LOU CARRIGAN BRIGITTE - Visionvox · Estava tomando sol no terraço de seu apartamento, ... matilha...

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LOU CARRIGAN BRIGITTE MONTFORT SOL DA MEIA-NOITE

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LOU CARRIGAN

BRIGITTE MONTFORT

SOL DA MEIA-NOITE

CAPITULO PRIMEIRO O Agente Negro

Estava tomando sol no terraço de seu apartamento,

completamente nua, junto à pequena piscina circular, quando a loura empregadinha Peggy se aproximou.

— Miss Montfort... Brigitte virou a cabeça para a entrada do terraço, onde

Peggy se tinha refugiado sob um pára-sol com flores estampadas.

— Que é? — Mister Pitzer. Diz que deseja vê-la com urgência...

Quase não pude impedir que viesse diretamente aqui. Uma breve expressão de alarma passou pelas pupilas

azuis de Brigitte Montfort. — Está com cara de morte? — quis saber. — Não, não... — Graças a Deus! Diga-lhe que o espero. Que horas

são? — Doze e meia, mais ou menos. — Ah... Quer nos preparar uns martinis, Peggy? — Pois não, miss Montfort. A linda empregadinha abandonou o terraço. Brigitte

sentou-se sobre a toalha, pensativa. Súbito, pareceu lembrar-se de que Charles Pitzer ia aparecer de um momento para outro. Levantou-se agilmente e enfiou uma curta bata azul. Estava-se instalando numa das cômodas cadeiras de vime, quando surgiu o chefe do Setor Nova Iorque da CIA, olhando para todos os lados.

Bastou à agente Baby urna olhadela para constatar que, com efeito, ele não tinha cara de morte. Mas tinha cara de

pressa, de tensão. E isto significava que vinha com o muito repetido propósito de recorrer uma vez mais aos serviços da melhor espiã da CIA. Aonde iria mandá-la esta vez? Alasca, Istambul, Hong Kong, Paris, Cidade do Cabo. Antártida, Havaí, Cairo, Moscou, Viena...?

— Ah... — ele a viu. — Bom-dia, Brigitte. — Bom-dia, tio Charlie. Segundo Peggy, que começa a

conhecê-lo tão bem como eu, esta vez você não vem porque mataram um dos meus queridos Johnnies... E assim?

— É. Por ora, os seus meninos estão perfeitamente. Ela sorriu e indicou outra cadeira d’e vime, na qual

Pitzer instalou-se, contemplando com enlevo as espetaculares pernas, a beleza total da mais mortífera agente secreta de todos os tempos.

— Pedi à Peggy para nos servir uns martinis... Que tal? — Excelente idéia... mas não sei se você terá tempo de

tomá-los: seu avião parte dentro de setenta e cinco minutos. — Meu avião? Mas, tio Charlie, com este calor não sinto

grande vontade de viajar... — Não sei porque se queixa do calor, se é do que mais

gosta. Agora mesmo não se estava assando ao sol? — Meu querido, uma coisa é dourar a pele,

preguiçosamente deitada, e outra é pegar malas e partir a toda pressa... para onde?

— Estocolmo. — Estocolmo! E verdade? — É verdade. Como vê, mando-a a um lugar onde não

poderá sentir muito calor. — Agradeço-lhe. Mas pergunto-me se tenho vontade de

ir a Estocolmo ou a qualquer outra parte. Realmente, só gostaria de viajar para...

Calou-se. Pitzer sorriu, o que nele não era muito freqüente. Sabia muito bem aonde Brigitte iria de boa vontade naquele momento: a Malta, à Vila Tartaruga, perto de La Valetta, onde habitava o jamais igualado Número Um, o único homem que conseguira seu amor.

— Poderá ir lá, se quiser, depois de terminado este trabalho, que estou certo lhe despertará o maior interesse.

— Não me diga que tenho que conseguir algum microfilme.

— Talvez haja um microfilme de permeio. Mas sua missão principal consistirá num assassinato.

O belíssimo rosto não se alterou. — Tenho que matar alguém? — perguntou, como se

tratasse da hora, ou do dia do mês. — Sim. Quase que com toda a certeza. — E quem é o sentenciado pela CIA? Como sabe, tio

Charlie, se me parecer que ele não merece a morte, nada feito.

Charles Pitzer tornou a sorrir. — Yuri Yerkov — disse. No rosto de Brigitte houve uma crispação rapidíssima,

que endureceu a doce linha de seus lábios. Naquele momento chegou Peggy com os martinis. Brigitte esperou que ela depositasse a bandeja sobre a mesinha de vidro, depois disse:

— Peggy, vou partir dentro de cinco minutos. Viagem internacional.

A empregadinha não precisava de muitas explicações, claro, salvo um pequeno detalhe:

— Frio ou calor, miss Montfort? — Estocolmo.

— Prepararei sua bagagem imediatamente. Peggy retirou-se e Brigitte tomou um gole de martini.

Pitzer também, suspirando satisfeito. Depois tirou do bolso um envelope, colocando-o junto ao martini dela.

— Sua passagem. Quanto aos detalhes... — Não me interessam os detalhes: matarei Yuri Yerkov.

Não foi o que mandou? — Eu já não lhe mando nada, a esta altura... —

resmungou Pitzer. — De qualquer modo, disse-lhe que o deverá matar quase com toda certeza.

— E isso o que quer dizer? — Que talvez não o precise matar. Brigitte moveu negativamente a cabeça. — Eu o matarei — afirmou. — Creio que deveria interessar-se pelos detalhes —

insistiu Pitzer num tom que chamou a atenção de Brigitte. — Está bem... — ela o olhou atentamente. — Ouvirei

esses detalhes. Quais são? — Por exemplo: não se perguntou como podemos ter a

certeza de que localizará Yuri Yerkov em Estocolmo, ou perto de lá.

— Se me enviam, é porque o localizaram, não importa como. Irei a Estocolmo e matarei esse assassino.

— Eu lhe digo que... — Não creio que nada me faça mudar de idéia. E você

bem o sabe. Esse homem é um sujo. E se vai me dizer que sou demasiado fina para usar esta palavra, direi que estou de acordo. Mas não me ocorre nenhuma outra para definir Yerkov:

sujo, sujo e sujo. Esse animal que todos os serviços secretos do mundo chamam de Agente Negro é um sujo e

um assassino. Não tem a mínima noção d’e espionagem, não respeita nada, não tem piedade de ninguém... Mata porque sim, por gosto, quando não há necessidade alguma de fazê-lo. Todas as missões que levou a termo, quer dizer, as de que temos conhecimento, custaram vidas à CIA, ou a qualquer outro serviço de espionagem. Tenho exato conhecimento disso: meus amigos do MI-5 britânico e do Deuxiême Bureau, entre outros, não me recusaram essa espécie de informação. O dia em que o Agente Negro se colocar a alcance de tiro, os melhores homens de todos os serviços secretos do mundo sairão atrás dele armados até os dentes.

— Pois foi justamente isso o que aconteceu. — Como? — Yuri Yerkov colocou-se a alcance de tiro. Melhor dito, os próprios russos, para os quais esteve

trabalhando tão eficazmente até agora, deixaram-no exposto a todos os serviços secretos.

— Explique-me isso melhor, tio Charlie. — Dois dias atrás, recebemos de agentes nossos na

Europa a informação de que Yerkov tinha escapado da Rússia, aparentemente por Leningrado. Um agente polonês, que trabalha para nós, assegura que ele escapou levando importantes documentos. Pode ser verdade e pode não ser, mas o indiscutivelmente certo é que Yerkov fugiu da Rússia. E sabe o que fizeram os russos?

— O quê? — Passaram a notícia a todos os espiões da Europa. — Você está brincando? Pitzer moveu negativamente a cabeça. Tirou do bolso

outro envelope e, deste, uma fotografia, que estendeu a

Brigitte. Ela a tomou e, definitivamente interessada, contemplou o rosto do homem fotografado. Devia ter algo mais de trinta e cinco anos, cabelos escuros, olhos claros, traços firmes, enérgicos. Um rosto ao mesmo tempo atraente e atemorizante.

— Não me diga que é Yuri Yerkov... — murmurou. — É. Ou, se prefere, o Agente Negro, o assassino

implacável do MVD. — Onde conseguimos esta foto? — Apareceu por toda a Europa, naturalmente lançada

pelos russos. Até agora, nunca alguém vira Yerkov. Quer dizer, ninguém que continuasse vivo. E súbito surgem milhares de fotos dele.

Por certos canais de informação, sabemos que caiu em desgraça na Rússia e que fotos como esta se destinam a agentes do MVD repartidos por todo o continente europeu, para que, por fim. conheçam seu companheiro e lhe dêem caça. Claro, era inevitável que o MI-5, nós, praticamente todos os serviços de espionagem conseguissem algumas destas fotos e soubessem da queda de Yuri Yerkov. Assim, pode-se dizer que toda a Europa o está caçando.

— E não se diz nada a respeito de ter ele escapado com importantes documentos?

— Isso foi dito somente a nós, pelo mencionado polonês.

— Então parece que a jogada do MVD não pode estar mais clara: Yerkov escapou com documentos que os russos não querem que ninguém conheça e, como sabem que todos estão decididos a matá-lo, distribuíram suas fotos e fizeram correr a noticia de sua fuga do país por Leningrado, mas não deixando deslizar, logicamente, que ele possui

documentos capazes de interessar a muitos serviços de espionagem. Deste modo, lançam atrás de Yerkov toda a matilha da Europa, inclusive os próprios agentes do MVD. Objetivo: que qualquer agente secreto fique capacitado a identificar e eliminar o traidor, sem a menor suspeita de que ele é uma verdadeira mina de informações.

— Creio que essa é exatamente a idéia dos russos. Assim, podem ter certeza de que Yerkov será eliminado a curto prazo e de que ninguém se interessará.- pelos documentos, pois todos Ignoram sua existência... menos nós, claro.

— E por que temos que ser os privilegiados? — Não sei. Talvez esse agente polonês seja muito eficaz,

e não temos porque desconfiar disso. De qualquer modo, pessoalmente inclino-me a acreditar que haja algo de verdade neste assunto.

— Por quê? — Do mesmo envelope da foto, Pitzer tirou um papel

dobrado, que também estendeu a Brigitte. Esta o desdobrou e arqueou as sobrancelhas com expressão interrogativa.

— Está escrito no código geral europeu de dois anos atrás, se não me engano.

— Exato. Essa mensagem que aí tem foi recebida em forma de telegrama por um de nossos homens de Estocolmo, o qual tem lá um pequeno negócio. Imediatamente ele nos enviou cópia por um dos condutos urgentes de segurança máxima.

— Quer que eu a transcreva, ou prefere fazê-lo você mesma?

— Verei se minha memória está boa — murmurou Brigitte.

Pitzer passou-lhe uma esferográfica e não se surpreendeu absolutamente quando, em poucos segundos, ela decifrou a mensagem, que dizia:

EM VISBY ONDA 2055 ACEITARIA CONTATO ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE COM AGENDTE “BABY”

YURI YERKOV — Está louco... — murmurou Brigitte. — Ele sabe que

eu o mataria tão logo o visse! Charles Pitzer levantou-se, dizendo: — Visby é uma localidade da ilha de Gotland... na

Suécia, claro. Umas cem milhas ao sul de Estocolmo. Mas, para qualquer assessoramento que você precisar por lá, será atendida pelo nosso agente que a espera em Estocolmo. Isto é, se ainda está disposta a ir -

Brigitte Montfort pestanejou. Comparecer a um encontro com o assassino-mor da espionagem russa? Já uma vez, fazia tempo, havia enfrentado outro parecido1. A lembrança fê-la estremecer. A idéia de que podia ser uma cilada não lhe agradou em absoluto, mas repeliu-a em seguida, pensando que, com mais lógica, Yuri Yerkov talvez quisesse vender à Clà os documentos sobre cuja existência o agente duplo polonês tinha informado. Mas tal propósito por parte do russo indicava não pouca temeridade, pois devia saber que se algo Baby não perdoava era o assassínio desnecessário dos inimigos. Vencê-los estava bem, pois todos tentavam isto. Tal como numa competição esportiva. Mas uma coisa era vencer e outra assassinar gratuitamente...

1 Ver O TUBARÂO COR DE SANGUE)

Ainda assim, ele queria entrar em contato única e exclusivamente com ela.

Por fim, olhou o expectante Pitzer. — Que espera ou deseja a CIA que eu faça quando

conseguir encontrar-me com o Agente Negro? — Tratando-se de você, a única coisa que a CIA deseja

realmente é que regresse... — disse ele. — O resto é por sua conta.

— E esses documentos que Yuri Yerkov parece ter? — Suponho que a vida no planeta não alterará muito seu

curso se a CIA jamais dispuser deles. Mas a CIA nunca mais seria a mesma se perdêssemos você.

— Ora viva, tio Charlie... — sorriu deliciosamente Brigitte Montfort. — Vejo que afinal vocês aprenderam a lição!

CAPITULO SEGUNDO

A Veneza do Norte Consultou uma vez mais seu relógio e tornou a olhar

para o sol, sempre maravilhada com o espetáculo. Eram duas horas da madrugada e, entretanto, lá estava ele, grande, vermelho, de uma redondez incrivelmente perfeita, depois de apenas uma hora de escuridão relativa. Estivera vendo-o desde que o avião começara a se aproximar de Keflavik, na Islândia, em seu vôo pela rota polar. E dali continuara a vê-lo, seguindo a linha que passava pelas Ilhas Feroe e as Shetland. para alcançar Oslo e, finalmente, Estocolmo, aonde tardariam mais de uma hora a chegar.

Mas, contemplando aquilo, ninguém podia ter pressa em chegar a parte alguma. Por que, se não se poderia ver nada

mais formoso? Um sol suave, quase vermelho, enorme, iluminando a Terra; um sol que tinha a bondade de mostrar-se durante vinte e três horas seguidas, deixando um espaço noturno de apenas uma hora, mas sem escuridão completa. Claro que depois. ao chegar o inverno, a coisa era ao contrário.

Mas agora, em pleno mês de julho, ali o tinha, dando ao mar imóvel o tom de uma placa de aço aquecida ao rubro. Nem uma nuvem nem o menor vento encrespando aquele imenso espelho chamejante.

— O sol da meia-noite — ouviu ao seu lado, em inglês deficiente. — Uma pessoa sente-se melhor e mais nobre ao contemplá-lo, não?

Brigitte virou a cabeça, sorrindo para o homem que estava sentado junto a ela. Um tipo rubicundo, amável, de nariz achatado.

— Realmente, senhor Jorgensen — assentiu. — Sempre que vou à Suécia durante o verão, escolho a

rota polar só para vê-lo — continuou ele. — Vê-lo sem interrupção durante toda a viagem. Nunca me canso. Já viu alguma coisa mais bonita, miss Montfort?

Ela permitiu-se uns segundos de reflexão, sem desviar os olhos de Martelo Jorgensen, como ele mesmo se apresentara pouco depois de iniciado o vôo. Assim o chamavam nos Estados Unidos, onde ganhava a vida boxeando. Vez por outra, quando tinha dinheiro, voltava à Suécia, sempre no verão, pois segundo dizia estavam loucos os suecos que em tal época viajavam para o sul..

— Não... — claro que não — disse ela.

— Vou lhe contar uma coisa — continuou o simpático pugilista: — eu não sou um assassino graças ao sol da meia-noite.

— Como assim? — Foi no verão passado. Havia em jogo uma bolsa de

quase doze mil dólares... Estou falando de uma de minhas lutas... Aborreço-a?

— Não, não. — Pois, bem, naquela luta, no princípio do verão

passado, eu estava disposto a ganhar, fosse como fosse, compreende? Tinham-me dito que meu adversário era desses que encaixam tudo e não caem nunca. Imagine meus pensamentos, quando daquela bolsa dependia que eu viesse à Suécia no verão, ou ficasse nos Estados Unidos, lutando todo o tempo, pode imaginar?

— Mais ou menos — riu ela. — Pois saí do meu corner disposto a fazê-lo em

pedaços. Era mais alto que eu, e mais forte. Mas quando lhe dei o primeiro golpe no estômago, descobri que tinha encontrado seu ponto fraco. E neste bati durante três assaltos, sem parar. sem permitir que ele tomasse fôlego. Claro, era difícil derrubar aquele cara, mas eu ia percebendo umas coisas, enquanto golpeava: em primeiro lugar, ele era mais velho do que parecia e suas pernas já estavam frouxas; em segundo, tinha subido ao ringue desesperado por conseguir algum dinheiro, sem o devido treinamento. Cada vez que um de meus punhos dava em seu estômago, eu notava que seus músculos abdominais já não reagiam. Mas agüentava tudo... Até que decidi que, para derrubá-lo, tinha que lhe dar na cara. Então comecei a atingir-lhe o queixo. Mas o homem não ia à lona. Ali estava diante de mim,

recebendo o castigo, sem dobrar uma só vez o joelho. Mas então vi seus olhos, prestei toda a atenção a eles, não sei por que, estavam velados, na verdade não viam nada. Neles sé havia angústia e dor... E compreendi que eu estava matando aquele homem. Estava matando de verdade. Ele continuava de pé, mas eu o estava matando. Olhei significativamente para seu segundo, mas este negou com a cabeça: nada de atirar a toalha. Então, já que assim queriam, continuei golpeando... E de repente lembrei-me do sol da meia-noite e disse para mim que se matasse aquele homem nunca mais o poderia ver:..

— E lhe entregou a luta? — Não... — sobressaltou-se Jorgensen. — Também não

era para tanto: eu precisava do dinheiro, como ele, mas também preciso do sol da meia-noite. O que fiz foi deixar de bater e permitir que ele me batesse... Que acha que aconteceu?

— Como posso adivinhar? — Pois tudo o que eu não tinha conseguido golpeando-

o, consegui permitindo-lhe que me golpeasse: extenuou-se mais aplicando-me golpes que recebendo os meus. Encaixei os que ele quis me dar e, quando o público já acreditava que a luta tinha virado, aconteceu o que eu sabia que tinha que acontecer: meu adversário, enquanto me acertava, foi ao chão, de repente. Embora ninguém compreendesse direito o que ocorria, ganhei a luta, naturalmente, pois ele estava nocaute. Levaram-no diretamente ao hospital e fui vê-lo. O médico me disse que, se tivesse continuado surrando-o por mais dois assaltos, ele provavelmente morreria.

— Sua atitude foi muito esportiva, senhor Jorgensen... E muito correta, decerto.

— Oh, não... — sorriu o pugilista. — Eu queria os doze mil dólares. A atitude teve ele — indicou o sol. — Se aquele homem ainda vive e eu estou em liberdade, ambos o devemos ao sol da meia-noite.

— E uma história muito bonita... Espero que não a tenha inventado para divertir-se à minha custa.

— Não, não, por favor... Claro que não! E por falar do sol da meia-noite: gostaria de contemplá-lo da minha stuga?

— Sua quê? — Meu chalé numa ilha, bem acima de Estocolmo. — Oh, gostaria muito... — riu ela. — Mas vou estar

ocupadíssima em Estocolmo, senhor Jorgensen. O pugilista riu quase infantilmente. — Tem alguma coisa contra o amor? — Pelo contrário — Brigitte tornou a rir. — Justamente,

amo um homem. E só a ele. — Esse homem a espera em Estocolmo? — Sim, claro — mentiu ela. — Oh... Esta vez o sol da meia-noite não me deu muita

sorte. Mas — sorriu — pelo menos nada pode impedir que o contemple em sua companhia, não é mesmo?

— Não lhe parece demasiado íntimo contemplarmos juntos o sol da meia-noite, senhor Jorgensen?

O pugilista sueco ficou estupefato. Súbito, captou o brilho irônico nos olhos de sua companheira de vôo e pôs-se a rir.

— Deixou-me nocaute! — exclamou. — Mas de verdade sinto que esta viagem termine, pois perderei sua companhia.

— Mas não minha simpatia. Oxalá houvesse muitos homens como o senhor... e muitos sóis da meia-noite.

* * * Finalmente, o avião aterrissou em Arlanda, o aeroporto

internacional de Estocolmo, a trinta quilômetros desta. Na sala de espera, Martelo Jorgensen pôde verificar que

miss Montfort não havia mentido: um homem a esperava. O pugilista contemplou-o criticamente: alto, alourado, olhos inteligentes, atlético, jovem... Claro, poderia derrubá-lo com um direto, mas não estava nada mal. E se ela o tinha escolhido, naturalmente ele merecia. O melhor era ocupar-se de seus assuntos.

Enquanto isso, Brigitte se ocupava dos seus beijando nos lábios o surpreendido Johnny de turno. Estava ali à espera da mais bela viajante do mundo, conforme lhe haviam comunicado, mas de acordo com o estabelecido era ele quem devia aproximar-se e pedir-me a senha. Entretanto...

— É que um sueco está me olhando — riu ela. — Ele queria levar-me a um chalé... Oh! espero não me ter enganado com você!

O estupefato espião perguntou: — Viagem de prazer, miss? — Não — ela tornou a rir: — viagem de morte. Vamos,

não faça essa cara: o sueco vai pensar que você não é o meu amor.

— Seu quê? — Meu único amor. Como vão as coisas? — Há muitos em Estocolmo? — Muitos? Bom, pergunto-me se alguém em Estocolmo

não é espião, estes dias. Poderá escolher a seu gosto, de todas as nacionalidades, tamanhos, cor dos olhos, forma de vestir... Aliás, isto não está acontecendo sé aqui, mas em toda a Europa. De qualquer modo, a concentração maior é

em Estocolmo, desde que se soube da fuga de Yuri Yerkov por Leningrado.

Brigitte assentiu com a cabeça. — Providenciou alojamento para mim, Johnny? — Não. Achei melhor esperar para ver qual seria seu

plano de ação. Se tenciona partir imediatamente para a ilha Gotland, por que procurar-lhe alojamento em Estocolmo?

— Temos aqui um rapaz econômico... — Oh, não é por economia! Há alojamentos baratos na

Suécia, desde os hotéis de verão, motéis, hotelbuses, pensães rodantes... O Sevenska Turisföreningen pode proporcionar-lhe também um Vandrarhem...

— Johnny, falo várias línguas, mas o sueco não está entre elas. Traduza, por favor.

— Bom, referia-me ao Clube de Turismo Sueco, que pode fornecer alojamento a preços módicos... Tolice: claro que lhe procurarei um hotel de luxo, se é o que deseja. Mas se vamos partir para Gotland.

— Logo resolveremos isto. Pode ir buscar minha bagagem? Depois, em seu carro, conversaremos.

— Pois não. Diga-me uma coisa... — hesitou. — Vamos matá-lo, não é?

— Ainda não sei. — Não sabe? Bom, não creio que esse maldito mereça

outra coisa. Se você esqueceu, não faz nem um mês que... — Nunca esqueço nada. E você está esquecendo minha

bagagem. Johnny mordeu os lábios e afastou-se com o talão,

enquanto Baby pensava se teria sido demasiado dura com ele. Afinal de contas, se a Europa inteira estava caçando o Agente Negro, era porque o merecia. De uma coisa não

havia a menor dúvida: quando ele pusesse o nariz fora de seu esconderijo, dezenas de espiões lhe cairiam em cima dispostos a estraçalhá-lo. Uma situação pouco invejável, claro...

Johnny voltou com a bagagem e ainda murcho. Foram ambos para o carro, Já neste, Brigitte olhou-o e sorriu.

— Não se zangue comigo, Johnny. Sou a primeira a desejar a morte de Yerkov, mas faremos as coisas com inteligência. Sabia você que ele escapou da Rússia com documentos importantes?

— Como? — exclamou o agente. — Você só sabe que ele quer contato comigo, não? Mas

além disso está o assunto dos documentos, que só nós da CIA sabemos.

— Para o diabo esses documentos, sejam quais forem. Vou lhe dizer uma coisa, Baby: se realmente conseguir o contato com Yerkov, não se deixe ver com ele, pois todos os espiões da Europa atirarão, sem se importar com quem caia, contanto que o crivem de balaços. Compreende?

— Compreendo e já tinha pensado nisso — Johnny assentiu com a cabeça e pôs o carro em movimento, afastando-se do aeroporto. — Suponho que você tenha estudado um meio de deslocar-nos rapidamente a Gotland.

— Partiremos de Estocolmo. Tenho uma lancha, como todo o mundo lá... Como sabe, a cidade é chamada A Veneza do Norte.

Baby pensou um instante. — Não iremos com sua lancha, Johnny. Daria muito na

vista. Suponho que haja linhas marítimas regulares entre Estocolmo e Gotland.

— Naturalmente. Podemos tomar um ferrycar... Ou tampouco quer que levemos o carro?

— Isso sim, pois suponho que é mais comum. Ouça — olhou-o subitamente alarmada —, não será você o agente que tem um negócio em Estocolmo, o que recebeu o telegrama cifrado de Yuri Yerkov?

— Claro que não. Quando nosso companheiro compreendeu que Yerkov sabia quem ele era e onde estava, resolveu desaparecer. Só um louco pode querer tratos com o Agente Negro... Oh. desculpe, o que eu queria dizer...

— Não se preocupe — sorriu Brigitte. — Eu mesma acho que devo estar louca para aceitar esse contato.

— Sei que não terá em conta minha opinião, mas insistirei nela: nenhum documento valerá o risco de tratar com esse assassino.

— Eu sei. Mas por enquanto só será pelo rádio... Temos algum já com a onda 2055?

— Claro. — De quantos companheiros dispomos aqui? — Vinte e um. — Tantos? — Eu dirijo Estocolmo, por isso sei quantos homens

temos aqui no momento. Quer dizer, eu dirigia Estocolmo, até você chegar.

Brigitte limitou-se a sorrir amistosamente. — Interessaram-se pela ilha de Gotland? — Naturalmente. Está bem controlada. — Existe lá gente de outros serviços secretos? — Menos que nas grandes cidades, mas há alguns

homens. — E quanto a russos?

— É o que há mais. Parece que estão em toda parte. Às vezes penso que meia Rússia saiu atrás de Yerkov. Tenho notícia de que há pencas deles em Helsinque, Hamburgo, Olso, Copenhague... Se for verdade isso de que o bandido fugiu com documentos, fico arrepiado só em pensar no conteúdo dos mesmos. Bem... que fazemos? Procuro alojamento para você, seguimos para Gotland, vem ao meu apartamento...?

— Quanto tempo levaríamos a partir para Gotland? Johnny consultou o relógio, calculou... — Duas horas e meia. Sai um barco ~s oito da manhã,

embora não seja fácil saber quando é manhã. e quando é noite, com esse sol sempre de fora... De início, esta latitude quase me deixava louco.

— E agora? — A gente se acostuma a tudo. Bom, que fazemos? Brigitte olhava o sol, que já não estava avermelhado,

mas amarelado e mais alto, porém de nenhum modo suficiente para dar a sensação de verão. Suspirou e disse:

— Tomaremos esse barco das oito e meia. Até lá, ficarei no carro: prescindiremos dos hotéis, por ora.

— Okay. Se quiser, enquanto me ocupo das passagens, poderá rodar por Estocolmo. Esta é uma boa hora para um passeio tranqüilo.

— Não é má idéia, mas se você puder deixar o carro num local discreto, prefiro tirar uma soneca no banco de trás.

— Vai dormir às quatro e meia da madrugada? — assombrou-se Johnny.

— Qualquer hora é boa para recarregar as baterias — sorriu Brigitte. — Por outro lado. você está esquecendo que,

em casa, imagino que agora seriam as doze da noite, hora em que uma pessoa normalmente está dormindo.

O agente da CIA mordeu os lábios. Certo, tinha-se esquecido: com a mudança de horários e o vôo de oeste para leste, Baby ia passar praticamente uma noite em branco. Pedir duas horas de sono não era demais.

— Procurarei um lugar tranqüilo — murmurou. * * *

Contemplou-a, adormecida no banco traseiro. tão profundamente que quase lhe deu pena despertá-la. Abriu a porta, disposto a tocar-lhe suavemente no ombro... e a mão direita de Baby apareceu de pronto, colocando a pistolinha que empunhava diante de seu nariz. Mas logo ela sorriu.

— É você... Tem as passagens? — Tenho, claro. — Vamos então. Johnny colocou-se ao volante e olhou pelo retrovisor.

Tendo aberto sua maletinha vermelha, Baby tirava coisas. A primeira foi uma peruca...

Quando chegaram ao cais, a mulher que saltou do carro parecia ter uns quarenta anos, era loura. deselegante, usava óculos e, claro, não se parecia nem de longe com a agente Baby.

CAPÍTULO TERCEIRO

O contato Pouco depois da uma da tarde, chegaram a Visby, em

Gotland, sem novidade. Uma viagem aborrecida, que Baby aproveitou para continuar descansando, enquanto Johnny se dedicava a fumar e pensar, sentado junto a ela no convés, numa das cadeiras extensíveis. Não teve que despertá-la para desembarcar, pois sua companheira parecia dormir com surpreendente sincronismo. Desceram à popa, entraram no carro dele e esperaram pacientemente a vez de sair.

Devia ser uma e meia quando o carro rodou pelas ruas de Visby. Baby contemplava as casas, baixas, lindamente pintadas, com pontiagudos telhados de ardósia. Pelo menos, parecia unicamente interessada nessa contemplação, até que afinal, virando-se discreta, disse:

— Um carro nos segue, Johnny. — Eu sei. São os nossos. Avisei-os que chegaríamos. Ela assentiu com a cabeça, abriu a maletinha e sacou o

rádio de bolso, já colocado na onda sueca. Apertou o botão de chamada.

— Que há? — a voz soou áspera, quase com irritação. — Como estão os meus meninos? — sorriu Baby. — Queremos falar com Johnny, não com você

replicaram acremente. Ela arqueou as sobrancelhas e aproximou o radinho dos

lábios do companheiro, que grunhiu: — Que têm vocês? — Ouça: você não nos disse que ela era uma boneca?

— Disfarçou-se... E embora fosse feia, vocês deviam ser mais corteses.

— Pensamos que algo tivesse acontecido e essa tal não fosse Baby. Foi uma grossura, mas do jeito que estão as coisas não confiamos em ninguém.

Baby tomou novamente o rádio. — Vocês têm razão, Johnny. — Desculpe, Baby, mas... — Não se preocupe. Como vão as coisas por aqui? — Regulares. Claro, há agentes de outros serviços. — Russos, inclusive? — Esses estão em toda parte. Embora os daqui me dêem

a impressão de um pouco desorientados. Nesta ilha, o mais ativo é um cara grotesco.

— Grotesco? — Bom, é baixote, gorducho, quase redondo... Não pára

de se mover de um lado para outro. Eu diria que é o mais idiota de todos os espiões reunidos em Gotland. Embora, claro, não convenha se fiar nas aparências.

— De que nacionalidade o supõe? Russo? — Não, por Deus! A julgar pelo aspecto, deve ser um

francês acostumado à boa mesa, especialista em queijos e vinhos. Pelas roupas, parece inglês. Deve ser do MI-5 ou do SDECE, e aposto o que você quiser que é apenas um cão de caça menor, desses que se dedicam a levantar as perdizes...

— Compreendo. Bom, ingleses ou franceses. sabem de espionagem tanto como nós, diria eu. Certamente puseram o gorducho bem à vista para que outros agentes mais importantes, na sombra, possam acertar a perdiz levantada por ele. De acordo?

— Completamente. Os que não me agradam são os alemães. Salvo erro, identificamos dois. Claro, todos estamos aqui espumando de raiva e os que agarrarem Yuri Yerkov vão despedaçá-lo a dentadas, como lobos famintos. Mas os alemães parecem dispostos a colocar-lhe um par de algemas, simplesmente. Todos nós, juntos, encerramos tudo dentro de um cerco intransponível. Se você pensa deixar Gotland numa lancha particular, num helicóptero ou qualquer outro tipo de locomoção, desista.

— Por quê? — Se sair de lancha, dez outras sairão atrás. E se lhe

ocorrer a estupenda idéia de tentar sair com Yerkov num helicóptero, ou numa avioneta, na hipótese de que encontrasse algum aparelho destes, esqueça-a. Em cinco minutos estaria rodeada por um enxame de aparelhos voadores de toda espécie. Isso, bem entendido, se o tal chamado a Visby não for uma estúpida cilada, ou algo parecido. O nosso companheiro que esta com você disse, ao chamar-nos, que o Agente Negro dispõe de documentos logicamente muito importantes para os russos... Bom, mas não valem nada comparados ao prazer de eliminar esse...

Disse a palavra com toda a clareza, depois pediu desculpas. Brigitte se limitou a sorrir. Claro, sabia muito bem que Yuri Yerkov merecia o ódio de seus colegas de todo o mundo.

— Têm vocês no carro o rádio com onda 2055? — Temos, — Bom. Assegurem-se de que ninguém os segue,

ultrapassem a mim e a Johnny, e, quando encontrar um lugar onde nos possamos deter, faremos esse chamado a Yerkov.

— Está bem. Meio minuto depois, o carro em que iam os outros dois

Johnnies ultrapassava-os e Baby olhou para seu acompanhante.

— Quantos somos na ilha, exatamente em Visby? — Nós dois incluídos, sete. Ela assentiu. Não disse mais nada. Pouco depois, o carro

que os precedia parou à sombra de uns abetos. Saltaram os quatro e os dois Johnnies vieram ao

encontro de Baby, que lhes estendeu a mão. sorrindo, enquanto eles a olhavam algo decepcionados por não poder vê-la ao natural. O rádio. perfeitamente instalado, com possantes baterias. estava no porta-malas do carro.

— Vocês alguma vez chamaram Yerkov? — Claro que não. — Okay. Vejam se não há alguém nos espionando. Os Johnnies sorriram, afastando-se, enquanto ela

começava a manipular o rádio. Durante Cinco minutos, dirigindo-lhe freqüentes olhares, viram-na conversar, imperturbável, fria, sem se alterar em nenhum momento. Não a podiam ouvir, mas parecia claro que estava falando em russo. Vez por outra, trocavam olhares que expressavam sua preocupação ante a possibilidade de um acordo entre a sua Baby e o maldito assassino Yerkov.

Seus temores tinham sido fundados. Pálidos, ouviram-na dizer quando, havendo terminado o contato com Yerkov, fez-lhes sinal para que se aproximassem:

— Marcamos um encontro: Yerkov está me esperando. — Não vá — disse Johnny 1. — Por Deus, Baby, não se

aproxime desse homem, a não ser para matá-lo a sangue-frio, sem lhe dar a menor oportunidade!

— Talvez seja isso o que ela quer — sugeriu outro dos Johnnies, com esperança.

— Não é isso o que quero... — ela moveu~ negativamente a cabeça — por enquanto. Primeiro, falarei com ele. Sabiam vocês que está ferido?

— Pois tanto melhor! — exclamou o mesmo Johnny. — Onde ele se encontra? — perguntou o terceiro. — Numa pequena barca de pesca, cujo nome é Botnia. — No cais? — pasmou Johnny 1. — Claro. Por uns segundos, os três espiões ficaram em silêncio,

contemplando incredulamente Baby. Por fim, disse Johnny III:

— Bom... pelo menos ninguém o pode acusar de frouxidão.

— Se é verdade isso da barca, ele deve estar sem se mover há mais de quatro dias, como um rato..

— Está sozinho? — perguntou Johnny II. — Está. Tinha a barca perto de Leningrado, com nome

russo, que depois mudou. — O ferimento é grave? — quis saber Johnny 1. — Tem dois ferimentos: numa perna e no flanco. Bem...

— ela ficou pensativa uns segundos. — Temos que começar a pensar no modo de tirá-lo de lá.

Os três homens da CIA olharam-na estupefatos. — Tirá-lo de lá? — quase gritou, por fim, Johnny 1.—

Você deve estar brincando! — Por que diz isso? — Baby franziu a testa. — Mas... como diabo pretende tirá-lo de uma barca de

pesca que está no cais? Justamente lá que é maior a vigilância! Há agentes franceses, ingleses, alemães,

italianos, poloneses... e russos! Identificariam Yerkov quando lhe pusessem a vista em cima. E fariam em pedaços vocês dois.

— Pois será preciso tentar — murmurou ela — já que ele não tem em seu poder esses documentos que nos interessam: enviou-os a Torsten Bohohn, nome que já utilizou algumas vezes, para um hotel de Estocolmo.

Os três espiões estavam pálidos. — Você pretende chegar a Estocolmo com Yuri

Yerkov? — perguntou em voz aguda Johnny 1. — Essa é minha intenção. — Não conseguirá nunca... Nunca! — exclamou Johnny

III. — Vamos, Baby, seja razoável, tudo tem um limite... Nem mesmo você poderá...

— Pois você serve — ela o olhava criticamente. — Vá cortar o cabelo. Não muito curto.

— Como foi que disse? — Vá cortar o cabelo, meu querido Johnny. Mas não

muito curto. Deve haver algum salão de barbeiro em Visby. suponho.

— Claro... Mas... — É só, por ora. Chame-nos pelo seu rádio de bolso

quando estiver pronto. Você, Johnny — indicou Johnny II —, veja onde está exatamente a barca Botnia. Depois.

CAPÍTULO QUARTO

Muito pior do que esperava O carro deteve-se, à~ oito horas do que devia ser noite,

um ponto do cais dos pescadores. Primeiro saltou a desgraciosa loura de óculos, depois o homem que a acompanhava, impecável em seu cabelo recém-cortado. Atrás do carro, bastante perto, deteve-se outro, ocupado por cinco homens. Dois deles saltaram e foram ao que a loura e seu acompanhante haviam desocupado, entraram nele e afastaram-se. No outro carro, os três homens que lá tinham permanecido partiram atrás.

Para um observador normal, aquilo tinha pouca importância, ou nenhuma. Para os observadores não normais que, naturalmente, presenciaram tudo, a manobra dos caras da CIA foi desconcertante. Claro, estavam tramando alguma coisa, mas... que podia ser?

Enquanto os dois carros se afastavam do cais, dezenas de olhos estavam fixos na loura e seu acompanhante. Ela portava uma pequena maleta negra e ele outra, porém maior. Dirigiram-se sem hesitar para a beira do cais, olharam para ambos os lados e. depois foram diretos a uma das pequenas barcas de pesca ali amarradas. O nome da barca não passou despercebido a ninguém: Botnia.

E quando os rádios de bolso começavam a funcionar, alguns carros punham-se em marcha. eram ocupadas algumas lanchas e numerosos sujeitos discretíssimos iam de um lado para outro, o casal da CIA abordava finalmente a barca Botnia. O homem foi aos controles e a mulher.

tomando também a outra maleta, desceu à pequena câmara aparentemente alheia a tudo o que a rodeava.

Quando a barca partiu, o aviso percorreu em poucos segundos toda a ilha. Foram mobilizados carros e lanchas. Nem um só homem ficou indiferente à manobra dos agentes da CIA.

Assim, quando a Botnia rumou para o sul, parecia uma lebre completamente rodeada de cães de caça. Cães expectantes e esperançados: se a CIA deslocava-se para o sul, tinha que ser por alguma razão.

No interior da barca, enquanto isso, a mulher loura, pistola em punho, olhava o pequeno compartimento onde, simplesmente, havia dois beliches baixados, um armário encostado à parede e intenso cheiro de peixe. Com um sorriso seco, aproximou-se do armário e puxou a porta, que não se moveu.

— Vou atirar contra o armário — disse. — Depois abandonarei a barca imediatamente. Se está aí dentro, reflita, Yerkov. Tem cinco segundos.

Não houve resposta. E novamente Baby pensou na possibilidade de que tudo

aquilo fosse uma armadilha contra ela. Certo: tinha falado com um homem que dissera ser Yuri Yerkov e estar na barca Botnia. Tinham combinado que, se ela desejava os documentos, precisariam ir a Estocolmo. Aparentemente, um confiara no outro, pelo menos enquanto a conveniência daquele entente cordiale fosse mútua.

Mas... e se Yerkov não estava ali? E se naquela barca houvesse apenas uma poderosa carga explosiva que alguém estivesse a ponto de ativar?

Sua voz soou rouca:

— Três... Qua... A porta do armário se abriu, devagar. Baby saltou para um lado, quase apertando o gatilho...

Mas não era necessário, O que viu, à pálida luz do sol que entrava pela porta, fê-la estremecer.

Não se lembrou de que aquele homem era Yuri Yerkov, o assassino impiedoso. Em seu rosto abatido, com urna barba de vários dias, os olhos brilhavam de febre. Tinha a testa alagada de suor, a boca crispada numa expressão de dor insuportável...

A voz era um arquejar rouco: — Tire-me daqui... Não posso me mover... Estava encolhido, retorcido ali dentro, naquele pequeno

espaço, com as mãos à vista. Ela aproximou-se, tomou-lhe as mãos e puxou-as.

— Apóie-se em meus ombros — murmurou. Sentiu-lhe as mãos, como inertes, em seus ombros, e,

agarrando-o com os dois braços, conseguiu tirá-lo do armário. Então teve que lhe servir de apoio, pois o russo não se podia manter de pé. Levou-o quase arrastado para os beliches. colocando-o no inferior. Imóvel, ele respirava lentamente, olhos fechados. Viu sua perna esquerda coberta por uma crosta de sangue, desde o joelho até o pé. O flanco direito estava nas mesmas condições.

— Quando lhe falei pelo rádio, não me deu a impressão de que estivesse tão mal.

Ele abriu os olhos e contemplou-a com um olhar fatigado, mas não isento de curiosidade, de interesse.

— Não quis lhe revelar meu estado... Perdi os sentidos depois... Você é realmente Baby?

— Claro.

— Pensava que fosse... diferente. Mas suponho que não importa. Acha que me poderá tirar desta situação? Poderemos chegar a Estocolmo?

— Vamos tentar, mas seu estado perturba meus planos; imaginava que, embora ferido, fossem melhores suas condições físicas. Pensei assim depois de ter falado com você. Onde está o rádio?

Ele indicou o armário. Baby foi lá e não viu nada. Batendo com os nós dos dedos no fundo, percebeu o som oco. Foi-lhe fácil levantar duas tábuas e encontrar o aparelho, perfeitamente camuflado. Assentiu com a cabeça e voltou para junto de Yerkov.

— Devo concluir que já estava preparada a tempo sua fuga da Rússia. Por quê?

— Não acho que... deva dar essa espécie de explicações. Nosso acordo cinge-se a mútua conveniência, nada mais: leve-me a Estocolmo, ajude-me a escapar do cerco e pagarei à CIA com os documentos de que falei.

— Muito bem — disse friamente ela. — Assim será . De que documentos se trata?

— Saberá quando os vir. — Esta fazendo as coisas um pouco difíceis. Yerkov.

Tem que responder a várias perguntas, Compreenda... — Responderei às que julgar convenientes. Esta não me

parece... Quem está pilotando a barca? — Um agente da CIA, claro. Houve um brilho irônico nos olhos mortiços do russo. — Um Johnny? — Sim: um Johnny. E já que falamos de Johnnies, diga-

me: como obteve a direção do de Estocolmo para enviar-lhe o telegrama?

— Ora vamos... Não me diga que não conhece nenhum agente do MVD, Baby.

— De acordo. Diga-me, então, Como Conseguiu o código geral da CIA na Europa, em desuso há dois anos.

— Pode me dizer por que deixaram de usá-lo? — Porque tínhamos certeza de que já não era nenhum

segredo. — Nesse caso, por que se surpreender de que eu, um

agente russo, o Conhecesse? Ela sorriu imperceptivelmente — Outra vez de acordo, Yerkov. Bem, você sabia tudo

isso, pediu contato pela onda 2055. conseguiu que eu viesse a Visby... Mas restam-me ainda duas perguntas. Primeira: se está ferido e, pelo que vejo, em más condições, como pôde sair daqui e enviar o telegrama a Johnny-Estocolmo?

— Quando enviei o telegrama, estava melhor que agora. Enquanto escapava para cá, pensei em recorrer à CIA para que me ajudasse, já que disponho de material que decerto lhe interessa. Assim, logo ao chegar, enviei o telegrama. Depois, sabendo que estava me procurando, não saí mais da barca.

— Não comeu estes dias? — Oh, sim... Trouxe comida e bebida, já que minha fuga

estava preparada. No que não pensei foi na possibilidade de ser ferido, por isso não pude fazer nenhum curativo adequado em meus ferimentos.

— Eu trouxe tudo de que podemos necessitar. Última pergunta: por que recorreu ao’ contato comigo? Por que justamente comigo?

— Ainda não me convenci de que você seja Baby. Os rumores que correm a respeito de sua beleza...

— Responda à minha pergunta. Mais adiante verá se sou a verdadeira Baby ou não. Por que o contato única e exclusivamente comigo?

Yuri Yerkov olhou-a hesitante, depois assentiu com a cabeça.

— Em minha fuga, cheguei a Helsinque, meu objetivo. De lá pensava tomar um avião para o sul da Europa, misturado com alguns turistas. Um amigo estava à minha espera e, tão logo me viu, disse-me que tudo estava cheio de agentes do MVD, os quais tinham sido postos em pé de guerra. Mostrou-me duas fotos que foram distribuídas. Compreendi que ele não me podia ajudar em nada, a não ser dizendo-me que a ordem era matar-me imediatamente... Assim, segui viagem para a Suécia. Lógico, meu objetivo era Estocolmo, mas naturalmente lá a vigilância seria ainda maior que em Helsinque. Então, seguindo a rota marítima Helsinque-Hamburgo, resolvi regressar ao continente. Mas enquanto navegava Ocorreu-me que os lugares mais importantes seriam os mais vigiados e que sozinho, sem ajuda, não sairia jamais do Báltico. Tive uma idéia: por que não recorrer a meus inimigos, já que tinha algo a lhes oferecer em troca de sua ajuda? Quando optei por esta solução, estava à altura de Gotland. Tive apenas que mudar o rumo para atingir a costa oeste. E ao chegar a Visby enviei o telegrama ao agente da CIA, de quem faz tempo tinha conhecimento.

— E como nunca o matou, Yerkov? — Johnny-Estocolmo, como você o chama? — Sim, Por que não o matou? — E por que havia de matá-lo? — Yerkov franziu a

testa.

Baby franziu a sua também e olhou fixamente o russo, que dizia ter amigos, coisa pouco provável num assassino. Pretendia zombar dela, angariar sua confiança, fazer-se de bonzinho...?

— Ainda não me deu resposta — murmurou: — por que só queria tratar comigo?

— Por duas razões. Primeira: tinha certeza de que você não viria disposta a matar-me quando me visse, mas que me ouviria antes. Segunda: estou certo de que só você poderá tirar-me com vida do Báltico. Suponho que não estará de acordo se lhe disser que seria mais conveniente escapar antes e, mais adiante, voltar a Estocolmo para recolher esses documentos que enviei a certo hotel da cidade. Seria menos perigoso... para todos.

Baby sorriu mordazmente. — Sim, seria menos perigoso, claro. — Mas não lhe agrada a idéia. — Absolutamente não: ou vamos a Estocolmo buscar

esses documentos, ou deixo você agora mesmo entregue à sua sorte.

Súbito, o russo sorriu. Não mordazmente, como ela, nem com malícia ou frieza, mas de um modo agradável, apesar de seu miserando aspecto.

— Dá-se conta de que eu poderia matá-la, Baby? — Estrangulando-me? — sorriu também ela, entre

surpreendida e assustada. — Porque está desarmado, conforme verifiquei, claro. Não se deu conta?

— Sem dúvida! — quase riu o russo. Você me manuseou de cima abaixo, mas não de diante para trás. Sei que é um lugar incômodo para nele ter uma arma, porém você esqueceu de minhas costas, perto da nuca.

Os lábios da loura de óculos crisparam-se um instante. Mas não teve necessidade de dizer nada, pois Yerkov virou-se, oferecendo-lhe as costas. E lá, perto da nuca, ela viu uma saliência. Enfiou a mão pela gola de Yerkov, retirando-a com um revólver.

Ele voltou à posição de decúbito dorsal e, ainda sorrindo, indicou a escadinha que levava ao convés.

— Como compreenderá, depois de matá-la, não me teria sido difícil matar também o Johnny que pilota a barca.

Ainda pálida, Baby assentiu com a cabeça. — Nesse caso, Yerkov, você teria posto a perder sua

última oportunidade de sair vivo do Báltico. — Compreendi isso. Qual é seu plano? — Saberá no devido tempo. — Está bem. Sei que será bom, seja qual for. Era,

quando eu pensava que você estivesse em melhores condições. Poderá caminhar?

— Penso que sim. — Sem mancar, digo, nem fazendo cara de dor. — Penso que sim, repito. — Veremos isso. Agora tire a roupa. Completamente.

Precisa de ajuda para consegui-lo? — Agradeceria — murmurou Yerkov, olhando-a de um

modo estranho. Em silêncio, ela o ajudou a despir-se, até deixá-lo só de

cuecas. Depois colocou a maleta no chão, junto ao beliche, abriu-a e começou a tirar dela o necessário para um bom curativo. Constatou que nenhum projétil ficara no corpo de Yerkov, coisa lógica, pois do contrário já se teria produzido a gangrena. Sempre em silêncio, iniciou o curativo, vez por outra olhando o espião soviético, cuja testa molhava-se de

suor enquanto ela lidava com as feridas. Ouvia-se apenas o motor da barca, com seu característico tap-tap-tap... Tudo terminou com uma bandagem gomada em torno da perna de Yerkov, do joelho ao tornozelo.

Por fim, ela pôs nas mãos dele um barbeador elétrico, de pilha.

— Barbeie-se... Ou quer que eu o faça? Uma expressão divertida apareceu nos inteligentes olhos

do soviético. — Seria melhor. Eu não me sairia bem, sem espelho. Ela pôs-se a barbear Yerkov, que fechou os olhos e

relaxou-se. Quando terminou, Baby ficou contemplando uns segundos aquele rosto viril. enérgico, bonito. e impressionante. Ele abriu os olhos claros ao ouvi-la dizer:

— Pronto. Agora se sente no beliche, de lado. Ele obedeceu. Passou as mãos pelas faces e comentou: — Uma boa massagem after-shaving completaria a obra,

não acha? — Tudo está previsto... Também quer que seja eu quem

lhe aplique esta loção? O russo hesitou, mas resolveu não levar mais longe sua

atitude evidentemente cínica. — Não. Eu mesmo farei isso. Baby estendeu-lhe o frasco e Yerkov friccionou

energicamente o rosto. Pareceu a ponto de fazer um comentário, mas desistiu ao ver a fixidez daqueles olhos esverdeados, que dele não se desviavam, brilhando através das lentes sem graduação dos óculos.

Ela estava disfarçada, pensou. Os óculos de nada lhe serviam e, além disso, usava lentes de contato. De que cor

seriam seus olhos? E seu cabelo? Porque usava também uma peruca, lógico...

— Que está pensando? — perguntou secamente Baby. — Nada. Ela deu de ombros e disse: — Por sorte, vocês, os russos, não são cabeludos... Será

bastante fácil. — O quê? — Vou ter que lhe cortar um pouco o cabelo. E depois

tingi-lo de louro. Como ainda está bastante pálido, precisará de um pouco de maquilagem.

— Compreendo — murmurou ele. — É um bom plano. Mas muito arriscado para seu companheiro. não?

— Já lhe disse que tudo está previsto. Vire o mais que puder a cabeça.

O espião russo obedeceu e “Baby”, munida de tesoura, começou a cortar-lhe o cabelo. Não se saiu muito mal e, o que mais interessava, a cabeça de Yuri Yerkov tinha a mesma forma da de Johnny III, que continuava nos controles da barca. A tintura foi aplicada com facilidade e a maquilagem resultou uma obra de arte. Finalmente, ela fez o paciente se olhar num espelhinho.

— Que tal? Ele se examinou, atento. — Estou com cara de americano — resmungou afinal. — Há piores. — Sim? Quais? — A de um cadáver, por exemplo. Ou um russo —

olharam-se com hostilidade contida. — Experimente andar. Mas com calma, sem fazer movimentos bruscos... Tem que estar em boa forma quando chegarmos a Klinteham. Um

passo em falso e todos os espiões que nos rodeiam se darão conta de que o homem que não mancava está mancando. Entendido?

— Sim... — ele começou a caminhar, com cuidado, olhando-a com expressão ainda incrédula. — Disse que nos dirigimos a Klinteham?

— Foi o que eu disse. — Mas essa localidade fica para o sul, na própria ilha de

Gotland... — Com efeito. — Pensei que íamos para Estocolmo.. — Não diga tolices. Quando tentássemos nos afastar de

Gotland, seríamos afundados a canhoaços, ou de mil outras maneiras. Enquanto estivermos fazendo coisas que ninguém compreende, não seremos atacados. Agora descanse, nada de forçar a perna: vá descansando assim que sentir dor ou fadiga.

Yerkov sentou-se na beira do beliche, um pouco ofegante. mas com aspecto saudável devido à maquilagem.

— Para que vamos a Klinteham? Não há nada lá que não exista em Visby!

— Quem dirige a operação, você ou eu? Ele franziu a testa, sem responder. Baby tirou um pacote

da maleta e desembrulhou-o, deixando à mostra um traje negro de mergulhador.

Também havia outro pacote contendo roupas comuns, uma pistola, dinheiro... Examinou tudo, sob o olhar do russo. Por fim, parecendo satisfeita, sentou-se no chão com as pernas cruzadas e acendeu um cigarro. Consultou seu relógio.

— Não esqueça o treinamento — disse. — Dentro de pouco tempo, terá que caminhar bastante... e bem.

O russo reencetou seus passeios, cautelosamente, estudando a reação da perna ferida.

O sol ia tomando um tom alaranjado... Ia-se aproximando a meia-noite.

CAPITULO QUINTO Por meio de astúcia

Não se ouvia mais o ruído do motor. Silêncio total, por um instante. Em seguida. o rumor do

mar contra o casco da barca. Yuri Yerkov deteve-se em seco e ficou imóvel uns

segundos, cabeça voltada para Baby, que outra vez consultava seu relógio. Quando ela começou a levantar-se, o russo perguntou, inquieto

— Que há? — Estamos na metade do caminho para Klinteham. — Mas é uma avaria no motor? — Aparentemente, sim. Sem mais explicações, ela subiu ao convés. Voltou meio

minuto mais tarde, acompanhada de Johnny III, que dirigiu um olhar curioso e não pouco torvo ao espião soviético. Sem dizer palavra, começou a despir-se, enquanto Brigitte dizia a Yerkov:

— Procure uma ferramenta por aí. Qualquer que seja. Ele arranjou-a em poucos segundos. Johnny III já estava

nu e tomou o traje de mergulhador. O russo não precisou de instruções. Pôs-se a vestir as roupas do agente da CIA, enquanto Brigitte ajudava este a colocar o traje de

mergulhador, ambos conversando em inglês, tão baixo que Yerkov não podia entender. Vez por outra Johnny assentia com a cabeça. O soviético terminou de vestir-se e. sempre compreendendo o plano da espiã internacional, apanhou a ferramenta e subiu ao convés, firme nas pernas, como se nunca tivesse estado ferido.

— Deixe que eu me arranjo sozinho — grunhiu Johnny III. — Não perca esse sujeito de vista, Baby.

— Tranqüilize-se: ele sabe que só pode contar conosco, por isso se porte bem. Lembra-se de tudo, Johnny? Alguma dúvida?

— Nunca vi plano tão complicado como o seu, mas lembro-me de tudo perfeitamente.

— Vejamos se é verdade. — Outra vez? — Sim, outra vez. — Bem. Ficarei aqui embaixo e vocês dois

desembarcarão em Klinteham. Para todo o mundo. esse russo serei eu, pelo que nada acontecerá. Devido a essa avaria simulada, chegaremos a Klinteham quando já tiver zarpado o barco de turistas que vão contemplar o sol da meia-noite no mar. Quando anoitecer, deslizarei até a água. nadarei afastando-me da barca e, em lugar seguro, voltarei à terra. Lá me vestirei com estas roupas e, a pé, ou roubando uma bicicleta. voltarei a Visby. O máximo que tardarei a chegar, mesmo fazendo o trajeto a pé, são cinco horas. Em Visby, tomarei o primeiro barco que partir para Estocolmo, depois de avisar meus companheiros.

— Pelo telefone. — Sim, pelo telefone. Direi que me esperem entre Malar

Strand e Staden, com uma lancha.

— Não. Eles deverão deixar lá a lancha, mas você... — Exato: deverão deixar a lancha lá e esperar que eu os

chame pelo rádio de bolso. Comunicarei a eles todo o seu plano, todas as instruções e, pelas oito da tarde, partirei com a lancha direto para Klinteham... Tenho que repetir também o do simulacro de socorro...?

— Não — sorriu Baby. — Não creio que, quanto a isso, você possa esquecer nada. Que mais?

— Depois do socorro prestado a vocês, eu me lançarei para a costa a toda velocidade; para a costa do continente, claro. Mas, antes de chegar lá, meus companheiros, de acordo com as instruções, aparecerão com um helicóptero. Afundarei a lancha e passarei ao helicóptero. Os três homens que irão neste, serão: os dois que saíram diretamente de Estocolmo e o que, também de Estocolmo, terá chegado a Nyktping com o carro; carro que será deixado no lugar combinado antes de ser recolhido pelo helicóptero. Depois recolhem a mim e vamos para o sul, onde... desaparecemos.

— Muito bem. — Para onde desaparecemos? Baby dirigiu-lhe um olhar divertido. — Tirem umas férias. Por que não vão ao Mar Negro?

Existem excelentes balneários russos por lá. — Muito engraçadinha... — sorriu Johnny III. — Mas, homem de Deus, onde vocês querem

desaparecer? Que tal Paris? Decidam vocês mesmos. — Está bem. E vocês? — Oh, nós nos arranjaremos. não se preocupe. Você não

estará pensando que esqueci meu próprio plano, hem? — Gostaria que o repetisse — brincou Johnny III.

— Bem... — riu ela. — Depois de reparar esta avaria, chegaremos a Klinteham quando o barco de turistas já tiver zarpado. Lá estarão à espera nossos cinco companheiros que saíram de Visby nos dois carros. Yerkov e eu desembarcaremos como se fôssemos você e eu, tomaremos os carros e procederemos a uma troca de impressões. Tudo isto será unicamente um show para nossos colegas. Nosso objetivo autêntico será permanecer em Klinteham, simulando que estamos à espera de algo, até que saia o barco de amanhã à noite, quer dizer, dentro de vinte e quatro horas, Toda esta espera é para dar tempo a que você e os Johnnies de Estocolmo preparem tudo tal como combinamos. Assim, no barco que sairá de Klinteham para Nyktping dentro de vinte e quatro horas iremos Yuri Yerkov, eu e nossos cinco companheiros. Contemplaremos o sol da meia-noite como quaisquer turistas. E quando anoitecer. essa breve noite, chegará você também com a lancha e começará a rondar o barco. Justamente então, dois de nossos companheiros armarão uma encrenca na proa, de maneira que a atenção de todos os passageiros se concentrará neles. Yerkov e eu, a essa altura, teremos desaparecido das vistas de nossos colegas...

— Como espera conseguir isso num barco? Esteja certa de que, quando o tomarem, os agentes dos outros serviços farão o mesmo e os vigiarão durante todo o tempo.

— Eu conseguirei isso, não se preocupe. E conseguirei de tal modo que, quando nossos colegas de outros serviços compreenderem que a confusão foi um truque provocado pelos da CIA e passem a prestar atenção à lancha em que você estará dando voltas ao redor do barco, não se surpreenderão ao ver, ou pelo menos vislumbrar, que você

recolhe algo da água... mas sem saber que se trata simplesmente de algo que você mesmo havia jogado antes no mar. Então, por todos os meios disponíveis, entrarão em contato com Estocolmo, ou com os lugares que puderem, e um enxame de lanchas e helicópteros partirá em busca de você e sua lancha, convencidos de que, afinal, a CIA mostrou seu jogo e que naquela lancha, além de você e de mim, está Yerkov, o qual estivemos fazendo passar por um agente dos nossos. Mas, claro, não encontrarão a lancha nem o helicóptero, nem nada, se nossos companheiros de Estocolmo sincronizarem bem com você. Resultado: todos os nossos colegas completamente desorientados... e Yerkov e eu, tranqüilamente, chegaremos a Nyktping no barco.

— Mas... corno poderá fazer isso? — Não se preocupe, repito. Chegaremos tranqüilamente

a Nyktping, iremos até onde estará o carro e partiremos como um casal de namorados para Estocolmo. Enquanto isso, naturalmente, nossos companheiros que armaram a confusão a bordo terão sido detidos e ao chegar a Nyktping serão entregues às autoridades; os outros três, visivelmente, ficarão lá para ajudá-los no possível, como seus companheiros turistas que são. Quer dizer que, enquanto se resolve esse pequeno assunto, os cinco Johnnies ficarão fora da jogada e, quando pedirem desculpas e tudo o mais e forem postos em liberdade, sumirão também. Deste modo, Yerkov e eu, sozinhos, tomaremos o rumo de Estocolmo. Lá, se eu chegar a precisar de ajuda, sé terei que chamar os Johnnies que, sem ter ainda intervindo diretamente nisto. permaneceram na expectativa... Acha que me lembro de tudo?

— Acho. Mas eu não me fiaria nesse recurso... Esteja certa, Baby: quando ele tiver recolhido esses documentos e se vir a salvo de todo risco não hesitará em matá-la.

— Se eu lhe permitir, não? — Não creio que alguém lhe tenha permitido, e já matou

centenas de pessoas. — Vamos, Johnny, não seja exagerado. — Mas na verdade é um assassino. Baby hesitou e Johnny III a olhou aterrado. — Pois não tenho muita certeza disso, Johnny — disse

ela, por fim. — Não tem certeza? Se lhe der a menor oportunidade

ele lhe cravará uma faca nas costas... Johnny calou-se porque Baby se dirigia apressadamente

ao convés. Então ouviu o rumor de uma lancha aproximando-se e compreendeu que ela fora fazer frente à inesperada situação. Tinha confiado em que aqueles que os seguiam e vigiavam se limitariam a permanecer na expectativa, mas, ao que parecia, alguém não estava disposto a aceitar tão docilmente o jogo. Assim, enquanto ela subia ao convés, Johnny tirou a pistola da bolsa de plástico e colocou-se a um lado da entrada, disposto a agir quando fosse preciso.

No convés, Yuri Yerkov, que estivera simulando manipular os controles em busca da avaria, virou a cabeça, viu Baby aparecer e com o queixo, chave-inglesa na mão, indicou que a lancha se aproximava. Ela assentiu e ficou olhando-a. Enquanto a lancha continuava se aproximando, olhou para o outro lado e viu mais quatro, que permaneciam a discreta distancia, esperando.

Sorriu. E seu sorriso ampliou-se quando a lancha chegou bastante perto para que pudesse distinguir o homem apoiado à borda: gorducho, baixote, cabelos escassos... Na verdade, tinha todo o aspecto de um amante da boa mesa, especialista em queijos e vinhos. Mas se o aspecto francês era notório, suas roupas, com efeito, o podiam definir como inglês. Na opinião do Johnny que informara sobre ele, ali estava o espião mais idiota de quantos reunidos em Gotland, e que não parava de ir de um lado para outro... Devia ser muito impaciente.

Além deles, vinham outros dois homens na lancha. Um manejava os controles e o outro apareceu ao lado do gorducho quando a lancha já estava bem próxima. Estes eram muito menos fáceis de definir: podiam ser ingleses, como podiam ser alemães, russos, poloneses... O indiscutível era que pareciam muito mais perigosos.

Yuri Yerkov colocou-se ao lado de Baby e pediu, voz tensa:

— Minha arma. Esses homens... — Calma. Já disse que tudo está previsto: se tentarem

alguma coisa — moveu a mão esquerda, fechada — terão uma desagradável surpresa.

— Se começarem a atirar, não teremos tempo para nada. O melhor...

Súbito, o gorducho ergueu a voz, agitando os braços. Era simplesmente grotesco. A lancha já deslizava com o motor parado, a menos de vinte metros.

— Não entendo o que ele diz — murmurou Brigitte. — Está falando em sueco, mas não o faz bem... Pergunta

se precisamos de ajuda.

— Coloque-se de modo que não lhe possam ver bem o rosto. Eu me entenderei com nosso colega inglês.

— Inglês? — Parece. Vire-se, mas com naturalidade — ela ergueu

a voz, dirigindo-se em inglês ao gorducho.— Cuidado, vão se chocar conosco.

— Precisam de ajuda? — tomou a oferecer o gorducho, agora em excelente inglês.

Parecia iminente o choque das duas embarcações, mas o homem que governava a outra deu um golpe no volante, fazendo-a girar e deter-se praticamente justaposta à deles.

— Podemos ajudar em alguma coisa? — insistiu o gorducho.

— Não, obrigada recusou Baby: — meu marido logo reparará a avaria. Já nos aconteceu outras vezes.

— Seria um prazer... — continuou insistindo o homenzinho. — Meu amigo entende muito de motores: poderá facilmente.

— Agradeço-lhe, mas não é necessário. — Podemos também rebocá-los... Dirigem-se a

Klinteham? — Sim, a Klinteham... — Nós também, e podemos rebocá-los... São ingleses? — Americanos — Baby quase riu. — Quero dizer,

americanos dos Estados Unidos. — Sim, claro... Na verdade não precisam de nada? Nós

somos ingleses e teríamos o maior gosto em ajudá-los, podem crer.

Estava tão ansioso, mostrava-se tão absurdamente astuto que a espiã esteve tentada a dizer aos outros dois que mandassem o gorducho para casa.

— São muito amáveis, mas não há necessidade: logo estará concluído o reparo. Novamente obrigada.

O homem não sabia o que fazer. Inclusive parecia a ponto de desmanchar-se em lágrimas de um momento para outro. Tinha os olhos muito claros, inquietos, assustadiços. Certamente insistiria ainda mais se o que estava junto a ele não lhe tivesse murmurado algo que o fez fechar a boca. Quando tornou a abri-la foi para dizer:

— Está bem... Felicidades. — Igualmente. Boa viagem. O motor da outra lancha roncou de súbito e ela partiu,

quase saltando sobre a água. Baby agitou a mão em despedida e virou-se para Yerkov, cujo olhar permanecia sombriamente fixo na lancha que se afastava.

— É idiota demais para ser verdade — murou. — Talvez tenha razão — admitiu ela, pensativa. —

Claro, não devemos menosprezar o gorducho. Asseguro-lhe que não é um erro freqüente em mim.

— Se nos tivessem atacado, estaríamos mortos agora. — Se tivessem movido uma só pestana de forma

agressiva, estariam feitos em pedaços — negou ela, abrindo a mão esquerda e mostrando, na palma, uma pequena ampola de cor metálica.

— Que é isto? — Um brinquedínho fabricado especialmente para mim

na CIA: pode incendiar num segundo uma lancha trás vezes maior que essa, Continue reparando a avaria... se se sentir com forças.

— Resistirei. Ele voltou à sua aparente ocupação, enquanto Brigitte

dirigia outro olhar às lanchas que estavam à retaguarda,

todas paradas também. Ótimo: enquanto se contentassem com isso, nenhuma preocupação. Não lhe agradaria ter que lutar contra colegas de outras nacionalidades só para defender a vida de um homem como Yerkov.

Olhou para este e viu-o abstraído, contemplando os controles que fingia consertar. Estava um tanto esquisito com os cabelos louros e a maquilagem, mas continuava um tipo impressionante. Era de uma robustez fora do comum.

Ele a olhou, de súbito, e sorriu com simpatia. — Espero que não se apaixone por mim — disse. —

Isso só iria nos complicar a vida. Baby pestanejou. — Procurarei evitar tal coisa — replicou; acrescentando

em seguida: — E você faça o mesmo. — Bom — riu o russo —, francamente, se devo me

apaixonar pelo seu aspecto físico, acho um pouco difícil. Quanto a me apaixonar pelo seu... espírito, parece-me que ainda não a conheço o suficiente. Fique tranqüila.

Baby fez meia-volta e desceu ao encontro de Johnny, que a contemplou atentamente.

— Esse assassino é um desgraçado... — disse. — Parece que se considera irresistível.

— É sem dúvida um bonito sujeito, o que naturalmente o torna um tanto convencido. Termine de preparar-se, Johnny... Você se assustaria atirando-se ao mar com a lancha ainda em marcha?

— Claro que não. — Assim sendo, em vez de deixá-lo a bordo quando

desembarcarmos, será melhor que se atire antes que cheguemos a Klinteham. Reduziremos a marcha o conveniente... e cuidado com as lanchas que nos seguem.

Agora vamos esperar que anoiteça, de modo que cheguemos atrasados para tomar o barco.

Quando reencetaram a marcha, já reparada a avaria, o sol da meia-noite estava em todo o seu esplendor. O céu e o mar tinham um brilhante tom vermelho, que se ia dissipando muito lentamente.

Baby pensou em Martelo Jorgensen e sorriu. Sim, como dissera o pugilista sueco, o sol da meia-noite induzia a ser melhor, mais generoso, mais nobre. Era como se tudo se acalmasse, se aplacasse...

Olhou Yuri Yerkov de relance e viu-o atento unicamente à marcha, escrutando o sul, sempre tenso, sempre temendo um ataque.

— Ninguém nos atacará agora — disse-lhe. — Não o farão enquanto durar o sol da meia-noite. Além

disso, para todos, você é um agente da CIA, não o Agente Negro.

Ele a olhou fixamente, em silêncio. Depois tornou a olhar para frente.

— Não lhe agrada o sol da meia-noite? — perguntou Baby.

— Sim. Mas para mim não é uma novidade. — Para mim é. Mas, ele não o faz refletir? — Sobre quê? — Sobre seus assassinatos. Ele pareceu alarmar-se. Passou a língua pelos lábios e

não respondeu. — Eu também já matei — murmurou ela. — Bastante,

para dizer a verdade. Mas de modo diferente, Yerkov. Todos eles mereciam, não uma morte, mas mil. Pode você

dizer o mesmo? Ou os matava por algo que nunca ninguém soube? Se assim é, eu poderia compreender.

— Deixe-me em paz. — Não gostaria de ser melhor? Não gostaria de ser

simplesmente um espião como os outros, querido pelo menos por seus companheiros? Estes nem conhecem você... Não o conheciam até que o MVD distribuiu suas fotografias por toda a Europa. Ninguém jamais tinha visto Yuri Yerkov e podia-se pensar que era uma espécie de monstro. Entretanto, seu aspecto é nobre. A espécie de espião que eu nunca mataria se seu íntimo correspondesse ao exterior. Mas dentro de você tudo está apodrecido, você é perverso, desnecessariamente cruel, sádico... Por que, Yuri? Por quê?

— Já lhe disse que me deixe em paz. — Escute: às vezes é fácil carregar com as culpas dos

outros. Está acontecendo comigo: cada vez que ocorre algo extraordinário no mundo da espionagem, chegam-me informes de que a opinião geral me atribui o feito. Diz-se tudo sobre mim, bom e mau. Mas sempre se exagera, inventa-se, adultera-se. Ocorrerá o mesmo com você? Talvez todo o mal que fazem, ou estiveram fazendo alguns agentes russos, às vezes inclusive por erro, tenha sido atribuído a um só ao Agente Negro de Moscou. É isso, Yuri?

— Não. — Não? Está admitindo tudo o que se diz a seu respeito? — Tudo quanto você ouvir de Yuri Yerkov ainda é

pouco. A verdade é muito pior que os informes que qualquer serviço secreto possa ter sobre o Agente Negro. E agora, se está satisfeita sua curiosidade, deixe-me de uma vez em paz.

Baby permaneceu imperturbável, contemplando o rosto crispado do russo. Segundo o agente duplo polonês, e a revelação feita pelo próprio Yerkov de que fazia tempo que tinha preparada sua fuga, além de assassino, ele era um traidor que escapara trazendo documentos capazes de pôr sua pátria em perigo.

Em silêncio, junto dele, a espiã internacional ficou contemplando o sol da meia-noite. Quando a relativa escuridão da breve noite ártica chegou por fim, desceu à câmara, onde Johnny esperava fumando um cigarro.

— Está pronto? — Estou. Posso saltar quando você quiser. — Será dentro de cinco minutos. Estamos chegando a

Klinteham. Voltarei ao convés agora. Deslize atrás de mim e fique escondido até que lhe faça um sinal. Então salte, simplesmente. — aproximou-se dele e beijou-lhe o rosto. — Boa sorte, Johnny.

— Obrigado. Não se preocupe por mim. E não se descuide com esse assassino. Baby.

Ela voltou ao convés e, um minuto depois, Johnny III seguiu-a, rastejando, invisível em seu traje negro, que o protegia não só de possíveis olhares, mas também das águas frígidas do Báltico. Já muito perto, viam-se as luzes de Klinteham. Um olhar para trás convenceu Baby de que as outras lanchas mantinham a distância. Aquela gente devia estar intrigada, ainda mais depois do contato realizado pelo gorducho. Que avalancha de conjeturas tal contato não teria provocado nas mentes dos espiões alemães, franceses, russos, italianos, poloneses, belgas...?

— Diminua a velocidade.

Yuri Yerkov obedeceu. Baby fez o sinal e até ela mesma teve dificuldade em ver a negra sombra que transpôs a borda e desapareceu no mar.

— Não torne a aumentá-la. Continue assim até o porto. — Talvez tenhamos dificuldades ao chegar. — Duvido. — Eu não. E minha arma, não quer devolvê-la? — Não. Eu lhe direi porque, Yuri Yerkov. Espero que

tudo saia bem, quer dizer, que meus companheiros nos estejam esperando, que causemos a impressão de que perdemos o barco dos turistas e que o dia seguinte, isto é, até que saia outro dentro de vinte e duas horas, transcorra em paz e felicidade entre os espiões, e que todos possam tomar o outro barco tranqüilamente, sem ter mortes a lamentar. Quero tirá-lo daqui por meio da astúcia, não da força, e espero consegui-lo. Mas se não acontecer assim, se houver tiros, é você quem deve morrer, não eles, meus colegas.

— Em resumo, leva-me ao matadouro. — Não haverá nada. Mas se algo houver, não serei eu

quem lhe facilite armas para matar mais espiões: que eles matem você, pois bem o merece.

Yuri Yerkov sorriu de um modo estranho e deu de ombros.

— Está bem... — admitiu. — Para todos nós chega a hora.

Mas nada ocorreu. Absolutamente nada. Tal como havia calculado e predito a agente Baby, os espiões europeus que presenciaram a manobra mantiveram-se na expectativa, para ver o que estavam tramando os da CIA.

CAPÍTULO SEXTO Fúria assassina!

E o que tramavam os da CIA era, simplesmente, tomar o

branco e bonito barco que, de Klinteham, os levaria e a um montão de agentes secretos diversos, além de mais de uma centena de inofensivos passageiros, até a costa, em Nyktping.

Com formidável discrição, aos pares, alguns sozinhos, foram tomando o barco. Baby

Yuri Yerkov tinham alugado um camarote, onde desde o primeiro momento se encerraram. Os cinco Johnnies distribuíram-se adequadamente, de modo a controlar os que os controlavam. A situação seria quase divertida, não fosse a probabilidade de, à menor suspeita de que o suposto agente louro da CIA que acompanhava a mulher de óculos era Yuri Yerkov, todos se lançarem sobre eles dispostos a matar o russo, caísse quem caísse.

O barco partiu e, no camarote, Yerkov pediu um cigarro a Baby, que o deu com expressão indiferente.

— Você me odeia? — perguntou ele. — Pessoalmente, não. — Mas se não fossem os documentos, você me mataria,

não é verdade? — Por que sou russo? — Porque é o agente secreto mais criminoso de que há

notícia. — Mas não porque sou russo? — Não. Tenho amigos russos. — Diga-me algum.

— Não seja idiota. Se lhe desse seus nomes e você, fosse como fosse, voltasse à Rússia, certamente os mataria...

A batida na porta sobressaltou-os. A pistolinha apareceu na mão de Baby, mas Yerkov apenas sorriu.

— Para ser Baby, você se assusta com grande facilidade... Deve ser um dos seus Johnnies.

Ela assentiu com a cabeça, embora não muito convencida, e foi abrir. Quase lançou um grito ao ver à sua frente, sorrindo, o gorducho agente inglês.

— Olá! — saudou ele. — Pareceu-me vê-los entrar neste camarote e venho cumprimentá-los. Estão bem?

Baby continuava estupefata ante tamanha desfaçatez. — Estamos muito bem, obrigada. Deseja alguma coisa? — Alegra-me que tenham solucionado seu pequeno

problema. Como vê, estamos no mesmo barco e pensei que deveria lhes oferecer meus préstimos, já que falo um pouco o sueco.

— Não precisamos de nada. Agradeço-lhe. — Bom... — o gorducho e descarado espião dirigiu um

olhar rápido a Yerkov. — Estarei no convés. Para qualquer coisa que precisem, disponham de mim. Afinal, somos primos.

— Que disse? — Oh... — ele piscou-lhe um olho. — Americanos e

ingleses... Primos. Não? — É muito grato tê-lo como parente, cavalheiro. E sua

gentileza enche-nos de alegria. Esperamos vê-lo antes de desembarcar. Até logo.

Fechou a porta diante do nariz do homenzinho e virou-se para Yerkov, que tinha o cenho carregado.

— Esse inglês tem bom olfato — murmurou — está farejando alguma coisa.

— Enquanto se limitar a farejar, nada acontecerá. Sentiria ter que lhe dar uma lição. E agora, ouça-me atentamente, Yerkov. Dentro em pouco, subiremos ao convés para contemplar o sol da meia-noite. Depois, quando escurecer, você descerá antes que eu. Mas não entrará neste camarote: procurará um do outro lado do corredor, em cuja porta verá um pequeno sinal feito a lápis, junto à maçaneta. Esse camarote estará aberto.

— Gentileza da CIA? — Sim. Um de meus companheiros terá preparado tudo

lá. Você encontrará outras roupas, sapatos e uma peruca minha, ruiva, que aparei um tanto espalhafatosamente, mas que servirá para o caso; encontrará também uns óculos escuros... Precisa de instruções para disfarçar-se?

— Não — sorriu o russo. — Espero que o saiba fazer bem. Uma vez disfarçado,

fique no tal camarote. Não saia para nada, até que eu o vá buscar. Não se impaciente, não tenha pressa... De que se ri?

— Sorrio. Penso que você está realmente capacitada para este trabalho, eis tudo. Não me surpreende que nos tenha escapado tantas vezes.

— Compreendeu bem o que lhe disse? — Claro. Que mais? — Nada mais que lhe importe. Simplesmente, siga

minhas instruções e, antes de vinte e quatro horas, eu o terei retirado vivo deste círculo de ferro.

— De acordo. Entendo que vai me deixar sozinho umas horas... Certo?

— Certo.

— E se eu não quisesse tratos com você? — Se quando o for buscar no outro camarote você lá não

estiver, demonstrará unicamente que é menos esperto do que se diz. Mas sua vida lhe pertence, portanto, faça como quiser.

— Não lhe importaria que eu escapulisse e que, portanto, você perdesse toda possibilidade de conseguir meus documentos?

— Você teria uma grande decepção se eu lhe explicasse o pouco que me importam esses documentos.

— Nem sequer perguntou do que tratam... Não sente curiosidade?

— Admito que sim. Só isso. — Vou satisfazer sua curiosidade — murmurou o russo.

— Esses documentos contêm a explicação de todo o novo esquema da espionagem soviética no território dos Estados Unidos para o próximo biênio. Está tudo descrito: trocas de cédulas, métodos de operação, destinação de mais de quarenta novos agentes.. E alguns pequenos detalhes que justamente me levaram a fotografá-los e finalmente a fugir da Rússia e de tudo o que cheire a espionagem. Parecem-lhe importantes?

Impressionada, Baby assentiu com a cabeça. — Parece-me, sinceramente, que se trata de documentos

muito importantes. Mas se você e eu escaparmos, o MVD compreenderá que deve modificar todo esse esquema. E não teríamos ganhado grande coisa, não está de acordo?

— Se a CIA chegar a dispor desses documentos, terá ganho muito. Em primeiro lugar, porá em dificuldades os encarregados russos da distribuição de pessoal. Em segundo, é óbvio, tornará conhecimento da existência de

mais de trinta novos agentes do MVD, recém-saídos da escola de Kichino, prontos para ser enviados aos Estados Unidos. Em terceiro, ainda mais obviamente, terá em mãos uma longa lista de agentes já residentes no país. E, em quarto, chegará a conhecer os nomes de sete pessoas que ocupam postos relativamente importantes dentro da Agência de Segurança Nacional americana... que estão trabalhando para nós.

Baby empalideceu. — É mentira... — murmurou. — É verdade. Não quer saber que dois pequenos

detalhes levaram-me finalmente a fugir da Rússia, a renunciar definitivamente à espionagem?

— Que detalhes são esses? — Três desses sete americanos da Agência de Segurança

Nacional terão que ser... executados, pois, em princípio, negaram-se a aceitar a nova modalidade de operação e informação do MVD. Esse é um. Digo-lhe o outro?

— Creio que o posso imaginar: o encarregado dessas três execuções era você.

— Exatamente. — Bem, isso é normal, não? Afinal de contas, você é o

mais eficiente assassino da União Soviética. Yuri Yerkov olhou-a fixamente, em silêncio. Súbito,

fechou os olhos. — Que há? — surpreendeu-se Baby. — Já se sente

aborrecido ou cansado de assassinar, Yerkov? Ele não respondeu. Na verdade, não teve a menor

reação. Permaneceu com a vista baixa, o cigarro fumegando entre os dedos, rosto inexpressivo. Ela franziu a testa.

— Está bem, não falaremos mais disso, se é algo que o perturba, como parece. Falemos desses documentos... São muito, muito importantes. Basicamente, pelo menos segundo o meu modo de ver, pelos nomes desses sete traidores da Agência de Segurança Nacional de meu país. E não vou negar que conhecer o que o MVD planejou quanto à espionagem a ser exercida nos Estados Unidos para os próximos dois anos seja algo desdenhável. Se a isso acrescentarmos que disporemos de muitos nomes de agentes russos já residentes e trinta de agentes recém-saídos de Kichino, a informação transforma-se em fabulosa... Mas, diga-me: por que a quer entregar a mim? Em troca de quê?

— Quando exigi que o contato fosse única exclusivamente com você, queria pedir-lhe uma coisa — murmurou Yerkov, sem levantar a cabeça. — Naturalmente todos nós, russos, ia ouvimos muitas histórias a seu respeito, mas agora... Agora, ouvindo-a e vendo-a, parece-me que você é muito mais dura e cruel do que pensávamos. Acho que já não lhe devo pedir nada.

— Nada? — Tire-me daqui, dê-me alguns milhares de dólares, um

passaporte e isso será tudo, — Que queria pedir justamente a mim? — Nada, nada... — Vamos, não seja infantil. De que se trata? — Deixe-me em paz. — Muito bem. Baby sentou-se, acendeu também um cigarro e pôs-se a

pensar sobre a formidável informação que, se tivesse sorte, ia conseguir para a CIA. Claro, a possibilidade de que Yuri Yerkov estivesse mentindo não foi passada por alto. Nem a

de que, talvez, ele não tivesse documento nenhum, pretendendo apenas fazer com que a CIA se interessasse ao máximo para tirá-lo daquele apuro..

— Subamos ao convés — disse de súbito. * * *

Uma vez mais, ela extasiou-se na contemplação do sol da meia-noite, que lentamente ia desaparecendo num maravilhoso esplendor vermelho e dourado, que aos poucos tornava-se violáceo. Ao seu redor ouvia comentários de toda espécie, em várias línguas... e via os olhos dos espiões vigiando, esperando, tentando adivinhar o que tramava a CIA.

E talvez alguns tivessem começado a ver a situação sob novo aspecto, quando apareceu a veloz lanchinha procedente da costa continental, navegando direta para o barco. Baby compreendeu que tudo ia bem, que tudo estava saindo tal como havia planejado, e murmurou:

— Já pode ir para o outro camarote, Yerkov. Não preciso dizer que ninguém o poderá controlar agora.

— Eu sei. Até logo. Ele afastou-se da borda e desapareceu do convés. Mais

além, um dos Johnnies captou o olhar de Baby e assentiu com a cabeça: sim, as roupas e o resto estavam no camarote em cuja porta havia um sinal. Ela olhou Johnny, que se aproximou e encostou-se à borda.

— Tudo pronto para quando você quiser —murmurou ele.

— Procurem que ninguém saia ferido, Johnny. E cuidado com o que dirão quando forem desembarcados e entregues às autoridades. E nada de querer continuar no

jogo. Para casa, está claro? Como os do helicóptero e como Johnny III, que irá com eles. Entendido? — insistiu.

— Entendido. — Afaste-se agora. — Quando começamos a bronca? — Dêem a nossos colegas uns minutos mais para

refletir. Repararam na lancha, em nós. Deixemos que decorram uns minutos para que comecem

a compreender a jogada falsa que lhes preparamos... Esperemos ainda um quarto de hora.

— Okay. O espião afastou-se e ela continuou durante dez minutos

gozando o espetáculo do sol e vez por outra ornando para a lancha, a qual, para assombro dos passageiros inofensivos, estava dando voltas ao redor do barco.

A relativa escuridão chegou finalmente, no momento justo calculado por Baby. Esta se afastou da borda e dirigiu-se para o corredor dos camarotes. Tinha o tempo exato de ir ao ;eu, recolher suas coisas e, quando começasse a confusão, sair de lá, entrar no outro e mudar também de aspecto, como Yuri Yerkov já devia ter feito. Deste modo, ambos com aparência não conhecida de seus colegas chegariam tranqüilamente a Nyktping, enquanto eles estariam convencidos de que tinham saltado ao mar para ser recolhidos pela lancha. E enquanto todas as forças se concentrassem em procurá-los no mar, eles chegariam à terra, tomariam o carro que os da CIA lhes tinham deixado e viajariam para Estocolmo, a fim de recolher os documentos.

Já estava perto da porta de seu camarote, quando, de súbito, esta se abriu e apareceu o gorducho agente inglês.

Viu-a de imediato e abriu muito os olhos. E sem dar a Baby tempo de dizer ou fazer nada, voltou ao camarote, chamando-a por sinais, mantendo a porta aberta.

Testa franzida, ela entrou atrás dele, dizendo: — Escute, primo inglês, seu modo de... Calou-se de repente. Seu olhar, seguindo o do gorducho,

que se tinha afastado, pousou nos corpos de dois homens estendidos no chão. Um estava de bruços, o outro de costas, ambos cobertos de sangue, e o que estava de costas tinha os olhos horrivelmente abertos, espantados. Ela fechou a porta e aproximou-se dos dois corpos. Eram os alemães. Tinham sido brutalmente, desumananiente esfaqueados... Como se uma tempestade de facadas houvesse caído sobre eles. A seu redor, todo o conteúdo da maleta de Baby e a própria maleta, aberta, vazia.

Por fim, ela virou-se para olhar o gorducho e viu manchas de sangue em suas roupas, suas mãos. Uma fria centelha brilhou-lhe nos olhos verdes.

— Não, não.. . — arquejou o homenzinho. — Juro que não fui eu! Eu... eu só lhes toquei para ver

se algo podia fazer por eles e. e manchei-me de sangue. . . Juro! Já deve saber que

trabalho para o MI-5, claro... E você é da CIA, eu sei... Pergunte em Londres por George Foreman. Sou incapaz de... Por Deus, isto é horrível!

— Sim é horrível... Que faz você aqui? — Bom... eu... eu vim... E que achei algo esquisito em

você e seu companheiro, e... Bom, é que... — Deixe de gaguejar!

George Foreman engoliu em seco e foi sentar-se num dos beliches. Ficou silencioso um instante, olhando os cadáveres.

— Vi vocês no convés — disse por fim — quis... dar uma olhadela, eis tudo. Parece-me que eles se haviam adiantado, e alguém os encontrou aqui e os matou... E só o que sei,

— Está bem, acredito. Aonde ia agora, quando eu cheguei?

— Não sei. Quando vi que estavam mortos, meu único desejo foi sair deste camarote. Não...

— Calma. Deve compreender que estes dois homens são espiões como nós, Foreman.

— Sim, claro, não sou tolo... — Tanto melhor. E lamentável o ocorrido, mas nem

você nem eu vamos complicar a vida por isto, não é? De modo que me ajude a recolher todas estas coisas, depois saia daqui e você não sabe nada de nada. Está claro?

— Sim, sim, farei como diz... Bom, eu queria perguntar-lhe, já que nos abrimos um pouco, o que vocês dois da CIA estão fazendo. Não consigo compreender...

— Escute, amiguinho: uma coisa é que eu seja gentil e razoável, e outra é que lhe conte meus projetos. Estamos todos trabalhando no mesmo caso, não é assim? Pois que ganhe o mais esperto. Agora me ajude e depois se retire. É só.

— Vamos... deixá-los aqui? — Se você acha melhor, posso metê-los em minha

maleta — resmungou Baby. — Ou será que os quer para alguma coisa?

— Eu? — sobressaltou-se Foreman.

Brigitte lançou-lhe um olhar fulminante e dedicou-se a recolher suas coisas, torpemente ajudada pelo espião inglês. Fechou a maleta, foi até a porta e abriu-a.

— Adeus, mister Foreman — disse. O homenzinho saiu e ela o esteve olhando até vê-lo

desaparecer no convés. Saiu ao corredor, fechou a porta... e naquele momento um rumor de gritos e vozes excitadas começou a chegar até ela. Sorrindo, procurou outro camarote marcado, este com um x. Dispunha-se a entrar, quando uma expressão dura apareceu-lhe no rosto. Afastou-se daquela porta e foi até a outra também com um sinal. Tentou abri-la, mas estava fechada por dentro. Chamou baixinho:

— Yerkov, sou Baby. A porta abriu-se imediatamente e o russo, já com o outro

disfarce, este bastante espalhafatoso, olhou-a desconcertado... e alarmado.

— Que há? Ainda não chegamos a... — Demoraremos bastante ainda — ela entrou, fechou e

acendeu a luz; seus olhos percorreram velozmente Yerkov, de cima a baixo. — Onde estão as roupas que estava usando?

Ele indicou a vigia aberta do camarote. — Atirei-as ao mar, naturalmente. Por quê? Para sua surpresa, Baby tomou-lhe as mãos e examinou-

as, atenta. Não pôde encontrar nelas o menor traço de sangue. Mas seu olhar foi à pequena porta do sanitário do camarote, onde sem dúvida haveria um lavatório.

— Que há? — insistiu o espantado Yerkov, — Você não sabe nada? — Não, não sei nada.

— Que foi fazer no meu camarote antes de vir a este? — Está brincando? Vim diretamente aqui, pois nada

tinha a fazer lá! Além disso, suas instruções foram claras e...

— Não diga uma só palavra mais — fremiu de cólera a voz de Baby. — Não quero ouvi-lo! Nem uma só palavra. Quando o barco chegar a Nyktping, desembarque sozinho.

— Você me abandona? — empalideceu o soviético. — Vou fazer algo mais que isso, Agente Negro. Não só

vou abandoná-lo, mas também, quando você desembarcar, todos os agentes secretos que viajam neste barco saberão. Pode desembarcar com o aspecto que quiser: eu lançarei atrás de você toda a matilha.

— Não... Você não pode fazer isso... Não pode! — Prefere que o mate eu? Quer que o mate agora

mesmo? — a pistolinha apareceu-lhe na mão. — Se é isso o que quer, posso satisfazê-lo com muito gosto. Embora preferisse deixá-lo nas mãos dos outros. Uma bala é pouca coisa para o que você merece, Yerkov.

— Não a entendo... Não a entendo, Baby. — Pois é fácil: quero que o cacem como a um cão

danado. Isso é o que merece e o que farei. — Espere... Não pode me ouvir? Você é Baby: tem

que me ouvir! — E para quê? Não me interessam suas explicações! — Mas tem que ouvi-las. Eu confiei em você... Somente

em você! Fiz o que mandou, aceitei todas as suas condições... e insultos. Você tem que me tirar daqui, me aconselhar...!

Ela o olhou atônita. — Aconselhar? — exclamou. — Sobre quê?

— Você não entende... Não entende nada e não lhe posso dizer agora! Tire-me daqui e eu lhe direi a verdade, toda a verdade. Não sei o que está pensando, não sei o que ocorreu... Mas se realmente você é Baby, tire-me daqui, ouça-me e nunca se arrependerá disso. Eu sou um espião... Você tem que me ajudar! E aconselhar-me.

— Não penso fazer nada por você! Nada! Yuri Yerkov olhou-a fixamente. Súbito, seus poderosos

ombros pareceram se abater, seus olhos perderam o brilho. — Nem sequer de você pude obter nada... Está bem:

atire. Terminemos de uma vez. Já nada me importa. Atire! A mais perigosa e inteligente espiã do mundo levantou a

pistola, apontando para a testa do russo. Tinha apenas que apertar o gatilho, sabendo que jamais sentiria o menor remorso. Mas viu nos olhos do Agente Negro algo que a fez hesitar. Algo inesperado, desconcertante, como se as coisas não fossem o que pareciam.

E, súbito, algo não encaixou em sua mente. Pestanejando, baixou a pistolinha e disse:

— Desembarque sozinho. Eu me reunirei com você no momento oportuno.

CAPÍTULO SÉTIMO

Respirar à vontade Avisada pelo rádio, disposta a se encarregar dos

desordeiros americanos, a polícia sueca esperava no cais de Nyktping. E apenas por isso, já que a morte dos dois agentes secretos alemães empenhados na busca de Yuri Yerkov ainda levaria horas a ser descoberta.

De modo que, com exceção dos autores da desordem e outros três compatriotas que insistiam em ir com eles, para apoiá-los e ajudá-los no que fosse possível, todos os passageiros desembarcaram sem qualquer dificuldade.

Os primeiros, praticamente empurrando-se uns aos outros, foram os agentes secretos de várias nacionalidades, ansiosos por notícias dos companheiros que, de Estocolmo e outros lugares, tinham saído para o mar em busca do homem e da mulher que se lançaram à água para ser recolhidos por aquela lancha, aproveitando a escuridão. Sucesso este que só os espiões tinham captado, utilizando em seguida os serviços de comunicação do barco para informar seus companheiros, ou seus próprios rádios, os que os tinham suficientemente possantes. Sempre em código, naturalmente. Nenhum deles tornara a saber nada a respeito da loura e seu acompanhante. que, por força, não tinham sido mais vistos no barco desde que a lancha finalmente se afastara, rumo a alto-mar. A coisa, pois, estava claríssima e só faltava obter rápidas notícias... Notícias que, quando chegassem, deixariam a espionagem internacional com cara de idiota, devido à intervenção da agente Baby.

Enquanto isso, o indivíduo de cabelos louros, óculos escuros, ar extravagante e lento caminhar. desembarcava sem que ninguém lhe prestasse especial atenção. Assim, enquanto se afastava do cais, Yuri Yerkov, o Agente Negro, pôde respirar à vontade pela primeira vez em vários dias, com a sensação de que o perigo se desvanecia ao seu redor.

Não caminhou muito, pois era uma rude prova para sua perna. Pálido, testa brilhante de suor, ele sentou-se num banco de um bonito jardim público, solitário àquela hora. Suspirou profundamente e fechou os olhos. Uma manhã deliciosa, com um sol suave, cantos de pássaros nas ramagens.

— Muito bem — pensou —, não pretendo dar um só passo mais: que venha quando quiser.

Acomodou-se melhor no banco, tornou a suspirar e dispôs-se a permanecer ali o tempo que fosse necessário. O espião havia deixado de correr, podia descansar.

Meia hora mais tarde, um carro deteve-se no limite dos jardins, bastante perto dele, que virou a cabeça e viu a jovem saltar. Ficou estupefato, maravilhado... E mais ainda quando ela se aproximou, olhando-o com os mais formosos olhos azuis que podia haver no mundo. Estava tão absolutamente fascinado que nem se surpreendeu quando ela sentou-se junto a ele.

— Dizem que nunca é tarde... — murmurou a jovem. — Mas temo que o seja para um homem como o Agente Negro.

— Não... — balbuciou ele. — Não é possível. Ela consultou seu relógio, que Yerkov reconheceu.

— Não que haja pressa, mas o lugar não é dos mais discretos. Pareceu-me que você estava disposto a me esperar aqui e fui em busca do carro. Partamos.

Levantou-se, mas Yerkov demorou um pouco a fazê-lo. Quando ficou diante dela, tomou-a nos braços e olhou-a intensamente.

— Sim, é possível... — murmurou. — É você. Você, sim, é a Baby que eu imaginava. E ainda mais bonita, mais feminina do que eu havia intuído. Sim — pôs-se a rir alegremente: — agora sei que você me ajudará!

— Duvido muito. Aquilo no barco me encheu as medidas, Yerkov.

— Não sei de que faIa. Mas não importa.. Vamos buscar os documentos e, então, já tranqüilizados, poderei lhe explicar tudo e você me ajudará, me aconselhará.

— Continuo julgando-o louco, além de criminoso e cínico. Mas não falemos mais. Não quero saber mais nada, Yerkov. Simplesmente, vamos buscar os documentos.

Caminhou para o carro e ele seguiu-a. Pôs-se ao volante e dispunha-se a dar a partida, quando Yerkov tomou-lhe a mão. Virou a cabeça para ele, que novamente fixou seus olhos, como se fosse a única coisa que lhe interessava no mundo.

— Você quer rir? — perguntou o russo. — Vou lhe dar um bom motivo: estou apaixonado por você.

— Eu o defini há dias como um sujo, Yerkov. — Não... Não está entendendo. Parece que não há

maneira de conseguir que você me entenda, Baby. Não é que me tenha apaixonado por vê-la tão formosa... O que quis dizer é que estou apaixonado por você há tempos: desde que comecei a ler coisas a seu respeito nos arquivos

do MVD. Por isso, quando me decidi a deixar esta vida, quis tratar somente com você. Não é surpreendente? Enquanto a estive vendo com outro aspecto, tão hostil e desagradável, experimentei possivelmente a maior desilusão de minha vida, a maior decepção. Mas agora... Agora é você tal como tinha imaginado. Por tudo quanto li e ouvi, você tinha que ser exatamente assim..

A porta traseira direita do carro se abriu de súbito, uma sombra deslizou para dentro, e antes que eles pudessem reagir uma voz dura, fria, advertiu:

— Atirarei ao menor movimento. Os dois ficaram rígidos, olhando-se ainda fixamente,

mas pensando no homem que tinha entrado de forma tão magistral no carro, surgindo como se até aquele momento tivesse sido invisível.

Sem se mover, Baby murmurou: — Você é um homem muito astuto, querido primo

inglês. A voz de Foreman, o gorducho, não era menos amável

quando disse: — Sei que ele está desarmado, mas você tem uma

pistolinha. Tire-a devagar, com a canhota, e passe-a para trás por cima do ombro correspondente, segurando-a pela ponta do cano.

Ela assentiu. Levantou a saia, desprendeu a pistola da coxa esquerda e entregou-a ao homenzinho por cima do ombro.

— Você é Baby? — perguntou Foreman. Com efeito — admitiu tranqüilamente.

Yuri Yerkov virou-se de súbito para o inglês. que se deixou pender para o fundo do assento, mas sempre

dominando a situação com sua imponente pistola munida de silenciador.

— Já lhe disse que se...! — Escute, inglês — disse secamente o russo, sem lhe

fazer o menor caso — se está procurando Yuri Yerkov, aqui o tem. Pode atirar, ou fazer o que quiser comigo, mas quanto a Baby...

— Não fiquem nervosos... — riu alegremente esta. — Verão como tudo termina bem, ao gosto de quase todos. Devo admitir que Foreman é muito mais esperto e eficiente do que tinha pensado, mas, justamente por isso, vamos chegar amistosamente a um acordo.

— Duvido — replicou Foreman. — Não me agrada o que você está fazendo, Baby, não me agrada esta manobra da CIA para ficar com Yerkov. Os dois foram muito vivos, mas compreendi que o homem que estava sempre com a mulher loura não podia ser um seu companheiro qualquer. Isso teria significado, mais ou menos, que você não se sentia muito segura, que precisava de certa proteção, o que me pareceu absurdo, pois conheço sua história e...

— Sem dúvida — tornou a rir Brigitte —, pois sou bastante popular em certos círculos profissionais. Mas, Foreman, vamos resolver esta situação de modo razoável. Esta bem?

— Sei que vocês tramam alguma coisa. Você, da CIA, e este cão sarnento do MVD. E duvido muito que cheguemos a um acordo: a única coisa que me interessa é matá-lo.

— E a mim também? — Bom... Francamente, não. Mas ele.. — Espere um momento. Realmente, Yerkov e eu temos

um trato: eu deveria tirá-lo do cerco em que o meteram e

ele, em troca, me entregaria certos documentos importantíssimos... Não lhe interessa ver esses documentos?

— De que espécie são? — Oh, são importantíssimos. Se você matar Yerkov

agora, jamais os teremos. Entretanto, podemos ir buscá-los, você obtém uma cópia deles, o que deixará maravilhado o MI-5, e depois soltamos Yerkov em...

— Não! — recusou o inglês. — De modo nenhum! Este bicho nojento.

— Calma. Eu fiz um trato com ele e quero cumpri-lo. Nós o deixaremos em liberdade fora do círculo de ferro. Depois você verá como não tardaremos a encontrá-lo. Esse foi o trato e precisamos cumpri-lo. Do contrário, vai ter dificuldades, querido primo.

— Eu? — riu Foreman. — Olhe, Baby, não tenho a intenção de prejudicá-la, mas...

— Se você continua pensando em matar Yerkov mostrará ser o agente secreto mais estúpido de que já tive notícia. Homem de Deus, não se dá conta de que lhe estou facilitando um triunfo em sua vida profissional?

George Foreman hesitou visivelmente. — Ouça — disse de súbito —, nós, americanos e

ingleses, somos amigos e, além disso, consta-me que você sempre cumpre o que promete, mas... Que diabo, ponha-se em meu lugar, Baby: por que devo confiar em outro espião?

— A pergunta é inteligente, admito. Mas tem uma pequena falha: esse outro espião é Baby, não um qualquer. Sejamos elegantes, Foreman. Elegantes, inteligentes... e primos. Sim ou não?

— Bom... — resmungou o inglês. — Você é capaz de convencer uma pedra, suponho.

Devolveu-lhe a pistolinha e ficou no assento traseiro, irritado com ele mesmo, depois de guardar a sua arma. Yerkov olhou-o incrédulo, depois olhou Baby, que estava rindo.

— Não faça essa cara, homem. Não se dá conta de que o vou tornar famoso no MI-5?

— Quando lá souberem que tive Yuri Yerkov diante de minha pistola e não apertei o gatilho...

— Não se preocupe por isso. Apresentará um triunfo major que apertar um gatilho. Bem, vamos a Estocolmo!

— A Estocolmo? — É lá que estão os documentos. — Ah. Mas Estocolmo está cheia de agentes secretos

que, tão logo nos vejam... — Tranqüilize-se, amigo George: deixe que sua

priminha Baby se ocupe dos detalhes. Vocês só têm que seguir minhas indicações e asseguro-lhes que ninguém saberá de nossa passagem pela Veneza do Norte.

CAPÍTULO OITAVO

Duas lágrimas vermelhas O carro saiu da estrada e deteve-se debaixo de uns

abetos. Em seguida, dois homens saltaram, olhando em seu redor, um tanto indecisos... Até que viram o outro carro, melhor escondido que o deles, mais afastado da estrada. Foram lá e, ao verem que estava vazio, um deles meteu a mão esquerda no bolso interno do paletó.

No esconderijo que tinham escolhido entre as árvores, Yuri Yerkov permaneceu imóvel, mas George Foreman apressou-se a sacar a pistola ao ver o gesto do homem recém-chegado. Baby bateu-lhe no ombro.

— Calma, George esses devem ser meus amigos. Verá que ele não saca uma pistola, mas um radinho, para a localização final...

Naquele momento, o rádio camuflado num maço de ciganos que Baby já tinha na mão começou a emitir um suave zumbido. Foreman guardou a pistola, assentindo:

— Alô — murmurou Baby. Os três viam perfeitamente o homem mover os lábios e

ouviram sua vez pelo radinho camuflado: — Baby, acabamos de chegar. Dois, tal como você

disse. Estamos perto do carro, no lugar que nos indicou. — Daqui vejo vocês, Johnny. Girem trinta graus para a

direita e caminhem para frente. Fechou o rádio. Viram o homem fazer o mesmo com o

dele, guardá-lo, virar-se de frente e avançar seguido pelo outro. Estavam já a poucos passos, quando Baby levantou-

se e fez-lhes sinais. Os dois agentes da CIA aproximaram-se e ela estendeu-lhes a mão, sorridente.

— Como estão queridos? — Estamos bem — respondeu o do rádio — e os que

tinham que desaparecer já desapareceram... Vocês é que estão se metendo em dificuldades.

— A que se refere? — Estocolmo é um vespeiro. Segundo notícias, não se

abandonou a vigilância em outros lugares, mas há quase certeza de que Yuri Yerkov e Baby têm que passar por lá, pelo que a vigilância é espantosa.

— Já sabem que intervenho? — perguntou Brigitte. O outro Johnny, ambos desconhecidos dela, riu. — Ora essa! — exclamou. — Todos sabem que uma

mulher está intervindo e alguém os deixou desnorteados, desorganizados... Basta somar estes dois fatos para saber que se trata de Baby.

— Se eu fosse você — acrescentou o primeiro Johnny —, não me aproximaria de Estocolmo.

— Mas temos que ir lá... — murmurou ela. — Yerkov precisa ir buscar alguma coisa num hotel. — Pode-se tentar, mas garanto-lhe que não será fácil. A

propósito: qual dos dois é Yerkov? George Foreman teve um sobressalto e seus olhos

pareceram a ponto de sair das órbitas. — Como qual dos dois é Yerkov? — gritou. — Ele,

naturalmente? Acaso terei cara de...? — Calma, primo — riu Brigitte. — Ele é nosso colega

inglês George Foreman.

Os dois Johnnies estenderam a mão, que Foreman aceitou resmungando. Depois olharam Yuri Yerkov, que os contemplava imperturbável.

— Você o disfarçou bastante bem — murmurou um deles —, mas nem assim deveria ir a Estocolmo. Claro, você manda, e sabemos que tem recursos para tudo, mas, enquanto vínhamos para cá, pensamos num possível plano para sua fuga. Sem passar por Estocolmo, naturalmente.

— Qual á esse plano de fuga? — interessou-se Baby. — Podemos dispor de uma avioneta veloz, capaz de

levá-la a Paris, para dentro de cinco ou seis horas. Quer dizer que seriam aproximadamente as seis da tarde. Entretanto, o conveniente seria escapar durante a noite. Como voariam para o sul, a noite iria se prolongando e praticamente poderia viajar na escuridão durante todo o tempo. Mantendo determinada altura e com as luzes apagadas, poderia sair disto com toda a tranqüilidade.

— A idéia não é má — admitiu Brigitte. — De onde decolaríamos?

— De Norkëping. — Mas se não passarmos por Estocolmo — protestou

Foreman —, como vamos recolher os documentos? Você me prometeu uma cópia e se...

— Não se impaciente — cortou Brigitte. — Estamos tentando resolver tudo da melhor forma possível — olhou para o sombrio Yerkov.

— Você é muito conhecido nesse hotel de Estocolmo? — Não creio... Estive lá em duas ocasiões, ruas

espaçadamente, e a última vez foi há quase um ano. Claro, consto da lista dos clientes, mas quanto a se lembrarem da minha cara, duvido.

— Conserva os falsos documentos suecos com o nome de Torsten Boholm?

— Claro. Do contrário, como iriam me entregar a carta que a mim mesmo enviei para esse hotel?

— Sim, sim... Dê-me esses documentos. Sem hesitar, Yuri Yerkov obedeceu. Ela examinou

brevemente a falsa carteira de identidade, mostrou-a aos Johnnies e, quando estes assentiram, fez-lhes um sinal e afastou-se com eles. Sob o olhar atento de George Foreman, que parecia não confiar nem em sua própria mão direita, e absoluta indiferença de Yerkov, Baby e os Johnnies estiveram conversando durante uns minutos, sem que suas vozes chegassem aos outros, Por fim, assentiram os três e voltaram.

— Que hotel é esse, Yerkov? — perguntou Baby. — O Palladium. — Obrigada — virou-se para os Johnnies. — Bem,

queridos, podem ir. Nós... — Um momento! — saltou Foreman. — Que eles vão

fazer? — Creio que é óbvio, primo — disse Brigitte: — meus

companheiros vão a Estocolmo, um deles utilizará os documentos de Torsten Boholm e apanhará a carta que Yerkov mandou a si mesmo para o hotel Palladium.

— Esta é uma jogada suja, imprópria de você, de sua fama...!

— Que diabo está dizendo esse sujeito! — reagiu um Johnny.

— Está pensando que vocês ficarão com os documentos — sorriu Baby — e que não lhe deixaremos tirar uma cópia.

Mas, Foreman, garanto-lhe que não é assim: eu sempre cumpro minha palavra.

O inglês bufou, disposto a fazer um comentário pouco agradável, mas o outro Johnny cutucou-lhe o peito com um dedo.

— Ouça, por que não fecha essa matraca? Se Baby lhe prometeu uma coisa, esteja certo de que a terá. E se continuar amolando a paciência, terei muito gosto em partir a cara de um cretino do MI-5. Pensam que sempre sabem mais que os outros e...

— Calma, calma — recomendou Brigitte. — Foreman, encare o assunto com filosofia e deixe que trabalhe quem está em melhores condições de fazê-lo. No caso atual, são meus companheiros, pois eu não posso ir ao hotel dizer que sou Torsten Boholm, não lhe parece?

— Poderia ir eu — disse Foreman. — Claro. Mas... vê como são as coisas? Eu não confio

nem um tiquinho em você. Entretanto, sei que cumprirei minha promessa. E não se fala mais nisso.

— Pois eu digo que não me agrada. E não penso permitir que você...

Não pôde dizer mais. A mão direita de Baby caiu, de lado, na base de seu roliço pescoço e ele tombou com os olhos em branco.

— Ele pediu — disse um dos Johnnies. — Pois recebeu — sorriu Brigitte. — Façam seu

trabalho, rapazes. * * *

Pelas sete da tarde, o rosto da agente Baby estava pálido, crispado e seus olhares ao relógio eram cada vez mais freqüentes. Foreman permanecia mergulhado em torvo

silêncio. Após fixar os olhos nos dela, Yuri Yerkov perguntou:

— Por que não os chama? — Não... Não o devo fazer. — Acha que o zumbido de chamada do rádio poderia

colocá-los em situação difícil, não é isso? — É. São eles que têm que chamar, conforme o

combinado. Mas estão demorando muito. — Algo lhes aconteceu e a culpa é minha por... —

lançou uma exclamação de alegria ao ouvir o zumbido de seu rádio e admitiu imediatamente o chamado. — Alô?

— Baby. impossível o encontro no mesmo lugar desta manhã — os três ouviram a voz de Johnny. — Tivemos que...

— Johnny, você está bem? Os dois estão bem? — Sim, estamos bem. Mas quando voltamos a

Estocolmo, fomos seguidos por uns colegas e foi um custo despistá-los. Tivemos que deixar o carro, ir a pé em busca do envelope com o nome de Torsten Boholm e, para comparecer ao encontro com você, surgiram complicações...

— Que aconteceu? — Bem. Tivemos que roubar uma lancha. Sinto muito,

mas foi o único jeito... — Isso não tem importância! O que... — Pergunte-lhe se têm os documentos — instou

Foreman. — Claro que têm — Brigitte olhou-o irritada. — Faça o

favor de não perturbar, Foreman. Johnny, vocês virão aqui ou irei eu ao encontro de vocês? Espere... Estamos longe da costa, por isso vocês teriam que andar muito a pé. Será

melhor irmos para a costa com o carro. Qual lhe parece o ponto mais conveniente para que nos encontremos?

— Você encontrará um mapa no carro. Procure Nynasham e sigam para lá. Deixem o carro nessa localidade e continuem caminhando até o mar, sempre para o sul, o mais direto possível... Calculo que em meia hora chegarão à costa. Quando encontrarem um lugar discreto, chame pelo rádio. Estaremos escondidos entre os ilhotes.

— De acordo... — Baby hesitou. — Johnny, tomem cuidado. Se os estão seguindo...

— Já disse que os despistamos. Não se preocupe. — Bem. Partimos para Nynasham agora mesmo. Ela fechou o radinho e indicou o carro. — Em marcha. Um pouco mais de sorte e, dentro de

algumas horas, podemos estar em Paris. — E por que não em Londres? — grunhiu Foreman. — Eu lhe direi por que — sorriu ela, já recuperando seu

bom aspecto e de excelente humor: — porque gosto mais de Paris que de Londres. Vamos.

* * * A lancha chegou até eles e os dois Johnnies saltaram em

terra. Imediatamente, um deles estendeu um envelope a Brigitte, sorrindo.

— Os documentos... e a avioneta está esperando no aeroporto de Norkëping. Tudo providenciado.

— Obrigado, Johnny. Vocês trabalharam muito bem... Todos, absolutamente todos os que intervieram nisto trabalharam bem. Cada um de vocês receberá no próximo pagamento uma gratificação de dez mil dólares. É apenas dinheiro, mas talvez lhes sirva para alguma coisa.

— Dez mil dólares?! — o outro Johnny sorriu de orelha a orelha. — Bem, procuraremos em que gastá-los... Mas como sabe você isso de gratificação? Disseram-lhe na Central que...?

— A mim nada disseram. Mas eu acabo de decidir isso. — Bem... — os dois Johnnies entreolharam-se,

maliciosos. — Gostaríamos de saber quem se atreverá a negar essa gratificação na Central. Já esteve em Honolulu, Baby.

— Claro — surpreendeu-se ela. — Por quê? — Parece-lhe um bom lugar para umas férias? — Um lugar magnífico. Mas, queridos, com dez mil

dólares todos os lugares são bons — riram os três e ela apontou costa acima. — Deixamos o carro na saída de Nynasham. Vocês já o conhecem, portanto só têm que encontrá-lo e regressar a Estocolmo. As chaves... — entregou-as. — Boas férias, queridos.

Beijou a ambos no rosto e saltou à lancha. Yerkov e Foreman imitaram-na, este se colocando aos controles.

— Não se apressem — recordou um dos Johnnies: — e melhor que cheguem lá à noite. Só têm que fazer um chamado pelo rádio, cortar e chamar de novo, deixando que continue zumbindo. É o sinal: responderão dizendo onde está exatamente a avioneta e como chegar a ela... Felicidades, Baby!

Ela atirou-lhes beijinhos com a mão e a lancha começou a afastar-se da costa, conduzida pelo inglês. Se Sentado à popa, junto de Yerkov, Baby suspirou profundamente.

— Bem... — Parece que isto vai terminar, por fim. — E depois? — Depois?

O russo assentiu com a cabeça. — Já tem os documentos e está praticamente a caminho

de casa. Que mais? — Suponho que se refere a você mesmo, Yerkov. Está

me perguntando o que penso fazer com você, não? — Justamente. — Quando saí dos Estados Unidos, prometi matá-lo. — E você sempre cumpre o que promete — sorriu ele. — Salvo quando quebro a promessa para melhorar

alguma coisa. — Crê que pode melhorar alguma coisa deixando-me

vivo? — Não. — Nesse caso, pensa matar-me. — Não... Fizemos um trato. Você é uma besta-fera,

Yerkov, mas um trato é um trato. Quando estivermos definitivamente a salvo, eu o deixarei partir. Dois dias depois, irei atrás de você: agora já o conheço, sei como é e...

— Está enganada — sorriu tristemente o russo: — você não conhece Yuri Yerkov. Ninguém o conhece, nem sequer os outros agentes do MVD o viram nunca... Ninguém, ninguém o conhece: nem eu mesmo.

Baby dirigiu-lhe um olhar frio. — É alguma brincadeira genial? — perguntou. — Não. Simplesmente, eu não sou Yuri Yerkov. Aos controles, George Foreman virou a cabeça, olhou o

russo e deu uma risada. Brigitte, contraindo as pálpebras, esteve uns segundos contemplando-o em silêncio.

— Vamos, Yerkov, vamos... Não seja infantil.

— Talvez seja essa a palavra que melhor me defina. Você pensa que agora estou mentindo para salvar a vida, não?

— Eu diria que isso é óbvio, Yerkov. — Eu não sou Yerkov. Meu nome é Estanislas Barian...

Russo, claro. E também agente do MVD há vários anos. Brigitte franziu a testa, um tanto irritada. — Que espera conseguir com essa tolice? — perguntou. — Estou lhe dizendo a verdade. Disse-lhe a verdade

durante todo o tempo, exceto quanto ao meu nome. — Se isso é certo, você está louco... A quem ocorreria

utilizar o nome de Yuri Yerkov, sabendo que todos os espiões do mundo desejam matá-lo?

— Foi loucura, sim — sorriu novamente o russo. — Mas era a única maneira de interessar você. Suponhamos que o homem encurralado no Báltico tivesse sido um tal Estanislas Barian... Você teria vindo em minha busca?

— Não... Claro que não. Mas todos os informes, as. — Espere. Deixe-me falar. Deixe-me contar-lhe tudo.

Depois você fará o que melhor lhe parecer. Escute... Meu nome é Estanislas Barian, agente do MVD há mais de sete anos. Aperfeiçoei-me tanto que recentemente meus chefes me consideraram capaz de ocupar um posto mais importante. Sabe qual? Na mesma Seção de Yuri Yerkov, o assassino que nós próprios repudiamos. Mas é útil, sem dúvida, e devidamente conceituado por seus serviços. Disseram-me que devia ir aos Estados Unidos para assassinar três americanos, como primeiro passo para meu ingresso na Seção de Yuri Yerkov. Já lhe expliquei isto, lembra-se? Esses três homens eram os americanos que se haviam negado a aceitar novas diretrizes a respeito de sua

participação em nossos serviços. E, como não queriam continuar e sabiam demais, o MVD os condenou à morte... Parece-lhe horrível?

— Relativamente — murmurou Brigitte. — Por minha parte, acho que não só esses três traidores, mas os sete, deviam ser executados. Horrível? Talvez. Mas a CIA não é melhor que o MVD. Também nós temos nossos assassinos.

— Suponho. Bem, quando me disseram que devia assassinar friamente três homens não gostei. Disse-lhes que preferia continuar trabalhando como até então, no Setor Internacional, recorrendo à cabeça, não à pistola. Isso não lhes agradou. Compreendi que estavam preparando algo contra mim, pelo que me adiantei a seus propósitos: como ainda, aparentemente, estava em boas relações com meus chefes, pude chegar até os arquivos de Planificação, onde fiz as microfotos contidas no envelope que lhe entregaram. Enviei-as a Estocolmo e, antes que se decidissem a me eliminar, ou a confiar-me qualquer missão especial que acabaria comigo, fui a Moscou. Por meio de um amigo que nada sabe de minhas atividades, residente em Leningrado. consegui a barca e o resto eu mesmo arranjei. Mas deram-se conta de minha partida, antes do que eu esperava. E sabiam que eu obtivera documentos, ou algo parecido, com que pensava comprar minha permanência nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França... O lógico seria que qualquer serviço secreto aceitasse tratar comigo e apoiar-me em troca do que eu pudesse oferecer. Então inventaram tudo isso de Yuri Yerkov: fizeram milhares de cópias de minha fotografia de arquivo e distribuíram-ias pela Europa, deslizando a informação de que o homem da foto era Yerkov. Deste modo, tinham certeza de que todos os

espiões do continente me procurariam... para matar-me sem me dar tempo de dizer uma só palavra. E, naturalmente, trataram de ocultar a informação de que eu tinha algo importante para vender...

— A CIA o soube. — Sim — sorriu o russo. — Eu informei o agente

polonês. Conheço-o faz tempo, sei que é um agente triplo que...

— Duplo, não triplo. — Triplo. Ele trabalha não só para a Polônia e os

Estados Unidos, mas também para a Rússia... — Nunca me agradaram os agentes duplos. E

muito menos os triplos. Mas continue, por favor. — Temo que você não esteja acreditando numa só

palavra, mas desejo explicar-lhe tudo. Bem... Certifiquei-me de que a informação chegava ao agente triplo e segui para Leningrado, onde realmente começaram minhas atribulações. Já lhe contei tudo isso. Por fim, soube que o MVD tinha realizado a grande jogada de fazer constar que Yerkov caíra em desgraça, que escapara da Rússia e que era o homem da foto abundantemente distribuída. Teria eu ganho alguma coisa apresentando-me, por exemplo, a Foreman — indicou-o — e dizendo-lhe que não era Yuri Yerkov? Não me teria deixado nem falar. Então, uma vez mais, pensei em você.

— Uma vez mais? — Sim. Meu objetivo, desde o primeiro momento. foi

escapar da Rússia. Não queria ser um assassino. Mas tinha certas dúvidas. Não seria razoável assassinar cumprindo ordens superiores? E então pensei em perguntar isso a Baby. Desde que comecei a ouvir falar de você. compreendi

que sua linha de conduta era a única que poderia ser aceita por mim. Não sou um espião pelo prazer de matar, mas porque penso que a espionagem pode ser um trabalho útil. Não acha você que o trabalho básico de um espião é evitar conflitos, em vez de provocá-los?

— Sem dúvida! — Então por que se surpreende que eu quisesse falar,

trocar impressões, pedir ajuda ao agente secreto que eu sempre desejei ter como modelo? Acaso a surpreende realmente que eu tenha recorrido a um adversário (não a um amigo) para pedir ajuda e conselho?

— Camarada, se não o entendo mal, você está me dizendo que antes de transformar-se em assassino preferiu falar comigo e pedir-me ajuda, porque os seus iam assassiná-lo.

— Sim. Por isso, quando disseram que eu era Yuri Yerkov, quase me alegrei, pois isto significava que me dariam muita importância. Tanta que você veio à Suécia. E estamos juntos. E você sabe que o MVD não descansará até assassinar-me... Entretanto, a única coisa que me preocupa é conhecer sua resposta: fiz bem ou fiz mal? Você vai me ajudar? Não quero ser um assassino: quero ser um agente seCreto que evita conflitos. Quero continuar trabalhando na esperança de que talvez, com um pouco de sorte, consiga até evitar uma guerra... Baby, quero continuar a ser espião, mas como você e eu o entendemos... Posso contar com sua ajuda?

Brigitte Montfort conseguiu sair de sua estupefação. — Tudo o que você disse é muito bonito... —

murmurou. — E se fosse verdade você contaria sempre com

minha ajuda. Não só com minha ajuda, mas com meu profundo afeto pessoal.

— Quer dizer que não acredita em mim? — Não... — suspirou ela. — Sinto muito, mas não. — Pois deveria acreditar — disse George Foreman,

parando o motor da lancha e virando-se, pistola na mão. — Deveria acreditar no camarada Estanislas. pois ele disse toda a verdade.

Baby e Barian ficaram olhando o gorducho agente inglês, que os contemplava com ar zombeteiro. A lancha seguia sua marcha, cada vez mais lentamente, deslizando em silêncio pelo mar calmo, entre ilhotes...

— Parece-me que a surpresa os deixou mudos — riu Foreman. — Ou será o medo? Gosto de ver o medo nos olhos daqueles que vou matar. Adoro... Por que tanto horror diante da morte? Para mim, é o mais excitante espetáculo do mundo, da vida... Não está de acordo. Baby?

— Não. É o mais triste, Yuri Yerkov. — Ah! Finalmente compreendeu, segundo parece. Sim:

eu sou o verdadeiro, o único Yuri Yerkov. E não me diga que já tinha começado a suspeitar algo parecido.

— Não... Não digo. Pela primeira vez, encontrei um espião melhor dissimulador que eu, mais astuto... Admiro-o por tudo isso, Yerkov: conseguiu enganar completamente Baby.

— Num confronto entre nós, as coisas só poderiam terminar assim. Dê-me esse envelope. E muito cuidado com as mãos. Isso... — ele guardou o envelope. E agora vamos gozar um pouco com a morte. Você, camarada Barian, eu atirarei ao mar depois de matá-lo. Para que queremos seu cadáver? Mas Baby, que vale quinze milhões de rublos, eu a

levarei para Leningrado... morta, naturalmente. Aos inimigos de sua categoria não se deve conceder a menor oportunidade.

— Não preciso dessa oportunidade, Yerkov: minha sorte me basta. Muitas vezes me pergunto por que tenho sempre tanta sorte. Suponho que a resposta definitiva só pode ser uma: eu a mereço. Pelo menos, mais que você.

— Acredita realmente que tem sorte? Inclusive agora? — Para ser sincera, justamente nesta ocasião foi que

mais sorte tive em toda a minha vida. — Parece-me que ficou louca. Ou pensa que não vou

disparar contra você... É isso? — Não tenho a menor dúvida de que o Agente Negro

está disposto a gozar uma vez mais com a morte. Mas não serei eu a quem você mate. E já não matará ninguém mais. Eu, sim, é que vou matar você.

O falso George Foreman olhou-a fixamente. Já não parecia um pobre-diabo metido a espião, mas um personagem torvo, sinistro, implacável. Súbito, adiantou mais a mão armada e apertou o gatilho.

Clic. Seu olhar, subitamente alarmado, baixou para a

automática. E tornou a apertar o gatilho. Clic. Clic, clic, clic... Ele estava lívido como um cadáver. Seus olhos, agora

arregalados, fitavam aqueles olhos tão azuis, que no momento pareciam de gelo.

Os róseos lábios moveram-se. A voz, foi como um som impessoal, neutro, distante:

— Eu lhe explicarei, Yerkov: depois de abatê-lo, quando se tornou tão importuno antes, tirei-lhe a pistola e avariei o pente: as balas não sobem, não podem ser detonadas. Pareceu-me que o devia fazer para evitar que você, num assomo de cólera, tentasse matar nosso colega Estanislas Barian. Não queria complicações até que tivéssemos os documentos. O envelope, por favor.

A pistolinha apareceu na mão de Baby. Yerkov passou a língua pelos lábios, deixou cair a sua e baixou a cabeça. Estanislas Barian contemplava-o atentamente, como se mal pudesse crer na realidade.

— Também posso tirar o envelope de seu cadáver — disse Brigitte, ante a imobilidade de Yerkov. — O sangue lava-se com água. E aqui ao nosso redor há muita.

Ele assentiu e levou a mão direita ao bolso onde guardara o envelope, dando dois passas para Baby... Súbito, lançou um grito feroz e lançou-se contra ela, esgrimindo o agudo estilete que deslizou por sua manga esquerda até a mão quando moveu o braço. Ela recuou, sobressaltada, ao mesmo tempo em que Barian se interpunha entre os dois, impedindo-a de atirar.

Com uma habilidade arrepiante, o assassino soviético esquivou o ataque do colega e, quase simultaneamente, cravou-lhe o estilete no peito. Barian lançou um grito e caiu sobre ele, que o empurrou com fúria, arrancou o estilete e virou-se para Baby...

Plop, estalou a pistolinha de coronha de madrepérola. Yuri Yerkov estremeceu. Ficou de pé, como subitamente

petrificado. Seus olhos viraram-se para cima, como querendo contemplar o pequeno orifício que aparecera no

meio de sua testa, e caiu de bruços no convés, grotescamente retorcido.

Brigitte precipitou-se para Estanislas Barian, virou-o, colocou-o praticamente no colo... Tirou-lhe a extravagante peruca e sentiu um nó na garganta quando os dele, vidrados, fixaram-se nos dela.

— O mar... — balbuciou o russo. — Atire-me no mar... — Cale-se, Estanislas. Não fale. — O mar... Não deixe que... que ponham a mão em

mim... — Você não vai morrer — mentiu ela. — Pedi ajuda

pelo rádio e nos levarão daqui. Não se aflija, Estanislas, tudo acabará bem.

— O mar... O mar... — Descanse. Não se mova... Logo veremos o sol da

meia-noite, depois iremos na avioneta. Já falta pouco, Estanislas.

Ele sorriu e não disse mais nada. Seus olhos estavam fixos nos mais belos do mundo, que agora expressavam uma doçura infinita. Gotas de suor umedeceram sua testa e Baby enxugou-as com a mão, ternamente.

Chegou o sol da meia-noite. Estanislas não o pôde ver pela última vez, Já estava

morto. Uma pequena âncora tinha sido amarrada a seus pés e Baby o estava passando por cima da borda. Ao mar... O corpo mergulhou para sempre naquela espécie de fogueira líquida, cintilante.

Depois Baby tirou o envelope do bolso de Yuri Yerkov, abriu-o e lançou um olhar rápido ao conteúdo, que finalmente guardou em sua maletinha. Num pedaço daquele mesmo envelope, escreveu:

Descansem em paz, espiões: YURI YERKOV esta morto. Com o estilete, cravou a nota no peito de Yerkov. Em

seguida, foi aos controles e pôs a lancha em marcha. Duas lágrimas vermelhas, refletindo o sol da meia-noite,

brilhavam no rosto da mais formidável espiã de todos os tempos.

CARTAZ EM EXCESSO

Charles murmurou: Pitzer passou a língua pelos lábios e — Não se preocupe: trataremos bem a todos os agentes

russos desta lista. Quer dizer, os que mereçam. Serão expulsos do país. Foi um bom trabalho... Um trabalho excelente, Brigitte.

— Não o será até que detenham e julguem esses traidores da Agência de Segurança Nacional. São os que importam.

— Estão acabados — asseverou Pitzer. — Sabe que a lancha enviada por você mar afora, com o cadáver de Yuri Yerkov, os franceses encontraram? A surpresa foi geral em toda a Europa, mas já sabiam que Baby estava na jogada e embora ninguém, exceto os russos, compreenda exatamente o que aconteceu, o assunto foi dado por encerrado. Querida, você tem um tremendo cartaz entre os espiões.

— Excessivo. E foi por isso que Estanislas Barian recorreu a mim. Se não o tivesse feito, poderia ainda estar vivo.

— Não concordo com você. Ele teria sido encontrado, não acreditariam numa só palavra do que dissesse e o fariam em pedaços. Afinal, teve até alguma sorte.

Brigitte Montfort dirigiu um olhar a Pitzer, mas este se deu conta de que ela realmente não o via. Estava muito bonita, como sempre... Como se nada tivesse acontecido.

— Sim, ele teve alguma sorte... Pelo menos. morreu ao sol da meia-noite. Embora deste não precisasse para ser bom...

A seguir: MEU CORAÇÃO CANTOU

O perigo muitas vezes enternece as almas sensíveis na fronteira da morte.

© 1970 – LOU CARRIGAN

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