Marcos Paulo Barros
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A interatividade no teatroO jogo entre atores e público para a construção do
espetáculo
por
Marcos Paulo de Araújo Barros
(Aluno do Curso de Comunicação social)
Monografia apresentada à Banca Examinadora de Projetos Experimentais. Orientador Acadêmico: Prof. Dr. José Luiz Ribeiro.
UFJF FACOM 1. sem. 2002
1
A Deus, por todas as graças alcançadas.
Aos meus pais, Laerte e Lúcia, pelo apoio incondicional que sempre me dispensaram, estando junto de mim a qualquer momento.
A minha namorada, Marisa, que com seu amor me trouxe alegria, acalento e incentivo a cada capítulo de meu sonho.
A Sheila e Rodrigo, por terem me dado Carolina.
A José Luiz Ribeiro e aos amigos do Grupo Divulgação por terem me presenteado com a dádiva do Teatro.
A Márcio Guerra e aos companheiros da Imagem, por terem me ajudado nos primeiros passos jornalísticos.
2
S I N O P S E
Investigação do conceito de interativi-dade na relação entre atores e espectadores. Análise da participação direta do público na ação dramática do espetáculo.
3
S U M Á R I O
1. INTRODUÇÃO
2. A INTERATIVIDADE, O ATOR E O PÚBLICO
2.1. O conceito de interatividade
2.2. O ator na criação do espetáculo
2.3. O público-ator
3. O JOGO DO ESPETÁCULO
3.1. Generosa – o espetáculo
3.2. Acidentes de percurso
3.3. A visão do ator e do espectador
4. CONCLUSÃO
5. BIBLIOGRAFIA
6. ANEXOS
4
A conversa com o espectador é um sinal de sua criatividade diante do ator que, mesmo improvisando, sabe onde quer ir. O desempenho do espectador como co-ator avalia a sua capacidade de improviso. O teatro popular tem neste procedimento a sua pedra de toque. O incentivo à participação cria um desafio que, vencido pelo espectador, cobre-o de admiração de seus iguais ou, caso contrário, de riso e zombaria.
JOSÉ LUIZ RIBEIRO
5
1. INTRODUÇÃO
No início do curso de Comunicação Social, não sabíamos
que, além do jornalismo, um outro ramo das ciências humanas
iria nos despertar a paixão. Logo no primeiro período do
curso, devido a uma tamanha timidez que nos atrapalhava no
desenvolvimento das atividades requeridas nas aulas, tivemos
a oportunidade de conhecer o Teatro. Através de um curso de
introdução básica ao mundo teatral, em que tínhamos apenas o
objetivo de aprender a falar perante outras pessoas, o Grupo
Divulgação nos apresentou ao encantamento do teatro. Findado
o curso de duas semanas, a vontade de permanecer entre os
companheiros de artes cênicas não se dissipou, obrigando-nos
a permanecer por mais tempo.
Assim, os quatro anos vividos na faculdade foram
divididos com os trabalhos realizados pelo Divulgação. Em um
balanço final, percebemos que nossa prospecção pelo teatro
foi o grande diferencial da jornada estudantil. Além de nos
transformar em atores amadores, ou quem sabe em amadores da
arte de representar, o teatro foi de suma importância ao
desenvolvimento do jornalismo, pois, além de acrescentar uma
larga bagagem cultural, deixou-nos mais seguros nas
habilidades de repórter.
Devido à convivência com o meio teatral, resolvemos, na
monografia de conclusão de curso, aprofundar mais os
6
conhecimentos em relação ao teatro e aplicá-los a um dos
conceitos estudados no Curso de Jornalismo: a interatividade.
Portanto, para nos formar, conseguimos unir o útil ao
agradável. Este trabalho tem a proposta de desvendar como a
interatividade, um fenômeno tão atual na sociedade
contemporânea, pode agir sobre a relação estabelecida entre
atores e espectadores, no momento da apresentação teatral.
Assim, num primeiro momento, buscaremos subsídios nos
pensadores da interação, para aprendermos como ela acontece e
como se coloca junto da comunicação humana. O diálogo, a
troca de informações, será o gancho ideal para inserir a
interação ao processo do fazer teatral. Pois, o teatro nada
mais é do que a arte do diálogo, em que uma comunicação é
estabelecida, sempre, entre os atores e seu público.
Para aplicar a interatividade nas artes cênicas, também
será preciso conhecer a origem do teatro, o surgimento do
ator e os métodos e teorias sobre o trabalho de composição de
personagem. Stanislavski, Brecht, Diderot, Grotowski e a
experiência no Grupo Divulgação serão o alicerce à nossa
empreitada como investigadores do universo extremamente rico
que é o teatro.
Para compreendermos o público, esta classe tão plural,
o palco, além de livros e teorias, será o grande mestre. À
composição da monografia será necessário o estudo do
comportamento do espectador. Sua ação, receptividade e
7
envolvimento com o espetáculo são de suma relevância ao
discernimento da força que a interatividade exerce sobre o
teatro.
Na primeira parte de nosso trabalho, abordaremos a
interação, o ator e o público. Cada divisão do capítulo
disseca os três elementos, interligando-os para, assim, serem
aplicados ao teatro. Na segunda parte, falaremos sobre o
acontecimento do “jogo teatral”, em que atores e público
formam os jogadores na partida da apresentação. Nela, faremos
um varredura sobre o espetáculo [email protected], sobre os
“acidentes de percurso” que ocorreram no tempo em que a peça
esteve em cartaz; e, para finalizar, sobre a idéia que atores
e público tiveram sobre o espetáculo.
[email protected] serviu-nos como objeto à realização do
estudo para a composição da monografia. Através da montagem
do Grupo Divulgação, que tinha como meta estabelecer um
contato direto com o público, fazendo-o interagir com as
apresentações, tentaremos descobrir como o envolvimento dos
atores com os espectadores pode favorecer ao acontecimento do
fenômeno teatral, através da interatividade.
8
2. A INTERATIVIDADE, O ATOR E O PÚBLICO
Montar um espetáculo de teatro requer uma gama de
elementos que são responsáveis ao acontecimento do fenômeno
teatral. A junção de todos eles formam o que podemos chamar
de magia do teatro, ou melhor, um clima que envolve ator,
espectador, texto, figurino, cenário, música e iluminação.
Todas essas unidades somadas contribuem ao aparecimento da
“alma coletiva”, que é um estado decorrente do tempo mítico
imposto por cada apresentação do espetáculo.
A comunhão existente entre cada parte que constitui o
fazer teatral abre o espaço para o estudo da interatividade.
A interação se liga ao teatro, porque ele é uma arte que só
acontece através da coletividade. O teatro é a arte da
dependência, pois necessita de um público. Essa carência é a
motivadora direta da influência que cada elemento de uma
apresentação pode causar em relação aos outros. Essa mistura
nada mais é do que a interatividade.
Neste espaço de partes interligadas, aparecem os atores
e os espectadores, que são capitais à fluidez do espetáculo.
E é entre eles que a interação consegue ser notada com mais
intensidade, pois são subordinados diretos. A comunicação
estabelecida entre atores e público permite a troca de
informação, que cede lugar à força da ação interativa.
9
2.1. O conceito de interatividade
Com o advento da informática e seu crescimento em
vários setores, como economia, educação, ciência e cultura,
os computadores e as novas tecnologias de comunicação
tornaram-se fundamentais para o funcionamento das atividades
humanas. O cotidiano das pessoas, povoado por estas máquinas
e técnicas modernas, passou por uma metamorfose. Devido à
convivência entre tecnologia e pessoas, novos conceitos e
vocábulos foram acrescentados à nossa vida diária, fazendo
surgir grandes mudanças na linguagem coloquial e na visão de mundo.
É indiscutível o impacto das novas tecnologias de comunicação na economia e na cultura. Geradas após um longo e intenso processo de acumulação de conhecimento científico, essas novas ferramentas têm mudado tanto, e com tal velocidade, a vida das pessoas, que é compreensível que causem perplexidade e certa fascinação1.
Palavras como softwares, virtual, digital, e-mail,
significaram mudanças representativas no processo da
comunicação humana. Porém, um dos conceitos que mais está em
voga e tem despertado o interesse de muitos especialistas nos
últimos anos é o da interatividade. Tudo, a partir de agora,
é interativo. E esta questão parece, atualmente, ligada
inexoravelmente à informática. Na verdade, para muitos,
1 LOBO, F. 2000: p.21
10
é entendida como um fenômeno cujo estudo inicia com a
evolução dos computadores e suas interfaces. Contudo, a idéia
de interatividade está presente em várias áreas do saber e o
seu conceito é muito amplo, podendo ser usado por várias
disciplinas com denotações diferentes.
No campo da física, por exemplo, podemos encontrar as
chamadas interações fundamentais. Toda interação física da
matéria ocorre pela ação de quatro tipos de forças básicas:
gravidade, eletromagnetismo, força nuclear forte e força
nuclear fraca. A física também se ocupa da interação das
ondas eletromagnéticas com a matéria. A interação modifica a
freqüência da onda e, conseqüentemente, sua velocidade. Há,
ainda, um ramo da física, a mecânica, que visa o estudo da
interatividade de forças, objetos e movimento.
Já na filosofia existem várias abordagens que dizem
respeito à interação, como no pragmatismo e como ele enxerga
o ser humano. Concentrando-se na totalidade de experiência e
na riqueza da natureza, o pragmatismo vê a humanidade não
como mero espectador, separado da natureza, mas como um
constante e criativo interagente. O não reconhecimento dessa
interação prejudicaria o pensar sobre a existência humana.
Temos que mencionar ainda a sociologia e sua discussão
sobre a interação social. Ela é responsável pelo estudo do
homem na sociedade e suas relações. Sem a sociologia não
saberíamos avaliar a interação humana e o impacto das normas
11
sociais, tais como folclore, etiqueta, rituais, moda e também
leis do estado.
No estudo da geografia, a interação também se faz
fundamental. A meteorologia se ocupa, por exemplo, das
interações entre componentes dos oceanos e a atmosfera
terrestre. Até o surgimento das montanhas pode ser explicado
através da interatividade. As placas tectônicas, uma vez
interagindo umas com as outras no interior da costra
terrestre, dobraram-se formando as cadeias de montanhas. Os
efeitos da interação ainda podem ser encontrados na geografia
quando se estuda os minúsculos abalos sísmicos chamados
microsismos, bastante similares às ondas sísmicas mais
intensas provocadas em terremotos, causadas pela interação de
ventos e ondas com a crosta terrestre, por erupções vulcânicas
e fontes humanas, como veículos motores e indústrias.
Para poder explicar a genética, a biologia também faz
uso da interatividade. O fenômeno da descontínua variação
hereditária, como alta, contra baixa, lisa, contra rugosa,
nos estudos de Mendel, é explicado pela interação gênica. A
variação fenotípica leva em conta o estudo da interação do
genótipo com o ambiente onde ele se desenvolve.
O conceito de interatividade é muito abrangente e ainda
pode ser estudado na química; através das interações
intermoleculares, na zoologia; quando se avalia a interação
hormonal, na farmacologia; no estudo da interação
12
medicamentosa; e, enfim, na antropologia, quando se analisa a
interação entre as culturas na formação de civilizações.
Além dessas diversas áreas em que o conceito da
interatividade pode ser aplicado, ele também pode ser tratado
sobre outro ponto de vista: o que abrange a idéia do vocábulo
dentro da comunicação humana. Neste campo, David K. Berlo
identifica que existe uma relação de interdependência na
interação, em que cada agente depende do outro. Ela, é claro,
varia em grau, qualidade e de contexto para contexto. O autor
alerta, porém, para a limitação em entender-se a interação
apenas como ação e reação.
Segundo Berlo, as pessoas não funcionam da mesma
maneira que um termostato ou um aquecedor. Quando se adota o
paradigma da ação-reação, passa-se à visualização do processo
de uma forma linear e do ponto de vista da fonte (em que
existe apenas a emissão e o feedback, tendo esse último
apenas a função de comprovar a eficácia da mensagem).
A segunda falha do uso do conceito de ação-reação diz respeito à nossa permanente referência à comunicação como um processo. Os termos ação e reação rejeitam o conceito de processo. Implicam que há um começo na comunicação (o ato), um segundo acontecimento (reação), acontecimentos subsequentes, etc., e um fim. Implicam a interdependência dos acontecimentos dentro da seqüência, mas não implicam o tipo de interdependência dinâmica que se compreende no processo da comunicação2.
2 BERLO, D. 1991: p.117
13
Uma obra clássica que contribui para o estudo da
interação é a Pragmática da Comunicação Humana, de
Watzlawick, Beavin e Jackson3. Os estudos pragmáticos feitos
por eles pretendem mostrar a relação entre os interagentes,
mediada pela comunicação. A pragmática da comunicação
valoriza a relação interdependente do indivíduo com seu meio
e com seus pares, em que cada comportamento individual é
afetado pelo comportamento dos outros. Para estes autores, a
interação é uma série complexa de mensagens trocadas entre as
pessoas. Porém, o entendimento de comunicação vai além das
trocas verbais. Para eles, todo comportamento é comunicação.
Para B. Aubrey Fisher4, um dos pesquisadores americanos
contemporâneos mais importantes no estudo da comunicação
interpessoal e grupal, a relação interpessoal não existe no
campo da razão, ela se dá entre os indivíduos. O
relacionamento deve ser entendido como uma série de eventos
conectados. Logo, a comunicação não é apenas um conjunto de
ações para com outra pessoa, mas sim a interação criada entre
os participantes. Isto é, um indivíduo não comunica, ele se
integra na comunicação ou passa a fazer parte dela. Mais do
que pessoas, relacionamento envolve eventos, ações e
comportamentos na criação, manutenção ou término de relações.
Além disso, a relação sempre ocorre em um contexto;
além do físico, devemos considerar também o temporal e, 3 Cf. WATZLAWICK, P., BEAVIN, J., JACKSON, D. 19934 Cf. FISCHER, B. 1987
14
principalmente, o social. Logo, a relação envolve três
elementos inter-relacionados: os participantes, a relação e o
contexto. Fisher entende que a interação é a relação entre
eventos comunicativos; para ele a comunicação interpessoal, o
relacionamento humano e a interação humana são sinônimos.
Quando consideramos a interação como uma relação entre
eventos comunicativos, podemos inseri-la no contexto teatral,
pois o teatro é uma arte comunicacional. A etimologia grega
de teatro dá ao vocábulo o sentido de miradouro, lugar de
onde se vê. O edifício autônomo, de fins idênticos àquele que
se chama, hoje, teatro, se denominava odeion, auditório. Na
terminologia dos logradouros cênicos da Grécia, teatron
correspondia à platéia, anteposta à orquestra e envolvendo-a
como três lados de um trapézio ou um semicírculo.
Não se dissocia da palavra teatro a idéia de visão. Ler
teatro, ou melhor, literatura dramática, não abarca todo o
fenômeno compreendido por essa arte. É indispensável que nele
o público veja algo, no caso o ator, que define a
especificidade do teatro.
Sábato Magaldi5 assinala que a palavra teatro abrange
ao menos duas acepções fundamentais: o imóvel em que se
realizam espetáculos e uma arte específica, transmitida ao
público por intermédio do ator. Para ele, o significado
primeiro, na linguagem corrente, liga-se à idéia de edifício,
5 Cf. MAGALDI, S. 1986: p.7
15
mas com características especiais, dotado basicamente de
platéia e palco. Quando se diz “Vamos ao teatro”, pensa-se de
imediato na saída de casa para assistir, em um recinto
próprio, a uma representação, feita por atores, bailarinos,
bonecos ou mímicos. O teatro implica a presença física de um
artista, que se exibe para uma audiência. Nele, público e ator
ficam um em face do outro, durante o desenrolar do espetáculo.
O teatro, na visão de José Luiz Ribeiro6, é uma arte
híbrida que acumulou durante milênios uma sabedoria cultural
assentada na expressividade humana. No século da comunicação
de massa, ele preserva a aura que lhe é conferida pelo hic
et nunc da presença carnal do ator. Ele jamais se repete
diante da variabilidade de possibilidades do ser humano.
Considerado como a arte que privilegia o diálogo, o
teatro tem o público como parte fundamental para o
acontecimento do espetáculo. Segundo Sábato Magaldi, em sua
obra Iniciação ao Teatro, o perfil do teatro pode ser traçado
pela natureza e pelo comportamento do público. Se não
determinam os caminhos da dramaturgia, os espectadores
condicionam a vitória ou a derrota de determinada tendência,
podendo estimulá-la ou desprestigiá-la. Com o apoio do
público, florescem espetáculos e mesmo todo um teatro. Sem o
apoio, pode até haver uma abolição do fenômeno cênico.
E o motivo não encerra os mistérios: pronto o espetáculo, ele se equipara a qualquer produto, que
6 Cf. RIBEIRO, J. 1993: p.17
16
entra em circulação, e precisa impor-se no mercado. O público é consumidor dessa matéria, a qual, se não obtiver agrado, ficará na prateleira do palco. Sendo o espetáculo um produto único, oferecido de cada vez, o desinteresse do consumidor obriga o empresário a substituí-lo com urgência. Dramaturgo, empresário, intérprete, encenador – todos pensam em conseguir o agrado do público ao oferecer-lhe um espetáculo7.
Assim, podemos considerar o teatro como um meio de
comunicação grupal que se faz no hic et nunc. A relação
existente entre encenadores e espectadores é algo que
possibilita a realização de um diálogo, pois há uma troca de
informação. A presença do ator diante do público caracteriza
o jogo teatral como interativo, porque vai haver uma complexa
troca de mensagens, que valorizam a comunicação como uma
relação interdependente do indivíduo com seu meio e seus
pares. Assim, o comportamento de um é afetado pelo do outro.
O teatro é uma arte interativa por excelência. Durante
a apresentação do espetáculo existe todo um processo de
comunicação. Os sinais que são enviados pelo fenômeno da
apresentação provocarão respostas na platéia e vice-versa. A
variedade de informações trocadas está presente no monólogo
do ator e até no pequeno sussurro da platéia.
O público é um espelho que reflete as imagens do espetáculo. Observá-lo, durante o espetáculo, é penetrar num laboratório de reações humanas em suas mais diversas variações. Mapear estes sinais é, pois, uma tarefa que se impõe para a melhor
7 MAGALDI, S. 1986, p.71
17
compreensão de seu papel dentro da dinâmica do teatro8.
O espectador é sempre uma surpresa. Conseguir sua
aprovação é uma difícil tarefa para os produtores do
espetáculo. Várias montagens planejadas, que levaram tempo e
gastaram dinheiro para serem construídas, acabaram no
esquecimento, pois a platéia é a grande juíza e só ela é
responsável pelo aplauso ou pela vaia.
Para entendermos esta interdependência entre espetáculo
e público, que faz parte do jogo da comunicação teatral,
temos que levar em conta, também, os estudos realizados pelo
filósofo grego Aristóteles que, antes da era cristã, já tinha
estabelecido o primeiro modelo, que no século XX seria
fundamental para os estudos da comunicação. Em sua obra Arte
Retórica, Aristóteles faz a distinção de três elementos
relevantes dentro do processo comunicacional. O primeiro,
quem fala, que seria a unidade emissora do processo
comunicacional; o segundo, o que fala, classificado como o
produto físico da fonte; e o terceiro, a quem se fala,
caracterizado pelo receptor e consumidor da mensagem. Dentro
da dinâmica da comunicação teatral, podemos relacionar estes
três elementos aos que são constitutivos de um espetáculo, ou
seja, a fonte seria o ator, a mensagem, o que os atores
querem transmitir, e o destino seria o público ou o receptor
da mensagem. 8 RIBEIRO, J. 1993: p.5
18
Berlo, dentro do universo comunicacional, diz que a
relação de interdependência existente nos processos
interativos faz cada indivíduo depender um do outro,
influenciando-os mutuamente. Esta idéia pode ser aplicada aos
conceitos de fonte e destino, pois, no momento de realização
do fenômeno teatral, tanto fonte (atores) quanto destino
(público) podem ser influenciados um pelo outro. Assim,
chegamos a uma conclusão de suma importância, que é a visão
de considerar o público como um elemento consumidor do
processo comunicativo dentro do teatro. Ao ser atingido pelo
espetáculo, ele reage de maneira mediata ou imediata. Desta
forma, podemos deixar de lado a idéia que concebe o
espectador como passivo. A platéia interage com a
apresentação teatral, seja se expressando exterior ou
internamente através dos estímulos recebidos durante o
espetáculo.
Esta contaminação estabelecida entre fonte e destino
irá acarretar mudanças significativas na mensagem,
caracterizando o processo interativo dentro do universo
teatral, pois, à medida em que começa a haver uma troca de
informação entre os participantes do fenômeno teatral, o
contexto da narrativa, isto é, a mensagem que se deseja
transmitir, também passa a se modificar de acordo com o
relacionamento que se dá entre atores e espectadores.
19
Sobre a participação do público como elemento
modificador no processo do fazer teatral, podemos analisar um
vasto arsenal de sinalizações que podem apontar a presença do
espectador na dinâmica teatral. Através de sinais visuais,
sonoros e cinéticos emanados do público e que são
identificados pelos atores, podemos assinalar a
interatividade física e contemplativa que existe na platéia
em relação ao espetáculo. Estes sinais tecidos, conscientes
ou inconscientemente, pelos espectadores irão realizar sua
função de co-participante do espetáculo, caracterizando sua
natureza social, psicológica, cultural e estética.
Tratando-se de um público popular, caracterizado pela extroversão, os sinais são amplificados, levando-se em conta a ausência de amarras do refinamento social, o que escancara um compromisso ancestral com a festa, presente, ainda, nos espetáculos modernos. Como os atores dialogam posturalmente com a iluminação, com a sonoplastia e com os companheiros, o público responde aos estímulos espetaculares e fornece outros, físicos ou energéticos9.
Em As máscaras do espectador, José Luiz Ribeiro mapeia
um sistema de sinais emitidos pelos espectadores. Segundo
ele, atores e público emitem manifestações que podemos
codificar como: verbais, não-verbais, sonoras, posturais,
cinéticas e territoriais, sendo que estes sinais se mostram
interligados e simultâneos. Assim, como significantes
articulados são capazes de estabelecer outros significados.
Cada manifestação está ligada às vivências físicas, psíquicas 9 RIBEIRO, J. 1993: p.76
20
e sociais do público. O desempenho de cada uma delas irá
acontecer em direção a determinadas funções. Ribeiro
distingue quatro grandes agrupamentos dos sinais da platéia:
os sociais, os protocolares, os emotivos e os fisiológicos.
Nestes grandes grupos podem ser identificados sinais
que revelam o comportamento do espectador frente ao outro
espectador, ao momento histórico-social e ao espetáculo.
Pode-se identificar, ainda, que a cultura é o fator
determinante do comportamento que, às vezes, se mostra rebelde
e revolve suas próprias regras, ocasionando vários rompimentos.
No momento em que o espectador chega ao local onde
assistirá uma apresentação teatral, ele irá estabelecer uma
série de adaptações ao ambiente e às pessoas que o circundam.
Neste local, o espectador vai utilizar sinais do cotidiano
como, por exemplo, um simples pedido de licença. Estes sinais
emitidos, podemos chamá-los de sociais, verbais e não-verbais. As regras de etiqueta e cavalheirismo vão
predominar, neste momento, quando as distâncias pessoais
passam a sofrer a invasão de estranhos que possuem o mesmo
desejo de participar do espetáculo. Este tipo de
comportamento está ligado à cultura do espectador e sua
intimidade com o gênero de apresentação que vai assistir.
Assim, o ambiente fica tomado pelos espectadores que, aos
poucos, vão se integrando como platéia e tornam-se
componentes da alma coletiva, ou seja, cada pessoa que forma
21
o público esquece-se de sua vida cotidiana para entrar,
conjuntamente, no clima do espetáculo.
A segunda classificação irá pontuar a característica
ritualística do teatro. São os sinais protocolares, isto é, aqueles reconhecidos como competência do espectador no
desempenho de seu papel diante do espetáculo. Podemos dizer
que existe um protocolo de intenções a ser seguido entre o
público e o espetáculo. Estas manifestações estão
relacionadas ao universo da cultura teatral e podem ser
caracterizadas como o aplauso, o sorriso de apaziguamento
para encorajar o ator no início de seu trabalho, os gritos de
incentivo ou mesmo o silêncio, quando as cortinas são
abertas. Estes comportamentos podem ser considerados como
ritos sinaléticos do espetáculo, pois se baseiam em costumes
simbólicos que se formaram ao longo da vivência teatral,
através das repetições, e que são passados de geração em
geração de espectadores.
O outro grupo é o que congrega os sinais fisiológicos. As adaptações do espectador ao ambiente e o conforto da sala
de espetáculos geram tensões ou relaxamentos que vão
predispor o público a receber mensagens advindas do
espetáculo e correspondê-las ou não.
O último tipo de sinal a ser mencionado é o emotivo. Ele é o que chama mais atenção dos atores, pois, de certa
forma, é o elemento que fornece o feedback ao espetáculo. Os
22
sinais emotivos unem o interior do espectador com o trabalho
do ator e sua presença delimita a função máxima da
interligação da mensagem teatral. Segundo Ribeiro, ao entrar
na zona da emoção, o espectador quebra as barreiras sociais e
explode de paixão, através de lágrimas, gritos e sussurros.
Os elementos emotivos dependem diretamente do plano
significante das emoções decodificadas pelos integrantes de
cada cultura. Assim, o espectador usa suas emoções de forma
rica e variada, ora através de movimentos suaves, ora através
de lágrimas silenciosas. Quando ingressa no tempo mítico, o
público permite identificar-se com a ficção e o resultado
desta vivência brota nas expressões afetivas.
Todos estes sinais mencionados fazem parte do fenômeno
teatral desde o seu aparecimento. A existência deles só faz
confirmar o teor interativo da arte teatral. O teatro
contemporâneo, mais precisamente o de vanguarda, resgata a
ação interativa inserida no fazer teatral. O teatro atual
amplia o papel participante do público, quer interferindo,
conduzindo ou alterando o espetáculo. Na atualidade, torna-se
um paradigma de teatro contemporâneo a interferência de um
espectador-ator que sobe ao palco e atua junto aos atores.
Esse teatro busca, de maneira exaustiva, a integração do
espectador, o seu comprometimento, eliminando a postura
contemplativa da platéia. Por esta razão, certos espetáculos
montados em fins do século XX passaram a resgatar a festa e a
23
busca do ritual. As peças teatrais contemporâneas invadiram
túneis, casarões, grutas, buracos de metrô e museus na
tentativa de falar uma linguagem nova, permitindo ao público
um passeio junto aos atores.
Esta tendência da ação interativa no teatro de
vanguarda pode ser explicada, também, pela invasão das novas
tecnologias em nossas vidas. Hoje em dia, existe uma super
valorização da interatividade, que é incentivada pelo uso
diário e excessivo do computador. As crianças, desde a tenra
idade, já estão familiarizadas com ele. Assim, vimos a
participação de indivíduos em programas de televisão ditos
“interativos”, como era o caso de Você decide, um produto
televisivo apresentado pela Rede Globo em que os
telespectadores escolhiam o final da história através do
telefone. Essa prática levou o público a participar também,
de forma natural, através do computador, como na Casa dos
artistas, apresentada pelo SBT, em que o internauta-telespectador
decide pela permanência ou não dos jogadores no programa,
modificando toda a trama que já estava estabelecida dentro da casa.
Há cinemas em que o público é levado a sentir as
sensações provenientes da tela, através de poltronas que
balançam para dar a impressão ao espectador de que ele está
dentro do avião que perdeu o controle e se chocará com uma
montanha. Este tipo de sala cinematográfica é tido pelos
meios de comunicação e por seus proprietários como
24
interativo. Porém, sabemos que para haver uma interação
exige-se a participação de dois elementos influenciando-se
mutuamente. No caso do cinema, o espectador teria que
participar de forma efetiva na construção da narrativa do
filme. O conceito de interatividade, neste caso, é usado
apenas para atrair mais público, visando o maior lucro.
Atualmente, boa parte dos meios de entretenimento
existentes se dizem interativos, mas, na verdade, são apenas
reativos. Os videogames ou os jogos da internet, por exemplo,
requerem a resposta do jogador/espectador (resposta
inteligente em alguns casos; resposta mecânica na maioria dos
outros), mas sempre dentro de parâmetros que são as “regras
do jogo” estabelecidas pelas variáveis do programa. Então,
podemos concluir que nas tecnologias reativas não há lugar
propriamente às respostas no verdadeiro sentido da palavra, mas a
simples escolha entre um conjunto de alternativas já determinadas.
Ainda na onda do uso descabido do conceito de
interatividade, há que se falar nos sites de autores que
escrevem seus livros de acordo com a interferência de seus
leitores. Neles, através de mensagens enviadas pelo
computador, ou seja, os e-mails, autor e leitor trocam idéias
a respeito da trajetória dos personagens contidos nos livros.
Assim, o vocábulo interatividade tem sido usado para
designar vários elementos dentro do contexto cultural. E é
dessa forma que a ação interativa acaba chegando ao teatro.
25
Como exemplo desse fenômeno, podemos enumerar uma infinidade
de espetáculos que foram montados nos últimos tempos sob a
égide de interativos. Uma peça que esteve em evidência na
imprensa devido ao rótulo de interativa foi Alice através do
espelho. Neste espetáculo, o público chega ao teatro e é
convidado a tomar um chá ao ar livre. Com a situação, as
pessoas da platéia se entreolham e ficam tímidas. Enquanto
isso, cada espectador é pressionado a beber “a poção” por
duas atrizes do elenco. Assim começa a peça, encenada pela
Armazém Companhia de Teatro.
Quando o “chá alucinógeno” começa a fazer efeito, todos
são convidados a entrar no quarto de Alice. Lá, o espectador
é surpreendido pelo Chapeleiro Maluco, interpretado por uma
atriz da Companhia. É o início de uma maravilhosa viagem.
Público e Alice atravessam o espelho numa queda vertiginosa
e, a partir de então, passam a percorrer, até perder a noção
do tempo e espaço, os seis espaços cênicos concebidos pelo
diretor Paulo de Moraes. Neste tipo de apresentação, em que o
público é tirado de sua passividade e levado a participar
junto aos atores da construção do fenômeno teatral, é
caracterizada a ação interativa. Nos espetáculos atuais, a
“quarta parede” – “parede imaginária que separa o palco da
platéia”10 - muito comum do estilo naturalista, desapareceu,
fazendo com que as apresentações ganhem o público. Assim, o
10 PAVIS, P. 1999: p.315
26
teatro goza de um potencial diferente em relação às outras
mídias, pois ele desfruta da presença viva do ator e do
público, no mesmo tempo e lugar.
O teatro atual busca o choque e, por isso, lança mão de
artifícios, sendo um deles a ação interativa. Novas técnicas
de interpretação e expressão estão sendo pesquisadas para nos
permitir entender essa nova linguagem. O público de hoje tem
necessidade de sentir-se dentro do contexto do espetáculo;
daí a interatividade tornar-se tão comum. Agora, o público
não somente assiste, através de sua interferência, ele
próprio cria e recria o espetáculo. Assim, o fenômeno teatral
nutre-se de uma reposta imediata ao estímulo fornecido
pela fonte comunicacional, que nesta circunstância são os
artistas. Dessa relação, surge uma força comunicativa que
depende da interação entre a motivação inicial fornecida
pelos atores e a participação imediata dos espectadores.
2.2. O Ator na criação do espetáculo
O vocábulo ator designa aquele que age diante de um
público, sustentando uma personagem durante o espetáculo. O
termo origina-se etimologicamente do verbo agir e diz
27
respeito a uma ficção não narrada ou descrita, mas
representada, em ato, diante de uma platéia. A designação
pode ser aplicada, também, aos mais variados participantes do
espetáculo, como cantores, mímicos, dançarinos, palhaços,
apresentadores etc. No entanto, em algumas línguas, entre as
quais a italiana, é prevalecente o conceito próprio, restrito
ao drama, e, nos dias de hoje, referente, ainda, aos meios
cinematográfico, radiofônico e televisivo.
O ator, quando inserido no fenômeno teatral, representa
a obra do autor, encarnando-lhe personagens diante de um
público. De um lado, ele faz uma síntese entre a personagem e
sua própria pessoa. Do outro, serve como mediador entre a
obra de arte e o espectador na unidade definitiva do
espetáculo, caracterizando, dessa forma, uma interdependência
entre o produto artístico e a platéia. Essa relação deixa às
claras a natureza comunicacional e interativa existente no
teatro. O trabalho do ator é, pois, uma mediação constante
que se desenvolve através de um duplo processo de
metamorfose. Ele renuncia, a cada personagem interpretada, o
seu próprio eu, em favor de seu papel dentro do espetáculo,
trabalhando aquela mesma personagem de acordo com modos
familiares e compreensíveis para o espectador.
Este processo de transformações está condicionado por
diversos elementos. São eles: a) subjetivos, como a figura, o temperamento, o caráter, as qualidades mímicas e inerentes ao
28
gênero e à personalidade do ator; b) objetivos, tais como âmbito ético e lingüístico, a categoria social, a escola, a
tradição, a técnica e, enfim, o ambiente físico particular no
qual o ator pode ser classificado diversificadamente por
gênero cômico, dramático e trágico, por repertório ou estilo
de representação, pelo papel ou função de protagonista ou
antagonista, todos, por sua vez, condicionados por diversas
tradições teatrais.
Em relação aos elementos objetivos e ao público ao qual
o trabalho do ator é destinado, a história registra uma
grande variedade de tipos. Para Sábato Magaldi, o ator passou
por diferentes avaliações na história do teatro. Na Grécia,
berço da cultura ocidental, ele recebia todas a honras
públicas. Em Roma, onde o teatro não tinha o mesmo prestígio,
o ator era escravo, e sabe-se que certas mímicas sensuais
eram desempenhadas por prostitutas. A Idade Média deu outro
rumo à questão do ator, ao inseri-lo dentro do contexto
religioso. Toda a Igreja e o clero foram a favor do
espetáculo medieval, que, para eles, era um ato de fé. As
apresentações amadoras, que eram nutridas por indivíduos
advindos das várias classes, todos irmanados pelo espírito de
devoção, deram espaço para as confrarias profissionais,
exibindo-se de burgo em burgo. Nos tempos atuais, os atores
gozam de um certo prestígio na sociedade. São vistos como
29
astros e estrelas idolatrados pelo público, e este entusiasmo
é reforçado ainda mais pelo cinema e pela televisão.
No decorrer da história, três fases podem ser
distinguidas para a posição do ator. Na primeira, ele é
participante e membro da comunidade religiosa e civil, como
na Grécia Clássica. Já na segunda, o ator está de fora de tal
comunidade, em condição infame, como na antiga Roma, em
alguns teatros orientais e no teatro russo até 1861. E na
última e terceira, ele retoma, progressivamente, seus
direitos de cidadão e seu lugar na comunidade. O tipo
principal da primeira fase é o ator mítico; da segunda é o
ator escravo, o ator artesão, o ator de corte; da terceira, o
ator burguês, o ator democrático, o ator socialista. Podemos,
ainda, fazer uma classificação de menor relevância entre o
ator de uma companhia ambulante e o de teatro estável.
O intérprete cênico surge na história grega e no
Oriente, junto às populações primitivas, como o ator mítico,
ou seja, evocador dos mitos mágicos e religiosos. O ator
consegue sua individualização, na Grécia, quando se destaca
do coro. Lá, a profissão de intérprete sempre foi bem
reputada, sendo mantida pelo Estado. Alguns atores chegaram a
assumir funções diplomáticas, quando em viagem. No período
das tragédias, o poeta recitou, ele mesmo, seus próprios
personagens, mas foi nesta época, na metade do século V a.C.,
que o ator começou a se distinguir. No início, os poetas
30
lutavam para ter o melhor intérprete, depois o Estado
decidiu, para evitar toda discriminação injusta, que todos os
poetas pudessem usufruir do mesmo ator em, pelo menos, um
drama de sua trilogia. Porém, o aumento da relevância dos
atores lhes impulsionou a excessos; o mais grave foi a
manipulação dos textos.
Logo após a Revolução Francesa, verifica-se uma
transformação benéfica na história do ator, pois ele é
emancipado civilmente e desprendido das amarras da nobreza,
reconquistando seu lugar de cidadão. Com a industrialização
da sociedade e o crescimento da população urbana nas grandes
cidades, aumenta a disposição do ator a um público
numericamente mais vasto do que em todas as épocas
precedentes.
Através de apresentações em vários lugares, o grande
ator adquire uma notoriedade internacional que nunca havia
tido, em todos os continentes. Ele próprio se faz, em muitos
casos, empresário. Os teatros se multiplicam e,
simultaneamente, os atores se fazem gestores. A sociedade
burguesa revela-se mais favorável do que as anteriores no
alargamento das honrarias aos atores. O divinismo chega ao
ápice e as multidões garantem que seus prediletos sejam
glorificados. A força mimética que empurra em cada época o
ator a aproximar-se dos costumes e dos estilos sociais e,
possivelmente, de encarná-los, leva-os, na idade burguesa, a
31
fazer-se, junto à multidão, de mediador das concessões da
vida das classes altas. Esta identificação entre atores e
público, que acontecia no passado, é o que vemos agora. O
teatro é por natureza uma arte comunicacional que depende
desta relação. Esta interdependência mútua, em que cada
elemento interfere no outro, é um sinal da existência da
interatividade no processo do fazer teatral.
Ao longo da história da formação dos atores, surgiram
diversas teorias que discutem os meios e as técnicas usadas
pelos intérpretes cênicos para a construção de uma
personagem. Na Commedia dell’Arte, escola que teve seu apogeu
entre o século XV e XVII, na Itália, tendo se expandido por
toda a Europa, o ator teve o seu período de primazia. Nela, a
improvisação era o fundamento primordial para a realização do
fenômeno teatral. O ator transforma-se no autor do espetáculo
que oferece ao público. Com a falta de um texto, os diálogos
dos atores se conjugavam de acordo com a fantasia do momento.
Nesta época, é certo afirmar que a interação entre
atores e público existia de maneira enérgica, pois como os
espetáculos não dependiam de um texto e tudo era feito na
base do hic et nunc, os atores criavam na presença da
platéia, fazendo as apresentações dependerem da participação
do público. Os intérpretes sentiam as interferências emanadas
dos espectadores, criando, assim, diálogos e situações para
suas personagens. Porém, toda essa liberdade de criação
32
trouxe algumas limitações, pois os intérpretes fixavam-se
sempre em um papel, ou seja, eles se especializavam em um
determinado estereótipo, pelo qual ficavam famosos, até o
final da carreira. Tomando como premissa um esquema ou
roteiro, os cômicos, como os atores eram conhecidos na
Commedia dell’Arte, criavam seus diálogos no momento da
apresentação. Contudo, na realidade, eles acabaram por ser os
autores de um só tipo, o que acabou acarretando em repetição
e pobreza de repertório.
Uma teoria muito importante dentro da questão da
interpretação é a do Paradoxo sobre o comediante, de Denis
Diderot (1713-1784). A obra foi escrita em 1773, e é a
primeira grande reflexão conhecida sobre o trabalho cênico do
ator.
Denis Diderot representa o Iluminismo do século XVIII, a revolta da razão contra os mitos e os misticismos. Esta mentalidade é bem visível na sua maneira de contrapor a um imaginário ator de inspiração o comediante frio, consciente de seus recursos técnicos, que não sente, mas faz sentir. Posição clássica e, ao mesmo tempo, antecipadora de certo realismo moderno; trata-se de um classicismo contrário ao romantismo, que, à época de Diderot, ainda não tinha nascido11.
Sábato Magaldi afirma que a tese de Diderot pode ser resumida
na seguinte sentença retirada do Paradoxo sobre o comediante:
É a extrema sensibilidade que faz os atores medíocres; é a sensibilidade medíocre que faz a multidão dos maus atores; e é a falta absoluta de sensibilidade que prepara os atores sublimes. As
11 CARVALHO, E. 1989: p.68
33
lágrimas do comediante descem de seu cérebro; as do homem sensível sobem do seu coração12.
Porém, ele considera que, se o intérprete apenas usasse da
racionalidade para a criação da sua arte, não ficaria
satisfeito. Por isso, o papel da inteligência no trabalho do
ator, como forma de atenuar o radicalismo dessa falta
absoluta de sensibilidade, é ressaltada por Magaldi.
Como a temporada de uma peça dura, às vezes, vários
meses, o controle e a inteligência não poderiam faltar no
trabalho do ator, pois a interpretação sempre irá reclamar
uma certa coerência racional. A experiência revela que o
intérprete extremamente sensível e não favorecido pela
inteligência se perde dentro da gama de emoções, não
conseguindo atingir o público. Sendo que, dessa forma, o
teatro perde sua razão de existência, pois toda a mecânica do
fazer teatral depende da interação com a platéia. O problema
passa a ser o de transmitir uma emoção e não o de senti-la.
Mas, sob outro ponto de vista, o ator muito racional corre o
risco de definhar-se em frieza, sem cativar o espectador. A
permanência prolongada de uma peça em cartaz costuma trazer,
pelo cansaço, a mecanização do desempenho. Por esta razão, o
dilema do comediante está em readquirir, a cada apresentação,
a pureza original diante da personagem, para que dessa
maneira o público possa se sentir tocado pelo espetáculo,
fazendo que haja sempre uma troca de informações entre atores 12 DIDEROT, D. apud MAGALDI, S. 1986: p.27
34
e espectadores, caracterizando o teatro como uma arte
dialógica.
O debate entre emoção e razão tende a esbarrar no
academicismo, mas o ator deve conhecer os meios para falar ao
público. As hipóteses teóricas, não colocadas em prática,
sempre resultam improdutivas. Por isso, o encenador russo
Stanislavski enfatizou a relevância da técnica. A meta
principal de suas pesquisas foi estabelecer a total
intimidade entre o ator e a personagem, para que haja a
identificação de ambos, fazendo com que exista,
conseqüentemente, uma afetação do público, para garantir a
natureza interativa de cada espetáculo.
Stanislavski elaborou progressivamente suas teorias fundamentadas em uma análise psicológica do comportamento do ator, buscando despertar sua inspiração, e a procura desse despertar ocupará toda a sua vida. Para tanto, recorreu à investigação científica, à psicologia experimental e aos métodos parapsicológicos da ioga. O sistema de Stanislavski divide-se em dois grandes momentos: 1) o trabalho do ator sobre si mesmo; 2) o trabalho do ator sobre o personagem. O primeiro momento passou a ser o centro do sistema e a condição para chegar ao segundo13.
Em Minha vida na arte, obra publicada em 1925, o
teórico russo afirma que seus atores, para se impregnarem dos
papéis, escolhiam um dia para viver a vida das personagens.
Os diálogos, as observações e o comportamento visavam a
reprodução da psicologia dos papéis interpretados. Para
Stanislavski, não há exercício melhor para a formação de uma 13 CARVALHO, E. 1989: p.80
35
personagem, no qual o ator elabora, em todos os detalhes, o
inteiro caráter que quer retratar. O trabalho, pedido ao
ator, identifica-se ao conceito de intenção, regra
fundamental para alcançar determinado fim. A vida da
personagem deve ser criada com o sentimento verdadeiro, com a
ajuda da técnica, a qual, através da consciência, desperta o
subconsciente. A reta final do trabalho interpretativo é a
criação, no palco, da vida de nossa alma, sendo que o corpo é
usado apenas como instrumento.
Segundo seu método, o ator reconstrói psicologica-mente a personagem, e esta reconstrução é minuciosa. Mesmo que a peça forneça poucos dados, deve-se buscar, com o exercício da imaginação e da forma mais concreta, o passado e o futuro da personagem. A partir dessas circunstâncias dadas, buscadas com o uso do condicional mágico “SE”, poderemos passar para o plano da realidade atual da cena14.
Os sentimentos verdadeiros não significam nada se o
ator não domina os meios expressivos com a finalidade de
tocar e interagir com o público. Assim, surgem os exercícios
de relaxamento, a noção de tempo e ritmo, a colocação da voz,
a dicção, a dança, a acrobacia e tudo mais que presta
subsídios para o intérprete, instrumentalizando-o para que
não falhe na atividade de passar da fase criadora interna à
expressão artística, do conteúdo imaginário à forma acabada.
Podemos pensar, com esse procedimento, alcançar a fusão
do ator com o papel, dando ao espectador a ilusória
14 CARVALHO, E. 1989: p.81
36
possibilidade de escutar e ver a própria personagem e não
quem a representa. Este dado é relevante para verificarmos a
interatividade do fenômeno teatral dentro das teorias
stanislavskianas, porque, segundo elas, o público não sai
imune do teatro, é sempre atingido, emocionalmente, pelos
atores. Stanislavski afirma, ainda, que o ator só pode usar
de seus próprios sentimentos e agir somente em seu nome, não
sabendo tomar emprestado uma outra personalidade. No palco, o
intérprete continuará sendo ele próprio, sentirá o que
representa, medindo-se sua arte pela disposição de reviver a
vida do papel que representa.
A teoria stanislavskiana também aponta caminhos para os
atores que não sentem a emoção se expressar. Estes devem,
então, recorrer a meios físicos e materiais exteriores para
conseguirem o sentimento interior. Assim, o ator assume a fé
cênica, isto é, uma crença, uma fé absoluta na realidade da
cena interpretada, e obtém uma justificativa interior para
cada gesto e tom. O sistema criado por Stanislavski deve ser
encarado como uma ruptura com os ensinamentos tradicionais e
uma aproximação da experiência teatral autêntica. Ele propôs
que não se tratava apenas de uma técnica, mas de uma vivência
especial. Daí surge o método que, por suas próprias
declarações, não deveria ter inicialmente outro objetivo
senão o de suscitar e delimitar a inspiração do ator. Existe
uma necessidade de agir sobre o subconsciente, mas ficando no
37
campo da consciência, passando da imaginação à interpretação
pela utilização do condicional mágico, da observação, da
memória de emoção, da fé cênica e da verdade interior.
Outro importante teórico dos meios e técnicas para a
preparação do ator é Bertolt Brecht, contemporâneo de
Stanislavski. Para ele, o teatro tinha uma função social. O
objetivo de sua arte era pedagógico, tanto no conteúdo quanto
na forma. Em sua obra Diálogo sobre a arte de representar,
Brecht considerava que seus atores representavam de forma
errada. De acordo com ele, o ator deveria conhecer
comportamento, relações e capacidade humanos para demostrarem
isso de forma descritiva, consciente e sugestiva, pois o mau
ator entra em transe, promovendo a hipnose, e, com isso, leva
a platéia consigo. Sua idéia era a de um ator cerebral,
litúrgico, e que o espectador e o ator deveriam distanciar-se
um do outro e cada um de si próprio. A nova maneira de
representar propõe o ator chocante, mas autoconsciente; nela,
o gesto permite ao espectador alcançar as alternativas da
cena.
Quando pensamos no distanciamento proposto por Brecht,
não podemos tomar idéias equivocadas. O teatrólogo não quer
dizer com isso que o ator deva ser frio, não provocando na
platéia nenhuma reação, deixando de lado toda a natureza
comunicacional do teatro. Pelo contrário, o que Brecht propõe
é que o espetáculo chegue até ao público de maneira
38
verdadeira. Os espectadores devem saber, durante todo o
momento, que o que eles estão assistindo é um espetáculo
artístico.
Essa característica didática do teatro brechtiano
suscita na platéia uma tomada de consciência, revelando o
quanto este é preocupado com as questões sociais de seu
tempo. O teatro de Brecht é tão interativo quanto o que é
feito hoje, pois ele permite ao espectador refletir sobre sua
sociedade, funcionando como arma de denúncia contra as
injustiças e a dominação do povo pela classe dominante.
Outro ponto marcante do teatro brechtiano é o da
responsabilidade que tem o ator, não só técnica, mas também
moral e ideológica, pois ele deve impedir que o espectador se
identifique com a personagem da peça, devendo mostrar estar
consciente de que está sendo observado pelo público.
Diante disso, vemos novamente a interação presente nos
métodos de Brecht, pois, segundo ele, o ator tem de estar o
tempo todo em sintonia com a platéia. Assim, a cada movimento
ou sinal emitido pelo espectador, a apresentação pode ser
transformada, evidenciando como cada elemento participante do
fenômeno teatral pode influenciar-se mutuamente.
Para estabelecer um paralelo com o método
stanislavskiano, podemos distinguir que o ator de Brecht
deveria renunciar a todos os elementos fisionômicos e
psicológicos para a construção da personagem. Ele recusa a
39
interpretação à base da emoção para não atingir o elemento
afetivo do espectador, pois não deseja comprometer a lucidez
de seu raciocínio. Daí os atores brechtianos buscarem sugerir
a personagem, mostrá-la, e não vivê-la.
Ao final de cada apresentação, os espectadores levarão
questões para serem respondidas, porque estarão menos
envolvidos emocionalmente com o espetáculo, que é justamente
o contrário do que acontece com as montagens de Stanislavski.
O ator poderá recorrer à empatia durante os ensaios iniciais, evitando sempre qualquer identificação prematura. Deve ler o papel com espanto e contradição antes de memorizá-lo; deve avaliar bem o desenrolar dos fatos. O ator deve mostrar alternativas, outras possibilidades e que ele está representando uma das variantes possíveis. Brecht considerava um bom exercício, para evitar a identificação, o ator assistir a um colega ensaiar sua personagem15.
Durante a década de 60, Jerzy Grotowski também buscou a
invenção de um novo ator. Sua proposta defendia duas
perspectivas distintas. A primeira, um ator renovado em
relação a si próprio; e a segunda, renovado em relação ao
conceito de ator, sempre entendido como o intérprete de uma
personagem criada pela ficção literária.
Em sua escola, os atores trabalhavam em tempo integral
e em absoluta concentração. A dedicação tinha que ser total.
O corpo e a voz ganham, na teoria de Grotowski, uma grande
importância. Antes de pensar, o ator deve agir e raciocinar
15 CARVALHO, E. 1989: p.88
40
com o corpo. Deve haver uma entrega total do corpo, porque
tudo deve vir a partir dele, inclusive a voz.
O público em seu teatro não era avaliado
quantitativamente, mas qualitativamente, pois bastava uma
platéia de número reduzido, desde que se integrasse,
alcançando, de modo geral, a forma de um culto.
Por ser polonês, vemos na obra de Grotowski a tradição
católica de seu país, mas ele próprio esclarece que seu
teatro não se trata de uma missa. O espetáculo é uma união
entre o público e o privado, o íntimo e a multidão, o secreto
e o aberto, o vulgar e o mágico.
A importância do público para a realização do fazer
teatral também se faz relevante dentro dos estudos de
Grotowski, tanto que enaltece a presença de uma platéia,
mesmo que pequena, porém ativa em sua maneira de interagir
com o espetáculo.
Num paralelo traçado entre o culto católico, que a todo
momento tem a participação dos fiéis, ora no momento do
ofertório, ora na comunhão, podemos dizer que nas montagens
teatrais da escola de Grotowski o público comungava junto aos
atores das informações contidas no espetáculo, evidenciando a
comunicação estabelecida entre os dois para a criação da
“alma coletiva”.
Assim, o diálogo travado entre atores e platéia no
Teatro Pobre, como era conhecida a teoria de Grotowski, pois
41
dispensava cenários, iluminação, maquiagem, figurinos e
acessórios, não deixa de demonstrar a interatividade presente
no fenômeno teatral naquilo que é essencial à sua existência:
a presença física do ator diante do espectador.
No Brasil, nos anos 60, o carioca Augusto Boal,
consagrado estudioso do teatro latino-americano, foi o
divulgador do sistema Coringa, que defende uma forma
permanente de se fazer teatro, em que o ator pode assumir
mais de uma personagem, utilizando métodos diversificados;
assim, ora a empatia das técnicas de Stanislavski prevalece,
ora é o distanciamento da ação dramática do teatro épico de
Brecht que está em foco.
O seu Teatro do Oprimido faz com que o espectador seja
atuante e decisivo na encenação como um protagonista de um
teatro que deve ser praticado socialmente.
O ator que defende Boal deve ser um não-ator: um
estudante, um operário, um camponês, um empregado público,
enfim, todos, desde que sejam capazes de deixar seu corpo,
comprometido com as atividades do cotidiano, preparado para
os trabalhos teatrais.
De uma maneira geral, seu método não supõe atores de um
teatro fechado, mas aqueles de praça pública, dos grandes
acontecimentos populares, como se quisesse reviver as origens
do teatro e suas festividades profanas.
42
Demonstrar a interatividade contida no Teatro do
Oprimido não é uma tarefa difícil, visto que sua premissa é
transformar o espectador em protagonista da ação dramática.
Através dessa transformação, de acordo com Boal, ajudar o
espectador a preparar ações reais que conduzam à própria
liberação, porque a liberação do oprimido será obra dele
mesmo e jamais será consentida pelo seu opressor. Não há
nada de mais interativo do que colocar o espectador para
participar do espetáculo.
Esse método estudado por Augusto Boal em muito se
assemelha com as montagens teatrais produzidas hoje em dia,
pois nelas um grupo de atores ensaiados desencadeia uma ação;
não se apresentando como teatro, estimula a participação dos
circunstantes, levando-os a figurar na apresentação na
qualidade de verdadeiros agentes.
2.3. O público-ator
Cinqüenta por cento de um espetáculo são realizados
sob a responsabilidade do público. Por sua natureza e
comportamento o perfil de uma montagem teatral pode ser
43
traçado. Não se pode negar que a predisposição dos
espectadores a um espetáculo vai determinar toda a sua
trajetória, deixando explícita a importância desse elemento
para a construção do fenômeno teatral. A não existência do
público resulta na aniquilação do teatro.
A única coisa que todas as formas de teatro têm em comum é a necessidade de público. Isto é mais que um truísmo: no teatro o público completa o processo criativo. Nas outras artes, é possível ao artista usar como princípio a idéia de que trabalha para si próprio. Por maior que seja seu sentido de responsabilidade social, dirá que seu melhor guia é o próprio instinto – e se fica satisfeito contemplando sozinho o seu trabalho acabado, e é muito provável que as outras pessoas também fiquem. No teatro isto é modificado pelo fato de que o último olhar solitário ao objeto acabado é impossível – até que a platéia esteja presente, o objeto não está acabado16.
Portanto, no teatro, podemos negar a teoria que a arte existe
pela arte, pois é impossível dizer que o aplauso e o repúdio
da platéia são indiferentes à realização do processo teatral.
Dessa relação de dependência que há entre uma montagem
teatral e seu público, vemos o quanto o comportamento dos
participantes do processo é transformado pela ação de um
sobre o outro. A comunicação teatral se dá, então, pela troca
de informações efetuada entre o ator e o espectador; e essa
interação, esse diálogo, nos dias de hoje, chega a ser
tamanho, que o espectador não se contenta em ficar sentado na
platéia. Ele deseja fazer parte do processo, acrescentando,
alterando e, se possível, se tornar inerente ao processo de 16 BROOK, P. 1970: p.135
44
construção da ação dramática. Toda essa manifestação da
platéia é um dos fatores que nos permite alcançar a ação
interativa dentro do teatro.
O público sempre teve sua parcela de importância na
história do teatro. Mesmo quando quieto, parecendo um mero
observador, ele participa da construção do espetáculo das
mais variadas formas, através das palmas, da gargalhada e da
vaia; e tudo isso acontece porque todo ser humano tem dentro
de si um “instinto de platéia”. Desde criança somos
acostumados a ouvir e a contar histórias. Esse sistema faz
parte do jogo da comunicação, por isso ficamos seduzidos
diante de uma boa narrativa, dos contadores de histórias e
dos repentistas da feira. Estão, aí, as listas dos livros
mais vendidos e os altos índices de audiência das telenovelas
para comprovarem o quanto o homem tem dentro de sua
constituição a força que o impele para, em determinado
momento, desligar-se de sua vida cotidiana e individual para
deixar-se se inserir em um tempo mítico.
Dentro dessa áurea mítica, o espectador se torna co-
autor do espetáculo e passa a desempenhar várias funções.
Cada membro da platéia está impregnado de suas próprias
experiências culturais e humanas. Há uma diversidade de
diferenças que formam o público: o estrato social, a idade, o
sexo, a renda per capita; porém, todas as desigualdades são
reduzidas a zero, quando cada um passa a vivenciar o
45
espetáculo, fazendo parte da “alma coletiva”. A apresentação
chega da mesma maneira para todos, mas cada integrante do
público a decodifica de acordo com sua concepção de vida. Os
sinais emitidos do espectador funcionam, para os artistas,
como termômetro, influenciando em sua forma de interpretar.
Mas existe um ponto em que a platéia deixa de transmitir
sinais protocolares e passa a manifestar, de corpo presente,
suas impressões sobre o espetáculo, e é quando isso acontece
que o público se transforma também em ator. Essa metamorfose
evidenciada no teatro contemporâneo busca, de maneira
exaustiva, a integração do espectador e o seu
comprometimento, eliminando, assim, a postura considerada
passiva.
Exercendo papéis através de comportamentos, a platéia
se faz presente de acordo com as tendências estéticas, moda
ou improvisos. Este comportamento pode ser semelhante mesmo
em espetáculos de natureza diferentes, como, por exemplo, uma
montagem política ou melodramática. O que vai determinar essa
característica é o grau da paixão que está no cerne da
constituição humana. Embora as regras tendam a colocar os
espectadores no mesmo nível, vários sinais demostram o seu
grau de atenção, entrega emotiva ou desinteresse crítico,
deixando a certeza de que cada indivíduo que vai ao teatro
busca emoções, alívio e entendimento da sua própria alma, da
sociedade e da vida.
46
O público-ator ou espectador-participante é
caracterizado por um comportamento de transgressão. Ele se
apresenta como um elemento de tensão dentro do fazer teatral,
colocando o artista em uma situação de prontidão, pois sua
força como espectador está em exercer, livre de amarras, seu
papel, como em um jogo. Para este tipo de público não há as
regras de etiquetas. A sua manifestação é determinada pela
aventura que o faz derrubar qualquer barreira de contato com
o palco. Os espectadores, quando assumem seus papéis e ocupam
seu espaço dentro do jogo da comunicação teatral, contribuem
para a realização do espetáculo. Assim, no espaço mítico da
representação, os espectadores resguardam o “instinto de
platéia” do ritual de ir e estar no teatro, confirmando que
as raízes deste estão plantadas no público, que é responsável
pela energia e pela vida do teatro.
A agitação do cotidiano leva o indivíduo a buscar um
momento de relaxamento, e o espetáculo serve como elemento de
apaziguamento e regeneração social. Quando inserido no
fenômeno teatral, o espectador assume seu papel na
apresentação, negando o corre-corre do dia-a-dia. As regras
de vivência em sociedade, neste momento, são deixadas para
trás e o comportamento adquire um clima de festa ou de
transgressão. Envolvido por esta magia, o público não se
sente intimidado, ficando com a emoção e o potencial para a
ação à flor da pele. No desenrolar desse fenômeno, o teatro
47
passa a ser um espaço para o estabelecimento da interação
entre artistas e público. Essa comunhão presente na
representação do espetáculo tira o homem de um contato com o
perigo real, deixando-o isolado no campo da imaginação. Neste
universo mágico, os sonhos são realizados e a realidade é
mascarada. Dessa forma, o sentido do espetáculo é dado pelo
espectador, enquanto ele busca explicações para suas
necessidades individuais. Assim, na festa teatral, o público
encontra solo fértil para os experimentos de sua imaginação
e, através de atos espontâneos, torna-se um participante
integral.
No caso do público infantil, os mesmos procedimentos
podem ser verificados, pois a movimentação das crianças antes
do espetáculo caracteriza a festa. Elas são ativas, sua
participação tem o valor de divertimento, evidenciando a hora
da festa. Sem as amarras protocolares, tanto o público
infantil quanto o adulto exercem a espontaneidade,
mergulhando no exercício da vivência teatral. A participação
ativa na apresentação é um ato de alegria, configurando-a
como a responsável pelo crescimento do público. Sem ela a
manifestação teatral torna-se debilitada. A festa no teatro
tem o papel de regeneradora.
Muitos espetáculos realizados nos dias de hoje resgatam
a participação da platéia, às vezes por razões estéticas,
como forma de experimentar novos conceitos de recepção, e
48
muitas outras pelo apelo comercial que esse tipo de montagem
tem junto ao público. Quem vai ao teatro quer se divertir e
não há diversão melhor do que um espetáculo em que o público
é convidado a tomar um lugar no palco. Para quem continua na
platéia observando, é hilariante ver um espectador passando
por situações inesperadas junto aos atores. A platéia, dessa
maneira, identifica-se com o espetáculo, determinando o seu
sucesso. Para os artistas, quando há a inserção de um
espectador no palco, a ação dramática passa a ser uma
surpresa, pois se pode esperar de tudo na reação do
espectador-ator. Esse tipo de situação tira os atores de sua
rotina, fazendo com que entrem em estado de alerta. A tensão
mental, quando isso acontece, deve ser total.
No instante em que o espectador transgride as regras do
espetáculo, transformando-se em um novo elemento na ação
dramática, é a hora em que o improviso torna-se o fator
decisivo para a interpretação do ator, pois cada ação sua
provocará uma reação do espectador-ator. Esse jogo de ação e
resposta não deve ser considerado apenas como um feedback,
que leva em conta só o ponto de vista da fonte, no caso o
ator, mas sim como uma comunhão entre as partes envolvidas e
o meio em que elas estão inseridas, dando ênfase ao diálogo e
à troca de informações. Assim, torna evidente a existência da
interação dentro do processo de criação do fenômeno do
teatro.
49
O improviso é uma técnica de grande valor para o ator
que tem como co-autor do espetáculo um participante da
platéia. Na Commedia dell’Arte, período em que o
analfabetismo era predominante entre os atores, o espetáculo
era realizado com a ajuda de um roteiro e os diálogos das
personagens eram criados no momento da apresentação, diante
da intervenção da assistência. Por esta razão, a improvisação
era um trunfo para os artistas daquele tempo. Muito antes,
ainda na Grécia antiga, o papel do público já era de grande
valia para a construção do espetáculo, pois o ator, quando se
sobressai do coro e passa a dialogar com ele, caracteriza um
ato comunicacional entre o povo e o artista. No livro Teatro
Grego: origem e evolução, Junito Brandão destaca a
importância do coro para as encenações das tragédias gregas.
Muitas têm sido as funções atribuídas ao coro: testemunha, confidente, espectador ideal, conselheiro, associado na dor, juiz, intérprete lírico do poeta, eco da sabedoria popular, traço-de-união entre público e os atores...Não há dúvidas de que “todas essas funções” estão plenamente de acordo com o papel do coro na tragédia, mas elas são generalizantes. Em Ésquilo e Sófocles o coro, atuando como intérprete do público e participando ativamente da ação, é um verdadeiro ator, como de resto afirma Aristóteles acerca de Sófocles17.
Essa participação do público irá acontecer, também, no
drama litúrgico cristão e em quase todos os teatros populares
dos séculos seguintes. Na contemporaneidade, a relação entre
público e intérpretes não é diferente, ainda mais levando-se
17 BRANDÃO, J. 1992: p.51-2
50
em conta a existência de um público-ator, que não se satisfaz
em assistir. Desta forma, o ator que não usar da razão, tão
valorizada por Denis Diderot, e do sentido de alerta pode
perder todo o fio condutor de sua encenação.
O público, depois de assumir seu papel de participante
real de uma montagem teatral, torna-se apto a duelar com o
próprio protagonista do espetáculo. Inserido no fenômeno do
teatro, ele se considera livre para tomar o rumo que quiser,
não aceita mais as regras e quer ultrapassar os limites que
separam os artistas da platéia. Nesta ocasião, a participação
dos espectadores é tão intensa que a sua interferência faz-se
extremamente ativa. Toda essa manifestação da platéia vai
caracterizar a festa. Nela, os espectadores esquecem as
agruras da vida e passam a se divertir. É como no carnaval,
em que homens sérios esquecem-se do trabalho e dos problemas
do dia-a-dia para que, neste período de alegria, se
desprendam das correntes sociais e caiam na folia,
travestidos de mulheres. Esse mesmo descomprometimento dos
indivíduos com as regras protocolares no carnaval pode,
também, ser observada no teatro, quando a platéia entra no
tempo mítico do espetáculo.
Segundo Peter Brook18, em seu livro O teatro e seu
espaço, as pessoas quando vão ao teatro estão procurando alguma coisa que possam considerar melhor que a vida. A
18 Cf. BROOK, P. 1970
51
diversão, a aventura de estar participando do espetáculo
fazem elas se sentirem renovadas, prontas para retornarem a
suas vidas diárias. É a magia do teatro que funciona como
válvula de escape para a rotina massacrante do cotidiano.
Diante de tantas sensações e emoções vividas através de um
espetáculo, o espectador passa por um processo de catarse em
que sai purificado, predisposto a novos desafios. Todo esse
envolvimento entre espectadores e artistas e mais os efeitos
de iluminação, sonoplastia e cenário, criam uma atmosfera de
interação. Essa interatividade chega a ser tão grande que
José Luiz Ribeiro afirma que, às vezes, o espectador se
preocupa mais com sua performance do que com o espetáculo.
Mas o público na festa se importa mais com o que acontece com ele do que com a qualidade do espetáculo. Podemos ver isso, por exemplo, em espetáculos infantis que instigam a criança a participar histericamente, batendo palmas, gritando, correndo. A graduação de qualidade destes espetáculos é considerada boa pelo esforço físico com que a criança engaja-se no jogo19.
Sem nenhuma barreira e transformado em um cúmplice para
a construção do espetáculo, o espectador passa a agir como se
estive em um jogo. Nele, o público deixa para trás a praxe,
sendo que, como um em jogo, ele traça uma meta. E a cada
jogada, o espectador não mede esforços para atingir seu
limite, que é o prazer de estar jogando. Considerando a
vitória um ato prazeroso, todos os ruídos, gargalhadas,
assovios e incômodos causados a outros membros da platéia e
19 RIBEIRO, J. 1993: p.193
52
aos atores são justificados. Inserido no espetáculo como em
um jogo, o espectador deixa-se envolver integralmente. Esse
comportamento é muito notado em montagens políticas,
populares ou infantis, pois nelas a paixão fica à flor da
pele, tornando a participação mais intensa.
Nas apresentações teatrais para as crianças a
participação é mais notadamente visível, pois elas se jogam
com mais energia no jogo teatral. É como se fosse uma
brincadeira, por isso o público infantil permite uma maior
interatividade entre espectador e ator. A platéia composta
por crianças possui um diferencial em relação ao público
adulto, porque elas, em seus jogos, convivem o tempo todo com
o potencial mágico “SE” proposto por Stanislavski. Quando
brincam, em muitas vezes, elas se utilizam do “SE”; por
exemplo, é comum vê-las dizendo: “E se eu fosse o policial”;
“E se eu fosse nossa mamãe” ou, ainda, “E se eu morasse na
lua”. Esse componente lúdico é fundamental para o
envolvimento de uma criança dentro de um espetáculo teatral.
O russo Stanislavski valoriza as brincadeiras de crianças,
tanto que, em uma obra autobiográfica, ele narra suas
brincadeiras com suas irmãs e um colega, e o quanto elas
foram relevantes para seu trabalho como homem de teatro.
Os planos de direção e representação eram mais amplos do que as nossas possibilidades e recursos. De fato, o que poderíamos fazer sem uma verdadeira técnica artística, sem conhecimentos reais e inclusive sem materiais para decorações e trajes?
53
Ora, nós não tínhamos nada além de roupas velhas dos nossos pais, irmãs e conhecidos, de adornos desnecessários, fitas, botões, laçarotes e bugigangas de toda espécie. Independentemente de nossa vontade, tínhamos de substituir o luxo dos trajes e da apresentação pela invenção artística, a originalidade e o inusitado do enfoque. Precisávamos de um diretor de cena, mas como não tínhamos e a vontade de representar era terrível, tive de assumir eu mesmo a função de diretor. A própria vida nos obrigava a aprender e organizava para nós a escola da prática20.
Ao contrário dos adultos, para o público infantil a
participação no fenômeno teatral não é uma pausa em seu
cotidiano. Suas brincadeiras relacionam-se com seu potencial
comunicativo e com o prazer de presenciar um espetáculo. As
crianças não se postam diante de uma apresentação, mas se
integram de forma natural ao espetáculo. O público infantil
não tem o compromisso de ligar-se intelectualmente ao
espetáculo. Ele assiste à apresentação relaxado, por isso, o
seu interesse está voltado para os detalhes que lhe despertam
o prazer e a alegria. O espetáculo para as crianças é algo
tão natural, que uma interrupção para uma ida até o banheiro
ou para um lanche rápido em nada lhe incomoda ou lhe
atrapalha no entendimento da ação dramática. O jogo teatral
lhes é tão comum que, no espaço da platéia, mesmo as crianças
que nunca se viram se tornam cúmplices. Para elas não existem
limites físicos, nem entre a platéia e muito menos com o
palco; diante de uma platéia assim, muitos atores são
surpreendidos no meio de uma cena com algum comentário feito 20 STANISLAVSKI, K. 1989: p.65-6
54
entre as crianças ou interferências propositais advindas da
platéia.
Em uma apresentação infantil é muito comum a
participação das crianças, ainda mais quando, no espetáculo,
o bandido ou a bruxa tentam trapacear ou armam ciladas para
desviar o mocinho de seu objetivo. Nesta situação, as
crianças, com uma naturalidade peculiar, se deixam levar pela
ação dramática e apontam, sem nenhuma restrição, o caminho
certo para o protagonista que age em favor do bem. Essa
interação do público infantil é vivida com tanta
profundidade, que a criança não fica estacionada, ela não
presencia o espetáculo de forma contemplativa. O papel dela
dentro da manifestação teatral é intensamente ativo. Este
tipo de participação é tão comum, que leva o público infantil
a atos de espontaneidade em que a criatividade reinventa o
espetáculo e sua fruição.
A interação do público infantil com a apresentação
funciona de forma abrangente. Além da interferência na ação
dramática, as crianças desenvolvem, também, quase que um
diálogo com os outros elementos constitutivos do fazer
teatral. A iluminação, o cenário, o figurino e a sonoplastia
são peças importantes para a construção do espetáculo, ainda
mais quando se leva em conta o público infantil. Nada foge à
atenção da criança e tudo lhe é extremamente instigante.
Quando as luzes são apagadas para o início da apresentação
55
ouve-se uma enorme gritaria. A cada troca de cena e de
cenário, realizada com um pequeno Black out, novamente ouve-
se mais gritaria. Quando uma luz colorida é acendida no
ciclorama, ouve-se, espontaneamente, uma criança dizer: -
olha mãe, ficou azul. Como membros da platéia, as crianças,
além de serem ativas naturalmente, são, também, observadoras
ávidas por cada detalhe.
No que diz respeito ao cenário e ao figurino, são eles
os maiores responsáveis pelo encantamento das crianças. A
cada novo personagem que entra na trama, o público infantil
reage de uma forma e, se ele está com um figurino exuberante,
novos rumores e murmúrios são ouvidos na platéia. O mesmo
também acontece com as trocas de cenário. Mas é com a música
que as crianças são levadas a um grau mais alto de
participação. Quando as melodias e canções são identificáveis
do repertório infantil, a platéia mirim não considera
problema algum sair do estado contemplativo, e, através de
palmas, ou mesmo cantando a música, elas interagem entre si e
com os atores no palco.
Toda esta integração entre público, artistas e
elementos técnicos evidencia a ação interativa dentro do
teatro infantil. Cada elemento pertencente a este processo
comunicacional possui o seu valor e pode ser modificado
através da influência que um exerce sobre o outro. O público
dotado de um alto teor de participação, como é o caso de uma
56
platéia infantil, é considerado por José Luiz Ribeiro21 como
formado por espectadores-totais. Este tipo de espectador vê
no teatro uma continuidade da vida. Por esta razão, não
existe para ele uma oposição entre os dois, pois a cultura de
sua sociedade lhe mostra que ela faz parte de seu cotidiano.
O teatro total resgata a antiga unidade do teatro ritual em
que o público não era apenas um mero integrante da
assistência, mas sim um ativo participante da unidade
teatral.
3. O JOGO DO ESPETÁCULO
A ação interativa introduzida em uma apresentação de
teatro pode ser comparada em muitos aspectos a um jogo
lúdico, ainda mais se levarmos em conta uma platéia formada
por crianças. Um espetáculo impregnado de fantasia mexe com a
imaginação de seu público. Como em uma brincadeira, em que as
crianças esquecem-se de suas personalidades para se
transformarem em super-heróis, o teatro, através do elemento 21
Cf. RIBEIRO, J. 1993: p.208
57
mítico, permite que o público se distancie das mazelas do
dia-a-dia e dos problemas pessoais, para se deixar levar pela
atmosfera da encenação.
Em um espetáculo infantil, em que as crianças são
levadas a participarem de maneira direta da apresentação, a
troca de funções, ou seja, sair do estado de espectador para
se tornar um coadjuvante da trama, acontece de forma
imediata. Deixar para trás sua realidade para abarcar no
clima do espetáculo faz parte do universo lúdico da criança,
que é acostumada a vivenciar essa experiência diariamente
através de suas brincadeiras. Por esta razão, quando traçamos
um paralelo entre a apresentação de teatro e o jogo, estamos
levando em consideração esta questão mítica, em que adultos
e, com mais intensidade, as crianças se atiram à competição
de um jogo, aos festejos populares, como o carnaval, que
promove o escapismo, e os brinquedos infantis.
3.1. Generosa – o espetáculo
A peça infantil [email protected], apresentada pelo
Grupo Divulgação no teatro do Forum da Cultura, nos meses de
maio, junho e agosto de 2001, é um espetáculo que tem dentro
de sua dramaturgia a ação interativa. A peça, através de
cenas criadas para a participação do público, faz com que as
crianças da platéia se integrem à encenação. Assim, para a
58
realização do fenômeno teatral é de suma importância a
presença do público, pois o enredo da história é desenvolvido
a partir da cumplicidade com a platéia. Essa inserção do
público contribui para uma maior identificação da criança com
os elementos que constituem o espetáculo.
Escrita e dirigida por José Luiz Ribeiro, diretor do
Grupo Divulgação, a peça traz para a contemporaneidade o
mundo das fadas, dos duendes e magos. Envolvidas pela era
tecnológica, as personagens criadas pelo autor convivem com
computadores e endereço eletrônico. Para elas, esses
elementos tecnológicos possuem um grande valor. Dessa forma,
estabelece-se um paralelo com nossa sociedade de massa e
consumista que considera esses mesmos elementos, às vezes,
essenciais para a própria sobrevivência. Tanto que, em um
concurso, para uma iniciante tornar-se uma fada de verdade e
habilitada, o maior prêmio agraciado à concorrente vencedora
é um microcomputador e o direito a ter um e-mail. A
tecnologia presente no espetáculo está contida, inclusive, no
título da peça, pois [email protected] faz alusão aos endereços
eletrônicos que já se tornaram tão comum em nosso tempo.
A referência que o espetáculo faz às novas tecnologias
e às transformações causadas por elas, na sociedade, remete-
nos à interatividade. O conceito de interação na sociedade de
hoje, embora saibamos que exista desde a formação do planeta
Terra, está equivocadamente relacionado ao uso do computador.
59
Por esta razão, a montagem do Divulgação é propícia a este
estudo, porque, além de abordar temas tecnológicos, faz uso
da ação interativa para inserir o espectador, como co-autor,
na construção da dramaturgia da peça.
Segundo o contexto do espetáculo, várias mudanças
ocorreram no mundo dos contos de fadas. Agora, para tornar-se
uma fada é preciso tirar a carteira profissional. A
habilitação é conseguida através de um difícil jogo de
perguntas e respostas e várias tarefas que devem ser
cumpridas. A trama da peça está baseada neste conflito, pois
a protagonista, que é uma aprendiz chamada Generosa, deseja
tornar-se fada. Para isso, ela terá de submeter-se ao jogo e
saltar os obstáculos que a levam ao seu objetivo. Mergulhado
no universo infantil, mas sempre revelando o aspecto
tecnológico em que a sociedade contemporânea está abarcada, o
espetáculo [email protected] também possui elementos de comédia
de costume, o que agrada os pais que levam os filhos para
assistirem a apresentação. Além disso, é um espetáculo
musical, com nove canções que funcionam como mais um elemento
de encantamento para motivar a participação das crianças.
O que chama a atenção também para o espetáculo é o modo
como ele reflete a sociedade contemporânea, não apenas
referindo-se às novas tecnologias, mas à maneira como
incorporou temas da atualidade em seu texto. Foi o que
aconteceu de maneira bem sutil, quando a peça abre margem à
60
discussão do problema de aposentadoria e da exclusão de
indivíduos da terceira idade no Brasil. Isso se dá quando a
Fada Vermelha faz tudo que é possível para não ser destituída
de seu posto de fada, pois, como ela era a mais velha, teria
de ceder seu lugar à fada principiante. Todo este medo da
Vermelha em perder seu espaço no Conselho de Fadas remete-nos
à nossa sociedade, que privilegia o mais novo, excluindo os
mais velhos e toda sua sabedoria adquirida ao longo da vida.
Mais um diferencial que podemos salientar do espetáculo
é a inserção de códigos da televisão que são imediatamente
decodificados pelas crianças. É o caso, por exemplo, da
personagem Xaropinho. O rato comilão, assim que surge em
cena, é associado, pela platéia, ao boneco assistente de
palco do apresentador Ratinho, do programa de auditório do
SBT. No momento em que Generosa participa da prova de
conhecimentos gerais, um jogo de perguntas e respostas, a
maneira como ela responde a seu arguidor faz alusão ao
programa Show do Milhão, apresentado por Sílvio Santos,
também no SBT. Tudo isso estabelece uma ponte entre a
apresentação e o que a criança está acostumada a viver no seu
cotidiano, contribuindo de forma rápida para uma maior
aceitação do espetáculo por parte da platéia.
Como a maioria das histórias infantis, [email protected]
também possui um forte conteúdo moral. Através da peça, o
autor transmite ao público uma mensagem que valoriza a
61
solidariedade. A protagonista do espetáculo, Generosa da
Bondade Caridade Solidária da Silva, é uma personagem que tem
como maior virtude a generosidade. Este nome foi escolhido
pelo autor com a intenção de evidenciar a característica mais
importante de sua personagem, pois, no final do espetáculo,
Generosa é capaz de realizar um grande ato solidário. Com
isso, a peça quer mostrar às crianças o quanto é importante a
vida em comunhão com outras pessoas, e que o egoísmo,
sentimento tão comum na infância, deve ser deixado para trás
em prol de um bem estar entre as pessoas que nos cercam.
A história do espetáculo começa com a abertura de uma
reunião do Conselho de Fadas e Magos do Bem para decidir
quais serão as novas candidatas a tentarem a habilitação de
fada. Entre as concorrentes está a fada noviça Generosa, que
deseja, a todo o custo, conseguir a sua Carteira de
Habilitação de Fada Profissional. Para atingir seus
objetivos, a fada noviça terá que prestar vários exames,
entre os quais: uma prova de conhecimentos gerais e tarefas
elaboradas por cada fada membro do conselho.
No teste de conhecimentos gerais, Generosa terá de
contar com sua inteligência para responder as questões
preparadas pelo Mago Interplanetário. Essas questões, todas
contextualizadas com o mundo da criança, fazem parte da
dramaturgia do espetáculo, que tem o objetivo de chamar a
platéia infantil para dentro da apresentação. Podemos ver,
62
nesta cena que se segue - um dos momentos da prova de
conhecimentos gerais em que o Mago faz perguntas para
Generosa - o quanto o texto da peça, através dos diálogos das
personagens, se aproxima do universo infantil, gerando a
identificação imediata:
Mago – Quem escreveu a música Atirei o Pau no Gato?Generosa – Atirei o pau no gato?Mago – É...Generosa – Eu morro de pena do bichinho. Eu vou denunciar na sociedade protetora dos animais. Não se pode atirar o pau no gato. Ele fica machucado...Rainha – Responda à pergunta, Generosa!Generosa – Atirei o pau no gato???????Fada Azul – Atirei o pau no gato to to, mas o gato to to...(canta a música até o final)Mago – Quem inventou a música, D. Generosa? Generosa – Posso pular?Rainha – Não, você não pode pular.Generosa - Universitários, também, não.Vermelha – Dá pau logo, rainha. Reprova esta incompetente.Generosa – Eu acho que foi a D. Chica ca ca que dimirou-se se se22.
Depois de se safar das perguntas do Mago, Generosa
segue seu rumo e parte para enfrentar as tarefas criadas
pelas Fadas Azul, Verde, Marrom e Vermelha.
Iniciada a competição, logo fica claro para o público
que todas as fadas da banca examinadora torcem pela vitória
de Generosa, com exceção da Fada Vermelha e de seu duende
lacaio. A vitória da aprendiz representa para a Vermelha um
medo terrível, pois, se Generosa tornar-se fada, ela terá de
ser destituída do posto de Fada Vermelha para transformar-se
em uma bruxa. Por isso, ela, juntamente com seu Duende 22 RIBEIRO, J. 2001: p.7
63
Vermelho, fará de tudo para trapacear o jogo e colaborar para
que Generosa não se habilite como fada.
Na etapa das tarefas, a fada noviça terá que realizar
as provas contidas nos envelopes, que cada fada ordenou aos
seus duendes esconder em meio à platéia. Por está razão,
antes de iniciar as provas, Generosa terá de encontrar os
envelopes azul, verde, marrom e vermelho. Porém, o que a
aprendiz não sabe é que o Duende Vermelho está em seu caminho
e fará de tudo para lhe atrapalhar. Através de várias
simulações e armadilhas, ele enganará Generosa para que ela
não consiga tirar sua carteirinha de fada. Mas, mesmo diante
das dificuldades, Generosa não desiste e consegue vencer as
provas e desvencilhar-se do Duende Vermelho. Depois de
concluir a última prova, ela volta ao Conselho de Fadas e é
recebida com muita festa pelas fadas e pelos duendes, pois
conseguiu passar nos exames e ser aprovada.
Como prêmio, Generosa ganha o direito de possuir um
endereço eletrônico para se contactar com o mundo e ficar
“antenada” com todos os acontecimentos do País das Fadas,
evidenciando mais uma vez o mundo contemporâneo e sua super
valorização aos produtos advindos das novas tecnologias. Na
cena citada abaixo, fica evidente que o autor da peça busca,
em nossa sociedade informatizada, elementos tecnológicos, que
fazem parte do nosso cotidiano, para estabelecer uma relação
maior entre público e espetáculo:
64
Mago – Parabéns, Generosa, você conseguiu sua aprovação.Rainha – Aqui está o seu prêmio. Seu endereço eletrônico para se contatar com o mundo será...Mago – (Descontando) [email protected] – Viva!!! Generosa é poderosa (fazendo torcida)23.
No final do espetáculo, quando Generosa iria receber a
Carteira de Fada Profissional, ela pensa na desgraça da Fada
Vermelha, que teria que se transformar em bruxa por sua
causa. Diante dessa situação, a ex-noviça, que tem como o
próprio nome já diz a qualidade de generosa, renuncia ao
título, deixando a Fada Vermelha feliz, para ir viver em
outro país.
Além de uma história que contagia o público infantil, o
espetáculo [email protected] possui outros elementos que
instigam a participação do público. As músicas, por exemplo,
são partes integrantes do fenômeno teatral. Elas podem
sublinhar a intenção dramática do espetáculo, ou, às vezes,
apenas marcar as entradas de uma personagem. Sua função é de
apoio, mas, na medida certa, a música torna-se extremamente
necessária à sustentação do espetáculo. Seu papel é tão
importante que, já na antiga Grécia, a tragédia atribuía aos
coros um lugar de destaque, pois as evoluções eram marcadas
pelo canto.
23 RIBEIRO, J. 2001: p.31
65
Hoje em dia não é diferente, a música também possui uma
relevante ocupação dentro da estrutura do fazer teatral. Para
a peça [email protected], José Luiz Ribeiro compôs, com arranjos
de Dionísio Giovanini, as músicas: Rainha das Fadas, Hino do
Conselho, Vai Começar, Boa Sorte!, Estação Maluquete, O Anel
de Amor, Canção da Vulcana, Vamos Procurar? e Passa, Passa
Escuridão.
As músicas foram compostas para serem imediatamente
decodificadas pelas crianças. Para isso, Ribeiro usou de uma
gama de elementos do universo infantil para escrever as
canções. Como é o caso da música tema da personagem
Maluquete, que rapidamente ficava gravada pelas crianças e,
por que não dizer, também pelos adultos que compunham a
platéia, pois é uma canção de fácil entendimento e que fixava
na memória pelo tautologismo:
Na estação da MaluqueteTodo mundo quer croqueteTodo mundo tem raqueteTodo mundo tem topete Na estação da MaluqueteTodo mundo quer chiclete Quer andar de patineteNa estação da Maluquete24.
Outra canção que notadamente faz com que as crianças se
entusiasmem com o espetáculo é Passa, Passa Escuridão. Nela,
Ribeiro explora o medo da escuridão, sentimento típico
infantil. Através da música, Generosa, que também tem medo do
24 RIBEIRO, J. 2001: p.17
66
escuro, espanta a escuridão e todos os fantasmas que povoam a
imaginação das crianças quando se encontram nesta situação.
Assim, a platéia mais uma vez se identifica com o espetáculo,
pois as crianças se reconhecem na protagonista.
Passa, passa escuridão,Que eu não tenho medo, não.Caminhando vou acharA estrada de chegar.Tijolinhos coloridosOu areia vou pisar,Vaga-lumes, seus amigos,Vamos todos te ajudar.Siga, pois, este caminho,São luzinhas a brilharCaminhando bem felizSeu destino vai achar25.
Juntamente com a música, existe um outro elemento que
possui um papel significativo dentro da construção do
espetáculo: a coreografia. Em [email protected], ela foi
explorada para situar o início de cada cena e, também, para
estabelecer o clima dramático necessário para a realização da
apresentação. Logo no começo da peça, quando se tem a chegada
das personagens para a reunião do Conselho das Fadas, na
coreografia da música Rainha das Fadas, os duendes surgem no
palco, fazendo uma grande algazarra. Mas, à medida em que vão
surgindo as fadas e o Mago Interplanetário, a dança torna-se
mais lenta.
25 Ibidem, p.14
67
Quando a Rainha das Fadas surge, os duendes e todos os
presentes no palco assumem uma postura nobre, demonstrando o
respeito que ela exerce sobre seus súditos. Neste momento, a
platéia percebe uma atmosfera de cerimônia que contagia a
cena, pois nela serão apresentadas todas as personagens que
compõe o Conselho das Fadas.
Mais um fato marcante, no que diz respeito à
coreografia, é quando há a cena da escuridão, em que
Generosa, no meio da platéia, tem que encontrar os envelopes
que foram escondidos pelos duendes. Nesta seqüência, todas as
luzes estão apagadas; antes de descer para a platéia,
Generosa e os duendes dançam, com lanternas nas mãos, a
música Passa, Passa Escuridão, a fim de espantar o medo do
escuro.
O trem da Maluquete também é um elemento marcante no
que diz respeito à coreografia. Nela, os duendes,
enfileirados como se formassem um trem, caminham pelo palco
ao som da canção Estação da Maluquete, estabelecendo uma
familiaridade com as crianças, que estão acostumadas a
brincarem de trenzinho desde o Jardim da Infância.
Mas, é na dança da música O Anel de Amor que as
crianças da platéia são inteiramente capturadas pela
coreografia do espetáculo. Através do gestual que é
realizado, de acordo com cada verso da canção, a dança é toda
68
mimetizada, sendo imediatamente decodificada pelas crianças,
que podem repetir os passos em casa.
Além da música e da coreografia, outro elemento
importante à construção de um espetáculo é o figurino. Ele
pode se apresentar de três formas distintas, pois uma peça
pode se passar na época contemporânea, numa época histórica
ou, ainda, em uma atmosfera mágica ou irreal.
No caso de [email protected], a peça apresenta um clima de
fantasia, pois seu enredo passa-se no mundo das fadas. Assim,
o figurinista pôde trabalhar mais livre, porque não tinha uma
preocupação com a exatidão histórica. Em um espetáculo como
[email protected], que retrata um mundo irreal, os efeitos
procurados para o figurino são, unicamente, a força de
expressão das características ou ideologia de cada
personagem.
O figurino criado para o espetáculo do Grupo Divulgação
foi produzido de maneira criativa, para ressaltar a
personalidade das personagens, contribuindo, assim, para que
ficassem claras ao público infantil as qualidades morais de
cada uma.
A Fada Azul, representante das coisas do ar, usava um
traje azul claro e um ornamento na cabeça que aludia às
nuvens, para combinar com sua natureza boa e amiga. Já a Fada
Marrom, que representava as coisas da terra, tinha uma
personalidade forte, sua fala era estrondosa. Por isso, seu
69
figurino era marrom com um chapéu que lembrava uns galhos de
árvore e uma gola cheia de pedras brilhantes.
A Fada Vermelha trajava um figurino vermelho com um
ornamento na cabeça que se assemelhava às labaredas de fogo.
Este recurso foi usado para frisar a personalidade ardilosa
da fada, pois ela era considerada a bruxa má da história.
Como representante das águas, a Fada Verde possuía em seu
figurino vários motivos aquáticos, como ondas do mar e vários
peixes.
Para destacar a característica interplanetária do Mago,
ele usava como ornamento de cabeça um globo que representava
o universo. Devido à altura do ator que representava o Mago,
foi criada uma veste longa para realçar ainda mais o seu
tamanho. No palco, o Mago Interplanetário parecia um gigante,
instigando ainda mais a platéia, pois seu figurino ficava
exuberante. O bilheteiro Bil, que personificava o palhaço,
usava uma peruca colorida.
A Rainha das Fadas possuía um vestido colorido, com
motivos que lembravam um arco-íris, aludindo à união das
cores. Já a Fada Maluquete usava uma roupa cheia de remendos
com cores diferentes, uma peruca cor de laranja, além de
óculos escuros. Tudo com o objetivo de demonstrar seu modo
despreocupado de encarar a vida.
Os duendes, embora tivessem, quase todos, o figurino
parecido, usavam um detalhe, como uma toca da cor da fada que
70
representavam. Para finalizar, o traje usado por Generosa era
em rosa claro para destacar sua personalidade bondosa,
caridosa e ingênua de principiante.
Todos estes elementos são relevantes dentro do processo
de realização do fenômeno teatral, pois com eles cada
personagem se torna mais identificável pelo público infantil.
A identificação imediata é responsável por uma maior
participação da platéia. E é através dela que se estabelece a
interatividade dentro do teatro.
Ainda referindo-se aos elementos constituintes de um
espetáculo, temos a iluminação. A luz tem inúmeras funções
dentro de um espetáculo, entre as quais podemos destacar a de
separar espaços, no palco, e, dependendo da intensidade, pode
funcionar sozinha como cenário.
Este foi o caso de [email protected], pois a iluminação
delimitava, em várias cenas, os espaços de ocupação do palco.
Inclusive, em algumas seqüências, a disposição das
personagens assemelhava-se ao modo como as cenas são
separadas nas histórias em quadrinhos, em que as personagens
estabelecem o diálogo um do lado do outro, de forma chapada,
voltadas sempre para o público.
Mas o detalhe mais importante sobre a luz no espetáculo
[email protected] é a sua falta. A cena que era realizada em
meio à escuridão, antes da protagonista ir para a platéia,
era a mais significativa no que se refere à interatividade,
71
pois, neste momento, a platéia aumentava o seu grau de
participação. No escuro, as crianças ficavam agitadas e
reagiam, com todo o vigor, a toda ação dramática do
espetáculo.
O texto, o figurino, a música, a coreografia e a
iluminação criam a atmosfera do espetáculo, que garante o
sucesso da apresentação junto ao público. Se um espetáculo
sugere um clima envolvente, a platéia torna-se apta a aceitar
a encenação de forma agradável. Assim, percebemos que o clima
é um outro fator de relevante papel, quando nos referimos à
interatividade dentro do teatro, pois impele o espectador a
participar do espetáculo, evidenciando a ação interativa.
3.2. Acidentes de percurso
O Grupo Divulgação, ao longo de sua existência,
sempre teve como preocupação o dever de estabelecer um
relacionamento de compromisso com seu público. Mesmo fazendo
montagens de textos clássicos, nunca deixou de refletir a
realidade social, política, econômica e cultural do Brasil em
suas peças.
72
Nestes anos de atividades ininterruptas, desde sua
criação, o Divulgação construiu um repertório significativo
com grandes autores nacionais e universais como: Oswald de
Andrade, Dias Gomes, Jorge Andrade, Nelson Rodrigues,
Federico Garcia Lorca, Tchekov, Ionesco, Molière,
Shakespeare, Sófocles e diversos outros. Todas essas
montagens foram importantes para pavimentar o caminho
trilhado. Tanto é verdade, que o Divulgação é reverenciado
pelo seu público, pois nunca deixou de dizer algo de
relevante para a sociedade. A admiração que o espectador
sente pelo Grupo pode ser corroborada através de palavras
deixadas nas pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos
Teatrais – Grupo Divulgação – através do SISTEMA DE AVALIAÇÃO
PERMANENTE, que faz parte de seu acervo.
O Grupo Divulgação é símbolo da cultura de Juiz de Fora. Além disso, leva a arte às camadas menos favorecidas. Essa atitude é uma grande demonstração de solidariedade. Alexandre da Rocha Peres, Funcionário Público
Além da criatividade e da renovação do pessoal de teatro de Juiz de Fora, o grupo vem garantindo a vida e qualidade desta arte em Juiz de Fora.
Leila Amaral, antropóloga
É um grupo que proporciona reflexões sobre a realidade com muito humor e talento.
Elisângela Baptista, jornalista
Eu, desde meus dois anos de idade, assisto, junto com minha madrinha, as peças do Divulgação, e sempre fico maravilhada com as peças.
Thaís C. Gouveia, estudante
73
O Grupo Divulgação está sempre de parabéns por estes anos todos, oferecendo um teatro crítico, inovador e questionador sobre as mazelas do Brasil da “ditadura 64” até o “império de FH”.
Júlio César Teixeira, professor
Há que se mencionar, ainda, um outro diferencial da
entidade, que é o projeto Escola de Espectador. Realizado
junto às comunidades carentes de Juiz de Fora e preocupado
com a conjuntura social brasileira, o projeto recebe,
gratuitamente, crianças e jovens de escolas públicas e
regiões pastorais da cidade para a apresentação dos
espetáculos do Grupo. O que chama a atenção é como este
público advindo da periferia forma uma platéia mais
incendiada e predisposta à participação. A singularidade é
tanta que pode se observar uma diferença na recepção das
apresentações. A reação do público pagante se dá de uma
maneira participativa, porém contida. Já o público do projeto
Escola de Espectador se atira com mais profundidade ao clima
do espetáculo, levando menos tempo para ser tocado pela magia
teatral. Assim, pode-se considerá-lo como cúmplice em
potencial, pois o modo como intervém no espetáculo dá-se de
forma imediata.
O espectador incendiado não tem um vocabulário, um código postural. Não que não use a expressão oral, mas, durante a sua participação no fenômeno dramático, quando ele crepita ao som de suas gargalhadas, mesmo preso em uma poltrona, executa uma dança em que o tronco se contorce, os pés sapateiam e os braços balançam e se juntam num aplauso intempestivo. Não está preocupado com o barulho que faz. Não está cerceado por normas
74
comportamentais, pois toda a platéia participa do incêndio ateado pelo cômico26.
Para manter o compromisso com seus espectadores, o
Divulgação tem sempre investido em novas experiências, não
apenas no sentido de funcionar como um polo conscentizador
dentro de sua comunidade, mas, também, em criar espetáculos
que pudessem resgatar a participação efetiva de seu público,
inserindo-o na ação dramática de seus espetáculos. Peças como
Esta noite se improvisa e Seis personagens em busca de autor,
de Pirandello, foram as primeiras dentro dessa linha de
buscar a ação do espectador.
Em 1992, o Divulgação montou o espetáculo Vereda da
Salvação, de Jorge Andrade, uma tragédia que narra a história
de um grupo de colonos fanáticos. Nesta montagem, no início
do espetáculo, os atores que interpretavam os colonos ficavam
espalhados pelos espaços do Forum da Cultura. A peça começava
com a personagem de um pastor evangélico no portão de entrada
do teatro, em que ele vinha arrebanhando as pessoas do
público até à sala de espetáculos. Nesta caminhada até o
palco, a platéia ia encontrando com vários atores pelo
caminho. Vestidos como colonos, com roupas simples e
rasgadas, eles chegavam a ganhar esmolas do público, que
acreditava que aquilo não fazia parte do espetáculo.
Outra experiência com participação direta do público
foi em 1998, com a montagem do espetáculo O Príncipe Rufião, 26 RIBEIRO, J. 1993: p.258
75
de José Luiz Ribeiro. A peça fazia uma reflexão do contexto
político e econômico do Brasil daquela época. A apresentação
começava na platéia, através de um casal de atores que
entrava no teatro como público. No palco, uma companhia de
atores em greve travava uma discussão, e o casal, na platéia,
começava a reclamar que queria o dinheiro de volta, porque a
peça ainda não havia iniciado. Porém, o público achava que
aquilo era verdadeiro e que não se tratava de uma
representação, fazendo aumentar o coro de reclamações. Mas,
em meio à confusão, a mulher que fazia parte do casal subia
para o palco a fim de discutir com os atores. Era só neste
momento que a platéia se conscientizava que aquilo fazia
parte do espetáculo.
Uma outra cena de O Príncipe Rufião, realizada junto da
platéia, era feita na técnica do Teatro Invisível, de Augusto
Boal. Sempre acontecia algum problema, na platéia, para
atrapalhar a apresentação. Algumas vezes, os atores do
Divulgação forjavam o roubo de uma carteira ou atendiam um
celular durante a apresentação. Tudo era feito com o intuito
de envolver a platéia que, muitas vezes, nem percebia que, no
palco, os atores liam uma carta que falava sobre a referida
forma de teatro criada por Augusto Boal. Essa brecha que é
aberta dentro do espetáculo para a participação do público é,
em muitas vezes, a principal causa para o acontecimento dos
76
acidentes de percurso no momento em que se dá a realização do
fenômeno teatral.
Em 2001, o Divulgação volta mais uma vez com a idéia de
fazer uma montagem que pudesse colocá-lo em contato direto
com seu público. Para isso, foi preparado [email protected], um
espetáculo com uma proposta interativa na medida em que cenas
foram criadas, especificamente, para que o público pudesse
integrar-se à ação dramática. A platéia, no caso a criança, é
convidada, efetivamente, a subir ao palco e tomar seu lugar
no espetáculo. Ela passa a ter voz e dialoga de igual para
igual com os artistas do espetáculo. Em [email protected], as
unidades dramáticas que são realizadas junto ao espectador
possuem um lugar de destaque dentro da trama da peça, pois
elas impulsionam o andamento do espetáculo.
A começar pela cena de abertura do espetáculo, quando
todas as personagens são apresentadas à platéia. No momento
em que o Arauto convida a protagonista, Generosa, para
colocar-se diante do Conselho das Fadas, ela emerge do meio
do público. Logo no início do espetáculo, as crianças já
percebem que a peça tem um diferencial, pois Generosa caminha
entre os espectadores para subir ao palco, criando uma
expectativa de como será o resto da apresentação. À medida
que o espetáculo vai acontecendo, e a platéia começa a se
envolver com a história e com as personagens, as crianças
77
ficam ambientadas ao clima da peça ao ponto de começarem a
fazer suas interferências com muita naturalidade.
Podemos perceber isso na cena em que Generosa participa
do jogo de perguntas e respostas. O Mago Interplanetário, com
seu porte imponente, mas que não deixa, em nenhum momento, as
crianças encabuladas, faz vários questionamentos à Generosa.
As perguntas, todas simples e tiradas do universo infantil,
contribuíam à manifestação do espectador. Impacientes, as
crianças da platéia sopravam para a protagonista as respostas
corretas. Mas, o ponto alto da participação nesta cena se
dava quando o Mago perguntava para a noviça quem é o autor da
música folclórica Atirei o pau no gato; neste momento, o
público não hesitava em cantar até o fim toda a letra da
canção junto com a protagonista. Além de cantar, as crianças
participavam com as palmas, fazendo uma grande algazarra, mas
sempre atentas aos detalhes e soprando à Generosa alguma
possibilidade de resposta certa.
A participação total e espontânea de todo público se
dava na cena em que as provas elaboradas pelas fadas
começava. Nesta seqüência, o espetáculo se transferia para a
platéia, transformando as crianças em cúmplices da realização
do jogo teatral. A cena se dava da seguinte forma: a fada
Generosa deveria encontrar os envelopes coloridos escondidos
no meio do público, como se fosse uma brincadeira de
“Chicotinho Queimado”. Realizada junto da platéia, fato que
78
contribuía ainda mais para aguçar a participação dos
espectadores, era preciso muita prontidão e integração com a
platéia.
De um lado, os duendes tentavam conseguir a adesão das
crianças para esconder os envelopes com as pistas. E, do
outro, Generosa tinha que contar com a cumplicidade do
público mirim para encontrá-los. A cena, que acontecia com
pouca iluminação, apenas uma penumbra, fazia com que os
duendes utilizassem pequenas lanternas para esconder os
envelopes entre as crianças. Isso deixava a platéia cada vez
mais incendiada.
Nesta situação, a comunhão entre ator e espectador
chegava a ser tamanha que, se as crianças não apontassem o
caminho para Generosa, o resto da história ficava
comprometido, pois, para a noviça seguir em frente em sua
missão, precisava ter em mãos os envelopes, com as tarefas.
Esta cena era coberta de tensão, pois se a atriz que
interpretava Generosa não encontrasse os envelopes, teria que
se dar algo inesperado para o prosseguimento do espetáculo.
Houve algumas apresentações em que crianças mais exaltadas
escondiam o envelope, fazendo com o que a duração da
apresentação aumentasse em pelo menos mais uns dez minutos.
Quando Generosa encontrava uma criança assim, a atriz devia
entrar em um estado de tensão e prontidão, pois tudo seria
surpresa. Nesta hora, ela teria de se valer do improviso para
79
não deixar o espetáculo morrer e convencer a criança a lhe
entregar o envelope para a continuidade do espetáculo.
Na cena em que Generosa encontra-se com o bilheteiro
Bil, mais uma vez o público torna-se uma engrenagem
fundamental para o desenrolar do espetáculo. Os atores
novamente são tomados pela tensão, pois tanto Generosa quanto
Bil, um palhaço maluco que fala através de rimas, ficam
dependentes da platéia.
Para ser apresentada a Maluquete, o bilheteiro impõe
mais uma prova a Generosa: ela precisa levar uma criança até
o palco, que conte uma piada e o faça dar gargalhadas. Se a
fada aprendiz não conseguir convencer uma criança a ir até ao
palco ou a piada não for engraçada o suficiente, segundo a
aferição do próprio público, a peça ficaria estagnada. O
espetáculo só teria continuidade diante das risadas de Bil e
da assistência.
As crianças gritavam suplicantes para serem escolhidas
por Generosa para ir até o palco. Algumas delas tinham a
intenção apenas de subir ao palco, mas lá em cima não queriam
contar a piada, ou puxavam os cabelos da peruca de Bil;
chegavam, às vezes, até a chorar, o que causava
constrangimentos aos atores, que não esperavam tal situação,
e deixava a platéia ainda mais incendiada.
Em certas apresentações aconteceu de nenhuma criança
querer subir ao palco assim que era requisitada. Devido a
80
isso, os atores eram obrigados a improvisar uma longa
história, que tocasse as crianças, emocionalmente, até que se
sentissem comovidas com os problemas de Generosa e decidissem
ajudá-la. Neste momento, a interação entre ator e espectador
era total, pois a continuação da ação dramática da peça
ficava, exclusivamente, nas mãos do espectador. Dele dependia
toda a fluidez do espetáculo.
Nesta situação, atores, diretor, sonoplasta e
iluminador ficavam à mercê do espectador, porque só ele
detinha a chave de controle do espetáculo. Assim, a ação
interativa atingia seu grau máximo dentro da apresentação,
pois artistas e platéia estavam no mesmo nível, o ato de um
dependia do outro, influenciando-os mutuamente. Essa relação
é capital para o florescimento da interatividade.
Outro momento do espetáculo marcado pela participação
da platéia é quando a protagonista chega até a beira do mar
para conseguir do Senhor Peixão o anel que estava perdido,
prova solicitada pela Fada Verde. Para começar, a cena por si
só já causa uma manifestação imediata no público, pois
utiliza métodos do Teatro Oriental para compor sua
cenografia. Um longo pano azul, estendido de um lado ao outro
do palco e sacudido pelas pontas, é usado para representar o
mar. O efeito do céu é produzido por outro pano azul
encravado de estrelinhas brilhantes, que ficava ao fundo,
junto do ciclorama.
81
A cenografia e a iluminação, também em tom azul,
preparam a entrada do Senhor Peixão, que é grande e colorido,
deixando a platéia encantada. Nesta cena, para se encontrar
com o peixe guardião, Generosa precisa tocar a campainha da
porta de entrada do mar. Para isso, ela convoca as crianças
para, juntas, fazerem o ruído de campainha. Mais uma vez o
público fica contagiado. A criançada não hesita nem um pouco
em gritar com toda força para acordar o Senhor Peixão, que
surge e entrega a Generosa o anel perdido.
Outro momento de interferência do público é quando
Generosa encontra-se com o rato Xaropinhho. A personagem,
quando surge no palco, por si própria já provoca uma reação
nas crianças. Primeiro, pela alusão que faz a um programa de
televisão, que é imediatamente identificado pela platéia.
Segundo, porque seu figurino dá uma super valorizada ao
tamanho da cabeça do rato, grande e desproporcional ao seu
corpo.
Sabendo do poder do anel mágico guardado por Generosa,
o rato espertalhão tenta fazer com que a noviça gaste os três
desejos que lhe foram concedidos. Parar prestar a informação
de onde se localiza a Sala da Coroa, no Palácio de Vulcana,
Xaropinho impõe a Generosa dois pedidos. Mas antes dela os
conceder, a platéia, toda inflamada pela falta de caráter do
rato, fica alvoraçada e implora à fada aprendiz que não faça
as mágicas para atender os seus pedidos.
82
Quando o mensageiro do anel mágico aparece para
conceder os desejos pedidos por Generosa, fazendo com a boca
o som do barulho de motocicleta, código rapidamente
identificado pelas crianças, mais uma vez percebemos a
interferência espontânea dos espectadores. A platéia, em
coro, pede à protagonista que não realize os pedidos. Assim,
vemos como a participação do público colabora para que o
espetáculo fuja do que já estava preestabelecido no roteiro,
criando, dessa forma, o que chamamos de acidentes de
percurso.
A cada manifestação dos espectadores, no momento em que
Generosa ameaça fazer os pedidos, a ação dramática programada
era interrompida. O que fazia com que os atores, tomados pelo
estado de prontidão, tivessem que inserir no espetáculo
diálogos criados de improviso, no calor da apresentação.
Em certos dias, durante a temporada, quando acontecia
esta cena, o tempo de duração do espetáculo era alongado.
Além disso, não só os atores que estavam no palco ficavam em
alerta, mas os demais, que aguardavam no bastidor para a
realização da cena seguinte, sentiam-se tomados por uma
tensão.
Já quase no final do espetáculo, um outro momento em
que o público é tomado de uma grande euforia é a cena em que
o Duende Vermelho, travestido de Vovozinha, tenta, mais uma
vez, arruinar os planos da noviça. Com uma capa preta e uma
83
máscara que mais parecia uma bruxa, o lacaio da Fada Vermelha
engana a pobre Generosa com o golpe da velhinha desamparada.
Dizendo-se doente de artrose, osteoporose, espinha inflamada
e dor de cabeça, o duende consegue que Generosa gaste seu
último pedido do anel para conceder à Vovozinha um plano de
saúde para o tratamento de suas enfermidades.
Neste momento, além das crianças já ficarem alvoraçadas
pela feiúra da velhinha, que usa uma máscara de borracha com
nariz comprido e uma língua para fora, elas tentam de todo
modo alertar Generosa sobre o golpe no qual ela está sendo
envolvida.
Houve uma apresentação, inclusive, em que uma criança
ficou tão indignada com a tentativa do Duende Vermelho em
enganar Generosa, que se levantou da cadeira e partiu furiosa
em direção ao palco. Chegando lá, fez ameaças ao Duende
Vermelho, a ponto de bater com as mãos em cima do tablado do
palco, dizendo que ele não podia enganar a ingênua noviça.
A espontaneidade das crianças para advertir Generosa,
neste instante, é tão intensa, que fica claro que para o
público infantil aquilo não era apenas uma apresentação de
teatro, mas, sim, parte de um jogo do qual elas estavam
participando como jogadores ativos. Nesta ocasião, as
crianças já estão tão envolvidas pelo espetáculo e pelas
personagens que se sentem coadjuvantes da dramatização, não
84
existindo mais diferença entre o palco e o espaço reservado
ao público.
A magia teatral é tão vigorosamente intensa, que todos
fazem parte do espetáculo e cada qual ocupa um lugar de
importância para o acontecimento do fenômeno teatral. A
existência de um completa o outro. Ator e espectador formam
uma unidade integrada, trabalhando mutuamente para a
realização da apresentação.
Ainda há que se mencionar que, além de interferir na
duração do tempo do espetáculo e deixar os atores sempre em
estado de prontidão, a participação do espectador na ação
dramática da peça causa outro diferencial muito importante. É
o que se refere à mudança na estrutura narrativa do
espetáculo. Com os tais acidentes de percurso, a história da
peça ia se modificando a cada apresentação. A cada nova
interferência do público, o espetáculo se renovava a ponto de
se dizer que, ao final da temporada, ele já não era mais o
mesmo do dia da estréia.
Além de mexer, também, com a estrutura narrativa da
peça, a ação do público acrescentou mudanças na construção de
certas personagens. Com o decorrer da temporada, alguns
atores se deixaram influenciar pela interferência da platéia.
Assim, eles foram adequando suas personagens às respostas
emanadas pelo público, caracterizando a troca de informações
entre membros participantes de um mesmo processo. O
85
acontecimento dessa relação é fundamental ao surgimento da
interatividade.
Uma característica dos espetáculos infantis encenados
pelo Grupo Divulgação é que, sempre que termina uma
apresentação, todas as crianças da platéia são convidadas
para subir ao palco. Neste momento, o clima é de festa. O
palco torna-se um lugar para a comunhão entre artistas e
espectadores, pois, agora, é a vez da criança conversar com
sua personagem preferida.
A intimidade da platéia com as personagens já é tanta,
neste momento, depois do final da apresentação, que a maioria
das crianças não sente o menor receio ou timidez em estar
juntos dos atores. Isso comprova que a peça [email protected]
consegue, com êxito, atingir o objetivo a que se propôs, que
era estabelecer uma relação entre atores e espectadores,
através da ação interativa.
3.3. A visão do ator e do espectador
A ação interativa, quando inserida na estrutura de um
espetáculo teatral, ocasiona uma série de transformações no
86
conjunto da obra. Isso se dá porque, como rege o próprio
conceito de interatividade, para que ela aconteça é
necessário que exista uma relação de mútua dependência entre
os elementos que compõem o processo. Estabelecida esta
relação, haverá uma troca de informações entre as unidades,
dando margem ao surgimento de um diálogo.
Este ato comunicacional permitirá aos integrantes do
processo o conhecimento de ambas as partes. Assim, diante da
instituição de uma relação entre cada elemento, eles poderão
influenciar-se, permitindo o aparecimento de mudanças para
que, dessa forma, se tornem interagentes.
No teatro, estes dois elementos sujeitos à ação da
interatividade são os atores e os espectadores. Dentre
outros, eles são os responsáveis pelo acontecimento do
fenômeno teatral e, sob a égide da interação, criam uma
influência recíproca.
Esta dependência entre ator e espectador resulta em uma
série de novas motivações dentro da apresentação do
espetáculo. Elas contribuirão para o estabelecimento de
mudanças, seja no enredo, no clima, na construção das
personagens e no tempo de duração de uma encenação teatral.
O espetáculo [email protected] serve-nos como prova à
confirmação dos efeitos gerados pela interatividade sob o
fazer do teatro. A peça, além de abrir espaço para abordar um
tema muito atual, como a utilização das novas tecnologias,
87
utiliza-se da ação interativa como parte integrante da
estrutura de funcionamento do espetáculo, transformando o
espectador em elemento fundamental para o acontecimento das
apresentações.
Inserido na encenação, o público torna-se um elemento
surpresa, deixando o ator sempre em estado de prontidão. Este
sentimento de alerta provocado pela tensão influencia a
interpretação de certos atores, principalmente os novatos.
Para o público, essa troca de papéis é muito prazerosa, tanto
para o espectador que ficou sentado na platéia, se delicia
com a situação vivida por um igual, quanto para o corajoso
que subiu ao palco e se vê como participante do espetáculo.
Para melhor entender como é a influência da ação
interativa sobre a realização de um espetáculo, recorreremos
a depoimentos de atores que participaram da montagem de
[email protected] e tiveram um envolvimento direto com o
público, e as opiniões deixadas pelo púbico sobre a peça,
através do SISTEMA DE AVALIAÇÃO PERMANENTE.
A personagem principal do espetáculo, a fada Generosa,
é de grande valia ao estudo da relação entre atores e
espectadores, pois, ao longo da encenação, ela cumpre o papel
de ponte entre os dois elementos. Para a atriz Márcia
Falabella, que interpretou a personagem Generosa, a peça, se
não está à frente de seu tempo, está muito afinada com a
realidade atual, pois tem uma proposta de ação dramática que
88
está fora do padrão de teatro infantil realizado nos dias de
hoje.
A dependência do público para dar andamento à história
do espetáculo, segundo Márcia Falabella, que tinha
envolvimento direto com as crianças, pois muitas de suas
cenas eram realizadas com os espectadores, apresentava uma
característica singular, pois cada apresentação tinha o sabor
da estréia. Para a atriz, o público sempre participa de
qualquer espetáculo. Ele responde a cada peça de maneira
diferente, mesmo que de forma passiva.
A relação entre ambas as partes, atores e espectadores,
é inerente ao fenômeno teatral. Há uma troca de energia e de
atenção. Mas, de acordo com Falabella, em [email protected],
essa troca dependia, de forma efetiva, da participação do
público. Com isso, o inesperado, que podia surgir da reação
da platéia, era fator determinante ao aparecimento do estado
de tensão.
A troca era muito legal, porque a criança era muito espontânea. Então, quando, por exemplo, a criança era chamada para contar uma piada, algumas se levantavam imediatamente. E, quando subiam ao palco, elas se assustavam. Quando olhavam para o público, elas ficavam acanhadas, elas não falavam. Então, tirar isso da criança era sempre um desafio muito grande27.
No que se refere ao trabalho de interpretação da
personagem influenciado pela participação do público, Márcia
27 Cf. ANEXO 6.1.
89
Falabella considera que não existe uma alteração direta. O
que existe, conforme ela, é uma modificação no modo de
funcionamento do espetáculo. A atriz afirma que os ensaios
sem a presença do público são muitos frios. Nas
apresentações, as crianças sempre gritavam, apontando o local
onde estava o envelope. Neste momento, a reação dos
espectadores é importante, porque as crianças se inserem no
jogo dramático, impulsionando o ator a seguir com a
personagem.
A participação do público funciona como incentivo. A
apresentação em que uma ou outra criança resolvia esconder o
envelope, para Márcia Falabella, era outro desafio, pois
tinha que convencer a platéia a participar da cena. No que
diz respeito a sua interpretação, a atriz define a
interferência do público como complemento ao seu trabalho de
composição da personagem. Ela chega até a traçar um paralelo
entre o espectador de teatro e a torcida de futebol, que é
considerada o décimo segundo jogador em campo. Conforme a
atriz, quando o espetáculo é uma comédia, o riso da platéia é
mais uma personagem dentro da apresentação, pois o ator sente
falta da resposta do público, quando esta não vem. Então, ele
se esforça para conseguir levar os espectadores para dentro
da encenação. A falta dessa energia trocada com o público é
caracterizada, pela atriz, como um “dia de não”, ou seja, a
90
frustração é tão grande, que é como se o espetáculo não
tivesse acontecido.
O bilheteiro Bil é uma personagem importante dentro do
espetáculo [email protected], no que se refere à ação
interativa, pois é o responsável por fazer a protagonista
levar até ao palco uma criança para contar uma piada. Assim
como Generosa, o bilheteiro dialoga diretamente com o
público. O ator Leonardo Alvim, que era estreante no palco,
foi quem interpretou a personagem. Para ele, fazer o
espetáculo era uma novidade. Os trabalhos de corpo, voz e
composição da personagem eram experiências vividas pela
primeira vez. Em sua opinião, realizar um espetáculo infantil
é uma tarefa difícil no sentido de conquistar a platéia, pois
as crianças são muito francas. Elas gostam ou não da
apresentação de forma imediata. Assim, logo no início da
encenação já dá para perceber se a peça será um sucesso ou
não.
O ator destaca que há uma diferença entre se apresentar
para um público adulto e para o infantil: “O adulto se
controla. A criança, a gente sente na pele a reação dela. Se
ela está gostando ela vibra, ela participa e grita. Já o
adulto não, pois a criança é completamente espontânea”28.
Leonardo Alvim comenta que, na cena em que ele propunha a
participação dos espectadores, a platéia gritava ou várias
28 ANEXO 6.2.
91
crianças subiam ao palco de uma só vez, a ponto de dificultar
a realização da apresentação.
Essa ação do público, segundo ele, influenciava em sua
interpretação, porque, quando uma criança demorava a subir ao
palco ou a platéia não estava participativa, tinha a
impressão de que seu trabalho não estava bom e de que o
espetáculo não estava chegando ao público, pois a presença do
espectador, neste momento, era tão importante que o
considerava como um coadjuvante. E se este parceiro não
estava bem, a apresentação inteira e todos os seus elementos
constitutivos só poderiam estar mal. Porém, quando acontecia
o contrário, era gratificante perceber o quanto a peça
afetava o público.
No tocante ao estado de prontidão que a ação da platéia
causa no artista, Leonardo Alvim afirma que, quando as
crianças demoravam a falar ou não falavam, era um trabalho
difícil fazê-la interagir com a apresentação. Este inesperado
causava-lhe uma grande tensão.
Caracterizada como a representante do mal, a Fada
Vermelha tinha um grande apelo junto ao público, porque ora
era rejeitada pela platéia no papel de bruxa má, ora era
querida, pois, através do drama de não querer ser afastada de
seu cargo, causava o sentimento de pena nos espectadores.
Para a atriz que a interpretou, Marise Mendes, [email protected]
foi a realização de um trabalho diferente, pois abordava o
92
tema das novas tecnologias. Tinha inserido no texto da peça a
utilização do computador e do e-mail, que são elementos com
os quais as crianças de hoje em dia têm muita intimidade.
Então, o espetáculo tratou de conceitos recentes, mas que tem
uma ligação com o universo infantil.
Além da questão da atualidade, segundo a atriz,
participar do espetáculo possuía um diferencial, pois
representar o mal é uma experiência significativa para
qualquer artista. A personagem da Fada Vermelha era malvada,
mas não tinha o intuito de fazer a maldade por si só. Ela
usava de suas artimanhas para se defender, pois não queria
ser transformada em bruxa. Assim, a peça não pode ser
considerada como maniqueísta, porque o bem e o mal não
ficavam evidenciados, mostrando às crianças que os dois
sentimentos fazem parte da natureza humana. Marise Mendes
comenta que, quando as crianças iam palco, após o espetáculo,
elas falavam que não queriam que a Fada Vermelha virasse
bruxa. De acordo com a atriz:
... a interatividade existe em todos os espetáculos. Cada espetáculo é um espetáculo, porque o público é um público diferente. Se o público de escola é mais quente, é claro que vai haver uma interferência no espetáculo. Agora, se o espectador não está rindo muito, às vezes porque não está entendo ou não está achando graça, tudo isso reflete no trabalho do ator no palco. Então, por mais que já exista a interatividade, em [email protected], a diferença era a participação da criança, que interferia na continuidade do
93
espetáculo, porque a platéia tinha que ajudar Generosa a encontrar os envelopes29.
Para a interpretação da atriz, a participação do
espectador na história do espetáculo foi importante porque,
conforme ela, a Fada Vermelha e o seu duende lacaio, quando
estavam em cena, às vezes eram vaiados pela platéia. Isso
atrapalhava na continuidade do espetáculo, mas as crianças
também não podiam ser ignoradas. Então, eles tinham que
interferir na ação da platéia. Essa interação entre o ator e
o público fez com que a Fada Vermelha tentasse angariar a
simpatia da platéia. Por esta razão, ela criou um novo
diálogo, em que explicava aos espectadores os motivos pelos
quais não queria virar bruxa. Com isso, a criança era tocada
e, a partir dessa interferência, ela se posicionava,
espontaneamente, a favor ou contra a Fada Vermelha. Para a
atriz, este posicionamento da criança afetava na composição
da personagem.
Marise Mendes vê a participação direta do espectador,
na ação dramática do espetáculo, como elemento muito
importante dentro de [email protected] . Para ela, o teatro
acontece em função do público, principalmente se for uma
apresentação cômica ou infantil, pois a reação do espectador
é o fio condutor do personagem. Ela cita Shakespeare que,
dependendo do público, reforçava determinadas personagens e
29 ANEXO 6.3.
94
atores para que aparecessem mais durante o espetáculo. A
atriz dá o nome para este fato de adequação, mas não é apenas
fazer o que o público deseja. É tentar agradar o público, mas
sempre buscando uma reflexão, colaborando para a junção do
útil com a diversão.
A personagem da Fada da Terra, embora não tivesse um
envolvimento direto com a platéia, deixou marcas da interação
com os espectadores em Aline Louise, atriz que a
interpretava. De acordo com ela30, no momento em que
acontecia as cenas realizadas junto da platéia, no espetáculo
[email protected], o resto dos atores, que não estavam no palco,
se divertiam muito nos bastidores em ver seus companheiros
terem que improvisar diálogos no calor da apresentação. Mas,
não era apenas engraçado; a reação do público diante do
espetáculo também lhes causava um estado de tensão. Segundo
Aline Louise, a introdução do espectador na construção
dramática do espetáculo foi fundamental em [email protected],
pois influenciou diretamente nas transformações que ocorreram
no espetáculo durante a temporada.
Para ela, até o modo de falar da personagem pode ser
alterado pelo público. Para exemplificar este fato, Aline
Louise lembra-se da peça Girança, outra montagem do Grupo
Divulgação, na qual interpretava uma personagem de “menina de
roça”. À priori, o papel não tinha nenhum destaque no 30 Cf. ANEXO 6.4.
95
contexto do espetáculo, mas, no decorrer da temporada, a
atriz sentiu que a platéia estava rindo de alguma coisa da
personagem. Quando descobriu, percebeu que era a voz que
havia criado para a personagem que agradava ao público.
Diante disso, o seu trabalho de voz foi aprimorado,
resultando em um crescimento da personagem. Assim, o público
teve um papel relevante para a atriz, que teve sua personagem
modificada em função da interferência da platéia, que fez
florescer um detalhe interessante de seu papel.
No que diz respeito ao trabalho de composição da Fada
da Terra, novamente Aline Louise destaca a ação interativa da
platéia como fator determinante. Conforme ela, havia uma cena
de [email protected] em que a Fada da Terra, que estava sempre
apressada, pedia à Rainha da Fadas que terminasse logo com as
provas do Exame de Fadas. Nesta cena, a platéia também torcia
para que as tarefas terminassem logo. Por esta razão, a atriz
sentia que o público estava ao seu lado. Mas, quando a Rainha
das Fadas negava o pedido, tanto a Fada Marrom quanto a
platéia ficavam desapontadas. Assim, havia uma cumplicidade
entre a atriz e os espectadores. Esse envolvimento de ambos é
primordial à sustentação de uma personagem.
A Fada Maluquete, interpretada pela atriz Fátima
Amorim, também é outra personagem que não tinha um contato
direto com o público. Mas, à medida em que [email protected]
estendia-se temporada afora, a fada maluca ganhou a simpatia
96
das crianças, a ponto de, ao entrar em cena, a platéia ficar
eufórica. Para Fátima Amorim31, fazer o espetáculo foi uma
experiência enriquecedora, pois, dentre todos as personagens
infantis que já havia desempenhado, a Maluquete foi a que
mais alcançou o público. Segundo a atriz, a fada maluca, de
acordo com relatos das crianças e de adultos após a
apresentação, deixava toda a platéia encantada.
Essa magia captada pelos espectadores, Fátima Amorim
atribui ao fato de que a Maluquete era uma fada
transgressora, pois ela deixou o Mundo das Fadas para viver
uma outra vida, para encontrar alegria. A personagem passava
ao público uma mensagem de “busca da felicidade”, porque ela
representava alguém que deixa uma vida estabelecida, mas sem
satisfação, para encontrar uma alternativa às suas
necessidades como ser. A Maluquete deixa a convivência das
fadas, que eram competitivas, para ser feliz em outro lugar.
Essa característica da personagem resultava na simpatia
adquirida entre crianças e adultos da platéia.
Sob o parecer da atriz Fátima Amorim, a participação do
público na ação dramática, em [email protected], era muito
espontânea. Durante o transcorrer da história, as crianças
eram envolvidas pela história da peça. Então, a própria
platéia se dispunha a participar do espetáculo, mesmo que
31 Cf. ANEXO 6.5.
97
este tivesse como proposta a busca da ação do espectador,
pois tudo acontecia de forma natural. Não era necessária uma
pressão por parte dos atores sob o público e, muito menos, os
espectadores ofereciam qualquer resistência à participação.
Quanto à influência da ação interativa sob sua maneira
de atuar, a atriz concorda que toda personagem, quando em
presença da platéia, segue seus passos. A Fada Maluquete, por
exemplo, foi crescendo e tornando-se mais solta, durante as
apresentações, devido à receptividade das crianças. O contato
com a platéia é um fator de modificação.
A participação da fada maluca no espetáculo era muito
pequena. A cena em que ela aparecia era muito curta, mas, no
entanto, tinha muita intensidade, que era provocada pelo
figurino, pela música tema da personagem e pela coreografia.
Tudo isso contribuía para fazer a personagem marcante. Então,
quando ela tinha que ir embora, ouvia-se da platéia pedidos
para que ficasse mais. O espetáculo [email protected] foi para
Fátima Amorim um trabalho muito gratificante, pois o
envolvimento que ela estabeleceu com o público foi empolgante
e estimulador.
Os duendes das fadas foram os personagens de
[email protected] que mais tiveram contato direto com o público,
pois realizavam uma série de cenas junto aos espectadores.
Para Paulo Moraes32, que interpretou o Duende Azul, 32 Cf. ANEXO 6.6.
98
participar do espetáculo foi extremamente rico ao seu
trabalho de ator. Ele destaca a dificuldade inicial para a
composição da personagem. Os trabalhos corporais, de voz e de
extração da personagem do texto foram para ele um grande
desafio. Segundo o ator, o Duende Azul só criou vida mesmo
depois que a peça entrou em cartaz e foi colocado à prova
junto ao público. Para ele, a ação interativa proposta pelo
espetáculo foi capital para o acontecimento da peça, pois
inseria a criança dentro da história. Isso derrubava a
distância entre a platéia e o palco, criando uma fusão, na
qual todos se transformavam em elementos vitais ao
acontecimento do fenômeno teatral.
A criança introduzida no espetáculo teve imensa
importância no trabalho de interpretação do ator Paulo
Moraes, pois, na cena que era realizada em meio ao público,
como a brincadeira do “Chicotinho Queimado”, a ação dos
espectadores, ao apontarem o lugar onde estavam escondidos os
envelopes, influenciava o andamento do espetáculo. Isso
contribuía para o crescimento da personagem. A cada dia, as
apresentações eram modificadas pela interferência das
crianças. Assim, o inesperado e o estado de tensão provocavam
o surgimento de um detalhe novo na composição do Duende Azul,
que podia ser uma nova fala, um novo sentimento, uma nova
expressão facial e até uma alteração na voz. Para Paulo
Moraes, a interatividade entre atores e público em
99
[email protected] era tão intensa, que, quando ensaiava, a sua
personagem era de uma forma, pois não tinha a idéia de como
seria com a presença da platéia. Mas, depois que o espetáculo
estreou, na visão do ator, é que o fenômeno teatral passou a
acontecer, porque a magia do teatro começou a exercer sobre
ele um poder sobrenatural, dando vida ao seu papel e ao
espetáculo como um todo.
Diante da constatação do quanto foi capital a ação
interativa para a apresentação de [email protected] e de como
foi significativa ao trabalho de criação de personagem dos
atores, tomaremos por base a pesquisa realizada pelo Grupo
Divulgação, através do SISTEMA DE AVALIAÇÃO PERNAMENTE, no
período em que o espetáculo esteve em cartaz, para sabermos
como o espectador se sente perante uma peça que tem como meta
inseri-lo em sua ação dramática, transformando-o em um agente
com voz ativa dentro de uma apresentação teatral. As opiniões
do público foram extraídas das pesquisas realizadas junto à
platéia, na primeira temporada da peça, nos meses de maio,
junho e julho, de 2001.
Como o espetáculo teve uma grande aceitação por parte
do público juizforano, foi realizada uma nova temporada, nos
meses de setembro e outubro, finalizando as apresentações com
um espetáculo encenado no Cine Theatro Central, em
comemoração ao Dia das Crianças. Na ocasião, também foram
realizadas as pesquisas junto ao público.
100
No que diz respeito à ação interativa inserida no
espetáculo [email protected], o público deixou sobre ela várias
opiniões:
Um Belo espetáculo! As músicas e a linguagem, ou melhor, a comunicação, nos despertam a atenção e a participação, fazendo-nos mergulhar no mundo da fantasia, sem esquecermos da realidade.
Ronara Ferreira Simiqueli, 24
Uma peça muito interativa, onde crianças e adultos se divertem muito. A atriz (Generosa) é excelente, todo o elenco é ótimo.
Maria Orminda de Almeida, 38, auxiliar de escritório
Achei muito interessante. Muito estimulante. Participativa para com as crianças.
Imaculada da C. Rodrigues, funcionária pública
Muito legal, interativa. Figurinos, cenários, teatro divertido, mas também sério e bem montado.
Maria Goretti Ribeiro, 42, psicóloga
Gostei muito. Meu filho adorou ir ao palco conhecer os personagens.
Paulo S. Rossini, 39, professor
Adorei, as crianças vibraram para ajudar a fada.Rosana Cézar Souza Santos, 28
A peça é ótima. Essa integração dos atores com o público infantil foi muito bem montada.
Renata Perlato Bom Jardim, 21
Gostei muito dos figurinos e músicas da peça. A interação com as crianças da platéia também é muito interessante.
Terezinha Ramos Magalhães, 42, dentista
Muito boa a peça, principalmente a paciência com a participação das crianças.
Carmem de Castro, 60, aposentada
Muito divertida e interativa.Michael G. Aquino, 26, jornalista
Muito boa! Em especial por possibilitar a participação das crianças.
101
Flávia Corrêa Moreira, 13, estudante
Ótima, estimula a participação das crianças.Mariza Aparecida Bastos Freesz, 38, bioquímica
É uma ótima peça, que conseguiu brilhantemente integrar o público, prendendo a atenção de todos.
Amanda Dessupio Chaves, 19, estudante
Interessante a idéia do público participar.Jamil Jardim da Silva, 17, estudante
Bastante educativa, divertida. E o mais interessante é o contato das crianças com os atores em cena e no final da peça.
Vanessa da Silva Miranda Henriques, 27, estudante
Ótima interação com o público, tratou de assuntos muito atuais e nos fez rir.
Naise, 19, estudante
Texto bom. Boa interação com o público.Daniel Pedro, 28, químico
Interessante. Consegue grande participação da platéia fascinada.
Rosângela de Carvalho Ribeiro, 41, médica
Bem divertida. Gostei da maneira participativa do público infantil.
Marcos de Paiva Nunes, 36, técnico em enfermagem
Gostei principalmente de a peça prometer a interação dos personagens com as crianças.
Carolina Rodrigues Pereira, 18, estudante
No que se refere aos outros elementos constitutivos do
espetáculo, como texto, personagens, música, figurino e
cenários, eles também foram de extrema importância, no
sentido de envolver a platéia, para colocá-la predisposta à
participação no espetáculo. Sobre tais elementos, o público
deixou as seguintes opiniões:
Achei interessante por que não queria que a fada virasse bruxa.
102
Lhaine Sheila da Silva, 12, estudante
Deslumbrante. Minha neta de dois anos e meio acompanhou atentamente. Muito obrigada.
Anna Maria de Freitas, 60, advogada
Super divertida e animada. Achei lindo o efeito do mar com as ondas.
Beatriz villar Lignani, 45, professora
Achei legal as fadas estarem no mundo virtual.Maria Aparecida Birich, 63
Genial. Que bom a oportunidade de ser maluquete.Maria das Graças Gomes da Silva
Muito boa! Vó é como criança! Adora! Gostei das sátiras; leves, ponderadas, engraçadas! Ótimo.
Daniela Vailati, escrito pela avó, 8
Uma deliciosa viagem através do portal da fantasia. Parabéns ao grupo. Maravilha, ponto com, ponto bê erre!
Fábio Cordeiro de Souza, 59, técnico de laboratório
Me agradou muito. Apesar das crianças menores se assustarem com os movimentos rápidos e vozes altas.
Ana Lúcia Clemente, 47, auxiliar de escritório
Alegre e inteligente ou mais simplesmente como a Luísa – 4 anos – gostei, porque sim!!!
Leila Amaral, 55, antropóloga
Apesar de vivermos no mundo de tecnologia, não podemos esquecer do mundo das fadas.
Anezia Luiza Gomes Assis, 43, professoras
Porque a Fada Vermelha não virou bruxa?Ricardo A. Nogueira Miranda, 25, jornalista
É uma peça engraçada e divertida. Além de também ser muito atual.
Sandra Tavares de Souza, 16, estudante
As músicas são muito boas.Carla da Hora Duailibi, 30, jornalista
Muito bem organizada, visual bem transado.
103
Adriana Fernandes de Mello, engenheira
Adorei o figurino colorido. Bem ao gosto das crianças, e o enredo é bastante educativo.
Érica Geara, 35, psicóloga
As músicas são divertidas e os personagens também.Ana Clara Fernandes, 9
Os figurinos originais e a peça nos traz momentos de muita alegria e descontração.
Beatriz Jung Bedran Bedendo, 54, funcionária pública federal
Muito [email protected]. Augusto Cordeiro e Jane Márcia Braga de Carvalho,
estudante e empresária
Uma das melhores peças que já vi. Consegue animar e divertir a criançada sem colocar medo. Parabéns.
Marisa Loures, 20, estudante
Outro quesito relevante apontado pelo público para que
o espetáculo tivesse uma maior aceitação entre as crianças e,
inclusive, entre os adultos, é o fato de que [email protected]
passa uma mensagem de caráter moral, em que sentimentos como
solidariedade e generosidade são tratados de maneira natural,
sem aquele moralismo coercitivo pregado por certos contos
infantis. Sobre a mensagem do texto, os espectadores deixaram
as seguintes opiniões:
Muito legal a mensagem. Despertar o sentimento da solidariedade é sempre um idéia feliz.
Mabel Salgado Pereira, 37, historiadora
A encenação traz reflexões sobre a questão da ética nas relações de amizade e a valorização da solidariedade.
Agda Margareth E. dos Reis, 38, assistente social
Gostei muito pois desmistifica o medo do escuro, ensina valores morais como ter solidariedade, etc.
Sandra Agostini Alves, 35, farmacêutica
104
Muito boa, com tema instrutivo e construtivo, usando temas atuais. Estão de parabéns.
Ana Maria de Campos, 52, do lar
A renúncia de um bem de uma pessoa em favor do bem de todos vale a pena. Vale a paz e harmonia geral.
Rubens Parreiral, 36, motorista
Alegria...fantasia...viver o dia-a-dia com sonho fantasia fica mais fácil...a mensagem da solidariedade é linda...ser feliz e deixar o outro ser feliz...fantasia x realidade...amei...
Lulude Furiati Camargo,43, professora
105
4. CONCLUSÃO
Ao longo da realização deste trabalho, percebemos que a
interatividade no teatro é um fenômeno que não se restringe à
contemporaneidade. Ela faz parte da essência do processo
teatral desde sua criação. Tanto que podemos considerá-lo
como o verbo que se faz carne diante de testemunhas. Nos dias
de hoje, o que existe é o resgate da participação do público
como mais um elemento de engrenagem ao acontecimento do
espetáculo, através da ação interativa.
O público, quando inserido na ação dramática do
espetáculo, como aconteceu em [email protected], provoca uma
série de modificações no conjunto da obra, pois a ação do
espectador renova a estrutura narrativa do espetáculo a cada
apresentação.
Todas essas transformações surgidas na estrutura do
espetáculo, no entanto, não resultaram em uma modificação do
final da narrativa da peça. Em todas as apresentações de
[email protected], o encerramento foi o mesmo desde a estréia,
não que isso venha invalidar a ação interativa do espetáculo.
A Interatividade, no caso da montagem do Grupo
Divulgação, agiu de forma a adicionar novos elementos na ação
dramática da encenação, contribuindo para que o espetáculo
saísse do que estava predeterminado no texto do autor.
106
Neste tipo de teatro, tanto público como atores são
tocados pela interatividade. Eles não saem inume a ela. Para
os atores, a ação interativa resulta em um enriquecimento de
seu trabalho. Em [email protected], o contato direto com as
crianças provocou o surgimento de novas características nas
personagens vividas pelos atores.
Ao público, a interatividade reserva o prazer da
sensação de se ver dentro do espetáculo, através da
participação direta na ação dramática. Essa necessidade que o
espectador contemporâneo tem de estar no palco, inserido na
apresentação, está intimamente ligada à época atual.
Vivendo a pós-modernidade, a sociedade de hoje busca a
felicidade a qualquer preço. Para os indivíduos, sair do
anonimato tornou-se uma forma de alcançar o status, para,
assim, se firmarem como seres dentro de um sistema
globalizado, em que as tecnologias de comunicação se
transformaram em instrumentos poderosos a serviço dos novos
paradigmas sociais.
Para alcançar seus objetivos, a sociedade busca nas
artes o alimento para suprir suas necessidades. Sob o ponto
de vista do teatro, ele procura apenas acompanhar a realidade
do mundo que o cerca. Através das encenações, ele reflete o
tempo em que está inserido. Por esta razão, o teatro tornou-
se também para os espectadores um passaporte ao “estrelato”,
107
ou seja, um caminho rápido para que sejam percebidos, mesmo
que somente por um instante.
Seguindo a tendência da atualidade, o Grupo Divulgação,
que na extensão de sua história sempre esteve afinado com seu
público, produziu o espetáculo [email protected], cedendo seu
palco à participação direta da platéia infantil.
Através das pesquisas realizadas pelo SISTEMA DE
AVALIAÇÃO PERMANENTE, percebemos que a linguagem dinâmica e
atual do espetáculo foi a maior responsável pela comunicação
que conseguiu estabelecer com crianças e adultos.
A ação interativa contribuiu, de imediato, para que o
espectador mergulhasse na fantasia. Este fato, segundo
relatos advindos do público, foram capitais ao distanciamento
da realidade.
Este afastamento da vida cotidiana permite ao
espectador esquecer a si próprio, tornando-o apto a subir ao
palco para, assim, “aparecer”. No caso das crianças, elas se
entregam à fantasia de maneira mais rápida, pois a ação
interativa tem para elas o sabor de brincadeira, que faz
desaparecer o limite entre o palco e o espaço reservado à
platéia.
108
5. BIBLIOGRAFIA
1) ARISTÓTELES. Arte retórica e Arte poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Ed. de Ouro, 1966.
2) BERLO, David K. O processo da comunicação: introdução à
teoria prática. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
3) BRANDÃO, Junito. Teatro Grego - origem e evolução. São Paulo: Ars Poética, 1992.
4) BROOK, Peter. O teatro e seu espaço. Petrópolis: Ed. Vozes, 1970.
5) CARVALHO, Enio. História e formação do ator. São Paulo: Ed. Ática,1989.
6) DUQUE, Bárbara Bastos de Lima. Identidade Espetacular. Juiz de Fora: UFJF; FACOM, 1. sem. 2001. Projeto Experimental do Curso de Comunicação Social.
7) FISCHER, B. A. Interpesonal communication: pragmatic of humam relationships. New York: Random House, 1987.
8) LOBO, Flávio. A Era da Ignorância. Revista Carta Capital, São Paulo, ano VII, n. 137, p. 20, dez. 2000.
9) MAGALDI, Sábato. Iniciação ao Teatro. 3. ed. São Paulo: Ática, 1986.
10) MARTÍN-BARBERO, Jésus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001.
11) MEICHES, Mauro, FERNANDES, Sílvia. Sobre o trabalho do ator. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1988.
12) PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.
13) PEIXOTO, Fernando. O que é Teatro. São Paulo: Brasiliense, 1980.
109
14) RIBEIRO, José L. As Máscaras do Espectador. Rio de Janeiro: Uni-Rio, 1993. Dissertação de Mestrado em Teatro.
15) ------. [email protected]. Juiz de Fora: /s.n./, 2001.
16) STANISLAVSKI, Konstantin S. Minha Vida na Arte. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1989.
17) ------. A construção do personagem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
18) TIEGHEM, Philippe V. Técnica do Teatro. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.
19) WATZLAWICK, Paul, BEAVIN, Janet Helmick, JACKSON, Don D. Pragmática da Comunicação Humana. São Paulo: Cultrix, 1993.
110
6. ANEXO
Segue em anexo as entrevistas realizadas com alguns atores
do Grupo de Divulgação que participação do espetáculo
6.1. Entrevista com Márcia Falabella
Como você analisa o espetáculo [email protected]?Bem, generosa como um espetáculo infantil, eu acho que
foi um espetáculo que se ele não estava à frente do tempo
dele, estava muito afinado com o tempo de hoje, porque ele
propunha algumas coisas muito fora do padrão do teatro
infantil. Então a gente dependia do público para dar
andamento à história. Se não houvesse, em determinados
momentos, a participação do público, não tinha como a ação
dramática seguir adiante.
E isso para mim como atriz, e eu que tinha um
envolvimento direto em algumas dessas cenas de improviso, uma
coisa que eu acho interessante é que cada espetáculo era uma
estréia. Não tem como, a gente quando faz um espetáculo, que,
é claro, o público de qualquer forma sempre participa do
111
espetáculo, o público de qualquer forma responde sempre ao
espetáculo. Então, mesmo que ele fique, passivamente, apenas
vendo o espetáculo, esse público sempre dá um retorno de
energia, de atenção. Às vezes, a gente precisa que o público
ache graça de alguma coisa. Então sempre há essa troca.
Mas no caso de generosa, essa troca dependia mesmo dessa
participação. Com isso, como eu nunca sabia qual seria a
reação do público, isso fazia com que eu tivesse um grau de
tensão. É como se fosse mesmo todo dia uma estréia. E acho
que era uma troca muito legal, porque a criança era muito
espontânea. Então, às vezes, ela vinha, quando na hora que
chamava uma criança para contar uma piada, e algumas
levantavam imediatamente e, aí, quando elas subiam, elas se
assustavam, quando elas olhavam para o público, elas ficam
acanhadas, elas não falavam. Então, tirar isso da criança era
sempre um desafio.
Houve alguma mudança na sua maneira de interpretar depois que a peça estreiou, se comparar com a personagem na época dos ensaios?
Diretamente no meu trabalho de criação, de composição da
personagem, eu acho que não alterou tanto. O que altera, eu
acho, é em termos de funcionamento de espetáculo. Agora, é
claro, que no momento, por exemplo, que, é, o ensaio sem
público, é um ensaio muito frio. Então, não tem nem
comparação, quando eu pego, por exemplo, e descia para
112
procurar os envelopes, e a criançada falava:- tá Qui, tá Qui,
e aplaudia. Isso é legal, porque a criança tá no jogo
dramático e impulsiona a gente a seguir com o personagem. Eu
acho que é sempre um incentivo.
Agora, tem dia, por exemplo, há alguns dias em que as
crianças não davam o envelope ou uma ou outra criança que
escondia o envelope, aí, você tem que achar. Você tem o
desafio, também, de convencer aquela platéia de participar
das coisas. Isso é que eu acho que é o mais complicado. Mas,
em termos de alteração de interpretação, eu acho que não tem.
Eu acho que já tinha um caminho, tinha no sentido da criança,
do público completar esse trabalho, sem isso também não
adiantava. Sem isso a cena não existia e nem tinha razão de
ser.
Como você vê a participação do público dentro do espetáculo?Uma coisa que é complicado quando você depende da
participação do público é que você nunca sabe se o público
vai de fato participar. Eu acho que hoje a gente vive num
tempo, que o público tem necessidade de aparecer. Então, está
havendo uma inversão muito grande do que é público e privado.
Então, há um encontro dessas duas áreas. O público, aquela
pessoa mais anônima, ela quer aparecer. Então, há pessoas que
para elas não tem tempo ruim. Qualquer coisa que você pedir,
elas levantam e elas fazem.
113
Mas, tem um outro público, e...é, eu quando sou público
me encaixo nessa categoria, que ele não quer saber de
participação nenhuma. Ele vai só para assistir, ele não quer
nenhum tipo de envolvimento. Então é aquele público, que, às
vezes, tem cena que o ator tem que descer para a platéia para
mexer com as pessoas, e as pessoas desviam o olho, as pessoas
se afundam na cadeira, tem aquele comportamento corporal de
quem não tá querendo nenhum tipo de envolvimento.
Então, a gente fica assim: - vai ter esse público? – O
público vai participar? – O público não vai participar? Qual
será a reação do público neste sentido? Eu acho que sempre
nestas cenas que a gente depende de uma participação direta,
você tem que ter um jogo de cintura para convencer o público.
É ficar em estado de prontidão, de alerta?Prontidão, porque você nunca sabe o que eles podem fazer
e não da para você prever a reação da criança ou de um
público adulto também, quando depende dele participar. Pode
acontecer as coisas mais inusitadas, né? Eu não me lembro, no
caso de generosa, por exemplo, cada dia era uma piada
diferente, a gente tinha que ficar super atento prá ver se a
criança tava falando direito, se o público tava entendendo,
se não a gente repetia alguma coisa, fazer tipo uma tradução
daquilo que ela estava dizendo, para o público também poder
entender, porque se não a coisa não caminhava. Essas coisas,
114
assim, que você tem que ficar sempre atento.Atento ao que a
criança fala.
Às vezes, não tem essa interação de exigir a
participação, mas se você tá no palco, e a criança fala
alguma coisa você tem que tá atento prá poder responder
também aquela criança, porque se não você cria uma quarta
parede e você não vai ao encontro do público, né?
Como você diferencia a apresentação para o público adulto e para o público infantil?
Eu acho que o público adulto é um público mais
enquadrado, é um público que já vem naquela coisa assim: vou
ao teatro para ver teatro. Então ele se senta, ele faz uma
participação que se espera dele. Senta, assiste, ri ou chora,
aplaude, pronto e acabou. E a criança não, a criança, ela
sempre terá um elemento surpresa, que eu acho que isso para o
ator é muito legal, porque não deixa o ator engessar o
trabalho dele.
O nível de atenção tem que ser muito grande. Então eu me
lembro uma vez, a gente fazendo o espetáculo chamado
Rouxinol do Imperador, as crianças iam aos poucos, no nosso
teatro aqui no Forum da Cultura, nós temos essas duas escadas
laterais, então, as crianças tinham mania de subir na
escadinha e chegar bem perto do palco, às vezes, elas até
entravam no palco. E num determinado dia, havia uma cena,
mais pro final do espetáculo, em que nós, que éramos
115
serviçais do imperador, a gente achava que ele tinha morrido.
Então quando eu entrava em cena e via que ele não tinha
morrido, mas eu levava um susto e achava que era um fantasma
e dava um grito. Neste dia, havia uma criança exatamente na
ponta da escada e fui brincar com a criança, quando vi que
ela estava ali, eu gritei exatamente na cara dela. Um grito
imenso, ela foi chegando para trás, ela foi recuando, e ficou
dependurada na escada, ficou com um pé na escada e o outro
prá fora da escada. Eu imediatamente corri até ela, segurei
ela pelo ombro, até que eu desci ela, colocando ela no nível
do chão mesmo, né? E nisso, o público ria e o palco inteiro.
Os atores riam, porque, realmente, foi uma coisa inusitada
que aconteceu.
A criança tava ali, tem hora que você tem aqueles
“estalos” e você faz a brincadeira, a criança permite isso
muito mais que o adulto. Eu acho que o adulto, ele fica mais
enquadrado mesmo em termos de participação e, às vezes, até,
como cada público é um público, às vezes, a gente fica
esperando um determinado comportamento desse público,
principalmente, quando é comédia, que a gente depende do riso
do público como uma resposta. O público entra, aí, com mais
um personagem, é aquele negócio do décimo segundo jogador
que, no futebol, é a torcida, aqui prá gente, também, quando
é comédia, a participação do público é fundamental. E quando
ele não responde, aí, a gente, às vezes, faz aquele esforço
116
danado para poder trazer o público prá dentro do palco, prá
convencer o público e muitas vezes a gente não consegue, aí,
é aquele dia que a gente chama de “dia de não”, o espetáculo
não acontece, dá tudo errado e é alguma coisa de energia que
tem que ter e que faz esse público responder.
6.2. Entrevista com Leonardo Alvim
Como foi fazer o espetáculo [email protected]? Eu estava começando, foi a primeira peça que eu fiz. Pra
mim, era tudo novo e era uma peça que, por ser infantil, deu
trabalho para fazer, porque tinha que construir o personagem,
trabalhar corpo, no trabalho dos duendes, e, outra coisa, o
público era de criança, né? Então era difícil, a resposta era
fiel sempre, sabe? Porque eles mostravam se gostavam ou não,
mas eu acho que foi uma peça que foi boa. A gente sempre
encheu a casa. As crianças gostavam, sempre participavam
muito e eu acho que a experiência foi muito boa.
Que diferença você destaca entre se apresentar para criança e para o adulto?
Pois é, prá adulto, o adulto, como é que vou dizer, o
adulto se controla. A criança a gente sente na pele. Se ela
tá gostando, ela vibra, ela participa, grita, e o adulto não.
A criança é completamente espontânea.
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Como você vê a participação do público dentro da construção dramática do espetáculo [email protected]?
Generosa era uma peça que tinha várias partes com
participação direta do público. Para começar, a Marcinha, que
fez o papel da Generosa, começava por fora do palco. Ela
entrava, passava por entre as crianças, então, já era um
contato que tinha. Segundo, os duendes saiam para esconder as
tarefas da primeira prova no meio das crianças e, depois, a
Generosa tinha que encontrar no meio. Então elas
participavam: - tá quente! Tá frio! Tudo acontecia de forma
direta.
Numa terceira parte, tinha uma parte que elas tinham que
contar uma piada para passar uma fase da peça, que a Generosa
ia entrar no Reino das Maluquices. Então, era pedido que uma
criança fosse ao palco contar. Então, assim, eu acho que a
peça era, totalmente, interativa.
Como que você percebia a participação das crianças nestas cenas interativas?
Nestas cenas, elas gritavam, falavam onde tavam os
envelopes, às vezes, até dificultava um pouco a apresentação.
Então subiam ao palco várias crianças, na hora que chamava.
Como a participação das crianças influenciava na sua maneira de interpretar?
Influenciava, porque, primeiro, tinha dia que demorava
ir alguma criança, sabe? E quando demorava era ruim, porque,
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assim, a criança era tímida e talvez, porque a platéia
estivesse menos participava. Mas, tinha dia que iam várias
crianças, contavam mais de uma piada, e era bom.
Mas para a sua interpretação como era? Para minha interpretação era fundamental, porque no dia
que eu não sentia essa participação parecia que eu estava
ruim e que a gente não estava conseguindo chegar no público.
No dia que conseguia chegar, melhorava muito. Eu acho que
naquele momento a criança atuava junto comigo, estávamos
dividindo cena. Então, era como se estivesse dividindo cena
com um ator que não tá bem, entendeu? Então influencia
diretamente.
Você acha que quando o ator fica em contato direto com o público ele fica em estado de prontidão?
Com certeza, porque é o inesperado. Às vezes, em
generosa, a criança não falava ou demorava a falar, e a gente
tinha que tirar a piada dela, ou falava baixo, era muito
difícil.
6.3. Entrevista com Marise Mendes
Como foi, para você, fazer a peça [email protected]?Generosa! Generosa foi um peça muito gostosa de fazer.
Foi uma peça diferente, porque ela falava, inclusive, de
coisas de novas tecnologias, de e-mail, de computador, que
são coisas que as crianças, hoje em dia, tem muita intimidade
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com isso, né? Às vezes, os avós das crianças nem sabem nem
ligar o computador direito, e a criança chega, vai ligando,
vai navegando, pegando todos os comandos. Então, quer dizer,
a peça tratou dessas coisas que também são recentes, são
novas, mas tem uma ligação com as crianças.
E a peça, particularmente para mim, ela foi um presente
muito gostoso, porque você fazer o mal é muito bom, né? E,
principalmente, porque a Fada Vermelha, ela tinha essa coisa
do mal, mas ela não era o mal que quer fazer uma maldade por
si só. Ela está se defendendo, quer dizer, é uma coisa
relativa você não colocar aquela coisa prá criança do bem e
do mal tão claros. Ela apenas não queria virar bruxa, os
métodos dela eram certos? Não. Quando as crianças vinham ao
palco, eu conversava com elas: - Você queria que a Fada
Vermelha virasse bruxa? Elas falavam não. Então elas notavam
que, por mais que a Fada Vermelha tivesse sido má, ela era
humana, ela tava querendo não virar má mesmo, passar para o
lado de lá mesmo.
Então, a peça foi muito gostosa de fazer e acho que ela
trouxe essa característica nova, porque a interatividade você
tem em todos os espetáculos, né? Cada espetáculo é um
espetáculo, porque o público é diferente. Se você pega um
público de escola que tá mais quente, aquele espetáculo, é
claro que vai haver uma interferência no espetáculo. Você tem
um espectador que não tá rindo muito e, às vezes é uma
120
comédia, mas ele não tá entendendo ou não tá achando graça,
isso reflete no trabalho da gente no palco.
Então, por mais que já exista essa interatividade, a
gente tinha em generosa era a participação da criança, que
interferia na continuidade do espetáculo, porque as crianças
tinham que, num certo sentido, ajudar a Generosa a achar os
envelopes. Essa que era a parte da interatividade. Acho que
com isso tudo, ela era um peça muito atual e muito moderna,
se é que a gente pode dizer assim.
Como essa interação influenciava na sua interpretação? É interessante, porque é, num momento, lá pelo meio da
temporada, eu e o duende capeta, quando entravamos em cena, a
criançada ficava vaiando a gente. Isso atrapalhava na
continuidade, mas você também não pode ignorar a criança e
nem adiantava não ignorar, porque elas estavam falando tão
alto que a gente não conseguia nem que eles entendessem o que
a gente estava falando. Então você tinha que interferir. E
essa reação, essa interatividade do público, também, foi
fazendo que eu tentasse angariar a simpatia dele. Então, eu
comecei a criar um texto, até prá da tempo do duende capeta
trocar de roupa, em que eu reclamava e dizia que eu não
queria virar bruxa. Então, eu tentava mostrar para eles, que
eu tava fazendo aquilo, mas que tinha um motivo. Com isso, eu
tentava pegar a criança, então, acho que tinha uma
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interferência neste sentido, porque a criança vai se
posicionar. Isso afetou na construção da personagem.
Como você analisa a importância do público para o espetáculo?O espectador é muito importante no teatro. Então, quer
dizer, isso vai fazer que o espetáculo aconteça muito em
função dele, principalmente, se você tem uma peça mais
cômica. No caso da peça infantil também, porque essa reação
do público conduz, inclusive, o seu próprio personagem. O
Shakespeare, fazia isso com as suas peças, dependendo do
público que ele tinha, ele reforçava determinados papéis de
atores, que apareciam mais durante o espetáculo. Os próprios
atores já trabalhavam dessa forma. Então quer dizer, é você
adequar. Não é falar que só vai fazer o que o público quer.
Mas não, é você buscar agradar aquele público, fazer algo que
ele reflita, mas que também seja a junção do útil com o
agradável, que tá lá desde a poética do Horácio.
Então, sem dúvida nenhuma, há um interferência vital,
que o público tem com o espetáculo. O público interage com o
espetáculo. E, em determinadas peças, você tem, por exemplo,
Alice através do espelho, da Companhia Armazém, que se
apresentou no Rio, então, nessa peça, a gente acompanhava os
personagens. Então, você tem uma presença mais forte em cena,
porque você tá junto com a cena. É claro que é uma interação
diferente da generosa, porque generosa impedia a continuação
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da peça. Então, hoje em dia você também tem isso, quer dizer,
até o público vai acompanhando os atores.
6.4. Entrevista com Aline Louise
Como foi, para você, participar do espetáculo [email protected]?
Foi muito bom, levando-se em conta a interpretação,
estando no palco e, também, quando a gente não estava no
palco, porque, nas partes que eu não estava em cena, que eram
as cenas de maior interatividade, quando os duendes desciam
para a platéia, ou, quando as crianças tentavam avisar a
Generosa do perigo, a gente se divertia muito em ver a reação
das crianças, de ver como o espetáculo estava funcionando. E
era legal a gente olhar no olho do espectador e vê que ele
tava concordando ou discordando, que ele tava participando.
Foi muito bom.
Como você analisa a participação do público para a construção dramática do espetáculo?
Eu acho que ela é fundamental. A gente sente isso nas
transformações que o espetáculo vai tendo, o público
interfere diretamente no seu modo de falar, por exemplo, em
Girança(peça de José Luiz Ribeiro, encenada pelo Grupo
Divulgação, em 2000), eu tinha uma personagem pequena que, à
priori, ela não se destacava, não era nem lembrada no final
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do espetáculo. Mas, de repente, eu fui sentindo que o público
estava rindo de alguma coisa dessa personagem que eu não
descobria o que era.
E quando eu foi perceber era a voz, quando eu senti que
a voz agradava o público, eu caprichei naquilo, eu trabalhei,
eu estudei, e aquilo foi crescendo, era uma personagem que
ela começou a ganhar mais espaço em função disso. Mas o que
me fez perceber ou fazer a personagem crescer, foi justamente
o público que motivou, que descobriu aquele ponto
interessante da personagem.
Para fazer a Fada da Terra a participação do público influenciou de alguma forma na sua interpretação?
Totalmente. Prá ter um exemplo mais direto tinha um fala
que eu pedia a Rainha, como eu era uma fada apressada, eu
pedia a Rainha prá acabar com o concurso, já que a Generosa
tinha ido muito bem. Então, eu olhava para a platéia e falava
animada, e a platéia concordava comigo, aquilo me dava uma
tal euforia. Aí, a Rainha me cortava na hora e falava que
não, me dava uma tristeza profunda e parecia que a platéia
estava triste também, porque eles tinham concordado comigo,
na hora que eu estava falando, e de repente a Rainha me
colocava lá no chão. Então o público é fundamental na criação
do personagem. Claro que a gente chega para apresentar com
uma personagem já criada, com uma coisa desenvolvida, mas
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aquilo cresce durante as apresentações, porque você tem essa
interferência do público.
6.5. Entrevista com Fátima Amorim
Como foi, para você, participar do espetáculo [email protected]?
Primeiro, foi uma experiência diferente, porque de todas
as personagens que eu fiz em teatro infantil, a Maluquete foi
a que mais chegou no público. Foi aquela que eu senti, assim,
que as crianças e, até mesmo os adultos, porque muitos
adultos chegaram para me falar que era uma personagem que
encantava todo mundo.
Porque na verdade, a Fada Maluquete é uma transgressora. Ela
saiu daquele mundo, daquele reino das fadas para viver uma
outra vida, foi buscar alegria. Era chamada de maluca, mas
nas conversas depois da peça com as crianças, eu sempre dizia
isso, que a Fada Maluquete não era uma fada maluca, ela era
uma fada alegre, ela buscava felicidade e que todas as
pessoas tinham que ser felizes. Por isso, é que ela saiu
daquele reino das fadas, que era um reino de competição,
onde, na verdade, as fadas que deveriam ser boas ficavam
competindo umas com as outras.
Porque, na verdade, elas passavam por um processo de
mudança, mudança e mudança, e dependendo do caráter delas e,
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no final da carreira de fadas, elas poderiam até se
transformar em bruxas. Então, a Maluquete transgrediu isso.
Ela saiu desse mundo e foi em busca da felicidade, mas ela
era uma fada boa, que, quando a noviça Generosa precisou dela
e a procurou, onde ela morava, ela imediatamente aceitou
ajudar a Generosa. Voltou ao reino das fadas, fez o que
deveria ser feito lá, porque a missão da Generosa era levá-la
ao reino das fadas. Ela foi lá, a Generosa conseguiu vencer a
prova, com a presença dela, e depois ela voltou prá onde ela
era feliz.
A peça inseria o público dentro da ação dramática do espetáculo. Qual a importância que você dá à participação do público?
Eu acho que esse teatro feito pelo Divulgação, nessa
peça principalmente, a participação é uma coisa muito legal,
porque a participação das crianças é espontânea. Então, não
é necessário a gente ir e pro meio do público e falar: - E
aí, o que vai acontecer agora? É uma participação espontânea.
De acordo como a história ia transcorrendo, a própria criança
se envolvia e a própria criança queria participar. Não era
nada forçado, não era nada induzido. A participação era muito
espontânea.
Mesmo que a história da peça dependesse da participação do espectador para ter continuidade?
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Apesar da peça depender da participação das crianças
para ter continuidade, essa participação vinha
espontaneamente. Não era preciso induzi-las. A própria peça,
do jeito que ela foi escrita, do jeito que ela foi encenada,
a própria peça já levava a participação dessa forma
espontânea.
O contato com as crianças influenciou de alguma forma na sua maneira de compor a personagem?
Acho que toda personagem na presença do público, ela vai
de acordo com esse público. Eu acho que a Maluquete, ela foi
crescendo durante os espetáculos, foi ficando mais solta,
exatamente, por causa dessa receptividade das crianças. Isso
modifica mesmo, porque ela tinha uma música que a criançada
cantava. Depois do espetáculo as crianças desciam cantando. A
Maluquete era uma personagem que tinha uma cena, que era
quando a noviça Generosa chegava no país onde ela morava, e
ela entrava cantando, a Generosa pedia prá ir com ela, ela
ía, era uma cena bem curta.
Uma coisa muito interessante que acontecia é que na hora
que ela se despedia, eu ouvia muitas vezes as crianças
pedindo para a Maluquete não ir embora. Para o trabalho de
atriz, isso é uma coisa muito gratificante, ver que uma
personagem dá certo e empolga.
6.6. Entrevista com Paulo Moraes
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Como foi trabalhar no espetáculo [email protected]?Eu achei uma peça muito legal prá fazer. A peça de
início eu achei que ia ser difícil prá fazer, por causa do
trabalho corporal. Tive também uma certa dificuldade no
texto, mas acabou que no final, quando a gente já estava em
cartaz, com figurino, dá prá ter uma outra visão da peça.
Você viu que aquilo era mais simples, quando tem o figurino,
você consegue chegar mais fácil no personagem. Com isso,
torna-se mais agradável de fazer, fica mais tranqüilo, você
consegue dar as inflexões de maneira mais simples, não
precisa ficar pensando naquilo. A peça tinha uma
interatividade boa com o público, o que eu achei que não ia
ter, mas depois que estreiou, você sentia uma identificação
maior com o público. Quando a gente fazia a cena dos duendes,
a gente sentia a receptividade das crianças.
Como você analisa a participação da platéia na construção dramática do espetáculo?
Bem, eu achei muito importante a participação da
platéia, porque eu via, que nesse momento, as crianças
estavam entrando na história. Então não tinha aquela
distância entre o público e o palco, era uma fusão só.
A interação com as crianças influenciou na sua maneira de interpretar?
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Sim, porque, quando a gente tinha aquela situação que a
gente estava com platéia e, principalmente, na hora da
brincadeira do “Chicotinho Queimado”, você ver que seu
personagem era apoiado por algumas crianças prá achar os
envelopes. Algumas crianças gritavam: - O duende tá aqui, tá
ali! Então, você tinha que se portar de maneira diferente
naquele momento. Você sentia um crescimento cada dia que
passava. Aquilo ali ia te dando uma surpresa dentro do papel.
Seu personagem se modificou devido ao contato direto com o público?
Sem dúvida! Quando a gente tá ensaiando, você não tem
idéia do que vai acontecer. Você só pensa no texto, como vai
ficar o personagem, mas quando você tá no palco e sente o
público, parece que a magia do teatro acontece. É nesse
momento que você já não é mais o ator, mas sim o personagem.
Quando a gente tá com o público parece que a gente tá em
transe, e, quando a gente tá sem o público perece apenas
aquela coisa técnica. Com o público é diferente, o papel cria
vida, novas falas são inventadas, novas expressões de rosto,
outros detalhes. Só quem tá no palco pode sentir isso.
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BARROS, Marcos Paulo de Araújo. A interatividade no teatro – o jogo entre atores e público para a construção do espetáculo. Juiz de Fora: UFJF; FACOM, 2. sem. 2002, 130 fl. Projeto Experimental do Curso de Comunicação Social.
Banca Examinadora:
_____________________________________________________________________ Profa. Dra. Marise Pimentel Mendes – Relatora
______________________________________________________________________ Profa. Ms. Márcia Cristina Falabella – Convidada
_____________________________________________________________________ Prof. Dr. José Luiz Ribeiro - Orientador
Projeto Examinado:
Em:
Conceito:
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