Livro Plano Diretor2011[1]

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Projeto Rede de Avaliao e Capacitao para a Implementao dos Planos Diretores Participativos

Convnio:

IPPUR

Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional

Ministrio das Cidades

Secretaria Nacional de Programas Urbanos

Copyright Orlando Alves dos Santos Junior e Daniel Todtmann Montandon (Orgs.), 2011 editOr Capa prOJetO GrFiCO e editOraO revisO Joo Baptista Pinto Andreia Bessa Ilustrao: Andrs Sandoval Francisco Macedo Dos Autores

CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

P774 Os planos diretores municipais ps-estatudo da cidade: balano crtico e perspectivas / Orlando Alves dos Santos Junior, Daniel Todtmann Montandon (orgs.). Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatrio das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011. il. Apndice Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-089-1 1. Planejamento urbano. 2. Poltica urbana. 3. Planejamento regional. 4. Brasil. [Lei n.10.257, de 10 de julho de 2001]. 5. Direito urbano. I. Santos Junior, Orlando Alves dos, 1963-. II. Montandon, Daniel Todtmann. 1977-. III. Observatrio das Metrpoles. IV. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. 11-0665. 03.02.11 07.02.11 CDD: 711.40981 CDU: 711.4(81) 024355

ObservatriO das MetrpOles - ippUr/UFrJ Av. Pedro Calmon, 550, sala 537, 5 andar Ilha do Fundo Cep 21.941.901 Rio de Janeiro, RJ Tel/Fax 55-21-2598.1950 www.observatoriodasmetropoles.net

Telefax: (21) 3553-2236 / 2215-3781 www.letracapital.com.br

letra Capital editOra

Orlando Alves dos Santos Junior Daniel Todtmann MontandonOrganizadores

Os Planos Diretores Municipais Ps-Estatuto da Cidade: balano crtico e perspectivas

Rede de Avaliao e Capacitao para a Implementao dos Planos Diretores ParticipativosFicha Tcnica da Pesquisa Presidenta da Repblica Dilma Rousseff Ministrio das Cidades Ministro das Cidades Mrio Negromonte Secretrio Nacional de Programas Urbanos (Substituto) Celso Santos Carvalho Departamento de Planejamento Urbano Daniel Todtmann Montandon Departamento de Assuntos Fundirios Urbanos e Preveno de Riscos Sandra Bernardes Ribeiro Departamento de Apoio Gesto Municipal e Territorial Pedro Henrique Dcker Bastos Equipe Ministrio das Cidades Ana Margarida Botafogo Koatz Arquimedes Belo Paiva Bruna Martins de Melo Daniel Todtmann Montandon Fabiana Borges da Silva Moreira Luciana Gill Barbosa Marcel Cludio SantAna Nathan Belcavello de Oliveira Patrcia Roberta Pezzolo Paula Regina Comin Cabral Renata Helena da Silva Roberto Luis Torres Aquino Rodrigo de Almeida Santos IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional Prof. Jorge Natal Diretor Prof. Orlando Alves dos Santos Junior Vice-Diretor e Coordenador do Programa de Ps-Graduao Prof. Cludia Pfeiffer Coordenadora de Pesquisa, Documentao, Divulgao e Extenso Observatrio das Metrpoles Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro Coordenador Geral Coordenao Executiva Orlando Alves dos Santos Junior Coordenador Geral (IPPUR/UFRJ Observatrio das Metrpoles) Daniel Montandon Ministrio das Cidades Grazia de Grazia Ministrio das Cidades 2007-2008 Nelson Saule Polis Regina Ferreira FASE Raquel Rolnik FAU/USP Benny Schvasberg UnB

Coordenadores Regionais AL Regina Dulce Barbosa Lins UFAL AM Jussara Maria Pordeus e Silva UEA AP Gerson Gonzlez Instituto EcoVida BA Ana Fernandes Arquitetura-UFBa CE Valria Pinheiro Cearah Periferia - Observ. das Metrpoles DF Neio Campos UnB/NEUR ES Andr Tomoyuki Abe UFES GO Aristides Moyss PUC Gois Observ. das Metrpoles MA Frederico Lago Burnett UEMA MG Renato Barbosa Fontes Ao Urbana Observ. das Metrpoles MT Eduardo Cairo Chiletto UNIC MS ngelo Marcos Vieira de Arruda UFMS PA Simaia Mercs UFPA Observatrio das Metrpoles) PB Fernanda Costa Cooperativa Genesis PE Lvia Miranda FASE Observatrio das Metrpoles PI Luiz Eugnio Carvalho UFPI PR Gislene Pereira UFPR Observatrio das Metrpoles RJ Mauro Santos FASE Observatrio das Metroples RN Dulce Bentes UFRN Observatrio das Metrpoles RO Emanuel Pontes Meirelles CEAP RS Regina Maria Pozzobon CIDADE SC Luiz Alberto Souza FURB/NEUR SE Lvia Miranda FASE Observatrio das Metrpoles SP Kazuo Nakano Polis TO Germana Pires Coriolano Observatrio das Metrpoles

Assistentes de Pesquisa Mariana Alves Observatrio das Metrpoles Mariana Milo Observatrio das Metrpoles Patrcia Novaes Observatrio das Metrpoles Carolina Santos Observatrio das Metrpoles

Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano Achilles Leal Filho Governo do Estado da Paraba Alexandra Reschke Ministrio do Planjamento, Or. e Gesto Andr Queirz Guimares Frente Nacional de Vereadores pela Reforma Urbana Antnio Jos de Arajo Movimento Nac. de Luta pela Moradia Antnio Srgio Porto Sampaio Fed. Nac. Emp. Compra e Venda, Locao e Administrao de Imveis Arlete Moyss Rodrigues Associao dos Gegrafos Brasileiros

Carlos Henrique de Oliveira Central nica dos Trabalhadores Celso Santos Carvalho Ministrio das Cidades Csar Augusto Batista dos Santos Santos Confederao Nac. de Ass. de Moradores Edilza Maria da Silva Felipini Unio Nacional por Moradia Popular Edina Martins de Oliveira Central nica dos Trabalhadores Eduardo Lrio Guterra Confederao Nac. dos Trab. em Transporte rica Cristina Castilho Diogo Ministrio da Cultura Eugnia Glaucy Moura Ferreira Governo do Estado de Roraima Filadelfo Mendes Neto Governo do Estado do Maranho Germana Pires Coriolano Federao Nac. dos Arquitetos e Urbanistas Hlio Hamilton Vieira Jnior Associao Brasileira de COHABs Iramar Cardoso da Silva Movimento Nacional de Luta pela Moradia Joo Deon da Silva Unio Nacional por Moradia Popular Joo Mendes da Rocha Neto Ministrio da Integrao Nacional Jos Roberto Geraldine Jnior Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia Julieta Aparecida Tolentino de Abrao Central de Movimentos Populares Jurandir Guatassara Boeira Frente Nacional de Prefeitos Karla Fabrcia M. dos Santos de Azevedo Centro pelo Direito Moradia contra Despejos Larissa Garcia Campagner Conf. das Ass. Comerciais e Emp. do Brasil Manoel Wanderley de Oliveira Movimento Nac. da Micro e Peq. Empresa

Mrcia Regina Sartori Damo Ministrio da Integrao Nacional Maria Clara da Silva Pereira Movimento Nacional de Luta pela Moradia Maria da Glria Rincon Ferreira Governo do Distrito Federal Maria Gorete Fernandes Nogueira Conferncia Nacional de Ass. de Moradores Maria Teresa Peres de Souza Caixa Econmica Federal Mrcia Maria Alves da Silva Centro Dom Helder Cmara de Estudos e Ao Social Miguel Reis Afonso Frente Nacional de Prefeitos Nelma Maria Oliveira Lisboa Governo do Estado de Sergipe Nelson Saule Jnior Instituto de Estudos, Formao e Assessoria em Polticas Sociais Orlando Santos Junior Assoc. Nac. de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional Paula Ravanelli Losada Secretaria de Relaes Institucionais da Presidncia da Repblica Sandro Verssimo Oliveira de Miranda Governo do Estado de Minas Gerais Sergio Antonio Gonalves Ministrio do Meio Ambiente Usnia Aparecida Gomes Central de Movimentos Populares Valtudes Mendes da Silva Confederao Nac. de Ass. de Moradores Vanessa Alexandra Santos Rezende Confederao Nacional de Municpios Veruska Ticiana Franklin de Carvalho Confederao Nac. de Ass. de Moradores Vitria Clia Buarque Unio Nacional por Moradia Popular Wilson Bley Lipski Governo do Estado do Paran

sumrio

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ApresentAo Mrio Negromonte introduo Orlando Alves dos Santos Junior Renata Helena da Silva Marcel Claudio SantAna

27 Captulo I

sntese, desAfios e recomendAes Orlando Alves dos Santos Junior Daniel Todtmann Montandon

57 Captulo II

o Acesso terrA urbAnizAdA nos plAnos diretores brAsileiros Fabricio Leal de Oliveira Rosane Biasotto

99 Captulo III

o plAno diretor e A polticA de HAbitAo Adauto Lucio Cardoso Maria Cristina Bley da Silveira

127 Captulo IV

sAneAmento AmbientAl nos plAnos diretores municipAis Ana Lucia Britto

155 Captulo V

A polticA de mobilidAde urbAnA e os plAnos diretores Liane Nunes Born

173 Captulo VI

A dimenso AmbientAl nos plAnos diretores de municpios brAsileiros: um olHAr pAnormico sobre A experinciA recente Heloisa Soares de Moura Costa Ana Lcia Goyat Campante Rogrio Palhares Zschaber de Arajo

219 Captulo VII

o temA metropolitAno nos plAnos diretores Benny Schasberg Alberto Lopes

255 Captulo VIII

o sistemA de gesto e pArticipAo democrticA nos plAnos diretores brAsileiros Mauro Rego Monteiro dos Santos

281 Captulo IX

educAo crticA e gesto democrticA dAs cidAdes: A experinciA de cApAcitAo no mbito do projeto de AvAliAo e cApAcitAo pArA A implementAo dos plAnos diretores pArticipAtivos Patrcia Ramos Novaes

Anexo DVD

rede de AvAliAo e cApAcitAo pArA A implementAo dos plAnos diretores pArticipAtivos: 1 cadernos tcnicos 2 estudos de casos 3 relatrios estaduais

ApresentAo

Mrio Negromonte Ministro das Cidades

DesDe sua criao, o Ministrio das Cidades estruturou polticas e programas voltados habitao, ao saneamento bsico, ao transporte pblico coletivo e mobilidade urbana, regularizao fundiria, ao planejamento urbano, dentre outros temas, de modo a reverter o passivo de desigualdade social das cidades brasileiras. So programas que operam com a lgica de enfrentamento das carncias urbanas, como o Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) e o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), alm de programas que visam a melhoria da gesto urbana, como o Programa de Fortalecimento da Gesto Urbana. De modo transversal a esses programas, a gesto democrtica est presente em todas as aes promovidas pelo Ministrio das Cidades, tendo sua maior expresso no Conselho das Cidades, que tem participado ativamente dos avanos e debates sobre a poltica urbana, contribuindo sobremaneira para o fortalecimento da gesto democrtica nos estados e municpios. O planejamento urbano tambm um tema transversal a todas as polticas do Ministrio, tendo o Plano Diretor como o principal instrumento integrador e articulador das demais polticas setoriais. Depois de aprovado o Estatuto da Cidade em 2001, os municpios avanaram na elaborao dos Planos Diretores, num momento em que os principais programas nacionais de investimento em infraestrutura urbana ainda no estavam institudos, como o PAC e o Minha Casa Minha Vida. Considerando que em 2011 o Estatuto completar dez anos, oportuna sua avaliao e a retomada do planejamento11

urbano, agora de forma articulada aos investimentos do PAC e do Programa Minha Casa Minha Vida. A Rede Nacional de Avaliao e Capacitao para Implementao de Planos Diretores Participativos um projeto que realizou a avaliao qualitativa de Planos Diretores em todo o Brasil, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atravs do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), mobilizando a sociedade e os pesquisadores de todo o pas, o que possibilitou a construo de um quadro do planejamento urbano no Brasil. Esperamos que a presente publicao, que rene os resultados dessa pesquisa, contribua para o debate sobre a implementao do Estatuto da Cidade nos municpios e para a retomada do planejamento urbano no prximo ciclo decenal de Planos Diretores.

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ApresentAo

introduoOrlando Alves dos Santos Junior1 Renata Helena da Silva2 Marcel Claudio SantAna3

A Constituio Federal de 1988 trouxe para o seio da sociedade brasileira, recm empossada de seus direitos democrticos, um princpio bsico para a equidade urbana e a justa distribuio dos nus e benefcios do processo de urbanizao: o princpio da funo social da cidade e da propriedade. Este princpio, afirmado em nossa carta magna, fruto da mobilizao da sociedade e de um processo de luta dos movimentos sociais envolvidos com a Reforma Urbana, passou a compor um capitulo especfico da nossa Constituio Federal: o da Poltica Urbana. Alm desse princpio, o texto constitucional afirmou o papel protagonista dos municpios enquanto principais atores da poltica de desenvolvimento e gesto urbanos e elegeu o Plano Diretor como instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e de expanso urbana, com elaborao compulsria para os municpios com mais de vinte mil habitantes.1 2 3 Passada a criao desse marco jurdico para a poltica de desenvolvimento urbano, tivemos que aguardar mais treze anos para que finalmente fosse criada uma lei federal que regulamentasse os artigos constitucionais que tratam da poltica urbana. A Lei n 10.257 de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto1 2 3 Socilogo, doutor em planejamento urbano e regional, professor do IPPUR/UFRJ e coordenador geral da pesquisa. Arquiteta e Urbanista, Especialista em Gesto Ambiental. Analista do Departamento de Planejamento Urbano, SNPU/MCidades. Arquiteto e Urbanista, Mestre em Planejamento Urbano. Assessor Tcnico do Departamento de Planejamento Urbano, SNPU/MCidades.

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da Cidade, alm de reforar o Plano Diretor como instrumento bsico da poltica de desenvolvimento e expanso urbana, estende sua obrigatoriedade, antes definida apenas quanto ao porte populacional, para as cidades integrantes de regies metropolitanas e aglomeraes urbanas, as integrantes de reas de especial interesse turstico, as inseridas em reas de influncia de significativo impacto ambiental ou ainda aquelas nas quais o poder pblico pretenda utilizar os instrumentos definidos no 4 do Art. 182 da Constituio Federal, que trata do devido aproveitamento do solo urbano. O Estatuto da Cidade trouxe, tambm, novos rumos para o desenvolvimento urbano a partir da afirmao de diretrizes, princpios e instrumentos voltados para a promoo do direito cidade e para a gesto democrtica. Desta forma, alm da promoo do Plano Diretor, a Constituio Federal e o Estatuto da Cidade fortaleceram a gesto democrtica e a funo social da cidade e da propriedade, objetivando a incluso territorial e a diminuio das desigualdades, expressas na maioria das cidades brasileiras por meio das irregularidades fundirias, da segregao scio-espacial e da degradao ambiental. Buscou-se, tambm, oposio lgica assimtrica entre centro e periferia, pois enquanto nas reas centrais verificam-se os constantes investimentos pblicos e uma urbanizao consolidada e legalizada, nas reas perifricas, sem contar os inmeros conflitos scio-espaciais, nota-se carncia de investimentos pblicos e urbanizao precria. O Plano Diretor, nos termos dados pela Constituio Federal e pelo Estatuto da Cidade, pea chave para o enfrentamento desses problemas, contribuindo para a minimizao do quadro de desigualdade urbana instalado, quando elaborado e implementado de forma eficaz. Essa eficcia diz respeito a uma nova concepo de Plano Diretor ps-Estatuto, pois, embora o instrumento plano diretor seja anterior ao Estatuto da Cidade, o conceito de Plano Diretor e, principalmente, suas formas de elaborao foram adaptadas de um formato anterior, mais burocrtico e tecnocrtico, para uma prtica com ampla participao da populao. Neste contexto, ganhou destaque tambm a atuao da sociedade civil organizada, especialmente dos movimentos sociais envolvidos com a Reforma Urbana. O objetivo principal do Plano Diretor, de definir a funo social da cidade e da propriedade urbana, de forma a garantir o acesso a terra urbanizada e regularizada a todos os segmentos sociais, de garantir o direito moradia e aos servios urbanos a todos os cidados, bem como de implementar uma gesto democrtica e participativa, pode ser atingido a partir da utilizao dos14introduo

instrumentos definidos no Estatuto da Cidade, que dependem, por sua vez, de processos inovadores de gesto nos municpios. sabido, no entanto, que os municpios apresentam muitas dificuldades para implementar seus Planos Diretores. A maioria no apresenta uma estrutura administrativa adequada para o exerccio do planejamento urbano, no que se refere aos recursos tcnicos, humanos, tecnolgicos e materiais, sem contar ainda a baixa difuso dos conselhos de participao e controle social voltados para uma cultura participativa de construo e implantao da poltica de desenvolvimento urbano.

A atuao do Ministrio das Cidades para apoiar o planejamento urbano nos municpios brasileirosTendo em vista as dificuldades enfrentadas pelos municpios brasileiros, o Ministrio das Cidades, criado em 2003, passou a incentivar a construo de uma nova cultura de planejamento urbano no pas e a fortalecer o apoio ao planejamento urbano dos municpios. Tal apoio oportuno e necessrio, pois embora o planejamento e a gesto territorial sejam de competncia local, os municpios no esto plenamente preparados para exercer essa tarefa, visto que os problemas urbanos so de difcil soluo, requerendo o apoio do Governo Federal e tambm dos Estados. No mbito do Ministrio das Cidades, a Secretaria Nacional de Programas Urbanos (SNPU) a responsvel pela coordenao das aes relacionadas ao planejamento urbano e tem buscado, desde sua criao, mobilizar, sensibilizar e capacitar os municpios, bem como disponibilizar meios e recursos para que estes consigam efetivar uma poltica urbana em consonncia com o Estatuto da Cidade. A poltica de apoio elaborao e reviso de Planos Diretores coordenada e executada pela SNPU visa: estimular os municpios a executarem prticas participativas de gesto e planejamento territorial; proporcionar condies para a formulao e articulao das polticas urbanas que garantam melhores condies de vida da populao; e promover o desenvolvimento urbano sustentvel, inclusivo e voltado para a reduo das desigualdades sociais. Com esses objetivos, a SNPU instituiu um programa de apoio aos municpios para a implementao dos instrumentos do Estatuto da Cidade e elaborao e reviso dos Planos Diretores. Trata-se do Programa de Fortalecimentoorlando Alves dos santos junior, renata Helena da silva, marcel claudio santAna

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da Gesto Urbana, criado para fortalecer a capacidade tcnica e institucional dos municpios nas reas de planejamento, servios urbanos, gesto territorial e poltica habitacional. Est subdividido em sete aes, que se efetivam por meio de apoio capacitao e assistncia tcnica aos municpios. Ao longo do processo de execuo da ao de Assistncia Tcnica para o Planejamento Territorial e a Gesto Urbana Participativa, pode-se identificar dois momentos: o primeiro, marcado pela necessidade de apoio elaborao de Planos Diretores, sendo considervel a motivao dada pelo prazo estipulado no Estatuto da Cidade para que os municpios elaborassem e revisassem seus planos (at 2006); e o segundo perodo, de 2007 at hoje, marcado pela necessidade de implementao dos Planos Diretores e seus instrumentos. A seleo dos municpios beneficiados por essa ao obedece a determinados critrios, definidos em Manual de Apresentao das Propostas, publicado anualmente4. Alm da ao supracitada, cabe dar destaque Campanha Nacional Plano Diretor Participativo: Cidade de Todos, idealizada e realizada pelo Ministrio das Cidades em conjunto com o Conselho das Cidades. Iniciada em maio de 2005, a Campanha foi executada por meio de atividades descentralizadas de sensibilizao e capacitao, com o objetivo de alavancar a elaborao dos Planos Diretores pelos municpios, atingindo grande alcance no pas. Foram mobilizados governos e sociedade, por meio de uma coordenao nacional que articulou e envolveu vinte e cinco ncleos estaduais, compostos por representantes dos governos estaduais e municipais, entidades tcnicas e profissionais, Ministrio Pblico, Caixa Econmica Federal, movimentos sociais e populares e ONGs. Na tentativa de realizar um levantamento dos municpios que elaboraram e revisaram seus Planos Diretores com base na obrigatoriedade estabelecida pelo Estatuto da Cidade, foram executadas pesquisas sob a coordenao do Ministrio das Cidades. Uma em 2005, com a empresa INFORME; outra em 2006, com apoio do sistema CONFEA-CREA. Esta ltima tambm4 Por exemplo, no ano de 2009, foram priorizados os seguintes tipos de municpios: que dispem de instrumentos de gesto democrtica e participativa, demonstrada pela existncia e funcionamento regular de Conselhos das Cidades, oramento participativo ou similar; que expressam interesse na elaborao de Planos Diretores Participativos e instrumentos do Estatuto da Cidade de forma associada ou integrada a outros municpios ou a Governos estaduais; com investimentos do Programa de Acelerao do Crescimento PAC; localizados em reas de influncia de empreendimentos tursticos; com populao de at vinte mil habitantes, segundo Censo IBGE 2000; inseridos na rea da Amaznia Legal, segundo definido por lei federal e; com capacidade de gesto dos contratos de repasse e execuo dos projetos contratados.

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introduo

tratou de aferir quantitativamente a utilizao de instrumentos do Estatuto da Cidade nos Planos Diretores, o que revelou a necessidade de se avanar no apoio implementao dos demais instrumentos do Estatuto e no somente do Plano Diretor.

O papel do Conselho das Cidades no apoio ao planejamento participativoNo mbito do Ministrio das Cidades, a instncia de gesto democrtica o Conselho das Cidades ConCidades, rgo de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura do Ministrio. Dentre suas atribuies, estabelecidas pelo Decreto n 5.790, de 25 de maio de 2006, cabe ao ConCidades emitir orientaes e recomendaes sobre a aplicao do Estatuto da Cidade e propor diretrizes para a formulao e implementao da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano PNDU, em consonncia com o disposto no Estatuto e nas resolues aprovadas pelas Conferncias Nacionais das Cidades. Tambm atribuio do ConCidades, promover a cooperao entre os governos e incentivar e fortalecer os conselhos afetos poltica de desenvolvimento urbano nos trs nveis de governo. Atualmente, o ConCidades constitudo por 86 titulares, sendo 49 representantes de segmentos da sociedade civil e 37 dos poderes pblicos federal, estadual e municipal. Alm dos titulares, h a mesma quantidade de suplentes. A representao da sociedade civil abrange representantes do poder pblico, movimentos populares, entidades empresariais, trabalhadores, entidades profissionais, acadmicas e de pesquisa e organizaes no-governamentais. As resolues aprovadas pelo ConCidades, em reunies ordinrias ocorridas ao longo do ano, traam recomendaes ao Ministrio das Cidades no que diz respeito poltica de desenvolvimento urbano. Dentre elas, cabe destacar algumas que tratam especificamente do Plano Diretor: Resoluo n 25 de 18 de maro de 2005: dispe sobre o processo participativo na elaborao do Plano Diretor, o envolvimento do Conselho da Cidade ou similar nesse processo, a devida publicidade e a realizao das audincias pblicas; Resoluo n 34 de 1 de julho de 2005: emite recomendaes quanto ao contedo mnimo dos planos diretores;17

orlando Alves dos santos junior, renata Helena da silva, marcel claudio santAna

Resoluo Recomendada n 22 de 6 de dezembro de 2006: emite recomendaes quanto regulamentao dos procedimentos para aplicao dos recursos tcnicos e financeiros na elaborao do Plano Diretor em municpios inseridos em rea de influncia de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental; Resoluo Recomendada n 83 de 8 de dezembro de 2009: dispe sobre orientaes com relao reviso ou alterao de Planos Diretores. Uma ateno especial deve ser dada s resolues n 25 e n 34, frente aos princpios do Estatuto da Cidade: a primeira, dentre outros pontos de seu contedo, ao abordar a questo do processo participativo, estabelece uma srie de diretrizes que visam qualificar a participao social nos processos de elaborao e implementao dos Planos Diretores participativos. J a segunda, ao tratar do contedo mnimo dos Planos Diretores, acaba por fortalecer aspectos qualitativos, como a necessidade de se estabelecer como cada poro do territrio cumpre a funo social e a demarcao de instrumentos no territrio para garantir seu cumprimento. Na estrutura do Conselho das Cidades existem quatro Comits Tcnicos, que reproduzem as funes das Secretarias Nacionais do Ministrio das Cidades. O Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano acompanha as aes da Secretaria Nacional de Programas Urbanos. Tanto o Conselho quanto os Comits podem instituir grupos de trabalho para realizao de atividades especficas, conforme suas atribuies. Por exemplo, o Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano criou um grupo de acompanhamento da Pesquisa Rede Nacional de Avaliao e Capacitao para Implementao dos Planos Diretores Participativos, para monitorar sua execuo. A Conferncia das Cidades, prevista no artigo 43 do Estatuto da Cidade, o principal instrumento para garantia da gesto democrtica na promoo da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano. Trata-se do evento de maior abrangncia nacional no que diz respeito discusso da poltica urbana e deliberao de resolues que traam as principais diretrizes sobre o tema. Tambm promove a sensibilizao e a mobilizao da sociedade para o enfrentamento dos problemas urbanos, com a participao dos diversos segmentos sociais. At o momento, j foram realizadas quatro conferncias nacionais, sendo que a ltima ocorreu em junho de 2010. Cabe destacar que um dos eixos de discusso foi justamente a implementao do Estatuto da Cidade e dos Planos Diretores.

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introduo

Motivao da pesquisaO avano de qualquer poltica publica parte de uma concepo bsica de que todo processo, ao ou programa implementado pelo Governo deve passar por um instrumento de avaliao, de modo a construir subsdios que possibilitem dimensionar os erros, os acertos e os desafios para a melhoria de tal poltica. O Ministrio das Cidades vem apoiando os municpios, desde 2003, no desafio que a elaborao e implementao dos Planos Diretores, tanto por meio de recursos prprios, quanto por meio de parcerias institucionais, via apoio financeiro direcionado assistncia tcnica e por meio de processos de capacitao. Tratava-se de um primeiro ciclo do programa que tinha por objetivo apoiar o maior nmero possvel de municpios com obrigatoriedade de elaborao de Planos Diretores conforme estabelecido pelo Estatuto, e que tinham cinco anos para cumprimento dessa obrigatoriedade, a partir de 2001. Nesta busca por promover apoio em ampla escala aos municpios, muitos desafios e dvidas se impuseram equipe ministerial: era premente a necessidade de se conhecer qualitativamente o que vinha sendo produzindo nos municpios brasileiros, tanto para gerar subsdios para reformulao do programa de apoio elaborao de Planos Diretores quanto para gerar subsdios para a implementao dos planos. A primeira pesquisa, realizada em parceria com o sistema CONFEA/ CREA, garantiu a aferio quantitativa do alcance da poltica de apoio elaborao dos Planos Diretores. Trouxe dados quantitativos sobre o universo de elaborao de Planos Diretores, bem como dados sobre a utilizao dos instrumentos do Estatuto da Cidade. Mas essa pesquisa no possua em seu desenho uma metodologia que permitisse uma avaliao qualitativa dos Planos Diretores desenvolvidos pelos municpios brasileiros. Tornava-se premente a construo de uma nova pesquisa que possibilitasse a aferio qualitativa dos Planos Diretores no que se refere a sua correspondncia com os preceitos do Estatuto da Cidade. Nesse esprito, foi iniciada a concepo do projeto da Rede Nacional de Avaliao e Capacitao para Implementao dos Planos Diretores Participativos, a partir de uma reunio do Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano do ConCidades, realizada em setembro de 2007, em que se apontou a necessidade de se conhecer o contedo dos planos j aprovados, de aferir se estes incorporaram de fato as diretrizes do Estatuto da Cidade, alm de reavaliar a forma de apoio implementao dos mesmos. Assim, o projeto Rede de Avaorlando Alves dos santos junior, renata Helena da silva, marcel claudio santAna

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liao e Capacitao para a Implementao dos Planos Diretores Participativos foi iniciado, em dezembro de 2007, com o objetivo central de constituir uma rede nacional de avaliao e monitoramento de Planos Diretores com foco no acesso terra urbanizada e bem localizada para todos. A rede foi criada visando, ainda, a capacitao de agentes do poder pblico e atores da sociedade civil para a implementao de Planos Diretores e fortalecimento da gesto municipal e das formas de participao social. Desse modo, so objetivos especficos do projeto: (i) mobilizar atores sociais e pesquisadores para a avaliao do contedo dos Planos Diretores Participativos, com vistas a subsidiar estratgias locais de capacitao para a implementao dos PDPs; (ii) trazer o conhecimento tcnico especializado dos pesquisadores para um esforo unificado de avaliao, em conjunto com os atores sociais, do estado da arte do planejamento urbano local, no Brasil, atravs dos planos diretores aprovados nos municpios brasileiros. Tendo em vista a complexidade do trabalho, o considervel universo de municpios com obrigatoriedade de elaborao de Planos Diretores e a necessidade de ser conferir amplo alcance territorial s atividades, adotou-se uma estratgia de trabalho descentralizada, por meio de parcerias com universidades, governos estaduais, movimentos sociais e entidades de classe, nos moldes do que j havia sido desenvolvido pelo Ministrio das Cidades na campanha Plano Diretor Participativo: cidade de todos, quando foram estruturados ncleos em todos os Estados. As diretrizes gerais do projeto foram definidas pelo Ministrio das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Programas Urbanos. A instituio responsvel pela execuo e coordenao executiva dos trabalhos foi a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por meio do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR). O Conselho das Cidades teve papel importante, tanto na concepo do projeto como tambm no acompanhamento das atividades, tendo ocorrido a indicao de conselheiros, por segmento, para acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos da Rede, na forma de um grupo de trabalho constitudo especialmente para isso.

Concepo do projeto e metodologia da pesquisaA pesquisa foi executada de forma descentralizada, sob trs instncias de coordenao: uma coordenao executiva, uma coordenao ampliada e20introduo

coordenaes estaduais. A Coordenao Executiva foi composta pela SNPU, pelo IPPUR/UFRJ, pelo Instituto Polis e pela FASE. Entre as suas atribuies, destacam-se: operacionalizao da Rede; mobilizao das coordenaes estaduais; formatao do projeto; proposta de metodologia da pesquisa; contato com os pesquisadores; e aprovao da programao da pesquisa nos estados. A Coordenao Estadual (uma em cada Unidade da Federao) foi constituda por conselheiros do Conselho das Cidades, outros conselhos estaduais ou organizaes sociais atuantes e um pesquisador responsvel, com as atribuies de articular e mobilizar as organizaes sociais e os pesquisadores, encaminhar o processo de capacitao, discutir no estado a aplicao da pesquisa e realizar as oficinas de avaliao e capacitao. A Coordenao Ampliada foi composta pelos pesquisadores responsveis em cada estado, pelo grupo de trabalho de acompanhamento do Comit Tcnico de Planejamento e Gesto do Solo Urbano do ConCidades e por representantes da Coordenao Executiva. A atribuio da Coordenao Ampliada foi a de definir as diretrizes gerais da pesquisa, das avaliaes e da etapa de capacitao. A pesquisa foi estruturada em quatro etapas. A primeira contemplou a constituio da Rede e o planejamento das atividades; as articulaes do IPPUR com o Ministrio das Cidades, com o ConCidades e com as coordenaes estaduais; e o detalhamento da avaliao em cada Estado, alm da construo do roteiro metodolgico para avaliao dos planos. A segunda etapa consistiu na avaliao dos Planos Diretores com base em um roteiro determinado na etapa anterior, com informaes sobre o municpio e outros temas especficos. Nessa fase, as coordenaes estaduais realizaram, no mnimo, duas oficinas: uma para seleo dos municpios a serem pesquisados e outra para consolidao dos relatrios estaduais. Os resultados dessa etapa compreenderam: 526 relatrios municipais dos Planos Diretores pesquisados, o que corresponde a aproximadamente um tero dos municpios com obrigatoriedade de elaborao de Planos Diretores determinada pelo Estatuto da Cidade; 26 relatrios dos estudos de caso; 27 relatrios estaduais; um relatrio nacional; e a realizao de oficinas regionais para validao da metodologia e para definio das estratgias de capacitao em cada Estado. Os municpios que tiveram seus planos analisados foram selecionados pelas coordenaes estaduais, obedecendo-se a trs critrios. Em primeiro lugar, o plano diretor deveria ter sido aprovado ps Estatuto da Cidade. O segundo critrio vinculava-se distribuio populacional dos municpios, de formaorlando Alves dos santos junior, renata Helena da silva, marcel claudio santAna

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a preservar a diversidade dos municpios em relao ao porte e tipologia de municpios estabelecida no Plano Nacional de Habitao (PlanHab), que classifica os municpios conforme indicadores intra-municipais e caractersticas microrregionais. Nesse caso, a diviso obedeceu a diviso apresentada no quadro abaixo:Municpios por populao At 20.000 De 20.000 a 50.000 De 50.000 a 100.000 De 100.000 a 500.000 Acima de Rio de Janeiro 500.000 e So Paulo Total

Quantidade 23 4% e percentual

226

43%

120

23%

130

25%

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