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VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB
COMPLEXO EDUCACIONAL DAMÁSIO DE JESUS 2ª Fase OAB – EXAME 2012.2
DIREITO TRIBUTÁRIO - 2ª Fase 2012.2
Material Professor - Caio Bartine
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE CERRADA E ABERTA
ARTIGO 01
OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS: A LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA POR FLÁVIA MATOS
O princípio da legalidade tributária ou princípio da legalidade estrita ou princípio
da reserva legal é um dos alicerces do Estado Financeiro e é consagrado pela Constituição de
1988 no artigo 150, I que estatui:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei anterior que o estabeleça”.
O Código Tributário Nacional, também, expressa o princípio da legalidade em
seu artigo 97. Conforme o dispositivo, da mesma forma que só é possível criar ou majorar
tributos por meio de lei, também só é possível diminuir ou isentar tributos, perdoar débitos,
descrever infrações e cominar sanções, criar obrigações acessórias e etc., por meio de lei.
“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos
21, 26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o
disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o
disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus
dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou
de dispensa ou redução de penalidades.”
Assim, a partir do princípio da legalidade verifica-se só ser possível a instituição
ou majoração de tributos por meio de lei formal. Porém, o Supremo Tribunal Federal,
estabeleceu que a medida provisória, por ter força de lei, também supre a exigência.(RE nº.
138.284/CE Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 143/313, j. 1º/7/92)
VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB
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Só que a partir da edição da EC nº32/2001, que alterou o artigo 62 da CF,
impõe-se que a majoração ou a instituição de impostos por meio de MP só começará a
produzir efeitos no exercício financeiro seguinte, com a condição de ter sido convertida em lei.
“Além disso, essa mesma EC exige que as MP’s sejam convertidas em Lei, no
prazo de 60 dias de sua publicação, prorrogáveis por tal igual prazo, sob pena perda da sua
eficácia. E ao contrário da limitação da eficácia do parágrafo anterior, aplicável tão somente
aos impostos, a exigência da conversão em Lei no prazo máximo de 120 dias aplica-se a todos
os tributos.”¹
Desta forma, o princípio da legalidade vêm a fim de salvaguardar a segurança
jurídica e os ideais de justiça, impedindo que o Poder Executivo pudesse, livremente, fixar ou
majorar os tributos. Assim, este princípio trata de garantir que sejam os próprios cidadãos, por
meio de seus representantes, determinem a repartição da carga tributária, e, em conseqüência,
os tributos que, de cada um deles, podem ser exigidos.
Dentro do princípio da legalidade tributária, existem três subprincípios, são
eles: a superlegalidade, a reserva da lei e a tipicidade tributária.
→ Subprincípio da superlegalidade à indica estar a lei formal vinculada às
normas superiores da Constituição Federal, e se houver contraste entre as regras financeiras e
as do texto fundamental haverá controle jurisdicional.
→ Subprincípio da Reserva da lei à indica que só a lei formal pode exigir ou
aumentar tributo. Ou seja, por este subprincípio, a legalidade tributária além de necessitar de
um comando abstrato, impessoal e geral(reserva de lei material), necessita que o comando
seja formulado por órgão titular de função legislativa(reserva de lei formal).
→ Subprincípio da tipicidade tributária à trata-se do conteúdo da norma. Assim,
a lei há de delinear todos os aspectos típicos do tributo, como o fato cuja ocorrência fará surgir
o dever de pagar o tributo(hipótese de incidência); estabelecer a base de cálculo; prever a
alíquota; além de indicar o sujeito passivo da obrigação tributária.
O subprincípio da tipicidade pode ter duas facetas distintas: a tipicidade
fechada ou cerrada, ou a da tipicidade aberta.
Tipicidade fechada - a lei não pode definir genericamente os aspectos típicos
do tributo, de forma que se possa tentar dar uma interpretação extensiva e diferenciada,
tentando adaptar o fato descrito ao caso concreto, pois esta prerrogativa dada ao
administrador, ao magistrado, ou intérprete, seria uma forma de burlar a lei e gerar uma
insegurança jurídica. Assim, a tipicidade tributária deveria ser descrita de forma precisa,
taxativa, que não permita dúvidas ou interpretações ampliativas.
Tipicidade aberta - é a mais utilizada, atualmente, nos compêndios jurídicos.
Permite-se uma flexibilidade do tipo legal, de forma a adaptá-lo aos valores da capacidade
contributiva e da isonomia, buscando assim uma relação tributária mais justa e igualitária.
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O princípio da legalidade tributária não comporta exceções referentes a criação
de tributos, porém comporta casos em que as alíquotas podem ser majoradas por instrumentos
que não a lei:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I - importação de produtos estrangeiros;
II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;[...]
IV - produtos industrializados;
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores
mobiliários; [...]
§ 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites
estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.
[...]”
O parágrafo 1.º, do art. 153, da CF, enumera os impostos que, atendidas as
condições e os limites estabelecidos em lei, podem ter suas alíquotas alteradas pelo Poder
Executivo: o Imposto sobre importação (II), o Imposto sobre exportação (IE), o Imposto sobre
Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
Essa possibilidade existe, por conta da característica de extrafiscalidade que
tais impostos possuem, ou seja, além da mera função arrecadatória (fiscal), servem como
instrumento de atuação do Governo Federal em situações pertinentes à economia (balança
comercial, mercado financeiro, nível da atividade industrial, etc.).
Há quem considere tal dispositivo como uma exceção ao princípio da
legalidade. Tal entendimento, entretanto, não é pacífico, haja vista que, há uma expressa
alusão no texto do dispositivo “...às condições e os limites estabelecidos em lei...”. Desta forma,
mesmo essa flexibilidade concedida ao Executivo deve obediência às prescrições legais,
conforme argumentam os doutrinadores da corrente contrária.
Além dessas exceções, a Emenda Constitucional 33/2001 criou mais uma
exceção, referente a permissão a qual pode ser reduzida e restabelecida a alíquota da
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) em relação às atividades de
importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e
álcool combustível por ato do Poder Executivo, conforme o dispositivo artigo 177 §4º da
CRFB/88.
Cumpre ressaltar que o Princípio da Legalidade Tributária alcança todos os
tributos, abrangendo os impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios,
impostos extraordinários, contribuições para fiscais e as contribuições presentes no artigo 149
da Constituição Federal.
Bibliografia:
VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB
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¹ Lodi, Ricardo. Apostila de Direito Tributário e Finanças Públicas I
Latin, Quartier. Curso de Direito Tributário Brasileiro
Baleeiro, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar.
(http://academico.direito-
rio.fgv.br/wiki/Os_princ%C3%ADpios_constitucionais_tribut%C3%A1rios:_a_legalidade)
Artigo 02
A TIPICIDADE CERRADA FRENTE AOS ASPECTOS GERAIS DAS NOVAS
RELAÇÕES COMERCIAIS E CIVIS
Conforme pode ser verificado nos capítulos antecedentes, a imposição
tributária (obrigação tributária) nasce peremptoriamente da lei, que ainda é responsável por
definir o fato gerador, sua base de cálculo, alíquotas e suas hipóteses de incidências, inclusive,
disciplina suas formas de presunção, ou seja, a lei é que define, além o núcleo elementar do
fato gerador, todas as formas de incidência de tributos, a qual tipifica a relação tributária entre
credor e devedor.
A tipicidade cerrada nada mais é que elemento da legalidade, ou seja, presente
tipicamente no direito público, a lei deve definir e fechar todos os elementos formadores do
tipo, semelhante ao direito penal, de maneira que as hipóteses da incidência do tributo devem
estar prescritas em lei.
A tipicidade é derivada da legalidade, enquanto esta última está ligada
intimamente à lei à tipicidade está ligada à forma, ou seja, a maneira de se aplicar a imposição
tributária, vale dizer que o elemento do tipo na cobrança de tributos deve ser rigorosamente
legislada, inclusive em relação a sua própria formação. O ilustre professor Sacha Calmon
Navarro Coelho, traduz com exatidão este conceito, in verbis:
“Por primeiro, é preciso dizer que enquanto a legalidade formal diz respeito ao
veículo (lei), a tipicidade entronca com o conteúdo da lei (norma). O princípio da tipicidade é
tema normativo, pois diz respeito ao conteúdo da lei. O princípio da legalidade originariamente
cingia-se a requerer lei em sentido formal, continente de prescrição jurídica abstrata.
Exigências ligadas aos princípios éticos da certeza e segurança do Direito, como vimos de ver,
passaram a requerer que o fato gerador e o dever tributário passassem a ser rigorosamente
previstos e descritos pelo legislador, daí a necessidade de tipificar a relação jurídico-tributária.
Por isso, em segundo lugar, é preciso observar que a tipicidade não é só do fato jurígeno-
tributário como também do dever jurídico decorrente (sujeitos ativos e passivos, bases de
cálculo, alíquotas, fatores outros de quantificação, quantum debeatur – como, onde, quando
pagar o tributo). Tipificada, isto é, rigorosamente legislada, deve ser a norma jurídico-tributária,
por inteiro, envolvendo o descritor e o prescritor, para usar a terminologia de Lorival Vilanova.
Assim, se a lei institui imposto sem alíquota, não pode a Administração integrar a lei. Esta
restará inaplicada e inaplicável...
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Em terceiro lugar, a tipicidade tributária é cerrada para evitar que o
administrador ou o juiz, mais aquele do que este, interfiram na sua modelação, pela via
interpretativa ou integrativa. Comparada com a norma de Direito Penal, verifica-se que a norma
tributária é mais rígida. No Direito Penal, o nullum crime nulla poena sine lege exige que o
delito seja típico, decorra de uma previsão legal precisa, mas se permite ao juiz, ao sentenciar,
a desometria da pena, com relativa a liberdade, assim como diminuir e afrouxar a pena a
posteriori. No Direito Tributário, além de se exigir seja o fato gerador tipificado, o dever de
pagar o tributo também deve sê-lo em todos os seus elementos, pois aqui importantes são
tanto a previsão do tributo quanto o seu pagamento, baseado nas fórmulas de quantificação da
prestação devida, e que a sociedade exige devam ser rígidas e intratáveis.” (COELHO: 2002,
199/200)
O direito tributário não admite ficções, se não às definidas em lei, ou seja, o
trabalho do agente público é vinculado à norma, não cabe a este entender pela incidência de
determinado fato gerador se este mesmo fato não está previsto na hipótese legal, assim, por
força do princípio da estrita legalidade e da tipicidade cerrada, o surgimento da obrigação
tributária depende de que se realize em concreto a hipótese prevista abstratamente na lei de
incidência do tributo.
O emprego do fato à norma deve ser completo, ou seja, o evento ocorrido tem
que, obrigatoriamente, satisfazer todos os critérios identificadores tipificados na norma, sob
pena de não se configurar a mencionada incidência.
O fato gerador do tributo deve ser descrito inteiramente na norma, não cabendo
ao intérprete (autoridade fiscal), por analogia, encontrar tipos implícitos e ocultos ou situações
semelhantes para criar hipóteses de incidência ou presumir, em seu próprio beneficio (in casu
o Estado), determinado ato ou fato que se traduz em ficção.
E este tem sido o entendimento da doutrina clássica, como pode ser observada
em breve exposição do Ilustre Professor Alberto Xavier, em artigo publicado em 1978, in verbis:
“E daí que as normas que instituem sejam verdadeiras normas de decisão
material (Sachentscheidungsnormen), na terminologia de Werner Flume, porque, ao contrario
do que sucede nas normas de ação (Handeungsormen), não se limitam a autorizar o órgão de
aplicação do direito a exercer, mais ou menos livremente, um poder, antes lhe impõem o
critério da decisão concreta predeterminando o conteúdo de seu comportamento.”(XAVIER:
1978, 39)
Neste mesmo sentido e citando as lições do próprio Professor Alberto Xavier,
Yonne Dolácio de Oliveira assim conclui:
“Em decorrência da exigência de definição do fato gerador, isto é, da
delimitação exaustiva dos elementos da hipótese de incidência e pelo princípio da implicação
dupla, como necessário, vale dizer, únicos e exclusivos para gerar a conseqüência da
combinação dos arts. 97 e 114 do CTN vemos que estão acolhidos, na matéria em exame, os
princípios dogmáticos bem expostos por Xavier ao cuidar da tipicidade.
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a) princípio da determinação, segundo o qual é necessário que os elementos
integrantes da hipótese de incidência ou fato-tipo legal sejam precisos e determinados, e
assim, o conteúdo da decisão se encontra rigorosamente delimitado na lei ordinária;
b) o princípio do exclusivismo, isto é, sendo os elementos da hipótese de
incidência, únicos e exclusivos para desencadear a conseqüência ou estatuição, isto importa
em que a lei ordinária contém uma valoração definitiva das situações jurídicas dessa hipótese.”
(DOLACIO: 1981, 508)
A doutrina moderna tem confirmado tal posicionamento, em que não basta a
norma formal ou material em definir apenas a criação do tributo, é necessário, contudo, que
defina também suas hipóteses de incidência e todos os elementos da obrigação tributária, em
proteção a eventual arbitrariedade da autoridade fazendária na cobrança de tributos. Neste
sentido, afirma o Ilustre Professor Luiz Emigdio da Rosa Junior, in verbis.
“(...) Assim, segundo o princípio da tipicidade da tributação não basta
simplesmente exigir-se lei formal e material para a criação do tributo, porque tais exigências
não contentam ao moderno Estado de Direito no que concerne à proteção do contribuinte em
face do poder impositivo do Estado. Há necessidade, ademais, que a lei instituidora de tributo
defina tipo fechado, cerrado, todos os elementos da obrigação tributária, de modo a não deixar
espaço algum que possa ser preenchido pela Administração, em razão da prestação tributária
corresponder a uma atividade administrativa vinculada (CTN, art. 3.º). Desse modo, a lei formal
deve conter a hipótese de incidência sob todos os seus aspectos: objetivo, subjetivo, espacial,
temporal e valorativo.” (ROSA: 2007, 233)
Em razão dos princípios citados, que integram todo o sistema tributário
nacional, a analogia, como técnica de hermenêutica jurídica, só é possível se aplicada em favor
do sujeito passivo, como por exemplo, na retroatividade da lei tributária que só é aplicada de
forma benéfica ao sujeito passivo, na interpretação da imunidade que deve ser sempre
interpretada extensivamente em favor do contribuinte e a lei que cria a obrigação tributária
deve ser interpretada sempre de maneira restrita.
Por conseqüência lógica e por aplicação reflexa dos citados princípios, vigem
nos lançamentos fiscais e nos conseqüentes processos administrativos, o princípio da verdade
material, que, segundo o qual, a imposição tributária somente valerá se o evento previsto como
fato gerador (este definido em lei) efetivamente existir.
Na aplicação dos mencionados princípios, o que se verifica é que o direito
tributário é incompatível com as presunções sem condições, uma vez que isso resultaria em
ofensa ao princípio da estrita legalidade e da tipicidade cerrada, criando, por conseqüência
uma ficção não admitida em lei.
O que se verifica na verdade, é que o próprio Estado está sujeito às suas
próprias regras, ou seja, da mesma forma que é definido a hipótese e a forma da incidência do
tributo, o respeito à legislação deve ser observado inicialmente através do próprio Estado. O
ilustre jurista Alfredo Augusto Becker, em sua famosa obra Teoria Geral do Direito Tributário,
assim assevera, in verbis:
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“(...) O Estado cria regras jurídicas com a finalidade de garantir a continuidade
de sua relação constitucional, noutras palavras, a regra jurídica foi criada porque o Estado a
julgou necessária à sua sobrevivência. Ora, estabelecer, com o apontado objetivo, uma regra
de conduta para si próprio, e não se sujeitar a mesma, importa em não existir aquela regra de
conduta, em virtude da prática de dois atos diretamente contraditórios. A contradição torna
impossível a existência de qualquer sistema jurídico.” (BECKER: 2007, 222/223)
Ou seja, o respeito a todas as normas e leis editadas resulta primordialmente
na aplicação do princípio da tipicidade cerrada, pois é o tipo fechado definido na lei que
autoriza a cobrança de tributos. Caso não exista essa correlação substancial entre o fato
conhecido e o fato desconhecido, a imputação da conseqüência jurídica ao fato conhecido não
se dará por presunção, mas por força de outra figura que é a ficção.
E é com este posicionamento que a jurisprudência é pacífica em apontar a
invalidade do ato administrativo, por falta de motivação, além de, em reiteradas decisões,
desconstituírem lançamentos fundados em meras presunções, in verbis:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGENCIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO.
TRIBUTO DECLARADO INCONSTITUCIONAL. JUROS DE MORA. TERMO INCIAL.
(...)
3. O art. 167 do CTN, que trata da incidência dos juros moratórios na repetição
de indébito, não faz qualquer distinção quanto à origem do pagamento indevido, se decorrente
da ilegalidade ou inconstitucionalidade do tributo. É regra de hermenêutica, não cabe ao
intérprete distinguir onde a lei não distingue, principalmente em matéria tributária, que,
assim como no Direito Penal, se socorre do princípio da legalidade e da tipicidade
cerrada.
(...)
5. Agravo regimental improvido.
(Superior Tribunal de Justiça: 2006)
Inclusive, os próprios órgãos administrativos colegiados de julgamento
tributário, in casu o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, também adota a
aplicação do mencionado princípio da tipicidade cerrada, conforme se depreende:
PROCESSUAL. MULTA. ENQUADRAMENTO. TIPICIDADE CERRADA. Os
fatos acusados como infração deverão estar necessária e suficientemente enquadrados no tipo
legalmente descrito, sob pena de afronta ao princípio da tipicidade cerrada indispensável para
sustentar a pena aplicada. Recurso negado (Conselho de Contribuinte do Ministério da
Fazenda: 2004)
IRPJ – PERDAS DE CAPITAL – FUNDAMENTO LEGAL INFRINGIDO – Por
afetar direito patrimonial do administrado e, em respeito ao princípio da legalidade e tipicidade
cerrada, somente poderá ser cobrado tributo quando o evento do mundo fático se subsumir
integralmente à hipótese abstrata esculpida na lei.
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TRIBUTAÇÃO DECORRENTE A decisão proferida no lançamento principal
estende-se aos lançamentos decorrentes, ante a relação de causa e efeito que os une.
(Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda: 2003)
Desta forma, conforme se observa, o entendimento no ordenamento jurídico
sobre a aplicação do princípio da tipicidade cerrada é pacífica, o que não se admite, por
conseqüência, a aplicação de ficções pela fiscalização para a formalização do fato gerador.
No entanto, diante deste mundo moderno onde a velocidade das informações
passou a ser o ponto crucial da própria evolução humana, seja por meio da internet, bolsa de
valor, etc., novos conceitos de negócios estão surgindo, de forma muita mais rápida e eficaz
que a produções legislativas, vale dizer que as relações civis e comerciais evoluem a tal ponto
que quase que sempre tais leis restam desatualizadas.
Neste papel, o Estado, em sua notória voracidade arrecadatória muitas das
vezes ignora o princípio da legalidade tributária estrita (inclusive a espécie que é o princípio da
tipicidade cerrada), para promover autuações baseadas em ficções inadmissíveis, resultado da
interpretação (distorção) analógica da lei.
Independente da importância que tem o tributo no sustento da máquina pública,
inclusive em relação aos projetos sociais que visam erradicar a pobreza, a fome, a
desigualdade social nas concepções assistencialistas, os princípios e fundamentos do direito
sempre devem ser respeitados, em decorrência de que o Estado está para o povo e não o
povo para o Estado.
A inobservância à lei por parte do Estado não condiz com os fundamentos de
um Estado livre, que deve ser perquirida por todos, objetivo inclusive de aprimoramento da
democracia, sob pena de se transformar em um Estado ditatorial sem qualquer respeito às
garantias fundamentais.
E é sob esta égide que a sociedade brasileira e seu sistema jurídico são
fundados, ao qual no preâmbulo da Constituição da República de 1988, define a instituição de
um Estado Democrático, que visa assegurar ambos os direitos, individuais e sociais, e, aponta
ainda, em seu primeiro artigo como fundamento à República os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa, o que coaduna apenas no modelo econômico capitalista.
Desta forma, há de ser sempre conjeturado o ideal da liberdade, sob pena de
extrapolação do estado democrático de direito, pois como já afirmado, o Estado serve o povo e
não o povo serve o Estado.
AUTOR Yhel Esteves
26/08/2009
(Trecho de um capítulo da monografia entregue na pós-graduação).
http://yhel.adv.br/tipicidade.html
Artigo 03
Princípios Constitucionais Tributários
1. Conceito de princípios:
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Princípios são regras que servem de interpretação das demais normas
jurídicas, apontando os caminhos que devem ser seguidos pelos aplicadores da lei. São as
vigas mestras do edifício jurídico; são vetores para soluções interpretativas. São regras que por
terem âmbito de validade maior, orientam a interpretação de outras regras, inclusive das regras
constitucionais.
Se uma norma possuir uma pluralidade de sentidos, prevalecerá aquela que
esteja de acordo com os princípios constitucionais.
Princípio da Legalidade
1. Abrangência:
O princípio da legalidade não é um principio exclusivamente tributário, em
razão da universalidade da legislação. “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei” (art. 5º, II da CF).
Desta forma, só a lei obriga validamente as pessoas. Antigamente dizia-se que
a lei obrigava as pessoas porque era a expressão da razão humana, mas hoje é porque ela é
presumidamente a expressão da vontade da maioria. O Princípio da legalidade é fundamento
do estado democrático de direito.
Quando o princípio da legalidade menciona “lei” quer referir-se a todos os atos
normativos primários que tenham o mesmo nível de eficácia da lei ordinária. Não se refere aos
atos infralegais, pois estes não podem limitar os atos das pessoas, isto é, não podem restringir
a liberdade das pessoas.
Não pode haver lei sem a vontade concordante do Poder Legislativo, mas pode
haver lei sem a vontade concordante do Poder Executivo. Ex: Veto do Presidente da República
derrubado pelo Legislativo.
2. Princípio da estrita legalidade ou reserva absoluta de lei formal:
Ao se afirmar que a matéria tributária esta sob reserva de lei, quer-se apenas
dar um reforço, pois toda matéria esta sob reserva de lei.
Segundo Geraldo Ataliba, em matéria tributária vigora o principio da estrita
legalidade ou da reserva absoluta da lei formal, pois a legalidade no campo tributária é mais
rígida até mesmo que em matéria penal. A lei penal é aplicada ao caso concreto pelo juiz com
uma certa discricionariedade (baseado nas circunstâncias judiciais), já a lei tributária é aplicada
pelo agente fiscal ou pelo juiz sem qualquer discricionariedade. Ex: Agente não pode alterar
alíquota com base na situação econômica do contribuinte.
3. Tipicidade fechada:
No Princípio da legalidade, está presente a tipicidade fechada, uma vez que os
tipos tributários devem ser minuciosos, não deixando espaços para discricionariedade e nem
para a analogia, salvo “in bonan parter”.
Se a norma não descrever com detalhes o tributo, não poderá ser cobrado por
insuficiência do tipo. Não pode haver normas tributárias em branco.
4. Princípio da legalidade em matéria tributária:
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O constituinte reforçou o princípio da legalidade no artigo 150, I da Constituição
Federal, ao dispor que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.
Da mesma forma que só é possível criar (editar norma jurídica com todos os
seus aspectos) ou majorar (alterar para mais a sua alíquota ou base de cálculo) tributos por
meio de lei, também só é possível diminuir ou isentar tributos, perdoar débitos, descrever
infrações e cominar sanções, criar obrigações acessórias e etc, por meio de lei (art. 97 do
CTN).
5. Aparente exceção ao Princípio da legalidade:
- É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites
estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos seguintes impostos (art. 153, §1º da CF): Imposto
sobre importação (II), imposto sobre exportação (IE), imposto sobre produtos industrializados
(IPI), imposto sobre operações financeiras (IOF).
O Poder Executivo é exercido pelo Presidente e Ministros de Estado, mas só o
Presidente pode alterar as alíquotas dos impostos, através de decretos. É facultada a alteração
das alíquotas destes impostos, pois a obtenção do tributo tem finalidade de fomentar a prática
ou abstenção de determinados atos.
É importante ressaltar que o Presidente embora possa alterar as alíquotas dos
impostos, não pode alterar a base de cálculo e nem mesmo criar tributos. Portanto, o artigo 21
do Código Tributário Nacional não foi recepcionado.
- “A alíquota de contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE)
relacionada à atividade de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás
natural e seus derivados e álcool combustível pode ser alterada por ato do Presidente” (art.
177, §4º, I, “b” da CF).
- As alíquotas do ICMS sobre combustíveis e lubrificantes serão definidas,
mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, mediante convênios, conforme o que
dispõe o artigo 155, §4º da CF. Poderão ser reduzidas e restabelecidas, não lhes aplicando o
disposto no art. 150, III, “b”.
6. Faculdade regulamentar atrelada ao princípio da legalidade (art.
84, IV CF):
Em matéria tributária, os únicos regulamentos válidos são os regulamentos
executivos ou regulamentos de execução, isto é, aqueles que têm a função de prover a fiel
execução da lei.
Enquanto a lei cria o tributo, o regulamento estabelece os pormenores de
ordem técnica para dar operatividade à lei. Assim, os regulamentos subordinam-se
inteiramente a lei, sem criar ou aumentar tributos e nem estabelecer qualquer ônus que possa
repercutir no patrimônio ou liberdade do contribuinte.
http://www.webjur.com.br/doutrina/Direito_Tribut_rio/Princ_pios_Constitucionais
_Tribut_rios.htm
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Artigo 04
O princípio da legalidade tributária
Está previsto na Constituição: Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias
asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Portanto, eu preciso de lei para exigir ou para aumentar tributo. Dizer que um
tributo foi criado ou majorado significa dispor sobre os elementos do tributo, os quais são:
ü Fato gerador – é o fato em virtude do qual eu pago tributo. É o fato que, uma
vez realizado gera a cobrança do tributo.
ü Base de Cálculo – indica o montante, o valor sobre o qual o tributo será
recolhido.
ü Alíquota – é o percentual (geralmente) que eu aplico sobre a base de
cálculo.
ü Sujeitos (passivo e ativo)
Eu digo qual é o fato gerador, quanto eu tenho que pagar pela aplicação da
alíquota sobre a base de cálculo, quem paga (sujeito passivo) e para quem paga (sujeito ativo).
Estabelecer todos esses elementos numa lei significa criar um tributo. Se eu altero um
desses elementos, eu preciso de uma lei porque uma vez que o tributo foi criado por lei, pelo
estabelecimento de todos esses elementos, a alteração, necessariamente deve ser feita por
meio de lei. Aqui está o princípio da legalidade.
• Princípio da tipicidade fechada ou tipicidade cerrada ou da
taxatividade – todos os elementos do tributo (fato gerador, base de cálculo, alíquota e sujeitos)
devem estar exaustivamente previstos em lei.
OBS¹.: Prazo de pagamento é elemento do tributo? O STF entende que o
prazo de pagamento está fora do detalhamento de um tributo. É claro que é importante para
disciplinar, mas não integra o mínimo para criar um tributo. E se não está dentro desses
elementos, a consequência disso é: não precisa ser estabelecido mediante lei. Se eu alterar
um prazo de pagamento, não precisa ser por meio de lei. Além disso, também não precisa
observar nenhum dos princípios constitucionais tributários. Então, o prazo de pagamento está
fora do princípio da legalidade e, portanto, de todos os princípios constitucionais
tributários.
OBS².: Multa é elemento do tributo? Porque a multa implica em perda de
dinheiro de particular para o Estado, ela necessariamente estará prevista em lei porque é
uma obrigação patrimonial, mas dizer que a multa deve estar prevista em lei não significa dizer
que ela faz parte do tributo. A multa é devida pelo descumprimento do tributo, não se
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confundindo com este. Mas, mesmo assim, deve estar prevista em lei. Multa é sanção e
tributo não é sanção. Ela se caracteriza, inclusive, como obrigação tributária principal.
OBS³.: Atualizar monetariamente a base de cálculo, de acordo com os índices
de correção monetária, não é aumentar tributo. Não precisa, pois, ser observado o princípio da
legalidade.
• Instrumento legislativo hábil para majorar/instituir tributo - A regra
para modificação ou criação de tributo é lei ordinária. No entanto, existe na Constituição 2
instrumentos além da lei ordinária, que têm força de lei ordinária, são eles:
ü Lei Delegada – Tem força de lei ordinária e está disciplinada no § 1º, do art.
68, da CF;
ü Medida Provisória – Está disciplinada no § 1º, do art. 62, da CF.
De acordo com o STF, tais instrumentos que têm força de lei ordinária, podem
exigir ou aumentar tributo. Nos artigos supracitados há vedações estabelecendo quais matérias
não poderão ser criadas por lei delegada e por medida provisória. E dentro dessas vedações,
não encontramos o direito tributário. E se o direito tributário não está lá, é porque não há
impedimentos. Então, tanto lei delegada quanto medida provisória podem exigir e
aumentar tributo.
* Exceção: lei complementar: O princípio da legalidade exige que os
elementos do tributo venham mediante lei. A regra é a lei ordinária. Só que além da lei
ordinária, eu posso ter medida provisória e lei delegada porque têm força de lei ordinária. No
entanto, há algumas situações excepcionais, expressamente previstas na CF, em que
determinados tributos devem ser criados mediante lei complementar. Nesse caso, só lei
complementar. Não caberá MP e não caberá lei delegada. Que casos são esses?
1. Criação de empréstimos compulsórios – necessariamente serão
criados por lei complementar.
2. Imposto sobre Grandes Fortunas (se um dia vier a ser criado, tem
que ser mediante lei complementar).
3. Impostos e contribuições RESIDUAIS da União.
• Exceções ao Princípio da Legalidade - alguns dos elementos dos
tributos que não precisam ser alterados mediante lei.
1. II, IE, IPI e IOF - são os impostos extrafiscais. Não têm por função primordial
a arrecadação. Tais impostos são usados conforme a conveniência da economia. Tendo em
vista essa necessidade, a estrita observância do princípio da legalidade engessaria o imposto.
Então, em relação a esses impostos, as alíquotas poderão ser alteradas (mas não criadas)
por decreto do Presidente, sem necessidade de todo o trâmite legislativo.
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2. CIDE-combustíveis - é uma contribuição extrafiscal porque serve para
intervir no domínio econômico. Incide na comercialização e importação de combustíveis. As
alíquotas da CIDE também poderão ser alteradas por decreto.
3. ICMS-combustíveis – é o imposto sobre a circulação de mercadorias que
incide sobre a circulação de combustíveis. A Constituição diz que, em relação a esse imposto,
as alíquotas serão estabelecidas por convênio. A determinação de alíquotas deve ser
proveniente de uma deliberação entre os Estados e o DF.
Direito Tributário pela Profª. Tathiane Piscitelli
http://permissavenia.wordpress.com/2011/01/13/o-principio-da-legalidade-
tributaria/
> -PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE
Artigo 05
TRIBUTOS CUMULATIVOS
João da Silva Medeiros Neto
Consultor Legislativo da Área III Direito Tributário (Câmara dos Deputados)
1. CUMULATIVIDADE E NÃO CUMULATIVIDADE
Diz-se que é cumulativo o tributo que incide em duas ou mais etapas da
circulação de mercadorias, sem que na etapa posterior possa ser abatido montante pago na
etapa anterior. Exemplos típicos destes tributos são a COFINS, a contribuição para o PIS e a
CPMF. O tributo é não-cumulativo quando o montante do tributo pago numa etapa da
circulação da mercadoria pode ser abatido do montante devido na etapa seguinte. Os
exemplos brasileiros são o IPI e o ICMS. O tributo não-cumulativo é quase sempre plurifásico,
mas admite-se que ele possa ser monofásico, como os “excise taxes”, cobrados em outros
países sobre os cigarros e os combustíveis, e os impostos únicos, existentes no Brasil até
1988, incidentes sobre combustíveis, energia elétrica e minerais do País.
Hoje, há cobrança parcialmente monofásica da COFINS e do PIS incidentes
sobre remédios, gasolina, óleo diesel, GLP e álcool combustível, mas não se pode dizer que
nesses casos ocorre nãocumulatividade, pois o montante dessas contribuições cobrado sobre
os insumos adquiridos para a fabricação desses produtos não pode ser deduzido na fase da
cobrança monofásica.
2. ICMS E IPI
Mesmo os tributos não-cumulativos apresentam algum tipo de cumulatividade.
Diz-se que um tributo ficaria mais perto da nãocumulatividade pura se fosse admitido, por sua
legislação, o chamado crédito financeiro. Nesse caso, o montante do tributo incidente sobre
todas as mercadorias adquiridas (inclusive para o ativo permanente e para uso e consumo)
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pode ser aproveitado no pagamento do mesmo tributo devido pelo adquirente. O ICMS admite
o aproveitamento do crédito relativo às aquisições destinadas ao ativo permanente, mas os
créditos referentes aos bens de uso e consumo só poderão ser aproveitados a partir de 2003.
Além disso, há casos em que a incipiente estrutura administrativa do
contribuinte impede o aproveitamento do crédito, tornando o imposto cumulativo. É o que
ocorre, por exemplo, com os pequenos agricultores, adquirentes que são de equipamentos,
sementes, fertilizantes e inseticidas tributados pelo ICMS. Como são incapazes de apresentar
registros de suas operações de compra e venda, deixam de aproveitar o crédito relativo às
entradas. Alguns Estados dão permissão aos agricultores para o aproveitamento de créditos
presumidos, mas, é claro, muitas vezes em valor inferior aos reais.
No outro extremo estão os tributos que adotam a não-cumulatividade parcial,
pois admitem apenas o chamado crédito físico. Nesse caso, o aproveitamento se restringe ao
montante do tributo incidente nas aquisições de bens que se destinam a integrar bens
produzidos e comercializados ou só comercializados pelo adquirente. São, portanto, bens que
entram para sair. É o caso do IPI, que impede, por exemplo, o industrial adquirente de
aproveitar crédito do imposto sobre máquinas e equipamentos sujeitos ao imposto.
3. ISS
O ISS, imposto da competência municipal, apresenta inúmeros exemplos de
cobrança cumulativa. A cumulatividade ocorre quando o serviço é prestado para outra empresa
também prestadora de serviço. Assim, se uma empresa de construção civil constrói ou reforma
um hospital, ou se uma empresa de decoração decora um hotel, o usuário do serviço arca com
o ônus do imposto constante da fatura. Não há permissão para o aproveitamento do imposto e
para o abatimento do ISS devido pelo hospital ou pelo hotel.
4. IMPOSTO DE RENDA
Hoje, a maioria das empresas – excetuadas as enquadradas no SIMPLES –
pagam o Imposto sobre a Renda com base no chamado lucro presumido. O lucro presumido é
calculado através da aplicação do percentual de 8% - regra geral, mas há exceções - sobre a
receita bruta (venda de bens e serviços e o resultado auferido nas operações de conta alheia).
Sobre o resultado aplica-se a alíquota do IR, de 25%. Pode-se dizer, então, que no caso do
lucro presumido estamos diante de um tributo cumulativo, que incide à alíquota de 2% sobre o
faturamento das empresas (nele incluídos o montante do ICMS do PIS e da COFINS).
5. SIMPLES
O SIMPLES, embora contenha uma sistemática tributária simplificadora e
redutora das obrigações financeirofiscais, mostra-se também cumulativo. Uma parcela da
alíquota unificada, aplicada pelas microempresas e pequenas e médias empresas industriais
no cálculo do montante a pagar, é representada pelo IPI. Essas indústrias, no entanto, não
podem aproveitar o crédito relativo ao IPI incidente sobre aquisições, nem seus clientes
compradores podem creditar qualquer parcela da importância por elas paga, a título de IPI.
Esse fato pode retirar das indústrias enquadradas no SIMPLES um dos atrativos dos tributos
não-cumulativos, que é a possibilidade de transferência de crédito do tributo para o adquirente.
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Nesse caso o IPI incidente anteriormente representa custo para a empresa enquadrada no
SIMPLES, e o montante por esta pago a título de IPI (incluído na alíquota unificada) representa
novo custo acrescido ao preço do produto que fabrica e vende.
6. CPMF
A CPMF tem todas as características de tributo cumulativo, quando incide
sobre operação bancária efetuada por empresa. Seu montante agrega-se ao custo de
pagamento de compras, por exemplo, e, por conseguinte, agrega-se ao valor das mercadorias
pagas mediante transação bancária.
7. CUMULATIVIDADE GERAL
Há quem inclua no campo da cumulatividade vários outros tributos suportados
pelas empresas, como, por exemplo, imposto sobre a Importação, o IOF e a Contribuição
Previdenciária paga pelo empregador. Argumenta-se que esses tributos representam custos
para as empresas, devem se levados em consideração na formação dos preços de
mercadorias e serviços e que, portanto, são repassados aos adquirentes e usuários. Nesses
casos a cumulatividade apenas é menos transparente, porque os tributos agregados aos
custos e transferidos ao preços, não estão indicados na nota fiscal de venda ou prestação.
8. PRODUÇÃO OU CONSUMO
O Código Tributário Nacional, amparado no que dispunha a Emenda
Constitucional nº 18, de 1965, classificou os impostos em 4 grupos, e incluiu entre os Impostos
sobre a Produção e a Circulação o IPI, o ICM (hoje, o ICMS) estadual e o municipal (hoje,
inexistente), o IOF, o Imposto sobre Serviços de Transportes e Comunicações (hoje,
acrescentado ao ICMS) e o ISS. Trata-se de uma conceituação mais jurídica do que
econômica, na qual o IOF certamente está mal colocado. Com a Constituição de 1988 esta
divisão perdeu sentido, uma vez que o texto constitucional divide os impostos de acordo com
os entes competentes para instituí-los. Por vezes, no entanto, ouve-se falar em tributos sobre a
produção a propósito do IPI, do PIS e da COFINS. Chega-se mesmo a dizer que a
cumulatividade dessas contribuições onera a produção, como se o IPI, por ser não-cumulativo
não onerasse. Certamente esses três tributos oneram a produção, mas oneram, também, as
fases posteriores da circulação das mercadorias e da prestação dos serviços. Porque se
agrega aos preços dos produtos, o encargo representado pelo IPI, cujo último pagamento
ocorre na fase de industrialização, acompanha a mercadoria até seu consumo. O PIS e a
COFINS oneram a produção e a comercialização, mas sua cobrança cumulativa não pode
esconder o fato de que os pagamentos efetuados em todas as etapas da circulação das
mercadorias serão suportados pelo consumidor final, pessoa física. Todos os intermediários
podem repassar custos – aí incluídos os tributos - ao menos em tese, para a etapa seguinte da
circulação, menos o consumidor final. Por isso costuma-se, mais apropriadamente, chamar
esses tributos, e também o ICMS e o ISS, de tributos sobre o consumo. Deve-se acrescentar
que, nesses casos, a transferência do ônus tributário do vendedor para o comprador é
facilmente perceptível.
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Como quer que seja, chamar qualquer tributo, de tributo sobre a produção ou
tributo sobre o consumo, não tem qualquer efeito jurídico prático. Economicamente falando, no
entanto, melhor será utilizar a segunda denominação.
9. VANTAGENS E DESVANTAGENS
9.1 HISTÓRICO. O primeiro tributo com alguma característica de não-
cumulatividade, embora em ponto específico, foi o antigo Imposto de Consumo (hoje, IPI). A
alteração legislativa ocorreu em meados dos anos 50, e tinha por único objetivo facilitar a
instalação da indústria automobilística. Então, como hoje, incidia apenas nas fases de
industrialização. O primeiro tributo não-cumulativo, incidindo em todas as fases da circulação
de mercadorias foi o ICM (hoje, ICMS), que, em 1967, substituiu o Imposto sobre Vendas e
Consignações – IVC, também estadual, cobrado em cascata, isto é, cumulativamente
. 9.2 CUMULATIVIDADE. Os tributos cumulativos reduzem a eficiência do
investimento, ao provocar a verticalização e a horizontalização das empresas. Isso desestimula
a terceirização e a criação de empresas especializadas na fabricação por exemplo, de insumos
e de produtos intermediários para a indústria. Também elevam a tributação dos bens de
capital, geralmente submetidos a longas cadeias produtivas. A tributação em cascata onera a
exportação e impede a desoneração correta nessas operações. As fórmulas de desoneração
presumida (exemplos: COFINS e PIS) geralmente ficam aquém do montante real do tributo que
onerou as fases anteriores à exportação, devendo a esse fato ainda ser acrescidas as
dificuldades impostas pela legislação e pela burocracia para a devolução do indébito. Se os
montantes das desonerações ultrapassarem os valores realmente devidos, o Brasil poderá ser
acusado, na OMC, de estar incentivando exportações através de método vedado pelas
convenções internacionais.
No mercado interno, o tributo cumulativo onera o produto nacional em todas as
fases da produção e da comercialização, ao passo que os produtos importados são tributados
apenas quando ocorre o primeiro faturamento em nosso território. Acarreta, por conseguinte,
menor tributação sobre o produto importado do que sobre o nacional.
Não obstante o que foi dito dos tributos cumulativos, há quem defenda o
retorno de tributo cumulativo para substituir o ICMS. As alíquotas de um tributo cumulativo
seriam bem mais baixas, o que desestimularia a sonegação. Deve ser lembrado que com a
alíquota de 3%, a COFINS teve R$ 40 bilhões de receita em 2000, contra R$ 82 bilhões do
ICMS, que emprega alíquotas bem mais elevadas. As fraudes relativas às notas fiscais
(primeira via com um valor e segunda com valor menor, emissão por estabelecimento
inexistente e outras) seriam reduzidas porque desapareceria o aproveitamento de crédito.
Seriam reduzidas, também, as fraudes decorrentes do emprego de alíquotas
diferentes nas operações interestaduais (remessa para a Zona Franca de Manaus, com
isenção, e entrega em qualquer ponto do País; remessa para outro Estado e entrega dentro do
Estado; notas fiscais que não correspondem a uma operação e outras).
A complexidade do imposto seria reduzida. Hoje essa complexidade está
traduzida nos inúmeros artigos da Constituição relativos ao ICMS, na intrincada
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regulamentação baixada através da Lei Complementar nº 87, de 1996, nos milhares de
convênios celebrados pelos Estados, nas inúmeras leis e nos massudos regulamentos
estaduais, e nas incontáveis vezes em que o Supremo Tribunal Federal foi chamado para
julgar normas e dirimir conflitos relativos ao imposto (isso, sem contar o número elevado de
feitos nas instâncias inferiores).
9.3 NÃO-CUMULATIVIDADE. Os argumentos em prol da não-cumulatividade
são justamente aqueles que se opõem aos defeitos da cumulatividade. Os tributos não-
cumulativos estimulam a terceirização e a especialização - desestimulando, assim, a
integração vertical e horizontal das empresas – e tornam mais eficazes os investimentos.
Permitem desonerar totalmente os bens de capital e de uso e consumo e, também, as
exportações. Na importação, igualam a carga tributária dos produtos estrangeiros à dos
nacionais. No mercado interno, tornam idêntica a carga tributária de produtos com o mesmo
preço, independentemente do número de fases de produção e comercialização.
10. TRIBUTO SOBRE TRIBUTO
Ao se estudar a cumulatividade e a nãocumulatividade dos tributos, não se
pode deixar de fazer uma referência, ainda que ligeira, ao fato jurídico e ao fenômeno
econômico representados pela incidência de tributo sobre tributo. Fato jurídico, porque a
incidência está prevista em lei, e até mesmo na Constituição (art. 155, § 2º, XI). Por isso está
livre dos vícios da ilegalidade e da injuridicidade.
Fenômeno econômico porque a incidência tem sérias repercussões na
formação de preços, acarretando uma espiral de carga tributária. Não se trata, porém, de
fenômeno semelhante ao da cumulatividade. Os efeitos é que são semelhantes, porque em
ambos os casos o ônus tributário é elevado em decorrência da técnica de tributação
empregada. A seguir, são apresentados alguns exemplos a título ilustrativo.
10.1. IPI E ICMS. O IPI e o ICMS são protagonistas de um caso expressivo de
dupla incidência de imposto sobre imposto. Diz a Constituição que o IPI não integrará a base
de cálculo do ICMS, quando a operação configurar fato gerador de ambos os impostos. O IPI,
no entanto, incide sobre o montante do ICMS agregado ao preço do produto, num caso
flagrante de cobrança de imposto sobre imposto. Por outro lado, o IPI incide nas fases de
industrialização de um produto, mas não nas de comercialização. Isso significa que até a
remessa do industrial para o comerciante, o ICMS não incide sobre o IPI que, convém
relembrar, é calculado por fora. Para o comerciante adquirente, no entanto, o IPI incidente na
aquisição representa custo que se agrega ao valor da mercadoria. Quando ele a revende, no
preço da mercadoria está embutido o montante do IPI, cujo ônus suportou, ao comprá-la. Logo,
torna-se fácil concluir que nessa comercialização o ICMS incide, finalmente, sobre o IPI.
10.2. IPI, PIS, COFINS E ICMS. O IPI não incide apenas sobre o montante do
ICMS incluído nos preços. Incide, também, sobre o montante do PIS e da COFINS, tributos
igualmente cobrados por dentro. Por sua vez, o ICMS incide sobre o montante do PIS e da
COFINS agregados ao preço, e o PIS e a COFINS incidem sobre o montante do ICMS
agregado ao preço e sobre o IPI que acarretou custo na fase de comercialização.
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10.3. ICMS SOBRE ICMS. O ICMS apresenta um outro tipo de cumulatividade
que consiste em incidir sobre o montante dele mesmo, que está embutido na base de cálculo,
isto é, no preço da mercadoria ou serviço. Isso ocorre porque o ICMS é calculado por dentro, o
que torna a alíquota real sempre mais elevada do que a alíquota nominal. Vejam-se os
seguintes exemplos de alíquotas reais correspondentes às alíquotas nominais do ICMS mais
aplicadas.
Alíquotas Nominais Alíquotas Reais
7% 7,52%
12% 13,63%
17% 20,48%
18% 21,95%
25% 33,33%
Ressalte-se, a propósito, que a COFINS e o PIS também são cobrados por
dentro. Como suas alíquotas nominais são de 3% e 0,65%, suas alíquotas reais alcançam
3,09% e 0,654%.
http://www2.camara.gov.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/tema20/pdf/108559.pdf
Artigo 06
DIREITO FUNDAMENTAL NÃO-CUMULATIVIDADE NOS TRIBUTOS
SOBRE CONSUMO
Túlio Marcantônio Ramos Filho, Paulo Caliendo Velloso da Silveira.
Mestrando em Direito, Faculdade de Direito, PUC/RS.
Introdução
Trata-se de pesquisa cientifica acerca do conceito, do conteúdo e dos limites
de aplicação da não-cumulatividade nos tributos sobre consumo, em fase as limitações
impostas pela Constituição Federal. A delimitação imposta pela Constituição e, especialmente,
pelo Supremo Tribunal Federal, o qual frequentemente em suas decisões acolhe a restrição ao
princípio não-cumulatividade nos casos expressos no ordenamento pátrio, ou ainda em normas
infraconstitucionais. Logo, ocorrerá a análise de aspectos fundamentais da hermenêutica
jurídica, de modo a estabelecer e explicitar as premissas das quais parte o presente estudo.
Somente após assentar-se as bases interpretativas sobre as quais se funda a pesquisa em tela
será possível o exame dos diplomas legislativos e, conseqüentemente, da construção das
conexões adequadas entre não-cumulatividade, neutralidade fiscal e aproveitamento de
créditos tributários. Passa-se, assim, à averiguação do conceito de sistema, de interpretação
sistemática e da superação das lacunas e antinomias. A hermenêutica jurídica, enquanto
ciência que se preocupa com a interpretação do Direito, tem como objeto de estudo o sistema
jurídico. Segundo Claus-Wilhelm Canaris, as duas características básicas do sistema são:
ordem e unidade A ordem é o atributo necessário à apreensão de uma adequada extensão da
realidade, de modo a atribui-lhes juridicidade, ao passo que unicidade é a nota distintiva que
permite a recondução dos elementos do sistema à uns tantos princípios fundamentais, ainda
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conforme o ensinamento de Canaris Consoante o entendimento do mesmo autor, a ordem
jurídica deriva da própria idéia de justiça, de modo a consubstanciar organização axiológica e
teleológica, ultrapassando-se o paradigma lógico-formal e ao contrário do quis fazer crer o
pensamento jurídico de outrora, especialmente o Positivismo e a Escola da Exegese.
Partindo daí, na tentativa de desconstituir o caráter formalista persistente na
tradição positivista, pretendemos propor uma reformulação de tal mecanismo com base numa
racionalidade de valores. Metodologia Investigação da aplicabilidade do Sistema, Interpretação
sistemática e ponderação, a luz da Jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Conclusão
O princípio da não-cumulatividade assegura ao contribuinte nas operações de
venda que promova o ônus do imposto que adiantará ao Estado e, ao mesmo tempo, possa ele
creditar-se do imposto suportado em suas aquisições. Tal tributo não onera, assim, a força
econômica do contribuinte que compra e vende ou industrializa. O direito positivo brasileiro
dispõe em caso de isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação,
que o crédito para compensação será anulado. A condição atribuída a essa regra não inibi ou
retira a eficácia do princípio da não-cumulatividade, infringindo diretamente o princípio da
neutralidade fiscal.
Como limites objetivos de aplicação dispôs, o constituinte de maneira
inconjugável aos próprios fundamentos do Estado Democrático e Social de Direito ao atribuir à
lei complementar critérios formais de limitar o aproveitamento ao crédito que lhe dispuserem.
O entendimento de que a lei ou o fisco é que vão poder disciplinar o gozo
desse direito implica em reconhecer, equivocadamente, que o legislativo ou a administração
pública podem, a seu critério, estreitar ou mesmo esvaziar o princípio da nãocumulatividade.
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2007, p. 110.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p.
94, 95, 112-124.
FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 4 ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 185.
TORRES, Ricardo Lobo. Da Ponderação de Interesses ao Princípio da
Ponderação. In: Miguel Reale: estudos em homenagem a seus 90 anos. Porto Alegre:
Edipucrs, 2000, p. 647.
FREITAS, Luiz Fernando Calil de. Direitos Fundamentais: limites e restrições.
Porto Alegre: 2007, p. 78.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 292.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição
Portuguesa de 1976. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 224 e 225.
http://www.pucrs.br/edipucrs/online/IIImostra/Direito/62564%20-%20TULIO.pdf
Artigo 07
IMPOSTO CUMULATIVO & IMPOSTO NÃO-CUMULATIVO
Publicado por Robson de Azevedo em 04/14/2010
IMPOSTO CUMULATIVO – Diz-se de um imposto ou tributo que incide em
todas as etapas intermediárias dos processos produtivo e/ou de comercialização de
determinado bem, inclusive sobre o próprio imposto/tributo anteriormente pago, da origem até o
consumidor final, influindo na composição de seu custo e, em conseqüência, na fixação de seu
preço de venda.
IMPOSTO NÃO-CUMULATIVO – Diz-se do imposto/tributo que, na etapa
subseqüente dos processos produtivos e/ou de comercialização, não incide sobre o mesmo
imposto/tributo pago/recolhido na etapa anterior. Exemplos: IPI e ICMS.
Talvez em palavras mais simples, significa que quando no regime cumulativo,
não há a compensação de valores desse imposto já pago em algum processo anterior de
industrialização ou comercialização. Por exemplo, se a empresa é do Lucro Presumido, O Pis
Faturamento e a Cofins, quando de seu cálculo, não há credito algum para dedução desses
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impostos. Sempre as alíquotas serão para o Pis 0,65% e para a Cofins 3,00%. Nesse caso
específico a empresa do Lucro Presumido é "Cumulativo".
Já se a empresa for do Lucro Real, ela terá como creditar os valores desses
impostos já pagos na etapas anteriores da circulação, inclusive de Pis e Cofins pagos na
importação, o que não é permitido para a empresa do Lucro Presumido. Então, a empresa do
Lucro Real – "Não Cumulativo", terá créditos desses impostos e só depois ela aplicará sobre a
base de cálculo, as alíquotas específicas, para cada imposto, sendo que neste caso, o Pis
Faturamento será de 1,65% e a Cofins 7,6%.
http://robsonecml.wordpress.com/2010/04/14/imposto-cumulativo-imposto-no-
cumulativo/
Artigo 08
Pacote tributário: não-cumulatividade da COFINS e compensação
tributária
Luiz Roberto Peroba Barbosa
Tércio Chiavassa*
No último dia 31 de outubro, em Edição Extra do Diário Oficial da União
Federal, foi publicada a Medida Provisória nº 135 (“MP 135”), que aprovou parte daquilo que
vem sendo denominado de reforma tributária pelo Governo Federal e está em discussão no
Senado Federal.
Dentre tantas mudanças, analisaremos neste informativo apenas as
significativas alterações relativas à introdução de regime não-cumulativo para a COFINS, além
dos aspectos previstos em relação à compensação de tributos e contribuições arrecadas pela
Secretaria da Receita Federal (“SRF”).
I. - Contribuintes da “COFINS não-cumulativa”
Inicialmente, cumpre mencionar que a nova sistemática da COFINS não é
aplicável a todas as pessoas jurídicas. A exclusão de determinadas pessoas jurídicas explica-
se pelo provável aumento da carga tributária nas respectivas atividades, haja vista que, em
princípio, a nova sistemática deveria, no máximo, manter a mesma carga tributária para os
contribuintes.
Em virtude disso, dentre outras previsões, o artigo 10º da MP 135 exclui as
seguintes pessoas jurídicas e receitas da tributação pelo regime não-cumulativo da COFINS
agora instituído: (i) cooperativas; (ii) instituições financeiras, companhias securatizadoras de
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créditos e operadoras de plano de assistência à saúde; (iii) pessoas jurídicas tributadas pelo
imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado; (iv) pessoas jurídicas optantes
pelo SIMPLES; (v) as pessoas jurídicas imunes a impostos; (vi) os órgãos públicos, as
autarquias e fundações públicas federais, estaduais e municipais; e (vii) as receitas
decorrentes de operações de vendas canceladas, descontos incondicionais, provisões e
recuperações de créditos baixados como perda e aquelas sujeitas à substituição tributária para
a COFINS; (viii) de serviços de telecomunicações; (ix) de serviços das empresas jornalísticas
e de radiodifusão sonora e de sons e imagens; (x) as pessoas jurídicas que tenham por objeto
social a venda de veículos automotores.
Aparentemente, a intenção do Governo não foi a de instituir nova contribuição
social, mas sim agregar à legislação anterior dispositivos que minimizem a incidência,
introduzindo o regime não-cumulativo para a COFINS e beneficiando determinados setores da
economia, principalmente o industrial, que antes estavam sujeitos a tributação mais gravosa. A
nova sistemática da COFINS será aplicável a partir de 1º.2.2004 (fato gerador), respeitando-se,
portanto, a anterioridade mitigada de 90 dias.
II - Aspectos gerais: base de cálculo, alíquota e regime da não-cumulatividade
A base de cálculo da contribuição será o faturamento (artigo 1o), entendido
como “o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua
denominação ou classificação contábil”. Tal conceituação é idêntica à contida nos artigos 2o e
3o da Lei 9.718/98.
Optou-se pela base de cálculo adotada desde a Lei 9.718/98. Dessa vez,
contudo, permite-se determinadas deduções de tal base de cálculo, além de créditos que, em
tese, tornarão o valor tributável aparentemente menor.
Além disso, conforme definido pelo parágrafo 3º de seu artigo 1º, não integram
a base de cálculo da COFINS da MP 135, as receitas decorrentes de saídas isentas da
COFINS, não alcançadas ou sujeitas à alíquota zero; auferidas pela pessoa jurídica
revendedora, na revenda de mercadorias em relação às quais a contribuição seja exigida da
empresa vendedora, na condição de substituta tributária; as não operacionais de venda de
ativo imobilizado; as decorrentes da venda de produtos submetidos à incidência
monofásica da COFINS; e as decorrentes de vendas canceladas e de descontos
incondicionais concedidos, bem como de reversões de provisões e recuperações de
créditos baixados como perda que não representem ingresso de novas receitas.
Somada às receitas passíveis de exclusão da base de cálculo da COFINS, a
MP 135 inovou ao possibilitar ao contribuinte a apropriação de créditos da contribuição, em
percentual também de 7,6%, em relação a várias operações, que serão compensados contra o
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próprio valor de COFINS que será devido pela pessoa jurídica. O valor desse crédito, aliás,
conforme determinação expressa do §10º do artigo 3º, não constitui receita bruta do
contribuinte.
Diante das inúmeras hipóteses de crédito previstas pela MP 135,
recomendamos a leitura de seu artigo 3o. Destacam-se os créditos: sobre o valor dos bens
adquiridos para revenda, com exceção das mercadorias e dos produtos sujeitos ou ao regime
de substituição tributária ou à incidência monofásica da COFINS; sobre o valor dos bens e
serviços utilizados como insumo na fabricação de produtos destinados à venda ou na
prestação de serviços, inclusive combustíveis e lubrificantes; à energia elétrica consumida nos
estabelecimentos da pessoa jurídica; a aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, além
de créditos em determinadas despesas financeiras decorrentes de empréstimos e
financiamentos; encargos de depreciação e amortização de bens etc.
Referidos créditos serão calculados mensalmente, mediante a aplicação da
alíquota de 7,6% sobre o valor da aquisição do bem ou do serviço adquiridos no mês. Ademais,
com o suposto intuito de incentivar a indústria nacional, a MP 135 estabelece que o
creditamento da COFINS somente será legítimo em relação “aos bens e serviços adquiridos de
pessoa jurídica domiciliada no País, aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a
pessoa jurídica domiciliada no País; e aos bens e serviços adquiridos e aos custos e
despesas incorridos a partir de 1º.2.2004 (fato gerador).
O artigo 28 da MP 135 criou a figura da retenção na fonte da COFINS, da CSL
e do PIS nas hipóteses de pagamentos efetuados pelas pessoas jurídicas a outras pessoas
jurídicas em relação aos serviços de limpeza, conservação, manutenção, segurança, vigilância,
transporte de valores e locação de mão-de-obra, serviços de assessoria creditícia,
mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a
receber, bem como pela remuneração de serviços profissionais.
O valor da retenção na fonte será equivalente a 4,65% e fica configurado pela
lei como antecipação do valor devido, nos termos em que estabelecido pelo artigo 34, cabendo
ao contribuinte que teve o valor retido efetuar o recolhimento da diferença apurada.
III. - Compensação de tributos federais
Além da nova sistemática não-cumulativa introduzida para a cobrança da
COFINS, a MP 135/03 trouxe ainda algumas modificações nas regras de compensação de
tributos federais arrecadados pela SRF que foram introduzidas em 1996 com a edição da Lei
9.430/96 (artigo 74), com as alterações posteriores da Lei 10.637/2002 (artigo 49).
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De acordo com o artigo 17 da MP, fica expressamente vedada a compensação
de créditos de tributos e contribuições administrados pela SRF com:
(i) débitos que já tenham sido encaminhados à Procuradoria Geral da Fazenda
Nacional (“PGFN”) para inscrição em dívida ativa;
(ii) débito consolidado no âmbito do Refis ou parcelamento a ele alternativo;
(iii) débitos que já foram objeto de compensação anterior e não homologada
pela SRF.
O mesmo artigo, observando as regras constantes do Código Tributário
Nacional (“CTN”) a respeito de lançamento, dispôs ainda que o prazo para homologação da
compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 anos, contado da data do protocolo da
declaração de compensação (“DECOMP”).
Caso haja compensação indevida, a DECOMP constituirá confissão de dívida e
instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados pela
SRF e PGFN.
Não hipótese da não homologação da compensação pela SRF, deverá o
contribuinte ser cientificado para efetuar, no prazo de 30 dias, o pagamento dos débitos
indevidamente compensados ou apresentar manifestação de inconformidade contra a não
homologação da compensação.
Vale ressaltar que, em respeito ao artigo 151, III do CTN, a manifestação de
inconformidade, com acerto, passa a ter expressamente reconhecido o seu efeito suspensivo.
Esta medida assegurará ao contribuinte a obtenção de Certidão Positiva com efeito de
Negativa enquanto perdurar a discussão na esfera administrativa.
Caso o contribuinte não tome nenhuma das medidas indicadas no item 18
acima, quais sejam, o pagamento do débito ou a discussão na esfera administrativa, dispõe a
MP que os débitos serão encaminhados para inscrição de dívida ativa e cobrança por
execução fiscal.
IV. - Conclusões
Há aspectos importantes que foram adotados, como por exemplo a
confirmação da desoneração da COFINS em relação às receitas decorrentes de exportações
de mercadorias e de serviços para pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior (artigo 6o,
incisos I e II).
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A supressão da incidência da COFINS em cascata e, conseqüentemente, a
possibilidade de o contribuinte apropriar créditos da exação representará avanço na legislação
somente se houver redução ou, ao menos, manutenção da carga tributária dos contribuintes, o
que temos séria e fundada dúvida, especialmente em relação ao setor de prestação de
serviços, já que este segmento terá oportunidade mínima para a escrituração de créditos,
especialmente considerando a vedação do crédito em relação à mão-de-obra paga no mercado
nacional. Temos conhecimento de algumas emendas à MP que serão apreciadas pela Câmara
dos Deputados sobre o assunto.
Vale ressaltar também que na nossa avaliação foram importantes os
esclarecimentos feitos pela MP no sentido de deixar, de forma expressa no texto, as regras,
prazos e recursos cabíveis contra decisões administrativas que não homologam a declaração
de compensação. Não obstante, parece-nos, num exame preliminar, que o Poder Executivo
limitou a utilização de créditos tributários, o que não parece estar em linha com a finalidade do
instituto da compensação. Esperamos assim, que o Congresso Nacional faça as devidas
modificações no sentido de preservar as garantias dos contribuintes.
Por fim, há que se atentar para o fato de que DECOMP passa a ser
considerada, por norma legal, como confissão de dívida do contribuinte. Nesse sentido, deve-
se redobrar o cuidado na sua apresentação, na medida em que eventual indeferimento
acarretará na inscrição do débito em dívida ativa e conseqüente cobrança por executivo fiscal.
* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não
devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio
específico.
© 2003. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3150,61044-
Pacote+tributario+naocumulatividade+da+COFINS+e+compensacao+tributaria
PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE
Artigo 09
A Seletividade Tributária no Brasil
Autor Francisco Dromeles Lima
(08 de junho de 2012)
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Sistema Tributário Nacional (STN) vigente, consubstanciado na CF/88
(Art.145 a 162 e 195), bem como numa infinidade de normas e dispositivos
infraconstitucionais (CTN e Legislações Fiscais), representa uma complexidade sem par aos
pagadores de tributos (o povo) e às próprias administrações tributárias (entes tributantes).
São muitos dilemas que se relacionam com a engenharia fiscal / tributária, confusa e
dinâmica, abrangendo gênero, espécies e conceitos tributários, incidências e não-
incidências, fatos geradores, bases de cálculos, alíquotas, competências, formas de
lançamentos, princípios, repartição do produto da arrecadação e outros.
Mas a complexidade posta no STN não para por aí, pois havemos de
considerar a própria função do tributo que não significa tão somente uma fonte de recursos
governamentais para que o Estado possa cumprir com o seu papel na sociedade. Outras
funções importantes, além da mais óbvia (arrecadar ou captar recursos), os tributos servem
como instrumento de distribuição de renda, como regulador de mercado, como inibidor de
externalidades e até como controlador do comércio exterior entre o país e o resto do mundo,
com significativa influência na Balança Comercial e, conseqüentemente, no Balanço de
Pagamentos.
Nessa seara tributária, ainda devemos observar a classificação dos tributos
em: Impostos, Taxas e Contribuições, todos preenchendo diferentes necessidades e funções,
respeitados os comandos dos dispositivos constitucionais pertinentes.
Outras classificações para explicar a pedagogia dos tributos no Brasil são
muito comuns nos estudos da tributação nacional. Por isso se podem elencar as várias
modalidades e tipos dentro do STN em impostos diretos e indiretos; progressivos,
regressivos e Seletivos.
Quanto à incidência dos tributos, os encargos atingem toda a cadeia
econômica, como a produção, o consumo e a circulação dos produtos, a renda da pessoa
física e jurídica, a propriedade e patrimônio, os serviços, a folha de salário (parte paga pelo
empregado e outra parte paga pelo empregador), para fins da seguridade social, incidindo
também sobre o comércio exterior.
No que se refere à Seletividade tributária, assunto sobre o qual iremos tecer
maiores comentários, devemos, de imediato, entender que os tributos/impostos desse grupo
são resultantes de uma seleção dentre o universo de impostos incidentes sobre o consumo
de certos produtos e/ou mercadorias que possuem características diferenciadas, como a
suntuosidade e o luxo.
No Brasil, os impostos ditos Seletivos são aqueles representados pelo
consumo de bebidas alcoólicas, cigarros e demais artigos de tabacaria, fogos de artifícios,
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petróleo e outros que possuem características de demanda inelástica em relação ao preço ou
que causem externalidades (positivas ou negativas). Quer dizer, envolvem a imposição
involuntária de custos ou benefícios a terceiros.
Os produtos sujeitos a esse tipo de tributação normalmente apresentam uma
ou mais das seguintes características: primeiro, sua produção e venda são estritamente
supervisionadas pelo governo. Ou seja, são produtos ou serviços suntuários, demandando
grandes despesas e luxo; segundo, são caracterizados por demanda inelástica em relação
aos preços; terceiro, a elasticidade da demanda em relação à renda é maior do que 1 (hum),
isto é, são produtos ou serviços de luxo; quarto, seu consumo é considerado pelo governo
como destituído de mérito ou provável causa de externalidades negativas. As alíquotas
aplicadas nos impostos seletivos de consumo podem ser definidas em termos específicos ou
ad valorem (depende da valoração do produto) e normalmente são muito mais altas do que
as alíquotas aplicadas no âmbito do IVA ou do imposto geral de vendas. Por causa do seu
foco relativamente estreito, os impostos seletivos de consumo podem ter um grande impacto
sobre a alocação de recursos e a tomada de decisão do consumidor e são, portanto,
instrumentos potencialmente muito eficazes para atingir metas políticas que vão além da
simples geração de receita.
Justifica-se a tributação seletiva do consumo sobre três aspectos básicos: o
da receita, o da correção de externalidades negativas e o da equidade vertical. O primeiro
aspecto, o da receita, indica pouco ou baixo esforço da administração tributária e limitação
para a sonegação; permite-se alta arrecadação com resultado pouco distorcido.
Ainda considerando o aspecto da receita, vejamos bem as seguintes
características: envolvem grandes volumes de vendas, poucos produtores, demanda
inelástica, facilidade de definição e falta de substitutos próximos.
Sobre o aspecto da correção das externalidades negativas, o objetivo é
internalizar essa falha gerada pelo consumidor, considerando os custos pertinentes.
Observe-se que altos impostos suntuários muitas vezes são justificados em termos dos
custos sociais e para a Saúde Pública do alcoolismo e dos riscos para a saúde decorrentes
do tabagismo. Mesmo quando o tratamento médico dos portadores de câncer pulmonar
inexistir ou for custeado inteiramente pelos pacientes, a doença (câncer) causada pelo fumo
passivo é claramente uma externalidade negativa. Altas alíquotas impostas ao tabaco e
álcool também podem ser justificadas pelo fato de que os consumidores, particularmente os
jovens, talvez não estejam plenamente conscientes das conseqüências que o uso desses
produtos pode ter para a saúde a longo prazo.
Acerca da relação dos impostos seletivos de consumo e a equidade vertical
(igualdade de tratamento), normalmente não é aconselhável ampliar o alcance dos impostos
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adotivos de consumo além de produtos suntuários, combustíveis e alguns poucos produtos
de luxo, como jóias raras e alguns tipos de embarcações recreativas e esportivas (jet ski, por
exemplo).
Algumas jurisdições tentam usar esses impostos como um instrumento para
aumentar a eqüidade vertical. O desejo de seguir uma estratégia desse tipo é compreensível,
caso a tributação direta não seja progressiva devido a falhas na administração tributária. Já o
uso da tributação indireta como instrumento para atingir maior progressividade pode levar a
uma proliferação de impostos seletivos de consumo sobre uma grande variedade de
produtos de luxo, resultando em grandes custos administrativos e decisões arbitrárias.
Nesse contexto, há também quem defenda o uso de um sistema de
tributação seletiva do consumo para alcançar maior progressividade na tributação indireta.
Existem cinco condições sob as quais esse sistema pode dar resultados. De início, uma faixa
representativa de bens e serviços a serem tributados deve ter elasticidade da demanda em
relação à renda maior que 1(hum) e a elasticidade da demanda em relação ao preço próprio
deve ser baixa, de forma que a redução da parcela de produtos tributados nos padrões de
despesas familiares depois da adoção do imposto seja baixa. Em segundo lugar, as
despesas com produtos passíveis de tributação pelo imposto seletivo de consumo devem
representar uma grande fração da renda doméstica de famílias de renda média e alta e uma
fração muito menor da renda de famílias de baixa renda. Terceiro, se tiver de ser ampliado
para cobrir produtos comprados por famílias de renda mais baixa, o sistema de imposto
seletivo de consumo deve usar alíquotas diferenciadas aplicadas a subgrupos de produtos,
com base na qualidade ou no preço. Quarto, um sistema de imposto seletivo de consumo
progressivo deve ser viável, de forma que disputas e lançamentos arbitrários possam ser
minimizados e o sistema aplicado segundo a intenção dos legisladores. Como quinta
condição, o sistema deve ser percebido pelo público como progressivo, a exemplo dos
impostos diretos.
Para uma melhor compreensão, diz-se que um imposto é progressivo se a
sua taxa cresce com o valor da renda, de tal forma que sua aplicação faz com que a
desigualdade da distribuição da renda, após o imposto, seja menor do que antes do imposto.
No Brasil, os estudos têm mostrado que a carga tributária decorrente dos
impostos diretos é progressiva e que a regressividade tributária decorre dos impostos
indiretos. Na verdade, se fossemos somar o total de impostos progressivos e o total de
impostos regressivos, teríamos uma desigualdade com uma vantagem maior para o lado dos
impostos regressivos, diferença essa que se justifica pela forte tributação dos impostos
indiretos, como o IPI, o ICMS e o ISSQN.
Outros pontos interessantes e importantes, reconhecemos, mereciam constar
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neste estudo, mas dada à complexidade do tema, preferimos deixar para um próximo módulo
que, oportunamente, haveremos de disponibilizá-lo ao leitor.
Por fim, o que se discorreu acerca da seletividade tributária, convenhamos,
foi no sentido de se dar uma idéia arrazoada do objetivo deste instituto de tributação, como
também dos seus pontos positivos dentro do emaranhado Sistema tributário Nacional. Com
efeito, há de se convir que este aspecto seja apenas uma pequena parte no estudo do
modus da política tributária vigente, não se esgotando, tão somente, à luz deste compêndio.
Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis
Artigo 10
Seletividade como forma de extrafiscalidade nos tributos indiretos
Posted by Rodrigo Santhiago Martins Bauer · 07/06/2011
O presente texto tem por escopo analisar e explicar o porquê que a
seletividade nos tributos indiretos é uma forma de extrafiscalidade na tributação.
Para explicar o questionamento acima, recorro ao conceito fornecido pelo
ilustre mestre e doutorandoem Direito Tributário, Eduardo Sabbag, que nos explica, quanto à
seletividade:
A seletividade é forma de concretização do postulado da capacidade
contributiva em certos tributos indiretos. Nestes, o postulado da capacidade contributiva será
aferível mediante a aplicação da técnica da seletividade, uma evidente forma de
extrafiscalidade na tributação. (SABBAG, 2011, p. 182-183)
A técnica da seletividade serve como um instrumento de materialização do
postulado da capacidade contributiva, na medida em que aplicam alíquotas que variam na
razão inversa da essencialidade do bem, ou seja, quanto mais essencial o bem, menor a sua
alíquota. De fato, um produto que é nocivo a saúde das pessoas, como, por exemplo, o
tabaco, incide-se uma alíquota máxima de ICMS e IPI. Ao passo que um produto essencial,
por exemplo, o pão, faz com que incida uma alíquota mínima.
No que tange à extrafiscalidade, posso ilustrar o conceito, com ênfase a sua
finalidade, através do seguinte trecho:
(…) extrafiscalidade – poderoso instrumento financeiro empregado pelo
Estado a fim de estimular ou inibir condutas, tendo em vista a consecução de finalidades não
meramente arrecadatórias. Note que a extrafiscalidade orienta-se para fins outros que não a
captação de recursos para o Erário, visando corrigir externalidades. (SABBAG, 2011, p. 74)
Segundo Sílvia Diniz[1], os ordenamentos jurídicos dos Estados modernos
mesclam diversas técnicas de regrar o comportamento dos destinatários das normas
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tributárias. E, continua, ao afirmar que existem técnicas repressivas (quando o legislador não
quer que algo aconteça, ou deseja que aconteça o mínimo possível) e promocionais (que
desejam que algo se realize, ou seja, incentivando a prática de determinada ação).
O ordenamento jurídico brasileiro se utiliza de várias técnicas para encorajar
ou desencorajar determinados comportamentos, dentre elas, temos as citadas acima: a)
seletividade; e b) extrafiscalidade.
CONCLUSÃO
Posso concluir que, o princípio da seletividade, ao aplicar alíquotas na razão
inversa da essencialidade, prestigia, por conseguinte, a utilidade social do bem. Logo, sob
esse prisma, a seletividade assume um caráter extrafiscal nos tributos indiretos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DINIZ, Silvia. A utilização extrafiscal dos tributos. Disponível em http://www.professorsabbag.com.br/indx.php? Acesso em 19 de maio de 2011.
SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
NOTAS [1] DINIZ, Silva. A utilização extrafiscal dos tributos. http://rsmartinsbauer.wordpress.com/2011/06/07/sele tividade-como-forma-de-extrafiscalidade-nos-tributos- indiretos/
Artigo 11
A seletividade nos tributos indiretos como forma de extrafiscalidade
Iana Gonçalves Souto Maior Vieira
A partir do momento em que a seletividade dos tributos indiretos culmina na
utilização destes como meio de regulação econômica, tem-se que o referido instituto, a
seletividade, é uma das muitas formas de manifestações da extrafiscalidade, sendo um dos
instrumentos para a atuação estatal em prol do interesse público.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objetivo explicar o motivo pelo qual a
seletividade nos tributos indiretos pode ser considerada como uma forma de extrafiscalidade.
2. DESENVOLVIMENTO
Para a resolução da questão proposta, deve-se, primeiramente, tecer
algumas considerações acerca dos institutos da extrafiscalidadee da seletividade.
A extrafiscalidade consiste na utilização do tributo com a finalidade diversa
daquela considerada como sua essência, qual seja, a obtenção de receitas para o Erário
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para abastecimento dos cofres públicos, chamada de finalidade fiscal.
Na realidade, a extrafiscalidade consiste no incentivo ou desestímulo dos
contribuintes a realizar determinadas ações por considerá-las convenientes ou nocivas ao
interesse público. Dito incentivo ou desestímulo pode se materializar de diversas formas,
podendo decorrer de isenções, benefícios fiscais, progressividade de alíquotas, finalidades
especiais, dentre outros institutos criadores de diferenças entre os contribuintess.
Segundo ROQUE ANTONIO CARRAZA, há extrafiscalidade "quando o
legislador, em nome do interesse coletivo, aumenta ou diminui as alíquotas e/ou as bases de
cálculo dos tributos, com o objetivo principal de induzir os contribuintes a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa" [01].
Assim, enquanto o Estado exerce a função fiscal quando busca a simples
arrecadação de recursos financeiros, exerce função extrafiscal quando visa, através da
tributação, o atendimento da função socioeconômica do tributo. Desta forma, tem-se que a
extrafiscalidade se presta para a intervenção estatal na economia através da disciplina de
condutas, possuindo caráter regulatório.
A seletividade, por sua vez, como sua própria designação sugere, determina
uma seleção de bens a fim de aplicar-lhes uma oneração diferenciada. Pode-se dizer, assim,
que se trata de uma tributação diferenciada em razão do objeto da exação [02].
Na prática, a seletividade implica na aplicação de diferentes alíquotas, ou de
qualquer outra técnica que influencie no quantitativo da carga tributária, sobre diferentes
objetos.
No Brasil, encontramos na Constituição brasileira previsão expressa quanto à
aplicação da seletividade no Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI (artigo 153, § 3º, I
da CF/88), no Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS (artigo 155, §
2º, III da CF/88) e no Imposto sobre Propriedade Predial Urbana – IPTU (artigo 156,§ 1º, II da
CF/88).
Contudo, como o presente estudo abrange a seletividade apenas nos tributos
indiretos, ou seja, aqueles em que o ônus tributário repercute no consumidor final, vamos nos
ater à aplicação desta quando da incidência do IPI e do ICMS. Em ambos os casos, o critério
para a aplicação da seletividadeé a essencialidade dos produtos sujeitos à incidência dos
referidos tributos, isto é, leva-se em consideração a necessidade dos bens, se útil ou
supérflua, para a sociedade. Significa dizer que, em relação aos bens maior essencialidade a
alíquota será menor e, pela lógica, quanto aos bens de menor essencialidade, a alíquota é
maior.
Salienta-se que, à vista da redação dos dispositivos constitucionais citados, a
seletividade é obrigatória para o IPI e facultativa para o ICMS.
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COMPLEXO EDUCACIONAL DAMÁSIO DE JESUS 2ª Fase OAB – EXAME 2012.2
Partindo desses pressupostos, tem-se que o IPI e o ICMS são utilizados
como meio de regulação econômica, uma vez que, ao fazer incidir menores alíquotas em
razão da maior essencialidade do bem, as operações de industrialização de produtos e
comercialização de mercadorias e serviços que possuam esse caráter de essencialidade são
estimuladas, bem como acesso a esses bens de consumo por parte da população em geral é
facilitado.
Pois bem, a partir dos conceitos expostos, tem-se que a utilização do IPI e do
ICMS como meio de regulação econômica, em razão da tributação atrelada à essencialidade
do bem, coincide com o conceito de extrafiscalidade, uma vez que não leva em conta apenas
o fim arrecadatório, mas efetivamente ordena a vida em sociedade.
Desta forma, pode-se concluir que a seletividade nos tributos indiretos é uma
forma de atuação para obtenção do objetivo caracterizador da extrafiscalidade.
Tal conclusão já foi inclusive objeto de análise pelo Egrégio Supremo
Tribunal Federal, o qual decidiu que o uso da seletividadeconfere caráter extrafiscal à exação
(RE 589.216/RJ, Rel. Min. Eros Grau).
Ademais, dita relação entre extrafiscalidade e seletividadeé corroborada por
PAULO DE BARROS CARVALHO, o qual dá como exemplo de extrafiscalidade prevista na
constituição a previsão de seletividade para o IPI [03].
3. CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que, a partir do momento em que a seletividade
dos tributos indiretos culmina na utilização destes como meio de regulação econômica, tem-
se que o referido instituto, a seletividade, é uma das muitas formas de manifestações da
extrafiscalidade, sendo um dos instrumentos para a atuação estatal em prol do interesse
público.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 24.
ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
PAULSEN, Leandro et al. Impostos federais, estaduais e municipais. 5.
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 17. ed. São
Paulo: Saraiva, 2005.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 2 ed. São Paulo:
Método, 2008.
Notas
1. CARRAZA, Roque Antônio – Curso de Direito Consittucional
VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB
COMPLEXO EDUCACIONAL DAMÁSIO DE JESUS 2ª Fase OAB – EXAME 2012.2
Tributário, 24 ed. São Paulo, Malheiros, 2008 p. 109
2. Cf: PAULSEN, Leandro et AL. Impostos federais, estaduais e
municipaius, 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 84
3. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit. P. 235
(http://jus.com.br/revista/texto/20132/a-seletividade-nos-tributos-indiretos-
como-forma-de-extrafiscalidade)
SEGURANÇA JURÍDICA
ARTIGO 12
Princípio Da Segurança Jurídica Em Matéria Tributária
BREVE ESBOÇO HITÓRICO
Ao longo dos séculos XIX e XX, todos aqueles ideais trazidos e implantados
pela burguesia, na busca da direção política e cultural da época, foram sofrendo sucessivos
abalos. Desde o Renascimento, passando pela transição do sistema feudal para o sistema
capitalista mercantilista, conduziram a criação do jusnaturalismo. A concepção do homem,
cristão, ocidental, assumia o status de "homem universal", em meio a uma natureza atemporal,
eterna e imutável, fonte dos "valores universais".
O jusnaturalismo teve o seu apogeu na era napoleônica, principalmente com a
criação do Código Civil, reconhecendo e institucionalizado os chamados direitos naturais que
agora saiam da esfera filosófica para ganhar normatividade jurídica.
Neste contexto nasce o juspositivismo, quando o direito passa a ser concebido
como um conjunto coerente e completo de leis positivadas, sem quaisquer ingerências de
outros ramos do conhecimento.
Em assim sendo, o direito ganhava, à época, o aspecto de ciência autônoma,
dotada de métodos e princípios próprios, nos moldes trazidos por Hans Kelsen, em sua Teoria
Pura do Direito.
Com a derrubada dos sistemas nazi-fascistas na segunda guerra mundial, o
juspositivismo tem o seu fim. Não mais seriam aceitos conceitos universais, tanto em relação
aos homens quanto aos valores da sociedade.
Como fim da segunda guerra, a criação da bomba atômica, a guerra fria, a
possibilidade concreta de um holocausto nuclear destruir definitivamente a humanidade, trazem
a necessidade de alternativas à ciência do direito surgindo assim o pós-positivismo, em
momento adverso da história da humanidade.
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No decorrer dos anos 60, com o movimento feminista, as revoluções
estudantis, a contracultura, a luta pelos direitos civis e os movimentos revolucionários no
terceiro mundo apresentam novos sujeitos sociais, que fazem graves criticas à política das
minorias trazendo a fragmentação dos discursos o que impõe o reconhecimento dos múltiplos
pontos de vista e conseqüentemente, dos múltiplos sistemas epistemológicos.
A normatização da vida social, não mais seria aceita sem um dialogo para uma
construção de um sistema comunicativo. Nunca a democracia teria sido tão necessária para a
validação do direito, no intuito de legitimar o exercício do poder estatal.
Neste contexto, surge um dos princípios basilares de um sistema
Constitucional fundado em uma sociedade democrática, qual seja, o principio da segurança
jurídica.
SEGURANÇA JURIDICA NA CONSTITUIÇÃO E NO DIREITO TRIBUTARIO
O principio da segurança jurídica vem exposto no artigo 5° inciso XXXVI[1], da
constituição federal que prevê que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada.
Nesse sentido, o referido princípio surge no intuito de proteger o individuo na
construção e elaboração de normas novas, visando um mínimo de confiabilidade do individuo
para com o estado, principalmente no que tange a impossibilidade de criação de normas
retroativas e vedação à flexibilização da coisa julgada.
Trazendo o referido principio para esfera tributária, o Doutrinador, Humberto
Ávila, faz uma analise conjunta do artigo 5 inciso XXXVI, com o artigo 37 caput[2] da
Constituição federal, destacando o principio da moralidade como um principio geral da
administração pública.
Segundo o Autor, do principio da moralidade decorrem outros dois princípios da
administração pública, quais sejam o da boa-fé, e o da proteção à confiança. Este ultimo, por
sua vez, esta relacionado ao dever do estado de estabelecer ou buscar um ideal de
estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuação do poder público.
Nesse sentido, conclui Humberto Ávila:
"... das condutas necessárias para garantia ou manutenção dos ideais de
estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade normativa: quanto a forma, a
moralidade constitui uma limitação expressa (art. 37), e a proteção da confiança e a boa-fé com
limitações implícitas, decorrentes dos sobreprincípios do Estado de Direito e da segurança
jurídica, sendo todas elas limitações materiais, na medida em que impõe ao Poder Público a
adoção de comportamentos necessários à preservação ou busca dos ideais de estabilidade e
previsibilidade normativa, bem como de eticidade e confiabilidade." ( Sistema Constitucional
Tributário, 2ª edição, 2006, editora Saraiva, São Paulo)
Confiança e estabilidade estas que visam assegurar aos contribuintes, de
qualquer natureza, uma maior segurança, de forma a facilitar previsões financeiras, sem que
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isto prejudique a contabilidade de uma grande empresa, ou até, de uma família de classe
media.
Em matéria tributária, o principio da segurança jurídica funciona como uma
proteção da confiança do cidadão no estado, ou administração publica, ou seja, protege o
cidadão no intuito de que os atos praticados pela administração pública não serão alterados de
forma repentina.
Em termos práticos, significa dizer que, com base na analise conjunta do
principio da segurança jurídica, e do principio da proteção a confiança, não pode a
administração publica mudar uma interpretação na aplicação de determinado tributo, querendo
cobrar, de forma retroativa.
Para uma maior elucidação, pensemos em um caso hipotético de uma empresa
que comercialize determinado produto pagando uma alíquota x de ICMS. Ocorre que em
janeiro de 2008, a administração publica percebe que o recolhimento vem sendo realizado de
forma equivocada, pois o referido produto deveria recolher o ICMS com base em uma alíquota
maior. Feita essa analise o estado lança a diferença do que deveria ter sido recolhido, nos
cinco anos anteriores.
É neste sentido que o principio da segurança jurídica em matéria tributaria
atua, visto que não pode o Estado, ao mudar a sua compreensão da aplicação de determinado
tributo requerer a cobrança retroativa.
Neste contexto, deve-se utilizar a flexibilização da aplicabilidade da lei no
tempo, com base na aplicação do principio da segurança jurídica, como proteção ao principio
da confiança do cidadão no estado.
REFERENCIA BIBLIOGRAFICA
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 3ª ed. São Paulo: Malheiros,2004.
ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva,
2006.
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 16ª ed.
Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20 ed.
São Paulo: Malheiros, 2006.
[1] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: "..."XXXVI
- a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Leia mais em: http://www.webartigos.com/artigos/principio-da-seguranca-
juridica-em-materia-tributaria/6221/#ixzz1xQZpyMZc
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ARTIGO 13
O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA NA CRIAÇÃO E APLICAÇÃO DO
TRIBUTO
Prof. José Souto Maior Borges
Professor .Honorário na Faculdade de Direito da PUC/SP. Ex- Professor Titular
de Direito Tributário nos Cursos de Pós- Graduação da Faculdade de Direito da Universidade
Federal de Pernambuco. Advogado e Consultor Jurídico em Recife.
“Nossa ciência do direito procede de Roma; é uma invenção dos romanos, da
mesma forma que a filosofia é uma invenção dos gregos. É tão insensato para um jurista
ocidental desprezar o direito romano quanto para um filósofo envergonhar-se da filosofia dos
gregos. É ter vergonha de sua mãe” (MICHEL VILLEY, Philosophie du Droit, I/80).
1. A segurança jurídica pode ser visualizada como um valor transcendente ao
ordenamento jurídico, no sentido de que a sua investigação não se confina ao sistema jurídico
positivo. Antes inspira as normas que, no âmbito do direito positivo, lhe atribuem efetividade.
Matéria a ser abordada pela Filosofia do Direito. Sob essa perspectiva, a investigação
filosófico-jurídica incide sobre a ordenação jurídica positiva. Não coincide porém com ela.
Porque a este última só interessa a segurança jurídica enquanto valor imanente ao
ordenamento jurídico. De conseguinte, a segurança jurídica é, sob este último aspecto, matéria
de direito posto. Valor contemplado e consignado em normas de direito positivo.
2. Mas a segurança jurídica é um atributo que convém tanto às normas
jurídicas, quanto à conduta humana, fulcrada em normas jurídicopositivas; normas
asseguradoras desse valor – é já dizê-las informadas pela segurança jurídica. Nessa região
normativa material contudo não costumam as normas positivas enunciá-la tout court, como se
assim estivesse inspirado e formulado o princípio: “É assegurada a segurança jurídica”. Nesse
enunciado, a segurança jurídica soaria quase como uma vã tautologia. Noutras palavras e mais
claramente: a segurança postula, para a sua efetividade, uma especificação, uma
determinação dos critérios preservadores dela própria, no interior do ordenamento jurídico. Por
isso mesmo se interpõe para logo a especificação: princípio da segurança jurídica na criação e
aplicação do tributo, mais sinteticamente: segurança jurídico-tributária. Cabendo
conseqüentemente indagar: quais os valores que a segurança jurídica busca preservar, no
âmbito do sistema constitucional tributário? A irretroatividade? A legalidade? A isonomia? A
efetividade da jurisdição tributária, administrativa ou judicial? Tudo isso junto e muito mais que
isso.
Assim considerada, a segurança é, percebe-se, um problema de direito
positivo. Categoria dogmática portanto. No Brasil, categoria constitucional, primordialmente
plasmada e inclusa dentre os direitos e garantias fundamentais, individuais ou coletivos, no
artigo constitucional 5º. 3. Bem encaradas as coisas – e o direito não passa da res justa, como
ensinavam os romanos – todos os dispositivos que instituem garantias constitucionais, buscam,
em última análise, assegurar, literalmente: “tornar seguros” os direitos que esse dispositivo
adnumera: um experimento de realização da justiça. Para esse fim é que se consociam direitos
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e garantias constitucionais. De meios assecuratórios dos direitos não passam as garantias,
como já ensinava RUI BARBOSA. A desapropriação mediante justa e prévia indenização em
dinheiro (art. 5º, XXIV) é uma garantia do direito de propriedade (art. 5º, XXII), como de certa
forma o é a própria função social da propriedade (art. 5º, XXIII).
4. No plano sintático do interrelacionamento normativo, particularmente no art.
5º, transparece a dependência, o entrelaçamento da segurança com outros direitos e garantias
constitucionais. Manifestação da segurança é por exemplo a proibição de leis retroativas: “A lei
não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º, XXXVI).
Esse princípio é reiterado, no âmbito constitucional tributário, com uma significação que lhe
adensa o sentido: é vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios cobrar tributos em
relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído
ou aumentado (CF, art. 150, III, a). Proibição da retroatividade da cobrança (ato infralegal) do
tributo. O que não pode a lei é com maiores razões defeso à administração pública. O ofício de
administrar consiste em aplicar a lei (SEABRA FAGUNDES).
5. A segurança tributária não se reduz (ponderação trivial não fora sumamente
necessária à arquitetura da demonstração subseqüente) à proibição de leis tributárias
retroativas. Bem por isso ela é sintaticament dependente de outros direitos e garantias
constitucionais. Nenhuma segurança sem justiça tributária; nenhuma segurança sem
legalidade, etc. O privilegiamento da enunicação desses direitos não exclui contudo outros
direitos e garantias que a CF adota. Eles são “apenas” os direitos e garantias mais eminentes,
os mais dignos de serem questionados. Por isso a CF os nomeia “fundamentais”.
6. O princípio implícito não difere senão formalmente do expresso. Têm ambos
o mesmo grau de positividade. Não há uma positividade “forte” (a expressa) e outra “fraca” (a
implícita). Um princípio implícito pode muito bem ter eficácia (= produzir efeitos) muito mais
acentuada do que um princípio expresso. A proibição de leis tributárias retroativas (implícita no
art. 5º, XXXVI) pode ter maior eficácia do que a proibição expressa da cobrança de tributos
com relação a fatos tributáveis ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver
instituído ou aumentado (art. 150, III, a)). Eficácia é havida aqui como relação entre norma de
conduta e conduta normada; relação sindicável pela sociologia jurídica, ao estudar o
comportamento efetivamente adotado pelos “destinatários” da norma. Destinatários estão ai
entre aspas porque a norma recai a rigor, não sobre pessoas, mas sobre determinados
comportamentos humanos.
7. Conclusão dessas ponderações: é tecnicamente desnecessário – e mesmo
desaconselhável – que se reitere um preceito implícito cuja abrangência material e pessoal já
alcança o campo simultaneamente coberto por um preceito expresso. Mas a CF de 1988
reiteradamente o faz. Por exemplo, do direito de propriedade, expresso na CF, é possível
deduzir: nenhum confisco tributário. E a CF é no particular enfática: privação da propriedade só
– como visto – por desapropriação, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Para que
então o art. 150, IV, vedar a utilização de tributo com efeito de confisco? Para nada! Esse
último dispositivo não passa de uma inutilidade.
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8. Mas a regra hermenêutica não sem razão anatematiza a interpretação literal
de um dispositivo isolado e a técnica intepretativa interdita a exegese de um texto, abstraído o
seu contexto. E encontra admirável aplicação no âmbito da segurança jurídica. O art. 5º da CF
de 1988 é um outro nome normativo da segurança jurídica, todo ele o é. E nenhum dispositivo
isolado seu. Mas a segurança é, também ela, um instrumento da justiça.
9. A mais eminente de todas as normas assecuratórias de direitos individuais é
a isonomia. Enunciada no caput do art. 5º: “Todos são iguais perante a lei” (igualdade formal,
no sentido kelseniano). E também no item I desse dispositivo: “homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (igualdade contenutística – diria
PONTES DE MIRANDA). Sem isonomia, nenhuma segurança. Segurança é pois um
subrogado, na metalinguagem doutrinária, dos dispositivos constitucionais que a contemplam
nas dobras dos direitos e garantias individuais (linguagemobjeto).
10. Não somos iguais, homens e mulheres, diante de atos infralegais (decretos,
portarias, instruções, ordens de serviço, resoluções, pareceresnormativos, etc.). Pobre direito
seria a isonomia se adentrada apenas nesses atos infralegais. Uma contrafacção da
segurança. Somos iguais diante da lei (igualdade formal) e na lei (igualdade material). A
metalinguagem doutrinária não está adstrita à repetição servilmente literal da linguagem-objeto,
a do ordenamento constitucional. Por isso pode descrever a relação entre isonomia e
legalidade como uma relação conversa: nenhuma isonomia, sem legalidade; nenhuma
legalidade, sem isonomia. E enunciar por esta via um só princípio, um só direito-garantia, a
legalidade isônoma: ninguém deve fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de
lei isônoma.
11. A exigência geral da legalidade, na linguagem-objeto, está expressa pelo
art. 5º, II: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da
lei”. Ora, tributo, até por definição infraconstitucional, é uma prestação pecuniária compulsória
(CTN, art. 3º). Logo, do princípio expresso e geral, é possível derivar a regra implícita e
particular: ninguém será obrigado a prestar tributo senão em virtude da lei. É até redundante e
pois desnecessária a sua reiteração, nada obstante ocorrente, no âmbito do sistema
constitucional tributário: é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (CF, art.
150, I).
12. Nesse âmbito, o do sistema constitucional tributário, todas as normas que
integram o subconjunto constituído pelas normas constitucionais tributárias, sobretudo, não
exclusivamente porém, o art. 150 – “limitações constitucionais do poder de tributar” – são
assecuratórias de direitos e instituidoras de deveres. Mas a competência tributária é a soma da
autorização e limitação para o exercício de funções tributárias. Sem autorização, nenhuma
limitação, sem limitação, nenhuma autorização. Logo a segurança tributária é um produto da
consorciação entre ambas. Mas a segurança é estreada de mão dupla: sem dever, nenhum
direito, sem direito, nenhum dever. Essa relação é admiravelmente expressa pela função social
da propriedade. Não é, a função social da propriedade, ao contrário do que ingenuamente se
supõe, uma limitação à propriedade no sentido de que corresponderia a uma restrição à
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disponibilidade e utilização do bem pelo seu proprietário. E nem é sequer apenas um limite do
direito de propriedade. É também - numa perspectiva de visão mais atenta - uma garantia da
preservação do direito de propriedade. Propriedade legítima é a que responde à sua função
social. Expressa então a justiça tributária a vinculação da propriedade à sua função social.
13. Por essa via, são iluminados os caminhos que vinculam os deveres
jurídicos tributários e direitos subjetivos do contribuinte. A desconsideração da função social da
propriedade privada abre ensancha à tributação extrafiscal. A consideração descomedida do
direito do contribuinte (o seu decantado “estatuto”) introduz o império do individualismo jurídico
e sua insensibilidade congênita para as aspirações sociais. A consideração exclusiva dos
deveres sinaliza e arrasta para a hipertrofia do Estado.
14. Já se vê pois que a virtude está no meio. E a virtude, na relação tributária,
identifica-se com a igualdade de tratamento, o justo equilíbrio, a ponderação equilibrada das
relações isonômicas entre fisco e contribuinte no plano normativo. A justiça fiscal não deve
temer o passo atrás, em direção à aurora romana da meditação sobre o Direito: suum cuique
tribuere: justiça fiscal é também ela a arte de dar a cada um (p. ex., fisco/ contribuinte), o que
é seu. O estatuto tributário é não só do contribuinte. É do fisco e contribuinte numa relação
isônoma. Ao fisco o que é do fisco, mas só o que é dele. Ao contribuinte somente o que lhe
pertence. Tanto resplandece o suum cuique tribuere que torna supérfluos e redutíveis os
demais componentes da fórmula romana: honeste vivere, alterum non laedere. Só vive
honestamente, só não lesiona ninguém, que dá a cada um o que é seu.
15. É tão proeminente a posição da isonomia no contexto da CF de 1988, que
ela se multiplica em várias interseções constitucionais. É antes de tudo uma relação “externa”
porque, nas relações internacionais, o Brasil se rege, dentre outros, pelo princípio da igualdade
entre os Estados (art. 4º, V). Os tributos que recaem sobre o comércio exterior – importação/
exportação – não podem ignorar essa exigência. Sob idênticos pressupostos de fato não é
cabível gravar discriminadamente o comércio exterior com tributos que sobre ele recaiam.
16. Nas relações internas, a primeira preocupação (topograficamente) é a de
reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, in fine). Tampouco os tributos
“internos” podem desprezar a extrafiscalidade como um instrumento que estabelece limites à
isonomia entre contribuintes para paradoxalmente preservá-la no plano maior do
desenvolvimento econômico fundamental nacional: “erradicar a pobreza” – diz a CF – é um
objetivo fundamental do Brasil. Limite não é pois limitação. É só um critério técnico para
demarcar as possibilidades de atuação dos supremos princípios constitucionais. Porque essa
proeminência não constitui óbice aos limites dos âmbitos de validade dos princípios – normas
constitucionais e portanto de direito positivo que são. E toda norma de direito positivo é limitada
pelos seus âmbitos de validade. Um princípio de direito positivo, como a segurança, não pode
aspirar uma validade universal.
17. Não é a igualdade simples, aritmética, que os textos constitucionais visam
preservar. É antes uma proporcionalidade, um analogon entre bens e pessoas. A suprema
iniqüidade é tratar igualmente os desiguais. Os impostos não devem ser uniformes e
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linearmente iguais, mas proporcionais segundo a necessidade de atenuar ou – tanto quanto
possível – erradicar as desigualdades sociais. A progressividade visa também assegurar essa
proporção entre bens e pessoas. Onde porém falha o imposto proporcional (no sentido estrito)
instaura-se e legitima-se o império do imposto progressivo. Segurança é tudo isso muito mais
ainda.
18. No interrelacionamento entre a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios interpõe-se igualmente a isonomia, ai visualizada não como uma igualdade de
atribuições. Essas pessoas constitucionais são isônomas porque autônomas. Porque recebem
e extraem a sua competência – inclusive a competência tributária – diretamente do texto
constitucional, sem intermediação legislativa alguma. Por isso a lei federal não corta a lei local:
o direito federal não prevalece sempre e em qualquer hipótese sobre o direito local. No âmbito
das atribuições constitucionais dos Estados-membros e Municípios a sua legislação
prevalecerá contra a lei da União que lhes usurpar a competência, máxime a competência
tributária.
19. Sob esse ângulo de análise, transparece o caráter formal da isonomia entre
as pessoas constitucionais porque a manifestação dessa igualdade desconsidera o conteúdo
das competências legislativas e administrativas da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios. E conseqüentemente prescinde da avaliação dos resultados (“os ganhos sociais e
econômicos”) do exercício das respectivas competências.
Mas a extrafiscalidade é problema teleológico: visa quanto menos atenuar as
desigualdades substanciais no plano social e econômico. Objetiva sobretudo a igualdade
substancial dentre as regiões e os Estados, a partir da consideração de que são desenvolvidos
uns e subdesenvolvidos outros. A igualdade se aloja então no altiplano dos interesses
nacionais mais relevantes, o dos objetivos nacionais permanentes (“objetivos fundamentais” é
como os nomeia a própria CF, art. 3º). Essa igualdade responde portanto a um valor imanente
e não transcendente ao ordenamento constitucional do país. Mas é, nesses termos havida, um
conceito-guia a orientar o jurista na busca incessante da justiça para as instituições públicas e
privadas nacionais, como se fora uma estrela polar. Incumbe-lhe indicar a solução mais
consentânea com a justiça distributiva: dar a cada Estado, a cada região, o que é seu. Sublime
manifestação da arte do Direito, suas misérias e grandezas. O suum cuique tribuere nas
relações interregionais e interestaduais não diz, com as suas próprias forças, o que é o seu de
cada Estado e cada região. Mas veda a apropriação de qualquer bem jurídico por quem não for
o seu legítimo titular. Nenhuma região ou Estado há-de economicamente desenvolver-se em
detrimento de outra região ou Estado.
Uma conclusão central se impõe: sem isonomia não há segurança, nem Estado
constitucional, porque a igualdade não se confina aos direitos e garantias individuais,
espraiando-se nas relações internacionais e nas relações internas que entretêm as pessoas
constitucionais entre si. A segurança jurídica na criação e aplicação do tributo é apenas uma
particularização desse quadro mais amplo.
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Referência Bibliográfica deste Artigo (ABNT: NBR-6023/2000):
BORGES, José Souto Maior. Marcos Juruena Villela. O princípio da segurança
jurídica
na criação e aplicação do tributo. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ -
Centro
de Atualização Jurídica, nº. 11, fevereiro, 2002. Disponível na Internet:
<http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: xx de xxxxxxxx de xxxx
(substituir x por dados da data de acesso ao site).
http://www.direitopublico.com.br/pdf_11/DIALOGO-JURIDICO-11-FEVEREIRO-
2002-JOSE-SOUTO-MAIOR-BORGES.pdf
ARTIGO 14
DIREITO CONSTITUCIONAL
Fernando Rabello
A SEGURANÇA JURÍDICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E SUA INTERFACE
COM O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA
LEGAL SECURITY REGARDING TAX ISSUES AND ITS INTERFACE
WITH THE PRINCIPLE OF TRUST PROTECTION
Sayonara de Medeiros Cavalcante
ABSTRACT
The author assesses the overall principle of legal security and its application in
tax issues, as a means of providing stability, assurance and trust to tax payers in their
relationship with the Brazilian government.
She shows the importance of the observance and application of such principle –
bringing forward the main dogmatic and jurisprudential views favoring its relevance within the
constitutional scope – as well as its connection with the principle of trust protection.
KEYWORDS
Constitutional Law; Tax law; legal security; overall principle; principle of
legitimate trust.
RESUMO
Analisa o sobreprincípio da segurança jurídica e sua utilização na seara
tributária, como meio de garantir estabilidade, certeza e confiança aos contribuintes em suas
relações com a Administração.
Demonstra a necessidade da observância e aplicação de tal princípio –
apresentando as principais correntes doutrinárias e jurisprudenciais que propugnam pela sua
relevância na esfera constitucional – bem como a ligação deste com o princípio da proteção à
confiança.
PALAVRAS-CHAVE
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Direito Constitucional; Direito Tributário; segurança jurídica; sobreprincípio;
princípio da confiança.
1 INTRODUÇÃO
A ideia de segurança jurídica no âmbito do sistema jurídico brasileiro institui-se
como uma referência de conteúdo essencialmente principiológico, assumindo, muitas vezes, a
condição de paradigma na estrutura de regulação nacional.
Nas complexas relações entre a Administração Pública e os administrados,
qualquer atitude no sentido de buscar a supressão de direitos inerentes a um desses pólos de
imantação de obrigações e de deveres na esfera jurídica reclama sempre uma fundamentação
apoiada em ações racionais, justificadas no sistema constitucional vigente.
Instituindo-se no ordenamento jurídico nacional, assume a segurança jurídica a
condição de sustentáculo para toda asserção relacionada à extinção ou inibição do exercício
de direito, exigindo-se, entretanto, que os motivos para sua concretização estejam associados
à prova de que se situam numa articulação com os objetivos e os fundamentos da própria
ordem jurídica como um todo.
Tal estrutura permite que esse princípio possa assumir a categoria de fiadora
formal dos interesses inerentes à sociedade, como fator imprescindível à existência efetiva do
Estado democrático de Direito.
Na esfera tributária, a segurança jurídica passou a ser compreendida como um
pressuposto essencial para garantir a confiança do contribuinte nas suas relações com o fisco.
Tendo em conta tais premissas, centrar-se-á o foco deste estudo na tentativa
de mostrar como prioridade a ideia de proteção às pessoas e à ordem jurídica, sendo possível
asseverar que, a despeito de não estar radicado em qualquer dispositivo constitucional
expresso, o princípio da segurança jurídica faz parte da essência do próprio Direito.
2 COMPREENDENDO A SEGURANÇA JURÍDICA
No entendimento da Ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha1, a segurança2
jurídica pode ser definida como o direito da pessoa à estabilidade em suas relações. Esse
direito articula-se com a garantia da tranquilidade jurídica que as pessoas querem ter, com a
certeza de que tais relações não podem ser alteradas para se tornarem instáveis e inseguras
quanto ao seu futuro, seu presente e até mesmo seu passado.
Nicolau Júnior (2005) acrescenta que a segurança jurídica é o mínimo de
previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, indicando-lhe
quais são as normas de convivência a serem observadas de modo a viabilizar relações
jurídicas válidas e eficazes.
Ante tais argumentos, vê-se que a segurança jurídica atinge um patamar de
relevância ímpar, constituindo-se em instrumento de preservação da justiça. O almejado,
então, é demonstrar a evolução do pensamento e da própria ciência jurídica, de modo a afastar
a insegurança e a instabilidade das relações sociais, inserindo novos aspectos que possam
realmente modificar o atual panorama da legislação brasileira.
VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB
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Assim, a segurança jurídica torna possível às pessoas o conhecimento
antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos, sem sujeitar-se à conveniência
política de cada momento.
Registre-se que o conteúdo da segurança não se confina em uma estrutura
eminentemente fechada e impregnada de conceitos estáticos. É, antes, algo dinâmico que
busca a consecução dos valores jurídicos, pautando-se por uma interpretação teleológica3, em
que maior é a finalidade da norma, sobretudo a partir da Constituição de 1988. Nesse
arcabouço teórico, compreende-se, então, que a segurança jurídica se sustenta na garantia de
certeza e estabilidade, mediante as quais as pessoas possam estar sempre cientes de seus
direitos, não havendo dúvida quanto à impossibilidade de eventos inesperados, no campo
jurídico, sem o seu prévio conhecimento.
De fato, o pagamento do tributo é um dever fundamental do cidadão,
imperativo para a sobrevivência do Estado4. Mas essa obrigação deve ser proposta dentro dos
limites axiológicos constitucionais, traduzidos na segurança jurídica das relações tributárias.
Borges (2006) preleciona que, embora a segurança jurídica não esteja
expressamente enunciada no texto constitucional, sua implicitude não lhe retira a eficácia, mas
condiciona, como se expresso fosse, a interpretação de toda Constituição. A importância desse
instituto, portanto, para as pessoas poderem conduzir, planejar e desenvolver seus atos, sejam
estes na vida civil, familiar ou profissional é fundamental.
2.1 A SEGURANÇA JURÍDICA COMO SOBREPRINCÍPIO
No campo das significações, o vocábulo princípio5 oferece farta variedade
conotativa. Pode ser traduzido em expressões como “início ou ponto de origem”.
No plano jurídico, destacam-se as importantes ideias de Larenz (1997). Esse
autor definiu os princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na
medida em que estabeleceu fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do
Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.
Abarcam, igualmente, alto grau de abstração, abrindo-se para a ponderação,
uma consequência da dimensão axiológica que possuem. Significa dizer que a aplicabilidade
dos princípios, segundo as razões e os fins aos quais se referem, determinará o peso de sua
importância (ÁVILA, 2004).
No ordenamento jurídico pátrio, assim, repousam assentados sobre sólidos
pilares os princípios jurídicos. Diante disso, torna-se possível vislumbrar a segurança jurídica
tomando por base sua posição como um desses pilares, pois recebe positividade por meio de
vários princípios constitucionais. Essa ótica de compreensão, no campo dogmático-normativo
das relações jurídicas, tem ajudado a perceber qual a sua real abrangência.
A segurança jurídica é, por excelência, um sobreprincípio, ou seja, um conjunto
de princípios que operam para realizar um entrelaçamento de outros princípios, tais como
legalidade, anterioridade, universalidade da jurisdição, irretroatividade,
[...] a segurança jurídica torna possível às pessoas o conhecimento antecipado
e reflexivo das consequências diretas de seus atos, sem sujeitar-se à conveniência
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política de cada momento.entre outros. Não haverá respeito ao sobreprincípio
da segurança jurídica sempre que as diretrizes que o realizem venham a ser concretamente
desrespeitadas, e tais situações infringentes se perpetuem no tempo, consolidando-se. Seria,
portanto, um conjunto de vários princípios que operam para realizar, além dos respectivos
conteúdos axiológicos, princípios de maior hierarquia (CARVALHO, 2007).
Reforçam os dizeres acima, as palavras de Tôrres (2005, p. 164). Para o
justributarista, a segurança jurídica efetiva-se pela atuação de vários outros princípios: Bastaria
instituir valores que lhe servem de suporte, os princípios que, conjugados, formariam os
fundamentos a partir dos quais se levanta. Vista por esse ângulo, difícil será encontrarmos uma
ordem jurídica-normativa que não ostente o princípio da segurança [...]. Transportando-se a
reflexão para o domínio dos sobreprincípios, em particular o da segurança jurídica, é possível
dizermos que não existirá, efetivamente, aquele valor sempre que os princípios que o realizem
forem violados.
São, pois, os sobreprincípios verdadeiros norteadores de todo o ordenamento
jurídico, capazes de possibilitar a interpretação das normas constantes nos textos expressos,
ampliando ou restringindo seus sentidos. Consoante Ávila (2004), são eles que, por sua função
rearticuladora, permitem a interação de vários elementos que compõem o estado ideal de
coisas a ser buscado.
Extrai-se, então, a ideia de que os sobreprincípios são normas amplas, cuja
abrangência é descoberta quando unidos os respectivos princípios a eles ligados e aplicados
às situações concretas.
2.1.1 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À CONFIANÇA
Na linha dos argumentos esposados, defensores da tese que entende a
segurança jurídica como sobreprincípio constitucional, merece um olhar específico a posição
que o princípio da proteção à confiança6 vem conquistando no cenário jurídico nacional.
Saliente-se que o ordenamento jurídico é perpassado por uma constante
tensão entre permanência e ruptura, estabilidade e mudança. Isso, de fato, é reflexo da própria
sociedade, que, do mesmo modo, sempre se equilibrou entre a imutabilidade e a inovação,
bem como pela extrema dinamicidade e complexidade, não devendo ser confinados em uma
disposição conceitual totalmente restrita.
Não obstante essa imensa mutação, quando um ato normativo,
presumidamente válido, cria, na esfera jurídica do particular, uma presumível expectativa
quanto ao seu cumprimento, há incidência do princípio da proteção da confiança (ÁVILA,
2002).
Conforme Martins-Costa (2004), a permanência constitui uma das projeções da
confiança legítima, garantindo o cidadão contra os efeitos danosos, ou ilegítimos, das
modificações adotadas pelo Poder Público. Sob tal aspecto, é preciso reconduzir novo sentido
ao princípio enfatizado, pois o cidadão (o administrado, a pessoa) enfrenta hoje uma
hipercomplexa teia de interlegalidade, de internormatividades cruzadas entre valores e
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interesses públicos e privados, estatais e sociais, corporativos e gerais, nacionais e
internacionais, dignos e espúrios, a perturbar a linearidade daquela cadeia dedutiva.
A efetivação do princípio da confiança dá-se no momento em que é visto como
um desdobramento da segurança jurídica, trazendo a esta uma solidez ímpar, pois solidifica as
ideias como: estabilidade jurídica, orientação adequada, clareza e previsibilidade.
Nessa direção, faz-se concluir que a nova forma da qual se reveste o termo
“confiança” constitui um dos desafios hoje enfrentados pelo Estado democrático de Direito. A
confiança é, pois, a expectativa legítima da ativa proteção da personalidade humana como
escopo fundamental do ordenamento. Lógico que, nada obstante tal princípio possa ser
invocado para tutelar os interesses da sociedade, sua aplicação deve ser feita com cautela,
pois a Administração não pode ficar à mercê de circunstâncias individuais. Ademais, os
administrados não devem invocar tal princípio se tiverem, de alguma maneira, contribuído para
sua aplicação com atitudes desleais ou até ilegais.
Daí concordar-se com as ideias de Couto e Silva (2004), quando este afirma
que a confiança dos cidadãos é parte essencial à realização da justiça material. De resto, a
exigência de um comportamento positivo da Administração Pública na tutela da confiança
legítima dos cidadãos corre paralela ao crescimento, na consciência social, da extremada
relevância da conexão entre a ação administrativa e o dever de proteger de maneira positiva os
direitos da personalidade. Interpretar a norma sem atentar para tal princípio, significa macular o
sistema jurídico presente na Carta Constitucional, que dá a cada contribuinte a certeza de que
pode confiar, sem ver-se surpreendido com mudanças na aplicação ou na interpretação da lei,
afastando ou frustrando a segurança que advém das decisões emanadas do Poder Judiciário.
Dessa forma, a mera existência de irregularidades formais nas relações
estabelecidas conforme comportamentos anteriores do próprio Poder Público, não se coaduna
com os princípios fundamentais do Estado de Direito, particularmente o princípio da proteção
da confiança.
3 APLICABILIDADE EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
A tentativa de minimizar as distorções nessas relações foi um dos maiores
pilares para a construção de uma nova proposta sobre a ideia de segurança jurídica em
matéria tributária, especialmente pelo fato de tal princípio ser considerado um sobreprincípio
constitucional.
Em matéria tributária, é nítida a configuração da segurança jurídica em face da
fixação de inúmeros princípios constitucionais, como: irretroatividade tributária (art. 150, III, a,
CF), anterioridade tributária (art. 150, III, b, CF), capacidade contributiva, vedação ao confisco
(art. 150, IV, CF), legalidade (art. 150, I, CF).
Interessante trazer à baila o ensinamento de Rodrigues (2005, p. 257): O
princípio da segurança jurídica em matéria tributária assegura a tranqüilidade constitucional
que o Estado de Direito procura garantir com a positivação do sistema. É assim traduzido pela
certeza das obrigações tributárias com que terá que arcar como membro da sociedade; o
contribuinte tem o direito assegurado de que não será surpreendido pela atuação dos poderes
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públicos além das competências e segundo as normas constitucionais definidas. A
transgressão dos limites constitucionais dos poderes públicos determinaria a quebra de
confiança no direito e no que o sistema posto estatui.
[...] quando um ato normativo, presumidamente válido, cria, na esfera jurídica
do particular, uma presumível expectativa quanto ao seu cumprimento, há incidência do
princípio da proteção da confiança [...].
Do mesmo modo, é conveniente apresentar o sentido dado por Paulsen (2006,
p. 166) ao assunto, ao prelecionar que: [...] O princípio da segurança jurídica atua como
sobreprincípio em matéria tributária, implicando uma visão axiológica convergente da
legalidade, da irretroatividade e da anterioridade, garantias que asseguram a certeza do direito
de modo mais intenso que nas demais searas de regulamentação das relações com a
Administração.
Tornar possível o conhecimento antecipado das obrigações tributárias
configura-se, efetivamente, como uma ferramenta indispensável à concretização do princípio
da segurança jurídica.
Ademais, as garantias constitucionais do contribuinte devem ficar sempre
protegidas das modificações arbitrárias do Poder Executivo e até do Legislativo, caso contrário,
ensejará direito ao contribuinte em acionar o Judiciário para reivindicar a devida correção do
ato.
Mister informar que, como nenhuma regra é absoluta, a reprodução da
fiscalização é possível, excepcionalmente, mediante ordem escrita e fundamentada da
Administração Tributária, caso haja fundado receio de incorreção no procedimento fiscal. A
fundamentação é exigida como garantia do contribuinte contra abusos (MACHADO, 2005).
A irretroatividade tributária também disputa a atenção da doutrina e da
jurisprudência, especialmente no que toca à instituição e majoração de tributos. Esse princípio
determina que as leis tributárias, como, por regra, todas as leis, devem sempre dispor para o
futuro. Não lhes é permitido atingir momentos passados, ou seja, alcançar acontecimentos
pretéritos. Esse é exatamente o lastro que confere estabilidade e segurança às relações
jurídicas entre fisco e contribuintes.
Segundo Machado (2005), como expressão do princípio da segurança jurídica,
a irretroatividade é preceito universal. Faz parte da própria ideia do Direito. O legislador
poderia, por razões políticas, elaborar leis, com cláusulas expressas, determinando sua
aplicação retroativa. Então, para tornar induvidosa a desvalia de tais situações retroativas e
para dar segurança jurídica, erigiu-se este princípio como norma da Lei Maior, segundo o qual
é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei
que os houver instituído ou aumentado.
Assim, o Direito brasileiro permitiu que algumas leis tributárias retroagissem,
mas somente as que, de alguma forma, beneficiassem o contribuinte. À guisa de ilustração,
pode-se citar o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), instituído pela Lei n. 9.964/00 e
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regulamentado pelo Decreto Federal n. 3.431/2000, o qual concedeu anistia a multas e juros,
decorrentes de infrações cujos fatos geradores ocorreram anteriormente ao decreto.
De qualquer maneira, a importância do sobreprincípio da segurança jurídica em
matéria tributária assume no ordenamento jurídico, juntamente com o princípio da proteção à
confiança, no que tange aos atos, procedimentos e condutas do Estado, uma inestimável fonte
de certeza para o contribuinte, em suas relações com a Administração. Esse equilíbrio torna-se
indispensável para o desenvolvimento do país, uma vez que a função social do tributo é a mola
mestra para o surgimento da justiça fiscal.
Com efeito, é possível existirem várias hipóteses em que situações criadas
administrativamente, sob o manto da ilegalidade, ou mesmo da inconstitucionalidade, perdurem
por vários anos sob aparente normalidade e legalidade, gerando no administrado a justa
expectativa de manutenção de seus efeitos benéficos, uma vez que já consolidados. Decerto
que em uma hipótese como esta, obediente à segurança jurídica e, mais especificamente, ao
princípio da proteção à confiança, o Poder Público não poderia, deliberadamente, invocando
apenas o princípio da legalidade7, frustrar uma justa expectativa criada para o administrado.
Então, se não há meios para o contribuinte planejar-se adequadamente, a fim
de arcar com suas obrigações, se não há organização administrativa capaz de gerenciar a
carga tributária nacional, certamente a desordem generalizada continuará havendo, tornando o
legítimo poder de tributar em verdadeiro poder de destruir.
Para ser possível a convivência social, é preciso um mínimo de confiança e
previsibilidade. As crises políticas e econômicas interferem, internamente, em quaisquer dos
Estados atuais, mas a solução não pode ser encontrada em uma busca incessante por novas
leis, inclusive tributárias. A atual legislação, já bastante inflacionada, deve atender aos ditames
constitucionais, e o Poder Judiciário adquire relevante papel, como bem identificado no voto
vista proferido pelo Ministro Humberto Gomes de Barros, em decisão no AgRg em REsp n.
382.736-SC8, onde se lê: Quando chegamos ao Tribunal e assinamos o termo de posse,
assumimos, sem nenhuma vaidade, o compromisso de que somos notáveis conhecedores do
direito, que temos notável saber jurídico [...]. Somos condutores e não podemos vacilar. Assim
faz o STF [...]. O STJ foi criado para dizer o que é a lei infraconstitucional. Ele foi concebido
como condutor dos tribunais e dos cidadãos. Em matéria tributária, como condutor daqueles
que pagam, dos contribuintes [...]. Em verdade, o Poder Judiciário mantém sagrado
compromisso com a justiça e a segurança [...].
Do referido trecho, depreende-se a grande preocupação que impera nos
órgãos superiores judicantes, resultado da insegurança à qual o cidadão vem sendo submetido
ao longo dos anos, ocasionada pela incessante transgressão dos limites constitucionais
previstos na Constituição. Ressaltem-se, como exemplos, as frequentes ações por parte do
governo, com o uso indevido e desproporcional de instrumentos legislativos, como as medidas
provisórias, sob a falsa retórica de que somente o aumento na arrecadação torna possível a
realização das políticas públicas.
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Tornar possível o conhecimento antecipado das obrigações tributárias
configura-se, efetivamente, como uma ferramenta indispensável à concretização do princípio
da segurança jurídica.
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Poucos são os casos nos quais a Constituição permite à Administração Pública
o uso do poder discricionário em se tratando de matéria tributária, no entanto, não obstante as
severas críticas doutrinárias, as afrontas existentes são em número bastante considerável. A
situação agrava-se, consideravelmente, quando se observa a avassaladora instabilidade que
rege o Poder Executivo, ao editar e revogar seus atos ao sabor das conveniências do momento
político em vigor. Essas atitudes transformam-se em verdadeiros algozes do contribuinte, pois
está ele indefinidamente a esperar, na verdade, atitudes que respeitem e assegurem seus
direitos fundamentais.
A plena capacidade de controle jurisdicional em rever os atos administrativos
na esfera tributária encontra esteio na necessidade primordial do contribuinte de confiança e
certeza em suas relações com o fisco. Esses direitos, quando feridos, fazem brotar para os
administrados as condições legítimas para exigir do Judiciário o adequado reexame do ato.
No plano jurisprudencial denotam-se inúmeras situações sobre as quais o
Judiciário concretizou efetivamente seu poder corregedor. Nesse sentido, expõem-se os
seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal:
Nossa preocupação primeira há de ser com a guarda da Constituição. Nenhum
fato da vida econômica ou da vida social, no instante em que somos chamados a dizer se um
determinado ato normativo ou uma certa lei está em desacordo com a Constituição, pode
colocar-se como prioridade em relação ao cumprimento da Constituição9.
O STF – que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do Poder
Constituinte – não pode renunciar ao exercício desse cargo, pois, se a Suprema Corte falhar no
desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integração do sistema político, a
proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a
segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República estarão
profundamente comprometidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode verter-se
em prática governamental consentida. Ao menos enquanto houver um Poder Judiciário
independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico-institucional
[...]10.
As concepções acima elencadas trazem em seu bojo a importância de uma
eficiente atuação jurisdicional. Daí infere-se o merecido destaque para os princípios tributários,
corolários do sobreprincípio da segurança jurídica, um dos principais esteios da sindicabilidade
dos atos estatais. Na opinião de Harada (2008), o sistema jurídico-tributário depende da correta
aplicação das leis, quer pela Administração, quer, principalmente, pelo Judiciário, a quem cabe
recusar a aplicação de leis desconformes, isto é, daquelas que violam a hierarquia vertical das
normas tributárias, as quais têm, no seu ápice, os direitos fundamentais traduzidos pelo
sobreprincípio da segurança jurídica.
É o caso da Medida Provisória n. 413/2008, que instituiu a majoração da
alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para as empresas atuantes no
setor financeiro, de 9% para 15%. Atualmente, a medida, que já foi convertida na Lei n.
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11.727/08, está em apreciação no STF, em função da ADI n. 4.003, proposta pelo partido
Democrata (DEM).
A principal alegação contida na ação é que a aplicação da alíquota majorada,
pela citada lei, sobre atos ocorridos antes de sua vigência, afronta a segurança jurídica que a
Constituição pretendeu assegurar ao contribuinte, notadamente pelo princípio da
irretroatividade.
Existe, ainda, o Decreto n. 6.339/08, questionado pelas ADI n. 4.002 e ADI n.
4.004, propostas pelo mesmo partido, além da ADI n. 4.110, proposta pela Associação
Brasileira Radiodifusão e Tecnologia e Telecomunicações (Abratel), que majorou a alíquota do
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nas operações de crédito envolvendo pessoa
física e também nas operações de câmbio. Com o Decreto, a alíquota diária do IOF para
pessoas físicas passou de 0,0041% para 0,0082%. Também foi criada uma alíquota extra de
0,38% sobre operações de crédito.
Em que pese nenhuma das aludidas Ações Diretas de Inconstitucionalidade
terem sido julgadas no mérito, é de se atentar para alguns comentários feitos pela doutrina,
inconformada com essa “compensação”, por parte do Poder Executivo, para o fim da
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Para Vieira e Ferreira (2008), a constitucionalidade do citado decreto que
majorou o IOF pode ser questionada, devido ao art. 153, § 1º, da Constituição Federal, que
“faculta” ao Poder Executivo a alteração das alíquotas dos impostos de importação,
exportação, sobre produto industrializado e sobre operações financeiras, mas condicionando
essa alteração à observância das condições e limites estabelecidos em lei. A propósito,
destaque-se o teor do citado dispositivo constitucional: Art. 153. [...] § 1º. É facultado ao Poder
Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos
impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. (Imposto de Importação, Imposto de Exportação,
IPI, e IOF). (Grifo nosso).
Na mesma linha de argumentação, segue a doutrina de Harada (2008a). Para
o justributarista, o IOF, a exemplo do Imposto de Importação (II), do Imposto de Exportação (IE)
e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tem caráter regulatório. Valer-se, então, da
faculdade prevista no § 1º do art. 153 da CF, não para regular os quatro setores da economia –
mercados de câmbio, de seguro, de créditos e de títulos e valores mobiliários – mas para
promover o aumento da receita tributária, como se depreende da falta de motivação dos atos
praticados, é incorrer no desvio de poder.
Perfilha-se a esses comentários Jacobina (2008), reportando que o IOF não
tem, por natureza, função arrecadatória, laborando como instrumento de intervenção na
economia, previsto na Constituição como exceção ao princípio da anterioridade. Agindo dessa
forma, o governo se valeu de uma exceção constitucional, usando o referido imposto de
maneira diametralmente oposta àquela que balizou a criação do tributo.
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Quanto à cobrança da CSLL, aduzem Vieira e Ferreira (2008) ser importante,
inicialmente, observar que, por ser medida excepcional, a Constituição da República, em seu
art. 62,
[...] o Direito brasileiro permitiu que algumas leis tributárias retroagissem, mas
somente as que, de alguma forma, beneficiassem o contribuinte. condiciona a edição de
medida provisória a dois requisitos essenciais: relevância e urgência. Significa que o
Presidente da República poderia aumentar a alíquota da CSLL, por meio de medida provisória
caso restasse demonstrada a relevância da medida e comprovada a urgência, o que não
houve.
Apesar dos fatos e argumentos apresentados, na verdade, o que ficou na
mente dos contribuintes foi uma burla à proteção da confiança depositada, para ver a
diminuição da atual carga tributária, já tão excessiva. De fato, não se encontra nos
fundamentos utilizados para a criação súbita dos questionados dispositivos legais, a presença
de nenhum dos dois supramencionados requisitos, fincando, por óbvio, demonstrada a
verdadeira pretensão do governo, ao aumentar a alíquota, em recompor tão-somente a perda
da arrecadação com a extinção da CPMF, o que não caracterizaria, em absoluto, a ocorrência
dos fatores relevância e urgência.
Mais salutar ao panorama tributário brasileiro seria espelhar a direção no
julgamento dessas ações, na recém-julgada ADI n. 4.048, oportunidade em que o Supremo
Tribunal Federal decidiu, por maioria, deferir a cautelar pleiteada em ação proposta pelo
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) para suspender a vigência da Medida
Provisória n. 405/2007, estendendo a decisão a sua lei de conversão – Lei n. 11.658/2008 –,
que propunha abrir crédito extraordinário, em favor da Justiça Eleitoral e de diversos órgãos do
Poder Executivo.
Naquele momento, os ministros entenderam haver um patente desvirtuamento
dos parâmetros constitucionais que permitiriam a edição de Medidas Provisórias para a
abertura de créditos extraordinários. Enfatizou-se, inicialmente, que a abertura de crédito
extraordinário, por meio de medida provisória, não seria vedada, em princípio, pela
Constituição Federal (art. 62, § 1º, I, d). Afirmou-se, entretanto, que a Constituição, além dos
requisitos de relevância e urgência (art. 62), imporia que a abertura do crédito extraordinário
fosse feita apenas para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, sendo exemplos dessa
imprevisibilidade e urgência as despesas decorrentes de guerra, comoção interna ou
calamidade pública (CF, art. 167, § 3º)11.
Acrescente-se que outras medidas provisórias haviam sido editadas nos
mesmos moldes da MP n. 405/2007, antes do julgamento da ADI n. 4.048, podendo citar-se a
MP n. 406/2007 (abre crédito extraordinário de R$ 1.250.733,499,00 em favor de órgãos do
Poder Executivo); a MP n. 408/2007, convertida na Lei n. 11.669/08 (abre crédito extraordinário
de R$ 3.015.446.182,00 a diversos órgãos do Poder Executivo); a MP n. 424/2008 (abre
crédito extraordinário no valor de R$ 1.816.577.877,00 a favor de diversos órgãos do Poder
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Executivo) e a MP n. 430/2008 (abre crédito extraordinário no valor de R$ 7.560.000.000,00 a
favor do Ministério do Planejamento), dentre outras (HARADA, 2008b).
Embora a medida liminar em sede de ADI não possua efeito vinculante, todas
as referendadas medidas provisórias e respectivas leis de conversão restaram atingidas pela
decisão da Corte Suprema, a qual demonstrou estar assentando a tese de que a abertura de
crédito extraordinário deve submeter-se às expressas exigências do § 3º do art. 167 da CF,
não bastando apenas mencionar os requisitos urgência e relevância para edição de medida
provisória, mas evidenciar a presença deles, com outro requisito ínsito e igualmente
fundamental, que é a imprevisibilidade do evento.
Nessa atual realidade, espera-se que o julgamento das mencionadas ações
diretas de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal possa atribuir a essas
situações o melhor entendimento em favor da sociedade contribuinte brasileira.
O sobreprincípio da segurança jurídica, então, deflui da máxima efetividade dos
preceitos constitucionais, e em matéria tributária, tem como importante aporte, além dos
princípios da anterioridade, da irretroatividade, do respeito à capacidade contributiva, da
vedação ao efeito confiscatório, o princípio da proteção à confiança, legítimo e maior
estabilizador das condutas que interligam as relações sociais e jurídicas entre Administração e
contribuintes.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os princípios constitucionais, pela sua força axiológica, representam vetores
responsáveis por guiar e vincular o administrador na busca pela efetividade administrativa. São
a essência e a identidade da própria Carta Magna. Ao admitir-se tal pensamento, constata-se o
constitucionalismo como novo protagonista na aplicação do direito, capaz de irradiar seus
efeitos por todo o ordenamento jurídico.
A aplicação conjugada dos princípios constitucionais é o principal pilar de
sustentação, pelo qual os indivíduos buscam alcançar o direito à gestão pública transparente,
objetiva e imparcial.
Nesse plano, a segurança jurídica configura-se em sobreprincípio, ou seja, um
conjunto de princípios que, no Direito Tributário, operam para realizar, além dos respectivos
conteúdos axiológicos, a manutenção de situações concretas que precisam se perpetuar no
tempo, para oferecer estabilidade, certeza e confiança aos contribuintes, constituindo-se,
assim, em um valor de carga axiológica superior à do próprio princípio.
Princípios como o da irretroatividade tributária vêm preservar o passado,
impedindo que o contribuinte seja afetado por fatos geradores ocorridos antes do início da
vigência da lei que os houver instituído ou majorado. A anterioridade tributária, por sua vez,
traz promessa de conhecimento antecipado ao contribuinte. Tais situações restam culminadas
no princípio da proteção à confiança, corolário máximo da segurança jurídica. A confiança dos
cidadãos é fundamento do Estado democrático de Direito, assim entendido como um Estado de
confiança. Em um contexto já intensamente marcado pelas incertezas, como é a sociedade
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brasileira, seria impensável uma ordem jurídica na qual não se acredite ou que não viabilize,
por meio de seus órgãos estatais, o indispensável estado de confiança.
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Sob este último aspecto, não se pode mais tolerar o abismo construído entre os
valores constitucionais e a realidade factual, aliada a uma Administração indiferente e muitas
vezes hostil à preservação dos direitos assegurados na Constituição Federal.
[...] a importância do sobreprincípio da segurança jurídica em matéria tributária
assume no ordenamento jurídico, [...] uma inestimável fonte de certeza para o contribuinte, em
suas relações com a Administração.
É certo que não se pretende encarar a segurança jurídica como um fenômeno
estritamente formal, enraizado na ideia fixa de absoluta previsibilidade de todos os atos da
Administração Pública, bem como a impossibilidade de sua alteração. O que se coloca é a real
necessidade de observá-la como um direito constitucional, voltado à realização e manutenção
da própria Democracia.
NOTAS
1 Cf. tal entendimento em Rocha (2004, p. 168).
2 Exprime, gramaticalmente, a ação e efeito de tornar seguro, ou de assegurar
e garantir alguma coisa. Assim, segurança tem sentido equivalente a estabilidade, pois o que é
estável é seguro: a garantia, a firmeza, a fiança, sem dúvida, dão sempre idéia do que está no
seguro, para que se evitem prejuízos em caso de danos ou riscos. Segurança, qualquer que
seja a sua aplicação, insere o sentido de tornar a coisa livre de perigos, livre de incertezas,
assegurada de danos ou prejuízos, afastada de todo mal. (SILVA, 2007, p. 1266).
3 Nesse sentido, Hugo de Brito Machado defende que o elemento teleológico
torna-se fundamental para ser possível aplicar as normas jurídicas e obter a solução adequada,
razoável e justa dos conflitos humanos. (MACHADO, 2005).
4 Para maiores aprofundamentos, consultar as seguintes obras: Nabais (1998);
Tipke (2002).
5 Significa normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como
base, como alicerce de alguma coisa. Exprimem sentido mais relevante que o da própria razão
fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas. Nesta acepção,
não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo
axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da
ciência jurídica, onde se firmaram as normas originárias do direito, que traçam as noções em
que se estrutura o próprio direito. Assim, nem sempre os princípios se inscrevem nas leis, mas
são bases ao direito, preceitos fundamentais para sua prática e proteção. (SILVA, 2007, p.
1095).
6 Nas últimas décadas do século XX, este princípio ganhou mais nitidez,
destacando-se da segurança jurídica, com notável expansão na Europa, particularmente na
Alemanha, onde conquistou enorme sucesso. Dentre os atuais temas dominantes relacionados
aos dois princípios, estão: a responsabilidade do Estado pelas promessas firmes feitas por
seus agentes; o dever do Estado de estabelecer regras transitórias em razão de bruscas
mudanças introduzidas no regime jurídico. (SILVA, 2004, p. 271-315).
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7 A subordinação da Administração Pública não é apenas à lei. Deve haver o
respeito à legalidade sim, mas encartada no plexo de características e ponderações que a
qualifiquem como razoável. Não significa dizer que se possa alternativamente obedecer à lei ou
ao Direito. Não. A legalidade devidamente adjetivada razoável requer a observância cumulativa
dos princípios em sintonia com a teleologia constitucional. A submissão razoável apresenta-se
menos como submissão do que como respeito. Não é servidão, mas acatamento pleno e
concomitante à lei e, sobretudo, ao Direito. (FREITAS, 1997, p. 60-61).
8 Cf. AgRg em REsp n. 382.736-SC, STJ, 1ª Seção, Relator: Ministro Castro
Meira, DJ 25/02/2004. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/decisoes/ doc=382736>. Acesso
em 20 jun. 2008.
9 Cf. ADI n. 447-DF, DJ 05/03/1993.
10 Cf. ADI n. 2.010-2-DF, DJ 22/03/2004.
11 Cf. ADI n. 4.048 MC/DF, DJ 14/05/2008.
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expectativa do contribuinte. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 13, abr./mai. 2002. Dis-
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em:<http://conjur.estadao.com.br/static/section/26_1/articles.htm> Acesso em: 7 mar. 2008.
Artigo recebido em 16/1/2009.
Sayonara de Medeiros Cavalcante é servidora do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Norte.
http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/viewFile/1087/1288
ARTIGO 15
Temporalidade e Segurança jurídica – irretroatividade e anterioridade
tributárias
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Temporality and Legal Certainty – Predictability and
Prohibition of Retroactivity in Brazilian Tax Law
Revista da PGFN
1 A segurança jurídica da temporalidade no Sistema Constitucional
Tributário brasileiro
O homem encontra no tempo a fonte das suas maiores inseguranças. Existir é
coincidir em uma temporalidade contínua na qual somente por uma interpretação do “tempo”
pode-se definir o “agora”, o “passado” e o “futuro”. O tempo interpretado equivale à constituição
em linguagem daquela ontologia que é o “ser” no tempo”, pois, como diz Heidegger, só a
“temporalidade possibilita a unidade da existência”.1 O direito organiza essa unidade de
medida e, por cortes hermenêuticos, “cria” o “tempo público” e “ordena” o viver no tempo.
O tempo é um fato, um dado da realidade construída pela linguagem, mas o
direito não se poderia aplicar sem o tempo “do” fato. Nesse processo heurístico e
institucionalizante da temporalidade, o direito cria seus mecanismos para organizar a atividade
do homem e do Estado ao longo desse contínuo marcado pelos fatos jurídicos. A generalidade
das normas jurídicas perfaz-se na temporalidade do direito2 e, por isso mesmo, tem sua
duração definida pela vigência, seja esta ilimitada ou provisória. Os tipos abstratos contidos na
generalidade positiva da norma permitem que o aplicador os oriente para qualquer ponto da
temporalidade, segundo os fatos ocorridos, daí a necessidade de criação de critérios de
definição quanto ao tempo do fato e certeza quanto à aplicabilidade da lei no tempo. Diz-se,
costumeiramente, que toda norma deve ser irretroativa e que seus efeitos protraem-se para o
futuro; com isso, qualquer retroatividade seria uma excepcionalidade. Entretanto, vale atentar
para o fato de que toda norma jurídica possui uma bidimensionalidade temporal, ou seja, pode
ser aplicada tanto para disciplinar fatos futuros quanto para alcançar fatos passados, salvo nas
hipóteses abrangidas pelas “regras de bloqueio” que vedem seus efeitos retroativos. Portanto,
na falta dessas regras, somente construções amparadas na segurança jurídica ou no princípio
de confiança legítima podem conter essa “disponibilidade” bidimensional da lei na regência do
tempo.3 Dito de outro modo, na falta de “regras de bloqueio da retroatividade” expressas (v.g.,
art. 5.º, XXXVI, art. 150, III, a, da CF; disposição expressa da própria lei; LICC; art. 105 e 106,
do CTN etc.), caberia ao sujeito afetado
1 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 11. ed. Tradução de Marcia Sá
Cavalcante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2004. v. 2. p.123 e ss.; para um estudo do tempo e o
direito: OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 2001; ELIAS, Norbert. Sobre
o tempo. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998; ASKIN, I. F. O problema do
tempo: sua interpretação filosófica. São Paulo: Paz e Terra, 1969; RICOUER, Paul. Tempo e
narrativa. Campinas: Papirus, 1997. t. III.
2 CAPOZZI, Gino. Temporalità e norma. 4. ed. Napoli: Casa Editrice Dott.
Eugenio Jovene, 2000. p. 262 e ss.; HUSSERL, Gerhart. Diritto e tempo. Tradução de Renato
Cristin. Milano: Giuffrè, 1998. p. 3-60. 3 Como enfatiza Juha Raitio, da Universidade de
Helsinki: “The principle of non-retroactivity can be linked to the legitimate expectations of the
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citizens” (RAITIO, Juha. Legal certainty, non-retroactivity and periods of limitation in EC law.
Legisprudence. Oxford: Hart Publishing, 2008, v. 2, n. 1, p. 4). Heleno Taveira Torres a
possibilidade de alegar o princípio de confiança e estabilidade como proteção do estado de
segurança que se exige do ordenamento, para conter a retroação normativa (regras de
bloqueio da retroatividade implícitas). Esta “dominação” jurídica do tempo queda-se, assim,
garantida pela segurança jurídica nas suas distintas formas de expressão. Nesse processo de
juridicização da temporalidade normativa, o direito prescreve o “decurso temporal” entre os
“termos” inicial (a quo) e final (ad quem), qualifica o início da vigência, cria bloqueios
normativos para retroações, estabelece efeitos para a datação do tempo público e gera ficções
temporais. O próprio tempo legal é uma ficção do tempo como serem- si. E além desses
aspectos, pertinentes ao tempo “no” sistema jurídico, não se pode olvidar do tempo “do”
direito,4 que em tudo influi, no curso da sua historicidade e experiências da secularidade dos
institutos, conceitos e aplicações do direito posto e do direito pressuposto.5 Nesse sentido, o
direito constrói seu “tempo” na temporalidade que o faz presente. As regras de anterioridade,
anualidade e irretroatividade tem regime e eficácia típica de “garantia”. E ainda que o art. 150,
caput, da CF, silenciasse sobre assegurar as garantias previstas, posto serem estes princípios
que integram o conteúdo da garantia maior, que é a segurança jurídica, e pela função que
estas exercem no sistema constitucional, de proteção de princípios de direitos e liberdades
fundamentais, o regime de garantia teria preeminência sobre qualquer outro. Como já
assentamos em passagem específica a respeito, nada impede que garantias possam se
qualificar como princípios. A única diferença fica por conta da imponderabilidade, quando em
eventual colisão com qualquer princípio. Neste caso, a garantia há de prevalecer, pelo efeito de
proteção dos valores dos princípios que lhe são inerentes, como é o caso do princípio de não
surpresa. Somente princípios veiculam valores passíveis de preferibilidade. As garantias são
princípios como “limites objetivos”6 e visam a proteger outros princípios que veiculam valores
pertinentes a direitos ou liberdades fundamentais.
4 BRETONE, Mario. Diritto e tempo nella tradizione europea. Bari: Laterza,
2004. p. 33 e ss.
5 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São
Paulo: Malheiros, 2008.
6 A diferenciação entre princípios que veiculam “valores” e princípios como
“limite objetivo” adotada por Paulo de Barros Carvalho, é de fundamental relevância para a
análise da matéria. Ainda que a noção de “garantia” tenha, neste estudo, funções de princípios
como “limites objetivos”, diferenciase pelo caráter protetivo de outros direitos e liberdades
fundamentais que lhe atribuímos, tanto mais naqueles casos referidos expressamente no
âmbito do art. 150 da CF (garantias asseguradas ao contribuinte). Como alude Paulo de Barros
Carvalho: “Entrevemos na consideração do signo ‘princípio’, distinguindo-o como ‘valor’ ou
como ‘limite objetivo’, um passo decisivo, de importantes efeitos práticos. Isso porque, se
reconhecermos no enunciado prescritivo a presença de um valor, teremos que ingressar,
forçosamente, no campo da Axiologia, para estudá-lo segundo as características próprias das
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estimativas” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 21. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 159).
A estabilidade, estimabilidade, calculabilidade ou previsibilidade7 do direito
integram a segurança jurídica na ordem temporal, pela previsão expressa das garantias de
não-surpresa e de vedação de regulação ex post facto; e, assim, o respeito aos direitos
adquiridos, à autoridade da coisa julgada, enquanto preservação da regra patere legem quam
ipse fecisti, segundo a qual a autoridade deve suportar e respeitar a regra editada,8 além de
determinação clara e objetiva de prazos de prescrição e decadência. A segurança jurídica da
norma tributária no tempo e do tempo da norma (estabilidade temporal) requer, ademais de
todos os aspectos já assinalados, determinação objetiva quanto à frequência de exigibilidade
dos tributos a cada exercício financeiro, por unicidade, renovação periódica, exigência
provisória ou trato sucessivo; clara especificação quanto ao início da vigência das leis e
tratamento da vacatio legis; a tipificação, tributo a tributo, incidência por incidência, do critério
temporal da regra matriz de incidência, e, igualmente, toda a designação temporal dos atos ao
longo dos procedimentos e processos de cobrança do tributo, a exemplo do lançamento, dos
casos de extinção ou de suspensão da exigibilidade, inclusive quanto à decadência e
prescrição, afora isenções, sanções aplicáveis ou obrigações formais. Assim, o direito propõe-
se regular as relações no tempo tanto como proibição da retroatividade do não benigno9,
quanto em relação à vigência para o futuro.
Diante do amplo arquétipo de garantias constitucionais de estabilidade
temporal em matéria tributária previsto na Constituição, e da própria norma geral em matéria de
“legislação tributária”, que é o Código Tributário Nacional – CTN, especialmente pelos arts.
105, 106 e 146, confirma-se a vedação sistêmica do ordenamento brasileiro contra qualquer
retroação de efeitos por atos legislativos, administrativos ou judiciais com efeitos erga omnes,
excetuados unicamente os casos de fiscalizações sobre fatos não conhecidos pela
Administração em lançamentos anteriores e as decisões em processos judiciais ou
administrativos de casos concretos.
7 Diz Anne-Laure Valembois: “Stabilité et previsibilité sont en effet les deux
exigences qu’implique la sécurité juridique dans sa dimension temporelle” (VALEMBOIS, Anne-
Laure. La constitutionnalisation de l’exigence... cit., p. 201; cf. RAITIO, Juha. The principle of
legal certainty in EC law. Dordrecht: Kluwer, 2003, p. 201 e ss.).
8 SCHERMERS, Henry G.; WAELBROECK, Denis F. Judicial protection in the
European Union. Hague: Kluwer, 2001. p. 84.
9 Interessante observar que esta formulação foi acolhida por constituições mais
recentes e de influência lusófona. O art. 207 da Constituição de Moçambique, de 1990, prevê
que “as leis só têm efeito retroactivos quando beneficiam os cidadãos e outras pessoas
jurídicas”. De forma menos incisiva, tem-se o art. 96 da Constituição de Cabo Verde, de 1992,
como segue: “A lei fiscal não tem efeito retroactivo, salvo se tiver conteúdo mais favorável para
o contribuinte”. Para um exame dessas diferenciações, veja-se: GOUVEIA, Jorge Bacelar. A
proibição da retroactividade da norma fiscal na Constituição portuguesa. In: CAMPOS, Diogo
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Leite de. Problemas fundamentais do direito tributário. Lisboa: Vislis, 1999. p. 39 e ss. Heleno
Taveira Torres
2 As garantias de irretroatividade , anualidade e anterioridade no direito
brasileiro
Para proteger a previsibilidade, a confiança e a estabilidade no tempo, o
ordenamento constitucional conta com as garantias de irretroatividade, anterioridade e
anualidade das leis tributárias.
A garantia de irretroatividade do não benigno é princípio basilar da segurança
jurídica. Mesmo nas constituições que não o contemplam expressamente, como na
Alemanha,10 Itália,11 França,12 Espanha13 ou 10 Na Alemanha não há regra expressa que
proíba a retroatividade das leis tributárias. Em vista disso, a doutrina esforça-se para construir
esse princípio a partir daqueles do Estado de Direito, da segurança jurídica, da confiança
legítima e da efetividade dos direitos fundamentais, ademais da retroatividade das leis penais.
Cf. TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário. Tradução de Luiz Dória Furquim. Porto
Alegre: Fabris, 2008. v. 1. p. 247-259. TIPKE, Klaus. La retroattività nel diritto tributario. In:
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437-447; BOZZA, Nadya. I principi e la tutela del contribuinte nell’abgabenordung e le
esperienze pratiche. Il fisco, Roma: Il Fisco, 2003. n. 10. p. 61-76.
11 Na Itália, este princípio, no âmbito da interpretação constitucional, foi
elaborado a partir da irretroatividade da lei penal e dos princípios da legalidade, da capacidade
contributiva, integridade do patrimônio e até mesmo da dignidade da pessoa humana. Cf.
MICHELI, Gian Antonio. Corso di diritto tributario. 8. ed. Torino: Utet, 1989. p. 64; MELIS,
Giuseppe. Interpretazione autentica, retroattività e affidamento del contribuente: brevi riflessioni
su talune recenti pronunzie della corte costituzionale. Rassegna Tributaria, Roma: 1997. v. 45,
n. 4, p. 864-880. SANTI, Giovanni Grottanelli de. Profili costituzionali della irretroattività delle
leggi. Milano: Giuffrè, 1970. Recentemente, porém, o art. 3.º da Lei 212, de 27 de julho de
2000, que introduziu o “Statuto dei diritti del contribuente”, introduziu tanto o princípio da
irretroatividade quanto aquele da anterioridade em matéria tributária:
“1. Salvo quanto previsto dall’articolo 1, comma 2, le disposizioni tributarie non
hanno effetto retroattivo. Relativamente ai tributi periodici le modifiche introdotte si applicano
solo a partire dal periodo d’imposta successivo a quello in corso alla data di entrata in vigore
delle disposizioni che le prevedono. 2. In ogni caso, le disposizioni tributarie non possono
prevedere adempimenti a carico dei contribuenti la cui scadenza sia fissata anteriormente al
sessantesimo giorno dalla data della loro entrata in vigore o dell’adozione dei provvedimenti di
attuazione in esse espressamente previsti” (Cf. FANTOZZI, Augusto. Il diritto tributario. 3. ed.
Torino: Utet, 2003, p. 199 e ss.; FALSITTA, Gaspare. Manuale di diritto tributario: parte
generale. 6. ed. Padova: Cedam, 2008. p. 97-112; MASTROIACOVO, Valeria. I limiti alla
retroattività nel diritto tributario. Milano: Giuffrè, 2005).
12 Na França prepondera a aplicação do regime civilístico ao direito tributário,
mediante aplicação do art. 2.º do Código Civil: “La loi ne dispose que pour l’avenir; elle n’a point
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d’effet rétroactif”; com o que dispõe o art. 5.º, da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão: “La Loi n’a le droit de défendre que les actions nuisibles à la Société. Tout ce qui n’est
pas défendu par la Loi ne peut êtr empêché, et nul ne peut être contraint à faire ce qu’elle
n’ordonne pas”. Ver: MALINVAUD, Philippe. L’étrange montée du contrôle du juge sur les lois
rétroactives. 1804-2004, Le Code civil, un passé, un présent, un avenir. Paris: Dalloz, 2004. p.
671-692; DEBAT, Olivier. La rétroactivité et le droit fiscal. Paris: Defrénois, 2006. p. 146 e ss.;
Commission des Finances du Senat – Cefep. Loi fiscale, rétroactivité et sécurité juridique:
quelle conciliation? Revue de Droit Fiscal, n. 17, p. 622-629, Paris: Lexis Nexis, 1999;
LEMAIRE, Fabrice. Actualité du principe de rétroactivité de la loi fiscale. RJF, n. 3. p. 186-190,
Paris: Levallois Perret, 1999.
13 No direito espanhol a Constituição não comporta um princípio semelhante.
Recentemente, a Ley General Tributaria 58, de 17 de dezembro de 2003, introduziu avanços
significativos, mas ainda de reduzida segurança jurídica. Cf. art. 10. “Ámbito temporal de las
normas tributarias. 1. Las normas tributarias entrarán en vigor a los veinte días naturales de su
completa publicación en el boletín oficial que corresponda, si en ellas no se dispone otra cosa,
y se aplicarán por plazo indefinido, salvo que se fije un plazo determinado. 2. Salvo que se
disponga lo contrario, las normas tributarias no tendrán efecto retroactivo y se aplicarán a los
tributos sin período impositivo devengados a partir de su entrada na Bélgica,14 ainda assim se
aceita o postulado (teórico), confirmado em jurisprudência, da irretroatividade das leis
tributárias. Veremos que, no Brasil, são sobremodo relevantes os meios constitucionais
adotados para afirmar a efetividade do princípio-garantia da segurança jurídica, por meio do
art. 5.º, XXXVI, e do art. 150, III, da CF,15 para proteger os fatos e situações jurídicas
consolidados no passado contra qualquer tentativa de modificação posterior; bem como para
impedir inovação ou aumento de tributo sobre fatos anteriores tanto à publicação
(irretroatividade) quanto à entrada em vigor da lei (anterioridade). Por conseguinte, como
observa Tercio Sampaio Ferraz Jr., “a anterioridade, como a irretroatividade, é expressão do
direito à segurança”.16 E acrescentamos: no Brasil, a certeza jurídica e a garantia de
estabilidade de situações jurídicas asseguradas pela Constituição são o que nos diferencia de
experiências alienígenas com significativa vantagem. No cenário internacional, poucos países
contemplam a irretroatividade tributária na Constituição, independentemente do princípio da
proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito ou de uma cláusula de irretroatividade
geral. Exemplos marcantes são Colômbia e Portugal. Outro país que assim o prevê é a Grécia,
cuja Constituição traz em seu artigo 78, § 2 e 3, a previsão expressa de que um tributo ou
qualquer outro ônus financeiro não pode ser cobrado por meio de lei retroativa, não obstante
traga como hipóteses de exceção os impostos de importação, exportação e os impostos sobre
o consumo. Um grupo importante de países, porém, preferiu adotar a irretroatividade geral,
com extensão às normas tributárias. Neste, encontram-se as Constituições da Bolívia, da
Noruega, do México, do Paraguai e da Espanha. É bem verdade que este último país integra
um subgrupo que adota a irretroatividade geral mitigada, pois o faz dentro de certas condições
ou restrições materiais, como se vê no seu artigo 9(3), ou seja, restrita às disposições
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sancionadoras não favoráveis, restritivas de direitos individuais ou como arbitrariedade de
autoridades. en vigor y a los demás tributos cuyo período impositivo se inicie desde ese
momento. No obstante, las normas que regulen el régimen de infracciones y sanciones
tributarias y el de los recargos tendrán efectos retroactivos respecto de los actos que no sean
firmes cuando su aplicación resulte más favorable para el interesado” (NOVOA, César García.
Los límites a la retroactividad de la norma tributaria en el derecho español. Tratado de derecho
tributario. Lima: Palestra, 2003. p. 433-485).
14 Cf. o interessante estudo relativo à construção da jurisprudência belga
quanto a esta matéria:
KIRKPATRICK, John; GARABEDIAN, Daniel. Examen de Jurisprudence (1991
à 2007). Les
impôts sur les revenus et les sociétes – principes généraux. Revue Critique de
Jurisprudence Belge. p. 251-337, Bruxelles: Larcier, 2.º trim. 2008.
15 Como consta do voto do Min. Célio Borja: “O art. 150 da Constituição tornou
explícito que a lei não pode impor obrigações tributárias a fatos ocorridos antes de sua vigência
(inc. III, alínea a) nem, tampouco, a fatos ocorridos no exercício em que editada (inc. III, b)”
(STF, Pleno, ADIn 513, rel. Min. Célio Borja, j. 14.06.1991.
16 .FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Anterioridade e irretroatividade... cit., p. 234
Heleno Taveira Torres
Outro grupo de países integra-se por aqueles que possuem Constituições que
não preveem explicitamente o princípio da irretroatividade, ainda que possa ser deduzido como
corolário da legalidade. Este é o caso da Constituição do Peru, que dispõe sobre a tributação
em seu artigo 74.
Na Alemanha, a Lei Fundamental de Bonn não trouxe uma regra expressa de
proibição da retroatividade para as leis tributárias, limitando-se ao direito penal, o que não é
aplicável por analogia ao direito tributário, como explica Klaus Tipke.17 Diante disso, a
Constituição transferiu para o Tribunal Constitucional a competência para definir diante do caso
concreto as hipóteses de cabimento da irretroatividade das leis tributárias, o que somente seria
possível a partir da segurança jurídica e do princípio do Estado de Direito.
Na nossa história constitucional, a garantia da irretroatividade das leis, em
sentido amplo, aplicável a toda e qualquer matéria, veio expressa nas constituições de 1824 e
de 1891, mantendo-se nas posteriores apenas para a lei penal.18 Em matéria tributária, a
garantia de proibição da retroatividade das
( Notas do rodapé) 17 TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário cit., p.
247. Cf. MAURER, Hartmut. Contributos para o direito do estado. HECK, Luís Afonso (Trad.).
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 68.
18 Constituições brasileiras anteriores: Irretroatividade: Constituição Política do
Império do Brazil de 1824: “Art. 171. Todas as contribuições directas, á excepção daquellas,
que estiverem applicadas aos juros, e amortisação da Divida Publica, serão annualmente
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estabelecidas pela Assembléa Geral, mas continuarão, até que se publique a sua derogação,
ou sejam substituidas por outras”. “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos
Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é
garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. [...] III. A sua disposição não
terá effeito retroactivo”. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891: “Art
11. É vedado aos Estados, como à União: [...] 3.º – prescrever leis retroativas”. Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil de 1934: “Art 17. É vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios: [...] VII – cobrar quaisquer tributos sem lei especial que os
autorize, ou fazê-lo incidir sobre efeitos já produzidos por atos jurídicos perfeitos”.
Anterioridade: Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937: “Art 68. O orçamento será
uno, incorporando-se obrigatoriamente à receita todos os tributos, rendas e suprimentos de
fundos, incluídas na despesa todas as dotações necessárias ao custeio dos serviços públicos”.
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946: “Art 141. A Constituição assegura aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à
vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 34.
Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum será cobrado
em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada, porém, a tarifa aduaneira
e o imposto lançado por motivo de guerra”. Constituição da República Federativa do Brasil de
1967: “Art 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: [...] § 29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o
estabeleça; nenhum será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária,
ressalvados a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra”. Emenda
Constitucional 1 de 1969: “Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança
e à propriedade, nos têrmos seguintes: [...] § 29. Nenhum tributo será exigido ou aumentado
sem que a lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver
instituído ou aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a
tarifa alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e o imposto
lançado por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição”. Mais tarde
modificado, nos seguintes termos: “§ 29 Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a
lei o estabeleça, nem cobrado, em cada exercício, sem que a lei que o houver instituído ou
aumentado esteja em vigor antes do início do exercício financeiro, ressalvados a tarifa
alfandegária e a de transporte, o imposto sobre produtos industrializados e outros
especialmente indicados em lei complementar, além do imposto lançado leis que instituem ou
aumentam tributos19 só havia aparecido de forma expressa na Constituição de 1934. Por outro
lado, a garantia da anterioridade tributária, que assegura o princípio da não surpresa, ou seja, a
segurança jurídica do tempo futuro,20 é fruto de considerável evolução ao longo da nossa
história constitucional. No passado, esta garantia equivalia ao princípio da anualidade
orçamentária, cuja finalidade era diversa, pois tinha como função autorizar os tributos a serem
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cobrados no exercício posterior. Este foi o regime assentado nas Constituições de 1824, 1934,
1946 e 1967. Devia-se à noção de orçamento como “ato-condição” (Duguit) outrora adotado
entre nós. Este modelo somente foi modificado com a Emenda 1, de 1969, para contemplar a
continuidade das receitas exigíveis sem necessidade de autorização orçamentária anual.
Surge, assim, a anterioridade da lei tributária, sem prejuízo de a arantia da anualidade
continuar a existir, agora, com renovadas funções, afora aquela da demarcação do exercício
financeiro: para os fins de balizamento da própria anterioridade, quanto à publicação da lei (i) e
para periodização dos tributos anuais, geralmente aqueles incidentes sobre propriedade de
bens ou rendas (ii). Na Constituição vigente, a anualidade, combinada com a irretroatividade e
anterioridade das leis tributárias que instituem ou majoram tributos (art. 150 – III, da CF),
adicionadas do regime geral de vedação da irretroatividade para modificar os atos
aperfeiçoados no passado ou os direitos adquiridos, do art. 5.º, XXXVI, configuram o regime da
segurança jurídica na função de estabilidade no tempo do nosso Sistema Constitucional
Tributário.21 Reforça-se, assim, o estatuto constitucional do contribuinte, mediante substancial
proteção a mudanças inopinadas, múltiplas cobranças anuais de tributos sobre patrimônio ou
renda, retrospectividade de leis que instituam ou aumentam tributos, bem como daquelas que
tenham por por motivo de guerra e demais casos previstos nesta Constituição” (Redação dada
pela Emenda Constitucional 8, de 1977).
(nota de rodapé)19 CF, art. 150. “Sem prejuízo de outras garantias
asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: [...] III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início
da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; [...]”.
20 CF, art. 150, III: “[...] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em
que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
(Emenda Constitucional 42, de 19.12.2003)
[...] § 1.º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos
arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos
previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos
impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional 42,
de 19.12.2003)”.
21 Esta construção deve-se em muito à larga contribuição que Sacha Calmon e
Misabel Derzi ofertaram ao exame do tema em nosso País. Cf. COÊLHO, Sacha Calmon
Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2006. p. 246 e ss.; sobre a segurança jurídica na aplicação da irretroatividade, ver:
SANCHES, J. L. Saldanha. Manual de direito fiscal. Coimbra: Coimbra Ed., 2002. p. 75-97.
Heleno Taveira Torres (fim das notas)
finalidade modificar atos ou direitos aperfeiçoados em tempos pretéritos. Com
esse esforço de certeza jurídica, (a) contra modificações de situações jurídicas estabilizadas
antes da vigência da lei e (b) contra tipificação de fatos tributários verificados no passado por
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leis novas que instituam ou aumentem tributos, poucas constituições estrangeiras oferecem
regimes semelhantes.
Some-se a essas duas hipóteses o princípio de irretroatividade da lei penal (art.
5.º, XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina”), que surte eficácia em relação à
tipicidade dos crimes contra a ordem tributária ou das sanções administrativas, dada a
vinculação do art. 106, do CTN, com efeitos equivalentes para as normas instituidoras de
regras tributárias sancionatórias ou mais gravosas.
3 A segurança jurídica estabilizadora do passado : a garantia de
irretroatividade das leis tributárias
A garantia da irretroatividade de leis que criem ou aumentem tributos consiste
em vedação expressa para cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes
do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Segundo Gabba, o único
direito adquirido, quanto à irretroatividade, é o de não suportar imposto maior do que aquele
estabelecido pela lei atualmente em vigor.22 Contudo, isso precisa ser entendido em um
sentido amplo que envolva todos os elementos da norma tributária, e.g., apuração de créditos,
titularidade de sujeição passiva e outros. Como observado por Geraldo Ataliba: “O Estado não
surpreende seus cidadãos; não adota decisões inopinadas que os aflijam”.23 Verdadeiramente,
ao Estado deve impor-se uma ética legislativa coerente com a ordem constitucional e esta, por
todos os princípios e garantias consagrados, veda, com firmeza, a surpresa e a retroação em
matéria tributária. E a razão parece simples: somente manifestações de capacidade
contributiva ao tempo da vigência da lei podem ser alcançadas para a incidência tributária.
O princípio da irretroatividade das leis na esfera tributária representa o respeito
ao direito adquirido de ser tributado em relação a fatos geradores segundo os demonstrativos
de capacidade contributiva no momento da sua constituição. Isso porque aquele que evidencia
capacidade contributiva na
(nota de rodapé) 22 GABBA, C. F. Teoria della retroattività delle leggi. 2. ed.
Torino: Unione Tipografica Editrice, 1884. v. 1, p. 266. 23 ATALIBA, Geraldo. Anterioridade da
lei tributária, segurança do direito e iniciativa privada. Revista de Direito Mercantil, Industrial,
Econômico e Financeiro, n. 50, p. 16, São Paulo: RT, 1983; como diz Eduardo Maneira: “O
princípio da não surpresa da lei tributária é instrumento constitucional que visa a garantir o
direito do contribuinte à segurança jurídica, essência do Estado de Direito, qualquer que seja a
sua concepção” (Cf. MANEIRA, Eduardo. Direito tributário: o princípio da não surpresa. Belo
Horizonte: Del Rey, 1994. p. 161). (fim das notas)
ausência de previsão legal que a qualifique como passível de exação tributária
ou que a alcance em certos limites, adquire o direito de não ser tributado em medida diversa
daquela então vigente ao momento de aperfeiçoamento do fato jurídico tributário.
Não parece correto supor que a regra geral do ordenamento consiste na
máxima de que toda lei gera efeitos apenas para o futuro (lex prospicit, non respicit), defeso a
qualquer disposição normativa alcançar fatos anteriores à sua vigência. Mais do que um
exercício de ontologismo, este aforismo jurídico dissolve-se na complexidade do direito. É
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preciso construir argumentos coerentes com os paradigmas, princípios e garantias adotados
pelo direito positivo.
No caso do direito tributário brasileiro, para os demais casos (exclusive
instituição ou aumento de tributo), o art. 105 do CTN veda a irretroatividade em geral, ao
garantir a todos que a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros
e aos pendentes.24 Os fatos pendentes, ao serem alcançados pelas leis novas, sofrem
exclusão da proibição de retroatividade para aquelas situações jurídicas ou de fato iniciadas no
passado e cujo fato material ainda não se tenha por aperfeiçoado. E isso valerá tanto para o
fato jurídico tributário de obrigações principais (art. 113 do CTN) quanto para obrigações
acessórias (art. 114 do CTN), ambos compreendidos nas hipóteses dos art. 116 e 117 do CTN,
no que especifica as modalidades dos facta pendentia. É verdade que, em termos literais, a
redação do texto constitucional, aparentemente, não traz um impedimento absoluto à
retroatividade das leis tributárias na sua totalidade de hipóteses. A vedação constitucional
limitase em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que houver
instituído ou aumentado tributo(art. 150, III, a, da CF).
Contudo, numa interpretação sistemática, em combinação com o inc. XXXVI do
art. 5.º, verifica-se que a aplicação da norma tributária tampouco poderá retroagir para agravar
situações consolidadas no passado ou para modificação de critérios de aplicação de tributos,
multas ou 24 Na combinação dos artigos 105 e 116 do CTN, a noção de fatos geradores
pendentes revela que situações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor não são
consideradas como “atos jurídicos perfeitos” e quedam-se passíveis de tributação com o
adimplemento de condição (situação jurídica) ou com o aperfeiçoamento do suporte fático
(situação de fato). Como observa Tercio Sampaio Ferraz Jr.: “Aqui toma sentido a noção de
fatos geradores pendentes. Pendentes no tempo cronológico com sentido cultural, humano, os
eventos só se completam quando termina o prazo, mas o término do prazo apenas lhes dá um
sentido solidário, não os altera como fatos nem os anula. O princípio da anterioridade, assim,
impede que os eventos componentes de um fato gerador, mesmo pendente de um momento
final, sejam atingidos por uma lei publicada durante o período formador. Do contrário, romper-
se-ia a solidariedade entre os eventos como um contínuo segmentado num tempo
determinado” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Anterioridade e irretroatividade no campo
tributário. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Coord.). Tratado de direito constitucional tributário:
estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 236).
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009. p. 257. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário cit., p. 175;
RABELLO FILHO, Francisco Pinto. O princípio da anterioridade da lei tributária. São Paulo: RT,
2002. Heleno Taveira Torres qualquer tipo de obrigação mais gravosa,25 como nos casos de
regimes de fiscalização, das demais modificações de critérios da regra matriz de incidência, de
sanções administrativas ou capitulações de ilícitos que sejam abrandados ou extintos et
caterva (arts. 105 e 146 do CTN).26 O princípio da interdição de retroatividade veda tudo aquilo
que consista em inovação de obrigações ou deveres mais gravosos para os contribuintes e se
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constitui como verdadeiro direito fundamental, que não se pode restringir, amesquinhar ao
conteúdo de “instituição” ou de “aumento” de tributo, aplicando-se a tudo o quanto possa ser
arbitrário e cause prejuízos ou danos de qualquer tipo ao contribuinte, como criação de
obrigações acessórias, aumento de multas e outros.
A retroação do mais benigno (lex milior) vê-se admitida pelo ordenamento.
Basta ver o que dispõe o art. 150, § 6º, da CF, ao autorizar que a lei possa instituir remissões,
anistias ou modificações que sejam mais benignas ao contribuinte. Seria inconcebível que o
direito não pudesse retroagir, até mesmo para corrigir situações de injustiça ou de técnicas
inadequadas ao tributo aplicado.27 A partir desse quadro normativo e teórico de possibilidades,
a garantia da irretroatividade tributária, decorrente do princípio de segurança jurídica, veda a
retroação de efeitos ao não benigno. E o impedimento de retroação dos efeitos das normas
tributárias impositivas retira do legislador, do juiz ou do agente da Administração28 a
possibilidade de alcançar fatos anteriores ao início da vigência das leis tributárias que instituam
ou
(notas rodapé) 25 Cf. RAMOS, Elival da Silva. A proteção aos direitos
adquiridos no direito constitucional brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 150.
26 Como observa Federico Arcos Ramírez: “No parece posible elaborar un
concepto abstracto de retroactividad que determine, de un modo más o menos exacto y
apriorístico, lo que pueden o no hacer legisladores e intérpretes. Ello obedece, por un lado, a la
dificultad para fijar una línea divisória entre el pasado y el presente, distinción que en el plano
jurídico resulta mucho más compleja de lo que pueda resultar en el devenir de la naturaleza;
por otro, en que el problema no está en las leyes sino em las características de las situaciones
sobre las que recaen que, por definición, son extraordinariamente variadas y merecedoras de
una protección muy diversa frente a las normas innovadoras” (ARCOS RAMÍREZ, Federico. La
seguridad jurídica. Una teoría formal. Madrid: Dykinson, 2000. p. 429).
27 “Uma absoluta proibição da retroactividade de normas jurídicas impediria as
instâncias legiferantes de realizar novas exigências de justiça e de concretizar as ideias de
ordenação social positivamente plasmadas na Constituição” (CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Direito constitucional e teoria... cit., p. 254). “Sólo la lege previa hace posible el cálculo
de las repercusiones jurídicas de nuestras acciones, lo que resultaría del todo imposible si el
Derecho actuara ex post facto. Por otra parte, no tanto La creación como la aplicación
retroactiva de una ley abre un espacio a la arbitrariedad que socava todo sentimiento de
confianza en el Derecho” (ARCOS RAMÍREZ, Federico. La seguridad jurídica... cit., p. 429; cf.
PIZZON, Thommas. La sécurité juridique. Paris: Defrénois, 2009. p. 215).
28 É exigência de segurança jurídica que a irretroatividade seja vinculante para
todos os poderes. São firmes as palavras de Geraldo Ataliba nesse sentido: “Ora, ou a prática
constitucional encerra uma sólida promessa de segurança jurídica – a ser observada pelo
legislador e pela Administração, e garantida pelo judiciário – ou torna-se ridículo e descabido
falar-se em Constituição neste País” (ATALIBA, Geraldo. Anterioridade da lei tributária... cit., p.
12). Ou, na voz de Misabel Derzi: “O princípio da irretroatividade é direito e garantia
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fundamental de todos os cidadãos, que se impõe contra o Estado. Seja o Estado legislador,
administrador ou juiz, a irretroatividade somente pode ser aumentem os tributos já existentes
(irretroatividade constitucional) ou de qualquer outro efeito em matéria tributária mais gravoso
(garantia de estabilidade funcional no tempo do art. 105 do CTN). Não se poderia esperar
menos do princípio da irretroatividade.29
Misabel Derzi postula a intercorrência de um “poder judicial de tributar”, no qual
o princípio da irretroatividade para instituir ou aumentar tributos, em face da proteção da
confiança legítima e da boa-fé objetiva, seria limitação inequívoca, com vistas a preservar o
contribuinte contra mutações inopinadas de jurisprudência.30 Esse entendimento, ainda que
em menor sofisticação, encontra-se também em Klaus Tipke,31 amparado no que chama de
“base de confiança”, para fundamentar o que ele denomina de postulado de proibição de
jurisprudência retroativa agravante, como tutela da confiança na “orientação” dos tribunais.
Como diz Canotilho, “os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são
exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – legislativo, executivo e judicial”.32 Neste
passo, os atos legislativos, judiciais ou executivos não podem retroagir para agravar situações
ou imputar obrigações, mas devem respeitar o ato jurídico perfeito e o direito invocada em
favor do contribuinte” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Modificações da jurisprudência... cit., p.
469).
(notas rodapé) 29 “Alguns princípios, como o princípio da segurança jurídica e
o princípio de confiança do cidadão, podem ser tópicos ou pontos de vista importantes para a
questão da retroactividade, mas apenas na qualidade de princípios densificadores do princípio
do estado de direito eles servem de pressuposto matéria à proibição da retroactividade das
leis. Não é pela simples razão de o cidadão ter confiado na nãoretroactividade das leis que a
retroactividade é juridicamente inadmissível; mas o cidadão pode confiar na não-retroactividade
quando ela se revelar ostensivamente inconstitucional perante certas normas ou princípios
jurídico-constitucionais.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria...
cit., p. 254).
30 Em complementação, esclarece: “Enfim, o núcleo central deste trabalho
limita-se ao exame da proteção da confiança, da boa-fé objetiva e da irretroatividade, em
relação às modificações da jurisprudência, pondo em segundo plano os efeitos dos mesmos
princípios em relação ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo” (DERZI, Misabel Abreu
Machado. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e
irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. São Paulo:
Noeses, 2009, p. 607). A modificação de jurisprudência deve sempre motivar a adoção de
efeitos prospectivos, como se vê em decisão do Min. Carlos Ayres Britto: “O Supremo Tribunal
Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança
jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos
respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de
competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações
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jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto” (STF, Pleno, Conflito de
Competência 7.204/MG, rel. Min Carlos Britto, j. 29.06.2005).
31 “A aplicação do Direito em matéria tributária pelos funcionários da
Administração e adeptos da profissão de consultores tributários cumpre a função de orientar
quanto a preceitos administrativos e a Jurisprudência. Se bem que preceitos administrativos
juridicamente sejam dirigidos apenas a autoridades e sentenças façam coisa julgada apenas
perante as partes processuais, os mesmos formam faticamente, em verdade, uma base de
confiança para os sujeitos passivos e seus consultores” (TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito
tributário cit., p. 258-259).
32 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da
Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 251. Heleno Taveira Torres
(fim das notas)
adquirido no passado. Igualmente, devem criar condições de certeza e
estabilidade para o futuro. Deveras, a coisa julgada não pode ser ferida por ato de qualquer
espécie, seja este judicial, administrativo ou legislativo. Questão controvertida põe-se para as
isenções tributárias. Em geral, isenções deverão ser sempre prospectivas, nunca retroativas.
Qualquer isenção para o passado assumiria o caráter de típica remissão ou de anistia. Por
isso, quando não atendidos os pressupostos para remissão ou anistia, esta retroatividade pode
ser vista como espécie de privilégio odioso e inconstitucional. No que concerne à anterioridade,
a revogação de isenções dependerá de uma série de aspectos. Caso concedida com prazo
certo, ao término deste, o tributo deve recuperar sua exigibilidade, sem qualquer restrição. Não
há surpresa que justifique sua permanência. Diferentemente, a revogação de isenções sem
prazo certo ou sob qualquer outra condição que permita ao beneficiário reconhecer sua
cessação, ou, igualmente, o caso da revogação de isenções com prazo certo, mas antes que
este seja esgotado, haverá sempre o efeito equivalente à “instituição” ou “majoração” de
tributo, razão pela qual o princípio da anterioridade, segundo a espécie de tributo, deverá ser
observado integralmente, como garantia de segurança jurídica.
4 Autorizações para retroatividade no direito tributário brasileiro e o
princípio da coerência do ordenamento
Para preservação da segurança jurídica e da certeza do direito, a aplicação
retroativa de leis tributárias é admitida em hipóteses excepcionais, as quais estão descritas no
art. 106 e 112 do CTN33, como que em oposição à regra geral, segundo a qual a lei vigora e
surte efeitos somente para o futuro (lex prospicit, non respicit). Uma máxima que supostamente
labora a favor da segurança, mas que poderia revestir-se de notável insegurança caso não
contemplasse hipóteses de reconhecimento da permissão para retroagir. Basicamente, esse
efeito de retroação está autorizado nos casos de leis interpretativas (i), de leis sancionadoras
mais benignas (ii) e de atos de aplicação do direito tributário ainda não definitivamente julgados
(iii). As leis mais benignas, nessa hipótese, ganham espaço inconteste, ainda que não se
admita sua qualificação com excessiva amplitude. O art. 112 do CTN estabelece que, em caso
de dúvida, a lei tributária deverá ser interpretada de modo favorável ao contribuinte,
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especialmente quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou
extensão de seus efeitos (i) e à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação (ii),
ademais
(notas rodapé) 33 NOVOA, César García. Los límites a la retroactividad de la
norma tributaria en el derecho español. In: CARVALHO, Paulo de Barros. Tratado de derecho
tributario. Lima: Palestra, 2003. p. 433-485; Cf. MENDONÇA, Maria Luiza Vianna Pessoa de. O
princípio constitucional da irretroatividade da lei: a irretroatividade da lei tributária. Belo
Horizonte: Del Rey, 1996. da capitulação legal do fato (iii) e da autoria, imputabilidade, ou
punibilidade (iv). Como ensina Antonio Roberto Sampaio Doria: “A exemplo das leis penais
benéficas em sentido estrito, também as normas tributárias, definindo infrações tributárias
simples e respectivas sanções, retroagem, se benéficas, para favorecer o infrator.” 34 Portanto,
no âmbito da tipificação dos ilícitos, da imputação de responsabilidade ou da aplicação de
sanções, a lei nova benigna amplianda poderá ser alegada, ainda que os fatos tenham ocorrido
em período anterior, seguido de auto de infração ou emprego de medida coercitiva de qualquer
espécie, o que se aplica inclusive aos responsáveis tributários.
E não poderia ser diferente, afinal, a proibição de retroatividade das leis
tributárias restringe-se aos conteúdos gravosos, aqueles que acrescem dificuldades ou
onerosidades, que suprimem vantagens ou restringem direitos dos contribuintes, enfim,
aqueles que causam qualquer pertubação sobre a situação estabilizada pela confiança ao
tempo de um “comportamento juridicamente relevante” (planejamento tributário, pagamento de
tributo, cumprimento de condições para obtenção de direito ou de isenção etc). Portanto, a
retroação das leis mais benignas não ofende qualquer princípio ou valor jurídico; antes,
apresenta-se como medida de equilíbrio e de coerência sistêmica entre segurança jurídica e
direitos fundamentais.
Ao lado destas hipóteses, para todos os demais casos, a lei nova mais benigna
poderá ser aplicada em se tratando de ato não definitivamente julgado. Afasta-se, assim, a
retroatividade do mais benigno daqueles casos onde não se tenha controvérsias. Assim, em
atenção ao princípio de coerência do ordenamento jurídico, enquanto não julgado o caso que
tenha em discussão determinada matéria jurídica contemplada em lei nova mais benéfica, esta
se deve aplicar na sua integralidade.
Trata-se do disposto no art. 106, II, “b” do CTN, verbis: Art. 106. A lei aplica-se
a ato ou fato pretérito:
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou
omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento
de tributo; A condição excepcional não abrange a ilicitude decorrente de fraude ou da falta do
pagamento do tributo. Em qualquer outro caso, quando a lei nova exclui do ordenamento
exigência que se havia ou expressa disposição que impunha conduta proibida ou obrigatória, o
contribuinte terá direito
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(notas rodapé) 34 DORIA, Antonio Roberto Sampaio. Da lei tributária no tempo.
São Paulo: 1968, s.l, p 310-338. Heleno Taveira Torres
(fim da nota)
de alegar essa regra em qualquer fase ou tipo de processo, administrativo ou
judicial, e até mesmo no âmbito de recursos nos tribunais superiores. A jurisprudência
Supremo Tribunal Federal é pacífica desde 1967 para admitir a aplicação retroativa da
legislação mais benéfica ao contribuinte, nas hipóteses de atos não definitivamente julgados,
enquanto perdurar a disponibilidade para arguir, em qualquer esfera, seu cabimento.35 O
Superior Tribunal de Justiça também reconhece a aplicação retroativa de ato não
definitivamente julgado, atendidos os requisitos do CTN.36 Por fim, nos casos das chamadas
“leis interpretativas”, assim entendidas aquelas que não acrescem inovação mais gravosa ou
benéfica aos contribuintes, estas terão equivalente efeito retroativo no nosso ordenamento,
como já o reconheceu o STF em diversas oportunidades.37 Nesse particular, o CTN, assim
dispôs: “Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I - em qualquer caso, quando seja
expressamente interpretativa, excluída a 35 “Executivo fiscal. Aplicação de lei nova, com
retroatividade benigna, admitida as questões fiscais, para situações jurídicas em curso. O
lançamento administrativo foi examinado sob o prisma da legalidade. Recurso extraordinário
indeferido e agravo não provido.” (AI 39394/SP, Relator Ministro Evandro Lins, j. 07.03.67, DJ
26.04.67, p. 1137). “Tributário. Beneficio da Lei 1.687-79, art-5. Redução da multa para 5%. Ato
definitivamente julgado - Artigo 106 II, ‘c’, do CTN. Se a decisão administrativa ainda pode ser
submetida ao crivo do Judiciário, e para este houve recurso do contribuinte, não há de se ter o
ato administrativo ainda como definitivamente julgado, sendo esta a interpretação que há de
dar-se ao art-106, II, ‘c’ do CTN. E não havendo ainda julgamento definitivo, as multas
previstas nos arts. 80 e 81 da lei n. 4502/64, com a redação dada pelo art-2., alterações 22 e
23 do decreto-lei n. 34/66, ficam reduzidas para 5% se o débito relativo ao IPI houver sido
declarado em documento instituído pela Secretaria da Receita Federal ou por outra forma
confessado, até a data da publicação do Decreto-lei 1680-79, segundo o beneficio concedido
pelo art-5. Da lei 1687/79. Acórdão que assim decidiu e de ser confirmado.” (RE 95900/BA,
Relator Ministro Aldir Passarinho, j. 04.12.84, DJ 08.03.85, p. 2602). 36 “1. Posicionamento de
ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção deste Tribunal no sentido de reconhecer a
retroatividade benigna (art. 106 do CTN) provocada pela revogação dos artigos 43 e 44 da Lei
8.541/92, que continham normas com caráter de penalidade e estabeleciam a incidência em
separado do imposto de renda sobre o valor da receita omitida. 2. Precedentes citados: AgRg
no REsp n. 716.208/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 6/12/2009 e REsp n. 801.447/PR, Rel.
Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 26/10/2009.” (AgRg no REsp 1106260 / PR, Ministro
BENEDITO GONÇALVES, DJe 04/03/2010). Cf. ainda: AgRg no REsp 954521 / ES. Ministro
JOSÉ DELGADO (1105) DJ 22/11/2007 p. 206. 37 “É plausível, em face do ordenamento
constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que
configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação
autentica. - as leis interpretativas - desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema
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de direito positivo - não traduzem usurpação das atribuições institucionais do judiciário e, em
conseqüência, não ofendem o postulado fundamental da divisao funcional do poder. - mesmo
as leis interpretativas expõem-se ao exame e a interpretação dos juizes e tribunais. Não se
revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional. - a questão da
interpretação de leis de conversão por medida provisória editada pelo Presidente da Republica.
- o princípio da irretroatividade ‘somente’ condiciona a atividade jurídica do estado nas
hipóteses expressamente previstas ela constituição, em ordem a inibir a ação do poder público
eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao ‘status libertatis’ da pessoa (cf, art. 5º,
Xl), (b) ao ‘status subjectionais’ do contribuinte em matéria tributaria (cf, art. 150, iii, “a”) e (c) a
‘segurança’ jurídica no domínio das relações sociais (cf art. 5º, xxxvi). - na medida em que a
retroprojeção normativa da lei ‘não’ gere e ‘nem’ produza os gravames referidos, nada impede
que o estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. - as leis, em face do
caráter prospectivo de que se revestem, devem, ‘ordinariamente’, dispor para o futuro. O
sistema jurídico- constitucional brasileiro, contudo, ‘não’ assentou, como postulado absoluto,
incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade. - a questão da retroatividade das
leis interpretativas”. (ADI-MC 605-DF. Rel. Min. Celso de Mello. Julgamento: 23/10/1991).
aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.” Nesse
particular, pelo princípio da coerência, as leis interpretativas somente podem ser aplicadas
quando não prevejam tratamentos gravoso, pela vedação genérica do ordenamento à
retroatividade do que for não benigno. Como “lei” interpretativa (defeso o emprego desse
sentido para atos administrativos normativos), sua eficácia permite que se possa aplicar
retroativamente “em qualquer caso”, seja a que título for, quer dos elementos da estrutura
fundamental da norma tributária quer sobre procedimentos, desde que coincida com o mesmo
âmbito de competência e conteúdo material da lei interpretada, vedada qualquer inovação
material ou formal.
A permissão de retroatividade das leis aplica-se às regras específicas do
lançamento tributário. A partir da vigência, em conformidade com o art. 144 do CTN, o
lançamento deverá reportar-se necessariamente à data da ocorrência do fato gerador da
obrigação e rege-se pela lei então vigente, no que concerne à matéria do fato jurídico tributário,
ainda que posteriormente modificada ou revogada. Desse modo, não há qualquer
retroatividade na aplicação do lançamento sobre fatos verificados no passado, para os fins do
lançamento tributário, cujo tratamento jurídico e regime aplicáveis hão de ser aqueles em vigor
ao momento do respectivo fato. A exceção, prevista no § 1º do referido art. 144, autoriza a
retroatividade das leis que aplicam ao lançamento novos critérios de apuração (i), introduzem
novos processos de fiscalização, ampliados os poderes de investigação das autoridades
administrativas (ii), ou outorgam ao crédito maiores garantias ou privilégios (iii), desde que não
instituam gravames retroativos ou modifiquem a regra matriz de incidência dos tributos.
Segundo Aliomar Baleeiro, por serem disposições de natureza processual, têm eficácia
imediata para aplicação aos casos pendentes38 de lançamento, investigação e emprego de
garantias ou privilégios. É induvidoso que por “novos critérios de apuração” não se pode
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conceber os procedimentos inerentes à apuração da base de cálculo. Numa interpretação
conforme a Constituição, presente a proibição de retroatividade das leis que aumentam
tributos, resta defeso admitir que a “apuração” da base de cálculo possa ser objeto de lei
retroativa. Nesse caso, somente tem cabimento falar em critérios formais de lançamento para a
determinação da matéria tributável, sem qualquer modificação dos elementos de quantificação
do tributo. Regras que modificam os critérios de apuração do lucro líquido, a formação das
receitas ou da presunção de rendimentos não podem ter efeito retroativo; diversamente, o
procedimento de atuação administrativa na formação do lançamento poderá ser objeto de
retroatividade, por não significar câmbio de expectativas do contribuinte.
(nota rodapé) 38 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005. p. 794.
Heleno Taveira Torres(fim da nota)
No conceito de processos de fiscalização e de poderes de investigação das
autoridades administrativas devem ser considerados apenas aqueles tipicamente
administrativos e que não signifiquem inovações de exigências condutas ou de obrigações
acessórias retroativas contra o contribuinte. Nesse grupo, por exemplo, não podem ser
inseridos os métodos de controle de elusão tributária, métodos de controle de preços de
transferência ou introdução de exigências onerosas ou gravosas para o contribuinte, para os
fins de aplicação retroativa. Limita-se, assim, aos poderes de acesso a documentos ou dados,
como o sigilo bancário e outros. De igual modo, as leis que outorgam ao crédito maiores
garantias ou privilégios, ao tempo que não se convertem em modificação do regime aplicável
ao fato jurídico tributário, podem perfeitamente aplicar-se ao crédito formado a partir do
momento em que se aperfeiçoa o lançamento.
5 Considerações finais
Como visto, a segurança jurídica e a certeza do direito conferem a todos o
direito de sujeitarem-se unicamente à lei previamente existente, vedada qualquer retroatividade
(lex prospicit, non respicit). Para tudo o que se possa considerar como “novo” conteúdo,
deveras, aplicar-se-á o princípio de proibição da retroatividade, dos arts. 5.º, XXXVI, e 150, III,
a, da CF. Nas palavras de César García Novoa, “la seguridad jurídica outorga al particular un
derecho a la certeza, no un derecho al mantenimiento de una determinada tributación”.39 Esta
excepcionalidade encontra-se nos mais recentes diplomas normativos, como nos “códigos
tributários” (leis gerais ou estatutos dos contribuintes) de diversos países, a exemplo de Itália,
Espanha, Portugal e outros.40 Não é simples uso ou tradição. Efetivamente, nada impede que
a lei cumpra aquele papel que muitas vezes é deixado à regulamentação, para esclarecer
ambiguidades ou situações causadoras de dúvidas que poderiam ensejar longos conflitos ou
afetações à eficácia da lei, nos atos de sua aplicação. E como o regulamento não pode e não
deve retroagir, somente à “lei” pode-se conferir este efeito.
(nota de rodapé)39 GARCÍA NOVOA, César. El principio de seguridad
jurídica... cit., p. 193.
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40 Cf. FANTOZZI, Augusto. Il diritto tributario. 3. ed. Torino: Utet, 2003. p. 199
e ss.; FALSITTA, Gaspare. Manuale di diritto tributario: parte generale. 6. ed. Padova: Cedam,
2008. p. 97-112; DEBAT, Olivier. La rétroactivité et le droit fiscal. Paris: Defrénois, 2006. p. 146
e ss.; MASTROIACOVO, Valeria. I limiti alla retroattività nel diritto tributario. Milano: Giuffrè,
2005; MELIS, Giuseppe. Interpretazione autentica, retroattività e affidamento del contribuente:
brevi riflessioni su talune recenti pronunzie della corte costituzionale. Rassegna Tributaria, v.
45, n. 4, p. 864-880, Roma: 1997; TIPKE, Klaus. La retroattività nel diritto tributario. In:
AMATUCCI, Andrea (Coord.). Trattato di diritto tributario cit., p. 437-447; GOUVEIA, Jorge
Bacelar. A proibição da retroactividade da norma fiscal na Constituição portuguesa. In:
CAMPOS, Diogo Leite de. Problemas fundamentais do direito tributário. Lisboa: Vislis, 1999. p.
39 e ss.; NABAIS, José Casalta. Direito fiscal. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2007. p. 87. (fim da
nota)
A segurança jurídica exige o acertamento das situações previstas em lei
quando do seu cumprimento.41 Essa é a razão pela qual, a título de preservação da confiança
legítima dos contribuintes perante a Administração, autoriza-se o afastamento de multas, nos
termos do art. 106, I, do CTN, nas hipóteses de “leis interpretativas”; bem como de multas e
juros de mora, nos termos do parágrafo único, do art. 100, do CTN, se e enquanto perdurou
“prática reiterada da Administração” suficiente para gerar o estado de confiança assinalado.
Em vista disso, é de admitir que a lei, e somente a lei – defeso este recurso a
qualquer tipo de ato regulamentar de caráter administrativo, por expressa vedação
constitucional e do próprio CTN –, possa “retroagir” e cumprir essa função especificadora ou
interpretativa das leis anteriormente publicadas. Nenhum ato administrativo tributário, portanto,
pode ter efeito retroativo prejudicial no ordenamento jurídico brasileiro. Somente a “Lei” pode
retroagir, e dentro de condições muito limitadas, como estabelece o art. 106 do CTN.
(nota rodapé) 41 Como anotara Fernando Sainz de Bujanda, “la seguridad, en
su doble manifestación – certidumbre del Derecho y eliminación de la arbitrariedad – ha de
considerarse ineludiblemente en función de La legalidad y de la justicia. Esta última y la
seguridad son valores que se fundamentan mutuamente y que, a su vez, necesitan de la
legalidad para articularse de modo eficaz” (SAINZ DE BUJANDA, Fernando. Reflexiones sobre
un sistema de derecho tributario español – en torno a la revisión de un programa. In: Hacienda
y Derecho. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1963. t. III, p. 147).
http://www.pgfn.fazenda.gov.br/revista-pgfn/ano-i-numero-i/heleno.pdf
ARTIGO 16
SEGURANÇA JURÍDICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
Leandro Paulsen
Considerações gerais sobre o princípio da segurança jurídica em matéria
tributária Texto extraído do livro: PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário, 3ª ed. Porto
Alegre: ed. Livraria do Advogado, 2010.
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O preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil anuncia a
instituição de um Estado Democrático que tem como valor supremo, dentre outros, a
segurança. Segurança é a qualidade daquilo que está livre de perigo, livre de risco, protegido,
acautelado, garantido, do que se pode ter certeza ou, ainda, daquilo em que se pode ter
confiança, convicção. O Estado de Direito constitui, por si só, uma referência de segurança.
Esta se revela com detalhamento, ademais, em inúmeros dispositivos constitucionais,
especialmente em garantias que visam a proteger, acautelar, garantir, livrar de risco e
assegurar, prover certeza e confiança, resguardando as pessoas do arbítrio. A garantia e a
determinação de promoção da segurança revelam-se no plano deôntico (“dever ser”),
implicitamente, como princípio da segurança jurídica.
O princípio da segurança jurídica constitui, ao mesmo tempo, um subprincípio
do princípio do Estado de Direito (subprincípio porque se extrai do princípio do Estado de
Direito e o promove) e um sobreprincípio relativamente a princípios decorrentes que se
prestam à afirmação de normas importantes para a efetivação da segurança (sobreprincípio
porque dele derivam outros valores a serem promovidos na linha de desdobramento da sua
concretização). Diversos Ministros do STF referem-se à segurança jurídica como sobreprincípio
em matéria tributária, conforme se pode ver dos votos proferidos quando do julgamento do RE
566.621, relativo à aplicação retroativa da LC 118/05.
Para uma melhor identificação da potencialidade normativa do princípio da
segurança jurídica, impende que sejam identificados os seus conteúdos, quais sejam: 1 –
certeza do direito (legalidade, irretroatividade, anterioridade);
2 – intangibilidade das posições jurídicas (proteção ao direito adquirido e ao ato
jurídico perfeito);
3 – estabilidade das situações jurídicas (decadência, prescrição extintiva e
aquisitiva);
4 – confiança no tráfego jurídico (cláusula geral da boa-fé, teoria da aparência,
princípio da confiança);
5 – devido processo legal (direito à ampla defesa inclusive no processo
administrativo, direito de acesso ao Judiciário e garantias específicas como o mandado de
segurança).
Todo o conteúdo normativo do princípio da segurança jurídica se projeta na
matéria tributária.
O conteúdo de certeza do direito diz respeito ao conhecimento do direito
vigente e aplicável aos casos, de modo que as pessoas possam orientar suas condutas
conforme os efeitos jurídicos estabelecidos, buscando determinado resultado jurídico ou
evitando conseqüência indesejada. A compreensão das garantias dos artigos 150, I (legalidade
estrita), 150, III, a (irretroatividade), b (anterioridade de exercício) e c (anterioridade
nonagesimal mínima), e 195, § 6º (anterioridade nonagesimal das contribuições de seguridade
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social), da Constituição como realizadoras da certeza do direito no que diz respeito à instituição
e à majoração de tributos permite que se perceba mais adequadamente o alcance de cada
uma e o acréscimo de proteção que representam relativamente às garantias gerais da
legalidade relativa (art. 5º, II, da CF), do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa
julgada (art. 5º, XXXVIII, da CF).
O conteúdo de intangibilidade das posições jurídicas pode ser vislumbrado, por
exemplo, no que diz respeito à consideração da formalização de um parcelamento de dívida
tributária como ato jurídico perfeito, a vincular o contribuinte e o ente tributante, gerando todos
os efeitos previstos nas normas gerais de Direito Tributário, como a suspensão da exigibilidade
do crédito tributário (art. 151, VI, do CTN) e o conseqüente direito a certidões negativas de
débito (art. 206 do CTN). Já no caso das isenções onerosas, cumpridas as condições, surge
para o contribuinte direito adquirido ao gozo do benefício pelo prazo previsto em lei, restando
impedida a revogação ou modificação da isenção a qualquer tempo quando concedida por
prazo certo e em função de determinadas condições (art. 178 do CTN). Nesses casos,
inclusive, é aplicável a garantia estampada no art. 5º, XXXVI, da CF.
O conteúdo de estabilidade das situações jurídicas evidencia-se nos arts. 150,
§ 4º, 173 e 174 do CTN, que estabelecem prazos decadenciais (para a constituição de créditos
tributários) e prescricionais (para a exigência compulsória dos créditos). Também há garantia
de estabilidade no art. 168 do CTN, em combinação com o art. 3º da LC 118/04, que
estabelece prazo decadencial contra o contribuinte, dentro do qual deve exercer seu direito ao
ressarcimento de indébito tributário por compensação ou repetição.
O conteúdo de proteção à confiança do contribuinte, por sua vez, fundamenta,
por exemplo, o art. 100 do CTN, que estabelece que a observância das normas
complementares das leis e dos decretos (atos normativos, decisões administrativas com
eficácia normativa, práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas e
convênios entre os entes políticos) exclui a imposição de penalidades e a cobrança de juros de
mora e inclusive a atualização do valor monetária da base de cálculo do tributo. O art. 146 do
CTN, igualmente, resguarda a confiança do contribuinte, mas quanto a mudanças nos critérios
jurídicos adotados pela autoridade administrativa para fins de lançamento. Mesmo a título de
proteção à boa-fé, tem-se, ainda, a proteção do contribuinte em casos de circulação de bens
importados sem o pagamento dos tributos devidos. Em todos esses casos, assegura-se a
confiança no tráfego jurídico.
O conteúdo de devido processo legal nota-se na ampla gama de instrumentos
processuais colocados à disposição do contribuinte para o questionamento de créditos
tributários, tanto na esfera administrativa, através, principalmente, do Decreto 70.235/72 (o
chamado processo administrativo fiscal, que assegura direito à impugnação e recursos), como
na esfera judicial, destacando-se a amplitude que se reconhece ao mandado de segurança em
matéria tributária e os meios específicos para a dedução de direitos em juízo, como a ação
anulatória prevista no art. 40 da LEF e as ações consignatória e de repetição de indébito
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tributário, disciplinadas, respectivamente, nos arts. 164 e 165 do CTN. Em se tratando de
acesso à jurisdição, remédios e garantias processuais, impende considerar, ainda, que têm
plena aplicação, também em matéria tributária, dentre outros, os incisos XXXV, LIV, LV, LVI,
LXIX e LXX do art. 5º da Constituição. Evidencia-se, assim, a segurança jurídica enquanto
devido processo legal e, mais particularmente, enquanto acesso à jurisdição.
http://www.leandropaulsen.com/site/textos_detalhe.asp?ID=37
ARTIGO 17
(In)segurança jurídica e proteção à confiança
Rubia Erthal dos Santos
Falamos em princípio da segurança jurídica quando designamos o que
prestigia o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e em princípio da proteção à
confiança, quando aludem ao que atenta para o aspecto subjetivo.
SUMÁRIO: 1.Introdução. 2.Segurança Jurídica no Direito Tributário.
3.Segurança Jurídica e Proteção à Confiança.4.Considerações Finais. Referencias
Bibliográficas
RESUMO - O Estado Democrático de Direito – sobre o qual se constitui a
República Federativa do Brasil (art. 1º da CF) –assenta-se, basicamente sobre o princípio da
segurança jurídica, compreendendo a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade,
traduzindo-se na previsibilidade e estabilidade da atuação jurídica estatal. No Direito Tributário,
o referido princípio surge como grande protetor do cidadão, visando um mínimo de
confiabilidade do indivíduo para com o Estado, garantindo o convívio pacífico. E como valor
fundante de todo o sistema jurídico, o princípio da segurança jurídica bem como o principio da
proteção a confiança, devem ter sua receptividade, usos e aplicação, a fim de proporcionar
uma melhor efetivação do princípio do Estado de Direito, que se quer vigente.
ABSTRACT - The Democratic Law State – the one that Brazil Republic is
based on ( 1st article of The Federal Constitution) is basicaly related to the law security
principles, as legality, translated on the prediction and stability of the law performance state. On
tributary law, this principle appears as the biggest protection of the man, aiming confidence from
the man to the state, a guarantee to a pacific contact. And the security law principle as well as
the protection and trust ones, must have its receptivity, uses and application to give a better and
permanent principle of the current law state.
PALAVRAS CHAVE
Direito Tributário. Segurança jurídica. Legalidade. Anterioridade.
Irretroatividade. Proteção à Confiança.
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1 - INTRODUÇÃO
A segurança jurídica é, sem dúvidas, um valor fundante do sistema jurídico, já
que uma das principais funções do direito é a de estabilizar as relações sociais, garantindo o
convívio pacífico.
No âmbito tributário, em que o Estado faz valer a sua força, cobrando do
cidadão a participação nas contas e despesas públicas, a segurança e a proteção da confiança
assumem grande relevância, servindo como um limitador, evitando e coibindo os excessos do
poder público.
A proposta deste trabalho é justamente investigar os formadores da segurança
jurídica, sua dimensão valorativa no Estado de Direito e sua aplicabilidade no direito tributário
brasileiro em cotejo com o princípio da proteção à confiança.
Insta consignar que o trabalho desenvolvido possui especial relevância, pela
própria natureza do objeto de sua disciplina jurídica, que regula uma limitação estatal, e pelo
comportamento historicamente verificado do Estado em relação a vida privada dos cidadãos, o
que torna imperativo a fixação de uma delimitação precisa da esfera privada em oposição ao
Poder Público.
2 - SEGURANÇA JURÍDICA NO DIREITO TRIBUTÁRIO
O princípio da segurança jurídica atua no ordenamento jurídico pátrio como
grande protetor do cidadão na construção e elaboração de normas novas, visando um mínimo
de confiabilidade do indivíduo para com o Estado, principalmente no que tange a procurar
estabilizar as relações sociais, garantindo o convívio pacífico.
É consabido que o poder público hoje nos transmite a idéia de Estado pai, e
por esse motivo deve satisfazer as necessidades públicas. No âmbito tributário o Estado faz
valer a sua força, cobrando do cidadão a participação nas contas e despesas públicas a fim de
prover aos cidadãos saúde, segurança, educação, lazer e todas as demais necessidades do
cidadão. Para tanto, a segurança e a proteção da confiança assumem grande relevância,
servindo como limite, capaz de evitar e coibir possíveis excessos da administração pública.
Para que a arrecadação ocorra sem maiores problemas, e para que haja
reciprocidade na relação jurídico-tributária faz-se necessário que as pessoas possam afastar
uma possível sensação de insegurança, sendo possível uma previsão de figuras normativas
que digam como devem ocorrer certos comportamentos.
Essa previsibilidade deve ocorrer principalmente dentro do Estado de direito,
que é conceituado como "aquele que, tanto quanto os particulares, respeita as leis e as
decisões judiciais".[01]
A partir desse primeiro conceito temos que as idéias do Estado Democrático de
Direito estão ligadas intimamente com a dignidade da pessoa humana, respeitando as
premissas e comprometendo-se com a busca existencial por essa dignidade, e podemos
afirmar isso com mais propriedade quando lemos o preâmbulo da nossa Constituição Federal.
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Talvez por isso, o Estado Democrático de Direito – sobre o qual se constitui a
República Federativa do Brasil (art. 1º da CF) –assente-se, basicamente sobre o princípio da
segurança jurídica, compreendendo a legalidade, o ato jurídico perfeito, a coisa julgada, etc.,
traduzindo-se na previsibilidade e estabilidade da atuação jurídica estatal.
A segurança jurídica entra em nosso ordenamento jurídico como princípio vez
que é esse o nome que se dá a regras do direito positivo que introduzem valores relevantes
para o sistema, valores que influenciam vigorosamente sobre a orientação de setores da ordem
jurídica.
Pela importância e por todas as consequências que se extraem da chamada
segurança jurídica, ela significa, justamente, um "ponto de partida", um "início", além de ter
presença obrigatória em qualquer ciência, em qualquer estudo específico, não é diferente com
o direito e com a sociedade em geral.
E uma vez ser tão imperioso que se obtenha a tal segurança jurídica, é
necessário que caminhe junto com as demais normas, balizando-as, indicando o caminho a ser
seguido, como princípio, como sustentação, orientação e realização do direito.
Eis o motivo pelo qual os princípios da estrita legalidade, irretroatividade e
anterioridade guardam enorme conexidade entre si, já que atuam conjuntamente visando tornar
efetivo o princípio da segurança jurídica.
Por esse motivo, como parte essencial dessa segurança, o princípio da
legalidade assegura que nenhum cidadão no Estado de Direito pode ser obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, da CF).
Da mesma forma, o cidadão deve ter a certeza de que as situações
consolidadas no tempo assim permanecerão (art. 5º, XXXVI, da CF) e a previsibilidade de que
os atos praticados pelo Estado, presumidamente legítimos, serão assim reconhecidos.
Assim também ocorre com o princípio da anterioridade, como ele protela a
eficácia dessas novas exações para o exercício financeiro subsequente ao da publicação de
suas leis criadoras, a segurança jurídica dos contribuintes estaria assegurada já que poderiam
planejar, previamente, suas atividades econômicas, sabendo com antecedência, os gastos que
teriam com relação ao Fisco.
Nesse sentido, é possível afirmarmos que não existirá, efetivamente,
segurança jurídica, sempre que os princípios que o realizem forem violados.
Impossível imaginar qualquer sistema tributário sem a observância desses
princípios.
3 - SEGURANÇA JURÍDICA E PROTEÇÃO À CONFIANÇA
A segurança jurídica, como visto, decompõe-se em duas perspectivas distintas:
de um lado, o aspecto formal-temporal (anterioridade e irretroatividade); e, do outro, a
dimensão material (legalidade). Dessa forma os cidadãos devem saber previamente quais
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normas vigentes, se elas estão em vigor antes que os fatos por ela regulamentados sejam
praticados, e também o conteúdo das leis.
Nesta mesma senda, o cidadão deve dispor de compreensibilidade, clareza,
calculabilidade e controlabilidade do conteúdo das leis. A idéia diretiva obtida a partir dessas
determinações está em consonância com o conteúdo da lei, denominado também de
legalidade no sentido material.
Sob esta óptica, portanto, a segurança jurídica atua sobre a estrutura do
sistema normativo. É necessário que todo o ordenamento preencha requisitos objetivos de
previsibilidade e calculabilidade dos efeitos decorrentes da prática de determinados atos pelos
destinatários da norma, ou seja, pelo contribuinte.
Em razão do princípio da Segurança Jurídica, o Estado deve obedecer a
determinados proclames objetivos de conduta, o que gera nos cidadãos expectativas legítimas
em relação a determinadas condutas. Estas expectativas são uma dimensão subjetiva da
segurança, que é, precisamente, o que se identifica como o princípio da proteção da confiança.
Assim, sob esta ótica falamos em princípio da segurança jurídica quando
designamos o que prestigia o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e em
princípio da proteção à confiança, quando aludem ao que atenta para o aspecto subjetivo.
A segurança jurídica subjetiva equivale, portanto, precisamente, à confiança
depositada pelos particulares sobre os atos administrativos, pois estes, tendo em vista o
princípio da legalidade, gozam de presunção de legitimidade.
Em termos práticos podemos afirmar que o princípio da proteção à confiança
visa gerar ao cidadão uma maior segurança e estabilidade, de forma a facilitar previsões
financeiras, sem que isto prejudique a contabilidade de uma grande empresa, ou até, de uma
família de classe média.
Assim, temos que em matéria tributária, o principio da segurança jurídica
funciona a própria proteção da confiança do contribuinte no Estado, ou seja, protege o cidadão
no intuito de que os atos praticados pelo ente tributante não serão alterados de forma
repentina.
Significa dizer que, com base na análise conjunta do principio da segurança
jurídica, e do principio da proteção a confiança, que não pode a administração pública mudar
uma interpretação na aplicação de determinado tributo, querendo cobrar, de forma retroativa,
por exemplo.
O princípio da proteção à confiança decorre, pois, da boa-fé, significando que o
fisco não poderá prejudicar os interesses do contribuinte, se este agiu conforme a legislação
vigente a época do fato. A boa-fé atua aqui como um limitador de ações, exigindo certo
respeito àquilo que a outra parte acredita, coibindo assim, condutas contrárias a sua própria
conduta, ou seja, aquela que até então se tinha como correta.
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O Fisco deve agir com lealdade a certeza das pessoas, sejam físicas ou
jurídicas. Certeza de que não serão surpreendidas com as medidas adotadas pela
administração pública, dando a todos a tranqüilidade e a possibilidade de planejamento futuro.
Essa certeza é a própria confiança que o cidadão deve ter no Estado.
A existência desse princípio deve conferir ao contribuinte uma certa garantia
que essa previsibilidade será ponderada quando acontecer alguma mudança inesperada, ou
seja, em decorrência do princípio da proteção a confiança o aplicador do direito deverá
ponderar a garantia da inviolabilidade do ato jurídico perfeito e a alteração na tributação
aplicada ao fato gerador praticado pelo contribuinte, de forma que àquilo que era entendido
como correto seja mantido.
O princípio da Confiança trata-se de preceito ao qual, assim como ocorre com
a segurança jurídica, se deve devotar particular atenção. As hipóteses de utilização deles são
abertas e muito amplas, prontas para serem estendidas diante de novas e inusitadas situações,
afim de garantir ao contribuinte maior estabilidade em suas relações comerciais e financeiras.
4 Considerações finais
Primeiramente há que se ressaltar que as hipóteses de aplicação do princípio
da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança em matéria tributária não se
esgotam com essas apresentadas até aqui. Suas hipóteses de utilização são, e sempre serão,
abertas; prontas para serem estendidas diante de novas e inusitadas situações.
Estes princípios, como vimos, têm amplitude suficiente para afastar a
possibilidade de se delimitar suas repercussões de modo exaustivo. Suas hipóteses de
aplicação permanecem sempre em aberto, podendo ter seu conteúdo acrescido na medida em
que novas situações concretas se apresentem.
O princípio da segurança jurídica, como vimos, confere ao contribuinte, na
relação com o Estado, confiança e estabilidade, de forma a facilitar previsões financeiras, sem
que isto prejudique a contabilidade de uma grande empresa, ou até, de uma família de classe
média, ou seja, visa proteger o cidadão contra atos repentinos praticados pela administração
pública, evitando a surpresa fiscal.
Tais princípios constitucionais exigem e conferem ao contribuinte condições de
prever objetivamente seus direitos e deveres tributários, e por isso mesmo, podemos afirmar,
que não haverá respeito ao princípio da segurança jurídica sempre que as diretrizes que o
realizem venham a ser concretamente desrespeitadas, em outras palavras, não se pode falar
em segurança jurídica, ou proteção à confiança se a criação do tributo não respeitar os
princípios da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade.
Após essa análise fácil concluir que o princípio da segurança jurídica é um
componente de ética jurídica e sua aplicação nas relações jurídicas de direito público é
obrigatória, tendo por precípua finalidade a obtenção de um estado de coisas que enseje
estabilidade dos atos, procedimentos ou simples comportamentos das atividades estatais.
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E somente com a devida importância que se deve ofertar aos princípios em tela
é que poderemos atingir a efetiva realização da Justiça na seara do Direito Tributário.
Nota
01 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário,
26ªed. Malheiros. 2010.
Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/20402/in-seguranca-juridica-e-
protecao-a-confianca#ixzz1xQuDZXm5
SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO
ARTIGO 18
A invocação do interesse público em matéria tributária
Raquel Cavalcanti Ramos Machado*
Introdução
Observa-se nos últimos tempos uma crescente invocação do princípio da
prevalência do interesse público sobre o particular, ou mesmo só do interesse público, na
solução de problemas de Direito Tributário, tanto materiais, como processuais.
Com efeito, medidas processuais em favor da Fazenda Pública são aceitas ao
fundamento de que a prevalência do interesse público as autoriza:
“TRIBUTÁRIO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
FISCAL. INSTÂNCIA ESPECIAL. RECURSO
HIERÁRQUICO. INCONSTITUCIONALIDADE.
INEXISTÊNCIA. 1 . O recurso hierárquico em benefício
da Fazenda Pública, desde que previsto em lei, não viola
a Constituição Federal, notadamente os princípios da
isonomia e do devido processo legal. 2 . A lei processual
criada em favor da Fazenda não rompe o equilíbrio entre
as partes, face a prevalência da supremacia do interesse
público ao privado, instituída na Lei Maior. 3 . Recurso
ordinário a que se nega provimento.”1
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PENHORA
SOBRE O FATURAMENTO DA EMPRESA.
POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ.
1. A presunção de legitimidade do crédito tributário, a
supremacia do interesse público e o princípio de que a
execução por quantia certa deve ser levada a efeito em
benefício do credor, justificam a penhora sobre o
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faturamento, no módico percentual de 5% (cinco por
cento) à míngua de outros bens penhoráveis.
2. O patrimônio de uma sociedade é servil a suas
obrigações, notadamente a tributária, que é ex lege, e
destinada a receita pública, cuja função é satisfazer as
necessidades coletivas.”
Do mesmo modo, por vezes convalidam-se inválidas
exigências tributárias também mediante a invocação do
interesse público. Como exemplo, tem-se o julgado do
Supremo Tribunal Federal, que para a perplexidade da
maioria da comunidade jurídica, negou o direito do
contribuinte à restituição da diferença do ICMS recolhido
por substituição tributária “para frente”, nas hipóteses em
que o preço final é inferior ao previsto na antecipação:
“(...) O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é
provisório, mas definitivo, não dando ensejo à restituição
ou complementação do imposto pago, senão, no
primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final.
Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das
vantagens que determinaram a sua concepção e
adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-
fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas,
propiciando, portanto, maior comodidade, economia,
eficiência e celeridade às atividades de tributação e
arrecadação...”2
Essa invocação do interesse público, demasiadamente ampla, longe de
coadunar-se com o ordenamento jurídico, implica insegurança e muitas vezes autoriza atitudes
arbitrárias do Estado. Em conseqüência, acarreta a diminuição do âmbito de eficácia dos
direitos individuais, conquistados a tão duras penas ao longo da História, trazendo ainda
grandes prejuízos para a Ciência do Direito Tributário.
Na verdade, somente uma noção distorcida sobre o conceito de interesse
público e sobre o significado do princípio da prevalência do interesse público sobre o particular
justifica essa invocação.
É na tentativa de demonstrar essa distorção, e afastá-la, que se desenvolve o
presente estudo.
1. Interesse Público
O maior equívoco em relação ao interesse público está em confundi-lo com o
interesse do Estado, sendo certo que tal equívoco vem agravando-se em face da idéia do
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Estado Social, que, pelo menos no plano teórico, age sempre em nome do povo e baseia-se na
solidariedade. Assim, afirma-se que, por conta do interesse público, os cidadãos em geral
teriam de “abdicar” de alguns direitos individuais para o bem da coletividade.
Esse raciocínio, por exemplo, é invocado por aqueles que defendem a
constitucionalidade da quebra do sigilo bancário diretamente pela Receita Federal,
independentemente de autorização judicial, e por aqueles que invocam o princípio da
capacidade contributiva como justificativa para a tributação de fatos não previstos em lei
(interpretação distorcida da chamada norma anti-elisão).
Essa noção sobre o interesse público contém dois equívocos. Um é o
elementar de confundir interesse do povo com interesse do Estado. O outro é o de imaginar
que, no Estado Social, deve-se abrir mão de direitos individuais – conquistados ao longo do
processo de democratização da sociedade – como se a mera imposição de deveres positivos
ao Poder Público o impedisse de realizar as arbitrariedades que justificaram a proteção
constitucional dos direitos individuais.
1.1. Interesse Público e Interesse do Estado
As pessoas que confundem interesse público e interesse do Estado ignoram,
ou por inocência ou por malícia, o fenômeno da deturpação do poder.
É certo que, no plano do “dever ser”, o Estado, através de seu governante,
deve sempre agir de acordo com a vontade do povo consubstanciada na Constituição. Ocorre
que também é certo que, no plano do “ser”, muitas vezes, os governantes, apesar de agirem
em nome do Estado, ignoram a norma suprema. A propósito bastante pertinente é a
observação de Gilmar Mendes, que afirma:
“A experiência histórica de diferentes países parece confirmar que os eventuais
detentores de poder, inclusive o legislador, não são infalíveis e sucumbem, não raras vezes, à
tentação do abuso de poder e da perversão ideológica. É por isso que, tal como apontado por
Peter Schneider, o Estado de Direito caracteriza-se, ao contrário de um sistema ditatorial, pela
admissão de que o Estado também pratica ilícitos.”3
Foi levando em consideração essa possibilidade de deturpação do poder que a
melhor doutrina administrativista, ao conceituar o interesse público, dividiu-o em duas
categorias, quais sejam, o interesse público primário e o interesse público secundário.
Interesse público primário é aquele relacionado de modo imediato com as
necessidades do povo, como educação, saúde, moradia, etc. Interesse público secundário diz
respeito ao uso dos meios necessários à realização desses anseios do povo, tais como a
arrecadação de tributos. E esses meios somente podem ser considerados como “interesse
público” quando efetivamente utilizados para o alcance do interesse público primário, e ainda
assim quando forem validamente instituídos.
Nesse ponto, é de se observar que, na discussão sobre a validade de uma
exigência tributária qualquer, – com exceção das relacionadas com contribuições – não se
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perquire sobre o destino da arrecadação tributária. Assim, como não se pode verificar a efetiva
destinação da arrecadação para a realização do interesse público primário, a invocação do
interesse público é indevida.
Além disso, mesmo em relação às exigências tributárias em que importa
analisar o destino da arrecadação, como, por exemplo, quando se discute a validade de
contribuições, não se pode invocar o interesse público. Isso porque ainda que determinada
contribuição tenha sido validamente criada, a mera previsão legal de que o valor arrecadado
com essa contribuição será destinado para a realização de alguma finalidade que seja do
interesse público primário não garante que assim o seja na prática; logo, não garante que a
cobrança da contribuição discutida realize efetivamente o interesse público.
De todo modo, nesse ponto, é de ser feita outra observação. Ainda que, no
exame da validade de um tributo, seja examinado e comprovado que o tributo questionado é
efetivamente destinado à realização do interesse público primário, não se poderá afirmar que
esse tributo realiza o interesse público se sua criação não tiver respeitado as exigências
formais e materiais contidas na Constituição e nas leis com ela compatíveis. Isso porque, em
um Estado de Direito, os fins não justificam os meios. Aliás, é o próprio interesse público
primário (liberdade do cidadão) que autoriza o controle da legalidade dos atos do Estado, atos
que englobam a elaboração de leis e a realização de lançamentos tributários. Bastante
pertinente é a conclusão de James Marins sobre o assunto:
“(...) não é lícito ao Estado pretender impingir derrotas ao
direito subjetivo individual do cidadão contribuinte sob o
pálio da defesa do interesse público ou do bem comum.
Concretamente podemos afirmar que certas garantias
que assistem o contribuinte alcançam relevo tal que não
podem ser sobrepujadas pelo sofisma consistente em
afirmar-se o caráter de interesse público da arrecadação
tributária.”4
Por conta disso, é que Hugo de Brito Machado assevera:
“Alguns afirmam prontamente que pagar tributo é um
dever de solidariedade social, e que a finalidade do
Direito Tributário é viabilizar para o Estado os recurso
financeiros dos quais necessita para alcançar seus
objetivos. Confundem, como se vê, uma relação
meramente social com uma relação jurídica, e
confundem a finalidade do tributo com a finalidade do
Direito Tributário - o que nos leva a concluir que essas
duas questões fundamentais ainda estão a merecer
nossa reflexão e nosso esforço no sentido de espancar
um desastroso equívoco.
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É certo que temos de admitir o tributo como instrumento
da solidariedade social, até porque esta deve ser o
fundamento da própria instituição do Estado. Isto, porém,
não quer dizer que a relação tributária seja simplesmente
uma relação social, e o dever de pagar o tributo seja um
dever de solidariedade. Uma vez estruturado o Estado,
instituída a ordem jurídica e com esta delimitado o dever
de tributar, o dever de pagar tributo já não será
simplesmente um dever de solidariedade social. Sua
existência passa a depender da lei e sua dimensão há
de ser nesta definida. Elaborada a lei, com a delimitação
da relação tributária, o dever de pagar tributo passa a ser
um dever jurídico, cujo adimplemento independerá do
sentimento de solidariedade do sujeito passivo daquela
relação.”5
Dessa última observação decorrem importantes implicações práticas, quanto à
invalidade da invocação do interesse público em matéria tributária.
Como o interesse público maior em um Estado de Direito é a sujeição do
Estado às normas constitucionais e às demais normas com ela compatíveis, se o Poder
Público quiser demonstrar que o ato por ele realizado é do interesse público, deve, em
verdade, invocar diretamente as normas válidas do ordenamento aplicáveis ao caso. Por conta
disso, a invocação genérica do “interesse público” ou será inútil – nos casos em que a simples
invocação da Constituição e das demais normas já autorize a prática do ato realizado pelo
Poder Público – ou será inválida, e estará sendo utilizada como artifício de retórica para
encobrir a violação ao ordenamento jurídico.
Assim, por exemplo, em uma ação judicial na qual se requer a tutela
antecipada para suspender a exigibilidade de um tributo, não se pode invocar o interesse
público para indeferi-la; importa, sim, e tão somente, examinar a presença dos requisitos legais
necessários à sua concessão. O mesmo deve ocorrer em relação ao exame de validade de
qualquer outra faceta da relação tributária, momento no qual não cabe a invocação do
interesse público.
1.2. Interesse Público e Estado Social
Quanto à idéia de que o interesse público, interpretado à luz do Estado Social,
autoriza a diminuição ou a relativização de alguns direitos e garantias do cidadão, a mesma,
como dito, também é equivocada. E essa errada noção deve-se, em regra, ao uso não
refletido/adequado da afirmação segundo a qual, no Estado Social, em face do princípio da
igualdade e da solidariedade, tais direitos não podem ser entendidos de modo absoluto. Assim,
por exemplo, considerando o direito ao sigilo de dados, como o mesmo não é absoluto,
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independentemente de autorização judicial, a Fazenda Pública teria direito de quebrá-lo para
investigar a idoneidade das declarações do contribuinte (LC n.º 105).
Esse raciocínio, em verdade, é um sofisma.
Realmente, os direitos individuais não são absolutos e podem ser relativizados.
Tal fato, porém, não autoriza a flexibilização desses direitos frente ao Poder Executivo. Isso
porque a igualdade e a solidariedade implicam tão somente a flexibilização de direitos
individuais de um cidadão frente a outro, como meio de garantir que todos os cidadãos gozem
efetivamente dos direitos individuais assegurados desde os primeiros modelos de constituição
do estado moderno. Por outro lado, representando o Estado Social um meio para assegurar a
eficácia dos direitos individuais a todos os cidadãos, não poderia amesquinhá-los, notadamente
no que diz respeito às garantias negativas frente ao Estado, razão maior da positivação dos
direitos individuais.6
Em relação ao sigilo bancário, por exemplo, por mais que se autorizem as
quebras, nos casos em que existem fortes indícios de sonegação, com fundamento no princípio
da isonomia (que não permite que dois contribuintes com a mesma capacidade contributiva e
regulamentados pela mesma lei previsora do fato gerador sejam tratados de modo diverso),
não se pode aceitar que a Fazenda invoque o interesse público “interpretado à luz do Estado
Social” para realizar ela própria a quebra, sem submeter a questão ao Poder Judiciário. Isso
porque a única diferença que existe entre a quebra do sigilo submetido à apreciação do Poder
Judiciário e a quebra feita diretamente pela Fazenda Pública é o aumento de poder que, neste
último caso, estaria sendo dado ao Poder Executivo. Esse aumento de poder, quando o
mesmo resultado pode ser obtido com o controle jurisdicional da legalidade dos atos
administrativos, não guarda qualquer relação com a efetividade do Estado Social; implica, em
verdade, e tão somente retrocesso histórico.
O mesmo ocorre em relação à norma anti-elisão. Há quem afirme que o
interesse público, interpretado à luz do Estado Social, autoriza a desconsideração, pelo Fisco,
da forma de alguns fatos jurídicos para permitir a tributação dos mesmos, uma vez que o que
se deve levar em consideração é a relevância econômica desse fato. Ora, nesse caso, como
na situação relativa à quebra do sigilo bancário antes referida, a autorização ao Fisco para
desconsiderar a forma de alguns fatos jurídicos visa a uma finalidade (tributar todos os fatos
que revelem capacidade econômica) que pode ser alcançada por outros meios que não
desprezam o direito do cidadão de somente ser obrigado a recolher tributo mediante previsão
legal. Com efeito, é do Estado o poder de criar leis. Assim, se o Poder Público vislumbra que
alguma situação economicamente relevante não está sendo tributada, pode criar lei que a
tribute, e é o que tem feito constantemente - o que aumentará a arrecadação (possível
interesse público secundário) sem desprezo à segurança jurídica do cidadão (interesse público
primário). A autorização, portanto, para se desconsiderar a forma de negócios jurídicos não
guarda relação com o Estado Social e, em verdade, implica tão somente aumento do poder do
Estado, com possível desprezo pela segurança jurídica e pela regra da legalidade7.
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O interesse público, portanto, somente pode ser invocado em matéria tributária,
no máximo, para autorizar a criação de tributos e permitir a exigência do crédito tributário, nos
exatos e estritos termos da lei e da Constituição, com respeito a todas as garantias processuais
que os cidadãos gozam em qualquer processo.
2. Princípio da prevalência do interesse público sobre o particular
Há ainda aqueles que, percebendo o evidente equívoco dos argumentos
refutados ao longo de todo o item 1, acima, afirmam que o que legitima a invocação do
interesse público em matéria tributária não é o interesse público propriamente, mas o princípio
da prevalência do interesse público sobre o particular.
Com suposto fundamento na nova hermenêutica constitucional – que tem no
sopesamento de princípios um modo de conciliar os valores aparentemente antagônicos
contidos nas Constituições dos Estados Democráticos pós-modernos e de reconhecer a
positividade dos princípios – há quem afirme que os princípios que asseguram direitos e
garantias ao cidadão devem ser sopesados com o princípio da prevalência do interesse público
sobre o particular.
Não obstante o respeito que se tem pelos que assim raciocinam, há em seu
argumento apenas uma tentativa de sofisticar uma idéia antiga e autoritária, que permanece
equivocada.
2.1. Princípios, Regras Jurídicas, Interesse Público e a Técnica do
Sopesamento
Antes de se verificar a correção do “sopesamento” de algumas normas
constitucionais com o princípio da prevalência do interesse público sobre o particular, importa
analisar os fundamentos e a história da técnica do sopesamento.
Essa técnica foi introduzida pela atual Hermenêutica Jurídica como meio de
garantir eficácia concreta aos enunciados que consagram valores/finalidades a serem
alcançados pelo Ordenamento Jurídico, mas que não trazem em seu corpo uma sanção para o
caso desses valores não serem observados (nem como os valores seriam atingidos).
A mesma tornou-se conhecida notadamente através da obra de Robert Alexy
que, utilizando-se da teoria desenvolvida por Ronald Dworkin, classifica como princípios
somente essas normas que enumeram valores/finalidades a serem alcançados pelo
Ordenamento. Daí o nome “técnica do sopesamento de princípios”.
Ocorre que, como observa com bastante precisão Virgílio Afonso da Silva 8,
parte da doutrina, notadamente a doutrina brasileira, não conceitua os princípios da mesma
forma que Robert Alexy, pois entende que este tipo de norma se caracteriza não em face da
sua estrutura, mas em face da sua importância/fundamentalidade para o Ordenamento
Jurídico.
Para se entender essa distinção na classificação dos princípios, basta
considerar duas normas da Constituição Federal de 1988:
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“Art. 145, §1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão
graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...”
“Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
a) exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”
Segundo a classificação de Robert Alexy, somente é princípio a norma
veiculada no art. 145, § 1.º, pois a mesma enumera um valor a ser alcançado pelo
Ordenamento, sem contudo afirmar o meio de alcançar a concretização desse valor. Essa
norma, portanto, não é de aplicação absoluta. A norma do art. 150, por sua vez, não é um
princípio, mas sim uma regra, pois prescreve imediatamente um modelo de conduta e
estabelece uma sanção para o caso dessa conduta não ser observada, ou seja, a própria
norma prevê o meio de sua concretização para o caso de a conduta prescrita não ser
observada. Não existe tributo “mais ou menos” previsto em lei.
Segundo a doutrina prevalente no Brasil, porém, ambas as normas são
princípios, pois são fundamentais para o Ordenamento Brasileiro. Assim é que comumente se
faz referência ao princípio da capacidade contributiva e ao princípio da legalidade.
Por conta dessa última classificação, muitos que não atentam para a história e
os fundamentos da técnica do sopesamento de princípios pretendem sopesar normas tais
como a do art. 150, ‘a’ da CF/88 com outras normas da Constituição. Esse sopesamento,
porém, não é possível.
As regras ou aplicam-se ou não se aplicam. Em outros termos, não podem ter
seu conteúdo reduzido quando de sua aplicação. O princípio da legalidade tributária, por
exemplo, ou é observado e o tributo exigido com base em lei poderá ser válido, ou não é
observado, e o tributo exigido com base em norma infralegal certamente não será válido. Com
efeito, não existem casos, fora os expressamente enumerados pela Constituição Federal, em
que a legalidade tributária ceda em face de um princípio constitucional (por exemplo, o
princípio da isonomia), para diminuir sua atuação.
Já os princípios têm seu conteúdo definido apenas no momento de sua
aplicação. Não se trata de aplicá-lo ou não, pois pode o mesmo ser aplicado em parte,
conciliando-se seu conteúdo com outros. O princípio da capacidade contributiva, por exemplo,
induz que todos aqueles com capacidade econômica para contribuir devem pagar impostos,
que devem ser graduados conforme essa capacidade. Assim é que uma pessoa jurídica que
obtém renda tem de recolher o imposto de renda proporcional a essa renda. Pode ocorrer,
porém, que este princípio seja sopesado com o princípio da redução das desigualdades
sociais, e uma pessoa jurídica que obtenha renda em região pobre do país seja dispensada do
pagamento do imposto de renda. A intensidade com que o princípio da capacidade contributiva
é prestigiado também pode mudar conforme a natureza pessoal ou real do imposto
correspondente.
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Feito esse esclarecimento quanto à correta aplicação da técnica do
sopesamento, cabe examinar o sopesamento que alguns pretendem fazer entre o princípio da
prevalência do interesse público sobre o particular e algumas normas da Constituição Federal.
É comum, com efeito, invocar-se o princípio da prevalência do interesse público
para relativizar normas de tributação que, em verdade, são regras. Exemplo dessa invocação
ocorreu no julgado do STF que declarou ser constitucional a não devolução do ICMS pago
antecipadamente a título de substituição tributária, e cuja base de cálculo, na prática, foi menor
do que a efetivamente tributada. Com efeito, esse julgado invocou como fundamento o
interesse público secundário correspondente à necessidade de “maior comodidade, economia,
eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação”9.
No caso, estava em jogo a regra do § 7.º, art. 150 da CF/88 e, supostamente, o
princípio da prevalência do interesse público. Normas que, por sua natureza não poderiam ser
sopesadas.
Conclui-se, portanto, que o princípio da prevalência do interesse público, ainda
que fosse um princípio constitucional de nosso ordenamento, não poderia, como qualquer outro
princípio não pode, ser invocado para relativizar regras constitucionais que imponham deveres
à Administração e/ou reconheçam direitos ao contribuinte.
Resta agora examinar a correção do sopesamento do princípio da prevalência
do interesse público com princípios constitucionais que consagram valores protetores do
cidadão.
2.2. Princípio da prevalência do interesse público e sopesamento de
princípios
O princípio da prevalência do interesse público, amplamente considerado,
norteia todo o ordenamento jurídico, na medida em que autoriza a própria limitação de
liberdade, com a criação de direitos e deveres. Sobre o assunto, afirma Celso Antônio
Bandeira de Mello:
“O princípio da supremacia do interesse público sobre o
interesse privado é princípio geral de Direito inerente a
qualquer sociedade. É a própria condição de sua
existência. Assim, não se radica em dispositivo
específico algum da Constituição, ainda que inúmeros
aludam ou impliquem manifestações concretas dele,
como por exemplo, os princípios da função social da
propriedade, da defesa do consumidor ou do meio
ambiente (art. 170, III, V e VI), ou em tantos outros.
Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do
convício social.” 10
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E, nesse sentido amplo, não é princípio constitucional que possa ser sopesado
com outros princípios. Com efeito, estando presente em todo o ordenamento, logicamente, não
pode ser colocado como princípio específico, antagônico a outros contidos no mesmo sistema.
E, quando se fala em sopesamento de princípios não se pode perder de vista essa idéia de
antagonismo, já que tal técnica de interpretação visa exatamente a conciliar valores
aparentemente distintos consagrados pelo Ordenamento, nas Constituições Democráticas.
Para se compreender essa impossibilidade de sopesamento do interesse
público com outros princípios constitucionais, basta considerar dois princípios constitucionais
que alguns pensam ser antagônicos ao princípio da prevalência do interesse público sobre o
particular. Trata-se dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.
É inegável que a livre iniciativa e a livre concorrência são do interesse do povo,
até porque, consubstanciam, no campo profissional, a liberdade essencial ao bem estar
humano, sob a ótica capitalista adotada por nossa Constituição. Por outro lado, é certo que, no
caminhar histórico da sociedade, a livre iniciativa, aceita sem qualquer limitação, não se
mostrou mais interesse do povo, pois trouxe, como conseqüência, grave crise social. Essa
realidade fez com que, em face do interesse do povo, fossem inseridos no ordenamento
jurídico valores/princípios que implicam limitações à livre iniciativa, tais como valorização do
trabalho humano, proteção ao meio ambiente, defesa do consumidor, busca do pleno emprego
etc (art. 170 da CF/88).
Assim, o que o princípio da prevalência do interesse público sobre o particular
faz é autorizar a inserção (positivação), no ordenamento jurídico, de princípios consagradores
de valores aparentemente antagônicos entre si e o conseqüente sopesamento desses valores.
Não poderia ser diferente, até porque o princípio da prevalência o interesse
público sobre o particular, em face da vaguidade de seus termos, tem de encontrar na
Constituição e somente nela, seu conteúdo, sob pena de ensejar as mais arbitrárias condutas.
Basta imaginar o confronto de qualquer princípio constitucional com o princípio
da prevalência do interesse público sobre o particular, para verificar que não haveria princípio
que resistisse a esse último, seria o mesmo que, em outros termos, inutilizar todos os demais
valores consagrados na Constituição.
Por conta disso, é que Celso Antonio Bandeira de Mello conclui:
“O princípio cogitado, evidentemente, tem, de direito,
apenas a extensão e compostura que a ordem jurídica
lhe houver atribuído na Constituição e nas leis com ela
consoantes. Donde jamais caberia invocá-lo
abstratamente, com prescindência do perfil constitucional
que lhe haja sido irrogado, e, como é óbvio, muito menos
caberia recorrer a ele contra a Constituição ou as leis.
Juridicamente, sua dimensão, intensidade e tônica são
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fornecidas pelo Direito posto e só por este ângulo é que
pode ser considerado invocado.”11
Assim, amplamente considerado, o princípio da prevalência do interesse
público sobre o particular consiste no princípio que autoriza a própria criação do Estado, e a
criação de normas limitadoras da liberdade individual, criação esta que envolve a inserção de
valores antagônicos no ordenamento para que seja realizado o sopesamento entre eles e se
chegue à “norma de equilíbrio”, em face de cada caso concreto. Nesse sentido bastante amplo,
portanto, o princípio da “prevalência do interesse público” impõe que a conduta de todos seja
disciplinada por normas previamente estabelecidas, e impõe que tais normas sejam fielmente
observadas ou, caso necessário, devidamente aplicadas. Isso mostra o quanto é absurdo
invocar a “prevalência do interesse público” para justificar a prática de atos contrários ao
Direito.
Diante disso, cabe-nos ainda analisar o sentido “estrito” do princípio da
prevalência do interesse público sobre o particular, para que reste completamente
demonstrada a impossibilidade de sopesá-lo com os demais princípios do ordenamento.
Estritamente considerado, o princípio da prevalência do interesse público sobre
o particular norteia os atos da Administração para que esta sempre aja levando em
consideração o interesse da maioria e não o interesse de uns. Exemplo de aplicação desse
princípio observa-se na decisão do Poder Público de construir uma estrada importante para o
desenvolvimento local, sendo que nesse mesmo lugar onde se pretende realizar a construção
já existem duas casas e seus donos não desejam a construção. Coloca-se, então, a questão
de saber se deve ser preservado o interesse dos donos das casas, ou de todas as demais
pessoas da comunidade que anseiam por ver a estrada construída. É evidente que, nesse
caso, deve prevalecer o interesse do povo (público) em detrimento do interesse particular.
Nesse ponto é de se observar mais um dado importante: o princípio da
prevalência do interesse público sobre o particular, como o próprio nome está a indicar, cuida
de interesses e não de direitos. Parece algo evidente e banal, mas assim não é na prática, pois
muitas vezes sob a invocação desse princípio pretende-se, como demonstrado acima, que o
interesse público prevaleça sobre direitos individuais. Interesse é vontade, e a conciliação de
interesses enseja a criação de direito para a compartição de liberdades. O que o princípio em
questão autoriza, portanto, é tão somente a prevalência do interesse público sobre o particular
na criação das normas jurídicas, mas não a prevalência do interesse público sobre o direito do
particular, até porque logicamente isso não é possível, pois, como dito, a consagração e a
efetividade desses direitos individuais é do interesse público.
Assim é que no caso da construção da estrada, o Estado, apesar de ignorar o
interesse particular dos donos das casas, não pode deixar de respeitar o direito patrimonial dos
mesmos, indenizando-os pelo valor do imóvel desapropriado.
Esse princípio destina-se ainda a evitar que o administrador faça prevalecer
seu próprio interesse na condução da coisa pública que deve, em verdade, ser usada e dirigida
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em benefício do povo; em outros termos, esse princípio é ainda o fundamento dos princípios da
indisponibilidade e da impessoalidade.
De nenhum modo, como se vê, o princípio do interesse público pode ser
invocado, seja para ser sopesado com princípios constitucionais protetores dos cidadãos,
individualmente considerados, seja para desprezar direitos legalmente assegurados.
Conclusão
Do exposto ao longo do presente texto, podemos concluir o seguinte:
a) o interesse público, em matéria tributária, realiza-se e exaure-se com a
limitação do direito de propriedade de cada contribuinte através da criação e da exigência
válida de tributos;
b) como o interesse público maior em um Estado de Direito é a observância
das leis pelo Poder Público, e como nem sempre o interesse do Estado, revelado por seus atos
na prática, coincide com o interesse público, a invocação do interesse público em prol da
Fazenda Nacional para justificar a cobrança de tributos não é admissível. E, em regra,
representa apenas artifício para desprezar as normas constitucionais – e outras com elas
compatíveis. Com efeito, ou a invocação das normas jurídicas é suficiente para demonstrar a
validade do tributo, ou este não será válido. A invocação genérica do interesse público,
portanto, ou é inútil (nos casos em que a simples invocação das normas já é suficiente), ou é
inválida;
c) o interesse público, interpretado à luz do Estado Social, longe de conceder
maior liberdade ao Estado para diminuir direitos e garantias individuais, implica, em verdade,
uma limitação ainda maior ao Estado, na medida em que este terá atribuições não apenas
negativas, mas também positivas. Em outros termos, o interesse público, interpretado à luz do
Estado Social, somente autoriza a diminuição do núcleo dos direitos individuais de um cidadão
frente ao outro cidadão, mas não frente ao Estado. Assim, como a relação tributária é sempre
entre Estado e cidadão, não é possível a invocação do interesse público na tentativa de
diminuir o núcleo dos direitos do contribuinte.
d) o princípio da prevalência do interesse público sobre o particular também
não autoriza a relativização dos direitos do contribuinte. Primeiro, porque muitos dos direitos
dos contribuintes são consagrados por regras, normas estas que, pela sua própria estrutura,
não podem ser relativizadas. Segundo, porque, amplamente considerado, o princípio da
prevalência do interesse público é princípio inerente ao Direito como um todo; assim não é
princípio constitucional que consagre valor que se oponha a nenhum outro do ordenamento;
logo, também não pode ser sopesado. Por fim, o princípio da prevalência do interesse público,
estritamente considerado, é guia para a Administração, enquanto executora da lei, e autoriza o
sopesamento de interesse público e interesse privado, e não o de interesse público e direitos
individuais, porquanto esses últimos direitos já decorrem da conciliação de interesses.
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NOTAS
1 Ac. un. da 2.ª T do STJ - rel. Min. Paulo Medina - ROMS 13592 - DJ
DATA:02/12/2002, p. 266
2 Ac. do Pleno do STF - mv - rel. Min. Ilmar Galvão - ADI 1851/AL - DJ
22/11/2001, p. 55
3 Gilmar Mendes, Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 2
ed., São Paulo, Editora Celso Bastos, p. 32
4 James Marins, Direito Processual Tributário Brasileiro (administrativo e
judicial), São Paulo: Dialética, 2001, p. 348.
5 Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 22 ed, São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 16
6 Sobre o fato de o Estado Social, consagrador dos direitos fundamentais
sociais (dimensão objetivo-institucional), não implicar a supressão ou diminuição dos direitos
fundamentais individuais (dimensão subjetiva-individual), Paulo Bonavides, citando a opinião
de Peter Häberle, afirma: “A teoria institucional da segunda fase parece haver resolvido com
Häberle outro problema deixado sem solução por Schmitt, a saber, o da antinomia entre a
dimensão jurídico-individual e a dimensão jurídico-institucional dos direitos da liberdade. (...)
Com um traço de originalidade, fez ele a nova teoria institucional se assentar sobre um
pedestal de relações mútuas bastante fortes entre o lado subjetivo-individual e o lado objetivo-
institucional. Da aproximação de ambos os lados e de sua equiparação valorativa promana a
verdadeira essência do direito fundamental, segundo a nova corrente institucional. Conjugados,
assim, esses dois aspectos supostamente heterogêneos, nem por isso deixou-se de proclamar
a preponderância do elemento objetivo. Antes a preserva e defende, ao mesmo passo que fez
nascer na sociedade mais direitos, estes derivam em grande parte do aumento de
complexidade da organização social e se caracterizam sem sacrificar o aspecto subjetivo, sem
coarctar no grupo a sua liberdade e no ser individual a sua personalidade. Não há, portanto,
como desmembrar dos direitos fundamentais a sua feição subjetiva do seu caráter objetivo,
sendo que a primeira se insere na interioridade do segundo.” (Paulo Bonavides, Curso de
Direito Constitucional, 8 ed, Malheiros, São Paulo, 2003, p. 574/5)
7 Precisamente quanto a essa questão não se pode deixar de observar que,
até por questão de lógica, nada justifica que o cidadão, que se utiliza validamente das formas
jurídicas previstas em lei para realizar um negócio jurídico, tenha essas formas
desconsideradas pelo Fisco, com o único fim de tributar a realidade econômica não prevista em
lei como fato gerador. A questão deve resumir-se ao exame da validade do negócio jurídico e
não à desconsideração de suas formas com o único fim de tributá-lo.
8 “Princípios e Regras: Mitos e Equívocos acerca de uma Distinção”, in Revista
Latino Americano de Estudos Constitucionais n.º 1, dir. Paulo Bonavides, Belo Horizonte: Del
Rey, 2003, p. 607 e segs.
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9 Ac. un. do Tribunal Pleno do STF - rel. Min. Ilmar Galvão - ADI 1851/AL - DJ
22-11-2002, p. 55
10 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 9 ed.,
Malheiros, São Paulo, 1997, p. 55
11 Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 9 ed.,
Malheiros, São Paulo, 1997, p. 56
_____________________________
* Advogada em Fortaleza/CE. Membro do Instituto Cearense de Estudos
Tributários – ICET e Membro da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI4156,21048-
A+invocacao+do+interesse+publico+em+materia+tributaria
ARTIGO 19
Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal, v. 1, dez. 2009, P.50-1 Harada22
define que “Muitos contribuintes, coagidos de forma ilegítima e inconstitucional, acabam
abrindo mão do contraditório e, quando possível financeiramente, pagando o que, na verdade,
não devem, como meio de manter sua subsistência.” Machado23 associa as idéias: Todas
essas práticas são flagrantemente inconstitucionais, entre outras razões, porque: a) implicam
indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da vigente
Constituição Federal; e b) configuram cobrança sem o devido processo legal, com grave
violação do direito de defesa do contribuinte, porque a autoridade que a este impõe a restrição
não é a autoridade competente para apreciar se a exigência é ou não legal.
A liberdade de atuação que é conferida ao executivo na incidência destas
restrições, é outro embasamento para a vedação destas atividades. Primeiro, porque, mais
uma vez nas palavras do Juíz Federal aposentado Hugo de Brito Machado, “a autoridade que a
este impõe a restrição não é autoridade competente para apreciar se a exigência do tributo é
ou não legal”. Depois, porque o Fisco ignora visivelmente o procedimento formal instituído em
lei para tal cobrança. Por fim, em relação à afirmativa de necessária Supremacia do Interesse
Público em relação aos interesses privados, Fontenele24 afirma:
O Fisco ao praticar esse tipo de atividade, qual seja, a imposição de Sanções
Políticas como condição ao exercício dos diversos direitos fundamentais já analisados, muitas
vezes, defende a constitucionalidade desse comportamento, refugiando-se no principio
administrativo da Supremacia do Interesse Público.
Porém, não é legitimo concluir que o referido principio se confunda com mero
interesse arrecadatório da Administração Fazendária, haja vista que o Interesse Público- isto é,
a finalidade geral de todos os atos da Administração Pública – é justamente caracterizado pelo
atingimento dos objetivos do estado democrático de Direito, ou seja, pelo respeito dos direitos
fundamentais previstos no ordenamento jurídico pátrio.
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Assim, não se pode dizer que a Supremacia do Interesse Público é fundamento
para a aplicação de Sanções Políticas. A Administração Pública deturpa este conceito na
tentativa de justificar suas atitudes, da mesma forma que restringe indevidamente os direitos
fundamentais, quando aplica as medidas desproporcionais.
22 HARADA, Kyoshi. Sanções Políticas como Meio Coercitivo Indireto de
Cobrança do Crédito
Tributário. Disponível em: <http://jusvi.com/artigos/39530>. Acesso em: 17 set.
2010.
23 Op. Cit., 1998, p.46-7
24 Op.Cit. p.57
2.4 ENTENDIMENTO SUMULADO PELO STF
O Supremo Tribunal Federal rechaça reincidentemente as denominadas
Sanções Políticas. Quando analisamos o entendimento sumulado por esta
Corte, observamos que esta prática é muito antiga, tanto que as primeiras súmulas a respeito
do tema são as súmulas 7025 e 323,26 aprovadas em sessão plenária no dia 13 de dezembro
de 1963.
Como se não bastasse, na sessão plenária de 03 de dezembro de 1969, foi
aprovada a súmula 547,27 que teve como fundamento para a sua formação quatro
precedentes (RE 63045; RE 60664; RE 63047 e RE 64054), nos quais, os recorrentes se
insurgiam contra a aplicação de Decretos que previam a interdição do estabelecimento, a
vedação em adquirir estampilhas, etc. No julgamento do Recurso Extraordinário 63047
(19/06/1968), o Min. Aliomar Baleeiro fundamentou seu voto em argumentos que até hoje
parecem atuais: Estou de acordo com esta decisão. A Fazenda há de valer-se da ação
competente para cobrança do débito, não pode determinar a interdição de estabelecimento,
nem fazer determinações do art. 1º transcrito. O constitutivo há que estimular a produção e não
fechar os estabelecimentos que produzem sob alegação de que impostos são devidos.
No mais, parece pertinente demonstrar que as sanções políticas vão
rechaçadas em todos os graus de jurisdição. Sendo o entendimento do Supremo Tribunal
Federal o prevalente em caso de irresignação, reflete-se aos demais colegiados o
entendimento por este firmado. Neste sentido, apenas exemplificando:
TRIBUTÁRIO. IPI. MANDADO DE SEGURANÇA.
OBTENÇÃO DE SELOS DE CONTROLE DE BEBIDAS
ALCOÓLICAS. DÉBITOS COM A FAZENDA PÚBLICA.
PRINCÍPIO DO LIVRE EXERCÍCIO DE ATIVIDADE
ECONÔMICA. ARTIGO 170, PARÁGRAFO ÚNICO, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA Nº 547 DO STF.
25 BRASIL. STF. Súmula 70. É INADMISSÍVEL A
INTERDIÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMO MEIO
COERCITIVO PARA COBRANÇA DE TRIBUTO. 26
BRASIL. STF. Súmula 323. É INADMISSÍVEL A
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APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO MEIO
COERCITIVO PARA PAGAMENTO DE TRIBUTOS. 27
BRASIL. STF. Súmula 547. NÃO É LÍCITO À
AUTORIDADE PROIBIR QUE O CONTRIBUINTE EM
DÉBITO. ADQUIRA ESTAMPILHAS, DESPACHE
MERCADORIAS NAS ALFÂNDEGAS E EXERÇA SUAS
ATIVIDADES PROFISSIONAIS.
- Violação que o Poder Público pratica, pelo ato de seus
agentes, negando ao comerciante em débito de tributos
à aquisição dos selos necessários ao livre exercício das
suas atividades. Artigo 170, parágrafo único da Carta
Magna.
- Ratio essendi das Súmulas 70, 323 e 547 do E. STF e
127 do STJ no sentido de que a Fazenda Pública deve
cobrar os seus créditos através de execução fiscal, sem
impedir direta ou indiretamente a atividade profissional
do contribuinte.
- É defeso à administração impedir ou cercear a
atividade profissional do contribuinte, para compeli-lo ao
pagamento de débito, uma vez que tal procedimento
redundaria no bloqueio de atividades lícitas, mercê de
representar hipótese da autotutela, medida excepcional
ante o monopólio da jurisdição nas mãos do Estado-Juiz.
- Recurso improvido.
(REsp 414486/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
TURMA, julgado em
07/05/2002, DJ 27/05/2002 p. 142).
Na corte estadual:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO TRIBUTÁRIO.
MANDADO DE SEGURANÇA. AIDF. LIMINAR.
CABIMENTO. A ausência do despacho administrativo
que indeferiu a autorização de impressão de
documentos, é de todo dispensável, porque a negativa
do Fisco quanto ao pedido de impressão de notas fiscais
se consubstancia na retenção do formulário, o qual
constitui condição para que a impressão seja realizada.
Ademais, é sabido que as sanções políticas que
impedem o livre exercício do comércio são vedadas,
consoante reiteradas decisões do STF e deste Tribunal
AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, POR
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MAIORIA, VENCIDO O RELATOR. (Agravo de
Instrumento Nº 70020550521, Segunda Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Arno Werlang,
Julgado em 12/09/2007).
Atinente ao estudo destas decisões são as palavras do Min. Marco Aurélio,
relator no julgamento do RE 413.782 (D.J. 03.06.2005): “não aplico sumula, não reconheço a
verbete de sumula contornos normativos”. Assim, as sumulas não se limitam às situações
fáticas que lhe deram causam, os princípios que as preenchem são subjacentes.
3 RESTRIÇÕES ASSEMELHADAS ÀS SANÇÕES POLÍTICAS, PORÉM
ADMITIDAS PELA JURISPRUDÊNCIA DO STF
Em contrapartida às verdadeiras sanções políticas, estão as situações em que
o Fisco se vê obrigado a aplicar medidas sancionadoras em contribuintes que insistem em
burlar as normas tributárias. A respeito dessas, podemos afastar o conceito de sanção política,
concluindo que não são reprováveis, visto que a natureza da norma jurídica tributária é a de
uma norma de garantia, portanto, pode ser sancionadora, e ainda assim, consagrada, e
reconhecida pelo Estado. O Ministro Joaquim Barbosa elucida a questão quando da relatoria
da ADI 173 (D.J. nº53, publicação 20/03/2009):
É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal
Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não
há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam
combater estruturas empresarias que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente
sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício
de atividade econômica deve ser desproporcional e não razoável (grifei).
Assim como as sanções anteriormente estudadas, estas se valem de variadas
formas no nosso ordenamento jurídico. Contudo, serão abordadas somente algumas espécies,
a título exemplificativo, para que seja possível estabelecer uma visão comparativa entre
ambas.
3.1 ESPÉCIES
Da leitura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 395 (D.J.17/08/2007,
Min. Cármen Lúcia) percebe-se uma das espécies de restrição mais aplicada aos contribuintes,
porém que, em determinadas situações, não se caracteriza como sanção política: a apreensão
de mercadorias. A decisão que se referiu à legalidade do art. 163, § 7º, da Constituição de São
Paulo28, teve como resultado do seu julgamento a ausência de afronta ao art. 5º, inciso XIII, da
Constituição Federal. Restou ementado que “a retenção da mercadoria, até a comprovação da
posse legítima daquele que a transporta, não constitui coação imposta em desrespeito ao
princípio do devido processo legal tributário”. A Corte Suprema afirmou que o direito de livre
exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 28 BRASIL. Artigo 163 - Sem prejuízo
de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado: § 7º - Para os efeitos do
inciso V, não se compreende como limitação ao tráfego de bens a apreensão de mercadorias,
quando desacompanhadas de documentação fiscal idônea, hipótese em que ficarão retidas até
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a comprovação da legitimidade de sua posse pelo proprietário. 5º, inc. XIII, da C.F.) , assim
como os demais direitos fundamentais, não é um direito absoluto. No caso, a “retenção
temporária de mercadorias prevista no art. 163, § 7º, da Constituição de São Paulo, é
providência para a fiscalização do cumprimento da legislação tributária no território e
consubstancia no exercício do poder de polícia da Administração Pública Fazendária”.
Consta no corpo do referido acórdão: Não se tem no caso em pauta, hipótese
normativa de coação para fins de pagamento de valores ao Fisco, porque a mercadoria fica
retida até a comprovação da posse legítima por parte daquele que a transporta e que, então, a
tem em sua posse lícita. Também não procede o argumento de que o §7º do art.163 da
Constituição de São Paulo afrontaria o art. 5º, inc. XIII, da Constituição da República.
A garantia fundamental do livre “... exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão...” está subordinada ao atendimento das “...qualificações profissionais que a lei
estabelecer...”. É este o entendimento assentado na Suprema Corte, consoante o trecho
abaixo colacionado:29
É inequívoca a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal relativa às
sanções políticas, isto é, à proibição do uso de punições não-pecuniárias desproporcionais
como forma de coagir o contribuinte ao pagamento do crédito tributário (cf. Súmula 323/STF).
Contudo, a orientação firmada pela Corte não escusa o contribuinte e o responsável tributário
de observarem rigorosamente as normas que dispõem sobre a fiscalização e a cobrança do
tributo. Entendo, ao menos neste momento de juízo inicial, que não se caracteriza como
apreensão vedada pela Constituição a retenção de mercadoria, por prazo determinado e
razoável, destinada a assegurar às autoridades fiscais a possibilidade de determinar os sujeitos
passivos da relação jurídica tributária e a obediência à legislação de regência (grifei).
A obra de Fontenele30 também discorre sobre o assunto: Diante disso, conclui-
se que a partir do momento em que a posse legítima de mercadoria for comprovada, não mais
se justifica a sua apreensão, devendo a mercadoria ser imediatamente liberada. Vale dizer, não
importa se o Fisco entenda que o modelo de nota fiscal está errado ou que o preço não
corresponda ao valor da mercadoria, visto que a apreensão, como já mencionado, só se
justifica até o momento de identificação do possuidor para fins do lançamento do crédito
tributário e de eventual multa.
29 BRASIL. STF. ACO 1216, Min. Joaquim Barbosa, DJe-164, publicada em
02/09/2008.
30 FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os
direitos fundamentais do contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal,
v. 1, p. 19-58, dez. 2009 Semelhante aos casos supracitados é a questão suscitada por Ives
Gandra da Silva Martins
31, em sua obra Da Sanção Tributária, onde, ao citar as espécies mais
aparentes de sanções políticas, o mestre menciona o contrabando. Sobre tal, expõe que a
apreensão é legítima e esclarece que “o fundamento jurídico dessa perda não é o confisco; a
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mercadoria ilicitamente entrada no país não tem título de legitimação ou propriedade e essa
aquisição pela Fazenda visa impedir a formatação de título ilegítimo.”
Hugo de Brito Machado levanta a questão que deu causa a parte da Ação
direta de Inconstitucionalidade 17332 quando comenta o Código Tributário Nacional:33
Não há dúvida de que a exigência de quitação de tributos como condição para
participar em licitações e para contratar com o Poder Público constitui forma de impor sanções
ao contribuinte e configura também em muitos casos uma via oblíqua de cobrança de tributos.
O mesmo concluiu falando “que o supremo tribunal federal já reconheceu que,
em princípio, não há inconstitucionalidade no dispositivo, mas o mesmo há de ser considerado
inconstitucional quando a exigência nele apoiada puder implicar proibição ao livre exercício da
atividade empresarial.” A decisão da Corte quanto a matéria reside ao final da ementa34,
afinal, como a “quitação de tributos” foi legalmente substituída por “regularidade fiscal” não
havia mais razões de inconstitucionalidade, in verbis:
5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II
da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei
8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório.
6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica
"exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial" ou
"administrativa". Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte
conhecida, julgadas procedentes.
31 Op. Cit. p.37
32 BRASIL. STF. Relator: Min. Joaquim Barbosa, DJe-053, publicada em 20-
03-2009.
33 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São
Paulo: Atlas,
2005. v. III. p. 741.
34 BRASIL. STF. ADI 173, Min. Joaquim Barbosa, DJe-053. Publicada em 20-
03-2009.
Novamente na lei tributária, o autor35 faz relevante declaração: A nosso ver, a
exigência de regularidade de situação há de ser entendida em termos. Não devemos entendê-
la como exigência de plena quitação das fazendas federal, estadual e municipal. Nem mesmo
como exigência de quitação com tais fazendas no que concerne à atividade na qual licita ou
contrata. Há de ser entendida, isto sim, como prova de que o licitante, ou contratante, cumpre
regularmente suas obrigações tributárias e por isto não está na clandestinidade, mas pode
estar a dever, desde que em condições de obter a denominada certidão positiva com efeitos de
negativa. A Fazenda entende que limitar a atuação do contribuinte faltoso é uma forma de
incentivar o seu adimplemento tributário. Nesta senda se justificam as restrições aqui tratadas
e assim ele esclarece:36 O próprio STF reconheceu a inconstitucionalidade apenas quando
houvesse impedimento absoluto ao exercício da atividade empresarial.
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A simples limitação, tal como a proibição de contratar com instituições
financeiras governamentais, foi reconhecida como válida (grifei).
A imposição de Regime Especial pode ser empregada tanto como sanção
política quanto sanção válida. Mais uma vez esbarramos na adequação da norma com a
Constituição vigente e com o princípio da proporcionalidade, isto é, com a análise da
adequação e da proporcionalidade em sentido estrito. Oportunos os esclarecimentos do
magistrado H.B. Machado:37 Podemos dizer, portanto, que temos para cada tributo dois
regimes jurídicos, a saber: a) o regime jurídico substancial, ou material, que concerne à
obrigação tributária principal. Ou, em outras palavras, aos critérios de determinação do
montante do tributo devido; e b)o regime jurídico formal, ou procedimental, que concerne às
obrigações tributárias acessórias e ao procedimento de controle, pelas autoridades da
Administração Tributária, do cumprimento das obrigações tributárias. (...)
Os regimes especiais devem constituir, ao menos em princípio, opções para os
contribuintes - que, se com eles não estiverem satisfeitos, podem optar pelo regime ordinário
de tributação. (...) No IRPJ (imposto de renda das pessoas jurídicas), por exemplo, todos têm o
direito de pagar o imposto com base no lucro real. A opção pelo regime do lucro presumido,
exemplificando, tem a vantagem de dispensar o contribuinte da exigência de escrituração
contábil, que tratando-se de pequenas empresas, pode ter custo bastante
significativo.(Grifei).(...)
35 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São
Paulo: Atlas, 2005. v. III. p. 741. 36 Ibidem, p. 739.
37 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo:
Malheiros Editores, 2005. p. 86-7.
Da mesma forma que não é válido um regime especial atinente ao aspecto
substancial da obrigação tributária que implique tributação mais gravosa a determinados
contribuintes sem lhes dar a opção pelo regime ordinário de tributação, também não é válido
um regime especial atinente ao aspecto formal ou procedimental da relação tributária – em
alguns casos denominado regime especial de fiscalização – que seja simplesmente uma forma
oblíqua de compelir o contribuinte a fazer o pagamento do tributo. Em recente decisão38 a
Suprema Corte definiu outra situação de restrição ao contribuinte que não se configura como
inconstitucional. Trata-se de regime especial, porém, na espécie, o contribuinte foi excluído de
tal regime, sendo este condição essencial para a produção de cigarros. De acordo com o
Decreto-Lei nº. 1.593 de 1977 e suas alterações, o cancelamento unilateral neste regime
especial é válido no caso de “não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória,
relativa a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal.”39
Com efeito, o Ministro Cezar Peluso explica que sobre a produção de cigarros
incide a alíquota mais alta da tabela do IPI, sendo sabido que em cada maço do produto há
cerca de 70% de tributos (conforme memorial da ETCO). Por isso, a inadimplência tributária da
empresa poderia gerar uma vantagem comercial incompatível com o principio da livre
concorrência. Assim, ele aduz: Ao investigar a ratio iuris da necessidade de registro especial
VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB
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para a atividade de produção de cigarros, vê-se, logo, que provém de norma inspirada não só
por objetivos arrecadatórios, senão também por outras finalidades que fundamentam a
exigência jurídica dos requisitos previstos para a manutenção do registro especial, entre os
quais se inclui o da regularidade fiscal.
Esta finalidade extrafiscal que, diversa da indução do pagamento de tributo,
legitima os procedimentos do Decreto lei n. 1.593/77, é a defesa da livre concorrência. Toda a
atividade da industria de tabaco é cercada de cuidados especiais em razão das características
deste mercado, e, por isso, empresas em débito com tributos administrados pela SFR podem
ver cancelado o registro especial – que é verdadeira autorização para produzir-, bem como
interditados os estabelecimentos.
38 BRASIL. STF. AC 1657 MC, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Relator(a) p/
Acórdão: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2007, DJe-092.
39 BRASIL. Art 2º - O registro especial poderá ser cancelado, a qualquer
tempo, pelo Secretário da Receita Federal se, após a sua concessão, ocorrer um dos seguintes
fatos: II - não-cumprimento de obrigação tributária principal ou acessória, relativa a tributo ou
contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal; (Redação dada pela Lei nº
9.822, de 1999).
Foi um caso muito particular, que dividiu os ministros reunidos para julgamento
no tribunal pleno. Ao final, a lide que pretendia a atribuição de efeito suspensivo para Recurso
Extraordinário recebido pela união foi indeferida. Em julgamento, restaram vencidos o relator e
outros três ministros, os demais entenderam que estavam ausentes os requisitos essenciais
para o provimento da cautela. Desta forma, resta claro que os direitos fundamentais podem ser
limitados.
Entretanto, apenas quando há previsão legal ou situação fática justificante para
tanto. Portanto, garantir a efetividade deste direito não se confunde, por exemplo, com a
certeza de que todos os contribuintes poderão realizar contrato público (ou licitação) com a
Administração Pública; ou até mesmo trafegar com mercadorias em quaisquer condições.
Da mesma forma, a adoção de Regime Especial não conduz, necessariamente,
à inconstitucionalidade, pois se impõe, por exemplo, uma análise da possibilidade dessa
adesão pelo contribuinte.
3.2 FUNDAMENTOS QUE JUSTIFICAM A SUA APLICAÇÃO
A restrição de direitos ou prerrogativas imposta pelo Estado aos seus tutelados
deve sempre ser evitada. Há casos em que estas atitudes são bem motivadas, tornando-se
válidas, mas em regra, as imposições neste sentido são impróprias. O próprio Supremo já
decidiu: É certo – consoante adverte a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal
Federal – que não se reveste de natureza absoluta a liberdade de atividade empresarial,
econômica ou profissional, eis que inexistem, em nosso sistema jurídico, direitos e garantias de
caráter absoluto.40 Deste modo, por não serem absolutos os direitos fundamentais, há casos
em que se faz necessária a sua restrição em nome do Interesse Público. Sobre este, se faz
mister esclarecer:
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40 BRASIL. STF. RE 413782, Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno,
julgado em 17/03/2005, DJ 03-06-2005.
(...) O Estado concebido que é para a realização de interesses públicos,
(situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios
interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente
ditos, coincidam com a realização deles.41
Destarte, essencial a distinção feita pela doutrina dos interesses públicos
primários e secundários. Os interesses primários são aqueles que deram origem ao Estado,
toda a sociedade é titular desses interesses, como por exemplo, a saúde pública, a justiça, a
conservação dos recursos naturais, etc. Já os interesses secundários, são aqueles que advêm
da pessoa jurídica que a Administração Pública incorpora nas relações em que participa, em
outras palavras, é o interesse do Erário. Assim, presume-se das palavras supracitadas do
constitucionalista Celso Bandeira de Mello, que os interesses públicos secundários não podem
fundamenta as limitações estatais eventualmente impostas.
Conforme disposto na Constituição Federal, a Fazenda Pública (da União, dos
estados ou dos Municípios) é quem deve se insurgir contra a violação de norma tributária.
Neste sentido se fortifica a alegação do Fisco pela necessidade de rígido controle das
atividades tributárias. Pois o descumprimento da obrigação de pagamento de tributo faz com
que os demais que contribuem sejam sobrecarregados pelo erário. Neste caso, compelir o
sujeito passivo de cada relação tributária ao pagamento dos impostos seria uma preocupação
com o bem comum. Celso Antonio Bandeira de Mello42 prossegue:
Todo excesso, em qualquer sentido, é extravasamento de sua configuração
jurídica. É, a final, extralimitação da competência (nome que se dá, na esfera pública, aos
“poderes” de quem titulariza função. É abuso, ou seja, uso além do permitido, e, como tal,
comportamento inválido que o judiciário deve fulminar a requerimento do interessado.
No mais, a Fazenda utiliza o fundamento denominado dever de tributar – uma
vez que o tal demonstra a essencialidade da imposição de tributos para a evolução
41 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2008. p. 66.
42 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São
Paulo: Malheiros, 2008, p.99
do estado Social de Direito. Principio este decorrente do dever de agir próprio
da Administração Pública:
O poder do administrador público, revestindo ao mesmo tempo o caráter de
dever para a comunidade, é insuscetível de renúncia pelo seu titular. Tal atitude importaria
fazer liberalidades com o direito alheio, e o poder público não é, nem pode ser, instrumento de
cortesias administrativas.43 Neste sentido Machado refere: “Tem a Fazenda Pública o poder-
dever, ou direito potestativo, de constituir seus créditos tributários, contando ou não com a
colaboração do sujeito passivo, e mesmo contra a vontade deste.”44 Inclusive, em outra obra,
o mesmo autor continua: (...) constitui ato de improbidade administrativa “agir negligentemente
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na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do
patrimônio público”. Essa definição legal, que nos parece ser meramente explicitante, há de ser
entendida em consonância com o parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional,
segundo a qual a atividade administrativa é vinculada e obrigatória, sob pena de
responsabilidade funcional.45
Concluindo, a restrição de direitos fundamentais se funda na lesividade que a
inadimplência significa para toda a sociedade. Até porque, o Estado impõe aos seus
contribuintes cobranças de cunho mais restritivo porque não essa cobrança não lhe parece
como uma opção, mas sim um dever.
4 DISTINÇÃO ENTRE AS SANÇÕES POLÍTICAS E AS DEMAIS FIGURAS
CARACTERÍSTICAS
Para diferenciar as limitações que se assemelham às sanções políticas das
próprias, faz-se necessário que se aviste o entendimento assentado pelo Supremo Tribunal
Federal, uma vez que, ao fim e ao cabo, é este quem define quais são as práticas compatíveis
com a Magna Carta, ou quais não, caracterizando, eventualmente, as recém vistas Sanções
Políticas. Muito bem, já que nos dois
43 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 2. Tiragem. São
Paulo: Malheiros Editores, 1991. p. 89.
44 Op. Cit. 2008, 96
45 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p.93-4
capítulos anteriores foram detalhadas as Sanções Políticas e as limitaçõesproporcionais, neste
capítulo trataremos de fundir as características, com o intuito de alcançar uma diferenciação
objetiva. Características próprias das Sanções Políticas:
1. restrição à atividade econômica – como visto, quando não as restringem,
atrapalham de forma significativa;
2. negativa à discussão do débito – isto é, impedem o acesso ao judiciário,
tanto em relação ao débito quanto à medida administrativa imposta;
3. falta de opção à adesão da medida imposta – ou seja, arbitrariedade
excessiva de procedimento para o Fisco;
4. aplicadas em razão de interesse do erário (em última análise, é o argumento
que fulmina a validade das restrições).
Características que afastam às Sanções Políticas.
1. Limitação, não restrição, das atividades econômicas – por não
preenchimento dos requisitos legalmente previstos.
2. Previsão Constitucional para a medida adotada – se a medida foi
recepcionada pela Constituição Federal, não há como ser considerada inválida.
3. Opção de aderir à imposição, ou, na escolha de não aderir, não ser
prejudicado.
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4. Aplicadas em razão de interesse social (característica capaz de transformar
uma sanção política em restrição válida, caso os argumentos aplicáveis à situação concreta
sejam proporcionais e compatíveis com o interesse público).
4.1 BENS JURIDICOS PROTEGIDOS
Como bem afirma Fontenele, é imprescindível uma breve apresentação do
conceito de direitos fundamentais ao estudarmos os bens protegidos, já que são encontradas
diversas formas de denominar a expressão “direitos fundamentais”. A respeito disso, “a
doutrina, a exemplo de Sarlet, entende que o termo direitos fundamentais melhor se aplica
àqueles direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico constitucional; enquanto os direitos
humanos são aqueles retratados no âmbito do direito internacional.”46
No estudo dos bens afetados pelas sanções políticas, acompanho a
sistemática de Aliomar Baleeiro47, mencionando a ameaça dos seguintes direitos:
a) Exercer em plenitude suas atividades comerciais, em regime de livre
concorrência, a teor dos arts. 5º, XIII, e 170, IV da Constituição;
b) Ser tributado nos termos estritos da lei, com espeque nos arts. 5º, II e 150, I,
da Constituição; arts. 97 e 128 do CTN;
c) Discutir, na via administrativa, plenamente as autuações e cobranças que
sofreram, sem garantia de instância mediante contraditório e ampla defesa, conforme art. 5º
LV.
d) Discutir suas pretensões jurídicas em face do Estado, seguindo o devido
processo legal, segundo o artigo 5º, XXXV, LIV e LV.
e) Não tolerar confisco nem perdimento de bens sem o devido processo legal,
conforme art. 5º, LIV.
f) Ser tratado com igualdade, mormente em face de seus concorrentes, sem
discriminações odiosas, como preceitua o art.5º, I, XIX, e 150, II, combinados;
g) Ser tratado com respeito e dignidade, implicando a motivação dos atos
administrativos contra eles lavrados, conforme arts. 5º, V, LV, c/c art.37 da Lei Fundamental.
Em suma, as sanções políticas contrariam o principio da legalidade, porque a
Administração Pública não realiza a cobrança de acordo com o procedimento legalmente
previsto (o que também enseja o descumprimento do princípio administrativo da vinculação,
mas este não é fundamental). O professor Machado esclarece “Sendo a lei manifestação
legítima da vontade do povo, por seus representantes nos parlamentos, entende-se que o ser
instituído em lei significa ser o tributo consentido.”48
Do mesmo modo, as restrições desproporcionais ferem o livre exercício da
atividade econômica, que prevê: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
46 FONTENELE, Alysson Maia. As Sanções políticas no direito tributário e os
direitos fundamentais do contribuinte. In: Coleção Jornada de Estudos ESMAF, Distrito Federal,
v. 1, p. 19-58, dez. 2009.
47 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Atualizado por Misabel
Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.986
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48 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo:
Malheiros Editores, 2005. p. 53.
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.” Sobre o assunto,
Fontenele esclarece que “a lei não pode dificultar a livre iniciativa e o livre exercício de
atividades econômicas, sob pena de violar de forma flagrantemente a Constituição, e tornar-se
inválida.” Por fim, violam os princípios da igualdade por diferenciar contribuintes em virtude de
débito, e não de acordo com a capacidade contributiva, única reserva prevista para a aplicação
do principio da igualdade no Direito Tributário. Assim como impedem o acesso ao judiciário,
violam claramente os princípios da ampla defesa e do devido processo legal. Sobre este,
esclarecedor o voto do Min. Joaquim Barbosa:49
A sanção política coloca desafios de duas ordens ao controle da restrição. A
primeira ordem de desafios se refere ao controle de validade da própria restrição. Como as
restrições ao exercício profissional e à atividade econômica podem comprometer a própria
existência da empresa ou o desempenho empresarial, a sanção política pode por um fim
abrupto ao processo administrativo ou judicial de controle da validade da própria sanção
política. (...)
Na segunda ordem de desafios, a sanção política desestimula, pelo mesmo
modo, o controle da validade da constituição de créditos tributários. A interdição de
estabelecimento ou a submissão de contribuinte a regime mais gravoso de apuração tributária
pode impedir a discussão administrativa ou judicial sobre matéria tributária, pois é incontestável
que uma empresa fechada terá menos recursos para manter um processo administrativo ou
judicial.
Dito de outro modo, a sanção viola o direito de acesso ao Estado, seja no
exercício de suas funções Administrativa ou Judicial, para que ele examine tanto a aplicação
da penalidade como a validade do tributo. Enfim, as sanções políticas ferem flagrantemente
várias previsões constitucionais, ameaçando os direitos fundamentais. Pior do que isso, o
fazem em nome do interesse do erário. Por outro lado, as restrições compatíveis com a Carta
da República por vezes restringem algum direito fundamental específico, porém o fazem para
proteger interesses comuns à sociedade. Essas restrições se afirmam em três importantes
institutos jurídicos:
a) Supremacia do Interesse Público
49 BRASIL. STF. ADI 173, Min. Joaquim Barbosa, DJe-053, publicada em 20-
03-2009.
A supremacia do interesse público é um conceito que está em constante
transformação, porém, para o estudo deste trabalho, não cabem grandes explanações a
respeito. Há de ser considerada a vasta aplicação deste principio (segundo Humberto Ávila,50
deste axioma) no âmbito jurídico, assim como a finalidade deste na sociedade. Ou seja, a
supremacia do interesse público está relacionada tanto com os atos mais simples que o
Executivo opera, quanto às questões mais complexas que o poder legislativo positiva ou o
judiciário decide, e em todos estes aspectos deve prevalecer o interesse social.
VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB
COMPLEXO EDUCACIONAL DAMÁSIO DE JESUS 2ª Fase OAB – EXAME 2012.2
Para o estudo deste axioma, é recomendável o artigo de Aragão,51 que em
obra muito esclarecedora, explica de forma simples a referida supremacia e as alterações no
seu emprego: Por essas razões, a mais moderna hermenêutica constitucional tem formulado
critérios de identificação e categorização dos argumentos jurídicos, partindo, então, em um
segundo momento, para a enumeração de que espécies de argumentos devem ser
consideradas prioritárias sobre as outras.
Sintetizando: o que não pode ser feito é a invocação dos chamados interesses
públicos para justificar conceitos filosóficos e abstratos em detrimento dos interesses sociais
legalmente positivados. Há de se buscar o bem comum, porém considerando os interesses da
sociedade, os quais, na maioria das vezes, encontram-se escrito nas normas.
b) Separação de Poderes
Humberto Ávila diz: “A Constituição Brasileira estabeleceu expressamente que
os poderes são independentes e harmônicos entre si (art. 2º). Isso significa que cada poder
possui uma função pormenorizada regulada na constituição.”52 Não cabem aqui grandes
indagações sobre o tema, mas é importante assinalar que esta
50 ÁVILA, Humberto. “Repensando o principio da Supremacia do Interesse
Público sobre o Particular”. In: Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo
o Princípio de Supremacia do Interesse Público. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
p. 177-9.
51 ARAGÃO, Alexandre Santos de. “A ‘Supremacia do Interesse Público’ no
advento do Estado de Direito e na hermenêutica do Direito Público Contemporâneo.” In:
Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do
Interesse Público. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 9.
52 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p.66 independência assegura, numa situação hipotética, a presunção de
legalidade dos atos administrativos.
O legislativo transforma em lei os interesses do povo, o executivo, por sua vez,
os toma necessariamente como base (vinculação) para toda sua atuação de fiscalização social
e o judiciário assegura que ambos estão cumprindo com seus deveres. Se pressupõe que a
administração age de acordo com os preceitos legais, assim sendo, para que seja provado o
contrário, é necessário um processo administrativo.
c) Livre Concorrência
Principio quase que financeiro, porém inclusive resguardado no artigo 170 da
Magna Carta. Prevê a intervenção estatal no mercado financeiro sempre que alguém estiver
gozando de situação favorável injustificadamente. Sobre este tema destacase o acórdão
anteriormente citado, que restringiu a atividade tabagista em nome da Livre Concorrência. Vide
trecho abaixo: Então a livre iniciativa é um valor estruturante do nosso Estado Federativo
Republicano. Ela já comparece, no corpo normativo da constituição, como fundamento da
Republica Federativa- artigo 1º, inciso III – e volta a desfilar pela passarela dos mais excelsos
valores da Constituição na cabeça do artigo 170, ao lado da valorização do trabalho,
VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB
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evidentemente.53 Na realidade, embora hajam sido mencionados apenas os bens acima, há
outros direitos fundamentais ameaçados ou tutelados pela Administração, porém seria
impossível abordar a todos.
5 CONCLUSÃO
O nome Sanções Políticas no Direito Tributário remete a uma idéia distorcida
desse instituto. Em realidade, o título correto para esta medida seria restrições
53 BRASIL. STF. AC 1657 MC, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, Relator(a) p/
Acórdão: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 27/06/2007, DJe-092.
desproporcionais que objetivam a cobrança de débito tributário, ainda assim, elas são
amplamente denominadas como sanções políticas. Hugo de Brito Machado (1998, p. 47) foi
responsável pelo conceito mais divulgado: “restrições ou proibições impostas ao contribuinte,
como forma indireta de obrigá-lo ao pagamento de tributo, tais como a interdição de
estabelecimento, a apreensão de mercadorias, o regime especial de fiscalização, entre outras.”
Entretanto, ao adentrar na análise desse instituto, se percebe que é essencial
uma distinção entre as verdadeiras sanções políticas e os meios restritivos de liberdade que a
Fazenda se vale para manter a ordem na Administração Pública. As restrições que objetivam a
cobrança de crédito, utilizando métodos desproporcionais, ou ainda, causando impedimento
muito grave à atividade financeira do contribuinte, são as únicas que se caracterizam como
Sanções Políticas.
É sabido que a relação de supremacia do Estado em relação aos contribuintes
é inevitável e necessária. Porém, os entes estatais devem levar em conta essa superioridade
em detrimento dos direitos fundamentais que o Poder Legislativo definiu como
constitucionalmente resguardados. Nenhuma submissão ao poder público, como se observou
neste caso, especialmente na esfera executiva, pode ferir ou ameaçar os direitos essenciais
aos seres humanos, sob pena de nulidade, por não coadunar-se com o estado democrático de
direito. Neste aspecto, as restrições impostas pela Administração pública devem respeitar os
direitos dos contribuintes ou, em casos excepcionais, onde for imprescindível uma intervenção
mais radical, tais atos devem ser aplicados da forma menos prejudicial possível. Não se pode
olvidar que as principais características das sanções políticas são a ilegitimidade do agente
coator, ou seja, aquele que determina a aplicação da limitação não detém competência para
tanto, a inobservância do procedimento legalmente instituído para a cobrança do crédito e a
finalidade de constranger o devedor ao pagamento de tributos.
A doutrina não aborda de maneira clara e expressiva este tema. Assim mesmo,
quando o faz, se preocupa apenas em reafirmar que as Sanções Políticas não condizem com a
vida em sociedade, frisando a clara inconstitucionalidade que as reveste. Em contrapartida, a
jurisprudência cumpre seu papel de forma admirável. Os ministros do Supremo aplicam
seguidamente o principio da proporcionalidade, tendo como principio norteador à supremacia
do interesse público, sem esquecer os ditames normativos previamente aceitos. Não obstante,
na maioria das vezes, a matéria sequer alcance a Corte Suprema, uma vez que é
entendimento assentado, sendo bem aplicado em quase todos os níveis de jurisdição.
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Com efeito, de uma análise empírica, se constata a confusão que pode surgir
da generalização destas limitações, pois conforme estudado, a apreensão de mercadorias
significa uma sanção desproporcional quando o Ente que as retêm o faz por não concordar
com a Nota Fiscal apresentada, ou o tributo por elas recolhido, porém, não tem o mesmo
significado, se esta apreensão foi realizada apenas até que se comprovasse a posse legítima
de tais mercadorias. Destarte, a distinção entre as restrições válidas e as Sanções Políticas,
requer uma análise prática e valorativa. Não há que se falar em limitação justa ou injusta antes
de observados os fundamentos e objetivos que as originaram. Assim, tanto os contribuintes
quanto as autoridades competentes devem fiscalizar a legalidade das intervenções Públicas
praticadas. Logo, sempre que as restrições impostas aos contribuintes não seguirem as ordens
legalmente recepcionadas pela Constituição, ou, se mesmo seguindo estas, ferirem direito
líquido e certo de forma desmotivada, ocorreu uma Sanção Política no direito tributário. Esta
situação é notoriamente descabida, e não pode existir no Estado Democrático de Direito.
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Hermenêutica Jurídica no Uni-Centro Izabela Hendrix, Belo Horizonte/MG.
Advogado. email: qpedron@ gmail.com
ARTIGO 20
- O dogma da supremacia do interesse público… Revista Jurídica UNICOC
Supremo Tribunal Federal foram modificadas após a promulgação da
Constituição de 1988?” Essas são as perguntas principais feitas por Baracho Júnior
(2004:509), em seu ensaio sobre a possibilidade de se identificar uma “nova hermenêutica” nos
julgados do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ora, se é possível identificar alguma forma de inovação, no curso da linha de
raciocínio que o Tribunal vinha tomando, é de se pressupor também a existência de algo
anterior, algo que foi ou está sendo superado.2 Para tal empreitada, faz-se necessária a
observância dos julgados não apenas como casos isolados, mas como “precedentes”, ou seja,
como fundamentos para as decisões seguintes – prática utilizada pelo STF para possivelmente
representar uma forma de sistematizar a sua jurisprudência.3
Mas, diante da história institucional brasileira, esse trabalho pode se ver
ameaçado: “Evidentemente que uma corte cujo trabalho é constantemente interrompido por
golpes de Estado, tem maior dificuldade em consolidar uma orientação jurisprudencial
minimamente coerente” (BARACHO JÚNIOR, 2004:510). O tema que pode funcionar como
guia dessa tarefa, uma vez que sempre esteve presente, sendo tomado como um dogma, é a
prevalência do interesse público sobre o interesse privado. Como lembra Ávila (2005:171), para
a dogmática jurídica, seu desenvolvimento teórico viria a partir dos estudos do Direito
Administrativo,4 mas com ramificações e influências para outros “ramos” do Direito, como o
direito tributário. Se, por um lado, a discussão sobre a supremacia do interesse público sobre o
privado era posta como um axioma5 – por partir das lições do positivismo jurídico, que
considerava a separação rígida entre Direito e Política, excluindo a possibilidade de
2 Torna-se muito comum a afirmação de uma mudança hermenêutica no
Direito brasileiro, ver, por exemplo, os trabalhos de Streck (2003) e Barroso e Barcelos (2004),
que vêm desenvolvendo diversas pesquisas sobre o que seria essa
“nova interpretação” assumida pelo Supremo Tribunal Federal em seus
julgados.
3 “Na Suprema Corte Americana é possível identificar nitidamente alguns
períodos nos quais houve a consolidação de determinados princípios de interpretação
constitucional, como o período de prevalência do devido processo substantivo, entre 1905 e
1937, o período da Corte de Warren, a partir de 1954, até 1969, que foi um período fortemente
interventivo em relação às leis estaduais. Ou, ainda, a suprema Corte da Década de 1990, que
é uma Suprema Corte fortemente preocupada com o princípio federativo e, por outro lado,
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abandona, em certa medida, os direitos fundamentais como principal foco de sua atuação,
possibilitando que os Estados tenham maior liberdade de atuação legislativa em questões que
importam em restrição ao exercício de tais direitos” (BARACHO JÚNIOR, 2004:511).
4 Nesse sentido, encontra-se a lição de Bandeira de Melo (2003:60): “Trata-se
de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do
interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até
mesmo da sobrevivência e asseguramento deste último”. Todavia, nota-se que essa afirmação
parte, ainda, de uma compreensão paradigmática do Direito que se olvida do atual paradigma
procedimental do Estado Democrático de Direito. Como será explorado, no quarto capítulo,
Habermas (1998) busca reconstruir os princípios do Estado de Direito e da Democracia para
lançar uma compreensão não mais dicotômica da relação público/ privado, mas, ao invés
disso, equiprimordial. Para o filósofo alemão: “Os cidadãos só podem fazer um uso adequado
de sua autonomia pública quando são independentes o bastante, em razão de uma autonomia
privada que esteja equanimemente assegurada; mas também no fato de que só poderão
chegar a uma regulamentação capaz de gerar consenso, se fizerem uso adequado de sua
autonomia política enquanto cidadãos” (HABERMAS, 2002:294).
5 Como lembra Ávila (2005:176): “Axioma (usado, originalmente, como
sinônimo de postulado) denota uma proposição cuja veracidade é aceita por todos, dado que
não é nem possível nem necessário prová-la. Por isso mesmo, são os axiomas aplicáveis
exclusivamente por meio da lógica, e deduzidos sem a intervenção de pontos de vista
materiais”.
um Tribunal apreciar “questões políticas” – por outro, tal afirmação também
serviu como “forma de fragilizar a tutela de direitos individuais em face do poder público”
(BARACHO JÚNIOR, 2004:513).
Com isso, evitava a tutela de direitos individuais. E essa não era um debate
novo no Supremo Tribunal Federal. Já no governo Floriano Peixoto, no início da República,
logo após a implantação do Supremo Tribunal Federal, algumas questões que envolviam
ofensas a direitos individuais não foram por ele apreciadas, pois, segundo dizia a Corte, eram
questões políticas. Em 1893, em estado de sítio decretado por Floriano Peixoto, o Supremo se
recusou a apreciar uma série de lesões a direitos individuais ao argumento de que aquelas
questões eram políticas e que, portanto, não poderiam ser objeto de apreciação pelo Poder
Judiciário (BARACHO JÚNIOR, 2004: 512-513). Entretanto, havia opositores a essa tese,
como lembram Rodrigues (1991:20) e Souza Cruz (2004:277). Segundo a historiadora, o
discurso de Rui Barbosa,6 na defesa dos direitos individuais, representa um contraponto
necessário ao exercício democrático dos direitos políticos:
As palavras de Rui Barbosa em 1892 indicam essa concepção: “os casos, que,
sei por um lado toca a interesses políticos, por outro lado, envolvem direitos individuais, não
podem ser defesos à intervenção dos tribunais, amparo de liberdade pessoal contra as
invasões do executivo. [...] Onde quer que haja um direito individual violado, há de haver um
recurso judicial para a debelação da injustiça. Quebrada a égide judiciária do direito individual,
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todos os diretos desaparecem, todas as autoridades se subvertem, a própria legislatura
esfacela-se nas mãos da violência; só uma realidade subsiste: a onipotência do executivo, que
a vós mesmos vos devorará, se nos desarmardes da vossa competência incontestável em
todas as questões concernentes à liberdade” (RODRIGUES, 1991:20-21, grifos no original).
Dessa forma, como afirma Souza Júnior (2004:88), foi-se construindo a noção de que a
condição para o exame judicial de questões políticas seria a possibilidade de lesão a direitos
individuais. Em um dos [julgados] mais antigos (HC 3061, julgado em 1911), o Supremo
afirmou a possibilidade de conhecimento judicial do caso político quando acompanhado de
uma questão judiciária. Logo depois, em 1914, aquela corte resguardou do exame judicial os
motivos determinantes ou as conseqüências políticas dos atos de intervenção nos Estados.
Construiu também o entendimento de que podia o Judiciário conhecer de casos puramente
políticos, desde que se alegasse lesão de direito individual (SOUZA JÚNIOR, 2004:88).
Todavia, a noção de prevalência do interesse público sobre o interesse privado, mesmo com
riscos à violação de direitos fundamentais, acaba se fortalecendo, principalmente a partir de
1960, intensificando-se no período autoritário que se seguiu. 6 Como lembra Souza Júnior
(2004:89), a figura de Rui Barbosa foi determinante para o desenvolvimento do debate sobre
as questões políticas, pois “[p]ropunha um diálogo franco entre os grandes poderes do Estado,
estipulados em textos formais,de um lado, e, de outro, os direitos individuais, taxativamente
assegurados. A interpretação judicial desempenha, neste diálogo, a missão de mediação com
o objetivo de evitar as possíveis colisões. Se os poderes exercidos extrapolam o círculo de
competências, ou se direitos individuais são feridos, a intervenção judicial é legítima. Se se
quer debater a existência constitucional de uma faculdade administrativa ou legislativa, também
o judiciário será o assunto”.
Vamos ter, especialmente, a partir de 1965, com a edição do Ato Institucional
n. 2, decisões do Supremo Tribunal Federal que importam em negar tutela de uma série de
direitos individuais, fortalecendo a idéia de prevalência do interesse público sobre o privado. É
o que vamos ver em algumas decisões, como por exemplo, no caso João Goulart, em 1967. De
uma maneira geral, as questões que envolviam a segurança nacional se pautavam pela idéia
de prevalência do interesse público sobre o privado (BARACHO JÚNIOR, 2004:514).
Essa interpretação permaneceu, contudo, com o advento da Constituição da
República de 1988; como afirma Baracho Júnior (2004-514), basta analisar a decisão proferida
na ADI n. 47, que tratou da interpretação do art. 100 da Carta Magna, estabelecendo que “à
exceção dos créditos de natureza alimentícia, a execução contra a fazenda pública se fará
através de precatório”.7 De uma maneira geral, para os publicistas, mas principalmente para os
administrativistas, o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular se
apresenta como um princípio implícito na ordem jurídica brasileira e seria usado para justificar
uma série de prerrogativas titularizadas pela Administração Pública. Isso ocorre por se
entender que a mesma seria a “tutora” e a “guardiã dos interesses da coletividade”
(SARMENTO, 2005:24). Como conseqüência, verifica-se a existência de uma verticalidade na
relação entre a Administração Pública e os administrados, de modo que o desequilíbrio seria
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sempre em favor do Estado. Mas o que se pode considerar como interesse público? Talvez
essa questão devesse ser mais bem problematizada pelos publicistas, que muitas vezes
igualam a dimensão do público à coletividade e, outras vezes, ao estatal (governamental).
Para Bandeira de Melo (2003:57) – valendo-se das lições de Alessi8, seria
possível distinguir dois tipos de interesse público: interesse público primário e interesse público
secundário (SARMENTO, 2005:24; BARROSO, 2005:xiii). Nessa ótica, identifica- se o
interesse primário como sendo a razão de ser do Estado ou como os interesses gerais da
coletividade; já o segundo tipo representa os interesses particulares que o Estado possui como
pessoa jurídica e não mais como expressão de uma vontade coletiva. Logo, alguns
administrativistas buscam fazer uma ponte entre o interesse público primário e o bem comum
como forma de afirmação de sua superioridade em face do interesse privado.
Binenbojm (2005:137) faz uma crítica precisa à tentativa de alguns juristas de
justificar a supremacia do interesse público como princípio norteador da ação administrativa.
7 Lembra Baracho Júnior (2004:514-515): “ Nesta [ADI], o Supremo Tribunal
Federal interpretou o art. 100 de uma maneira que contraria os próprios anais da Assembléia
Nacional Constituinte. O Constituinte pretendeu retirar os créditos de natura alimentícia desta
forma de execução, qual seja, a execução através de precatórios. O Supremo Tribunal Federal,
entretanto, afirmou que a única especificidade que decore do art. 100 da Constituição é a
possibilidade dos créditos de natureza alimentícia terem prioridade em relação a outros
créditos contra a fazenda pública. Assim, os créditos alimentícios terão sempre prioridade na
ordem de pagamento em relação a outros créditos”.
8 Sistema Istituzionale del diritto amministrativo ilaliano, 1960, p. 197, apud
Bandeira de Melo (2003:57).
Nesse sentido, a supremacia do interesse público atuaria como garantia de
proteção, inclusive do interesse privado, já que impediria o Estado de atuar a favor de
interesses privatísticos, desviando-se dos fins coletivos. Todavia, a corrente a que se filia Di
Pietro (2004:69-70) nada esclarece sobre a relação público/privado; além do mais, os
problemas por ela apontados não são resolvidos nesse plano, mas no plano dos princípios da
impessoalidade e da moralidade. Salles (2003:58) reconhece a dificuldade de se chegar a um
conceito de fácil assimilação, haja vista a natureza genérica que o conceito deve assumir para
abranger uma pluralidade de interesses dispersos pela sociedade. Dessa forma, vale-se do
Teorema de Arrow (Arrow’s theorem)9 para assegurar que tomadas de posição que parecem
envolver uma discricionariedade, seria melhor, se deixadas a cargo da decisão estatal
(política), representativa do interesse público. Todavia, tal posição pode parecer por demais
cética e, até mesmo, ingênua – por vezes, autoritária – ao imaginar que o Estado seja capaz de
corporificar todos os anseios e desejos de uma sociedade. Além do mais, vale aqui o alerta de
Sarmento (2005:27), já que tal tese pode representar uma forma de ressurreição das “razões
de Estado”, colocando-se como obstáculo intransponível para o exercício de direitos
fundamentais.10 A outra proposta que identifica o público ao componente majoritário também
se mostra delicada. Tomando como referência aplicada dessa concepção a decisão proferida
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no julgamento do Recurso Extraordinário n. 153.531-8, de Santa Catarina, fica claro que o
interesse público aqui é igualado a uma maioria da sociedade. Ao examinar o questionamento
de se a farra do boi – prática de alguns descendentes de açoreanos residentes em
Florianópolis – representaria um risco para a segurança dos participantes e uma ação cruel
para com os animais, Baracho Júnior afirma que: O Supremo Tribunal Federal trabalha com
dois fundamentos para dizer que o Estado de Santa Catarina deveria atuar, através da Polícia
Militar, no sentido de reprimir a farra do boi. O primeiro argumento é que os animais estariam
submetidos à crueldade.
O art. 225 da Constituição, inciso VII, diz que o Estado não deverá tolerar
crueldades contra animais. O segundo fundamento é o mais curioso desta decisão, porque é
exatamente a prevalência de uma visão majoritária sobre a de uma coletividade [minoritária].
Há uma idéia de que as tradições de um grupo minoritário não podem prevalecer sobre as
tradições que não são compartilhadas pela maioria da sociedade brasileira.
-
9 Segundo Salles (2003:59), Kenneth J. Arrow “demonstrou [seu teorema] no
começo da década de 60. Arrow tomou hipoteticamente três indivíduos com poder para tomar
uma decisão e, considerando que cada um deles tem uma ordem de preferências diferentes,
demonstrou, matematicamente, que o cruzamento dessas preferências individuais pode levar
a decisões inteiramentes aleatórias, dependendo de fatores estruturais do processo decisório”.
10 Aragão (2005:7) alerta para o risco de que supostos “interesses públicos”
sejam utilizados pelo Estado como forma de justificar restrições aos direitos fundamentais. Cita,
para tanto, dois precedentes norte-americanos: no primeiro, Dennis vs. United States, esse
dogma possibilitou restrições à liberdade de manifestação de idéias que fossem consideradas
esquerdistas; no outro, Korematsu vs. United States, permitiu que cidadãos norte-americanos
de origem japonesa ficassem confinados em campos de concentração durante a Segunda
Guerra Mundial.
As expressões utilizadas no voto vencedor são ilustrativas, pois os
descendentes de açoreanos são comparados a uma “turba ensandecida”que adota
procedimentos estarrecedores (2004:516).
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal deixou de observar a dimensão
hermenêutica envolvida na questão. Tomando apenas a posição de um observador
sociológico, compreendeu-se que o interesse público aqui seria o de proteger os animais de
uma prática violenta. Todavia, [...] esta idéia de violência não existe para os açoreanos. Os
descendentes de açoreanos que faziam da farra do boi uma celebração anual, não associavam
à manifestação uma idéia de violência que nós, que não somos descendentes de açoreanos,
associamos. Este é um dado importante, pois, na Espanha, por exemplo, em práticas
semelhantes, a idéia de violência não está associada. Dificilmente tais práticas seriam
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atribuídas a uma “turba ensandecida” na Espanha. Muito menos seriam os procedimentos
onsiderados como estarrecedores (BARACHO JÚNIOR, 2004:517).
Dessa forma, pode-se perceber que a associação do interesse público ao
interesse de uma maioria da sociedade mostra-se insuficiente sob o prisma de uma
democracia pluralista, que garante a inclusão da perspectiva de todos os envolvidos.
Logo, definir o interesse público como interesse geral de uma coletividade e
contrapô-lo a um interesse privado limitado ao perímetro das vivências experimentadas pelos
indivíduos fora do alcance da polis (SARMENTO, 2005:30) é insuficiente. Primeiro, porque não
pode o indivíduo ignorar a dimensão imposta pela vida em sociedade; sua casa não pode servir
como metáfora da ilha imaginada por Crusoé, ou ser entendida como uma fortaleza que
coloque o público na porta da rua; pois o processo de socialização acontece
concomitantemente com o processo de individualização.
11 Sarmento (2005:47) lembra que a sociedade contemporânea é por demais
complexa para se apoiar em pilares estanques. Vive-se em um tempo que imprime um novo
sentido à concepção de espaço público, que não vem mais associada unicamente ao elemento
estatal.
12 A pergunta sobre qual é o interesse da coletividade leva, então, a uma outra
pergunta: quem é a coletividade?, ou a outra ainda mais radical: “quem é o povo?”, que já
suscitou um importante ensaio pelo jurista alemão Müller (1998). Nesse trabalho, 11 Ver
HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990; HABERMAS, Jürgen. Teoría de la
acción comunicativa. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus, 1987. 2 v. (Tomo I:
Racionalidad de la acción y racionalización social; Tomo II: Crítica de la razón funcionalista); e
FERREIRA, Rodrigo Mendes. Individualização e Socialização em Jürgen Habermas: um estudo
sobre a formação discursiva da vontade. São Paulo: Annablume, 2000.
12 “De fato, se no Estado Liberal o público correspondia ao Estado e o privado
a uma sociedade civil regida pelo mercado considerada como o locus em que indivíduos
perseguiam egoisticamente seus interesses particulares, robustece-se agora um terceiro setor,
que é público, mas não estatal. Ele é composto por ONG’s, associações de moradores,
entidades de classe e outros movimentos sociais, que atuam em prol de interesses da
coletividade, e agem aglutinando e canalizando para o sistema político demandas importantes,
muitas vezes negligenciadas pelas instâncias representativas tradicionais” (SARMENTO,
2005:48).
Müller alerta para a figura do povo como um ícone – em igual precisão,
Carvalho Netto (2003:84) lembra que o conceito de povo é por demais “gordo”, isto é, pode ser
manipulado ao sabor de conveniências políticas.
Outro importante trabalho é o texto de Rosenfeld sobre a Identidade do Sujeito
Constitucional (2003). Através das reflexões do professor da Cardozo School of Law, pode-se
compreender o conceito de povo como um eterno hiato, aberto a um processo dinâmico de
elaboração e revisão. É justamente no seu fechamento como conceito que se encontra o
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perigo para a democracia: Esse rápido olhar inicial sobre a identidade constitucional, bem
como sobre o sujeito e a matéria constitucionais revela que é bem mais fácil determinar o que
eles não são do que propriamente o que eles são. Ao construir essa intuição, esse insight,
exploro a tese segundo a qual, em última instância, é preferível e mais acurado considerar o
sujeito e a matéria constitucionais como uma ausência mais do que como uma presença. Em
outros termos, a própria questão do sujeito e da matéria constitucionais é estimulante porque
encontramos um hiato, um vazio, no lugar em que buscamos uma fonte última de legitimidade
e autoridade para a ordem constitucional. Além do mais, o sujeito constitucional deve ser
considerado como um hiato ou uma ausência em pelo menos dois sentidos distintos:
primeiramente, a ausência do sujeito constitucional não nega o seu caráter indispensável, daí a
necessidade de sua reconstrução; e, em segundo lugar, o sujeito constitucional sempre
envolve um hiato porque ele é inerentemente incompleto, e então sempre aberto a uma
necessária, mas impossível, busca de completude. Conseqüentemente, o sujeito constitucional
encontra-se constantemente carente de reconstrução, mas essa reconstrução jamais pode se
tornar definitiva ou completa. Da mesma forma, de modo consistente com essa tese, a
identidade constitucional deve ser reconstruída em oposição às outras identidades, na medida
em que ela não pode sobreviver a não ser que pertença distinta dessas últimas. Por outro lado,
a identidade constitucional não pode simplesmente dispor dessas outras identidades, devendo
então lutar para incorporar e transformar alguns elementos tomados de empréstimo. Em suma,
a identidade do sujeito constitucional só é suscetível de determinação parcial mediante um
processo de reconstrução orientado no sentido de alcançar um equilíbrio entre a assimilação e
a rejeição das demais identidades relevantes acima discutidas (2003:26-27).
Para isso, Rosenfeld utiliza três instrumentos teóricos: A negação, a metáfora e
a metonímia combinam-se para selecionar, descartar e organizar os elementos pertinentes
com vistas a produzir um discurso constitucional no e pelo qual o sujeito constitucional possa
fundar sua identidade. A negação é crucial à medida que o sujeito constitucional só pode
emergir como um “eu” distinto por meio da exclusão e da renúncia. A metáfora ou
condensação, por outro lado, que atua mediante o procedimento de se destacar as
semelhanças em detrimento das diferenças, exerce um papel unificador chave ao produzir
identidades parciais em torno das quais a identidade constitucional possa transitar. A
metonímia ou deslocamento, finalmente, com a sua ênfase na contigüidade e no contexto, é
essencial para evitar que o sujeito constitucional se fixe em identidades que permaneçam tão
condensadas e abstratas ao ponto de aplainar as diferenças que devem ser levadas em conta
se a identidade constitucional deve realmente envolver tanto o eu quanto o outro (2003:50).
Dessa forma, dentro de uma mesma sociedade, há não apenas uma identidade
coletiva, mas diversas e até mesmo concorrentes, de modo que uma interpretação da
Constituição que leve em conta apenas uma identidade, por mais majoritária que seja, pode
lançar complicações para o desenvolvimento da democracia. Afinal a identidade constitucional,
embora aberta às diversas identidades coletivas, não se confunde com nenhuma delas.
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Todavia, como o próprio julgamento do Recurso Extraordinário n. 153.531-8 irá
revelar, a noção de interesse público não foi tomada como um dogma, mas sim compreendida
de maneira a ter de se “compatibilizar” com o interesse privado pela via da utilização.
Para tanto, conforme inspiração no Direito alemão, mais exatamente na
tradição da jurisprudência de valores alemã, o STF fez uso da técnica de ponderação, por meio
da qual: “[...] Quanto maior o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto mais
tem que ser a importância da satisfação do outro” (ALEXY, 1997:161, tradução livre).13
Como observa Souza Cruz (2004:160), o pensamento utilitarista serve de base
para a ponderação;14 todavia seus defensores alegam que o “princípio” da proporcionalidade
seria capaz de impedir a escolha arbitrária, vinculando o operador jurídico ao uso de meios
adequados e proporcionais. Um desses defensores é o jurista de Kiel, Alexy (1997). Mas, como
se verificará, o presente trabalho irá sustentar a tese de que, no pensamento de Alexy, ainda
persiste uma dificuldade em assimilar completamente o giro hermenêutico-pragmático,15 por
ainda buscar no método a expressão de uma racionalidade capaz de neutralizar toda a
complexidade inerente à linguagem (ALEXY, 1998:32; 2003:139; 1997:98; 1997b:136).16
13 “[...] Cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de un
principio, tanto mayor tiene que ser la importância de la satisfacción del otro”.
14 A popularidade do método da ponderação adquire cada dia mais destaque
nos julgamento proferidos pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro (STF). Tanto assim, que
Barroso e Barcelos (2004:471) e Baracho Júnior (2004:520) defendem que sua adoção
representa uma mudança no curso da interpretação levada a cabo pelo tribunal, equivalendo à
adoção de uma Nova Hermenêutica na Jurisprudência do STF. O precedente representado
pelo HC n. 82.424/RS mostra-se como exemplo de uma aplicação prática da teoria de Alexy.
Isso porque o caso ganhou notoriedade por examinar um suposto conflito entre os princípios da
liberdade de expressão e da dignidade da pessoa humana, envolvendo a acusação de prática
de racismo durante a publicação de livros anti-semitas. As bases da ponderação foram bem
explicitadas através dos votos dos Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
15 Cabe destacar, desde já, que, diferentemente de Alexy, Dworkin desenvolve
sua teoria levando em conta o giro hermenêutico empreendido por Heidegger e Gadamer,
sendo que o último irá adotar uma postura de ruptura com as posições objetivistas de
Schleiermacher e Dilthey, radicalizando a experiência hermenêutica e se apoiando
principalmente no modo de ser do Dasein (do ser-aí) heideggeriano. Desta forma, a
Hermenêutica Filosófica entende que “a compreensão humana se orienta a partir de uma pré-
compreensão que emerge da eventual situação existencial e que demarca o enquadramento
temático e o limite de validade de cada tentativa de interpretação” (GRONDIN, 1999:159). Os
reflexos da percepção de tal “consciência histórica” podem ser sentidos no pensamento de
Dworkin, como lembra Carvalho Netto: “Para ele, a unicidade e a irrepetibilidade que
caracterizam todos os eventos históricos, ou seja, também qualquer caso concreto sobre o qual
se pretenda tutela jurisdicional, exigem do juiz hercúleo esforço no sentido de encontrar no
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ordenamento considerado em sua inteireza a única decisão correta para este caso específico
irrepetível por definição” (1999:475).
16 Importante lembrar a colocação de Cattoni de Oliveira (2001:77-78) no
sentido de que, para Alexy (2001:17-18), a racionalidade de um discurso prático pode ser
mantida se forem satisfeitas as condições expressas por um sistema de regras ou
procedimentos.
A partir dessa ótica, tanto o interesse público quanto o interesse privado podem
ser considerados à luz de princípios. Alexy (1998:09) concorda com a compreensão de regras
e de princípios como espécies de normas jurídicas – o que leva à necessidade de empreender
uma digressão sobre uma compreensão do Direito para além de um mero conjunto de
regras.17 Partindo dessa premissa, lembra-se que freqüentemente a distinção entre ambos os
standars normativos se dá em razão da generalidade dos princípios frente às regras. Isto é,
muitos autores compreendem os princípios como normas de um grau de generalidade
relativamente alta, ao passo que as regras seriam dotadas de uma menor generalidade.18
Contudo, tal abordagem quantitativa, levada adiante por autores como Del Vecchio e Bobbio,
mostra-se insuficiente à luz do pensamento desenvolvido já em Esser,19 como demonstra
Galuppo (2002:170-171). Tal tese é denominada por Alexy (1998:09) como a tese fraca da
separação, de modo que uma tese forte, como a que o autor pretende adotar, considera a
distinção como qualitativa. Logo, pode-se perceber que a generalidade não é um critério
adequado para tal distinção, pois é, quando muito, uma conseqüência da natureza dos
princípios, sendo incapaz de proporcionar uma diferenciação essencial (GALUPPO, 1999:137).
Afirma-se, então, que regras, diferentemente dos princípios, são aplicáveis na
maneira do tudo-ou-nada (all-or-nothing-fashion);20 isso significa dizer que, se uma regra é
válida, ela deve ser aplicada da maneira como preceitua, nem mais nem menos, conforme um
procedimento de subsunção silogístico (AFONSO DA SILVA, 2002:25). Todavia, o principal
traço distintivo com relação aos princípios é observado quando, diante de um conflito entre
regras, algumas posturas deverão ser tomadas para que apenas uma delas seja considerada
válida (ÁVILA, 2004:30). Como conseqüência, a outra regra não somente não será considerada
pela decisão, mas deverá ser retirada do ordenamento jurídico, como inválida, salvo se não for
estabelecido que essa regra se situa em uma situação que excepciona a outra – trata-se do
critério da excepcionalidade das regras. Um exemplo é fornecido pelo próprio Alexy
(1997b:163-164):
17 Aqui é preciso lembrar, que Alexy toma como referência de norma o
conceito “semântico” de norma (GALUPPO, 1999:135-136) presente já em Kelsen (1999), de
modo que compreende que a norma é o significado extraído de um enunciado.
18 Nesse sentido, ver Hart (1994:321-325) em resposta a distinção dworkiana
entre princípios e regras.
19 “Para Josef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem
fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado. Mais do que uma distinção
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baseada no grau de abstração da prescrição normativa, a diferença entre os princípios e as
regras seria uma distinção qualitativa. O critério distintivo dos princípios em relação às regras
seria, portanto, a função de fundamento normativo para a tomada de decisão” (ÁVILA,
2004:27).
20 Muitos autores atribuem a Alexy a originalidade da distinção entre regras e
princípios; todavia, esses se olvidam do importante ensaio publicado por Dworkin, Model of
Rules, originalmente, na Chicago Law Review no. 35 (1967-1968), sendo, depois, republicado
como o capítulo 2 da obra Levando os Direitos a Sério (com tradução para o português pela
Editora Martins Fontes, em 2002). Todavia, importante lembrar, mais uma vez, que a distinção
dworkiana se pauta pelo prisma lógico-argumentativo, e não por critéiros estruturais – ou
morfológicos –. Reconhecendo isso, tem-se Sarmento (2000:44).
uma Lei Estadual proibia o funcionamento de estabelecimentos comerciais após as 13:00 e,
concomitantemente, existia uma Lei Federal estendendo esse funcionamento até às 19:00.
Nesse caso, o Tribunal Constitucional alemão solucionou a controvérsia, apoiando-se no
cânone da hierarquia das normas, de modo a entender pela validade da legislação federal.
Já os princípios, por sua vez, não são determinantes para uma decisão, de
modo que somente apresentariam razões em favor de uma ou de outra posição argumentativa
(ALEXY, 1998:09-10); logo apresentam obrigações prima facie, na medida em que podem ser
superadas em função de outros princípios (ÁVILA, 2004:30; AFONSO DA SILVA, 2005:32), o
que difere na natureza de obrigações absolutas das regras. É, por isso, que o autor afirma
existir uma dimensão de peso entre princípios – que permanece inexistente nas regras –
principalmente nos chamados casos de colisão, exigindo para a sua aplicação um
procedimento de ponderação (balanceamento). Destarte, em face de uma colisão entre
princípios, o valor decisório será dado a um princípio que tenha, naquele caso concreto, maior
peso relativo, sem que isso signifique a invalidação do princípio compreendido como de peso
menor. Em face de outro caso, portanto, o peso dos princípios poderá ser redistribuído de
maneira diversa,21 pois nenhum princípio goza antecipadamente de primazia sobre os
demais.22 É desta forma que Alexy (1998:12) apresenta a distinção fundamental entre regras e
princípios: [...] princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida
possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte,
mandamentos de otimização que se caracterizam porque podem ser cumpridos em diferentes
graus e porque a medida de seu cumprimento não só depende das possibilidades fáticas, mas
também das possibilidades jurídicas. [...]. Por outro lado, as regras são normas que exigem um
cumprimento pleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ou não. Se uma
regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que se ordena, nem mais nem menos.
As regras contêm por isso determinações no campo do possível fático e juridicamente (ALEXY,
1998:12, grifos no original, tradução livre).23
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21 “No caso das colisões entre princípios, portanto, não há como se falar em
um princípio que sempre tenha precedência em relação a outro. [...] É por isso que não se
pode falar que um princípio P1 sempre prevalecerá sobre o princípio P2 – (P1 P P2) –,
devendo-se sempre falar em prevalência do princípio P1 sobre o princípio P2 diante das
condições C – (P1 P P2) C” (AFONSO DA SILVA, 2005:35).
22 Isso pode ser percebido no julgamento do HC n. 82.424/RS. Como já
comentado, o STF identificou um conflito envolvendo os princípios da dignidade da pessoa
humana e da liberdade de expressão. Em momento algum, afirmou-se que a dignidade da
pessoa humana (ou mais exatamente, não discriminação) seria hierarquicamente superior à
liberdade de expressão. Assim, um ou outro princípio pode ser ponderado através de sua
aplicação gradual no caso sub judice. Assim, como bem reconhece o Min. Marco Aurélio em
seu voto, “as colisões entre princípio [sob essa ótica] somente podem ser superadas se algum
tipo de restrição ou de sacrifício formem impostos a um ou os dois lados. Enquanto o conflito
entre regras resolve-se na dimensão da validade, [...] o choque de princípios encontra solução
na dimensão do valor, a partir do critério da ‘ponderação’, que possibilita um meio-termo entre
a vinculação e a flexibilidade dos direitos”.
23 “[...] principios son normas que ordenan que se realice algo en la mayor
medida posible, en relación con las posibilidades jurídicas y fácticas. Los principios son, por
consiguiente, mandatos de optimización que se caracterizan por que pueden ser cumplidos en
diversos grados y porque la medida ordenada de su cumplimiento no sólo depende de lãs
posibilidades fácticas, sino también de las posibilidades jurídicas. […] En cambio, las reglas
son normas que exigen un
Mas como explicar a natureza de mandamentos de otimização24 atribuída aos
princípios? Ou de outra forma, como uma norma pode ter sua aplicação em diferentes graus?
Para Alexy (1998:14, 1997:138), isso pode ser explicado quando se compreende que princípios
podem ser equiparados a valores. Uma concepção sobre valores – isto é, axiológica – dirá
Alexy (1997:139), traz uma referência não no nível do dever- ser (deontológico), mas no nível
do que pode ou não ser considerado como bem. Os valores têm como características a
possibilidade de valoração, isto é, permitem que um determinado juízo possa ser classificado,
comparado ou medido. Destarte, Com a ajuda de conceitos de valor classificatório se pode
dizer que algo tem um valor positivo, negativo ou neutro; com a ajuda de conceitos de valor
comparativo, que a um objeto que se deve valorar corresponde um valor maior ou o mesmo
valor que outro objeto e, com ajuda de conceitos de valor métrico, que algo tem um valor de
determinada magnitude (ALEXY, 1997:143, tradução livre).25
Todavia, apesar de dizer que princípios podem ser equipados aos valores,
Alexy (1997:147) dirá que princípios não são valores. Isso porque os princípios, como normas,
apontam para o que se considera devido, ao passo que os valores apontam para o que pode
ser considerado melhor.26 Assim, mesmo tendo uma operacionalização idêntica aos valores,
ainda assim princípios apresentam uma diferença básica frente aos valores.27
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Para concluir, dirá que, se alguém estiver diante de uma norma que exige um
cumprimento na maior medida do possível, estará diante de um princípio; em contrapartida, se
tal norma exigir apenas o cumprimento em uma determinada medida, ter-se-á uma regra. Logo,
a diferença se centraria em um aspecto da estrutura dos princípios e das regras, de uma
maneira morfológica, fazendo com que regras sejam aplicadas de maneira silogística e
princípios, por meio de uma ponderação ou balanceamento (ALEXY, 2003; AFONSO DA
SILVA, 2002:25).
Dessa forma, os princípios que prescrevem a proteção tanto do interesse
público cumplimiento pleno y, en esa medida, pueden siempre ser sólo o cumplidas o
incumplidas. Si una regla es válida, entonces es obligatorio hacer precisamente lo que ordena,
ni más ni menos. Las reglas contienen por ello determinaciones en el campo de lo posible
fáctica y jurídicamente”.
24 Afonso da Silva (2002:25) alerta que, devido à influência das traduções
espanholas das obras de Alexy, tornou-se comum referir-se aos princípios como “mandados de
otimização”. Todavia, trata-se de utilização imprópria, preferindo esse autor o termo
mandamentos de otimização. 25 “Con la ayuda de conceptos de valor clasificatorios se puede
decir que algo tiene un valor positivo, negativo o neutral; con la ayuda de conceptos de valor
comparativos, que a un objeto que hay que valorar le corresponde un valor o el mismo valor
que a otro objeto y, con la ayuda de conceptos de valor métricos, que algo tiene un valor de
determinada magnitud”.
26 “La diferencia entre principios y valores se reduce así a un punto. Lo que en
el modelo de los valores es prima facie ló mejor es, en el modelo de los principios, prima facie
debido; y lo que en el modelo de los valores es definitivamente ló mejor es, en el modelo de los
principios, definitivamente debido” (ALEXY, 1997:147).
27 Apenas para demarcar a dissonância, adianta-se que tese alexyana é
refutada tanto por Dworkin quanto por Habermas, que defendem a impossibilidade de
equiparar princípios a valores, sob pena de desnaturar a própria lógica de aplicação normativa.
Ambos os autores ainda lançarão mão não de uma diferenciação morfológica entre princípios e
regras, preferindo o que se pode considerar como uma distinção em razão da natureza lógico-
argumentativa.
de um lado, quanto do interesse privado de outro, deverão ser ponderados por
meio do “princípio” da proporcionalidade,28 para que se possa atingir um resultado em face de
um caso concreto. Assim, o próximo passo da presente explanação é analisar melhor o
mecanismo da proporcionalidade teorizado por Alexy. Para tanto, deve- se lembrar que nem
princípios nem regras são capazes de regular por si mesmos suas condições de aplicação, de
modo que o jurista de Kiel reconhece a necessidade de promover uma compreensão da
decisão jurídica regrada por uma teoria da argumentação (ALEXY, 1997b:173).29 A partir
disso, o sistema jurídico, além de conter regras e princípios, comporta um terceiro nível, no
qual são feitas considerações sobre um procedimento – seguindo o modelo da razão prática –
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que permitiria alcançar e assegurar a racionalidade de aplicação jurídica (CHAMON JUNIOR,
2004:103). A argumentação jurídica é vista por Alexy (1998:18) como um caso especial da
argumentação prática geral, ou seja, da argumentação moral. Sua peculiaridade, contudo, está
na série de vínculos institucionais que a caracteriza, tais como a lei, o precedente e a
dogmática jurídica.30 Mas mesmo esses vínculos – concebidos como um sistema de regras,
princípios e procedimento – são incapazes de levar a um resultado preciso. As regras do
discurso serviriam apenas para que se pudesse contar com um mínimo de
28 Afonso da Silva (2002:24-27) sustenta que seria errônea a referência à
técnica da ponderação como “princípio da proporcionalidade”. Segundo o autor, “[o] chamado
princípio da proporcionalidade não pode ser considerado um princípio, pelo menos não com
base na classificação de Alexy, pois não tem como produzir efeitos em variadas medidas, já
que é aplicado de forma constante, sem variações”. Dessa forma, tratar-se-ia de uma regra de
ponderação, aplicável por meio da subsunção, bem como suas sub-regras. Ávila (2005) refere-
se a um dever de proporcionalidade, termo considerado correto por Afonso da Silva, mas
pouco adequado, já que a idéia de dever remete apenas ao gênero norma jurídica, sem
explicitar sua espécie – princípios ou regras. Também não se deve confundir proporcionalidade
com racionalidade, como lembra Afonso da Silva (2002:28). Muitos juristas tratam como se
fossem termos sinônimos, como se proporcionalidade fosse o termo adotado pelos autores de
tradição germânica, ao passo que a razoabilidade tivesse sua difusão na tradição do common
law. Segundo o constitucionalista, a diferenciação se dá não pela origem, mas pela estrutura.
“A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu
por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples
pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples
análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã,
tem ela uma estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a análise da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito –, que são aplicados em
uma ordem pré-definida e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a
diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade” (AFFONSO DA SILVA, 2002:30).
É, por isso, que esse autor afirma que o STF apenas consegue exercer sua função nos limites
da razoabilidade, pouco ou nada compreendendo sobre a dimensão da proporcionalidade. O
órgão judicante, então, apenas mencionaria as sub-regras da proporcionalidade, sem, contudo,
analisá-las perante o caso específico que tem a sua frente.
29 “[...] el agregado del nivel de los principios conduce sólo condicionadamente
a una vinculación en el sentido de una determinación estricta del resultado. También después
de la eliminación de las lagunas de apertura a nivel de las reglas quedan las lagunas de
indeterminación del nivel de los principios. Sin embargo, de aquí no podrían inferirse un
argumento a favor del modelo de la regla e en contra del modelo regla/principio, tampoco si
ésta fuera la última palabra. Lo que hasta ahora se ha descrito, el nivel de la regla y el de los
principios, no proporciona un cuadro completo del sistema jurídico. Ni los principios ni las
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reglas regulan por sí mismos su aplicación. Si se quiere obtener un modelo completo, hay que
agregar al costado pasivo uno activo, referido al procedimiento, de la aplicación de las reglas y
los principios. Por lo tanto, los niveles de las reglas y los principios tienen que ser completados
con un tercer nivel. En un sistema orientado por el concepto de la razón práctica, este tercer
nivel puede ser sólo al de un procedimiento que asegura la racionalidad” (ALEXY, 1997b:173,
grifos nossos).
30 Sobre isso, um maior detalhamento pode ser obtido pela leitura do capítulo
3 da obra ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a Teoria do Discurso Racional
como Teoria da Justificação Jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy,
2001. racionalidade. Tudo, para Alexy (1998:18-19), gira em volta de um problema referente à
racionalidade jurídica. Como não é possível uma teoria moral de cunho substantivo, somente
se pode apelar para as teorias morais procedimentais, que formulariam regras ou condições
para a argumentação ou para uma decisão racional.
31 Para desenvolver sua teoria da argumentação, o professor alemão irá
proceder a uma minuciosa análise de diversas teorias, retirando delas o que considera notável,
como lembra Souza Cruz:
Dos julgamentos morais de Stevenson, destacou as distintas formas de
argumentos e de argumentações. Da filosofia lingüística de Wittgenstein, observou que a
linguagem normativa não poderia ser reduzida à linguagem descritiva, ao passo que da Teoria
Discursiva de Austin aproveitou os aspectos performativos da linguagem e sua relação com os
dados da realidade.
Da teoria metaética de Hare, destacou o esforço na comensurabilidade de
valores, ao exigir que o juiz não apenas se colocasse na posição do réu, mas que levasse a
sério todos os interesses daqueles que de alguma forma pudessem ser afetados pela decisão,
enquanto da filosofia psicológica de Toulmin aproveitou a concepção da existência de regras
no discurso moral que permitiam um exame racional. Da Teoria da Argumentação Moral de
Baier notou que a argumentação prática possui regras distintas da argumentação desenvolvida
nas ciências naturais, mas que ambas devem/podem ser taxadas como atividades racionais.
Por sua vez, da Teoria do Consenso da Verdade de Habermas, ele percebeu que as ações são
jogos de linguagem e que num discurso é possível depurar-se argumentos válidos de
argumentos inválidos, em razão de sua aceitabilidade numa “situação ideal de discurso”.
Contudo, ao entender que tal situação dificilmente ocorreria factualmente,
Alexy estipulou o critério de Hare como condição mínima de sua teoria. Da Teoria da Liberação
Prática da Escola de Erlanger, observou a necessidade da padronização da linguagem.
Finalmente, da Nova Retórica de Perelman assumiu a idéia de que não é
possíve definir um único resultado como correto e duradouro, dando abertura a um criticismo
heurístico (2004:165-166).
Todo esse instrumental teórico irá contribuir para estruturar o procedimento da
ponderação a partir de três sub-regras (regra de adequação, regra da necessidade e regra da
proporcionalidade em sentido estrito). Essas sub-regras são estruturadas de maneira a
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funcionarem sucessiva e subsidiariamente, mas nunca aleatoriamente;32 por isso nem sempre
será necessária uma análise de todas as três sub-regras.33
31 Em consonância com essa afirmação, tem-se Souza Cruz (2004:164-165),
que observa que Alexy irá divergir da Corte Constitucional alemã, uma vez que essa exige a
relativização de todos os direitos fundamentais, inclusive o da dignidade humana (ALEXY,
1997:108-109). Assim, a adoção pelo paradigma procedimental sustenta uma proteção aos
direitos fundamentais por um aspecto dialógico do discurso e conforme a racionalidade do
método de ponderação.
32 “Se simplesmente as enunciarmos, independentemente de qualquer ordem,
pode-se ter a impressão de que tanto faz, por exemplo, se a necessidade do ato estatal é, no
caso concreto, questionada antes ou depois da análise da adequação ou da proporcionalidade
em sentido estrito. Não é o caso. A análise da adequação precede a da necessidade, que, por
sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito” (AFONSO DA SILVA, 2002:34).
33 “A impressão que muitas vezes se tem, quando se mencionam as três sub-
regras da proporcionalidade, é que o juiz deve sempre proceder à análise de todas elas,
quando do controle do ato considerado abusivo. Não é correto, contudo, esse pensamento. É
justamente na relação de subsidiariedade acima mencionada que reside a razão de ser da
divisão em sub-regras” (AFONSO DA SILVA, 2002:34).
Em termos claros e concretos, com subsidiariedade quer-se dizer que a análise
da necessidade só é exigível se, e somente se, o caso já não tiver sido resolvido com a análise
da adequação; e a análise da proporcionalidade em sentido estrito só é imprescindível, se o
problema já não tiver sido solucionado com as análises da adequação e da necessidade
(AFONSO DA SILVA, 2002:34). Afonso da Silva alerta que, no Brasil, difundiu-se o conceito de
adequação como aquilo que é apto a alcançar o resultado pretendido (SARMENTO, 2000:87;
MENDES, 1994:371). Todavia, trata-se de uma compreensão equivocada da sub-regra,
derivada da tradução imprecisa do termo alemão fördern como alcançar, ao invés de fomentar,
o que seria mais correto. Nessa leitura:
Adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é
alcançado, mas também o meio com cuja utilização a rejeição de um objetivo é fomentada,
promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado. Há uma grande diferença
entre ambos os conceitos, que fica clara na definição de Martin Borowski, segundo a qual uma
medida estatal é adequada quando o seu emprego faz com que o “objeto legítimo pretendido
seja alcançado ou pelo menos fomentado”. Dessa forma, uma medida somente pode ser
considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização
de objetivo pretendido (AFONSO DA SILVA, 2002:36-37).
Pode-se tomar o exemplo da ADC n. 9-6 (racionamento de energia), como
forma de esclarecer melhor o conteúdo da regra da adequação: para impedir o risco de
questionamento judicial, principalmente dos artigos 14 a 18 da Medida Provisória n. 2.152-2 –
que disciplinava as metas de consumo de energia elétrica e previa as sanções no caso de
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descumprimento, foi proposta a ADC n. 9-6, visando à declaração de constitucionalidade, com
efeitos vinculantes. O STF entendeu, em sede de medida cautelar, que estava demonstrada a
proporcionalidade e a razoabilidade das medidas tomadas pelo governo. Como lembra Afonso
da Silva, o teste de adequação da medida deveria se limitar “ao exame de sua aptidão para
fomentar os objetivos visados” (2002:37). Assim, mesmo que fosse questionável o fato de
essas medidas tomadas serem as mais adequadas, para o constitucionalista, mostra-se
inegável – devido ao caráter coercitivo – que as medidas levariam os consumidores a
economizarem energia elétrica e, mesmo que sozinhas não possam solucionar o problema de
interrupção do fornecimento de energia elétrica, as medida tomadas mostram-se capazes de
colaborar para que o mesmo seja atingido. Por tal observação, elas poderiam ser considerada
adequadas nos termos exigidos pela proporcionalidade.
Mas será que elas poderiam passar também pelo grifo da regra de
necessidade? Essa afirma o seguinte: “Um ato que limita um direito fundamental é somente
necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma
intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido”
(AFONSO DA SILVA, 2002:38). Segundo Sarmento, “impõe que o Poder Público adote sempre
a medida menos gravosa possível para atingir a determinado objetivo” (2000:88). Assim, a
adequação exige um exame absoluto do ato, ao passo que a necessidade, um exame
comparativo (ALEXY, 1998:30), isto é: Suponha-se que, para promover o objetivo O, o Estado
adote a medida M1, que limita o direito fundamental D. Se houver uma medida M2 que, tanto
quanto M1, seja adequada para promover com igual eficiência o objetivo O, mas limite o direito
fundamental em menor intensidade, então a medida M1, utilizada pelo Estado, não é
necessária (AFONSO DA SILVA, 2002:38).
Voltando ao exemplo do julgamento da ADC n. 9-6, Afonso da Silva considera
que as medidas tomadas pelo governo podem ser consideradas adequadas, por ajudarem a
promover a economia de energia. Mas o exame da necessidade exige que, primeiro, se
identifique os direitos que serão limitados. Muitos, então, poderiam ser apontados como direitos
possivelmente lesionados: direito de acesso a um serviço público, direito de igualdade, direito à
livre iniciativa, direito ao trabalho, e, em última análise, o direito a uma vida digna (AFONSO DA
SILVA, 2002:38-40). O passo seguinte seria identificar medidas alternativas que também
pudessem satisfazer os objetivos da medida governamental.34 Se fosse demonstrada a
existência – o que é bem plausível – de medida tão (ou até mais) adequada que as tomadas
pelo governo, o STF teria de considerar a medida escolhida como desproporcional e, por isso,
declarar a inconstitucionalidade da Medida Provisória n. 2.152-2. O último passo a ser
verificado, a proporcionalidade em sentido estrito, apenas acontecerá depois de verificado que
o ato é adequado e necessário (ALEXY, 1998:31). Por isso, [...] o exame da proporcionalidade
em sentido estrito, que consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito
fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e
que fundamenta a adoção da medida restritiva (AFONSO DA SILVA, 2002:40).
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Segundo Sarmento (2000:89), há aqui um raciocínio baseado na relação custo-
benefício da norma avaliada, isto é, o ônus imposto pela norma deve ser inferior ao benefício
que pretende gerar. A constatação negativa deve ser tomada, portanto, como um juízo pela
inconstitucionalidade do ato. Todavia, [p]ara que uma medida seja reprovada no teste da
proporcionalidade em sentido estrito, não é necessário que ela implique a não-realização de
um direito fundamental.
Também não é necessário que a medida atinja o chamado núcleo essencial de
algum direito fundamental. Para que ela seja considerada desproporcional em sentido estrito,
basta que os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para
justificar a restrição ao direito fundamental atingido. É possível, por exemplo, que essa
restrição seja pequena, bem distante de implicar a não-realização de algum
34 Afonso da Silva (2002:39-40) destaca que, durante o julgamento da ADC n.
9-6, deixou-se de proceder à identificação de medidas alternativas para a crise brasileira de
energia, mesmo havendo outras soluções que foram apresentadas e discutidas pelos meios de
comunicação na época. Logo, ficou prejudicada a aplicação da proporcionalidade neste caso
específico.
direito ou de atingir o seu núcleo essencial. Se a importância da realização do direito
fundamental, no qual a limitação se baseia, não for suficiente para justificá-la, será ela
desproporcional (AFONSO DA SILVA, 2002:41, grifo no original).
No exemplo que até agora foi desenvolvido, o STF, por olvidar analisar a
necessidade das medidas do governo, prejudicou a análise da proporcionalidade em sentido
estrito. Mas, em um outro exemplo – ADI n. 855-2 (pesagem de botijões de gás), a exigência
de pesagem dos botijões de gás na presença dos consumidores foi considerada adequada
pelo STF. Também pode ser considerada por Afonso da Silva (2002:40-41) necessária, pois a
medida alternativa apresentada – pesagem por amostragem – embora pudesse restringir em
menor escala a livre iniciativa das empresas distribuidoras de gás, não pareceu ter a mesma
capacidade de fomentar a proteção do consumidor.
Assim, pode-se avançar para a análise da proporcionalidade em sentido estrito:
verificar se a proteção ao consumidor se justifica em face da limitação à liberdade de iniciativa
sofrida pelas empresas distribuidoras de gás. Para Afonso da Silva (2002:41), o peso maior
deveria ser dado à proteção do consumidor, todavia o entendimento do STF pendeu para uma
solução inversa. Evidenciar-se-ia, então, uma mudança em termos de compreensão do
Supremo Tribunal Federal sobre a questão da supremacia do interesse público. Todavia, os
julgados existentes ainda revelariam que o dogma persiste; o que se teria admitido seria
apenas a relativização através da técnica de ponderação da supremacia do interesse público
em algumas situações especiais, mas com um caminho aberto para revisão dessa
compreensão (BARACHO JÚNIOR, 2004:520). Cattoni de Oliveira, entretanto, apresenta uma
outra leitura desse quadro: O que eu discordo, em princípio, é quanto à afirmação de parte da
doutrina atual segundo a qual, recentemente, o STF estaria relativizando o “princípio da
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supremacia do interesse público”, ao ponderar, usando como critério a proporcionalidade,
interesse público (estatal) e interesse privado. Não penso assim. Há uma tendência
jurisprudencial a se relativizar, isto sim, a distinção entre questões políticas e questões
jurídicas, com consequências para a compreensão da separação de poderes, para o papel do
STF, para a práxis e para a metódica constitucionais. Por exemplo, ao considerar que, no
exercício do controle concentrado, o STF exerce “tarefas não somente jurídicas mas políticas”,
ele é “legislador negativo”, mas também “legislador positivo”, ainda que excepcional, em prol de
um “interesse público ou social maior” (2006:12).
A partir da crítica acima, deve ser posta uma questão: mesmo se o STF
levasse a sério a ponderação – o que foi demonstrado que não ocorre, conforme a técnica
desenvolvida por Alexy – poder-se-ia considerar essa uma resposta adequada ao paradigma
procedimental do Estado Democrático de Direito? Cattoni de Oliveira (2004:535), pautando-se
no pensamento de Habermas (1998:327- 333), apresentará uma resposta negativa à questão.
Como problemas que pesem contra a sua utilização podem ser levantados os seguintes: (1) ao
se admitir uma compreensão dos princípios jurídicos como mandamentos de otimização,
aplicáveis de maneira gradual, Alexy emprega uma operacionalização própria dos valores: isso
faria, então, com que os princípios perdessem a sua natureza deontológica, transformando o
código binário do Direito em um código gradual;35 (2) como conseqüência desse raciocínio, o
Direito passaria a indicar o que é preferível, ao invés de o que é devido;36 (3) o Direito – como
pretensão de universalidade sobre a correção de uma ação – então, não mais pode ser
considerado como um “trunfo”,37 como quer Dworkin, nas discussões políticas que envolvam o
bem-estar de uma parcela da sociedade; desnatura-se, portanto, a tese de Rawls (2003:199;
1996:171) sobre a prevalência do justo sobre o bem; (4) além disso, a tese de Alexy nega a
diferenciação entre discursos de justificação e discursos de aplicação, transformando a
atividade judiciária em um poder constituinte permanente; e, por fim, (5) olvida-se da
racionalidade comunicativa, uma vez que todo o raciocínio é pautado a partir de uma
racionalidade instrumental, deixando a aplicação jurídica a cargo de um raciocínio de
adequação de meios a fins, ficando para segundo plano a questão da legitimidade da decisão
jurídica; exatamente por isso o raciocínio sobre a ponderação acaba por cair em um
decisionismo de cunho irracionalista, isto é, ausência de uma racionalidade comunicativa
(HABERMAS, 1998:332).38
35 “O Direito, ao contrário do que defende uma jurisprudência dos valores,
possui um código binário, e não um código gradual: que normas possam refletir valores, no
sentido de que a justificação jurídico-normativa envolve questões não só acerca de o que é
justo para todos (morais), mas também acerca de o que é bom, no todo e a longo prazo para
nós (éticas), não que dizer que elas sejam ou devam ser tratadas como valores [...]” (CATTONI
DE OLIVEIRA, 2002:88-89,grifos no original).
36 “[...] normas – quer como princípios, quer como regras – visam ao que é
devido, são enunciados deontológicos: à luz de normas, posso decidir qual é a ação ordenada.
Já valores visam ao que é bom, ao que é melhor; condicionados a uma determinada cultura,
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são enunciados teleológicos: uma ação orientada por valores é preferível. Ao contrário das
normas, valores não são aplicados mais priorizados” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:90). Em
outro texto, lembra o mesmo autor: “[...] ou nós estamos diante de uma conduta ilícita, abusiva,
criminosa, ou então, do exercício regular, e não abusivo, de um direito. Tertium non datur!
Como é que uma conduta pode ser considerada, ao mesmo tempo, como lícita (o exercício de
um direito à liberdade de expressão) e como ilícita (crime de racismo, que viola a dignidade
humana), sem quebrar o caráter deontológico, normativo, do Direito? Como se houvesse uma
conduta meio lícita, meio ilícita?” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006:6-7, grifos no original); é por
isso mesmo que: “Esse entendimento judicial, que pressupõe a possibilidade de aplicação
gradual, numa maior ou menor medida, de normas, ao confundi-las com valores, nega
exatamente o caráter obrigatório do Direito. Tratar a Constituição como uma ordem concreta de
valores é pretender justificar a tese segundo a qual compete ao Poder Judiciário definir o que
pode ser discutido e expresso como digno de valores, pois haveria democracia, nesse ponto de
vista, sob o pressuposto de que todos os membros de uma sociedade política compartilham, ou
tenham de compartilhar, de um modo comunitarista, os mesmos supostos axiológicos, uma
mesma concepção de vida e de mundo. Ou, o que também é incorreto, que os interesses
majoritários de uns devem prevalecer, de forma utilitarista, sobre os interesses minoritários de
outros, quebrando assim, o princípio do reconhecimento recíproco de igual direitos de liberdade
a todos” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2006:7, grifo no original).
37 “[...] um direito não pode ser compreendido como um bem, mas como algo
que é devido e não como algo que seja meramente atrativo. Bens e interesses, assim como
valores, podem ter negociada a sua ‘aplicação’, são algo que se pode ou não optar, já que se
estará tratando de preferências otimizáveis. Já direito não. Tão logo os direitos sejam
compreendidos como bens e valores, eles terão que competir no mesmo nível que esses pela
prioridade no caso individual. Essa é uma das razões pelas quais, lembra Habermas, Ronald
Dworkin haver concebido os direitos como ‘trunfos’ que podem ser usados nos discursos
jurídicos contra os argumentos de políticas” (CATTONI DE OLIVEIRA, 2002:90-91).
38 Nesse sentido, Cattoni de Oliveira (2006:5) denuncia que, no caso do HC
82.424-2 (Relator Min. Maurício Correia),
Essas críticas servem para fomentar a discussão e sinalizam a necessidade de
uma compreensão do Direito à luz do paradigma procedimental do Estado Democrático de
Direito. Por isso, a proposta habermasiana desponta como a mais adequada. Mas as razões de
tal opção transbordam os limites do presente artigo, devendo ser exploradas em outro estudo.
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ARTIGO 21
A tributação ambiental como instrumento de defesa do meio ambiente
Raniere Franco Viana
Resumo: A atual crise ambiental reclama uma reação do Direito e o meio
ambiente passa a ocupar, de forma perene, parcela das suas discussões. Dessa forma, muda-
se o panorama jurídico, passando-se os ordenamentos jurídicos nacionais a albergarem em
suas Constituições a idéia de proteção ao meio ambiente. Como de outra forma não poderia
ser, no direito tributário, como parte do sistema, deve ser explorada sua finalidade social
através da extrafiscalidade dos tributos, tendo em vista a consecução do direito sustentável
como direito das presentes e futuras gerações.
Palavras-chave: Direito tributário. Desenvolvimento sustentável. Tributação
ambiental.
Sumário: Introdução.1 A tutela jurídica do meio ambiente. 2 Estado, ordem
econômica e defesa ambiental. 3 Tributação e meio ambiente. 3.1 Conceito. 3.2
Extrafiscalidade tributária e proteção ambiental. Conclusão. Referências.
Introdução
É crescente a preocupação com a tutela do meio ambiente em razão dos
desastres ecológicos que ameaçam a qualidade de vida no planeta. Nesse sentido, é premente
compatibilizar crescimento econômico e preservação ambiental, através do propalado
desenvolvimento sustentável, que consiste na obtenção de riquezas através da exploração
racional dos recursos naturais, tendo em mente o bem-estar das presentes e futuras gerações.
De acordo com a Declaração do Meio Ambiente,elaborada na Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, em junho de 1972, o direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado é considerado um direito fundamental das presentes e
futuras gerações. Nessa esteira, a Constituição do Brasil contempla diversos dispositivos de
regramento do meio ambiente que contribuem com sua política ecológica preservacionista,
como, por exemplo, o art. 225, caput, que confere ao Poder Público e a coletividade o dever de
defender e preservar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida.
Com efeito, diante do agravamento, nos últimos tempos, dos problemas
climáticos ocasionados pelas ações humanas – também denominadas ações antrópicas –, têm
surgido, por parte da sociedade civil e dos governantes, forte interesse em mudar o quadro
climático de nosso planeta.
Não é dispendioso lembrar que o desenvolvimento econômico depende do
meio ambiente, razão porque é preciso considerar-se, para o adequado desenvolvimento da
atividade econômica, a utilização racional dos recursos naturais.
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Destarte, mais do que nunca é premente o desenvolvimento sustentável
através de meios de produção efetivamente compromissados com a perpetuação das matérias-
primas obtidas na natureza, bem como a participação de toda a população nos benefícios
obtidos no progresso econômico, de forma a se concretizar a erradicação da pobreza e a
redução das desigualdades regionais através da distribuição da riqueza social.
Portanto, no momento em que os debates sobre políticas ambientais estão na
pauta das grandes reuniões internacionais – tendo em vista as consequências globais dos
desastres ecológicos, o presente trabalho visa dar uma singela contribuição ao estudo desse
tema, apresentando o direito tributário sob um aspecto que contribua de modo satisfatório para
com a preservação ambiental, suprindo, assim, os recursos voltados à prestação de serviços
públicos ambientais.
1 A tutela jurídica do meio ambiente
A intensificação, nos últimos tempos, dos desastres ecológicos que assolam o
planeta Terra tem feito despertar, de uma maneira geral, a consciência ecológica na
humanidade. [01] A partir daí, adveio a preocupação com a tutela jurídica do meio ambiente
[02], surgindo legislações ambientais em diversos países, tornando-se o meio ambiente objeto
jurídico do Direito. Assim, o aumento da qualidade de vida, sendo este considerado corolário
da preservação ambiental, se transforma em interesse público a ser defendido.
Como observa Muñoz [03], a ecologia, ou seja, o estudo da relação do homem
com o meio ambiente se caracteriza não só como uma mera intranquilidade da população com
a preservação da natureza, mas, sobretudo, significa verdadeira valoração da conduta
humana, de forma a realizar desejável formação de uma consciência coletiva como elemento
indispensável da axiologia ambiental de nosso tempo.
É necessário um equilíbrio para que as relações humanas, a relação entre
homem e natureza, não sejam predatórias, haja vista que esta interação homem-natureza é
necessária para sua coexistência. O esgotamento dos recursos naturais traz consigo a
imediata destruição da vida na Terra. A tomada de consciência dessa realidade leva a uma
organização social para o inarredável tratamento jurídico da relação entre ser humano e meio
ambiente.
O estudo da intrínseca relação do homem com a natureza é definido de forma
percuciente por Derani [04]:
Quer dizer, não há o romantismo idílico da vida do homem em harmonia com a
natureza, pois, em realidade, ao mesmo tempo em que a natureza se apresenta como fonte de
vida, se mostra também como ameaça. Os distintos comportamentos humanos revelam esta
ambivalência, pois como preservar a natureza se é de seu consumo que o ser humano retira
sua fonte de existência. [...] Sendo o ser humano, ele mesmo, parte da natureza, não lhe é
possível ultrapassar seu contexto natural. Sua dependência da natureza é imanente e contra
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isso não pode lutar. Resta-lhe resolver os princípios de sua dependência com a natureza,
esclarecendo o modo como apropriá-la da forma mais satisfatória. Há, sim, uma necessidade
de constante ajuste de um relacionamento insuperável do ser humano com suas bases
naturais de reprodução de existência.
É pertinente salientar que essa crise ambiental é única, pois não é isolada e
envolve interesses globais, já que os efeitos nocivos da degradação ambiental de um
determinado local pode ser sentido em parte diferente do planeta. Aliás, essa idéia de
encurtamento das fronteiras já é antiga na Economia, tendo surgido com o progresso dos
meios de comunicação e através do estreitamento das relações comerciais entre países. Assim
como os efeitos do meio ambiente são globais, qualquer mudança no panorama econômico de
uma parte do mundo ocasiona imediatos efeitos no restante do planeta.[05]
Para Derani [06], "A questão ambiental é, em essência, subversiva, posto que
é obrigada a permear e a questionar todo o procedimento moderno de produção e de relação
homem-natureza, estando envolvida com o cerne da conflituosidade da sociedade moderna."
Não se pode negar que a normatização da apropriação dos recursos da
natureza tem interesse maior na perpetuação desses recursos para a produção econômica.
Contudo, a evolução do direito ambiental tem como legado uma ampliação da visão sobre a
necessidade de preservação ambiental e, aos poucos, sua regulamentação no Direito mostra
que essa idéia deve ser conservada, tendo em vista seu valor para a evolução da humanidade
nos seus mais amplos desdobramentos.
Por seu turno, as ciências do Direito e da Economia não podem se manter
alheias ao que, conforme demonstrado, começa a se enraizar no seio da sociedade. Aliás, é
tomando por base essa consciência da defesa dos valores ambientais que se demanda das
áreas do conhecimento não só que se reconheça a defesa do meio ambiente em toda a sua
amplitude, mas que também articulem instrumentos que possam ser postos a disposição da
defesa do meio ambiente. [07]
Dentre os primeiros textos internacionais que trataram do tema, a Declaração
do Meio Ambiente, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente,
celebrada em Estocolmo, em 1972, fixa o direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado como direito fundamental das presentes e futuras gerações. A referida Declaração
do Meio Ambienterepresentou verdadeira guinada no trato das questões ambientais pela
comunidade internacional, elencando 26 princípios fundamentais de proteção ao meio
ambiente, tendo influenciado a elaboração do capítulo sobre meio ambiente da Constituição
Federal de 1988.
Vinte anos depois, novos princípios de proteção ambiental foram apresentados
na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio
de janeiro de 3 a 14 de junho de 1992, conhecida como ECO-92, reafirmando os princípios da
Declaração do Meio Ambiente e adicionando outros sobre o desenvolvimento sustentável e o
meio ambiente. Parte do reconhecimento da natureza interdependente e integral da Terra,
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nosso lar, e do princípio que os seres humanos estão no centro das preocupações com o
desenvolvimento sustentável, e têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com
a natureza (Princípio 1). Põe-se, nesse primeiro princípio, a correlação de dois direitos
fundamentais do homem: o direito ao desenvolvimento e o direito a uma vida saudável. [08]
A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que os ordenamentos jurídicos
supervenientes elencassem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como uma extensão
do direito à vida, portanto, direito fundamental das presentes e futuras gerações. Com isso, é
importante ter em mente que o direito à vida, como direito fundamental supremo, deve orientar
a atuação do Estado no âmbito da tutela do meio ambiente. É premente que o texto
constitucional vise compatibilizar desenvolvimento econômico e preservação ambiental.
2 Estado, ordem econômica e defesa ambiental
O Estado Moderno veio a subsidiar o desenvolvimento da economia burguesa
necessitada de universalização. Igualdade entre pessoas, igualdade de câmbio, ampliação de
mercados e de mão-de-obra, garantia do "laisser-faire" e da organização produtiva que lhe
viabilizava. Este mesmo Estado, parte integrante da sociedade, é também parte indispensável
ao funcionamento do mercado, o que indubitavelmente afasta a ilusão neoliberal em voga de
um "fundamentalismo mercantil" – uma crença inabalável no poder do mercado em gerenciar
com máxima eficiência os recursos disponíveis. Daí a asserção clássica de que o Estado como
agente econômico não é a negação do modo de produção capitalista, mas responde à
necessidade de sua lógica interna de expansão. [09]
Antes do surgimento do Estado neoconcorrencial [10]ou intervencionista, o que
ocorreu na passagem do século XIX para o século XX, não era permitido ao Estado interferir na
"ordem natural" dos mercados, mesmo que para garantir a propriedade privada. Havia um
equivocado consenso de que Estado e sociedade tinham existências independentes uma da
outra.
Contudo, assevera Eros Grau que, mesmo desde o Estado Moderno, a
burguesia obtinha vantagens no mercado, pondo à sua disposição instrumentos de políticas
públicas através da ação estatal sobre o domínio econômico, o que demonstra que não era
absoluta a afirmação de que o Estado não interferia na economia. Dessa forma, o "Estado
Moderno nasce sob a vocação de atuar no campo econômico. Passa por alterações, no tempo,
apenas o seu modo de atuar, inicialmente voltado à constituição e à preservaçãodo modo de
produção capitalista, posteriormente à substituição e compensaçãodo mercado". [11]
Porém, o Estado da revolução francesa já foi ultrapassado e o mesmo não
mais perdura. O advento do Estado do Bem-Estar enfrenta agora um desafio de redimensionar
suas feições, pois a relação entre economia privada e Estado nunca foi tão forte desde a
revolução industrial. O homem nunca se utilizou de tanta matéria e energia, a sociedade nunca
demandou tantos recursos naturais para sua subsistência quanto hoje. O Estado, portanto, não
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pode se quedar inerte no seu papel de fiduciário dos interesses da sociedade, na medida da
realização da Justiça Fiscal. Como explica Tipke: [12] "Em um Estado de Direito deve-se atuar
com justiça na medida do possível. Está, é a máxima exigência que se deve projetar o ente
político. Esta exigência não pode permanecer anulada ou desprezada em seu conteúdo
essencial por outras aspirações. Este também é o ponto de partida das constituições que
invocam de modo expresso a Justiça ou a Justiça tributária".
Com efeito, a Constituição do Brasil tem em seu bojo um modelo econômico de
bem-estar. Esse modelo é consubstanciado nos seus artigos 1°. e 3°., bem como no enunciado
do art.170. [13] Tais preceitos não podem ser olvidados dentro das políticas públicas de
Governo. Com efeito, a dignidade de pessoa humana é adotada em nosso texto constitucional
tanto como fundamento da República Federativa do Brasil (art.1°., III), como fim da ordem
econômica (art. 170).
Como acima referido, para a concretização de uma existência digna que
proporcione efetiva qualidade de vida, é fundamental um meio ambiente ecologicamente
equilibrado. De fato, a defesa do meio ambiente é princípio constitucional que dever ser
incorporado no processo econômico (art. 170, VI), bem como dedutível da norma expressa do
art. 225, §1°., IV, o que torna de imediato inconstitucional a desenvolvimento de atividade
econômica que despreze os valores naturais.
Destarte, o desenvolvimento econômico do Estado brasileiro deve se coadunar
com o uso sustentável da natureza, com vistas ao aumento da qualidade de vida da população,
como bem sintetiza Derani: [14]
Este modo de pensar o desenvolvimento econômico decorre da interpretação
dos princípios da ordem econômica constitucionalmente construídos, e que se destinam a
reger a atividade econômica e seus fatores. Um novo ângulo de se observar o desenvolvimento
econômico, inserindo outros fatores na formação de políticas públicas, é conformado pela
presença do capítulo do meio ambiente na Constituição Federal. O direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado exposto no art.225 se faz presente como princípio a ser respeitado
pela atividade econômica no artigo 170, VI. A positivação deste princípio ilumina o desenvolver
da ordem econômica, impondo sua sustentabilidade.
Em conformidade com os ditames da justiça social, não se pode imaginar
desenvolvimento econômico sem o uso adequado dos recursos naturais, haja vista que, por
motivos elementares, esta atividade é dependente do uso da natureza. Assim, as políticas
públicas devem ser orientadas segundo um desenvolvimento econômico sustentável.
3 Tributação e meio ambiente
Diante do importante papel do direito tributário como instrumento de fomento
do desenvolvimento econômico, através da função extrafiscal dos tributos (incentivo ou
desestímulo a atividades consideradas pertinentes ou não aos interesses da comunidade), é
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latente sua relevância na consecução de políticas públicas que contemplem simultaneamente:
proteção do meio ambiente e desenvolvimento econômico.
3.1 Conceito
Inicialmente, vale salientar que a evolução da atuação do Estado, antes
revestido de uma postura liberal, para a assunção de uma postura intervencionista voltada à
consecução dos interesses coletivos albergados pelo ordenamento jurídico, em especial na
Constituição, fez surgir uma faceta do direito tributário antes não explorada, já que o mesmo
era visto somente como instrumento de arrecadação. É como vislumbra Becker: "A principal
finalidade de muitos tributos (que continuarão a surgir em volume e variedade sempre maiores
pela progressividade transfigurada dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a
de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a
de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada". [15]
A recente denominação "tributação ambiental" quer revelar a relevância que
vem obtendo a relação entre tributação e preservação do meio ambiente, de forma que este
desiderato seja alcançado através do direcionamento daquela atividade do Estado.
Segundo García, [16] a possibilidade de proteger o meio ambiente com
instrumentos fiscais pode ter surgido em 1920 com a proposta do economista inglês A.C. Pigou
de isentar os impostos que afetassem os custos "externos" da produção e consumo privados.
Segundo o autor, "semelhante proposta logrou êxito no âmbito acadêmico, porém não teve
conseqüências práticas na política ambiental até os anos 70, quando foram introduzidas as
primeiras taxas ecológicas, tendo o princípio do poluidor-pagador sido adotado pela OCDE [17]
no primeiro programa de ação das Comunidades em matéria ambiental".
Talvez em razão do estudo do direito ambiental ainda ser incipiente em nosso
país, o tema que não era objeto de muitos estudos vem adquirindo destaque, sob a ótica de
que os instrumentos tributários podem revelar-se importantes ferramentas para a obtenção de
uma satisfatória qualidade do meio ambiente.
Do ponto de vista da política ambiental, pode-se qualificar como tributo
ecológico todo aquele cuja principal finalidade é servir à proteção do meio ambiente. Esta
abrangente definição inclui também aqueles tributos cujo fato gerador não está relacionado
com atividades contaminantes, desde que a arrecadação seja afetada para a proteção do meio
ambiente. Os efeitos desses tributos constituem um instrumento de financiamento de políticas
públicas. [18]
Dessa forma, como leciona Tôrres, [19] o objeto de estudo do Direito Tributário
Ambiental pode ser definido como "ramo da ciência do direito tributário que tem por objeto o
estudo das normas jurídicas tributárias elaboradas em concurso com o exercício de
competências ambientais, para determinar o uso de tributo na função instrumental de garantia
ou preservação de bens ambientais".
Tratando do tema, Costa [20] assim elucida a definição de tributação ambiental:
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A tributação ambiental pode ser singelamente conceituada como o emprego de
instrumentos tributários para gerar os recursos necessários à prestação de serviços públicos
de natureza ambiental (aspecto fiscal ou arrecadatório), bem como para orientar o
comportamento dos contribuintes à proteção do meio ambiente (aspecto extrafiscal ou
regulatório).
Dentro das políticas públicas de governo podem ser albergados instrumentos
tributários que compatibilizem a tributação com a preservação ambiental por meio da
fiscalidade, ou que contemplem – através da extrafiscalidade – um duplo benefício, qual seja,
arrecadar e incentivar a conservação ambiental. [21]
O grande desafio que hoje possuiu a doutrina é a busca de uma aliança entre
ambas as modalidades de competências ambiental e tributária, solucionando o aparente
conflito principiológico, entre aqueles que visam à proteção dos interesses difusos ou coletivos
homogêneos inerentes ao meio ambiente, nas suas diversas manifestações (natural, cultural,
artificial e do trabalho); com os direitos de propriedade e liberdade, além daqueles de garantia
dos limites da tributação, como legalidade, isonomia, e capacidade contributiva, ao determinar
o exato espaço para a ação fiscal. [22]
3.2 Extrafiscalidade tributária e proteção ambiental
A extrafiscalidade consiste no emprego de fórmulas jurídico-constitucionais
para a obtenção de objetivos que superam a simples finalidade arrecadatória de recursos
financeiros, cujo regime que há de orientar tal prática não poderia diferir daquele próprio das
exações tributárias. [23] Quer dizer que o direito tributário deve suplantar os fins meramente
arrecadatórios que orientam a sua função fiscal, para a ascensão do exercício do poder de
tributar objetivando a realização da finalidade social do tributo [24] como indutor de
comportamentos do sujeito passivo da obrigação tributária.
Nesse sentido, para conseguir lograr êxito no alcance de suas finalidades, o
Estado deve se utilizar de instrumentos tributários e financeiros para saciar as necessidades do
interesse público. Hodiernamente, esses instrumentos não se limitam somente à obtenção de
somas em dinheiro para financiar os gastos públicos, senão para também obter outros fins
constitucionalmente legítimos. A propósito, tratando da coexistência entre finalismo fiscal e
extrafiscalidade tributária, Becker [25] proclama que "na construção jurídica de todos e de cada
tributo, nunca mais estará ausente o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos
coexistirão sempre – agora de um modo consciente e desejado – na construção jurídica de
cada tributo; apenas haverá maior ou menor prevalência neste ou naquele sentido, a fim de
melhor estabelecer o equilíbrio econômico-social do orçamento cíclico"
Na construção de seus escólios, Baleeiro [26]assim sentencia sobre as
finanças do Estado e seus fins extrafiscais:
Os progressos das ciências econômicas, sobretudo depois do impulso que lhes
imprimiu a teoria geral de Keynes, refletiram-se na Política Fiscal e esta, por sua vez,
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revolucionou a concepção da atividade financeira, segundo os preceitos dos financistas
clássicos. Ao invés das "finanças neutras" da tradição, com seu código de omissão e
parcimônia tão do gosto das opiniões individualistas, entendem hoje alguns que maiores
benefícios a coletividade colhera de "finanças funcionais", isto é, a atividade financeira
orientada no sentido de influir sobre a conjuntura econômica.
Nesse jaez, com a consolidação do intervencionismo estatal, o tributo
demonstra uma capacidade especial para ser utilizado na perquirição dos fins públicos, não
como instrumentos arrecadador, mas como ferramenta que influi diretamente nos direitos
econômicos e fiscais. [27] As políticas governamentais devem ser orientadas na esteira do
interesse público, dentro da tributação extrafiscal, como vaticina Gouvêa: [28]
Ao traduzir este fenômeno em linguagem do Direito, é necessário sustentar um
fundamento jurídico que permita ao Estado tributar, com vistas a objetivos diversos, distintos da
arrecadação, afastando osinteresses individuais contrários à incidência tributária. Revela-se,
assim, outra faceta do corolário da supremacia do interesse público sobre o interessedo
particular, no Direito Tributário. O Estado tributa com vistas a auferir receitas, e assim a
supremacia do interesse público consubstancia o princípio da fiscalidade; quando se apreciam
objetivos outros, que se afastam da pura arrecadação, apresenta-se a extrafiscalidade.
Assim sendo, a extrafiscalidade tributária é instrumento que caminha lado a
lado com as políticas públicas estatais, na razão em que a mesma se concretiza como a ação
do Estado sobre o domínio econômico,[29] vale dizer, no campo da atividade econômica,
enquanto regulador desta atividade. Nesse sentido, altera-se o conceito de justiça fiscal, na
medida em que não se leva em consideração somente a capacidade econômica do
contribuinte. Isso, de certa forma, demanda uma mudança na postura do legislador, o que
pressupõem um conhecimento das possibilidades de intervenção de que se pode cogitar e o
desiderato de fazer uso desses instrumentos, pois a extrafiscalidade não se coaduna com
desídia governamental. Para isso, a tributação deve ser pensada em consonância com o
desenvolvimento sustentável, enquanto aspiração da sociedade contemporânea. É nesse
sentido que se pronuncia Falcão: [30]
Ficou visto, pelo conceito que albergamos antes, que o progresso é apenas
uma marcha para frente. Essa marcha pode ou não reverter em benefício da sociedade como
um todo, ou, pelo menos, em sua parcela nitidamente majoritária. Desenvolvimento, por sua
vez, envolve conceito cúbico, e não somente linear, isto é, conceito que não se subsume ao de
crescimento, mas se dirige para os anseios da sociedade, uma vez que assume as diversas
dimensões e direções. Seus efeitos plenificam o espaço social e é isso que auguramos
aconteça com manejo da extrafiscalidade.
Como aqui já foi frisado, o direito tributário tem como um dos mais relevantes
papéis, o de implementar políticas públicas através da ação coordenada da intervenção estatal
na atividade econômica. Destarte, o direto tributário deixou de ser mero aparelho para angariar
receitas, para se tornar instrumento de transformação da sociedade.
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No que concerne ao meio ambiente, a possibilidade de utilizar o tributo como
instrumento para sua conservação está intrinsecamente ligado a aplicação da extrafiscalidade
tributária, enquanto orientação econômica dirigida pelo Estado através de estímulo ou
desestímulo da atividade econômica. A finalidade do caráter extrafiscal do tributo na proteção
ambiental propõem que o intervencionismo fiscal seja utilizado como instrumento eficiente na
reeducação socioambiental.
Ao tratar da inerente relação entre meio ambiente e direito tributário, assim se
pronuncia Ribas: [31]
O direito ambiental transpassa diferentes áreas jurídicas, que se devem levar
em conta princípios de natureza ambiental, por isso chamado de horizontal e também de
integração, uma vez que se penetra em todos os setores do direito, para neles introduzir a idéia
ambiental. A tributação atua basicamente sobre fatores econômicos, que têm que estar de
acordo com princípios estabelecidos no direito ambiental. A atividade legislativa deve
implementar os instrumentos jurídicos e, entre eles, os tributários são de extremar relevância e
eficácia, pois se revelam hábeis à proteção do ambiente.
Com efeito, medidas fiscais, como se tem tentado demonstrar, são eficazes
instrumentos jurídico-constitucionais para a consecução das finalidades econômicas, sociais e
ambientais constitucionalmente colimadas. Os instrumentos tributários podem intervir na
realidade sócio-econômica para alcançar referido objetivo constitucional. Para isso o legislador
tem a possibilidade de configurar juridicamente o tributo de modo que o mesmo obtenha os fins
fiscais e extrafiscais. [32]
As benesses da utilização dos tributos para fins ambientais consistem no fato
de que aqueles, no primeiro momento, estimulam o comportamento individual que se direciona
a uma postura ambientalmente correta e, justamente porque interfere nas suas finanças, estes
optam por abstrair comportamentos danosos ao meio ambiente. Ao revés, a efetivação de uma
rede de tributos ambientais não exige grandes mudanças na infra-estrutura e aparelhagem
estatal de fiscalização dos tributos.
Portanto, a proeminência dos fins extrafiscais ou regulatórios no emprego dos
tributos se constitui um relevante instrumento para a conservação ambiental. Aliás, pode-se
argumentar que a existência de normas que viabilizem um equilíbrio ecológico encontram nas
normas tributárias de natureza extrafiscal a possibilidade de consolidarem o desenvolvimento
sustentável e a melhoria da qualidade de vida.
Conclusão
Por meio da interpretação sistemática de nossa Constituição da República, não
se pode olvidar a concretude do uso do direito tributário para a obtenção do desenvolvimento
sustentável, no esteio de que o mesmo cumpre um novo papel, diverso do tradicional, de
instrumento de estabilidade social. Além disso, ele deve ser utilizado como ferramenta para
consecução dos fins colimados pelo Estado.
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Nessa perspectiva, acredita-se que o direito tributário desempenha um novo
papel, diverso do tradicional, de ferramenta de consecução de políticas públicas que
contemplem a preservação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado como
componente da própria dignidade da pessoa humana.
Assim, recentemente foi introduzida a denominação "tributação ambiental" para
designar a importante doutrina que identifica a intrínseca relação entre política tributária e
preservação do meio ambiente, de forma a direcionar às ações daquelas, tendo em vista
realização desta.
A tributação ambiental, dessa forma, consiste no direcionamento de
instrumentos tributários visando à obtenção de receitas necessárias para a realização de
políticas públicas ambientalmente relevantes, bem assim para promover ações de
conscientização da importância de hábitos de preservação ecológica por parte da população.
Destarte, a proteção fiscal do meio ambiente tem se revelado um dos mais
importantes instrumentos de política pública ambiental. Essa ferramenta detém inúmeras
vantagens técnicas frente a outras medidas, haja vista que apresenta características,
principalmente quanto a seu caráter político, que exige uma aplicação não só do ponto de vista
técnico, como também de um ponto de vista ético.
Referências
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de Pedro M. Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002.
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tributária e ambiental – os limites dos chamados "tributos ambientais". In: TÔRRES, Heleno
Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. (p. 96 – 156).
Notas
Transformações essas que ameaçam as espécies de vida, como: aquecimento
global, chuvas ácidas, desertificação progressiva, terras inférteis para produção agrícola,
aumento da mortalidade infantil, além das conhecidas tragédias de Tchernobil, Bhopal, Cidade
do México, Rio Reno, Nova Orleães (Furacão Katrina), as tempestades em Santa Catarina e as
enchentes no Nordeste.
Importante frisar que o conceito de meio ambiente aqui adotado não se
restringe ao meio ambiente natural (ar, água, terra etc), mas considera o conjunto de
elementos que dão suporte à existência humana, albergados pela influência dos
relacionamentos entres os homens, sua qualidade de vida e seu pleno desenvolvimento.
MUÑOZ, José Manuel Rodríguez. La alternativa fiscal verde. 1. ed. Valladolid:
Lex Nova, 2004.
DERANI, Cristiane. Aplicação dos Princípios do Direito Ambiental para o
Desenvolvimento Sustentável. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental.
São Paulo: Malheiros, 2005, p. 641-642.
A crise econômica mundial é uma comprovação cabal dessa assertiva.
DERANI, Cristiane., op. cit., 2005, p. 643.
MUÑOZ, José Manuel Rodríguez., op. cit., 2004.
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 63-64.
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad,
1997.
A expressão é de Eros Roberto Grau. A ordem econômica na constituição de
1988. São Paulo: Malheiros, 2007.
GRAU, Eros Roberto. ibid., 2007, p.19. (grifo original)
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TIPKE, Klaus. Moral tributaria del estado y de los contribuyentes. Tradução de
Pedro M. Herrera Molina. Madrid: Marcial Pons, 2002, p.27.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV
- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único.
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I -
construir uma sociedade livre, justa e solidária; II- garantir o desenvolvimento nacional; III -
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV -
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios.
DERANI, Cristiane., op. cit., 1997.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3 ed. São Paulo:
Lejus, 2002, p.587.
GARCÍA, Aurelio de Prada. Justicia y protección fiscal del medio ambiente. In:
STERLING, Ana Yábar (Org.). Fiscalidad ambiental. 1.ed. Barcelona: Cedecs, 1998., p.245.
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
MOLINA, Pedro Manuel Herrera; VASCO, Domingo Carbajo. Marco
Conceptual, constitucional y comunitario de la fiscalidad ecológica. In: TÔRRES, Heleno
Taveira (Org.). Direito tributário ambiental. São Paulo: Malheiros, 2005. p.157– 234.
TÔRRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais
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COSTA, Regina Helena. Apontamentos sobre a Tributação Ambiental no Brasil.
In: TÔRRES, Heleno Taveira (Org.). Direito tributário ambiental.São Paulo: Malheiros, 2005., p.
313.
Ver, a propósito dos mais diversos instrumentos tributários para a conservação
ambiental: TÔRRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais tributária
e ambiental – os limites dos chamados "tributos ambientais". In: TÔRRES, Heleno Taveira
(Org.)., op. cit., 2005., p. 96 – 156. COSTA, Regina Helena. Apontamentos sobre a Tributação
Ambiental no Brasil. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Org.)., op. cit., 2005., p. 312 – 332. MUÑOZ,
José Manuel Rodríguez., op. cit., 2004. MOLINA, Pedro Manuel Herrera; VASCO, Domingo
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Carbajo. Marco Conceptual, constitucional y comunitario de la fiscalidad ecológica. In:
TÔRRES, Heleno Taveira (Org.)., op. cit., 2005., p.157– 234. OLIVEIRA, José Marcos
Domingues de. Direito tributário e meio ambiente. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante; ALMEIDA, Gilson César Borges de. Tributação
ambiental: uma contribuição ao desenvolvimento sustentável. In: TÔRRES, Heleno Taveira
(Org.)., op. cit., 2005., p. 624 – 640. MORO, Cristobal J. Borrero. La tributación ambiental en
España. Madrid: Tecnos, 1999.
TÔRRES, Heleno Taveira. Da relação entre competências constitucionais
tributária e ambiental – os limites dos chamados "tributos ambientais". In: TÔRRES, Heleno
Taveira (Org.)., op. cit., 2005., p. 96 – 156.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva,
1993.
É bem verdade que esse objetivo tem cunho eminentemente político, vale
dizer, o legislador, enquanto artífice do caráter definidor do tributo, deve concretizar a
extrafiscalidade tributária e buscar influenciar comportamentos humanos através da alteração
do sistema de tributos no que concerne às alíquotas, à base de cálculo, à outorga de isenções
ou mesmo à alteração dos critérios definidores da repartição das receitas tributárias.
BECKER, Alfredo Augusto., op. cit., 2002, p.597.
BALEEIRO, Aliomar; CAMPOS, Dejalma de (atualizador). Uma introdução à
ciência das finanças. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.30.
AIZEGA, José Mari. La imposición ecológica dentro de la tributación extrafiscal.
In: STERLING, Ana Yábar (Org.). Fiscalidad ambiental. 1.ed. Barcelona: Cedecs, 1998. p. 327
– 332.
GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo
Horizonte: Del Rey, 2006, p.43.
Sobre as formas de intervenção do Estado no e sobre o sobre o domínio
econômico ver GRAU, Eros Roberto., op. cit., 2007, p.148-149.
FALCÃO, Raimundo Bezerra. Tributação e mudança social. Rio de Janeiro:
Forense, 1981, p.79-80.
RIBAS, Lídia Maria Lopes Rodrigues. Defesa ambiental: utilização de
instrumentos tributários. In: TÔRRES, Heleno Taveira (Org.)., op. cit., 2005. (p.675 – 723),
p.684-685.
MORO, Cristobal J. Borrero., op. cit., 1999.
Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/13052/a-tributacao-ambiental-como-instrumento-de-
defesa-do-meio-ambiente/2#ixzz1xRAbwi8g
VIII EXAME DE ORDEM UNIFICADO Coordenação Pedagógica OAB
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INDISPONIBILIDADE DOS BENS PÚBLICOS
ARTIGO 22
A Transação como Forma Alternativa de Solução de Conflito em Matéria
Tributária
SUMÁRIO : 1 Introdução; 2 Do Instituto da Transação;3 O Instituto da
Transação no Direito Tributário; 4 Projeto de Lei de Transação em Matéria Tributária; 5 A
Transação Tributária e os Princípios Constitucionais; 5.1 Princípio da Legalidade; 5.2 Princípio
da Impessoalidade; 5.3 Princípio da Moralidade Administrativa;5.4 Princípio da Eficiência
Administrativa; 5.5 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público; 6 Considerações Finais;
7 Referências.
1 Introdução
A dívida tributária inscrita em favor da União ultrapassava a cifra de R$ 900
bilhões de reais, sendo que desse total, boa parte é irrecuperável. E isto tem com causa
principal o modelo atual de cobrança da dívida tributária adotado pelo Brasil, o qual tem se
mostrado ineficiente e desacreditado perante a sociedade brasileira.
Tentando mudar essa realidade, o Poder Executivo encaminhou um projeto de
lei ao Congresso Nacional que tem por objetivo aplicar o instituto da transação na cobrança da
dívida tributária. Nesse viés, o instituto da transação aplicado no direito tributário visa a diminuir
consideravelmente a litigiosidade entre os contribuintes e a Fazenda Pública, além de
viabilizar, a médio prazo, um aumento da arrecadação tributária, que retornará a sociedade
brasileira na forma de políticas públicas. Diante dessa sucinta introdução, esclareça-se que a
empreitada aqui proposta consiste em analisar o instituto da transação e a sua aplicação na
cobrança do crédito tributário; o anteprojeto de lei geral de transação em matéria tributária;
bem como a aplicação dos princípios constitucionais nas questões de transação tributária.
2 Do Instituto da Transação
O art. 1.025 do Código Civil Brasileiro de 1916 preceituava que: “É lícito aos
interessados prevenirem, ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas”. Esta redação
foi mantida pela o art. 840 Código Civil Brasileiro de 2002.
Sob tal enfoque, pode-se definir o instituto da transação como o contrato,
acordo ou ajuste pelo qual as partes, fazendo concessões mútuas, declarando ou
reconhecendo direitos, ou estabelecendo novas obrigações, previnem ou extinguem
obrigações litigiosas ou duvidosas. O tributarista Hugo de Brito Machado preleciona que: “No
sentido jurídico restrito, a palavra transação reflete mais adequadamente a sua origem, posto
que ela deriva do latim, de transactio , resultando da ação expressa pelo verbo transigere , que
quer dizer transigir, albergando, portanto a idéia de renúncia”. (1)
Nesse mesmo sentido se manifesta o civilista Clóvis Beviláqua, ao definir a
transação como sendo “um ato jurídico, pelo qual as partes, fazendo-se concessões
recíprocas, extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas”. (2) Questão tormentosa que divide a
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doutrina é quanto à natureza jurídica do instituto da transação. Atualmente existem dois
entendimentos: a primeira corrente entende que a transação tem natureza jurídica contratual; e
a segunda corrente defende a ideia de que a transação tem natureza jurídica de uma das
modalidades de extinção da obrigação. Inobstante, prevalece o entendimento de que a
transação tem natureza jurídica de contrato, haja vista tratar-se de um ato jurídico bilateral. Por
oportuno, cabe esclarecer que, anteriormente, pelo Código Civil de 1916, a transação tinha
natureza jurídica de meio de extinção da obrigação (3). Assim, foi somente com a entrada em
vigor da Lei nº 10.406/2002 (novo Código Civil Brasileiro) que passou a prevalecer o
entendimento de que a transação tem natureza jurídica de contrato (4).
Nessa perspectiva, cumpre trazer à baila os ensinamentos de Pontes de
Miranda, para quem, o instituto da transação é um: “Negócio jurídico bilateral, em que duas ou
mais pessoas acordam em concessões recíprocas, como o propósito de pôr termo à
controvérsia sobre determinada ou determinadas relações jurídicas, seu conteúdo, extensão,
validade ou eficácia”. (5) Assim, pode-se dizer que o instituto da transação tem natureza
jurídica de contrato, bem como as seguintes características: (i) acordo entre as partes; (ii)
intenção de por fim a um litígio existente; e (iii) a existência de concessões mútuas pelas partes
envolvidas. É um acordo de vontade entre as partes por se tratar de um negócio jurídico
bilateral. Ou seja, a transação se constitui em um pacto firmado pelas partes conflitantes, as
quais divergem com relação à obrigação existentes entre si. A transação deve ter por objetivo
por fim a um litígio existente em as partes. Conforme assevera Manoel Ignácio Carvalho de
Mendonça, a transação não tem por finalidade criar qualquer tipo de obrigação, nem a de
substituir ou tomar o lugar de uma que se extingue, mas sim, extinguir uma obrigação
existente. (6) É necessária a existência de concessões recíprocas para que seja possível
aplicar-se o instituto da transação. Assim, as partes envolvidas no conflito devem ceder parte
dos seus direitos para que haja de fato uma transação. Caso contrário, não estaríamos diante
de uma transação, mas sim, de uma doação, de dação em pagamento ou de remissão,
conforme o caso. Entretanto, há que se esclarecer que para existência da transação não é
necessário que as concessões apresentadas pelos envolvidos sejam iguais ou equivalentes.
Com esse mesmo entendimento, manifesta-se Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça, quando
afirma que: As concessões recíprocas das partes não implicam proporcionalidade no dado,
retido, ou prometido. Ellas podem consistir em satisfazer-se em parte a razão do litigio ou
duvida, ou renuncial-a; reconhecel-a em parte e noutra não; em renuncial-a ou satisfazel-a in
totum uma vez que haja reciprocidade. Ordinariamente, si não sempre, as concessões contêm
renuncia, desistencia de direitos, córtes em pretenções, como meios de poderem as partes
chegar a um acordo. Si tal renuncia não tem o carater de reciprocidade, ou ha doação, ou ha
remissão de divida; nunca, porém, transação. Renuncia sem recompensa não é transacção; é
liberdade.
Noutras palavras, a reciprocidade não é apenas a presença de suas
concessões contrapostas. Deve-se ter presente em mente que uma é causa da outra e vice-
versa. Todavia, essa reciprocidade, de acordo com a lição de Manoel Ignácio Carvalho de
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Mendonça, não implica, necessariamente, em proporcionalidade. Por fim, cumpre registrar que
o instituo da transação na cria novo direito e nem declara ou reconhece os direitos pré-
existentes. Ademais, depende de forma pré-estabelecida para ter eficácia e validade, bem
como pode ser realizada através de escritura pública ou por termo nos autos de um processo
judicial e somente pode tratar de direitos patrimoniais (7).
3 O Instituto da Transação no Direito Tributário
A transação é um instituto eminentemente do Direito Privado. Internamente é
tratada no âmbito no Direito Civil, mais precisamente no art. 840 e seguintes do Código Civil
Brasileiro de 2002. Todavia, o instituto da transação também tem previsão legal no Direito
Público, tipificado no Código Tributário Nacional como uma das causas extintivas do crédito
tributário.
O art. 156, inciso III, do Código Tributário Nacional dispõe que a transação
extingue o crédito tributário. Mais adiante, o art. 171 do Código Tributário Nacional estabelece
que: “A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da
obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em
determinação de litígio e conseqüentemente extinção do crédito tributário”. E mais, no seu
parágrafo único assevera que: “A lei indicará a autoridade competente para autorizar a
transação em cada caso”. De acordo com Carlos Valder do Nascimento: O vocábulo transação
é tomado aqui na acepção jurídica pelo Código Tributário Nacional. Portanto, não é empregado
no sentido vulgar a caracterizar negócio de qualquer natureza. É sempre acionado com o
objetivo de prevenir ou terminar litígios mediante concessões recíprocas entre os sujeitos da
relação jurídica tributária. (8)
Na esteira desse raciocínio, cabe citar a posição do jurista Yoshiaki Ichihara, o
qual leciona que a finalidade da transação é facilitar a extinção do crédito tributário. O que,
segundo ele, pode vulgarmente ser chamado de “acordo”. Nesta conjuntura, pode-se dizer que
a transação tributária prevista no Código Tributário Nacional tem as seguintes características:
(i) existência de lei autorizativa; (ii) condições estabelecidas na lei; (iii) existência de
concessões mútuas entre os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária; (iv) terminação ou
fim do litígio; (v) extinção do crédito tributário; e (vi) indicação pela lei da autoridade
competente para autorizar a transação. Em primeiro lugar, a transação tributária somente
poderá ser efetivada caso exista lei autorizativa (9). Deveras, o instituto da transação tributária
se submete ao subprincípio da reserva da lei tributária (art. 97 do CTN), consectário do
princípio da legalidade, que decorre do valor supraconstitucional da "segurança jurídica".
Sob tal enfoque, o Procurador da Fazenda Nacional Aldemiro Araújo Castro
exarou parecer quanto à necessidade de lei especifica que autorize a realização de transação
tributária pela Fazenda Pública, nos seguintes termos: A lei da entidade tributante, autorizadora
da transação, e não a simples previsão genérica do CTN, é considerada pacificamente pela
doutrina e jurisprudência como condição inafastável de validade dos acordos realizados. A
própria indisponibilidade do interesse público pelo administrador, viga-mestra do direito
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administrativo, corrobora a necessidade da lei especificada. (10) Com esse mesmo
entendimento, manifesta-se Paulo de Barros Carvalho, ao versar sobre o instituto da transação
em matéria tributária, quando afirma que: "O princípio da indisponibilidade dos bens públicos
impõe seja necessária previsão normativa para que a autoridade competente possa entrar no
regime de concessões mútuas, que é da essência da transação”. (11)
De outra parte, a doutrina encontra-se divida quanto à necessidade de ser a lei
autorizativa: a) lei complementar; ou b) lei ordinária. Os críticos do projeto de lei de transação
tributária defendem a tese de que a lei autorizativa deve ser veiculada através de lei
complementar e não por meio de lei ordinária. Asseveram que para dispor sobre normas gerais
em matéria de legislação tributária, faz-se necessário, fazê-la através de lei complementar, nos
termos do art. 146, inciso III, da Constituição Federal.
Lado outro existe aqueles que defendem a tese de que esta lei pode ser tanto
ordinária quanto complementar. Contudo, sentenciam que existe a obrigatoriedade de edição
desta lei autorizativa, haja vista a indisponibilidade do crédito tributário para o agente público.
Ou seja, a validade da transação tributária fica na dependência de autorização legislativa, haja
vista que a Administração Pública somente pode fazer aquilo que a lei permite, nada mais. Em
segundo lugar, as condições para a realização da transação tributária devem ser estabelecidas
em lei. Nesse sentido se manifestou o renomado tributarista Aliomar Baleeiro, pontificando que:
“A autoridade só pode celebrá-la, com relativo discricionarismo administrativo, na apreciação
das condições, conveniências e oportunidades que a lei lho faculta e dentro dos limites e
requisitos por ela fixados”. (12) Em terceiro lugar, a transação requer a existência de
concessões mútuas entre os sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária. Noutras palavras,
o contribuinte desiste de discutir administrativamente ou judicialmente o débito tributário e se
dispõe a pagá-lo nas condições e termos propostos pela Fazenda Pública. Lado outro, o
Estado renuncia parcialmente ao direito de receber seus créditos na integralidade.
Em quarto lugar, a transação tributária deve terminar ou por fim ao litígio.
Nesse sentido, vale destacar que a transação tributária somente é admitida para por fim ao
litígio, diferente do que acontece no âmbito do direito privado, onde pode ocorrer transação
preventiva ou extintiva do litígio. Nesse sentido se manifesta o insigne tributarista Paulo de
Barros Carvalho, aduzindo que: “Ao contrário do que sucede no direito civil, em que a
transação tanto previne como termina o litígio, nos quadrantes do direito tributário só se admite
a transação terminativa. Há de existir litígio para que as partes, compondo seus mútuos
interesses, transijam”. (13) Em quinto lugar, a transação tributária importa sempre a extinção do
crédito tributário. Conforme enfatiza Ricardo Lobo Torres, o requisito essencial da transação
tributária é a existência de direitos duvidosos ou relações jurídicas subjetivamente incertas,
revelando-se necessária a reciprocidade de concessões para se pôr fim à controvérsia e
consequentemente extinguir o crédito tributário. (14) Por último, tem-se que caberá a lei dizer
qual autoridade será competente para autorizar a transação tributária. Isso se faz necessário
tendo em vista que a Administração Pública deve se pautar em suas relações pelos princípios
da indisponibilidade e supremacia do interesse público. Nessa perspectiva, ilustrativas são as
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palavras de José Jayme de Macedo Oliveira ao dispor que a transação tributária é hipótese
especialíssima, tanto é assim que a lei tem que indicar a autoridade competente para firmá-la.
(15)
Em suma, pode-se dizer que a transação tributária é um dos meios existentes
para extinção do crédito tributário. Isto é, trata-se de um acordo de vontades entre as partes
envolvidas, permitido somente através de lei, no qual a Fazenda Pública credora e o devedor
realizam concessões mútuas com a finalidade de terminarem o litígio.
4 Projeto de Lei de Transação em Matéria Tributária
No dia 20 de abril de 2009, o Poder Executivo Federal enviou à Câmara dos
Deputados projeto de Lei que trata da Lei Geral de Transação Tributária, autuado sob o nº
5.082/2009.
Segundo o Governo Federal, este instrumento constituirá uma nova forma de
relação entre a administração tributária e os contribuintes, por meio de uma aplicação mais
homogênea da legislação tributária e o entendimento direto entre as partes.
Além disso, este instrumento viabilizará uma execução mais rápida, eficaz e
eficiente do crédito tributário, em cujas fases administrativa e judicial, consomem-se, em média
16 (dezesseis) anos.
Assim, a aplicação do instituto da transação em matéria tributária tem por
finalidade possibilitar a terminação de litígios e otimizar a arrecadação de tributos e
consequentemente extinguir o crédito tributário ainda na fase administrativa.
O projeto de lei de transação em matéria tributária prevê as seguintes
modalidades: (i) transação administrativa; (ii) conciliação em processo judicial; (iii) transação
judicial no caso de insolvência tributária; (iv) transação por recuperação tributária; (v) transação
por adesão; e (vi) termo de prevenção de conflitos tributários.
Aqueles que defendem a posição de perfeitamente legal e constitucional a
aplicação do instituto da transação em matéria tributária sustentam que:
a) O projeto de lei de transação tributária tem previsão autorizativa no Código
Tributário Nacional, bem como vai ao encontro do princípio constitucional a eficiência da
Administração Pública, no qual se inclui a administração tributária. (16)
b) O instituto da transação em matéria tributária propicia maior “maleabilidade”
ou confere certa discricionariedade à Administração Pública para compor ou solucionar
conflitos e possibilita maior eficácia no que pertine à satisfação do crédito tributário,
respeitando sempre o interesse público. (17)
c) A celebração da transação tributária, na esfera judicial ou extrajudicial, é
melhor do que a rigidez de uma decisão judicial, que muitas vezes não reflete a melhor técnica
tributária ou é imprecisa, ou quando vem a ser prolatada a prestação jurisdicional, não é mais
eficaz ou de difícil execução. (18)
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d) A morosidade na resolução dos litígios tributários produz graves distorções
nos mercados, sendo profundamente danoso para a livre concorrência. As sociedades
empresárias que honram pontualmente suas obrigações fiscais vêem-se, muitas vezes, na
contingência de concorrer com outras que protraem no tempo o pagamento de tributos, por
meio de discussões administrativas e judiciais meramente protelatórias. (19)
De outra parte, tem-se uma corrente contrária a aplicação do instituto da
transação em matéria tributária que é capitaneada pelo Unifisco (20). Estes sustentam que o
instituto da transação aplicada em matéria tributária ofende os princípios da supremacia e da
indisponibilidade do interesse publico, da eficiência administrativa, da segurança jurídica, da
impessoalidade e da discricionariedade.
Inclusive, houve solicitação de parecer por parte da Unifisco aos tributaristas
Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo (21) a respeito dos projetos de leis
ordinária e complementar que tratam da transação em matéria tributária. Por oportuno, segue
abaixo as perguntas e respostas fornecidas pelos paraceristas:
1ª Pergunta – A ampliação do instituto da transação em matéria tributária é
compatível com os ditames do art. 37 da Constituição Federal, especialmente com o primado
da impessoalidade?
Resposta: Não. A ampliação do instituto da transação confere à Administração
poder discricionário que lhe permitirá tratar o contribuinte em razão de circunstâncias pessoais,
o que está expressamente vedado.
2ª Pergunta – O instituto da transação tributária é compatível com a definição
legal de tributo, albergada pelo art. 3º do Código Tributário Nacional, especialmente no que
esse dispositivo estabelece que o tributo é cobrado mediante atividade administrativa
plenamente vinculada?
Resposta: Evidentemente não. Com o instituto da transação tributária, como
está nos projetos em exame neste parecer, a autoridade administrativa poderá agir com
“maleabilidade”. O Tributo deixará de ser cobrado mediante atividade administrativa
plenamente vinculada e a discricionariedade conferida à Administração Tributária, além de ser
contrária ao princípio da legalidade, dá espaço para a prática de corrupção que agride o
interesse público. Essa “maleabilidade”, ainda que não seja utilizada para a prática de
corrupção, poderá transformar o tributo em instrumento político, com a redução de ônus em
troca de apoio ao governo.
3ª Pergunta – O instituto da transação tributária ofende ao primado da
indisponibilidade do interesse público?
Resposta: Sim. O interesse público não se confunde com interesse do
governante, nem com o próprio interesse da Administração Tributária. Aliás, o mais legítimo
interesse público consiste precisamente na obediência à lei como instrumento da harmonia
social e da segurança jurídica.
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4ª Pergunta – O Projeto de Lei Complementar nº 469/09, que altera o Código
Tributário Nacional para ampliar o âmbito da transação em matéria tributária, é compatível com
os princípios constitucionais, em especial com o princípio da isonomia?
Resposta: Não. A ampliação do âmbito da transação em matéria tributária é
flagrantemente incompatível com o princípio da legalidade e na prática poderá implicar graves
lesões ao princípio da isonomia, porque a “maleabilidade” a que se referem os defensores
dessa ampliação permitirá à Administração Tributária tratar os contribuintes desigualmente, em
razão de conveniências do momento, vale dizer, transformando o tributo em verdadeiro
instrumento político.
5ª Pergunta – O Projeto de Lei nº 5.082/09, que institui a denominada Lei Geral
de Transações fere os princípios constitucionais, em especial o princípio da isonomia?
Resposta: Sim. A transação, por sua própria natureza, envolve concessões de
ambas as partes na relação jurídica obrigacional. Qualquer concessão que a Fazenda Pública
venha a fazer estará concedendo ao contribuinte em favor do qual transige, um tratamento
diferenciado, quer dizer, tratamento desigual.
Noutro giro, o Procurador da Fazenda Nacional Arnaldo Sampaio de Morais
Godoy rebate as críticas ao Projeto de Lei de Transação em Matéria Tributária aduzindo que:
(...) O acompanhamento das manifestações dos críticos do projeto pode revelar que há quatro
fantasmas quer ondam as discussões sobre o referido projeto de transação. Refiro-me,
explicitamente, à escravidão para com o passado, à falta de imaginação institucional, a uma
certa monoglossia crônica, bem como a uma cultura patologicamente macunaímica, que tem
como a idéia de que seríamos sistematicamente corruptos. (...)
A falta de imaginação institucional do alegre coro avança a ponto de que se
esqueça que transação é circunstância já prevista no Código Tributário Nacional. Refiro-me ao
art. 171, que dispõe que a lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e
passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, implique
em término do litígio e consequente extinção do crédito tributário. É dessa lei que o projeto
trata. Como diria Gilberto Amado, é difícil achar um brasileiro capaz de ligar causa e efeito. É
essa falta de imaginação institucional que nos mantém prisioneiros de um custo de
aquiescência que consome energias empresariais, que Roberto Campos diria gastas na
engenharia da evasão. A transação tributária poderia acenar com a possibilidade de que
discussões entre fisco e contribuinte fossem estancadas na própria administração. Poderia se
evitar a judicialização. Poderia haver um maior diálogo entre o fisco e o contribuinte. Dessa
angústia já compartilhava Rubens Gomes de Sousa, que em carta a Aliomar Baleeiro, datada
de 25 de setembro de 1944, já colocava a sobrecarga do judiciário na ordem do dia. A adeão
principiológica do modelo de transação à veracidade, lealdade, boa-fé, confiança, colaboração
e celeridade é fundamento pragmático que formata um escudo que nos defende contra aqueles
para quem princípios são guarda-roupas nos quais cabem todas as fantasias.
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A transação, em princípio, repele qualquer negociação do montante do tributo
devido. Bem entendido, a transação poderá dispor somente sobre multas, de mora e de ofício,
juros de mora, encargos de sucumbência e demais encargos de natureza pecuniária, bem
como valores oferecidos em garantia. A transação é modelo conhecido na Espanha
(reclamaciones economico-administrativas), na Itália (accertamento con adesione, que substitui
o concordato tributario), na Alemanha, onde a Tatsächliche Verständigung suscita acordo sobre
os fatos. Nos Estados Unidos da América há os acordos conclusivos (close agreements) e as
promessas de compromisso (offerts in compromise). Como observou José Casalta Nabais, “(...)
os países mais progressivos, com o estado de direito estabilizado há centenas ou várias
dezenas de anos, solucionam a maior parte dos litígios, incluindo os que surgem no agitado
domínio do direito dos impostos, em sede administrativa (lato sensu)”.
O projeto de transação ameaçaria eventual e imaginário advogado de plantão
que poderia ganhar a vida na exploração da miríade de alternativas que a litigância oferece.
Reporto-me ao filoxera social, na deliciosa imagem de Monteiro Lobato. O projeto de
transação, no entanto, quebra o tédio das discussões analíticas, entoadas por oradores que se
disfarçam de lógicos, e que esquecem que o direito é menos lógica do que experiência, e que
vivem no frustrante debate entre os limites da lei complementar e da lei ordinária. Faz
exatamente 20 anos que não passam disso. É hora de mudar. O projeto de transação inova,
avança, desafia, instiga. É talvez por isso que assusta. E é justamente por isso que revela
nossos medos, angústias e fraquezas. E que nos torna tão agressivos em momento que exige
esforço único para o fortalecimento das instituições democráticas, centradas no diálogo e na
confiança. (22)
Em suma, a possibilidade de aplicação do instituto da transação em matéria
tributária vem trazendo debates acalorados, e isso é bom, haja vista que aprimora o projeto de
lei ou em caso extremo pode resultar em sua rejeição. Inobstante, registre-se que o próprio fato
de desafogamento do Poder Judiciário já justificaria os estudos a respeito da aplicação do
instituto da transação em matéria tributária. Cabe Lembrar que justiça tardia não passa de
“arrematada injustiça”, nas palavras de Ruy Barbosa.
5 A Transação Tributária e os Princípios Constitucionais
Nesse momento cumpre analisar o projeto de Lei Geral de Transação
Tributária em face dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e
eficiência previstos expressamente no art. 37 da Constituição Federal e aplicados à
Administração Tributária.
5.1 Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei, sendo a expressão máxima do Estado Democrático
de Direito, bem como garantia de que a sociedade não está presa à vontade particular
daqueles que a governam, mas somente das leis.
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Sob tal enfoque, Hely Lopes Meirelles assevera que: “Na Administração Pública não há
liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que
a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”. (23)
O administrador público é mero executor da Lei. Esta é ato normativo genérico,
impessoal, abstrato, e o administrador a transforma em atos administrativos concretos,
materiais.
Nesse sentido, o art. 171 do Código Tributário Nacional estabelece que: “A lei
pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação
tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de
litígio e conseqüentemente extinção do crédito tributário”.
Assim, num primeiro momento não presenciamos qualquer ofensa ao princípio
constitucional da legalidade pelo fato da aplicação do instituto da transação em matéria
tributária, haja vista que, o projeto de lei pretende dar efetividade ao que está previsto no art.
171 do CTN.
5.2 Princípio da Impessoalidade
O princípio da impessoalidade possui duas conotações, quais sejam: a primeira
que decorre do princípio a igualdade ou isonomia; e o a segunda que decorre da própria
atuação da Administração Pública.
Numa primeira leitura deste princípio, requer-se que no desempenho das
funções públicas o tratamento seja indistinto entre todos os administrados. Noutro giro, a
segunda leitura do princípio da impessoalidade assevera que não é a pessoa do administrador
que atua, mas sim o próprio Estado.
Nesse viés, o princípio da impessoalidade visa à neutralidade e a objetividade
das atividades administrativas no regime político, que tem como objetivo principal o interesse
público. Este princípio traz consigo a ausência de marcas pessoais e particulares
correspondentes ao administrador que esteja no exercício da atividade administrativa.
A pessoa política é o Estado, e as pessoas que compõem a Administração
Pública exercem suas atividades voltadas ao interesse público e não pessoal. O princípio da
impessoalidade proíbe o subjetivismo.
Celso Antônio Bandeira de Mello discorre sobre o princípio da impessoalidade
nos seguintes termos:
Nele se traduz a idéia de que Administração tem que tratar a todos os
administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem
perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não
podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou
grupos de qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da
igualdade ou isonomia. (24)
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Portanto, conclui-se que na aplicação do instituto da transação em matéria
tributária deve o administrador público estrita obediência ao princípio constitucional da
impessoalidade.
5.3 Princípio da Moralidade Administrativa
O princípio da moralidade assevera que o administrador público tem que ter um
comportamento ético e jurídico adequado. Este princípio esta associado à honestidade. Veda
condutas eticamente inaceitáveis e transgressoras do senso moral da sociedade, a ponto de
não comportarem condescendência.
A moralidade administrativa abrange padrões objetivos de condutas exigíveis
do administrador público, independentemente, da legalidade e das efetivas intenções dos
agentes públicos.
Neste sentido, cabe trazer à baila decisão do Supremo Tribunal Federal
proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 2.661, conforme transcrição abaixo:
A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência,
está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético jurídicos que se refletem
na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado
fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma
pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio
constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal,
legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores
éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (25)
Assim, a moralidade administrativa compreende o tipo de comportamento que
os administrados esperam da administração pública para a consecução de fins de interesse
coletivo, segundo uma comunidade moral de valores.
Conclui-se que a moralidade, sendo princípio constitucional, envolve juízo tanto
de legalidade formal quanto de legitimidade formulado com base na tábua de valores
socialmente vigentes, ao que deve estar atento o agente administrativo no exercício de sua
atividade, inclusive, os agentes públicos responsáveis pela aplicação do instituto da transação
em matéria tributária.
5.4 Princípio da Eficiência Administrativa
O princípio da eficiência estabelece que toda ação administrativa tem que ser
de bom atendimento, rapidez, urbanidade, segurança, transparente, neutro e sem burocracia,
sempre visando a qualidade. O contribuinte, que paga a conta da Administração Pública, tem o
direito de que essa administração seja eficiente, ou seja, tem o direito de exigir um retorno
equivalente ao que pagou, sob a forma de tributos.
A Administração Pública deve atender o cidadão na exata medida de sua
necessidade, com agilidade, mediante adequada organização interna e ótimo aproveitamento
dos recursos disponíveis, evitando desperdícios e garantindo uma maior rentabilidade social.
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Conforme lição lapidar de Kildare Gonçalves Carvalho:
O princípio da eficiência foi introduzido pela Emenda Constitucional n° 19/ 98.
Relacionasse com as normas da boa administração no sentido de que a Administração Pública,
em todos os seus setores, deve concretizar suas atividades com vistas a extrair o maior
número possível de efeitos positivos ao administrado, sopesando a relação custo benefício,
buscando a excelência de recursos, enfim, dotando de maior eficácia possível as ações do
Estado. (26)
Consoante a lição da irreparável professora Maria Sylvia Di Pietro, o princípio
da eficiência apresenta dupla necessidade: 1. Relativamente à forma de atuação do agente
público, esperasse o melhor desempenho possível de suas atribuições, a fim de obter os
melhores resultados? 2. Quanto ao modo de organizar, estruturar e disciplinar a Administração
Pública, exigisse que este seja o mais racional possível, no intuito de alcançar melhores
resultados na prestação dos serviços públicos. (27)
Enfim, o princípio da eficiência tem o condão de informar a Administração
Pública, visando aperfeiçoar os serviços e as atividades prestados, buscando otimizar os
resultados e atender o interesse público com maiores índices de adequação, eficácia e
satisfação.
5.5 Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público
Outro princípio de suma importância é o princípio da indisponibilidade dos
interesses públicos pela Administração. Nesse sentido, a indisponibilidade dos interesses
públicos significa que sendo interesses próprios da coletividade, não se encontram à livre
disposição de quem quer que seja, nem mesmo da própria Administração Pública ou de seus
dirigentes máximos. Trata-se de interesses em relação aos quais incumbe apenas curá-los, no
sentido de cuidar de tais interesses.
Este princípio afirma que o administrador não pode dispor livremente do
interesse público, pois não representa seus próprios interesses quando atua, devendo assim
agir segundo os estritos limites impostos pela lei. O Administrador é mero gestor da coisa
pública, não tem disponibilidade sobre os interesses confiados à sua guarda e realização.
Nesta perspectiva, cumpre-nos citar a lição do mestre Celso Antônio Bandeira
de Mello, o qual entende que:
A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses
qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público -, não se encontram à
livre disposição de quem quer que seja por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que
os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-
los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis .
(28)
A aplicação deste princípio traz algumas consequências para Administração
Pública, quais sejam: (i) poderes administrativos (segundo Celso Antônio Bandeira de Mello
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trata-se de um dever-poder); (ii) impossibilidade de renunciar competências atribuídas por lei; e
(iii) inalienabilidade dos direitos concernentes a interesses públicos.
Via de regra, os interesses públicos e os direitos a eles associados são
indisponíveis, de forma que, em geral, não podem ser submetidos à transação. Para que um
interesse público venha a tornar-se disponível é necessária uma manifestação legal neste
sentido, sendo que apenas os interesses públicos secundários (ou derivados) poderão ser
considerados disponíveis. Destacamos, a respeito, o comentário de Diogo de Figueiredo
Moreira Neto:
A indisponibilidade absoluta é a regra, pois os interesses públicos, referidos à
sociedade como um todo, não podem ser negociados senão pelas vias políticas de estrita
previsão constitucional. A indisponibilidade relativa é a exceção, recaindo sobre interesses
públicos derivados, referidos às pessoas jurídicas que os administram e que, por esse motivo,
necessitam de autorização constitucional genérica e, por vezes de autorização legal.
Em outros termos e mais sinteticamente: está-se diante de duas categorias de
interesses públicos, os primários e os secundários (ou derivados), sendo que os primeiros são
indisponíveis e o regime público é indispensável, ao passo que os segundos têm natureza
instrumental, existindo para que os primeiros sejam satisfeitos e resolvem-se em relações
patrimoniais e, por isso, tornaram-se disponíveis na forma da lei, não importando sob que
regime.”
De acordo com a “teoria dos fins” ou “teoria da finalidade pública”,
determinadas atividades da Administração visam à consecução de finalidades primárias do
Estado, enquanto outras atividades são meramente instrumentais para a consecução de
referidas finalidades. Essa teoria fundamenta-se, ainda, na distinção entre “atos de império” e
“atos de gestão”. Segundo o saudoso Hely Lopes Meirelles, os atos de império são aqueles
praticados pela Administração com supremacia sobre as demais partes envolvidas, sendo que
no caso dos atos de gestão a Administração está no mesmo patamar das outras partes.
Os atos de império visam à consecução de finalidades primárias do Estado e,
conseqüentemente, os direitos da Administração a eles relacionados são absolutamente
indisponíveis. Os direitos da Administração decorrentes ou relacionados a atos de gestão, por
sua vez, são relativamente indisponíveis e, portanto, podem se tornar disponíveis via
autorização legal.
É razoável considerar que a autorização legal específica contida no projeto de
lei de transação tributária que disciplinará a aplicação do instituto da transação em matéria
tributária supre a exigência de previsão legal afastando a presunção geral de indisponibilidade
dos interesses da Administração Pública.
6 Considerações Finais
Face ao exposto, podemos concluir que a aplicação do instituto da transação
em matéria tributária consiste em um acordo envolvendo a Fazenda Pública e o contribuinte,
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que tem por objetivo por fim ao litígio, extinguindo o crédito tributário, nos estritos termos em
que ficar definido em lei.
A efetiva utilização da transação em matéria tributária poderá trazer muitos
efeitos positivos para sociedade em geral. A saber: (i) aliviar a sobrecarga a que vem sendo
submetido o Poder Judiciário; (ii) diminuição na procura pelas instâncias administrativas de
julgamento; (iii) diminuição da litigiosidade na aplicação da legislação tributária; (iv) favorecer
uma maior eficiência na arrecadação dos tributos; e (v) aumentar o cumprimento voluntário das
obrigações tributárias.
Todavia, na aplicação do instituto da transação em matéria tributária devem ser
obrigatoriamente observados e cumpridos os princípios constitucionais da Legalidade, da
Impessoalidade, da Moralidade, da Eficiência e da Indisponibilidade do Interesse Público.
Enfim, a aplicação do instituto jurídico da transação, que tem por fundamento o
princípio constitucional implícito da praticabilidade na tributação, permitirá uma atuação mais
transparente, célere e eficiente da Administração Tributária. Decerto que o referido instituto não
se revela como um remédio para todos os males, mas apenas mais uma possibilidade a ser
considerada, devendo se aplicada com cautela e sob os ditames legais e constitucionais.
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Forense, 1986.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado
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______. Câmara dos Deputados. Projeto de lei complementar nº 469/2009 .
Altera e acrescenta dispositivos à Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário
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______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. õe sobre o Sistema Tributário
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1966. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/
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COMPLEXO EDUCACIONAL DAMÁSIO DE JESUS 2ª Fase OAB – EXAME 2012.2
______. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo
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______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
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Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm>. Acesso em: 27 set.
2009.
______. Ministério da Fazenda. Exposição de motivos nº 78, de 21 de maio
de 2008 . Submete, em anexo, o anteprojeto de lei da Lei Geral de Transação em Matéria
Tributária ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República.
______. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.661, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 05/06/2002, publicado no DJ de 23/08/2002. Disponível em: . Acesso em: 25
out. 2009.
______. Poder Executivo. Exposição de motivos interministerial nº
00204/2008 - MF . ível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/EXPMOTIV/EMI
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OLIVEIRA, José Jayme de Macedo. Código tributário Nacional : comentários,
doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998.
Notas:
(1) MACHADO, Hugo de Brito. A transação no direito tributário. Revista
Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 75, p. 60, dez. 2001.
(2) BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado.
10 ed. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1955, v. 4. p. 144.
(3) Nesse sentido, Clóvis Beviláqua asseverava que: “Para o Código Civil, a
transação não é, propriamente, um contrato. Ainda que a lição da maioria dos Códigos seja em
sentido contrário, o certo é que o momento preponderante da transação é o extintivo da
obrigação”. Ibidem, p. 144.
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(4) Conforme Carlos Alberto Dabus Maluf, o Código Civil Francês, Italiano,
Espanhol, Português e Alemão tipificam a transação como sendo um contrato. MALUF, Carlos
Alberto Dabus. A transação no direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 23.
(5) MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: RT, 1971.
v. 25. p. 117.
(6) MENDONÇA, Manoel Ignácio Carvalho de. Doutrina e prática: das
obrigações ou tratado geral dos direitos de crédito. Curityba: Typ. e Lith. a vapor Imp.
Paranaense, 1908. p. 463.
(7) Nesse sentido se manifesta Clóvis Beviláqua, ao esclarecer que: “Não é
lícito transigir sobre questões relativas ao estado das pessoas, legitimidade do matrimônio,
pátrio poder, relações pessoais entre os cônjuges, filiação. As vantagens, porém, oriundas
dessas relações, desde que sejam de ordem patrimonial, pode ser objeto de transação”.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 10 ed. Rio de
Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1955, v. 4. p. 153.
(8) NASCIMENTO, Carlos Valder do. Comentários ao código tributário
nacional. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
(9) ACORDO CELEBRADO ENTRE AS PARTES. AUSÊNCIA DE LEI
MUNICIPAL DISCIPLINADORA DO INSTITUTO DA TRANSAÇÃO NA ESFERA
JURISDICIONAL DO MUNICÍPIO. INVALIDADE. A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, PELA
NATUREZA, CONSTITUI BEM INDISPONÍVEL POR PARTE DOS AGENTES
ADMINISTRATIVOS E POLÍTICOS, NÃO PODENDO, POR ISSO, NA AUSÊNCIA DE LEI
MUNICIPAL DE CARÁTER GERAL OU ESPECÍFICO, SER OBJETO DE TRANSAÇÃO E,
BEM ASSIM, OS ÔNUS DECORRENTES DA SUCUMBÊNCIA, COM BASE EM DECISÃO
TRANSITADA EM JULGADO. (TARS. 1ª Câmara Cível. Unânime. Apelação Cível nº
194019311. Rel. Juiz SALVADOR HORÁCIO VIZZOTTO. Em 31.05.94)
(10) CASTRO, Aldemiro Araujo. N O T A PGFN/PFN-AL/Nº 02/97-AAC.
Disponível em: < http://www.aldemario.adv.br/artigo1.htm>. Acesso em: 27 set. 2009.
(11) CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 461.
(12) BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1986. p. 575.
(13) CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16. ed. São
Paulo: Saraiva, 2004. p. 461-462.
(14) TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12. ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 298
(15) OLIVEIRA, José Jayme de Macedo. Código tributário Nacional:
comentários, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 486.
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(16) MARTINS FILHO, Luiz Dias; ADAMS, Luis Inácio Lucena. A transação no
Código Tributário Nacional (CTN) e as novas propostas de lei autorizativa. In: SARAIVA FILHO,
Oswaldo Othon de Pontes; GUIMARÃES, Vasco Branco. Transação e arbitragem no âmbito
tributário. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 23.
(17) Ibidem, p. 28.
18) Ibidem, p. 28.
(19) Ibidem, p. 37.
(20) Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal.
(21) MACHADO, Hugo de Brito; MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito.
Transação em matéria tributária. Limites. Inconstitucionalidades. Fortaleza, 20 ago. 2009.
Disponível em:< www.sindifisconacional.org.br/mod_download.php?id>. Acesso em: 27 set.
2009.
(22) GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. A transação tributária e seus
descontentes. Valor Econômico, 08 out. 2008. Disponível em: <
http://www3.pgfn.gov.br/assesssoria-de-comunicacao/Entrevistas/a-transacao tributaria-e-seus-
descontentes/>. Acesso em: 27 set. 2009.
(23) MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São
Paulo: Malheiros, 2000. p. 82.
(24) MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26.
ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 100.
(25) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 2.661, Rel. Min. Celso de Mello,
julgamento em 05/06/2002, publicado no DJ de 23/08/2002. Disponível em: . Acesso em: 25
out. 2009.
(26) CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 8. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2002. p 303.
(27) DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo:
Atlas, 1998. p. 73-74.
(28) MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26.
ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 45.
Texto confeccionado por (1)Cidinei Bogo Chatt
Atuações e qualificações (1)Procurador da Fazenda Nacional. Mestrando da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI.
Bibliografia:
CHATT, Cidinei Bogo. A Transação como Forma Alternativa de Solução de
Conflito em Matéria Tributária. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 03 de set. de 2010.
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http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/7149/a_transacao_como_forma_alternativ
a_de_solucao_de_conflito_em_materia_tributaria
ARTIGO 22
REVISTA DA ESMESC, v. 15, n. 21, 2008
A COMPENSAÇÃO DE PRECATÓRIOS JUDICIAIS COM CRÉDITOS
TRIBUTÁRIOS
A COMPENSAÇÃO DE PRECATÓRIOSJUDICIAIS COM CRÉDITOS
TRIBUTÁRIOS
Manoelle Brasil Soldati Simionato1
Resumo: O presente artigo tem por objetivo o estudo dos precatórios judiciais
enquanto objeto de compensação de dívidas tributárias. Feita breve análise histórica da
evolução dos precatórios nas Constituições brasileiras, busca mostrar a razão maior de sua
instituição no sistema jurídico nacional, qual seja, a indisponibilidade e impenhorabilidade dos
bens públicos, bem como, a inegável cultura de inadimplemento formada pelos responsáveis
por seu pagamento.
Com o advento da Emenda Constitucional n°30 de 2000, introduzido na ordem
constitucional nova regra para cumprimento dos precatórios não pagos, o entendimento dos
tribunais brasileiros passa por uma guinada jurisprudencial, admitindo o uso dos precatórios
como forma de garantia em execuções fiscais, bem como, de sua compensação com eventuais
débitos tributários existentes com o mesmo ente político parte daquele processo.
Palavras-chave: Precatórios judiciais. Penhora. Compensação. Créditos
tributários. Planejamento tributário.
1 Aluna da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina –
ESMESC. Mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Lisboa. Pós-
Graduanda em Direito Processual Tributário pela Unisul – SC. E-mail:
[email protected]. MANOELLE BRASIL SOLDATI SIMIONATO
Abstract: *is article aims to study the object of order of payment court as
compensation for tax debts. Made brief historical analysis of changes in the constitutions of
order of payment Brazilian, seeks to show the biggest reason for their institution in the national
legal system, which is the unavailability of public goods and the undeniable culture of default
made by those responsible for its payment . With the advent of Constitutional Amendment No
30 of 2000, introduced the constitutional order to meet the new rule of orders of payment
unpaid, the understanding of the Brazilian courts through a legal shift, allowing the use of order
of payment by way of security in fiscal executions, and as of their compensation with any
existing tax rates with the same political party ly that process.
Keywords: Order of payment proceedings. Attachment. Compensation. Tax
credits. Tax planning.
1. INTRODUÇÃO
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Os precatórios judiciais, instituídos há algumas décadas no ordenamento
jurídico brasileiro, justificam sua razão de existir em nome do privilégio garantido ao Poder
Público de não ter seus bens alienados ou penhorados. Assim, toda dívida pública, ao contrário
do que acontece com o cidadão comum, ao invés de submeter-se a um processo executivo
com ordem de penhora, fica salvaguardada pela previsibilidade orçamentária de pagamento
parcelado.
Em uma conceituação mais técnica, o precatório é uma requisição de
pagamento feita pelo Pode Judiciário Estadual e Federal – por intermédio do Presidente do
Tribunal de Justiça dos Estados, em demandas contra Fazenda Pública Estadual ou suas
autarquias, dos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, quando se tratar de processos
judiciais que tramitaram em desfavor da Fazenda Pública Federal ou suas autarquias, e pelos
Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho, quando a demanda tratar das normas e
disposições contidas na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT – sempre formados a
pedido do contribuinte/exeqüente, vencedor da ação judicial e após o seu transito em julgado.
Assim, o montante estipulado na condenação judicial deverá ser requisitado e
provisionado no orçamento anual dos referidos entes até 1° de julho de cada exercício, para
que o pagamento atualizado ocorra até o final do exercício, seguinte, conforme determina o
artigo 100 da Constituição Federal.
Diante da drástica realidade apresentada pela Administração Pública no
cumprimento dos precatórios, a qual deixando muito a desejar não honra com o cumprimento
das determinações judiciais, o legislador brasileiro, prestigiando um maior prazo para que o
Estado pudesse cumprir suas obrigações, edita a Emenda da Constituição n° 30 de 2000.
Alterando a dicção normativa do artigo 100 da Constituição Federal e
acrescendo o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a Emenda altera
substancialmente a normatização que disciplina o pagamento de dividas públicas
exteriorizadas em precatórios.
Com efeito, previu o artigo 78 da referida Emenda que os precatórios ainda
pendentes de pagamento e relacionados às demandas ajuizadas até 31 de dezembro de 1999
seriam liquidados por meio de prestações anuais, iguais e sucessivas no prazo máximo de dez
anos, admitida sua cessão.
Destarte, é diante de um possível acertamento de contas entre a Fazenda
Pública, então devedora de precatórios, e os contribuintes, devedores de tributos, que repousa
o instituto da compensação, previsto legalmente como forma de extinção do credito tributário.
A pacificação jurisprudencial na utilização dos precatórios para quitação de
dívidas fiscais, mediante compensação coloca o precatório em evidência e discussão
doutrinária e jurisprudencial, buscando, enfim, a segurança jurídica que faltava.
Com a entrada em vigor da norma constitucional, a polêmica passa a girar em
torno de necessidade de lei regulamentadora do tema, em nível estadual, que efetivamente
autorize a compensação de dividas tributárias, diante da norma consagrada no artigo 170 do
Código Tributário Nacional que prescreve que a compensação de créditos tributários com
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créditos líquidos e certos, contra a Fazenda Pública, regular-se-á pelas condições e garantias
que a autoridade administrativa estipular. A discussão, no entanto, perde força quando a
jurisprudência começa a solidificar-se no entendimento da autoaplicabilidade da norma
constitucional, isto é, prescindível a necessidade de nova norma que venha a regular a matéria.
A jurisprudência de nossos tribunais superiores era consolidada em uma
posição contrária à compensação de tributos, mas a partir de 2004 o Superior Tribunal de
Justiça fixa seu entendimento a favor do uso dos precatórios vencidos como garantia em ações
judiciais de execuções tributárias, abrindo as portas para os contribuintes arquitetarem
operações de planejamento tributário, visando sobretudo, a diminuição da tão pesada e mal
falada carga tributária brasileira, que há muito saiu do seu reduto, antes restrito aos escritórios
de advocacia e contabilidade para ocupar grande espaço de discussão entre todas as classes
sociais do país.
Em nome do poder liberatório para pagamento de tributos atribuído aos
precatórios não pagos, e da aceitação jurisprudencial destes em serem oferecidos em garantia
às execuções fiscais, para futuro objeto de penhora pelo Estado, os precatórios passam a
representar uma verdadeira moeda de mercado. O precatório é um dos ativos fiscais mais
negociados hodiernamente, particularmente entre pessoas jurídicas, empresas que buscam,
mediante um planejamento tributário, diminuir sua carga tributária, os precatórios passam a ser
objeto de cessão de direitos, negociados no mercado com deságio de quase 70%. Uma
alternativa que representa ao titular do precatório (cedente; vendedor do precatório), a
possibilidade de ter, ao menos, parte de sua decisão judicial efetivada, e de outro, ao
cessionário (comprador do precatório) uma nova alternativa de estruturação e reorganização
de sua empresa. Não obstante infindáveis previsões constitucionais e infraconstitucionais,
regularem a aplicação de sanções aos Governos que não cumprem a ordem judicial de
pagamento dos precatórios, os próprios tribunais nacionais acabaram esvaziando o teor
intimidatório do instituto, como a previsão de intervenção federal, a responsabilização política e
pessoal dos próprios Governantes, seqüestro de verbas, entendendo serem de uso
estritamente excepcional. È diante dessa falta de segurança jurídica e da ausência de coerção
das decisões judiciais proferidas, que a Suprema Corte do país, em recente e histórica decisão
monocrática do Ministro Eros Grau demonstra ter pacificado a polêmica dos impagáveis
precatórios.
2. PRECATÓRIO JUDICIAL: CONCEITO E EVOLUÇÃO
HISTÓRICA
O precatório é uma ordem de pagamento, resultante de uma condenação
judicial transitada em julgado, contra a Fazenda Pública (nas três esferas – Federal, Estadual e
Municipal), feita pelo Presidente do Tribunal (Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Federal ou
Tribunal Regional do Trabalho).
O Presidente do Tribunal, ao requisitar o pagamento, expede o competente
precatório e entrega-o ao ente político devedor para que este o inclua na ordem cronológica de
pagamento. Esta inclusão em ordem cronológica busca respeitar o principio da moralidade
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administrativa, através do qual se proíbe a designação de casos ou pessoas nas dotações
orçamentárias, conforme preceituado pelo artigo 100 da Constituição Federal.
Mas nem sempre foi assim. Segundo os ensinamentos de José Augusto
Delgado (2003, p.121), “nas ordenações Manuelinas e Filipinas a execução contra Fazenda
Pública se processava da mesma forma contra qualquer pessoa, inclusive com penhora”.
Conforme estudos de Américo Luiz Martina da Silva (1998, p.36), só em 1851 é
que se começou a vedar a penhora sobre bens da Fazenda Publica, quando o Directório do
Juízo Fiscal e dos Feitos da Fazenda Pública editou instrução, instituindo em seu artigo 14, a
impenhorabilidade dos bens da Fazenda Pública Nacional. Logo em seguida (1863 e 1865),
passou-se a prescrever a impenhorabilidade dos bens provinciais e municipais.
A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a conferir status constitucional ao
precatório, no entanto, o texto da Carta cuidava apenas das dívidas da Fazenda Pública
Nacional, dando liberdade aos Estados e Municípios para regulamentar o modo como fariam
seus pagamentos referentes às dívidas sobrevindas de sentenças judiciais2.
A redação trazida pela Constituição seguinte, de 1937, concedeu idêntico
tratamento ao instituto, inovando apenas na previsão de necessidade de inserir no orçamento a
quantia suficiente para satisfação dos débitos da Fazenda Nacional. A Constituição de 1946
estendeu o alcance constitucional dos precatórios às três esferas do Poder Público (agora
também estadual e municipal).
Só com a Constituição de 1967 (e a EC de 1969) é que se fortaleceu a
sistemática dos precatórios, prevendo a inserção de verba obrigatória no orçamento;
transmitindo-se ao Presidente do Tribunal a competência para sua expedição, bem como, que
seu descumprimento ensejaria crime de responsabilidade. Por fim, a atual Constituição Cidadã,
em seu artigo 100 caput, ao disciplinar o pagamentos dos precatórios, dispensa tratamento
2 Art 182 - Os pagamentos devidos pela Fazenda federal, em virtude de
sentença judiciária, far-se-ão na ordem de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos
respectivos, sendo vedada a designação de caso ou pessoas nas verbas legais. Parágrafo
único – Estes créditos serão consignados pelo Poder Executivo ao Poder Judiciário,
recolhendo-se as importâncias ao cofre dos depósitos públicos. Cabe ao Presidente da Corte
Suprema expedir as ordens de pagamento, dentro das forças do depósito, e, a requerimento do
credor que alegar preterição da sua precedência, autorizar o seqüestro da quantia necessária
para o satisfazer, depois de ouvido o Procurador- Geral da República. privilegiado aos créditos
de natureza alimentícia e determina o respeitoà ordem cronológica e atualização monetária dos
valores: Art.100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela
Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão
exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos
respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos
créditos adicionais abertos para este fim.
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Aqueles precatórios que forem entregues dentro do chamado “período
requisitorial”3, terão obrigatoriamente seus valores incluídos na Lei Orçamentária Anual do ano
seguinte, para que seja feito seu pagamento, atualizado, até o final daquele exercício.
Nesse sentido, partindo-se do ponto de que as despesas fixadas, ou seja,
aquelas decorrentes de condenações judiciais devem se ajustar com as receitas estimadas
para o exercício seguinte, o não pagamento dos precatórios resulta de qualquer outra razão,
que não a falta de verbas para tanto.
Vale ainda lembrar, que a Fazenda Pública, enquanto parte processual, goza
de uma gama de privilégios, tais como: fixação diferenciada de honorários advocatícios em
casos de sucumbência, dispensa do adiantamento de despesas dos atos processuais,
eventualmente requeridos, pagos ao final pelo vencido, prazo em quádruplo para contestar e
em dobro para recorrer, dispensa de depósito prévio para ajuizamento de ação rescisória, entre
outros. No entanto, nem todas as prerrogativas que lhe cabem são suficientes para incentivar o
Estado a cumprir suas obrigações, quando se fala em pagamento dos precatórios.
3 Até o dia 1° de Julho de cada ano. A justificativa da escolha desta data
repousa no próprio sistema orçamentário, vez que o artigo 35, §2°, III da ADCT, prevê que o
projeto de lei orçamentária será encaminhado pelo Poder Executivo, ao Legislativo, até quatro
meses antes do encerramento do exercício. Assim, entendeu o Constituinte que o interregno
de dois meses – entre 1° de julho e 31 de agosto – seria suficiente para que o Executivo
ajustasse seu projeto de orçamento de modo a suportar o pagamento dos precatórios
apresentados.
2.1 Emenda Constitucional n° 30 de 13 de setembro de 2000
É exatamente neste momento histórico, como resultado de uma cultura de
descumprimento de decisões judiciais e buscando reorganizar o verdadeiro calote generalizado
do Estado, que se editou a Emenda Constitucional n° 30, de 13 de setembro de 2000, trazendo
nova redação ao artigo 100 da Constituição Federal e acréscimo ao artigo 78 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
O artigo 2° da emenda decretou nova moratória para pagamento dos
precatórios pendentes na data de sua publicação, para pagamento em até dez parcelas anuais,
iguais e sucessivas, ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor e os de
natureza alimentícia. Esse mesmo dispositivo ainda permitiu a cessão de créditos
representados por estes precatórios4.
Mais que isso, o §2° acrescido ao artigo 78, buscando conferir efetividade ao
pagamento das parcelas, prevê que estas, se não liquidadas até o final do exercício a que se
referem, terão poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.
No entanto, nem o considerável alongamento do prazo de liquidação dos
precatórios foi suficiente para as entidades estatais cumprirem com seus pagamentos. Se é
verdade que por um lado a Emenda admitiu o parcelamento da dívida em dez anos, por outro,
não é menos verdadeiro que buscou-se garantir que as parcelas devidas fossem pagas no seu
vencimento, ao atribuir ao precatório devido, e não pago, sua utilização para pagamento de
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débitos fiscais. Nesse sentido insurgiu-se a doutrina alegando que o dispositivo trazido pela EC
n° 30 seria inconstitucional em face da cláusula pétrea do artigo 60 §4, IV da Constituição
Federal que proíbe ser
4 Ressalta-se aqui que já havia sido instituída uma moratória para pagamento
dos precatórios judiciais, pelo artigo 33 da ADCT, facultando aos entes políticos devedores o
pagamento em até oito parcelas anuais iguais e sucessivas. Mas esta solução não resolveu e
poucos foram os precatórios que vieram a ser liquidados integralmente, razão pela qual, o
Congresso Nacional concedeu nova moratória com a EC 30/00
objeto de deliberação das propostas de emenda tendentes a abolir os “direitos e garantias
fundamentais”. Sustentam estes doutrinadores que ao estabelecer uma nova forma de
pagamento dos débitos judiciais, modificando o que fora determinado nas sentenças judiciais, o
artigo 78 da ADCT estaria violando frontalmente o inciso XXXVI do artigo 5° da Constituição
que garante: “A lei não prejudicará o direito, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Todavia, a tese é contestada por renomados constitucionalistas que entendem
que a norma contida no referido inciso limita o arbítrio do Poder Legislativo, pois a lei ordinária,
como as demais formas inferiores, não poderá ser aplicada a projeções de fatos anteriores.
Nada, entretanto, impede que o próprio constituinte ao fazer a Constituição, ou
ao emendá-la determine expressamente que um preceito novo aplica-se a projeções de fatos
anteriores, pois a limitação trazida pela Constituição, não se aplica a ele. Nesse sentido
Hugo de Brito Machado (1995,p.19): (...) Essa garantia constitucional é uma
limitação de poderes do legislativo ordinário. O legislador dotado de poder constituinte, mesmo
que apenas reformador ou derivado, a ela não está submetido. (...) A nível constitucional,
portanto, a proteção se dirige contra o legislador, que não poderá modificar situações de fato
consolidadas pelos efeitos da coisa julgada.
Militam igualmente nesse sentido, doutrina e jurisprudência formadas á luz das
Constituições anteriores, na qual a garantia constitucional era assegurada nos mesmos termos
que a atual. Nesse sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Federal, relatado pelo Ministro
Moreira Alves5, o qual assenta que não há direito adquirido resultante do Poder Constituinte
Originário ou Derivado. As normas constitucionais se aplicam de imediato sem que se possa
invoca contra elas a figura do direito adquirido.
5 Recurso Extraordinário 94.414-1/SP, publicado no Diário da Justiça de
19.04.85.
À luz desses entendimentos, o artigo 78 da ADCT, introduzido pela EC n° 30,
ao estabelecer a moratória sobre precatórios judiciários pendentes de pagamento, mesmo
afetando a coisa julgada, não violou a cláusula pétrea da nossa Constituição. Não houve,
assim, abuso do poder constituinte reformador.
Oportuno, por fim, esclarecer que por poder liberatório entende- se a liberação
do pagamento da obrigação, decorrendo que o titular do precatório (credor do Estado) fica
liberado do pagamento de dívidas com o ente federativo de que é credor, até o limite do seu
crédito. Este poder liberatório que se agregou aos precatórios não pagos no prazo, representou
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uma forma de pagamento de tributos devidos aos entes federativos (federais, estaduais,
municipais ou distritais).
Ou seja, o §2° do artigo 78 da ADCT passou a ser interpretado como sinônimo
de possibilidade de se fazer uma compensação tributária.
3. CRÉDITO TRIBUTÁRIO E SUAS FORMAS DE EXTINÇÃO
Antes de entrar no estudo da compensação, enquanto forma de extinção do
crédito tributário, oportuno se faz resumidamente relembrar o conceito de crédito tributário e as
suas formas de extinção. O crédito tributário nasce com o surgimento do vínculo obrigacional,
ou seja, quando se materializa no mundo físico exterior o fato que fora hipoteticamente descrito
na norma – ocorrência do fato gerador. Ou seja, o crédito é o vinculo que obriga o contribuinte
(pessoa física ou jurídica) a pagar um tributo, previsto em lei, ao ente público competente
(União, Estado, Distrito Federal ou Municípios).
Da mesma forma que prevê a criação de um crédito tributário, a lei também se
responsabiliza por regular suas formas de extinção, consubstanciada em qualquer ato ou fato
jurídico que faça desaparecer a respectiva obrigação, cabendo ao artigo 156 do Código
Tributário Nacional dispor sobre o tema: Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I - o
pagamento; II - a compensação; III - a transação;IV - remissão; V - a prescrição e a
decadência;VI - a conversão de depósito em renda;VII - o pagamento antecipado e a
homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;VIII - a
consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;IX – a decisão
administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais
possa ser objeto de ação anulatória;X - a decisão judicial passada em julgado. XI – a dação em
pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei. (grifo nosso).
Vale assinalar que muito já se discutiu acerca da taxatividade ou não deste rol
de hipóteses de extinção do crédito, no entanto, o Supremo Tribunal Federal firmou posição no
sentido de tratar-se de um artigo com previsão taxativa, que só pode ser alterado mediante Lei
Complementar, quando suspendeu a eficácia de leis que autorizavam a dação em pagamento
como forma de extinção do credito tributário, em razão da ausência de previsão expressa no
Código Tributário Nacional.
No entanto, a doutrina tributarista defenda a não taxatividade do dispositivo,
como se depreende do magistério de Luciano Amaro (1998, p.367): O rol do artigo 156 não é
taxativo. Se a lei pode o mais (que vai até o perdão da dívida tributária) pode também o menos
que é regular outros meios de extinção do dever de pagar tributo. Um exemplo, é a dação em
pagamento. Outro que sequer necessita de disciplina específica na legislação tributária é a
confusão que se dá quando se acumulam (ou se confundem) na mesma pessoa, a condição de
credor e de devedor da mesma obrigação (artigo 1049). Há ainda a novação.
O pagamento é a forma mais usual de extinção do crédito. É a prestação que o
devedor, ou alguém por ele, faz ao sujeito ativo, da importância pecuniária correspondente ao
débito do tributo. Ele pode ser feito em moeda corrente, cheque, vale postal, estampilha, papel
selado ou mediante processo mecânico. O sistema brasileiro, todavia, não admite a prestação
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in natura contrapondo-se ao que enuncia o artigo 3° do CTN quando enuncia que pode ser em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir.
A compensação será analisada de forma mais minuciosa na seção seguinte,
por ser o objeto principal deste estudo. A transação, assim entendida é o instituto mediante o
qual, por mútuas concessões, credor e devedor põem fim ao litígio, extinguindo a relação
jurídica. Os sujeitos da relação jurídica tributária, podem realizar a transação, nos termos e
condições estabelecidas em lei. Curioso verificar que a extinção da obrigação tributária,
quando ocorre a figura da transação, não se dá propriamente por força das concessões
recíprocas, mas sim pelo pagamento. Assim, nas palavras de Paulo de Barros Carvalho (1999,
p.311): “O processo de transação tão-somente prepara o caminho para que o sujeito passivo
quite sua divida, promovendo o desaparecimento do vínculo.”
A remissão, por sua vez, representa o perdão, indulgência, total ou parcial do
crédito tributário, que no direito tributário, enquanto forma extintiva da obrigação, somente pode
se dar se houver lei autorizadora, razão que se explica pelo primado da indisponibilidade dos
bens públicos, que permeia o complexo de regras tributárias. A prescrição e decadência,
representam, respectivamente, a perda da Fazenda Pública ajuizar a competente execução
fiscal, vez que fluido o prazo de 5 anos sem que o titular do direito subjetivo tenha deduzido
sua pretensão pelo instrumento processual adequado; como também, a perda do direito da
autoridade administrativa efetuar o lançamento do tributo. A decadência é um fato jurídico que
faz perecer um direito pelo seu não-exercício durante certo lapso de tempo.
A conversão do depósito em renda ocorre quando o sujeito passivo perde, no
curso de procedimento administrativo ou no âmbito do processo judicial, o depósito que efetuou
a titulo de garantia do juízo, revertendo-se para a própria Fazenda Pública.
Ao prever o pagamento antecipado e a homologação no catálogo das causas
extintivas, o legislador quis referir-se àqueles tributos que independem do lançamento para que
o devedor possa satisfazer sua prestação. A autoridade administrativa limita-se a fiscalizar o
contribuinte, controlando o fiel cumprimento das obrigações tributárias.
Lícito inferir que o pagamento, por si só, não extingue de forma definitiva o
credito tributário, mas coloca-o sob condição resolutória. A ação de consignação em
pagamento é o remédio processual adequado àquele que pretende pagar sua dívida mas não
consegue fazê-lo em função de recusa ou exigências que considera descabidas da Fazenda
Pública, seja em razão do valor que o contribuinte está se propondo a pagar ou em razão de
dúvida de quem seria o competente sujeito ativo daquela exação.
A decisão administrativa reformável, assim como a decisão judicial passada em
julgado fazem coisa julgada contra o Fisco, isto é, ao reconhecer de forma definitiva que o
crédito tributário não é devido, extingue a obrigação tributária.
Por fim, a dação em pagamento, enquanto forma de extinção do crédito
tributário, só passou a integrar o ordenamento jurídico brasileiro a partir de 2001, com a edição
da Lei Complementar 104/01. Ela permite que o contribuinte ofereça espontaneamente bens
imóveis ao Fisco, a fim de liquidar seus débitos tributários.
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3.1 Compensação Tributária
A compensação, enquanto forma de extinção das obrigações, é originária do
direito romano, vez que baseada no princípio da equidade, não seria lógico permitir que duas
pessoas, concomitante e reciprocamente credoras e devedoras, tivessem contra si o direito de
ação.
A palavra compensação vem de pensare cum, pensare aliquam cum aliqua ,
que na tradução de J.M. de Carvalho Santos (1986, p.215) quer dizer pesar na balança uma
coisa com outra para ver se o peso é igual.
Trata-se de um instituto originário do direito civil, onde a compensação opera-
se de pleno direito, conforme regência do artigo 368 do Código Civil: Art. 368. Se duas pessoas
forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até
onde se compensarem.
Em homenagem ao princípio da indisponibilidade dos bens públicos, o Código
Tributário Nacional acolhe o instituto da compensação, como uma das formas extintivas do
crédito tributário, mas desde que haja lei que autorize, repousando sua eficácia e validade no
artigo 156, II do Código Tributário Nacional, como forma de extinção do crédito tributário.
O artigo 170 do mesmo diploma prevê a necessidade de regulamentação das
respectivas condições para efetivação da compensação: “A lei pode, nas condições e sob as
garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa,
autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou
vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública”. A compensação tem por pressuposto
duas relações jurídicas diferentes, em que o credor de uma é devedor da outra e vice-versa.
Quatro são os requisitos tidos como necessários à compensação: a)-
reciprocidade das obrigações; b)-liquidez das dividas; c)-exigibilidade das prestações; e d)-
fungibilidade das coisas devidas. Como preleciona Alexandre Barros Castro (2002, p.68):
O CTN aceita compensação de créditos tributários como créditos líquidos,
certos e exigíveis (vencidos ou por vencer) de titularidade do credor em face da Fazenda
Pública, devendo ser aplicado, no que se refere aos créditos vincendos, o imperativo contido
no artigo 170, parágrafo único do Código Tributário, onde se criou um limite, não se podendo
conceder redução que exceda à taxa de 1% ao mês, pelo tempo decorrido entre a data de
compensação e a do vencimento. Segundo Paulo de Barros Carvalho, a compensação
representa uma modalidade extintiva tanto do direito subjetivo, como do dever jurídico, vez que
o crédito do sujeito pretensor, num dos vínculos, é anulado pelo seu débito, no outro, o mesmo
se passando com o sujeito devedor (1999, p.311).
No âmbito federal a compensação é regulada pelo artigo 74 da Lei 9.430/94,
com redação que lhe deu a Lei 10.637/2002, que assim prevê: Art. 74. O sujeito passivo que
apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição
administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento,
poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e
contribuições administrados por aquele Órgão. É certo que no direito civil, a compensação
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pode ser legal, convencional ou judicial; ao passo que no direito tributário ela será sempre
legal, isto é, só será admitida a compensação de créditos com dívidas da Fazenda Pública
quando a lei expressamente autorizar.
Nesse sentido, e em consonância com o §2° do artigo 78 da ADCT, alguns
estados expediram leis sobre o tema, como são exemplos as leis 13.646/2000 expedida pelo
Estado de Goiás, a lei 13.294/2003 do Estado do Ceará, a lei 13.213/2001 do Estado do
Paraná, e a lei 1.142/2002 expedida pelo Estado de Rondônia, todas com o objetivo de realizar
a compensação de precatório com débitos tributários.
Esta última, objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade, que veio a ser
julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu pela constitucionalidade da
lei que autoriza a compensação do crédito com débito da Fazenda do Estado, decorrente de
precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o
artigo 78 da ADCT.6
Assim, o precatório ao alcançar poder liberatório de tributos, passou a ser, em
um primeiro momento, utilizado em ações judiciais, particularmente, como forma de garantir
execuções fiscais propostas pelo Estado. No entanto, tentando eximir-se de sua obriga-
6 Supremo Tribunal Federal – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade
n°2.851-1/RO, Relator Ministro Carlos Veloso, julgada em 28 de outubro de 2004
ção, a Fazenda Pública Estadual (a maioria dos Estados-membros não expediram lei
regulamentadora) passa a alegar que o precatório se constitui em direitos e ações e, por isso,
deve vir em último lugar da ordem legal de bens a serem penhorados, não admitindo a
compensação com títulos desta natureza, ou qualquer compensação em executivo fiscal,
aduzindo ainda, que a falta de lei regulamentadora não autoriza que se faça tal compensação.
Segundo inteligência do artigo 620 do Código de Processo Civil a execução
deve sempre ser regida de forma menos gravosa ao devedor. Assim, para fins de garantia de
juízo, deve-se admitir a nomeação de créditos oriundos da própria Fazenda exeqüente,
consubstanciados num precatório, máxime por suas características de certeza e liquidez. A
penhora sobre precatórios representa uma penhora de créditos, regida pela subseção IV do
CPC que cuida da penhora de créditos e outros direitos patrimoniais.
Já a lei 6.830/80 – Lei de Execução Fiscal - atribui ao executado a prerrogativa
de nomear bens à penhora, que pode recair sobre direitos e ações. O artigo 11 desta lei,
juntamente com o artigo 655 do CPC regem a ordem preferencial de bens que serão oferecidos
a penhora em ações judiciais, e os direitos e ações estão previstos no último inciso do
dispositivo. Todavia, esta ordem não pode ser entendida como absoluta, sob pena de obstruir a
possibilidade de pagamento da dívida. Nessa linha o Superior Tribunal de Justiça firmou
entendimento que a ordem estabelecida por estes dispositivos não tem caráter absoluto,
devendo ser observado o interesse e as circunstâncias do caso concreto7:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO
FISCAL - PENHORA SOBRE CRÉDITO EM FASE DE PRECATÓRIO - DIREITO DE CRÉDITO
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DECORRENTE DE AÇÃO INDENIZATÓRIA EM FASE DE PRECATÓRIO - EXECUÇÃO
FISCAL - ORDEM DE NOMEAÇÃO - ART. 11 DA
7 Embargos de Divergência em Recurso Especial - EREsp 399.557/PR, relator
Ministro Franciulli Neto, Primeira Seção, unânime, DJ 03.11.03
LEI N. 6.830/80. Este egrégio Sodalício tem decidido, em recentes julgados, pela possibilidade
de nomeação de créditos decorrentes de precatório em fase de execução contra o próprio ente
federativo que promove a execução fiscal.
Nada obstante se entenda ter o precatório natureza de direito sobre crédito,
possui este a virtude de conferir à execução maior liqüidez, uma vez que o exeqüente poderá
aferir o valor do débito que lhe incumbiria pagar, não fosse a sua utilização para quitação do
débito fiscal do executado.
Não se recomenda, dessarte, levar a ferro e a fogo a ordem de nomeação
prevista no artigo 11 da LEF, sob pena de, não raro, obstruir a possibilidade de pronto
pagamento da dívida8. (grifo nosso).
Ademais, a lei 11.382 de 2006 dando nova feição do processo de execução,
modificou a redação do artigo 668 do CPC, como segue: “O executado pode, no prazo de 10
(dez) dias após intimado da penhora, requerer a substituição do bem penhorado, desde que
comprove cabalmente que a substituição não trará prejuízo algum ao exeqüente e será menos
onerosa para ele devedor”.
Destarte, a substituição do bem penhorado passa a ser admitida como
homenagem ao princípio da menor onerosidade. A substituição não causa prejuízo algum à
Fazenda, pelo contrário, facilita e agiliza o recebimento do crédito tributário.
Sobre o tema, decidiu o Superior Tribunal de Justiça9, reconhecendo, inclusive,
que o crédito decorrente do precatório equivale a dinheiro:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PENHORA. DIREITO DE
CRÉDITO DECORRENTE DE AÇÃO ORDINÁRIA. PRECATÓRIO JÁ
EXPEDIDO.POSSIBILIDADE. (...) 4. Com o objetivo de tornar menos gravoso o processo
executório ao executado, verifica-se a possibilidade inserida no inciso X, do artigo 655, do
CPC, já que o credito de precatório equivale a dinheiro, bem este preferen-
8 Precedentes no mesmo sentido: RESP 480.351/SP, relator Ministro Luiz Fux,
DJU 23.06.03; AGA 447.126/SP, relator Ministro Francisco Falcão, DJU 03.02.03; RESP
325.868/SP, relator Ministro Jose Delgado, DJU 10.09.01.
9 STJ – RESP 325868/SP, Relatos Ministro José Delgado, julgado em 10 de
setembro de 2001. –
cial (inciso I, do mesmo artigo). 5. A Fazenda recorrida é devedora na ação que se findou com
a expedição do precatório. Se não houve pagamento, foi por exclusiva responsabilidade da
mesma, uma vez que tal crédito já deveria Ter sido pago. Trata-se, destarte, de um crédito da
própria Fazenda Estadual, o que não nos parece muito coerente a recorrida não aceitar como
garantia o crédito que só depende de que ela própria cumpra a lei e pague aos seus credores.
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Surge a partir dessa possibilidade a discussão em torno da titularidade do
precatório, isto é, quanto à possibilidade de penhora de precatório oriundo de direito de crédito
com Pessoa Jurídica diversa da exeqüente10. No entanto, no voto do Ministro Humberto
Martins, o Superior Tribunal de Justiça, reconhece que não há nenhum impedimento para que
a penhora recaia sobre precatório expedido em favor de pessoa jurídica distinta da
exeqüente11. Não obstante o reconhecimento judicial da possibilidade do precatório ser dado
como forma de garantia de execuções fiscais, resta reconhecer a possibilidade da
compensação do precatório com dívidas tributárias realizar-se de forma autônoma, ou seja,
independente de lei Estadual ou Municipal que venha a regê-la. E é exatamente o que se vê na
regra esculpida no §2° do artigo 78 da ADCT, uma regra peremptória, prevendo que as
prestações do precatório, uma vez vencidas e não pagas, terão poder liberatório para
pagamento de tributos devidos pelo contribuinte à entidade estatal devedora.
A imperatividade na relação dos interesses envolvidos – de um lado
contribuinte-credor e de outro o Estado-devedor inadimplente – justifica-se pelo próprio caráter
excepcional da norma que permitiu o parcelamento das dívidas dos precatórios.
Portanto, se o legislador estadual foi omisso quanto à edição de lei específica
para regular o tema ou se até mesmo editou norma ve-
10 Nesse sentido os Embargos de Divergência em Recurso Especial n°
852.425/RS, no qual o Estado do Rio Grande do Sul (embargante) busca uniformização de
jurisprudência.
11 Acórdãos nesse sentido: AGA 551.386/RS, relator Ministro João Otávio de
Noronha, publicado no DJ de 03 de maio de 2004; e EREsp 399.557/PR, relator Ministro
Franciulli Netto, publicado no DJ de 03 de novembro de 2003.
tando o exercício do direito compensatório não lhe socorre o artigo 170 do CTN que não pode
prevalecer sobre o §2° do artigo 78 da ADCT.
As normas constitucionais, no que se refere à sua condição de ser aplicável e
produzir efeitos são classificadas pela doutrina em: plena, contida e limitada. Estas duas
últimas, de algum modo têm sua aplicabilidade dependente de ato ou lei a ser editada pelo
legislador ordinário, de acordo com o que foi previamente delimitado na Constituição. Já com
as normas de eficácia plena isso não ocorre, elas são plenamente aplicáveis desde sua
publicação, sem necessitar de qualquer ato ou lei ulterior por parte do Poder Público
competente. Segundo José Afonso da Silva, são auto-aplicáveis àquelas normas que estão
aptas a produzirem imediatamente seus efeitos, ou seja, aquelas normas da Constituição que
contêm em si todos os elementos e requisitos necessários para sua incidência. Nesse sentido
leciona o constitucionalista (2003, p.99):
Todas as normas regulam certos interesses em relação a determinada matéria.
Não se trata de regular a matéria em si, mas de definir certas situações, comportamentos ou
interesses vinculados a determinada matéria. Quando essa regulamentação normativa é tal
que se pode saber, com precisão, qual a conduta positiva ou negativa a seguir, relativamente
ao interesse descrito na norma é possível afirmar-se que esta é completa e juridicamente
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dotada de plena eficácia, embora possa não ser socialmente eficaz. Isso se reconhece pela
própria linguagem do texto, porque a norma de eficácia plena dispõe peremptoriamente sobre
os interesses regulados.
Não restam dúvidas que se trata de uma norma auto-aplicável, um preceito
constitucional completo onde já está expressos seus meio de execução, sendo desnecessária
qualquer designação de uma autoridade para tal.
A compensação é um direito inexorável das obrigações jurídicas e a Fazenda
Pública não pode tentar se excluir deste contexto. È um absurdo pensar que alguém sendo
credor e devedor ao mesmo tempo, de uma mesma pessoa, possa dela exigir o pagamento
devido e sem que também esteja obrigado a efetuar o pagamento do seu débito.
Da mesma forma, reconhecer que a Fazenda Pública tem o direito de cobrar o
que lhe é devido, como um reservado privilégio, sem pagar o que deve, configura cristalina
violação ao princípio da isonomia, pois não há interesse público maior que a própria
preservação da ordem jurídica na obediência à Constituição Federal e abolição de privilégios
descabidos.
Possibilitar uma compensação nesse sentido, não é criar ônus ao Erário, mas
pelo contrário, é também permitir que ele se desonere de suas dívidas, refletindo o verdadeiro
princípio constitucional da igualdade. E isto não pode ser jamais considerado ou alegado fator
de desequilíbrio nas finanças públicas pois assim como as arrecadações são previstas, o são
também as despesas com precatórios.
O Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha, ressalta a possibilidade do
direito compensatório:
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇAO PARA O FINSOCIAL.COMPENSAÇÃO.
(...) Não obstante curvar-me à jurisprudência pacificada em sentido oposto, por
isso que o PIS só é compensável com a mesma contribuição, ressalvo meu ponto de vista no
sentido de que o advento da lei 9430/96 com os correspectivos Decretos 2138/97 e Instruções
Normativas SRF 21/97 e 73/97, reforçadas pelo novel espírito inaugurado pela emenda 30
de 13-09-2000 (art.78 ADCT) que permitiu essa forma de extinção do credito tributário até
mesmo mediante a compensação de precatórios não liquidados, revela inequívoca
postura ideológica tributária no sentido de admitir a compensação entre os tributos e
contribuições ainda que de espécies diferentes bem como de créditos de um
contribuinte com o debito de outro. (...)12 (grifo nosso)
Assim, o contribuinte, comprovada a mora da Fazenda Pública, pode pleitear
administrativamente a compensação de seu crédito
12 Superior Tribunal de Justiça – RESP 391400, Relator Ministro Luiz Fux,
julgada em 29.04.2002.
tributário com o débito emergente do precatório não depositado no prazo legal. Uma vez
negada tal pretensão pela autoridade fazendária, resta ao contribuinte-credor a propositura de
medida judicial, que admite, ainda, medida liminar ou antecipação de tutela.
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Desta maneira, expedido o precatório e incluído no orçamento, com seu
especifico número de acordo com a ordem cronológica, cabe à Fazenda Pública proceder a
seus pagamentos, de forma igual e sucessiva, com os juros legais incluídos, no intuito de
cumprir a determinação e comprovar sua conduta em consonância com a precisão
orçamentária. No entanto, a não disponibilização por parte da Fazenda, no tempo certo, do
valor pertencente ao credor, caracteriza a mora que enseja o pedido de compensação, diante
de um débito do contribuinte, líquido e exigível para com a entidade devedora.
Assim, a demonstração da mora é prova pré-constituída que comporta
ao contribuinte. Certamente, o que não pode subsistir é o desrespeito que se
vê por parte dos entes federados pelo não pagamento de seus precatórios, que, mais que
violar o Princípio da Moralidade Administrativa, passa a desprestigiar o Poder Judiciário e a
segurança jurídica de suas decisões, eis que o crédito que será compensado (precatório) já
passou pela análise e crivo das instâncias do Poder Judiciário, sendo assim indubitavelmente,
certo e líquido. Ademais, a compensação aqui discutida encontra respaldo no Principio do
Estado democrático de Direito, uma vez que o Estado, ao não pagar seus precatórios está
agindo de forma a não medir mais as conseqüências de seus atos.
3.2 Quebra da Ordem Cronológica
É de se registrar que o Poder Constituinte originário, ao cuidar dos precatórios,
faz menção à imprescindibilidade de respeito à ordem cronológica. Assim, os precatórios serão
pagos exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos ofícios requisitórios,
emitidos pelo juiz da execução que prolatar a decisão a ser executada.
Referida imposição possui fundamento de grande relevo quando busca
respeitar aos princípios constitucionais que regem a atuação da Administração Pública. Como
bem assinalado pelo Ministro Celso de Melo13:
O sentido teleológico desta norma constitucional – cuja gênese reside, no que
concerne a seus aspectos processuais, na Constituição Federal de 1934 (art.182) – objetiva
viabilizar, na concreção de sua alcance, a submissão incondicional do Poder Público ao dever
de respeitar o princípio que confere preferência jurídica a que, dispuser de precedência
cronológica (prior in tempore, potior in jure).
Entretanto, o caput do artigo 100 da Constituição, abre uma exceção à ordem
cronológica quando prevê que os créditos de natureza alimentícia e de pequeno valor
independem dela. Vale lembrar que os débitos alimentares também estão sujeitos a
pagamentos via precatórios, mas em uma ordem diferenciada dos demais débitos fazendários,
o que se convencionou chamar de “ordem dupla dos precatórios”.
Tem-se então duas classes de precatórios: (a) precatórios alimentares –
decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações,
benefícios previdenciários, indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade
civil em virtude de sentença judicial transitada em julgado. Em sentido amplo, abarca toda a
prestação em dinheiro relativa às despesas ordinárias a que tem direito o alimentando, ou seja,
habitação, transporte, vestuário, sustento, saúde, educação, instrução e lazer. (b) não
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alimentares – entendidos como todos os outros com origem que não nas verbas não arroladas
como alimentares.
Contudo, na prática, os créditos alimentares que teoricamente gozam de
privilégios, vêm tendo seu pagamento preterido, pois não foram atingidos pela regra constante
da EC n° 30/2000. Como o descumprimento das parcelas dos precatórios comuns, confere po-
13 Voto proferido no RE n° 188.285-9/SP, relator Ministro Celso de Mello,
julgado em 28.11.95.
der liberatório de pagamento de tributos da entidade política devedora,os governantes,
buscando dar preferência nos pagamentos destas parcelas, acabam congelando a fila de
precatórios alimentares.
E não só isso, não raras são as vezes em que, apesar de estarem
contemplados no orçamento anual e devidamente aprovados pelo Poder Legislativo, têm suas
verbas contingenciadas e direcionadas pelo chefe do Poder Executivo para outros setores, por
vezes mais visíveis pelos eleitores, como obras das mais diversas, estradas, saúde, educação,
dentre outras.
Em uma interpretação sistemática da Constituição, poder-se-ia dizer que a
paralisação da fila dos precatórios alimentares em detrimento do pagamento das parcelas
anuais dos precatórios comuns, conduz a uma quebra da ordem cronológica, implicando
desrespeito à classificação privilegiada daqueles.
No entanto, a alteração constante da EC n°30, ao prever o parcelamento no
pagamento dos precatórios pendentes, ressalva desta moratória os créditos definidos em lei
como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o artigo 33 da ADCT e
suas complementações, bem como os que já tiveram seus respectivos recursos liberados ou
depositados em juízo. Com efeito, o regime de parcelamento oferecido pela Emenda, ao não
alcançar os precatórios alimentícios e de pequeno valor, oferece aos credores de precatórios
comuns uma contrapartida, que não o faz em relação àqueles, qual seja a possibilidade de
seqüestro do numerário em poder do entre político devedor, a fim de garantir o pagamento da
prestação em mora.
Estabelece a Constituição, no §2° do artigo 100, que competirá ao Presidente
do Tribunal, mediante requerimento do credor interessado, o seqüestro da quantia suficiente à
garantia do débito, no entanto, o mesmo dispositivo deixa claro que só se fará exclusivamente
para o caso de preterimento do seu direito de precedência.
Este artigo tem recebido da Suprema Corte interpretação restritiva, diga-se,
não se admitindo qualquer outra razão que justifique o seqüestro em tela. O Supremo Tribunal
Federal14 assentou que a Emenda n° 30 não introduziu nova modalidade de seqüestro de
verbas públicas para satisfação de precatórios concernentes a débitos alimentares,
permanecendo inalterada a regra imposta pelo artigo 100, §2° da Carta que somente o autoriza
no caso de preterição do direito de preferência do credor.
Neste julgamento o Supremo Tribunal, derrubou parcialmente a Resolução
Normativa n°11/97 do Tribunal Superior do Trabalho que previa o seqüestro de renda para
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pagamento dos precatórios alimentares dos Tribunais Regionais do Trabalho, quando
houvesse atraso, pagamento a menor ou a não inclusão no orçamento do ente devedor.
Pelo entendimento daquela Corte apenas a quebra de ordem cronológica
dentro de cada espécie é que poderá autorizar um sequestro de verbas. Assim, não há que se
falar em quebra da ordem cronológica, quando se autoriza a fazer o parcelamento de um
precatório não alimentar, mesmo que em preferência à ordem de precatórios alimentares, pois
a Constituição ao excepcionar os créditos que teriam poder liberatório de tributos, limitou
somente àqueles que restassem vencidos e não pagos pelo ente público devedor, sendo
descabida a intenção deste, vir a se prevalecer de sua própria torpeza ao inviabilizar a
pretensão que se originou do seu inadimplemento.
4. DESCUMPRIMENTO DOS PRECATÓRIOS
Como é sabido, os precatórios requisitados até 1° de julho, serão inseridos no
orçamento para pagamento no ano seguinte, no período de janeiro à dezembro, ou seja, a
Fazenda Publica tem prazo suficiente (de 6 a 18 meses) para efetuar o prognóstico de sua
receita a fim de cumprir com o pagamentos de seus precatórios.
14 No julgamento da ADIN 1.662/SP, relator Ministro Mauricio Corrêa, julgado
em 30.08.01.
Não obstante a possibilidade de previsão antecipada no orçamento para
pagamento, os precatórios judiciais continuam a ser descumpridos pelos Estados. Apenas a
título exemplificativo, vale lembrar a CPI dos precatórios na cidade de São Paulo, que detinha
mais de R$ 8 bilhões de reais para pagar em precatórios, mas que não os adimpliu
corretamente, além de ter expedido títulos para financiar o pagamento das referidas obrigações
judiciais.15 As conseqüências pelo descumprimento dos precatórios judiciais podem ser das
mais inúmeras ordens.
Inicialmente, a possibilidade constitucional de intervenção, pois o Município que
descumpre um precatório fica sujeito á intervenção do respectivo Estado-membro (artigo 35, IV
da Constituição Federal)16, assim como, o Estado que não paga, no prazo, o precatório
judicial, sujeita-se à intervenção federal (art. 34, VI da Constituição Federal)17. É sabido,
todavia, que este instrumento, com intuito moralizador, nunca surtiu o efeito que deveria, nem
mesmo como uma potencial ameaça.
Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal federal aponta no sentido de
que a intervenção “limita-se à hipótese de atuação dolosa e deliberada do ente devedor de não
efetuar o pagamento, não bastando a simples demora de pagamento na execução da ordem
judiciária, por falta de numérico.” 18 Com essa decisão, a Corte esvaziou por completo o efeito
intimidatório do instituto da intervenção.
15 Outro exemplo é o Estado de Roraima que tem mais de R$ 2 bilhões de
reais em dividas de precatórios a pagar e desde o ano de 1995 não realiza pagamentos.
16 Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos
Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: IV- o Tribunal de Justiça der
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provimento a representação para assegura a observância de princípios indicados na
Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou decisão judicial.
17 Art.34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto
para:VI-prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial.
18 IF n°4426/SP, relatos Ministro Presidente Mauricio Correia, publicado em
11-12-2203.
A melhor doutrina critica esse entendimento jurisprudencial. A prática
administrativa coloca o credor de condenação judicial do Poder Público em posição de extrema
desvantagem. Neste sentido, são oportunas as considerações do ilustre administrativista Celso
Antônio Bandeira de Mello (2005, p.279):
Acresce que o Poder Público freqüentemente nem ao menos obedece a esta
exigência constitucional. Deixa ultrapassar os prazos sem lhes dar atendimento. É claro que
seria caso de intervenção federal nos Estados, estadual nos Municípios (a teor dos arts. 34, V,
“a”, ou 35, I), ou impeachment do Presidente da República (art. 85, VII). Só que nada disso
acontece. Há centenas de pedidos de intervenção federal em Estados e Municípios, sem que
sejam atendidos. Com isto, a responsabilidade do Estado no âmbito de inúmeros Estados e
Municípios possui um induvidoso caráter de ‘ficção’. Ou seja: sua existência em muitas partes
do País tem uma realidade próxima àquela que se supõe seja a de um saci, de uma iara, de
um gnomo ou de uma fada. Sem embargo, as pessoas do mundo jurídico escrevem sobre o
tema – como eu mesmo venho fazendo – tal como se estivessem perante uma realidade. Se
alguém duvida desta assertiva, basta verificar a documentação existente na Comissão de
Precatórios da OAB de São Paulo, ou da Bahia, ou de Santa Catarina, ou do Rio Grande do
Sul, para tomar apenas alguns exemplos. Precatórios trabalhistas do Ceará não são pagos há
20 anos. Em segundo, poder-se-ia cogitar da responsabilização política dos governantes, por
violação de normas orçamentárias, por deixar de incluir no orçamento a verba que foi regular e
tempestivamente solicitada pelos Tribunais, ou incluí-la, porém promovendo o seu desvio,
configura crime de responsabilidade do Presidente da República por atentar à Constituição
Federal, especialmente contra a probidade da administração e contra a lei orçamentária (artigo
85, incisos V e VI da Constituição Federal). No mesmo sentido, a responsabilização dos
Governadores19 e Prefeitos, estes, conforme preconizado pelo artigo 4°, VI do Decreto Lei
201/67: descumprir o orçamento aprovado para o exercício financeiro.
19 Previsão nas Constituições Estaduais.
Vale lembrar que deixar de consignar o montante requisitado pelo Poder
Judiciário na Lei Orçamentária Anual, ou promover o desvio das verbas consignadas,
constituem atos de improbidade administrativa, nos termos no artigo 11, incisos I e II da Lei
8429/92, cuja penalidade consiste na perda da função pública, suspensão dos direitos políticos,
multa e ressarcimento integral dos danos, quando houver.
Ademais, as verbas consignadas ao Poder Judiciário para pagamento de seus
precatórios, pertencem juridicamente a este, e não ao Poder Executivo. Assim, cabe ao
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Presidente do respectivo Tribunal, responsável pelo controle de tais verbas determinar o
seqüestro de recursos financeiros correspondentes às verbas incluídas no orçamento anual da
União, Estados e Município e desviadas para outras finalidades.
Conforme resumidamente demonstrado, existem normas constitucionais e
infraconstitucionais que regulam e penalizam autoridades e entidades federativas pelo não
pagamento de seus precatórios se aplicadas corretamente, todavia, a leniência das
autoridades, particularmente do próprio Poder Judiciário que não busca fazer valer suas
decisões, tem encorajado mais os governantes a desviar verbas, não incluí-las no orçamento
ou apenas demonstrar total desinteresse em cumprir a ordem judicial.
Esta flexibilização e falta de coercibilidade das decisões judiciais proferidas
contra o Poder Público conduz a uma situação de mitigação, senão, rompimento com a idéia
do Estado Democrático de Direito.
5. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO:PRECATÓRIO COMO MOEDA DE
MERCADO
O sistema tributário brasileiro prevê atualmente em torno de 70 tributos
diferentes que representam um alto custo para todos, mas em particular às empresas
nacionais. No intuito de aumentar seus lucros, diminuir seus custos e poder manter sua
competitividade no mercado, as empresas cada vez mais, têm buscado ao planejamento
tributário, que nada mais é do que a implantação de uma variedade de medidas e
procedimentos legais que objetivam diminuir, senão, extinguir com a carga tributária daquela
empresa.
A carga tributária brasileira continua em ritmo crescente, atingindo no 1°
trimestre de 2008, quase 39% do PIB20 (produto interno bruto) brasileiro. Por isso, o
contribuinte tem o direito de estruturar seu negócio da maneira que melhor lhe beneficie,
procurando diminuir os custos de seus empreendimentos, inclusive dos tributos, desde que não
esteja infringindo a lei, e a maneira legal de fazê-lo chama-se elisão fiscal ou economia legal
(planejamento tributário). Assinale-se que precatório não é um título de valor mobiliário, como
ações e debêntures, mas sim um direito adquirido de receber um valor monetário do Poder
Público. Todavia, o atraso no pagamento dos precatórios pelos Governos, acabou por criar um
mercado paralelo de negociações desses ativos.
O acúmulo de precatórios judiciais atrasados tem sido enfrentado de diversas
maneiras, mas os seus credores, já sem paciência para esperar pelo seu pagamento – que,
diga-se, pode levar mais de dez anos – desistem de receber a integralidade do que o Governo
lhe deve, e acabam vendendo o precatório com descontos que podem chegar a 70% do seu
valor de face. Seus maiores compradores são empresas que o utilizam para compensar seus
débitos tributários com o respectivo ente público devedor.
Com exceção do Governo Federal, que ainda pode ser considerado um bom
pagador, os Estados e Municípios possuem um estoque de débitos judiciais vencidos e não
pagos que acumulam em torno de dezenas de bilhões de reais.
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Em regra, trata-se de precatórios referentes a débitos dos Governos com seus
funcionários, aposentados e pensionistas, ou seja, 20 IBPT – Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário - http://www.ibpt.com.br/home/publicacao. precatórios alimentares.
Mas, como estes acabaram não sendo tratados pela EC n° 30, e a despeito de seu caráter
alimentar – diga-se, desnecessário aguardar a fila de precatórios por entender-se que são
prioritários – acabaram ficando paralisados na fila em razão do parcelamento dos precatórios
não alimentares atrasados.
Assim, a maior parte dos precatórios vendidos no mercado paralelo possuem
natureza alimentar. Estes, ao serem transferidos para terceiros, via cessão de créditos,
acabam perdendo este status e passam a ser precatórios de caráter não alimentar, como outro
qualquer. Referida cessão de créditos, por se tratar de uma cessão civil, está regida pelo artigo
286 do Código Civil que estabelece: “O credor pode ceder o seu credito, se a isso não se
opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da
cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da
obrigação.” A cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral, pelo qual o credor de uma
obrigação (cedente) transfere no todo ou em parte a terceiro (cessionário), independentemente
do consenso do devedor (cedido), sua posição na relação obrigacional, com todos os
acessórios e garantias. Qualquer crédito pode ser objeto de cessão, constante ou não de um
título, esteja vencido ou por vencer, desde que não seja contrário à natureza da própria
obrigação, contrário à lei ou não tenha sido ajustado pelas partes a sua intransmissibilidade –
pacto de non cedendo.
Cumpre assinalar que uma das exigências da lei civil para que se reconheça a
eficácia da cessão em relação ao devedor, é a notificação deste, como exige o artigo 290 do
Código Civil.21 E tratando-se de uma cessão de crédito de precatório, que se faz necessária a
habilitação do cessionário na respectiva execução.
21 Artigo 290: A cessão de crédito não tem eficácia em relação ao devedor,
senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito publico
ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
Ainda, o artigo 557, inciso II do Código de Processo Civil, ao regular a
execução prevê que podem promover ou prosseguir na execução o cessionário, quando o
direito resultante do título lhe foi transferido por ato entre vivos. Vale ainda lembrar o que
dispõe o artigo 42 §1 do Código de Processo Civil, quando prevê que a alienação da coisa ou
do direito litigioso não altera a legitimidade das partes, e que ao cessionário é imprescindível à
autorização da parte contrária para ingressar em juízo, não se aplica às cessões de
precatórios, vez que o referido artigo aplica-se tão somente ao processo de conhecimento, por
referir-se à coisa ou direito litigioso. Já em fase de execução de sentença, como é o caso dos
precatórios, a coisa ou direito não é mais litigioso, deixando assim de se aplicar a regra
esculpida no referido artigo.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça colaciona vários precedentes:
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(...) No caso sub examine, o credor cessionário goza do direito de substituir no
processo administrativo, a cedente, sem que para tanto haja necessidade de obter o
consentimento do devedor. A norma subsidiária do art. 42, § 1º, do CPC, não se aplica ao
processo administrativo, porquanto a obrigação patrimonial da parte vencida já está
definida. Assim já definiu a Corte Superior, verbis: ‘I - A cessão de créditos é disciplinada pelos
artigos 1.065 e seguintes do Código Civil. A teor de tais dispositivos, o credor é livre para ceder
seus créditos, ‘se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o
devedor.’ Em se tratando de créditos provenientes de condenações judiciais, existe permissão
constitucional expressa, assegurando a cessão dos créditos traduzidos em precatórios (ADCT,
Art. 78). Se assim acontece, não faz sentido condicionar a cessão ao consentimento do
devedor – tanto mais, quando o devedor é o Estado, vinculado constitucionalmente ao princípio
da impessoalidade. II - ‘O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração
do direito à compensação tributária. (grifo nosso)22 23
22 AG 636242/RS, relator Ministro Nilson Naves, publicado no DJ de 26.11.04.
23 No mesmo sentido: ROMS 12735/RO, relator Ministro Humberto Gomes de
Barros, publicado no DJ de 23.09.02; RESP 631110/RS, relator Ministro Gilson Dipp, publicado
no DJ de 18.05.04.
Como dito, os precatórios alimentares, uma vez objeto de cessão, perdem sua
natureza alimentar, pois já não mais se presta para tal fim. Os precatórios alimentares são
personalíssimos e sua cessão quebra o caráter alimentar, transformando-os em precatórios
não alimentares de parcela única, incluindo-os no poder liberatório de pagamento da EC n°30.
Há inúmeros atrativos no uso do precatório como forma de pagamento dos
tributos, pois gera uma redução da carga tributária da empresa ou pessoa física devedora da
exação, representando uma forma de capitalização e planejamento tributário. Ao oferecer o
precatório como garantia em ações judiciais (penhora), o precatório além de ser corrigido pelos
mesmos índices da dívida fiscal, ainda impede que outros bens da empresa ou pessoa física
sofram constrição judicial a fim de acautelar a execução. Ademais, estes bens, se oferecidos
em penhora, jamais teriam a mesma correção e constante valoração de um precatório.
O valor a ser pago pelo precatório varia muito em razão da localidade, tipo,
valor e outras circunstâncias. Em média, o deságio trabalhado no mercado gira em torno de
50% a 80% sobre o valor de face, isto quer dizer, por exemplo, que um precatório no valor de
R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) pode ser comprado por R$150.000,00 (cento e cinqüenta
mil reais). Assim, quem vendeu, ao menos recebe parte do que lhe é devido por direito, não
tendo que aguardar a interminável fila dos precatórios; o comprador, por sua vez, consegue um
bom desconto na compra e utilizará 100% do valor de face do precatório ao compensá-lo com
o ente político.
Trata-se de uma operação totalmente segura, pois a cessão de direitos é
regida pelas regras do Código Civil, e via de regra é realizada judicialmente pois, apesar da
forma administrativa ser possível, torna-se inviável pela infindável burocratização contida nas
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regras que regem o assunto, sem falar da total oposição por parte das Fazendas Públicas, que
deixam de arrecadar os tributos compensados.
A comercialização dos precatórios ainda é incipiente, mas com a falta de um
horizonte visível para o recebimento desses débitos por seus credores, diante desse cenário de
inadimplência, e com a jurisprudência nacional consolidando seu entendimento a favor dos
contribuintes, nasce um novo mercado de cessão de precatórios com o objetivo de receber
antecipadamente o que não há prazo para se pagar.
6. A PEC 12/2006
Resultado de um anteprojeto elaborado pelo então Ministro Presidente do
Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, entregando a sugestão ao Presidente do Senado,
Renan Calheiros, em março de 2006, Governadores e Prefeitos finalizaram a prévia discussão
sobre a Proposta de Emenda à Constituição n°12 que visa instituir um regime especial de
pagamentos de precatórios da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Se aprovada, a
emenda acrescerá um novo parágrafo ao artigo 100 da Constituição e o artigo 95 da ADCT.
Pela instituição deste novo regime, o ente público terá a opção de escolher o
novo regime de pagamento de seus precatórios. Opção esta, de caráter irretratável e de
iniciativa privativa do representante do Poder Executivo de cada ente federado, consoante o
texto proposto para o artigo 95 da ADCT:
Art. 95. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão optar,
por ato do poder executivo, de forma irretratável, por regime especial de pagamento de
precatórios relativos às suas administrações direta e indireta, a ser efetuado com recursos
calculados com base na vinculação de percentual de suas despesas primárias líquidas, nos
termos, condições e prazos definidos em lei federal. Pela proposta, a União e os Estados
deverão destinar o equivalente a 3% de suas despesas primárias líquidas do ano anterior para
pagamento dos precatórios, e os Municípios, no mesmo sentido, mas no montante de 1,5%.
Pelo texto proposto para o parágrafo 1º do artigo 95 do ADCT, do total dos
recursos incluídos no orçamento, 30% serão destinados ao pagamento à vista de precatórios
de acordo com uma fila que terá como prioridade os precatórios de menor valor,
independentemente da data de apresentação. A outra parcela de recursos, correspondente a
70% da verba vinculada ao pagamento de precatórios, será destinada ao pagamento de
dívidas judiciais após leilões, nos quais União, Estados e Prefeituras se beneficiarão de
deságios oferecidos pelos credores.
Assim, quem tiver precatório vencido e não pago poderá participar desses
leilões, e aqueles que tiverem o maior desconto, terão prioridade na ordem de pagamento.
Contudo, não poderão participar dos leilões, credores cujos precatórios estejam pendentes de
recurso judicial ou impugnação de qualquer natureza.
Além disso, e talvez esse seja o ponto mais pertinente da proposta no que
respeita o tema deste trabalho, caso o credor dos precatórios que venha a aderir ao novo
modelo de pagamento tenha débitos inscritos em dívida ativa, os pagamentos destes
precatórios somente serão realizados após prévia compensação de valores. Desse modo, a
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quitação, pelo regime especial, será pelo valor da diferença entre o valor dos precatórios e a
dívida do credor com a fazenda pública do ente respectivo.
Desta vez, o próprio legislador vem reconhecer que a compensação de
precatórios judiciais não pagos, com dívidas ativas da Fazenda configura o meio mais justo,
eficaz e célere de cumprimento recíproco de obrigações. Entre outras disposições, a PEC
também traz sanções aplicáveis ao Poder Público em caso de descumprimento das regras de
pagamento de precatórios pelo novo regime. Ocorrendo a opção pelo novo procedimento, a
não liberação tempestiva dos recursos previstos ensejará o seqüestro por ordem do Presidente
do Tribunal de Justiça local ou, no caso da União, do Presidente do Superior Tribunal de
Justiça, até o limite do valor não liberado, caso em que o Chefe do Poder Executivo responderá
por crime de responsabilidade.
Por fim, vale ressaltar que este regime especial de pagamento de precatórios
será transitório e vigorará enquanto o valor dos precatórios devidos e não pagos for superior ao
valor dos recursos vinculados para a quitação das dívidas pendentes. Ou seja, após a
amortização da dívida de precatórios por um determinado ente federativo a níveis inferiores ao
total da verba orçamentária destinada para este fim, o respectivo ente da Federação voltaria a
observar o regime geral previsto no artigo 100 da Constituição Federal.
Segundo a Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina, que
juntamente com outros Estados, está engajada na aprovação da PEC, se ela vier a ser
sancionada, permitirá ao Governo do Estado quitar todos seus pagamentos num prazo médio
de 8 anos. O saldo de precatórios em Santa Catarina, atualizado em 31.12.07, era de 398
milhões de reais24.
A PEC já foi aprovada pela CCJ – Comissão de Constituição e Justiça – do
Senado e agora segue para aprovação pelo plenário da Câmara.
A intenção consignada na PEC, sem duvida busca solucionar a caótica
situação dos precatórios não pagos, no entanto, cabe a toda sociedade, e particularmente ao
Poder Judiciário dar o efetivo tratamento aos casos de violação das regras de pagamento dos
precatórios, no sentido de fazer valer a vontade da lei.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se pode perder de vista a realidade reinante, na qual as despesas com
precatórios não vem sendo extintas de forma regular ocasionando um estoque de precatórios
acoimados de “impagáveis”, a demandar providências legislativas no âmbito constitucional.
24 Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina –
http://www.sef.sc.gov.br.
A flexibilização das decisões judiciais acabou por gerar no âmbito da classe
política uma cultura de descumprimento dos precatórios judiciais e endividamento
irresponsável. À vista das infindáveis garantias processuais conferidas ao Poder Público,
justamente no intuito de fazer valer a segurança jurídica, a sociedade vivencia uma eterna
insegurança, quando se trata de uma sentença judicial proferida em, desfavor do Estado.
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O artigo 100 da Constituição Federal, admitindo, através da Emenda
Constitucional n°30 de 2000, a viabilidade de compensação entre o crédito tributário e o debito
do precatório em mora, deve ser interpretado de forma sistemática, sendo impossível admitir
uma interpretação isolada do mesmo. Deve orientar-se e levar em consideração, antes de mais
nada, o próprio preâmbulo da Constituição Federal, que menciona o dever do Estado em
resolver as controvérsias pacificamente, possibilitando assim, que a prestação jurisdicional
tenha como objetivo primordial proporcional a paz ao cidadão.
O precatório, enquanto fruto de uma decisão imodificável do Poder Judiciário,
representando um direito de credito que o contribuinte conquistou, em face do Estado. E se,
este mesmo Estado tem débitos em haver, com o mesmo contribuinte, não há que se falar em
impossibilidade de compensação, vez tratar-se de um instituto que remontando há época
romana, sempre fora entendido e utilizado no acerto de contas entre duas pessoas, quando
são concomitantemente credora e devedora uma da outra.
Nesse ponto, a doutrina e jurisprudência convergiu por muito tempo, e mesmo
com a publicação da EC 30, que acrescentou o artigo 78 da ADCT, prevendo expressamente a
possibilidade de, as parcelas não pagas do precatórios adquirirem poder liberatório de
pagamento de tributos, as autoridades administrativas ainda recusam-se a efetivar o direito à
compensação, seja de forma direita ou apenas omitindo-se na manifestação, obrigando, desta
forma, o contribuinte a propor a medida judicial cabível.
A indolência do legislador em modificar o tratamento dispensado à Fazenda
Pública, notadamente no que concerne ao cumprimento das decisões judiciais impõe ao
julgador o reconhecimento dos direitos e garantias do cidadão.
Necessário se faz reconhecer ainda que, a compensação, enquanto forma de
extinção da obrigação tributária, é um predicado da celeridade processual, sobretudo de
economia no relacionamento entre as partes.
O tema debatido chegou a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, e em
recente e histórica decisão, aquela Corte, sinalizando o amadurecimento da jurisprudência
tributária a favor do contribuinte, pelo voto do Ministro Eros Grau, no RE 550.400-0 (19.09.07),
inovou a permitir que uma pessoa jurídica compensasse o tributo que devia (no caso um
imposto estadual, ICMS) com precatórios alimentares que havia adquirido de terceiros.
A decisão do Ministro superou ao menos dois pontos relevantes, criando um
importante precedente para os contribuintes brasileiros. Inicialmente reconheceu a auto-
aplicabilidade do artigo 78, parágrafo 2° da ADCT deixando claro seu posicionamento favorável
aos contribuintes, pela desnecessidade de lei estadual ou municipal regulamentadora para
efetivar as compensações, questão à qual as Fazendas Públicas (Federal, Estadual e
Municipal) sempre defenderam o posicionamento contrário.
Em seguida, a decisão pacificou outra polêmica ao admitir o uso de precatório
de entidade diversa daquela que cobra o tributo, fundamentado que ambos os órgãos integram
a Fazenda Pública do mesmo ente federado, levando em conta, portanto, o fato do tributo ser
destinado aos mesmos cofres dos quais sairia o dinheiro para a quitação do precatório.
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Muito embora essa decisão tenha sido proferida de forma monocrática, ela já
sinaliza uma possível postura da mais alta corte do País em um momento no qual o Judiciário
tem se mostrado cada vez mais preocupado com a política oficial de calote contra os credores
de precatórios alimentares, justamente os que mais necessitam de recebimento dos valores
devidos pelo Poder Público.
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SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 6ª edição.
São Paulo: Malheiros, 2003.
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ARTIGO 23
O Parcelamento De Débitos Tributários Em Perspectiva Atual
José Cardoso Dutra Junior - Procurador do Distrito Federal.
1.Introdução
O direito tributário se revela como um dos ramos do direito brasileiro em que a
contribuição doutrinária vem ganhando vulto desde o advento do Código Tributário Nacional,
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principalmente após a promulgação de nossa Carta Magna. Juristas de renome, nessas três
décadas, dedicaram-se à pesquisa científica e à difusão de teses primorosas nos livros e
periódicos que hoje cada vez mais pedem espaço nas livrarias e bibliotecas do País. Todavia,
mesmo em terreno tão explorado ainda é possível encontrar lacuna a ser colmatada, até
porque o direito tributário positivo nunca descansa do assédio de propostas legislativas
capitaneadas, ora pela Fazenda, ora pelos contribuintes. Dentre os temas suscetíveis de
especulação, a natureza jurídica do parcelamento de débitos tributários, que há tempos sugere
muita discussão, brota agora com mais força diante de recentes inovações legislativas, como
as materializadas na Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, que alterou o Código
Tributário Nacional e tratou, entre outros assuntos, do instituto do parcelamento.
Impende, destarte, definir o parcelamento de débitos tributários em perspectiva
atual e consolidar entendimento sobre sua natureza jurídica e sua relação com a moratória,
fazendo antes, por imprescindível, breve digressão sobre o que existia em doutrina e em
jurisprudência antes do advento daquele diploma complementar.
2. A legislação de regência e os questionamentos que o tema sempre
ofereceu
O Código Tributário Nacional instituiu a moratória como forma de suspensão da
exigibilidade do crédito tributário (CTN, 151, I) e traçou as regras básicas de sua concessão,
abrangência e revogação (CTN, 152 a 155). Noutro passo, nada disse a Lei nº 5.172/66 sobre
parcelamento, nem como instituto diferente de moratória, nem como instituto contido no
conceito de moratória individual ou geral.
Noutro giro, a análise da legislação ordinária editada na vigência do CTN
relativa ao pagamento atrasado de débitos de natureza tributária para com a União, Estados e
Distrito Federal, permite aferir que o legislador, raríssimas vezes, usou a expressão moratória
para identificar tal natureza de benefício fiscal. Ao invés disso, sempre se fez menção a
parcelamento, mas nunca definiu o instituto, talvez porque essa tarefa coubesse mesmo à lei
complementar.
A doutrina, então, logo se dividiu. Alguns se atreveram a identificar dois
institutos distintos: moratória sendo dilação de prazo sem acréscimo de acessórios (juros e
multas); e parcelamento como dilação de prazo para pagamento no qual se incluíssem aqueles
encargos. Outros defenderam uma relação de gênero e espécie, onde o parcelamento seria
uma modalidade de moratória em que se fraciona o pagamento em prestações.
A jurisprudência sempre se mostrou rica no enfrentamento dos chamados
efeitos jurídicos da moratória e do parcelamento, sendo pesadamente majoritário o
entendimento de que o parcelamento implica suspensão da exigibilidade do crédito tributário tal
como a moratória[1]. Entretanto, nunca foi verdadeiramente possível captar das decisões
judiciais existentes um posicionamento majoritário e seguro a respeito da natureza jurídica dos
dois institutos em questão.
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A utilidade da diferenciação entre parcelamento e moratória está relacionada à
necessidade de saber se os sistemas federal, estadual, distrital ou municipal de parcelamento
de débitos tributários têm ou não que guardar conformidade com as regras do CTN sobre
moratória, como por exemplo, a do art. 154, parágrafo único, da lei nacional, que trata da
vedação da concessão do benefício para os casos de dolo, fraude ou simulação.[2]À míngua
de uma teorização completa sobre o tema na doutrina pátria, ou de seu perfeito tratamento
legislativo, as discussões sempre desembocavam nas velhas perguntas: parcelamento e
moratória são dois nomes de um mesmo instituto? Ou seria possível definir o parcelamento
como uma forma atípica ou sui generis de suspensão da exigibilidade do crédito tributário? E
mais: quais seriam as conseqüências jurídicas de uma ou outra resposta?
3. A doutrina que se construiu sobre a matéria
Nos mais conhecidos cursos e manuais de direito tributário, o parcelamento é
geralmente estudado junto com a moratória, portanto, dentro dos comentários às formas de
suspensão da exigibilidade do crédito tributário. De tudo o que se escreveu sobre o tema, é
certo dizer que a natureza jurídica do parcelamento deu origem a diversas correntes
doutrinárias, dentre as quais se destacam: a) parcelamento como modalidade de moratória; b)
parcelamento como transação; c) parcelamento como novação; d) parcelamento como causa
sui generis de suspensão do crédito tributário.
Parcelamento como modalidade de moratória: Para alguns, a moratória
consiste na dilação do prazo para o pagamento do crédito tributário, sendo o parcelamento do
débito a modalidade mais utilizada. Sob essa perspectiva, a moratória pode se dar tanto pela
simples dilatação do prazo para pagamento único como também pela dilatação de prazo para
pagamento em prestações, caso em que ganha o nome de parcelamento.[3]
Os que trilham esse caminho, interpretam o CTN segundo as lições de Fábio
Fanucchi, que assim doutrinou sobre o tema:
"(...) A moratória poderá abranger créditos vencidos e vincendos, tudo
dependendo das condições insertas no diploma legal específico (...) A respeito dos
parcelamentos, tem-se discutido sobre a legitimidade da inclusão, ao crédito, de multa e juros
moratórios verificados devidos após a concessão do favor. Em princípio, não houvesse na
legislação específica ordenamento de inclusão das multas e juros moratórios ao valor original
do crédito como condição para a concessão da moratória, parece claro que não deveria haver
o acréscimo, desde que concedida a prorrogação do prazo para pagamento do crédito. Tal
acréscimo, como se conclui pela letra da lei nacional tributária, se justificaria quando e se
revogada a moratória, por inadimplemento de condições que justificassem a concessão do
favor, com ou sem a prática de dolo ou simulação pelo beneficiado, ou por terceiro em
favorecimento daquele (...) Se, pela lei nacional, o acréscimo de simples juros moratórios só é
cogitado no instante em que se ditam as normas de revogação do favor de prorrogação no
prazo do pagamento, infere-se daí não ser cabível esse acréscimo enquanto não revogada a
moratória".[4]
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Contra essa corrente, opõe-se àquela que declara inconfundíveis parcelamento
e moratória, exatamente porque essa, à luz da inteligência do art. 155, caput, do CTN, não
comporta encargos (multa e juros), visto que quando de sua concessão o débito ainda não se
acha vencido, ao passo que o parcelamento contempla ditos encargos e, por isso, afasta-se do
conceito de moratória. [5]
Parcelamento como transação. O Código Tributário Nacional, em seu art.
171, diz que "A lei pode facultar, nas condições que esta beleça, aos sujeitos ativo e passivo da
obrigação tributária, celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em
determinação[6] de litígio e conseqüente extinção do crédito tributário".
Na transação[7], a Fazenda flexibiliza o princípio da indisponibilidade do crédito
tributário, para, mediante concessões (que hão de ser menos custosas que o mecanismo de
cobrança), ganhar a certeza do recebimento do crédito, ou pelo menos sua recuperação mais
rápida[8]. Para Bernardo Ribeiro de Moraes[9](com a ressalva de que este autor não relaciona
transação e parcelamento), a transação se assenta, sob a ótica da Fazenda, na incerteza
sobre o momento da efetiva satisfação do crédito ou sobre a capacidade do contribuinte de
suportá-lo por inteiro (em condições que não as da transação), de tal sorte a provocar o
acordo.
Nesse contexto e a partir da análise da vasta legislação federal, estadual e
distrital sobre parcelamento, vem aumentando o número de estudiosos que vêem nesse
instituto um instrumento de transação, pois claras são concessões mútuas realizadas entre os
sujeitos da obrigação tributária, a saber: sujeito ativo aceitando receber o crédito tributário em
dezenas de parcelas, com redução do que seria devido a título de juros, multa e outros
encargos da dívida ativa; sujeito passivo confessando a dívida, renunciando a recursos[10] na
esfera administrativa e judicial, e comprometendo-se a pagar um número determinado de
parcelas num prazo certo de tempo.[11]
A esse modo de ver as coisas se opõem aqueles que defendem que o
parcelamento se afasta da transação porque, diferentemente dela, não extingue o crédito
tributário, mas apenas suspende sua exigibilidade.[12]O certo, entretanto, é que o
parcelamento, a despeito de não extinguir o crédito tributário, serve como instrumento primeiro
de seu alcance. E seu enquadramento no conceito de transação depende, por óbvio, da
adesão à insuperável doutrina de Sacha Calmon Navarro Coelho, verbis:
"Transacionar não é pagar, é operar para possibilitar o pagar. É modus
faciendi, tem feitio processual, preparatório do pagamento. Por meio de uma transação, muita
vez ocorre pagamento em moeda, consorciado a pagamento por compensação, a aplicação de
remissões e anistias, ou mesmo a dação em pagamento de coisa diversa do dinheiro".[13]
O parcelamento, portanto, subsume-se à norma geral sobre transação. Uma
vez firmado, suspende a exigibilidade do crédito. Honrado, extingue-o. Essa é a corrente
encampada em recente apreciação do tema no âmbito da Procuradoria-Geral do Distrito
Federal, de que resultou a emissão do Parecer nº 8.068/2000-PRG. [14]
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Parcelamento como transação e novação. Roque Antônio Carraza, em
brilhante estudo, defende que o parcelamento de débitos tributários é uma modalidade de
transação que, inevitavelmente, deságua em novação. Para o reconhecido Professor, o
instituto da transação, previsto nos artigos 156, III e 171 do CTN, a par de levar a cabo a
primitiva obrigação tributária, determina o surgimento de novas. E sendo o parcelamento, a seu
ver, instituto que se coaduna com o conceito de transação, ele faz com que a obrigação
tributária desapareça e dê lugar a tantas obrigações tributárias novas quantas forem as
prestações, todas com valores e vencimentos próprios. O contribuinte passa a ficar em dia com
a Fazenda e ganha direito a certidões de regularidade (CTN, 205 e ss.).[15]
Esse entendimento é rebatido pelos que entendem que o pagamento não se
confunde com a novação, pois esta implica substituição da relação jurídica, com mudança de
devedor, de credor, ou do objeto da prestação, e o parcelamento, ao contrário, mantém a
relação jurídica (sujeitos e objeto) e repercute apenas nas condições de pagamento. A novação
extingue o crédito tributário (CTN, 156); o parcelamento é causa de suspensão de exigibilidade
do crédito, embora seja certo que honrado o parcelamento, extinto estará o crédito. [16]
Parcelamento como causa sui generis de suspensão do crédito tributário.
Caminhando em sentido independente, há um grupo de tributaristas que vê o parcelamento
como clara e simples dilatação do prazo de pagamento de dívida tributária vencida, o que o
diferencia da moratória, na qual se adia o vencimento da dívida. Por isso, noparcelamento
incluem-se os encargos, enquanto que na moratória não se cuida deles. Esse é linha de
pensamento de Bernardo Ribeiro de Moraes, Hugo de Brito Machado e Luiz Emygdio F. da
Rosa Jr.[17]
É certo que esses doutrinadores não declararam expressamente - pelo menos
nos trabalhos escritos que fundamentaram o presente estudo - ser o parcelamento causa sui
generis de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Todavia, não se confessaram
adeptos de nenhuma das correntes doutrinárias acima expostas, de modo que só se pode
enquadrá-los como defensores do parcelamento enquanto instituto diferenciado, atípico ou sui
generis de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
4. A Lei Complementar nº 104 e a abordagem da matéria sob perspectiva
temporal adequada
A Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001 (DOU 11.01.01.) operou
diversas alterações no Código Tributário Nacional, merecendo destaque, entre elas, por
pertinência temática com este pequeno trabalho, o acréscimo de um inciso VI no art. 151 e do
art. 155-A, caput e §§1ºe 2º. Com as citadas alterações, o CTN passou a rezar que:
"Art. 151.Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
(...)
VI - o parcelamento."
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"Art. 155-A. O parcelamento será concedido na forma e condição estabelecidas
em lei específica.
§ 1º Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário
não exclui a incidência de juros e multas.
§ 2º Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei,
relativas à moratória."
Como se vê, numa só penada o legislador contribuiu e muito para a solução de
questões doutrinárias que há anos estavam carentes de melhor sistematização e efetivo
enfrentamento.
Caminhando na linha da jurisprudência majoritária, o CTN agora inclui o
parcelamento dentre as causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, 151,
VI). O parcelamento passa a ser tratado pelas normas gerais do Código, sendo que a criação
de novel dispositivo (CTN,155-A) afastou de vez teseda sinonímia com a moratória. Garantiu-
se, todavia, a subsidiariedade das normas da moratória ao parcelamento, de modo que a ele
se aplica o disposto nos artigos 152 a 155 do CTN, sempre que haja compatibilidade.
A moratória, nos termos do art. 154, caput, do CTN, abarca apenas os créditos
definitivamente constituídos (lançamento notificado e prazo para pagamento in albis), embora a
lei autorizadora possa permitir que ela atinja os casos em que tenha havido a notificação de
lançamento, mas ainda não esteja esgotado o prazo para pagamento. A moratória pressupõe,
assim, o lançamento iniciado (leia-se: notificação recebida pelo sujeito passivo).
Essa regra não se aplica ao parcelamento, pois ao estabelecer que o
parcelamento contemplará juros e multas, salvo de modo diverso dispuser a lei que autoriza
sua concessão (CTN, 155-A, §1º), o Código não deixa lacuna para a aplicação subsidiária da
norma atinente à moratória. Isso porque, se o parcelamento contempla juros e multas (salvo
quando o legislador dispensar tais encargos), uma conclusão é certa: ele incide sobre débitos
já vencidos e não pagos, pouco importando se houve ou não o lançamento. Então, o §1º do
art.155-A acrescentado ao Código deixa clara a abrangência do parcelamento, que acaba
firmando-se como uma via mais vantajosa que a Fazenda, eis que abrange um maior plexo de
débitos e permite a cobrança de encargos.
5. Conclusões
À luz dessas recentes alterações no CTN, cuja clareza e objetividade
dispensam maiores comentários, e dos fragmentos de doutrina colhidos no período que
precedeu a citada inovação legislativa, é possível inferir que:
a) data venia das opiniões em contrário de ilustres tributaristas, parcelamento e
moratória são institutos que nunca se confundiram, restando sepultadas as discussões em
torno do tema a partir da edição da LC nº 104/01, que acrescentou ao Código Tributário
Nacional o inciso VI do art. 151 e o art. 155-A;
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b) o parcelamento só pode ser concedido a partir de lei autorizadora específica,
que fixe os limites das concessões que a Fazenda possa fazer ao contribuinte, entre elas o
número máximo de parcelas, os juros e as multas incidentes (art. 155-A, caput, do CTN);
c) a lei que concede parcelamento deve ser interpretada de forma restritiva
(CTN, 111, I), uma vez que constitui exceção à regra de que ocorrido o fato gerador, a
autoridade administrativa não pode deixar de fazer o lançamento e notificar o contribuinte para
pagar integralmente o valor em prazo legalmente fixado, e nem deixar de cobrar extrajudicial
ou judicialmente a dívida se esse prazo transcorrer in albis (CTN, 142, parágrafo único e 201, e
Lei nº6.830/80, artigos 1º e ss);
d) na concessão do parcelamento, diferentemente do que ocorre na moratória
(inteligência do art.155, II, CTN), a regra é cobrar juros e multas, podendo o legislador dispor
de modo diverso (CTN, 155-A, §1o);
e) se pode existir, nos termos de disposição expressa em lei ordinária (art. 155-
A, §1º, do CTN), parcelamento sem inclusão de juros e multas, tais encargos não compõem
necessariamente o conceito de parcelamento e, portanto, não servem de traço distintivo dele
em relação à moratória, como defenderam, no passado, reverenciados juristas. A possibilidade
de inclusão dos encargos no parcelamento é que representa, verdadeiramente, um dos traços
que o distingue da moratória;
f) entretanto, a possibilidade de cobrança de juros e multas no parcelamento
não significa a confirmação da tese de que o parcelamento pressupõe débito vencido, ao passo
que a moratória recai apenas sobre débitos vincendos, haja vista a inconfundível dicção do art.
154, caput, do CTN, no sentido de que a moratória alberga, em regra, créditos definitivamente
constituídos (lançados e não pagos no prazo, portanto, vencidos), embora possa o legislador,
excepcionalmente, incluir créditos não definitivamente constituídos, desde que já notificado o
lançamento ao contribuinte (débito vincendo);
g) assim sendo, parcelamento cuida de débitos vencidos (CTN, 155-A, §1º) e
moratória também (CTN, 154, caput), embora nesta a lei autorizadora possa também incluir os
vincendos cujo lançamento já tiver se operado;
h) as regras do CTN sobre moratória se aplicam subsidiariamente ao
parcelamento (CTN, 155-A, §2o), entre elas a do art. 154, parágrafo único, do Código, sem
prejuízo da remissão (CTN, art.172) que couber na hipótese ali especificada;
i) o parcelamento, a partir da edição da LC nº 104/01, é causa de suspensão
da exigibilidade do crédito tributário expressamente prevista no Código (CTN, 151, I e VI),
sendo certo que antes do advento de tal diploma o parcelamento tinha o efeito de suspender a
cobrança do crédito, mas não em decorrência do art. 151 do CTN, e sim do pacto
administrativo firmado entre contribuinte e Fazenda, assentado na lei autorizadora do
parcelamento;
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j) a identificação do parcelamento enquanto causa de suspensão da
exigibilidade do crédito tributário (CTN, 151, VI) não obsta seja ele, noutra dimensão,
instrumento de transação (CTN,171), eis que não sendo, de imediato, um pagamento, o acordo
para pagamento parcelado configura ato jurídico que irá possibilitar e preparar o pagamento,
para onde convergem concessões mútuas de Fazenda e contribuinte, gerando, num primeiro
instante, a suspensão da exigibilidade e, num segundo instante, a extinção do crédito tributário
(CTN, 156, III);
k) nesse último prisma (parcelamento enquanto instrumento de transação), é
de se salientar que ele termina litígio, entendido este vocábulo como qualquer controvérsia
administrativa, inclusive a presunção, decorrente do não pagamento do débito no vencimento,
de que o contribuinte não quer pagar e de que o Estado sempre quer receber (princípio da
indisponibilidade dos bens públicos);
l) as concessões fazendárias materializadas em parcelamento não ofendem o
princípio da indisponibilidade dos bens públicos, uma vez que, em perspectiva atual, tal
princípio deve ser balanceado com outro, o da eficiência do Estado, segundo o qual deve
interessar à Fazenda fazer mutuamente com o contribuinte concessões que, sendo menos
custosas que o mecanismo de cobrança, imprimam a certeza do recebimento do crédito ou,
pelo menos, de sua recuperação mais rápida (em relação à cobrança judicial), sempre
considerando a capacidade ou não do contribuinte de suportá-lo por inteiro (em condições que
não as do parcelamento);
m) nada impede que o acordo de parcelamento, enquanto instrumento de
transação, albergue institutos como a remissão (CTN, 172) ou a anistia (CTN, 180 e ss.) com
as regras que lhe são próprias;
[1]Cf. STJ, Resp 162.887, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 04.05.98, Resp
88.786, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 03.03.98, TRF 4ª Região, e AMS 97.04.64710, Rel
Juiz Fábio Bittencourt Rosa, DJ de 29.07.98.
[2]Essa matéria está sendo versada na Ação Civil Pública proposta pelo
MPDFT contra o Distrito Federal, na qual se questiona, entre outras matérias, a concessão de
parcelamento de débitos tributários com redução de multa aplicada em casos de dolo, fraude
ou simulação, firmados com base nas Leis Complementares Distritais nº 191/99, 212/99 e
277/2000.
[3]Nesse sentido TORES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e
Tributário, Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p.244. No mesmo passo, SAKAHIHARA, Zuudi. In:
FREITAS, Vladimir Passos, coordenador. Código Tributário Nacional Comentado. São Paulo:
RT, 1999, p.600, e PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à
luz da doutrina e da jurisprudência, 2ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p.506. É
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possível ainda ver essa doutrina na jurisprudência do TRF 4ª Região, como na REO 4430538,
Rel. Juiz Jardim de Camargo, DJ de 22.05.96.
[4] Curso de Direito Tributário Brasileiro, 4 ed., Vol. I, São Paulo: Resenha
Tributária, 1977, p.310/313.
[5]Vide nota 8 infra. Essa é a doutrina de Bernardo Ribeiro de Moraes em seu
consagrado Compêndio de Direito Tributário, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 594. Assim
também MACHADO, Hugo de Brito, Curso de Direito Tributário, 8 ed. São Paulo: Malheiros,
1993, p.124, e ROSA JR., Luiz Emygdio F., Manual de Direito Financeiro e Tributário, 14 ed.
Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 566.
[6] Leia-se terminação.
[7]Aliomar Baleeiro registra que, a despeito de prestigiosas opiniões em
contrário, o legislador empregou o vocábulo no sentido jurídico e não vulgar de negócio
qualquer, pois quis falar sobre ato jurídico que modifica e extingue obrigações. Cf. Direito
Tributário Brasileiro, 7 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p.510.
[8] Cf. ABRÃO, Carlos Henrique. Parcelamento do débito tributário, in Revista
Dialética de Direito Tributário, Vol.21, p.13-17.
[9] Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 623-624.
[10]A expressão recursos aqui é usada para englobar todos os expedientes
administrativos e judiciais de que se pode valer o contribuinte para contestar um crédito fiscal.
[11] Na jurisprudência, há uma aceitação do parcelamento enquanto transação,
valendo conferir: no
TRF da 5ª Região, a AC 97.05.36429-0, Rel. Juiz Geraldo Apoliano, DJ
24/11/2000, e a ACr 89.05.09050- 8, DJ de 25.04.90, Rel. Juiz José Delgado; no TRF da 2ª
Região, a AC 96.02.38170-1, Rel. Des. Fed. Ney Fonseca, DJ 17/09/1998.
[12]Cf. STJ, 1ª Turma, Resp 38.245, Rel. Min. Milton Pereira, DJ de 19.06.95.
TRF 2ª Região, AC 92.02.15126-1, Rel. Desembargadora Federal Tânia Heine, DJ 05.11.92.
Assim também entende Manoel Álvares, in Código Tributário Nacional Comentado/
coordenação de Vladimir Passos Freitas, São Paulo, RT, 1999, p.654.
[13] Apud. Curso de Direito Tributário Brasileiro, 4ª ed. São Paulo: Forense, p.
716-717.
[14]Esse parecer foi elaborado por uma comissão composta pelos ilustres
colegas: Ada Stella Bassi Damião, Evaldo de Souza da Silva, Maria Vilma Silva Mansur,
Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e Osiris de Azevedo Lopes Neto.
[15]A extinção da punibilidade no parcelamento de contribuições
previdenciárias descontadas, por entidades beneficentes de assistência social, dos seus
empregados, e não recolhidas no prazo legal. Questões conexas, in Revista dos Tribunais, V.
728, jun. 1996, p. 433-450.
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[16] Cf. STJ, ROHC 3.973, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ de 15.05.95.
[17] Essa é a doutrina de Bernardo Ribeiro de Moraes em seu consagrado
Compêndio de Direito Tributário, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 594. Assim também
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 8ªed. São Paulo: Malheiros 1993,
p.124, e ROSA JR., Luiz Emygdio F. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 14ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000, p. 566. O STJ parece ter acolhido essa doutrina em julgamentos como
o dos Recursos Especiais de nº 39.020 (DJ 15.05.95) e 54.531 (DJ 18.09.95), ambos relatados
pelo Ministro Milton Pereira.
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