Louçã e Castro Caldas - Economia(s) - Cap1(1)

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CAPÍTULO 1 O QUE É A ECONOMIA 1. Introdução: a economia está em todo o lado 9 1.1. O alerta ecológico: podemos viver com o que temos? 10 1.2. Porque é que o desenvolvimento separa os países e as regiões? 11 2. A “economia”: o que é? 16 2.1. A Economia 16 2.2. A economia 20 2.3. A pluralidade interna da Economia 22 2.4. A pluralidade do objecto da Economia 23 2.5. Os economistas enganam-se muitas vezes 24 Resumo, Leituras recomendadas 25

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Economia

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CAPÍTULO 1

O QUE É A ECONOMIA

1. Introdução: a economia está em todo o lado 91.1. O alerta ecológico: podemos viver com o que temos? 101.2. Porque é que o desenvolvimento separa os países e as regiões? 11

2. A “economia”: o que é? 162.1. A Economia 162.2. A economia 202.3. A pluralidade interna da Economia 222.4. A pluralidade do objecto da Economia 232.5. Os economistas enganam-se muitas vezes 24

Resumo, Leituras recomendadas 25

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1. INTRODUÇÃOA economia está em todo o ladoAbra um jornal de hoje. Se for um jornal ou revista

especializada em economia, como a que é usada comoexemplo na caixa ao lado, pode ter a certeza que a suacobertura noticiosa se concentra em acontecimentosda vida económica. Neste caso, a revista discute a criseda “Teoria Económica Moderna” resultante da crise eco-nómica internacional iniciada em 2007.

Mas se escolher um jornal não especializado, por-tuguês ou não, também vai encontrar, na secção de eco-nomia, nas páginas interiores, muitas notícias sobreempresas e operações nas Bolsas, sobre os juros e osresultados da banca, e ainda números sobre o últimotrimestre da economia nacional, ou a discussão das pers-pectivas para a União Europeia ou para os Estados Unidos, ou artigos de opinião sobre as mais recentesguerras comerciais ou cambiais. Talvez algum destesassuntos salte para a capa do jornal: afinal, as decla-rações do Ministro das Finanças ou do Primeiro-Minis-tro sobre os números do défice, do desemprego e dainflação, ou sobre o próximo Orçamento de Estado,podem dominar a actualidade. Ou pode a manchete sersobre a pobreza, ou sobre a especulação no mercado defuturos dos alimentos ou sobre o preço dos combustí-veis. Afinal, a economia é notícia todos os dias porquenos afecta a todos. A economia é isso mesmo: histó-ria concreta, números, expectativas, decisões sobre polí-ticas, a vida das pessoas.

A economia é global. O comércio, a finança, a ino-vação ou os organismos de regulação estabelecem liga-ções intensas entre quase todas as economias. E a eco-

nomia é política. Tem a ver com a decisão, as escolhassociais, as estratégias de empresas, de governos, de orga-nizações, de movimentos sociais. Esta é a economiade que vamos tratar.

Queremos perceber mais do que o jornal nos dizsobre o dia-a-dia. Queremos perceber porque é que hádesemprego e como se mede a inflação e a pobreza, oque cria valor e riqueza, porque é que há países maisricos e mais pobres, como é que se pode inovar, comose organizam as empresas, os mercados, os Estados,como se tomam decisões económicas. Para isso, come-çamos por olhar para os factos.

Esses factos têm uma história, que é longa. Masneste livro vamos concentrar-nos sobretudo sobre o queaconteceu no século XX e está agora a acontecer no

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

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O que é a economia

1. INTRODUÇÃO: A ECONOMIA ESTÁ EM TODO LADO

Existem muitos jornais erevistas especializados emeconomia. Entre as maisreconhecidas estão duaspublicações em inglês,The Economist (semanal)e Financial Times (diário),que dão muita informa-ção sobre questões econó-micas. Em Portugal hávários jornais e revistasdedicados à economia, eos jornais generalistasincluem também secçõesespecializadas.

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nosso tempo, no século XXI, porque é o que determinaas escolhas que temos que fazer.

No Gráfico 1.1 resume-se um pouco dessa histó-ria: como a economia mundial cresceu no século pas-sado e como herdámos alguns dos problemas de hoje.

Como se pode verificar neste gráfico, a populaçãoe o produto mundiais cresceram muito. De facto, o pro-duto cresceu mais depressa do que a população, o quesignifica que teria sido possível que todas as pessoastivessem passado a viver melhor. Ao mesmo tempo, ográfico também mostra que se acentuou o problemaambiental e a devastação da natureza, com ameaçasa algumas espécies (e com o desaparecimento de outras).Resolvemos alguns problemas, não resolvemos outrose criámos problemas novos.

1.1. O alerta ecológico: podemos viver com oque temos?

A população humana está distribuída no planetade forma muito desigual. Para ilustrar esse facto, o Mapa1.1 utiliza uma configuração que é pouco usual, masmuito esclarecedora: a superfície de cada país é defor-mada em função do peso da sua população relativa-mente à população mundial. Assim, os Estados Unidos(com cerca de 300 milhões de pessoas) ficam encolhi-dos, como acontece com a Rússia, ao passo que a Chinae a Índia (com um terço da população mundial) sãoinchadas.

Acontece no entanto que há grandes diferenças dentro de cada país e entre as médias dos países quantoa rendimentos, ou quanto a condições de vida, de saúdee de educação, por exemplo. Os recursos que as pessoasusam também são diferentes: uns consomem mais ali-mentos, mais medicamentos, mais combustíveis, eoutros menos. Por outro lado, nas economias dos paíseshá diferenças que se traduzem em formas de produçãodistintas: em alguns países, a existência de indústriascom impactos ambientais graves ou de milhões de auto-móveis tem como consequência uma poluição intensa.

Considerando todos estes consumos, os cientistasque estudam a ecologia sugeriram uma nova forma decalcular o impacto ambiental da nossa actividade: apegada ecológica. A pegada mede quantos planetasTerra seriam precisos para produzir os produtos neces-sários se todos tivessem o nível de consumo médio dePortugal, ou dos Estados Unidos, ou de Moçambique.Assim, vemos no Mapa 1.2 como países com menos popu-lação (os Estados Unidos ou os da União Europeia) têmuma pegada ecológica muito maior do que a da Índia, jápara não falar da dos países africanos, que quase desa-parecem neste mapa.

Nestes mapas, usamos médias por país. Mas coma informação sobre os consumos individuais (alimen-tação, habitação, energia) pode também calcular-se apegada ecológica de cada pessoa. Faça a experiênciade calcular a sua própria pegada ecológica usando umdos sites apropriados (ver link no DVD). Introduzindo osseus dados constatará provavelmente que é preciso maisdo que um planeta para que todos possam ter um nívelde consumo igual ao seu. O problema é que não existemais do que um planeta Terra para todos.

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

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Fonte: WWF; The Economist

GRÁFICO 1.1.DE 1890 AOS NOSSOS DIAS

1700%

Emissõesde CO2

PIBmundial

Áreaflorestal

Baleiasazuis

TigresPopulaçãomundial

1400%

400%

-20% -75% -95%

Veremos neste capítulo que não é fácil definir o queé a Economia. Uma coisa é no entanto clara: se quere-mos saber o que é a Economia, enquanto saber, ou ciên-cia social, devemos interrogar-nos em primeiro lugarsobre os problemas sociais a que ela pretende dar res-posta. É por isso mesmo que iniciamos este capítulocom a identificação de dois deles, porventura os maisprementes. O primeiro: não estamos a usar os recursosde forma a podermos viver no nosso planeta de formasustentável. O segundo: o desenvolvimento comportasucessos e fracassos, tanto cria riqueza como criapobreza; apesar do crescimento, vivemos num mundoem que as desigualdades perduram.

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MAPA 1.2. PEGADA ECOLÓGICA DA POPULAÇÃOHUMANA EM MÉDIA POR PAÍSES

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

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MAPA 1.1. DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL

É por isso que este é um problema económico esocial de primeira importância. O esgotamento de recur-sos tem uma consequência: o aumento dos preços dosbens mais escassos. Isso favorece quem tem maiores ren-dimentos e prejudica quem tem menos. Os acessos aoscombustíveis ou à água e a outros recursos fundamen-

tais podem por isso ser limitados pelo impacto dos con-sumos insustentáveis. Se gastamos hoje o que não nossobra amanhã, temos um problema. A Economia é cha-mada a resolver esse problema.

1.2. Porque é que o desenvolvimento separa ospaíses e as regiões?

Nos mapas anteriores, consideramos as médias depaíses, independentemente das diferenças na distribui-ção interna, e essas diferenças podem ser muito grandes.Um africano, por exemplo, consome em média metadedo que consome um asiático, mas já consome quatrovezes menos do que um latino-americano, oito vezesmenos do que um europeu e dezasseis vezes menosdo que um cidadão norte-americano. Mas a diferençatambém é grande entre os próprios africanos: o quartoda população africana que é mais rica consome quatrovezes mais do que o quarto da população mais pobre.E a diferença é grande entre os países do mesmo conti-nente: a relação de nível de vida entre o Congo e a Áfricado Sul é de um para vinte.

Estas enormes diferenças são prova do que em eco-nomia se tem chamado atraso no desenvolvimento.

Este atraso tem consequências dramáticas: o Mapa1.3, da página seguinte, mostra uma dessas consequên-cias: a diferença na mortalidade infantil entre a Europae a África como resultado da deficiência da alimenta-ção, da educação para a saúde e das condições sanitá-rias e médicas. O impacto desta diferença mede-se naevolução da população e nas condições de vida de muitos milhões de pessoas em África.

Por que razão chamamos atraso a esta diferença?Obviamente, porque as condições sociais, se comparadascom o que se consideraria um limiar aceitável de nívelde vida, são piores para a maioria dos africanos. Mastambém por uma outra razão, que explica a primeira: éque ao longo dos séculos ou décadas mais recentes a eco-nomia da Europa cresceu mais depressa do que a da África,criando assim mais oportunidades, mais emprego e maisqualificações. No caso de alguns países africanos, o queaconteceu foi mesmo que o nível absoluto da produçãoregrediu e a pobreza aumentou. Como se pode ver nacaixa “Porque é que a África se tem atrasado?”, esta his-tória é muito mais antiga e ainda mais dramática.

MAPA REFERÊNCIA

Nestes mapas, a área geográfica é distorcida em função do peso da variável queestamos a considerar em cada caso. Assim, se a pegada ecológica dos EstadosUnidos for maior do que a média mundial, a sua área é ampliada, para termos umavisão imediata do impacto dos consumos e efeitos ambientais do funcionamentoda sua economia. No mesmo sentido, a densidade da população da Índia émaior do que a média mundial e por isso aparece “engordada” no gráfico dapopulação.

Fonte: Worldmapper

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CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

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MAPA 1.3.A MORTALIDADE INFANTIL NA EUROPA E EM ÁFRICA

Fonte: CIESIN (Center for InternationalEarth Science Information Network).http:/www.ciesin.org/povmap

< 9,1

9,1 – 25,0

25,1 – 50,0

Sem dados

Limite Nacional

EUROPATaxa de mortalidade infantil, 2000(por 1000 nascimentos)

EUROPA

ÁFRICA

< 9,1

9,1 – 25

25,1 – 50,0

50,1 – 75,0

75,1 – 100,0

100,1 – 125,0

125,1 – 150,0

> 150,00

Sem dados

Limite Nacional

ÁFRICATaxa de mortalidade infantil, 2000(por 1000 nascimentos)

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A diferença foi aumentando ao longo do tempo.A história das economias tem, portanto, importân-cia: quanto maior o crescimento, maiores as oportu-nidades de crescimento devido à acumulação de capa-cidade tecnológica e económica e à qualificação geralda população.

O que vimos nos gráficos anteriores e podemosver no seguinte leva-nos a algumas das questões maisimportantes para o estudo da economia contemporâ-nea. Como se verificou, o desenvolvimento tem pro-

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

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Porque é que as sociedades euroasiáticas prosperaram e as africanas foram ultra-passadas? O biólogo, professor de fisiologia e historiador Jared Diamond procurou res-ponder a esta questão, entre outras, num monumental livro sobre a “história dos últi-mos treze mil anos”. Segundo Diamond, três grandes causas determinaram a diferençaentre estas duas regiões.

Em primeiro lugar, as dotações das duas zonas em plantas e animais que pudessemser domesticados – e poucas espécies foram domesticadas – eram muito diferentes,favorecendo a Europa. As extinções ocorridas no final do Pleistoceno atingiram mais a

África do que a Europa, e ainda mais as Américas e a Austrália. Ora, a capacidade de produção alimentar que adomesticação permitia (dando origem à agricultura e à pecuária) determinou uma produção de excedente que per-mitiu o aumento da população e a criação dos poderes de Estado, com a sua capacidade militar.

Em segundo lugar, a migração de populações era mais fácil na Euroásia ao longo do eixo Ocidente-Oriente, dadaa ausência de barreiras geográficas intransponíveis, ao passo que em África as migrações tinham que se fazerem latitude, pela orientação Norte-Sul, com maior impacto do efeito clima e combarreiras mais difíceis de transpor. Assim, a combinação de populações diversas ea difusão das suas inovações foi mais fácil a Norte do que a Sul.

Em terceiro lugar, quando se chega a um período de maior inovação, no início doséculo XVI, a África tem uma densidade populacional dez vezes inferior à da Ásia,não tem animais domesticáveis e ressente-se da dificuldade de difusão das ino-vações na agricultura.

Fonte: Jared Diamond (1998), Guns. Germs and Steel – A Short History of Everybody for the Last 13.000

Years, Londres: Vintage (Edição portuguesa: Germes e Aço – Os destinos das sociedades humanas, Lisboa,

Relógio d’Água, 2002. 1ª ed. 1997).

PORQUE É QUE A ÁFRICA SE TEM ATRASADO?

vocado desigualdades e estas desigualdades têm sidoagravadas. Os seus efeitos revelam-se na disparidade deesperança de vida e nas diferenças de rendimento percapita. A história das desigualdades foi aqui evocada apropósito de África, mas, como veremos nos capítu-los seguintes, atravessa os outros continentes e é muitoimportante para Portugal e para a Europa.

No Gráfico 1.2, a comparação entre as trajectóriasdos países mais desenvolvidos e a dos mais pobres pareceimpor uma conclusão muito pessimista: com o passar

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CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

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Fonte: Banco Mundial, 2007

GRÁFICO 1.2. RENDIMENTOS POR HABITANTE ENTRE PAÍSES RICOS E PAÍSES POBRES

do tempo, a desigualdade entre as economias de “ele-vado rendimento” e as de “baixo rendimento” aumen-tou. Também dentro destas duas grandes categorias depaíses há diferenças muito importantes. Os países maisdesenvolvidos estavam num patamar mais aproximadoentre si nos anos 60 do século passado (embora Portugaljá fosse um dos países mais atrasados da Europa nesses

40 000

35 000

30 000

25 000

20 000

15 000

10 000

5 000

0

REN

DIM

EN

TOS

PO

RH

AB

ITAN

TE(D

ólar

es)

ANOS

1960 65 70 75 80 85 90 95 00 2005

O gráfico mostra estas disparidades, comparando o crescimento das economiasdos países mais desenvolvidos (a vermelho) com o dos países mais pobres (aazul), usando a classificação do Banco Mundial. A variável utilizada é o rendimentoper capita.

anos). Como veremos, o acesso às janelas de oportu-nidade tecnológica ou outros processos económicos esociais contribuíram para a divergência de trajectórias.

A Economia procura explicar as causas do atrasoporque tem a responsabilidade de propor alternati-vas realizáveis para promover o desenvolvimento e redu-zir as desigualdades mundiais.

Este livro apresenta e discute a Economia tendocomo pano de fundo grandes problemas como o atraso,a pobreza e a sustentabilidade ambiental. Para os anali-sar os economistas recorrem muitas vezes a dados esta-tísticos e a medidas como o Produto Interno Bruto (PIB)e a taxa de variação do PIB. No próximo capítulo vol-taremos à discussão sobre o que é o PIB. Entretanto, acaixa seguinte (“O Produto Interno Bruto e a sua taxade variação”) apresenta desde já o modo como se cal-cula uma das medidas mais frequentemente utilizadas:a taxa de variação do PIB.

Interrogámo-nos neste primeiro capítulo acerca dosvários significados da palavra “economia”. Como vere-mos, os economistas nunca foram unânimes na defini-ção da sua disciplina, nem na do seu objecto de estudo.As divergências entre economistas mantiveram-se, epor vezes acentuaram-se. A pluralidade parece mesmoser uma característica da Economia. Isso não é surpreen-dente: uma ciência social, que está directamente ligadaàs decisões tomadas pelas pessoas, pelos governos, pelasempresas, pelas comunidades, reflecte necessariamentea diversidade de pontos de vista existente na sociedade.

A pluralidade de abordagens não significa faltade rigor. A análise das economias reais, os modelos e asteorias, assentam em procedimentos, em métodos, queos economistas procuram também aperfeiçoar e desen-volver. Esses métodos, como veremos de seguida, sãoeles próprios objecto de debate e controvérsia entre economistas.

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onde Yt é o PIB do ano t. Se quisermos calcular a taxade variação anual (de um ano para o ano seguinte), faze-mos Y0=Yt-1.

No Gráfico 1.3a, a uma mesma diferença entre duasmedições do PIB, Yt+1-Yt , podem corresponder taxas devariação diferentes, bastando para tal que as diferen-ças sejam tomadas entre valores do PIB a diferentesníveis da escala. O seguinte exemplo mostra como a acréscimos absolutos iguais (10 unidades) podemcorresponder taxas de variação distintas:

Para remover estes efeitos de escala é habitual loga-ritmizar os dados do PIB.

Se os dados forem logaritmizados (usando logaritmosnaturais), como acontece no Gráfico 1.3b, então a dife-rença entre os valores sucessivos permite-nos obter ataxa de variação, porque:

lln Yt – lln Y0 = lln(1+g) [equação 1.2]

De onde se pode concluir:

g = exp (lln Yt – lln Y0) – 1 [equação 1.3]

em que

exp (x) = ex

Taxa de variação

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

ECONOMIA(S) | 15

O PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) E A SUA TAXA DE VARIAÇÃO

O crescimento de uma economia é normalmente medidopela evolução do PIB, que discutiremos no próximocapítulo. Interessa-nos por agora uma primeira obser-vação desta medida, representada no Gráfico 1.3, parailustrar a história recente da economia portuguesa.

A taxa de variação é calculada medindo a evoluçãodo PIB de um momento em relação a outro, por exem-plo dois anos seguidos; g, a taxa de variação total entreos dois períodos, é obtida a partir de:

Yt = Y0 (1+g) [equação 1.1]

30 000

25 000

20 000

15 000

10 000

5 000

0

EUA

GRÁFICO 1.3a [a preços constantes]

JAPÃOALEMANHA

ESPANHAPORTUGAL

ARGENTINABRASIL

Dólares

1870 1900 1930 1960 1990 2003

11

10

9

8

7

6

GRÁFICO 1.3b [dados logaritmizados]

1870 1900 1930 1960 1990 2003

Fonte: Maddison (PIB per capita)

t PIB

0 100

1 110 10%

13 500

14 510 2%

… … …

Gráfico 1.3. Evolução recente do PIB

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2. A “ECONOMIA”: O QUE É?

A palavra economia tem, na língua portuguesa, múl-tiplos significados. Há uma Economia, com e maiúsculo,que designa um saber científico, uma ciência social,e outra, com e minúsculo, que se refere àquilo que estaciência estuda (como em economia portuguesa ou eco-nomia mundial). E há ainda economia como poupança ecomo organização ou bom arranjo.1 Em português osentido de economia é dado pelo contexto.2

Os capítulos introdutórios dos manuais de Econo-mia incluem normalmente uma discussão sobre a “eco-nomia”, quer como saber quer como objecto desse saber,e definições de uma e outra. Nesse aspecto este livronão é diferente dos manuais. Interessa-nos, à partida,procurar entender, por um lado, o que é a Economia,e, por outro, a que aspectos da realidade, ou a que fenó-menos, se refere. Como veremos, estas questões estãoimbricadas e não são tão simples como parecem.

2.1. A Economia

No princípio a Economia, enquanto saber, era a leiou administração da casa agrícola. O princípio nestecaso é o contexto em que a palavra teve origem – a Grécia Antiga. Em grego, eco (oiko, casa, como em ecolo-gia) e nomia (de nomo, lei, norma, regra) combinavam-separa designar algo com um significado semelhante aode “regras da casa”. Efectivamente, os filósofos gregos,nomeadamente Xenofonte (430-354 a.C.) e Aristóte-les (384-322 a.C.), usavam oikonomia para designar oconjunto dos preceitos que regem, ou devem reger, aactividade que tem por fim a obtenção dos recursosnecessários à vida. A Economia era, portanto, um saber que tinha por objecto a vida, a subsistência e o confortoda família.

Hoje, não é evidentemente de “leis da administra-ção da casa” que falamos quando falamos de Economia.Podemos eventualmente ter em vista leis, mas leis cien-tíficas, não leis no sentido de preceitos ou normas;poderemos falar de uma ciência que estuda “a casa”,mas a “casa comum”, a sociedade, a polis (mais uma vezdo grego, cidade), não a casa familiar. Foi exactamentepara vincar esta diferença entre “casa comum” e “casafamiliar” como objecto de estudo da Economia, a dis-tinção entre um velho e um novo significado de Econo-mia, que os filósofos iluministas do século XVIII adop-taram Economia Política como designação para umdomínio do saber que nessa época emergia e se come-çava a autonomizar da Filosofia Moral. No século XVIIIa Economia Política era, portanto, o ramo da Filoso-fia Moral que tratava da produção, consumo e circu-lação da riqueza. Como decorre, por exemplo, do títuloda obra mais conhecida de Adam Smith, a riqueza aque a Economia Política se referia era A Riqueza dasNações,3 não a da família ou a dos indivíduos.

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

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ARISTÓTELES (384 a.C. – 322 a.C.)

Aristóteles foi discípulo de Platão,um dos fundadores da filosofia oci-dental, que desenvolveu em nume-rosas obras sobre lógica, metafísica,estética, política, ciências natu-rais. Influenciou tradições muitodiversas, como as culturas islâmica e judaica ou a escolástica da Igreja Católica, mastambém o Renascimento.

1. O Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa adianta oito definições de “economia”: (1) Modo ouarte de administrar uma casa, um estabelecimento particular ou público ou qualquer outro bem; (2) Ciência que tem como objecto osfenómenos da produção, distribuição, consumo e aproveitamento de bens e serviços de uma comunidade humana; (3) Conjunto das actividadesde uma colectividade humana relativas à produção e consumo dos bens materiais; (4) Modo como se distribuem e coordenam as partesde um todo; (5) Harmonia na distribuição e na coordenação dos diferentes elementos que contribuem para a harmonia de um todo; (6)Contenção ou moderação nos gastos, nas despesas; (7) Dinheiro acumulado que resulta dessa contenção de gastos; (8) Contenção, moderaçãono consumo ou no uso de alguma coisa; bom uso de alguma coisa.

2. Já na língua inglesa à economia como saber corresponde economics e à sua contrapartida real the economy.3. Smith, Adam [1776] (1987), Riqueza das Nações, trad. Teodora Cardoso, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Com o tempo a Economia Política cedeu o lugar à Eco-nomia. Em finais do século XIX, alguns economistas con-sideraram importante separar a Economia da Política.A sua preocupação principal era afirmar a Economiacomo “ciência”, torná-la um saber “objectivo”, “isentode valores”, susceptível de formalização matemática,em contraste com a Política, que descreviam como“uma arte”, dependente de ideologias e irremediavel-mente condenada à subjectividade e à linguagem lite-rária. Este momento assinala para muitos o advento daEconomia como disciplina científica, separada da Moral,primeiro, e da Política, depois.

A separação da Economia e a sua afirmação como“ciência” deu origem a novas definições da disciplina.John Stuart Mill, num texto muito influente sobre adefinição e o método da Economia Política,4 já havia

dado um primeiro passo nessa direcção. Nesse texto,Mill apresentava a Economia Política como um ramoda “Ciência Política”. Enquanto a “Ciência Política” tra-taria, segundo ele, “da totalidade da conduta do homemem sociedade”,5 a Economia Política estudaria o serhumano em sociedade, “mas apenas como um ser quedeseja possuir riqueza e que é capaz de julgar a efi-cácia relativa dos meios que permitem realizar essafinalidade”.6 A Economia Política de Mill era portantoainda uma ciência da riqueza. No entanto, a referên-cia à capacidade dos indivíduos para julgarem a efi-cácia relativa dos meios para alcançarem o fim (ariqueza) acrescentava algo de novo à noção original– a Economia Política estudava o fenómeno da perse-cução da riqueza pelos indivíduos e partia do pressu-posto da racionalidade.

Cem anos passados sobre este texto de Mill, LionelRobbins publicou um ensaio que viria a substituir oanterior como referência dominante da metodologiada economia.7 A noção de Economia aí apresentadaé até hoje adoptada como definição “oficial” da disci-plina em muitos manuais introdutórios. A Economia,segundo Robbins, “é a ciência que estuda o compor-tamento humano como uma relação entre fins e meiosescassos que têm usos alternativos.”8

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

ECONOMIA(S) | 17

4. Mill, John Stuart (1844), “On the Definition of Political Economy and the Method of Investigation Proper to it” in Essays on Some UnsettledQuestions of Political Economy, London: John W. Parker, West Strand, 1844 (o texto está disponível no DVD).

5. Mill, 1844, op. cit., p. 137.6. Idem, ibid.7. Robbins, Lionel (1935), “An Essay on the Nature and Significance of Economic Science”, segunda edição, Londres: MacMillan, 1945

(ver DVD). 8. Robbins, 1935, op. cit., p. 16.

ADAM SMITH (1723 – 1790)

Adam Smith nasceu em Kirkcaldy,perto de Edimburgo, na Escócia.Estudou na Universidade de Glas-gow. Em 1751 foi convidado paraa cátedra de Lógica em Glasgow,tendo pouco tempo depois transi-tado para a de Filosofia Moral. As

aulas em Glasgow estão na base da sua primeiragrande obra, A Teoria dos Sentimentos Morais, publi-cada pela primeira vez em 1759. Contratado comotutor do Duque de Buccleuch, Smith viajou com oseu discípulo por França durante três anos, tendoentão oportunidade de contactar alguns dos maisdestacados filósofos iluministas franceses. No regressoà Escócia, Smith voltou à sua aldeia de origem, ondese fixou durante dez anos dedicando-se à escritade A Riqueza das Nações.

JOHN STUART MILL (1806 – 1873)

Economista e filósofo britânico,membro do Parlamento. Foi umdos mais influentes teóricos libe-rais do século XIX. Procurou arti-cular a defesa de uma economiade mercado com a defesa dedireitos sociais dos trabalhado-res e das mulheres.

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Por detrás desta fórmula estava a ideia de que aEconomia é o estudo do comportamento em situaçõesem que os seres humanos estão confrontados com múltiplos desejos, fins ou objectivos, não dispondo demeios para os realizar a todos plenamente. Os meios,ou os recursos, são escassos. A Economia referir-se--ia portanto a contextos de escassez e interessar-se--ia fundamentalmente pelo problema da escolha queconsiste em descobrir a melhor forma de afectar, ourepartir, os meios disponíveis (o tempo, ou o dinheiro,por exemplo) aos fins perseguidos. Como distribuiras vinte e quatro horas do dia pelo trabalho e pelo lazer,

sabendo que quer o trabalho (ou o rendimento que proporciona) quer o lazer são importantes? Ou comorepartir o rendimento mensal por diferentes bens eserviços?

Segundo Robbins a Economia trataria da escolhade meios para realizar fins. Contrariamente a Mill, Robbins não faz qualquer referência aos fins que sãoperseguidos, ou às motivações, sejam eles a aquisi-ção de riqueza ou quaisquer outros. E mesmo no quediz respeito à escolha de meios para realizar fins, nadaé dito quanto à capacidade do indivíduo para descobrira melhor forma de o fazer, embora esta capacidadepossa estar subentendida. Robbins assume que a reso-lução do problema da escolha pressupõe que o indi-víduo é capaz de identificar a importância relativa dos diferentes fins, distribuindo os meios entre eles de acordo com essa importância relativa, e a maiorparte dos economistas que subscrevem a definiçãode Robbins consideram que isso equivale à capaci-dade de determinar a solução óptima do problemada escolha.

A noção de Economia de Robbins é portanto muitoabrangente – a Economia é a ciência da escolha (racio-nal) –, dispensando a referência a qualquer objecto,relação, fenómeno ou domínio de aplicação, a nãoser o amplo e vago “contexto de escassez”. Foi por issoque Pereira de Moura criticou esta definição, que remetepara uma ciência geral dos comportamentos humanos,ao mesmo tempo que restringe a observação dessescomportamentos ao dogma da “racionalidade”. ParaPereira de Moura, a economia devia ser definida demodo mais humilde como “o que os economistasfazem”, como as teorias, modelos, métodos de aná-lise e catálogo de problemas que os economistas vãotratando ao longo dos tempos.9

As noções de Economia de Mill e, sobretudo, a deRobbins, embora continuem a ser muito influentes,debatem-se de facto com grandes dificuldades. Sendoas motivações humanas reconhecidamente muito diver-sas e complexas, por que razão deve a Economia pres-supor que a persecução da riqueza é o único fim? Exis-tindo várias concepções de racionalidade, por que razãodeve a Economia vincular-se a uma delas?

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LIONEL ROBBINS (1898 – 1984)

Economista britânico adepto daEscola Austríaca e opositor da teoriade Marshall. Dirigiu o departamentode Economia da London School ofEconomics e foi o responsável peloconvite a Friedrich Hayek, o maisdestacado opositor do keynesia-

nismo e inspirador do renascimento do liberalismoeconómico.

FRANCISCO PEREIRA DE MOURA (1925 – 1998)

Economista português. Introduziuo ensino da Economia moderna emPortugal. Preso pela ditadura, foidemitido do seu lugar de professorcatedrático do ISE (hoje ISEG) e,com a democracia, restabelecido

na sua função. Publicou Lições de Economia (1964)e Para Onde Vai a Economia Portuguesa? (1969),entre outros livros que foram fundamentais paravárias gerações de economistas portugueses.

9. Moura, Francisco Pereira de (1964), Lições de Economia, Lisboa: Clássica Editora, p. 6.

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Consideremos em primeiro lugar os pressupos-tos motivacionais tal como são apresentados por Mill.Como o próprio Mill reconhecia, não existe possivel-mente nenhuma acção, mesmo económica, cuja únicamotivação seja o desejo de riqueza. Mill assumia sim-plesmente que, no domínio dos assuntos humanos aque se referia a Economia, o desejo de riqueza se des-tacava de todos os outros ao ponto de poder ser tomadocomo motivação única. A Economia como ciência deviadeduzir as suas leis da hipótese simples de que a pro-cura de riqueza é a única motivação, modificando-as a posteriori em caso de manifesta desadequação coma realidade, incluindo então outras motivações ou causas da acção.

Encarando a Economia como estudo da persecu-ção da riqueza, Mill assumia naturalmente que a riquezaé desejada pelos indivíduos. O problema é que o pres-suposto da persecução da riqueza como motivaçãoúnica, pretendendo ser simplificador, cria mais proble-mas do que aqueles que resolve. A obtenção de riquezaé o fim último da acção ou é apenas um meio para rea-lizar outros fins? A que se destina a riqueza desejada?À satisfação de necessidades? À satisfação de caprichosindividuais? Ao sustento da família? À ajuda a desco-nhecidos carenciados? Quando procura riqueza o indi-víduo tem em conta custos que a sua acção pode terpara outros, ou considera apenas as consequênciasda acção para si mesmo?

Além disso, existem problemas na relação entremeios e fins. Os meios de aquisição de riqueza são ava-liados apenas na óptica do contributo que dão para ofim único, ou estão eles próprios sujeitos a um julga-mento independente? Os meios podem ser bons oumaus em si? Será que alguns meios, porventura os maiseficientes, não devem pura e simplesmente ser consi-derados? Existem ou não obrigações normativas?

Em suma, a persecução da riqueza pode ter múlti-plos significados e envolver motivações muito diver-sas. O desejo de riqueza pode impelir os indivíduos emdirecções distintas.

Face à percepção desta indeterminação, outros eco-nomistas especificaram o pressuposto do desejo deaquisição de riqueza acrescentando-lhe o egoísmo ou a prossecução do interesse próprio. Neste caso, a

riqueza desejada passaria a ser desejada pelo actornecessariamente para si, e não também para outros ousó para outros – uma possibilidade que a definiçãode Mill não descartava. Aos problemas anteriores soma--se agora outro: por que razão excluir à partida da Eco-nomia os comportamentos que não podem ser consi-derados egoístas?

Dificuldades como esta levaram Robbins a abdicardos pressupostos motivacionais, remetendo os fins paraa esfera dos desejos subjectivos que a Economia nãodeveria investigar nem discutir, e a centrar a sua noçãode Economia na escolha e na racionalidade.

O pressuposto da racionalidade suscita, porém,outros problemas.

A primeira dificuldade diz respeito aos limites daracionalidade. Quando se assume que o agente não sóé racional, no sentido em que procura os melhores meiospara atingir os seus fins, como perfeitamente racional,isto é, efectivamente capaz de determinar os melhoresmeios possíveis, ignora-se a possibilidade de o agentepretender de facto ser racional mas não dispor de capa-cidade para tal.10 O problema da escolha pode ser tãocomplexo que nem o maior computador disponívelseria capaz de obter uma solução em tempo útil. Nessecaso o agente está condenado a utilizar procedimen-tos de resolução (heurísticas) que permitem obter umasolução, embora sem garantia de que a solução obtidaseja a melhor possível. A racionalidade nesta pers-pectiva seria limitada pelas capacidades cognitivas dosseres humanos, tornando-se mais difusa a distinçãoentre comportamento racional e não-racional.

Uma segunda dificuldade do pressuposto da racio-nalidade relaciona-se com o facto de nem toda a acçãohumana ser racional. A acção pode de facto não decor-rer de um processo de deliberação, sendo antes umaresposta habitual, de rotina, irreflectida, a estímulosdo ambiente. Nem sempre, quem sabe raramente, osagentes deliberam antes de empreenderem um cursode acção. A maior parte das operações e dos procedi-mentos dentro de uma organização como uma empresasão executados de forma rotineira, sem que os indi-víduos considerem a existência de modalidades de acçãoalternativas e os respectivos prós e contras. Será queexiste uma justificação válida para excluir a acção de

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

ECONOMIA(S) | 19

10. A questão foi identificada por Herbert Simon, Nobel da Economia em 1978.

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rotina das modalidades de comportamento que inte-ressam à Economia?

Além disso, os seres humanos, como se torna clarona mais recente investigação num domínio designadode Economia Comportamental, cometem erros de ava-liação em muitas circunstâncias.11 Mais, esses erros sãosistemáticos, isto é, não são corrigidos com a experiên-cia. Haverá alguma razão para a Economia excluir doseu campo modalidades bem identificadas de compor-tamento irracional?

A terceira dificuldade, porventura a fundamental,decorre da própria noção de racionalidade. A racio-nalidade que Mill e Robbins têm em mente é por vezesdesignada de racionalidade instrumental, isto é, umaracionalidade que se refere à escolha dos melhoresmeios (instrumentos) para atingir fins dados. Nesta con-cepção, “fins dados” tanto pode significar “fins subjec-tivos”, que não se discutem, como se diz dos gostos,como fins decorrentes do processo de socialização dosindivíduos, cujo estudo a Economia deveria deixar paraoutras ciências sociais. Em qualquer caso, não há, nestaconcepção de racionalidade, lugar para a reflexão indi-vidual sobre os fins, nem para a escolha de fins. Emcontrapartida, outras concepções de racionalidade admi-tem que os seres humanos têm capacidade para reflec-tir racionalmente acerca dos fins e para escolher os queconsideram valer a pena perseguir. O problema é oseguinte: existindo diferentes concepções de racio-nalidade, dificilmente se compreende a razão pela quala Economia se deve vincular a uma delas, excluindooutras.

Se levarmos a sério estas dificuldades, rejeitandoportanto as noções de Economia a que acima nos refe-rimos, será que nos resta alguma coisa sobre a qual sejapossível construir uma definição da disciplina? A Eco-nomia pode ser concebida não a partir dos pressu-postos ou abstracções sobre as motivações e o compor-tamento humano que assume como ponto de partida,mas dos aspectos da realidade social que estuda prio-ritariamente. A Economia pode ser definida a partir do

seu objecto, como muitas outras ciências o são. Econo-mistas de todos os tempos têm adoptado noções destetipo que não vinculam a disciplina a quaisquer pressu-postos motivacionais ou concepções de racionalidade.

Alguns exemplos de definições de Economia basea-das no objecto: “Ciência que tem como objecto os fenó-menos da produção, distribuição, consumo e aprovi-sionamento de bens e serviços de uma comunidadehumana;”12 “Estudo das actividades sociais orientadaspara a criação e reprodução das condições materiais davida humana”; ou “Estudo de como os indivíduos eos grupos se organizam para a sua provisão”.13

Mas não haverá problemas e limitações tambémnas definições baseadas no objecto? A resposta a estapergunta leva-nos à discussão da economia comoobjecto.

2.2. A economia

A Economia partilha com as restantes CiênciasSociais e Humanas um mesmo objecto real. Como escre-via Sedas Nunes numa obra que influenciou várias gera-ções de estudantes de Ciências Sociais em Portugal,incluindo economistas: “No domínio do humano edo social, não existem campos de realidade e fenó-menos que dessa forma se distingam uns dos outros,como se fossem compartimentos estanques: o campoda realidade sobre o qual as Ciências Sociais se debru-çam é, de facto, um só (o da realidade humana e social).”14

Neste sentido, não existem a priori aspectos da rea-lidade social ou fenómenos que possam ser designadosde económicos e distinguidos de outros não-económicos. Adistinção entre económico e não-económico existe apenaspor força de conceitos, de ideias, através dos quais arealidade é interpretada. A economia, enquanto objectode conhecimento, existe separada de outros aspectosda vida social apenas em consequência de uma ela-boração conceptual que dá significado a essa separa-ção. Na medida em que essa elaboração conceptual teve

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11. Como por exemplo quando têm de escolher entre a fruição a curto prazo de um bem e a fruição a longo prazo de um bem muito superior,ou quando têm que fazer escolhas envolvendo acções com consequências incertas.

12. Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa.13. Bromeley, Daniel (2006), Sufficient Reason – Volitional Pragmatism and the Meaning of Economic Institutions, Princeton: Princeton

University Press, p. 33.14. Sedas Nunes, A. (1982), Questões Preliminares sobre Ciências Sociais, Editorial Presença/GIS, 7ª Edição, p. 22.

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lugar no quadro da reflexão da Economia justifica-seafirmar que a economia, como objecto, é uma criaturada própria ciência.

Como não podia deixar de ser, os conceitos que dãovida própria à economia são problemáticos e precários.Definir a economia por referência aos “fenómenosda produção, distribuição, consumo” envolve necessa-riamente conceitos de produção, distribuição e con-sumo. Mas o que é produção? Que actividades devemser consideradas produtivas? Observo alguém a cuidarde um jardim. Será que está a produzir? Caso se tratede um jardineiro profissional ninguém terá dúvidasem responder afirmativamente. Mas o que dizer nasituação do proprietário do próprio jardim que exerceessa actividade como forma de lazer? O que é trabalhoe o que o distingue de lazer? O que é o consumo? A frui-ção de um bem? Observo alguém que participa numaactividade religiosa. Está a consumir? Só é consumo sehouver uma contrapartida monetária?

Em tempos em que o mercado se tornou uma ins-tituição social preeminente, é forte a tentação para cir-cunscrever a economia ao conjunto de actividadesmediadas pelo mercado. Mas se assim fosse o que fazercom toda a actividade produtiva que decorre na esferadoméstica? A preparação de uma refeição seria umfenómeno económico quando ocorre na cozinha de umrestaurante e deixaria de o ser na cozinha familiar?

E a produção que decorre na esfera do Estado? Umaaula seria uma actividade económica no ensino privadoe outra coisa qualquer no ensino público? Na verdade,nem mesmo os critérios estatísticos oficiais excluempor completo as esferas familiar e pública do conceitode produção. Se o fizessem, o Produto Interno Bruto(PIB) de todos os países seria muito inferior.

A classificação de actividades concretas como eco-nómicas ou não económicas envolve dificuldades con-sideráveis. Abandonemos então critérios de delimita-ção estreitos e falemos de economia como “provisão”ou “criação e reprodução das condições materiais davida humana”. Arbitrariedades como as que decorremda identificação de económico com mercantil podemagora ser removidas, mas nem por isso as dificuldadesdesaparecem. Provisão de quê? Bens materiais. Mas oque distingue bens materiais de bens espirituais? O quedizer da criação artística ou, de novo, da participa-ção em rituais religiosos?

A resposta a perguntas como estas é o que sedesigna por conceptualização. É através da conceptua-lização – estabelecimento de categorias e do seu sig-nificado – que a economia, enquanto objecto, vai sendoconstruída. Como é fácil concluir a partir do simplesexercício mental de tentar responder às pergun-tas acima formuladas, todos os conceitos são proble-máticos e provisórios. A Economia é, portanto, umobjecto plástico, tão precário e volúvel como a própriaeconomia.

As definições de Economia baseadas no objectotêm assim de se confrontar com a dificuldade queresulta do facto de ser impossível definir o objecto apriori, isto é, independentemente dos conceitos queo permitem construir.

Em termos de definições de Economia, a conclu-são que se pode formular é apenas a de que todas sãonecessariamente insatisfatórias, quer as que se fundamem pressupostos motivacionais e concepções parti-culares de racionalidade, quer as que se baseiam noobjecto. Resta-nos, em alternativa às definições, a pos-sibilidade de construir imagens da economia, com emaiúsculo e minúsculo. Para tal podemos partir doconhecimento do que os economistas pensam e fazem,ou melhor ainda, do modo como, ao longo do tempo,as suas ideias e a realidade a que se referem se foramformando e transformando.

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

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ADÉRITO SEDAS NUNES (1928 – 1981)

Economista e docente do ISCEF(1955), hoje ISEG, foi um dos fundadores do ISCTE em 1973.Fundou também o Gabinete deInvestigações Sociais da Universi-dade de Lisboa, que daria origemao Instituto de Ciências Sociais

(ICS), e a sua revista Análise Social. Foi um dos pio-neiros da Sociologia em Portugal. Entre as suas prin-cipais obras contam-se Sociologia e Ideologia doDesenvolvimento (1968), A Situação UniversitáriaPortuguesa (1971) e Questões Preliminares sobreas Ciências Sociais (1972).

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2.3. A pluralidade interna da Economia

A Economia, como as outras ciências sociais, é muitas vezes caracterizada em oposição às restantesciências pelo facto de coexistirem no seu seio múlti-plas correntes teóricas e doutrinais. Diferentes eco-nomistas, muitas vezes reunidos em escolas de pen-samento diversas, elaboram os conceitos de forma dis-tinta e isso leva-os a construir teorias diferentes, muitas vezes antagónicas, donde decorrem opiniões econclusões divergentes em questões práticas ou de polí-tica. A Economia, como de resto as outras ciênciassociais, caracteriza-se pela inexistência de um núcleoteórico comum, e nesse sentido difere, pelo menos atécerto ponto, de disciplinas científicas como a Física.

A pluralidade das ciências sociais e também a daEconomia é muitas vezes apresentada como um indí-cio de subdesenvolvimento. Considera-se que uma ciên-cia só o é verdadeiramente a partir do momento emque partilha pelo menos um núcleo central de concei-tos. Por isso mesmo existe uma tendência para escon-der a pluralidade do público e dos estudantes de Eco-nomia. A Economia é então apresentada não comouma disciplina atravessada por desacordos, mas comoum corpo monolítico que se foi desenvolvendo aolongo do tempo através da correcção sucessiva de errospassados.

Pode, no entanto, dar-se o caso de a pluralidade seruma característica intrínseca às ciências sociais e a uni-dade ser um horizonte inalcançável. Pode dar-se aindao caso desta pluralidade ser um elemento de vitalidadee não um sintoma de atraso.

Por que razão, contrariamente ao que sucede nasciências do mundo físico e da natureza, é tão manifestanas ciências sociais a pluralidade interna? Quando comparamos as ciências sociais com as ciências domundo físico e da natureza confrontamo-nos com pelomenos dois tipos de diferença, senão essencial, pelomenos de grau:

1. Nas ciências sociais não é possível conceber umaseparação clara entre o observador e o obser-

vado; o observador está imerso no objecto daobservação – a própria sociedade – e a posiçãoque cada “observador” ocupa na sociedade podecondicionar a forma como a observação é feita– aquilo que identifica como constituindo umproblema, a ordenação que faz da prioridade dosproblemas a resolver ou dos objectivos a reali-zar, o que considera ser um dado imutável, ouuma variável passível de correcção, podem variarconsoante o ângulo de observação;

2. Nos mundos físico e biológico, as ideias quetemos acerca deles, as teorias que a seu respeitoconstruímos, não modificam os seus mecanis-mos e o seu funcionamento – os átomos e asmoléculas não lêem tratados e o seu compor-tamento não muda quando os tratados são escri-tos; o mesmo não se passa no mundo social – asideias construídas e comunicadas acerca da vidasocial, sejam elas científicas ou não, podeminfluenciar e influenciam o comportamento dosseres humanos.15

Em consequência, a identificação de categorias,o estabelecimento de significados e as teorias que seconstroem são influenciadas pela “linguagem” queaprendemos em sociedade, pela posição que nela ocu-pamos ou pensamos poder vir a ocupar. Além disso,uma vez que as ideias e teorias que comunicamos acercada sociedade encerram o potencial de poder modificaro comportamento dos outros, as ideias que exprimi-mos acerca do comportamento humano podem serinfluenciadas pelas concepções que temos acerca doque é ou deve ser esse comportamento.

Dito isto, talvez a pluralidade existente no interiorda Economia surja como menos estranha. Além disso,pode surgir também como menos indesejável, namedida em que, possivelmente, a unidade do campodisciplinar só seria realizável numa sociedade total-mente homogénea.

Será que a Economia é menos ciência pelo facto de no seu interior coexistirem diferentes corren-tes? Independentemente da distinção entre o que é e

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

22 | ECONOMIA(S)

15. É bem possível, por exemplo, que uma teoria que se baseia no pressuposto de que os seres humanos são sempre egoístas modifique ocomportamento dos que nela acreditam. Quem acredita verdadeiramente na teoria não pode deixar de esperar que todos aqueles com quemse relaciona sejam egoístas e passar a relacionar-se com eles com base nesse pressuposto.

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não é ciência, se considerarmos apenas algumas dascaracterísticas da prática científica universalmentereconhecidas, podemos aceitar que a Economia emnada fica diminuída no seu estatuto científico apesarda pluralidade.

A prática científica, no que tem de mais valioso,caracteriza-se essencialmente por ser uma reflexão que não parte de “verdades reveladas” ou “argumen-tos de autoridade”, está atenta à realidade e submete--se ao argumento lógico, sempre aberta à correcção do erro. A ciência é, em suma, uma reflexão colec-tiva, um debate aberto, racional, não dogmático. Nãose vislumbra, portanto, por que razão a existência de pluralismo haveria de prejudicar esta actividade enão estimulá-la.

Mas deve reconhecer-se também que para existirdiálogo é necessária uma linguagem partilhada, e issojustifica a razão pela qual os economistas tendem acooperar em grupos que partilham essa linguagem –escolas de pensamento e correntes teóricas.

No entanto, o diálogo entre escolas e correntes nãoé impossível e pode ser enriquecedor desde que existaum contacto dos economistas com as diferentes corren-tes que lhes proporcione um domínio, mesmo que rudi-mentar, dos “idiomas” de cada uma delas. Quando sedefende uma divulgação e ensino da Economia plura-lista, esse é um dos objectivos – proporcionar aos estu-diosos um contacto com diferentes linguagens que sus-tente a comunicação entre escolas de pensamento. Outroobjectivo, talvez mais importante ainda: mesmo quehaja que optar por uma dada corrente de pensamentoem detrimento de outras, a escolha só é livre – na ver-dade, só é escolha – se forem proporcionadas diferen-tes alternativas.

É preciso ainda assinalar que, não obstante a plu-ralidade, existe uma corrente particular da Economia,muitas vezes designada Economia Neoclássica, que éhoje em dia dominante na disciplina. Esta correntesubscreve concepções da disciplina afins à de Robbins,e caracteriza-se sobretudo por uma observância estritados pressupostos da racionalidade instrumental (a quenormalmente associa o pressuposto do egoísmo ou dointeresse próprio) e pela defesa da formalização abs-tracta como pré-requisito da cientificidade. Lamenta-

velmente, essa corrente reivindica não só a hegemo-nia, que é um facto, como o monopólio.

2.4. A pluralidade do objecto da Economia

Foi sugerido acima que o objecto das várias ciên-cias sociais é construído por estas mesmas ciências aolongo do seu processo de desenvolvimento. Mas as acti-vidades e fenómenos sociais que interessam a uma dis-ciplina, que integram o seu objecto, podem ser inte-grantes também do objecto de outras disciplinas. A pro-dução, o consumo ou o trabalho, por exemplo, mas mesmoo investimento ou a inflação, são actividades e fenómenosque embora considerados eminentemente económicossão susceptíveis de interessar outras ciências sociais eintegrar o seu objecto. Neste sentido, o objecto da Eco-nomia é susceptível de ser abordado não só dos diferen-tes pontos de vista que coexistem no interior desta dis-ciplina como dos diversos ângulos das diferentes ciên-cias sociais. A pluralidade existe não só no interior daEconomia como na abordagem ao seu objecto.

O contacto com a perspectiva de outras ciênciassociais a respeito de actividades e fenómenos “eco-nómicos” pode não apenas enriquecer e complemen-tar a análise da economia como também modificá-la.

Tomemos, por exemplo, o caso do consumo. Na pers-pectiva da corrente dominante da Economia, o consumoé encarado como uma actividade orientada para a satis-fação de desejos subjectivos, individuais, independentedos desejos e do nível de satisfação dos desejos alheios.

Na perspectiva de alguma análise sociológica, ouda psicologia social,16 o consumo é também respostaa desejos, embora entre estes haja um que se destaca– o desejo de status social. Podemos desejar um carronovo não porque o nosso deixou de funcionar, mas porque um colega comprou um de maior cilindrada.Neste caso, que parece ser muito frequente, os desejosindividuais não são independentes dos desejos alheios,mas antes dependentes de uma comparação com outrosindivíduos, do mesmo estrato social ou de estrato “supe-rior”. Os desejos a que a actividade de consumo dá res-posta não são então meramente subjectivos, eles resul-tam da interacção social, obedecem a padrões sociais.

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

ECONOMIA(S) | 23

16. Mas também de algumas correntes da Economia. Veja-se nomeadamente o institucionalismo de Thorstein Veblen.

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As perspectivas da sociologia e da psicologia sãoreconhecidas por economistas “práticos”, especialistasem marketing e outros gestores. Não se vê por que razãonão podem ser acolhidas pela própria Economia.

Para a Economia e para os economistas, o conhe-cimento do ponto de vista das outras ciências sociaissobre actividades e fenómenos que integram o seu objectonão pode deixar de ser relevante, uma vez que:

1. O ponto de vista das outras disciplinas pode ajudar a Economia a aperfeiçoar os seus concei-tos e as suas teorias;

2. A evidência empírica recolhida com métodoscaracterísticos doutras disciplinas pode corro-borar ou infirmar resultados a que a Economiahavia chegado utilizando os seus; e

3. Pode facilitar a aproximação das “linguagens” eo diálogo entre profissionais de várias prove-niências. Pode ainda, num horizonte mais difuso, ajudar a realizar o velho sonho da unificação dasCiências Sociais na Ciência do Social de que jáfalava Sedas Nunes.

2.5. Os economistas enganam-se muitasvezes

Para propor alternativas de política económica e de estratégia económica das empresas, dos gover-

nos ou de outras organizações, os economistas desen-volvem teorias, medem, calculam, aplicam mode-los e fazem previsões. Muitas vezes enganam-se. ATabela 1.1 recapitula as previsões oficiais de váriosgovernos (Relatórios dos Orçamentos de Estado) acercada evolução dos preços e do PIB português para o ano referido. Trata-se de previsões feitas no ano ante-rior, que, como se verifica, estavam erradas (a Tabela1.1 regista a diferença entre as previsões e o que defacto aconteceu).

Porque é que estas previsões estão tantas vezes erra-das? E porque é que o enviesamento dos seus errosocorre frequentemente na mesma direcção? A respostaé evidente.

Em primeiro lugar, trata-se de previsões feitas porinstituições cuja actuação condiciona – e quer condi-cionar – a formação das expectativas dos agentes eco-nómicos: em particular, quer criar optimismo quandoas condições económicas são preocupantes ou quermanter o optimismo quando a economia cresce. Assim,por exemplo, cada governo procura criar a ilusão deque a inflação será controlada, na esperança de queessa convicção dissuada os agentes de adoptarem prá-ticas inflacionárias. Por exemplo, os governos tendema subvalorizar a inflação futura porque, entre outrosefeitos, assim justificam a determinação dos saláriosna Função Pública (que serve de referência para toda aeconomia) abaixo da inflação real, permitindo poupan-ças orçamentais.17

CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

24 | ECONOMIA(S)

17. Nos anos recentes, a única excepção foi o Orçamento para 2009, que supõe uma actualização salarial na função pública acima da inflaçãoprevista.

PIB 0,6 -1,3 -1,2 -2,6 0,5 -1,5 0,3 0,1

Gastos públicos 2,5 2,3 1,7 0,5 3,1 3,2 -0,1 1,3

Investimento -3,3 -5,5 -7,0 -9,4 -2,3 -6,1 -2,4 1,3

Exportações 2,0 -6,9 -1,5 -2,1 -1,5 -4,2 3,0 0,3

Importações -2,2 -6,8 -3,3 -3,6 2,6 -2,1 0,9 1,9

Inflação 0,9 1,6 0,9 0,8 0,4 0,3 0,8 0,4

Fontes: Relatórios do Orçamento de Estado, Tribunal de Contas

TABELA 1.1.DIFERENÇA ENTRE A REALIDADE E AS PREVISÕES (PORTUGAL)

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CAPÍTULO 1. O QUE É A ECONOMIA

ECONOMIA(S) | 25

RESUMO – CAPÍTULO 1

A economia é notícia todos os dias. Está invariavelmente presente nos debates políticos. Afecta-nos a todos. A Eco-nomia só é relevante se procurar respostas e soluções para os problemas sociais mais graves e urgentes (com desta-que para a crise ambiental e o (sub)desenvolvimento).

A Economia como saber, e o próprio objecto desse saber, são difíceis de definir: quer as definições baseadas empressupostos comportamentais, quer as definições baseadas no objecto enfrentam dificuldades.

A Economia é um saber plural: no interior da disciplina existem múltiplas doutrinas e teorias, algumas vezes contra-ditórias. O próprio objecto da economia é plural: os factos e fenómenos que interessam à Economia podem interes-sar também a outras ciências sociais. E a Economia é um saber limitado; a consciência desses limites convida aouso prudente do conhecimento que pensamos deter.

Em segundo lugar, o que os economistas sabemsobre as economias só permite previsões aproximadase inseguras, visto que há muita incerteza quanto a fac-tores importantes que podem ter variações surpreen-dentes, como por exemplo o preço da energia impor-tada ou os níveis de investimento privado.

Os economistas sabem alguma coisa sobre o passadoe mesmo sobre o presente. Mas nada sabem sobre o futuro:

a economia é uma ciência que trata de factos e forçassociais, que são por isso indeterminadas porque depen-dem de vontades, de conflitos, de estratégias, de escolhas.

A Economia nem sempre é, mas ganharia em passara ser, um conhecimento mais prudente, menos arro-gante, mais consciente dos seus limites e mais dispostoa revelar a incerteza sempre associada às suas previ-sões e recomendações políticas.

Diamond, Jared (1998), Guns. Germs and Steel – A Short History of Everybody for the Last 13.000 Years, Londres: Vintage (ver edição portuguesa).

Mill, John Stuart (1844), “On the Definition of Political Economy and the Method of Investigation Proper to it”, inEssays on Some Unsettled Questions of Political Economy, London: John W. Parker (ver DVD).

Robbins, Lionel (1935), “An Essay on the Nature and Significance of Economic Science”, 2.ª ed., Londres: Mac-Millan, 1945 (ver DVD).

Sedas Nunes, Adérito (1982), Questões Preliminares sobre as Ciências Sociais, Lisboa: Editorial Presença/GIS.

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