MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

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MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor Por Guilherme Schneider Moreira Dias DRE: 101143535 Trabalho final apresentado ao Setor de Letras Japonesa do Departamento de Letras Orientais e Eslavas Faculdade de Letras - UFRJ Rio de Janeiro 2° semestre/2006

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Os quadrinhos japoneses, conhecidos como mangás, constituem um sucesso de vendas no mundo todo. O Brasil atualmente é um dos países que mais importam esse tipo de publicação, e já é considerado por aqui como um fenômeno de vendas. O grande questionamento a ser feito é descobrir a fórmula de sucesso dos mangás. O porquê do sucesso no Japão, e agora, em outros países do mundo (especialmente no Brasil). O objetivo deste trabalho é realizar um estudo, inédito no Brasil, quanto aos artifícios de linguagem que são utilizados nos mangás, com objetivo de conquistar o público leitor. E também analisar as tendências presentes e futuras das produções nesse estilo. Autor: Guilherme Schneider Moreira Dias

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MANGÁ:

Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

Por

Guilherme Schneider Moreira Dias

DRE: 101143535

Trabalho final apresentado

ao Setor de Letras Japonesa

do Departamento de Letras

Orientais e Eslavas

Faculdade de Letras - UFRJ

Rio de Janeiro

2° semestre/2006

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漫画:

大衆読者をひきっける話法の技巧

Guilherme Schneider

論文要旨

キーワード:漫画、ビジュアル・ランゲージ、日本語、翻訳

日本製のコミックは「漫画」と呼ばれている。漫画は世界中の国で読まれて

おり、多くの人々から人気を集めている。ブラジルにも輸入され、「Dragon

Ball」の初版は、100,000 冊を超えたという。そして、ますます翻訳本が増刊

されている。

私はどうして、漫画がこのように爆発的な人気を得るのだろうかという疑問

をいつも持っていた。文学本を読むより、リラックスすることは確かだ。しか

し最近は特に、単なる楽しみのために読むだけではなく、日本語学習にも広く

応用されているということもわかった。「漫画の爆発的な人気」に関しての先

行研究は見当たらない。そこで、この理由を卒業論文のテーマで研究してみよ

うと思いたった。この論文ではラング・リソースとビジュアル・ランゲージの

観点で調べた。このラング・リソースの目的は漫画の読者をもっとアトラクテ

ィブにさせるという意義がある。

2005年、リオデジャネイロ連邦大学公開講座で、“Mangá - Um estudo da

argumentatividade nos quadrinhos japoneses”という授業を担当した。その際、出

席した学生達にいろいろなアンケートに答えてもらった。漫画が「日本語学習

の動機だった」、「日本語学習のひとつの手段である」という返答も多かった。

また、「漫画の中でどんなことに惹かれるか」という質問の中では学生達の意

見は方法論が多かった。日本語の「擬音語や擬態語」なども漫画のイメージと

ともに自然に習得できる。また、絵を見ることで日本の家庭様式を知ったり、

文化や習慣などの習得もできる。2006年10月には在リオデジャネイロ広

報文化センターで第3回日本語教育セミナーが実施されたが、その際、「漫画

における談話分析」というテーマで講演させてもらう機会を得た。参加者から、

大きな反響をいただいた。漫画に関しては、まだまだ多くの研究課題があるの

で、今後も続けて研究をしていこうと考えている。

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SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES...........................................................................................04

PREFÁCIO.......................................................................................................................05

INTRODUÇÃO................................................................................................................07

1.1 BREVE HISTÓRICO DOS MANGÁS...................................................................08

CAPÍTULO 1 – COMO OS LEITORES LÊEM MANGÁ.........................................11

1.1 NO BRASIL...............................................................................................................11

1.2 PROBLEMÁTICA DA TRADUÇÃO....................................................................14

1.2.1 Traduções comparadas.............................................................................15

1.2.2 Conclusão dos exemplos de tradução......................................................20

1.3 PESQUISA COM ESTUDANTES BRASILEIROS LEITORES DE MANGÁ..21

1.3.1 Conclusão da enquete....................................................................................23

1.4 NO JAPÃO.................................................................................................................24

1.5 DESAFIOS PARA O SÉCULO XXI.......................................................................25

CAPÍTULO 2 – RECURSOS PARTICULARES AO MANGÁ..................................28

2.1 RECURSOS VISUAIS DO MANGÁ........................................................................29

2.1.1 “Olhos grandes”.............................................................................................29

2.1.2 Dinamismo visual e quadrinização...............................................................30

2.1.3 Linhas de ênfase.............................................................................................33

2.1.4 Super Deformed.............................................................................................34

2.1.5 Lembranças....................................................................................................34

2.1.6 O etéreo no shojo mangá...............................................................................35

2.2RECURSOS TEXTUAIS DO MANGÁ.....................................................................36

2.2.1 Questão dos pronomes pessoais de primeira pessoa...................................37

2.2.2 Onomatopéias.................................................................................................39

2.2.3 Quadrinhos sem diálogos..............................................................................40

2.2.4 Exercício proposto sobre onomatopéias......................................................41

CONCLUSÃO...................................................................................................................42

GLOSSÁRIO.....................................................................................................................43

LISTA DE CONVENÇÕES.............................................................................................44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................45

ANEXOS............................................................................................................................47

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Lista de ilustrações

Imagens auxiliares:

Figura 1: Quadro evolutivo de Kanji..........................................08

Figura 2: Ordem de leitura japonesa...........................................14

Figura 3: Onomatopéias espelhadas............................................15

Figura 4: Disney..........................................................................30

Figura 5: Osamu Tezuka.............................................................30

Figura 6: “Storyboard”................................................................31

Figura 7: “Uma imagem, duas páginas”.....................................32

Figura 8: Lição de mangá...........................................................32

Figura 9: Linhas de fundo...........................................................33

Figura 10: “SD”...........................................................................34

Figura 11: Lembrança.................................................................34

Figura 12: Estilo shojo mangá....................................................35

Figura 13: Tabela de tipos de “eu”.............................................38

Figura 14: Gitaigo.......................................................................39

Figura 15: Giongo.......................................................................40

Figura 16: Mangá sem falas........................................................40

Figura 17: Cebolinha...................................................................41

Gráficos:

Gráfico 1......................................................................................13

Gráfico 2......................................................................................21

Gráfico 3......................................................................................22

Gráfico 4......................................................................................22

Gráfico 5......................................................................................23

Gráfico 6......................................................................................26

Exemplos de tradução:

1° exemplo...................................................................................16

2° exemplo...................................................................................17

Exemplo de “furigana”................................................................18

3° exemplo...................................................................................19

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Prefácio

Os quadrinhos japoneses, conhecidos como mangás, constituem um sucesso de

vendas no mundo todo. O Brasil atualmente é um dos países que mais importam esse

tipo de publicação, e já é considerado por aqui como um fenômeno de vendas.

O grande questionamento a ser feito é descobrir a fórmula de sucesso dos mangás. O

porquê do sucesso no Japão, e agora, em outros países do mundo (especialmente no

Brasil).

O objetivo deste trabalho é realizar um estudo, inédito no Brasil, quanto aos

artifícios de linguagem que são utilizados nos mangás, com objetivo de conquistar o

público leitor. E também analisar as tendências presentes e futuras das produções nesse

estilo.

O foco do estudo recai sobre os recursos visuais e lingüísticos dos mangás, em que

buscamos verificar a carga argumentativa transmitida do autor para o leitor. Assim

como a possível perda de sua carga semântica, e eventuais modificações na

representação da intenção do autor (por intermédio de uma tradução inadequada)

sugerindo ao aluno estudante de língua japonesa um especial senso crítico em relação às

traduções.

A metodologia utilizada foi a pesquisa na bibliografia especializada em assuntos de

mangá, com a qual foi desenvolvida uma análise crítica dos principais tópicos.

Especialmente nos livros teóricos “Mangá – O Poder dos Quadrinhos Japoneses”

(LUYTEN, Sonia Bibe. 1991), “Mangaka” (TORIYAMA, 1984), “O Grande Livro dos

Mangás” (MOLINÉ, Alfons. 2004) e “Mangá – Como o Japão Reinventou os

Quadrinhos” (GRAVETT, Paul. 2004).

Durante o curso de extensão “Mangá - Um estudo da argumentatividade nos

quadrinhos japoneses”, por mim ministrado na Faculdade de Letras da UFRJ em 2005

sob orientação da professora Eli Yamada, foi levantado um conjunto de observações

tomando por base pesquisas de opinião com os alunos (público brasileiro de mangá). O

resultado destas pesquisas é revelado neste trabalho.

Conforme a bibliografia estudada a hipótese adotada sustenta que a estrutura

argumentativa dos enredos de mangá, assim como suas respectivas representações

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gráficas, são minuciosamente construídas, constituindo assim, as bases do êxito desse

tipo de publicação.

Em suma, as discussões travadas no presente trabalho, nos indicam a necessidade de

estudos aprofundados e constantes na área das publicações em mangá, principalmente

em seus reflexos no Brasil.

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INTRODUÇÃO

Atualmente, no Brasil, nas principais bancas de jornal, ou livrarias, é difícil não se

deparar com as histórias em quadrinhos de origem japonesa. Os mangás, como são

chamados esse tipo de publicação, estão ocupando um espaço de maior destaque nesses

tipos de estabelecimentos. E hoje, a tendência é aumentar cada vez mais, devido ao

sucesso de vendas.

O presente estudo registra características particulares a esse tipo de quadrinhos.

Com a finalidade assim de elucidar o leitor nos caminhos indicados pelos autores de

mangá (que podem compreender roteiristas, desenhistas, editores e produtores) na busca

da conquista de público, tão necessária para a sobrevivência do próprio enredo por mais

edições. Uma vez que, pela enorme concorrência, o mercado editorial japonês tem a

possibilidade de ser implacável no julgamento aos mangás ditos impopulares.

Os autores utilizam recursos estilísticos, visuais e textuais, com a intenção de

prender a atenção do leitor em sua trama. Os recursos utilizados enfatizam o dinamismo

para as seqüências quadrinizadas, pois em boa parte dos casos, a leitura de uma mangá é

feita fora de casa (em um meio de transporte, ou em um manga kissa1 por exemplo).

O foco do trabalho está no exame da utilização dos recursos visuais e lingüísticos

dos mangás, e na recepção por parte do público (que pode ser prejudicada, como no

caso de uma tradução inadequada). Diferenciando o efeito causado nos leitores

japoneses em relação aos leitores de outros países.

O objetivo do estudo foi preencher uma lacuna em relação à linguagem única dos

mangás. Tão comentados, porém pouco estudados. E foi testado inicialmente a partir de

pesquisas desenvolvidas em sala de aula, no curso de extensão “Mangá - Um estudo da

argumentatividade nos quadrinhos japoneses”, ministrado entre os meses de setembro e

1 Manga kissa são estabelecimentos comerciais semelhantes aos cyber-cafés brasileiros. Onde se

paga um valor proporcionalmente baixo por hora de locação, e que se tem inúmeros títulos de

mangás a disposição para locação e leitura no local.

GRAVETT, Paul. Mangá – Como o Japão Reinventou os Quadrinhos. p. 18.

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outubro de 2005 na Faculdade de Letras da UFRJ. Complementadas com a participação

no seminário "Análise discursiva do mangá", no 3° Seminário de 2006 da Associação

dos professores de Língua Japonesa do Estado do Rio de Janeiro, como parte do "Mês

do Japão" realizado pelo Centro Cultural e Informativo do Consulado Geral do Japão no

Rio de Janeiro, com o tema "A língua Japonesa e suas diversidades" no dia 20 de

outubro de 2006.

Sendo assim o trabalho foi estruturado da seguinte forma:

Há uma introdução breve à história do mangá, já que é o foco principal do trabalho.

Porém, através dos processos históricos que formataram os mangás e como eles são

hoje, ressaltaremos as principais heranças do campo lingüístico-visual na comunicação.

No capítulo 1 Como os Leitores Lêem os Mangás, trataremos das diferentes

possibilidades de leitura oferecidas pelos textos de mangá. Assim como as diferentes

recepções de cargas semânticas, tanto para leitores do Brasil, quanto para leitores do

Japão. Será abordada a problemática na tradução de mangás, alterando por vezes idéias

originais dos autores. Abordaremos também exercícios aplicados com alunos, assim

como os resultados de uma pesquisa de opinião feita com os mesmos.

No capítulo 2 Recursos Particulares ao Mangá, faremos um estudo dos principais

artifícios visuais e textuais, de modo separado, com exemplos dos tópicos mais

relevantes e utilizados pelos autores.

1.1 Breve Histórico dos Mangás

Os quadrinhos japoneses possuem características peculiares em sua realização e

deste modo, diferenciam-se das demais produções. Porém, para atingir o atual modelo

de produção de quadrinhos, várias etapas foram transcorridas ao longo da história das

artes visuais japonesas.

Vamos nos deter a seis momentos até

a chegada do mangá moderno.

Inicialmente vale ressaltar a

importância da mescla entre o visual e o

lingüístico, que o idioma japonês utiliza

através dos ideogramas, de origem

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chinesa. No exemplo ao lado, duas seqüências com evoluções dos ideogramas. O

primeiro de leitura kawa (rio) e o segundo de leitura ame (chuva). A escrita do

ideograma surgiu a partir de desenhos, que foram evoluindo ao longo dos anos como

visto no exemplo. Assim, notamos que apesar de diversos kanji homófonos, o

significado atribuído a esses símbolos é inerente e incomparável.

Com isso a herança visual na escrita japonesa é muito grande, e consecutivamente

isso é refletido para outros campos artísticos (como por exemplo, o shodo, a arte da

caligrafia de ideogramas japoneses). Permitindo ao Japão uma escrita diferenciada da

relação entre signo lingüístico e imagético.

Conforme define Osamu Tezuka (1928-1989) ao dizer que:

As histórias em quadrinho são como um tipo de

hieróglifos e que na verdade, o ato de desenhar não é só

um processo de fazer figuras, mas uma maneira de

escrever uma história com um tipo singular de símbolo.

E, como vivemos numa sociedade extremamente visual,

a ilustração é o esperanto da aldeia global.2

É válido lembrar que a China, país que criou os kanji, possui língua escrita formada

apenas por ideogramas e não desfruta de uma produção expressiva de quadrinhos.

As particularidades da percepção artístico-visual japonesa não ficam restritas apenas

ao uso dos ideogramas. No que é considerado a origem histórica dos quadrinhos

japoneses, aparece o chojugiga, onde a narrativa era desenvolvida em um grande rolo

(e-makimono) pintado pelo monge Kakuyu Toba no século XII, e considerado tesouro

nacional3. Com animais antropomorfizados (característica utilizada até os dias de hoje)

em sátira à nobreza da época. Nesse e-makimono surge, diversas vezes, textos

explicativos após longas cenas de pintura. Essa prevalência da imagem, assegurando

sozinha a narração, é hoje uma das características mais importantes dos mangás.

Os mangás só foram denominados dessa forma a partir de 1814, graças à produção

artística de Katsuhika Hokusai, um dos mais renomados artistas de ukiyo-e de todos os

tempos. O Hokusai Manga (como era conhecida sua produção de 15 volumes) trouxe a

primeira sucessão de desenhos. Com Hokusai optando em definir o termo, ao unir os

ideogramas de man (漫, “involuntário”) e ga (画, “desenho”, “imagem”), resultando o

2 LUYTEN, Sonia. Mangá, O Poder dos Quadrinhos Japoneses, p.41.

3 Idem, Ibidem, p.110

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significado de “imagens involuntárias4”. Porém, para Paul Gravett, a definição do termo

de Hokusai é “rascunhos divertidos5”. No entanto, a associação semântica que Hokusai

desejava transmitir é aproximada da definição de cartoon, pois seria relacionado à

caricatura ou humor.

Com a reforma da era Meiji (1868-1912) inicia-se uma progressiva abertura do

Japão ao ocidente, como não ocorrera até então. Muitos estrangeiros chegam ao país,

trazendo idéias e conceitos novos. Dois deles merecem especial destaque por

introduzirem novidades narrativas na área das charges em quadrinhos: o inglês Charles

Wirgman, e o francês George Bigot6 , influenciando com conceitos estrangeiros uma

nova geração de desenhistas.

No entanto, apenas em 1901 surge o primeiro seriado japonês com personagens

regulares e quadrinhos seriados, de autoria de Rakuten Kitazawa (conhecido como

primeiro verdadeiro autor japonês de mangás). Kitazawa esforçou-se pela adoção do

termo mangá para significar histórias em quadrinho de origem japonesa7.

O sexto momento principal da história do mangá, é o marco inicial do mangá

moderno e tudo aquilo que lhe compete excelência narrativa e visual. A contribuição foi

de Osamu Tezuka logo em sua primeira criação de mangá publicada (Shin Takarajima,

1947). Tezuka definiu os clichês de “olhos grandes”, criou mangás com impressionante

diversidade temática, com quadrinização cinematográfica e obras direcionadas tanto ao

público feminino quanto ao masculino, entre outras inovações.

Tal importância na produção condecorou Tezuka ainda em vida com o título de

manga no kamisama (ou “Deus dos Mangás”), sendo considerado o autor de mangá

mais importante de todos os tempos.

Nesses seis principais momentos da história do mangá (ideogramas vindos da

China; O primeiro e-makimono no século XII; Hokusai mangá; primeiras influências

ocidentais; primeira história em quadrinhos seriada de Kitazawa; e a criação do mangá

moderno por Osamu Tezuka), há diferentes níveis de colaboração para o que o mangá

representa nos dias atuais, e as novidades apresentadas por diferentes artistas, de

diferentes épocas, definindo as bases do mangá.

4 MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás, p.18.

5 GRAVETT, Paul. Mangá – Como o Japão Reinventou os Quadrinhos, p.22.

6 MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás, p.19.

7 LUYTEN, Sonia. Mangá, O Poder dos Quadrinhos Japoneses, p.123.

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1 COMO OS LEITORES LÊEM OS MANGÁS

1.1 No Brasil

A chegada dos mangás no Brasil ocorreu juntamente com a chegada dos próprios

japoneses ao país8. Com o desembarque do navio Kasato Maru no porto de Santos em

18 de junho de 1908, chegam ao Brasil os primeiros imigrantes japoneses, e com eles, a

base da cultura japonesa no país.

O grande contingente de japoneses no país, permitiu ao Brasil um contato com os

mangás que antecede o público norte-americano e europeu, especialmente nas primeiras

décadas do século XX9. No entanto, em um primeiro momento, o conhecimento dos

mangás ficou restrito a colônia japonesa, especialmente a que está radicada na cidade de

São Paulo, tida como a maior colônia fora do Japão10

.

Segundo Francisco Noriyuki Sato, co-fundador da Abrademi (Associação Brasileira

de Desenhistas de Mangá e Ilustradores), a constante leitura de mangá desde a infância

auxiliou na atualização vocabular, considerando o mangá como instrumento relevante

nesta atualização11

. Tal contato permitiu inclusive a manutenção de inúmeros novos

vocábulos japoneses, sobretudo os coloquiais. Especialmente dos gairaigo12

, que a

partir do pós-guerra aumentaram consideravelmente no Japão, e sua aplicação nos

mangás auxiliando aos falantes de japonês da colônia a esta atualização.

Se entre a grande colônia japonesa no Brasil a popularidade dos mangás era

evidente, para os não-descendentes de japoneses esse contato era significativamente

menor. A princípio o público tem contato com as produções de animação japonesa,

como foi o caso de Kimba, O Leão Branco (Jungle Taitei) exibido pela primeira vez no

8 LUYTEN, Sonia. Mangá, O Poder dos Quadrinhos Japoneses, p.190.

9 MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás, p.5.

10 LUYTEN, Sonia. Mangá, O Poder dos Quadrinhos Japoneses, p.190.

11 Idem, ibidem, p.194.

12 Palavras japonesas de origem estrangeiras, grafadas no alfabeto fonético japonês katakana.

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12

Brasil em 1970 pela TV Tupi13

. As produções japonesas para a televisão chegam ao país

antes dos mangás, em um fenômeno inverso ao japonês.

O contato com o mangá em português, para o grande público brasileiro, ocorreu no

final dos anos 80. Em 1988 é publicado pela Editora Cedibra o mangá Lobo Solitário

(Kozure Ookami) com roteiro de Kazuo Koike e arte de Goseki Kojima. E do referente

ano até meados de 1993 são publicadas no Brasil séries como Akira (Editora Globo,

1990), Crying Freeman (Editora Sampa, 1991), Mai – A Garota Sensitiva (Editora Abril,

1992) e A Lenda de Kamui (Editora Abril, 1993). Além da republicação de Lobo

Solitário pela Editora Sampa em 1990 (sendo interrompida em 1993 deixando a série

incompleta).

Mas o grande marco no Brasil da animação japonesa, e consecutivamente dos

mangás, ocorreu no dia 1° de Setembro de 1994 com a exibição do primeiro capítulo do

anime Cavaleiros de Zodíaco (Saint Seiya) pela emissora de televisão Manchete.

Tornando-se o programa líder de audiência do canal por mais de um ano14

.

Devido aos grandes índices de audiência assegurados por Cavaleiros do Zodíaco,

um número expressivo de periódicos tratando de temas “animação japonesa” começam

a surgir e popularizarem-se. E através destas revistas (como a Herói, Heróis do Futuro e

Animax) o grande público não-descendente de japoneses entra em contato com as

primeiras matérias teóricas realizadas sobre mangá.

As matérias sobre mangás nas revistas especializadas levaram ao público

informações sobre títulos não publicados até então, permitindo assim, uma grande busca

por conta própria dos fãs do gênero, nas lojas e importadoras de quadrinhos.

É no bairro da Liberdade, em São Paulo, onde se localiza a maior parte das

importadoras e lojas. Algumas ganharam grande destaque a partir de 1994 e um

conseqüente aumento nas vendagens, tais como a Fonomag, Livraria Sol e a Haikai,

que encomendavam mangás e revistas japonesas inclusive para as duas lojas cariocas do

gênero: a Rio Shobo e a Livraria Donguri.

Porém o pouco material encontrado era apenas o original, em língua japonesa, ou

versões traduzidas para outros idiomas como o inglês, e mesmo com a barreira

idiomática, o número de importações cresceu, assim como a procura por cursos de

língua japonesa no Brasil aumentou de maneira considerável.

13

SARAIVA, Danilo. Ohayo, [página da internet, http://www2.uol.com.br/ohayo/], consulta em

dezembro de 2006 14

Jornal O Globo, Revista da TV (14 de Maio de 1995), p.17.

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13

Em setembro de 1997 o empresário Tatsuko Nagata funda a primeira loja

especializada somente em mangás e animes fora do bairro da Liberdade15

, a Animangá,

com o intuito de atender o crescente número de não-descendente de japoneses que

procuravam por mangás. A livraria também funcionava como editora, e publicou o

mangá Ranma ½ em 1998. Alcançando relativo sucesso por ser o primeiro mangá

publicado no Brasil depois do êxito de Cavaleiros do Zodíaco em 1994. Tal iniciativa,

partindo de uma pequena editora, refletiu no interesse de outras editoras a publicarem

mangás em português.

No final de 2001, a Editora Conrad lança nas bancas o mangá de Cavaleiros do

Zodíaco e Dragon Ball. O primeiro sendo responsável direto pelo grande sucesso dos

animes nos últimos anos, e o segundo sendo o mangá de maior vendagem na história16

.

E a partir desses lançamentos o número de publicações de mangás no Brasil não parou

de crescer, atingindo a marca de cem títulos diferentes no ano de 2006 (marca

expressiva tratando-se de publicações em quadrinhos no Brasil).

Gráfico 1: destacando o crescente surgimento de títulos de mangás por ano no Brasil17

.

Uma característica marcante destes lançamentos foi que, ao contrário dos títulos de

mangá publicados anteriormente no Brasil, as edições de mangás apresentariam a

formatação original japonesa, com leitura da direita para a esquerda. O que não impediu

o êxito de vendas frente ao público18

.

15 Animangá, [página da internet, http://www.animanga.com.br/], consulta em dezembro de 2006 16

“Dragon Ball vendeu mais de 160 milhões de edições em tankobon”

LUGARINHO, Leonardo, Kotatsu On-line [página da internet, http://www.kotatsu.com.br/]

consultado em novembro de 2006. 17

Idem, ibidem. 18

A primeira edição do mangá Dragon Ball atingiu a expressiva marca de mais de 100 mil

exemplares vendidos, valendo inclusive o prêmio Top Bronze, da distribuidora Dinap.

NARANJO, Marcelo. Universo HQ, [página da internet, http://www.universohq.com/], consulta em

novembro de 2006.

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Esse processo de formatação ao estilo japonês (vide o

aviso na imagem ao lado, impresso no final da primeira

edição do mangá Dragon Ball, direcionando a leitura

correta do mangá) ocorreu graças à exigência contratual

de autores como Akira Toriyama (autor de Dragon

Ball19

), e logo se tornou comum nas principais cidades do

país encontrar nas bancas de jornal e revistas uma

considerável seção de mangás, alocada com a capa

conforme a leitura japonesa.

1.2 Problemática da Tradução

Como sabido, a cada ano é crescente o número de publicações traduzidas para o

português ao alcance do consumidor brasileiro. Em um fenômeno nunca visto

anteriormente de publicações japonesas traduzidas para o português ao acesso do grande

público brasileiro.

Portanto é necessário ao profissional da área de ensino de língua japonesa atentar

para esse fenômeno, com visão crítica do atual panorama, especialmente aqueles que

utilizam o mangá para fins de diversão ou estudo.

A grande questão então é como o leitor brasileiro de mangá, estudante de japonês ou

não, recebe essas informações, e se as intenções comunicativas dos autores são

respeitadas.

No presente trabalho, são apresentados exemplos referentes aos aplicados em sala de

aula no curso de extensão “Mangá - Um estudo da argumentatividade nos quadrinhos

japoneses”, ministrado na Faculdade de Letras da UFRJ.

As primeiras levas de mangá traduzido no Brasil eram realizadas com a leitura

ocidental, da esquerda para a direita. Deste modo é comum observar em alguns mangás

publicados antes de 2001, o efeito de “páginas espelhadas”, páginas inteiras invertidas a

19

Segundo dados publicados na revista brasileira “BRAVO!”, nº86(novembro/04), Editora Abril.

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partir da matriz original, o que demonstra a falta de preocupação editorial com o

produto final e indicando também ausência de compromisso com a fidelidade ao

referido original.

O exemplo ao lado pertence ao mangá

Dragon Ball – A Lenda de Shenron,

publicado em 1996 pela Editora Abril.

Sua narrativa é feita no formato de

foto-novela e esse tipo de publicação

necessita de maneira peculiar ao uso

adequado das onomatopéias, já que é feito

a partir da quadrinização de um filme em

animação, que naturalmente, utiliza

artifícios sonoros.

Nota-se a inversão das onomatopéias

presentes nos quadrinhos, o que gera uma

perda considerável na questão estética,

especialmente para o falante de língua

japonesa, mas também para o não-falante

(já que as exclamações presentes nas

onomatopéias estão posicionadas ao lado

esquerdo das mesmas, causando estranhamento ao leitor).

1.2.1 Traduções Comparadas

Os próximos exemplos referem-se ao mangá de Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya)

de Masami Kurumada, e o método de estudo aplicado foi a comparação de três

diferentes edições do referido mangá: a primeira edição publicada no Brasil em 2001; a

segunda edição publicada no Brasil (revisada) de 2004; e a edição original japonesa de

1986.

As edições brasileiras apresentaram tradutores diferentes em cada edição. Na

primeira, o tradutor é Luy Coutinho, enquanto na segunda edição a tradutora é Drik

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Sada. E nos exemplos estudados o que é observado, é a diferença nos critérios de

avaliação.

1° Exemplo

Edição original japonesa (1986) 1ª Edição brasileira (2001) 2ª Edição brasileira (2004)

Editora Shueisha Editora Conrad Editora Conrad

Nos três quadrinhos selecionados observamos os seguintes textos:

1) “そうアテナは戦争の女神だったのだ!!”/“Sou Atena wa sensou no

megami dattanoda!!”

2) “Ela era Atena, a deusa da guerra!!”

3) “Ela era Atena, a deusa da guerra e da sabedoria!!”

Em relação às edições traduzidas, nota-se na segunda o acréscimo dos vocábulos “e

da sabedoria”, servindo de complemento para o texto publicado na primeira edição.

Provavelmente devido à pesquisa da figura mitológica grega da Deusa Atena. Conforme

a mitologia grega, Atena, era a deusa da sabedoria, protetora das artes e trabalhos

manuais urbanos, do ofício, da inteligência e da guerra justa20

.

Porém o autor do texto original utiliza o vocabulo “sensou” ( 戦争 ), significando

assim “guerra”21

. A opção de complemento frasal na segunda edição é contrária aos

fundamentos de teoria discursiva, especialmente por afetar a intenção do autor, e

agregar nova carga semântica ao texto.

20

RIBEIRO JR., W.A. Atena. Portal Graecia Antiqua, São Carlos, [página da internet,

http://greciantiga.org/], consulta em novembro de 2006. 21

HINATA, Noemia. Dicionário Japonês-Português Romanizado, p.386.

Page 17: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

17

De acordo com o método GSDT (“Grosz and Sidner Discourse Theory”), a teoria

de discurso de Grosz e Sidner (1986)22

, entende-se por intenção do autor:

Todo discurso é essencialmente produzido com a

finalidade de satisfazer uma ou mais intenções. São

intenções que individualizam e tornam coerente o discurso.

Quando um escritor escreve seu texto, ele produz e

estrutura o conteúdo em função de suas intenções. Nestes

termos, há dois tipos de intenções: a intenção primária do

discurso e as intenções dos segmentos do discurso, as

quais devem contribuir para a satisfação da intenção

primária.

Desta forma conclui-se que o propósito do autor foi desprestigiado na segunda

edição do mangá em português, no caso a edição revisada. A tentativa de adaptação ao

contexto histórico com o acréscimo vocabular é discutível, pois transmite ao leitor

brasileiro uma informação semânticamente incoerente ao discurso original.

Conclui-se também que a manutenção do termo “guerra”, na tradução da primeira

edição do referido mangá, apresenta maior fidelidade em relação ao texto original.

2° Exemplo

Edição original japonesa (1986) 1ª Edição brasileira (2001) 2ª Edição brasileira (2004)

Editora Shueisha Editora Conrad Editora Conrad

Nos três quadrinhos selecionados observamos os seguintes textos:

22

PRADO, Thiago Alexandre Salgueiro e NUNES, Márcia das Graças Volpe. Núcleo

Interinstitucional de Lingüística Computacional da USP, [página da internet, http://www.nilc.icmc.usp.br/], consulta em novembro de 2006.

Page 18: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

18

1) “宇宙は百五十億年前にひとつの塊から爆発 (ビッグバン) によって誕生

したのさ!!” / ”Uchuu wa hyaku go jyuu oku nen mae ni hitotsu no katamari

kara bakuhatsu (biggu ban) ni yotte tanjou shitanosa!!”

2) “O universo nasceu em um Big Bang há cinco milhões de anos”

3) “O universo nasceu em uma grande explosão há 15 bilhões de anos”

O exemplo estudado apresenta uma série de equívocos nas traduções apresentadas.

Há controvérsia entre as diferentes traduções em dois pontos principais: a questão do

vocábulo “big bang” ou “grande explosão”; e na questão da quantidade de anos (“cinco

milhões” ou “15 bilhões”).

Na questão do uso de “big bang” ou “grande explosão” é fundamental

atentar para o furigana23

presente nos kanji de bakuhatsu em que a leitura

apresentada é de biggu ban (“big bang”). Este tipo de recurso lingüístico é

possível na língua japonesa, gerando assim uma “leitura poética”.

O leitor de língua japonesa perceberia, ao ler os kanji, a carga semântica transmitida

pelos ideogramas e paralelamente receberia uma outra opção de leitura, com um

significado complementar, fazendo prevalecer maior ênfase à “leitura poética” em

furigana.

A tradução da primeira edição do mangá opta pelo uso de “Big Bang”, feita a partir

da leitura do furigana e sendo assim, a partir deste ponto, demonstra maior coerência

com a original intenção argumentativa do autor do que a edição revisada. Na segunda

edição, a opção é pela tradução como “grande explosão”, conforme a escrita em kanji

“bakuhatsu”24

.

A outra questão refere-se à exatidão dos dados numéricos apresentados. No texto em

japonês o valor numérico apresentado é hyaku go jyuu oku nen (百五十億年), o que

corresponde a 15.000.000.000, ou quinze bilhões, valor esse utilizado na tradução da

segunda edição.

A primeira tradução apresenta um erro grosseiro no valor numérico, constando

como “cinco milhões de anos”. O que pode ser considerado como erro pertencente à

23

Leitura auxiliar que pode acompanhar os kanji com finalidade de informar a leitura fonética. 24

Bakuhatsu: explosão, erupção.

HINATA, Noemia. Dicionário Japonês-Português Romanizado, p.22.

Page 19: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

19

falta de pesquisa, uma vez que o fenômeno do Big Bang não teria ocorrido na casa

numérica dos milhões25

.

É possível notar também a perda vocabular ocorrida na tradução. O vocábulo

japonês katamari26

(com o kanji 塊) é omitido no sentido amplo da comunicação, assim

como nas entrelinhas, ocorrendo então perda semântica.

Conclui-se que, tanto a primeira tradução, quanto a segunda, apresentam momentos

de maior coerência com o texto original do autor. Não havendo assim uma tradução

plenamente mais fidedigna do que a outra.

3° Exemplo

Edição original japonesa

(1986) – Editora Shueisha

1) “セ...セイヤ その

姿は...”/ “Se... Seiya

sono sugata wa...”

1ª edição brasileira (2001)

– Editora Conrad

2) “Seiya, esse

uniforme...”

2ª edição brasileira (2004)

– Editora Conrad

3) “Seiya, essa

armadura...”

Na terceira série de exemplos estudados, nota-se desigualdade nos critérios adotados

para a escolha vocabular.

25

A teoria do Big Bang enfrenta controvérsias entre os cientistas. Mas o maior consenso é que teria

ocorrido entre 10 e 20 mil milhões de anos, convencionando-se assim a adoção do valor médio de 15

mil milhões (ou seja, 15 bilhões de anos).

BERTULANI, Carlos. “O Big Bang e a Evolução do Universo”, Instituto de Física da UFRJ, [página

da internet, http://www.if.ufrj.br/], consulta em novembro de 2006.

26

Katamari: massa, bloco.

HINATA, Noemia. Dicionário Japonês-Português Romanizado, p.194.

Page 20: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

20

No quadrinho pertencente à primeira edição brasileira do mangá, a escolha é pelo

vocábulo “uniforme”. Escolha esta diferente da edição revisada, em que se lê o

vocábulo “armadura”.

Todavia, no quadrinho original em japonês, o autor faz uso do vocábulo sugata (姿),

que pode ser traduzido como “figura, imagem, silhueta, forma, aparência” (HINATA,

Noemia, 2000). Nenhuma das opções dicionarizadas sugeridas coincidiram com as

opções eleitas pelos tradutores, “uniforme” ou “armadura”.

Uma possibilidade seria a escolha da tradução baseada no contexto, porém, seria

mais apropriado o uso de alguma das formas dicionarizadas, numa vez que na seqüência

dos quadrinhos ocorre uma unanimidade nas três edições com o texto “Armadura de

Pégaso!” (ペガサスのクロスさ! ”pegasasu no kurosu sa!”). Logo não se adaptaria

ao contexto o vocábulo “armadura” da segunda edição, já que seu efeito no texto seria

de redundância conforme a continuação textual.

1.2.2 Conclusão dos exemplos de tradução

Os mangás traduzidos para o português trazem ainda alguns problemas relativos à

tradução. Somente na comparação entre a primeira, e a segunda edição do mangá de

Cavaleiros do Zodíaco (Saint Seiya), contabiliza-se uma série de vinte e uma diferenças

textuais. É interessante ressaltar que a segunda edição, mesmo revisada, apresenta um

nível de incoerência com o texto original tão grande quanto o da primeira edição.

Nos mangás publicados atualmente existe uma tendência considerável à adaptação

de termos. Uma vez adaptados à realidade comunicacional do leitor brasileiro, o mesmo

estaria recebendo um maior fluxo de informações ao interlocutor. Como é o caso do uso

de gírias, por exemplo, em uma tentativa de manter o dinamismo que o autor determina

ao compor um texto.

Como a escolha de palavras de quem constrói um discurso não é meramente

arbitrária, cabe ao leitor do mangá (e de um modo geral a qualquer texto com origem

em um original em idioma estrangeiro) o senso crítico. E especialmente para o estudante

de japonês vale atentar para os fenômenos não só de linguagem do mangá, como os de

tradução para o português.

Page 21: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

21

1.3 Pesquisa com estudantes brasileiros leitores de mangá

Durante o curso de extensão “Mangá - Um estudo da argumentatividade nos

quadrinhos japoneses”, em 2005 na Faculdade de Letras da UFRJ, foi realizada uma

pesquisa com os estudantes, através de uma enquete27

, com dez questões referentes à

leitura de mangá, assim como suas respectivas preferências quanto ao assunto.

O objetivo do estudo é levantar dados entre efetivos estudantes de língua japonesa,

com interesse em mangá.

A turma era composta por 86,6% de alunos da graduação em Letras no corrente ano

(segundo semestre de 2005). Quinze alunos responderam a esta enquete e seguem aqui

os resultados mais relevantes e seus respectivos comentários.

“Seu interesse pelo estudo da língua japonesa foi incentivado pelo mangá?”

Com as respostas obtidas nessa

questão observa-se que os mangás

são incentivadores de considerável

parcela destes estudantes

universitários de japonês

entrevistados, atingindo 40,1% dos

alunos.

Entretanto, a maioria respondeu

que não foi o principal incentivo

(44,6%), enquanto os outros28

13,3%

responderam outra opção.

27

Acompanha em anexo. 28

A porcentagem referente aos “outros” é dos não estudantes da graduação de língua japonesa na

UFRJ, que no entanto, participaram do curso de extensão.

Page 22: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

22

“O mangá seria uma ferramenta para o estudo da língua japonesa?”

Esse foi o único exemplo que

recebeu dos alunos entrevistados pela

enquete o estatuto de unanimidade.

O uso da leitura do mangá como

instrumento de apoio ao estudo de

língua japonesa, atingiu 100% da

opinião dos alunos.

Porém, na justificativa, coube a

grande parte das respostas à

observação de que o estudo de língua

japonesa através do mangá deve ser somente complementar. Não substituindo o

material didático convencional.

“O que atrai na leitura (ou visualização) de um mangá?”

Nesta questão da enquete há um

grande equilíbrio nas respostas.

Para 33,3% das opiniões, a

característica dos mangás que mais

atrai o leitor é o desenho.

Empatado com a mesma

porcentagem (33,3%), estão os

entrevistados que não

desvincularam a parte gráfica da

parte textual. Assim, optaram em

responder que o que mais chama a atenção em um mangá é o desenho e o enredo junto.

Para 20,1% o principal é o enredo do mangá e sua diversidade temática.

13,3% não responderam a essa questão.

Conclui-se que para os leitores de mangá entrevistados, a parte gráfica (os desenhos),

é o que mais chama a atenção em um primeiro momento, atraindo assim à leitura.

Page 23: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

23

“Você prefere anime ou mangá?”

Como no Brasil, ao contrário do Japão,

o primeiro sucesso de público foi com os

animes (e os mangás sendo um fenômeno

relativamente novo por aqui), está

pergunta pareceu razoável para saber a

preferência atual do público.

As respostas foram esclarecedoras para

a tendência atual do público que cresceu

vendo animes na televisão, e que a partir

de certa idade começa a buscar outras

formas de entretenimento.

Os mangás recebem de 46,6% dos entrevistados a preferência. Com 20,1% aparece

a opinião de quem prefere os animes.

Também com 20,1% dos entrevistados não possuem preferência entre animes e

mangás. Alegando que uma comparação entre animes e mangás é complicada, pois se

tratam de veículos de comunicação e entretenimento com características distintas.

13,3% dos entrevistados não responderam a essa questão.

1.3.1 Conclusão da enquete

Conclui-se então que o público leitor de mangás, dentre os alunos brasileiros

entrevistados, é heterogêneo, pois com exceção da questão do uso dos mangás no

auxílio do ensino de japonês (com unanimidade na opinião), nenhuma outra questão

conseguiu mais da metade dos leitores entrevistados.

Notou-se também que os leitores (em especial os estudantes de língua japonesa),

preferem mangás aos animes. Assim como também, são atraídos inicialmente com mais

êxito pela parte visual, do que pelos roteiros nos mangás.

A presente pesquisa tenta preencher uma lacuna no registro de opiniões dos alunos

de língua japonesa, e leitores de mangá. Indicando assim panoramas para futuras

pesquisas no assunto. Especialmente em referências às indagações ao interesse

primordial no aprendizado de língua japonesa, devido ou não, aos mangás e animes.

Page 24: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

24

1.4 No Japão

No Brasil os mangás constituem um novo fenômeno de leitura, principalmente entre

o público jovem. Contudo, no Japão a leitura dos mangás está enraizada na cultura do

povo japonês ao longo de décadas. As revistas são segmentadas conforme sexo e idade

dos leitores, existindo ainda, quadrinhos destinados para crianças, rapazes, moças ou

adultos, direcionando o discurso a ser utilizado para cada perfil.

As publicações semanais, possuem uma média de 400 páginas de papel reciclado

monocromático. O que se iniciou pela escassez de papel no período pós-guerra

transformou-se em padrão visual, em preto-e-branco. A manutenção do formato em

papel reciclado permite o baixo preço de um mangá (uma edição da Shonen Jump

custando o equivalente a R$ 4) 29

, por exemplo sendo bem mais barato que um ingresso

de cinema no Japão.

Logo, para o povo japonês o mercado de mangá proporciona entretenimento rápido

e barato, de fundo escapista, sendo um veículo ideal para passar o tempo na estressante

rotina de longas viagens de trem ou metrô por exemplo.

O estilo das narrativas de mangá, por ser seqüenciado em capítulos semanais,

garante a atenção do leitor, e gera efeito de expectativa constante. São comuns enredos

com duração de anos. Sendo assim, o leitor acompanha e cresce junto com o

personagem, como no caso do mangá Captain Tsubasa (de Yoichi Takahashi). O mangá

narra a história do personagem Oozora Tsubasa, um garoto que sonha em ser campeão

mundial de futebol. O mangá começou a ser publicado em 1981, época em que não

havia ainda uma liga de futebol profissional, e sequer era um esporte popular. O autor

ajudou a popularizar o esporte, incentivando inúmeros garotos que cresceram (e

crescem, pois o mangá foi publicado esse ano inclusive, com o personagem Oozora já

adulto e casado) a praticarem o futebol, tornando-se inclusive jogadores profissionais

por isso.30

Essa transcendentalidade dos limites entre a realidade e o ficcional no imaginário do

leitor japonês de mangá é especialmente curiosa. Como por exemplo, o mangá Ashita

no Joe (de Tetsuya Chiba), que narra a historia de Joe Yabuki, um órfão marginalizado

e briguento, que luta para sair de uma vida de pequenos delitos e torna-se aspirante ao

29

Shonen Jump custando ¥220, equivalente a R$ 4,02 na cotação de dezembro de 2006. 30

GRAVETT, Paul. Mangá – Como o Japão Reinventou os Quadrinhos, p.58.

Page 25: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

25

titulo mundial de boxe. Em determinado ponto da trama Joe, já boxeador, encontra e

enfrenta o personagem Rikiishi (um ex-companheiro dos tempos de orfanato, também

lutador). Joe perde a luta e o título, mas com um golpe involuntário acaba matando

Rikiishi. O que gerou uma comoção de proporções nunca vista em relação a um

personagem ficcional, sendo inclusive realizado um funeral na sede da editora com a

presença de mais de 700 pessoas. Transcendendo os limites entre o “herói de papel” e

do sentimento de que este realmente “existe”. A dor pela perda de um personagem

fictício mostra como os leitores japoneses podem se envolver profundamente com uma

trama de mangá31

.

A maneira com que os japoneses lêem o mangá é diferenciada justamente por ser

patrimônio nacional do Japão. Sobre isto, Paul Gravett (2006) cita:

Desde abril de 2000, o novo currículo nacional

de arte para o primeiro grau insiste para que os

mangás trazidos à sala de aula. Em seu texto

explicativo, o Ministério da Educação e

Cultura afirma que “o mangá pode ser

considerado uma das formas de expressão

tradicional do Japão”32

De manifestação artística popular, atinge status de “expressão tradicional do Japão”

com o reconhecimento do governo japonês. Coerente com o conceito de nona arte

atribuído aos quadrinhos. Não obstante, uma definição mais unânime ainda é a de que o

mangá atualmente é veículo de comunicação de massas, pertencente a um mercado de

caráter voltado especialmente ao capital. A questão do mangá como expressão artística

ou como produto mercadológico fica a critério do público, que tem assim a

possibilidade de distinguir uma obra de excelência artística (como as do mundialmente

premiado Hayao Miyasaki, autor de Tonari no Totoro, por exemplo) de uma obra de

caráter primordialmente comercial (como o caso de Pokémon, por exemplo).

1.5 Desafios para o século XXI

31

Idem, Ibidem, p.56. 32

GRAVETT, Paul. Mangá – Como o Japão Reinventou os Quadrinhos, p.22

Page 26: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

26

Nos anos 60 a economia japonesa crescia a passos largos, permitindo aos japoneses

grandes vendas de aparelhos de televisão. No entanto o surgimento dessa nova mídia

não prejudicou a leitura dos mangás, pelo contrário até, pois os animes transmitidos

quase que invariavelmente eram derivados do mangá.

Porém na última década as vendas de mangás diminuíram consideravelmente.

Fenômeno que é atribuído à concorrência com outros tipos de mídia, como os

videogames e a internet. Em especial os com tecnologia para uso portátil, que

disputariam o espaço dos mangás mesmo em vias públicas.

A tendência ao uso destes novos tipos de entretenimento exige dos mangás alguma

renovação na linguagem, a fim de não perder mais leitores. Uma dessas tentativas de

adaptação é a disponibilização pelas editoras (especialmente as três grandes detentoras

de 70% do mercado editorial de mangás: Kodansha, Shueisha e Shogakukan33

) de

mangás on-line, em que o leitor, ao pagar uma taxa, teria acesso à leitura do mangá pela

internet.

Pelo aumento nas exportações, alguns desenhistas de mangá buscam adaptar-se a

realidades estrangeiras a fim de obterem maior êxito, como na aparência física dos

personagens. Inclusive com a revista semanal Shonen Jump, a de maior sucesso no

Japão devido aos títulos publicados, sendo lançada em edições especiais nos Estados

Unidos e alguns países europeus.

O futuro das publicações

japonesas não parece tão nebuloso

como registram as quedas de vendas,

pois detêm quase 40% de todo

volume de publicações no Japão

(volume de publicações

incomparável com qualquer outro

país)34

.

Outro fator de otimismo na

indústria dos mangás é o crescente

numero de licenciamentos para

publicações no exterior. E a

33

MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás, p.33. 34

Idem, Ibidem, p.17

Page 27: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

27

tendência é de crescimento constante em países como o Brasil, em que a demanda de

público é significativa (vide gráfico da página 13).

Page 28: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

28

2 RECURSOS PARTICULARES AO MANGÁ

Ser desenhista de mangás no Japão pode ser sinônimo de sucesso. Os principais

artistas de mangá gozam de fama e fortuna.35

No entanto para atingir êxito profissional

é necessário empenho e dedicação constantes. E às vezes mais do que isso, pois há mais

de 3.000 autores japoneses de mangá, dessa forma, a porcentagem de artistas que

chegam ao estrelato da profissão não alcança nem 10%.36

A disputa no mercado editorial produtor dos mangás no Japão é bastante acirrada.

Um desenhista, que tenha alguma história publicada em uma revista semanal, precisa

desenvolver uma média superior a quatro páginas por dia (em geral as publicações

semanais contam com uma média de vinte páginas por história). Uma carga muito

grande, exigindo dinamismo de produção, criatividade e organizando-se em estúdios,

com assistentes, quando a demanda de trabalho é de grande fluxo.

Os leitores japoneses recebem em cada edição semanal um anexo, com pesquisa de

opinião, para saber os principais títulos de preferência. As histórias mais votadas

ganham maior destaque e visibilidade na revista (como, por exemplo, nas matérias de

capa, e ao direito às raras páginas coloridas). Já as menos citadas são substituídas por

outras novas (e de outros autores). Inclusive os autores já consagrados correm esse

risco.37

Com essa grande pressão, em que o emprego de um desenhista de mangás está

constantemente em questionamento (e risco de perda), a necessidade por atrair a atenção

do público consumidor-leitor é evidente. E para atingir tal objetivo os autores utilizam

uma série de artifícios buscando a recepção de maior interesse do público.

Uma edição semanal de mangá tem uma média de quatrocentas páginas e conta com

cerca de vinte diferentes títulos de autores (muitas vezes já consagrados pelo grande

35

LUYTEN, Sonia. Mangá, O Poder dos Quadrinhos Japoneses, p.53. 36

MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás, p.35. 37

GRAVETT, Paul. Mangá – Como o Japão Reinventou os Quadrinhos, p.19.

Page 29: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

29

público). Levando em conta isto, o autor de mangá precisa garantir nas vintes páginas a

que tem direito essa atenção especial do público, na tentativa de conquistá-lo.

Como os mangás são veículos de comunicação em massa, os principais recursos

para garantir essa atenção estão no dinamismo. Recurso exigido pela comunicação usual

da linguagem do mangá. Especialmente por intermédio de recursos visuais e

lingüísticos (e tanto os recursos visuais, quanto os textuais, constituem linguagem).

2.1 Recursos visuais do mangá

Com a pesquisa realizada entre os estudantes de língua japonesa da UFRJ, foi

possível constatar que os recursos visuais são o que mais atraem os leitores.

Os mangás apresentam características únicas em relações aos outros estilos de

histórias em quadrinhos. Porém, de maneira geral, para a maior parte do público

ocidental o “estilo mangá” leva a uma primeira lembrança de estereótipos visuais (como

os “olhos grandes”, linhas de fundo, entre outros)38

.

2.1.1 “Olhos grandes”

Certamente o mais popular entre os estereótipos do mangá são os “olhos grandes”

de seus personagens. A utilização desse recurso gráfico vai além da questão estética, e

permite que os personagens transmitam maior sinceridade emocional. São os chamados

“olhos expressivos”, muitas vezes apresentados desproporcionalmente grandes

(especialmente para o padrão étnico japonês).

O precursor desse estilo foi Osamu Tezuka, criador do mangá moderno. Definindo o

estilo logo em seus primeiros trabalhos de mangá. Que ao atingir o completo sucesso

ganha toda uma legião de desenhistas adeptos a esse estilo.

Porém Tezuka teve duas fontes de inspiração para a criação de seu estilo próprio de

“olhos expressivos”. A primeira são os personagens de Walt Disney39

, nos quais sentia

confessa admiração, e a segunda é o teatro Takarazuka.

38

MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás, p.29. 39

Idem. Ibidem, p.22.

Page 30: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

30

Na imagem ao lado, da primeira animação

dos estúdios Disney (Plane Crazy, de 1928)40

. Os

personagens Mickey e Minnie, caricaturados,

possuem olhos grandes. E Tezuka tem nas

produções de Walt Disney sua primeira fonte de

inspiração.

Se a primeira fonte de inspiração de Tezuka

para o uso dos “olhos grandes” veio do ocidente

(por intermédio das animações de Walt Disney), a

segunda inspiração veio da própria cidade onde

morava. Foi nos olhos das atrizes dos espetáculos teatrais de elenco exclusivamente

femininos de Takarazuka41

que Tezuka completou sua inspiração.

Ficava fascinado com os olhos muito bem

maquiados das atrizes, bastante aumentados que com a luz

dos refletores, dava, a impressão de conter uma estrela

brilhante no interior.42

Inclusive em casos de “auto-caricatura” (vide imagem

ao lado) Osamu Tezuka utilizava os “olhos grandes”. O

que começou como marca identificadora do estilo de

Tezuka se transformou na característica visual mais

reconhecida dos mangás no mundo inteiro.

2.1.2 Dinamismo visual e quadrinização

40

Disney On-line, [página da internet, http://disney.go.com/], consulta em novembro de 2006. 41

Companhia teatral da cidade de Takarazuka. Composto apenas por mulheres, representando

também os papéis masculinos (a exemplo do teatro japonês Nô, que é composto apenas por atores

inclusive nos papéis femininos). A temática da maioria dos espetáculos tem caráter fantasioso. 42

LUYTEN, Sonia. Mangá, O Poder dos Quadrinhos Japoneses, p.144.

Page 31: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

31

A maneira na qual são dispostos os quadrinhos em um mangá é extremamente

relevante, pois conferem o dinamismo comunicacional essencial ao mangás.

Novamente o definidor do estilo moderno de quadrinização foi Osamu Tezuka, e foi

criado por acaso43

. Em seu primeiro mangá (Shin Takarajima, 1947) em formato

akabon, Tezuka, publica a quadrinização de um “storyboard” que inicialmente faria

parte de um projeto de animação.

Porém a animação não foi realizada, ao contrário do “storyboard” em questão. Este

foi publicado em formato de mangá, e alcançou impressionante êxito de vendas para a

época. Foram mais de 500 mil exemplares vendidos em pleno período pós-guerra, em

que o Japão atravessava dificuldades econômicas.

Como o grande sucesso de Shin

Takarajima, os desenhistas da época,

inspiram-se imediatamente nos conceitos e

tendências, vindos da linguagem

cinematográfica. E a partir da frustração de

não transformar, em um primeiro momento,

em animação o “storyboard” como desejava,

Tezuka define a base da quadrinização

japonesa e seu ritmo

Ritmo cinematográfico que pode ser

observado na imagem ao lado, pertencente à

da seqüência inicial de Shin Takarajima.

Porém, passada a novidade no dinamismo visual, de caráter cinematográfico,

introduzido por Tezuka, os autores buscaram novos artifícios visuais para se

sobressaírem. A tendência atual apresenta grande diversidade na área da quadrinização.

Inicialmente deve-se também à leitura japonesa, da direita para a esquerda.

Conferindo aos mangás uma disposição peculiar aos quadrinhos do ponto de vista

ocidental.

Na quadrinização dos mangás, o recurso cinematográfico inserido por Tezuka tem

objetivo de enfatizar uma cena importante, como em um filme. Mudanças de “ângulo de

43

SATO, Cristiane. “Osamu Tezuka e a Expansão do Animê”, [página da internet,

http://www.culturajaponesa.com.br/], consulta em novembro de 2006.

Page 32: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

32

câmera” mais rápidas, de quadro a quadro44

, quadrinhos como em câmera-lenta, ou em

close-up.

Não é incomum encontrar também uma

ou duas páginas inteiras com uma mesma

imagem (vide figura ao lado) com a

intenção de ênfase.

As inovações de layout da

quadrinização japonesa incluem também:

quadrinhos verticais, quadrinhos

sobrepostos (rompendo com o esquema

das linhas que os separa), quadrinhos com

espaços em brancos entre um e outro (comuns nos shojo mangá), entre outros

recursos.45

O modelo atual proposto rompe com as principais convenções da quadrinização

ocidental. E compõem um

“discurso visual, de caráter

enfático”

Segundo Akira Toriyama (um

dos autores de mangá de maior

êxito mundial) cada página deve

seguir um plano bem definido46

,

com objetivo de melhor

visualização, levando em conta o

quanto cada página é agradável de

ler para o leitor.

Na figura ao lado o lado o

próprio autor, caricaturado, explica e sugere aos outros desenhistas como distribuir os

quadrinhos em uma página de mangá.

44

GRAVETT, Paul. Mangá – Como o Japão Reinventou os Quadrinhos, p.32. 45

MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás, p.31. 46

TORIYAMA, Akira. Mangaka, p.53

Page 33: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

33

2.1.3 Linhas de ênfase

Outro recurso visual do mangá são as linhas de ênfase. São linhas paralelas

normalmente utilizadas ao fundo (por isso são conhecidas também como linhas de

fundo) de um objeto em destaque no quadrinho, com a finalidade de transmitir idéia de

movimento.

Essas linhas de ênfase também são utilizadas em produções de animação japonesa.

E além do efeito característico de movimento, servem também para economia de

detalhes a fim de dinamizar a produção e economizar recursos financeiros.

Comumente seu uso é associado a qualquer produção de quadrinhos japoneses

(inclusive sendo utilizado satirizando os mangás, em produções internacionais como

“As Meninas Super-Poderosas”47

).

Segundo o roteirista de mangás Kazuo Koize, em entrevista ao consagrado

desenhista norte-americano Frank Miller:

O olho se move nos comics japoneses. Essa é a diferença

fundamental entre esses e os americanos. (...) Nos comics japoneses, a

tendência é que um quadrinho interfira no quadrinho seguinte,

formando uma seqüência. Quando o Super-Homem voa no céu, se ele

é desenhado em somente um quadrinho resulta em uma imagem

estática. Nas HQs48

japonesas, um personagem voará ao longo de três

quadrinhos enquanto são enfocados sua cabeça, seu corpo e seus pés.49

No exemplo ao lado (retirado da primeira edição

brasileira do mangá Dragon Ball Z, de Akira

Toriyama) notam-se três tipos diferentes de ênfase

proporcionada pelo uso de cada conjunto de linhas

paralelas.

No quadrinho maior, a trajetória do movimento

do corpo do personagem é marcada pelas linhas.

O quadrinho embaixo, à esquerda, apresenta

linhas de fundo, com a função de distorcer o cenário,

47

Título original “The Powerpuff Girls”. Produção norte-americana em desenho animado, de Craig

McCracken. Os personagens desta série foram inspirados e caricaturados a partir dos clichês de

mangás e animes (como os olhos grandes e as linhas de fundo). Em 2006 ganha uma versão japonesa

publicada na revista Ribon, da Editora Shueisha. 48

Histórias em quadrinhos 49

MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás, p.31.

Page 34: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

34

valorizando carga dramática e expressiva ao personagem em primeiro plano.

Já no quadrinho embaixo, à direita, notam-se as linhas convergindo para os olhos do

personagem. Ressaltando assim a sua expressão e sentimentos, mesmo sem o uso de

palavras.

2.1.4 Super Deformed

Os SD (abreviação para o termo em inglês “Super

Deformed”, ou “Super Deformado”) são um tipo de piada

visual que muitos autores de mangá utilizam quando têm a

intenção de enfatizar e destacar uma situação. Seu uso é

mais recorrente em mangás de caráter humorístico.

Os personagens que aparecem representados em SD em

um mangá, têm suas proporções físicas reduzidas e

estilizadas. Representando uma mudança no comportamento,

e na atitude, perante alguma situação do enredo .

2.1.5 Lembranças

A criatividade dos autores de mangá permite

compor efeitos visuais simples, mas com

profundo efeito psicológico.

Na figura ao lado, do mangá Captain Tsubasa,

é criado um efeito que indica a lembrança do

personagem em foco. O efeito é composto pela

pintura das bordas do mangá em cor escura para

os momentos em que a ação está transcorrendo

em tempo passado. Enquanto os quadrinhos com

borda em cor clara a ação ocorre em tempo

presente à narrativa.

Page 35: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

35

2.1.6 O etéreo no shojo mangá

Os mangás direcionados ao público feminino (shojo mangá) possuem uma série de

características visuais particulares. Têm, de um modo geral traço delicado e suave,

tornando a visualização mais agradável ao público alvo (em especial as adolescentes na

faixa etária de 12 a 17 anos de idade).

Para criar a atmosfera de romance e sonhos juvenis

nesse tipo de publicação, os autores, fazem uso de

elementos etéreos.

Segundo Sonia Bibe Luyten50

, esses desenhos de

estrelinhas, corações, flores, folhas e pétalas caídas,

esparsos pelo cenário, sugerem uma linguagem

musical imaginária.

O exemplo ao lado é do mangá Glass no Kamen

(garasu no kamen). Ao lado da personagem em foco,

durante uma divagação, são representadas flores.

Esse recurso indica que a ação está se passando no pensamento da personagem, e

reflete seu estado de espírito. Auxiliando assim o leitor em uma interpretação

iconográfica.

Vale ressaltar que as flores em questão no exemplo destacado não fazem parte do

contexto de ação real indicada no texto, servindo como base na informação do

sentimental. Deve-se levar em conta que o autor de mangá tem a opção de informar o

sentimento de um personagem por meio de palavras ou de desenhos.

Ao optar pelo auxilio imagético o leitor recebe uma carga semântica diferenciada. O

que é bem particular da cultura e língua japonesas, uma vez que o campo visual é

considerável de grande importância, como por exemplo no uso dos kanji.

É possível traçar um paralelo entre o uso de ideogramas (em relação à leitura de

uma palavra em japonês) e o de imagens etéreas de um mangá. Ambas permitem no

momento do contato visual uma associação direta de significado, pertencente ao campo

ideológico (e que independem do significado textual atribuído a elas).

50

LUYTEN, Sonia. Mangá, O Poder dos Quadrinhos Japoneses, p.58.

Page 36: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

36

2.2 Recursos textuais do mangá

Conforme os princípios da retórica, para um texto ser atraente é necessário criar uma

relação de confiança do leitor no que é transmitido pelo escritor. Através desta

confiança despertada a partir do que é dito no discurso, o narrador busca convencer ou

persuadir. Essa relação entre quem narra, e quem recebe a informação narrativa, é

pautada sob os três elementos essenciais da retórica que são Ethos, Pathos e Logos.

De modo geral, ao locutor (no caso o escritor de textos em mangá) designam-se

ações de Ethos, com a capacidade de obter a confiança do interlocutor.

Por sua vez o leitor tem a função de interlocutor, e agrega as características das

ações de Pathos. Com a capacidade de confiança e de adesão ao locutor. Podendo por

exemplo gerar efeito de empatia ou antipatia.

Entre ambos está Logos, relacionado ao discurso com função argumentativa e

persuasiva, em que a “verdade” ou a “idéia”, que o orador tem a intenção de transmitir.

Assim como a possibilidade do leitor acreditar nela ou não.

Estas possibilidades nas relações entre quem escreve um texto e quem os lê são

fundamentais na leitura dos mangás, pois como visto antes, o autor precisa criar toda

uma série de artifícios para conquistar e manter seu público fiel.

Para gerar interesse nos enredos o autor utiliza recursos persuasivos, especialmente

na publicidade gerada por um mangá, como nas mensagens das capas. Recursos assim

convidam o leitor a prestigiar determinada história dentre tantas em um mangá semanal.

Com isso, o autor garante a possibilidade de uma pré-disposição do leitor naquilo que

ele narrará.

A escolha dos vocábulos não é arbitrária para um escritor, e por isso são utilizados

atrativos textuais que permitam a idéia de verossimilhança. E como a indústria dos

mangás no Japão é segmentada conforme gênero e faixa etária do público leitor, existe

uma necessidade especial na adequação vocabular. Entende-se por adequação vocabular

a relação entre situação e o vocábulo selecionado (pode tratar-se por adequação

vocabular os seguintes casos: adequação ao referente, ao ponto de vista, aos

interlocutores, à situação de comunicação, ao código e ao contexto)51

.

51 PAULIUKONIS, Aparecida Lino. Teoria sobre o significado nos campos da Semântica e da

Pragmática.

Page 37: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

37

Além disso, no decorrer dos enredos dos mangás, as relações entre os personagens

ocorrem da mesma forma.

É especialmente importante aos estudantes de língua japonesa atentar às nuances

textuais dos mangás e como são construídas as relações inter-personagens. Já que no

idioma japonês essas idéias passadas pelo uso da linguagem adequada, conforme a

escolha do autor, definem o perfil do personagem com mais propriedade (e menos

generalizações) do que os quadrinhos ocidentais por exemplo. É possível observar

através da linguagem algumas características como: o grau de escolaridade, a região

onde nasceu ou vive, a época onde se passa a narrativa, o respeito a superiores,

agressividade, entre outros. Embora isto seja característica de outros idiomas também,

em maior ou menor grau. Porém no japonês é mais acentuado já que no idioma, por

exemplo em comparação com o português, essa diferença lingüística é notada na

questão das diferenças entre a linguagem de personagens de idades e sexos diferentes.

2.2.1 Questão dos pronomes pessoais de primeira pessoa

Os idiomas estão em constante evolução. E são os usuários da língua que

determinam em que direções vão as mudanças idiomáticas

Um bom exemplo dessas evoluções pode ser percebido com os pronomes pessoais.

Em língua portuguesa, ao longo da história, os pronomes pessoais sofreram diversas

alterações. Como, por exemplo, no atual desuso do pronome pessoal de tratamento

“vós”, tanto em língua falada quanto em língua escrita. Em língua japonesa ocorreu um

fenômeno parecido.

Como é o caso do vocábulo sessha (拙者), que era por exemplo utilizado por um

samurai referindo-se a si próprio. Por não existirem mais samurais na atualidade não é

usual na língua falada, mas podendo ocorrer como recurso estilístico na língua escrita de

hoje em dia. No mangá Rurouni Kenshin (1994-2000), de Nobuhiro Watsuki, o

personagem principal não é um samurai e sim um andarilho errante, mas que se refere a

si mesmo por sessha, por tratar-se de uma história de época (no caso a ação é

transcorrida durante a era Meiji).

Page 38: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

38

A lista ao lado relaciona 93 modos

diferentes de dizer “eu” em língua

japonesa52

. Porém a grande maioria caiu

em desuso. Especialmente na língua falada.

Cada um dos equivalentes a pronomes

pessoais de primeiro grau, listados ao lado,

possuem carga semântica diferente dos

demais. Podendo definir assim expressão de

hierarquia, gênero, idade e até profissão do

falante. Uma escolha não arbitrária,

principalmente ao considerar as escolha do

autor para definir o perfil de determinado

personagem.

No mangá Saint Seiya, de Masami

Kurumada, há diferença no uso do “eu” dos

personagens Seiya e Shun. Ambos são

rapazes com a mesma idade (13 anos de

idade)53

, e têm a mesma função no enredo.

Porém o personagem Seiya refere-se sempre a si mesmo com o pronome ore (俺),

enquanto o personagem Shun refere-se a si como boku (僕).

O uso do pronome ore tem uma carga semântica bastante informal e masculinizada,

podendo inclusive transmitir idéia de presunção ou rudeza. Por sua vez, a opção do

autor para o uso de boku, apenas no personagem Shun, é causada pela ausência de carga

semântica agressiva no pronome (tal qual o comportamento do personagem). Além da

possibilidade de interpretação como referência a um rapaz novo, por tratar-se de um

personagem de comportamento mais infantil e dependente.

Na tradução para outro idioma essas nuances textuais, próprias do idioma japonês,

são perdidas, pois a carga semântica do referido original é intraduzível para o contexto

de pronome pessoal de língua portuguesa. Prejudicando involuntariamente (por falta de

recurso equivalente da língua portuguesa por exemplo) a intenção do autor na

construção do discurso.

52

WATANABE Masahiro e NAGASHIMA Kei, Japonês Rápido. p.147 53

KURUMADA, Masami. Saint Seiya Encyclopedia. P. 40 e 50.

Page 39: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

39

2.2.2 Onomatopéias

Nos quadrinhos, de maneira geral, as onomatopéias são representações dos sons nos

quadrinhos54

. Porém, especialmente no caso dos mangás, elas possuem importante papel

na composição em estilo cinematográfico da narrativa. E comumente fundem-se aos

quadrinhos, integrando a composição visual geral.

O uso das onomatopéias em mangás vai além dos atributos gráficos determinados

por seu uso. É um recurso de linguagem também, pois além da idéia de sonoridade,

transmite idéias propriamente dita. Servindo, assim, de ferramenta extra para a

compreensão da situação proposta pelo enredo.

A língua japonesa possui uma rica variedade de onomatopéias, que são

constantemente utilizadas pelos japoneses, de qualquer faixa etária, tanto na língua

falada quanto na escrita. Elas dividem-se em dois grupos distintos: os giongo e os

gitaigo.

Os giongo são as representações sonoras, propriamente ditas na escrita, com

conceito de onomatopéia próxima ao utilizado em língua portuguesa.

Já os gitaigo são uma classe de palavras particulares do idioma japonês. Têm a

função de representar estado físico ou psicológico. E sua grafia é uma tentativa de

representar esse estado inspirado na de "sonoridade" contida na expressão onomatopéica.

No exemplo selecionado, do mangá Ranma ½, o personagem

é representado arfando, sinal de alguma emoção extrema. Ao seu

lado aparece a onomatopéia doki doki ( ドキ ド キ ), que

representa os som produzido pelo coração pulsando com força

(aspecto de nervosismo, impaciência, ansiedade).

Caracterizando-se assim como um gitaigo.

O exemplo selecionado, do mesmo mangá, apresenta três casos de giongo para a

chuva. De um quadrinho para o outro a intensidade da chuva vai aumentando. Tal

característica é demonstrada não só pelo uso de onomatopéias diferentes, como também

pela forma (estética) em que as onomatopéias são apresentadas.

54

CAMPOS, Maria F. H. HQ: Uma manifestação de arte. Em: “História em Quadrinhos –Leitura

Crítica”

Page 40: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

40

Gorororo ( ゴ ロ ロ ロ )

representa o som estendido de uma

trovoada predecessora da chuva.

Enquanto potsu potsu (ポツポツ)

indica o início da chuva, com gotas

ainda esparsas. Com a onomatopéia

zaa (ザー ) sonorizando a chuva

forte.

Com isso o autor transmite um

conceito a mais no resultado comunicacional do texto.

2.2.3 Quadrinhos sem diálogos

O não diálogo em alguns quadrinhos possui efeito estilístico. Mas também a sua não

realização em algumas seqüências de mangá pode ser analisada como índice

comunicacional, pois são intencionais.

A ausência proposital de texto em algumas cenas de mangá é compensada por

recursos visuais, ou pela presença de onomatopéias (como por exemplo a onomatopéia

de estado físico shiin, designando o silêncio55

).

Existem casos atuais de mangás inteiros sem o uso

de nenhum texto. No mangá Gon (exemplo ao lado), de

Masashi Tanaka, não existem onomatopéias, narrador e

nem balões de texto (inclusive os indicando pensamento

ou lembrança). Dessa forma o efeito na quadrinização

lembra ao de um storyboard. A razão para o não-diálogo,

segundo Tanaka, é que seria estranho animais falarem

(sugerindo assim uma nova visão do assunto, já que a

tradição das produções de mangás apresenta animais

antropomorfizados que falam e pensam).

Vale ressaltar que na maioria dos mangás o primeiro

55

MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás, p.32.

Page 41: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

41

quadrinho de cada capítulo recebe a função de situar a cena, dando assim a dimensão de

onde ocorre a ação. Com esse contato visual em considerável parte dos casos estudados

não há necessidade de falas

2.2.4 Exercício proposto sobre onomatopéias

Durante o curso de extensão “Mangá - Um estudo da argumentatividade nos

quadrinhos japoneses”, foi realizada uma pesquisa a respeito do uso de onomatopéias.

Os estudantes receberam uma fotocópia de uma história em quadrinhos do Cebolinha56

,

que por opção do autor não apresentava nenhuma onomatopéia. Caso achassem

necessário fazê-lo os alunos poderiam desenhar suas onomatopéias livremente nos

quadrinhos, inclusive na escolha de idioma utilizado.

O objetivo do exercício proposto era avaliar a questão da presença/ausência das

onomatopéias no ponto de vista de leitores brasileiros de mangás. E o resultado

apresentado demonstrou que 91,4% dos quadrinhos avaliados pelos alunos receberam

onomatopéias. Conclui-se que o uso das mesmas é tido como necessário na maioria dos

casos para os alunos leitores de mangás

entrevistados.

Porém não existe um padrão de uso das

onomatopéias. Indo muito conforme o lado

intuitivo e estilístico de cada aluno, conforme o

histórico de leituras individual.

O maior índice de coincidência nas

ocorrências de onomatopéias entre os alunos foi

de 60%. No primeiro, quinto e sexto quadrinhos,

optaram pela onomatopéia “Tap tap”,

representando o som da caminhada do

personagem.

56

Personagem da Turma da Mônica, de Mauricio de Souza. História em quadrinhos brasileira de

maior vendagem e reconhecimento perante o público.

Page 42: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

42

Conclusão

Os quadrinhos japoneses, atualmente, são um grande sucesso de vendas em vários

países, em especial no Brasil, onde há constante crescimento nas vendas e na publicação

de novos títulos.

O estilo mangá, em geral, se difere de outras publicações em quadrinhos. É

fenômeno de produção cultural em larga escala, setorizado e estruturado conforme o

perfil consumidor. Conforme as referencias apresentadas no presente trabalho, não há

outro estilo de quadrinhos com tal eficácia como comunicação de massas, tendo em

vista o expressivo volume de vendas e exportações dos mangás.

Conforme analisado neste trabalho, os artifícios de linguagem utilizados nos mangás

tentam atrair ao leitor de modo diferenciado em relação aos quadrinhos ocidentais. Pois

na realidade editorial japonesa, este efeito é essencial para o autor se sobressair perante

a grande concorrência de uma revista semanal, e ter êxito nas pesquisas de opinião. O

leitor uma vez interessado em uma história de mangá provavelmente irá acompanhá-la

durante anos seguidos.

Na realidade editorial brasileira os mangás ganham espaço em edições mensais com

versões traduzidas. Nas quais a intenção discursiva do autor por vezes pode perder-se, já

que o idioma possui inúmeras nuances. Com isso conclui-se como recomendável o

estudo comparativo do leitor, especialmente dos estudantes de língua japonesa.

Mantendo uma visão critica perante a constante profusão de recursos visuais e

lingüísticos existentes nos mangás.

Page 43: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

43

Glossário

Akabon: Literalmente “Livros vermelhos”. Foi a vertente de produção de mangás que

mais se destacou no pós-guerra japonês na cidade de Osaka. Vendida a custo muito

baixo nas ruas por ambulantes.

Anime: Desenho animado japonês

Emakimono: Antiga forma desenhada de narrativa japonesa apresentada em rolos em

que a história aparecia gradualmente.

Furigana: Leitura auxiliar dos kanji. Normalmente apresentada sobre os kanji,

descrevendo a leitura fonética dos mesmos.

Gairaigo: Palavras japonesas de origem estrangeiras grafadas no alfabeto fonético

japonês katakana.

Giongo: Representações sonoras na escrita japonesa, com conceito semelhante ao de

onomatopéia utilizado em língua portuguesa.

Gitaigo: Classe de palavras do idioma japonês que tem a função de representar na

escrita um estado físico ou psicológico.

HQS: Histórias em quadrinhos (conceito de histórias em quadrinhos ocidentais).

Kanji: Alfabeto japonês composto por ideogramas

Katakana: Alfabeto silábico japonês utilizado principalmente na representação de

estrangeirismos.

Mangá: Histórias em quadrinhos japonesas.

Mangaka: Autor de mangá. Desenhista.

Samurai: Guerreiro feudal japonês.

Shodo: Técnica de caligrafia japonesa.

Storyboard: Projeto de produção cinematográfica composto de seqüência desenhadas.

Ukiyo-e: Estilo de pintura clássica japonesa do período Edo (1603-1867), que utilizava

auxilio de blocos de madeira para a impressão.

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44

Lista de Convenções

Conforme as publicações especializadas sobre o assunto, foi convencionado o uso

do vocábulo "mangá" sempre que o referido for quadrinho de origem japonesa. E em

sua apresentação foi convencionada a declinação de plural nesse caso se necessário.

Logo no presente trabalho é representado em plural apenas os vocábulos japoneses

"mangá" e "anime" (em "mangás" e "animes"), e nos demais não são representados com

a desinência "s" (como por exemplo em "os kanji").

Em itálico são representados os nomes de séries de mangás ou animes, inclusive nas

versões traduzidas. Assim como as palavras japonesas romanizadas no texto de modo

geral, exceto “mangá” e “anime”.

A transcrição romanizada dos vocábulos japoneses com prolongamento fonético são

representada com "ou" e "ei". Por exemplo em "sensou" (ao invés de "sensoo" como no

“Dicionário Japonês-Português Romanizado” de Noemia Hinata).

Os vocábulos japoneses grafados no alfabeto katakana tiveram suas nas suas

transcrições convencionadas em acordo com os vocábulos de origem estrangeiras.

Como por exemplo em "shonen janpu" transcrito para "shonen jump".

Os nomes de japoneses são apresentados conforme a disposição ocidental (nome

seguido de sobrenome). Como por exemplo em Akira Toriyama (e não Toriyama Akira).

Nas transcrições de falas em balões, nos exemplos de tradução, são realizadas

predominantemente em letras minúsculas. Uma vez que nas versões em português dos

mangás referentes são apresentadas em caixa-alta.

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45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GRAVETT, Paul. Mangá – Como o Japão Reinventou os Quadrinhos. São Paulo:

Conrad Editora, 2006

KURUMADA, Masami. Saint Seiya Encyclopedia. São Paulo: Conrad Editora, 2004

LUYTEN, Sonia B. Mangá, O Poder dos Quadrinhos Japoneses. São Paulo: Estação

Liberdade, 1991

LUYTEN, Sonia B. História em Quadrinhos – Leitura Crítica. São Paulo: Edições

Paulinas, 1984

MOLINÉ, Alfons. O Grande Livro dos Mangás. São Paulo: Editora JBC, 2004

NAGAHO, Sumio. Nihongo chokusetsu kyoujyuhou. Tóquio: Sotakusha, 1987

SANTARÉM, Marcelo. Mangá – Uma Trajetória. Monografia. Rio de Janeiro, 1993

TORIYAMA, Akira, e SAKUMA, Akira. Mangaka. Tóquio: Shueisha, 1984

PAULIUKONIS, Aparecida Lino. Teoria sobre o significado nos campos da

Semântica e da Pragmática. Apostila. Rio de Janeiro, 2005

WATANABE, Masahiro, e NAGASHIMA, Kei. Japonês Rápido. Tóquio: Yohan

Publications, 1993

Principais artigos em sites da internet consultados:

BERTULANI, Carlos. “O Big Bang e a Evolução do Universo”, Instituto de Física da

UFRJ, [página da internet, http://www.if.ufrj.br/], consulta em novembro de 2006

LUGARINHO, Leonardo, Kotatsu On-line [página da internet,

http://www.kotatsu.com.br/] consultado em novembro de 2006

PRADO, Thiago Alexandre Salgueiro e NUNES, Márcia das Graças Volpe. Núcleo

Interinstitucional de Lingüística Computacional da USP, [página da internet,

http://www.nilc.icmc.usp.br/], consulta em novembro de 2006

RIBEIRO JR., W.A. Atena. Portal Graecia Antiqua, São Carlos, [página da internet,

http://greciantiga.org/], consulta em novembro de 2006

SARAIVA, Danilo. Ohayo, [página da internet, http://www2.uol.com.br/ohayo/],

consulta em dezembro de 2006

SATO, Cristiane. “Osamu Tezuka e a Expansão do Animê”, [página da internet,

http://www.culturajaponesa.com.br/], consulta em novembro de 2006

Page 46: MANGÁ: Artifícios de linguagem para atrair o público leitor

46

Consultas complementares (sem autor definido):

http://www.abrademi.com/, consulta em novembro de 2006

http://www.universohq.com/, consulta em novembro de 2006

http://disney.go.com/, consulta em novembro de 2006

http://www.tezuka.co.jp/, consulta em novembro de 2006

http://www.sonoo.com.br/Escritajaponesa.html/, consulta em novembro de 2006

Principais jornais e revistas consultados:

Jornal O Globo, Revista da TV (14 de Maio de 1995), p.17

Revista “BRAVO!”, nº86 (novembro de 2004), Editora Abril

Revista Mangajin, nº2( 1995) e nº5 (1996)

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47

Anexos

Dados relativos a vendas de periódicos japoneses.

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48

Exemplos relativos aos pronomes pessoais japoneses boku e ore. Página 35.

A fala selecionada acima é do personagem Shun (a esquerda, seguindo a ordem de

leitura japonesa), e faz uso do pronome pessoal japonês boku, transmitindo carga

semântica com grau de infantilidade e sem caráter rude.

No exemplo acima a fala do personagem Seiya é marcada pelo uso do pronome

pessoal japonês ore, que ao passar para o português é suprimida através do uso do

“vou”, perdendo sua carga semântica original.

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49

Listagem dos “tipos de eu” ditos em japonês e o estereótipo de alguns usuários.

Segundo o livro Japonês Rápido (de Masahiro Watanabe e Kei Nagashima).

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50

Ampliação do exemplo de “lembranças” utilizando as bordas em escuro do

mangá. Página 33.

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51

Questionário:

1. Como você conheceu o mangá? Como foi o seu primeiro contato?

2. Seu interesse pelo estudo da língua japonesa foi incentivado pelo mangá?

3. O mangá seria uma ferramenta para o estudo da língua japonesa? Justifique.

4. Você prefere mangá ou anime? Escolha uma opção e justifique sua resposta.

5. Você lia/lê outros tipos de quadrinhos sem ser o japonês? Na sua opinião, qual a

diferença entre o mangá e o quadrinho ocidental?

6. Em que ocasiões você lê mangá? (quando e onde por exemplo)

7. Diga o tipo de personagens que você gosta e o que admira nelas (moda ocidental

ou oriental, personalidade, etc.).

8. Dentro dos diversos tipos de mangás existentes quais os de sua preferência? (shojo,

shonen, político, histórico, erótico, etc.). Escolha dois no máximo e justifique sua

opção.

9. O que atrai na leitura (ou visualização) de um mangá? (história, visual, traço bem

definido, autor famoso, etc.).

10. O que acha dos títulos de mangás recentemente lançados no Brasil? A escolha dos

títulos é do seu agrado?