Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
-
Upload
jose-carlos-silva1234 -
Category
Documents
-
view
225 -
download
0
Transcript of Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 1/121
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 2/121
Mauro Rasi
PÉROLA
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 3/121
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Rasi, Mauro
R175p Pérola / Mauro Rasi. — Rio de Janeiro :Record, 1995.
1. Teatro brasileiro (Literatura). I. Título.
CDD — 869.9295-0842 CDU — 869.0(81)-2
Copyright © 1995 by Mauro Perroca Rasi
Foto da capa: Lívio Campos
Direitos exclusivos desta edição reservados pela
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 — 20921-380 Rio de Janeiro, RJ — Tel.: 585-2000
Impresso no Brasil
ISBN 85-01-04392-3
PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL
Caixa Postal 23.052 — Rio de Janeiro, RJ — 20922-970
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 4/121
CONTRA CAPA
“O aspecto mais notável de Pérola é o fato de Rasi ter escapado do
piegas em sua grande declaração de amor: a glorificação de Pérola
é um memorável canto de alegria, no qual não foram esquecidos
nem os defeitos nem os pequenos ridículos — até estes, no
entanto, cuidadosamente envoltos em imensa ternura.”
BARBARA HELIODORA — O Globo
“Com rara sensibilidade, o autor dispõe de lembranças que com
uma ironia sutil transforma em bem-urdidas situações teatrais.Pérola é a crônica de morte de uma mãe, de um tempo, de uma
rebeldia. Mas com o humor de quem sabe que o teatro é um
fingimento, tal qual os papéis que cada um assume na vida. Pérola
escolheu o seu papel e o viveu até o fim. Mauro Rasi mostrou o
fascínio que esta escolha exerce sobre ele.”
MACKSEN LUIZ — Jornal do Brasil
“Em resumo: uma peça admirável deste dramaturgo de exceção
que é Mauro Rasi, que consegue atingir o coração da platéia e
simultaneamente diverti-la, possibilitando a salutar convivência
entre risos e lágrimas.”
LIONEL FISCHER — Tribuna da Imprensa
“Mauro Rasi é um verdadeiro mestre em fazer acontecimentos
corriqueiros ganharem uma alegria contagiante com as palavras
de seus diálogos. Há muito tempo que uma platéia não é
convidada a participar de tanta felicidade.”
TELMO MARTINO — IstoÉ
“É tão divertido ver os personagens girarem em torno de si
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 5/121
mesmos em meio a frases engraçadíssimas...”
MARIA SILVIA CAMARGO — Veja
“Pérola é sonhadora, exuberante, atrapalhada. Tem, na medidaperfeita, uma soma de defeitos e virtudes que a torna fascinante.
Pérola sai da vida não para entrar na história, mas para entrar na
imaginação. Depois de Nelson Rodrigues o teatro brasileiro não
reencontrou uma voz vigorosa capaz de guiá-lo. Agora, Mauro Rasi
pode tomar esse lugar.”
JOSÉ CASTELLO — O Estado de S. Paulo
Foto da capa: Lívio Campos
http://groups.google.com/group/digitalsource
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 6/121
Agradeço à Shell, a João Madeira, Marcos Ribas de
Faria, Ali Kamel, Luis Erlanger, meu elenco e minha
equipe técnica, Casa da Gávea, Fafá de Belém,
Roberto e Erasmo Carlos, Olavo Leite Jr., Ana (Any)
Accioly, e àquela que me ajudou a enxergar um
horizonte realmente sem limites, Madalena Meachan.
Muito obrigado.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 7/121
Isto não é uma biografia. É a transfiguração de uma
realidade. Como observou o jornalista e escritor JoséCastello, “o método de Rasi é a mentira”, — trabalho com
a memória afetiva, “mas essa não é uma memória de
fatos, e sim de sonhos, memória imaginária que remete a
acontecimentos que nunca existiriam”. Os nomes e
acontecimentos aqui relatados pertencem ao mundo da
minha ficção.
O AUTOR
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 8/121
Aos meus pais e aos meus alter-egos:
Marcos Frota, Daniel Dantas, Paulo Betti e,
naturalmente, EMÍLIO de Mello,
o mais constante.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 9/121
Pérola estreou no Teatro Leblon no dia 24 de março de 1995 com o
seguinte elenco:
Pérola VERA HOLTZVado SERGIO MAMBERTIEMÍLIO EMÍLIO DE MELLONorma SONIA GUEDESElisa ANNA DE AGUIARDanilo EDGARD AMORIMVoz SONIA ZAGURY
Direção MAURO RASIAssist. de Direção FLAVIO ANTONIOCenários GRINGO CARDIAIluminação MANECO QUINDERÉFigurinos BETH FILIPECKI
Trilha sonora MARCOS RIBAS DE FARIAFotografia LÍVIO CAMPOSCabelo SÉRGIO STYLE
Direção de produção MÁRCIA DIASMÁRCIA HALFIN
Divulgação JOÃO PONTESPatrocínio SHELLRealização CASA DA GÁVEA
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 10/121
Uma verdadeira Pérola
O teatro é, paradoxalmente, a arte da mentira. Inventam-se
tramas para contar histórias que se pareçam com a vida, mas que
não são a própria vida. A simulação do que se vive ganha no palco
a dimensão da realidade, quanto maior for a capacidade do teatro
de se fazer arte. Pérola, a peça de Mauro Rasi, trata de maneira
crepuscular do modo de vida de uma família do interior paulista
que parece ser de ficção — afinal este modo de vida não passa de
uma interminável forma de recriar a vida —, mas que na verdade,
se sabe, é o universo familiar do autor. Não importa que Pérola,
Vado, Emílio sejam mãe, pai ou filho da família Rasi. Cada um,
verdadeiramente, é personagem de um teatro doméstico que foi
sendo encenado ao longo de suas existências. A arte da mentiraestá em retirar esses personagens tão cheios de vida da sua rotina
delirante e trazê-los para os olhos do espectador de teatro como
uma forma de partilhar, de lembrar que os pequenos sentimentos
são aqueles que nos chegam individualmente. A universalidade
desta família do interior do Brasil alcança os que, da solidão de
suas emoções banais, conhecem os sentimentos que chegam da
cozinha. Pérola finge que é uma invenção, mas se apropria da
memória familiar coletiva para deixar que as lembranças sejam o
material essencial de um teatro confessional sem mentiras.
Em Pérola, Mauro Rasi volta-se para essa mãe onipresente
no sobradinho de Bauru, que toma conta das vidas que a cercam
de uma forma muito peculiar. Uma garagem é mais do que um
símbolo de status, é a própria vitória sobre as frustrações. Apiscina, uma fantasia que realiza a Ester Williams interiorana. A
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 11/121
bebida, o prazer que disfarça a consciência. A estrela do lar, para
quem Mauro Rasi criou um ritual de adeus numa vã tentativa de
se separar dela, e ao lado de quem empreendeu uma viagem a
Forli, à procura das origens, agora ganhou o seu réquiem. A morteé que desenha o perfil de Pérola, e o narrador, que antes se
chamava Juliano, agora ganha o nome de Emílio e conduz o
espectador pelos seus afetos. Este alter ego de Mauro Rasi tem o
humor de quem olha para aquele mundo com o sorriso triste da
separação, mas ao mesmo tempo com a melancolia do passado.
Pérola, uma comédia crepuscular, em que o humor às vezes
delirante se junta a um melodrama suburbano, provoca um efeito
de reconhecimento que pode ser resumido na frase tantas vezes
ouvida de quem assistiu à montagem apresentada no Teatro
Leblon, no Rio de Janeiro: “Igualzinho à minha família.” Mais uma
prova de que a mentira do teatro é tão mais verdadeira quando
sabe extrair do real a sua substância ficcional. Os diálogos
remetem às lembranças familiares do espectador, retrabalhadascom humor — em alguns momentos de uma grande crueldade — e
emoção — como num melodrama outonal.
Pérola toca na vida todo o tempo, mas não se pode esquecer
que a peça tem na sua gênese a morte. O fim desta mãe teatral,
que faz o mundo a seu modo, é também o fim de um tempo (o
amadurecimento do autor). Mas como Mauro Rasi sabe tão bem
que o teatro é um fingimento — tal qual os papéis que cada um
assume na vida —, ele sabe brincar com a verdade da dor. Pérola,
a personagem, escolheu o seu papel na vida e o viveu até o fim.
Mauro Rasi mostra na vida e no teatro o fascínio que esta escolha
exerceu sobre ele.
Macksen Luiz
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 12/121
Um sobradinho espremido à esquerda por duos velhas
casinhas geminados, e à direita pela casa vizinha, de
onde brota um enorme abacateiro. Este sobrado,
construído em terreno estreito e de pouca frente, tem a
forma de um funil, abrindo-se nos fundos para um
magnífico quintal onde está instalada uma moderna
piscina. É o espaço nobre da residência, onde ela
respira. Tudo nesta casa gira em torno do quintal e da piscina.
CENA 1 — Época atual
Emílio acende uma vela. Está vestido como quem está chegando
— ou partindo.
EMÍLIO — (AO PÚBLICO) Mamãe morreu. Seu enterro foi ontem.
Esta é a primeira manhã sem ela. (COMEÇA A
AMANHECER)
VADO — (DE PIJAMA, COM UMA XÍCARA NA MÃO) Tô tão
acostumado a fazer o café e levar pra sua mãe na cama...
Não sei como vou fazer sem aquela baixinha...
EMÍLIO — Todo dia ele acordava cedinho, fazia o café, pegava uma
flor e levava pra ela. Mesmo que estivesse acordada, ela
fingia que estava dormindo. Ele assoviava.
VADO — (OFF — ASSOVIA) Benhê... Cafezinho.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 13/121
EMÍLIO — Do meu quarto eu ficava ouvindo.
PÉROLA — (OFF) Oh, benhê, você me acordou! Eu tava dormindotão gostoso...
EMÍLIO — Diariamente essa cena se repetia; sempre com o mesmo
texto.
PÉROLA — (OFF) Oh, benhê, eu tava dormindo tão gostoso!...
EMÍLIO — A única vez que ele não fazia o café era no dia do seu
aniversário. Nesse dia quem fazia era ela. Ele então ficava
na cama fingindo que dormia. Ela descia, fazia o café,
subia e passava pelo nosso quarto.
PÉROLA — (OFF) Emílio, Elisa, vêm cantar Parabéns pro seu pai.
EMÍLIO — Eu e minha irmã pegávamos os presentes e íamos
“acordá-lo”.
OS DOIS — (OFF) “Parabéns pra você, nesta data querida, muitas
felicidades, muitos anos de vida.” Viva o papai!
VADO — (OFF) Oh... mas que surpresa!
ELISA — (OFF) Esse é o meu.
EMÍLIO — (OFF) Esse é o meu.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 14/121
PÉROLA — (OFF) E esse é o meu.
OBS.: A AÇÃO DESTA PEÇA DESENVOLVE-SE NO
INSTANTE EM QUE EMÍLIO, APÓS O ENTERRO DAMÃE. LEMBRA MOMENTOS DE SUA VIDA E TENTA
RESGATÁ-LOS. EMÍLIO TRANSITA PELA PRÓPRIA
MEMÓRIA COM TOTAL LIBERDADE DE TEMPO E
ESPAÇO, OBRIGANDO A AÇÃO ORA A RECUAR, ORA A
AVANÇAR.
MUITOS ANOS ATRÁS...
(PÉROLA ABRE AS JANELAS, DEIXANDO ENTRAR A
LUZ DO DIA. FICA PARADA, IMÓVEL NA CONTRALUZ)
EMÍLIO — Nossa casa! Que mamãe chamava de chalé ou bangalô,
é na verdade... (NORMA SURGE NUMA CADEIRA DERODAS)
NORMA — (CORTANDO)... um sobradinho sem estilo definido,
onde nada combina com nada: pedra-portuguesa, pedra
são-tomé, azulejos, pastilhas, cerâmicas, lajotas! Tem de
tudo. Parece uma exposição de material de construção.
(NORMA É VÍTIMA DE FORTE ENXAQUECA; TEM
FOTOFOBIA, A LUZ INCOMODA-A PROFUNDAMENTE.
USA ÓCULOS ESCUROS)
EMÍLIO — Tia Norma!
NORMA — A Lola me trouxe de carro, não quis entrar porque não
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 15/121
se dá com a sua mãe. Mandou um abraço, um beijo pra
você... (BAIXO, PARA PÉROLA NÃO OUVIR) Falou pra
você ir lá visitar ela. Que ela não pode vir aqui te ver...
(OLHA DE SOSLAIO PARA PÉROLA, QUE SEMOVIMENTA)
PÉROLA — Suas tias têm um ciúme de mim; não se conformam
que eu tenha uma bela casa, um marido bom que me dá
de tudo, que me adora.
NORMA — Essa enxaqueca tá me matando. A luz me incomoda
tanto! Ontem eu tive que amarrar a cabeça. Não sei mais
o que fazer da minha vida, viu? Tem horas que tenho
vontade de explodir.
PÉROLA — Chá de picão é bom.
NORMA — Ih, já tomei tanto picão, casca de abacaxi... (OUVE-SE
GEMIDO DA VELHA) A mamãe não melhorou?
PÉROLA — Tava boa; é só chegar visita que começa a gemer, pra
chamar atenção. (GRITA) Pára de gemer, mamãe! Ela já
vai. (RESMUNGA) Vocês são umas belas de umas
comodistas, isso sim; jogaram a mamãe pra cima de
mim.
NORMA — (INDIGNADA) Pérola, como é que você tem coragem de
falar uma coisa dessas?
PÉROLA — Só gostam de fazer farol; na hora de cuidar de gente
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 16/121
velha, todo mundo foge.
NORMA — Acha que eu tenho condições de cuidar da mamãe
nesse estado? Nem a Lola, coitada, tá lá doida com osexames do Galvãozinho; tão até comendo de pensão que
ela não tem tempo nem pra respirar. A Wanda mora em
São Paulo; a Irene com aquele menino que tá cada vez
mais levado, tá deixando ela louca — pois não é que eles
foram viajar e o menino não me guarda o gato dentro da
geladeira? Disse que era pra conservar, pra não estragar
o gato. Ficaram quinze dias fora quando voltaram, a Irene
abre a geladeira... E agora ainda a Marisa vai casar! Com
quem que a mamãe vai ficar? Só pode ser com você,
Pérola, que mora aqui do lado.
PÉROLA — O abacaxi sempre acaba na minha mão.
VADO — Pérola, viu o saca-rolha?
PÉROLA — Tá na segunda gaveta.
VADO — Cadê o de peixinho?
PÉROLA — Tá aí, Vado. Você nunca acha nada. Cuidado que caju
mancha.
NORMA — (A VELHA GEME) Tô indo, mamãe.
VADO — Quer tomar uma bomba, Norma? Essa é especial, de
caju.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 17/121
NORMA — Não, Vado, obrigada. Não posso beber nada que tô
tomando um remédio que tô urinando pouco. O dr.
Henrique pediu pra eu medir quanto eu urinava, me deuuma garrafa enorme, eu urinei uma xicrinha de café.
PÉROLA — Eu quero, benhê; vê uma de maracujá pra mim. Com
só um pouquinho de vermute. Pouquinho, benhê;
pouquinho. Senão não tempero os bifes.
EMÍLIO — A hora do aperitivo, que antecedia o almoço, era o
momento mais esperado do dia. Era a hora em que papai
brilhava!
VADO — (MODESTO) Tenho trinta e cinco tipos de aperitivos.
(EMÍLIO EMPURRA A CADEIRA DE NORMA PARA PERTODO BAR)
EMÍLIO — A família toda ia chegando...
NORMA — Trinta e cinco!? Vado!!!
VADO — Faço de banana, laranja, maçã, groselha... agora pitanga
aí tá dando, já tô com um litro pronto. Agora, se você
quiser fazer um aperitivo gostosinho, simples, compra
bala Pipper...
NORMA — Bala Pipper?!
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 18/121
VADO — ...põe mais ou menos quinze balas dentro de um litro e
você faz uma pinga de hortelã que o cara se baba todo. É
só a bala e a pinga. Aqui a primeira coisa que o pessoal
faz quando chega é vir no meu barzinho tomar uma balaPipper... Agora, eu faço uma pinga calmante! De erva-
cidreira, que, minha nossa senhora! Na hora de dormir
você toma um calicezinho, você dorme feito tijolo.
NORMA — Eu vou experimentar um pouquinho dessa pinga
calmante... que eu ando num estado de nervos...
PÉROLA — Ah! Experimenta, Norma; é uma beleza! Acalma! Eu
nem posso tomar que depois não faço mais nada.
NORMA — (ACENDE UM CIGARRO E PEDE PARA ELISA, QUE
BRINCA COM A BONECA) Vê um cinzeiro pra titia, vê.
Como ela tá moça, não, Pérola? Como ela cresceu!
VADO — Vai um amendoinzinho aí? Acabei de torrar.
NORMA — Não, Vado, obrigada. Não posso comer amendoim que
tem muito óleo...
PÉROLA — Elisa, tira esse cachorro da cozinha. Lugar de cachorro
é no quintal.
(NORMA SE ASSUSTA COM O CACHORRO)
NORMA — Tenho medo, Pérola, que ele me avance...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 19/121
VADO — Sai, Bolinha.
ELISA — Vem, Bolinha!
PÉROLA — Não viu um cinzeiro pra sua tia?
EMÍLIO — Todos falando ao mesmo tempo... da esquina a gente já
podia ouvir os gritos.
PÉROLA — (CANTAROLA, FRITANDO OS BIFES) Luna que te
quieeero...
NORMA — Chega, Vado! Chega!
VADO — O dr. Henrique diz que faz bem...
PÉROLA — Se o dr. Henrique disse... me vê mais um, benhê.
VADO — Não quer um veneninho, não, filho?
PÉROLA — Não dá aperitivo pra ele que ele fica bêbado e dá show.
EMÍLIO — Ela morre de medo que eu volte a beber. Fui alcoólatra-
mirim. Aos treze anos já era viciado em conhaque...
(ENGOLE O APERITIVO E FICA INSTANTANEAMENTE
BÊBADO)
PÉROLA — Pronto. Já vai dar espetáculo.
(EMÍLIO, BÊBADO, AGARRA A BONECA COM QUE A
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 20/121
IRMÃ ESTÁ BRINCANDO)
ELISA — Larga! Larga ela!
PÉROLA — Que é que você vai fazer com a boneca da sua irmã?
Já destruiu a Laura, destruiu a Cristina e agora quer
destruir a Kátia também?
VADO — Mas, viu, Norma...
EMÍLIO — Vou fazer um penteado nela...
VADO — Tem que usar pinga da boa...
ELISA — Não vai fazer penteado, não. Mãe!
VADO — Das engarrafadas a melhor é a Pitu...
PÉROLA — Vado, ele pegou a boneca da menina.
VADO — ...Pirassununga... (GRITA) Larga a boneca da sua irmã!
Seu palhaço!
PÉROLA — Em vez de namorar, sair com as moças, fica enfurnado
dentro de casa, me provocando...
EMÍLIO — Eu era um demônio! (AGARRA A IRMÃ E BEIJA-A NA
BOCA)
ELISA — (GRITA) Pai!
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 21/121
VADO — Solta a sua irmã. Tá querendo levar uma surra?
PÉROLA — Começou! Tava demorando. Tava demorando...
EMÍLIO — Cê tá com um bafo!
PÉROLA — Não sabe beber.
EMÍLIO — Ela era a “linda” da família.
VADO — Olha, não é porque é minha filha, não, mas vocês já
viram coisa mais bonita?
ELISA — Pára, pai. Pára.
VADO — Boneca do papai!
NORMA — Ela é a cópia da sua mãe.
EMÍLIO — Já eu puxo de você, papai. Por isso que sou feio... que
raiva, viu! (CHORA)
VADO — “A beleza masculina, não é o físico que ostenta/ no
homem, o que fascina, é o caráter que apresenta.”
NORMA — Homem não tem que ser bonito; mulher, sim.
PÉROLA — Esse aí tem um ciúme da irmã!
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 22/121
EMÍLIO — (A SI MESMO) Ela não sabe nada sobre mim, e eu não
sei nada sobre ela. Será que isso é que é ser irmão?
NORMA — Que que você está falando, Emílio? A titia não táentendendo...
VADO — (A NORMA) Mas, viu Norma, o segredo de tudo é a pinga
boa. Tem que ser de engenho, que essas engarrafadas
eles põem muito produto químico pra... (EMÍLIO AFASTA
A CADEIRA DE NORMA, DEIXANDO O PAI FALANDO
SOZINHO. A LUZ CAI NA COZINHA)
EMÍLIO — Mas nos últimos tempos a cozinha foi ficando vazia,
ninguém mais aparecia pra tomar aperitivo.
VADO — Parece até que a gente tá com lepra...
EMÍLIO — Mas quando chego para visitá-los, é aquela festa. (A
LUZ RETORNA)
PÉROLA — EMÍLIO! Ohhhh! Meu filho! (GRITA) Vado! (VADO NÃO
OUVE) Vado! Seu filho tá aqui.
VADO — Oh, seu malandrão! Lembrou da gente, hein! (ABRAÇOS
E BEIJOS. VÃO CADA UM PRUM CANTO)
EMÍLIO — Cinco minutos depois já se acostumaram e nem
prestam mais atenção. Fico vagando pela casa, feito alma
penada, esbarrando nos fantasmas do passado — que
estão por toda parte.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 23/121
VADO — Você critica muito a gente, filho. Relaxa.
EMÍLIO — É que tenho tanto medo de apertar um botão e voltarao passado. Já pensou, recomeçar tudo outra vez? (VADO
PEGA UMA LATA DE QUEROSENE)
PÉROLA — Vado... (PREOCUPADA) Oh, meu Deus, seu pai...
EMÍLIO — Papai se aposentou; quer dizer, fica em casa, de
pijama, matando formiga.
PÉROLA — Precisa ver que susto ele me pregou ontem: quase pôs
fogo na casa. Foi tacar querosene nas formigas, quando
eu vi já tavam aquelas labaredas; eu gritei Vado! Pelo
amor de Deus, tá pegando fogo! Mas ele não ouve...
Quase que queima tudo. (VADO PEGA O JORNAL E VAISENTAR-SE COM PÉROLA PARA VER TV)
EMÍLIO — Elisa, a geladeira está vazia; os armários estão vazios.
Só tem latas de cerveja. Olha esse copo como está
engordurado. Que aconteceu?
ELISA — Ela não cozinha mais; não lava mais um prato. Diz que
ninguém dá valor... Não saem mais de casa, não recebem
visitas, nada. Vou esquentar a marmita, tá, mamãe?
(PÉROLA E VADO ENVELHECEM. A DECADÊNCIA
COMO QUE TOMA CONTA DA CASA. MUDANÇA DE
LUZ)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 24/121
NORMA — Eu vim aqui uma vez, a Lola me trouxe, que a gente
tava aqui do lado, que eu vim no Dr. Henrique, que eu
não ando boa, sabe; a Lola também não tá boa, coitada.Só sei que tocamos, tocamos, eu ainda gritei: (VADO
LIGA A TV, ALTÍSSIMA, E INSTALA-SE NO SOFÁ.
NORMA GRITA) Pérola! Vado! E eu sei que eles estavam
aí porque o carro tava na garage! Deviam estar vendo
televisão.
(DURANTE A FALA DE NORMA, EMÍLIO TEN-TA LIGAR
PARA OS PAIS. O TELEFONE TOCA, TOCA... ELES
ESTÃO DORMINDO DIANTE DA TV. PÉROLA ACORDA)
PÉROLA — Vado, atende, é o telefone.
VADO — Alô.
EMÍLIO — Oi, pai.
VADO — Oi, filho...
PÉROLA — (RESMUNGA, FAZENDO SINAL QUE NÃO VAI
ATENDER) Tanta hora pra ligar... tem que ligar bem na
hora da novela?
VADO — Sua mãe pegou num sono! Tá aqui do meu lado,
dormindo tão gostoso... Tá tudo bem aí, filho?
EMÍLIO — Tá tudo bem.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 25/121
VADO — Então um beijo, filho. (DESLIGA E ENROSCA-SE COM
PÉROLA PARA ASSISTIR TV)
EMÍLIO — ...Alô! Pai! Pai!? (REPÕE O TELEFONE NO GANCHO)
Não fazem mais nada além de passar o dia inteiro
grudados diante da TV. Assistem tudo: desenho animado,
novela das sete, novela das oito, Tela Quente, Sessão de
Gala, Corujão, tudo! Até aqueles filmes de Kung-fu. E o
som num volume altíssimo, porque papai é meio surdo...
PÉROLA — Não quer usar aparelho. Eu já falei; sua irmã já
falou...
ELISA — Papai, por que você não usa aparelho? Tem aqueles
pequenininhos que a gente nem nota.
VADO — (OFENDIDO) Não adianta; eu não quero. Não vou usar
aparelho. Cuidem da vida de vocês e me deixem em paz.
(VOLTA-SE PARA A TV E DORME)
PÉROLA — O telefone toca, ele não ouve; daí ele cisma que o
telefone tocou, vai lá e atende.
VADO — Alô! Alô!
ELISA — Papai, não tocou.
PÉROLA — Vado... Desliga.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 26/121
VADO — Mas eu ouvi.
(PÉROLA SUSPIRA)
PÉROLA — Quando o telefone toca ele não ouve; quando não toca
ele atende. Ele vai me deixar louca! (TORNAM A DORMIR
DIANTE DA TV)
EMÍLIO — Eles assistem televisão pra dormir. Mas se a gente
tenta desligar... (TENTA DESLIGAR A TV. PÉROLA ABRE
O OLHO)
PÉROLA — Que que cê tá fazendo?
EMÍLIO — Mas vocês não estão dormindo?
VADO — Não; nós estamos assistindo. Deixa aí.
PÉROLA — Deixa alto que seu pai não ouve. (TORNAM A DORMIR.
A TV SAI DO AR, FICA AQUELE SOM DE FORA DO AR)
EMÍLIO — E quando eles iam me visitar no Rio de Janeiro? Meu
apartamento é pequeno, eles faziam uma bagunça! Papai
lia os jornais e deixava tudo jogado em cima do sofá. Eu
tenho um sofá branco, um dia imprimiu o jornal. Mamãe
leu que não sei quem tinha...
PÉROLA — Morreu, Vado. Tá escrito aqui no sofá.
EMÍLIO — Ficava tão preocupado quando eles saíam e demoravam
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 27/121
a chegar. Saiam pra ir pro Rio Sul, que eles adoram o Rio
Sul!, às sete horas da manhã. Falei, o shopping só abre
às dez!
VADO — A gente dá um rolé por lá...
EMÍLIO — (NERVOSO) Diz que vão dar um “rolé”.
PÉROLA — Vamos, Vado, a gente toma um cafezinho na rua, vê as
vitrines...
EMÍLIO — Que vitrine, que tá tudo fechado. Vocês vão ser é
assaltados, isso sim, vão ser mortos!
VADO — Que é isso, filho! Esta é a “cidade maravilhosa, cheia de
encantos mil, cantada em verso e prosa, orgulho do meu
Brasil”!
EMÍLIO — Não vem com as suas trovinhas, não. Vai, tira esse
relógio! (TIRA O RELÓGIO DO PAI ENQUANTO ESTE
RECITA SUA TROVINHA) Pelo amor de Deus, cuidado pra
atravessar a rua, olha bem dos lados...
VADO — “Ipanema, Copacabana, Méier e Leblon, paisagem tão
bacana de um tempo que era bom.”
PÉROLA — É o seu pai, né? Eu digo pra ele: Vado, tem que olhar.
Mas ele não olha.
VADO — (CONTINUANDO, INDIFERENTE) “E o Cristo Redentor,
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 28/121
no alto do Corcovado, como santo protetor deste Rio
abençoado, lindo cartão-postal daquele tempo tão feliz...”
EMÍLIO — Aqui é um perigo!
VADO — (COMPLETANDO A TROVINHA)... “hoje, cidade mortal
envergonhando o país!”
EMÍLIO — Vocês vão ser atropelados!
VADO — Calma, filho. Cadê o meu relógio? Quer alguma coisa de
lá?
EMÍLIO — Não, não quero nada, não. Tá com o telefone aí anotado
na carteira? (VADO FINGE QUE OUVE MAS NÃO OUVE)
PÉROLA — (ALTO) Pôs o telefone anotado na carteira? (MAISALTO) O telefone aqui do Emílio!
VADO — Eu sei de cor. É 327...
EMÍLIO — Que 327...
VADO — Ué, não é 327? Eu sempre ligo 327...
PÉROLA — Que 327, Vado! Emílio, que número é aqui? Não é 2-3-
5...
EMÍLIO — 2-7-4...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 29/121
PÉROLA — É 3-7-4...
VADO — Não foi o que eu disse? 374...
PÉROLA — Não, você disse que era...
EMÍLIO — Chega! (ANOTA) Toma. Enfia no bolso.
PÉROLA — Não põe no bolsinho, não, Vado, que você vai tirar o
lenço e deixa cair. Põe no bolsão. Isso. Pegou a carteira?
(OLHA PARA EMÍLIO E FAZ CARA DE QUEM TEM QUE
VIGIAR O MARIDO) Seu pai é uma criança grande.
EMÍLIO — Se acontecer qualquer coisa liga pra cá, imediatamente,
hein.
PÉROLA — Oh, até parece que a gente vai pra Europa. (SAEM)
EMÍLIO — Enquanto eles não chegam eu não consigo fazer nada.
Fico andando pra lá e pra cá, ao lado do telefone,
esperando uma chamada do Instituto Médico-Legal, do...
(ELES CHEGAM, FELIZES, CHEIOS DE PACOTES)
OS DOIS — (VADO ASSOVIA) EMÍLIO, filho, u-u... chegamos!
PÉROLA — Oh, tô morta. Seu pai fez eu andai pra chuchu.
VADO — (FELIZ DA VIDA) Peguei a baixinha aí, batemos aquele
shopping inteiro! Ha-ha! Vai querer alguma coisa, benhê?
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 30/121
PÉROLA — Um camparizinho. (AO FILHO) Precisa ver,
encontramos um senhor tão educado.
EMÍLIO — E ainda faziam amizade!
PÉROLA — ...ele e a mulher, nos deu o endereço, moram no
Flamengo, né, benhê? Falou pra da próxima vez que
viermos (EMÍLIO BATE NA MADEIRA, ISOLANDO,
DISCRETAMENTE) irmos lá fazer uma visita. Precisa ver
que gente boa.
VADO — Tomamos um chops!
PÉROLA — Tava uma delícia aquele chops, né, Vado? Era da
Antártica ou da Brahma?
EMÍLIO — E o dia que disseram que queriam conhecer a Rocinha?
PÉROLA — A gente ouve tanto falar...
VADO — Qual o ônibus que vai até lá, na Rocinha?
EMÍLIO — E de ônibus, ainda! Eu ficava tão tenso, mas tão tenso
que as sobrancelhas chegavam a grudar. Não via a hora
deles irem embora.
(PÉROLA ARRUMA AS MALAS) Ué, já vão? Não querem
ficar mais uns dias?
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 31/121
PÉROLA — Não podemos ficar; seu pai tem compromissos...
EMÍLIO — Quando eles finalmente iam embora, ohhhhhh! eu tava
um caco! A última vez que eu fui buscá-los, peguei amala, falei, nossa como tá pesada, que é que vocês
puseram aí dentro?
PÉROLA — É o terno do seu pai.
EMÍLIO — Mas esse terno é de quê? Só porque eu pedi pra que
viessem mais bem-vestidos, que nos últimos tempos eles
já não estavam mais ligando pra nada...
PÉROLA — Vado... você pôs um sapato marrom e outro preto! Seu
pai tá com a cabeça... (VADO FAZ CARA DE
INDIFERENTE. ELA PROTESTA FRACAMENTE E LOGO
ESQUECE)
ELISA — Outro dia ela foi tirar o lixo, tava tão malvestida, de
short, camiseta, ela não faz mais o cabelo, as unhas...
EMÍLIO — (À MÃE) Mãe, você era tão vaidosa! (ELA OLHA PARA
ELE COMO SE DISSESSE “ISSO NÃO IMPORTA MAIS”)
ELISA — (CONT.) ...aí bateram no portão e perguntaram pra ela: a
patroa está?
PÉROLA — (RESPONDE) Não, não tem ninguém. Só tem eu.
EMÍLIO — Mas por que ela ficou assim?
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 32/121
ELISA — Disse que nunca mais vai perdoar a tia Lola, nem a tia
Wanda, nem a tia Norma...
DANILO — (LENDO UM JORNAL EVANGÉLICO) Ela não consegue
esquecer, belo, só pensa nisso.
EMÍLIO — “Belo”?!
ELISA — É o Danilo que tá aqui, falando.
DANILO — Virou uma idéia fixa, “belo”.
ELISA — E arrastou o papai junto. Anda num pessimismo...
DANILO — (PEDE O TELEFONE PRA ELA) Dá aqui. (ELA DÁ ELE
FALA) Tá duro de agüentar o velho, viu, belo. Tem horasque... (DEVOLVE O TELEFONE E VOLTA A LER O
JORNAL)
ELISA — Só fala em desgraça, reclama de tudo, nada pra ele dá
certo...
EMÍLIO — Ela continua bebendo?
DANILO — Sempre com o copinho na mão, viu, belo.
ELISA — O médico falou que ela tem que parar com esses
aperitivos.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 33/121
DANILO — (PEGA O TELEFONE) É o dia todo! É o dia todo com o
copo na mão. E de noite ela ainda toma uísque, antes de
dormir.
ELISA — Disse que o dr. Henrique mandou, que é bom pra
pressão... e ela é diabética, né? Olha, você tá aí longe,
mas o que estamos agüentando, eu e o Danilo...
DANILO — (PEGA O TELEFONE E DIZ, GRAVEMENTE) Tô falando
sério agora, belo, estamos esperando um desenlace a
qualquer momento. É bom você ficar preparado pra vir
pra cá. Só não sei quem vai primeiro, se é ele ou ela. Ou
se vão os dois juntos. (ELISA OLHA PARA O MARIDO COM
CARA DE CENSURA LOGO ABRANDADA)
(A LUZ INDICA UMA MUDANÇA NO TEMPO E PÉROLA
VOLTA A FRITAR OS BIFES, REJUVENESCIDA)
PÉROLA — (CANTA) “Ao sair do avião...”
EMÍLIO — (CORRIGE) Que “sair do avião”, mãe. É “açaí guardiã”...
açaí é uma fruta.
PÉROLA — Que fruta o quê. Quer deixar eu cantar do meu jeito?
(CANTA) “Ao sair do avião... às três da manhã...”
NORMA — O pessoal parou de vir aqui tomar aperitivo porque a
sua mãe briga com todo mundo; brigou com a Lola,
brigou com a Wanda, brigou com a Irene, brigou com a...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 34/121
PÉROLA — Não gosto de gente falsa, que na frente é uma coisa,
depois por trás...
NORMA — Só não briga comigo porque eu não ligo, entra por umouvido, sai pelo outro.
PÉROLA — Vocês têm um ciúme de mim, desde pequena!
NORMA — A Pérola se sente injustiçada... O que foi que nós te
fizemos? Vai, desabafa!
PÉROLA — Vocês pisavam em cima de mim, judiavam de mim
porque eu era a caçula. Não saíam lá do Grêmio, iam no
baile com a mamãe; e a mamãe fazia eu ficar em casa,
cuidando do papai que tava doente, coitado, que quando
ele morreu eu tive que sair correndo pra chamar elas lá
no baile que elas tavam tudo lá pulando carnaval.(CHORA) Papai morreu sozinho, nos meus braços.
Também não via hora, quando casei que fomos morar em
Tupã, só eu e o Vado... foram os melhores anos da minha
vida. Por mim eu teria ficado em Tupã, mas o Vado quis
voltar pra cá... porque não queria ficar longe dos
irmãozinhos dele. Por que o teu pai não pensa na família
dele; só pensa na dos outros...
VADO — Que é que eu posso fazer? Puxei do seu avô: sou um
idealista.
PÉROLA — “Idealista”, o que é que os outros te deram?
Uma banana, que hoje estão tudo aí, ricos, milionários,
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 35/121
passam pela gente e nem cumprimentam.
(EMÍLIO TENTA ACALMAR A MÃE)
(NORMA PEDE LICENÇA E SAI)
VADO — (EXALTADO, DISPARA A FALAR) Seu pai podia ter ficado
rico, milionário, porque o que recebi de proposta pra...
mas eu nunca me vendi! Que que cê quer que eu faça?
Fui educado assim, pelo seu avô. Seu avô tinha caráter,
tinha fibra.
PÉROLA — Se não fosse eu segurar um pouquinho hoje não
teríamos nada.
VADO — Seu avô nunca se curvou pra homem nenhum. Ele dizia:
“Só me curvo diante de Deus e da minha mãe!”
EMÍLIO — Esse “diante de Deus” deve ser criação póstuma, né,pai, porque... o vovô não era comunista?
VADO — Seu avô não era comunista, ele era...
PÉROLA — Comunista!!! Seu pai era comunista!!!
EMÍLIO — (AO PÚBLICO) Tenho um tio chamado Lenin. Que eles
chamam de “Lenin”.
VADO — Isso é coisa dos fascistas aqui de Bauru, que a italianada
aqui era tudo fascista, marchavam aí na rua Batista
cantando, la Giovinezza...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 36/121
EMÍLIO — (AO PÚBLICO) Era o hino dos fascistas.
VADO — E o papai tinha um retrato do Matteotti...
EMÍLIO — (AO PÚBLICO) Deputado socialista assassinado pelo
Mussolini.
VADO — (IRRITADO COM AS INTERVENÇÕES) Posso continuar?
Mas que coisa, eu nunca posso falar...
PÉROLA — (AO FILHO) Deixa ele contar senão... 42
EMÍLIO — É que eu já sei essa história de cor.
(PÉROLA SUSPIRA)
PÉROLA — E eu, que ouço isso desde que me casei!
VADO — Mas viu, filho, o retrato do Matteotti ficava pendurado na
parede da sala... e ele, então, deixava a janela aberta que
era pra provocar os camisas-pretas, que queriam
empurrar o Getúlio pra apoiar a Alemanha na guerra. Ih,
os fascistas ficavam!... eles passavam cantando Faccetta
nera, bell ’ Abissina, aspetta e spera che già l ’ ora
s ’ avvicina... Paravam lá na frente da oficina e gritavam:
Viva l’Italia, il Duce e Giovinezza! Daí tinha que segurar o
seu avô, que ele queria ir lá fora, tomar satisfação,
passava a mão numa chave-inglesa... Aí tinha que pular
um no pescoço, outro segurava a perna, sua avó fechava
a porta da oficina, senão não tinha jeito. Tinha que
prender ele lá dentro; que seu avô era alto, forte,
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 37/121
musculoso, tinha um queixo largo, as feições viris...
EMÍLIO — (AO PÚBLICO) Um operário visto pelo realismo
socialista!
VADO — Ih, o que eles infernizaram a vida do papai; eles queriam
dar um jeito de mandar o papai de volta pra Itália, e se
ele fosse ele seria fuzilado. Armavam todo tipo de
armadilha pra comprometer o papai. A polícia do Getúlio
vivia prendendo ele; ele, então, descia a rua Batista a pé,
até a cadeia, cumprimentando todo mundo, de chapéu,
cabeça erguida, levando o colchão e a escova de dentes.
Mas não arredava pé. Um dia o cônsul da Itália veio aqui
pra Bauru...
EMÍLIO — (BAIXO, PRA MÃE) Essa história já não foi mais curta,
não?
PÉROLA — Que que eu posso fazer? Ele vai aumentando,
aumentando...
VADO — ...aí todo mundo só queria saber qual seria a reação do
papai. Foram lá falar com ele pra ele receber o cônsul,
mas ele disse que não, era irredutível, com fascista ele
não queria nada. Daí o cônsul veio, teve uma recepção lá
na Sociedade Italiana, a colônia tava toda lá, menos o
papai. Papai não punha os pés na Sociedade Italiana, que
era tudo fascista. No dia seguinte, depois da festa, o
cônsul apareceu lá na loja. Estendeu a mão pra
cumprimentar o papai e o papai nada, e o cônsul lá, com
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 38/121
a mão estendida. E papai nada. E o cônsul lá...
PÉROLA — Ai, Vado, isso já tá uma angústia! Daqui a pouco vou
lá eu, cumprimentar esse cônsul.
VADO — E todo mundo lá querendo pôr pano quente, a turma do
deixa-disso, mas papai disse que não, que de um esbirro
do Mussolini ele não apertava a mão. E não teve jeito.
Que o teu avô quando punha uma coisa na cabeça...
EMÍLIO — Falta muito ainda?
PÉROLA — Vai logo, Vado; termina logo essa história que o
menino tem que voltar pro Rio.
VADO — Daí, ele chamou o papai num canto, ele era um
diplomata, né, um homem inteligente, e disse: “E de umitaliano, simplesmente, você aperta a mão?” — disse isso
pro papai: “De um italiano você aperta a mão?” Aí o papai
disse: “Para um italiano eu estendo a minha mão.” E
apertou a mão do cônsul! (MÃE E FILHO SUSPIRAM DE
ALÍVIO) Mas só assim, viu? Só assim. Esse era o seu avô,
meu filho. Mire-se nele. Orgulhe-se dele. Ele nunca teve
medo de falar a verdade, filho, e nessa terra os homens
que falam a verdade, ó, não têm valor. Não têm valor!
PÉROLA — (EMPURRANDO-O PARA O BAR) Vai, Vado, me vê um
campari.
EMÍLIO — (AO PÚBLICO) Quando meus pais voltaram de Tupã
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 39/121
construíram esta casa, no centro da cidade.
VADO — Tínhamos um terreninho; só quatro metros e meio de
frente. (NORMA ENTRA)
NORMA — Sem frente desvaloriza muito; que que adianta ter
fundo?
PÉROLA — O carro entra assim, ó, raspando.
VADO — É uma ginástica.
PÉROLA — Eu tenho que descer do carro, abrir o portão, entrar
pela porta da frente e correr para abrir a porta da saleta,
que dá pra garage, que é pro Vado poder abrir a porta do
carro e sair. Senão ele fica preso lá dentro.
VADO — Outro dia ela me deixou preso na garage. Eu fiquei
buzinando, buzinando... ela me esqueceu lá dentro; fiquei
uma hora dentro do carro.
PÉROLA — Esqueci nada! Eu tava apertada, tava com a bexiga
estourando... tive que correr pro banheiro.
VADO — Uma hora! Uma hora!
NORMA — Olha que chique, o carro deixa vocês dentro de casa!
PÉROLA — E quando chove? Eu fico en-so-pa-da!!!
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 40/121
EMÍLIO — (AO PÚBLICO) Com a morte do meu avô, houve a
divisão, e mamãe preferiu ficar com os fundos, abrindo
mão do direito às duas casinhas aqui do lado, que agora
são das minhas tias.
PÉROLA — Vou comprar essas duas casinhas, pôr elas abaixo e
ficar com... (SONHADORA) quatorze metros de frente! Já
pensou, que fachada!
EMÍLIO — Desde que me entendo por gente que ouço ela dizer que
vai comprar essas duas casinhas.
PÉROLA — Dá até um pouquinho mais; quase quinze, né, Vado?
Já tô com a planta pronta. Precisa ver que maravilha! Só
assim vou poder ter uma garage decente; Quero deixar
pra vocês, meus filhos; esta casa será a minha herança!
Também é a única coisa que eu vou deixar; que dinheiroeu não vou deixar. Vão trabalhar, eu trabalhei...
NORMA — (SUSPIRA) É, papai foi dono do quarteirão todo; mas foi
vendendo, vendendo, olha aí o que sobrou, só essas duas
casinhas.
PÉROLA — Tô até oferecendo muito mais do que elas valem. Por
mim eu já teria comprado. O Vado, uma vez, fez uma
oferta, mas a Lola disse que não, que não era direito, que
tem que esperar a mamãe morrer, que é usufruto dela;
imagine se a mamãe for viver com essa porcaria de
aluguel que a inquilina nem paga, tá devendo três
meses... e aqui em casa ela não gasta um centavo. (A
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 41/121
VELHA GEME. PÉROLA GRITA) Pára
de gemer, mamãe, ela já vai.
NORMA — Já vou, mamãe.
PÉROLA — O dr. Henrique já esteve aqui de manhã cedinho, tirou
a pressão dela...
VADO — Ih, quando ela vê o dr. Henrique a velha fica que fica
doida. Toda hora ela me pede: “Vai chamar o dr.
Henrique, Vado, que eu tô morrendo, Vado... depressa
que eu não passo de hoje... tô male, molto male!” Fiteira
que só ela, viu. Daí ele vem: “Que tá morrendo o quê,
dona Chiara... a senhora ainda vai enterrar todos nós...”
PÉROLA — ...disse que ela tá ótima pra idade dela, que quisera ele
ter um coração como o dela.
VADO — (A VELHA GEME. VADO GRITA) Já vou chamar o seu
namorado...
PÉROLA — Vado, não faz isso...
VADO — Você tem de quem puxar, meu filho: sua avó faz um
teatro!
NORMA — Oh, que coração que ele tem — o dr. Henrique é um
santo!
PÉROLA — Tá procurando terreno pra construir uma clínica...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 42/121
mas ele quer aqui no centro. Aqui vai ser difícil
encontrar.
(FALAM SIMULTANEAMENTE UM NÃO OUVINDO O QUEO OUTRO ESTÁ DIZENDO)
PÉROLA — Acha que ele vai encontrar, Vado? Aqui no Centro?
VADO — Aqui no Centro? De jeito nenhum.
NORMA — Começou a me nascer uma pipoquinha, fui lá, ele na
mesma hora me atendeu, fez eu passar... Não quis cobrar.
Eu disse: dr. Henrique, quanto é a consulta? “Ah, deixa,
pra lá, depois a gente acerta...”
PÉROLA — Ih, eu também, quando vou lá ele faz uma festa! O Vado
mandou uma garrafa de pinga pra ele. Nossa, ele ficou tãocontente...
VADO — Dei daquela especial, de fruta-de-conde. Ih, ele adorou!
Quando for época vou fazer uma de moranguinho pra ele.
PÉROLA — Fui lá, né, que a minha vesícula tá me atacando de
novo...
NORMA — A Lola tem vesícula preguiçosa; como a sua.
PÉROLA — Sabe o que ele mandou eu tomar? Cola-Cola! Diz que
Cola-Cola dissolve até prego.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 43/121
NORMA — Dissolve as gorduras...
PÉROLA — Imagine, se fosse outro médico mandava operar, já
queria logo enfiar a faça; que eles adoram operar vesícula.
(A VELHA GEME)
NORMA — Já tô indo, mamãe. Volta pra cama que eu já tô indo.
PÉROLA — A Pautilla esteve aqui, ontem, visitando ela...
NORMA — A Pautilla esteve aqui?
PÉROLA — Tá com o nariz cada vez mais empinado — ô mulher
orgulhosa! Acho que aquela mulher nunca olhou pra
baixo.
(FALAM SIMULTANEAMENTE SOBRE SUAS
RESPECTIVAS ENXAQUECAS)
NORMA — Então ela melhorou, que ela tava que não podia nem
andar, que a enxaqueca dela quando ataca é igual a
minha, tem até que mandar a empregada ficar na rua
pedindo pra não deixar passar carro que ela não pode
ouvir barulho nenhum. É uma coisa horrível!
PÉROLA — E a minha, então? Outro dia me deu uma crise, pensei
até em jogar a cabeça fora; e pra piorar ainda não me
aparece aquele homem que compra garrafas e começa a
gritar no portão: garrafeeeeiro! Quase joguei uma garrafa
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 44/121
na cabeça dele.
PÉROLA — Ela agora cismou de chamar a Pautilla de “Pastilha”.
NORMA — Quem chama de Pastilha?!
PÉROLA — A mamãe! Eu digo, mamãe, pelo amor de Deus, não é
Pastilha; é Pa-u-ti-lla. A Missisa, filha da Ireni, ela não
chama de Mitida?
NORMA — Aquela é metida, mesmo.
PÉROLA — Eu digo: mamãe, não é Mitida, é Mis-si-sa. Sabe o que
ela diz? “Ah, Mitida, Pastilha, é tudo a mesma coisa...
também que nome ela se foi arranjar...”
NORMA — Eu vou lá ver a mamãe, que ainda tenho que passar nolaboratório pra pegar o exame de urina...
PÉROLA — A Pautilla ficou impressionada com o tamanho da
casa. Falou: nossa, mas que mansão que você tem! E
quando ela viu o quintal...
EMÍLIO — A parte mais importante da casa é o quintal, onde foi
construída a piscina, origem de toda a tragédia que veio a
seguir.
NORMA — A piscina de Pérola! (ILUMINA-SE A PISCINA, QUE
EXERCE SOBRE TODOS UMA ESPÉCIE DE
ENCANTAMENTO. NORMA AFASTA-SE, ENTRANDO
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 45/121
PARA VER A MÃE)
EMÍLIO — Tudo em casa girava em torno dela. Hoje está
completamente abandonada; ninguém mais cuida dela.
(EMÍLIO E O PAI PASSEIAM PELO QUINTAL
SEMIDESTRUÍDO. HÁ MUITAS FOLHAS PELO CHÃO.
VADO CATA ALGUMAS FOLHAS. TENTA REPARAR UMA
MESINHA COM CADEIRAS E GUARDA-SOL RASGADO;
HÁ TAMBÉM UMA ESPREGUIÇADEIRA, UM COLCHÃO
INFLÁVEL)
VADO — Furado... (DESANIMADO) Precisa pôr um pouquinho de
cola... (HÁ UM BANCO-BALANÇO COM UMA DAS
CORRENTES PARTIDAS. O CHÃO DE LAJOTAS ESTÁ
CORROÍDO PELO DESCUIDO E PELA EROSÃO) Olha aí,
tudo quebrado! Cheia de folhas... as formigas estãodando cabo de tudo!
EMÍLIO — Aqui tá solto, pai.
VADO — O mato crescendo, a piscina cheia de limo... quem é que
vai limpar tudo isso?
(A CENA RECOBRA A VIDA)
PÉROLA — Aqui não pára empregada. A última que apareceu,
diziam que era ótima, mas, quando ela viu a piscina, saiu
correndo.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 46/121
EMÍLIO — Mas por que será? Será que elas pensam que vão ter
que fazer o serviço a nado?
PÉROLA — Não querem é trabalhar! Pensam que é uma casinhapequena, que não vão ter que fazer nada, mas quando
vêem que é essa mansão, fogem.
(ELISA ARRANHA UMA MÚSICA DO ROBERTO CARLOS
AO VIOLÃO, ERRANDO SEMPRE NO MESMO PONTO)
PÉROLA — Elisa, não tem qualquer coisa errada ai, não? Ih, eu
tenho um ouvido! Lembra quando você estudava piano?
Eu ficava aqui na cozinha só ouvindo...
(O TELEFONE TOCA. ELISA JOGA O VIOLÃO, DÁ UM
PULO E GRITA)
ELISA — Deixa que eu atendo. Eu ateeeeendo!!!
PÉROLA — Nossa! Deixa ela atender.
ELISA — (ATENDE COM VOZ DOCE E SUAVE) Alô... oi... não,
nada... tô estudando violão...
(NORMA SURGE COM UMA COMADRE)
NORMA — Pérola, tem que esvaziar a comadre da mamãe; não
pode deixar cheia desse jeito.
PÉROLA — Oh, meu Deus, eu sou uma só!
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 47/121
NORMA — Tá sem empregada de novo?
PÉROLA — Aqui não pára... Quando elas vêem a piscina... ficamdois, três dias e não aparecem mais.
NORMA — Tem que esconder essa piscina, Pérola, senão você
nunca mais vai ter empregada.
PÉROLA — Vado, você não tá pondo muito cloro nessa piscina,
não? (SAI PARA DESPEJAR A COMADRE)
VADO — (LIMPANDO A PISCINA, DIZ AO FILHO) Uso sulfato de
alumínio de noite. De manhã, todas as impurezas estão
assentadas no fundo da piscina.
NORMA — A mamãe disse que a roupa de cama dela tá suja...
VADO — (CONT.) Todo final de semana, ao anoitecer, eu jogo
sulfato de alumínio, mexo bem a água, né? No dia
seguinte vou encontrar a sujeira toda lá no fundo.
(PASSA A FALAR COM NORMA) Se quiser que a água
fique mais bonita, depois de adicionar o cloro,
dependendo do tamanho da piscina, pode pôr barrilha...
um pozinho branco... a barrilha limpa totalmente a
água... (NORMA COMEÇA A CHORAR)
EMÍLIO — Tia Norma...
NORMA — Não é nada, não; quando me ataca a menopausa, eu
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 48/121
choro à toa...
PÉROLA — (ENTRANDO) Pra mim me dá um calor! (ABRE UM
LEQUE E ABANA-SE) O dr. Henrique diz pra evitaraborrecimento, pra me distrair... Mas como é que eu
posso me distrair com essa piscina?
(BARULHO DE ALGO CAINDO NA ÁGUA)
PÉROLA — Vado! Outro abacate na piscina!
(VADO NÃO ESCUTA. ELA GRITA ESCANDINDO BEM AS
SÍLABAS PRA ELE ENTENDER)
Va-do!! Outro a-ba-ca-te.
VADO — Outro? Caiu? Oh, meu Deus... hoje já é o segundo. O
segundo!
PÉROLA — Tira lá depressa antes que apodreça. Outro dia caiu
um, a gente não viu, apodreceu dentro d’água, fez uma
sujeira... teve que trocar a água toda.
ELISA — (TAPA O BOCAL COM A MÃO E BERRA MAL-
EDUCADAMENTE) Droga! Querem falar baixo, por favor!
EMÍLIO — Nossa! Ela ainda tá no telefone?
ELISA — (TORNA A FALAR DOCEMENTE) Não, benzinho, pode
falar... fala...
PÉROLA — (PEGANDO A BONECA QUE ELISA DEIXOU NO
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 49/121
CHÃO) Olha a Kátia aqui no chão; depois a gente pisa na
Kátia...
NORMA — (BAIXO, A PÉROLA) Tá falando com o namorado?
PÉROLA — (LEVA A BONECA DA FILHA PRO QUARTO) O filho da
Isolda, lá dos Rino, casada com o Arduíno. (NORMA FAZ
CARA DE PREOCUPADA, MAS SORRI PARA ELISA)
NORMA — Tomara que não puxe o pai, que é um sem-vergonha.
(TEM NOVA CRISE DE CHORO POR CAUSA DA
MENOPAUSA) Coitada da Isolda, depois de quarenta
anos de casada descobrir que o marido tinha outra
família: mulher, sogra, filhos...
PÉROLA — A Isolda não quer ver ele nem pintado.
NORMA — Cafajeste! O que me espanta é como é que ele
conseguiu esconder que tinha outra mulher e três filhos
durante todos esses anos, numa cidade tão pequena
como Bauru. Mas sabe que eu desconfiava? Esse homem
nunca me enganou; com aquela cara de conquistador
barato...
(DANILO ASSOVIA NÃO QUERO VER VOCÊ TRISTE
ASSIM. ELISA FICA DESCONTROLADA)
ELISA — “Querido Diário, hoje acordei pensando nele... você sabe
quem é ele, não é? Eu já te contei. Seu nome é Danilo.
Danilo Rino. Ele tem um carro envenenado e passa todas
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 50/121
as tardes aqui pela porta da minha casa, cantando
pneu... oh, ele é lindo! Lindo! Danilo! Danilo!”
EMÍLIO — Danilo foi seu primeiro namorado. Foi amor à primeiravista. Ele estava passando pela esquina a 120 por hora,
cantando pneu, ela estava no portão, se olharam e... se
apaixonaram como numa canção do Roberto.
DANILO — “Se você pensa que vai fazer de mim, o que faz com
todo mundo que te ama...
ELISA — “Eu sei que eu tenho um jeito tão estúpido de ser, e de
dizer coisas que podem magoar e ofender, mas...
DANILO — ...acho bom saber que pra ficar comigo, vai ter que
mudar...
ELISA — ...cada um tem o seu jeito, todo próprio, de amar e de se
defender...
DANILO — ...daqui pra frente tudo vai ser diferente, você tem que
aprender a ser gente,
ELISA — ...você me acusa e só me preocupa,
DANILO — ...seu orgulho não vale nada...
ELISA — ...agrava mais e mais a minha culpa...
DANILO — ...nada ...nada!”
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 51/121
ELISA — (CHORA) “...eu faço e desfaço contrafeita, o meu defeito é
te amar demais!...”
EMÍLIO — Mamãe tentou impedir.
PÉROLA — Elisa, tanto estudante em Bauru, tanto moço bom
fazendo Direito, Odontologia, Medicina... você tem que
arrumar essa porcaria!
DANILO — “Cartas já não adiantam mais, quero ouvir a tua voz,
vou telefonar dizendo que eu estou quase morrendo, de
saudade de você...
ELISA — ...eu te amo...
DANILO — ...eu te amo...
OS DOIS — ...eu te amo...
PÉROLA — (GRITA) Elisa, saia já desse portão! Você está
terminantemente proibida de ver esse rapaz! (ELISA FICA
DESESPERADA. CHORA)
ELISA — (AO DIÁRIO) Querido Diário, meus pais dizem que ele
não presta, que eu preciso estudar, entrar pruma
faculdade, e que não devo me amarrar num rapaz sem
futuro... mas se eu não puder me casar com ele prefiro
morrer! Morrer! (ENGOLE UNS COMPRIMIDOS)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 52/121
EMÍLIO — Elisa tentou suicidar-se tomando uma dose cavalar de
Melhoral.
(ELISA CAMBALEIA, MEIO IDIOTIZADA)
PÉROLA — (GRITA) Elisa!!!
VADO — Minha filha!!!
EMÍLIO — Meus pais não tiveram outro remédio senão consentir
no casamento.
(AO SOM DE OS SEUS BOTÕES, DE ROBERTO E
ERASMO, ELISA E DANILO TORNAM-SE MARIDO E
MULHER. VADO CELEBRA O CASAMENTO RECITANDO
SUAS TROVINHAS)
VADO — “Que Deus o seu lar ilumine/ e lhes dê boa proteção/ e
que, no ato sublime/ una os dois num só coração.” (O
CASAL SE ATRACA NUM TREMENDO BEIJO. VADO
IMEDIATAMENTE EMENDA COM OUTRA) “O primeiro
beijo é momento de grande mudez sensual/ quatro lábios
em movimento/ expressam um amor total.” (DANILO
CARREGA ELISA NOS BRAÇOS. VADO VAI ATRÁS,
RECITANDO) “Casar é muito bom/ quando o par nele se
afina... se não acertam o tom, tudo se desafina...”
(PÉROLA O DETÉM. O CASAL ENTRA NO QUARTO. DO
QUARTO OUVEM-SE RISADAS, GRITOS E GEMIDOS. A
FAMÍLIA TENTA SE COMPORTAR COM NATURALIDADE)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 53/121
VADO — Esse cara hipnotizou ela.
NORMA — Olha aí o Vado com ciúmes.
VADO — Com a gente, xinga, grita, esperneia, parece uma gata-
do-mato; com ele se derrete toda...
(GRITOS VINDOS DO QUARTO)
VADO — Não gosto quando ele grita assim com ela.
PÉROLA — Deixa, Vado; não implica.
VADO — Ela tá com medo dele... Eu vou até lá.
PÉROLA — (DETENDO-O) Vado, não!!!
(ELISA SURGE NA PORTA ENGATINHANDO DE BABY-
DOLL. ELES OLHAM HORRORIZADOS MAS FINGEM
QUE NÃO VÊEM. VADO ABRE O JORNAL. PÉROLA
ESCONDE-SE ATRÁS DA GELADEIRA. NORMA FINGE
QUE BORDA.. ELISA VAI ENGATINHANDO ATÉ A
GELADEIRA. ABRE-A E REFRESCA-SE. NISSO SURGE
DANILO, NA PORTA, DE CUECA. MAIS UM CHOQUE
PARA A FAMÍLIA, QUE CONTINUA FINGINDO QUE NÃO
VÊ. DANILO VAI PÉ ANTE PÉ, DE MANSINHO, ATÉ
ELISA E AGARRA-A POR TRÁS. ELA GRITA E DERRUBA-
O NO CHÃO. CORRE PARA SE PROTEGER ATRÁS DA
CADEIRA DE NORMA, USANDO-A COMO ESCUDO.
NORMA GRITA.)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 54/121
NORMA — Pérola!... Pérola!!
PÉROLA — (GRITA) Parem. Parem com isso. Sua tia temlabirintite!!!
(DANILO JOGA-SE NO SOFÁ E ELISA COMEÇA A VESTI-
LO)
PÉROLA — (PREOCUPADA) Elisa está virando uma gueixa!
NORMA — A gueixa e o samurai.
EMÍLIO — (AO PÚBLICO) Mamãe chamava-a de Suzuki, a mulher
japonesa ideal.
PÉROLA — De antigamente! Porque hoje, no Japão, não tem maismulher assim, não.
VADO — Que gueixa, o quê! Ele tá fazendo ela de boba, isso sim...
(ELISA RI)
EMÍLIO — Olha só a risadinha dela, de gueixa, olha: Suzuki!
Suzuki!
ELISA — (AO IRMÃO) Não enche!!
VADO — (HORRORIZADO) Onde foi parar a minha bonequinha!?
NORMA — Tá ficando até corcunda...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 55/121
EMÍLIO — Cinco anos de casada e já está uma velha.
NORMA — Pior que estão dizendo que ele tá pulando a cerca.Bem, eu ouvi falar, viu... que ele tem uma outra lá pelos
lados da caixa d’água.
PÉROLA — (NERVOSA) Quem tem outra lá na caixa d’água?
(NORMA OLHA PARA EMÍLIO. PÉROLA ADVERTE) Já
pensou se o Vado ouve isso?...
VADO — Alguém quer água aí? A Norma quer água?
PÉROLA — Não, Vado, ninguém quer água não. Volta pra lá.
NORMA — Tô repetindo o que me contaram.
EMÍLIO — Por que eles não se separam?
PÉROLA — (QUASE PULA NO PESCOÇO DELE, MAS EM
SURDINA) Imagine! Não diz besteiras! Não vem com as
suas idéias, não. Que mania que você tem de querer ser
diferente. Quer deixar nós aqui viver do nosso jeito?
(APÓS VESTI-LO COMPLETAMENTE E ENTREGAR-LHE
UMA BÍBLIA, ELISA AMARRA O SAPATO DO MARIDO E
OUVE O QUE ELE TEM A LHE DIZER)
DANILO — (LÊ TRECHO DA BÍBLIA) “A esposa deve submissão a
seu marido, chefe natural da família, o que porém não
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 56/121
significa inferioridade. São Paulo comparou as relações
entre a esposa e o marido com as da Igreja com Cristo.”
Tá aqui, ó, na Bíblia. Página 1.104.
ELISA — Amém, amor!
EMÍLIO — (AO PÚBLICO) Elisa tornou-se evangélica por causa do
marido. Ele não deu certo em profissão alguma.
PÉROLA — O Danilo já tentou de tudo, mas não tem sorte. O
Vado arrumou emprego pra ele no SESC...
VADO — Arrumei pra ele lá no SESC...
PÉROLA — ...tava indo bem, de repente não sei o que houve, saiu.
VADO — Saiu, não sei o que houve.
PÉROLA — Depois na Prefeitura, era cargo de confiança, mudou o
prefeito, tirou todo mundo; agora tá com representação
de...
VADO — De quê?
PÉROLA — Também não sei do quê. Mas tá aí metido nessa
igreja!...
VADO — Mas dinheiro que é bom, neca!
EMÍLIO — Não se preocupe, ele nasceu pra ser pastor! Vai ficar
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 57/121
rico.
VADO — Deus te ouça.
EMÍLIO — Diz que dar dinheiro pro pastor é como emprestar a
Deus; que é um investimento garantido.
PÉROLA — Cobram dez por cento do que você ganha!
NORMA — Eu tive uma empregada que não agüentou, me
perguntou: dona Norma, a senhora não conhece uma
igreja mais barata? A minha tá pela hora da morte.
VADO — (RESMUNGA) Dinheiro que é bom, neca! Neca!
PÉROLA — (BAIXO) Calma, Vado, ele ainda não é pastor.
EMÍLIO — Diz que tá esperando um sinal divino.
DANILO — (SEM TIRAR OS OLHOS DA BÍBLIA) Não depende de
mim. Sou apenas um instrumento. Se Jesus me falar ao
coração e me chamar, eu irei. (ELISA SURGE, JÁ
TRANSFORMADA EM EVANGÉLICA. OLHA PARA O
MARIDO E SORRI)
VADO — Parece até papo de político; político é que diz: “Se o
partido me convocar, eu me sacrifico”...
EMÍLIO — Não há dúvida de que Jesus vai chamá-lo. Jesus
precisa dele. Deve estar só esperando o melhor momento
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 58/121
de oficializar a convocação.
(DANILO APROXIMA-SE DELES)
DANILO — Quando Moisés disse ao Senhor que muitos não
acreditariam nele, o que foi que o Senhor lhe perguntou?
VADO — O que foi, hein, Emílio?
EMÍLIO — Sei lá. O que foi?
DANILO — (PEGA UMA VASSOURA) “Que é isso que tens na
mão?” Moisés respondeu-Lhe: “Uma vara.”
PÉROLA — Vara nada, que é minha vassoura nova. Que é que
você vai fazer com ela?
DANILO — O Senhor disse: “Lança-a na terra.” Ele lançou (LANÇA
A VASSOURA AO CHÃO) e ela virou uma cobra!!!
ELISA — (EMOCIONADA) Amém! (OLHA EMOCIONADA PARA A
VASSOURA)
DANILO — Amém!
EMÍLIO — (IRÔNICO) Amém!
PÉROLA — Amém. Agora tira essa “cobra” aqui do meio da sala,
que não é bom deixar “cobra” atravessada no meio da
sala.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 59/121
NORMA — É, não é bom não, tira. (ELISA PEGA A VASSOURA
COM CERTO RECEIO, E GUARDA-A. DANILO SAI.
ANTES QUE VADO POSSA ESCAPAR, ELISA O SEGURAE COMEÇA A LER A BÍBLIA PARA ELE)
PÉROLA — Não sei a quem essa menina puxou. Nós somos
católicos, mas eu nunca fui de ficar agarrada em saia de
padre.
EMÍLIO — Se ela tivesse se tornado Hare-Krishna eu até
entenderia; mas crente...
PÉROLA — Não gosto de fanatismo. Eu sou católica, ué. Cada um
tem a sua religião. Mas eles acham que a deles é que é
certa.
EMÍLIO — Agora, tão com uma mania de chamar um ao outro
de...
DANILO — “Mãezinha!”
ELISA — (VOZ SUAVE E DOCE) Tô aqui, “paizinho”.
PÉROLA — Hum, que antipatia.
DANILO — “Mãezinha”, viu o que a senhora fez no banheiro?
ELISA — Que foi, “paizinho”?
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 60/121
DANILO — Deixou o gás aberto, “mãezinha”. Tá querendo matar
todo mundo? Tá? Tá querendo explodir a casa?
ELISA — Desculpa, “paizinho”.
VADO — Que exagero, Danilo...
DANILO — Precisa dar um jeito nessa cabecinha. (DÁ-LHE UM
BEIJO NA TESTA. DANILO FALA NORMALMENTE ALTO,
PARA TODOS OUVIREM. MAS COM VADO ELE
CAPRICHA NA INTENÇÃO, PORQUE SABE QUE VADO É
SURDO) E você também, Vado. Deixou o filtro ligado a
noite toda, hein. (VADO NÃO ENTENDE. FAZ CARA DE
“DEIXEI O QUÊ?”)
PÉROLA — Oh, meu Deus! Vado!
NORMA — Que foi, Pérola?
PÉROLA — O Vado deixou o filtro da piscina ligado a noite toda!
Vado, você vai ver a conta de luz esse mês!
VADO — Não sei o que tá acontecendo comigo... ando com a
cabeça...
DANILO — Isso é cachaça, viu, Vado. E você também, viu,
sogrinha, larga desse copinho na mão que eu tô de olho,
ó, tô de olho.
PÉROLA — Vá-vá, só porque você não bebe... Sabe o que é isso
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 61/121
aqui? A-pe-ri-ti-vo!!!
VADO — (ARRASADO) Que cachaça o quê. Tô precisando é de um
saravá. (ELISA DÁ UM GRITO: “PAPAI!!!”) Tudo que eufaço dá errado.
DANILO — (HORRORIZADO) Saravá nada, Vado!!! “Mãezinha”, me
vê a Bíblia. (ELA LHE PASSA A BÍBLIA) Olha aqui, eu vou
abrir em qualquer lugar. Vamos ver o que é que Jesus vai
nos dizer. (ABRE E LÊ) “Vós sois o filho da promessa.
Aquele que crer em mim será salvo!” Amém.
ELISA — Amém.
NORMA — Amém.
EMÍLIO — (IRÔNICO) Amém.
PÉROLA — Amém. Fala amém, Vado. (GRITA) Vado!
VADO — Que é?
PÉROLA — Fala amém.
VADO — Amém, pronto.
(DANILO VOLTA-SE PARA PÉROLA. ELA PENSA QUE
ELE VAI LER A BÍBLIA PARA ELA)
PÉROLA — Eu não posso parar pra rezar senão vocês não comem.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 62/121
(CANTAROLA, PROVOCATIVA) “Quanto riso, ohhhh,
quanta alegriiia... mais de mil palhaços no salããão...”
(ELES ENTÃO DIRIGEM-SE PARA VADO, QUE MAIS
UMA VEZ NÃO CONSEGUE ESCAPAR)
DANILO — (FALANDO SEMPRE ALTO) Por que você não bate um
papo com o pastor Elias?
VADO — Papo com quem?
ELISA — Vai, papai, o pastor Elias é tão bom, ajuda tanta gente...
precisa ver.
VADO — (PEDINDO SOCORRO) Pérola, o pastor Elias...
PÉROLA — Cismaram, agora, que querem levar o Vado para falar
lá com um pastor japonês...
NORMA — Falar em japonês, Pérola, a filha de Mirtes, a mais
nova, não casou com um agricultor japonês? Olha que a
gente avisou, a cultura deles é muito diferente, hein. Diz
que ele fazia experimentos, Pérola, enxertava melão com
abóbora, com repolhinho-de-bruxelas... Quando começou
a nascer abacaxi com três cabeças ela pediu o boné.
PÉROLA — Ué, o Oda não inventou a melancia sem caroço? Eu
parti a melancia, falei: Vado, cadê os caroços? Pra mim
perdeu a graça, viu, porque o bom da melancia é cuspir
os caroços. Danilo, você não ficou de ver a geladeira? Tá
com um barulho esquisito. Essa geladeira vai levantar
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 63/121
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 64/121
ELISA — Um fio desencapado. Danilo tá consertando.
VADO — Tem força aí?
PÉROLA — (GRITA) Pera, mamãe! Já vai voltar.
NORMA — Que foi, Pérola? Foi “fuzil”?
PÉROLA — Oh, meu Deus, parece que tem um fio... Achou a
margarina, Danilo?
ELISA — Trouxe o óleo também, mamãe. 76
VADO — Viu aquele problema do freio pra mim?
ELISA — Já trocou a pastilha. Não trocou, “paizinho”?
PÉROLA — Danilo, você comprou o reparo da descarga?
ELISA — Comprou e já trocou. Olha só como tá funcionando.
(ELISA RELIGA A CHAVE GERAL. A LUZ VOLTA,
REVELANDO TODOS COM EXPRESSÃO MUITO
CARREGADA)
VADO — Voltou! (A VELHA GEME)
DANILO — (DE CIMA DA CADEIRA ELE VÊ ALGO E GRITA) Não!
Não! Assim não, sogrinha!!! (PULA)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 65/121
PÉROLA — Oh, que susto! Assim não o quê, Danilo?
DANILO — Que é que você tá fazendo? Não faz assim com o bife,
não.
PÉROLA — Vai querer me ensinar a fritar bife, agora?
DANILO — Desse jeito você queima todas as propriedades da
carne. Vou te ensinar um segredo pra deixar a carne
tostar só por fora e...
PÉROLA — Solta, Danilo! Solta essa frigideira.
ELISA — Que coisa, mamãe. Custa aprender?
PÉROLA — Era só o que faltava, ensinar o padre-nosso pro
vigário. Sai daqui!
EMÍLIO — Ele tá sempre ensinando ou corrigindo os outros. Um
dia eu tava amarrando o sapato, quando vi ele já tava
pegando no meu pé.
DANILO — Vou te ensinar um jeito de amarrar que você não vai
precisar ficar toda hora...
EMÍLIO — Larga que eu te dou uma sapatada, hein! Larga do meu
pé!
DANILO — Não perde o bom humor, não, hein, “belo”.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 66/121
NORMA — (A EMÍLIO) Tá com ciúmes?
EMÍLIO — Eu? Ciúmes?
NORMA — Você precisa vir mais pra cá, pra marcar presença;
senão vai acabar perdendo o seu lugar.
EMÍLIO — Acho que já perdi, tia. Eu me afastei, fui embora. No
fundo eles não me querem mais aqui; não precisam mais
de mim.
NORMA — Será?
DANILO — (ABRAÇA-O COM CINISMO) Esse aqui se desligou da
família; já não conta mais.
PÉROLA — (PREOCUPADA, TENTA AFASTÁ-LOS) Nossa! (ABANA-SE) Tá um forno, hoje, não?
NORMA — Vai chover. Quando sinto essa dor nos ossos... (VADO
GEME)
PÉROLA — Vado, pára um pouco de tirar folha dessa piscina,
ninguém vai nadar hoje.
VADO — Hum, essa dor nas costas tá me matando.
NORMA — É bico-de-papagaio, Vado, já te falei!
PÉROLA — Também, coitado, passou o fim de semana todo
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 67/121
tirando folha da piscina, que o vento bate aí no
abacateiro da espanhola, traz tudo pra cá.
VADO — É só bater um ventinho...
PÉROLA — Você subiu tanto nesse abacateiro, Emílio, lembra?
EMÍLIO — Pra roubar abacate.
VADO — É só bater um ventinho, ó! ó! Aiiiii!
EMÍLIO — Pai, a Pepa e a Maria Cristina ainda estão morando aí?
VADO — Estão. Infelizmente!
PÉROLA — O Vado foi lá, falar com elas...
VADO — Fui lá, mesmo. Eu disse: já que vocês não querem cortar
esse maldito abacateiro, vocês podiam ao menos podar
um pouco os galhos que dão aqui pro nosso lado.
PÉROLA — Ih, precisa ver o escândalo que a Pepa fez!
VADO — Fez um escarcéu.
PÉROLA — Tudo que a dona Amélia tinha de meiguinha, de
delicadinha, essas aí são o oposto. Conta, como é que ela
falou, Vado?
VADO — (IMITANDO-A) “¡Para por la mano no mio aguatero solo
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 68/121
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 69/121
que ela me contou que já está comendo fígado cru de
manhã... E ele gritava assim, que nem o Danilo: “Amélia!
Amélia! Onde você está?” Um dia a Pepa falou: eu vou no
lugar dela, vou me sacrificar pela minha irmã.
NORMA — A Pepa queria se sacrificar, é ?!?
PÉROLA — Eu falei: Pepa, não senhora; você não é mulher dele. A
Maria Cristina...
NORMA — A Maria Cristina também queria se sacrificar?!?!
PÉROLA — ...disse: então vou eu, pra ele dar um pouco de
sossego pra minha irmã, pra ela poder descansar,
coitada. Acha que tá certo isso, Norma? Tá certo?
NORMA — Era só o que faltava agora, ele se acostumar com trêsmulheres dentro de casa... Que é que ele quer? Fazer um
harém?
VADO — (ENTRA GRITANDO) Pérola! Pérola! Parece que estão
querendo mesmo vender a casa da espanhola.
PÉROLA — Duvido! Tão pedindo tanto que duvido que encontrem
comprador.
VADO — Que nada! Tão dizendo que tem um banco interessado
em construir um prédio enorme aí.
PÉROLA — Um prédio?
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 70/121
VADO — Só assim mesmo pra acabar com esse maldito
abacateiro. (GEME)
PÉROLA — (ASSUSTADA) Vado, um prédio?!
NORMA — Já pensou um espigão bem aqui do lado? Vai fazer
sombra em todo o seu quintal... (SATISFEITA, DÁ UMA
GUINADA BRUSCA COM A CADEIRA)
PÉROLA — Norma! Cuidado. A piscina!!! Não vai cair na piscina!
NORMA — Oh, meu Deus!!!
VADO — Trouxe maiô, Norma?
NORMA — (FURIOSA) Mas essa piscina já ficou pronta?!
PÉROLA — Graças a Deus! Já não agüentava mais ver pedreiro.
Agora só mexo na casa quando for pra derrubar essas
duas casinhas e aumentar a frente.
NORMA — Sua mãe não pára de aumentar essa frente...
PÉROLA — Acabar com essa casa em formato de funil, só sobra
esse quintal pra gente poder respirar. Tô pensando em
trazer aquela parede pra cá, empurrar aquela outra pra
lá...
EMÍLIO — Mamãe, você pensa que parede tem roda?
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 71/121
PÉROLA — ...e vir com aquelas duas até ali perto do tanque, pra
esticar o jardim até aqui! Lá da rua a gente vai poder ver.
Se ficar muito devassado eu faço um muro vivo, debuganvílias. Não vai ficar lindo?
EMÍLIO — Vai sim, mamãe; vai ficar lindo.
NORMA — Vai virar um clube, isso sim, num ponto desses, bem
no centro, vai valer uma fortuna.
PÉROLA — Só de saber que não vou mais ter que descer e abrir a
porta pro Vado poder sair do automóvel... (SONHADORA)
Quero tanto poder entrar e sair com ele da garage, os
dois juntos. Ao mesmo tempo!
(A VELHA GEME)
NORMA — Que será que ela quer, coitadinha?
PÉROLA — Quer nada, é fita.
NORMA — Elisa, vai lá ver o que a sua avó quer, vai, faz isso pra
titia, faz.
(ELISA SAI)
PÉROLA — Também depois disso não faço mais nada. Quero mais
é aproveitar a vida, só eu e o Vado. Dei pra eles uma boa
educação, não podem se queixar; já vou deixar esse
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 72/121
casarão, que não me peçam mais nada. Agora quero
aproveitar, viajar com o meu marido, que entre o marido
e os filhos eu fico com o meu marido! que os filhos casam
e dão uma banana pra gente.
EMÍLIO — Eu fico arrasado com essa franqueza.
NORMA — Pelo menos ela é honesta, nunca te enganou.
EMÍLIO — Mesmo assim, tia...
VADO — (CHAMA) Pérola! Pérola! Vem ver.
PÉROLA — (CONTEMPLA A PISCINA, ABRAÇADA AO MARIDO)
Vado, como ficou grande! Tá enorme!
VADO — Já tá enchendo, ó.
PÉROLA — (PREOCUPADA) Será que não vai gastar muita água?
EMÍLIO — Claro que vai, né, mamãe? Quer que ela fique vazia?
NORMA — (A EMÍLIO, RECORDANDO) Aqui era o pomar do papai.
Como ele gostava desse quintal! Sua mãe destruiu tudo
pra construir essa piscina. Era um verdadeiro jardim do
Éden. Tinha laranja lima, goiabeira, jabuticabeira, lima-
da-pérsia, que faz um bem pros rins...
EMÍLIO — Cajueiro! Pé de romã...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 73/121
NORMA — Aqui tinha duas mangueiras, manga-espada e manga-
bourbon.
EMÍLIO — Pé de figo...
NORMA — Aqui era o pé de pêssego, quanto doce que eu não fiz! O
Ranulfo era louco por doce de pêssego.
VADO — E a parreira de uva? Esqueceu da parreira de uva, que
era o xodó do seu pai?
NORMA — Ele próprio que plantou. Trouxe a mudinha da Itália.
Dava três tipos de uva: rosada, branca e moscatel.
PÉROLA — Hum, doce doce, chegava a ser enjoativa!
NORMA — (COM RAIVA) Você destruiu tudo pra encher de lajota!Ainda bem que papai tá morto pra não ver o que você fez
do pomar.
(A VELHA GEME)
PÉROLA — Que será que ela quer?
VADO — Quer ver a piscina.
NORMA — Não! É melhor que ela não veja; é capaz dela ter um
troço.
EMÍLIO — Mamãe, o papai vai acender a luz da piscina.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 74/121
PÉROLA — (EXCITADA) Já vai acender? Oh, meu Deus... (CHAMA)
Elisa! Danilo! (SURGE DANILO, SEM ELISA) Cadê a
Elisa, Danilo? (AO FILHO) Vá chamar a sua irmã!
DANILO — (CHAMA) Elisa!!!
EMÍLIO — (CHAMA) Elisa!
VADO — Atenção! É um... é dois...
NORMA — Vou falar tchau pra mamãe que a Lola deve estar
chegando. (AFASTA-SE EM DIREÇÃO AO INTERIOR DA
CASA. ACENDE-SE A LUZ DA PISCINA. PÉROLA FICA
ENCANTADA. DIZ AO FILHO, COMO SE ESTIVESSE
LENDO O PRÓPRIO DESTINO NA ÁGUA) Eu fui
assassinada. Sabia?
EMÍLIO — ...Quê?
PÉROLA — Pelas costas.
EMÍLIO — ...Quem te assassinou?
(OUVEM-SE BUZINAS)
NORMA — (OFF) É a Lola; chegou. Vou indo, mamãe. (A VELHA
CHORA) Se me sobrar um tempinho na semana que vem
eu volto. Eu volto, mamãe. Prometo que eu volto...
(CHORA) Tadinha! (PÉROLA OLHA NOVAMENTE PARA A
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 75/121
ÁGUA DA PISCINA TENTANDO LER O FUTURO. ELISA
SURGE REFLETIDA NA ÁGUA. VESTE UM MAIÔ ANOS
50 E UMA TOUCA. POR UM MOMENTO PÉROLA PENSA
QUE É REFLEXO DELA PRÓPRIA)
VADO — (PENSANDO VER A MULHER REJUVENESCIDA)
Pérola!!!
ELISA — Tchan tchan tchan tchan! (ELISA FAZ POSE DE PIN UP
NA BEIRA DA PISCINA)
VADO — Como você está parecida com a sua mãe, minha filha!
ELISA — Como eu gostaria de ser você, mamãe, e que meu
casamento também durasse meio século!
PÉROLA — Onde você achou esse maiô? É tão velho. Deve tá atécheirando a naftalina.
ELISA — É tão lindo!
PÉROLA — Era a última moda. Igual a um que a Esther Williams
usou num filme em que ela nadava...
EMÍLIO — Ela nadava em todos os filmes, mamãe.
ELISA — Sabia, Danilo, que a mamãe foi “Rainha das Piscinas” lá
em Tupã?
PÉROLA — Você foi remexer, de novo, nas minhas coisas?
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 76/121
ELISA — “Rainha das Piscinas, Tamoyo Sport Club, Tupã.” Olha
só a pose.
(FAZ POSE TRIUNFAL DE ESTHER WILLIAMS SOBRE
UM TRAMPOLIM)
EMÍLIO — (TIRANDO A FOTO DO BOLSO) Nossa, mãe! Você
parecia uma pin up!
VADO — Sua mãe era de fechar o comércio. Que é que cê tá
pensando? Quando ela surgia na piscina, que subia
naquele trampolim, deixava todo mundo de boca aberta!
PÉROLA — Seu pai era capitão do time de pólo aquático. Tinha
um bigodinho, parecia o Clark Gable. As moças davam
tudo em cima dele...
ELISA — Oh, como eu gosto dessa história de Tupã, mamãe,
quando você se casou com o papai... conta de novo?
PÉROLA — Oh, minha filha, eu já te contei isso tantas vezes...
ELISA — Já ouviu, Danilo?
PÉROLA — Até parece que... Não tem nada demais. Nos casamos e
nos mandamos pra Tupã. Só de pensar que eu ia deixar
tudo isso pra trás... ficar livre da sua avó, das suas tias...
VADO — (CONFESSANDO) Se não tivessem nos segurado a gente
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 77/121
não teria parado nem em Tupã, viu; teríamos atravessado
o rio Paraná e...
ELISA — (COMPLETA) ...invadido Mato Grosso!
VADO — A gente tinha tanta pressa de viver, de conquistar o
mundo, eu e a minha baixinha aqui, nós arregaçamos as
mangas...
PÉROLA — (AO FILHO) Que eu nunca tive medo de trabalho, viu?
VADO — ...e abrimos uma loja de ferragens: “Dona porca e seus
dois parafusos!”
PÉROLA — Lá não tinha nada, só tinha mato... a cidade estava
começando... Eu me sentia que nem aquelas mocinhas
de filme de cowboy... porque lá tinha até índio, sabia?
EMÍLIO — Tinha índio, mãe?
PÉROLA — (NOSTÁLGICA) ...os índios aimorés, lembra, Vado?
Viviam invadindo a cozinha pra roubar biscoito. Eu
jogava água quente neles.
EMÍLIO — O quê?!
PÉROLA — Ih, joguei tanta água quente em índio...
EMÍLIO — Se te ouvem falar isso, mãe... te crucificam!
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 78/121
PÉROLA — Eram abusados! Precisa ver. Tinha um japonês, ele
odiava os índios, pegou a espingarda, falou: “Querem
biscoito, é? Índio vai é morê, ele dizia. Índio vai morê.” Daí
é que eles começaram a ser chamados de aimorés... vejaque coisa. Oh, como eu fui feliz em Tupã! Minha vida
parecia que ia ser um longa-metragem da Metro.
VADO — Se tivéssemos ficado lá em Tupã... (OLHA PARA PÉROLA,
COMOVIDO)
PÉROLA — Agora guarda, Elisa. Guarda tudo isso.
ELISA — (DECIDIDA) Eu vou inaugurar a piscina!
PÉROLA — (ADVERTINDO-A) Olha lá a cara do seu marido.
VADO — Isso, filhinha, cai. Passei o aspirador a tarde toda. Caique a água tá limpinha.
ELISA — Será que tá fria? (PÕE O DEDÃO DO PÉ NA ÁGUA) Hum,
tá fria!
EMÍLIO — Vai, Elisa, cai logo de uma vez.
PÉROLA — Sai, Bolinha. Tudo ele pensa que é brincadeira. Vado,
prende o Bolinha. (VADO SAI COM BOLINHA)
ELISA — Vocês querem crawl ou de costas?
DANILO — Tá querendo se exibir? Tá? Então cal. Vai de
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 79/121
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 80/121
DANILO — E não vai ter festa?
VADO — Claro que vai.
DANILO — Eu faço o churrasco. (VESTE O AVENTAL DE PÉROLA)
EMÍLIO — Eu cuido do som.
PÉROLA — E eu quero um cordão de luzes coloridas atravessando
todo o quintal, passando bem aqui por cima da minha
piscina, que nem num filme que eu vi, que se passava em
Acapulco. A piscina ficava lá no alto dos rochedos, cheios
de palmeiras, tinha aquelas lanternas japonesas que
refletiam no mar lá embaixo... (VADO SOBE NA ESCADA
PARA INSTALAR O CORDÃO DE LUZES COLORIDAS E
LANTERNAS JAPONESAS. NESSE PONTO A CASA, QUEINICIALMENTE ESTAVA DESTRUÍDA, JÁ ESTÁ
RECONSTRUÍDA. ELES FORAM AO LONGO DESSE
TEMPO RECONSTRUINDO E REPARANDO TUDO. À
MEDIDA QUE PÉROLA VAI FALANDO, AS LUZES E AS
ESTRELAS NO CÉU VÃO SE ACENDENDO. EMÍLIO
COLOCA O MAMBO N° 5, COM XAVIER CUGAT, NA
VITROLA) ...era de noite, precisa ver, o céu estava
estrelado, havia uma lua! (ANIMADA) Benhê, me vê um
campari. (VADO PREPARA OS DRINQUES AO SOM DO
MAMBO, DANILO ACENDE A CHURRASQUEIRA,
PÉROLA ARRISCA UNS PASSOS DE MAMBO, QUANDO
ELISA RETORNA, VESTIDA SOBRIAMENTE)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 81/121
ELISA — Mamãe! Mamãe! A vovó tá passando mal, diz que é pra
chamar o dr. Henrique.
PÉROLA — Oh, meu Deus, mamãe. Vai amolar o dr. Henriqueagora? (A VELHA GEME)
VADO — É manha dela! (FAZ A COQUETELEIRA DE MARACA E
GRITA) Mambo! (TENTANDO REANIMAR PÉROLA)
PÉROLA — É só ouvir a gente rir, ver que a gente tá alegre, se
divertindo, que já quer estragar tudo. Que é, mamãe? Já
tô indo.
VADO — (TENTA RETÊ-LA) Pérola...
PÉROLA — Que que cê quer que eu faça, Vado? É minha mãe.
VADO — Leva uma cervejinha pra ela que ela pára de amolar.
(PÉROLA SAI PARA O INTERIOR DA CASA)
ELISA — Tá melhor assim, Danilo?
DANILO — Cadê a minha escumadeira importada?
ELISA — Tá aqui.
VADO — Mas será possível que aqui em casa ninguém mais
atende telefone, só eu?!
(VADO ATENDE O TELEFONE QUE NÃO TOCOU)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 82/121
VADO — Alô! Pode falar. É o Vado. Pode falar. Fala!!!
EMÍLIO — (CARINHOSAMENTE) Não, pai. Não,
VADO — Não, o quê?
EMÍLIO — Nessa época você ainda ouvia. Pouco, mas ouvia. (TIRA
O TELEFONE DA MÃO DELE E PÕE NO GANCHO) Deixe
pra não ouvir mais tarde. (EMÍLIO COLOCA BESAME
MUCHO CANTADO POR CARMEM McRAE)
ELISA — Vamos dançar, Danilo? (ELE OLHA PARA ELA COM
ESPANTO E CENSURA) Que foi?
DANILO — E a comida? Quem faz? Vai, pega o tempero ali pra
mim. (ELA PEGA. ELE JOGA SOBRE A GRELHA,LEVANTANDO FUMAÇA. PARECE UM SACERDOTE DE
MOLOCH) Sai de perto. (JOGA. MAIS FUMAÇA.
COLORIDA)
ELISA — Então eu vou dançar com o Bolinha. (CHAMA) Bolinha!
Bolinha! Vamos dançar, vem.
DANILO — Tira ele daqui que ele tá bifando carne... Olha lá o
pedação que ele pegou. Vem cá, Bolinha. Devolve!
Devolve!!! (SAI CORRENDO ATRÁS DE BOLINHA. ELA
FAZ MENÇÃO DE IR ATRÁS DO CACHORRO, MAS VADO
PUXA-A PARA DANÇAR)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 83/121
VADO — Vem dançar comigo, filha. Vem. (PASSA DANÇANDO
POR DANILO E DÁ-LHE UMAS BUNDADAS)
DANILO — Vado!!! Eu te espeto, hein!! (AMEAÇA-O COM OESPETO EM TOM DE BRINCADEIRA. VADO PASSA
DANÇANDO NOVAMENTE, E MAIS UMA VEZ APLICA-
LHE UMA BUNDADA) Vado!!
ELISA — Pára, pai.
DANILO — (SEM HUMOR) Olha que eu te furo, hein! Vem de novo,
vem. Vem...
VADO — É melhor você dançar com seu irmão, antes que o Danilo
me fure. Eu vou fechar o registro... (SAI. ELISA DANÇA
COM EMÍLIO)
DANILO — Elisa, vai pegar mais carvão.
EMÍLIO — Posso te fazer uma pergunta?
ELISA — (MEIO TEMEROSA) Faz.
DANILO — Aproveita e traz o álcool, que esse aqui tá no fim.
EMÍLIO — Você é feliz?
DANILO — Não tô achando...
ELISA — Que que você não tá achando, Danilo?
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 84/121
EMÍLIO — Você é feliz?
ELISA — Claro que eu sou feliz. Por que você tá perguntando isso?
EMÍLIO — Por nada.
DANILO — Elisa, cadê o sal grosso? Eu aqui, trabalhando, e
você...
ELISA — Pronto, “paizinho”. Eu tô aqui, eu tô aqui.
DANILO — Vira essa bisteca aí pra mim, que tá queimando...
EMÍLIO — Quer que eu descasque as batatinhas, “paizinho”?
VADO — (RETORNANDO) Ué, acabou o baile? Por que a sua irmãnão tá mais dançando com você? (EMÍLIO FAZ UMA
CARETA E APONTA DANILO)
DANILO — Pega aquela panela ali, mas com cuidado, hein. Com
cuidado, Elisa, olha que você vai derrubar, vai derrubar,
vai... (ELISA DEIXA CAIR A PANELA) Não disse? (VADO E
EMÍLIO TROCAM OLHARES) Lascou a minha panela de
ágata.
ELISA — Desculpe, Danilo!
VADO — Eu vou tomar bicarbonato, que esses dois estão me
dando uma azia... (VAI ATÉ O BAR E TOMA UM
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 85/121
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 86/121
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 87/121
caia bem e não nos faça nenhum mal. Amém.
ELISA — Amém!
VADO — Amém!!!
PÉROLA — Aleluia!!!
VADO — Agora pode-se comer?
DANILO — Tem picanha, maminha, coração, lombo, lingüiça,
frango...
PÉROLA — Hum, como tá macia, Danilo. Dissolve na boca!
(MURMURAM HUM... HUM... ESTÁ DIVINO!)
VADO — Hum, mas essa maionese tá...! Aposto que foi você que
fez, não é, filha? Tá uma delícia.
DANILO — Fui eu que fiz, Vado. Eu que fiz. Tá boa?
ELISA — Danilo é o rei da maionese!
DANILO — Experimentou a farofa? É minha especialidade, Vado.
EMÍLIO — Danilo fez tudo. Minha irmã comprou as bebidas, vai
lavar os pratos e, ah, fez a gelatina.
PÉROLA — Ficou mole, Elisa.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 88/121
ELISA — É, fui experimentar outra marca, ficou mole...
DANILO — Experimenta a musse que eu fiz, Vado. É de goiaba.
ELISA — Danilo faz uma musse de goiaba...
PÉROLA — Benhê, tá na hora do nosso remédio. (ENFIA UM
COMPRIMIDO NA BOCA DE VADO E TOMA UM,
TAMBÉM)
EMÍLIO — (EXAMINA A CAIXA) Mãe, você tá tomando Mandrix?
PÉROLA — Foi o dr. Henrique que deu, que eu ando muito
nervosa...
EMÍLIO — Mas, mãe, você mistura com álcool... (ELA FAZ UMGESTO DE QUE NÃO TEM IMPORTÂNCIA) Se eu ou
(VOLTA-SE PARA A PLATÉIA) qualquer um de vocês aí,
na hora do almoço tomar duas caipirinhas, um remédio
pra pressão, um copo de vinho, um analgésico e um
calmantezinho... vai ficar louco pro resto do dia. Ou não
vai?
PÉROLA — Alguma vez você viu a sua mãe bêbada?
EMÍLIO — (NÃO SABE O QUE RESPONDER) Sabe que eu não sei?
Naquela época eu também misturava essas coisas todas,
ficava completamente doido. (AO PÚBLICO) Acho que só
eu que não via — ou não queria ver — que meus pais
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 89/121
eram... bêbados e drogados. Ou, pelo menos, viviam
bêbados — e drogados! Quando voltamos do enterro da
minha mãe, Elisa abriu a geladeira... (ELISA ABRE A
GELADEIRA E COMEÇA A SOLUÇAR, OLHANDO PARA OINTERIOR DO CONGELADOR) Que foi?
ELISA — (PEGA A GARRAFA PELA METADE) A vodca da mamãe!
EMÍLIO — Quem perde uma mãe normal lembra-se dela quando
vê o seu casaquinho, a sua pantufa, o seu missal... Mas
no nosso caso...
ELISA — (COMOVIDA) O pegador de azeitonas da mamãe!...
(ABRAÇAM-SE E CHORAM JUNTOS, SEGURANDO A
GARRAFA DE VODCA E O PEGADOR DE AZEITONAS. A
VELHA GEME)
PÉROLA — Emílio, vê se a sua avó não quer um pedacinho de
frango. (EMÍLIO FAZ MENÇÃO DE IR MAS PÁRA) EMÍLIO,
foi ver se a sua avó não quer um pedacinho de frango?
(EMÍLIO OLHA PARA A MÃE)
PÉROLA — Que foi? (COMO SE A MEMÓRIA DELE ENTRASSE
EM PANE, AS CENAS COMEÇAM A SE REPETIR EM
TORNO DELE, TODOS FALANDO AO MESMO TEMPO.
NORMA SURGE)
NORMA — “Aqui era o pomar do papai. Como ele gostava desse
quintal! Um verdadeiro jardim do Éden. Sua mãe
destruiu tudo pra construir essa piscina! Tinha goiabeira,
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 90/121
jabuticabeira... aqui tinha duas mangueiras: manga-
espada e manga-bourbon...” (AFASTA-SE)
VADO — “Agora pitanga aí tá dando, já tô com um litro pronto.Agora se você quiser fazer um aperitivo gostosinho,
simples, compra bala Pipper... põe mais ou menos quinze
balas dentro de um litro e você faz uma pinga de hortelã
que o cara se baba todo.”
ELISA — “Já te contei? Seu nome é Danilo. Tem um carro
envenenado e passa todas as tardes aqui pela porta
cantando pneu. Oh, ele é lindo! Danilo! Mas a mamãe diz
que ele não presta, que eu preciso estudar, entrar pruma
faculdade e que não devo me amarrar num rapaz sem
futuro... mas se eu não puder me casar com ele prefiro
morrer! Morrer!”
DANILO — “Tô falando sério agora, belo, estamos esperando um
desenlace a qualquer momento. É bom você ficar
preparado pra vir pra cá. Só não sei quem vai primeiro,
se é ele ou ela. Ou se vão os dois juntos.”
VADO — Alô! É o Vado! Pode falar. Tô ouvindo...
NORMA — A Pautilla esteve aqui? Eu não sabia que a piscina
tinha ficado pronta... Oh, essa menopausa... (CHORA)
Não é que o menino me coloca o gato dentro da geladeira?
(EMÍLIO AFASTA A CADEIRA DE NORMA, FAZENDO
CESSARA CONFUSÃO. A MÚSICA PÁRA. TODOS OLHAM
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 91/121
PARA ELE. ELE SE APROXIMA DA MÃE)
EMÍLIO — Quero que saiba quem eu sou.
PÉROLA — Ué, você não é o Emílio?
EMÍLIO — Meus amigos me conhecem melhor do que você.
PÉROLA — Duvido.
EMÍLIO — A gente nunca conseguiu se comunicar.
PÉROLA — Você só me xingava, só...
EMÍLIO — Lembra do piano? Eu cheirei ele!
PÉROLA — O quê?
EMÍLIO — Vendi! Há vinte anos, pra comprar cocaína! Sabe que
eu já tentei suicídio?
PÉROLA — Você sempre escolhe os piores momentos para... vê se
agora é hora de tocar nesse assunto.
EMÍLIO — Tenho tanta mágoa de você, tanta queixa...
PÉROLA — Você já me magoou tanto, meu filho, tanto! Se eu fosse
me queixar...
EMÍLIO — Não me dava dinheiro...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 92/121
PÉROLA — Você não queria trabalhar! Acha que eu ia sustentar
vagabundo?
EMÍLIO — Sempre preferiu a Elisa. Quando ela nasceu, você não
quis mais saber de mim, me relegou a terceiro plano...
PÉROLA — Não diz besteira. Por que você tem tanto ciúme da sua
irmã, coitadinha...
EMÍLIO — Você me abandonou, me soltou pelo mundo...
PÉROLA — Você que me deixou, não foi embora de casa?
EMÍLIO — Você não vivia dizendo que a porta estava aberta?
PÉROLA — E era pra acreditar?!
EMÍLIO — Somos dois estranhos. Você não sabe nada sobre mim.
PÉROLA — Você se engana, meu filho; posso escrever um
romance sobre você.
EMÍLIO — Você complicou a minha relação com as mulheres...
PÉROLA — Eu?!
EMÍLIO — Por que acha que eu não me casei?
PÉROLA — Porque ainda não encontrou a mulher certa. A hora
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 93/121
que encontrar... (EMÍLIO RI) Família é importante, meu
filho. Se você ficar doente, quando ficar velho, quem é
que vai cuidar de você?
EMÍLIO — É pra isso que serve? Oh, mãe, por que não foi
diferente? Tem tanta coisa que eu queria te dizer...
PÉROLA — Se não falou quando eu estava viva, agora é tarde.
Quer me matar duas vezes? Vamos falar de coisas mais
importantes. Vado, prendeu o Bolinha? Vado... Vado,
onde você está? Elisa... Danilo! Aonde foram todos? Por
que me deixaram aqui sozinha?
(TODOS SE AFASTAM. PÉROLA FICA SOZINHA. VADO
RECOBRA A EMOÇÃO DO INÍCIO DA PEÇA)
VADO — Morreu nos meus braços, Emílio. Eu ainda tentei tirar ocarro da garage, mas um maldito estacionou bem na
frente do portão, eu não pude tirar o carro da garage...
EMÍLIO — Você não pôde fazer nada, pai...
VADO — Fui correndo chamar um guarda pra tirar o carro... nisso
vi o dr. Henrique que tava chegando... ele correu até o
quarto mas... ela já estava morta. Cinqüenta e cinco anos
juntos... que é que vai ser de mim, agora sem a sua mãe?
EMÍLIO — Sei que é difícil, mas você tem que tentar, pai. Não pode
se entregar.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 94/121
VADO — Eu não sei, viu, mas se eu tivesse corrido pra chamar o
dr. Henrique, talvez...
EMÍLIO — Foi fulminante, pai. Você não podia fazer nada.
VADO — Ela não me disse que tava se sentindo mal, não falou
nada. Dei um cafezinho pra ela... ela tomou e disse que ia
subir pro nosso quarto. Ainda disse pra ela: “Não quer ler
o jornal, Pérola?” Ela disse: “Não, não tem nada que me
interessa.” Eu tive um pressentimento, não sei, alguma
coisa me fez subir para o nosso quarto. Falei: “Pérola, que
foi?” Ela falou: “Tô sentindo uma dor!...” e caiu na cama.
Eu ainda tentei fazer respiração boca a boca, fiz
massagem, desci correndo pra tirar o carro da garage,
mas um maldito estacionou aí na frente... Oh, filho, não é
mole, não. Não é mole... (CHORA. PÉROLA SE
APROXIMA)
PÉROLA — Vado! Vado! (ELE OLHA PARA ELA) Hoje não é dia de
falar de coisas tristes, Vado. Hoje é dia de festa. (EMÍLIO
COLOCA O TANGO EL CHOCLO NA VITROLA. ELA PUXA
VADO) Vem, Vado, vamos dançar.
(DANÇAM. VOLTA O CLIMA DE FESTA, DO CHURRASCO
EM COMEMORAÇÃO AO ANIVERSÁRIO DE
CASAMENTO. O TANGO É INTERROMPIDO POR UMA
TEMPESTADE QUE DESABA, DESSAS TÍPICAS DE
VERÃO, COM VENTOS E TROVÕES. TODOS GRITAM E
FALAM AO MESMO TEMPO, TENTANDO RECOLHER AS
COISAS E SE PROTEGER DA CHUVA)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 95/121
PÉROLA — Nossa, que temporal! Elisa, tira a roupa do varal.
Depressa.
DANILO — Elisa, corre pra fechar a janela do carro que tá aberta.
PÉROLA — Vado, tira as almofadas etc. (ENTRAM CORRENDO
PRA DENTRO. EMÍLIO ASSISTE À CENA DIANTE DA
VITROLA. A LUZ CAI EM RESISTÊNCIA AO SOM DO
TANGO E DA TEMPESTADE, FICANDO APENAS UM
FOQUINHO SOBRE ELE. ELE TIRA O DISCO)
MANHÃ DO DIA SEGUINTE...
(APÓS A TEMPESTADE O QUINTAL ESTÁ UM CAOS. UM
GRANDE GALHO ESTÁ CAÍDO. AS LANTERNAS
JAPONESAS ESTÃO DECOMPOSTAS; O CORDÃO DELUZES CAIU NA PISCINA E ESTÁ DANDO CURTO NA
ÁGUA. HÁ FOLHAS E GALHOS POR TODA PARTE. VADO
ESTÁ ENTRANDO, VINDO NA DIREÇÃO DAS DUAS
CASINHAS)
PÉROLA — Enterrou ele?
VADO — Enterrei perto das roseiras da sua mãe.
(ELISA ENTRA. SUSPEITA IMEDIATAMENTE DE ALGO)
ELISA — Enterrou o que? Que foi que...? (DESCONFIADA,
CHAMA) Bolinha! Bolinha!
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 96/121
PÉROLA — Ele deve ter visto algum gato, quis pegar e... caiu
n’água. E não conseguiu sair.
EMÍLIO — Nesse dia Elisa esqueceu que era evangélica e fez o
maior escândalo.
ELISA — Nããããoooo! Nããããoooo!!! Bolinha! Boliiiiiinha!!! Cadê ele?
Onde e que ele tá?
VADO — Elisa, o Bolinha morreu...
PÉROLA — Seu pai já enterrou no jardinzinho da vovó.
ELISA — Nãããooo!!! Nãããooo!!!
EMÍLIO — Eu não tava lá na ocasião, mas se estivesse teria feitocomo o cinema faz com as mulheres histéricas: dava-lhe
umas boas bofetadas! (SACUDINDO-A) Calma, Elisa!
Calma!
ELISA — Danilo! O Bolinha!... (ABRAÇA-O CHORANDO)
DANILO — Que que aconteceu?
PÉROLA — Ele uivou quase que a noite toda...
DANILO — Morreu?
PÉROLA — ...eu ainda fui ate a janela do banheiro e gritei aqui
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 97/121
pra fora: “Bolinha! O que e, Bolinha?” Tava chovendo
tanto, aqueles trovões, e ainda a sua avó me chamando,
fui la ver o que ela queria e quando voltei... (VADO ESTÁ
RETIRANDO O CORDÃO DE LUZES QUE CAIU DENTRODA PISCINA)
VADO — (CULPANDO-SE) Se eu não tivesse prendido o Bolinha na
corrente, ele teria nadado e saído ali, pela muretinha...
ELISA — (TRANSTORNADA) Voce matou o Bolinha! Voce matou o
Bolinha!
VADO — Elisa tem razão, a culpa foi minha...
ELISA — Monstro!!!
DANILO — (CARINHOSO) Vem comigo, benzinho, vem...
PÉROLA — Dá um copo d’água com açúcar pra ela, Danilo; depois
volta pra ajudar o Vado.
ELISA — Eu nunca mais entro nessa piscina! Nunca mais! (SAEM.
PÉROLA RECO-LHE TOALHA, PRATOS E OUTROS
OBJETOS ENCHARCADOS)
PÉROLA — Esquecemos a farofa aqui fora, virou sopa. Olha as
lanternas japonesas!
(ENTRA NORMA)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 98/121
NORMA — Nossa, que aconteceu aqui?
PÉROLA — Choveu granito!
EMÍLIO — Granizo, mãe. Se fosse granito nós estaríamos ricos.
NORMA — Olha o tamanho desse galho... se pega na cabeça de
alguém!
(VADO TENTA TIRAR O GALHO)
PÉROLA — Vado, é pesado... (CHAMA) Danilo! Vem aqui dar uma
mão pro Vado.
DANILO — Sogrinha, você tem que resolver: ou dou água pra ela
ou ajudo o Vado; que eu sou um só. Um só!
EMÍLIO — Pera aí, pai, que eu te ajudo.
PÉROLA — Emílio!!!
EMÍLIO — Que foi?
PÉROLA — (ASSUSTADA) Mas você não estava aqui nesse dia,
Emílio!...
EMÍLIO — Mãe, não sou eu que estou contando esta história? A
memória é minha, posso fazer com ela o que quiser. Tá?
Pica calminha. Vamos lá, pai, pega aí. (PÉROLA FICA
INTRIGADA. ELES EMPURRAM O GALHO PARA UM
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 99/121
CANTO)
(A LUZ CAI, FICANDO APENAS O REFLEXO DA ÁGUA.
PÉROLA APROXIMA-SE E OLHA, CAUTELOSA, COMOSE TENTASSE ENXERGA O FUNDO DO SEU ABISMO. A
LUZ SOBE NOVAMENTE. NORMA RETORNA)
NORMA — Pérola, achei a mamãe tão abatida...
PÉROLA — Tem um sapo na piscina. Deve ter sido a chuva.
NORMA — Não é melhor chamar o dr. Henrique?
PÉROLA — Por quê? Por causa do sapo?
NORMA — Não, Pérola; da mamãe. Tô achando ela muito abatida.
PÉROLA — Ainda nem tive tempo de ir lá ver ela, com tudo que tá
acontecendo aqui...
(OUVE-SE BARULHO DE SERRA ELÉTRICA)
NORMA — Que é isso? Que barulho é esse? (VADO SURGE COM
A NOVIDADE)
VADO — Pérola, estão cortando o abacateiro!
PÉROLA — (NERVOSA) Vado, as espanholas venderam a casa?
VADO — Puseram uma tabuleta lá na frente; parece que vão
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 100/121
construir aí um prédio de oito andares.
PÉROLA — Oito andares!
(UMA SOMBRA COMEÇA LENTAMENTE A CRESCER
VINDA DO LADO DIREITO DO PALCO, COMO SE UM
EDIFÍCIO ESTIVESSE SENDO ERGUIDO. ESSA
SOMBRA CRESCERÁ LENTAMENTE ATÉ OCUPAR TODA
A METADE DIREITA DO PALCO)
NORMA — Pior quando começar aquela bateção de estaca...
(COMEÇAM A BATER AS ESTACAS. TUDO TREME) Vai
ser aquele tuuummm tuuummm tuuummm o dia todo
na sua cabeça...
PÉROLA — Oito andares!!
NORMA — Ih, acabou o seu sossego, Pérola. Pelos próximos seis
meses. Pelo menos. Vai ter que deixar as janelas sempre
fechadas. Você não vai poder mais ficar à vontade.
Acabou a sua privacidade.
(CESSAM OS RUÍDOS DE CONSTRUÇÃO. A SOMBRA
OCUPA TODA A METADE DIREITA DO PALCO, COMO
SE O PRÉDIO TIVESSE FINALMENTE FICADO PRONTO)
VADO — (TENTANDO CONSOLÁ-LA) Pelo menos até as três horas
da tarde pega bastante sol...
NORMA — (SATISFEITA) Vou ver a mamãe. (SAI. FICAM APENAS
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 101/121
PÉROLA E EMÍLIO)
PÉROLA — Veio muita gente no meu enterro?
EMÍLIO — A Rovani veio de Tupã...
PÉROLA — A Rovani veio?
EMÍLIO — Com a Violeta e a Vera.
PÉROLA — A Vera veio?
EMÍLIO — Papai sentou-se num banquinho, botou a cabeça no
seu peito e ficou abraçado com você a noite toda.
PÉROLA — Ah, Vado!
EMÍLIO — Elisa não queria nem tomar banho... tava com a
mesma roupa ainda; eu disse pra ela: mamãe não iria
gostar.
PÉROLA — Não iria mesmo. Não gosto de ver ela malvestida.
EMÍLIO — Foi o que eu disse. Principalmente na frente da família
do papai.
PÉROLA — Eles vieram?
EMÍLIO — Todos.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 102/121
PÉROLA — E do meu lado? Suas tias vieram?
EMÍLIO — Tia Norma, tia Wanda...
PÉROLA — (SURPRESA) A Wanda veio?
EMÍLIO — Tia Lola não veio ao enterro; mas mandou dizer que vai
na missa.
PÉROLA — Depois que me mataram vão na igreja, rezar.
(NORMA ENTRA)
NORMA — Tô preocupada com a mamãe. Ela não tá nada boa...
Pensou que eu fosse a Lola...
PÉROLA — Ela anda trocando as bolas já faz tempo.
NORMA — Falou que esteve com a Rosália... imagine! Ela morreu
há mais de quarenta anos! (PÉROLA COMEÇA A
ESTENDER ROUPA NO VARAL. NORMA VOLTA-SE PARA
EMÍLIO) Escuta aqui, Emílio. Por que você fica tanto
tempo sem aparecer, hein? A titia fica com saudade.
PÉROLA — Esse aí não se acostuma mais com cidade pequena.
NORMA — Não quer deixar as garotas, né? (EMÍLIO SORRI
AMARELO) E aí, casamento à vista?
PÉROLA — Exigente do jeito que ele é, nenhuma mulher serve.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 103/121
NORMA — Também, hoje em dia, casar pra quê, né? Elas tão tudo
aí dando sopa. Se bem que mesmo no nosso tempo, não
é, Pérola, a mulher, quando não é direita, sempre arrumaum jeito de enganar o marido. Você tem de quem puxar,
Emílio. Suas tias, elas são minhas irmãs, mas foram
umas pinta-bravas! Ah, foram. Isso a gente tem que
reconhecer. (PÉROLA NO INÍCIO FICA SURPRESA, MAS
DEPOIS COMEÇA A SE SENTIR DESCONFORTÁVEL
COM A FALA DA IRMÃ. TROCA OLHAR COM O FILHO.
NORMA PROSSEGUE)
NORMA — A Wanda não foi a primeira mulher desquitada de
Bauru? Se apaixonou pelo Olavo, deu um pontapé no tio
João, coitado... e se mandou pra São Paulo.
EMÍLIO — É verdade que a tia Lola foi a primeira mulher emBauru a fumar em público?
NORMA — Lola fumava enquanto esperava o... como é que era o
nome daquele namorado dela, Pérola? Ih, ela teve
tantos... andava ela e a filha da Ireni, a “Mitida”, como diz
a mamãe, ih, aquela era da pá-virada, “pegava carro” ali
na esquina. A sua mãe...
PÉROLA — Que é que tem eu?
NORMA — Não usava calça comprida e dirigia automóvel? A mãe
do Vado não foi falar pra ele que você era homem?! A
Irene não ia ao cinema sozinha? E a Rovani? que não
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 104/121
pulou a janela na noite de núpcias, que não queria casar
com um italiano rico que a tia Mariúcha tinha arrumado
pra ela, se mandou com o tio Amedeo, que era vinte anos
mais velho do que ela. Olha, se eu fosse falar...
PÉROLA — Você é a única que não pode falar nada, Norma.
NORMA — Que é que você está querendo insinuar?
PÉROLA — Não estou insinuando, Norma; estou afirmando. Já tô
cheia de ouvir você, com perdão da palavra, cagar
virtude!
NORMA — Pérola! Eu estou estupefata!
PÉROLA — Agora eu vou falar: se alguém aqui se comportou como
uma vagabunda, foi você, Norma. E Deus te castigou,Norma; e como!
(NORMA VESTE A CARAPUÇA E CALA-SE. ELISA ENTRA
E ANUNCIA, EMOCIONADA)
ELISA — ELE finalmente se manifestou, mamãe.
PÉROLA — Quem...?
ELISA — Jeová falou com Danilo! Convidou-o para ser seu
ministro. E Danilo aceitou. (ABRAÇA A MÃE,
EMOCIONADA) Oh, mamãe.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 105/121
PÉROLA — Oh, Elisa, nem sei o que dizer...
ELISA — Diga Aleluia, mamãe.
PÉROLA — Aleluia.
ELISA — Já está preparando seu primeiro sermão. Aleluia.
PÉROLA — Aleluia. (ELISA SAI)
NORMA — Aonde você está querendo chegar, Pérola?
PÉROLA — Não banque a santa! Tô até aqui de você. Acha que
tem o direito de enfiar o dedo no nariz de todo mundo? Já
esqueceu do que aconteceu com você? Já esqueceu?
EMÍLIO — Eu sempre quis saber essa história. O que queaconteceu?
PÉROLA — Conta pra ele, Norma, o que aconteceu aquela noite na
represa! Valeu a pena? (NORMA FAZ MENÇÃO DE SE
AFASTAR. PÉROLA IMPEDE) Agora eu vou falar. Eu vou
falar: ele era gerente da Drogasil aqui de Bauru.
Chamava-se... (NORMA VOLTA-SE, LANÇA-LHE UM
OLHAR TERRÍVEL E GRITA)
NORMA — Ernani!!!
PÉROLA — Norma era apaixonada por ele. Queriam se casar, mas
sua avó achou que ele não estava à altura dela e não
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 106/121
permitiu o casamento.
NORMA — Ela não permitiu.
(A VELHA GEME. NORMA GRITA, COM ÓDIO)
NORMA — Cale essa boca, mamãe!!! Cale essa boca!!!
PÉROLA — Daí arrumaram o casamento dela com o seu tio
Ranulfo; naquela época mulher não podia falar nada, os
casamentos eram arranjados, e ele era muito rico. Mas
ela não queria casar, de jeito nenhum. Ela ainda tinha
esperança de que... mas daí veio a notícia de que o
Ernani havia se casado com uma moça lá de Campinas;
ela ficou louca! Chamou o papai e mandou marcar o
casamento pra dali a uma semana. O Ranulfo tratava ela
como uma princesa! Coitado, era louco pra ter um filho,mas ela nada de engravidar, não tinha jeito.
NORMA — Nunca quis ter filhos com o Ranulfo. Nunca! Você sabe
disso.
PÉROLA — Mas ele tanto fez que ela acabou concordando em
fazer um tratamento. E engravidou.
NORMA — Não foi o tratamento. Quis me vingar; ter um filho com
outro.
PÉROLA — Que “outro”! Ele era seu marido!
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 107/121
NORMA — ...com um homem que eu não amava, pra jogar na cara
do Ernani, que havia feito dois filhos naquela outra
mulher! Naquela imunda!
PÉROLA — E foi nesse clima que ela concebeu o Dinzinho,
pobrezinho. Como foi que você conseguiu ter uma criança
tão linda? Ele parecia um anjinho. Até comentei com o
Vado, que com o nascimento do Dinzinho você tinha mu-
dado completamente. O Ranulfo tava numa felicidade!
Não cabia em si de contente. Não sabia o que fazer pra
não deixar faltar nada pra ela, pro filho, um cuidado! Mas
aí, quando ele completou um aninho...
NORMA — Morreu de meningite! Achei que Deus tava me
castigando. Mas o castigo apenas começara. (VINDO DE
ALGUM LUGAR DA LEMBRANÇA DE NORMA OUVE-SE
ANÍSIO SILVA CANTANDO ABRAÇA-ME)
PÉROLA — Ela enlouqueceu.
NORMA — Quem não enlouqueceria?
PÉROLA — Voltou a encontrar-se com Ernani. Era só o Ranulfo
dar as costas pra ela imediatamente ir encontrar-se com
ele. Iam lá pros lados da represa de Barra Bonita; que lá
tem muito lugar.
EMÍLIO — Como é que a senhora sabe?
PÉROLA — Eu imagino... Ia com o carro dela até o Country Clube,
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 108/121
nessa época o Ranulfo havia comprado um Simca
Chambord pra ela; ela deixava o carro lá e entrava no
dele.
EMÍLIO — Mas ninguém comentava nada?
PÉROLA — A cidade toda sabia. Eu tenho por mim que o Ranulfo
também sabia... Mas era aquela hipocrisia! Aquele tipo de
segredo que todo mundo sabe mas finge que não sabe,
até a hora que alguém toma uma atitude. E foi o que
fizeram. Ligaram pra mulher dele e contaram tudo.
Disseram até onde eles iam se encontrar naquela noite.
(EMÍLIO OLHA ESPANTADO PARA A MÃE) Quando eles
chegaram a mulher dele já estava lá.
EMÍLIO — Mas e aí, o que aconteceu?
PÉROLA — O que aconteceu?... Ah, meu filho, isso só eles e Deus
sabem!
EMÍLIO — Mas não é possível, mãe. O que aconteceu? Alguém tem
que saber!
PÉROLA — Ela não conta! Não conta! Encontraram ela quase
morta, com a espinha quebrada. Sua avó abafou tudo,
com a ajuda de um juiz que era muito amigo do papai,
tanto é que os jornais aqui de Bauru não noticiaram
nada, nem uma linha. Ele foi embora com a mulher e os
filhos, parece que mora hoje...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 109/121
NORMA — (GRITA) ...em Garça!!! Ernani está em Garça!!
PÉROLA — (FURIOSA) Olha, o Ranulfo não merecia isso, viu?
Esse homem realmente te amava. Recebeu você de volta,cuidou de você até morrer do coração, te deixando muito
bem de vida. Muito bem!!
NORMA — Sim, estou bem. Muito bem. Melhor do que todas
vocês. Muito melhor. (SOLUÇA) Oh, essa menopausa...
(ABRAÇA-SE EM EMÍLIO)
(DANILO ENTRA, SEGUIDO POR ELISA. APONTA O
DEDO PARA ELES)
DANILO — “Afasta! Afasta o teu caminho da mulher adúltera! E
não te aproximes da porta da sua casa!!!” (NORMA OLHA
ASSUSTADA PARA EMÍLIO)
EMÍLIO — Calma, tia Norma, calma que é só o Danilo ensaiando o
sermão.
DANILO — “Os lábios da mulher adúltera destilam favos de mel...
mas o seu fim é amargoso como o absinto... os seus
passos conduzem-na ao inferno!” (NORMA ESTREMECE)
ELISA — Vamos fazer uma oração e pedir ao Senhor para inspirá-
lo, para ele falar bem bonito esta noite e emocionar a
todos.
PÉROLA — Vamos rezar mesmo, que ele precisa ter uma
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 110/121
profissão.
DANILO — “Como homem de Deus, meu Pai, eu estendo as
minhas mãos: abençoai essa gente, tanto aqueles queaqui estão como os que estão nos hospitais, nos leitos de
dor, nas cadeiras de rodas (NORMA VOLTA-SE
VIOLENTAMENTE PARA ELE), nas penitenciárias.
Abençoa, meu Pai. Faça coisas que os nossos olhos
nunca viram, que nossos ouvidos nunca ouviram e Seu
nome será glorificado.
ELISA — Jesus! Eu quero renascer na Tua luz!!!
DANILO — E todos aqueles que estão de acordo digam graças a
Deus... e amém... e amém...”
ELISA — Amém.
DANILO — Palmas para Jesus. Vamos dar uma salva de palmas
para Jesus. Aplausos para Jesus. Mais forte, Elisa. Mais
forte. Aleluia!!! (SAEM. PÉROLA, ARREPENDIDA, FAZ
GESTO EM DIREÇÃO A NORMA, QUE DESVIA O
OLHAR)
NORMA — Vou ver o que está acontecendo com a mamãe, que ela
tá muito quieta... muito quieta... (SAI)
EMÍLIO — Duas irmãs, dois destinos. Não parece filme?
PÉROLA — Por que comigo foi tão diferente? Eu também podia ter
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 111/121
ficado com a vida entrevada, como a dela. Sua avó era
uma egoísta, só pensava nela; o papai, coitado, não tinha
voz ativa, fazia tudo o que ela queria. Eu só pensava em
sair de casa. Olha, se o seu pai não tivesse aparecido euteria me casado com qualquer um só pra sair daquela
casa. Todas faziam isso. Saiam de uma prisão pra cair
em outra. Mas qualquer prisão era melhor do que
agüentar a sua avó... Mas daí, apareceu O seu pai...
(VADO ENTRA E SE ESCONDE ATRÁS DO LENÇOL QUE
ESTÁ ESTENDIDO NO VARAL) Quando eu pensei que ia
ter o mesmo destino das outras, apareceu o meu príncipe
encantado! Meu Romeu! Tão sensível, tão delicado... me
fazia todas as vontades, me dava presentes, pintou o meu
retrato, me fez tanta serenata! Acordava todos os
cachorros da vizinhança! (VADO CANTA BOA NOITE
AMOR, A LA FRANCISCO ALVES, ATRÁS DO LENÇOL)
VADO — “Quando a noite descer, insinuando um triste adeus,
olhando nos olhos teus, irei beijar seus dedos e dizer...
(EMÍLIO ABRE LENTAMENTE O LENÇOL COMO SE
FOSSE UMA CORTINA, REVELANDO O PAI) Boa noite
amor, meu grande amor, contigo eu sonharei... e a minha
dor esquecerei...
OS DOIS — se eu souber que o sonho seu foi o mesmo sonho
meu.
VADO — Boa noite, amor, e sonhe enfim, pensando sempre em
mim,
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 112/121
OS DOIS — na carícia de um beijo... que ficou no desejo... boa
noite, meu grande amor.
PÉROLA — Boa noite, amor.” (A SERENATA É INTERROMPIDAPELA ENTRADA DE NORMA)
NORMA — (AGITADA) Pérola! Vado! Mamãe acaba de falecer!
(CORREM TODOS PARA O INTERIOR DA CASA,
FICANDO APENAS EMÍLIO)
EMÍLIO — Quando vovó morreu eu estava em Nova York. Meu pai
me escreveu. Tinha por ela um carinho de memória. Foi
ela que me levou ao cinema pela primeira vez. Brigava
com os porteiros pra fazer eu entrar quando o filme era
proibido... (PAUSA) Naquela época eu não pensava que
um dia eu poderia estar aqui para o enterro da minhamãe.
(ENTRAM ELISA E DANILO. ELISA ESTÁ MUITO
ABATIDA, COMO SE TIVESSE PASSADO A NOITE EM
CLARO)
EMÍLIO — Elisa, você tá muito malvestida. Mamãe não iria
gostar... (ELISA FAZ GESTO DE QUE NÃO TEM ÂNIMO
PARA NADA) Toma um banho, veste uma roupa melhor...
é a nossa despedida. É a última imagem que ela vai levar
da gente. (ENTRA NORMA)
NORMA — Não acha que é bom chamar um padre? (EMÍLIO OLHA
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 113/121
PARA ELISA QUE OLHA PARA DANILO)
EMÍLIO — (À IRMÃ) Acha que ela gostaria?
ELISA — Acho...
NORMA — Então vai, Danilo. Vai você, que o Emílio já não
conhece mais nada aqui...
ELISA — Vai na Matriz, “paizinho”, que ela era da Matriz...
NORMA — É, nós todas somos da Matriz do Divino Espírito
Santo... (FAZ O SINAL-DA-CRUZ. DANILO SAI)
ELISA — Vai depressa, “paizinho”, que tá quase na hora. (A
EMÍLIO) Vou pôr uma roupa... (SAI)
EMÍLIO — O padre que chegou usava jeans, camiseta e tênis
Reebok. Colocou aquela faixinha em volta do pescoço,
pegou um livrinho, leu algumas palavras em aramaico,
porque me soaram absolutamente incompreensíveis...
Daí sacou um recipiente do bolso traseiro, que eu jurei
ser um frasco de desodorante. Será possível? Desses de
plástico. Me aproximei para ver melhor e consegui ler por
entre os seus dedos a letra A... Será que já estão
industrializando água benta? Mas não pode ser, e a
liturgia, onde é que fica? Será que a alma de minha mãe
está sendo encomendada a Deus levando umas
borrifadas de Alert limão?! Não posso ficar com essa
dúvida. Tentei correr atrás dele pra ver do que se tratava
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 114/121
mas nisso...
(ENTRA ELISA. TROCOU DE ROUPA)
ELISA — EMÍLIO, já está saindo... vem. (EMÍLIO COMEÇA A
CAMINHAR EM DIREÇÃO AO INTERIOR DA CASA
QUANDO TODOS VOLTAM DO ENTERRO. A
ILUMINAÇÃO AGORA É SURREAL. APENAS PÉROLA
VESTE LUTO. ENTRA FALANDO)
PÉROLA — (TIRANDO OS SAPATOS) Ah, tô louca por um
cafezinho. Benhê, faz um cafezinho, faz? Só de pensar
que vou ter que enfrentar uma obra de novo, agüentar
pedreiro... Elisa, você vai ter que me dar uma mão, hein.
Me ajuda a tirar uns lençóis pra proteger os móveis aqui
de baixo. (HÁ UM MAL-ESTAR ENTRE ELES, MAS QUE
ELA NÃO PERCEBE OU NÃO QUER PERCEBER ELES TENTAM DIZER-LHE QUALQUER COISA MAS ELA NÃO
QUER OUVIR) Oh, meu Deus, vai dar um trabalho, só de
pensar já dá vontade de desistir... (VADO FAZ SINAL
PARA DANILO FALAR)
DANILO — Sogra...
PÉROLA — (PASSANDO POR ELE, SEM VÊ-LO) Vado, eu acho que
a gente pode aumentar ainda mais a garage, sabia? Eu
tava vendo a planta; gente, isso vai virar um castelo! Já
tô até vendo a cara das suas tias, ciumentas do jeito que
elas são...
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 115/121
ELISA — Mamãe!...
PÉROLA — Vado, você aproveitou pra discutir com a Wanda a
forma de pagamento? Elas bem que podiam fazer maisparcelado, né? Pelo menos em quatro, cinco vezes...
VADO — Pérola!...
PÉROLA — Vai dar trabalho, mas vai valer a pena! Não tá pronto
ainda esse cafezinho? (OUVEM-SE RUÍDOS DE OBRA.
ALGUMA COISA ESTÁ SENDO DESTRUÍDA, POSTA
ABAIXO) Ué, que barulho é esse?
(NORMA ENTRA. TODOS OLHAM PARA ELA. ANUNCIA)
NORMA — Já estão derrubando as casinhas.
PÉROLA — Que...!
NORMA — Foi o último pedido da mamãe, Pérola. Antes de morrer
ela pediu para que vendêssemos pro dr. Henrique.
(PÉROLA MURMURA: “NÃO PODE SER”, “NÃO PODE
SER”. VOLTA-SE PARA VADO, PARA A FILHA PARA O
CUNHADO, SEMPRE MURMURANDO: “NÃO PODE SER..
EU NÃO POSSO ACREDITAR”) Eu ainda tentei impedir,
eu sei como você precisa desse terreno, mas a Lola e a
Wanda quiseram respeitar o desejo da mamãe, você sabe
como ela adorava ele, o dr. Henrique sempre foi tão bom
pra ela... Ele vai construir uma clínica aqui do lado. (DO
LADO ESQUERDO DO PALCO INICIA-SE UMA SOMBRA
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 116/121
QUE CRESCE EM DIREÇÃO AO CENTRO DO PALCO
COMO SE FOSSE UM PRÉDIO SUBINDO)
PÉROLA — Vocês não fizeram isso, Norma! Vocês não seriamcapazes de fazer isso comigo...
NORMA — Foi seu último pedido, Pérola. Tava com a voz tão
fraquinha, tadinha... “Vendam pro dr. Henrique!” Disse
isso e morreu. Como é que podíamos negar? (O
BARULHO DA CONSTRUÇÃO AUMENTA PÉROLA FICA
FORA DE SI. TENTA LUTAR CONTRA A SOMBRA QUE
VAI TOMANDO CONTA DO PALCO)
PÉROLA — Nããããooo! Parem! Parem com isso! Pareeeemm!!!
(DETRITOS, LASCAS DE TIJOLOS CAEM SOBRE ELA)
VADO — Pérola!!! (O BARULHO CESSA. A SOMBRA PASSASOBRE ELA E VAI JUNTAR-SE COM A OUTRA,
ESCURECENDO O PALCO. QUANDO ELAS SE TOCAM,
OUVE-SE O SOM DE UMA PESADA PORTA DE BRONZE
FECHANDO. PÉROLA ENCARA A IRMÃ. NORMA ENTÃO
LEVANTA-SE DA CADEIRA DE RODAS E OFERECE-A
PARA PÉROLA. PÉROLA ANDA LENTAMENTE ATÉ A
CADEIRA E DEIXA-SE CAIR NELA. NORMA AJEITA-A E
BEIJA-A NO ROSTO. SAEM DE CENA, EM CORTEJO
FÚNEBRE, NORMA EMPURRANDO A CADEIRA,
SEGUIDA DE ELISA E DANILO. EMÍLIO ASSISTE À
CENA. VADO PERMANECE, IMPOTENTE. PEGA A
XÍCARA DE CAFÉ)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 117/121
VADO — Tô tão habituado a levar o café pra sua mãe na cama...
Que faço com isso...? (TOMA O CAFÉ, CHORANDO.
EMÍLIO ANDA ATÉ O BAR E PEGA A PLAQUINHA QUE
VADO DEU DE PRESENTE A PÉROLA E LÊ)
EMÍLIO — “Se o destino lhe der um limão, faça uma caipirinha...”
Onde quer que ela esteja, deve estar agora tomando um
campari...
VADO — Tá na sua hora?
EMÍLIO — Tá. (VADO BEIJA O FILHO) Eu te ligo...
VADO — Pode ligar a qualquer hora que eu vou estar por aqui...
limpando a piscina. (CATA ALGUMA COISA DO CHÃO)
Eles jogam tanta sujeira aí das janelas dessa clínica...
acho que eles pensam que aqui é terreno baldio. Voulimpar a piscina, ninguém vai nadar mesmo, mas pelo
menos eu me distraio. Tchau, filho. Vai com Deus...
(CATA ALGUMA COISA DO CHÃO E AFASTA-SE. EMÍLIO
CAMINHA EM DIREÇÃO À VELA QUE FOI ACESA NO
INÍCIO DA PEÇA E APAGA-A. PÉROLA SURGE)
PÉROLA — EMÍLIO!
(ELE PÁRA, VOLTA-SE. ELA PERGUNTA)
PÉROLA — A água está limpa?
EMÍLIO — Está, mamãe.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 118/121
(A LUZ DA PISCINA COMEÇA LENTAMENTE ACRESCER.
ELA DIRIGE-SE PARA A BORDA, DEIXA CAIR A ROUPA
— POR BAIXO ESTÁ COM O MAIÔ QUE USOU EM TUPÃQUANDO FOI “RAINHA DAS PISCINAS” E QUE ELISA
VESTIU NO PRIMEIRO ATO, FAZ PARA O FILHO A POSE
DA FOTO, À LA ESTHER WILLIAMS, COMO SE FOSSE
SALTAR DO TRAMPOLIM E... MERGULHA NA PISCINA)
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 119/121
http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros
http://groups.google.com/group/digitalsource
Esta obra foi digitalizada e revisada pelo grupo Digital Source para proporcionar,
de maneira totalmente gratuita, o benefício de sua leitura àqueles que não podem
comprá-la ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler. Dessa forma, a
venda deste e-book ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é
totalmente condenável em qualquer circunstância. A generosidade e a humildade é
a marca da distribuição, portanto distribua este livro livremente.
Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois
assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras.Se quiser outros títulos nos procure :
http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros, será um prazer recebê-loem nosso grupo.
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 120/121
Impresso no Brasil pelo
Sistema Cameron da Divisão Gráfica da
DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIÇOS DE IMPRENSA S.A.
Rua Argentina 171 — 20921-380 Rio de Janeiro, RJ — Tel.: 585-2000
8/16/2019 Mauro Rasi - Pérola (pdf)(rev).pdf
http://slidepdf.com/reader/full/mauro-rasi-perola-pdfrevpdf 121/121