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  • LGICA E DIALCTICA

  • MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    LGICA E DIALCTICA LGICA DIALCTICA

    DECADIALCTICA

    4.a EDIO

    ENCICLOPDIA DE CINCIAS FILOSFICAS E SOCIAIS

    II

    *

    L I V R A R I A E E D I T O R A

    LOGOS L T D A .

    Rua 15 de Novembro, 137 8. andar Telefone: 35-6080

    SO PAULO

  • l.a edio: setembro de 1952 2.a edio: julho de 1955 3.a edio: agosto de 1957 4.a edio: agosto de 1959

    TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

  • OBRAS DE MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    "Filosofia e Cosmoviso" 4.a ed. "Lgica e Dialctica" 4.a ed. "Psicologia" 4.a ed.111 "Teoria do Conhecimento" (Gnoseologia e Critriologia) 3.a ed. "Ontologia e Cosmologia" (As Cincias do Ser e do Cosmos) 4a ed. "O Homem que foi um Campo de Batalha" (Prlogo de "Vontade de

    Potncia", de Nietzsche") Esgotada. "Curso de Oratria e Retrica" 7.a ed. "O Homem que Nasceu Pstumo" 2.a ed. 2 vols. "Assim Falava Zaratustra" (Texto de Nietzsche, com anlise simblica) 3.a

    ed. Tcnica do Discurso Moderno" 3.a ed. "Se a Esfinge Falasse..." (Com o pseudnimo de Dan Ander-sen)

    Esgotada. "Realidade do Homem" (Com o pseudnimo de Dan Ander-sen)

    Esgotada. "Anlise Dialctica do Marxismo" Esgotada. "Curso de Integrao Pessoal" 3.a ed. "Tratado de Economia" (ed. mimeografada) Esgotada. "Aristteles e as Mutaes" (Reexposio analtico-didtica do texto

    aristotlico, acompanhada da crtica dos mais famosos comentaristas) 2.a ed. "Filosofia da Crise" 3.a ed. "Tratado de Simblica" 2a ed. "O Homem perante o Infinito" (Teologia). "Filosofia Concreta" 2 vols. 2.a ed. "Sociologia Fundamental e tica Fundamental" 2.a ed. "Prticas de Oratria" 2.a ed. "Assim Deus Falou aos Homens" 2.a ed. "A Casa das Paredes Geladas" 2.a ed. "O Um e o Mltiplo em Plato". "Pitgoras e o Tema do Nmero". "Filosofia Concreta dos Valores". "Escutai em Silncio". "A Verdade e o Smbolo". "A Arte e a Vida". "Vida no Argumento" 2.a ed. "Certas Subtilezas Humanas" 2.a ed. "A Luta dos Contrrios" 2.a ed. "Filosofia da Afirmao".

    No Prelo:

    "Enciclopdia do Saber" 8 vols. "Metodologia Dialctica" 2 vols.

  • A Sair. "Dicionrio de Filosofia e Cincias Afins" 5 vols. "Os Versos ureos de Pitgoras". "Tratado de Esttica". "Tratado de Esquematologia". "Teoria Geral das Tenses". "Filosofia e Histria da Cultura". "Tratado Decadialtico de Economia". "Temtica e Problemtica das Cincias Sociais". "As Trs Crticas de Kant". "Hegel e a Dialctica". "Dicionrio de Smbolos e Sinais". "Obras Completas de Plato" comentadas 12 vols. "Obras Completas de Aristteles" comentadas 10 vols.

    Tradues. "Vontade de Potncia" de Nietzsche. "Alm do Bel e do Mal" de Nietzsche. "Aurora" de Nietzsche. "Dirio ntimo" de Amiel. "Saudao ao Mundo" de Walt Whitman

  • N D I C E

    "LGICA FORMAL" TEMA I

    Artigo 1 A Lgica............................................................................. 15 Artigo 2 O pensar e o pensamento ............................................... 17 Artigo 3 Lgica e Psicologia ............................................................ 20 Artigo 4 Pensamento e pensar Princpios lgicos ____________ 22

    TEMA II Artigo 1 O Conceito ........................................................................ 26 Artigo 2 O Juzo ............................................................................. 33

    TEMA III Artigo 1 A definio ...................................................................... 38 Artigo 2 As significaes .................................................................. 43 Artigo 3 O raciocnio ....................................................................... 45

    TEMA IV Artigo 1 O silogismo ..................................................................... 48 Artigo 2 Regras prticas para o bom emprego da Lgica 56

    TEMA V Artigo 1 Conhecimento e conhecer A verdade ............................ 67 Artigo 2 Saber cientfico e mtodo ................................................... 69 Artigo 3 Lgica da Matemtica e das Cincias Naturais 71 Artigo 4 Cultura e Civilizao ......................................................... 80

    "DIALCTICA" TEMA I

    Artigo 1 Conceito de dialctica ....................................................... 87

    TEMA II Artigo 1 Histria da Dialctica Plato ......................................... 90 Artigo 2 Da Idade Mdia a Nicolau de Cusa ................................... 102 Artigo 3 Kant, Fichte e Schelling ................................................... 108

  • TEMA III Artigo 1 Hegel e a Dialctica .............................................. 110 Artigo 2 O papel da Lgica em Hegel ................................... 121 Artigo 3 Problemtica do conhecimento em Hegel ................. 130

    TEMA IV Artigo 1 Dialctica materialista e histrica ............................ 145 Artigo 2 Anlise do marxismo ........................................... 149

    TEMA V Artigo 1 Dialctica antinomista (trgica) ............................. 160

    "DECADIALCTICA" TEMA I

    Artigo 1 Anlise dos fenmenos aspecto antinmico. ...... 169 Artigo 2 Dialctica antinmica da quantidade e da qua lidade ...................................................................................... 177 Artigo 3 A reciprocidade Intensidade e extensidade .. 189

    TEMA II Artigo 1 Dialctica do conhecimento e da conscincia .. 202 Artigo 2 Conceitos na Lgica e na Dialctica ........................ 206

    Metodologia da Decadialctica

    TEMA III Artigo 1 Contradio na Decadialctica ............................ 215 Artigo 2 Novos aspectos da contradio ........................... 225 Artigo 3 Princpios intrnsecos e extrnsecos ........................ 230

    TEMA IV Artigo 1 O raciocnio decadialctico ..................................... 237 Artigo 2 Prtica da anlise decadialctica na Filosofia e

    na Histria .......................................................... 252 Artigo 3 Decadialctica da substncia em Aristteles .. 260 Artigo 4 Anlise decadialctica do tema do valor, na

    Economia .......................................................... 270

  • Uma das caractersticas da filosofia moderna , sem dvida, a nova colocao do problema lgico, sobretudo depois da crtica kantiana e das contribuies dialcticas de Hegel.

    Apesar de continuar ausente dos currculos oficiais, relegada ainda a plano secundrio, e sofrendo da frula pejorativa dos que a desconhecem ou que dela tm uma viso caricatural, no possvel, ante o embate dos temas sobre o valor das categorias lgicas, continuar desconhecendo a imensa contribuio da Dialctica, sobretudo depois que ela penetrou no campo da cincia.

    Neste livro, onde estudamos a Lgica Formal, a Dialctica Geral, e a nossa Decadialctica, obedecemos a certas normas sobre as quais desejamos desde logo chamar a ateno.

    Em primeiro lugar, no nos ocupamos pormenorizadamente da Lgica Formal, porque, neste sector, o que j se tem realizado definitivo. Pouco h a acrescentar aqui. esta a razo que nos levou a apenas abordar em linhas gerais os aspectos mais importantes.

    verdade que a lgica oferece hoje uma problemtica e uma temtica novas, em que os estudos da logstica e as contribuies de tantas correntes filosficas, como por exemplo a anlise fenomenologista, com Husserl frente, oferecem novas pos-sibilidades para, dentro ainda do campo formal, investir sobre novos veios inexplorados e efectuar algumas revelaes insus-peitadas. Trataremos desses temas nos volumes e "Temtica e problemtica filosficas", sob o ngulo decadialctico.

    Quanto dialctica, abordamos o aspecto geral, dentro das contribuies mais conhecidas. verdade que a temtica e a problemtica dialcticas crescem cada dia, pois, disciplina nova, em formao, tem sua frente inmeros aspectos, que exigem respostas s perguntas que constantemente se colocam.

    No decorrer deste livro, verificar o leitor que a Dialctica Geral, que abrange, em linhas amplas e globais, tema to impor-tante, est a exigir a contribuio de novas investigaes em outros campos, como os que decorrem da dialctica da intelectualidade nas suas polarizaes operatrias do racional, e as da intuio meramente intelectual. E como o nosso processo de raciocnio no pode prescindir da influncia dos esquemas da sensibilidade, esquemas do sensrio-motriz, e tambm da parte

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    somtica, que tanto influem em nossas perspectivas, e que a mo-derna psicologia est pondo em evidncia, h ainda reconhecer a inseparabilidade funcional da parte afectiva de nosso esprito, cujas razes tambm se afundam nessa parte somtica, e que, por sua vez, revela o funcionamento de todas as construes esquemticas simpathticas e antipathticas, gnese da simblica, que no podem ser desprezadas.

    Alm disso, todos os que se interessaram vivamente pelo estudo dialctico sentem a actualidade do pensamento hegeliano, de que a filosofia, em suas linhas gerais, no pode mais dele afastar-se, pois a perspectiva dialctica, por ser englobante, in-cludente, por conter em si os opostos, os diferentes, as distines, invade, por isso mesmo, o campo da filosofia e obriga construo de uma viso geral do mundo, uma verdadeira cosmo-viso, como implica a necessidade de reviso de todas as conquistas filosficas. Dessa maneira, a dialctica se torna filosofia, e a filosofia, pela sua influncia, torna-se dialctica.

    Ora, tais temas esto a exigir trabalhos especiais que coor-denem o que j se tem construdo, embora dispersamente, numa estructura dialctica. Neste volume interessamo-nos pelos aspectos gerais, incluindo uma metodologia que a torne prtica, sob o nome de decadialctica, construo por ns realizada, com o intuito de utilizar tudo quanto h de aproveitvel neste setor, para um manuseio mais hbil por parte dos estudiosos da matria.

    Contudo, os temas que se refiram dialctica notica, como dialctica pathica, dialctica simblica e dialctica tensio-nal global e sinttica, sero objecto de outros trabalhos. No entanto, como ver o leitor, a metodologia, que neste volume oferecemos, j suficiente para o empreendimento de amplas anlises, sem necessidade de desprezar a contribuio da lgica, sempre aproveitada, mas com o reconhecimento de seu papel, que, embora importante, parcial, e consequentemente deficiente na apreciao dos factos. A dialctica pretende ser o que apenas : uma lgica da existncia, uma lgica do devir, portanto uma lgica que maneja com as oposies dialcticamente consideradas, sem excluir a lgica formal.

    MRIO FERREIRA DOS SANTOS

  • LGICA FORMAL

  • TEMA I

    ARTIGO 1

    A LGICA

    Atingiu o homem a fase racional, quando seus pensamentos comearam a se processar com certa ordem, quando pde tirar concluses, quando pde dirigi-los, transformando-os num poderoso instrumento de trabalho. Dessas observaes, j nur ma fase superior, concluiu finalmente que a regularidade nos pensamentos lhe mostrava que uma ordem presidia aos mesmos, o que lhe permitiu construir uma cincia dos pensamentos, ao descobrir relaes, regras, constantes.

    A esse conjunto de regras que se chama lgica, ou seja, a cincia dos pensamentos enquanto pensamentos, prescindindo dos outros aspectos e dos outros elementos que se relacionam com eles, e que formam os objectos de outras cincias.

    O estudo da lgica de imprescindvel necessidade porque permite a melhor aplicao do pensamento, evitando erros comuns. O leitor est lendo e meditando sobre estas palavras e poderia pronunciar entre si esta frase: "eu estou lendo este livro". Se analisarmos os elementos que compem ou que condicionam esta frase, observaremos, em primeiro lugar, o leitor que pensa sobre este livro, em segundo lugar, o acto de pensar sobre a frase pronunciada, facto que ocorre na mente do leitor e, em terceiro lugar, o pensamento, a afirmao simples de que "eu estou lendo este livro".

    Ocorrem ainda percepo do leitor, que l o livro, o enunciado verbal da frase, e, finalmente, o objecto a que se refere o pensamento, pois todo pensamento pensamento de alguma coisa. Chamemos ao leitor de sujeito, e de objecto ao que referido pelo pensamento, e estamos em face do dualismo que essencial no campo la lgica.

    Assim: sujeito percepo ou pensamento objecto Os objectos so classificados de vrias maneiras pelos lgicos:

    temos objectos sensveis ou reais, que so os oferecidos

  • 16 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    pela experincia sensvel, quer pela percepo externa ou pela percepo interna. Os da percepo externa so denominados objectos fsicos; e os da percepo interna, objectos psquicos.

    Os objectos fsicos so os factos corpreos, que se do no tempo e no espao.

    Os objectos psquicos so factos da conscincia. Um desejo, uma representao existem apenas no tempo, no no espao, porque eles no ocupam lugar, embora estejam relacionados a um ser consciente que possui um corpo, como o homem, enquanto tal, o qual ocupa um lugar no espao, como nos revela o conceito de corpo.

    So objectos ideais aqueles que no tm um lugar no espao nem no tempo, como, por exemplo, os nmeros, as relaes, os conceitos, pois o de livro no tem uma dimenso nem uma idade. Assim, no se pode dizer que o conceito de livro tenha um metro ou menos de um metro, nem um ano ou dois de idade. Este modo de compreender os objectos ideais o mais comum na filosofia.

    Podemos conceituar a idia de livro, mas esse conceito sempre condicionado pelos livros que conhecemos ou que imaginamos. H nesse conceito reminiscncias de nossas experincias que ainda oferecem certas delimitaes, pois se no podemos ter a idia de cavalo ou a de livro, determinadas no tempo e no espao, essas idias no podem ultrapassar certas condies reais que conhecemos atravs dos exemplares que representam, em acto, isto , individualmente, tais objectos. Assim o conceito de cavalo no pode incluir algo que lhe seja uma contradio, como um cavalo que no seja quadrpede, etc.

    Classificam ainda os lgicos outras espcies de objectos, tais como os metafsicos e os valores. Os primeiros so conhecidos atravs da raciocnio, ou por intuio intelectual ou p-thica, como se ver em "Ontologia e Cosmologia". Quanto aos valores so "qualidades" de uma ordem especial, cujo estudo pertence Axiologia (Cincia dos valores), e so por ns estudados em "Filosofia Concreta dos Valores".

  • TEMA I

    ARTIGO 2

    O PENSAR E O PENSAMENTO

    O sujeito do pensar quem pensa, sujeito real, temporal. a mente humana que realiza o acto de pensar (pensar, medir, calcular). O acto de pensar , como acto, sempre novo. Assim penso no livro que est minha frente e cada vez que procedo este pensar, realizo um acto novo. Penso hoje no livro, penso amanh tambm. O acto de pensar outro, mas o pensamento livro o mesmo. Tal facto se d, porque o que conceituamos, ns ex-tramos, abs-tramos das coisas.

    Esse conceito permanece virtualizado em nossa mente, pois o conceito de livro no um livro, objecto real, mas o que ge-neralizamos do livro, um esquema abstracto. E chamaremos de livro a todo o objecto que, em acto, isto , como objecto, que suceda aqui e agora, corresponda quele livro ideal que vir-tualizamos. O conceito permanece em minha mente como algo virtual, que ainda no existencialmente em acto.

    O ser virtual (que os filsofos costumam chamar de ser--em-potncia, ou seja, um ser que ainda no , mas que pode, tem o poder, potncia, de vir a ser-em-acto) no ser no tempo nem no espao, pois no ocupa um lugar nem muda com o tempo.

    O livro, enquanto acto (este livro, aquele livro), "ocupa um lugar no tempo e no espao". Por isso, ao pensarmos uma, duas, trs vezes sobre o conceito livro, realizamos trs operaes mentais de pensar, quer dizer, pensamos trs vezes, mas o conceito livro sempre o mesmo em todas elas, porque o conceito o separamos do tempo e do espao, enquanto, ao pensar, somos tempo e espao, e o pensamento algo que repetimos, porque no tempo nem espao.

    Assim, quando pensamos trs vezes sobre o tringulo, rea-lizamos o acto de pensar trs vezes; no entanto, no temos trs tringulos, mas apenas um, porque o conceito de tringulo alguma coisa que separamos do tempo e do espao, pois este que

  • 18 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    est aqui pode ser maior ou menor em acto, apesar de, como conceito, no ter dimenso nem seus ngulos graus determinados, a no ser a soma de dois ngulos retos, o que matematicamente necessrio para a concepo de um tringulo.

    Todos, no entanto, sentimos isso quando dizemos: "eu tive o mesmo pensamento de voc", ou seja, quando um pensamento de outrem coincide com o nosso. Vemos, assim, que sentimos a realidade de um dos pontos mais importantes da lgica, que o da distinco entre pensar e pensamento. O primeiro objecto da Psicologia; e o segundo, da Lgica.

    * * *

    A todo pensamento corresponde um objecto ou situao objectiva, para o qual le tende, dirige-se, por isso se diz que o pensamento intencional.

    Intencional, por ter inteno (de intendere). Esta expresso se deve escolstica, mas actualmente voltou a ser usada no sentido de aplicao do esprito a um objecto de conhecimento, o acto que tende para o objecto e, tambm, como contedo, o prprio objecto, ao qual o esprito se aplica. Todo pensamento um aplicar-se a um objecto, , portanto, intencional, pois todo pensamento pensamento de alguma coisa.

    A lgica estuda os pensamentos como pensamentos, e quando ela os esvazia dos seus contedos, e quando os estuda como generalidades, e observa-os como formas, chama-se Lgica formal.

    A observao nos mostra que toda e qualquer cincia tem a sua lgica. A lgica geral, formal, procura sintetiz-las numa base universal, geral. Vamos a exemplos esclarecedores. Se considerarmos o conceito Homem, verificaremos que, na Antropologia, na Fisiologia, na Anatomia, le tem um contedo, tem particularidades diferentes de Homem, quando usado na Filosofia ou na Sociologia. Cada cincia d aos conceitos caracteres que lhe so peculiares. A lgica formal estuda os pensamentos, conceitos, etc, como formas, (como "formas", poderamos dizer, isto , esvaziadas de seus contedos) e os estuda independentemente de suas peculiaridades. Por isso se chama Lgica Formal.

    a Lgica a cincia dos pensamentos, e a lgica formal, dos pensamentos como formas, quer dizer, apenas como pensamentos, esvaziados de seu contedo fctico.

  • L G I C A E D I A L C T I C A 19

    Discutem, tanto os lgicos como os filsofos, se a lgica uma cincia terica ou uma cincia normativa ou apenas uma arte ou tcnica. Naturalmente, no vamos reproduzir aqui essas longas discusses, mas poderamos dizer que todos tm o seu fundo de razo, porque ela pode ser encarada, empregada e estudada por qualquer um desses aspectos.

    uma cincia terica, quando especula sobre os elementos que formam o seu arcabouo; normativa, quando oferece regras pelas quais podemos aquilatar se um pensamento est certo ou errado. Assim ela atende a todos esses aspectos, o que no impede que os desejosos de se embrenhar apenas na lgica terica o faam, enquanto outros estudam apenas a sua aplicao normativa. O grande surto que toma actualmente a logstica, a lgica matemtica, e as diversas formulaes dialcticas, vem comprovar as grandes possibilidades de torn-la eminentemente prtica e til, sem negar o esforo daqueles que pretendem estud-la apenas como cincia terica.

  • TEMA I

    ARTIGO 3

    LGICA E PSICOLOGIA

    muito frequente encontrar-se, entre os lgicos, inclusive filsofos do sculo passado e deste, a preocupao de reduzir a lgica psicologia, isto , de considerar os pensamentos como meros dados psquicos. A esta tendncia se chama psicologismo assim como se chama biologismo tendncia a reduzir os fen-menos psquicos biologia, e materialismo, que tende a reduzir o biolgico totalmente matria. O psicologismo lgico defende a opinio de que a lgica se apoia na psicologia, ou desta dependente.

    Os lgicos, que no aceitam esta opinio, argumentam da seguinte forma: os objectos lgicos no so objectos empricos, mas ideais, como j tivemos oportunidade de ver.

    Em segundo lugar, as leis da lgica so leis universais, construdas a priori, e no generalizaes inductivas, ou seja, construdas da observao dos factos particulares para atingir o geral. Assim, as leis inductivas so generalizaes que tm um alto grau de probabilidade, mas nunca podem ser afirmadas como absolutamente certas, enquanto as leis da lgica oferecem uma evidncia que nada pode destruir. As leis inductivas so formuladas a posteriori, quer dizer, aps a observao dos factos particulares para chegar a uma generalizao. Fundam--se, portanto, na temporalidade, pois so leis de um acontecer no tempo, enquanto as leis da lgica, como as da matemtica, no dependem do tempo.

    As razes, como se vem, so ponderveis, mas, por outro lado, devemos tambm considerar as que so oferecidas pelos que defendem a reduo da lgica psicologia. Estes, por exemplo, afirmam que os dados lgicos so perfeitamente explicveis pela psicologia, e se nos parecem processar-se fora do tempo, apenas resultado de uma abstraco que leva a co-

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    locar os pensamentos fora do tempo. Actualmente, esta uma tendncia acentuada dos lgicos modernos.

    Histria da Lgica Cabe aos gregos terem tornado a lgica uma cincia autnoma, e entre eles a Aristteles que, em seu Organon, estudou-a, apresentando importantes investigaes. Aristteles, porm, nunca considerou a lgica apenas formal, como um estudo dos pensamentos como pensamentos, mas sim como uma espcie de introduo metodolgica para a filosofia.

    Na Idade Mdia, foi continuada a obra de Aristteles, embora esporadicamente se levantassem vozes contra tal orientao, propugnando se seguisse um sentido mais prtico e experimental. Somente na chamada Idade Moderna, com Galileu (1564-1642) e Bacon (1561-1626), que a lgica emprega mtodos consistentes na combinao da experincia e da matemtica, como j propusera Leonardo da Vinci. Bacon vai considerar a lgica como doutrina do saber de experincia, e dos factos, para chegar s leis naturais, e robustece o mtodo inductivo, o qual le demoradamente estuda. John Stuart Mil (1806-1873) prossegue na obra de Bacon, e acrescenta algumas novas regras s expostas por aquele. Estes dois aspectos da lgica, o terico e o prtico, so debatidos desde ento at os dias de hoie.

  • TEMA I

    ARTIGO 4

    PENSAMENTO E PENSAR PRINCPIOS LGICOS

    Sobre o pensamento, desejamos ainda tecer algumas con-sideraes que julgamos de suma importncia para a compreenso futura da lgica e das disputas que se travam entre o psi-cologismo e o formalismo lgico. Filosoficamente, o pensamento considerado em duas acepes: em sentido extenso e em sentido restrito.

    No primeiro sentido (extenso), o pensamento envolve todos os fenmenos do esprito. Assim, pensamento tudo o que tem em si um carcter de racionalidade e de inteligibilidade, mesmo sem uma conscincia actual. Alguns afirmam que a natureza, e at o ser em sua totalidade, um pensamento. Procuremos exemplificar: em cada facto, no acontecer universal, no objecto, no acto psquico, seja no que fr, j esto todos os seus pensamentos possveis. Em face de um acontecimento qualquer podemos apreender pensamentos diversos ou iguais, como j vimos. O pensamento, desta forma, no um produto da nossa mente. Esta apenas apreende, capta o pensamento. Desta forma tudo pensamento, tudo , em suma, lgica: da a tendncia chamada de panlogismo (pan, palavra grega, que significa tudo) . este um dos argumentos que fundamentam a lgica terica contra o psicologismo. Sendo assim, nossa mente tem apenas o papel de receptora, de apreendedora, de captadora, no produzindo, nem elaborando (e-laborando, fazendo) o pensamento, mas apenas apanhando-o. O pensamento, deste modo, est em toda a realidade.

    Em sentido restricto, para alguns, pensamentos so todos os fenmenos cognitivos (por oposio aos sentimentos e s volies, que estudaremos na "Psicologia"). Desta forma, pensamento sinnimo de inteligncia, no sentido de conjunto de todas as funes que tm por objecto o conhecimento, no sentido de sensao, associao, memria, imaginao, entendimento, razo, conscincia.

  • L G I C A E D I A L C T I C A 23

    Mais restritamente, entende-se o pensamento apenas como sinnimo de inteligncia, mas somente no que respeita ao en-tendimento e razo, enquanto permite compreender o que constitui a matria do conhecimento, sem se confundir com a percepo, a memria e a imaginao.

    Assim, o pensamento, em sentido extenso, se distingue do acto psquico (acto de pensar), pois este acontece sempre de novo em cada pessoa, enquanto aquele pode ser apreendido por diversas pessoas, sem deixar de ser sempre o mesmo pen-semento.

    Entretanto, poderamos acrescentar que, sem as funes psicolgicas, seria impossvel a operao de captao do pen-samento. Este argumento ser importante, sobretudo quando estudarmos o seu aspecto virtual, isto , o pensamento, no como acto, mas como virtuaiizao da experincia, depois de retirados todos os aspectos fcticos, quando abstraco pura.

    Essa operao de abstraco possvel e repetvel em todos, embora o produto seja o mesmo (1).

    Em todo pensar h a apreenso de um pensamento; o pensar pensa um pensamento.

    H, no acto de pensar, uma unidade entre o pensar e o pensamento, sem que, no entanto, haja reduo, sem que um se confunda no outro, como salientam os lgicos.

    O pensar um acto temporal, emprico, psquico, enquanto o pensamento intemporal.

    As leis do pensar so estudadas na Psicologia, enquanto as do pensamento so estudadas na Lgica. importante salientar essa distino entre o pensar e o pensamento, porque, na dialctica, teremos ocasio de analisar este aspecto do nosso entendimento. Assim o funcionamento do acto de pensar cabe Psicologia estud-lo e analis-lo.

    Quanto ao pensamento, a Lgica, que a sua cincia, estu-da-o e estabelece suas leis. No entanto, a Psicologia no inseparvel da Lgica, porque, em face do pensar, quando pensa pensamentos, ela estuda a ordem e a legalidade (carcter do que governado por leis) que os rege, e estabelece as suas conexes.

    H, na Filosofia, uma disciplina, cincia do "ser enquanto ser", que a Ontologia. Nesse sentido tradicional, a Ontologia a cincia que trata do ser enquanto ser, ou seja, do ser que

    (1) Para melhor inteligncia deste ponto, convm ler-se "Filosofia e Cosmoviso", de nossa autoria.

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    constitui tudo quanto existe, do ser que determina todos os seres. H outras maneiras de conceb-las que no convm, por ora, tratar. Nessa disciplina, estudam-se os "princpios ontolgicos", que valem para todos os objectos, aos quais todos os outros se submetem e, portanto, tambm os lgicos. So eles os seguintes:

    1) Todo objecto idntico a si mesmo Esta a enun ciao do chamado princpio ontolgico de identidade.

    Este princpio fundamental da Ontologia clssica o tambm para a Lgica Formal. Por ora, cabe-nos apenas apresent-lo como um verdadeiro fundamento axiomtico da Ontologia e tambm, consequentemente, da Lgica Formal. Assim, pode ser enunciado exemplificativamente: este livro este livro; esta mesa esta mesa.

    Para a Ontologia tradicional e para a Lgica Formal, este livro, formalmente, s pode ser le mesmo; idntico a si mesmo. Deste princpio fundamental decorrem outras consequncias, que so dadas, em geral, como princpios ontolgicos e, portanto, tambm lgicos:

    2) Nenhum objecto pode ser ao mesmo tempo le e no le. Princpio ontolgico de no-contradio. Enuncia-se dizendo que A no pode ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto No-A.

    3) Todo objeto tem que ser A ou no A. Isto : Este objecto livro ou no livro. Princpio ontolgico de terceiro excludo, pois exclui um

    intermedirio entre ser e no-ser. O princpio ontolgico de identidade, torna-se, na lgica, o

    "princpio lgico de identidade". verdadeiro quando afirmamos que este livro idntico a este livro, ou seja A A.

    As aplicaes deste princpio, na Lgica, exigem uma ex-planao mais pormenorizada e so estudadas na parte que trata do juzo, com aplicaes prticas e a respectiva sistematizao.

    O princpio lgico de no-contradio: Este princpio decorre do primeiro. Pois se afirmamos: "o que ,

    ; o que no , no ", ou seja "este livro um livro", e ao mesmo tempo "este livro no um livro", um contradiz ao outro, pois, no primeiro, afirmamos que o livro era livro e depois o contrrio, e desta forma negamos a verdade do primeiro princpio.

  • L G I C A E D I A L C T I C A 25

    E como aceitamos que o contrrio do verdadeiro necessa-riamente falso, no podemos simultaneamente afirmar que algo " e no ". O "contrrio do verdadeiro falso" o enunciado deste segundo princpio, tambm apresentado pela frmula: "Nenhum objecto pode ser ao mesmo tempo le mesmo, e no ser le mesmo".

    O princpio do terceiro excludo. Ora, se pelo princpio de no-contradio, segundo a lgica

    formal, conclumos que dois enunciados contraditrios no podem ser ambos verdadeiros, pelo princpio do terceiro excludo conclui-se que se um verdadeiro o outro necessariamente falso, embora tal princpio no decida qual o verdadeiro e qual o falso.

    Assim, se dizemos: "Todo homem mortal" e "algum homem no mortal", um verdadeiro, e outro falso; uma terceira posio excluda, isto , no se pode admitir, que o homem seja mortal e seja no-mortal, quando mortal.

    Por isso chamado de princpio do terceiro excludo, porque exclui uma terceira positividade entre aquelas.

    Este mesmo princpio leva a compreender que, quando dois enunciados se contradizem, no podem tambm ser falsos.

    Se reconhecermos a falsidade de um, podemos afirmar que verdadeiro o outro, e vice-versa. Se um dos juzos verdadeiro, o outro necessariamente falso; uma terceira posio est excluda.

    Princpio da Razo suficiente. Este princpio tambm considerado como um dos princpios

    lgicos. Poderia ser exposto assim: um enunciado verdadeiro ou falso; se pretende ser le verdadeiro, necessita uma razo que o fundamente, que o apoie. Chama-se a essa razo de "suficiente" quando, por si, bastante pera servir-lhe de completo apoio.

    uma razo suficiente, quando no falta mais nada para que o enunciado seja verdadeiro.

    Outro princpio tambm considerado entre os lgicos o Princpio do silogismo, que se pode enunciar assim:

    "Se a implica b e se b implica c, a implica c". A implicao (implicncia), no sentido lgico-formal, uma

    relao que afirma que um enunciado resulta necessariamente de outro.

    Assim a "idia de mamfero implica a de vertebrado", "a lei da gravitao implica a da queda dos corpos".

  • TEMA II

    ARTIGO 1

    O CONCEITO

    Para a Lgica Formal, o conceito um objecto ideal, intemporal, forma do pensamento: em suma, objecto da Lgica. O conceito, como operao psquica, quer na sua gnese, quer na sua aco, pertence Psicologia estudar.

    de salientar que, enquanto o conceito para a Lgica Formal se apresenta com uma estructura universal, isolada do tempo e do espao, alheio e libertado das contingncias individuais, a operao psicolgica varia de um indivduo para outro, e no prprio indivduo, segundo as variaes que ele conhece no decurso da vida.

    Essa distinco importante, e se torna clara se verificarmos bem a diferena entre actos e contedos, no conceito. Os actos so funes da conscincia, processos psquicos, reais, efetivos, temporais. Ante eles se destacam os contedos, que so independentes da conscincia, ideais, intemporais e autnomos.

    A Lgica estuda esses contedos, enquanto a Psicologia se detm no estudo dos actos. Mas como ambos esto correlacionados, como ambos se condicionam, a Psicologia no pode prescindir dos contedos para maior segurana do seu estudo.

    Esse aspecto dualstico antinmico do conceito, que surge ante a Psicologia e a Lgica, explica a razo por que, ao pronunciarmos o enunciado verbal de um conceito, por exemplo livro, h, entre as pessoas que o ouvem, algo que se processa nelas que igual em todas: a significao, o conceito. No entanto, muitos outros elementos distintos, uma srie de processos psquicos acompanham o esforo da compreenso que cada um realiza. Num mesmo indivduo se processa desde a suspeita do contedo do conceito at a sua plena compreenso.

    o conceito o elemento sobre o qual se apoia a lgica. E a estructura lgica fundamental o juzo, o qual passaremos a estudar.

  • L G I C A E D I A L C T I C A 27

    Juzo, no sentido mais geral, o acto de colocar a existncia de uma relao determinada entre dois ou mais termos. Ou como diziam os escolsticos: o acto intelectual com que negamos ou afirmamos uma coisa de outra, ou em que atribumos um predicado a um sujeito, por ex.: O livro verde. Eu atribuo ao livro a qualidade verde. Livro o sujeito do juzo: verde o predicado. Quanto ao elemento "", que o elemento relacionante, denominamos "cpula". O juzo pode ter um sujeito mltiplo e tambm um predicado mltiplo. Por ex.: "Este livro e aqueles so verdes e grandes".

    * * *

    O conceito segue um caminho de abstraco constante a ponto de, no sentido lgico-formal, despojar-se j daquelas notas caractersticas do objecto, cuja repetio permitiu ao esprito construir a denominao comum de conceito.

    Se dermos o exemplo do conceito casa, verificaremos que le j no reproduz as notas essenciais do objecto a que corresponde.

    Para o lgico formal, o conceito casa distincto do objecto casa. No difcil compreender-se a razo. Se perguntarmos a uma criana o que uma casa, ela logo ter imagens diversas das casas que conhece ou conheceu. E se procurar definir, dir logo "ora, onde a gente vive". Finalmente, aps mostrar-se que a gente vive tambm em outros lugares, que no so casas, a criana dir que so lugares cobertos, onde temos a possibilidade de habitar.

    Enfim, ela chegar a dar um contedo delimitado ao conceito casa. Mas este conceito, embora se refira a um objecto, porque todo conceito se refere a objectos, no desenvolvimento culto da humanidade, vai tomando cada vez mais uma significao prpria, formal. O conceito se destaca do prprio objecto numa abstraco constante, a ponto de, quando falamos em cosa, ou pensamos em casa, o seu contedo jctico ir sendo substitudo por um contedo eitico, cada vez mais esfumado, separado, abstrado das imagens que se associam ao contedo material do conceito, para formar um ente lgico. A necessidade de simplificao, que tem o homem culto nas suas relaes com os seus semelhantes, a leitura continuada, quase doentia e viciosa, a palavra constante que ouve, a meditao e o pensamento vrio que lhe sugere uma vida em constante mo-

  • 28 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    vimento, tudo isso no poderia permitir que, a cada conceito, o contedo material lhe estivesse ligado. Lemos pginas e pginas de livros, vivendo as palavras sem que, para cada uma, quando representam conceitos, tenhamos que associar imagens mais ou menos precisas. Do contrrio, no poderamos acompanhar o ritmo veloz de nossa existncia. Eis aqui a razo por que o conceito se torna um ente lgico, despojado cada vez mais de seu contedo material, e quando lgicos modernos julgam haver descoberto o verdadeiro carcter do conceito, esto apenas verificando o que prprio do nosso grau de cultura e de civilizao, em contraste, porm, com outras eras pr-cultas, porque, at para a lgica, h um condicionamento histrico (1).

    o que nos leva tambm a fazer a distinco entre o conceito e a imagem. Diz-se, por exemplo, que o conceito uma imagem atenuada, mais indecisa. Ora, a imagem sempre individual e concreta, composta de dados sensveis. A imagem que tenho de um livro deste ou daquele livro, guardando as aparncias e o tamanho de um livro.

    Mas o conceito geral, e o conceito livro, com o qual eu penso sobre o livro de qualquer espcie ou dimenso, nada tem de singular. Entretanto, desde que eu no queira memorizar apenas a imagem de um determinado livro, em toda a imagem que se pe ante a minha memria, que eu "visualizo", verifico que nela penetram outras, que ela se confunde com outras de objectos semelhantes, ou substituda pela imagem de outro objecto.

    Assim, quando quero visualizar a de livro, posso ter presente a imagem deste livro, mas penetra nela a imagem de outros, ou uma substituda pela imagem de outro livro.

    natural que o lgico de gabinete, afeito ao trabalho constante com conceitos isolados e despojados de todo contedo material, queira dar ao que le chama inteleco pura ou intuio eidtica o mximo valor.

    o que sucede tambm quanto a esses conceitos individuais, singulares. Digamos, por exemplo, "Napoleo Bonaparte". Napoleo Bonaparte foi um s e no se repetir como singularidade na histria. No entanto, usamo-lo como um conceito. Mas quem poderia negar que temos de Napoleo ----------------------

    (1) Tal afirmativa no invalida o valor ontolgico do conceito. Mas aqui j beiramos a esfera da "Ontologia", e l que estudaremos a validez dessa afirmativa.

  • L G I C A E D I A L C T I C A 29

    Bonaparte um certo nmeros de notas que o individualizam, que formam uma espcie de imagem confusa do que conhecemos dele atravs do que lemos, do que vimos? Podeiros usar o conceito Napoleo Bonaparte como um ente puramente lgico, despojado do seu contedo material, quando lemos ou quando falamos ou pensamos. Mas tal indica apenas a capacidade de nosso esprito abstraco crescente, abstraco que vem da percepo simples, atravs da imagem memorizada, at o con-ceito com o contedo material e deste ao conceito da inteleco pura e da intuio eidtica, de que tanto falam os lgicos modernos.

    O contedo objectivo de um conceito o conjunto dessas referncias mentais, dessas notas do objecto. O conceito, porm, no se atm a todas as notas conhecidas de um objecto. H uma seleo de notas; essa seleo vamos encontr-la em todo o fenmeno vital, o que levou Bergson a dizer estas palavras: "... todo ser vivo, talvez at todo rgo, todo tecido de um corpo vivo... sabe colhr no meio em que est, nas substncias ou nos objectos mais diversos, as partes ou os elementos que podero satisfazer tal ou qual de suas necessidades; le negligencia o resto. Portanto, isola o carcter que lhe interessa, vai diretamente a uma propriedade comum. Em outras palavras, le classifica, e, por conseguinte, abstrai..." (La Pense et le Mouvant, pg. 66).

    Essa seleo se processa pelo negligenciar de certas notas e pelo acolhimento que d a outras. O conceito, portanto, recorta do objecto o que lhe interessa, e a isso se atm. Essa poro o que se chama objecto formal.

    Vemos que o objecto est ligado sempre ao conceito. Alguns exemplificam em contrrio, citando certos conceitos de fico, como por exemplo os de mitos (o centauro) ou personagens de fico como "Madame Bovary". H, entretanto, uma objectividade nesses conceitos, pois ou eles esto e se movem nas pginas da literatura ou so criaes do esprito, que tm contornos objectivos, sempre extrados da experincia humana. O conceito individual tambm nos leva a fazer ou a tecer uma opinio que julgamos merecer exame. O conceito individual no a mesma coisa que a conceituao, como expusemos em "Filosofia e Cosmoviso". O longo exerccio da conceituao que nos permitiu conceitussemos, posteriormente, at o individual. Como j tivemos oportunidade de dizer, chamaremos de conceitos a denominao comum que

  • 30 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    damos a uma srie de factos semelhantes que nos parecem idnticos. No incio, todo conceito uma denominao de algo geral.

    Quando, porm, falamos em conceitos como os de Napoleo Bonaparte, Amrica, Sol e outros, preciso observar que esse trabalho de conceituao, de abstraco das notas individuais, para se tornar num ente lgico, s se forma posteriormente no homem, quando o trabalho abstractivo do conceito j teve um longo exerccio. Independentemente do nmero restrito dos tericos da lgica, h a grande quantidade de sres humanos que no conceituam to facilmente o individual, o que prova que certa maestria numa funo no suficiente para justificar saltos to grandes. Em outras palavras: o lgico no pode concluir que h conceito do individual. O conceito geral. A conceituao que se faz do individual baseada na vivncia universal ou nas notas diversas, semelhantes umas e diferentes outras, que se formam de uma determinada singu-laridade.

    Vamos exemplificar: Amrica. Apesar de se referir a um continente, que nico no nosso mundo, individual portanto, encerra nessa simples palavra possibilidades imensas: Amrica tambm o continente novo, a terra de grandes esperanas, a sua histria, seus habitantes primitivos, suas funes no acontecer histrico do homem, habitat e lugar onde vivem populaes diversas de muitas partes do mundo. Amrica assim, um conjunto de notas que permite uma conceituao. Vejamos outro exemplo: "Napoleo Bonaparte": le no apenas o homem, o poltico; o militar, o revolucionrio, o cnsul, o imperador, o Napoleo de rcole, o Napoleo da campanha da Rssia, o Napoleo de Santa Helena, etc, em suma, uma colectividade de notas, que oferece perspectivas diversas aos que pensam nle. Quanto ao conceito Napoleo Bonaparte, a denominao comum a essa srie de factos ligados a uma individualidade que lhe d uma denominao comum. Assim o conceito Scrates, assim Plato, etc.

    * * *

    Na classificao dos conceitos, daremos aqui apenas os mais gerais: conceito especfico denomina-se ao que corresponde a uma espcie; conceito genrico, ao que corresponde a um gene-

  • L G I C A E D I A L C T I C A 31

    ro; conceito geral (tambm universal), indica os conceitos es-pecficos ou genricos, como "cr", "animal", etc.

    Conceitos concretos e abstractos. Os primeiros referem-se a objectos que so intuitivamente representveis, como "casa", "livro"; abstractos aos que no o so, como "paixo", etc.

    Conceitos colectivos so os que expressam um conjunto homogneo e unitrio de objectos, como "multido, "massa", etc.

    * * Contedo, extenso e compreenso dos conceitos Todo

    conceito tem um contedo, e este dado pelo facto de se referir a um objecto, e composto das referncias que le expe. O contedo do conceito a sua compreenso; so as notas seleccionadas do objecto.

    A extenso a generalidade, o nmero dos objectos apanhados pelo conceito. Quanto maior a generalidade, maior a extenso do conceito, e menor a sua compreenso, que o nmero das qualidades que le compreende. Por exemplo: o conceito animal tem maior extenso que homem, porque tem maior generalidade, inclui todos os seres animais, classificados pela zoologia, inclusive o homem. Mas as notas que seleccionamos desse conceito de nmero menor que as do conceito homem, que, contudo, tem uma extenso menor, mas uma compreenso maior, pois quando consideramos animal, como generalidade zoolgica, j retiramos a nota racional, que pertence ao homem. Para formarmos o conceito animal, o nmero de notas menor; isto , menor o nmero daquelas notas que podemos assinalar.

    Assim aumentando-se o contedo, diminui-se a extenso. Por exemplo: "homem branco" um conceito de extenso menor do que "homem", mas de compreenso, de contedo maior.

    O contedo pode aumentar ou diminuir. Poderamos acrescentar notas antes ignoradas ou desprezar outras at ento aceitas, que so virtualizadas, como no existentes.

    A extenso pode ser considerada em sentido emprico, quando depende de todos os objectos que caem sob o conceito; em sentido lgico, quando deixa de lado a individualidade concreta, os indivduos empricos, que surgem ou desaparecem, para ater-se apenas aos objectos lgicos.

    Os conceitos singulares no tm extenso, como Napoleo Bonaparte. o contedo que dirige a extenso. Quanto mais

  • 32 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    geral o conceito, menor o contedo e maior a extenso, como j vimos.

    Os conceitos se relacionam uns com os outros. Por isso h uma subordinao de uns a outros. Neste caso, o conceito subordinado tem todas as referncias constitutivas do subor-dinante, e mais algumas que lhe so prprias. O contedo actual do subordinante menor que o do subordinado. Polgono subordinante de tringulo, mas este, alm das notas de polgono, tem a de ter trs lados.

    Relao da coordenao a existente entre dois ou diversos conceitos que se encontram na mesma ordem, numa mesma classificao; tais so, em particular, numa classificao pela ordem da generalidade, duas espcies de um mesmo gnero.

    Conceitos dependentes so aqueles cujos objectos tm entre si dependncia. Ex.: pai e filho; causa e efeito. So chamados tambm de correlativos.

    Conceitos disjuntivos so os que caem sobre um mesmo conceito superior, mas no tm entre si nenhum sector de sua prpria extenso em comum. Os conceitos coordenados so tambm disjuntivos; por exemplo: as espcies de um gnero.

    Conceitos contraditrios: os que negam o contedo um do outro. Por ex.: Branco e no-branco.

    Conceitos antagnicos: aqueles, cuja oposio polar, por ex.: Bem e Mal.

    Estas so as classificaes mais comuns que encontramos na Lgica Formal.

    * * Quando um conceito carece de significaes, diz-se que sem-

    sentido. Por exemplo: chapu mas satisfeito. O Contra-sentido se d quando pensamos, num conceito, notas

    que se excluem. Pode ser lgico ou ontolgico o contra--sentido. Lgico: por ex.: um quadrado redondo. A contradio

    transparece do prprio conceito; Ontolgico: quando se verifica a incompatibilidade pelo prprio

    objecto. Por ex.: "um centmetro de amor". Embora no contradiga as leis da lgica, contradiz as do objecto, pois, como afecto, no tem extensidade.

    Conceitos funcionais so aqueles cujo desempenho consiste em relacionar conceitos. Por exemplo: O livro e a mesa esto na sala. E, esto e no so conceitos funcionais, porque relacionam os conceitos mesa e livro.

  • TEMA II

    ARTIGO 2

    O JUZO

    O estudo do juzo, do ponto de vista psicolgico, cabe Psicologia, onde examinada a operao de julgar e quais os factores que nela influem, alm das suas modalidades. Aqui nos interessamos apenas pelo seu aspecto lgico, isto , como objecto ideal.

    Podemos aproveitar uma definio clssica que diz: O juzo o acto intelectual, pelo qual negamos ou afirmamos uma coisa de outra. Quando afirmamos, o juzo afirmativo; quando negamos, negativo. Por exemplo: "A terra redonda", eis o primeiro caso; "a terra no tem luz prpria", eis o segundo.

    O juzo expressado por meio de palavra, e se chama, tambm, proposio.

    Assim, um juzo o acto interno pelo qual afirmo que a Terra redonda; as palavras que emprego para essa afirmao formam a proposio. Podemos agora distinguir o conceito do juzo: o conceito de ndole presentativa, enquanto o juzo enunciativo.

    O raciocnio uma ordenao de juzos, uma operao discursiva, pela qual se mostra que uma ou diversas proposies (chamadas premissas) implicam uma outra proposio (concluso), ou que ao menos tornam esta verossimilhante. O juzo no apenas uma conexo de conceitos, pois le um acto de pensar que se pode dizer verdadeiro ou falso. Pois, nele, essencial a tomada de posio, a asseverao (positiva ou negativa). Quando digo: "nem esta nem aquela mesa", fao conexes de conceitos, mas no elaboro um juzo, pois nada asseverei.

    * *

    H em todo juzo a relao de uma coisa com outra; a que se afirma ou nega, com aquela da qual se afirma ou se

  • 34 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    nega. o conceito-sujeito, o objecto sobre o qual cai a enunciao, a asseverao afirmativa ou negativa. E se chama con-ceito-predicado, ou atributo, o que asseverado, negativa ou afirmativamente, a esse conceito-sujeito. Sem essa asseverao, no h um juzo, pois, como j vimos, o juzo no apenas uma conexo de conceitos.

    Um terceiro elemento entra no juzo, que a expresso da relao entre o conceito-predicado e o conceito-sujeito, que a cpula, que tem a funo de atribuir o predicado ao sujeito, isto , de realizar a asseverao. Comumente usado o verbo ser, como cpula, ex.: O amor um sentimento. Amor o sujeito; sentimento, o predicado ou atributo; , a cpula.

    Nas proposies em que no se encontra o verbo ser expresso, le subentendido.

    * * *

    Segundo os objectos, os juzos podem ser classificados: Juzos reais ou empricos (tambm chamados juzos de

    existncia) so aqueles que versam sobre factos empricos, cujo ponto de partida sempre uma experincia sensvel. Ex.: Este livro verde.

    Juzos de idealidade ou ideais so aqueles cujo objecto e predicao so ideais. Exs.: "A parte menor que o todo", etc. "7 mais 3 igual a 10", "duas coisas iguais a uma terceira so iguais entre si".

    Juzos metafsicos: os que versam sobre objectos metafsicos. Por exemplo: "o ser do homem a racionalidade".

    Juzos puros de valor: os que enunciam alguma coisa sobre os valores ou suas relaes: "O valor moral vale mais que o valor utilitrio".

    * *

    Chamam-se juzos determinativos os que enunciam a essncia do conceito-sujeito e respondem pergunta que isto? Por exemplo: O leo um animal.

    Juzos atributivos: os que respondem pergunta como isso? Por exemplo: este livro vermelho.

    Juzos do ser: aqueles cujo predicado enuncia a categoria objectiva a que pertence o conceito-sujeito, por exemplo: Este livro um artefacto de papel.

  • L G I C A E D I A L C T I C A 35

    A predicao pode ser: a) de comparao, quando se compara o conceito-sujeito com

    outro, por exemplo: A Frana maior que a Blgica; b) de propriedade, quando se afirma ou se nega uma relao

    de propriedade entre o conceito-sujeito e outros, por exemplo: Este livro meu;

    c) de dependncia quando se afirma que o conceito-sujeito depende de qualquer maneira de outro, por exemplo: "As grandes chuvas determinam o desbordamento dos rios";

    d) os intencionais, quando o conceito-sujeito recebe uma inteno de outro objecto. Por exemplo: A implantao da justia o propsito dos homens de bem".

    * * *

    Ao estudarmos as categorias, em "Filosofia e Cosmoviso", vimos que Kant as dividiu em quatro classes: quantidade, qualidade, relao e modalidade.

    Todo juzo pode ser considerado sob quatro pontos de vista, o que importante no estudo da Lgica.

    Vejamos: Segundo a qualidade, os juzos so afirmativos ou negativos, cujos exemplos j demos.

    Quanto quantidade, so universais, quando o conceito--sujeito contm o conceito principal em totalidade plural. Por exemplo: Todos os brasileiros so americanos; particular, quando o conceito principal se toma em pluralidade parcial, por exemplo: Alguns homens so baianos.

    A qualidade e a quantidade do juzo variam independentemente, e permitem quatro classes de juzo de importncia para a teoria do raciocnio. So eles assinalados por estas quatro vogais: A, E, I, O.

    l.) Juzos universais afirmativos (A): todos os S so P. Exemplo: Todos os brasileiros so americanos.

    2.) Juzos universais negativos (E): nenhum S P. Exemplo: Nenhum brasileiro europeu.

    3.) Juzos particulares afirmativos (I): alguns S so P. Por exemplo: Alguns brasileiros so baianos.

    4.) Juzos particulares negativos (O): alguns S no so P. Por exemplo: Alguns homens no so brasileiros.

    *

    Quanto relao, os juzos se dividem em categricos, hi-potticos e disjuntivos.

  • 36 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    Categricos, quando a enunciao no condicionada; independente. Por exemplo: "Hoje domingo".

    1) O juzo categrico se subdivide em problemtico, as- sertrico e apodtico.

    a) Problemticos: quando a proposio pode ser verda deira, mas quem a emprega no o afirma expressamente. Ex.:

    "O mundo efeito do acaso, ou de uma causa exterior e necessria".

    b) Assertricos: so os verdadeiros de facto, no porm necessrios. Ex.: "A lua um planeta".

    c) Apodticos: quando o juzo uma assero necessariamente verdadeira, como as verdades metemticas. "O todo quantitativamente maior que a sua parte".

    2) O Juzo hipottico. Os Juzos so hipotticos ou con-dicionais, quando uma afirmao ou uma negao est subordinada a alguma condio ou hiptese. Por ex.: se fizer bom tempo, irei ao cinema".

    3) O Juzo disjuntivo. Os juzos ou proposies so dis-juntivas, quando se compem de duas relaes, cada uma das quais no afirmada seno quando a outra negada. Equivale, na realidade, a dois juzos hipotticos. Por ex.: "Se Joo no sbio, ignorante". "Se Joo no ignorante, sbio".

    Estas duas proposies devem ser provadas separadamente. O seu conjunto forma uma alternativa.

    Se A no C, B. Se A no B, C. Quanto modalidade, os juzos sos assertricos ( certo que...)

    ou problemticos ( possvel que...) ou apodticos ( necessrio que...).

    * * *

    Chamam-se tambm juzos impessoais aqueles que carecem aparentemente de conceito-sujeito. Por exemplo: Chove.

    * * *

    Relaes entre os juzos. Chamam-se juzos contraditrios os que, referindo-se a uma situao idntica, um afirma e outro nega. So juzos contraditrios entre si o universal afirmativo (A) e o particular negativo (O); e o universal negativo (E) e o particular afirmativo (I), cuja relao contradi-

  • L G I C A E D I A L C T I C A 37

    tria recproca. "Todo S P" contraditrio de "alguns S no so P", e reciprocamente.

    Por ex.: "todo baiano brasileiro" (A) "alguns baianos no so brasileiros" (O); "nenhum metal metalide" (E) "alguns metais so metalides" (I).

    Diz-se que so contrrios quando, sendo ambos universais, um afirma o que o outro nega. So contrrios o universal afirmativo (A) e o universal negativo (E). A contrariedade recproca. Exs.: "Todo baiano brasileiro" (A) "nenhum baiano brasileiro" (E) .

    Chamam-se subcontrrios quando, sendo ambos particulares, um afirma o que o outro nega, cuja relao tambm recproca. "Alguns S so P" subcontrrio de "Alguns S no so P". Exs.: "Alguns americanos so brasileiros" (I) "alguns americanos no so brasileiros" (O).

    Chamam-se juzos subalternos os que tm o mesmo sujeito e o mesmo atributo, mas que diferem em quantidade; no em qualidade. O universal subordinante do particular, por sua vez subordinado quele. "Todo S P" subordina a "alguns S so P" e "nenhum S P" subordina a "alguns S no so P". Exs.: "Todo brasileiro americano (A) "Alguns brasileiros so americanos" (I); "nenhum brasileiro europeu" (E) "alguns brasileiros no so europeus". (O).

    Eis o esquema tradicional:

  • TEMA III

    ARTIGO 1

    A DEFINIO

    Podemos salientar que a definio responde pergunta "que isso"?, mas oferece uma resposta com sentido de determinao, de mxima determinao. A definio quer responder quela pergunta, no com qualquer resposta esclarecedora, mas com a resposta que determine, que complete, que seja uma igualdade, a delimitao precisa do definindo, isto , do que se quer definir, uma resposta suficiente para que saibamos o que aquilo sobre o qual se formulou a pergunta.

    J que estudamos o que juzo, podemos dizer que a definio um juzo, pois enuncia uma afirmao sobre o ser do objecto, delimita-o, diz o que , e ao mesmo tempo o separa do que no le, ou seja, exclui o que no le.

    Os filsofos costumam subdividir as definies em nominais, reais, formais e materiais. Essas no so as nicas classificaes, pois h outras. Vamos analis-las:

    A definio nominal tambm chamada de verbal, e consiste em explicar o significado de uma palavra por meio de outra ou outras palavras de significado j conhecido. As definies nominais ou verbais so as que mais se usam nos dicionrios. Muitos chamam essas definies verbais de tautolo-gias, isto , repeties. Embora frequentemente considerem como tautologias, que de um ponto de vista puramente formal tal parecem ser, h entretanto uma camada vivencial na definio que nos aclara o que se quer definir. Como esse aspecto j penetra no terreno da Psicologia, l o estudaremos. A definio refere-se a uma, vrias ou a todas as notas do objecto mentado pelo conceito, cujo contedo nos revelado. A definio real a definio da coisa, uma frmula determinativa, que expressa o que a coisa que a palavra significa.

  • L G I C A E D I A L C T I C A 39

    s primeiras, Kant chamou de definies sintticas (as definies nominais e conceituais); e s reais, de definies analticas.

    Muitos filsofos distinguem a definio real de a definio conceituai, deixando para esta, preferentemente, o objecto formal, que parte do objecto total. Muitos consideram as definies nominais idnticas s formais, e as reais s materiais. Entretanto a definio formal propriamente uma definio conceituai.

    Tais divises so arbitrrias, e por essa razo alguns filsofos oferecem outras. Assim propem a definio gentica, que define o objecto expondo a sua formao, a sua gnero. Por ex.: queremos definir um crculo e dizemos "o crculo a figura descrita por um segmento de recta, que gira ao redor de um dos extremos". Embora tais definies sejam muito usadas na matemtica, como a que diz "a linha o resultado de um ponto em movimento no espao", muitos filsofos julgam-nas inaceitveis. No entanto, como o salientam Hamilton, Krug e Blondel, essas definies consideram o definindo em seu progresso ou devir (vir-a-ser), pois, como diz Blondel, o fieri (devir) que aclara o esse (ser)".

    * * *

    Para ser rigorosa, a definio se constri com o auxlio do gnero prximo e da diferena especfica. O primeiro assinala o gnero mais prximo ao qual pertence o objecto que se quer definir (por exemplo, "o pentgono um polgono"). A segunda separa o pentgono de todos os polgonos (por exemplo, " uma figura de cinco lados"). A enunciao final ser: O pentgono um polgono de cinco lados. Assim, por ex., homem um animal racional. Animal o gnero prximo; racional, a diferena especfica, que separa o homem dos outros seres vivos.

    * * *

    No se deve confundir a explicao com a definio. Aquela enuncia alguma coisa que vai alm da definio com o intuito de aclarar, mostrando as propriedades, as caractersticas.

  • 40 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    Quando dizemos que o homem um bpede, que vive em sociedade, que escolhe, aprecia valores, preocupa-se, tem noo de suas possibilidades, conhece a morte, cria modos diversos de viver, tudo isso seria explicativo, aclarativo, no definio.

    H algumas definies que so chamadas de negativas. So aquelas que se caracterizam por negar ao definindo alguma de-terminao. Por exemplo, quando se diz: "imortal o que no perece". Na realidade, a negatividade dessas definies apenas aparente, pois supe a determinao positiva do correspondente conceito positivo.

    * * *

    Chama-se definio essencial aquela que se enuncia assinalando os caracteres que, sem eles, o definindo deixaria de o ser.

    Definio accidental, a que se atm a uma determinao accidental, por ex.: quando se diz. "Pedro aquela pessoa que est sentada junto porta".

    * * *

    Se afirmamos que a definio, para ser rigorosa, deve obedecer regra clssica; se construda com o auxlio do gnero prximo e da diferena especfica, chegamos concluso de que o gnero ltimo indefinvel, pois no pode ser referido a outro. o que sucede quando vamos, de gnero a gnero, at alcanar o ltimo gnero. Por exemplo, posso referir este livro ao ser, mas ser indefinvel, uma vez que no posso referi-lo ao gnero superior, pois o gnero superior. Por outro lado, so indefinveis tanto o que nos dado como singularidade individual, como o que representa os dados ltimos da sensibilidade, como as cores, os sons... Espao e tempo so tambm indefinveis, pois no dispomos de um gnero que inclua o tempo e espao.

    O fundo ltimo de toda definio o indefinvel, pois se definimos homem como um animal racional, definiremos animal como um ser vivo, ser vivo como ser, e chegaremos finalmente a um indefinvel (ser). Assim se v tambm que as

  • L G I C A E D I A L C T I C A 41

    demonstraes fundam-se em alguns axiomas, os quais so indemonstrveis (1).

    Gnero: o grupo, no qual todos os indivduos, em nmero indefinido, isto , no determinado, e dotados de certos caracteres comuns, esto idealmente reunidos. Chama-se de gnero supremo o que contm todos os outros.

    Espcie: Quando dois trmos gerais esto contidos em extenso um no outro, o menor se chama espcie, assim como do gnero polgono. Homem uma espcie do gnero animal.

    Usamos aqui alguns trmos que merecem reparo. Foram eles: gnero, espcie, diferena especfica, accidente.

    Diferena especfica o carcter pelo qual uma espcie se distingue das outras que pertencem ao mesmo gnero. Assim, racional uma diferena especfica da espcie homem, que a distingue das outras espcies animais.

    Accidente o que sobrevm, o que no nem constante, nem essencial ao sujeito da definio. Por ex.: quando dizemos que "Pedro aquela pessoa que est sentada junto porta", o estar-sentado-junto--porta apenas um accidente que ocorre quela pessoa, porm no essencial nem constante mesma.

    *

    Costumam dar os lgicos algumas regras prticas para a boa enunciao da definio.

    1) A definio deve conter o gnero prximo e a diferena especfica.

    2) A definio no deve ser nem demasiado ampla nem demasiado restricta. Deve ser breve, empregar palavras claras. Mal tal brevidade nunca deve ser de modo a torn-la ininteligvel. Tambm no deve cair na redundncia dos termos, nem ter elementos que lhe sejam estranhos, isto , expressando mais do que devem.

    3) O definindo no deve entrar na definio. Pois, se o definindo entrasse na definio, esta nada adiantaria, uma vez

    (1) E' grande a problemtica que surge em torno da afirmativa de que ser um gnero supremo, ou melhor gnero. Como sua discusso exige outros conhecimentos, deixamo-la para as obras sucessivas. Quanto demonstrabilidade dos axiomas, no devemos esquecer que se no so demonstrveis, mostrveis por outros, so porm mostrveis de per si. E' o que justificamos em "Filosofia Concreta".

  • 42 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    que, para explicar, empregaramos o mesmo que est carecendo de explicao. Quem dissesse que "obrigao o que nos obriga a fazer ou no fazer alguma coisa", incluiria na definio o que se deseja definir.

    4) Outro defeito da definio ser ela tautolgica, isto , repetir o que deve ser definido. Damos um ex.: "A matria a substncia extensa". E se perguntssemos: Mas o que a substncia extensa? E nos respondessem: " matria". Teramos, ento um crculo vicioso (1).

    5) A definio no deve ser negativa, se puder ser positiva. 6) Devemos evitar as palavras metafricas ou figuradas, em

    qualquer sentido, numa definio, que, em vez de aclarar, explicar, podem ocultar ainda mais a noo do que se quer definir, pois um elemento bsico que a definio deve explicar, aclarar o que explica e no complicar mais, ou obscurecer:

    Estas so as principais regras de uma boa definio. Com elas se pode construir uma que realize sua finalidade, que responder pergunta: que isso?

    (1) Tal no quer dizer que aceitemos que a matria o ser extenso. Aceitamos, sim, que ser extenso ser matria, mas esta pode ser considerada de outro modo, como o vemos em "Filosofia Concreta". Servimo-nos do enunciado acima, apenas, para exemplificar, sem que tal signifique uma tomada de posio metafsica.

  • TEMA III

    ARTIGO 2

    AS SIGNIFICAES

    No queremos encerrar este ponto sem dar uma notcia sobre a teoria das significaes que tanto interesse tem provocado entre os lgicos modernos.

    A teoria das significaes nasceu da anlise dos pensamentos. Estes no so mais considerados simples, elementares e, por isso, so analisveis, decomponveis em suas partes. A procura do que seria elementar nos pensamentos, uma espcie de tomo do pensamento, foi o que levou s significaes. Assim como as proposies esto compostas de palavras, esto os pensamentos de significaes.

    Julgam certos lgicos que as significaes so elementos simples, isto , no so compostas de outros. So elas elemen- tos-entes? Essa pergunta respondida da seguinte forma: as significaes no so elementos-entes, pois sendo elementos do pensamento e no sendo este um ente, como poderiam elas ser entes?

    Do, assim, ao pensamento carcter meramente axiolgico (de axis, valor).

    Os valores so objectos de uma consistncia diferente, dizem. Os valores no so entes, mas valem, como a opinio predominante, a qual teremos ocasio de analisar e criticar em outras obras. Os pensamentos no so coisas-entes, isto , n-ticas, trmo usado na filosofia moderna e que se refere ao ente quanto sua forma ou estructura. Assim, quando digo "esta casa verde", posso substituir esta proposio por esta: "desta casa vale o ser-verde". Neste caso o ser-verde uma significao deste pensamento. Ns expusemos que os pensamentos formam uma unidade. Ento como admitir que a significao seja um elemento? No seria admitir que o pensamento composto de partes? Sim, dizem os lgicos, o pensamento uma unidade, mas as significaes no so unidades indepen-

  • 44 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    dentes, elas formam, umas com as outras, uma interdependncia (1). As palavras no so significaes, mas apenas sinais arbitrrios,

    embora na sua formao interfiram leis psquicas. Perguntaria o leitor: para que serve essa teoria das signifi-

    caes? Ela foi construda para resolver o problema das categorias. As categorias so significaes gerais que tratam de uma determinada regio, por ex.: ser, unidade, realidade, idealidade, etc. As categorias no so determinaes dos objectos, mas significaes que contribuem para constituir um pensamento.

    (1) S um aclaramento sobre as diferenas entre valor, valia e valncia o que s se pode fazer na "Axiologia" permitir resolver este problema. Alm disso, o tema das significaes aclarado no nosso "Tratado de Simblica".

  • TEMA III

    ARTIGO 3

    O RACIOCNIO

    H grande diferena entre o pensar e o pensamento; aquele um acto psicolgico que cabe Psicologia estudar, enquanto o segundo, apreendido pelo primeiro, propriamente o objecto da Lgica. O acto de pensar, como j vimos, processa--se no tempo, variante como processo, enquanto o pensamento intemporal, invariante.

    O raciocnio pode ser estudado sob dois aspectos: a) o psicolgico; e b) o lgico, que passaremos a tratar. H uma definio clssica de raciocnio que dada por

    Aristteles. Ei-la: "Operao discursiva, pela qual se mostra que uma ou diversas proposies (premissas) implicam uma outra proposio (concluso) ou, pelo menos, tornam esta ve-rossimilhante".

    Em outras palavras, o pensar, quando consiste na apreenso de uma srie ordenada de pensamentos entrosados entre si, de modo que o ltimo decorre necessariamente do primeiro, temos o que se chama o raciocnio. S h raciocnio quando inferimos um pensamento de outro pensamento. Podemos comear de um facto singular para chegar a uma concluso geral, ou de uma concluso geral para concluir que o singular est contido naquela. Podem ser diversos os raciocnios, mas em todos eles h sempre a derivao de um pensamento de outro, o qual contm aquele.

    J por diversas vezes, referindo-nos ao conhecimento, vimos que le pode ser dado por actos de apreenso imediata, ou ento provir de processos mais complexos, mediatos (por meio de...). No primeiro caso, temos o conhecimento intuitivo, e, no segundo, o conhecimento discursivo.

    O primeiro dado pela experincia direta, como, por exemplo, quando verifico que esta mesa maior que o livro. O

  • 46 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    saber discursivo, ou saber racional o que resulta de conhecimentos anteriores e podemos dar como exemplo: "todo o homem mortal".

    S chegamos a este conhecimento, depois de feita a verificao de uma srie de factos e de uma concluso posterior.

    Os processos discursivos so simples ou complexos: a) simples, quando de um conhecimento se infere direc-

    tamente outro; tambm se chama inferncia imediata; b) complexos, quando a passagem de um a outro feita

    atravs, pelo menos, de um membro intermedirio, como os raciocnios deductivos, os matemticos, os inductivos, e os por analogia.

    Nos processos discursivos complexos (raciocnios mediatos, inferncias mediatas, como j vimos), a passagem de um conhecimento a outro feita atravs de, pelo menos, um membro intermedirio.

    So conhecidos tradicionalmente por duas classes: induco e deduco. Geralmente se define a induco como a passagem do particular ao geral, enquanto a deduco a passagem do geral para o particular.

    No raciocnio, h apreenses de pensamentos e de suas sig-nificaes, e estes formam um todo, uma unidade. o que se d no raciocnio intuitivo.

    No raciocnio discursivo, h a inferncia de um pensamento de outro. Desta forma, o raciocnio discursivo reduz-se ao primeiro, pois apenas uma forma complexa daquele.

    A deduco funda-se nos princpios lgicos (princpios de identidade, de no-contradio, do terceiro excludo e de razo suficiente, dos quais j falamos), que so verdadeiros axiomas para a Lgica Formal, os quais regem todos os entes lgicos e os objectos ideais.

    A deduo no se baseia em princpios lgicos, mas na opinio de regularidade do curso da natureza, em certa homogeneidade da sucesso dos factos, regularidade hipottica para muitos, mas que fundamental para a induco, que nela se fundamenta. As chamadas leis cientficas, as induces da cincia partem da repetio dos factos singulares e da regularidade da sua repetio. Assim, por exemplo, a regularidade dos movimentos planetrios no captada pela razo, mas pela repetio dos factos. Se forem examinados os factos da realidade fsica, verifica-se facilmente que eles tm algo que ver com a razo; mas a observao dos factos singulares e dos particulares permitiu que, fundado num postulado da regula-

  • L G I C A E D I A L C T I C A 47

    ridade dos factos csmicos, fundamento da cincia, estabe-lea-se a hiptese de que eles continuaro a suceder, assim, no futuro, o que leva formulao dos universais induzidos.

    No h intuio sensvel do universal. A intuio sensvel s do singular, do individual, como j temos visto tantas vzes. O universal fundado nos factos singulares. Dessa forma, a deduco se baseia numa induco prvia. Mas a formulao de um universal implica a aceitao da possibilidade de formular o universal. Ento temos de admitir que, para formularmos de uma induco um universal, impe-se previamente a aceitao da possibilidade do universal. E como nos dada essa possibilidade? Ela decorre da repetio dos factos, cujo acontecer, no passado e no presente, faz-nos admitir a possibilidade de se reproduzirem no futuro. Como o futuro vem a evidenciar a actualizao dessa possibilidade, formulamos, sob a influncia da parte racional do nosso esprito, que deseja a homogeneidade (que se funda no semelhante), que existe uma regularidade nos factos csmicos. Fundados nessa regularidade, conseguimos dar o salto da induco ao universal, ponto de partida da deduco posterior. Por isso, o alcanar do universal no apenas uma decorrncia da induco, pois esta corroborada pela aceitao do princpio, hipottico ou no (o que no cabe por ora discutir), de uma regularidade universal, de certa legalidade universal, de que os cosmos realmente ordenado por constantes que no variam (invariantes), e que permitem a formulao de princpios universais.

  • TEMA IV

    ARTIGO 1

    O SILOGISMO

    Dos processos discursivos, de que j tratamos, destacamos, dentre eles, os raciocnios deductivos, os quais foram identificados com o silogismo.

    O silogismo uma deduco formal, um raciocnio que vai do geral ao particular ou ao singular. Consiste em estabelecer a necessidade de um juzo (concluso), mostrando que le a consequncia forada de um juzo reconhecido por verdadeiro (maior) por intermdio de um terceiro juzo (menor), que estabelece, entre os dois primeiros, um lao necessrio.

    Assim temos duas premissas nome que se d aos dois primeiros juzos dos quais se infere um terceiro, chamado concluso.

    Vamos dar um exemplo clssico de silogismo: Todo homem mortal...................... (Premissa maior) Ora, Scrates homem.. . . . . . . . . . . . . . (Premissa menor) Scrates mortal.............................. (Concluso). Sendo o silogismo um raciocnio deductivo, o ponto de partida

    sempre um juzo universal, quer ocupe ou no o primeiro posto, o lugar da premissa maior.

    O silogismo tem trs trmos: o maior, o mdio e o menor. Esses termos so os que entram nos juzos (ou proposies) que constituem o silogismo.

    O predicado da concluso recebe o nome de trmo maior. Examinemos o silogismo acima citado: Mortal o trmo maior.

    O sujeito da concluso chamado de trmo menor. O sujeito da concluso Scrates. O trmo mdio o que estando presente nas duas premissas, falta na concluso, que homem, no exemplo.

    Se em vez de considerarmos os trs juzos que constituem o silogismo, considerarmos os trs termos que entram nesses juzos, o silogismo consiste em estabelecer que um desses trmos, o maior, o atributo necessrio do outro, o menor (que mortal atributo de Scrates), porque atributo necessrio de

  • L G I C A E D I A L C T I C A 49

    um terceiro, o mdio (homem, no nosso caso, o homem mortal), que por sua vez o atributo necessrio do menor (Scrates, pois homem atributo de Scrates). Em sntese: mortal atributo necessrio de Scrates, porque atributo necessrio de homem, e homem atributo necessrio de Scrates. Scrates tem a qualidade de mortal, porque tem a qualidade de homem, e todo homem tem a qualidade de mortal.

    Assim, o silogismo consiste em mostrar que um objecto, ou uma classe de objectos fazem parte de uma outra classe, porque le ou ela pertencem a uma classe de objectos que, por seu lado faz parte dessa outra classe.

    * *

    Esse silogismo pode ser reduzido frmula simples: chamemos ao trmo maior C, ao mdio B e ao menor A, que no nosso exemplo seriam:

    B esta contido em C, e A est contido em B, logo A est contido em C.

    * *

    Regras do silogismo: So oito as regras que os escolsticos formularam atravs de versos latinos:

    1) Terminus esto triplex, medius, majorque minorque (o silogismo tem trs trmos: o maior, o mdio e o menor). Tal necessrio para fazer a comparao dos dois com um terceiro.

    2) Nequaquem medium capiat fas est (A concluso nunca deve conter o trmo mdio).

    3) Aut semel aut medius generaliter esto (O trmo mdio deve ser tomado pelo menos uma vez em toda a sua extenso). Sim, porque o trmo mdio serve para comparar os extremos, e, na concluso, deve aparecer o resultado, ou seja a relao dos extremos entre si.

  • 50 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    4) Latius hunc (terminum) quam premissas concluso non vult (Nenhum trmo pode ser mais extenso nas concluses do que nas premissas). Esta regra se reduz primeira, pois se tivessem maior extenso alterar-se-iam os termos.

    5) Utraque si praemissa negat nil inde sequitur (Se as duas premissas so negativas, nada se pode concluir). claro que nada se conclui de dois juzos negativos. Pois se dois trmos no se identificam entre si, como vo se identificar ambos com um terceiro? E se dois termos no se identificam com um terceiro, no quer dizer que sejam idnticos entre si. Pois se casa no animal e se chapu no animal, casa no necessariamente chapu. Dois termos iguais a um terceiro so iguais entre si. Dois trmos no iguais a um terceiro no so necessariamente iguais entre si.

    6) Ambae affirmantes nequeunt generare negantem (Duas premissas afirmativas no podem produzir uma concluso negativa). Sim, pois se dois trmos se identificam com um terceiro so necessariamente idnticos entre si e no poderiam ser distinctos entre si.

    7) Pejorem sequitur semper conclusio partem (A concluso segue sempre a parte mais fraca). Chama-se a mais fraca a premissa particular ou negativa. Esta regra se deduz da n. 4. Os trmos no podem ter maior extenso na concluso do que nas premissas, dissemos. Ora, se uma das premissas particular ou negativa, a concluso tem de ser particular ou negativa. claro, pois se um extremo igual a um terceiro, e outro no, nunca se pode concluir que um seja outro. Da porque a concluso no pode ser afirmativa, se uma premissa negativa.

    Alguns A so B Alguns B so C. No podemos saber se os alguns B da segunda premissa so

    precisamente os B da primeira, o que levaria a existir, ento, quatro trmos em vez de trs, o que infringiria a primeira regra. Alm disso, o trmo mdio no est tomado em toda a sua extenso em nenhuma das premissas, o que infringe a regra n. 3. Se ambas so negativas, no h concluso pela regra n. 5.

    * * *

    Modos e figuras dos silogismos Na Lgica, chamam-se figuras do silogismo as formas que adota o mesmo, segundo a

  • L G I C A E D I A L C T I C A 51

    posio do trmo mdio nas premissas maior ou menor. As quatro formas possveis so as chamadas quatro figuras, que se caracterizam:

    1) por ser o trmo sujeito na premissa maior e predicado na menor. Ex.: Todo homem mortal; Scrates homem, logo, Scrates mortal;

    2) por ser o trmo mdio predicado em ambas as premissas: "Todo homem racional; nenhuma planta racional, logo, nenhuma planta homem;

    3) por ser o trmo mdio sujeito de ambas as premissas: "Alguns homens so filsofos; todos os homens so corpos, logo, alguns corpos so filsofos";

    4) por ser o trmo mdio predicado na maior e sujeito na menor: "Todos os homens so mortais; todos os mortais so animais; logo alguns animais so homens".

    O modo do silogismo resulta da quantidade e da qualidade das premissas que o compem. Esses juzos so de quatro classes, como j estudamos:

    Universal afirmativo (A) Universal negativo (E) Particular afirmativo (I) Particular negativo (O) Eles podem ser combinados em 64 formas. Mas no so todas

    concludentes. Se aplicarmos as regras estudadas, ficam 19 modos legtimos, que so distribudos da seguinte forma:

    4 para a l.a figura; 4 para a segunda; 6 para a terceira e 5 para a quarta.

    Como cada juzo simbolizado segundo sua quantidade e qualidade por uma vogal, cada modo vlido simbolizado, na lgica, tradicionalmente, por uma palavra latina, que contm as letras-sinais dos juzos que compem o silogismo.

    So esses, os modos vlidos de cada figura:

    l.a figura A A A (Barbara) E A E (Celarent) A I I (Darii)

    2.a figura E I O (Ferio) E A E (Cesare) A E E (Camestres) E I O (Festino) A O O (Baroco)

  • 52 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    3.a figura A A I (Darapti) E A O (Felapton) I A I (Disamis) A I I (Datisi) O A O (Bocaro) E I O (Ferison)

    4.a figura A A I (Bamalip) A E E (Camenes) I A I (Dimatis) E A O (Fesapo) E I O (Fresison)

    Exs.: da l.a figura: O trmo mdio sujeito na maior e predicado na menor.

    Barbara: A. Todo metal corpo; A. todo chumbo metal; A. logo, todo chumbo corpo.

    Celarent: E. Nenhum metal vegetal; A. todo chumbo metal; E. logo, nenhum chumbo vegetal.

    Darii: A. Todo metal corpo; I. algum mineral metal; I. logo, algum mineral corpo.

    Ferio: E. Nenhum metal vivente; I. algum corpo metal; O. logo, algum corpo no vivente. Exs.: da 2.a figura: O trmo mdio predicado em ambas premissas.

    Cesare: E. Nenhum vivente metal; A. todo o chumbo metal; E. logo, nenhum chumbo vivente.

    Camestres: A. Todo chumbo metal; E. nenhum vegetal metal; O. logo, nenhum chumbo vegetal.

  • L G I C A E D I A L C T I C A 53

    Festino: E. Nenhum vegetal metal; I. algum corpo metal; O. logo, algum corpo no vegetal.

    Bar oco: A. Todo chumbo metal; O. Algum corpo no metal;

    O. logo, algum corpo no chumbo. Exs.: da 3.a figura. O trmo mdio sujeito em ambas premissas:

    Darapti: A. Todo o metal mineral; A. todo o metal corpo; I. logo, algum corpo mineral.

    Felapton: E. Nenhum metal vegetal; A. todo o metal corpo; O. logo, algum corpo no vegetal.

    Disamis: I. Algum metal chumbo; A.

    todo o metal corpo; I. logo, algum corpo chumbo.

    Datisi: A. Todo o metal corpo; I. Algum metal chumbo; I. logo, algum corpo chumbo.

    Bocardo: O. Algum metal no chumbo; A. todo o metal mineral; O. logo, algum mineral no chumbo.

    Ferison: E. Nenhum metal vegetal; I. algum metal chumbo; O. logo, algum chumbo no vegetal. Exs.: da 4.a figura: O trmo mdio predicado na maior e sujeito na menor:

    Bamalip: A. Todo o metal corpo; A. todo o corpo ocupa espao; I. logo, algum corpo que ocupa espao metal.

  • 54 MRIO FERREIRA DOS SANTOS

    Camenes: A. Todos os brasileiros so americanos; E. nenhum americano europeu; E. logo, nenhum europeu brasileiro.

    Dimatis: I. Alguns americanos so paulistas;

    A. todos os paulistas so brasileiros; I. logo, alguns americanos so brasileiros. Fesapos

    E. Nenhum paulista francs; A. Todos os franceses so europeus; O. logo, alguns europeus no so paulistas.

    Fresison: E. Nenhum brasileiro europeu; I. alguns europeus vivem no Brasil; O. logo, alguns homens que vivem no Brasil no so

    brasileiros.

    * * *

    Todos esses modos e figuras que damos neste ponto, fazemo-lo exclusivamente para obedecer s velhas normais da lgica formal. No entanto, todas essas regras e normas redu-zem-se apenas a uma lei do silogismo, fundada num princpio ontolgico: Duas coisas iguais a uma terceira so iguais entre si. Se essas duas coisas no so iguais a uma terceira, como todo, mas apenas em parte, elas podem ser no-iguais entre si, nem em parte.

    Se A , em parte, igual a B, e C igual a B, no quer dizer que A seja igual a C, nem em parte.

    Tudo, quanto pode ser afirmado ou negado da totalidade de um gnero pode ser tambm afirmado ou negado de todos os indivduos que compem esse gnero, esse um princpio do silogismo que decorre do princpio de identidade.

    "Todos os homens so mortais, portanto um homem (Scrates) mortal". Todas as figuras do silogismo (2.a, 3.a e 4.a) podem ser reduzidas primeira, que Aristteles qualificava de silogismo perfeito, a qual a aplicao concreta da regra que citamos acima sublinhadamente. Desta forma se v que o silogismo apenas uma forma do raciocnio deductivo, como j expusemos.

    Na linguagem comum e at nas demonstraes mais precisas, subentende-se quando ela evidente, uma das articula-

  • L G I C A E D I A L C T I C A 55

    es do silogismo. O silogismo chama-se ento entimena. Nesse se omite uma das premissas. Por ex.: todo metal pesado, porque toda matria pesada. Est omitida a premissa "todo metal matria".

    Os silogismos podem compor-se entre eles e formar o que se chama polissilogismo. Por ex.: "liberdade permite o desen-volvimento da cultura; todo desenvolvimento da cultura uma elevao do homem; a elevao do homem um dever de todos e se a liberdade permite esse desenvolvimento, facilit-la o nosso dever; logo pugnar pela liberdade o dever de todos ns".

    Chama-se de prossilogismo, aquele cuja concluso serve de ponto de partida para o seguinte: Ex.: "Todos os felinos so mamferos; o gato um felino; logo, o gato um mamfero; ora o angor um gato, logo o angor um mamfero".

    O epiquerema o silogismo no qual uma ou duas premissas so provadas por um prossilogismo incompletamente expressado.

    Sorite uma sequncia de silogismos encadeados uns aps outros.

    O silogismo hipottico um silogismo em que a maior a proposio hipottica.

    O silogismo disjuntivo o silogismo no qual a maior tm dois atributos que se excluem um ao outro. A B ou C, etc.

    O dilema entra nessa categoria de argumentos. Consta de um juzo disjuntivo e dois condicionais, ambos conducentes a uma mesma concluso. Por ex.: "O homem, que obedece s suas paixes, ou consegue o que deseja, ou no; se consegue, enfastia-se, e por conseguinte infeliz; se no consegue, est ansioso, e pela mesma razo infeliz".

    A argumentao viciosa chama-se paralogismo, sofisma ou falcia.

    Quando h boa f, chama-se paralogismo; e sofisma ou falcia, em caso contrrio. Essa a acepo comumente aceita. Todo o silogismo que infringe as regras da lgica so viciosos. Exs. de sofismas: "O branco no pode ser encarnado, logo o papel no pode tingir-se de encarnado".

    Chama-se de ignorncia do assunto (ignoratio elenchi) ao paralogismo, quando se responde a outra coisa diferente da que est em questo ou se prova, o que no correspondia provar. Por ex.: "Se sbio, laborioso; laborioso, logo sbio".

    Petio de princpio d-se quando se supe o mesmo que se h-de provar. Ex.: "O fumo sobe, porque mais leve que ar, e mais leve que o ar porque faz parte dos corpos leves".

  • TEMA IV

    ARTIGO 2

    REGRAS PRTICAS PARA O BOM EMPREGO DA LGICA

    Desnecessrio se torna explicar o valor que a Lgica Formal representa para o homem, como poderoso instrumento de consolidao do conhecimento. Se realmente seus princpios fundamentados nos factos da vida, no que fluente, no que dinmico, cambiante, mutvel, variante, no alcanam toda a extenso do processo da existncia, tal no implica em menos-valia para a Lgica Formal. Apenas com as crticas que fizeram tantos filsofos, o que ficou desfeito foi a aplicao apriorstica que se lhe emprestou (como o fizeram os racionalistas), sem que ela deixasse de ser um instrumento hbil para o homem.

    Ao procurarmos verdades, por serem estas de classes to diferentes, tambm no conveniente empreguemos mtodos semelhantes, iguais. Cada disciplina exige a sua lgica. Uma investigao cientfica tem de obedecer a mtodos cientficos para que se torne til e proveitosa. A investigao de um facto histrico, psicolgico ou sociolgico, exige mtodos diferentes. Mas, em todas h sempre um aspecto formal que as homogeneza.

    Intumos facilmente certos factos e deles temos uma viso, mas, quando desejamos enunci-los por meio de palavras, encontramos tamanhas dificuldades, que julgamo-las resultantes de uma fraqueza de nosso esprito. Na verdade, a fraqueza est no nosso vocabulrio, demasiadamente esttico, demasiadamente universalizante. Por isso, a linguagem potica, fugindo estreiteza do racionalismo, consegue muitas vezes, atravs de imagens, de comparaes ousadas, de analogias audaciosas, expressar aos outros o que a mecnica das palavras e o rigor dos trmos no seriam capazes de fazer.

    Tal facto no justifica que nos devamos desvencilhar dos contedos esquemticos dos trmos verbais, os quais, por se-

  • L G I C A E D I A L C T I C A 57

    rem o veculo dos nossos pensamentos, tm de obedecer a um imperativo de clareza, essencial para o bom entendimento.

    Mas o conhecimento algo, impessoal, se o estudarmos como universalizante. Os sentimentos, as afeies, as tendncias as simpatias exercem uma influncia, cuja extenso estamos ainda longe de saber.

    Vamos a um exemplo: algum est em perigo de vida, gra-vemente enfrmo, s portas da morte. Vrias pessoas esto sua volta, um amigo, um conhecido, o mdico, a esposa, a me. No difcil compreender quo diferentes so os conhecimentos desse facto para cada uma dessas pessoas. H mincias que so percebidas ou desprezadas por uns, e que o no so por outros. Quanto influem sobre o nosso conhecimento as paixes, as afeies, as tendncias, o nosso tipo psicolgico? Nunca podemos excluir nossa situao pessoal, de classe, de ambiente, que influem sobre os nossos pensamentos. Captamos pensamentos que se correlacionam, que so possveis de acrdo com as nossas condies. Um pensamento frio, desligado totalmente de tudo quanto afectivo, impossvel, o que no impede que busquemos reduzir a condicionalidade do nosso raciocnio, torn-lo cada vez mais liberto. o que pretende fazer e alcanar a Lgica.

    Ora, ns, quando raciocinamos, fazemo-lo com pensamentos que se do como um todo. Por meio de juzos, traduzimo-los mais ou menos. Em geral, so palavras soltas que so como avisos ateno para sobre eles se concentrar. Faa o leitor uma rpida experincia consigo mesmo. Observe como sobrevm os pensamentos, como por entre eles esto afeies, emoes agradveis ou desagradveis. Aceita uma, repele outra. Eis que surge um trmo gritante, mas