Livro Texto Linguística Textual - Fundamentos Linguísticos II

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Linguística Textual Florianópolis - 2012 Rosângela Hammes Rodrigues Marcos Antonio Rocha Baltar Nívea Rohling da Silva Vidomar Silva Filho Período

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Livro excelente sobre os componentes integrantes da textualidade, que basicamente está em todos os tipos de comunicação que nos rodeiam.

Transcript of Livro Texto Linguística Textual - Fundamentos Linguísticos II

  • Lingustica Textual

    Florianpolis - 2012

    Rosngela Hammes Rodrigues Marcos Antonio Rocha BaltarNvea Rohling da Silva Vidomar Silva Filho

    4Perodo

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    Catalogao na fonte elaborada pela DECTI da Biblioteca Central da UFSC

    L755 Lingustica textual : 4 perodo / Rosngela Hammes Rodrigues ... [et al.]. Florianpolis : UFSC/LLV/CCE, 2012. 192 p.

    Inclui bibliografia UFSC. Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia ISBN 978-85-61482-51-0 1. Lingustica. 2. Anlise do discurso. 3. Ensino a distncia. I. Rodrigues, Rosngela Hammes CDU: 801

  • Sumrio

    Unidade A - Trajetria e objeto(s) de pesquisa ....................... 91 Panorama histrico da Lingustica Textual .........................................11

    2 Concepes de texto .................................................................................19

    Unidade B - O texto na tica dos estudos da textualidade ........................................................27

    3 Noes gerais ................................................................................................29

    4 Coeso textual ...............................................................................................39

    5 Coerncia ........................................................................................................55

    5.1 Elementos lingusticos ....................................................................................56

    5.2 Conhecimento de mundo .............................................................................58

    5.3 Inferncias ..........................................................................................................61

    5.4 Focalizao ..........................................................................................................64

    5.5 Relevncia ............................................................................................................68

    6 Intencionalidade e aceitabilidade ..........................................................75

    7 Informatividade ............................................................................................83

    8 Situacionalidade ...........................................................................................93

    9 Intertextualidade .........................................................................................99

    Unidade C - O texto na tica dos estudos da enunciao ....................................................... 113

    10 Texto, gnero, discurso: trs conceitos indissociveis ............... 115

    11 Texto, hipertexto, hiperlink, novas formas de interao ......... 125

    12 Multimodalidade ....................................................................................131

    13 Referenciao ...........................................................................................141

    Unidade D - O texto na sala de aula ...................................... 16514 O texto nas aulas de Lngua Portuguesa .........................................167

    15 O que texto para o aluno? ................................................................175

    Consideraes Finais .....................................................................................185

    Referncias ......................................................................................................187

  • Apresentao

    C aro aluno,Apresentamos a voc o livro da disciplina Lingustica Textual, que faz parte do conjunto de disciplinas da quarto perodo do Curso de Licenciatura em Letras Portugus na modalidade a distncia.

    Este livro tem por objetivo abordar o histrico dos estudos da Lingus-tica Textual e, principalmente, as diferentes noes de texto e conceitos correlatos, conhecimentos que julgamos importantes para a formao do professor. Alm disso, objetiva discutir a questo do texto na disciplina escolar Lngua Portuguesa. Para dar conta do objetivo proposto, o livro est organizado em quatro unidades. Na Unidade A, apresentamos um breve panorama histrico da Lingustica Textual e discutimos as concep-es de texto que foram construdas durante o percurso de consolidao dessa rea e que fizeram com que a disciplina fosse adotando, em sua tra-jetria, um carter dinmico e multidisciplinar. Na Unidade B, aborda-mos a noo de texto a partir dos estudos da textualidade: apresentamos o conceito de texto nessa perspectiva terica, o conceito de textualidade e desenvolvemos os princpios de textualidade.

    A partir dessa Unidade, inclumos, ao final das sees, uma orientao mais especfica para a formao do professor, a qual relaciona os con-ceitos tericos abordados com a prtica de ensino e aprendizagem dos contedos na disciplina Lngua Portuguesa. Na Unidade C, apresentamos o conceito de texto a partir dos estudos atuais da Lingustica Textual e de reas afins que tambm tomam o texto como objeto de estudo. Discutire-mos a noo de texto na perspectiva dos estudos do discurso, dos gne-ros do discurso/textuais, do hipertexto e da multimodalidade (vertente enunciativa dos estudos do texto). Alm disso, discutiremos a noo de referenciao no texto (vertente sociocognitiva dos estudos do texto). E, por fim, na Unidade D, relacionamos mais especificamente o estudo te-rico do texto com o ensino e aprendizagem das prticas de leitura, escuta e produo textual nas aulas de Lngua Portuguesa.

    Nosso objetivo final que este livro seja um meio eficaz para introduzir os con-ceitos fundantes desse importante campo de estudo que a Lingustica Textual,

  • bem como demonstrar a articulao desses conceitos com o ensino e aprendi-zagem das prticas de linguagema na disciplina escolar Lngua Portuguesa.

    Rosngela Hammes Rodrigues

    Marcos Antonio Rocha Baltar

    Nvea Rohling da Silva

    Vidomar Silva Filho

  • Unidade ATrajetria e objeto(s) de pesquisa

    Duas jovens lendo. Pablo Picasso, 1934.

  • Nesta Unidade, vamos apresentar uma introduo aos estudos da disciplina Lingustica Textual.

    Ao final do estudo desta Unidade esperamos que voc seja capaz de:

    Conhecer a trajetria da Lingustica Textual;

    Conhecer as diferentes concepes de texto, sujeito e lngua que nortearam a pesquisa nessa disciplina;

    Refletir criticamente sobre as implicaes terico-metodolgi-cas das diferentes concepes de texto nas prticas de lingua-gem em sala de aula.

    Para atingir os objetivos propostos, dividimos a Unidade em dois captulos: no primeiro, apresentaremos o histrico da disciplina; no se-gundo, abordaremos o objeto da Lingustica Textual, por meio da discus-so dos conceitos de texto que se constituram nessa disciplina.

  • Captulo 01Panorama histrico da Lingustica Textual

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    1 Panorama histrico da Lingustica Textual

    O texto foi e objeto de investigao de diferentes disciplinas te-ricas. Podemos observar que, no campo dos estudos da linguagem, a primeira disciplina a se ocupar do texto foi a Retrica, seguida da Esti-lstica e da Filologia. Tambm se ocupam do texto disciplinas de outros campos do conhecimento, como a Teoria Literria, a Antropologia, a Sociologia etc. Neste livro, vamos abordar o estudo do texto no cam-po da Lingustica e, em especial, em uma dada disciplina, a Lingustica Textual. preciso ressaltar que embora todas essas disciplinas de algum modo partam do texto como unidade da interao humana, ou tomem o prprio texto como objeto de investigao, elas constroem objetos te-ricos distintos. Por isso, Marcuschi, no livro pioneiro de Lingustica Textual no Brasil, destaca que a Lingustica Textual no Teoria da Li-teratura, nem Estilstica, nem Retrica, embora reconhea o parentesco entre essas disciplinas. Para o autor, a Lingustica Textual constitui-se como uma linha de investigao interdisciplinar dentro da Lingustica.

    At os anos sessenta do sculo vinte, no campo da Lingustica, com a primazia dos estudos imanentes da lngua, as unidades de anlise foram o fonema, o morfema, a palavra, a orao; enfim, as unidades da lngua vista na sua condio de sistema e de estrutura. O interesse pelo estudo do texto nesse campo surge somente a partir do final da dcada de sessenta, quan-do comeam a aparecer novas pesquisas, cujo objetivo era olhar o texto no por meio da ampliao e/ou alterao das teorias j existentes, calca-das nos estudos imanentes da lngua, mas por meio uma nova teorizao, construda a partir do estudo do texto. Essa nova posio desenvolveu-se especialmente na Europa continental, principalmente na Alemanha.

    Em lingustica estrutural [...], chama-se imanente toda pesquisa que

    define as estruturas de seu objeto apenas pelas relaes dos termos

    interiores deste. (DUBOIS et al, 1993 [1973], p. 331, grifo do autor).

    Lingustica de Texto: o que e como se faz (1983).

  • Lingustica Textual

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    Por exemplo, a estrutura fonolgica de uma lngua definida pe-

    las oposies dos fonemas entre si, sem levar em conta a realizao

    concreta da fala e os participantes da interao. Em sntese, os estu-

    dos imanentes da lngua so aqueles que olham a lngua como es-

    trutura, abstrada das condies de uso, focalizando a relao entre

    elementos dessa estrutura.

    Segundo Bernrdez (1982), a lingustica do texto como tal aparece pela primeira vez na segunda metade dos anos sessenta, em vrios tra-balhos, mas independentes entre si: Das direkte Objekt in Spanischen, de Horst Isenberg; Pronomina und Textkonstitution, de Roland Harweg; e Semantische Relationen im Text und im System, de Erhard Agicola. Tam-bm nessa poca, mais especificamente em 1966, publicado o livro Linguistik der Luge, de autoria do alemo Harald Weinrich. J a primeira apario do termo lingustica do texto, de acordo com Bernrdez (1982), ocorreu um pouco antes, em 1956, no texto Determinacin Y entorno, de Eugenio Coseriu. Nesse texto precursor, o autor discute a necessida-de de se realizar tambm uma lingustica da parole, dado que a lingus-tica da langue j se encontrava constituda nos estudos lingusticos. E salienta que o produto da fala (parole) o texto; logo, havia essa neces-sidade de uma lingustica do texto. Ainda segundo Bernrdez (1982), as idias de Coseriu no encontraram continuidade imediata, pois os estudos iniciais do texto (o que se denominou como a primeira fase da Lingustica Textual) no buscaram estudar o texto como produto da fala, ou seja, como produto de uma atividade lingustica concreta dos falantes, mas, antes, explicar fenmenos sintticos e semnticos que no podiam ser descritos adequadamente no nvel da orao, como a co-referencialidade.

    A co-referencialidade ocorre quando, no texto, dois itens lexicais

    tm uma identidade referencial, ou seja, referem-se ao mesmo ob-

    jeto no mundo. Vejamos um exemplo:

    Eugenio Coseriu

    O autor se refere parole na dicotomia saussuria-na do signo lingustico:

    langue/parole. Podemos observar que o autor

    discute o paradigma epis-temolgico vigente da

    Lingustica da poca, que tomava como objeto de estudo a langue (lngua

    como estrutura).

    De fato, o conceito de texto de Coseriu se apro-

    xima mais das concep-es contemporneas de

    texto.

  • Captulo 01Panorama histrico da Lingustica Textual

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    Por essas diferenas tericas iniciais da Lingustica Textual, autores como Fvero e Koch (1988 [1983]) consideram que embora a origem do termo lingustica do texto seja da obra de Coseriu, o uso desse termo no sentido que lhe foi atribudo nos estudos iniciais do texto aparece pela primeira vez na obra Linguistik der Luge, de autoria de H. Weinrich.

    Assim, desde suas origens, a Lingustica Textual prope que se tome o texto como objeto de estudo (embora com enfoques diversos, como veremos a seguir, o que determina diferentes concepes tericas do que seja um texto). Objetiva ainda que se reintroduzam nos estudos da linguagem o sujeito e a situao de interao, que, grosso modo, foram excludos das pesquisas da lingustica estrutural. De acordo com Fvero e Koch (1988[1983], p. 11), essa disciplina busca tomar como unidade bsica, ou seja, como objeto particular de investigao, no mais palavra ou a frase, mas sim o texto, por serem os textos a forma especfica da manifestao da linguagem.

    No Brasil, os estudos com enfoque no texto surgem na dcada de 1970 e tm forte inspirao em estudos de autores europeus: Weinrich; Beaugrande e Dressler, entre outros, da Alemanha; Van Dijk, da Holanda; Charolles, Combettes e Adam , da Frana; e Halliday e Hasan, da Inglater-ra. Todavia, a partir da primeira metade da dcada de oitenta que h uma efervescncia de pesquisas com foco nesse ramo da cincia lingustica. Isso se deve, em grande parte, aos trabalhos dos pesquisadores Ingedore Villaa Koch, Leonor Lopes Fvero, Luiz Antnio Marcuschi, entre outros.

    Segundo pesquisadores da rea, no seu processo de constituio, a Lingustica Textual passou por trs momentos distintos que marcam

    O Presidente Lula sobrevoou as cidades catarinenses afetadas

    pela enchente. Ele ficou sensibilizado com a situao. O pronome

    anafrico Ele retoma o antecedente O Presidente Lula. A anfora e o

    antecedente so co-referenciais, o que equivale a dizer que h uma

    identidade referencial entre anfora e antecedente.

  • Lingustica Textual

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    a ampliao do seu objeto de anlise (da anlise transfrstica para o es-tudo do texto nas suas condies de produo) e seu afastamento pro-gressivo terico e metodolgico das influncias da lingustica estrutural:

    a) a anlise transfrstica;

    b) a construo de gramticas textuais;

    c) a construo de teorias de texto.

    importante destacar que no h consenso entre os autores se hou-ve uma cronologia na passagem de um momento para outro. Por exem-plo, Conte (apud FVERO e KOCH, 1988) salienta que se trata antes de uma distino tipolgica, pois entre esses momentos no houve suces-so temporal, mas diferentes desenvolvimentos tericos. De todo modo, h consenso entre os autores de que houve uma progressiva passagem de uma teoria da frase para uma teoria de texto. A seguir, apresentare-mos breve sntese desses trs momentos da Lingustica Textual.

    Anlise transfrstica Trata-se do momento da anlise das re-gularidades que transcendem os limites da frase; parte-se desta em direo ao texto. Segundo Fvero e Koch (1988), o enfoque o estudo das relaes que podem ocorrer entre as diversas frases que compem uma sequncia significativa no texto. Nes-se estudo, destacam-se as relaes referenciais, em particular a co-referncia, que compreendida como um dos principais elementos de coeso textual.

    Gramticas textuais o momento que tem como finalidade refletir sobre os fenmenos lingusticos inexplicveis por meio de uma gramtica da frase. A elaborao de gramticas textuais objetiva: a) verificar o que faz com que um texto seja um texto, isto , determinar seus princpios de constituio; b) levantar critrios para a delimitao de textos; e c) diferenciar os tipos de texto (FVERO; KOCH, 1988). Embora nesse momento houvesse a busca pela construo do texto como objeto da Lin-

    A coeso textual ser discutida na Unidade B.

  • Captulo 01Panorama histrico da Lingustica Textual

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    gustica, a sua compreenso ainda se pautava em grande medi-da nos preceitos da lingustica imanente. Por exemplo, postular a construo de gramticas do texto pressupe a existncia de um sistema estvel e abstrato, comum a todos os textos reali-zados.

    Teorias de texto Nesse momento, a tendncia dominante cons-truir teorias de texto que privilegiem os aspectos pragmticos. As-sim, a investigao se estende do texto ao contexto, compreendido como as condies externas de produo e recepo (interpreta-o) dos textos.

    Foi a partir da dcada de oitenta do sculo XX que o foco se vol-tou para o estudo do texto inserido no contexto pragmtico; em outras palavras, comeou a ser de interesse da Lingustica Textual a anlise dos textos nas condies de interao. Isso levou os estudiosos da rea a adotar em suas pesquisas o conceito de textualidade, em que est imbri-cado um conjunto de princpios que contribuem para a construo e a legibilidade do texto.

    Analisando o percurso da Lingustica Textual por meio de seus di-ferentes momentos, podemos observar que mesmo objetivando, desde as origens, construir um estudo do texto alternativo s teorias imanen-tes da lngua, pelo menos nas fases iniciais esse estudo ainda se realizou abstrado das condies de produo do texto e dos participantes da interao; ou seja, tambm o texto foi analisado de um modo bastante imanente.

    Atualmente, os estudiosos da rea tm se dividido em dois grandes focos tericos a partir dos quais olham o texto: o da cognio e o da enunciao. Analisando o percurso da disciplina, observamos que de uma abordagem do texto centrado mais na imanncia, no produto e na construo de uma teoria geral do texto, a Lingustica Textual, hoje, busca analisar o texto nas suas condies de produo, a partir de duas visadas: de uma parte, como o sujeito se apropria dos conhecimentos textuais e como os ativa na interao (foco da cognio); de outra, como

    O aspecto pragmtico da linguagem concerne s caractersticas de sua utilizao (motivaes psicolgicas dos falantes, reaes dos interlocutores [...]. (DUBOIS, 1993 [1973], p. 480).

    A textualidade e os princ-pios de textualidade sero abordados na Unidade B.

  • Lingustica Textual

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    as questes de ordem social e discursiva interferem nos processos inte-racionais e, logo, nos processos de produo e interpretao de textos (foco da enunciao).

    De acordo com Koch (2004), na vertente cognitiva, a partir da d-cada de oitenta, inicia-se o interesse pelo processamento cognitivo do texto, especialmente a partir dos estudos de Teun A. van Dijk e Walter Kintsch. Essa vertente intensifica-se na dcada de noventa, porm, ago-ra, com forte apelo sociocognitivo. Nos estudos cognitivos da dcada de oitenta, as pesquisas centram-se nas questes relativas ao processa-mento cognitivo do texto (o que implica a considerao da produo e compreenso do texto); s formas de representao do conhecimento na memria; ativao dos sistemas cognitivos por ocasio do proces-samento; s estratgias sociocognitivas e interacionais imbricadas no processamento textual (KOCH, 2002). Por outro lado, as pesquisas de ordem sociocognitiva abordam os processos de referenciao e de infe-renciao no texto, ressignificando os estudos da coeso textual.

    J na vertente enunciativa (com sua interface nos estudos do discur-so, uma vez que ela se constitui a partir do dilogo com as diversas reas de estudo do discurso, especialmente aquelas que se baseiam nos estu-dos do Crculo de Bakhtin, e com os estudos da Lingustica Aplicada), as pesquisas tm abordado questes de ordem interacional, tendo como base a situao social de interao imediata e ampla em que ocorrem a produo e a recepo (leitura, escuta) dos textos. Nesses estudos, essa situao de interao vista como parte do texto, ou seja, ela constitu-tiva dos processos de produo e recepo dos textos, da mesma forma que h a compreenso de que sem os textos no h interao, uma vez que o texto (visto na condio de enunciado) a materializao dos processos interacionais. Nessa vertente so objetos de interesse de pes-quisa a relao entre oralidade e escrita; a relao entre discurso e texto; o papel dos gneros do discurso/textuais na constituio e compreenso dos textos; e, com a convergncia das novas tecnologias e das diferentes semioses, o texto visto a partir da noo de hipertexto e construdo por meio de diferentes processos semiticos. Como podemos observar, essa vertente se constitui na relao interdisciplinar com outras reas

    Ver Unidade C .

  • Captulo 01Panorama histrico da Lingustica Textual

    17

    do conhecimento, como Lingustica Aplicada e Anlise de discurso (de modo particular a anlise dialgica do discurso, os estudos dos gneros do discurso/textuais e a anlise crtica do discurso).

    Crculo de Bakhtin a denominao atribuda pelos pesquisadores

    ao grupo de intelectuais russos que se reunia regularmente no pero-

    do de 1919 e 1929, dentre os quais fizeram parte Bakhtin, Voloshinov

    e Medvedev. Bakhtin faleceu em 1975, Voloshinov, na dcada de vinte

    e Medvedev, provavelmente, na dcada de quarenta. (RODRIGUES,

    2005, p. 152). A opo pelo nome de Bakhtin para se referir ao grupo

    deve-se, provavelmente, autoria de algumas obras de Voloshinov

    e Medvedev, atribudas tambm a Bakhtin por alguns estudiosos, e

    pelo fato de a maioria dos textos do Crculo ser de autoria de Bakhtin.

    desse grupo de estudiosos que se desenvolve a concepo de lin-

    guagem como interao. Os livros mais conhecidos no Brasil so Mar-

    xismo e filosofia da linguagem (VOLOCHINOV), Esttica da criao

    verbal (BAKHTIN) e Questes de literatura e esttica (BAKHTIN).

    Analisando essas duas grandes vertentes atuais de estudo da Lin-gustica Textual e a interface da Lingustica Textual com os estudos no campo do discurso e da Lingustica Aplicada, ousamos afirmar que podemos considerar que a Lingustica Textual hoje se encontra em um quarto momento: o estudo do texto considerando como constitutivos os elementos da interao (situao social de interao e interlocuto-res). Se nas dcadas anteriores o texto era visto abstrado da situao de interao, ou a situao de interao era vista como um elemento a se considerar nos estudos do texto (da a origem dos conceitos de co-texto e contexto), hoje ela um elemento fundante: o texto como tal (texto--enunciado) s existe na interao.

    A partir desse breve olhar para a trajetria da Lingustica Textual, observamos que ela vem se consolidando como uma disciplina multi-disciplinar, dinmica e funcional. Segundo Koch (2002), inicialmente era uma disciplina de inclinao gramatical (anlise transfrstica), de-

    A Unidade C ser destina-da a esses estudos.

  • Lingustica Textual

    18

    pois pragmtico-discursiva e, atualmente, tornou-se um campo de forte tendncia sociocognitiva. Acrescentamos a essa observao da autora a atual tendncia enunciativa da rea, com forte apelo aos estudos discur-sivos do texto. Entendemos que o carter multifacetado e complexo do texto , de certa maneira, resultado desse objeto completo que o texto e responsvel pelos rumos que a Lingustica Textual tem tomado como campo de estudo, configurando-a como um campo transdisciplinar e que intensifica cada vez mais seu dilogo com as demais cincias.

    Neste Captulo, apresentamos o panorama histrico da Lingustica Textual. No prximo Captulo, apresentaremos as principais concep-es de texto desenvolvidas nessa Disciplina.

  • Concepes de texto

    19

    Captulo 02

    2 Concepes de texto

    Embora tenhamos uma noo intuitiva do que seja um texto, que saibamos que no se interage do mesmo modo e nem com a mesma finalidade em uma consulta mdica, uma conversa de bar, ou diante de um romance, de um e-mail de um amigo, de uma bula de remdio, de um boleto bancrio, de uma charge etc., construir uma definio terica do que seja um texto depende de uma srie de fatores, como, por exem-plo, o prprio desenvolvimento terico da disciplina e a concepo de lngua e de sujeito que se tenha como fundamento terico.

    Neste Captulo, vamos abordar algumas concepes de texto cons-trudas pela Lingustica Textual, pois a noo do que seja um texto so-freu mudanas acentuadas nos estudos dessa disciplina, resultado dos fatores anteriormente indicados: o prprio desenvolvimento terico da disciplina e a concepo de lngua e de sujeito. Primeiramente, vamos apresentar as concepes de texto dos diferentes momentos da Lingus-tica Textual. Em seguida, vamos cotejar essas concepes e relacion-las com as noes de lngua e de sujeito que as sustentam.

    Durante os perodos da anlise transfrstica e da elaborao das gramticas textuais, poca em que emergiram com muita fora as pes-quisas de sintaxe gerativa, o texto foi concebido, de modo geral, como conjunto de sequncias lingusticas. De acordo com Fvero e Koch (1988 [1983]), nessa fase, os conceitos mais recorrentes de texto foram: frase complexa; signo lingustico primrio e global; cadeia de pronominali-zaes ininterruptas; unidade superior frase; sequncia coerente de enunciados. As propriedades organizadoras da definio de texto desse primeiro momento, segundo Bentes (2001), estavam expressas na forma de organizao do material lingustico.

    Desse perodo, o conceito de texto mais difundido no Brasil o que relaciona o conceito de texto de Isenberg (sequncia coerente de enun-ciados) com a noo de textualidade. Por exemplo, Koch e Travaglia (1989, p.26, grifos nossos), ao discutirem a questo da coerncia do tex-to, definem que textualidade ou textura o que faz de uma sequncia

    Estamos aqui nos refe-rindo aos dois primeiros momentos da Lingustica Textual, abordados no Captulo 1.

  • Lingustica Textual

    20

    lingustica um texto e no uma sequncia ou um amontoado aleatrio de frases ou palavras. Costa Val (1991, p. 5, grifos nossos), ao anali-sar a textualidade nas redaes de vestibular, chama de textualidade ao conjunto de caractersticas que fazem com que um texto seja um texto, e no apenas uma sequncia de frases.

    Analisando outras definies de texto dessa poca, percebe-

    mos que o termo enunciado intercambiado pelo termo frase,

    demonstrando a relao entre eles. Nessas definies de texto,

    o enunciado tomado como uma unidade menor que o texto

    e conceituado como manifestao particular [...] de uma fra-

    se. (DUCROT, 1987 [1984], p. 164). Por exemplo, se duas pesso-

    as (ou uma mesma pessoa em tempos diversos) pronunciam

    Faz bom tempo, trata-se de dois enunciados, pois proferidos

    por diferentes sujeitos em diferentes momentos, de duas ocor-

    rncias da mesma frase (entendida como uma estrutura lexical

    e gramatical). Essa concepo difere da concepo de enun-

    ciado do Crculo de Bakhtin, que ser abordada na Unidade C

    deste livro, quando discutiremos a noo de texto vista luz

    dos estudos do discurso. Antecipadamente, de modo sinttico,

    podemos dizer que se para Ducrot o conceito de enunciado

    remete frase enunciada, para Bakhtin o enunciado visto

    como o texto nos processos interacionais (o texto-enunciado).

    Durante o momento das teorias de texto, tendo em vista a influncia da Pragmtica e das Teorias do Discurso, enfim, da crescente ampliao do escopo dos estudos lingusticos (da lngua como sistema para a ln-gua em uso), passou-se a considerar, na elaborao do conceito de texto, aspectos relacionados produo e recepo dos textos, ancorados em situaes de uso da linguagem. Dessa maneira, de uma estrutura, de um produto pronto e acabado, o texto passou a ser visto como um elemento importante nas atividades de comunicao. Podemos apresentar, como representantes do terceiro momento, os conceitos de texto de Luiz Ant-nio Marcuschi (1983) e Ingedore Grunfield Villaa Koch (1997).

    Terceiro e quarto mo-mentos da Lingustica

    Textual.

  • Concepes de texto

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    Captulo 02

    Para Marcuschi (1983, p.10-11),

    o texto no uma unidade virtual e sim concreta e atual; no uma

    simples sequncia coerente de sentenas e sim uma ocorrncia comu-

    nicativa. [...]. Trata-se de uma unidade comunicativa atual realizada tanto

    no nvel do uso como ao nvel do sistema. Tanto o sistema como o uso

    tm suas funes essenciais.

    Observe que o autor est elaborando o conceito de texto de modo dialgico. Nessa parte da citao, ele est se contrapondo concepo de texto baseada na teoria gerativista, que postulava como escopo da descrio de uma gramtica textual o texto como uma unidade abstra-ta, como um texto potencial. Em seguida, vai questionar o conceito de texto como conjunto coerente de enunciados. Ambos so conceitos de texto do primeiro e segundo momentos da Lingustica Textual.

    Para Koch (1997, 22), o texto pode ser conceituado como

    uma manifestao verbal constituda de elementos lingusticos selecionados

    e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir

    aos parceiros, na interao, no apenas a depreenso dos contedos semn-

    ticos, em decorrncia da ativao de estratgias de ordem cognitiva, como

    tambm a interao (ou atuao) de acordo com prticas socioculturais.

    Atualmente, segundo Costa Val (2008, p.63), a partir dos avanos das teorias de texto, pode-se definir texto como [...] qualquer produo lingustica, falada ou escrita, de qualquer tamanho, que possa fazer sen-tido numa situao de comunicao humana, isto , numa situao de interlocuo. Assim, tanto um romance como uma conversa cotidiana so textos. Para que tenha o estatuto de texto, segundo a autora, basta ao objeto que faa sentido em determinada situao de interlocuo. Para Costa Val (2008), essa concepo de texto traz duas implicaes:

    1) Nenhum texto tem sentido em si mesmo;

    2) Todo texto pode fazer sentido, numa dada situao, para determinados interlocutores.

    Esta discusso pode ser exemplificada na anlise de texto do captulo so-bre Situacionalidade.

  • Lingustica Textual

    22

    Nessa definio de texto de Costa Val, bem como na de Koch, Mar-cuschi e na maioria das definies de texto da Lingustica Textual do terceiro momento, o conceito de texto se fecha para os textos media-dos pela linguagem verbal. Um das caractersticas do quarto momen-to, como mencionado no captulo anterior, olhar o texto a partir das noes de situao social de interao, discurso, gneros do discurso, hipertexto e multimodalidade, o que leva teorizao do texto consi-derando como constitutiva a situao social de interao e tambm as outras modalidades semiticas (como a pintura, por exemplo), ou, de modo mais intenso, a multimodalidade (pensemos, por exemplo, numa charge publicada na internet, em que temos a juno de linguagem ver-bal escrita, linguagem verbal oral e imagem em movimento). Essa in-cluso terica no tira a fora da noo de que a produo de texto (em qualquer materialidade semitica) a realizao de um ato (ou ao) sobre o outro, o interlocutor, mediado pela linguagem. O que esses es-tudos recentes colocam em pauta a ampliao da noo de texto, uma vez que em muitos casos entendido como texto somente aquele mate-rializado pela linguagem verbal.

    Koch (2002) observa que as vrias concepes de texto que vm acompanhando (e delineando) a histria da Lingustica Textual levaram essa disciplina a assumir formas tericas distintas. A autora resume tais concepes da seguinte forma:

    1) Texto como frase complexa (fundamentao gramatical);

    2) Texto como expanso tematicamente centrada de macroestru-turas (fundamentao semntica);

    3) Texto como signo complexo (fundamentao semitica);

    4) Texto como ato de fala complexo (fundamentao pragmtica);

    5) Texto como discurso congelado produto acabado de uma ao discursiva (fundamentao discursivo-pragmtica);

  • Concepes de texto

    23

    Captulo 02

    6) Texto como meio especfico de realizao da comunicao ver-bal (fundamentao comunicativa);

    7) Texto como verbalizao de operaes e processos cognitivos (fundamentao cognitivista). (KOCH, 2002, p. 151).

    Analisando as concepes de texto apresentadas, podemos obser-var, de modo geral, a existncia de duas vertentes bsicas:

    a) o texto visto como produto, ainda na sua imanncia, que o conceito bsico de texto do primeiro e segundo momentos da Lingustica Textual;

    b) o texto visto como unidade de comunicao (interao), na sua relao com as condies de produo, que o conceito bsico de texto do terceiro momento e dos estudos atuais da Lingusti-ca Textual, constitudo na interface com os Estudos do Discur-so e da Lingustica Aplicada.

    Em relao primeira vertente, notamos que, de modo geral, as definies acerca do texto revelam um olhar para o texto como produto acabado, ou estrutura acabada, resultante da competncia textual (e ide-alizada) do falante. As propriedades definidoras do texto esto expressas principalmente na forma de organizao do material lingustico. A n-fase recai no aspecto material e/ou formal do texto: sua extenso, seus constituintes, a relao interna entre esses constituintes. Ainda, segundo Bernrdez (1983), muitas vezes, o texto visto como uma unidade lin-gustica superior do sistema lingustico, o que mostra ainda a influncia do estruturalismo nos estudos iniciais do texto. Por essas razes, Mar-cushi (1983) afirma que so definies imanentes de texto, pois partem de critrios internos ao texto para defini-lo.

    J na segunda vertente, o texto passa a ser visto como unidade co-municativa (BERNRDEZ, 1983), e no mais como unidade lingusti-ca. Passa, portanto, a ser tomado como parte das atividades mais gerais de comunicao. Os critrios para a definio de texto so temticos e

    Embora desde o incio a Lin-gustica Textual buscasse uma teoria no imanente ao texto, que se constitusse como uma alternativa aos estudos estru-turais da lngua, como vimos no Captulo 1, de fato, ela no conseguiu se desvencilhar, nas fases iniciais, da forte tradio estruturalista nos estudos lin-gusticos.

  • Lingustica Textual

    24

    transcendentes ao texto ( imanncia do texto) (MARCUSCHI, 1983). Por isso, passa a ser central na definio de texto a considerao das con-dies de produo e recepo de textos, ou seja, a situao de interao e os interlocutores, pois o texto no existe fora de sua produo ou de sua recepo (LEONTV, 1969 apud FVERO, KOCH, 1988, p.22).

    Nas diferentes vertentes tericas acerca da linguagem, aquele que

    se enuncia definido e conceituado de diversas formas: falante, lo-

    cutor, enunciador, interactante, produtor de texto etc. Embora re-

    conheamos que essa diversidade reflete concepes tericas dis-

    tintas, para efeitos didticos, de modo geral, usaremos os termos

    produtor ou autor, considerado como aquele que se responsabiliza

    pelo texto-enunciado. Da mesma forma, aquele a quem o texto se

    destina ser nomeado como interlocutor ou ouvinte/leitor. Quando

    nos referirmos a ambos, usaremos o termo interlocutores.

    Nessa vertente conceitual, a elaborao do conceito de texto leva em conta que:

    a produo textual uma atividade verbal, isto , os falantes, ao produ-zirem um texto, esto praticando aes, atos de fala [...];

    a produo verbal uma atividade verbal consciente, isto , trata-se de uma atividade intencional, por meio da qual o falante dar a entender

    seus propsitos, sempre levando em conta as condies em que tal ati-

    vidade produzida[...];

    a produo textual uma atividade interacional, ou seja, os interlocu-tores esto obrigatoriamente, e de diversas maneiras, envolvidos nos

    processos de construo e compreenso de um texto [...] (BENTES, 2001,

    p. 254-255, grifos da autora).

    Segundo Koch (2002), o conceito de texto depende das concepes que se tem de lngua e de sujeito. Na concepo de lngua como re-presentao do pensamento e de sujeito como senhor absoluto de suas aes e de seu dizer,

    As diferentes concepes de lngua e de sujeito

    sero tambm discutidas nas disciplinas de Lingus-tica Aplicada, no entanto,

    preciso antecipar que as concepes de lngua

    e de sujeito apresenta-das por Koch vm das

    reflexes do Crculo de Bakhtin.

  • Concepes de texto

    25

    Captulo 02

    o texto visto como um produto lgico do pensamento (represen-

    tao mental) do autor, nada mais cabendo ao leitor/ouvinte seno cap-

    tar essa representao mental, juntamente com as intenes (psicol-

    gicas) do produtor, exercendo, pois, um papel essencialmente passivo.

    (KOCH, 2002, p. 16).

    Na concepo de lngua como cdigo ou seja, como apenas um instrumento para a comunicao e do sujeito como pr-determinado pelo sistema,

    o texto visto como simples produto da codificao de um emissor a

    ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto, o co-

    nhecimento do cdigo, j que o texto, uma vez codificado, totalmente

    explcito. Tambm nesta concepo o papel do decodificador essen-

    cialmente passivo. (KOCH, 2002, p.16).

    J na concepo de lngua como interao (dialgica), na qual os sujeitos so vistos como sujeitos sociais, o texto passa a ser considerado o prprio lugar da interao e os interlocutores, como sujeitos ativos que dialogicamente nele se constroem e so construdos (KOCH, 2002, p.17, grifo da autora). Como afirma Joo Wanderley Geraldi (1993 [1991], p. 102), o outro a medida: para o outro que se produz o texto. E o outro no se inscreve no texto apenas no seu processo de produo de sentidos na leitura. O outro insere-se j na produo, como condio necessria para que o texto exista. Em outras palavras: ao elaborar o texto, ns o fazemos pensando no interlocutor (quem ele , o que sabe etc.) e nos sentidos que queremos produzir sobre ele (informar, conven-cer, esclarecer, ameaar etc.).

    Em resumo, podemos associar as duas primeiras concepes de texto apresentadas por Koch (2002) com a primeira vertente concei-tual de texto, ou seja, o texto como produto acabado. Por outro lado, a terceira concepo de texto da autora (texto como lugar de inte-rao) pode ser correlacionada com a segunda vertente conceitual. Nessa segunda vertente, podemos observar, como j mencionado, a presena da influncia dos estudos do Crculo de Bakhtin. Conceitos centrais de sua teoria, como interao, dialogismo, gneros do discur-

  • Lingustica Textual

    26

    so, esferas sociais, so fundamentais para a construo do conceito de texto dessa vertente, isto , o texto como unidade da comunicao discursiva, como lugar de interao.

    Nesta Unidade, apresentamos o histrico da Lingustica Textual e as principais concepes de texto desenvolvidas pela rea. Na prxima Unidade, vamos discutir a concepo de texto luz dos estudos da tex-tualidade.

    Leia mais!

    Sobre a trajetria da Lingustica Textual, indicamos a leitura do artigo de Ingedore Villaa Koch (2001) intitulado Lingstica Textual - Quo va-dis?, publicado pela revista DELTA, disponvel em: < http://www.scielo.br/pdf/delta/v17nspe/6708.pdf >. Acesso em: 10/11/2011.

    Para aprofundamento sobre as concepes de texto, indicamos a leitura do captulo Concepes de lngua, sujeito, texto e sentido, publicado no livro Desvendando os segredos do texto (2002), tambm de autoria de Ingedore Villaa Koch.

  • Unidade BO texto na tica dos estudos da textualidade

    As fiandeiras. Velasquez, 1655.

  • Nesta Unidade, vamos abordar o texto na tica dos estudos da tex-tualidade. Para tanto, abordaremos a concepo de texto dessa verten-te, o conceito de textualidade e princpios que constituem a tessitura dos textos, chamados de princpios de textualidade, os quais sero relidos luz dos aspectos discursivos do texto e dos gneros do discurso/textu-ais. Apesar de o estudo dos princpios de textualidade estar ligado a um momento de pesquisa clssico da Lingustica Textual, consideramos que o aprofundamento dessa temtica, contraposta e complementada hoje com os estudos dos gneros do discurso/textuais, extremamente relevante para a formao do professor de Lngua Portuguesa (e do professor de um modo geral), pois lhe fornece base terica necessria para o trabalho com deter-minados aspectos do ensino e aprendizagem das prticas de escuta, leitura e produo textual. Por essa razo, ao final de cada Seo, tambm sero apresentadas algumas orientaes pedaggicas para o trabalho em sala de aula. Salientamos que essa opo de abordagem terica, ainda que mencio-nada por alguns autores da Lingustica Textual, no foi desenvolvida at o presente. Optamos por faz-la aqui, pelas razes acima indicadas.

    Ao final desta Unidade esperamos que voc seja capaz:

    Reconhecer a concepo de texto a partir dos estudos da textu-alidade;

    Reconhecer os princpios de textualidade;

    Identificar o papel dos princpios de textualidade na tessitura dos textos;

    Reler os princpios de textualidade luz das teorias dos gneros do discurso/textuais;

    Reconhecer a importncia do conhecimento dos princpios de textualidade para o trabalho com o ensino e a aprendizagem das prticas de escuta, leitura, produo textual e anlise lin-gustica nas aulas de Lngua Portuguesa.

    Para atingir os objetivos propostos, dividimos a Unidade em sete captulos: no primeiro captulo da unidade, discutiremos o conceito de textualidade; nos demais, apresentaremos os princpios de textualidade, seguidos de orientaes para o trabalho em sala de aula.

  • Captulo 03Noes gerais

    29

    3 Noes gerais

    Na dcada de oitenta, no Brasil, os aspectos mais focalizados nas pesquisas em Lingustica Textual foram os princpios de textualidade, a partir do conceito introduzido por Robert-Alain de Beaugrande e Wol-fgang Dressler, em 1981, no livro Introduction to text linguistics. Para os autores, o texto pode ser definido como uma ocorrncia comunicativa que rene/satisfaz sete princpios constitutivos da textualidade, que so:

    a) coeso;

    b) coerncia;

    c) intencionalidade;

    d) aceitabilidade;

    e) informatividade;

    f) situacionalidade;

    g) intertextualidade.

    No livro citado, os autores no apresentam explicitamente um con-ceito de textualidade, mas, pela anlise da obra e dos princpios de tex-tualidade propostos, podemos definir a textualidade como o conjunto de caractersticas manifestas/percebidas no texto, em uma dada situao de interao, que fazem com que o mesmo seja compreendido pelos interlo-cutores como um todo significativo, na situao de interao considerada.

    Assim, dada a relevncia dos princpios de textualidade para a compreenso de como se constitui o texto e sua interpretao, eles sero o objeto de estudo desta Unidade. No entanto, guisa de introduo, faremos j aqui uma breve exposio de cada um deles, segundo a con-cepo de Beaugrande e Dressler (2002 [1981]):

    Coeso Diz respeito s formas como os componentes do tex-to de superfcie, isto , as palavras que efetivamente ouvimos ou lemos, conectam-se em uma sequncia veiculadora de sen-tido. Para isso, a coeso deve se relacionar com os outros prin-cpios de textualidade;

    No Brasil, a textualidade foi articulada por muitos pesquisadores com a noo de texto como se-quncia de enunciados. O exemplo mais eloquente dessa perspectiva terica o conceito de Koch e Travaglia (1989, p. 26): textualidade ou textura o que faz de uma sequ-ncia lingustica um texto e no uma sequncia ou um amontoado aleatrio de frases ou palavras.

    Como a obra de Beau-grande e Dessler de 1981 que citamos uma verso digitalizada de 2002, va-mos usar esta data como referncia nas citaes, se-guida da data da primeira edio entre colchetes.

    Dressler e Beaugrande

  • Lingustica Textual

    30

    Coerncia Diz respeito s formas nas quais os componentes do mundo textual, isto , a configurao de conceitos e relaes que subjazem ao texto de superfcie, so mutuamente acessveis e relevantes. A coerncia no uma mera caracterstica dos textos, mas antes o resultado de processos cognitivos entre os usurios de textos;

    Intencionalidade Diz respeito atitude do produtor de que o conjunto de ocorrncias deva constituir um texto coeso e coe-rente, eficiente ao cumprir as intenes do produtor Relaciona--se s intenes do autor, que podem ser informar, impressio-nar, convencer, pedir, ofender etc.;

    Aceitabilidade Diz respeito atitude do interlocutor do texto de que o conjunto de ocorrncias deva constituir um texto coeso e coerente e que tenha algum uso e relevncia para o interlocutor;

    Informatividade Diz respeito ao grau de informao con-tido em um texto: se as ocorrncias do texto apresentado so esperadas versus no-esperadas, ou conhecidas versus desco-nhecidas/incertas;

    Situacionalidade Diz respeito aos fatores que tornam um texto relevante para uma dada situao de ocorrncia. O sentido e a compreenso do texto so decididos pela situacionalidade;

    Intertextualidade Diz respeito aos fatores que fazem a com-preenso de um texto dependente do conhecimento de um ou mais textos j existentes.

    Esses princpios de textualidade tm sido rediscutidos recente-mente, uma vez que, poca, foram interpretados e aplicados por pes-quisadores no estudo do texto concebido como produto. Beaugrande, no livro New foundations for a science of text and discourse: freedom of access to knowledge and societythrough discourse (Novos fundamentos para uma cincia do texto e do discurso: liberdade de acesso ao conhe-

    Robert de Beaugrande disponibilizava grande par-te de sua produo terica

    em seu stio pessoal: http://www.beaugrande.com/

  • Captulo 03Noes gerais

    31

    cimento e sociedade atravs do discurso) (2004 [1997]), aborda essa problemtica. Discute, inicialmente, o fracasso de se estudar o texto a partir de sua descrio formal como conjunto de frases, porque o tex-to , em essncia, uma unidade funcional. Dessa constatao, lembra o autor, o foco passou da elaborao de gramticas do texto para o estudo da textualidade.

    Apesar disso, salienta que essa passagem no foi suficientemente longe, pois os princpios de textualidade propostos na obra de sua auto-ria e de Dressler (1981) foram equivocadamente interpretados a partir de uma perspectiva formal (texto produto, abstrado das condies de produo) e luz dos estudos estruturalistas, fazendo uma correlao entre os princpios de textualidade e os nveis lingusticos, com vistas a analisar os textos: Passou-se a associar coeso com morfologia, sintaxe e gramtica; coerncia com semntica; intencionalidade, aceitabilidade e situacionalidade com pragmtica; informatividade com tpico/comen-trio e tema/rema; e intertextualidade com estilstica.

    Essas correlaes, segundo o autor, so inadequadas, pois os nveis lingusticos foram descritos em termos formais e no isolamento da lin-guagem nela prpria como um sistema virtual (abstrato). A associao dos princpios de textualidade a nveis lingusticos fez com que se olhas-se o texto como produto, a partir de sua imanncia, e incentivou que se tratasse cada princpio de textualidade isoladamente, sem correlao com os outros. Alm disso, esses princpios de textualidade foram reli-dos como caractersticas do texto em si e como critrios/fatores para se avaliar se um dado texto particular era coeso ou no, coerente ou no, por exemplo.

    Para Beaugrande (2004 [1997]), esses princpios deveriam ser vis-tos de modo funcional, integrado e em uma perspectiva transdisciplinar, pois o texto um evento comunicativo em que convergem questes de ordem lingustica, cognitiva e social. Portanto, a textualidade no s a qualidade essencial de todos os textos, mas tambm uma realizao hu-mana sempre que um texto textualizado [...] um texto no existe como texto a no ser que algum o esteja processando. (BEAUGRANDE, 2004

    Segundo o estruturalismo, a lngua uma estrutura composta de diferentes nveis hierarquizados. Cada nvel uma camada de anlise, possui suas re-gras e formado por uni-dades, cujas combinaes formam as unidades do nvel superior. Por exem-plo, a combinao dos fonemas (nvel fonolgi-co) produz os morfemas (nvel do morfema).

  • Lingustica Textual

    32

    [1997], cap. I, 41).Em outras palavras, os sete princpios de textualidade no so critrios/regras para identificar textos e no-textos pois no existem no-textos , mas so princpios que orientam o processamento (produo) do texto e sua interpretao, e com os quais se atribui tex-tualidade a um artefato. Um texto como produto um mero artefato, segundo o autor, que se transforma em um texto no ato da interao.

    Vale destacar que, dado o sentido que se cristalizou em torno do termo textualidade, como resultado das abordagens que tomaram o tex-to como produto, surge, em muitas pesquisas recentes, o termo textuali-zao, com o objetivo de evidenciar um afastamento terico em relao a essa noo de textualidade, que a instancia no texto como produto e a toma como fundamento para estabelecer a fronteira entre um texto e um no-texto. Na perspectiva da textualizao, o sentido do texto no reside na sua materialidade, pois est atrelado s condies de produo do texto, ou seja, s condies cognitivas e sociais que esto imbricadas nos eventos comunicativos. Assim sendo, o sentido do texto no est no texto, no dado pelo texto, mas produzido por locutor e alocut-rio a cada interao, a cada acontecimento de uso da lngua (COSTA VAL, 2008, p. 60). Podemos observar que esse conceito de textualizao converge para a noo de textualidade conforme proposta por Beau-grande e Dressler (2002 [1981]).

    Com as crescentes pesquisas acerca dos gneros do discurso no campo da Lingustica Aplicada e na vertente enunciativa da Lingustica Textual, os princpios de textualidade podem ser relidos luz dos gne-ros. Os estudos sobre os gneros do discurso intensificam-se no Brasil desde a dcada de noventa, em decorrncia, dentre outros fatores, dos estudos do texto a partir de suas condies de produo e da publicao dos Parmetros Curriculares Nacionais (1997) pelo MEC.

    De modo sucinto, segundo Bakhtin (2003 [1979]), os gneros cons-tituem-se a partir do surgimento e da (relativa) estabilizao de novas situaes sociais de interao e, uma vez constitudos, medeiam as inte-raes dessa situao social.

    Essa concepo de texto tem relaes com a con-cepo de texto desen-

    volvida por Bakhtin, que apresentaremos na Uni-dade C: o texto pode ser

    estudado como estrutura ou como enunciado

    Mikail Bakhtin

  • Captulo 03Noes gerais

    33

    Cada gnero tem sua concepo de autor e interlocutor, tem uma finalidade discursiva prpria e apresenta certo modo de composio textual e estilo particular. Por exemplo, o mesmo indivduo assume pa-pis de autoria bastante diversos ao escrever um romance ou uma tese; um artigo cientfico e um livro didtico dirigem-se a interlocutores dis-tintos; a finalidade discursiva do artigo cientfico (apresentar resultados de pesquisa) diferente daquela que tem o livro didtico (apresentar contedos escolares aos alunos e mediar seu ensino e aprendizagem); o artigo cientfico e a notcia tm estilos diferentes, mesmo que ambos sejam redigidos na variedade lingustica de prestgio.

    Tomemos, como exemplo, o caso do gnero bula de medicamento.

    Originalmente destinada a servir para comunicao entre o laboratrio

    e o profissional de sade, a bula era vertida em estilo tcnico e bastante

    hermtico. Em tempos recentes, devido ao interesse do paciente em

    acompanhar a prescrio mdica, ou, talvez, devido ao reconhecimen-

    to do fenmeno da automedicao, o estilo da bula passou a ser cada

    vez mais acessvel ao cidado comum e j existem muitas bulas didati-

    camente escritas na forma de perguntas e respostas.

    Os gneros do discurso so concebidos como modos sociais de in-terao scio-historicamente constitudos, pois conduzem o processo de produo e interpretao de textos. Segundo Bakhtin (2003 [1979]), no conseguimos interagir com pertinncia em dada situao se no dominarmos o gnero dessa interao. No processo de produo, os g-neros balizam o autor: em que esfera social se encontram autor e inter-locutor? Em qual interao social? Qual a finalidade dessa interao? Quem o interlocutor previsto? O que dizer e como dizer? No ato da leitura, se no soubermos a que gnero relacionar o texto que estamos lendo, teremos dificuldade em interpret-lo. Ser um artigo assinado? Uma crnica? Um editorial? Esses trs gneros circunscrevem diferen-tes situaes de interao e, por isso, apresentam diferentes finalidades discursivas, o que gera expectativas distintas para o interlocutor e dife-rentes possibilidades de interpretao dos textos a eles vinculados.

  • Lingustica Textual

    34

    Nessa conceituao de gnero, podemos propor que os princpios de textualidade so balizados pelos gneros, pois estes vo orientar di-ferenas de textualizao dos textos que se inscrevem em diferentes g-neros. At mesmo os princpios de textualidade que foram inicialmen-te compreendidos como ligados materialidade do texto a coeso e a coerncia constituem aes lingusticas e discursivas mobilizadas com vistas a cumprir o propsito discursivo dos interlocutores dentro de determinado gnero.

    A construo da coeso dos textos, por exemplo, largamente orientada pelos gneros. possvel perceber nos fragmentos de texto a seguir a diferena de manifestao lingustica da coeso em um artigo de divulgao cientfica e em um conto, que est ligada tambm ao estilo de cada um dos gneros.

    1) Em sua teoria da relatividade especial de 1905, Einstein mos-trou que nossas noes de espao e tempo como entidades rgi-das e imutveis so iluses causadas pelo fato de que os nossos movimentos so muito lentos, se comparados velocidade da luz. Se nos movssemos a velocidades comparveis, mas me-nores, veramos as coisas encolhendo e o tempo passaria mais devagar para elas. Entre as conseqncias, Einstein demonstra a equivalncia entre energia e matria, algo que s possvel a altssimas energias. Na relatividade geral, de 1916, Einstein redefine a gravidade como sendo a curvatura do espao. A ex-panso do Universo e os buracos negros so descritos por essa teoria.

    2) Era uma vez um menininho, de carne e osso, igual a tantos que se deleitam nas coisas simples que a vida d. Ria nos seus mun-dos de faz de conta, voava nas asas dos urubus, assustava os peixes, nariz achatado nos vidros dos aqurios, assobiava para os perus, andava na chuva. Todas estas coisas que as crianas fazem e os adultos desejam fazer e no fazem, por vergonha. Sua vida escorria feliz por cima do desejo.

  • Captulo 03Noes gerais

    35

    Como destacam Beaugrande e Dressler (2002 [1981], cap. 4, 41, grifo dos autores),

    se a textualidade assenta-se sobre continuidade [...], os usurios de texto veriam, naturalmente, as situaes e eventos do texto e do mun-

    do como relacionados. Lacunas perceptveis poderiam ser preenchidas

    mediante atualizao, isto , fazendo inferncias sobre como o texto-

    -mundo est evoluindo.

    Dessa forma, mediante anlise dos tempos verbais, o lei-tor pode concluir, no primeiro caso (artigo de divulgao cien-tfica), que o tempo presente usado para expressar as verda-des gerais da cincia. J no segundo trecho (conto), os verbos no pretrito imperfeito descrevem a situao inicial de uma nar-rativa, anterior ao conflito. Ento, leitores familiarizados com o gnero conto, sabem que a situao descrita eventualmente ser, total ou parcialmente, alterada.

    Segundo Koch (1991 [1989]), a recorrncia de termos verbais um mecanismo de coeso, pois indica se se trata de um sequncia de comen-trio (demonstra, redefine) ou de relato (assobiava, andava, escorria).

    Sobre a relao entre gneros e textualidade, Matencio (2006) conside-ra que os estudos dos gneros tm o potencial de promover reflexes acerca das relaes entre a materialidade lingustica e textual e o contexto histrico de produo de sentidos, e possibilita que se considere, a um s tempo:

    (i) as instncias ou esferas sociais que delimitam historicamente os dis-cursos e seus processos, particularmente no que se refere s relaes

    entre instituies, lugares e papis sociais e s suas representaes;

    (ii) as prticas discursivas efetivamente em construo nessas instncias num aqui-agora, num dado evento de interao, ou seja, a assuno

    efetiva de lugares e papis comunicativos, as representaes das aes

    que se deve empreender e dos modos pelos quais elas podem se mate-

    rializar numa forma linguageira;

    (iii) os processos de textualizao que da resultam, isto , a pro-duo de aes linguageiras, por um eu e por um tu, no aqui--agora. (MATENCIO, 2006, p. 139-140, grifo nosso).

    Essa questo ser abor-dada no Captulo sobre coeso.

    So exemplos de esferas sociais a escola, a cincia, o jornalismo, a arte, a religio etc.

  • Lingustica Textual

    36

    Vejamos, na citao de Costa Val a seguir, como podem ser apreendidos os princpios de textualidade, tal como propostos por Beaugrande e Dressler (2002 [1981]) e retomados nos estudos mais atuais, a partir da exemplificao da relao desses princpios em um texto de um dado gnero, o catlogo telefnico:

    Um catlogo telefnico, que no apresenta as marcas lingusticas de co-

    eso responsveis pela textura, tal como concebem Halliday & Hasan

    (1976), analisado por Beaugrande (1997) como produto que se textu-

    aliza num rico processo lingustico, cognitivo e cultural, medida que a

    ele aplicamos os sete princpios: com a coeso, conectamos suas formas

    e padres (nomes e nmeros dispostos em lista); com a coerncia, co-

    nectamos seus significados; considerando a intencionalidade, supomos

    que ele tenha algum propsito e interpretamos o que os produtores po-

    deriam pretender significar e conseguir com aquela disposio formal

    e semntica; atentando para a aceitabilidade, assumimos o que preten-

    demos com ele e o que nos dispomos a fazer para tom-lo como texto;

    buscando informatividade, trabalhamos no sentido de interpretar os

    contedos que ele nos apresenta a partir dos nossos conhecimentos

    anteriores; em termos de situacionalidade, relacionamos o evento-texto

    s circunstncias em que interagimos com ele, considerando como sua

    configurao pode torn-lo til e pertinente aos objetivos que temos

    em mente; ao interagir com ele, inevitavelmente, recorremos nossa

    experincia anterior com outros textos, processando-o, pois, em funo

    da rede de intertextualidade em que o situamos. (COSTA VAL, 2000).

    Implicaes para o processo de ensino e aprendizagem:

    Como vimos neste Captulo, segundo Beaugrande (2004 [1997]),

    no existem no-textos. Isso porque quando as pessoas interagem,

    elas buscam a resposta do interlocutor e, para isso, procuram cons-

    truir um texto que atinja essa intencionalidade. Essa posio pode

    levantar questionamentos para o professor de Lngua Portuguesa,

    tais como: Se no existe o no-texto, se tudo texto, se no existe

    O exemplo da autora semelhante ao proposto

    por Beaugrande (2004 [1997]), no qual a autora

    se baseia.

    A autora no relaciona os princpios de textua-lidade com a noo de gneros. No entanto, o

    modo como a apresenta a exemplificao torna a

    relao pertinente.

  • Captulo 03Noes gerais

    37

    texto sem coerncia e sem coeso, uma vez que os princpios de textua-

    lidade esto sempre presentes, ento, no h nada mais a fazer com os

    textos produzidos por meus alunos?. Veja a resposta de Beaugrande

    (2004 [1997]) e Costa Val (2000):

    Os princpios so aplicveis sempre que um artefato seja textualizado,

    mesmo que algum julgue o resultado incoerente, no intencional,

    inaceitvel etc. Esses julgamentos indicam que o texto no apro-

    priado (adequado para a ocasio), ou eficiente (fcil de lidar), ou eficaz

    (proveitoso para o objetivo proposto); mesmo assim um texto. Nor-

    malmente, as perturbaes e irregularidades so desconsideradas, ou,

    na pior das hipteses, interpretadas como sinais de espontaneidade,

    estresse, sobrecarga, ignorncia, e assim por diante, e no como perda

    ou negao da textualidade. (BEAUGRANDE, 2004 [1997], cap. 1, 52).

    Acredito, pelo contrrio, que este modo de compreender a textualida-

    de abre perspectivas mais promissoras para o ensino e gostaria, agora,

    de mostrar as possibilidades de aplicao que vejo para este quadro te-

    rico nas salas de aula de Lngua Portuguesa. (COSTA VAL, 2000).

    Na sequncia de seu artigo, a autora apresenta um texto de um

    aluno produzido em situao de exame e mostra como o professor

    pode interpretar diferentemente um texto de um aluno quando ele

    o olha no como um artefato, mas como resultado de uma ativida-

    de lingustico-cognitiva socialmente situada. O texto analisado :

    Meu amigo

    Eu queria ter um amigo e minha me o expulsou de casa.

    L fora tinha um pouco de gente e eu vendi o cachorro.

    E noite caiu um temporal. E a me teve que pagar um prejuzo maior,

    teve de trocar o telhado da casa.

  • Lingustica Textual

    38

    Costa Val demonstra que quando resgatamos as condies de pro-

    duo desse texto entendemos porque o aluno textualizou esse tex-

    to. Veja a anlise completa que ela faz desse texto, lendo o artigo da

    autora, que se encontra na webteca desta disciplina.

    Em resumo, quando o professor olha o texto de seu aluno a partir

    das condies de produo, ele consegue entender por que o aluno

    textualizou determinado texto e tem condies de indicar caminhos

    para que esse aluno, no ato da reescritura de seu texto, consiga ade-

    qu-lo quelas condies de produo, de modo que ele seja aceit-

    vel para aquela situao de interao. Vamos voltar a essa discusso

    na Unidade C deste livro e nas disciplinas de Lingustica Aplicada,

    quando discutirmos a noo de gneros e os processos de reescritu-

    ra de textos em sala de aula.

    Neste Captulo, exploramos o conceito de textualidade e aborda-mos brevemente os princpios de textualidade. Nos Captulos seguintes desta Unidade sero apresentados mais detalhadamente os sete princ-pios de textualidade.

  • Captulo 04Coeso textual

    39

    4 Coeso textual

    Beaugrande e Dressler (2002 [1981], cap. 4, 1) afirmam que co-eso e coerncia so noes centradas no texto, designando operaes dirigidas aos materiais do texto. primeira vista, parece que, para os autores, a coeso um fenmeno que deve ser analisado no texto de superfcie e explicado a partir dele. Essa impresso, contudo, logo se desfaz quando os autores discutem longamente a relao entre coeso e processamento cognitivo do texto.

    Apesar de a concepo cognitiva de coeso apresentada por Beau-grande e Dressler (1981) estar at mais afinada com as tendncias cog-nitivas de abordagem do texto, no restante deste captulo, adotaremos como referncia obras de Ingedore Koch, especialmente Koch (1989), por serem essas obras seminais que muito contriburam para populari-zar entre ns o conceito de coeso textual e tiveram uma importncia capital para a Lingustica Textual no Brasil.

    Na construo da textualidade podemos dizer que h duas grandes modalidades de coeso textual: a coeso referencial e a coeso sequencial. Vejamos o funcionamento desses dois movimentos coesivos na tessitura do texto analisado a seguir.

    Neste livro, dadas as condies materiais deste suporte, os exemplos

    apresentados so apenas de textos escritos. No entanto, ressaltamos

    que os princpios de textualidade referem-se tambm aos textos

    verbais orais e aos mediados por outros sistemas semiticos. Abor-

    daremos a questo dos textos multimodais na Unidade C.

    Texto 1

    Pinquio s avessas

    Era uma vez um menininho, de carne e osso, igual a tantos que se de-

    leitam nas coisas simples que a vida d. Ria nos seus mundos de faz de

    conta, voava nas asas dos urubus, assustava os peixes, nariz achatado

    Neste Captulo apresen-taremos a coeso textual sob a perspectiva da Lin-gustica Textual da dcada de oitenta. Na Unidade C, no captulo sobre referen-ciao, a coeso ser re-tomada sob a perspectiva dos estudos mais recentes da Lingustica Textual. Esse percurso tem por objetivo evidenciar a trajetria da Lingustica Textual, desde sua fase cognitivista at a fase sociocognitiva.

    A histria original de Pinquio foi escrita em 1881, na Itlia, por Carlo Lorenzini, sob o pseudnimo de Carlo Collodi. A histria versa sobre um bo-neco de madeira que queria se tornar um menino de verdade e alcana seu

    objetivo atravs da Fada Azul.

  • Lingustica Textual

    40

    nos vidros dos aqurios, assobiava para os perus, andava na chuva. To-

    das estas coisas que as crianas fazem e os adultos desejam fazer e no

    fazem, por vergonha. Sua vida escorria feliz por cima do desejo.

    No sabia que uma conspirao estava em andamento. Tudo come-

    ara bem antes, quando um nome lhe fora dado. Nome do pai. Claro,

    confisso de intenes: que o menino sem nome e sem desejos acei-

    tasse como seus o nome e desejos de um outro que ele nem mesmo

    conhecia. Filho, extenso do pai, realizao de desejos no realizados,

    sobrevivncia do seu corpo, uma pitada de onipotncia, uma gota de

    imortalidade.

    Que que ele vai ser quando crescer? Mdico? Diplomata? Cientista?

    E as conversas se prolongavam, temperadas com sorrisos e boas in-tenes, enquanto silenciosas se teciam as malhas do desejo em que pai e me esperavam colher/ acolher/ encolher o menino dos desejos

    simples...

    At que chegou o dia em que lhe foi dito: preciso ir para a escola. Todos os meninos vo. Para se transfor-

    marem em gente. Deixar as coisas de criana. Em cada criana brincante

    dorme um adulto produtivo. preciso que o adulto produtivo devore a

    criana intil.

    E assim aconteceu. H certos golpes do destino contra os quais intil lutar.

    O menino de carne e osso aprendeu coisas curiosas: nomes de heris,

    frases que teriam dito, as alturas de montes onde nunca subiria, as fun-

    duras de mares onde nunca desceria, a distncia de galxias, o SE, par-

    tcula apassivadora, o se, smbolo de indeterminao do sujeito, nomes

    de cidades de pases longnquos, suas populaes e riquezas, frmulas

    e mais frmulas...

    Sabia que tudo aquilo deveria ter um motivo. S que ele no entendia.

    O desejo permanecia selvagem. E disto eram prova aquelas notas ver-melhas no boletim, testemunhas de como o menino cavalgava longe do desejo dos outros, conspiradores secretos, escondidos na monoto-

    nia dos currculos que no faziam o seu corpo sorrir...

    Pra que serve tudo isto?, ele perguntava. E o pai respondia, sbio e paciente: Um dia voc saber. Por hora basta de saber que papai sabe o

    que melhor para seu filho...

  • Captulo 04Coeso textual

    41

    O menino cresceu. E aconteceu que, em meio s suas rotinas, veio a se encontrar com dois cavalheiros bem vestidos e de fala branda, que

    se puseram a contar estrias de um mundo encantado sobre o qual ele nunca ouvira falar. Eles disseram de heris em aventais brancos ca-

    valgando microscpios e telescpios, brandindo mquinas fantsticas

    e aparelhos misteriosos, em meio a lquidos mgicos que faziam viver

    e morrer, encastelados em templos onde as coisas visveis ficavam invi-

    sveis e as coisas invisveis ficavam visveis, e lhe disseram de prodgios

    de verdade, e lhe perguntaram se ele no desejava se transformar num

    mago, num artista... A recompensa? O Poder, o conhecimento de segre-

    dos que ningum conhece, a glria, ser olhado por todos como um ser

    diferente, sublime, superior. Se os seus prodgios fossem maiores que

    os de todos, ele poderia aparecer no palco supremo da cincia, em pas

    distante, onde os mortais se revestem de imortalidade...

    O menino grande se lembrou dos sonhos do menino pequeno. E sorriu.

    Finalmente, chegara o momento da sua realizao. Estranhou que os

    narizes dos respeitveis cavalheiros tivessem crescido enquanto fala-vam. Mas, logo o tranquilizaram: s para te cheirar melhor, meu filho...

    Comearam as transformaes. Primeiro os olhos. J no refletiam ou-tros olhares e nem borboletas... Aprenderam a concentrao, a discipli-

    na. Depois o corpo, que desaprendeu a dana, o voo dos papagaios e o brinquedo. Era necessrio dedicar-se totalmente. Os pensamentos

    abandonaram as fantasias e os contos de fadas. Passaram a morar no

    mundo das fbulas e dos experimentos. At o prazer da comida se sa-

    tisfez com os sanduches rpidos do almoo, e na cama o corpo se es-

    queceu do corpo...

    E aprendeu coisas preciosas. Que o corpo do cientista neutro. Que ele

    no se comove por consideraes de valor ou prazer. Que est acima da

    vida e da morte (isto coisa de polticos, militares e clrigos), em dedi-

    cao total ao saber. Bastava-lhe ser um devotado servidor do progresso

    da Cincia.

    Mas tantos sacrifcios acabaram por receber merecida recompensa. A sorte soprou, favorvel, e de seu corpo diferente surgiu uma nova ma-gia, e o palco da imortalidade lhe foi aberto. L, perante todos, compre-

    endeu que valera a pena. Duas lgrimas lhe rolaram pela face.

    J no era o menino de outrora, carne e osso, crescera. Estava diferente.

    Os aplausos de madeira enchiam a sala. Era a glria. E foi ento que o mi-

    lagre aconteceu. O recinto se encheu de suave luminosidade, e a Mosca

  • Lingustica Textual

    42

    Azul, que at ento s habitava os seus sonhos, veio de longe e roou

    o seu rosto com suas asas. E a grande transformao aconteceu. Era um

    boneco de madeira, inteligncia pura, sem corao. E os milhares de bonecos, iguais, de p, no paravam de tamanquear os seus aplausos ao novo irmo, enquanto gritavam o seu nome: Pinquio, Pinquio,

    Pinquio....

    ALVES, Rubem. Pinquio s avessas: uma estria sobre crianas e esco-las para pais e professores. Campinas, SP: Verus Editora, 2005.

    No Texto 1, os elementos destacados em roxo e em negrito so exemplos de mecanismos de coeso textual. Koch (2004, p. 35) define coeso como [...] a forma como os elementos lingusticos presentes na superfcie textual se interligam, se interconectam, por meio de recur-sos tambm lingusticos, de modo a formar um tecido (tessitura), uma unidade de nvel superior da frase, que dela difere qualitativamente. Ela responsvel, em grande medida, pela legibilidade do texto, uma vez que explicita as relaes semntico-discursivas entre os elementos lingusticos que compem o texto.

    As palavras destacadas em roxo correspondem a elementos que fazem referncia a outro elemento do texto. Na maior parte do texto, desenvolve-se um processo de retomada do item Pinquio, que ocorre desde o ttulo do texto, Pinquio s avessas, at o fechamento do texto, Pinquio, Pinquio, Pinquio... H tambm referncias a outros itens le-xicais textualizados no texto, como o caso de corpo do cientista, que retomado pelos pronomes ele e lhe em: Que o corpo do cientista neutro. Que ele no se comove por consideraes de valor ou prazer. [...] Bastava-lhe ser um devotado servidor do progresso da Cincia [...]

    J as palavras destacadas em negrito correspondem a elementos que atuam na sequenciao no texto, ou seja, fazem o texto progredir, como, por exemplo: E as conversas se prolongavam, temperadas com sorrisos e boas intenes, enquanto silenciosas se teciam as malhas do desejo em que pai e me esperavam colher/ acolher/ encolher o menino dos desejos simples [...].

    Como podemos observar na anlise de alguns dos mecanismos de coeso no texto Pinquio s avessas, existem dois grandes movimentos

  • Captulo 04Coeso textual

    43

    de coeso textual: a retomada de um item lexical (palavras destacadas em roxo) ou a sequenciao do texto (palavras destacadas em negrito). Esses dois grandes movimentos de coeso textual (coeso referencial e coeso sequencial) tm a funo de estabelecer relaes semntico--discursivas entre os segmentos do texto, de modo que o processo de construo do texto, por meio de retomadas e sequenciaes, constitua--se como uma unidade de sentido.

    De acordo com Koch (1991[1989]), a coeso referencial aquela em que um componente da superfcie textual faz remisso a outro(s) elemento(s) do universo textual, ou seja, aquela que marca as retoma-das dos referentes textuais ao longo do texto. Koch (1991[1989]) chama de forma referencial ou forma remissiva o componente que faz referncia a outro elemento do texto e de elemento de referncia ou referente textual a forma que referenciada. (KOCH, 1991[1989]).

    Como exemplo de coeso referencial, podemos apontar, no Texto 1, as ocorrncias dos pronomes sua e lhe (formas referenciais/remis-sivas), que fazem referncia a outro elemento do texto. O pronome possessivo sua (Sua vida escorria feliz por cima do desejo) e o pronome pessoal lhe (Tudo comeara bem antes, quando um nome lhe fora dado), como formas referenciais/remissivas, retomam o referente textual ativa-do anteriormente: Pinquio s avessas. Do mesmo modo, as formas remissivas menininho de carne e osso, menino sem nome e sem de-sejos, filho, extenso do pai, ele, menino de carne e osso, menino de outrora retomam o referente textual Pinquio.

    Entretanto, essas retomadas, no processo coesivo, no tm somente a funo de estabelecer a ligao com o referente, pois esse referente no idntico: ele muda ao longo do texto, e as retomadas coesivas apon-tam para essa mudana; logo, o processo coesivo no tem implicaes somente na interligao, mas tambm na ressignificao do referente. Por exemplo, Pinquio retomado, mas tambm ressignificado como menininho de carne e osso e, no final, como boneco de madeira, inte-ligncia pura, sem corao.

    Essa questo ser retoma-da na Unidade C.

  • Lingustica Textual

    44

    De acordo com Koch (1991[1989]), a referncia/remisso a um referente textual pode ser exofrica ou endofrica. A exofrica ocorre quando a remisso feita a algum elemento de referncia da situao comunicativa, isto , quando o referente est fora do texto. J a endof-rica, por sua vez, ocorre quando o referente est expresso no texto. Se o referente textual preceder a forma referencial/remissiva, tem-se a anfo-ra; se vier aps a forma referencial/remissiva, tem-se a catfora.

    No Texto 1, temos um exemplo de anfora em: [...] dois cavalheiros bem vestidos e de fala branda, que se puseram a contar estrias de um mundo encantado sobre o qual ele nunca ouvira falar. Eles disseram de heris em aventais brancos cavalgando microscpios e telescpios, bran-dindo mquinas [...], uma vez que se e eles fazem referncia/remisso a dois cavalheiros e essa retomada est textualizada aps o referente tex-tual. J em Tudo comeara bem antes temos um caso de catfora, pois a forma remissiva/referencial Tudo resumitiva de um referente que ser explicitado em seguida: quando um nome lhe fora dado.

    J a coeso sequencial consiste em estabelecer conexo e interrelao entre partes do texto, com o objetivo de possibilitar a progresso textual. Koch (2004, p. 35) conceitua a coeso sequencial da seguinte maneira:

    A coeso sequencial diz respeito aos procedimentos lingusticos por

    meio dos quais se estabelecem, entre os segmentos do texto (enuncia-

    dos, partes de enunciados, pargrafos e mesmo sequncias textuais),

    diversos tipos de relaes semnticas e/ou pragmtico-discursivas,

    medida que se faz o texto progredir.

    A progresso textual pode acontecer com ou sem o uso de elemen-tos recorrentes, ou seja, retomando ou no itens lexicais j textualizados nos texto (KOCH, 1991[1989]). No que se refere coeso por meio de procedimentos de recorrncia, podemos citar como exemplos: recor-rncia de termos, de estruturas sintticas, de assuntos, de tempo verbal.

    Dentre os mecanismos de coeso sequencial no Texto 1, podemos di-zer que a recorrncia de tempo verbal um importante elemento de se-quenciao do texto. Tendo em vista de que se trata de uma narrativa, h a

    Nas pesquisas atuais, utiliza-se o termo anfora

    para se referir aos dois processos. Assim, na Uni-dade C, aprofundaremos

    o conceito de anfora.

  • Captulo 04Coeso textual

    45

    predominncia de verbos do mundo do narrar. Esses verbos do mundo do narrar so alternados ao longo do texto para que, por meio da mudana dos tempos verbais, a prpria narrativa tome corpo e movimento. Inicialmente, temos o menino de carne osso, que introduzido por uma recorrncia de verbos no pretrito imperfeito: Era uma vez um menininho, de carne e osso, igual a tantos que se deleitam nas coisas simples que a vida d. Ria nos seus mundos de faz de conta, voava nas asas dos urubus, assustava os peixes, nariz achatado nos vidros dos aqurios, assobiava para os perus, andava na chuva. Todas estas coisas que as crianas fazem e os adultos desejam fazer e no fazem, por vergonha. Sua vida escorria feliz por cima do desejo.

    Depois, ao passo que se desenrola a narrativa, o tempo verbal se altera para marcar o incio da ao, uma vez que na narrativa h uma ao/evento que se desenrola em um tempo e em um espao. Essa ao se circunstancia atravs da mudana dos tempos verbais; passa-se, en-to, da recorrncia do pretrito imperfeito para a recorrncia pretrito perfeito: At que chegou o dia em que lhe foi dito: preciso ir para a escola. [...] E assim aconteceu. O menino de carne e osso aprendeu [...].

    Na sequncia, h novas alternncias dos tempos verbais (entre elas o uso do mais-que-perfeito) at que, por fim, novamente volta-se recorrn-cia do pretrito imperfeito: Era um boneco de madeira, inteligncia pura, sem corao. E os milhares de bonecos, iguais, de p, no paravam de ta-manquear os seus aplausos ao novo irmo, enquanto gritavam o seu nome: Pinquio, Pinquio, Pinquio... Assim, no desfecho da narrativa, h um retorno ao uso do tempo verbal utilizado no incio do texto (pretrito im-perfeito). As alternncias marcam a ao ocorrida e o desfecho marcado pela retomada do tempo verbal utilizada no incio do texto. Essas alternn-cias verbais na narrativa marcam o movimento do texto e, fundamental-mente, expressam a mudana sofrida pelo personagem Pinquio. Assim, a transformao do menino de carne e osso para o menino de madeira textualizada no s por meio de formas nominais, como tambm atravs da alternncia dos tempos verbais. Em sntese, podemos dizer que a recor-rncia de tempos verbais, juntamente com as formas nominais, alm de es-tabelecerem a coeso textual, incidem na construo da coerncia do texto, corroborando para a construo de sentidos no texto durante a sua leitura.

  • Lingustica Textual

    46

    Alm das recorrncias, a coeso pode se realizar por meio de su-cessivos encadeamentos, assinalados por uma srie de marcas lingusti-cas atravs das quais se estabelecem, entre os enunciados que compem o texto, determinados tipos de relao (KOCH, 1991 [1989], p. 55), tais como: manuteno do tema; estabelecimento de relaes semnticas e/ou pragmticas entre os segmentos maiores ou menores do texto; orde-nao e articulao de sequncias textuais. Em resumo, esses mecanis-mos de coeso sequencial estabelecem procedimentos de: manuteno temtica, progresso temtica e encadeamento.

    Observemos, primeiramente, o Texto 2, que servir de base para os exemplos que sero posteriormente apresentados.

    TEXTO 2

    Obama: alm de tudo, sortudo

    George W. Bush foi um dos presidentes mais populares dos EUA,

    com ndices de aprovao que chegaram a bater em 90% depois

    do 11 de setembro, mas sai da Casa Branca pela porta dos fundos,

    com uma crise financeira internacional sem precedentes, com as

    contas dos EUA de pernas para o ar e com a biografia para sempre

    manchada por ter invadido o Iraque em cima de uma mentira a

    das armas qumicas, afinal inexistentes e passando por cima da

    ONU. Quantos soldados americanos pagaram e quanto a economia

    do pas pagou por isso?

    Barack Obama, o senador negro, nascido no Hava, filho de queniano,

    um salto histrico enorme. Um salto de qualidade, pela simbologia,

    pela concretizao de uma mudana profunda que poltica, social e

    cultural. Mas tambm um salto no escuro. Aos 47 anos, bastante

    jovem para o desafio, jamais ocupou cargos executivos de ponta e era

    um desconhecido no apenas no mundo, mas dentro do prprio EUA,

    at sair da cadeira de senador e bater a ento imbatvel Hillary Clinton

    nas primrias do Partido Democrata.

    Para fazer um bom governo, um governo to extraordinrio quanto sua

    eleio, Obama conta com fatores objetivos e subjetivos. O mais objeti-

    vo de todos a fora poltica: ele venceu com uma margem expressiva

    e surpreendente de votos, contrariando as sempre apertadas eleies

    Disponvel em: Acesso em: 20 de

    jan. de 2009.

  • Captulo 04Coeso textual

    47

    americanas (vide a do prprio Bush...), vai unir um democrata na Casa

    Branca com uma slida maioria democrata no Congresso, contrariando

    a tradio, e chega ao poder da maior, ou nica, potncia, com uma

    simpatia internacional poucas vezes vista.

    Alm disso, Obama se beneficiou do timing da crise: ela se alastrou

    pelo mundo e foi aguda durante a campanha,mas est ficando sob

    controle e tende a amenizar por gravidade no incio do seu governo.

    Ou seja: a crise de certa forma prejudicou as pretenses do republi-

    cano John McCain, correligionrio de Bush, e favoreceu Obama, que

    democrata e baseou o discurso na mudana, na capacidade de

    tirar o pas do atoleiro. E ele, ao assumir em 20 de janeiro de 2009,

    j dever encontrar um ambiente econmico muito mais sereno, ou

    pelo menos muito menos assustador. E poder capitalizar indireta-

    mente o clima do pior j passou.

    Seu desafio ser recolocar as contas pblicas, o balano de pagamentos

    e os indicadores macro-econmicos americanos no lugar. Mas sem o

    desespero da crise de setembro e outubro. No ser fcil, e o risco de

    frustrao realmente existe, mas possvel e bem provvel que a situ-

    ao no incio do seu governo esteja muito melhor do que no fim do

    mandato Bush. O primeiro passo acertar na equipe, com os homens e

    mulheres certos nos lugares certos.

    Tudo somado, temos que Barack Hussein Obama, alm de todos os

    predicados concretos, tem tambm aquele que fundamental: sor-

    te. A expectativa que assuma justamente quando o pior da crise j

    tiver passado, prontinho para fazer o que preciso fazer e colher no

    final os louros.

    Se a fase aguda da crise parece estar passando, isso vale tambm

    para o Brasil, onde Lula mantm seus 80% de popularidade, os indi-

    cadores da indstria ainda no acusaram o golpe e tudo indica que,

    entre mortos e feridos, a campanha de Dilma Rousseff em 2010 vai

    muito bem, obrigada.

    L nos EUA, como aqui no Brasil, Obama e Lula tm muitas coisas em

    comum. Uma delas essa: sorte, uma incomensurvel sorte. timo.

    Que isso reflita positivamente para os EUA, para o Brasil e principal-

    mente para o mundo.

    Eliane Cantanhde colunista da Folha, desde 1997, e comenta gover-

    nos, poltica interna e externa, defesa, rea social e comportamento. Foi

  • Lingustica Textual

    48

    colunista do Jornal do Brasil e do Estado de S. Paulo, alm de diretora de

    redao das sucursais de O Globo, Gazeta Mercantil e da prpria Folha

    em Braslia. E-mail: [email protected]

    A manuteno temtica nesse texto ocorre atravs do uso de termos pertencentes a um mesmo campo lexical. Vejamos o exemplo: Barack Obama, o senador negro, [...] bastante jovem para o desafio, jamais ocu-pou cargos executivos de ponta e era um desconhecido no apenas no mun-do, mas dentro do prprio EUA, at sair da cadeira de senador e bater a ento imbatvel Hillary Clinton nas primrias do Partido Democrata.

    Os itens lexicais destacados em negrito so termos recorrentes no campo poltico. Por isso, por meio desses termos, ativa-se um esquema cognitivo (frame) na memria do leitor, o que lhe possibilita o estabele-cimento das inferncias, bem como a possibilidade de avanar nas pers-pectivas sobre o que deve vir a seguir no texto.

    A manuteno temtica est, pois, ligada progresso temtica, que, por sua vez, est relacionada maneira como se estabelece a organizao e a hierarquizao das unidades semnticas no texto. Vejamos no Texto 2 como se organiza a progresso temtica. Esse texto tem como aconteci-mento desencadeador a eleio presidencial nos EUA em 2008. A partir desse evento, a colunista manifesta seu posicionamento sobre as condi-es em que se deu a eleio de Barack Obama, bem como sobre as con-dies favorveis em que se encontrava Obama para assumir o governo.

    Logo no ttulo, Obama, alm de tudo, sortudo, a autora anuncia a probabilidade de Obama ter um bom incio de governo. Isso porque, de acordo com autora, h um conjunto de fatores que beneficiam Oba-ma. Um desses fatores destacados no texto a fora poltica de Obama, conforme podemos verificar no seguinte fragmento: [...] ele venceu com uma margem expressiva e surpreendente de votos, contrariando as sem-pre apertadas eleies americanas (vide a do prprio Bush...), vai unir um democrata na Casa Branca com uma slida maioria democrata no Congresso, contrariando a tradio, e chega ao poder da maior, ou nica, potncia, com uma simpatia internacional poucas vezes vista.

  • Captulo 04Coeso textual

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    Outro fator apontado a crise financeira mundial, como podemos observar em: Alm disso, Obama se beneficiou do timing da crise: ela se alastrou pelo mundo e foi aguda durante a campanha, mas est ficando sob controle e tende a amenizar por gravidade no incio do seu governo. [...] E ele, ao assumir em 20 de janeiro de 2009, j dever encontrar um ambiente econmico muito mais sereno, ou pelo menos muito menos as-sustador. E poder capitalizar indiretamente o clima do pior j passou.

    Alm desses predicados concretos, a autora apresenta um terceiro, a sorte do presidente eleito. A sorte atribuda a Obama o fio condutor das consideraes tecidas pela colunista, bem como o fator preponderante, segundo ponto de vista defendido pela autora, para um bom incio de governo: Tudo somado, temos que Barack Hussein Obama, alm de todos os predicados concretos, tem tambm aquele que fundamental: sorte. A expectativa que assuma justamente quando o pior da crise j tiver pas-sado, prontinho para fazer o que preciso fazer e colher no final os louros.

    Para manifestar seu posicionamento, a autora organiza o texto da seguinte maneira:

    Ttulo - Apresenta a primeira insero do atributo sorte de Ba-rack Obama, o qual ser retomado no decorrer do texto e no seu fechamento.

    1 e 2 pargrafos - Estabelece uma comparao entre as condi-es em que o presidente dos EUA, George W. Bush, assumiu a presidncia e as condies em que encerrou seu mandato e apresenta Barack Obama e as condies em que se deu sua elei-o Presidncia dos EUA.

    3, 4 e 5 - Aprofunda a anlise sobre o cenrio em que se de-senrolou a eleio presidencial, tece consideraes sobre o fu-turo governo (os desafios) do recm-eleito Barack Obama, que figura central do texto. Apresenta e desenvolve os fatores que beneficiam o presidente eleito quando assumir a presidncia.

  • Lingustica Textual

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    6 - Inclui um novo fator com