Macedo 2008 - Semiótica Plástica Na Análise de Cartazes de Cinema

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO

    DEPARTAMENTO DE COMUNICAO

    Marcelo Mello Macedo

    SEMITICA PLSTICA NA ANLISE DE CARTAZES DE CINEMA Metaforizao de estigmas sociais em cartazes de filmes brasileiros

    Porto Alegre

    2008

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    Marcelo Mello Macedo

    SEMITICA PLSTICA NA ANLISE DE CARTAZES DE CINEMA

    Metaforizao de estigmas sociais em cartazes de filmes brasileiros

    Trabalho de concluso de curso de graduaoapresentado ao Departamento de Comunicao da

    Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como

    requisito parcial para a obteno do grau de

    Bacharel em Comunicao Social, habilitao em

    Publicidade e Propaganda.

    Orientadora: Profa. Dra. Sandra Pereira Gonalves

    Porto Alegre

    2008

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    Marcelo Mello Macedo

    SEMITICA PLSTICA NA ANLISE DE CARTAZES DE CINEMA

    Metaforizao de estigmas sociais em cartazes de filmes brasileiros

    Trabalho de concluso de curso de graduaoapresentado ao Departamento de Comunicao da

    Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como

    requisito parcial para a obteno do grau de

    Bacharel em Comunicao Social, habilitao em

    Publicidade e Propaganda.

    Conceito final:

    Aprovado em:.......... de ...................................... de .................

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________Profa. Dra. Anna Maria Dalla Zen - UFRGS

    __________________________________________

    Profa. Dra. Myra de Oliveira Gonalves - UFRGS

    __________________________________________________

    Orientadora Profa. Dra. Sandra Pereira Gonalves - UFRGS

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    Dedico este trabalho minha me, que sempre acreditou em mim

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    AGRADECIMENTOS

    minha orientadora, professora Sandra, por toda a ajuda, incentivo

    e (principalmente) cobrana, sem as quais eu no teria comeado a

    escrever at agora.

    Ao meu amigo Andr, pelo help no resumo deste trabalho.

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    RESUMO

    Este trabalho analisa a construo plstica dos cartazes de dois filmes brasileiros sobre a

    excluso social: Pixote (1981) e Cidade de Deus (2002). Faz um breve histrico da

    cinemateca nacional entre as dcadas de 70 e 90. Apresenta uma resenha de cada filme

    tratado. Desconstri cada cartaz a fim de demonstrar as articulaes entre seus elementos

    constitutivos. Demonstra e avalia, com o instrumental terico da semitica visual, aconstruo da poeticidade em cada cartaz. Avalia a eficincia comunicacional de cada pea a

    partir dessa construo. Identifica indcios de estigmas sociais em cada cartaz e discorre sobre

    eles.

    PALAVRAS-CHAVE

    Semitica visual, semi-simbolismo, poeticidade, cinema brasileiro, estigmas sociais

    ABSTRACT

    This work analyzes the aesthetics construction of two Brazilian film posters on social

    exclusion: Pixote (1981) and Cidade de Deus (City of God) (2002). It goes through a brief

    historical report of the national movie collection amidst the 70`s and 90`s. It presents a review

    of each treated film. It deconstructs each poster in order to demonstrate the articulations

    among its constituent elements. It demonstrates and it evaluates, with the theoretical

    instruments of visual semiotics, the construction of poetry in each poster. It evaluates the

    communication efficiency of each piece starting from this construction. It identifies

    indications of social stigmas in each poster and analyses them.

    KEY-WORDS

    Visual semiotics, semi-symbolism, poetry, Brazilian movies, social stigmas

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    Figura 1 Placa de Regulamentao D a Preferncia

    Figura 2 Mquina caa-nquel

    Figura 3 Operrios Tarsila do Amaral

    Figura 4 Hierarquia das Semiticas

    Figura 5 Cartaz do filme

    Figura 6 Cartaz do filme

    Figura 7 Cartaz do filme

    Deus e o diabo na terra do sol

    Pixote a lei do mais fraco

    Cidade de Deus

    LISTA DE FIGURAS

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    Quadro 1 - Oposies identificadas no cartaz Pixote

    Quadro 2 - Semi-simbolismo com categorias eidtica e topolgica - Pixote

    Quadro 3 - Semi-simbolismo com aspectos plsticos do ttulo e subttulo Pixote

    Quadro 4 - Unio das relaes semi-simblicas Pixote

    Quadro 5 - Unio das relaes semi-simblicas Cidade de Deus

    LISTA DE QUADROS

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    SUMRIO

    1 INTRODUO

    2 SEMITICA UM CONCEITO BASTANTE AMPLO

    2.3.1 O signo em Saussure

    2.3.2 Eixos paradigmtico e sintagmtico

    2.3.3 A funo potica da linguagem

    2.3.4 O Semi-simbolismo2.3.5 Juntando os conceito

    3 O CARTAZ

    4 TRS DCADAS DE CINEMA BRASILEIRO

    5 ANLISE DOS CARTAZES

    5.3.1 Anlise preliminar do cartaz

    5.3.2 Demonstrao do semi-simbolismo e poeticidade

    5.3.3 Os estigmas sociais

    5.4.1 Anlise preliminar do cartaz

    5.4.2 Demonstrao do semi-simbolismo e poeticidade

    5.4.3 Os estigmas sociais

    6 CONSIDERAES FINAIS

    REFERNCIASANEXO A CARTAZ DO FILME PIXOTE

    ANEXO B CARTAZ DO FILME CIDADE DE DEUS

    2.1 SEMITICA RUSSA

    2.2 SEMITICA PEIRCEANA

    2.3 SEMITICA GREIMASIANA (OU DISCURSIVA)

    s

    3.1 DA PARIS BOMIA DO SCULO XIX AOS DIAS DE HOJE - BREVEHISTRICO DO CARTAZ

    3.2 DESIGN DE CARTAZES NO BRASIL

    4.1 DCADA DE 70 ENTRE A PORNOCHANCHADA E A PREOCUPAO

    COM TEMAS SOCIAIS4.2 DCADA DE 80 NOSSO CINEMA SE CONSOLIDA

    4.3 DCADA DE 90 DURO GOLPE E LENTA RECUPERAO

    5.1 SOBRE A ANLISE DA IMAGEM E A IMAGEM COMO INFORMAO

    5.2 A NATUREZA DOS ESTIGMAS SOCIAIS

    5.3 PIXOTE A INFNCIA CONDENADA

    5.4 CIDADE DE DEUS SE CORRER O BICHO PEGA...

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    1 INTRODUO

    Vivemos na era das imagens. Nossa cultura ocidental tem como caracterstica

    intrnseca o culto ao visual, e isso no fenmeno recente ou que possa ser creditado (apenas)

    aos avanos tecnolgicos ps-Revoluo Industrial, por exemplo. Na verdade, de acordo com

    a pesquisadora em Educao Susana Rangel da Cunha, desde a Contra-Reforma, no sculo

    XVI, os Conclios Ecumnicos passaram a usar intencionalmente as imagens como meio de

    auxiliar a propagao da f catlica. Todos os movimentos e produes artsticas a partir de

    ento, a fotografia, o cinema, bem como a mdia de massa caracterstica do nosso tempo, tm

    reforado o objetivo essencial do uso de imagens: narrar o mundo, criar efeitos de realidades,normatizar modos particulares de ver e agregar adeptos em torno de suas vises (CUNHA,

    2005, p.34). Nossas vises sobre o mundo e seus significados, segundo a autora, so criados e

    negociados atravs das imagens que nos chegam de diferentes meios (teatro, tv, pintura etc),

    ou seja, as imagens nos traduzem o mundo. Essa translao, porm, nunca desprovida de

    intencionalidade, na medida em que carrega determinadas interpretaes e pontos de vista de

    quem idealizou a mensagem visual. Fernando Hernndez1(apud CUNHA, 2005, p.34) afirma

    que junto com a histria, so as experincias e conhecimentos afins ao campo das artes osque mais contribuem para configurar as representaes simblicas portadoras dos valores que

    os detentores do poder utilizam para fixar sua viso de realidade. Essas representaes

    simblicas desempenham papel chave na nossa assimilao da realidade social, o que inclui a

    configurao dos poderes, as incluses e excluses sociais (abordadas no presente estudo),

    territorialidade, etc. Interiorizamos, ento, a partir dessas representaes, todo um contexto

    cultural do nosso meio, que vai funcionar como uma lente que intermediar a realidade e a

    nossa percepo. Enfim, vemos aquilo que nossa cultura nos ensinou a ver.Pois bem. Este estudo tem como objetivo realizar leituras e interpretaes, luz da

    semitica, de alguns textos visuais veiculados em cartazes de obras cinematogrficas. Tendo

    por funo sintetizar a idia central de um filme num espao grfico unitrio e delimitado,

    devendo por isso ser composies bem planejadas, tais peas de divulgao constituem-se

    excelentes objetos para as anlises a que se prope este trabalho. Da sua escolha.

    Tais anlises tero como suporte terico principal os estudos de semitica visual

    desenvolvidos por Jean-Marie Floch, ligado vertente francesa da semitica e considerado o

    1HERNNDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudana educativa e projeto de trabalho. Trad. Jussara HaubertRodrigues. Porto Alegre: Artes Mdicas Sul, 2000.

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    fundador da semitica visual. Aps uma breve explanao desses campos tericos, sero

    abordados os mecanismos que possibilitam imbuir uma mensagem (visual ou textual) do

    poder da poeticidade, ou seja, que conferem mensagem um potencial comunicativo

    semelhante ao do texto potico. Ser demonstrado, ento, como foi construda a poeticidade

    de cada cartaz, responsvel pela grande eficincia deste como pea de divulgao.

    Contribuies de outros autores, como Sandra Ramalho e Oliveira e Martine Joly,

    tambm sero aproveitadas em estgios especficos das anlises.

    Foram selecionados dois filmes cujos cartazes sero analisados: Pixote (Hector

    Babenco, 1981) e Cidade de Deus(Fernando Meirelles e Ktia Lund, 2002). A razo de tais

    escolhas, alm de se tratar de filmes de grande repercusso nacional e internacional, inclusive

    ganhadores de prmios, refere-se s suas temticas: a excluso social e a indissocivel

    violncia que a acompanha. Com a toda a carga de ruptura que ela carrega, alm do apelo ao

    sensacional, segundo o socilogo Yves Michaud (1989), a violncia sempre foi um alimento

    privilegiado para a mdia. Sendo um problema real e crnico da nossa sociedade, por outro

    lado, a excluso social e a violncia sempre foram assuntos pertinentes e frutferos para

    diversos mbitos de anlise.

    Este trabalho no se restringir, contudo, a demonstrar o uso de um mtodo por parte

    do autor na interpretao de peas grficas aleatrias. Paralelamente, tentar-se- identificar no

    material indcios de estigmas sociais imputados a certos grupos retratados nos filmes. Tais

    estigmas, carregados por parcelas excludas da populao, acabam reforando as gigantescas

    barreiras para a mudana da situao e mobilidade dessas pessoas, ou mesmo do olhar de

    quem os v de fora. Considerando o poder de tais produes audiovisuais no

    direcionamento de discursos, sua reproduo e ratificao, ou transformao e deslocamento

    de realidades sociais, tem-se uma idia da importncia desse estudo. Em suma, trata-se de

    demonstrar uma instncia do exposto inicialmente, ou seja, o uso da imagem na transmissode uma viso particularizada dos detentores do poder.

    O segundo captulo apresenta um breve panorama da semitica, proporcionando ao

    leitor uma base terica suficiente para a compreenso do mtodo de anlise utilizado. Um

    histrico do cartaz, desde sua mais remota origem at nossos dias, ocupa o terceiro captulo.

    No quarto, trs dcadas da cinemateca nacional so sucintamente esboadas, com o intuito de

    situar o leitor no contexto histrico que envolve cada obra escolhida para anlise. Tem lugar,

    ento, precedida por algumas consideraes sobre estigmas sociais, as anlises propriamente

    ditas.

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    2 SEMITICA UM CONCEITO BASTANTE AMPLO

    Surgida no incio do sculo XX, a Semitica uma disciplina recente nas cincias

    humanas, no usufruindo, segundo Joly (1996, p.29), da legitimidade de disciplinas mais

    antigas como a filosofia, e ainda menos a das cincias ditas puras, como a matemtica ou a

    fsica. A palavra Semitica derivada do grego semeion, que significa signo.Por enquanto,

    entendamos signocomo uma coisa que representa uma outra coisa: seu objeto. Ele s pode

    funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa

    diferente dele (SANTAELLA, 1985, p.78). A mesma autora sintetiza o termo Semitica

    como a cincia que tem por objeto de investigao todas as linguagens possveis, ou seja,

    que tem por objetivo o exame dos modos de constituio de todo e qualquer fenmeno como

    fenmeno de produo de significao e de sentido (SANTAELLA, 1985, p.15). Tal

    tentativa de definio, ainda que deveras simplista, d-nos uma idia do imenso campo de

    estudo abarcado pela Semitica, o que dificulta at mesmo uma conceituao slida e geral.

    Outra polmica acerca do tema consiste na adequao ou no do estatuto de cincia

    para a Semitica, j que esta no possui um objeto de estudo definido, um mtodo de

    investigao prprio e uma base terica comum. De acordo com Oliveira (2005, p.40):

    [. . .] o que contemporaneamente se considera Semitica no atende a nenhum dos

    trs pressupostos. No existe um objeto de estudo para a Semitica: poder-se-ia

    dizer as linguagens; mas como delimitar linguagens, quando hoje se fala da

    Ecossemitica, da Sociossemitica, da Biossemitica e da Semitica da cultura?Conseqentemente, essa diversidade de objetos de estudo exige equivalente

    multiplicidade de instrumentos de investigao. O mesmo vai ocorrer, como se pode

    deduzir, sobre o referencial terico necessrio para dar conta desse mundo

    significante. Ou seja, os fundamentos semiticos estaro associados a bases tericas

    das Cincias da vida, ou das Cincias Sociais, ou da Fsica, da Filosofia, ou de uma

    ou mais subdivises de alguma dessas Cincias, como a Esttica, para dar conta daespecificidade de cada objeto de estudo. Assim sendo, permanece a polmica.

    Bastante comum, ainda, a confuso entre os termos Semiologia e Semitica. O

    lingista1Ferdinand de Saussure (1857-1915), com a inteno de estender as metodologias de

    anlise da lngua natural para outros sistemas de significao, criou o termo Semiologia para

    designar o estudo geral de todos os sistemas de signos. Por muito tempo perdurou uma certa

    confuso acerca do uso dos termos Semiologia e Semitica, se eles poderiam ser considerados

    sinnimos ou no. Passou-se, ento, a se utilizar o termo Semiologia para a tradio

    1Estudioso da Lingstica, que a cincia que estuda a linguagem.

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    saussureana, ligada ao estruturalismo,2 e Semitica para a tradio peirceana,3 ligada ao

    pragmatismo.4Roman Jakobson (1896-1982), pensador russo e pioneiro da anlise estrutural

    da linguagem, poesia e arte, props em 1969 a adoo do termo comum Semitica como

    referncia aos campos abarcados tanto pela Semiologia quanto pela Semitica, segundo

    Oliveira (2005).

    Devido multiplicidade de definies do campo de estudo da Semitica, que

    dependem da matriz terica a qual se filia cada autor, a Semitica contempornea apresenta

    diferentes escolas ou linhas tericas. Seu carter imutvel em todas elas, qual seja, o de

    estudar os fenmenos como fenmenos de produo de significao e de sentido, justificam a

    abordagem semitica como a mais adequada para este trabalho.

    A seguir, uma breve explanao das trs linhas tericas mais conhecidas no Brasil.

    2.1 SEMITICA RUSSA

    Tambm conhecida como Semitica da Cultura. Desenvolveu-se, segundo Oliveira

    (2005), a partir dos estudos do grupo denominado Crculo Lingstico de Moscou, que

    inspirou a criao do Crculo Lingstico de Praga entre as dcadas de 1920 e 1940. Esses

    grupos concentravam seus estudos na linguagem verbal, especialmente na anlise sinttica da

    poesia. Comearam a estender, ento, tais conhecimentos para o estudo de outros cdigos

    estticos, como teatro, cinema, pintura e arte popular. Uma figura de destaque nesse contexto

    foi Roman Jakobson, que acreditava na possibilidade do trnsito entre sistemas distintos, a

    partir de um modelo comum, at ento utilizado nos estudos das lnguas naturais

    (OLIVEIRA, 2005, p.41). Na dcada de 70, uma nova gerao de semioticistas soviticos

    definem a Semitica da Cultura como encarregada de investigar os sistemas de signos sempreem conjunto com determinado contexto cultural.

    2Termo cunhado pelo terico russo Roman Jakobson. O estruturalismo pode ser definido como uma tentativade elucidar as condies objetivas que constituem todas as relaes lingsticas e sociais (EDGAR;SEDGWICK, 2003, p.115). No estruturalismo o significado uma questo apenas das relaes causaispertinentes a uma dada estrutura. Mais informaes em Edgar e Sedgwick (2003).3Referente ao filsofo, cientista e matemtico americano Charles Sanders Peirce.4Numa definio geral, o pragmatismo aborda o conceito de que todo sentido est na utilidade - ou efeito prtico- que qualquer proposio, ato ou objeto capaz de gerar. O pragmtico segue a lgica de que as idias e atos de

    qualquer pessoa somente so verdadeiros na qualidade de ferramentas para a soluo imediata de seusproblemas. Ou seja, toma-se a verdade pela utilidade. Na viso de Peirce, um dos fundadores dessa escola, "opragmatismo envolve dar nfase aos resultados concretos de nossos conceitos como um meio de determinar seuvalor como expresses de conhecimento" (EDGAR; SEDGWICK, 2003, p.259)

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    2.2 SEMITICA PEIRCEANA

    Tambm conhecida como Semitica Americana, foi fundada pelo cientista-lgico-

    filsofo norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914). Diferentemente das outras

    linhas tericas da Semitica, Peirce no partiu do estudo das lnguas naturais, mas criou uma

    teoria dos signos associada Lgica, com a funo de classificar e descrever todos os tipos de

    signos. Ele concebia a prpria Lgica, segundo Santaella (1985), como nascendo, na sua

    completude, dentro do campo de uma teoria geral dos signos, ou Semitica. Tudo para Peirce

    podia ser considerado entidade semitica, fosse objeto, idia e at o prprio ser humano. Era a

    viso pansemitica do mundo. Para classificar todo esse imenso universo de signos, ocientista criou trs categorias, as quais chamou Firstness, Secondness e Thirdness (em

    portugus: primeiridade, secundidade e terceiridade). Oliveira (2005, p.43) sintetiza essas trs

    categorias da seguinte forma:

    [. . .] primeiridade, como sendo a capacidade contemplativa do ser humano, o ato deapenas veros fenmenos, o acaso, o espontneo; secundidade, como a capacidadepara distinguir e discriminar as experincias, ou a reao aos fatos concretos;terceiridade, a capacidade de generalizar os fatos e organiz-los em categorias; nesse

    nvel, d-se, segundo ele, a mediao, o crescimento, a aquisio.

    Essas classificaes, segundo Peirce, so suficientes para o enquadramento de todos os

    fenmenos da natureza e da cultura, includos a o pensamento, os conhecimentos e mesmo o

    ser humano. Peirce classificou os signos em funo do tipo de relao existente entre o

    significante (a face perceptvel) e o referente (o representado, o objeto), e no o significado,

    da concepo saussureana. O signo de Peirce, segundo Joly (1996), uma trade: significante,

    referente e significado. Para exemplificar, consideremos uma fotografia (significante) quemostra uma me abraando o filho (referente), que pode significar amor, afeto, proteo

    (significados) ou qualquer outra coisa, dependendo do contexto. Peirce props distinguir trs

    tipos principais de signos: o cone, o ndice e o smbolo.

    O cone caracterizado pela relao de analogia do significante com o que ele

    representa, isto , seu referente. Por exemplo, a fotografia de uma pessoa (ou mesmo um

    desenho que a retrate) um cone, em razo da semelhana com a prpria pessoa.

    Um ndicetem a propriedade de indicar uma outra coisa com a qual ele est ligado.

    Existe uma conexo de fato entre ambos. Nuvens carregadas no cu, por exemplo,

    prenunciam chuva; funcionam como ndice.

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    O smbolotem a particularidade de no ser jamais completamente arbitrrio. Segundo

    Santaella (1985, p.91), o smbolo extrai seu poder de representao porque portador de

    uma lei que, por conveno ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu

    objeto. Consideremos, por exemplo, uma placa da legislao de trnsito brasileira:

    Figura 1 Placa de Regulamentao D a Preferncia

    Somente em decorrncia dessa conveno, desse pacto coletivo que associamos

    esse significante (o desenho da placa) ao significado D a preferncia. Nenhum tipo de lei

    natural indica que devemos associar um tringulo vermelho de cabea pra baixo obrigao

    de dar a preferncia de passagem a outro veculo. No existe uma relao de analogia entre o

    desenho da placa e o que ela representa, situao na qual ela poderia ser considerada um

    cone. O melhor exemplo de smbolos so as palavras, pois elas so signos de lei e gerais.

    Tomemos uma palavra,cachorro

    , por exemplo. O objeto que ela representa no este ouaquele cachorro em particular, mas todo e qualquer cachorro. O objeto representado pelo

    smbolo to genrico quanto o prprio smbolo, ou seja, uma idia abstrata.

    2.3 SEMITICA GREIMASIANA (OU DISCURSIVA)

    Tendo seu nome emprestado ao lingista lituano Algirdas Julien Greimas (1917-

    1992), essa corrente semitica originou-se nos desenvolvimentos tericos de Ferdinand de

    Saussure, organizador dos conceitos-chave da lingstica e principal nome da Semitica

    Francesa. Tem suas razes nas cincias da linguagem e no conceito de lngua como instituio

    social. A lingstica no se preocupa apenas com o estudo de sinais, mas com o

    comportamento e pensamento humanos em geral, j que, segundo Oliveira (2005), a

    linguagem apenas formata atos, vontades, sentimentos etc. Essa semitica, nas palavras de

    Codato e Lopes (2006, p.207), [. . .] entende o signo a partir de uma dualidade, significante/

    significado, recebe uma influncia mais humanstica e construda com base nas teorias da

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    linguagem.

    Greimas, com um grupo de semiolingistas franceses, desenvolve na dcada de 70 um

    modelo de base estruturalista, na tradio iniciada por Saussure e Louis Hjelmslev5 (1899-

    1965). Os esforos iniciais foram na descrio do plano de contedo dos discursos, para, em

    um segundo momento, concentrarem-se no plano da expresso.

    Seu projeto semitico se prope a estudar o discurso com base na idia de que uma

    estrutura narrativa se manifesta em qualquer tipo de texto (OLIVEIRA, 2005, p.46). Texto,

    aqui, no se refere apenas ao texto verbal, mas s mais diversas manifestaes comunicativas,

    como uma msica ou uma pintura, por exemplo. Esse aspecto o mais importante no

    contexto desse trabalho, que opera com imagens grficas e necessita de um mtodo que estude

    a produo de significao nesse tipo de texto. Assim, em razo do valioso instrumental

    terico que a corrente semitica de tradio francesa proporciona, especialmente atravs dos

    estudos de Greimas, foi escolhida essa linha terica para as anlises aqui desenvolvidas.

    2.3.1 O signo em Saussure

    Saussure (1988) inicia definindo o signo lingstico como uma unio indissocivel

    entre um conceito e uma imagem acstica, entendendo-se esta no como um simples som,

    mas como uma impresso psquica desse som. Por causa da ambigidade de se associar

    geralmente o signo somente imagem acstica, substituiu-se as terminologias imagem

    acstica e conceito por significante e significado, respectivamente. O signo lingstico,

    definido agora em termos dos plos significante e significado, possui dois princpios

    primordiais:a) A ligao entre o significante e o significado inteiramente arbitrria, o que nos

    leva a considerar o signo lingstico tambm arbitrrio. Dessa forma, a ligao

    entre a idia de copo e a seqncia de sons c-o-p-o, por exemplo, uma mera

    conveno, j que tal associao poderia ser feita com outras seqncias sonoras.

    O melhor exemplo disso a existncia de diferentes idiomas. O mesmo significado

    (copo) tem como significante glass para os norte-americanos e vaso para os

    espanhis, por exemplo;

    5Lingista dinamarqus.

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    b) Sendo de natureza auditiva, o significante desenvolve-se no tempo, representa uma

    extenso, mensurvel numa s dimenso. Esse carter aparece imediatamente

    quando os representamos pela escrita e substitumos a sucesso do tempo pela

    linha espacial dos signos grficos (SAUSSURE, 1988, p.84). Esse princpio

    muito importante para a compreenso do conceito de eixo sintagmtico, exposto

    mais adiante.

    Hjelmslev, seguidor da mesma linha saussureana, criou as denominaes plano da

    expresso e plano do contedo, em substituio ao significante e significado de Saussure.

    Tais conceitos so essenciais para a compreenso do mtodo de anlise utilizado neste

    trabalho, que ser explicado em momento oportuno.

    2.3.2 Eixos paradigmtico e sintagmtico

    Saussure (1988) define os sintagmas como as combinaes dos termos de um discurso

    que se alinham um aps o outro na cadeia da fala. So relaes baseadas no carter linear da

    lngua, que no permite pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. O sintagma requer ao

    menos duas unidades consecutivas, pois cada termo s adquire importncia na sua relao

    com o que o precede e/ou o segue. Uma sentena qualquer, ento, pode ser considerada um

    sintagma. Se trocamos aleatoriamente a ordem dos seus termos, bem possvel que se perca o

    sentido da comunicao.

    Fora do discurso, porm, as palavras podem se associar na memria e formar grupos

    dentro dos quais imperam relaes muito diversas, sem preocupao com as leis da gramtica,j que no se baseiam na extenso linear. Tomemos como exemplo a palavra ensinar. Ela

    pode trazer mente as similares ensinoe ensinemos, de mesmo radical, mas tambm lecionar

    ou instruir, se considerarmos os sinnimos, ou mesmo caminhar e ninar, caso estejamos

    buscando rimas para uma poesia, e inmeras outras. Nas palavras de Saussure (1988, p.146),

    Um termo dado como o centro de uma constelao, o ponto para onde convergem outros

    termos coordenados cuja soma indefinida. Saussure chama essas relaes de associativas,

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    enquanto outros autores convencionaram cham-las de relaes paradigmticas,6 em

    contraposio s relaes sintagmticasentre os sintagmasdefinidos acima.

    Criou-se, ento, os conceitos de eixo paradigmtico e eixo sintagmtico, o primeiro

    vertical (por mera conveno), tambm chamado de seleo (ou das relaes ou...ou), e o

    segundo horizontal, das relaes que pertencem ao domnio da fala, ou de combinao

    (relaes e...e). Por exemplo, consideremos o enunciado Estou compondo uma msica.

    Seus elementos esto numa relao sintagmtica, do domnio da fala. Cada um deles, porm,

    pode estar numa relao paradigmtica com algum outro termo (no do prprio enunciado)

    que poderia substitu-lo. Por exemplo, Estou pode ser trocado por Estarei ou Seguirei;

    compondo por escrevendo ou cantando, e msica por texto, poema ou qualquer outro termo,

    dependendo do contexto e da natureza do enunciado, com a ressalva de que apenas um dos

    termos de cada eixo paradigmtico seja vlido no enunciado produzido. Um perfeito exemplo

    para a compreenso desses conceitos seriam aquelas mquinas caa-nqueis que giram vrias

    figuras em torno de rodas paralelas. Estas, ao cessarem seus giros, uma a uma, devem mostrar

    todas a mesma gravura, para que se ganhe o prmio. Pois bem, entendamos a seqncia final

    de desenhos como o eixo sintagmtico, e cada roda giratria como um eixo paradigmtico.

    Figura 2 Mquina caa-nquel

    6Palavra derivada de paradigma, que, na definio de Greimas e Courts (1989, p.324), [. . .] uma classe de

    elementos que podem ocupar um mesmo lugar na cadeia sintagmtica ou, o que vem a dar no mesmo, um

    conjunto de elementos que podem substituir-se uns aos outros num mesmo contexto.

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    2.3.3 A funo potica da linguagem

    Assimilados os conceitos de eixo paradigmtico e sintagmtico, fica mais fcil

    compreender a funo potica da linguagem. Jakobson (1975) entende a Potica como

    encarregada do problema de identificar o que torna a mensagem verbal uma obra de arte.

    Muitos dos procedimentos estudados pela Potica, no entanto, no se restringem arte verbal.

    Um romance literrio, por exemplo, pode perfeitamente ser transformado em filme, ou mesmo

    em histria em quadrinhos; uma pera pode inspirar uma pintura, ou vice-versa, e ambas

    podem servir de motivo a uma escultura ou qualquer outra manifestao artstica. Muitas

    questes sobre a aplicabilidade e eventuais prejuzos (ou benefcios) estruturais de tais

    mudanas de formato podero surgir, mas isso no invalida a premissa de que as diferentes

    artes so comparveis. Segundo o autor, numerosos traos poticos pertencem no apenas

    cincia da linguagem, mas a toda a teoria dos signos, vale dizer, Semitica geral.

    (JAKOBSON, 1975, p.119).

    Jakobson (1975) define a funo potica da linguagem7como o enfoque da mensagem

    por ela prpria. Essa funo no est restrita aos domnios da poesia, assim como a anlise

    lingstica desta no pode se limitar funo potica. Tal funo dominante na arte verbal,

    mas no a nica que lhe d forma. Nas outras atividades verbais, como a prosa, desempenha

    papel secundrio. O autor d como exemplo os versos mnemnicos (como Trinta dias tem

    setembro), a famosa mensagem da vitria de Csar (Veni, vidi, vici) e os modernosjingles

    de propaganda, entre outros todos esses textos mtricos fazem uso da funo potica sem,

    contudo, atribuir-lhe o papel coercitivo, determinante, que ela tem na poesia (JAKOBSON,

    1975, p.131).

    A caracterstica primordial da funo potica, segundo o autor, a projeo doprincpio de equivalncia do eixo de seleo sobre o eixo de combinao

    8. Em termos

    simples, isso quer dizer que se permite uma quebra de princpios da construo sinttica,

    ditadas pela gramtica normativa, e que a construo sintagmtica (a composio dos versos)

    obtida mediante referncia ao repertrio paradigmtico. E essa prpria similaridade

    superposta contigidade, em outras palavras, que confere poesia seu carter simblico,

    7Junto com as funes emotiva, referencial, ftica, conativa e metalingstica. Para as definies destas, consulte

    Jakobson (1975, p.123).8ou seja, nada mais do que os eixos paradigmtico e sintagmtico, j vistos.

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    multiforme e polissmico. Toda mensagem voltada para si prpria, estatuto bsico da poesia,

    tem a ambigidade como caracterstica intrnseca. uma mensagem de duplo sentido.

    A repetncia produzida pela aplicao do princpio de equivalncia seqnciatorna reiterveis no apenas as seqncias da mensagem potica, mas a totalidadedesta. A capacidade de reiterao, imediata ou retardada, a reificao9 de umamensagem potica e de seus constituintes, a converso de uma mensagem em algoduradouro tudo isto representa, de fato, uma propriedade inerente e efetiva dapoesia. (JAKOBSON, 1975, p.150)

    Um belo exemplo da aplicao de tais conceitos encontra-se na cano Construo10

    (Chico Buarque, 1971), da qual foram selecionados alguns trechos:

    E flutuou no ar como se fosse um pssaroE se acabou no cho feito um pacote flcidoAgonizou no meio do passeio pblicoMorreu na contramo atrapalhando o trfego

    [. . .]

    E flutuou no ar como se fosse sbadoE se acabou no cho feito um pacote tmidoAgonizou no meio do passeio nufragoMorreu na contramo atrapalhando o pblico

    [. . .]

    E flutuou no ar como se fosse um prncipeE se acabou no cho feito um pacote bbadoMorreu na contra-mo atrapalhando o sbado

    Percebe-se aqui o espetacular efeito de sentido alcanado com a mtrica rgida e as

    palavras proparoxtonas ao final de cada verso, proporcionando e acompanhando o ritmo da

    cano. Na composio completa, nota-se que as estrofes se repetem, mudando apenas altima palavra (o substantivo ou adjetivo proparoxtono) de cada verso, e estas so

    intercambiveis entre si. Em outras palavras, contada a mesma histria, mas substituindo-se

    os termos finais de cada verso (sintagma) com outros retirados de um mesmo repertrio (um

    eixo paradigmtico), este limitado e formado pelas proparoxtonas dos prprios versos das

    estrofes antecedentes. Apesar desse troca-troca gerar algumas inconsistncias, como

    pacote tmido, passeio nufrago ou mesmo flutuou no ar como se fosse um prncipe,

    9Segundo definio de Ferreira (1975): No processo de alienao, o momento em que a caracterstica de seruma coisa se torna tpica da realidade objetiva.10Letra disponvel em: . Acesso em: 7 nov. 2007.

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    essa uma prerrogativa da poesia e da linguagem potica. Pode-se, nesse campo, atribuir

    caractersticas e atos humanos a objetos, habilidades animais a seres humanos, bem como as

    construes metafricas mais inusitadas. Ainda assim, e esse o aspecto que confere funo

    potica sua grande eficincia comunicacional, os versos alterados do exemplo continuam

    fazendo sentido, graas ambigidadecitada anteriormente. A capacidade de reiterao,

    a converso de uma mensagem em algo duradouro, de Jakobson (1975), esto perfeitamente

    figurativizadas nesta cano, que coloca um ser humano dentro de um jogo de palavras,

    como se fosse... um tijolo, nas palavras do prprio compositor.11

    2.3.4 O Semi-simbolismo

    Temos, agora, a base terica necessria para compreender o semi-simbolismo, um dos

    conceitos-chave desse texto. A seguinte definio de Floch12

    (1999), facilita a correlao dos

    conceitos vistos at agora com os que vm a seguir:

    Para a semitica, o sentido de qualquer linguagem - fala, escrita, gesto, desenho - oresultado da reunio de dois planos que toda linguagem possui: o plano da expresso

    e o plano do contedo. O plano da expresso aquele em que as qualidades

    sensveis, que a linguagem usa para se manifestar, so selecionadas e articuladasentre si por traos diferenciais. O plano do contedo aquele em que a significao

    nasce dos traos diferenciais com os quais cada cultura, na leitura do mundo, ordena

    e encadeia idias e narrativas.

    Como citado anteriormente, Louis Hjelmslev criou as denominaes plano de

    expressoe plano de contedo em substituio ao significantee significadode Saussure. A

    semitica distingue trs grandes tipos de linguagem segundo a natureza dessa relao: os

    sistemas simblicos, os sistemas semiticos e os sistemas semi-simblicos. As definies a

    seguir foram extradas do mesmo texto de Floch (1999).

    Os sistemas simblicos compreendem as linguagens em que os dois planos esto em

    conformidade total: h uma relao um a um entre os elementos da expresso e do contedo,

    de modo que no h necessidade de se distinguir o plano de expresso do plano de contedo,

    11Fonte: Frum cifraclub. Disponvel em: . Acesso em: 12jun. 2008.12 Jean-Marie Floch foi um dos mais prximos colaboradores de Greimas na elaborao da teoria semitica

    geral. Mais informaes em: . Acesso em: 29 out. 2007.

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    por terem eles a mesma forma. As linguagens formais, as placas de trnsito ou qualquer outra

    categoria de smbolos podem ser tomadas como exemplos.

    Nos sistemas semiticos propriamente ditos no h conformidade entre os dois planos

    da linguagem. Precisa-se estudar separadamente expresso e contedo. As lnguas naturais

    (ingls, francs etc) pertencem a este grupo, da mesma forma que os sistemas semiticos no-

    lingsticos, como a linguagem de sinais, por exemplo.

    Os sistemas semi-simblicos, por sua vez, caracterizam-se pela conformidade no

    entre elementos isolados dos dois planos, mas entre categorias da expresso e categorias do

    contedo. Consideremos, aqui, categorias como to somente conjuntos de elementos

    comparveis entre si, independente de sua natureza. Por exemplo, conjunto de cores, conjunto

    de adjetivos, de sentimentos etc. Esse terceiro tipo de linguagem, interdefinvel em relao

    aos dois precedentes, foi desenvolvida para dar conta das particularidades de anlise de outros

    tipos de textos (na concepo greimasiana de texto, definida anteriormente), como a poesia, a

    pintura, a fotografia etc.

    O plano da expresso, s trazido ao foco da ateno em um segundo momento do

    desenvolvimento terico da semitica, passa a ser estudado quando uma categoria do

    significante se relaciona com uma categoria do significado (relao entre forma da expresso

    e forma do contedo). Pietroforte (2007b, p.8) define resumidamente o semi-simbolismoentre o arbitrrio do signo e o motivado do smbolo. A relao semi-simblica, segundo o

    autor, arbitrria porque fixada em determinado contexto, mas motivada pela relao

    estabelecida entre os dois planos da linguagem (2007b, p.8). Essa relao entre uma forma

    de expresso e uma forma de contedo pressupe uma relao entre os eixos paradigmticos

    de cada uma dessas formas. O autor oferece um bom exemplo prtico dessa teoria:

    Se em uma pintura, por exemplo, as cores quentes so relacionadas a contedos dosagrado, e as cores frias13, do profano, em seu texto h uma projeo no eixosintagmtico da relao entre os paradigmas que formam a categoria de expressocor quente vs. cor fria e a categoria de contedo sagrado vs. profano.(PIETROFORTE, 2007b, p.10)

    13A polaridade cor quente vs. cor fria uma conveno originada dos cdigos primrios de percepo das corese de cdigos culturais, segundo Guimares (2000). Para o autor, o quente relacionado aos matizes da faixa

    amarelo-laranja-vermelho, e o frio, faixa verde-azul, e essa separao corresponde a uma similaridade com omundo natural e a relao dele com o corpo humano: os tons verdes e azuis e os elementos relacionados aresfriamento, gua e ar; e os tons vermelhos e amarelos e os elementos relacionados a aquecimento, fogo e sol(GUIMARES, 2000, p.80).

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    Observa-se, aqui, a idia central do semi-simbolismo: a relao entre paradigmasde

    cada plano, e no entre elementos individuais. Todas as cores quentes, na pintura do exemplo,

    vo remeter idia de sagrado, ao mesmo tempo em que a cores frias relacionar-se-o idia

    de profano, e essas duplas (na expresso e no contedo) devem ser indissociveis e

    interconectadas para que haja o semi-simbolismo.

    2.3.5 Juntando os conceitos

    Pois bem. Todo esse referencial terico foi necessrio para que se compreenda a

    metodologia de anlise que ser implementada neste trabalho. A partir da definio da funo

    potica da linguagem (projeo do eixo paradigmtico no sintagmtico), de Roman Jakobson,

    Jean-Marie Floch define a semitica semi-simblica do mesmo modo, dentro dos domnios da

    semitica potica. Pietroforte (2007b), cuja obra baseada nos estudos de Floch, inicia

    tomando como exemplo a rima e a metfora em um texto verbal: no caso da rima (plano de

    expresso), as relaes paradigmticas estabelecidas entre significantes semelhantes (por ex:

    mvel, incrvel, volvel etc.) so projetadas no eixo sintagmtico; e para se formar a metfora

    no plano de contedo, so projetadas as relaes paradigmticas estabelecidas entre

    significados. Por exemplo, na metfora Seus olhos parecem dois oceanos, o substantivo

    oceanos poderia dar lugar a diamantes, ou mesmo sis. Essas projees so suficientes

    para que haja poeticidade, mas no necessariamente semi-simbolismo. Para que este se

    manifeste, deve haver uma relao entre os dois planos, a partir dos seus eixos

    paradigmticos. Nas palavras do autor, a relao entre uma forma de expresso e uma forma

    de contedo manifesta-se quando h uma relao entre os eixos paradigmticos de cada umadelas, e quando eles so projetados no eixo sintagmtico (PIETROFORTE, 2007b, p.9).

    A obra Operrios (Tarsila do Amaral, 1933)14

    , pode-nos fornecer um bom exemplo de

    semi-simbolismo em um texto visual.

    14Disponvel em: . Acesso em 10 nov. 2007.

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    Figura 3 Operrios Tarsila do Amaral

    Aps uma anlise da composio visual dessa obra, podemos associar, por exemplo,

    as formas retas e ortogonais, que formam os prdios e chamins ao fundo, a contedos de

    impessoalidade e frieza da cidade grande; as feies multiformes, arredondadas e de

    disposio diagonal das pessoas, por outro lado, seriam naturalmente associadas

    humanidade, calor e sentimentos (ou alguma outra caracterstica a critrio do observador)

    num plano de contedo. Nesse texto, ento, h uma projeo no eixo sintagmtico (a pintura

    como um todo) da relao entre os paradigmas que formam a categoria de expresso retas

    ortogonais vs. multiformas diagonais e a categoria de contedo impessoalidade vs.

    humanidade. Manifesta-se, ento, uma relao semi-simblica.

    Segundo Pietroforte (2007a), a semitica plstica opera com trs categorias:

    a) Cromticas relativas manifestao por meio da cor, incluindo tambm

    oposies de valor (claro x escuro), tonalidade (quente x frio), pureza (cor limpa x

    cor suja) e de luminosidade (brilhante x opaco);

    b) Eidticas referentes manifestao por meio da forma (reto x curvo, angular x

    arredondado etc);

    c) Topolgicas preocupam-se com a distribuio dos elementos no espao.

    Contempla as relaes de dimenso (grande x pequeno), de posio (alto x baixo),

    de orientao (na frente x atrs), entre outras.

    O exemplo oferecido demonstra a relao semi-simblica entre formas plsticas e

    semnticas num sistema semitico plstico, mas a semitica semi-simblica no comporta

    apenas a semitica plstica. Pietroforte (2007b) d-nos um belo exemplo da validade dessa

    afirmao ao propor uma semitica gustativa, preocupada com a relao entre sabores.

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    Relacionando uma categoria com as polaridades doce vs. salgado, ento, com a categoria de

    contedo infantil vs. adulto, criou um semi-simbolismo fora da semitica plstica.

    Temos agora condies de situar o semi-simbolismo dentro da semitica da seguinte

    forma:

    Figura 4 - Hierarquia das SemiticasFonte: Produo do autor

    A teoria e metodologia de anlise acima descrita, a partir do posicionamento do semi-

    simbolismo na semitica, foi desenvolvida, segundo Pietroforte (2007b), por Jean-Marie

    Floch na sua obra Petites mythologies de l'oeil et de l'esprit.Floch utiliza o semi-simbolismo

    na anlise de diversas manifestaes artsticas, como pintura, fotografia, histrias em

    quadrinhos, propaganda publicitria etc. Pela grande versatilidade, eficincia e adequabilidade

    do seu mtodo, foi o mesmo eleito para a desconstruo e avaliao semitica dos cartazes

    selecionados neste trabalho.

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    3 O CARTAZ

    Entende-se o cartaz como um suporte, normalmente em papel, afixado em locais

    pblicos e com o objetivo de divulgar visualmente uma informao, que pode ser comercial,

    de carter poltico ou mesmo como uma pea de valor meramente esttico. De acordo com

    Moles (1978, p.20), [. . .] nos pases capitalistas, um mecanismo publicitrio ligado a

    motivaes scio-econmicas, um dos elementos outrora auxiliadores e doravante motores

    da sociedade de consumo; por outro lado, uma das formas modernas de arte na cidade. Na

    sua obra O Cartaz, o autor ressalta o papel desse meio na construo de uma cultura visual

    nos centros urbanos. Correlacionando o cartaz de propaganda e o de publicidade1, afirma

    Moles (1978, p.47):

    [. . .] se nossa cultura tudo o que, numa certa poca, est inscrito de modo

    permanente em nossa memria para condicionar nossas reaes, o cartaz de

    propaganda sugere uma imagem da cultura que retomada integralmente, tornada

    mais sutil e mais profunda pelo cartaz de publicidade, utilizando os mesmos

    mtodos.

    O cartaz tambm recebe, com freqncia, a denominao de pster. Embora muitosconsiderem as terminologias equivalentes, o pster, no Brasil, usado para designar peas de

    carter mais artstico e de decorao (psteres de bandas, times de futebol, mulheres),

    enquanto que ao cartaz reservada a funo comunicativa em um espao pblico. Ou seja, o

    primeiro valorizado pelo seu carter esttico, e o segundo, pelo funcional.2

    As reas culturais que mais demandam a produo de cartazes, nas palavras de Paulo

    Moretto,3so o cinema, o teatro, as artes plsticas, a msica e, mais timidamente, o circo e a

    poltica. Segundo ele, os cartazes de cinema e teatro possuem abordagens menos literais do

    contedo divulgado, enquanto que aqueles de artes plsticas costumam reproduzir imagens de

    obras de arte pertencentes exposio anunciada.

    1Segundo definies de SantAnna (2002), utilizaremos a palavra publicidade no sentido de divulgar, tornar

    pblico, e propaganda na acepo de implantar, de incluir uma idia, um conceito na mente alheia.2CARTAZ. In: Wikipdia - a enciclopdia livre. Disponvel em: Acesso

    em: 22 mai 2008.3Paulo Moretto arquiteto/mestre pela FAU USP (1991/2004) e foi curador da exposio A Cultura doCartaz, no Instituto Tomie Ohtake, ocorrida em So Paulo, de 28 de abril a 08 de junho de 2008. Mais

    informaes em Portal Vitruvius. Disponvel em:

    Acesso em: 23 mai 2008.

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    3.1DA PARIS BOMIA DO SCULO XIX AOS DIAS DE HOJE - BREVE HISTRICO

    DO CARTAZ

    Os primeiros cartazes de que se tem notcia foram produzidos por meio de

    xilogravuras,4 utilizando-se matrizes de madeira. Os precursores da tcnica foram os povos

    orientais, principalmente japoneses e chineses, ainda no sculo X. Somente na segunda

    metade do sculo XIX, porm, a arte de reunir textos e ilustraes em uma folha de papel

    alcanou projeo, ao ser propagada pelos mercadores europeus e contando com a

    sofisticao proporcionada pelos artistas plsticos da poca.

    Jules Chret foi um expoente no perodo, representando a integrao entre produoartstica e industrial por meio do cartaz. No ano de 1858, em Paris, Chret produziu seu

    primeiro cartaz litogrfico5colorido, segundo Rupp (1992). Seu estilo atingiu o auge por volta

    de 1880, com cartazes que promoviam espetculos populares, mostrando danarinas e atores.

    Pode-se dizer que Chret foi um precursor de Henri de Toulouse-Lautrec, famoso pintor ps-

    impressionista francs, consagrado por retratar cenas da vida noturna e do submundo

    parisiense. Como o primeiro, Toulouse-Lautrec assinou centenas de cartazes de divulgao de

    espetculos de cabar, ento reproduzidos atravs de litografia. Foi em suas mos que a artepublicitria, com influncia impressionista, tornou-se famosa. A fotografia j existia h

    algumas dcadas, mas no havia tecnologia para reproduzi-la em grandes formatos e larga

    escala. A soluo era a pintura, transferida mo para a superfcie das pedras litogrficas.

    A virada do sculo foi caracterizada pelo movimento do Art Nouveau.6 Os cartazes

    artsticos deste perodo demonstravam liberdade esttica e ousadia criativa. Seus artistas,

    segundo Rupp (1992, p.15), tinham a inteno de integrar arte com sociedade, numa

    concepo esttica de harmonizar o racional com o emocional. Misturavam, nos cartazes,motivos orgnicos (cobras sinuosas, flores, plantas) com uma imaginao fantasiosa.

    4Xilogravura a tcnica de gravura na qual se utiliza madeira como matriz e possibilita a reproduo da imagemgravada sobre papel ou outro suporte adequado. um processo muito parecido com um carimbo. Fonte:XILOGRAVURA. In: Wikipdia - a enciclopdia livre. Disponvel em:. Acesso em: 16 abr 2008.5Litografia uma tcnica de gravura que envolve a criao de marcas (ou desenhos) sobre uma matriz de pedracalcria com um lpis gorduroso. A matriz, ento, recebe tinta, que retida pelas partes gordurosas para que odesenho possa ser "carimbado" no papel. Antes disso, a tinta excedente na matriz removida com gua. A base

    dessa tcnica o princpio da repulso entre gua e leo. Fonte: LITOGRAFIA. In: Wikipdia - a enciclopdialivre. Disponvel em: . Acesso em: 16 abr. 2008.6Informaes sobre oArt Nouveau, bem como de outros movimentos artsticos do sc. XX, podem serencontradas em Merer (sd).

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    Passaram a desenvolver tambm seu prprio lettering,7firmando as bases do que viria a ser

    reconhecido como design8grfico.

    Entre as dcadas de 20 e 30 do sculo XX, vrios movimentos artsticos, como a

    Bauhaus,De Stijl, Futurismo, Cubismo, entre outros, exerceram influncia na pintura e design

    de cartazes. Estes, porm, eram destinados em sua maioria a promover produtos comerciais

    ou eventos culturais.

    Durante a Segunda Guerra Mundial, os cartazes, em vez de anunciar produtos e

    espetculos, passaram a ser utilizados como instrumentos da propaganda de guerra, seja

    incentivando o recrutamento, veiculando informaes etc. As mensagens deveriam ser diretas

    e eficazes, e ficaram a cargo de jovens designers modernistas. Houve uma grande sofisticao

    neste tipo de design, que foi aproveitada posteriormente nos cartazes comerciais.

    O perodo de expanso tecnolgica e industrial dos EUA no ps-guerra, de acordo

    com Rupp (1992), alavancou a incipiente sociedade de consumo, e os cartazes, com vistas a

    atingir uma parcela maior do pblico, passaram a trazer elementos populares.

    Na dcada de 60, os cartazes passaram a ser encarados e vendidos como obras de arte,

    atraindo a ateno de colecionadores. Grandes artistas dos EUA e Europa, como Andy

    Warhol, Ren Magritte e Roy Lichtenstein produziam cartazes sob encomenda de museus e

    galerias de arte.

    Movimentos de fundo poltico/social, como o estudantil, o psicodelismo e o punk, nas

    dcadas de 60 e 70, acabaram por influenciar de forma decisiva o design grfico. Os cartazes

    desta poca eram caracterizados por um design exclusivo, com letreiros praticamente

    ilegveis, s decifrveis pelos grupos aos quais se destinavam. O psicodelismo comeou na

    costa oeste dos EUA e se espalhou pela Europa com o movimento hippie.

    Segundo Paulo Moretto, Os cartazes sintetizam, graficamente, o esprito da poca em

    que so criados e, portanto, acabam servindo como guia visual da Histria. A prpriahistria do cartaz reflete o desenvolvimento tecnolgico e cultural por que passaram as

    sociedades que os produziram.9

    Nos dias de hoje, apesar da inegvel superioridade do meio TV nesse tipo de

    divulgao, o comrcio e o governo no abriram mo da comunicao direta e eficaz do

    cartaz. A tecnologia digital vem desempenhando um papel fundamental no design atual, com

    7Lettering refere-se a uma personalizao no desenho e aspecto de todos os caracteres do alfabeto, numerais e

    smbolos a serem utilizados em mensagens literais.8Design, segundo Denis (2004, p.15) definido como a elaborao de projetos para a produo em srie deobjetos por meios mecnicos.9Fonte: Portal Fator Brasil. Disponvel em: .

    Acesso em: 13 jun. 2008.

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    softwares e hardware que permitem a manipulao de fotos, imagens e tipografia em nveis

    inimaginveis dcadas atrs.

    3.2 DESIGN DE CARTAZES NO BRASIL

    Nosso pas sempre foi reconhecido por possuir uma produo cultural diversificada e

    de altssima qualidade, sendo inclusive exportador por excelncia em determinados

    segmentos, como as telenovelas. O design de cartazes no poderia ficar pra trs.

    Considerando-se a produo de cartazes de cinema em particular, torna-se obrigatria areferncia ao artista Jos Luiz Bencio, um dos maiores ilustradores brasileiros do sculo XX,

    com uma vasta produo no s na arte dos cartazes, mas tambm nas reas editorial e

    publicitria.10 Num perodo superior a trs dcadas, Bencio produziu mais de 300 peas

    grficas para o cinema nacional, muitas delas ganhadoras de prmios. Entre suas criaes,

    destacam-se cartazes de grandes sucessos de bilheteria, como Independncia ou Morte

    (Carlos Coimbra, 1972),Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, 1976) e O beijo no

    asfalto (Bruno Barreto, 1980), alm de vrios filmes dos Trapalhes. Em 2007, a Academiade Cinema Brasileiro concedeu-lhe prmio especial pelo conjunto de sua obra.

    Outro profissional de atuao consolidada na arte dos cartazes o artista grfico

    Fernando Pimenta, criador das ilustraes de outros grandes sucessos das telas, comoBye, bye

    Brazil(Cac Diegues, 1979), Bonitinha mas ordinria(Braz Chediak, 1981), Eu sei que vou

    te amar (Arnaldo Jabor, 1986) e outros.11 Para ele, o segredo do sucesso nessa profisso

    muita criatividade, um pouco de loucura e boa dose de emoo.

    Para completar, merece tambm referncia o designer grfico Rogrio Duarte, autor decartazes e capas de disco no perodo da Tropiclia.12Aliando princpios construtivos advindos

    da Pop Art com elementos da cultura popular brasileira, Duarte realizou uma verdadeira

    antropofagia visual, digna das idias preconizadas pelos modernistas paulistas de 1922

    (DENIS, 2004, p.179). de sua autoria o cartaz do filme Deus e o diabo na terra do sol

    10Fonte: Bencio Ilustrador. Disponvel em: Acesso em: 23 mai. 2008.11Fonte: O Globo Online. Disponvel em: Acesso em: 23 mai. 2008.12Nas palavras de Denis (2004, p.179), o movimento artstico conhecido como Tropiclia buscou no chamadodesbunde uma forma de libertao do clima opressivo que regia as relaes sociais nos anos de chumbo daditadura militar. Foi um movimento influenciado pela Pop Art, de origem inglesa, que visava injetar o humor,o acaso e o mau gosto assumido no seio da esttica moderna (DENIS, 2004, p.179).

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    (Glauber Rocha, 1964), segundo longa-metragem do cineasta Glauber Rocha, lanado dois

    meses aps o golpe militar. Sua temtica lanava um outro olhar sobre a realidade do serto

    nordestino, tratando de temas como o cangao, o coronelismo, o beatismo e a literatura de

    Cordel. Apesar de no ter alcanado, num primeiro momento, sucesso comercial e de pblico,

    considerado, segundo Borges et al. (2006, p.4), um dos filmes mais representativos do

    Cinema Novo, detonando um processo consciente-inconsciente na cultura brasileira.

    Figura 5 - Cartaz do filmeDeus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1964)

    Fonte: Site Adoro Cinema Brasileiro13

    13Disponvel em: .

    Acesso em: 13 jun. 2008.

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    4 TRS DCADAS DE CINEMA BRASILEIRO

    Este captulo prope-se a situar o leitor no contexto cinematogrfico nacional em que

    se inserem as duas produes selecionadas: os filmes Pixote(Hector Babenco, 1980) e Cidade

    de Deus (Fernando Meirelles e Ktia Lund, 2002). Para isso, trar breves recortes dos

    perodos histricos compreendidos pelas dcadas de 70, 80 e 90, sempre em relao

    atividade de cinema. Ilustrar, ainda, cada perodo com algumas produes de sucesso que o

    caracterizaram, acompanhadas de uma breve sinopse. No h, aqui, a inteno de se fazer um

    guia da cinematografia nacional, at porque, alm do reduzido nmero de filmes citados

    (priorizou-se o gnero drama, em conformidade com as obras-tema desse trabalho), no hmaiores informaes sobre as produes alm do ano de lanamento, diretor e sinopse.

    Como o filme Pixote foi lanado em 1980, achou-se necessrio discorrer sobre o

    perodo e a filmografia da dcada anterior, a fim de se situar as bases, o contexto que o

    originou. Da mesma forma, no menos importantes so as produes que a ele se seguiram,

    na dcada de 80. O mesmo motivo foi considerado para a abordagem da cinematografia da

    dcada de 90, j que o lanamento de Cidade de Deus data de 2002. Por ter sido lanado,

    como o anterior, no incio da dcada, no se julgou necessria uma pesquisa sobre asprodues e contexto histrico posteriores, at pelo fato de no distarem muito da realidade

    do leitor.

    Sendo assim, voltemos um pouquinho no tempo.

    4.1 DCADA DE 70 ENTRE A PORNOCHANCHADA E A PREOCUPAO COM

    TEMAS SOCIAIS

    Neste perodo, apesar de todo o clima de represso do regime militar, a classe

    cinematogrfica enfim reconhecida, tendo sua profisso regulamentada no mbito das Leis

    Trabalhistas.

    Em 1976 foi criado o Conselho Nacional de Cinema Concine, rgo de orientao

    normativa, responsvel pela fiscalizao das diversas atividades cinematogrficas em todo o

    territrio nacional. Foi atravs de suas resolues que se normalizou a exibio de filmes

    nacionais de curta e longa-metragem, segundo Moreno (1994).

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    Com o declnio do Tropicalismo, no Cinema Novo,1e do Cinema Marginal,

    2ambos da

    dcada anterior, surge uma produo cinematogrfica com nfase em duas categorias:

    a)

    Pornochanchadas: trata-se de comdias erticas bastante comuns no final da

    dcada de 60 e incio dos anos 70, refletindo uma adequao da indstria do

    cinema ao mercado do consumo, pelas vias do erotismo e da sensualidade.

    Segundo Seligman (2003, p.39), so filmes supostamente erticos, to

    pornogrficos quanto a grande massa espectadora desejava ver e to incuos

    quanto a censura militar prezava para um pas que caminhava rumo ao

    desenvolvimento". Para Moreno (1994), significavam uma reao represso

    poltica e censura a que estavam subjugadas todas as manifestaes artsticas, ao

    mesmo tempo em que garantiram a sobrevivncia de muitos cineastas do perodo;

    b) Documentrios (ou fico com documentrio): A dcada de 70 foi bastante

    frutfera neste gnero, com filmes mais conscientes da realidade brasileira,

    mostrando a classe mdia, suas lutas e sua crescente politizao. Os documentrios

    traziam, por vezes, dramatizaes dos acontecimentos, sendo chamados, segundo

    Moreno (1994), de docudrama. Enfocavam principalmente a classe operria e

    seus movimentos de paralisao das fbricas, notadamente no ABC paulista.

    A dcada de 70 foi a mais produtiva em nmero de filmes: 820 longas-metragens,

    entre fico e documentrios, de acordo com Bilharinho (1997). Houve tambm um grande

    crescimento no nmero de produtoras, muitas delas formadas pelos prprios cineastas. Entre

    as produes do perodo, destacam-se:3

    O Pas de So Saru (Vladimir Carvalho, 1971) documentrio que focaliza aregio sertaneja do Rio do Peixe, no Nordeste brasileiro; um filme denso sobre a

    relao do homem com a terra. As imagens realistas das dificuldades de

    sobrevivncia no serto surgem de modo particularmente forte na tela;

    1Segundo Moreno (1994, p.151), [. . .] o movimento surgiu como resposta ao cinema de estdio e

    mediocridade da chanchada; a isto se somaram a presso intelectual para romper com o conformismo do passado

    e um certo clima de otimismo, em prol da realizao de filmes de ousadia e modernidade formal.2O Cinema Marginal, segundo Murari (2007), se opunha ao Cinema Novo, considerando este europeizado e de

    difcil assimilao pelo povo brasileiro. Os Marginais pregavam uma contracultura, uma antiesttica e rejeitavam

    o cinema bem feito em favor da esttica do lixo. Um filme desse contexto que alcanou grande sucesso foi OBandido da Luz Vermelha(Rogrio Sganzerla, 1968).3As informaes sobre filmes, nesta e nas prximas sees, provm do site Adoro Cinema Brasileiro.

    Disponvel em: .

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    Toda nudez ser castigada(Arnaldo Jabor, 1973) - Herculano um homem vivo

    e puritano, que jura ao seu filho que nunca ter uma outra mulher; mas ele se

    apaixona por Geni, uma prostituta;

    Ainda agarro essa vizinha (Pedro Carlos Rovai, 1974) - Comdia apimentada

    sobre um inveterado paquerador que pretende se aproveitar da virgindade de

    Tereza, moa chegada do interior. Em meio a inmeras confuses, acaba se

    apaixonando pela donzela;

    Dona Flor e seus dois maridos(Bruno Barreto, 1976) - comdia baseada no livro

    homnimo de Jorge Amado, ambientada na Bahia dos anos 40. Viva de malandro

    casa-se com recatado farmacutico, mas recebe visitas constantes do esprito do

    falecido, o que a deixa indecisa;

    Lcio Flvio, o passageiro da agonia (Hector Babenco, 1977) - Narra os ltimos

    momentos da vida de Lcio Flvio, que conta para o reprter de um jornal como se

    tornou um dos bandidos mais populares do Rio de Janeiro. Grande sucesso do

    cinema brasileiro, com um pblico de mais de cinco milhes de pessoas;

    Canudos(Ipojuca Pontes, 1978) - documentrio realizado a partir de depoimentos

    de remanescentes e estudiosos da Campanha de Canudos, ocorrida em 1896 no

    serto da Bahia;

    Bye bye Brasil (Cac Diegues, 1979) um grupo de artistas ambulantes cruza o

    pas, num caminho, fazendo espetculos para o setor mais humilde da populao

    brasileira, sem acesso televiso.

    Apesar do grande nmero de produes, o cinema brasileiro pouco se renovou na

    dcada de 70, sendo at considerado decadente por alguns. Alm dos entraves representados

    pelos problemas de exibio (censura), deve-se levar em conta, tambm, o advento da

    televiso, que acabou granjeando a maior parte do pblico.

    Ainda assim, observou-se ao final do perodo um maior cuidado com a qualidade

    tcnica dos filmes, dando um sopro de vitalidade nossa cinematografia. Servem como

    exemplo, segundo Moreno (1994), os j citadosLcio Flvio, o passageiro da agonia eDona

    Flor e seus dois maridos.

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    4.2 DCADA DE 80 NOSSO CINEMA SE CONSOLIDA

    A dcada de 80, se comparada aos anos anteriores, enfrenta uma certa retrao na

    atividade cinematogrfica. Desconsiderando-se o filme porn, que teve um crescimento

    considervel no perodo, segundo Bilharinho (1997), os demais gneros no ultrapassam 50%

    do nmero de ttulos produzidos na dcada anterior. Por outro lado, proporcionalmente a essa

    produo, significativo o nmero de filmes de boa qualidade, compreendendo talvez 40%

    dos melhores filmes brasileiros produzidos at ento, de acordo com o mesmo autor.4

    Graas Lei do Curta5 (de 1975, mas aperfeioada em 1984), que determina a

    exibio de um curta-metragem nacional antes de um longa estrangeiro, surgem em todo opas novos cineastas e novas propostas de produo, fazendo crescer o segmento e

    conquistando inclusive prmios internacionais.

    Em julho de 1988, foi criada a Fundao do Cinema Brasileiro, rgo de

    desenvolvimento e difuso do cinema como manifestao cultural (curta e mdia metragem),

    substituindo a Embrafilme, criada em 1969 pelo regime militar e voltada para a produo de

    longas-metragens, bem como sua divulgao no exterior.

    Dentre as produes do perodo, observa-se uma forte tendncia a retratar a realidadebrasileira e as camadas desfavorecidas da populao, assim como os resqucios do nebuloso

    regime militar que se dissolvia:

    Ato de violncia(Eduardo Escorel, 1980) narra a dura vida de um ex-presidirio

    que, ao ver todas as portas se fecharem devido ao seu passado, acaba reincidindo

    no crime; questiona a validade do sistema carcerrio brasileiro e as relaes do

    marginal com a sociedade; O homem que virou suco(Joo Batista de Andrade, 1980) aborda a condio dos

    operrios de obra da grande So Paulo, especialmente nordestinos, que, em

    decorrncia das migraes, acabam perdendo sua identidade. Isso traz diversos

    conflitos, alm do surgimento das favelas e problemas advindos;

    4Levando-se em conta que tal anlise foi feita at o ano de 1997, ocasio do lanamento da obra Cem anos de

    cinema brasileiro, de Guido Bilharinho.5A base da Lei do Curta o artigo 13 da Lei Federal 6.281, disponvel em: Acesso em:26 mai. 2008.

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    Eles no usam black-tie(Leon Hirszman, 1981) mostra a resistncia operria da

    indstria metalrgica durante os longos dias de uma greve;

    Pra frente, Brasil (Roberto Farias, 1983) lanamento polmico por mexer em

    feridas recentes, como a represso militar da dcada anterior; cidado inocente

    capturado pelos militares, torturado e morto;

    Cabra marcado para morrer (Eduardo Coutinho, 1984) produo iniciada em

    1964, mas interrompida pelo golpe militar, sendo retomada 17 anos depois; trata

    do velho e sangrento conflito camponeses vs. latifundirios no Nordeste;

    O Beijo da Mulher-Aranha (Hector Babenco, 1985) - produo conjunta Brasil-

    EUA, ganhador de vrios prmios. Dois prisioneiros, um homossexual e um

    militante poltico, vo progressivamente eliminando as diferenas, os preconceitos

    e o medo recproco, para descobrirem a solidariedade, o respeito mtuo, a

    dignidade e a amizade;

    Anjos do Arrabalde (Carlos Reichenbach, 1986) - histria de trs professoras que

    do aula na periferia de So Paulo e so obrigadas a conviver com a pobreza local

    e a violncia;

    O pas dos tenentes (Joo Batista de Andrade, 1987) - Um general da reserva,

    isolado em sua casa de campo, vive com suas lembranas de momentos dramticos

    decorrentes da violncia e da crise social do perodo.

    Observa-se que a abertura poltica favorece a discusso de temas antes proibidos,

    como a tortura e os movimentos sociais, a exemplo dos citados Pra frente, Brasile Eles no

    usam black-tie, respectivamente.

    Outro aspecto importante o surgimento de uma produo voltada para a exibio no

    exterior, como O Beijo da Mulher-Aranha e Memrias do Crcere, paralelamente a umaretrao do pblico interno. Essa tendncia ganhar fora na dcada seguinte.

    4.3 DCADA DE 90 DURO GOLPE E LENTA RECUPERAO

    Logo nos primeiros meses de 1990, o cinema brasileiro sofre um durssimo golpe: aopromover a reforma econmica, Fernando Collor de Mello, o primeiro presidente eleito por

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    voto popular aps longos anos de ditadura, extingue a Embrafilme e a Fundao do Cinema

    Brasileiro, rgos encarregados do fomento e da poltica cinematogrfica no pas. Isso teve

    um efeito catastrfico na produo e lanamentos de filmes, quase a ponto de paralisar as

    atividades. Alm do corte de todos os incentivos para a produo, acabou ainda com a

    obrigatoriedade de exibio de filmes nacionais, segundo Moreno (1994). Nos dois anos

    subseqentes, somente via empresa privada alguns cineastas conseguiram produzir filmes.

    A lenta retomada comeou em 1993, graas s novas leis federais de apoio produo,

    j no governo Itamar Franco. Segundo dados do Ministrio da Cultura fornecidos por Autran

    (2000), [. . .] em 1995 foram produzidos 10 longas, em 1996 foram 16, em 1997 foram 22 e

    em 1998 foram 24.

    Outra caracterstica importante do perodo o surgimento de plos regionais de

    produo fora do Eixo Rio-So Paulo, apoiando cineastas locais e atraindo realizadores de

    fora, de acordo com Bilharinho (1997). Cear se destaca neste cenrio, seguido por

    Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paran.

    Quanto produo cinematogrfica, predominaram produes de porte mdio, sem

    inovaes estticas ousadas e procurando dialogar com temas em evidncia no pas, segundo

    Autran (2000). Houve tambm, por outro lado, produtores que se arriscaram em filmes de

    oramentos elevados, com resultados variados. Estes filmes em geral adaptam obras

    literrias conhecidas ou acontecimentos histricos marcantes, so escorados por um elenco

    que habitualmente estrela novelas de televiso e tm uma narrativa bastante convencional,

    nas palavras do mesmo autor.

    Dos filmes do perodo, vale a pena destacar:

    Matou a famlia e foi ao cinema(Neville d'Almeida, 1990) refilmagem do filme

    de mesmo ttulo realizado por Jlio Bressane, em 1969. Das quatro [tragdias]que compem o filme, trs so motivadas ou originadas do contexto social

    caracterizado pela incompreenso e falso moralismo pequeno-burgus.

    (BILHARINHO, 1997, p.149);

    O Quatrilho (Fbio Barreto, 1994) a saga da imigrao italiana no incio do

    sculo XX pano de fundo numa histria de troca de casais;

    Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (Carla Camurati, 1994) narra a vinda da

    Famlia Real para o Brasil e a vida de Carlota Joaquina, com sua incrvel sede de

    amantes e poder, tudo em tom de ironia;

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    Terra estrangeira (Walter Salles, 1995) histria cujo mote o caos econmico

    advindo do plano Collor. Paco decide deixar o Brasil, levando um objeto

    contrabandeado para Lisboa. L, conhece Alex, o amor e o perigo da morte;

    Como nascem os anjos(Murilo Salles, 1996) Garoto obrigado a fugir da favela

    por ter matado, sem querer, o chefe do trfico local. Na fuga, acompanhado de

    dois amigos, invadem a manso de um cidado americano;

    Tieta do Agreste (Cac Diegues, 1996) Comdia. 26 anos aps ser expulsa de

    casa, por causa de suas aventuras amorosas, Tieta retorna pacata cidade de

    Santana do Agreste;

    Central do Brasil (Walter Salles, 1998) - Mulher que escreve cartas para

    analfabetos na estao Central do Brasil, no Rio de Janeiro, ajuda menino, aps

    sua me ser atropelada, a tentar encontrar o pai que nunca conheceu, no interior do

    Nordeste;

    Orfeu(Cac Diegues, 1999) - Uma histria romntica sobre o amor impossvel de

    Orfeu, um compositor de escola de samba, e Eurdice, em uma favela do Rio de

    Janeiro. O enredo inspirado na mitologia grega, na histria de Orfeu e Eurdice.

    O maior problema enfrentado pelo nosso cinema, apontado por Bilharinho (1997,

    p.147), ainda reside no pblico, arredio, quando no hostil ao cinema brasileiro. Credita

    esse preconceito ao condicionamento do pblico pelas produes comerciais norte-americanas

    e pelas telenovelas, alm de uma formao cultural e artstica deficiente. A produo do

    perodo oscila, segundo o autor, entre a realizao artstica e o espetculo desvinculado e

    descompromissado com a arte e a realidade social, visando apenas o sucesso de pblico e o

    resultado da bilheteria. (BILHARINHO, 1997, p.148). Aponta tambm a tendncia dos

    diretores de priorizarem a busca de prmios e a incluso de suas obras no circuito

    internacional.

    Um aspecto que merece destaque, ainda assim, o grande nmero de curtas-metragens

    produzidos no perodo, sendo inclusive reconhecidos pela alta qualidade tcnica. Dentre eles,

    Bilharinho (1997) destaca: Vala Comum(Joo Godi, 1994), a respeito de presos e torturados

    durante o regime militar; Naturezas Mortas (Pena Filho, 1995), sobre os carvoeiros de

    Cricima/SC;Deus Ex-Machina(Carlos Gerbase, 1995), sobre a investigao de um caso de

    adultrio.

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    5 ANLISE DOS CARTAZES

    Antes de se iniciar as anlises propriamente ditas, algumas consideraes se fazem

    necessrias para uma boa compreenso da metodologia empregada. Por isso, este captulo,

    antes de se ocupar do seu objetivo principal, traz alguns conceitos sobre a prpria prtica de

    anlise de imagens, bem como seu alcance. Aps, algumas elucidaes sobre estigmas tm

    lugar, objetivando tornar mais compreensveis as consideraes sobre seu inter-

    relacionamento com as propostas dos cartazes.

    As sesses de anlise dos cartazes iniciam com uma resenha da obra cinematogrfica,

    seguida de uma descrio detalhada de todos os elementos constitutivos do seu cartaz, para sento se implementar a desconstruo e demonstrao dos semi-simbolismos possveis. Aps,

    consideraes sobre os estigmas sociais porventura identificados nos cartazes fecharo cada

    anlise. Aproveitou-se o modelo proposto por Oliveira (2006) na desconstruo das imagens,

    que consiste em:

    1. definir a linha ou as linhas que determinam a macroestrutura da imagem visual;

    2.

    observar os detalhes e seus elementos constitutivos (linhas, pontos, cores, planos,formas etc);

    3. buscar articulaes entre os elementos identificados, entre elementos e blocos de

    elementos, entre blocos de elementos entre si etc.

    Tendo sempre em mente, segundo Oliveira (2006, p.54), que esses elementos no

    adquirem sentido no isolamento, mas sempre e somente na relao. A descoberta dessas

    relaes vai conduzir o leitor aos efeitos de sentido, ou ao plano de contedo.Desconstrudo o cartaz, ento, tomar parte a metodologia proposta por Pietroforte

    (2007b), a fim de se identificar os semi-simbolismos.

    5.1 SOBRE A ANLISE DA IMAGEM E A IMAGEM COMO INFORMAO

    Uma primeira desmistificao a ser feita, relativa anlise de imagens, refere-se

    crena de que preciso descobrir o que o autor quis dizer em determinada obra. Tal crena

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    no funciona seno como um fator desmotivador para o empreendimento de uma anlise. Nas

    palavras de Joly (1996, p.44):

    [. . .] Ningum tem a menor idia do que o autor quis dizer; o prprio autor nodomina toda a significao da imagem que produz. [. . .] Interpretar uma mensagem,

    analis-la, no consiste certamente em tentar encontrar ao mximo uma mensagem

    preexistente, mas em compreender o que essa mensagem, nessas circunstncias,

    provoca de significaes aqui e agora, ao mesmo tempo que se tenta separar o que

    pessoal do que coletivo.

    Assim, torna-se tarefa intil tentar se colocar no lugar do autor e buscar o mesmo

    conjunto de significaes que o guiou na construo da obra. Um texto visual, como discurso,

    evidencia uma viso especfica de seu criador, estreitamente relacionada com o seu contexto

    histrico, crenas, aspiraes, enfim, sua viso de mundo. Cada leitor, ento, deve produzir

    seu prprio conjunto de significados sobre determinada obra. Nessa proposta de leitura,

    segundo Rebouas (2002, p.50), o leitor recria o objeto contemplando para si e percorrendo

    as operaes que o artista fez ao executar a obra, mas conforme seu interesse e informao

    cultural. O texto visual, assim, passa a ser o resultado de uma leitura que o constri, que ser

    exclusiva de cada leitor. Essa leitura deve ser um dilogo, mediado pela obra, entre o autor e o

    apreciador. As anlises de imagens a seguir implementadas, ainda que seguindo uma

    metodologia embasada na semitica, no refletem seno uma viso particular do analista, que

    pode, inclusive, no coincidir com a do leitor.

    Segundo Schlichta (2006), a imagem, no sendo duplicao fiel de uma parcela do

    real, mas uma representao elaborada por algum para um destinatrio, torna-se fonte de

    conhecimento. Gombrich1 (apud JOLY, 1996, p.60), da mesma forma, entende a imagem

    como o resultado de um longo processo, durante o qual foram utilizados alternadamente

    representaes esquemticas e correes, reforando a associao entre a funo de

    conhecimento e a funo esttica da imagem. Esse conhecimento aliado esttica,proporcionado pela imagem, vai provocar no espectador um outro tipo de recepo, suscitar

    diferentes expectativas se comparados a outras formas de comunicao, como a verbal. Nas

    palavras de Joly (1996, p.60):

    [. . .] A ligao ntima assinalada por ns entre a representao visual e o campo

    artstico atribui-lhe um peso e um valor particular entre os diferentes instrumentosde expresso e de comunicao. Sendo os prprios instrumentos das artes

    plsticas, os instrumentos plsticos de qualquer imagem tornam-na um meio de

    comunicao que solicita o prazer esttico e o tipo de recepo a ele vinculado. O

    que significa que se comunicar pela imagem (mais do que pela linguagem) vai

    1GOMBRICH, Ernst H. Lart et lillusion, psychologie de la representation picturale. Paris: Gallimard, 1971.

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    estimular necessariamente, por parte do espectador, um tipo de expectativa

    especfica e diferente da que uma mensagem verbal estimula.

    Vemos aqui uma certa relao com o exposto no segundo captulo, sobre a reao

    provocada no receptor da mensagem visual quando ela dotada de uma boa poeticidade. A

    ludicidade da qual essa forma de comunicao imbuda, quando bem construda, altera os

    nveis de percepo e as expectativas do receptor, dotando a mensagem de uma eficincia

    comunicacional semelhante da poesia.

    5.2 A NATUREZA DOS ESTIGMAS SOCIAIS

    Em linhas gerais, o conceito de estigma refere-se a uma espcie de marca que

    identifica um indivduo ou grupo, demarcando assim um lugar ao qual este supostamente

    pertence. Tentativas de ultrapassar as margens desse lugar, pelo cidado ou grupo

    estigmatizado, geram muitas formas de discriminao da parte daquele(s) que o(s)

    estigmatiza(m). O sentido atual da palavra no difere muito da sua origem, pontuada por

    Goffman (1982, p.11):

    Os gregos, que tinham bastante conhecimento de recursos visuais, criaram o termo

    estigmapara se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar

    alguma coisa de extraordinrio ou mau sobre o statusmoral de quem os apresentava.

    Os sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um

    escravo, um criminoso ou traidor uma pessoa marcada, ritualmente poluda, que

    devia ser evitada, especialmente em lugares pblicos.

    Atualmente, segundo o mesmo autor, o uso do termo no difere muito do seu sentido

    literal original, com a ressalva de que mais aplicado prpria desgraa do que sua

    evidncia corporal (GOFFMAN, 1982, p.11). Entenda-se desgraa como o statussocial do

    estigmatizado, como raa, classe social etc.

    O termo estigma freqentemente associado a preconceitos e esteretipos, mas as

    palavras no so sinnimas. Soares (2004) ressalta as diferenas:

    Enquanto os preconceitos podem ser pensados de forma pontual e direcionada (no

    so poucos os exemplos de atitudes/discursos preconceituosos nas mdias), e os

    esteretipos podem ser caracterizados como modelos cristalizados (a partir dos quaisdeterminados grupos so definidos), os estigmas apresentam-se como categorias

    invariantes que no necessariamente (embora majoritariamente) possuem conotao

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    negativa, enquanto os preconceitos e os esteretipos dirigem-se, prioritariamente, a

    grupos excludos ou perifricos em relao dinmica social.

    Alguns aspectos fundamentais na conceituao dos estigmas, segundo Soares (2004),

    podem ser assim sintetizados:

    sua dinmica relacional, ou seja, ele s existe numa relao entre elementos

    colocados em um determinado sistema de interaes sociais;

    o estigma, tambm, est intimamente relacionado, como fator motivador, a

    processos de excluso/incluso entre aqueles implicados nessa relao;

    seus limites e alcance derivam de definies e consensos sobre aquilo que

    considerado normal ou desviante, tendo assim um carter predominantemente

    arbitrrio entre cada grupo;

    os estigmas associam os indivduos a diferentes grupos sociais, no sendo comum

    operar em nvel individual.

    O estigma est estreitamente relacionado a posies de poder, s pode existir quando

    h um desequilbrio desse poder entre os dois grupos envolvidos. Dessa forma, segundo Elias

    e Scotson (2000), um grupo deve estar bem instalado nessas posies superiores para poder

    estigmatizar outro que delas esteja excludo.

    Termos estigmatizantes, como crioulo, cabea-chata ou trombadinha, por

    exemplo, s fazem sentido no contexto de relaes especficas entre estabelecidos e

    outsiders2 [. . .] Seu poder de ferir depende da conscincia que tenham o usurio e o

    destinatrio de que a humilhao [. . .] tem o aval de um poderoso grupo estabelecido [. . .]

    (ELIAS; SCOTSON, 2000, p.27). Um aspecto interessante a ser observado que um contra-

    ataque de mesma natureza, perpetrado pelo estigmatizado, no surte o mesmo efeito. Por

    exemplo, um cidado pejorativamente taxado de negro, devolvendo o adjetivo branco ao

    agressor, sentir-se-ia ressarcido em sua honra?

    Estes e outros tipos de estigmas tm o poder de penetrar na auto-imagem dos

    estigmatizados, enfraquecendo-os e desarmando-os, de acordo com os autores. Decorre disso

    que, quando o diferencial de poder grande e a submisso inelutvel, os grupos oprimidos

    acabam vivenciando intimamente sua inferioridade de podercomo uma inferioridade humana.

    2Estabelecidos e outsiders so termos utilizados pelo autor para designar, no seu estudo, o grupo detentor de

    poder e aquele vtima de estigmatizao, respectivamente.

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    Soares (2004) atenta ainda para o aspecto de que os estigmas s aparecem quando seus

    destinatrios encontram-se em um lugar no qual no deveriam estar. Cita como exemplo a

    atuao de um ator negro numa telenovela. Se ele aparece desempenhando papis subalternos,

    no h estigma, ainda que possa suscitar discusses sobre preconceitos e esteretipos; se

    aparece atuando num papel-chave da trama, por outro lado, a sim aparecem os estigmas. O

    curioso que o incmodo se manifesta mesmo naqueles que o reconhecem positivamente,

    ou seja, que compartilham do mesmo estigma (ou semelhantes). Uma evidncia, enfim, da

    internalizao do estigma pelos que dele sofrem, segundo Elias e Scotson (2000).

    5.3 PIXOTE A INFNCIA CONDENADA

    Inspirado no livro Pixote - Infncia dos Mortos, escrito em 1977 pelo jornalista Jos

    Louzeiro, Pixote - a lei do mais fraco (ironia sobre a proteo legal aos menores de 18 anos),

    lanado em 1981 e dirigido por Hector Babenco, um filme impactante e perturbador.

    Tratando com seriedade a questo do menor abandonado, da delinqncia e da incapacidade

    das instituies de ressocializar seus internos, sem exageros nem eufemismos, o longa obtevereconhecimento internacional, alm de suscitar debates sobre essa to incmoda faceta da

    nossa sociedade. Recebeu uma indicao ao Globo de Ouro, na categoria de Melhor Filme

    Estrangeiro, alm de prmios na Sua, Espanha, EUA e Austrlia. Segundo Bilharinho

    (1993, p.131), o filme perfaz fico documentria, com todas as qualidades dessa sntese

    entre o real existente e o ficcional no imaginado, porm, constatado e artisticamente

    recriado.

    A histria comea com alguns menores, entre eles Pixote, de 11 anos, sendorecolhidos a um reformatrio de So Paulo, depois da morte de um desembargador em um

    assalto mal sucedido.

    Lilica, um dos garotos, homossexual, revoltado com a morte de seu amante pelos

    agentes penitencirios, incita os companheiros rebelio, que culmina com um incndio no

    dormitrio. Durante a visita do Juiz de Menores para observar os efeitos do incndio, Pixote e

    um grupo de garotos aproveitam e fogem por uma janela.

    Pixote e trs amigos (Dito, Lilica e Chico), agora nas ruas, sobrevivem praticando

    pequenos assaltos. So quase irmos, sob a liderana de Dito e Lilica, os mais velhos.

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    Numa transao com um traficante, vo para o Rio de Janeiro vender uma carga de

    droga. L conhecem Dbora, uma compradora que os engana. Quando chega a hora do acerto

    de contas, algo d errado: Chico acaba morto e Pixote comete seu primeiro assassinato,

    matando Dbora.

    Os jovens voltam para So Paulo e se aliam prostituta Sueli (interpretada pela atriz

    Marlia Pra, que numa atuao brilhante conquistou prmio de melhor atriz). A funo dela

    passa a ser atrair homens para seu quarto; a dos garotos, assalt-los. Um desses assaltos,

    porm, no sai como o esperado, e Pixote acaba tirando a vida de Dito e de um cliente.

    A ss com Sueli, Pixote encontra no seio da prostituta um amor que nunca conhecera,

    e entrega-se fragilidade da infncia, numa cena que remete Piet, de Michelangelo. Mas

    nem isso dura. O menino mais uma vez rejeitado, e acaba perambulando pelas ruas.

    Depois de experimentar tremendo sucesso numa das obras mais importantes da nossa

    cinematografia, Fernando Ramos da Silva, o protagonista, foi morto pela polcia em 1987, em

    So Paulo. Contava ento 18 anos de idade. No conseguindo seguir carreira no cinema,

    entrara de fato na criminalidade, numa perturbadora fuso de fico e realidade.

    Pixote no sensibilizou por mostrar algo novo, mas por dar viso e voz a um povo que

    havia passado os ltimos vinte anos amordaado. O filme mostrou a violncia contra menores,

    homossexuais, negros, pobres, toda espcie de excludo. Se por um lado no havia mais a

    represso, para gerar indignao e resistncia, tomava seu lugar o comportamento de

    delegados, policiais e juzes corruptos para criar esse sentimento.

    5.3.1 Anlise preliminar do cartaz

    Abaixo, a reproduo do cartaz de divulgao do filme.

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    Figura 6: Cartaz do filmePixote a lei do mais fraco (Hector Babenco