Marion Woodman - A Virgem Grávida
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8/19/2019 Marion Woodman - A Virgem Grávida
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Aluna: Helena Catharina L. de Carvalho
Curso: Jung e Corpo
Disciplina: Dinâmicas Simbólicas
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A virgem grávida
Marion Woodman
Capítulo 3 – O “X” da questão: consciência somatopsíquica
Em síntese, nesse capítulo, a autora apresenta:
A constatação de que, em muitos casos, embora pareça existir uma atitude favorável do ego,
o processo terapêutico se vê estagnado – o corpo ferido se recusa a ser expressão da alma.
Apesar disso, sugere-se que “qualquer ferimento no corpo produzirá uma tremenda carga de
energia de cura direcionada para o ponto de bloqueio”.
Como exemplo, o processo de descorporificação sofrido por muitas mulheres que ou (1)
foram de alguma forma rejeitadas por mães que, não tendo elas próprias uma relação
saudável com sua sexualidade, foram incapazes de “honrar o corpo feminino de sua filha
bebê” ou (2) cresceram em um contexto familiar que as tornou apegadas a um ideal
patriarcal de perfeição que aprisionou suas respostas emocionais.
A ideia de que o trabalho corporal pode ser bastante útil em casos dessa natureza, pois, se
conduzido com paciência, atenção, respeito e amor, resultará na aceitação do corpo e no
estabelecimento de uma conexão saudável entre a psique e os instintos, amenizando a
rigidez com que o ego se defende.
Como tarefa, a transposição da “aparente incomensurabilidade entre o mundo físico e
psíquico”, lembrando que Jung postulou que “é não só possível como altamente provável até
que a psique e matéria sejam dois aspectos diferentes de uma só e mesma coisa.”
Como recursos de investigação e acesso aos “mistérios da relação somatopsíquica”, o uso de
símbolos oníricos aplicados a áreas corporais inconscientes, em situação de relaxamento
profundo; o emprego de movimentos baseados nos padrões de desenvolvimento humano edas origens da evolução e o uso da voz. Tais recursos visam a ajudar o corpo a abrir mão do
“conflito criado ao longo dos anos de tensão habitual”.
Essa leitura me despertou a vontade de reler “A psique do corpo”, de Denise Gimenez Ramos1. Aqui
se trata do corpo que adoece e se analisam, sob outra perspectiva, os “mistérios da relação
somatopsíquica” – a perspectiva da inter-relação do fenômeno psique-corpo com os fenômenos da
doença e da saúde.
1 Ramos, Denise G. – “A psique do corpo – a dimensão simbólica da doença”, São Paulo, Summus, 2006
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Apresentando uma proposta de aplicação de um modelo analítico ao entendimento do que ocorreno campo formado pela psique e corpo, Denise Ramos retoma os conceitos de complexo, símbolo,
função transcendente e transdução.
Cito alguns trechos buscando elucidar o raciocino desenvolvido.
Complexos e seu enraizamento no corpo
“Para Jung, tanto nas neuroses quanto nas psicoses, os sintomas de natureza somática ou psíquica
originam-se nos complexos. [...] Quanto maiores a intensidade e a autonomia do complexo, maior a
sintomatologia”, uma vez que “quando se constela determinado complexo, não ocorre apenas uma
alteração no nível fisiológico, como os experimentos de associação revelaram, mas umatransformação na estrutura corpórea total, quer o indivíduo perceba ou não.” “Podemos, então,
observar que todo complexo, inclusive o egoico, tem um padrão específico de imagens e sensações
sinestésicas.”
“Podemos supor que, quando um adulto reage com um sintoma físico *a um conflito+, ele revive um
padrão infantil de comportamento, como uma criança que, por não ter uma linguagem verbal,
responde psicossomaticamente à dor emocional.”
“Sabemos que é a mãe ou sua substituta quem decodifica verbal e gestualmente para o bebê tanto
os estímulos externos quanto suas sensações corporais aparentes. A mãe, nesse contexto, funcionacomo protetora e decodificadora, realizando pela criança a função transcendente. É por meio dessa
relação que o bebê aprende a identificar seu corpo de modo abstrato e a transduzir suas sensações
corporais em sentimentos nomeados e ideias.”
Assim, podemos supor que, na vida adulta, “a dificuldade de simbolizar no nível mais abstrato seria
consequência da interrupção prematura da relação com a mãe, quaisquer que sejam os motivos.
Desse modo, o medo – ou qualquer outra excitação –, em vez de se transformar em processo
mental, fixar-se-ia no plano físico. A excitação não contida não pode ser representada no plano
consciente e transduzida verbalmente. Ela não é compreendida, ou seja, não lhe é dado significado;
portanto, permanece somente como sensação corporal desagradável de apreensão e angústia.”
“Embora o paciente orgânico possa funcionar muito bem em certas áreas de sua personalidade, é
possível perceber em alguns uma cisão entre corpo e psique. [...] Uma vez que certos estados
emocionais não puderam ter uma elaboração simbólica abstrata, eles podem se tornar fragmentos
isolados de uma natureza puramente concreta (...) e uma cisão tenderia a ocorrer.”
Tendo em vista que, nesses casos, a mãe não teria fornecido a mediação psique-corpo à criança, a
função simbólica, transcendente, ter-se-ia fixado no corpo, “em vez de se transformar em fantasias
e imagens que pudessem ser assimiladas pelo ego. É como se a memória emocional ficasse perdida
no corpo e reaparecesse quando situações atuais espelhassem um conflito semelhante àquele que
originou essa cisão.”
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“Podemos pensar então que, nesses pacientes, um complexo não é reconhecido no nível abstratoe, portanto, não pode ser expresso na fantasia, na imaginação ou no sonho. Por outro lado, esse
conflito pode levar a soluções alucinatórias, psicóticas ou assumir uma expressão orgânica. Assim, o
sintoma orgânico contém mensagens psíquicas que não têm uma representação abstrata acessível
à consciência.”
“Nesse caso, a somatização corresponderia a um acting out e a uma tentativa de integrar à
consciência o instinto (arquétipo) reprimido. Mas, devido à dificuldade de expressão no nível mais
consciente, o sintoma corporal permanece em repetição compulsiva e defensiva.”
O sintoma como símbolo
Levanta-se a hipótese de que “´*…+ nos distúrbios orgânicos ocorre uma regressão a formas mais
primitivas de relacionamento entre corpo e mente. A comunicação verbal dos estados afetivos está
em geral desconectada de seus sintomas, de seu corpo. Aqui está presente uma forma arcaica de
simbolismo em que o corpo fala. Um sintoma, nesse sentido, corresponde a uma representação
simbólica de uma desconexão ou perturbação no eixo ego-Self.”
Nesse contexto, o símbolo é resgatado como um terceiro fator na polaridade mente-corpo. O
símbolo seria “a expressão da percepção do fenômeno psique-corpo”, baseada na “percepção das
alterações fisiológicas e das imagens referentes, sincronicamente.” O complexo, então, sempre
teria “uma expressão simbólica corpórea, por intermédio da qual podemos ter a chave para a
compreensão da doença. Nesse caso, o símbolo aponta uma disfunção, um desvio que precisa ser
corrigido quando a relação entre o ego e o Self se altera.”
Denise cita Groddeck (considerado por muitos o pai da psicossomática) ao dizer que “a doença não
existe como entidade, mas somente como expressão da totalidade do homem”. Curar significaria
“interpretar corretamente o que essa totalidade está tentando expressar através dos sintomas e
ensinar-lhe um modo menos doloroso de auto-expressão”.
Transdução e função transcendente
Para melhor entender o papel do símbolo, a autora recorre à teoria da transdução, que “trata da
conversão ou transformação de energia ou informação de uma forma em outra”. O corpo humano
constituir-se-ia de uma rede de sistema informativos. “Cada um desses sistemas tem seu código, e
a transmissão de informações entre os sistemas requer que algum tipo de transdutor possibilite a
conversão de códigos de um sistema para outro”. O paciente orgânico tenderia a codificar seu
conflito preferencialmente no sistema somático.
Sugere-se, então, que o conceito de símbolo como máquina transformadora de energia, proposto
por Jung, seja compreendido como o elemento transdutor por meio do qual a informação possa
“ser transduzida para o sistema consciente e vice-versa”.
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De acordo com Denise, “o uso da função transcendente no processo terapêutico coincide com ométodo de transdução de que se está falando” e cita Jung:
“[...] A fim, portanto, de obter a posse da energia que está em lugar errado, ele [o paciente] deve
tomar o estado emocional como base ou ponto de partida para o procedimento. Ele deve tornar-se
tão consciente quanto possível de seu humor, mergulhando nele sem reservas e anotando no papel
todas as fantasias que emergirem. [...] [Esse trabalho] cria uma nova situação, pois o afeto
anteriormente não-relacionado torna-se uma ideia mais ou menos clara e articulada graças à
assistência e cooperação da mente consciente. Este é o começo da função transcendente, isto é, da
colaboração dos dados conscientes e inconscientes.”
Em continuidade é dito que vários métodos – imaginação ativa, trabalhos com pintura e argila –
que propiciam amplificações, podem fazer essa transição (transdução) de conteúdos inconscientes,
sintomas orgânicos ou emocionais para o plano consciente.
Em conclusão
Finalmente, Denise levanta a abordagem finalista, proposta por Jung. Aplicando essa abordagem ao
campo da doença orgânica, diz que a doença “é uma expressão simbólica que visa compensar uma
atitude unilateral da consciência”. Seria, assim, “uma reação do organismo, uma compensação,
com a finalidade de levar o indivíduo a integrar o reprimido, religar o ego ao seu eixo com o Self ”.
Como conclusão, a seguinte hipótese é retomada: “o sintoma orgânico corresponde a uma cisão na
representação de um complexo/arquétipo em que a parte abstrata/psíquica ficou reprimida. Ao
ficar desconectado do ego, esse sintoma se repetirá compulsivamente como uma tentativa de se
integrar à consciência, a fim de que o processo de individuação prossiga”.
Os casos clínicos que a autora apresenta nos capítulos finais do livro demonstram que “a
conscientização da polaridade abstrata do complexo – isto é, a transdução do símbolo de sua
polaridade orgânica patológica para a polaridade psíquico-abstrata – provoca a diminuição de sua
expressividade patológica orgânica”.
Segundo a autora, “no tratamento das neuroses e psicoses, o método de amplificação do sintoma-
símbolo leva à ampliação da consciência e à maior integração de conteúdos inconscientes no ego,
transformando a relação ego-Self”. Informa, ainda, que “*…+ no nível pessoal usamos a objetivação
do sintoma e a imaginação ativa” para realizar tal amplificação.
Em resumo:
1.
A doença orgânica pode ter uma finalidade e um significado.
2. Esse significado, em alguns casos, se apresenta como um símbolo.
3. A compreensão e a integração do símbolo na consciência levam a uma melhora no quadro
de saúde geral do paciente.
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Considerações
A leitura de “A psique do corpo” foi útil porque ofereceu um modelo para o entendimento de como a
unidade psique-corpo atua na constituição de sintomas orgânicos e de como o processo terapêutico pode
contribuir para facilitar a melhor evolução do processo de individuação.
Contudo, procurando integrar as duas leituras, ouso sugerir que, no raciocínio desenvolvido por Denise
Ramos, talvez o psíquico e a consciência estejam excessivamente associados ao pensamento abstrato e ao
intelecto.
Se pensarmos que é possível uma consciência corporal, não traduzível em ideias, mas em sensações e
sentimentos, ficaria mais compreensível por que o trabalho corporal é capaz de atuar criando a oportunidade
de transdução de conteúdos conflituosos inconscientes.
Em situações em que o processo terapêutico se vê bloqueado, a despeito de uma atitude aparentemente
positiva do ego, poder-se-ia falar do bloqueio que reside no corpo como um sintoma (mesmo quando não se
caracteriza um estado de doença orgânica) cujo sentido está oculto inclusive do próprio corpo e de sua
capacidade de estar consciente de suas sensações e sentimentos.
A ampliação da consciência corporal permitiria que tais conteúdos possam ser melhor percebidos, aceitos,
expressos – mesmo que não o sejam em linguagem verbal – e integrados ao repertório psíquico, ampliando a
capacidade de conexão entre o indivíduo, seu próprio Self e o mundo.