Mapas Em Deriva Professor Wenceslao

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  • Revista Geografares, n12, p.01-49, Julho, 2012 ISSN 2175 -370

    Artigo publicado em: 02/07/2012

    Mapas eM Deriva: iMaginao e cartografia escolar

    Drifting maps: imagination and school cartography

    Mapas en deriva: la imaginacin y la cartografa escolar

    Wenceslao Machado de oliveira JrDoutor em Educao

    Faculdade de Educao/Unicampe-mail: [email protected]

    resumo

    A inteno central deste ensaio provocar os leitores a pensar sobre as possibilidades e potenciali-dades da ampliao das margens da cartografia escolar se e quando esta incorpora em seus estudos e prticas a dimenso expressiva da linguagem cartogrfica, fazendo-a deslocar-se das dimenses comunicativa e informativa qual ela atualmente se vincula quase que exclusivamente nos ambien-tes escolares. Ao longo do texto o continente, cartografia escolar, rasurado, permitindo que dele se parta ao encontro de ilhas-obras de arte atravessadas pela linguagem cartogrfica: mapas em deriva configurando um novo arquiplago onde a cartografia se faz outra, mais potente a acolher a dimenso expressiva de crianas e jovens que dela se aproximarem.

    Palavras-chave: linguagem cartogrfica, mapas em deriva, educao pelas imagens.

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    Revista Geografares, n12, p.01-49, Julho, 2012 ISSN 2175 -370

    Mapas em Deriva: imaginao e cartografia escolaroliveira Jr., W.

    abstract

    This essay is intended to invite readers to think of possibilities and potentialities of broadening the borders of school cartography if and whenever it incorporates in studies and practices the expressive dimension of the cartographic language, making it shift away from the communicative and informa-tive dimensions to which it is linked quite exclusively in school environment nowadays. Throughout the text the continent, school cartography, is drafted, allowing one to drift toward work-of-art islands traversed by cartographic language: drifting maps creating a new archipelago where cartography is something else, potentially welcoming the expressive dimension of children and youngsters who approach it.

    Keywords: cartographic language, drifting maps, education by images.

    resumen

    Este ensayo tiene por objeto invitar a los lectores a pensar en las posibilidades y potencialidades de la ampliacin de las fronteras de la cartografa de la escuela si y cuando ella incorpora en sus estudios y sus prcticas la dimensin expresiva del lenguaje cartogrfico, haciendo con que se disloque de las dimensiones comunicativas e informativas a las que est vinculada casi exclusivamente en el entorno de la escuela hoy en da. En todo el texto, el continente, la cartografa de la escuela, se ha rayado, lo que le permite partir hacia las islas-obras de arte atravesados por el lenguaje cartogrfico: mapas en deriva creando un nuevo archipilago donde la cartografa es otra cosa, ms potente a acogida de la dimensin expresiva de los nios y jvenes que acercarse a ella.

    Palabras clave: lenguaje cartogrfico, mapas en deriva, la educacin por imgenes

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    Com a chave na moQuer abrir a porta.

    No h porta.

    Quer morrer no marMas o mar secou.

    Quer ir para MinasMinas no h mais.

    E agora, Jos?

    Carlos Drummond de Andrade

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    o escolar e o educativo

    A inteno central deste ensaio provocar os leitores a pensar sobre as possibilidades e potencialidades da ampliao das margens da cartografia escolar se e quando esta incor-pora em seus estudos e prticas aquilo a que chamarei de dimenso expressiva da lingua-gem cartogrfica, fazendo-a deslocar-se das dimenses comunicativa e informativa qual ela atualmente se vincula quase que exclusi-vamente. Como na poesia de Drummond onde Minas no h mais ainda que Minas esteja a, onde o mar secou quando as ondas ainda o agitam constantemente, descobrir cartografias que estejam a servio da pergunta, e agora, Jos?, e no somente das respostas. Que Mi-nas no h mais? Que outras Minas e ondas ainda proliferam no pensamento quando o mar secou? Com a chave, cartogrfica, na mo te-mos conseguido abrir todas as portas que o

    espao contemporneo nos coloca diante? Ain-da h portas a serem abertas pela cartografia? Ou no h mais porta?1

    As problematizaes, desafios e obras que se seguiro, agrupam-se no intuito de propor que o contato com as caractersticas e convenes da linguagem cartogrfica (um percurso escolar habitual) se d em paralelo atravessado! ao contato com outros locais da cultura onde a linguagem cartogrfica est presente na criao de obras, sobretudo as obras de arte, que a fazem vazar de sua condi-o de informar e comunicar para adentrar as 1 Parto da sensao de que a cartografia de maneira geral, e a car-tografia escolar em especial, vivem um momento de crise em suas relaes com o pensamento espacial. H uma perda do poder de dizer da linguagem cartogrfica porque o espao tornou-se outro, mais refratrio a ser traduzido cartograficamente. Pelo menos no que se refere cartografia geogrfica, e a que a cartografia tem maiores proximidades com a educao e a escolari-zao, podemos dizer que suas questes mudaram porque mudou o (conceito de) espao no qual vivem crianas, jovens e professores. Por exemplo, Doreen Massey (2008) toma o espao como eventualidade, onde a superfcie extensiva (base para a maior parte dos mapas) apenas mais uma das trajetrias que compem com construes, fenmenos e pessoas (com ou sem movimento) um espao sempre em aberto, onde se d um jogo tenso de poderes que se exercem uns em relao aos outros, configurando territrios que na maioria das vezes se sobrepem, gerando tenses, conflitos, negociaes, desarticulaes. Outro exemplo, seria a existncia recente do ciberespao, o qual ainda escapa s teorizaes e mapeamentos diversos, levantando questes conceituais den-sas para gegrafos e cartgrafos, professores e alunos.

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    mltiplas expressividades2 que ela comporta. Ainda que imprecisa, poderia dizer que subjaz a este ensaio, a distino entre esco-lar e educativo3. Esta distino apenas uma maneira de deslocar o carter educativo da cartografia escolar da forma habitual da esco-larizao que vinculada a processos mais

    2 No questo de escapar do mundo (nem pela destruio da ver-dade da que se reclama nem pela postulao de uma verdade maior), mas de criar as condies para a expresso de outros mundos possveis, os quais, pela introduo de novas variveis, venham a desencadear a transformao do mundo existente. (Pellejero, 2009, p.19)

    3 Para muitos pesquisadores e professores, no mais faz sentido lidar com a geografia escolar como um percurso que leva os estudantes a se infor-marem acerca do espao, mas sim criar com e nos estudantes outros percursos de pensamento acerca e com o espao geogrfico. Ainda que estas mudanas na concepo de educao atravessem este ensaio, no so elas que esto em foco. Apenas para adensar algumas ideias presentes nesta frase, teo os comentrios abaixo:Criar com e nos: destaco aqui a possibilidade de expressar, inventar pensamen-tos no somente nos sujeitos, mas sobretudo nas conexes entre as pessoas e o mundo, entre dentro e fora (Blanchot, 1987): um dentro flutuante, exterio-rizado, sempre a tornar-se outro pressionado que pelas mltiplas foras que nos atravessam provenientes do fora.Acerca e com o espao: destaco que o pensamento sobre acerca de apenas um tipo de pensar aquele que no inclui o pensador naquilo que pensado e que seria muito interessante ter pensamentos com o espao j que o espao no mais tido como algo passivo e inerte, mas sim algo ativo e pressionador de nossos corpos a pensar...Percursos de pensamento: no somente para descobrir o que existe/existiu no espao e em seus variados lugares, mas para divagar devires neste espao e nestes lugares para perscrutar e propor devires a cada lugar a partir/atravs do conhecimento das foras que nele atuam. Potncias em conexo e desconexo (desarticulao), sem coerncia interna, sem destino prvio.

    ou menos controlados (pelos currculos e pro-fessores) de levar crianas e jovens a acumu-larem os mesmos saberes e conhecimentos para uma concepo de educao em que estes controles so parcial ou totalmente subs-titudos por percursos em aberto, onde crian-as e jovens so expostos a obras da cultura (escolar ou no escolar) que promovam co-nexes mltiplas entre a cultura (linguagem) cartogrfica dispersa em nossa sociedade e os universos culturais dos alunos, com suas sin-gularidades, criando uma zona contaminada de pensamentos variados, onde as obras ex-postas so atravessadas por esta multiplicida-de de pensamentos e sensaes que para elas converge das singularidades dos estudantes e estes ltimos so atravessados pelos inusita-dos outros modos de existir da cartografia. Este educativo seria, ento, tudo aquilo que faz proliferar pensamentos ao estabele-cer conexes entre coisas de universos antes separados, fazendo com que um se avizinhe

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    e se dobre no outro, contamine o outro com seus elementos e potencialidades ampliando as margens destes prprios universos culturais o da cartografia, o dos alunos, o da escola criando uma variao contnua tanto dos pen-samentos quanto dos universos culturais... Cabe dizer que o educativo no se con-trape ao escolar, mas sim se faz junto e desde dentro dele, buscando sim criar deslizamentos e rasuras neste ltimo, permitindo que este es-colar entre em devir outro de si mesmo, abrin-do um porvir que incluiria parcelas e prticas antes no configuradoras da escolarizao. continente e arquiplagos: deriva

    Esta distino entre educativo e escolar inspirada no conceito de menor-minoridade presente nos escritos de Deleuze e Guattari (2003) acerca das potencialidades da literatu-ra menor e nos escritos de Ana Godoy (2008) quando nos fala da menor das ecologias.

    tambm esta ltima autora que me trouxe as imagens-foras de continente e arquiplagos4 para pensar-escrever a proposio de deriva que persigo neste ensaio.

    Contrapem-se, assim, as foras-continente e as foras-arquiplago ante a variao: a primeira prope-se a dominar a variao (...) pois limita seu enfoque a uma questo de organizao, de-senvolvimento ou formao; a segunda abre o mundo variao para que a vida afirme a potn-cia da inveno (Godoy, 2008, p.40).

    Continente, portanto, estaria no lugar do que chamei escolar, agindo como um elemento unificador voltado a organizar, desenvolver e formar os pensamentos infantis e juvenis numa certa rota j dada, num rumo certo, sem des-vios. A associao que fao aqui com o per-curso prescrito e prescritivo designado muitas vezes como sendo o objetivo da alfabetizao

    4 Palavras que nos conectam inevitavelmente com a geografia e a car-tografia, arrastando consigo visualidades cartogrficas, conceitos geogrficos, mirades de mapas e pensamentos... No entanto, neste ensaio estas palavras no sero utilizadas em sentidos habituais, mas sim em estreita conexo com os sentidos dados a elas no livro de Ana Godoy, A menor das ecologias.

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    cartogrfica, oferecida nos incios da escolari-zao, e da educao cartogrfica, distendida at os bancos universitrios. Este percurso es-colar da cartografia efetiva contenes e con-tinncias no fluir dos contatos escolares com a linguagem e a cultura cartogrficas; impede ou reduz a potncia de inveno que a vitali-dade de crianas e jovens efetiva em outras linguagens ou culturas, como as da lngua oral ou escrita. Em no havendo rota, a viagem mul-tiplicidade de percursos: um arquiplago (Go-doy, 2008, p.35). E para dar incio viagem, no basta sair do continente. preciso perd--lo como referncia (idem, p.21). Nos termos deste ensaio, importante perder a referncia unicamente informativa e comunicativa dos mapas e demais obras cartogrficas. Tambm importante dizer que encon-trar desvios a este continente, que nos dificul-ta ou impede de imaginar5 e inventar percur-5 A imaginao antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas

    sos outros para a cartografia nas escolas, no implica em neg-lo, mas muito pelo contrrio exige que estabeleamos relaes tensas e in-tensas entre ele e os arquiplagos que vierem a se formar nos percursos pois ali, no traje-to definido e definitivo de todos os dias, acor-dar-e-ir-para-a-escola (...) que as crianas in-ventam um desvio, transformando-se (...) em arquiplagos (idem, p.38). Continente e arquiplagos so dimen-ses inseparveis, o estabelecido e o desvian-te. Os desvios, a viagem sem rotas prvias e referenciadas, se constituem como experi-mentao ativa6 das conexes mltiplas e er-rantes, perigosas talvez, que as derivas pro-movem. A deriva a vida que foge e no pode ser contida em um sistema que a comunique universalmente. A deriva faz ver que h mais alm da terra firme, sobre a qual so proje-pela percepo, e sobretudo a faculdade de libertar-nos das imagens primeiras, de mudar as imagens. Se no h mudana de imagens, unio inesperada das imagens, no h imaginao, no h ao imaginante (Bachelard, 1990, p.1).

    6 Experimentar exerccio consigo no ato de pensar, e envolve aquele que pensa com o que pensado (Godoy, 2008, p.28).

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    tadas iluses de segurana (idem, p.28). Ela afirma-se como possibilidade de inveno de novos percursos, e exprime-se por um movi-mento no qual as funes, as referncias, as distribuies fixas e todo o aparato necessrio para a organizao de rotas do lugar a uma distribuio nmade, na qual as referncias so mveis (idem, p.25) podendo mesmo se-rem tributrias de algum arquiplago traado no meio do caminho, do qual sempre podero surgir outros encadeamentos e vizinhanas. Em resumo, nas proposies que se se-guem, tomo deriva como liberaes para os percursos porvir (idem, p.24) que os mapas e a linguagem cartogrfica podem efetivar nas escolas ao se despregarem do continente co-municativo e informativo no qual se fixaram e derivarem no oceano flutuante das obras hu-manas7 onde a cartografia intensifica sensa-7 Neste ensaio trago obras de arte para compor um arquiplago desfi-gurador do continente cartogrfico escolar porque minha vida atual me colocou diante da arte como potncia mobilizadora de minhas buscas e pensamentos. Cada pessoa ou grupo traar seus arquiplagos nas/com/atravs das conexes e vizinhanas que suas prprias vidas fizerem com os mapas e a cartografia e

    es e pensamentos.

    O continente cartogrfico escolar

    Antes de chegarmos s vrias ilhas que com-pem o arquiplago em imagens deste ensaio os mapas em deriva quero dividir com os leitores algumas reflexes acerca dos mapas que compem a maior parte dos percursos cartogrficos escolares e que, de certa manei-ra, compem o continente onde os mapas so aprisionados na maior parte dos currculos e escolas. O mapa (em uma verso oficial do Es-tado, da cartografia formal ocidental) tornou--se um clich8, algo que aparece diante de ns toda vez que pensamos em espao, em geo-grafia. Por isto ele se converteu na figurao do

    a escola e a docncia e a cidade e o rio e a amaznia e os anjos que sopram os ventos nos mapas antigos e

    8 Em linhas gerais, a palavra clich tem aqui o sentido daquilo que j est dado, que j faz parte da cultura como opinio estabelecida e, como tal, faz com que a singularidade de cada ser ou situao (seja) achatada, laminada, uma vez remetida aos sentidos dados, disponveis e socialmente partilhados, que emprestam familiaridade estranheza das coisas. (Ferraz, 2009, p.1-2).

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    espao e como tal ocupa toda nossa maneira de pensar o espao por ter se colocado como sua (verdadeira) representao. Atualmente (e ao meu ver, sobretudo, devido ao percurso escolar) eles no so apenas modos de ver, so eles que so vistos como sendo o espao e finalmente (ao final da geografia escolar) ve-mos apenas eles como sendo o espao. Por que gostamos tanto de convenes, de clichs? Para olharmos rpido e j descar-tarmos aquilo que nos deu a informao. Olhar um mapa e ver o oceano azul, as estradas em vermelho, as cidades como bolinhas pretas, plancies verdes e planaltos em tons de mar-rom, divises administrativas em preto, isso tudo nos leva acima de tudo a no ver o mapa, a apenas olha-lo de relance. Esta a mais po-tente e a menos notvel educao que os ma-pas fortemente convencionais nos do. Eles ensinam o desprezo por aquilo que nos deu a informao, justamente por ela ter sido dada de maneira rpida e inequvoca. Este desprezo

    existe em tudo aquilo que nos til e somen-te til. A rotina da utilidade apaga os objetos que dela participam, contendo a imaginao em margens estreitas para irmos alm do uso dos mapas para localizar lugares e orientar-mo-nos. Se queremos participar desta civilizao da rapidez, da utilidade e do desprezo, deve-mos restringir a educao cartogrfica deco-dificao dos mapas, de seus cdigos e con-venes. Se no esta nossa proposta poltica para o mundo, se queremos que ns e nossos alunos sejamos outros, ento podemos pensar nas implicaes do que ensinamos e podemos mudar de rumo, fazendo de nosso trabalho com os mapas uma composio de mltiplas maneiras de notar a linguagem cartogrfica em suas potencialidades expressivas e no so-mente comunicativas. Como fazer com que os mapas nos for-cem a ser outros? Como fazer com que os ma-pas forcem o espao a ser outro, para alm e

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    aqum deste espao j mapeado pelo e com o Estado e seus colaboradores mais diretos? A cincia e seus cientistas, os capitalistas, os planejadores, as escolas e seus professores, especialistas que somos em dizer, sem titube-ar ou duvidar, que o que ensinamos para os alunos em nossas aulas o real, o verdadei-ro, o que para ser guardado e utilizado na relao que eles estabelecem com o mundo. Afinal, com que espao nossos alunos se rela-cionam ao longo do percurso de escolarizao, seno somente com o espao mapeado pelo Estado? No falo aqui do Estado Brasileiro, mas da forma-Estado e sua maneira de con-ceber o espao como algo a ser administrado cuidado e controlado a um s tempo9. Caberia pensar e descobrir onde e como o mapa/a cartografia nos coloniza, quais so as grades cartogrficas (e escolares) que nos impedem de ver os mapas e a cartografia que

    9 Sobre a relao entre mapas escolares e Estado ver A educao visual dos mapas (Oliveira Jr, 2011).

    lhes configura, de modo a libertar a cartografia de sua priso comunicativa/documental e fa-zer dela uma linguagem expressiva, capaz de criar obras que nos faam melhor entender o espao contemporneo e tambm tenham po-tncia de efetivar devires10 por ns desejados neste espao.

    Rasuras e desfiguraes no mapa

    Seria possvel assumir os mapas11 como ex-perimentaes ativas em situaes escola-res? Seria possvel os mapas vistos e/ou cria-dos em classes escolares efetivarem o caos e 10 Neste ensaio a palavra devir carrega sentidos flutuantes, podendo tanto ser tomada como o vir-a-ser (radicando-a num futuro ainda incerto) quanto como aquilo que efetiva este vir-a-ser (radicando-a num presente ain-da que desfeito). Usarei a palavra mapa como aquela que traz para si, em nossa imaginao habitual, todas as obras realizadas com a linguagem cartogrfica. O mapa tomado aqui como uma imagem, nas proximidades das demais imagens, audio-visuais e fotogrficas, s quais dedico mais diretamente meus estudos e escritos em educao visual da memria.

    11 Usarei a palavra mapa como aquela que traz para si, em nossa imagi-nao habitual, todas as obras realizadas com a linguagem cartogrfica. O mapa tomado aqui como uma imagem, nas proximidades das demais imagens, au-diovisuais e fotogrficas, s quais dedico mais diretamente meus estudos e escritos em educao visual da memria.

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    no somente a ordem? Caos de onde prolifera aprendizado12, como diria Orlandi (2011). Eu diria que isto j ocorre em muitos momentos, mas que estes so aqueles normalmente des-cartados no processo de aproximao com a cartografia escolar... os mapas errados, que no deram certo, imperfeitos, com falhas de escala ou legenda ou convenes. Mas e se estes descartes dos mapeamentos infantis e juvenis no mais fossem descartados, mas sim se fizessem centrais na continuidade dos percursos? Configurassem eles mesmos arqui-plagos por onde espraiar pensamentos carto-grficos? Que sentidos de educao estariam sendo a proliferados, exigidos, encontrados? Para tal fim seria preciso esvaziar, ras-par esse pensamento espacial (e escolar) cap-12 Para pensar com radicalidade crescente a experincia do aprendiza-do, um tal educador ou professor deveria consultar assiduamente pelo menos duas pores do caos: aquela poro com a qual ele no pra de se emaranhar, simplesmente por estar vivo e por ser portador de um crebro, essa coisa es-tranha que nele pensa por estar cheia de dobras envolvendo interioridades e exterioridades; e aquela grande poro do caos que ele encontra a cada passo, justamente por envolver-se com o aprendizado dos outros, seja daqueles que outrora eram denominados discpulos, educandos, alunos etc., seja daqueles que j se livraram de certos bancos escolares (Orlandi, 2011, p.145)

    turado pelo mapa (e pela cartografia escolar) como um conhecimento j estabelecido a ser alcanado por todos de modo a impedir ou di-ficultar que nossa imaginao seja capturada por ele, levando-nos a repetir mais do mesmo. Uma das maneiras, a que penso ser a mais in-dicada para trazer aqui, a de rasurar o mapa no lugar cultural onde ele est, fazendo-o des-lizar para outras margens, extirando suas fron-teiras ou fazendo-o derivar encontrando novas conexes. Arrastar o mapa e a cartografia para paragens onde eles se contaminam com ou-tros universos culturais, com outras potencia-lidades enquanto linguagem e expressividade. A inteno seria a de fazer gaguejar, fender, torcer a linguagem cartogrfica, levan-do-a a outras potncias de si mesma, fugindo das cristalizaes j estabelecidas que a en-gessam em certas imaginaes do que ela j e do que ela poderia vir-a-ser. Por exemplo, se no pudermos usar o termo representao para nos referirmos ao mapa, o que ocorreria

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    com nossas falas? Forados a no dizer algo, buscamos outros percursos para o pensamen-to. Como estes novos pensamentos nos leva-riam a conectar os mapas com outras palavras e estas nos levariam (e aos mapas) a outros universos culturais? Eu, por exemplo, tenho utilizado duas palavras quando penso e falo em mapas: apresentao e obra. Enquanto a palavra apresentao me leva a aproximar os mapas do teatro, da dana e de tudo aquilo que se expe a ns para ser visto e desfru-tado, composto sobretudo por corpos huma-nos em movimento e tenso, conectando-me a palcos e praas, a palavra obra me remete a trabalhos artsticos de natureza plstica ou escultural, enviando-me a conexes com mu-seus, galerias de arte, oficinas de artesanato. Ambas fazem os mapas derivarem na direo destes universos culturais (do teatro, das ar-tes plsticas...) contaminando-os das ideias e prticas neles existentes, ao mesmo tempo que so contaminados pelas potencialidades

    dos mapas nas criaes que ali podem se ges-tar. O que acontece ou aconteceria se to-massemos o mapa como brinquedo? Ou como quebra-cabeas a ser montado? De que ma-neiras o mapa re-existiria nas conexes com estes universos culturais e de pensamento? Devo dizer que esta no uma proposta que nega o mapa e a cartografia, mas ao con-trrio que os valorizam e apela por eles, colo-cando um desafio para que mapa e cartografia sejam outros desde dentro de si mesmos, num movimento recproco de trazer para dentro da cartografia elementos do caos exterior justa-mente ao expor-se ao fora (quilo que ainda no cartografia ou ainda no escolar), um movimento de deixar-se contaminar, de des--fazer-se outro mapa, de des-fazer-se outra cartografia, atravs/com/nas experimenta-es da/na/atravs da prpria linguagem car-togrfica e suas obras, os mapas e todo seu entorno linguistico-cultural: convenes, es-

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    calas, projees, limpezas, unicidades... Em outras palavras, fazer viver a cartografia es-colar, entendendo vida como aquilo que pro-lifera a si mesma, que prolifera desde dentro de si mesma ao desdobrar-se para fora de si e contagiar-se daquilo que ainda no vida, daquilo que ainda no cartografia escolar. Em outras palavras, busco desfiguraes do mapa, mantendo, em todas elas, elemen-tos do saber e dos cdigos cartogrficos habi-tuais. Subjaz a esta busca algumas perguntas: como fazer rasuras na atual gramtica da linguagem cartogrfica sem correr o risco de perder muitos de seus leitores acerca do espa-o? Como fazer das obras rasuradas obras que tambm rasurem o pensamento daqueles que apenas lem os mapas, mas no se expressam por eles, atravs deles, com eles? E se o mapa se desfizesse da prosa na qual ele comunica e assumisse alguma poesia (toda poesia) no mundo expresso em sua visualidade? E, ao as-sumir-se potente poesia dizer, com Manoel

    de Barros (1989) que na linguagem cartogr-fica instala-se uma agramaticalidade quase insana, que empoema o sentido das palavras. Aflora uma linguagem de defloramentos, um inauguramento de falas (p.265). Inaugurar pensamentos. Com isto no se busca deslocar as obras e a cartografia para fora de sua gramtica, para fora do universo da comunicao e das convenes, mas mant-las ali, em tenso, contaminadas e contaminando as demais par-tes da obra, criando vizinhanas intensivas a esta gramtica, fazendo proliferar pensamen-tos outros por este entre que se abre numa zona de sensaes e pensamentos onde in-discernvel o que nos solicita uma leitura car-togrfica e o que nos solicita outro universo de cultura. Ou mesmo se e quando a obra no nos solicita cultura alguma e sim a simples ex-posio a algo que inerentemente novo, caos que ali aconteceu pela primeira vez e portan-to ainda no se encontra codificado, captura-

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    do por algum universo cultural e nos solicita tempo dilatado para receber as sensaes e pensar... Mapas derivando em arquiplagos

    Ao propor algumas derivas para o mapa, es-tou apostando que a cada deriva a cartografia escolar, os pesquisadores e professores que dela fazem seu trabalho, podem encontrar ali alguma abertura para um devir potente para o mapa e para a cartografia, sobretudo a es-colar. A aposta central na potncia de fazer derivar algo de seu lugar habitual em direes mltiplas, imprevisveis porque abandonam a ordem j estabelecida e se lanam no caos do ainda informe (Orlandi, 2011), capturando a, no prprio caos, elementos que tragam outros possveis lugares onde a cartografia e o mapa possam tocar. Portanto, o que se prope no a des-coberta de algo que ainda no existe, mas a

    deformao de algo que j existe, levando a palavra mapa (a imagem mapa) a deslocar--se de si mesma, ampliando suas margens, adquirindo novos contornos que potencializam sua ao no mundo, arrastando consigo a car-tografia e mesmo a escola, para outras para-gens, mais imaginantes. Buscar , experimen-tar, pensado como aquilo que est em vias de se fazer (Deleuze, 2000, p.132) no/a partir do prprio caos que se abre ao fazer o mapa (a cartografia) encontrar conexes inusitadas com algo que o faz vibrar com virulncia, bor-rando seus contornos. Em outras palavras, a perspectiva que tomo aqui pode ser resumida na seguinte ideia: desacostumar o ensino e a educao da e com a linguagem cartogrfica da vontade de exercer polticas de pensamento (direciona-mento de um modo de pensar e grafar o mun-do) levando-a a assumir com mais radicalida-de suas potncias poticas para o pensamento (fazendo-a delirar, divagar em si mesma ao

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    criar mundos ao mesmo tempo que cria ou-tras potncias para a prpria linguagem car-togrfica). Talvez devssemos dizer que esta proposio pode ser traduzida em propor aos artfices da linguagem cartogrfica (cartgra-fos, professores e mapeadores em geral) que a desloquem de sua forma oficial, ligada ao Estado, para deixa-la fluir por entre os poetas (e artistas), deslocar a linguagem cartogrfica da necessidade (da priso?) de ter que pro-duzir documentos (de ter que informar e co-municar) para a possibilidade (a liberdade?) de poder produzir fices e fabulaes13 (de poder expressar). Fices e fabulaes toma-das como verses que buscam ter efeito de verdade, verses e sub-verses sempre pro-visrias que desejam ser tomadas como ver-dadeiras, fazendo-se gestos imaginantes que ao deformar as imagens j-sempre existentes faz convergir para elas mltiplas e inusitadas 13 Sobre os conceitos de fico e fabulao, ver A postulao da rea-lidade (Pellejero, 2009) e Por uma teoria deleuziana da fabulao (Bogue, 2011).

    potencialidades. Os fragmentos cartogrficos presentes nas obras que se seguem ganham intensida-des inusitadas, abrindo cartografia outros possveis modos de dizer do espao e outros possveis modos da cartografia ser utilizada para encontrarmos maneiras de dizer do es-pao, sobretudo deste espao contemporneo, atravessado por tantas transformaes, mui-tas delas pouco ntidas para ns prprios. Cada obra busca impedir que faamos uma leitura direta, a partir somente dos cdi-gos cartogrficos j estabelecidos ao mesmo tempo que nos conecta a algo da cultura car-togrfica. Ela tambm exige novas conexes com outras formas de pensamento com/atra-vs da cartografia e suas obras, liberando no-vas potencialidades para se imaginar o espao e as prprias potncias cartogrficas. O mais importante que quero destacar aqui a criao de zonas onde seja indiscer-nvel significar a obra ou parte dela como sen-

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    do apenas mapa ou cartografia, de modo que ambos, mapa e cartografia, estejam em devir, em movimento de tornarem-se outros, de in-corporarem em si outras potencialidades, des-de dentro de si mesmos, ou seja, a partir de mobilizaes e rasuras na prpria linguagem cartogrfica, no prprio mapa enquanto forma cultural estabelecida. Vamos s obras que, de maneira geral, me chegaram do universo da arte14. Um arqui-plago composto de ilhas dispersas, sem rela-es entre si, encontradas ao acaso de minhas deambulaes e pesquisas em bibliotecas, na Bienal do Mercosul15 e na internet.14 Para lidar com as relaes contemporneas entre a arte e as preo-cupaes geogrficas, sobretudo a (des)vnculos entre lugar e criao, indico a leitura do livro Amrica Latina: territorialidades e prticas artsticas, onde um dos artigos, Duas cartografias da Amrica Latina: Joaqun Torres Garca e Anna Bella Geiger, lida diretamente das relaes entre cartografia, arte e poltica.

    15 Agradeo Fundao Bienal do Mercosul a gentileza em permitir a publicao de algumas imagens de seu catlogo, bem como o envio dos arqui-vos destas imagens. A maior parte das obras trazidas a este ensaio provm da Oitava Bienal do Mercosul Ensaios de Geopotica, ocorrida em 2011, em que conceitos espaciais, geogrficos estiveram no centro da mobilizao artstica proposta pelas obras ali expostas: nao, fronteiras, Estado, relao indivduo--sociedade, sensaes provocadas pelo relevo, espao tornado luz ou caixas de papelo, a perecibilidade e arbitrariedade da vida no espao contemporneo expostas de diversas maneiras, desde o barro de diferentes cores usado para cunhar obras que vo se tornando outras ao longo dos dias [mudando de cor, desmoronando, se desfazendo em poeira e terra] at as ZAP zonas de autono-

    as obras: ilhas encontradas na viagem

    A primeira ilha a compor o arquiplago so as obras de Ilma Guideroli16: colagens que desfi-guram os mapas e os realocam em outras pro-ximidades, gestando conexes inusitadas en-tre os fragmentos, bem como com a fotografia e o vdeo17. Num primeiro momento, o ttulo da obra fora para dentro dos mapas as paisagens ocenicas. O horizontal do mapa fora-do a assumir certa verticalidade paisagstica, certa oscilao que o movimento incessante das guas do mar tem. O mar est ali em sua forma cartogrfica habitual, azul, com ilhas mia potica que ao mesmo tempo fazem um uma ironia-atualizao das TAZ zonas autnomas temporrias dos situacionistas e apontam a arbitrariedade e acasos que levam busca e/ou ao estabelecimentos de independncia/auto-nomia de certa parcela da superfcie do planeta aparentemente j apropriada pelos estados-naes existentes. Em muitas delas as obras foram confecciona-das a partir de mapas e em muitas outras mais a cultura cartogrfica (muito mais ampla que os mapas) mobilizada em ns, seja na leitura das obras, seja na proliferao de pensamentos e sensaes que nos remetem aos objetos e cdigos, formas e convenes que a cartografia nos legou, exigindo conexes com a maneira cartogrfica de grafar o mundo.

    16 Agradeo artista a gentileza em permitir a publicao das imagens que se seguem.

    17 Ver Dissertao de Mestrado da artista: Entre mapas, entre espaos: itinerrios abertos (2010).

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    Figura 1 - Paisagem ocenica

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    e contornos continentais, com indicaes de percursos e direes (rosa dos ventos), nomes de lugares. Mas estas coisas oscilam por no se conectarem entre si numa mesma escala, numa mesma sequncia de contiguidade in-dicada pelas rupturas entre as partes mape-adas. De qualquer forma ainda a sensao marinha, ocenica que nos chega, pois a maior parte da obra em azul ou em outras grafias de gua que as tradies cartogrficas nos le-garam: juntas elas criam ondas na superfcie, podem nos indicar algas e recifes, percursos que so tanto de peixes quanto de navios, as horizontalidades e verticalidades oscilam entre si, as linhas divisrias no so dadas somen-te no interior de cada pedao da obra, mas sim so tambm dadas pelas linhas divisrias impostas pelos outros fragmentos de mapas, todos cortados e colados em formas retilne-as que contrastam fortemente com as linhas irregulares dos traados que aparecem num mesmo fragmento. Em meio a tudo isto, linhas

    verdes sinuosas que nos foram a pensar em estradas, mas como, no meio do mar? Rotas? E estas linhas so traadas como se fossem a nica coisa que tivesse sequncia entre um fragmento e outro de mapa. Ps-postas a eles? Ento h algum tipo de continuidade, mas de outro nvel, o qual est alm do mapa, requer conexes outras, imaginaes que penetram os mapas (a obra) oriundas de cada leitor-es-pectador das imagens e paisagens ocenicas criadas por esta artista. Alm disto, h tambm nmeros e sm-bolos que no identificam nada a priori e por isto permanecem em aberto para encontrarem sentidos nas conexes que cada um fizer com os demais elementos da obra-mapa, obra que se faz de mapa e se desfaz dele, derivando pensamentos... Ainda que seja a leitura cartogrfica que nos permite entrar na obra a partir de seu ttu-lo e das ntidas convenes presentes na ima-gem, tambm esta linguagem cartogrfica

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    que rasurada na obra, apontando para ns outras potencialidades da cartografia que se do justamente quando os mapas so frag-mentados, desencontrados, desencaixados e reencaixados em outras conexes. O mesmo vai acontecer com as demais obras desta artista, s que no mais com es-paos ocenicos, mas continentais urbanos. Paralelas s desconexes que no apa-gam seus vncudos cartogrficos, de escala, de convenes, de projeo, outras conexes so realizadas, tanto com espaos aparen-temente limpos, quanto com outros mapas e materiais arquitetnicos em escalas bem distintas, forando-nos a atravessar esca-las variadas de pensamento, extirando cada fragmento sob e sobre os outros, criando um combate entre eles, um movimento que nunca acaba, posto que variante, bifurcado, con-tnuo... E este movimento de/no pensamento se d em grande medida porque h elementos que ligam estas partes distintas, forando-as a

    participarem de uma mesma figura espacial. Em outra de suas criaes, a obra deixa de ser algo impresso e, como projeo, passa a ser contaminada por aqueles que sobre ela passam ou param, tornando os elementos que compem a imagem, o mapa, algo da mesma natureza das sombras (cor e planura), fazen-do funcionar o mapa tanto com/como coisas fixas, as linhas, como com coisas mutantes, as reas (formadas por aqueles que se colocam entre a luz e o cho). A obra a cartografia, o mapa s se faz com e na presena das pessoas sobre/entre o cho e as luzes. Assim, as linhas que configuram uma obra cartogrfica passam a ser pensadas tambm como sombras: o que opaco ao cartgrafo? O que foi iluminado para que a sombra traada tenha sido aquela? Mapas entram em devir sombra, fazendo com que todos os sentidos que damos para as som-bras se dobrem sobre as obras cartogrficas, que passam a poder ser pensadas tambm na

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    Figura 2

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    Figura 3

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    conexo com os efeitos de luz e sombra das projees flmicas... e estas por sua vez... E o que dizer desta ultima obra? Devir fotografia para o mapa? Linhas de um univer-so e outro se misturam, criando algo indiscer-nvel que nos obriga a conectar as palavras e pensamentos de um universo com o outro: fotografia e cartografia se fazendo e se desfa-zendo juntas... A segunda ilha composta por obras muito diferentes de Marina Camargo, onde pases e fronteiras entram em devir-gua e formas aquticas entram em devires cartogr-ficos, reas e linhas... superfcies e no mais somente volumes. Na primeira delas, o mapa das fronteiras nacionais sul-americanas aparece projetado numa foto do cu azul com nuvens (fazendo as nuvens tornarem-se reas mapeadas) arras-tando estes pases, atravs de seus nomes ali grafados, a entrarem em devir-nuvens, onde as fronteiras so apresentadas como tendo

    a disperso e a reconfigurao frequente das nuvens no cu azul, ou fluidez em tornar-se gua de chuva. Fronteiras e pases altamente moventes e precipitveis. Notemos que os nomes dos pases es-to escritos ao contrrio, como se estas pa-lavras estivessem escritas da maneira correta somente para quem olha de cima a superfcie mapeada, o cho do planeta. Marina Camar-go nos prope ver esta superfcie como quem olha de baixo, de dentro do globo planetrio, e v o cu como fundo da superfcie do planeta, tendo esta superfcie total transparncia nas reas e linhas, mas no nas palavras. E nesta superfcie (que nossa memria cartogrfica) j estariam grafados os nomes dos pases e de outros acidentes geogrficos que a cultura que os mapas nos legaram. Na outra obra, composta de uma srie de fotografias, vemos um bloco de gelo derreter--se paulatinamente, alterando fortemente os contornos iniciais, os quais remetiam ao tra-

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    Figura 4

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    Figura 5

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    Figura 6

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    Figura 7 Figura 8 Catlogo 8 Bienal do Mercosul Acervo Fundao Bienal do Mercosul

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    ado das fronteiras mapeadas entre Brasil-Ar-gentina-Uruguai. Ao realizar esta aproximao com o gelo-derretimento, estas fronteiras as-sumem elementos da gua e vice-versa crian-do zonas de pensamento em que fronteira, pases e guas em diversos estados fsicos se contaminam mutuamente criando variaes de pensamento acerca, por exemplo, das fron-teiras para alm da rigidez com que elas apa-recem nos mapas. Mas tambm o mapa-a car-tografia tem suas margens ampliadas uma vez que uma parte das obras de Marina Camargo so fotografias, as quais exigem uma leitura tambm cartogrfica. Desta forma, no nos possvel ver estas obras apenas com olhos fotogrficos ou cartogrficos, visto elas se fa-zerem exatamente neste ponto hbrido, osci-lante onde uma linguagem contamina a outra com suas potencialidades e limites fazendo--as proliferarem pensamentos nesta zona em que indiscernvel o que cartogrfico e o que fotogrfico, fazendo ambas entrarem em devir-outro de si mesmas, a cartografia, por

    exemplo, perdendo sua estabilidade de papel colorido, tracejado de reas e linhas estveis, ganhando a possibilidade de desenvolver ma-pas em que substncias menos permanentes, como o gelo, sejam a base de suas falas, de sua prosa ou poesia, acerca da no perenidade das fronteiras terrestres. A terceira ilha foi povoada por obras de Marcius Galan.

    Figura 9Catlogo 8 Bienal do Mercosul Acervo Fundao Bienal do Mercosul

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    O quadro retangular a indicar o planisf-rio... as bordas fechadas a indicar molduras de quadros de pintura ou gravura. So concentra-es de pontos que nos so expostas. O foco (ttulo desta obra) aquilo que este artista coloca em jogo, em movimento. Concentraes, densidades, disperses, se-melhana de inmeros mapas de recursos na-turais, de poderes, de criaes humanas in-dstrias, pobreza, tecnologias, dinheiro. Mas tambm podem ser insetos concentrados em torno de sua fonte de alimento: formigas no acar, moscas ao redor do lixo... Mas ao contrrio de nossos mapas, as concentraes se do nas bordas, nas mar-gens, nos dando a sensao de que querem dali sair, transbordar, seguir para fora do qua-dro, expandir-se adiante, alm... indicando o quanto nossos mapas centralizam aquilo que colocam em foco, cuidando para circunscrever o olhar e o pensamento, evitando que estes transbordem o tema e se conectem com ou-

    tras dimenses que sempre existem para fora daquilo que est tematizado, cartografado. Marcius Galan nos propem criar mapas que tenham centralidade nas bordas, fora-nos a lembrar de todas as disputas polticas pelo meridiano inicial, de modo a colocar Londres e a Europa no meio do planisfrio, no centro do mundo. E se o foco de nosso olhar de nos-sos mapas estivesse nas bordas, naquilo que dispersa, que deseja sair de quadro, despejar--se para fora do mundo? A quarta ilha uma instalao de Ma-nuela Ribanadeira. Ela se configura de apenas trs objetos: uma grande superfcie retangular branca, com cerca de cinco a seis metros de comprimento e trs metros de altura, com um nico canivete aberto cravado nesta superfcie e um spot de luz direcionado a este canivete. O canivete foi cravado na posio em que, grosso modo, estaria o Equador, pas na-tal da artista, num planisfrio habitual, com o norte voltado para cima. O spot de luz est

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    direcionado diretamente para a lmina e gera uma sombra sobre este mapa-superfcie bran-ca ao mesmo tempo que grafa sua frente (na mesma superfcie branca-mapa) a seguin-te frase: Hago mo este territrio (Fao meu este territrio, ttulo da obra). A luz do spot vem de cima direita, coincidindo com o nor-deste do mapa, onde estaria a Europa neste branco planisfrio.Ao fazer esta instalao artstica exigindo de

    ns uma leitura que realiza conexes com a cultura cartogrfica, esta artista tambm faz o mapa e a cartografia entrar em devir-arte instalao fazendo proliferar pensamentos de que, por exemplo, para se tomar posse de um territrio no basta a violncia da faca, das armas, preciso tambm a violncia de tornar este territrio vazio (branco) daquilo e daque-les que j existem ali, uma vez que isto legi-tima mais facilmente a posse declarada. Mais ou menos isto foi o que ocorreu quando a fri-ca foi esquartejada no mapa pelas potn-cias europias ao final do sculo XIX, onde as fronteiras coloniais foram traadas num mapa onde os povos africanos foram simplesmente desconsiderados: sobre um mapa em branco fizeram seus aqueles territrios18. importante dizer que as multiplicida-des de pensamento tanto podem proliferar das propostas dos prprios artistas colocadas na obra quanto das dobras no/do pensamento 18 Em muitos de nossos mapas polticos fcil notar inmeras frontei-ras nacionais e internacionais retilneas, evidenciando traados feitos sobre os mapas e no nos/com os territrios os outros povos que ali viviam. Fronteiras entre Brasil e Bolvia, entre os estados do oeste americano, entre Guatemala e Honduras

    Figura 10 Catlogo 8 Bienal do Mercosul Acervo Funda-o Bienal do Mercosul

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    que cada um faz sobre ela. Por exemplo, no sei se Manuela Ribanadeira teve a inteno de cravar a faca onde estaria o Equador ou mes-mo se pensou no planisfrio ao escolher a for-ma retangular para realizar sua obra ou ainda se o branco indica o esvaziamento proposital realizado pelos mapas de algo que j seria habitado. Importa que a obra estabeleceu es-tas conexes com meu universo cultural e este se dobrou sobre ela, fazendo-a proliferar em meus pensamentos, ampliando as margens da obra e tambm do universo cultural que para ali foi conectado, neste caso, o cartogrfico.A quinta ilha que compe este arquiplago chegou com Mayana Redin. As obras desta artista partem das for-mas cartogrficas mais habituais: os contor-nos das formas geogrficas sobre as superf-cies dos mapas. Ela retira estas formas de seus habituais contextos cartogrficos e culturais e as realoca em quadros que mantm a planie-dade dos planisfrios e mapas em geral, mas Figura 11 e 12 Catlogo 8 Bienal do Mercosul

    Acervo Fundao Bienal do Mercosul

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    faz derivar as posies que estas formas ocu-pam, aproximando-as de acordo com alguma ideia traada por ela: Ilha da Decepo se encontra com a Ilha da Desolao, Mna-co encontra rssia... No s as formas so desacostumadas de suas posies e relaes habituais como tambm outras convenes da linguagem cartogrfica o so, como as escalas, evidentemente desconsideradas no encontro entre Mnaco e Rssia, fazendo com que o es-pao a apresentado no seja o extensivo, mas outro, intensivo e focado em outra dimenso da vida, talvez o jogo e os cassinos, talvez cer-tas tradies principescas, talvez uma forma geral cartogrfica semelhante... aproximaes dadas no pensamento, mas efetivadas a partir da cultura cartogrfica que, deste modo, nos oferece outras conexes que no aquelas dos mapas convencionais.Ser de Fbio Moraes o material que compor a sexta ilha. Primeiramente, na obra antilha, so

    os mapas que formam o contorno da ilha. A ilha est no meio, no vazio (no) mapeado. O espao justo o invisvel, o no mapeado indicando talvez a impossibilidade de seu ma-peamento cartogrfico. A anti-ilha mapeada um jogo, um mosaico, algo em torno do qual se gira ao redor... e para se saber algo acerca dela preciso mirar as bordas, aquilo que dela escapa, fragmentos de mapas como fagulhas da ilha que (no) h. Na segunda obra, a gua tornada car-tografia. O copo dgua, ttulo da obra, pre-enchido com muitas camadas circulares de re-cortes de mapas, por gua cartogrfica, sendo aquela que est na superfcie do copo, a pri-meira que tomaremos, atravessada pelo Trpi-co de Capricrnio... gua salgada.

    Se Mariana Camargo fez da gua carto-grafia, mapeando o quadro com reas e fron-teiras que se dissolviam, Fabio Moraes aponta como em nossa cultura uma das formas em

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    Figura 13 e 14 Catlogo 8 Bienal do Mercosul Acervo Fundao Bienal do Mercosul

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    que a gua se manifesta aquela que a carto-grafia lhe deu, indicando as riquezas expres-sivas que as tradies cartogrficas nos lega-ram.A stima ilha me chegou da dupla ngela De-tanico e Rafael Lain. Obras-mapas-planisfrios criados a par-tir da dobra das normas e formas tipogrficas sobre a cartografia, fazendo deslizar os senti-dos polticos a eles vinculados, evidenciados de maneira a um s tempo expltica e irnica nos ttulos: Um s mundo justificado, Um s mundo centralizado, Mundo alinhado esquerda, Mundo alinhado direita... Ao sugerir diferentes conformaes ge-opolticas, este trabalho, constitudo de vrias obras, evidencia o carter arbitrrio desse sis-tema de notao, que no apenas representa o mundo, mas o recria, redefinindo o que centro, periferia, norte, sul, etc. Dizem os artistas:

    Figura 15 e 16

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    Consideramos nossos trabalhos como hipteses, como perguntas que se formulam a partir da ob-servao da realidade na tentativa de compreen-d-la. Quando alinhamos o mapa-mndi como um texto, utilizando procedimentos tipogrficos que coincidem com a designao de posies polticas, perguntamos e se nossa percepo do mundo fos-se organizada de outra forma, como nos inscreve-ramos no presente, como escreveramos a his-tria? (Disponvel em http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/atitude/conteudo_248306.shtml)

    A deriva dos mapas aqui em direo tipografia, aos estilos tipogrficos como es-tilos polticos de pensar. semelhana com as obras de Marcius Galan, os artistas e suas obras nos apontam, por exemplo, o quanto certas coisas se tornam justos e justificveis sem que percebamos a arbitrariedade delas. Ao escolherem a cultura cartogrfica (retn-gulos-planisfrios, formas continentais carto-grafadas...) para efetivarem seus discursos (poticos e polticos a um s tempo) apontam a potencialidade expressiva que a linguagem

    cartogrfica possui em suas mnimas maneiras de se apresentar no mundo. A obra de Regina Silveira compe a oita-va ilha. Esta artista faz do mapa um quebra-ca-beas (e vice-versa... devires mtuos) deixan-do espaos vazios por todos os lados, tanto de maneira explcita nos buracos onde no h imagens, quanto nos muitos intervalos entre cada pea, entre cada pas, onde as imagens se fundem umas s outras, criando conexes inu-sitadas, propositais ou no da artista, criando elos, vnculos que a cultura latino americana passa a ter pela via deste mapa, o qual a pr-pria artista indica que para ser continuado. Para onde? Para suas margens, para seus va-zios explticos, para suas interfaces mltiplas, criadas nas desarticulaes entre cada uma das peas, uma vez que as imagens no so con-tinuadas como num quebra-cabeas habitual, mas sim se movem umas ao encontro das ou-tras, forando relaes entre elas no por coe-

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    rncia, mas por imaginaes outras que fazem fugir as prprias aproximaes entre imagens de Che Guevara e uma igreja colonial catli-ca, entre a tequila e o Cristo Redentor, entre Carmen Miranda e a dana dos ndios, entre a imagem da virgem de Guadalupe, as est-tuas eqestres e as vitrias-rgias... Nestes muitos entres desarticulados e em vizinhana, o quebra-cabeas latino americano (ttulo da obra) se configura em ns, feito mapa bor-rado, desarticulado, em franca solicitao de continuidade...A nona ilha do arquiplago me chegou de Os-mar Pinheiro, da obra Longe. Notemos as dobras regulares tpicas dos mapas e no das obras de arte19 fazen-19 Cabe, no entanto, dizer de uma exceo genial que a j referida Bie-nal do Mercosul de 2011 homenageou. Nele foram expostas muitas obras do artista chileno Eugenio Dittborn, as quais tm nas dobras um elemento funda-mental de sua proposta esttica, a qual se vincula a uma deliberada inteno poltica de natureza espacial. No catlogo da Bienal pode-se ler: A obra de Dittborn baseou-se na transterritorialidade, no nomadismo e nas estratgias para subverter as fronteiras e penetrar os centros sem se deixar neutralizar por eles. Dittborn trabalha desde 1983 em suas Pinturas aeropostais, obras que so dobradas para serem enviadas em um envelope postal. Cada envelope possui inscrito o itinerrio da viagem, as cidades para onde a obra foi enviada e os lugares onde foi exposta e exibido ao lado da pintura aeropostal desdobrada,

    Figura 17

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    do com que a obra se desloque em direo ao universo da cartografia e suas marcas em nossa memria e cultura, uma vez que muitos mapas (por serem guardados dobrados) apre-sentam marcas de dobras como estas, as quais precisamos desdobrar ou mesmo ignorar para ver os mapas. Notemos, no entanto, que, j que isto a sua condio de possibilidade (Bienal do Mercosul, 2011, p.484).

    diferentemente das dobras que vemos em ma-pas, as linhas de dobras horizontais desta obra implicam em mudanas de cores/formas ainda que tambm sejam continuidades nas formas/proximidade das cores. Rupturas e continuida-des sutis entre a paisagem/montagem/cola-gem/fotografia/pintura, com a cartografia se efetivando nas dobras, no retngulo-planisf-

    Figura 18- Exposio TRANS_imagemDisponvel em http://www.galeriavirgilio.com.br/exposicoes/1002.html

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    rio e nas lonjuras do tema, se imiscuindo em todas as demais linguagens que efetivam esta obra e sendo por elas contaminadas.

    A derradeira ilha e a criana criadora

    A dcima e ltima ilha que comps o arqui-plago deste ensaio traz o desenho feito por uma criana pequena, ainda no escolarizada, em um projeto de extenso. O ttulo dado pela criana sua obra foi Os paises e os rios. Esta ilha20 traz o argumento deste en-saio para mais perto da escola, das crianas. Nela, a despeito da criana no ter sido inseri-da no processo de escolarizao, j vemos as marcas da cultura cartogrfica em sua imagi-nao criadora. Notem que os elementos da linguagem

    20 Ao ler a verso final deste ensaio, Ana Godoy me enviou um cari-nhoso e longo email, no qual escreveu: no arranjo movente de cores e linhas a derradeira ilha j , ela mesma, um arquiplago, aventura ilimitada qual a criana se lana. A ela nunca aflige a ideia de que as ilhas so sempre primeiras, porque nela o movimento da vida coincide com aquele da Terra e do Oceano. Esta ltima ilha torna-se assim um arquiplago de cores e linhas informais que talvez nem sejam visveis no desenho e que, diria Bergson, no esto mais aqui do que ali.

    cartogrfica que do existncia imagem, expresso daquilo que esta criana entende das relaes entre pases e rios. O que a se-riam os pases? O que seriam os rios? Seriam os pases as formas com reas maiores e fe-chadas? Ou seriam eles as folhas vegetais tra-adas em algumas partes do mapa? Seriam os rios as partes mais estreitas entre as formas fechadas que se espraiam at desaguarem no mar? Onde estaria o mar? Ou todo o quadro um rio e os pases so ilhas em meio a ele? Mas seriam rios e mares tudo aquilo onde foi colocada a cor azul, em seus diversos tons? As folhas ali grafadas teriam sido levadas pelos rios e depositadas nos continentes? H pelo menos uma em cada rea fechada colorida e nenhuma delas est no azul entre estas re-as... O mais importante aqui notar como a cultura cartogrfica se apresenta num desenho de uma criana no escolarizada, capturan-do seu pensamento e suas mos, ao mesmo

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    Figura 19

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    tempo que tem suas fronteiras distendidas em pelo menos duas das formas aqui vistas: 1. A presena do azul tanto nas formas fechadas quanto nas abertas, tendo apenas mudana de tom a indicar possveis mudanas de sentido queles territrios; 2. A difcil distino entre o que seriam os rios e o que seriam os pases, fazendo com que nosso pensamento perma-nea em aberto, alando imaginaes sempre outras, que se desviam de qualquer tentativa de estabilizar os sentidos deste mapa, fazen-do o mapa funcionar como um brinquedo que, nas mos e imaginaes das crianas, tudo a um s tempo: batata espetada de palitos e vaquinhas no pasto, rio largo que arrasta con-sigo os pases e rio estreito que se alonga en-tre eles... Neste mapa vemos a apario de um mundo como no trecho abaixo, retirado de um poema em que o espao no qual agem crian-as nos apresentado em palavras que do existncia a um certo tipo de espao, um certo

    tipo de realidade infantil que est para alm e aqum da gramtica cartogrfica habitual.

    Slo los nios comprenden que las casas demolidas son el lugar indicado para inventar sus ceremonias y convierten los lavaderos sin pedir permiso y con los ojos abiertos hasta la tiniebla, en improvisados altares del sacrificio. Renen ladrillos como si par-ticiparan de algn rito inicitico y se sientan alre-dedor de los escombros con la seriedad exigida en los templos. Y le asignan a la escalera desolada, a su aturdido caracol de madera, el poder de un observatorio (Baraibar, 2006, p.9)

    Detenhamo-nos alguns segundos para pensar quais os desafios propostos para a lin-guagem cartogrfica este trecho de poema nos coloca. Comento apenas um deles: o de ter que apresentar as interfaces flutuantes que se dobram sobre cada elementos deste mundo (a escada que tambm mirante, os lavat-rios que so tambm altares sacrificiais). H muitas solues cartogrficas que podem ter circulado pelo pensamento de vocs. Tomara todos tenham pensado em mais de uma. In-

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    veno de legendas hbridas, conjunto de ma-pas traados em folhas transparentes, escalas distintas ou sanfonadas, projees mltiplas numa nica obra, distncias distintas entre mapeador e mapa. Mas o que quero chamar ateno para o local onde estas outras car-tografias seriam necessrias: as casas demoli-das, abandonadas, aquilo que j no tem mais uso e se converte, como nos diz Manoel de Barros, em matria da poesia, da imaginao, do delrio, das derivas... Mas o que na verdade est em foco nes-ta provocao no s encontrar uma soluo criativa para a feitura de um ou muitos mapas que dariam existncia cartogrfica a esta par-cela do mundo infantil, mas sim e sobretudo apontar o quanto necessrio que, a partir destas muitas invenes e burilamentos dos cdigos da cartografia, seja ela, a linguagem cartogrfica a sofrer tores para que nela se-jam inseridas outras possibilidades de dizer do mundo, ou, como prefiro dizer, outras possi-

    bilidades de criao de mundos nesta lingua-gem, fazendo com que o mundo seja outro ao mesmo tempo que a linguagem seja outra. Por outros mapas e imaginaes

    Fazer o mapa funcionar como outra coisa. E fazer outras coisas funcionarem como mapas. Esta seria uma perspectiva poltica para pen-sar o ensaio que estou finalizando. Fazer o mapa funcionar como colagem, como gua, como copo dgua, como tipogra-fia, como performance, como brinquedo, como descolonizador de nossos territrios de pensa-mento. Tanto num caso quanto noutro obras funcionando como mapas ou mapas funcio-nando como outras coisas a linguagem cartogrfica que entra em deriva juntamente com os mapas, desfazendo-se em novas mar-gens, margens dilatadas pelos fragmentos em/da/atravs da linguagem (e da cultura) carto-

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    grfica que compuseram outras maneiras de dizer do mundo, de tocar o real, de inventar a vida do pensamento. Na exposio a todas estas obras que fazem os mapas derivarem de seus habituais sentidos o que ocorre so rasuras em nosso entendimento da linguagem cartogrfica como comunicativa daquilo que seria o espao. De-sacostumar-se deste entendimento pode dis-parar percursos escolares instigantes para professores e alunos. Desacostumar-se deste entendimento como raspar a folha em branco de tudo aqui-lo que nela existe antes mesmo de fazermos o mapa21, de solicitarmos o desenho-mapa do caminho de casa at a escola, no ser cap-

    21 Deleuze (2007) traduz assim os ensinamentos de Francis Bacon acerca da necessidade que o pintor tem para criar algo novo antes mesmo de comear a pintar: O pintor tem vrias coisas na cabea, ao seu redor e no ateli. Ora, tudo o que ele tem na cabea ou ao seu redor j est na tela, mais ou menos virtualmente, mais ou menos atualmente, antes que ele comece o trabalho. Tudo isto est presente na tela, sob a forma de imagens, atuais ou virtuais. De tal forma que o pintor no tem de preencher uma superfcie em branco, mas sim esvazi-la, desobistru-la, limp-la. (p.91 grifos meus). Esta pode vir a ser uma maneira interessante de pensarmos os mapeadores em situaes escolares. O que viriam eles a criar?

    turado pelas figuras e frmulas j dadas da linguagem que j esto em nossas cabeas, mas toma-las nas mos para fazer a lingua-gem cartogrfica vibrar, ganhar novos contor-nos a partir dela mesma, mantendo-se tensio-nada, gaguejando, buscando outras maneiras de dizer do espao geogrfico, sobretudo para alcanar criar obras cartogrficas mapas! que dem a ver aspectos do espacial con-temporneo que ainda no nos so visveis e portanto no conseguimos lidar com eles pu-blicamente, em nossa decises polticas. Nosso mundo contemporneo forte-mente atravessado por objetos e processos muito recentes, tributrios dos computadores, mas sobretudo da internet e suas derivaes (redes sociais, sofwares diversos, instanta-neidade na comunicao por sons e imagens, multiplicidade das misturas digitais etc). Como professores, somos antigos22 para acom-22 Acerca desta antiguidade dos professores frente aos seus alunos, ver o artigo Silncio, apagamento e hospitalidade: professor/a na casa vazia do acontecimento (Amorim, 2005).

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    panhar as alteraes deste mundo na mesma sintonia que os mais jovens tem com estes objetos e processos da cibercultura e as do-bras dela sobre os demais territrios onde ha-bitamos. Potencialidades da juventude e das crianas. Pergunto: a abertura da cartografia es-colar para alm e aqum de suas convenes e gramticas habituais, comunicativas, favo-receria a esta linguagem e s prticas edu-cativas configuradas em torno dela a captu-rar estas novas dimenses espaciais? Falo de uma linguagem cartogrfica escolar aberta para agregar em torno de suas obras fagulhas do contemporneo, grafando um aspecto do sensvel que no havia se tornado visvel23, confeccionando mapas que tornem sensveis e inteligveis a ns potencialidades do espao antes imperceptveis. Por exemplo, se tomarmos as tenses 23 Acerca das potencialidades da vontade de arte para capturar o sens-vel j existente no mundo e torn-lo visvel ver artigo A que e como resistimos: Deleuze e as artes (Oneto, 2009).

    cada dia maiores entre as experincias corpo-rais com o espao e as experincias virtuais com o espao: quais distncias so mais inten-sas (intensivas) na vida dos jovens? As pr-ximas, as medianas, as distantes no espao extensivo? Quais os fatos, fenmenos e luga-res servem de referncia e mobilizam os pen-samentos de crianas e jovens atualmente? Os da vizinhana de rua ou os de vizinhana de blogs? Links ou esquinas? Ambos? Cambiantes cartografias para cambiantes espaos onde a geografia pode estar no movimento e nos flu-xos, enquanto os ns e lugares que se tor-nam oscilantes, mapeados atravs de flechas, linhas tracejadas, aglomerados de cores e es-calas? Este apenas um exemplo de coisas recentes demais: podemos falar tambm da centralidade da China e seus produtos, dos no-vos materiais que configuram os objetos, do valor muito maior dos servios e marcas que dos produtos etc. tudo isto constitui o espao

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    de outra maneira, fazendo-o possuir potncias ainda invisveis em suas mltiplas nuances ter-ritoriais. Que devires outros se abririam caso tocssemos este invisvel com mapas criados por aqueles estudantes que no s traduzem o j conhecido em obras que nos comunicam este j conhecido, mas tambm e sobretudo alcancem agregar em suas obras o sensvel j existente, mas ainda no conhecido, ainda no tornado visvel (Oneto, 2009). Para isto, penso ser preciso tomar a linguagem carto-grfica em sua dimenso expressiva, aberta, efetivando os mapas como obras vinculadas aos movimentos provocadores de revolues moleculares, nada utpicas, nada idealistas, mas fortemente vinculadas a fazer os mapas entrarem em deriva e alcanarem tocar o ain-da invisvel da dimenso espacial da vida que se descortina diante de ns. Seria possvel pensarmos na linguagem cartogrfica em sua forma expressiva, liberan-do-a para ser aquela em que obras mltiplas

    e vvidas venham a se configurar, como fazem os artistas que a tomam em suas obras? Seria possvel que percursos escolares permitissem e incentivassem a deriva dos mapas, provo-cando os alunos a pensar?

    O pensamento, neste movimento (de deriva, de experimentao ativa) que a vida, tomado por uma estranha inquietude, que o lana sobre si mesmo, horizonte movente. Isto (se d) de tal maneira que transborda o continente ou o sistema pontual em sua configurao emprica. (...) Um continente sobre o qual sujeitos, objetos, hbitos e significados so delimitados por meio da iden-tificao, da representao e da imitao. Aban-donar o continente, transbord-lo operar sobre um oceano liso, uma outra dimenso na qual os percursos do pensamento (e das criaes) no se distinguem daqueles que a vida inventa, e traam linhas que se cruzam, envolvem e nos atraves-sam. As formas do continente, ou a forma-conti-nente, desmancha-se, e desenha um arquiplago de linhas mutantes (Godoy, 2008, p.52).

    Linhas mutantes de mapas em deriva: mapas funcionando como outras coisas, como instalao na obra de Manuela Ribanadeira, como colagem, por exemplo, na obra de Ilma

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    Guideroli, como editor de texto, na obra de ngela Detanico e Rafael Lain, fotografia e pintura na obra de Osmar Pinheiro, como de-senho nas obras infantis, como gua na obra de Fbio Moraes, como... O mais importante nesta proposio que moveu a escrita deste ensaio o mapa ser ra-surado na funo nica de informar-comunicar que a pretenso da cartografia escolar ha-bitual. No que esta funo comunicativa do mapa deva ser eliminada dos percursos esco-lares. Muito pelo contrrio, ela deve perma-necer como um dos percursos traados pelos mapas nos currculos e na cultura, mas ela deve tambm ser colocada em intensa tenso, desfigurada, fraturada, esmaecida, nas obras que tambm tenham sobretudo tenham carter expressivo, ou seja, possuam alguma fora de mobilizao do pensamento que se coloque aqum e alm da informao, da co-municao, que faa convergir para si alguma potncia de dizer o ainda no dito, que crie em

    torno de si um campo de foras que nos leve a pensar algo a partir de sensaes que no sejam somente pensamentos racionalizveis, mas tambm sensaes sem sentido que nos levem a deslocar alguma coisa de seu lugar habitual, ou seja, que nos exija pensar, nem que seja pensar que a cartografia no uma linguagem que somente comunica, mas tam-bm e sobretudo expressa vises de mundo, configuraes e imaginaes espaciais. Hoje sabemos que os mapas, qualquer mapa, uma verso do real, por mais pautado em regras e rigores cientficos ele esteja, uma vez que a prpria cincia cartogrfica se faz a partir de imaginaes e concepes que se alteram no tempo e nos diversos locais onde praticada. Ao levar a linguagem cartogrfica a assumir um carter eminentemente expressi-vo, o professor estar sobretudo tensionando o lugar social onde a cartografia se colocou, o qual tem levado suas obras a nos chegarem como se fossem a manifestao do prprio real

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    espacializado, fazendo com que as pessoas se submetam muito facilmente quilo que chega at elas como sendo verdades mapeadas. Finalizo com a poesia de Manoel de Barros, pois ela vai alm do que consigo dizer, uma vez que realiza em palavras as imagens que fazem uma coisa a natureza-o mapa fun-cionar como outra, efetivando derivas em tudo o que elas arrastam em seus pensamentos (in)fundados. Que venhamos, professores e alunos, a fazer mapas aquticos de instalaes, mapas brinquedos de texto, mapas luminosos a se-rem continuados, mapas fotogrficos de mar-gens, mapas trnsitos de colagens, mapas... Mapas, enfim, que faam com que possamos usar a linguagem cartogrfica para escrever--mapear nosso mundo poticas! e inscre-ver-mo-nos no mundo dos outros polticas! , imaginantes e imaginados... e com eles, junto deles, venhamos a permitir que garas nos sonhem, chuvas nos colham, avenidas nos

    bifurquem, mapas nos imaginem e expressem e, claro, como o poeta, venhamos a nos dar bem!

    A natureza avanava nas minhas palavras tipo assim: o dia est frondoso

    de borboletas. No amanhecer o sol pe glrias no meu olho. O cinzento

    da tarde me empobrece. E o rio encosta as margens na minha voz.

    Essa fuso com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar.

    Eu queria que as garas me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem.

    Ento comecei a fazer desenhos verbais de imagens.

    Me dei bem.

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    Agradeo Gisele Girardi, Rosngela Doin de Almeida e Ana Godoy a leitura da primeira ver-so deste artigo. Agradeo em especial Maria Elena Simieli pelas ponderaes e alteraes propostas, entre elas a distino entre alfabe-tizao e educao cartogrficas.

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