de valores criados para conformar a identidade nacional

coletiva.”. Ou seja, um dos instrumentos utilizados para propagar as características

consideradas essenciais para a centralização de um líder no poder foi a educação.

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Por fim esta análise procurou demonstrar a relação dos mecanismos midiáticos

com o contexto histórico da Era Vargas, sobretudo, com forte influência durante o

Estado Novo, procurando evidenciar os desejos do governo ao escolher o sistema

educacional, enfatizando desde a formação de crianças no presente até o planejamento

no mundo futuro. E como foi propagada cada imagem na busca da identidade nacional,

do culto ao líder e a ideia de progresso.

Referências

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e no peronismo. 2.ed. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

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“GETÚLIO VARGAS: O AMIGO DAS CRIANÇAS”. In: XII Congresso Nacional

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SCHMITZ, Zenaide Inês; COSTA, Miguel Ângelo Silva da. Educação, Infância e

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para Crianças” e “Getúlio Vargas: o amigo das crianças”. Revista Linhas.

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<https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/DIP> Acessado em 07 de

novembro de 2018.