Marx, Engels, Hobsbawm e Thompson
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A classe operária desde os primeiros tempos de sua existência vem sendo
interpretada e reinterpretada, sobretudo pelos pensadores marxistas para os quais esta
ocupada um lugar central, sendo o elemento social revolucionário por excelência no
capitalismo. Contudo, mesmo no interior do marxismo, há divergências em relação ao
estudo desse objeto, que se alongam desde à própria existência do operariado enquanto
classe à cultura e consciência de classe. Nesse sentido, esse trabalho busca analisar a
formação da classe operária inglesa a partir das análises de Marx e de marxistas, como
E. P. Thompson e Eric Hobsbawm, percebendo semelhanças e divergências em suas
posturas teórico-metodológicas.
Convém iniciarmos essa discussão a partir do próprio Marx, visto que seu
pensamento é fundamental nas formulações tanto de Thompson quanto de Hobsbawm.
As percepções de Marx são bastante peculiares em relação às dos historiadores ingleses,
em virtude de sua posição histórica no tempo. Tendo vivido durante quase todo o século
XIX, Marx experimentou o processo de industrialização e ascensão da burguesia ao
poder, buscando perceber as implicações históricas desse momento. Assim a voz de
Marx nos atinge enquanto fonte histórica, fortemente inserida nos debates de tempo, e
formulação teórico-metodológica.
A categoria classe é fundamental no pensamento de Marx e Engels, visto que
“a história de toda sociedade até nossos dias é a história da luta de classes.” (MARX,
ENGELS, 2001, p. 23), de modo que movimento contraditório da história se dá a partir
de escravos e homens livres, patrícios e plebeus, senhor e servo – unidades dialéticas
que representam cada qual a seu modo histórico opressores e oprimidos. Tais
formulações se originam a partir de um debate ao mesmo tempo histórico e ontológico.
Para as compreendermos é necessário que situemos o pensamento de ambos os
autores na contramão do idealismo alemão, sobretudo dos jovens hegelianos. De acordo
com Marx e Engels (2007), enquanto o idealismo alemão entende o mundo material
como um reflexo das idéias ou do espírito, o materialismo inverte os pólos,
dialetizando-os. Contudo, ontologicamente, é nas relações de produção que se constitui
o mundo dos homens, e é por meio desta que o homem se diferencia dos animais e
instituiu sua sociabilidade. A partir desse ponto se originam, portanto, as idéias, os
costumes, a moral, a política, etc. Assim, infra e super estrutura são parte do mesma
unidade dialética, sendo, por esse fator, interdependentes, na sua existência real. Em
outras palavras, o que queremos afirmar é que não há uma relação mecânica entre infra
estrutura e super estrutura, de modo que ambas são influentes na organização social dos
homens.
Nesse sentido, o surgimento da classe se dá a partir das relações de produção
estabelecidas entre os homens e a natureza. É, portanto, a divisão do trabalho em
manual e intelectual que gera as classes. À medida em que um grupo social se apropria
dos meios de produção, o outro grupo é levado a se submeter ao primeiro em busca da
produção de sua própria sobrevivência. Assim, nas sociedades de classes o homem está
apartado de sua essência ontológica, sua práxis, que une as dimensões manuais e
intelectuais do homem em sua produção da subsistência.
Deste modo, a classe em Marx e Engels se dá por um critério de posição nas
relações de produção, de modo que podem existir variadas classes dependendo da
diversidade das relações de produção estabelecidas em determinada sociedade.
Contudo, na sociedade industrial moderna tal processo se simplifica. Segundo Marx e
Engels “o que distingue nossa época – a época da burguesia – é ter simplificado a
oposição de classes. Cada vez mais, a sociedade inteira divide-se em dois grandes
blocos inimigos, em duas grandes classes que se enfrentam diretamente: a burguesia e o
proletariado” (MARX, ENGELS, 2001, p. 24)
O surgimento dessas classes, que só se pode se dar, em virtude da dialética,
simultaneamente, obedece a um processo histórico de progressivo declínio da sociedade
feudal, de modo que paulatinamente a contradição entre os modos de produção
capitalista e feudal atingem o ponto máximo, gerando o desaparecimento do mundo
feudal, em detrimento do capitalista. É importante notar, nesse sentido, que a o
capitalismo é gestado no interior do feudalismo, enquanto gérmen da destruição desse
último. Assim, historicamente o estabelecimento do comércio e das relações monetárias
se expande ao ponto de suplantar as relações sociais que o originaram.
Todavia, por mais que a burguesia tenha emergido vitoriosa desse conflito,
transformando o mundo à sua imagem, as contradições e a luta de classes não cessam. A
burguesia, na forja da sociedade burguesa “não forjou apenas as armas que lhe darão a
morte; também engendrou os homens que empunharão essas armas: os operários
modernos, os proletários (grifo dos autores) (MARX, ENGELS, 2001, p. 34).
Historicamente, o proletariado é oriundo dos antigos servos e artesãos dos tempos
feudais, que perderam sua autonomia de trabalho e controle sobre sua produção em
razão da máquina, novo meio de produção hegemônico, pertencente à burguesia. Assim,
define, portanto, Engels em nota à edição de 1888 do Manifesto do Partido Comunista:
Por burguesia entendemos a classe dos capitalistas
modernos, proprietários dos meios de produção social e
empregadores do trabalho assalariado. Por
proletariado, a classe dos operários assalariados
modernos que, não possuindo meios próprios de
produção, reduzem-se a vender a força de trabalho para
poderem viver. (ENGELS, 2001, p. 23)
Por meio dessa definição dada por Engels podemos exemplificar a leitura
histórica de ambos os autores. Uma vez que burguesia e proletariado são as classes em
embate e, nas relações sociais de produção, o proletariado é a classe em antítese a
burguesia que pode potencialmente vir a destruí-la revolucionando os modos de
produção e a organização da sociedade que deixaria de ser burguesa.
Marx e Engels percebem que o momento revolucionário está próximo em
virtude do acirramento das contradições entre capital e trabalho, burguesia e
proletariado. A burguesia, para sobreviver enquanto classe dominante, necessita
constantemente de se revolucionar em razão das crises geradas pelo próprio capital.
Para tal, a burguesia pode aniquilar as forças de produtivas ou conquistar novos
mercados. Contudo, esse revolucionar-se permanente a partir das crises, na visão dos
autores, gesta crises mais potentes e com menores meios de contenção. Nesse sentido,
os próprios avanços tecnológicos da indústria engendrados pela burguesia favorecem a
união e consolidação da classe operária devido aos meios de comunicação e a
centralização da luta de classes entre proletariado e burguesia. Essa contradição se
expande internacionalmente, de modo que a revolução proletária só pode ocorrer a nível
internacional. A medida em que o capitalismo avança em outras nações, há o
surgimento de uma classe operária que pode se unificar a todas as outras classes
operárias nacionais causando a queda da burguesia.
Essa luta para Marx e Engels é política, de modo que o partido assume um
função central na organização da classe operária, sendo o representante dos interesses
desta. Deste modo, não podemos deixar de notar que a discussão dos autores além de
histórica é política, demonstrando que os autores buscam oferecer respostas às questões
postas pelo seu tempo histórico, pretendendo influenciá-lo a partir de tais formulações,
buscando organizar uma classe, dar-lhe coesão, homogeneidade e consciência de sua
função histórica e política.
Portanto, a partir dessa breve discussão percebemos que o conceito de classe
em Marx e Engels se dá a partir das relações de produção e da divisão do trabalho, de
modo que o os indivíduos são “coincide com a sua produção, tanto com o que o eles
produzem, quanto como eles produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das
condições materiais de sua produção” (MARX, ENGELS, 2007, p.) Pontuamos também
a visão histórica dos autores acerca da formação da classe operária que se dá a partir da
dissolução dos laços feudais por parte da burguesia que transforma o artesão, o artífice,
o mestre da oficina em um operário destituído de seus meios de produção e autonomia
de trabalho. Com isso, os modos de vida desses trabalhadores se perdem, suas relações
familiares, de lazer, de trabalho, seus fazeres artísticos se transformam e passam a se
assemelhar aos valores da sociedade burguesa que tudo mercantiliza.
A partir disso podemos problematizar que Marx e Engels erigem estruturas de
onde derivam suas formulações, a exemplo do próprio conceito de classe que se constrói
a partir da infra estrutura. Contudo, tais estruturas não se apresentam como totais, apesar
de bastante sólidas e dominantes em relação aos indivíduos da sociedade, apresentando
fissuras para a sua própria destruição. Nesse sentido, a classe operária se organiza e
toma consciência das relações ocorrentes nas estruturas da sociedade no interior da
própria estrutura, no intuito de destruí-la e construir uma outra. Contudo, isso só se dá
mediante a ação do partido em organizar essa classe dispersa, dominada no interior
dessas estruturas.
Apesar disso, todas essas análises são interpretações feitas a partir das leituras
dos trabalhos de Marx e Engels, uma vez que os autores não formularam explicitamente
o conceito de classe, como afirma o historiador inglês Eric Hobsbawm (2008), havendo
ambigüidades em relação a esse conceito. Estas se apresentam no próprio Manifesto do
Partido Comunista. Logo no início a classe é entendida como uma estrutura objetiva
dada a priori na relação com os meios de produção, no entanto, em outros momentos do
texto Marx e Engels afirmam que “o objetivo imediato dos comunistas é o mesmo de
todos os demais partidos proletários: formação do proletariado em classe, derrubada da
dominação burguesa, conquista do poder político pelo proletariado” (MARX, ENGELS,
2001,p. 47)
Nesse sentido, Hobsbawm analisa que Marx, ao longo de sua obra, se utilizou
do conceito de classe em dois sentidos distintos. O primeiro deles se refere a “relações
similares com os meios de produção – e, mais especificamente, os agrupamentos de
exploradores e explorados que, por razões puramente econômicas são encontrados em
todas as sociedades humanas que ultrapassem a fase primitiva comunal (...)”
(HOBSBAWM, 2008, p. 34). Para o autor, essa é uma macrocategoria do conceito
utilizada por Marx. A segunda acepção diz respeito a um elemento subjetivo – a
consciência de classe:
Uma classe, em sua acepção plena, só vem a existir no
momento histórico em que as classes começam a adquirir
consciência de si próprias como tal. Não é por acaso que
o locus classicus da discussão de Marx sobre consciência
de classe é uma obra histórica contemporânea, tratando
de anos, meses ou mesmo semanas e dias – a saber, a
obra de gênio que é O Dezoito Brumário de Luís
Bonaparte. (HOBSBAWM, 2008, p. 34)
Nesse sentido apontado por Hobsbawm, a classe foge a uma categoria
estrutural, tornando-se histórica, emergindo a partir da organização e da consciência da
classe de si mesma, a partir dos acontecimentos históricos mesmo de curta duração,
como aparece em O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. Assim, ambos os conceitos
se cruzam, se distanciam e se completam na obra de Marx.
Portanto, estabelecemos até aqui o ponto central de partida acerca dos
conceitos de classe, classe operária, bem como sua formação a partir do pensamento de
Marx e Engels. Contudo, os autores pouco se detiveram em uma análise detalhada e
profunda acerca da formação da classe operária, o que é feito no século XX. Nos
deteremos agora, pois, nas análises históricas e historiográficas de Edward Palmer
Thompson, mais detalhadamente, em virtude da força de sua já clássica A Formação da
Classe Operária Inglesa.
É imprescindível, para analisarmos historicamente a formação da classe
operária inglesa, refletir e esclarecer as posturas teórico-metodológicas de Thompson.
Comumente esse autor é entendido como responsável por uma renovação no âmbito do
marxismo, aproximando-se das discussões socioculturais. Ainda há um debate de
Thompson com Louis Althsser, que o leva a rejeitar as posições estruturalistas. Toda a
obra de Thompson reflete a presença desse debate, inclusive seus conceitos de classe e
de experiência.
Thompson não percebe a classe enquanto uma estrutura, mas enquanto uma
relação social histórica, que passar por um fazer-se, um processo de atividade humana
dentro da história. “A classe operária não surgiu tal como o sol numa hora determinada.
Ela estava presente ao seu próprio fazer-se” (THOMPSON, 2010, p. 9). É preciso notar
que há uma imprecisão lingüística na tradução do título original da obra de Thompson,
The Making of The English Working Class. O termo “formação” não consegue
transmitir a idéia geral de fazer-se da classe operária contida em “the making”, o que é
elucidado pela tradutora brasileira da obra, Denise Bottman. Nas palavras de
Thompson:
Por classe entendo um fenômeno histórico, que unifica
uma série de acontecimentos díspares e aparentemente
desconectados, tanto na matéria prima da experiência
como na consciência. Ressalto que é um fenômeno
histórico. Não vejo a classe como uma “estrutura”, nem
mesmo como uma “categoria”, mas como algo que
ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser
demonstrada) nas relações humanas. (...) A classe
acontece quando alguns homens, como resultado de
experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e
articulam a identidade de seus interesses entre si, e
contra outros homens cujos interesses diferem (e
geralmente se opõem) dos seus. A experiência de classe é
determinada, em grande medida, pelas relações de
produção em que os homens nasceram – ou entraram
involuntariamente. A consciência de classe é a forma
como essas experiências são tratadas em termos
culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores,
idéias e formas institucionais. (THOMPSON, 2010, p.
9 – 10)
Assim, como podemos notar por meio desse excerto, a classe é um
acontecimento histórico gerado a partir de experiências de indivíduos que se encontram
sob relações de produção semelhantes, congregando-se em torno de uma identidade e
interesses comuns que se formam na relação antagônica à identidade e interesses de
outros homens. Nesse sentido, a consciência de classe aparece em termos culturais,
podendo se encontrada nas tradições, valores e idéias oriundas das experiências
compartilhadas pela classe.
A classe, portanto, em Thompson não é uma relação a priori com a esfera da
produção; embora seja desta última que emanam as experiências dos indivíduos, as
relações de produção por si mesmas não são suficientes para o fazer-se da classe, uma
vez que esse fazer-se, como já dito anteriormente, é um processo de atividade humana,
que toma seus contornos nesse mesmo processo, de modo que a classe “não existe, nem
para ter uma interesse ou uma consciência ideal, nem para se estender como um
paciente na mesa de operações” (THOMPSON, 2010, p. 11) E o que permite, em boa
medida, a não idealização dos interesses e da consciência da classe operária no trabalho
de Thompson e a utilização da experiência dos trabalhadores que constituem a classe. É
por meio destes, em relação consigo mesmos e com os outros, que a formação da classe
operária é escrita, de modo a perceber como e quais experiências puderam congregar
tais indivíduos em uma classe consciente.
Em relação a Marx podemos observar que há algumas continuidades. As
relações de produção ainda possuem importância na conceituação de Thompson, que
insere o elemento novo da experiência, rejeitando a classe enquanto estrutura ou
categoria. A ambigüidade do conceito de Marx, elencada por Hobsbawm, parece
desaparecer em Thompson. A classe e consciência de classe parecem se entrelaçar no
próprio momento de emergência da classe, uma vez que a última é um formulação
cultural da primeira.
Ainda podemos dizer que a classe é um elemento político, radicado na luta de
classes. É a partir dos conflitos existentes na sociedade que os indivíduos se unem,
expressando sua identidade e interesse, exibindo, inclusive, uma dimensão política
destes. Deste modo, a classe possui hábitos, costumes, valores, tradições, enfim, uma
sociabilidade própria, bem como uma sociabilidade política que é também expressão
das experiências.