Material Didatico William Kentridge

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O processo artístico de William Kentridge se orienta pela noção de “for- tuna”, que o artista situa entre o acaso estatístico e o controle racional. Em outras palavras, podemos entender “fortuna” como uma espécie de casualidade direcionada, uma engenharia da sorte, em que há tanto possibilidade quanto predeterminação. Fortuna faz alusão a um estado de devir em que a obra de arte está eternamente em construção. Sugere também a celebração de uma excentricidade não avessa ao engajamento político. A obra de Kentridge se refere ao recente processo sul-africano de reconciliação e à herança do apartheid, mas seu alcance estende-se a temas universais como a transitoriedade e a memória. Profundamente marcado pela paisagem e pela história social de sua terra natal, todo o exercício artístico de Kentridge entrelaça o político e o poético, drama coletivo e individual, sem dispensar o humor e a ironia. Esta exposição ressalta os processos artísticos do artista, sem focalizar temas específicos. O conceito de fortuna serve como um ponto de aces- so para se examinar como a obra de Kentridge transita livremente pelas fronteiras cada vez mais permeáveis do cinema, da escultura, da gravura, dos livros de artista, das palestras/ performances, das produções operís- ticas e teatrais. O artista descreve sua prática geral como um “excesso de realização”, em que “a fúria do fazer, a maneira como meios e imagens deflagram novas ideias”, leva à migração de significados de uma obra a outra. Profundamente desconfiado da ideia de especialização, Kentridge aprecia a contaminação estética que ocorre quando formas artísticas são mescladas, códigos de representação são quebrados e rearranjados em algo híbrido, abrindo assim possibilidades transdisciplinares. Kentridge nasceu em 1955 em Johannesburgo, na África do Sul, onde vive e trabalha. Após estudar ciência política e estudos africanos na Universidade de Johannesburgo, voltou-se para a prática de artes vi- suais na Johannesburg Art Foundation. Durante esse período, dedi- cou-se ao teatro, atuando e fazendo criação cênica em diversas produ- ções. Seu envolvimento com o teatro e a ópera perpassa toda sua obra e confere o caráter performático de sua produção artística. Desenvolvida em estreita colaboração com o artista, a exposição inclui mais de 200 obras — entre desenhos, filmes, vídeos, gravuras, obje- tos e esculturas — criadas entre 1989 e 2012. William Kentridge: fortuna é a primeira exposição individual em grande escala dedicada à obra do artista na América do Sul. Após a apresentação na Fundação Iberê Camargo, será mostrada na Pinacoteca do Estado de São Paulo. LILIAN TONE CURADORA DA EXPOSIÇÃO MATERIAL DIDÁTICO PROGRAMA EDUCATIVO FUNDAÇÃO IBERÊ CAMARGO WILLIAM KENTRIDGE FORTUNA

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  • O processo artstico de William Kentridge se orienta pela noo de for-tuna, que o artista situa entre o acaso estatstico e o controle racional. Em outras palavras, podemos entender fortuna como uma espcie de casualidade direcionada, uma engenharia da sorte, em que h tanto possibilidade quanto predeterminao. Fortuna faz aluso a um estado de devir em que a obra de arte est eternamente em construo. Sugere tambm a celebrao de uma excentricidade no avessa ao engajamento poltico. A obra de Kentridge se refere ao recente processo sul-africano de reconciliao e herana do apartheid, mas seu alcance estende-se a temas universais como a transitoriedade e a memria. Profundamente marcado pela paisagem e pela histria social de sua terra natal, todo o exerccio artstico de Kentridge entrelaa o poltico e o potico, drama coletivo e individual, sem dispensar o humor e a ironia. Esta exposio ressalta os processos artsticos do artista, sem focalizar temas especficos. O conceito de fortuna serve como um ponto de aces-so para se examinar como a obra de Kentridge transita livremente pelas fronteiras cada vez mais permeveis do cinema, da escultura, da gravura, dos livros de artista, das palestras/performances, das produes opers-ticas e teatrais. O artista descreve sua prtica geral como um excesso de realizao, em que a fria do fazer, a maneira como meios e imagens deflagram novas ideias, leva migrao de significados de uma obra a outra. Profundamente desconfiado da ideia de especializao, Kentridge aprecia a contaminao esttica que ocorre quando formas artsticas so mescladas, cdigos de representao so quebrados e rearranjados em algo hbrido, abrindo assim possibilidades transdisciplinares.Kentridge nasceu em 1955 em Johannesburgo, na frica do Sul, onde vive e trabalha. Aps estudar cincia poltica e estudos africanos na Universidade de Johannes burgo, voltou-se para a prtica de artes vi-suais na Johannesburg Art Foundation. Durante esse perodo, dedi-cou-se ao teatro, atuando e fazendo criao cnica em diversas produ-es. Seu envolvimento com o teatro e a pera perpassa toda sua obra e confere o carter performtico de sua produo artstica.Desenvolvida em estreita colaborao com o artista, a exposio inclui mais de 200 obras entre desenhos, filmes, vdeos, gravuras, obje-tos e esculturas criadas entre 1989 e 2012. William Kentridge: fortuna a primeira exposio individual em grande escala dedicada obra do artista na Amrica do Sul. Aps a apresentao na Fundao Iber Camargo, ser mostrada na Pinacoteca do Estado de So Paulo.

    LiLian ToneCuradora da exposio

    MATERIAL DIDTICO

    programa eduCaTivoFundao iber Camargo

    wILLIAMkEnTRIDgEfORTunA

  • BIOgRAfIA William Kentridge nasceu em 1955, na cidade de Johannesburgo, frica do Sul. Antes de ingressar na Johannesburg Art Founda-tion, onde iniciaria seus estudos no campo das Artes Visuais, o artista graduou-se em Cincias Polticas e Estudos Africanos, na Universidade de Witwatersrand, em 1976. Kentridge tambm demonstrou grande interesse pelo teatro, estudando, entre 1981 e 1982, na Lcole Internationale de Thtre Jacques Lecoq, em Paris. Seu pai, Sydney Kentridge, um renomado advogado que trabalhou em defesa das vtimas do apartheid, o que o manteve sempre prximo s questes polticas de seu pas. Seu trabalho, no entanto, apresenta outros elementos, misturando ironia e cons-cincia social, experimentao tcnica e potica, o ntimo e o cole-tivo. As obras do artista no apresentam respostas prontas: Me interessa uma arte poltica, o que quer dizer uma arte de ambigui-dade, contradio, gestos incompletos e finais incertos, explica.1

    Durante os anos 80, Kentridge trabalhou como diretor de arte para algumas sries de televiso. Nessa poca, foram criadas suas pri-meiras animaes. O processo de produo desses curta-metra-gens consiste na filmagem de seus desenhos: o artista risca, apa-ga, muda e redesenha os traos para film-los novamente. Alm disso, seu trabalho dentro do teatro, com cenografia, peras e performances, tambm bastante conhecido.

    Kentridge ganhou reconhecimento internacional em meados dos anos 90. Desde ento, seu trabalho pode ser visto em museus, ga-lerias e teatros em todo o mundo. Entre suas principais exposies, esto as mostras coletivas Documenta de Kassel, na Alemanha (1997, 2003, 2012), e a Bienal de Veneza (1993, 1999, 2005) e expo-sies individuais no MoMA, de Nova York (1998, 2010), no Museu Albertina, em Viena (2010), no Jeu de Paume (2011) e no Louvre, em Paris (2010), e no Metropolitan Museum of Art, em Nova York (2005).

    1 In: TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 11.

  • Sugerimos aqui algumas atividades a partir da exposio William Kentridge: fortuna. As propostas no esto organizadas por fai-xa etria, cabendo ao professor escolher aquelas que julgar mais adequadas ao grupo com o qual ir trabalhar.

    1. PROCEssOs DE CRIAO Aps apresentar as obras reproduzidas nas lminas deste ma-terial didtico, pea que os alunos elaborem uma lista com as aes que Kentridge realiza para criar seus trabalhos, como apa-gar, rasgar, colar, distorcer, sobrepor, desenhar. A partir dessa lista, divida os alunos em grupos e sorteie, para cada um, uma ao. Aps, distribua materiais como folhas de jornal, pginas de guias telefnicos ou revistas, papis coloridos e carvo, a partir dos quais eles devero realizar um trabalho utilizando apenas o procedimento sorteado. Se desejar, em um segundo momento, sorteie uma nova palavra para cada grupo.

    2. ACMuLO DE REgIsTROsA obra de William Kentridge apresenta uma srie de imagens re-correntes, que acabam se tornando personagens de suas narra-tivas. Analise com os alunos os objetos que aparecem nas obras reproduzidas neste material didtico. Proponha que cada aluno es-colha um objeto de sua casa ou da escola como personagem para seus desenhos. Pea que, durante uma semana, eles desenhem-no diariamente. Esses desenhos, no entanto, devem ser feitos sobre a mesma folha de papel. Lembre os estudantes de que eles podem desenhar vrias vezes sobre o mesmo local, sobrepondo ou apa-gando linhas. Ao final do perodo, analise os resultados com a tur-ma. A maneira como eles enxergam e representam esses objetos mudou ao longo da experincia? Conversem sobre a diferena en-tre o primeiro e o ltimo desenho e o resultado dessa acumulao.

    ATIvIDADEs

  • 3. COnsTRuO TRIDIMEnsIOnAL

    Muitos trabalhos de Kentridge misturam o plano com o tridimen-sional. Pea que os alunos observem o objeto reproduzido acima. Construdo com camadas de papel, ele apresenta dois lados, sendo que o de trs revela sua estrutura. Podemos adivinhar o volume do rinoceronte observando apenas seu esqueleto? No livro Moby Dick, Hermann Melville lembra que, antes de serem desenhadas ao vivo, as primeiras representaes de baleias eram feitas apenas a partir das carcaas encontradas a forma do animal, portanto, preci-sava ser imaginada pelo artista. Proponha um exerccio semelhan-te aos alunos: pea que, individualmente, eles criem o esqueleto de um ser imaginrio, utilizando palitos, fita crepe, cola e pedaos de papelo. Em seguida, pea que eles troquem de esqueleto com um colega, que dever revesti-lo com diferentes tipos de materiais, como papel, plstico, tecido ou tinta. Ao final da atividade, con-verse sobre as diferenas entre a forma inicial do esqueleto e o ser imaginado por seu criador e a escultura aps a interveno. Caso os alunos sejam pequenos, proponha que eles utilizem sucatas para construir o animal, imaginando uma histria para ele.

    RhInOCEROs [RInOCEROnTE]2007, ConsTruo Com FoamCore, CoLa, papeL, Carvo, pginas de enCiCLopdia, pginas impressas. 37 x 65 x 30 Cm. CoLeo do arTisTa, CorTesia de marian goodman gaLLery, nova york, e goodman gaLLery, Johannesburgo

  • REfERnCIAs ARCHER, Michael. Arte contempornea: uma histria concisa. So Paulo: Martins Fontes, 2012.

    HECKER, Judith B. William Kentridge: Trace Prints from the Mu-seum of Modern Art. New York: Museum of Modern Art, 2010

    MACHADO, Arlindo. Arte e mdia. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 2010.

    MASCARELLO, Fernando. Histria do cinema mundial. Campinas: Pa-pirus, 2006.

    MELVILLE, Herman. Moby Dick. So Paulo: Cosac Naify, 2008.

    TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013.

    vDEOsWILLIAM KENTRIDGE: CERTAS DVIDAS. Dirigido por Alex Gabassi. So Paulo: SESC So Paulo, 2000. 51 min, son., cor, DVD.

    InTERnETwww.museuparatodos.com.brwww.moma.org/interactives/exhibitions/2010/williamkentridge/

    MATERIAL DIDTICO wILLIAM kEnTRIDgE: fORTunA ConCepo CamiLa monTeiro sChenkeL | CrisTina yuko arikawa TexTos CamiLa sChenkeL | CrisTina arikawa | bruno saLvaTerra Treiguer | ana CaroLina kLaCewiCz | denise waLTer xavier imagens das obras CorTesia do wiLLiam kenTridge sTudio e dos FoTgraFos John hodgkiss | Thys duLLarT | andreas vLaChakis | hanneLie CoeTzeeiLusTraes FLip book bruno saLvaTerra | maLson FanTineL proJeTo grFiCo e diagramao warrakLoureiro impresso xx Tiragem 400 unidades agradeCimenTos wiLLiam kenTridge | LiLian Tone | adriana boFF | Carina dias

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  • william kentridge

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    Desenho para o filme felix in exile [felix no exlio] 1994, carvo e pastel sobre papel. 93 x 120 cm. coleo do artista, cortesia de marian Goodman Gallery, nova york, e Goodman Gallery, JohannesburGo

    Iniciada em 1989, Drawings for projection a srie que deu visibi-lidade internacional a William Kentridge. Alm de dramas hu-manos, o conjunto de narrativas ilustra importantes momentos da histria sul-africana. As animaes esto focadas em dois personagens solitrios derivados de um sonho de Kentridge: Soho Eckstein, proprietrio de uma mineradora de Johannes-burgo, que conquista sua fortuna explorando a massa negra, e Felix Teitlebaum, artista e amante da esposa de Soho. Esses personagens retratam uma luta emocional e poltica que, em ltima anlise, reflete a vida de muitos sul-africanos na era pr-democracia e no perodo que a segue.

    Os trabalhos misturam cinema e desenho por meio de uma tc-nica que o artista classifica como cinema da idade da pedra,1

    registrando quadro a quadro as transformaes de um nico desenho. Em uma mesma folha, Kentridge acrescenta e apaga elementos, incorporando os vestgios das transformaes sequncia do filme. Cada mudana captada com uma cme-ra fixada em frente ao papel e essas imagens, colocadas em sequncia, criam a sensao de movimento e de passagem do tempo. Nos filmes animados, temos algo que foi apaga-do, mas pode-se ver o trao do que foi apagado. O movimento atravs do tempo parece tornar o tempo visvel, o que similar a tornar a memria visvel, explica o artista.2

    1 KENTRIDGE, William. Fortuna: nem programa, nem acaso na realizao de imagens. In: TONE, Lilian. William Kentridge : fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 294. 2 Apud TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 13.

    felix in exile (from Drawings for projection) [felix no exlio (Da srie Desenhos para projeo)]1994, filme de animao em 35 mm transferido para vdeo [cor, som], 8:43 min. edio: anGus Gibson. criao sonora: Wilbert schbel. msica: philip miller, trio para cordas para felix in exile [intrpretes: peta-ann holdcroft, marJan vonk-stirlinG e Jan pusteJovsky]; motsumi makhene, Go tlapsha didiba [interpretado por sibonGile khumalo]. coleo do artista, cortesia de marian Goodman Gallery, nova york, e Goodman Gallery, JohannesburGo

    para pensarOs filmes da srie Drawings for projection no so feitos a partir de um roteiro predefinido: conforme o desenho prossegue, os rumos da histria vo mudando. Kentridge associa ao seu processo a ideia de fortuna, que difere tanto daquilo que racionalmente planejado quanto do que completamente acidental. Fortuna uma espcie de acaso dirigido, possvel pelo carter aberto da obra do artista, que se transforma no momento em que feita. Converse com os alunos sobre a importncia do planejamento e do acaso em suas prprias criaes. Ao desenhar ou contar uma histria, eles costumam partir de uma ideia definida do que faro? O final sempre esperado? Essa ideia se transforma ao longo do processo?

  • william kentridge

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    UnderweysUng der MessUng [ManUal de geoMetria]2007, srie de seis fotogravuras estereoscpicas com visores. 34,5 x 57 cm. tiragem: 50. coleo do artista, cortesia de marian goodman gallery, nova york, e goodman gallery, Johannesburgo

    Ao trabalhar com antigos aparelhos e tcnicas que criam ilu-so de movimento ou tridimensionalidade, William Kentridge muitas vezes questiona o modo como compreendemos o mun-do, evidenciando que a iluso e o engano tambm fazem parte da nossa percepo. Eu me interesso por mquinas que nos conscientizam do processo de ver e nos conscientizam do que fazemos quando construmos o mundo por meio do olhar. Isso interessante em si, porm mais ainda como uma metfora ampla de como entendemos o mundo, relata o artista.1

    Underweysung der Messung uma srie de gravuras estereos-cpicas2 que, ao serem vistas com o visor adequado, parecem um espao com profundidade. Jogando com o limite entre o volume e o plano, a obra apresenta diversas idas e vindas entre o bidimensional e o tridimensional. A partir de papis e cha-pas finas de um material similar ao isopor, Kentridge constri cenrios e seres em pequena escala. Cada montagem foto-grafada a partir de dois pontos de vista diferentes, gerando um par de imagens que, em seguida, so transferidas para uma chapa de metal e impressas. Quando o espectador olha para essas gravuras com o visor estereoscpico, as cenas parecem se tornar tridimensionais novamente. isso o que fazemos o tempo todo no mundo, comenta o artista. Nossas retinas re-cebem imagens planas e nosso crebro combina as duas ima-gens nessa iluso coerente de profundidade.3

    1 KENTRIDGE, William. O que vir (j veio). In: TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 77.2 O estereoscpico uma inveno do sculo XIX que apresenta, por meio de um visor de lentes convergentes, duas imagens de uma mesma cena, com pontos de vista levemente diferentes. O par de imagens visto separadamente por cada um de nossos olhos e depois reunido por nosso crebro, criando a iluso de um espao com profundidade. 3 KENTRIDGE, William. Manual de geometria. In: TONE, Lilian. William Kentridge : fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 68.

    rhinoceros [rinoceronte]2007, construo com foamcore, cola, papel, carvo, pginas de enciclopdia, pginas impressas. 37 x 65 x 30 cm. coleo do artista, cortesia de marian goodman gallery, nova york, e goodman gallery, Johannesburgo

    Para PensarDiscuta com os alunos o papel do olhar no modo como percebemos o mundo. Como a viso pode nos iludir a respeito das coisas? Que aspectos da realidade no podem ser percebidos apenas com os olhos? Para iniciar a discusso, comece mostrando turma imagens de iluso de tica ou objetos cuja aparncia engane em relao a suas propriedades.

  • william kentridge

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    Copper Notes, states 0-11 [Notas em Cobre, estados 0-11]2005, srie de 12 impresses em ponta-seca, estados sucessivos da mesma chapa de cobre, polida e algumas com entalhes, sobre papel hahnemhle. 28,5 x 33 cm. tiragens variadas para cada estado da srie de 12 gravuras. impresso por tim Foulds, artist prooF studio. publicado pelo artista. coleo goodman gallery, Johannesburgo

    Desde a dcada de 1970, William Kentridge desenvolve traba-lhos em diferentes tipos de gravura, como serigrafia, monotipia, litografia e gravura em metal. Em Copper Notes, Kentridge realiza uma srie de 12 gravuras em ponta-seca,1 mostrando sucessi-vas etapas das transformaes geradas por incises, polimento e raspagem em uma nica chapa de metal. Podemos ver, de uma gravura para outra, objetos que se transformam em um autorre-trato que, ao final da srie, apagado no por um processo de subtrao, mas pelo acrscimo de linhas e marcas at tornar-se irreconhecvel. No bloco de notas do artista, no possvel tro-car a pgina e recomear do zero, apenas acumular e trabalhar a partir do que j foi feito, em direo saturao.

    Marcada pelo esprito de experimentao e improviso, a obra se aproxima do mtodo utilizado por Kentridge para fazer seus fil-mes, quando cria sequncias animadas a partir de desenhos em uma mesma folha de papel. As gravuras de Copper Notes podem ser vistas como pausas no fluxo de uma narrativa, permitindo que artista e espectador se detenham em uma cena ou ao es-pecfica.2 Entre um estgio e outro da gravao da matriz, en-contramos hesitaes, restos de desenho e linhas fantasmas que nos lembram que sua obra est sempre em transformao.

    1 Na tcnica da ponta-seca, o artista faz incises com uma ferramenta pontiaguda sobre uma chapa de metal. Quando a chapa entintada, a tinta que penetra nas ranhuras depois transferida, ao passar pela prensa, para o papel, resultando em uma imagem espelhada do desenho da matriz, que pode ser reproduzida diversas vezes.2 HECKER, Judith B. William Kentridge: Trace Prints from the Museum of Modern Art . New York: Museum of Modern Art, 2010, p. 11.

    Copper Notes, state 8 [Notas em Cobre, estado 8]2005, impresso em ponta-seca sobre papel hahnemhle. 28,5 x 33 cm. coleo goodman gallery, Johannesburgo

    para peNsarDiscuta com a turma sobre os objetos e figuras que aparecem em Copper Notes. Que significados podemos lhe atribuir? Pea que os alunos observem a sequncia das imagens. Que histria eles conseguem construir a partir dela? E se a vssemos ao contrrio, do ltimo ao primeiro estgio?

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    Universal archive [arqUivo Universal] 2012, linoleogravura impressa em pginas no arquivais do shorter oxford english dictionary, montadas por aba nica prendendo as pginas a folhas de fundo de vlin darches cover White, 400 g/m2. 35 x 27 cm. tiragem: 20. impresso por david Krut print WorKshop [dKW]. coleo do artista, cortesia de marian goodman gallery, nova yorK, e goodman gallery, Johannesburgo

    Como colocou William Kentridge, Universal Archive um exer-ccio sobre contradio.1 Ao trabalhar com linoleogravura, o artista se prope o desafio de retratar pinceladas que lem-bram a caligrafia oriental. Nesse tipo de tcnica, muito simi-lar xilogravura, o desenho talhado em uma placa dura que lembra algo como uma borracha, o linleo. A dificuldade est, justamente, em tentar reproduzir a fluidez e delicadeza da tinta nanquim por meio de um processo que exige incises fortes e profundas na matriz.

    Dispostas em uma espcie de tabela peridica, as imagens de Universal Archive nos apresentam temas recorrentes no tra-balho de Kentridge. Enquanto algumas formas so reconhe-cveis, como a cafeteira, o pssaro, o gato e a rvore, outras parecem ser apenas manchas, o que faz com que a obra oscile entre a figurao e a abstrao. Aps a impresso, algumas das figuras so rasgadas e reorganizadas pelo artista, trans-formando-se em animais articulados capazes de realizar di-ferentes tipos de movimentos. Essas transies conferem dinamismo s imagens que, impressas sobre pginas de um dicionrio ingls, estabelecem um paralelo com o carter es-ttico do suporte (um livro cuja funo definir e cristalizar conceitos), permitindo ao espectador questionar a ideia de construo de significados como algo fechado, imutvel.

    1 KENTRIDGE, William. Linleos Arquivo Universal. In: TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 38.

    Universal archive [arqUivo Universal] 2012, linoleogravura impressa em quatro folhas de pginas no arquivais da encyclopedia britannica; cada folha rasgada, depois montada sobre a folha de fundo de vlin darches cover White, 400 g/m2 com marcas de registro em lpis de cera vermelho. 43 x 66,5 cm. tiragem: 50. [verso a, 1/50 10/50; verso b, 11/50 20/50; verso c, 21/50 30/50; verso d, 31/50 50/50]. impresso por david Krut print WorKshop [dKW]. coleo do artista, cortesia de marian goodman gallery, nova yorK, e goodman gallery, Johannesburgo

    Para PensarWilliam Kentridge utiliza pginas de um dicionrio para imprimir as gravuras de Universal Archive. Alm dos suportes tradicionais, como a tela e a folha de papel, muitas vezes artistas produzem a partir de objetos que j tm funo e significado prprios. Discuta com a turma sobre a opo de Kentridge. Quais as diferenas entre trabalhar a partir de uma folha em branco ou de uma pgina de livro cheia de imagens ou textos?

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    Shadow ProceSSion[ProciSSo de SombraS]1999, filme em 35 mm transferido para vdeo, 7 min. edio: Catherine meyburgh. msiCa: alfred makgalemele. Criao sonora: Wilbert sChbel. Coleo do artista, Cortesia de marian goodman gallery, nova york, e goodman gallery, Johannesburgo

    William Kentridge utiliza diversas linguagens artsticas e tc-nicas de filmagem para criar suas animaes. Em Shadow Pro-cession, o espectador se v diante de um teatro de sombras no qual possvel distinguir imagens como um gato, uma cafeteira e outros objetos antropomrficos que seguem em uma cami-nhada ininterrupta de um lado para o outro da tela. A animao composta, tambm, por uma procisso de figuras humanas, construdas pelo artista a partir de pedaos de papel rasgado. Os bonecos fabricados por Kentridge exigem que seu signi-ficado seja construdo pelo espectador. Voc sabe que est olhando formas rsticas rasgadas, mas no consegue deixar de enxergar coisas nelas, comenta o artista.1

    O trajeto dessa jornada parece seguir em frente, no entanto sem apresentar um destino especfico. As procisses no so caminhadas definidas para a utopia do outro lado da tela, nem existem necessariamente campos de morte do outro lado. O que existe um senso de jornada, sem saber o que haver na outra ponta, explica Kentridge.2 Assim como a produo do artista, essa procisso segue se desdobrando continuamente. As formas construdas por pedaos de papel leves e precrios do origem a esculturas de bronze, material slido e resistente, fazendo com que seu trabalho migre de uma mdia para outra.

    1 KENTRIDGE, William. Procisso de sombras. In: TONE, Lilian. William Kentridge : fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 250.2 KENTRIDGE, William. Carregadores e procisses. In: TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 256.

    ProceSSion [ProciSSo]1999-2000, srie de 25 figuras de bronze, dimenses variveis entre 40 x 27,9 x 26,9 Cm e 33 x 25,4 x 17 Cm. Coleo do artista, Cortesia de marian goodman gallery, nova york, e goodman gallery, Johannesburgo

    Para PenSarO som um aspecto importante no trabalho de Kentridge. Todos seus filmes contam com trilhas sonoras especiais que ambientam e criam sentido para suas narrativas. Em What will come, por exemplo, o artista utiliza msicas tradicionais da Etipia e Eritria. Em Shadow Procession, quando combina a marcha com a cano gospel What a friend we have in Jesus (Que amigo temos em Jesus), Kentridge acrescenta caminhada dessas figuras rudimentares um tom de esperana. Converse com os alunos sobre as imagens reproduzidas nesta lmina. Como eles percebem a procisso? Quem so esses seres, para onde vo? Aps, escolha uma msica para acompanhar a marcha e mostre as imagens novamente. Como ela modifica a percepo do trabalho?

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    What Will Come (has already Come) [o que vir (j veio)] 2007, mesa, papel de desenho, espelho cilndrico de ao e filme em 35 mm transferido para vdeo, 8:40 min. edio e criao sonora: catherine meyburgh. msica: dmitri shostakovich, trio para piano n. 2; giuseppe micheli e mario ruccione, faccetta nera; mbila solo, love song, e song to the emperor (msica da etipia e eritreia, compositores e intrpretes desconhecidos). coleo do artista, cortesia de marian goodman gallery, nova york, e goodman gallery, Johannesburgo

    William Kentridge vivenciou momentos histricos marcantes, como as lutas de independncia da frica, em meados da dca-da de 1960, e o perodo do apartheid, entre 1948 e 1994.1 Forma-do em Cincias Polticas e Estudos Africanos, o artista retrata, em muitas de suas obras, aspectos scio-polticos de seu pas e de outros lugares marcados por conflitos.

    A obra What Will Come (has already come) trata da guerra entre Itlia e Abssnia (atual Etipia), ocorrida entre os anos de 1935 e 1936, quando as foras de Mussolini utilizaram armas qumi-cas para invadir o pas africano, deixando um saldo de meio mi-lho de mortos. Criado em 2007, o trabalho retrata, por meio de uma sequncia de desenhos anamrficos,2 aspectos do conflito pouco noticiado no perodo. Filmada com a mesma tcnica de animao da srie Drawings for projection, a obra apresenta um disco de papel e um cilindro de metal colocado no centro desse disco. Devido diferena entre as duas superfcies, o cilindro reflete a projeo das imagens desenhadas no papel de forma distorcida. O artista, no entanto, embaralha nossas noes so-bre o que certo e errado ao deformar os desenhos de tal ma-neira que, no reflexo, a imagem formada parece normal.3 A dis-toro o correto, e o original distorcido, explica Kentridge.

    1 Regime de segregao racial promovido pelo governo sul-aficano entre 1948 e 1994, que cerceava os direitos da maioria da populao em prol dos interesses de uma minoria branca.2 Um desenho anamrfico trata-se de uma imagem distorcida de algo formado a partir de um espelho curvo. A etimologia da palavra anamorfose pode tambm indicar uma figura criada de novo ou um deslocamento do ponto de vista.3 KENTRIDGE, William. O que vir (j veio). In: TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 77.

    desenho para o filme What Will Come (has already Come) [o que vir (j veio)]2007, carvo sobre papel e cilindro de ao espelhado sobre mesa. papel 120 cm dimetro, cilindro 29,2 cm altura, 16,5 cm dimetro. coleo particular

    para pensarUsualmente, tomamos a imagem de um espelho como um reflexo fiel da realidade. O modo mais cotidiano como enxergamos a ns prprios, no entanto, tambm apresenta distores. O espelho mostra a imagem de um objeto de maneira invertida e alguns tipos, como os esfricos, tambm provocam alteraes de forma e tamanho. Distribua pela sala garrafas de vidro, colheres, espelhos, pedaos de papel laminado ou outras superfcies reflexivas. Discuta com os alunos sobre as diferenas entre os modos como eles se imaginam e as imagens obtidas nos reflexos.

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    Lavanzata inesorabiLe 1 (WorLd on its Hind Legs), 2 (neWspaper), 3 (Massacre of tHe innocents), 4 (read neWspaper), 5 (gas Mask) [o avano inexorveL 1 (Mundo na pernas de trs), 2 (JornaL) , 3 (Massacre dos inocentes), 4 (JornaL Lido) e 5 (Mscara de gs)]2007, sugar-lift sobre papel. 40 x 35 cm. tiragem: 50. impresso por Jillian ross. coleo do artista, cortesia de marian goodman gallery, nova york, e goodman gallery, Johannesburgo

    pginas do JornaL iL soLe 24 ore: doMenica2007, 56 x 38 cm. coleo do artista, cortesia de marian goodman gallery, nova york, e goodman gallery, Johannesburgo

    No mesmo ano em que realiza o vdeo What Will come (has alrea-dy come), William Kentridge convidado a produzir um conjun-to de desenhos para o caderno cultural do jornal Il sole 24 ore, sesso que usualmente aborda assuntos ligados aos mestres da arte italiana. Ambos os trabalhos tratam do conflito entre Itlia e Etipia nos anos 30, no entanto, nos desenhos e gra-vuras produzidos para o peridico italiano, o artista combina registros de guerras contemporneas a formas de represen-tao da violncia na histria da arte, centrando-se, especial-mente, na cena bblica O massacre dos inocentes, de Giotto.

    Kentridge nos apresenta pginas que se tornam ilegveis, po-voadas por figuras estranhas que misturam homens e obje-tos. As operaes de apagar, riscar e raspar, caractersticas da produo do artista, lembram-nos do prprio processo de esquecimento ao qual as notcias de um jornal esto fadadas, sendo substitudas, dia aps dia, por novos relatos. O artista destaca a importncia da arte como ferramenta da conscin-cia social: As memrias das pessoas e as memrias coletivas so extremamente curtas, ou de alguma forma serenadas para dar lugar ao viver cotidiano. So necessrios acontecimentos particulares, filmes, livros, para reacender essas memrias.1

    1 KENTRIDGE, William. Paisagem em estado de stio. In: TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 293.

    para pensarObras de arte tradicionalmente so expostas em locais especficos como galerias, museus ou salas de exposio. Entretanto, esta srie, publicada em um jornal de grande circulao, pde atingir um pblico mais amplo, trazendo tona a memria de um momento histrico anteriormente esquecido. Os alunos j tiveram contato com obras de arte fora desses lugares tradicionais, como nas ruas, em livros ou pelos meios de comunicao? Que instrumentos e objetos utilizamos normalmente para ajudar nossa memria? Os alunos mantm um dirio? Montam lbuns de fotografia? Registram suas experincias na Internet?

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    UbU Tells The TrUTh[UbU conTa a verdade]1997, filme de animao em 35 mm com fotos documentais e filme de arquivo em 16 mm transferido para vdeo, 8 min. edio: catherine meyburgh. msica: Warrick sony e brendan Jury. coleo do artista, cortesia de marian goodman gallery, nova york, e goodman gallery, Johannesburgo

    A produo de William Kentridge envolve diferentes linguagens artsticas, como desenho, cinema, gravura, escultura, cenogra-fia e at mesmo tapearia. Muitas vezes, o artista mistura influ-ncias ou passa de um meio para outro em um mesmo trabalho ou srie. Inspiradas no rei grotesco e maldoso da pea Ubu Rei (1896), de Alfred Jarry, as obras de Kentridge relacionadas ao personagem Ubu so um exemplo desse dilogo. Seu trabalho inicia com uma srie de gravuras que d origem s animaes do espetculo multimdia Ubu and the Truth Commission (Ubu e a Comisso da Verdade), de 1997. Esses desenhos, por sua vez, so combinados com fotografias e cenas de filmes antigos para criar a animao Ubu tells the truth.

    No conjunto de obras, a figura de Ubu utilizada para abordar as atividades da Comisso da Verdade e Reconciliao Sul-africa-na, criada em 1994 para investigar abusos de direitos humanos durante o apartheid. Kentridge interroga e ironiza a Comisso, que se propunha a conhecer a verdade sobre crimes do passado, sem, no entanto, punir os agressores. Assim, a cmera utilizada por Ubu no filme remete s testemunhas que assistem e anali-sam a violncia, mas no agem contra ela.

    UbU Tells The TrUTh [UbU conTa a verdade]ato i, cena 2. 1996-1997, portflio de oito guas-fortes. verniz duro, verniz mole, gua-tinta, ponta-seca e entalhe sobre papel. cada 25 x 30 cm. tiragem: 50. impresso por caversham press, natal, frica do sul. coleo do artista, cortesia de marian goodman gallery, nova york, e goodman gallery, Johannesburgo

    Para PensarMuitas vezes, obras de arte so criadas a partir de um acontecimento da realidade, contribuindo para que ele seja revisto ou percebido de outras maneiras. Pergunte aos alunos se eles lembram de filmes, livros, msicas ou quadros que se relacionam diretamente com fatos histricos. Quais as diferenas entre conhecer esses acontecimentos por meio de registros documentais ou por meio de obras de arte? Que aspectos so favorecidos por cada linguagem?

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    Slow Quick Quick Slow [lento rpido rpido lento]fragmentoS de eStdio de the refuSal of time [a recuSa do tempo] 2012, vdeo, 7:31 min. edio: Catherine meyburgh e melissa Parry. Coleo do artista, Cortesia de marian goodman gallery, nova york, goodman gallery, Johannesburgo, e galeria lia rumma, nPoles e milo

    Em Slow Quick Quick Slow, fragmento do filme The Refusal of Time, produzido por William Kentridge em 2012, o artista tra-balha com imagens em movimento a partir do conceito do zoo-trpio. Esse aparelho composto por um tambor circular com pequenas janelas recortadas, pelas quais possvel enxergar desenhos dispostos em tiras. Ao girar, o tambor cria uma ilu-so de movimento a partir dessas imagens.

    No zootrpio de Kentridge, vemos que o artista estabelece uma relao entre seu trabalho e o cinema, utilizando elemen-tos caractersticos de sua produo, especialmente no que diz respeito cenografia. Pginas de livros, dicionrios e mapas ajudam a construir o pano de fundo por onde transitam os per-sonagens dessa narrativa cclica em que tudo est em movi-mento, mas nada parece sair do lugar. A recusa do tempo, tra-duo do nome do filme de onde foi retirado o fragmento, est justamente nessa noo de que a histria parece retida em um movimento circular. Para o artista, esse aspecto que o atrai no zootrpio, essa esperana de que, da prxima vez que o tambor girar, da prxima vez que a ao se repetir no fotogra-ma, alguma coisa seja diferente.1

    1 KENTRIDGE, William. Zootrpios. In: TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre: Fundao Iber Camargo, 2013, p. 60.

    Slow Quick Quick Slow [lento rpido rpido lento]fragmentoS de eStdio de the refuSal of time [a recuSa do tempo] 2012, vdeo, 7:31 min. edio: Catherine meyburgh e melissa Parry. Coleo do artista, Cortesia de marian goodman gallery, nova york, goodman gallery, Johannesburgo, e galeria lia rumma, nPoles e milo

    para penSarSlow Quick Quick Slow apresenta muitas imagens e procedimentos recorrentes na obra de Kentridge, como a referncia ao teatro, dana e ao ilusionismo, e a utilizao de materiais impressos como dicionrios e mapas. Converse com os alunos sobre esses elementos. Que outras obras abordadas no material didtico eles relacionam ao vdeo? Por qu?

    Assim como no filme de Kentridge, em nosso dia a dia tambm nos deparamos com ciclos, situaes que comeam e terminam para depois se repetir. Convide os alunos a pensar em sua rotina. Se eles fossem criar um zootrpio sobre o que eles fazem todos os dias, que imagens escolheriam?

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    Colonial landsCape (Waterfall) [paisagem Colonial (CaChoeira)]1995, Carvo sobre papel. 120 x 160 Cm. Coleo do artista, Cortesia de marian Goodman Gallery, nova york, e Goodman Gallery, JohannesburGo

    A obra de William Kentridge marcada pela geografia, a cultu-ra e a histria do local onde vive. Na srie Colonial Landscape, o artista se inspira nas gravuras do sculo XIX feitas a partir de relatos de exploradores europeus que chegavam frica. As obras, realizadas em desenho a carvo, monotipia e gravura em metal, mostram grandes quedas de gua cercadas de pedras e vegetao. Ao jogar com o olhar do colonizador europeu dian-te de uma terra desconhecida, o artista revisita a utopia de uma natureza pura e majestosa da frica pr-colonial. Para uma viso elaborada da frica, estava parcialmente interessado nas tradues, nos deslocamentos, temporais e geogrficos, que aconteciam quando os desenhos dos exploradores eram trabalhados por gravadores profissionais em Londres. Essas imagens voltavam frica do Sul, onde apareciam em sebos de Johannesburgo, explica Kentridge.1

    Alm desse jogo de olhares entre local e estrangeiro, os de-senhos de Colonial Landscape abordam tambm as disputas territoriais que marcaram a histria do pas, dividido entre po-vos africanos e colonizadores holandeses e ingleses. pai-sagem desabitada, Kentridge acrescenta uma srie de marcas vermelhas que sinalizam a interferncia do homem e seus es-foros, raramente pacficos, em medir, dividir e demarcar os espaos encontrados.

    1 KENTRIGE, William. Paisagens coloniais. In: TONE, Lilian. William Kentridge: fortuna. Porto Alegre, Fundao Iber Camargo, 2013, p. 92.

    Colonial landsCape (falls looking Upstream) [paisagem Colonial (CaChoeira olhando para Cima)]1996, Carvo e pastel sobre papel. 135,9 x 175,5 Cm. Coleo Gordon sChaChat

    para pensarAlm do carvo, William Kentridge tambm emprega em seus trabalhos giz pastel nas cores azul e vermelha. Converse com os alunos sobre como essas cores aparecem na obra do artista. Que aspectos elas destacam? Como podemos interpret-las? Aproveite para analisar as diferenas entre a paisagem que aparece nessa srie e os cenrios que usualmente aparecem nos desenhos e vdeos do artista, como Felix in Exile.

    O modo como enxergamos coisas e lugares diretamente marcado por nossa cultura e experincia. Pea aos alunos que lembrem de lugares diferentes que j visitaram, em frias ou com a escola. Ser que eles percebem esses lugares da mesma maneira que as pessoas que esto l todos os dias? Algum desses pontos de vista mais real ou melhor que o outro?

  • Flip book

    A questo do movimento central na obra de William Kentrid-ge, mas esse movimento na maioria das vezes tambm est as-sociado imobilidade. Baseado no princpio da persistncia da viso,1 o processo de animao quadro a quadro adotado pelo artista marcado por pequenas pausas ou vestgios que reve-lam que o tempo, em sua obra, composto por uma sucesso de momentos interrelacionados. Uma das formas de animao adotadas por Kentridge o flip book, tambm conhecido como

    cinema de dedo. O flip book como uma histria em quadri-nhos, apenas com imagens, na qual uma sequncia de figuras desenhada em um bloco ou livreto que, ao ser folheado rapi-damente, causa a impresso de movimento.

    Convide os alunos a montarem seu prprio flip book, a partir do modelo impresso nesta lmina. Primeiro, fotocopie a grade fornecida para cada aluno at obter o nmero de pginas de-sejado (recomenda-se que os flip books tenham ao menos 30 folhas, ou seja, duas cpias da grade para cada um). Distribua as folhas e lembre os alunos de que, como eles desenharo v-rias vezes o mesmo objeto ou personagem, o desenho deve ter poucos elementos. Aps completar a sequncia, instrua-os a recortar as folhas nas linhas indicadas, agrupar as pginas em ordem e grampear o conjunto. Para criar o efeito de movimen-to, preciso segurar o bloco em uma das mos e folhe-lo, em poucos segundos, com o polegar da outra.

    1 Conhecido tambm como persistncia retiniana, o termo designa o momento em que um objeto visto pelo olho humano persiste na retina por uma frao de segundo aps sua percepo. Segundo esse princpio, ao captar uma imagem, nosso olho leva alguns instantes para esquec-la. Assim, imagens projetadas rapidamente associam-se em nossa retina sem interrupo, criando a sensao de movimento. No cinema, graas a esse conceito, possvel perceber os quadros de um filme como algo contnuo e no apenas como uma srie de fotografias.

    Como alternativa, possvel utilizar um livro j pronto, dese-nhando na parte de baixo das pginas. Em De como no fui minis-tro dEstado (2012), por exemplo, Wiliam Kentridge constri um flip book sobre uma edio do livro Memrias pstumas de Brs Cubas, de Machado de Assis. Tambm possvel inserir outros tipos de folhas na sequncia, como papel vegetal ou colorido, para sobrepor os desenhos ou causar interrupes na narrativa.

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