Livro Mosaicos Portugues Montado 240

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B R F A N S I L C E MOSAICOS DE ÁREAS PROTEGIDAS Reflexões e propostas da Cooperação franco-brasileira

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Mosaico de Áreas Protegidas

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  • BRF AN

    SI LCE

    MOSAICOS DE REAS PROTEGIDASReflexes e propostas da Cooperao franco-brasileira

  • Srie reas Protegidas

    MOSAICOS DE REAS PROTEGIDASReflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Braslia / Agosto de 2010

  • Srie reas Protegidas

    MOSAICOS DE REAS PROTEGIDASReflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Braslia / Agosto de 2010

    Repblica FedeRativa do bRasil

    PresidentelUiZ iNcio lUla da silva

    Vice-PresidenteJos aleNcaR GoMes da silva

    MiNistRio do Meio aMbieNte

    MinistraiZabella teixeiRa

    Secretaria de Biodiversidade e FlorestasMaRia ceclia WeY de bRito

    Departamento de reas ProtegidasFbio FRaNa

    Repblica FRaNcesa

    PresidenteNicolas saRkoZY

    MiNistRio dos assUNtos exteRioRes e eURopeUs

    MinistrobeRNaRd koUchNeR

    eMbaixada da FRaNa No bRasil

    EmbaixadorYves saiNt-GeoURs

    Servio de Cooperao e Aco CulturalpieRRe coloMbieR

    Mosaicos de reas protegidas: reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira / Caroline Jeanne Delelis, Tatiana Rehder, Thiago Mota Cardoso Braslia : Ministrio do Meio Ambiente, MMA; Embaixada da Franca No Brasil - CDS UnB, 2010. 148 p. : il., mapas color. ; 23 x 21 cm. (Srie reas Protegidas) Colaboradores: Marc Joanny Christian Desplats Agns Boulard Frdric Girard Stphane Adam Michel Marchyllie Benoit Lewillie Genevive Sevrin Paulo Castella Maria Matoso Fernando Lima Lucila Vianna Wanda Maldonado Dary Rigueira Jean-Franois Timmers Breno Herrera Coelho Yves Dhau-Decuypere Josngela Jesus Ana Flavia Ceregatti Zingra Tinto Philippe Gondolo Alexandre Noel. ISBN: 978-85-7738-140-1 1. Proteo, reas, Brasil. 2. Territrio, desenvolvimento. 3. Territrio, poltica. I. Ttulo. II. Srie.

    CDD 333.70981

  • 4Realizao Ministrio do Meio Ambiente do BrasilSecretaria de Biodiversidade e Florestas

    Embaixada da Frana no Brasil / Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia

    Autores Caroline Jeanne Delelis Tatiana Rehder Thiago Mota Cardoso

    Autores das fichasMarc Joanny, Christian Desplats, Agns Boulard, Frdric Girard, Stphane Adam, Michel Marchyllie, Benoit Lewyllie, Paulo Castella, Maria Matoso, Fernando Lima, Lucila Vianna, Wanda Maldonaldo, Dary Rigueira, Jean-Franois Timmers, Breno Herrera Coelho, Yves Dhau-Decuypere, Josngela Jesus, Ana Flavia Ceregatti Zingra Tinto, Philippe Gondolo, Alexandre Noel

    EntrevistadosIara Vasco Ferreira, Marilia Brito, Maria Cecilia Wey de Brito, Jean-Philippe Delorme, Michle Eybalin, Frdric Girard, Lucyna Gravire, Genevive Sevrin, Sandra Fernandes, Marc Joanny, Stphane Adam, Pascale Riccoboni, Maria Auxiliadora Silva Matoso, Gilberto A. Magalhes, Dari Rigueira, Gerardo Bressan, Cesar Victor, Reginaldo Soares, Maria Quintela, Lucila Viana, Ana Flavia Ceregatti Zingra Tinto, Paulo Castella, Ronaldo Oliveira

    Reviso tcnicaGenevive Sevrin, Frdric Girard, Marc Joanny, Agns Boulard, Jean-Franois Timmers, Nurit Bensusan, Fernando Antonio Rodrigues Lima

    MapasAndr Lima e Stphane Lance

    Traduo e reviso da lnguaPascal Reuillard, Patrcia Ramos Reuillard e Vincent Leclercq (Francs), Raul Di Sergi (Portugus)

  • 5ParceirosFundo Nacional do Meio Ambiente

    Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais

    Fundao Florestal de So Paulo

    Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hdricos do Paran

    Regio Nord-Pas de Calais

    Regio Provence-Alpes-Cte dAzur

    Regio Rhne-Alpes

    Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade

    Centro de Desenvolvimento Sustentvel(Universidade de Braslia)

    Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Itabira

    IP-Instituto de Pesquisas Ecolgicas

    Associao Flora Brasil

    Fundao Ondazul

    Fundao Rio Parnaba

    Laboratrio de Ecologia Aplicada (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

    Fundao Pr-Natureza

    Federao dos Parques Naturais Regionais da Frana

  • 6Sumrio Apresentaes ..................................................................................................................................9Introduo ......................................................................................................................................17Capitulo 1 reas protegidas no Brasil ...........................................................................................21 1.1. Aspectos organizacionais ...................................................................................................21 1.2. Gnese das reas protegidas ..............................................................................................24 1.3. Caminhando para a gesto integrada e participativa .........................................................31 1.4. Gesto Integrada e Cooperao Tcnica ............................................................................35Captulo 2 a rede da Cooperao FranCo-Brasileira ......................................................................41 2.1. Objetivos e organizao ...................................................................................................41 2.2. Construo participativa da Cooperao ...........................................................................47Captulo 3 um novo olhar soBre os mosaiCos de reas protegidas ................................................53 3.1. Governana e mobilizao social ......................................................................................53 3.2. Identidade e desenvolvimento territorial ............................................................................69 3.3. Articulao dos espaos e polticas territoriais ...................................................................84Captulo 4 - sntese, inovaes e perspeCtivas ...................................................................................93 4.1. Sntese e propostas .............................................................................................................93 4.2. Perspectivas de implementao e continuidade .................................................................95prximos Captulos... .....................................................................................................................101Bibliografia Consultada ................................................................................................................102Anexo 1 Fichas Tcnicas brasileiras ..........................................................................................107Anexo 2 Fichas Tcnicas francesas ............................................................................................125Anexo 3 Categorias de Unidades de Conservao no Brasil ......................................................144

  • 7Lista das figuras e tabelas

    Tabelas As categorias de reas protegidas no Brasil e na Frana, segundo a IUCN .............................................30Conceitos de mosaicos, corredores ecolgicos e reservas de biosfera ....................................................32Os dez projetos de mosaico da rede de cooperaao franco-brasileira ....................................................49Critrios de definio da abrangncia dos mosaicos ..............................................................................61Produtos e servios da biodiversidade no baixo Rio Negro ....................................................................74Motivaes e valores de um sistema de marca das reas protegidas ......................................................82Articulao dos mosaicos da rede franco-brasileira com outros espaos ................................................87Aprendizados e Inovaes .....................................................................................................................94

    FigurasMapa das unidades de conservao e terras indgenas no Brasil ............................................................31Mosaicos reconhecidos no Brasil ...........................................................................................................34Parques Naturais Regionais na Frana ....................................................................................................37Organizao do Programa de Cooperao ............................................................................................42Regies francesas envolvidas na Cooperao ........................................................................................44Painel da exposio itinerante ...............................................................................................................45Mosaicos da Rede franco brasileira ........................................................................................................46Processo de criao e renovao de um PNR ........................................................................................54Diversidade dos atores sociais ................................................................................................................55

  • 8Siglas e AcrnimosAPA rea de Proteo AmbientalARPA Programa reas Protegidas da AmazniaBRN Baixo Rio NegroBSB Baixo Sul da BahiaCDB Conveno da Diversidade BiolgicaCONAMA Conselho Nacional de Meio AmbienteDAECT Delegao da Ao Exterior das Coletividades TerritoriaisDAP Diretoria de reas ProtegidasDT Desenvolvimento territorialDTBC Desenvolvimento territorial com bases conservacionistasESB Extremo Sul da BahiaFNMA Fundo Nacional do Meio AmbienteFPNRF Federao dos Parques Naturais

    Regionais da FranaIBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais RenovveisICMBio Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade

    ICMS Imposto sobre Circulao de MercadoriasIMLSP Ilhas Marinhas do Litoral de So Paulo

    MAEE Ministrio dos Assuntos Exteriores e Europeus da FranaMM Mdio MacaMMA Ministrio do Meio AmbienteNPDC Nord-Pas de CalaisNURUC Ncleo Regional de Unidades de ConservaoONG Organizao No-Governamental

    PACA Provence-Alpes-Cte dAzurPNAP Politica Nacional de reas ProtegidasPNR Parque Natural Regional

    RA Rhne-AlpesSBF Secretaria de Biodiversidade e FlorestasSIS Serra da Ibiapaba-SobralSISNAMA Sistema Nacional do Meio AmbienteSNUC Sistema Nacional de Unidades de ConservaoSVP Serto Veredas-PeruauUC Unidade de Conservao

  • Apresentao

    Maria Cecilia Wey de BritoSecretria de Biodiversidade

    e Florestas

    Amaznia, MMA - J. Rudy

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    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    A histria da cooperao entre o Brasil e a Frana longa e repleta de passagens de sucesso. Esse sucesso pde ser registrado por exemplo, em aes relacionadas ao desenvolvimento da nossa academia, de nossa agricultura, e do nosso sistema de recursos hdricos, para citar alguns. De forma mais singela, mas no menos promissora, temos agora os resultados de uma parceria que poder crescer muito, e que se d no mbito das polticas de conservao da biodiversidade, especificamente a poltica relacionada s unidade de conservao e aos mosaicos de reas protegidas. Mesmo que com a Frana dividamos uma parcela do bioma Amaznico, por meio da Guiana Francesa e estejamos fortalecendo nossos laos de cooperao nesta regio, foram as experincias francesas de gesto territorial desenvolvidas na Frana, especificamente as relacionadas aos Parques naturais regionais, que trouxeram novidades para a gesto territorial brasileira no contexto das nossas unidades de conservao. O conceito de Parques naturais regionais francs muito interessante porque tem como um dos seus principais pilares a demanda da sociedade para seu estabelecimento. Isso faz com que desde o incio das negociaes seja constante o envolvimento de todos os atores locais, com a proposta. Por meio de seu envolvimento estes atores sentem-se responsveis pelo resultado alcanado e comprometidos com

    sua implementao. Somados a esta caracterstica marcante dos Parques naturais regionais, alguns dos seus objetivos como a manuteno das caractersticas naturais daquele territrio, a valorizao das especificidades econmicas e culturais ali desenvolvidas, e o fortalecimento do sentimento de identidade local/regional permite que estes Parques possam influenciar de maneira organizada e participativa, os rumos das regies onde esto inseridos. No Brasil, a lei de Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC), que completa 10 anos neste ano, trouxe em boa hora a figura dos mosaicos de reas protegidas. Somada a outras ferramentas de gesto de territorial como os corredores e as reservas da biosfera, esta figura permite que se aplique na prtica um conjunto de aes para a insero das unidades de conservao e das demais reas protegida nas discusses do territrio onde foram criadas, proporcionando tima oportunidade para retir-las do isolamento a que muitas vezes esto submetidas. O isolamento das unidades de conservao e das demais reas protegidas no territrio tem sido um problema ao qual os gestores das mesmas esto constantemente afetos. Tanto do ponto de vista ecolgico, como do ponto de vista social e econmico. Uma das discusses recorrentes na gesto destas ferramentas de conservao a

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    busca que melhor contribui para sua efetividade. Aspectos como localizao, tamanho, desenho, nmero de espcies, variedade ou singularidade de ecossistemas, alm de atributos ecolgicos, culturais, sociais e paisagsticos sempre compe o conjunto de caractersticas determinantes para a criao destas reas. Especificamente no caso das unidades de conservao a relao com o entorno, a relao com outras reas protegidas a exemplo das terras indgenas, das reas de preservao permanente e reservas legais presentes nas propriedades privadas, tem se mostrado cada vez mais importante para garantir a efetividade das unidades de conservao. Sem que se observe e conhea as percepes dos atores que direta ou indiretamente se relacionam com as unidades de conservao, que se atente para a histria de desenvolvimento da regio e ainda, face a histrica deficincia de recursos humanos e financeiros a qual a as unidades de conservao

    tm estado afetas, muito difcil conseguir que seus objetivos de criao sejam alcanados e que influenciem os processos de tomada de decises locais e regionais. A figura dos mosaicos na legislao brasileira abre a possibilidade da prtica desta nova abordagem de relao entre diferentes unidades de conservao, reas protegidas, atores do territrio. A troca de experincias entre os gestores franceses dos Parques naturais regionais e os gestores brasileiros dos mosaicos de reas protegidas mostrou que, embora as diferenas entre os pases seja enorme em vrios aspectos, a lgica participativa do processo de estabelecimento destas figuras de gesto territorial, bem como o reconhecimento e fortalecimento da identidade local e a possibilidade de influenciar polticas pblicas que afetem estes territrios so perspectivas que devem ser valorizadas na busca da conservao da scio-biodiversidade. Devemos continuar a apostar nesta idia.

  • Dunas em Berck sur mer - D. Bokalo

  • Apresentao

    Yves Saint-GeoursEmbaixador da Frana no Brasil

    Baronnies Provencales - J. L. Rigaux

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    com grande prazer que apresento, nesta obra, o resultado de uma cooperao exemplar, de mais de dez anos em matria de gesto territorial das reas protegidas. Essa cooperao permitiu que se compartilhasse com o Brasil uma experincia, amplamente aplicada na Frana, de desenvolvimento dos territrios, baseada na proteo dos espaos e na governana local. A parceria desenvolvida entre o Ministrio do Meio Ambiente brasileiro e o Ministrio das Relaes Exteriores e Europeias, os mosaicos brasileiros associados s coletividades territoriais francesas e a Federao dos Parques naturais regionais da Frana mostrou-se das mais eficazes e inovadoras. Envio meus mais sinceros agradecimentos queles que se dedicaram implantao e ao xito desse programa e que, com sua dedicao e vontade, contriburam para fazer dele um exemplo de cooperao que pode inspirar nossos vizinhos na Europa e na Amrica Latina. Desejo que esta obra, fruto da rica parceria franco-brasileira, constitua no somente a memria dessa experincia, mas tambm uma ferramenta de transmisso dos saberes e dos mtodos desenvolvidos ao longo desses anos de cooperao. De fato, ainda que a inteno desta coletnea seja capitalizar os conhecimentos adquiridos e constituir a memria dos trabalhos efetuados, ela tambm visa propor uma base slida para pensar o futuro e transmitir esses diversos

    saberes aos diferentes atores dos territrios e s geraes futuras. Mesmo sendo inovadora, essa cooperao inspirou-se nas polticas e experincias iniciadas na Frana h mais de meio sculo. A palavra parque, designa etimologicamente um fechamento (parricus), porm, na Frana, as reas protegidas so geralmente consideradas como espaos com o duplo papel de proteo ecolgica e de desenvolvimento local. Engajada, desde 1950, em uma poltica original de ordenamento territorial poltica descendente que visa a uma melhor distribuio dos homens em funo dos recursos naturais e da atividade econmica , a Frana cria, em 1963, a DATAR, Delegao para o Ordenamento Territorial e para a Atratividade Regional (hoje, DIACT): instrumento poltico forte, incumbido de implantar uma poltica de distribuio das atividades e servios pblicos a fim de reequilibrar as disparidades regionais. Atento aos seus territrios, nosso pas concebe, a partir dos anos 1960, uma nova maneira de pensar sua organizao ao favorecer o desenvolvimento na base: o desenvolvimento local. Evoluindo para um paradigma integrador, a Frana adota, assim, uma abordagem transversal. Ela prope-se a conciliar o desenvolvimento econmico e a preservao do meio ambiente para permitir que as populaes rurais permaneam em suas regies. E foi desse procedimento ascendente, inovador na

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    Europa, que surgiu a poltica dos Parques Naturais Regionais. Eles constituem, portanto, as primeiras realizaes de uma busca de desenvolvimento integrado e participativo do espao rural. Em mbito local, o instrumento privilegiado desse paradigma integrador e participativo o contrato de territrio, sinal aparente de um processo de negociaes e de participao que preconiza a integrao dos meios com seus arredores e a necessidade de articulao com as outras polticas territoriais (urbanismo, turismo, educao, trans-portes, etc.). O Brasil, pas continente, de uma riqueza biolgica rara, inscreveu claramente seu projeto de desenvolvimento na via da integrao, implantando polticas territoriais em vrios nveis. Foi nesse contexto que nasceu a cooperao com nosso pas; cooperao que visa a desenvolver conjuntamente uma abordagem territorial das reas protegidas. Tratar da abordagem territorial das reas protegidas com o Brasil levou-nos a associar os atores do Estado e das coletividades territoriais, atores

    indispensveis ao desenvolvimento local. Hoje em dia, essa cooperao tem a originalidade de articular cooperao bilateral e cooperao descentralizada. As abordagens que presidiram sua implantao tm um carter largamente inovador: optamos por enfatizar os mecanismos de valorizao dos produtos, servios e competncias relacionados s reas protegidas. Interessamo-nos igualmente pela articulao entre as polticas territoriais e a integrao entre os diferentes escales de gesto pblica, problemticas comuns ao Brasil e Frana. Assim, pudemos constatar que, apesar de uma diferena de apreenso poltica e ecolgica, bem como de configurao local, as reas protegidas na Frana e no Brasil permanecem sistemas complexos de ao. O Brasil ensina-nos a necessidade de introduzir uma certa flexibilidade nas modalidades de interveno da sociedade civil e dos atores privados para fortalecer os projetos de territrio. Hoje, cabe a ns divulgar, consolidar e aplicar esses novos ensinamentos, resultado de nossa cooperao.

  • Mosaico mdio Maca - P. Chaffin

  • Introduo

    Flor de maracuj - C. J. Delelis

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    As reas protegidas1 correspondem a uma das principais estratgias de conservao da biodiversidade, valorizao dos territrios das sociedades tradicionais e de desenvolvimento sustentvel em todo o mundo e j abrangem cerca de 13% da superfcie terrestre do planeta. Apesar dos nmeros, em sua totalidade, parecerem encorajadores, ainda falta muito para que todos os biomas alcancem a meta mnima de 10% para cada bioma, como definido pela Conveno sobre Diversidade Biolgica, das Naes Unidas. De fato, as reas protegidas possuem a complexa misso de, junto com outras estratgias de conservao, manter a biodiversidade e a sociodiversidade do planeta diante dos impactos crescentes aos ecossistemas. As diversidades biolgica e cultural enfrentam os mesmos riscos de desaparecerem da terra num ritmo acelerado e irreverssvel. Estima-se que, at o final do sculo, metade das sete mil lnguas faladas hoje ter desaparecido e, segundo o relatrio GBO-3, lanado em maio pelo Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), apesar dos esforos para conservao feitos no mundo todo, as perdas de biodiversidade e de habitats tendem a se agravar ao longo do sculo XXI. Ao mesmo tempo, um nmero cada vez maior de conservacionistas se convencem de que a estratgia

    1 O termo reas protegida foi definido durante o 4 Congresso Mundial sobre Parques Nacionais e reas Protegidas da IUCN, em 1994, da seguinte forma: Uma superfcie de terra e/ou mar especialmente consagrada proteo e manuteno da diversidade biolgica, assim como dos recursos naturais e patrimnio cultural associados, e gerida atravs de meios jurdicos, ou outros meios eficazes.

    de conservar a biodiversidade em reas protegidas como ilhas isoladas, ignorando o cenrio ecolgico, socioeconmico e poltico mais amplo, possui eficcia limitada para conservar a biodiversidade na escala mais global. Enquanto no forem levados em conta os processos destrutivos do entorno e da escala global, bem como os direitos, a participao e o modo de vida das populaes locais, estaro ameaadas a integridade das reas protegidas, a resilincia dos ecossistemas e a conservao da biodiversidade. Dentro dessa perspectiva, ganham fora os conceitos de biorregio (ou ecorregio), e as es-tra tgias de se estabelecer zonas que, integrando objetivos ecolgicos, econmicos e socio-culturais, buscam promover o desenvolvimento sustentvel de grandes territrios. Nessas reas, aplicam-se, alm dos instrumentos especficos relacionados gesto de reas protegidas, outros instrumentos de ordenamento territorial. Esses esforos para ampliar e melhorar a implementao das reas protegidas, como forma de combater e mitigar a realidade apontada acima, atravessam fronteiras. Brasil e Frana, mesmo com formas distintas de criar e gerir suas reas protegidas, unem esforos solidrios e cooperativos afim de enriquecerem os sistemas de governana

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    desses territrios e de ampliarem o leque de ferramentas voltadas para a conservao. Esse o objetivo primordial do programa franco-brasileiro denominado Fortalecimento da gesto integrada e participativa em mosaicos de areas protegidas no Brasil para o desenvolvimento territorial sustentvel. , no inicio, uma cooperao bilateral2 pois envolve os governos brasileiro e francs, e tcnica, que no envolve repasses financeiros A Cooperao Tcnica desenvolveu, durante seu histrico de trabalho, a noo de que os mosaicos de reas protegidas que objetivam a conservao da biodiversidade, a valorizao da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentvel possuem poten cial para se constituir em um instrumento de governana e desenvolvimento territorial na escala regional, buscando, dessa forma, caminhar para um paradigma integrador que prev a criao e manuteno de redes de reas protegidas integradas ao contexto territorial onde se inserem, e induzindo, assim, a mudana de atitude e viso a respeito das dinmicas socioecolgicas no interior e no entorno das reas protegidas. A metodologia utilizada neste programa considerada inovadora por se basear nas diferenas dos sistemas dos dois pases e no mtuo aprendizado, e no na comparao ou na reproduo unilateral de conceitos e instrumentos. Inovadora, tambm, por

    associar dois nveis de cooperao as cooperaes bilateral e descentralizada - no primeiro caso a Cooperao formalizada pelos poderes centrais dos dois pases e, no segundo caso, entre regies ou municipalidades, e funcionar de maneira par-ticipativa na implementao do programa criando uma rede franco-brasileira de mosaicos de reas protegidas. Tal rede surge a partir da iniciativa dos atores envolvidos na cooperao, diante do amadurecimento dos conceitos de gesto territorial integrada e participativa das reas protegidas, e da construo progressiva do conhecimento mtuo entre parceiros franceses e brasileiros. Algumas questes nortearam os trabalhos da Cooperao, como: considerar os mosaicos de reas protegidas como ferramentas de gesto da conservao da biodiversidade stricto-sensu ou como ferramentas de desenvolvimento sustentvel, incorporando as dimenses sociais e econmicas em um projeto comum? Abordar as reas protegidas como parte de um todo, um territrio interligado ao entorno, ou unidades isoladas como ilhas? Como criar sustentabilidade associando populaes locais e fomentando desenvolvimento local? Podem os mosaicos tornarem-se ferramentas de governana e desenvolvimento territorial? Essas inquietaes norteadoras foram tra-

    2 A cooperao bilateral realizada entre os poderes centrais dos dois pases, a cooperao descentralizada ocorre entre duas colectividades.

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    ba lha das durante as trocas de experincias entre parceiros franceses e brasileiros. Nesses ricos momentos, incorporaram-se aprendizados, geraram-se inovaes e implementoaram aes estratgicas, dando vazo s questes de interesse de ambas as partes. Este livro resgata tal histrico em uma lgica voltada para enfatizar a emergncia dos mosaicos de reas protegidas no Brasil e as inovaes geradas a partir do intercmbio de experincias e conhecimentos entre os dois pases e seus territrios. Assim, no decorrer do livro, foram includos destaques, em formato de box, apresentando exemplos, polticas e ferramentas francesas, permitindo entender como as inovaes, propostas e perguntas surgiram durante a Cooperao. No final do livro, fichas metodolgicas detalham o funcionamento das experincias francesas e brasileiras que serviram como base para a reflexo coletiva. No primeiro capitulo, apresentamos ao leitor, de forma sinttica, a evoluo histrica, em termos jurdicos, institucionais, polticos e ideolgicos, da criao e gesto das reas protegidas no Brasil, de forma a visualizar as expertises geradas ao longo desse processo de construo social de territrios protegidos, e compreender os alicerces que fundamentaram a cooperao com a Frana. O enfoque dado o da inovao e dos avanos proporcionados pela incorporao da abordagem ecossistmica no Brasil e pelos instrumentos emergentes de gesto participativa

    e integrada nos territrios, em especial, os mosaicos de reas protegidas. Na segunda parte, so apresentados os objetivos e a organizao do programa da Cooperao construdo e implementado por uma rede franco-brasileira de reas protegidas bem como um breve histrico da construo da Cooperao. Permite entender como foram definidas, progressivamente, as temticas assim como a gesto dessa complexa iniciativa. A experincia vivenciada pelos dez territrios brasileiros, constitudos em mosaicos ou projetos de mosaicos, est analisada na terceira parte. Buscamos apresentar as estratgias e os instrumentos, bem como as inovaes e os aprendizados gerados no dilogo com as instituies e experincias francesas e entre os brasileiros, organizados numa rede franco-brasileira. Em destaque, apresentamos o enfoque do desenvolvimento territorial e da construo da identidade territorial como elementos qualificadores da governana dos territrios com reas protegidas. A partir das inovaes, dos limites, das potencialidades e dos aprendizados gerados ao longo da Cooperao e detalhados nesse livro, o ltimo capitulo apresenta propostas visando valorizar as experincias, aperfeioar e criar sustentabilidade na gesto integrada e participativa dos mosaicos de reas protegidas no Brasil.

  • reas protegidas no Brasil

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    Mosaico Serto Vereadas Peruau - FUNATURA

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    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    1.1. Aspectos organizacionais

    A organizao poltico-administrativa da Re-p blica Federativa do Brasil compreende trs esferas pblicas, a Unio, os Estados (e o Distrito Federal) e os Municpios, todos autnomos, nos termos da Constituio Federal de 1988. O Brasil composto por 26 Estados, um Distrito Federal e 5.564 municpios. O federalismo se refere forma de estado, que se caracteriza pela unio de coletividades polticas autnomas. No que tange temtica ambiental, cada esfera deve prever e atuar no cuidado com o meio ambiente e com a qualidade de vida da coletividade. A partir da, cabem Unio as matrias e questes de interesse geral e nacional, com a execuo realizada pelo poder executivo, legislativo e judicirio. Aos Estados-membros cabem assuntos de interesse regional e so estruturados como a Unio, e, por fim, aos Municpios atribui-se competncia para as questes de interesse local. Esses entes federados con-tinuam a manter relaes atravs de transferncias de parcelas das receitas, da aplicao dos recursos, da celebrao de convnios, acordos, ajustes ou outros instrumentos similares. A Poltica Nacional do Meio Ambiente, instituda pela Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, re gulamentada pelo Decreto 99.274, em 1990,

    cons titui um marco na organizao territorial e institucional da questo ambiental no Brasil. Ela criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA) e o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que promo vem a articulao e a coordenao entre as esferas pblicas na rea ambiental. A Poltica tem por objetivo a preservao, melhoria e recuperao da qualidade ambiental propcia vida humana e no-humana. O SISNAMA composto por rgos am-bientais da Unio, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municpios e pelas Fundaes institudas pelo poder pblico. Cabe, s trs esferas pblicas de gesto, regionalizar as medidas emanadas do SISNAMA, elaborando normas e padres supletivos e complementares. O CONAMA um colegiado representativo dos rgos federais, estaduais e municipais, do setor empresarial e da sociedade civil, que tem a funo bsica de estabelecer normas a fim de promover a articulao coordenada dos rgos e entidades que o constituem. O Ministrio do Meio Ambiente (MMA), criado em novembro de 1992, o rgo central do sistema e a ele compete planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como rgo federal, a poltica nacional e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente. As atribuies do MMA foram estabelecidas pela Lei n10.683, de 10 de maio de 2003. Vinculados ao MMA esto os

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    rgos executores da poltica ambiental no mbito federal: o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis (IBAMA), criado para executar e fazer executar as polticas e diretrizes governamentais estabelecidas para o meio ambiente, e o Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade (ICMBio), criado, em 2007, para criar e gerir as reas protegidas institudas pela Unio. O instituto tem tambm a funo de executar as polticas de uso sustentvel dos recursos naturais renovveis, (www.icmbio.gov.br ).

    Os rgos ou entidades estaduais de meio ambiente e os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente so as esferas de gesto desse tema nos Estados e Municpios. Seu objetivo promover a preservao, melhoria e recuperao da qualidade ambiental, coordenando e integrando atividades ligadas defesa do meio ambiente no mbito regional e local. A Frana possui uma organizao adminis-trativa e territorial diferente, onde a temtica am-biental definida e trabalhada, tambm, de forma descentralizada.

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    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    A Frana uma repblica democrtica e indivisvel cuja organizao administrativa descentralizada. O regime poltico parlamentar e composto pelos poderes executivo, legislativo e judicirio. A competncia de proteger o meio ambiente est sendo implementada nos diferentes nveis do governo francs. Ou seja, pelo governo central, no nvel estadual3 e pelas entidades territoriais no mbito local. O territrio administrativo francs dividido em 26 Regies, 100 Departamentos e 36.784 municpios. Mais recentemente foram criadas as coletividades municipais (lei da administrao territorial da Repblica de 6 de fevereiro de 1992) e as aglomeraes (lei 1999), que agrupam vrios municpios no intuito de mutualizar a ao publica. Esses escales administrativos constituem as coletividades territoriais. A partir de 1982, o Estado transferiu competncias pelos territrios. A descentralizao foi implementada por meio da lei dos direitos e liberdades das regies, departamentos e municpios. O Estado ficou com a competncia geral de edio de regras para a proteo do meio ambiente e do patrimnio. O Ministrio do Meio Ambiente, Energia, Desenvolvimento Sustentvel e do Mar trata dos assuntos ambientais de maneira geral no mbito do Governo. Alm do estabelecimento da legislao ambiental, responsvel por integrar as polticas de desenvolvimento sustentvel na elaborao e implementao de todas as outras polticas do Governo (decreto n 2007-995) e implementar a Estratgia Nacional do Desenvolvimento Sustentvel (elaborada em 2003, a pedido do Conselho Europeu). Em 2005, a Cmara dos Deputados e o Senado da Frana aprovaram, no Congresso Nacional, a Carta do meio ambiente, contendo dez artigos. Por meio da carta, a temtica ambiental passa a integrar a Constituio Francesa, introduzindo um novo direito individual de viver em um ambiente balanceado e saudvel, bem como o dever de preservar o meio ambiente e de observar o princpio de precauo. A Constituio da Repblica de 1958, onde foi integrada a Carta do meio ambiente, a Lei basilar do sistema legal francs. As Regies, bem como as coletividades municipais e de aglomerao, tm competncia de ordenamento territorial e podem integrar a questo ambiental j que os seus planos devem levar em considerao as preocupaes com a preservao do meio ambiente. As Regies tm duas competncias especficas: os Parques naturais regionais (competncia compartilhada com o Estado) e as Reservas Naturais Regionais. Os Departamentos, com a gesto de certos rios e a gesto dos espaos naturais sensveis (recolhimento da taxa) interferem na gesto ambiental de maneira relevante. Tais coletividades tambm podem escolher, como competncia opcional, proteger e valorizar o meio ambiente. O poder central tem representao nesses territrios (desconcentrao do poder) atravs das Prefeituras nas Regies e nos Departamentos, e diretorias regionais e departamentais - no caso do meio ambiente a DREAL Diretoria Regional do Meio Ambiente, Ordenamento e Habitao. Elas implementam a poltica do poder central nos territrios, em parceria com as coletividades territoriais.

    Fonte: Aubin & Roche, 2006; Manesse,1998; Merlin, 2007

    Aspectos territoriais e administrativos na Frana

    3 No que tange organizao francesa, a palavra Estado representa o governo central francs

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    1.2. Gnese das reas protegidas

    No Brasil, o termo reas protegidas cor-responde a um espao regulamentado que, segundo a Constituio Federal de 1988, iria alm dos objetivos de proteo ambiental, abarcando todos os espaos territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos (Pereira & Scardua, 2008). Na Poltica Nacional das reas Protegidas (PNAP), o termo est definido da seguinte forma:

    reas naturais e semi naturais definidas geo gra-ficamente, regulamentadas, admi nis tra das e/ou manejadas com objetivos de conservao e uso sustentvel da biodiversidade. Enfoca prioritariamente o Sistema Nacional de Unidade de Conservao, as terras indgenas e os territrios quilombolas. Sendo que as demais reas protegidas, como as reas de preservao permanente e as reservas legais so tratadas no planejamento da paisagem, no mbito da abordagem ecos sistmica4, com uma funo estra-tgica de conectividade entre fragmentos naturais e as prprias reas protegidas. (Brasil, 2006)

    4 A abordagem ecossistmica incorporada no mbito da CDB uma estratgia para a gesto integrada do territrio e dos recursos vivos que promove a conservao e a utilizao sustentvel de um modo justo e equitativo. Engloba ainda as preocupaes da conservao e do desenvolvimento, fornecendo perspectivas para o alcance da sustentabilidade em um modo integrado e envolvendo todos os interessados (http://www.cbd.int/ecosystem/principles.shtml)

    5 Modelo baseado na filosofia da natureza selvagem (wilderness), que fundamentou a criao das primeiras reas protegidas nos Estados Unidos e em diversas partes do mundo. Tem como marco a criao do Parque Nacional de Yellowstone. Em 1876, Andr Rebouas publicou artigo sugerindo a criao de dois parques no Brasil, Ilha do Bananal e Sete Quedas. Porm, as propostas no foram contempladas na poca.

    Um dos principais tipos de reas protegidas so as unidades de conservao (UC). O termo unidade de conservao uma inveno brasileira, sendo utilizado para diferenciar territrios especialmente destinados conservao da biodiversidade (Bensusan, 2006). Mais recentemente, alm das UCs, as terras indgenas e quilombos vm sendo tratados, pelo poder pblico e grande parte da sociedade civil organizada, como territrios que incluem, alm das garantias de direitos tnicos, a conservao da biodiversidade e o desenvolvimento sustentvel. O primeiro dispositivo legal que introduziu a figura da rea protegida no Brasil foi o Cdigo Florestal (Decreto 23.793, de 1934). Por meio desse documento foi criado, em 1937, o primeiro parque nacional, o de Itatiaia, no estado do Rio de Janeiro, com grande inspirao do preservacionismo norte-americano e de pensadores naturalistas brasileiros do sculo XIX5 (Medeiros, 2006), que enfatizavam os critrios estticos, cnicos e patrimoniais para a criao das reas.

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Em face da obsolescncia do Cdigo Florestal e do avano da destruio dos recursos florestais, o Estado prope e aprova o novo Cdigo Florestal (Lei 4.771, de 1965). O novo dispositivo jurdico institui que as florestas existentes no territrio nacional, e as

    demais formas de vegetao, so bens de interesse comum a todos os habitantes, estabelecendo limi-taes e responsabilidades ambientais ao direito de propriedade. Esse dispositivo jurdico inova ao introduzir na legislao ambiental a distino entre

    As terras indgenas (TI) so territrios legalmente reconhecidos para proteo e perenidade dos povos e culturas indgenas. Os quilombos so territrios legalmente reconhecidos de descendentes de escravos de origem ou ascendncia africana que, tendo fugido do cativeiro, se organizaram em comunidades autnomas e autrquicas. Os membros dos quilombos so chamados de quilombolas. As terras indgenas e os quilombos possuem status jurdico especfico na Constituio Federal e em outros mecanismos jurdicos que do garantia territorial. Correspondem a tipos de reas protegidas onde os sujeitos sociais possuem poder de deciso sobre os rumos da gesto territorial. Diferentemente das UCs, as quais o poder pblico cria e define sua categoria, esses territrios so considerados de natureza auto declaratria, como reconhecimento de direitos tnicos (vide OIT 169). Os povos indgenas e quilombolas so atores fundamentais nas estratgias de conservao em nvel nacional e global, pois seus territrios e prticas de manejo asseguram, em muitos casos, a conservao de ecossistemas, e os mesmos buscam alianas com instituies nacionais e internacionais para a proteo do territrio e a conservao da biodiversidade. Estudo publicado em 2006, por Nepstad e colaboradores, concluiu, com base na anlise de imagens de satlites, que as TI so especialmente importantes para prevenir desmatamentos em larga escala, especialmente no chamado arco do desmatamento regio da Amaznia, onde as TI funcionam como uma barreira especulao fundiria e converso da cobertura florestal em pastagens e cultivos agrcolas. Alm disso, boa parte das reas prioritrias para a conservao e uso sustentvel da biodiversidade no Brasil esto sobrepostas aos territrios indgenas e quilombolas. Contudo, muitos desses territrios encontram-se sobrepostos a unidades de conservao de proteo integral, gerando conflitos normativos e polticos de acesso a rea. importante reconhecer que a paisagem atual do territrio brasileiro fruto de sculos de intenso manejo e de representaes dos povos indgenas e grupos rurais, como vem sendo exposto em inmeros estudos. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), existem hoje no Brasil cerca de 220 povos indgenas, falantes de mais de 180 lnguas diferentes, com populao pouco maior que 700.000 indivduos. As terras indgenas somam 645 reas, ocupando uma extenso total de 110.499.953 hectares. Cerca de 13% das terras do pas so reservados aos povos indgenas, sendo a maior parte concentrada na Amaznia. Esto identificadas, oficialmente, cerca de 1.350 comunidades remanescentes dos quilombos, muitas delas em reas consideradas de importncia para a conservao da biodiversidade.

    Fonte: Nepstad et al., 2006; Ricardo, 2004; Bensusan, 2006; www.pib.socioambiental.org

    Terras Indgenas e Quilombos

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    as categorias de UCs que permitiam o uso direto dos recursos (as de uso sustentvel) e as que no permitiam a explorao dos recursos naturais de uso indireto (as de proteo integral). O mesmo instrumento trouxe para a le gis-lao brasileira as figuras das reas de Pre servao Permanente e da Reserva Legal. As reas de Preservao Permanentes incluem todas as formas de vegetao situadas nas margens de corpos dgua, em topos de morro, encostas ngremes, entre outros. Nessas reas, proibido o desmatamento, com exceo de casos de utilidade pblica ou interesse social e atividades eventuais de baixo impacto. O Cdigo determina, ainda, a manuteno de vegetao nativa de uma porcentagem do imvel rural como Reservas Legais. Segundo Lima (2008), esses dois instrumentos, so estratgicos em termos de planejamento territorial, pois permitem orientar os produtores rurais a formar corredores ecolgicos entre reas protegidas ou manter zonas-tampo. A partir dos anos 1970, critrios cientficos oriundos da biologia da conservao se associam s ideias de paisagens e beleza cnica como critrios fundamentais para a criao das UCs. Inicia-se, nesse perodo, uma expanso importante das UCs de uso indireto, dentro de um paradigma preservacionista de conservao. Esse boom de UCs, notadamente na Amaznia, se deu no mbito de uma estratgia geopoltica do Estado brasileiro. Em outros biomas,

    como o Cerrado e a Mata Atlntica, a criao de UCs de uso indireto, nas dcadas de 1960 at 1980, mesmo com alguns significativos e localizados impactos sociais, permitiu que fossem conservadas at hoje, amostras significativas de ecossistemas que, avano das fronteiras agrcolas. No entanto, essas UCs se tornaram ilhas isoladas pelo processo de desmatamento e avano de monoculturas que ocorreu no resto de suas regies. Na segunda metade dos anos 1980, alguns grupos sociais - povos indgenas, seringueiros, agricultores familiares e ribeirinhos formaram suas primeiras organizaes de carter regional e nacional e forjaram alianas e coalizes entre essas organizaes em defesa de seus territrios e dos recursos naturais (Bensusan, 2006), sendo o caso mais famoso a mobilizao realizada sob a liderana do seringueiro Chico Mendes contra o desmatamento na Amaznia. Nesse processo socioambiental vigoroso, produziram-se solues originais e inte gradoras, das quais as Reservas Extrativistas so a expresso mais conhecida, inaugurando uma poca de expanso notvel das UCs de uso direto. Os anos 1990 foram marcados pela construo do Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC), promulgado pela Lei n 9.985/2000, aps oito anos de intensos debates. O SNUC considerado o marco inicial para o planejamento consistente da conservao, sob uma abordagem ecossistmica.

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaico Ibiapaba Sobral - FURPA

    Mosaico Jureia - Itatins - Fundao Florestal

    Mosaico Baixo Rio Negro - IP

    Mosaico Itabira - C. J. Delelis

    Mosaico Mdio Maca - UFRJ

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    reas protegidas na Frana A primeira categoria de rea protegida francesa (proteo dos monumentos naturais) foi criada por uma lei de 1930, mas a criao dos Parques Nacionais ocorre em 1960 (lei n 60.708, modificada pela lei de 14 de abril de 2006 e pela lei n 76-629 de 10 de julho de 1976, que cria as reservas naturais). Essas leis, assim como as leis temticas sobre a gua, o ar, o lixo, as instalaes classificadas e os stios classificados, foram reunidas no Cdigo do Meio Ambiente, em 2000. As leis relativas proteo da montanha, do litoral e das paisagens so consideradas leis urbansticas e foram codificadas como tal no Cdigo do Urbanismo. De acordo com cada situao, o sistema apoia-se em medidas regulamentares, contratuais, entre os atores dos territrios, ou em medidas de aquisio fundiria. A criao de uma rea protegida compete ao Estado ou a uma coletividade territorial, ao passo que a gesto cabe a uma grande variedade de atores, inclusive ONGs. Diferentemente do Brasil, a estratgia francesa de proteo depende mais da regulamentao imposta aos terrenos protegidos do que do status fundirio. Alm da proteo internacional (Reservas de Biosfera, Stios RAMSAR de conservao e utilizao sustentvel das zonas midas) e europeia (Stios Natura 2000, rede europeia de stios naturais de grande valor patrimonial devido a uma rica fauna e flora), existem, na Frana, 14 tipos de reas protegidas com graus diversos de utilizao, repartidas em trs grandes categorias de proteo:

    1) reas de interesse nacional ou regional, como os Parques Nacionais (existem 9 Parques Nacionais representando 40 000 km2) e as Reservas Naturais, que necessitam de uma forte proteo; 2) A gesto fundiria: as terras j so pblicas (Reservas Estatais) ou podem ser compradas por organismos pblicos, a exemplo do Conservatrio do Litoral (cf. Ficha), do Conservatrio dos Espaos Naturais ou dos Espaos Naturais Sensveis;3) A gesto contratual, implementada nas zonas que buscam associar desenvolvimento e conservao como por exemplo os Parques Naturais Marinhos e os Parques naturais regionais.

    No ordenamento territorial, essas reas so identificadas nos planos e na implementao de empreendimentos. No planejamento local e nos Planos Locais de Urbanismo dos municpios, os prefeitos classificam os Espaos Florestais a serem protegidos (artigo L.130-1 do Cdigo de Urbanismo). As diversas reas de proteo do patrimnio natural e paisagstico representam mais de 20% da Frana metropolitana (IUCN, 2008) e se integram numa abordagem mais ampla atravs do instrumento Trame verte et bleue, criado pela Lei do Grenelle, reforando a estratgia nacional pela biodiversidade assinada em feverero de 2004. O plano de ao 2008-2010 dessa estratgia nacional, objetiva criar uma estratgia nacional das reas protegidas (at atingir, daqui a dez anos, 2% de proteo integral no territrio nacional). Diferentemente do Brasil, no existe ainda nenhum sistema nacional de reas protegidas na Frana, visando melhorar a gesto concertada do patrimnio natural e a articulao entre o Estado e as coletividades territoriais.

    Fonte: (Martinez, 2008; www.ifen.fr ; SNB, 2009)

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    O sistema constitudo pelo conjunto das UCs federais, estaduais e municipais, e suas respectivas zonas de amortecimento6 , e busca proteger os ecossistemas e promover o desenvolvimento sustentvel (Brasil, 2007, 2000). O SNUC gerido pelo CONAMA, pelo MMA e por rgos executores nos mbitos federal, estadual e municipal. O sistema organizado em torno de 12 categorias de manejo (anexo 3), com alguma correspondncia com as categorias de reas protegidas da Frana e da IUCN (Tabela 1), e consolida a diviso das UCs em dois grupos de acordo com os objetivos de conservao, como referido anteriormente: o grupo das unidades de conservao de proteo integral e o grupo de unidades de conservao de uso sustentvel. O sistema inova em alguns pontos a poltica de reas protegidas no Brasil. Dentre suas principais inovaes, destacamos: a criao e gesto mais participativa das UCs, que devem possuir ins tru mentos de planejamento (plano de manejo, zoneamento) e de gesto (conselhos); as populaes locais7 passam a ser reconhecidas; incoporam-se as propriedades privadas, como

    no caso das Reservas Particulares do Patrimnio Natural; efetivam-se mecanismos de conectividade como os corredores ecolgicos, e de gesto integrada, como os mosaicos; e se estabelecem mecanismos de compensao por impactos ambientais. Por outro lado, o SNUC no resolveu problemas histricos das UCs, consolidando a perspectiva de deslocamento de populaes locais, apresentando mecanismo pouco claro e efetivo de gesto e sustentabilidade e centralizando a gesto das UCs em seus chefes, com pouco espao ainda para uma democracia efetiva. O Brasil conta com 304 UCs federais e estima-se que haja 600 de gesto estadual, 700 de gesto municipal, alm de cerca de 800 reservas particulares, totalizando, aproximadamente, a 16,7% da rea continental nacional e 1,4% das guas jurisdicionais brasileiras. A maior parte das UCs encontra-se na Amaznia Legal, compreendendo 26% da rea desse bioma, o que representa 13% da rea do territrio brasileiro (Gurgel et al., 2009). Somando-se o conjunto das UCs e as terras indgenas observamos um avano - ainda insuficiente - na criao de reas protegidas no Brasil (Figura 1).

    6A zona de amortecimento corresponde ao entorno de uma unidade de conservao, onde as atividades humanas esto sujeitas a normas e restries especficas, com o propsito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.

    7 Apesar do reconhecimento das populaes em termos legais, a questo fundiria e os direitos de acesso aos espaos e aos recursos ainda no esto resolvi dos na maioria das UCs, persistindo conflitos.

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Uso Categorias IUCN Brasil (Lei 9.985) Frana

    Indireto I - Reserva de Proteo Integral/rea Selvagem-Estao Ecolgica -Reserva Biolgica

    -Reserva Biolgica Integral -Reserva Natural Nacional -Reserva Integral (Parque Nacional)

    Indireto II Parque Nacional -Parque Nacional -Reserva Particular do Patrimnio Natural -Parque Nacional

    Indireto III - Monumento Natural -Monumento Natural -Refgio da Vida Silvestre-Reserva Natural Geolgica -Stio inscrito, Stio classificado

    Direto IV - rea de Manejo de Espcies ou Habitats

    -Floresta Nacional -Reserva de Fauna

    -Reserva Natural Nacional -Reserva Natural da Crsega -Reserva Natural Regional -Reserva Biolgica Dirigida -Reserva Nacional de Caa e Fauna Selvagem -Stio do Conservatrio do Litoral -Portaria de Proteo do Biotopo

    Direto V Paisagem Terrestre ou Marinha -rea de Proteo Ambiental -rea de Relevante Interesse Ecolgico

    -Parque natural regional -Parque Nacional Zona de Adeso -Parque Natural Marinho -Sitios do Conservatrio dos Espaos Naturais -Espaos Naturais Sensveis

    Direto VI rea para Manejo dos Recursos -Reserva Extrativista -Reserva de Desenvolvimento Sustentvel

    -Reserva de Pesca -Parque Natural Marinho -Stio do Conservatrio dos Espaos Naturais

    TABELA 1as Categorias de reas protegidas no Brasil e na Frana de aCordo Com a iuCn

    Fonte: (BRASIL, 2000; Martinez, 2008; Franco J. L. 2010)

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    1.3 Caminhando para a gesto integrada e participativa

    Um dos aspectos positivos do SNUC o reconhecimento de uma maior eficcia das estratgias e aes de conservao da biodiversidade graas a

    FIGURA 1

    mapa das unidades de Conservao e terras

    indgenas no Brasil

    uma organizao integrada e sistmica. Alm disso, a integrao das reas protegidas na escala biorregional de planejamento e gesto hoje, formalmente identificada atravs dos instrumentos reserva da biosfera, cor redores ecolgicos e mosaicos (Tabela 2). Esses instrumentos de

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

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    conectividade e gesto participativa se constituem em modelos integradores de reas protegidas no Brasil. O Programa Homem e Biosfera (Man and Biosphere, MaB) foi o primeiro a contestar o dogma da separao entre o homem e a natureza e a propor formas de gesto integrada dos ecossistemas. O Programa foi criado como resultado da Conferncia sobre a Biosfera, realizada pela UNESCO em Paris, em setembro de 1968. O MaB foi lanado em 1971 e um programa de cooperao cientfica internacional sobre as interaes entre o homem e seu meio. O

    objetivo central do Programa MaB promover o conhecimento, a prtica e os valores humanos para implementar as boas relaes entre as populaes e o meio ambiente em todo o planeta (http://www.rbma.org.br/mab). As Reservas da Biosfera so reas de ecossistemas reconhecidas pelo programa MaB como importantes, em nvel mundial, para a conservao da biodiversidade e o desenvolvimento sustentvel. A Reserva da Biosfera penetrou na poltica ambiental brasileira em 1974. Atualmente, as Reservas da Biosfera esto integradas ao SNUC.

    MOSAICO Quando existir um conjunto de unidades de conservao de categorias diferentes ou no, prximas, justapostas ou sobrepostas, e outras reas protegidas pblicas ou privadas, constituindo um mosaico, a gesto do conjunto dever se feita de forma integrada e participativa, considerando-se os seus distintos objetivos de conservao, de forma a compatibilizar a presena da biodiversidade, a valorizao da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentvel no contexto regional (art.26);

    CORREDOR ECOLGICO pores de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservao, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a disperso de espcies e a recolonizao de reas degradadas, bem como a manuteno de populaes que demandam para sua sobrevivncia reas com extenso maior do que aquela das unidades de conservao (art. 2, XIX);

    RESERVA DA BIOSFERA um modelo, adotado internacionalmente, de gesto integrada, participativa e sustentvel dos recursos naturais, com os objetivos bsicos de preservao da diversidade biolgica, o desenvolvimento de atividades de pesquisa, o monitoramento ambiental, a educao ambiental, o desenvolvimento sustentvel e a melhoria da qualidade de vida das populaes (art. 41).

    TABELA 2ConCeitos de mosaiCo, Corredor eColgiCo e reserva da BiosFera (Brasil, 2000).

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    8 Naturalista, professor universitrio e poltico brasileiro, figura renomada na temtica ambiental. Presidiu a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). Esse rgo teve como incubncias o controle da poluio, a educao ambiental e a conservao dos ecossistemas. Para esse ltimo objetivo, a SEMA, se responsabilizava pela criao e gesto das Estaes Ecolgicas e reas de Proteo Ambiental.

    A complexificao das formas de gesto integrada levou proposio de formas de reconexo biolgica, levando ao conceito de corredor ecolgico (entre as dcadas de 1980 e 1990). Nos anos 1990, foi gerado o Projeto Corredores Ecolgicos, como forma de planejar a conservao e a conectividade em larga escala. Projeto coordenado pelo MMA, e que abarca grande reas, envolvendo unidades de conservao, terras indgenas e reas de interstcio submetidas a diferentes formas de uso da terra, o chamado Corredor da Biodiversidade ou meso-geogrfico (Ayres et al., 2000). Na ficha n2 do Anexo 1, podemos perceber as diferenas entre os Corredores Ecolgicos e os Corredores da Biodiversidade. O mosaico, enquanto sistema de gesto integrada, surge para proporcionar maior efetividade de governana das reas protegidas, fortalecendo, tambm, as reservas da biosfera. um instrumento gerado atravs dos debates ocorridos durante a elaborao do texto do SNUC, na dcada de 1990. O termo mosaico, formulado pelo Dr. Paulo Nogueira Neto8 , ganha substncia com a proposta inovadora das Reservas Integradas Ecolgicas, inserida no texto das primeiras verses da lei (Ramos

    & Capobianco, 1996). Os mosaicos surgem como possvel instrumento de ordenamento territorial em reas de conflito entre UCs de proteo integral e populao local. Uma das primeiras experincias de gesto integrada foi proporcionada pelo IBAMA, no final dos anos 1990, com a criao do Ncleo Regional de Unidades de Conservao (NURUC), considerado por Ferreira et al. (2004) como os primrdios do que hoje se concebe como gesto por mosaicos. O NURUC incentivou a criao dos primeiros mosaicos no Rio de Janeiro e as experincias de gesto integrada no Extremo Sul da Bahia e em Santa Catarina. No mbito desse ncleo, deram-se os primeiros esforos da cooperao entre o Brasil e a Frana relacionada s reas protegidas (ver mais adiante). Os primeiros mosaicos federais reconhecidos no Brasil surgiram entre 2005 e 2006. Mais recentemente, em fevereiro de 2008, foi criado o Mosaico Jacupiranga e em abril de 2009 o Mosaico Serto Veredas-Peruacu, totalizando 6 mosaicos reconhecidos em nvel federal e 5 estaduais (Figura 2). Em abril de 2006, foi institudo o Plano Na-

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Povos e Comunidades Tradicionais (Creado, 2009), e avana conceitualmente, mesmo diante do insucesso na implementao de suas metas, para uma viso mais inclusiva, participativa e integradora para as reas protegidas, contando, para isso com diversos

    cional de reas Protegidas (PNAP). Esse instrumento dialoga diretamente com a Conveno sobre Di-versidade Biolgica (CDB), com o Acordo de Durban, do V Congresso Mundial de Parques, e com a Poltica Nacional de Desenvolvimento Sustentvel dos

    FIGURA 2

    mosaiCos reConheCidos no Brasil

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    instrumentos, inclusive o mosaico, o corredor ecolgico e a reserva da biosfera. Os debates do PNAP, no incio desta dcada, contriburam para o avano de uma Cooperao tc nica j em andamento entre o Brasil e a Frana. Proporcionaram encontros entre tc nicos dos dois pases e ampliaram a noo das reas protegidas como instrumentos de governana e desenvolvimento territorial sustentvel.

    1.4 Gesto integrada e Cooperao tcnica

    A busca por construir formas integradoras de gesto das reas protegidas brasileiras, proporcionada pelos avanos nacionais e internacionais da poltica ambiental, contribuiu para o dilogo entre instituies brasileiras e francesas e o aprofundamento de relaes cooperativas sobre o tema das reas protegidas. Esse dilogo entre os dois pases j ocorria atravs da experincia de criao de um Parque Natural Regional (PNR) no Pantanal (ver detalhes no prximo captulo) que comeou no final da dcada de 90. Iniciativa que contou com a articulao entre a Federao de Parques Naturais Regionais da Frana (FPNR) e o Governo do Mato Grosso do Sul. Aps esta iniciativa o dilogo passa a ser focado ao mbito nacional.

    Visando fortalecer as categorias e instru-mentos de gesto integrada o SNUC, o IBAMA e, pos teriormente o MMA, realizaram, juntamente com a FPNR da Frana, dois seminrios (em 2001 e 2003) e intercmbios com a finalidade de estabelecerem uma Cooperao Tcnica de mtuo aprendizado. Apesar do interesse inicial francs e brasileiro na implantao da categoria APA9 , a ateno nesses seminrios foi direcionada para a experincia de gesto integrada que se iniciava em Santa Catarina, no Brasil, pelo grau de inovao do projeto e pelas possibilidades desafiadoras que seus componentes traziam. Segundo Iara Vasco Ferreira (com.pessoal):

    Considerando os desafios do desen volvi-mento sustentvel nos diferentes biomas brasileiros e o papel das reas protegidas nesse contexto, chegamos ao entendimento de que a expertise francesa na gesto territorial poderia ser compartilhada co-nosco, contribuindo na implementao dos instrumentos de gesto territorial mais amplos como os mosaicos, uma vez que esse tipo de instrumento demanda um alto grau de articulao e mobilizao entre diversos atores e instituies

    9 O surgimento das APAs no Brasil, com objetivo de aliar conservao e desenvolvimento, se deu inspirado no modelo dos Parques Naturais europeus, como em Portugal, Espanha, Frana e Alemanha. Na Frana os Parques Naturais Regionais so criados por iniciativa das comunidades e permitem pro-priedade privada em seu interior.

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    O escopo do projeto de cooperao se ampliara e se fortalecia para contribuir com a implementao do PNAP. Portanto, os acordos de cooperao focaram a inter-relao entre dois modelos de gesto territorial integrada, os PNR (Figura 3) e os mosaicos. Dois modelos com status distintos mas complementares

    foram relacionados: o PNR representa uma categoria de rea protegida e o mosaico, um conjunto de reas protegidas com categorias e objetivos distintos. A partir de ento, a cooperao se fortalece e comea a incorporar novos atores e a se estruturar. Uma nova fase se abre...

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Rennes

    Limoges

    Nantes

    Rouen

    Amiens

    Caen

    Paris

    Orlans

    Metz

    Besanon

    Strasbourg

    Bordeaux

    Marseille

    Ajaccio

    Lille

    Reims

    Dijon

    LyonClermont-Ferrand

    MontpellierToulouse

    Poitiers

    Scarpe-Escaut

    Marais du Cotentinet du Bessin

    Armorique

    Brire

    Normandie-MainePerche

    Haute-Vallede Chevreuse

    Gtinaisfranais

    Loire-Anjou-Touraine

    Brenne

    Fort d'Orient

    Massifdes Bauges

    ChartreusePilat

    Livradois-Forez

    Queyras

    LorraineVosges du Nord

    Ballons des Vosges

    Haut-Jura

    Prigord-Limousin

    Caussesdu Quercy

    Narbonnaiseen Mditerrane

    Volcansd'Auvergne

    Millevaches en Limousin

    Montsd'Ardche

    LuberonAlpilles Verdon

    Camargue

    Corse

    Montagne de Reims

    AvesnoisBoucles

    de la SeineNormande

    Caps etMarais d'Opale

    Landes deGascogne

    Morvan

    Vercors

    Grands Causses

    Haut-Languedoc

    Vexinfranais

    Oise-Paysde France

    PyrnesCatalanes

    PyrnesArigeoises

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    LUXEMBOURG

    BELGIQUE

    ESPAGNE

    Cayenne

    Guyane franaise

    Fort-de-France

    Martinique

    FIGURA 3

    os 46 parques naturais regionais da Frana

    Os PNR so agrupados, em nvel nacional, na Federao dos Parques Naturais Regionais da Frana - FPNRF, associao sem fins lucrativos (lei 1901). Existem tambm redes de PNRs em nveis regionais: o Sindicato Misto Espaios Naturais Regionais Nord-Pas de Calais que reune os 3 PNR da Regio; a Associao Inter-Parcs do Macio Central que reune 10 Parques; e a rede dos PNRs da Regio Rhne-Alpes.

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    009

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    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Os Parques Naturais Regionais Por iniciativa das Regies, dentro de sua competncia em matria de ordenamento territorial, pode ser classificado como Parque Natural Regional um territrio com equilbrio frgil, patrimnio natural e cultural rico e ameaado e que objeto de um projeto de desenvolvimento baseado na preservao e na valorizao do patrimnio. Cf. Artigo R333-1 do Cdigo do Meio Ambiente francs. Os Parques Naturais Regionais foram criados por decreto do General De Gaulle em 1o de maro de 1967, aps uma misso realizada pelo Ministrio da Agricultura e pela Delegao Interministerial do Ordenamento Territorial e da Atratividade Regional (DATAR), encarregados de propor uma alternativa aos Parques Nacionais. So criados por iniciativa das Regies e classificados por decreto pelo Estado, por um perodo de 12 anos, o que lhes garante um interesse nacional. Os Parques so reas protegidas, territrios organizados em torno de um projeto compartilhado pelo conjunto dos atores locais (representantes eleitos, representaes socioprofissionais, associaes, servios estatais, etc.), que fundamenta o desenvolvimento do territrio na preservao e na valorizao do patrimnio. O Estado detentor da marca coletiva Parque Natural Regional.

    Os Parques tm 5 misses- proteger o patrimnio, principalmente por meio de uma gesto adaptada dos meios naturais e das paisagens;- contribuir para o ordenamento territorial;- contribuir para o desenvolvimento econmico, social, cultural e para a qualidade de vida;- garantir o atendimento, a educao e a informao ao pblico; - experimentar e inovar no conjunto desses temas.

    Cabe ao PNR elaborar uma Carta Fruto de uma elaborao coletiva, a Carta traduz a viso do territrio compartilhada por seus atores em um perodo de 12 anos. Ela registra o projeto de territrio, os objetivos que os diferentes nveis de coletividades pblicas municpios, intermunicipalidades, Departamento(s), Regio(es) e Estado assumem livremente, como um contrato que estabelece as disposies que tomam para cumpri-lo. A Carta foi instituda em aplicao lei de proteo e valorizao das paisagens de 1993; tornou-se igualmente obrigatria para os Parques Nacionais aps a recente lei de abril de 2006. A Carta impe-se a seus signatrios, comprometendo-os com a realizao e a coerncia da totalidade de suas aes com os objetivos da Carta. Ela tem um valor jurdico: os documentos urbansticos devem ser compatveis com suas orientaes e medidas.

    Um procedimento original A originalidade dos parques encontra-se, sobretudo, no processo ascendente e no procedimento voluntrio que os originam. a dinmica coletiva que os anima, sua abordagem participativa contnua, enfim, a fora do dilogo em que se apoiam para tocar seu projeto. Isso se traduz por uma frmula: Mais do que forar, convencer. Os Parques so tambm as nicas estruturas territoriais a ter uma misso de inovao e de experimentao do desenvolvimento sustentvel e a ter uma obrigao de xito para poderem perpetuar sua existncia por meio da renovao de sua classificao. Enfim, desde 2006, o Estado reconhece as Cartas de Parques como Agenda 21 local, como a Estratgia Nacional do Desenvolvimento Sustentvel, por todo o perodo de classificao do Parque. Assim, os Parques concorrem, sobretudo, para atender aos compromissos assumidos pela Frana na CDB do Rio 1992. Eles fazem, geralmente parte da categoria V do UICN Paisagem terrestre ou marinha protegida, embora frequentemente sejam classificados na categoria IV (p.ex.: reservas naturais) e sua ao seja, na maioria do territrio, na categoria VI: utilizao duradoura dos ecossistemas naturais. Hoje em dia, a rede contabiliza 46 Parques (44 no territrio francs europeu e dois nos territrios de alm-mar). Eles representam 13% do territrio francs, envolvendo mais de 3.900 municpios, 69 Departamentos e 23 Regies. H cerca de vinte projetos de Parques em andamento, o que demonstra o sucesso dessa frmula.

    Fonte: (www.parcs-naturels-regionaux.tm.fr, UICN 2008)

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    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Captulo 1 - reas protegidas no Brasil

    Mosaico Baixo Sul da Bahia - Fundao Ondazul Regio Nord-Pas de Calais - V. Vanberkel

    Mosaico Ilhas Marinhas - Fundao Florestal

    Mosaico Extremo Sul da Bahia - T. Cardoso

    Regio Rhne-Alpes - H. Hugues Regio PACA - J. L. Rigaux

  • A rede de Cooperao franco-brasileira

    2

    Regio Rhne-Alpes - J. L. Rigaux

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    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    2.1. Objetivos e organizao

    Os objetivos primordiais da Cooperao Tcnica Franco-Brasileira de reas Protegidas so apresentar, debater e experimentar os diversos mecanismos de gesto ambiental franceses e brasileiros que so embasados em processos democraticos e par-ti ci pativos, como os praticados nos PNR na Frana e aqueles previstos no SNUC. O programa procura fomentar uma rede franco-brasileira, composta por representantes de instituies pblicas e da sociedade civil organizada, tendo em vista o fortalecimento do mosaico de reas protegidas, abordando-o como instrumento compatvel com a noo de projeto de gesto territorial. Os gestores dessa iniciativa proporcionaram espaos de reflexo e intercmbio de experincias entre atores franceses e brasileiros, na construo de caminhos de desenvolvimento local e social na gesto da biodiversidade brasileira. Alm disso, incorporaram o desafio de integrar as diferentes esferas de gesto publica (gesto integrada), no intento de associar territrios e polticas territoriais (projetos de mosaico). A Cooperao bilateral formulada e

    executada no nvel das institucionalidades na-cio nais de meio ambiente dos dois pases, sendo articulada com a modalidade de Cooperao descentralizada e federativa (Figura 4), que envolve regies, estados e municpios. A Cooperao busca fomentar intercmbios de experincias em projetos socioambientais e de mosaicos no Brasil. Esse programa inovador por ser composto de uma grande variedade de parceiros pblicos, privados e da sociedade civil nos nveis local, regional e federal. Cabe ao Ministrio do Meio Ambiente (MMA), por meio da Secretaria da Biodiversidade e Florestas (SBF), ser o coordenador, do lado brasileiro, da Cooperao bilateral em reas protegidas. O MMA articulou a rede franco-brasileira e fomentou a implementao dos mosaicos em territrios definidos atravs do Edital 01/200510 do FNMA, que financia a implementao do programa. O ICMBio sempre acompanhou o trabalho, tanto nas suas orientaes estratgicas como na sua implementao nos territrios. Do lado francs, cabe ao Ministrio dos Assuntos Exteriores e Europeus (MAEE), atravs da Embaixada da Frana no Brasil, a responsabilidade da cooperao, financiando a implementao do programa. A assistncia tcnica, baseada no Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade

    10 O edital teve como objetivo selecionar propostas de criao de mosaicos nos biomas brasileiros e fomentar a elaborao de planos de desenvolvimento territorial com bases conservacionistas para os territrios selecionados.

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    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    de Braslia, coordena o programa, organiza os encontros e intercmbios, apoia o MMA e articula a rede franco-brasileira. A Delegao da Ao Exterior das Coletividades Territoriais (DAECT)fomentou a participao das coletividades territoriais francesas no programa. A Federao dos Parques Naturais Regionais da Frana, associao francesa que rene os 46 PNRs franceses, recebeu delegao do Ministrio da Ecologia, Energia, Desenvolvimento Sustentvel e Mar (MEEDDM) para representar os PNRs internacionalmente. No mbito do programa, assiste o papel de articulador da rede francesa

    representado pela Embaixada da Frana, e promove a participao dos PNRs no processo. A repartio das responsabilidades, e a defi-ni o dos objetivos e dos resultados esperados foram identificados no Plano de Trabalho da cooperao assinado em dezembro de 2008, pelo MMA-SBF, MAEE e FPNRF. Na Frana, os Conselhos Regionais das Regies Nord-Pas de Calais, Provence-Alpes-Cte dAzur e Rhne-Alpes (Figura 5) e, no Brasil, as Secretarias Estaduais do Meio Ambiente de Minas Gerais, So Paulo e Paran, participam do programa

    FIGURA 4

    organizao do programa de Cooperao

    COOPERAO BILATERALMemorendum de entendimento 2004 e Plano de Trabalho 2008

    MMA - SBF - DAPMAEE

    Embaixada da Frana no Brasil DAECT - CDS - UnB

    FPNRF

    NVEL TERRITORIAL NO BRASIL - Edital 01/2005 - FNMA

    7 territrios de projetos de mosaico selecionados: Baixo Rio Negro (Amazonas), Baixo Sul da Bahia (Bahia), Extremo Sul da Bahia (Bahia), Ibiapaba-Sobral (Piau/Cear), Itabira (Minas Gerais) Rio Maca (Rio de Janeiro), Serto-Veredas Peruau (Minas Gerais)

    COOPERAO DESCENTRALIZADAProtocolo adicional sobre a cooperao descentralizada franco-brasileira, 2008

    Regio Provence-Alpes-Cte dazur Estado de So Paulo Regio Rhne-Alpes Estado do Paran Regio Nord-Pas de Calais Estado de Minas Gerais

    FORTALECIMENTO DA GESTO INTEGRADA E PARTICIPATIVA

    EM M

    OSAICOS DE REAS PROTEGIDAS

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    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    Cooperao bilateral, descentralizada e federativa Entende-se por cooperao bilateral internacional uma cooperao que envolve governos de dois pases, no presente caso, a Repblica Federativa do Brasil (aqui representada por meio do MMA) e a Republica Francesa (aqui representada por meio do MAEE). A cooperao bilateral pode ser financeira, institucional, universitria, cientfica ou tcnica. Em geral, essas cooperaes so temticas e, at pouco tempo, foram unidirecionais (no tinham reciprocidade). Depois do Memorendum de Entendimento assinado entre o MMA e o MEEDDM em Cayenne em 2004, sobre a cooperao na rea ambiental e do desenvolvimento sustentvel, a prioridade foi desenvolver a cooperao tcnica sobre a gesto sustentvel das reas protegidas. A cooperao descentralizada na Frana, chamada de cooperao federativa no Brasil, possibilita que uma coletividade territorial francesa forme parceria com uma coletividade territorial de outro pas sem obrigao de uma autorizao do governo central. Essa modealidade foi muito desenvolvida entre cidades, departamentos, grupos de municipios e regies do Brasil e da Frana. Essas cooperaes abrangem, em geral, vrios temas, como: economia, transportes, meio ambiente, infraestrutura, pesquisa, educao, etc. Tal assunto coordenado no Brasil pela Subchefia dos Assuntos Federativos da Secretaria dos Assuntos Internacionais da Presidncia da Repblica e pela Delegacia das Aes Exteriores das Coletividades Territoriais DAECT, do MAEE, na Frana. Encontros da cooperao descentralizada e federativa franco-brasileira aconteceram em Marseille (2006), Belo Horizonte (2007) e Lyon (2009). Trs Cooperaes descentralizadas entre Regies francesas e Estados brasileiros participaram ativamente das aes de fortalecimento de mosaicos. So essas:

    So Paulo e Provence-Alpes-Cte dAzur (PACA): Acordo Quadro de cooperao de novembro de 2002, envolvendo os temas da educao, pesquisa e transferncia de tecnologia, capacitao, cultura, juventude, turismo, meio ambiente e ordenamento territorial. O acordo de cooperao descentralizada em meio ambiente e desenvolvimento sustentvel, de 25 de novembro de 2009, estabelecido entre o Presidente da Regio PACA e o Secretrio do Meio Ambiente de So Paulo, inclui a articulao com o programa bilateral de mosaicos. A conveno de aplicao 2009-2010, expe, sobretudo trs temas: gesto dos espaos naturais, gesto integrada do litoral e turismo sustentvel.

    Paran e Rhne-Alpes: Protocolo de inteno assinado em outubro de 2005. Envolve os temas do desenvolvimento economico, intercmbios universitrios e cientficos, educao, capacitao, agricultura, meio ambiente e transportes. O Plano de Ao 2009-2011 previu a articulao da cooperao descentralizada com o programa bilateral de mosaicos o que vem ocorrendo.

    Minas Gerais e Nord-Pas de Calais: Acordo quadro assinado em 23 de abril de 2009. Temas abordados: ordenamento territorial (e prin-cipalmente reconverso dos territrios mineiros), proteo do meio ambiente, biodiversidade, energias limpas, pesquisa, ensino superior, inovao, desenvolvimento cultural e social, etc.

    Vrios intercmbios aconteceram no mbito desses acordos: delegaes de representantes, misses tcnicas de especialistas, formaes, etc. importante notar que essa forma de cooperao funciona atravs da parcerias entre os atores pblicos e privados de cada regio e procura reciprocidade nos aprendizados e nas aes: Intercmbios com o mesmo objetivo constituiro o fundamento das relaes entre as partes (Acordo Nord-Pas de Calais e Minas Gerais, 2009).

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    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    FIGURA 5

    regies FranCesas envolvidas na Cooperao

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    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    com contribuies tcnicas e financeiras e no fo-mento das cooperaes descentralizadas. As cooperaes bilateral e descentralizada se articulam e se fortalecem mutuamente, como ressalta Antoine Joly,

    fundamental a articulao entre a cooperao bilateral e a cooperao descentralizada nesse programa (). O interesse da cooperao descentralizada mostra que mesmo com sistemas de governana diferentes, as perguntas e dificuldades encontradas nos territrios so muitas vezes iguais. Os resultados desse programa inovador poderiam at ser difundidos na Europa e na America Latina. (Relatrio da Cooperao, Ilha Bela, 2009).

    A metodologia de trabalho seguida pela rede franco-brasileira foi baseada em:

    Seminrios anuais de capacitao, intercm-bios e reflexo, realizados alternativamente na Frana e no Brasil, bem como visitas tcnicas e temticas nos dois pases;

    Grupos de trabalho e oficinas temticas;

    Comunicao e divulgao atravs de

    boletim bimensal, exposio itinerante na Frana e no Brasil (Figura 6) e participao em eventos relacionados aos temas de trabalho.

    FIGURA 6

    Banner da exposio itinerante

    Exposio no Sul da Bahia - Flora Brasil

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    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Braslia 2007 - C. J. Delelis

    Groux Les Bains, 2008 - M. Joanny

    Porto Seguro, 2006 - J. P. Delorme

    FIGURA 7

    mosaiCos da rede FranCo Brasileira

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    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    2.2. Construo participativa da Cooperao

    Conforme j foi dito no Captulo 1, a primeira iniciativa de cooperao entre a Frana e o Brasil, envolvendo reas protegidas, comeou, em 1996, com o projeto de criao do Parque Natural Regional do Pantanal, numa parceria entre o governo estadual do Mato Grosso do Sul e a FPNR, com financiamento da Unio Europeia. Essa experincia permitiu a aproximao entre alguns representantes dos dois pases, envolvidos

    na questo das reas protegidas e com interesse em desenvolver novos instrumentos de integrao e participao. Baseando-se nas discusses estabelecidas, em 2001 e 2003, no mbito federal, com a Frana, das evolues conceituais e prticas desenvolvidas e apresentadas nos eventos internacionais (Acordo de Durban, 2003) e nacionais (SNUC e PNAP), e no memorando de entendimento entre os Ministrios do Meio Ambiente francs e brasileiro, de 2004, a SBF/MMA trabalhou em cooperao com a Embaixada da Frana na construo de um projeto de gesto

    O Parque Natural Regional do Pantanal O PNRP foi criado pelo governo do estado do Mato Grosso do Sul, em 2002, com a finalidade de conter a grave situao econmica vivida pelos fazendeiros pecuaristas da regio do Pantanal, especificamente na Bacia do Rio Negro, nos municpios de Corumb, Rio Verde de Mato Grosso, Rio Negro, Corguinho, Aquidauana e Miranda. A proposta original reuniu uma srie de projetos que visavam, alm da valorizao da bovinocultura pantaneira (atravs do conceito de terroir), a ampliao das possibilidades econmicas dos fazendeiros atravs do turismo, bem como a melhoria da qualidade de vida dos habitantes. O modelo de parque francs pareceu interessante aos pantaneiros em virtude da livre adeso, de no ser restritivo permanncia humana e permitir atividades econmicas. Resultados positivos foram obtidos: diversificao das rendas (experimentao da marca Vitelo Pantaneiro, valorizao turistica), mobilizao e organizao social (criao de associaes de pousadas, de pantaneiros). Infelizmente, o IPP, Instituto do Parque do Pantanal, criado para implementar o projeto territorial (carta) estabelecido com os atores locais, no continuou as suas atividades por duas razoes decisivas: a falta de fundamentao legal e a complexidade de tentar replicar um modelo num pas com realidades to distintas. Esses fatores fizeram com que fosse impraticvel aplicar diretamente no Brasil a categoria PNR.

    Fonte: (Vargas, 2006; Jorge, 2003; Gonzales, 2006; Delorme, 2003; DGCID, 2008)

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    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    sustentvel das reas protegidas. A participao de projetos de mosaico nessa cooperao, atravs do Edital do FNMA, e dos estados partcipes das cooperaes descentralizadas realmente inovadora porque associou territrios na elaborao dos eixos de trabalho de uma cooperao bilateral. Com o Edital do FNMA, em 2005, sete projetos foram convidados pela Embaixada da Frana no Brasil e o SBF/MMA (Tabela 3 e Figura 7) para trocar reflexes e experincias de gesto territorial de reas protegidas com instituies e territrios franceses. A partir de ento, formou-se uma rede, onde foram definidos os temas que compem a troca de experincias. Em 2007, quando as cooperaes descentralizadas PACA So Paulo e Rhne-Alpes Paran aderiram ao projeto, trs outros mosaicos integraram a rede: Jureia Itatins11, Ilhas marinhas do Litoral Norte de So Paulo e Lagamar, elevando o numero de territrios brasileiros participando da cooperao a dez. importante frisar que todos os parceiros institucionais citados acima participaram do pro -grama. A partir de 2006, cinco seminrios acon-teceram permitindo a construo coletiva das temticas de interesse, bem como a capacitao dos atores em gesto e desenvolvimento territorial em reas protegidas.

    Em setembro de 2006, aconteceu o primeiro seminrio franco-brasileiro em Porto Seguro (Bahia). Ao final do evento, foi apresentada uma proposta contendo os seguintes objetivos, aes e temas a serem trabalhados durante a cooperao: a) consolidar a articulao para gesto integrada e transversal dos territrios; b) desenvolver um sistema de governana em mosaicos; c) criar uma rede de gestores de reas protegidas e um sistema de comunicao entre mosaicos; d) valorizar o patrimnio natural e cultural, atravs do fortalecimento da identidade territorial (certificao dos produtos). Esse encontro foi basilar e orientador dos encontros subsequentes. De novembro a dezembro de 2006, ocorreu, durante 25 dias, o segundo encontro, em varias regies da Frana, permitindo aos participantes brasileiros obterem uma maior compreenso das realidades francesas, principalmente na temtica do ordenamento territorial, considerada de grande importncia para os brasileiros, como expressa a relatora Maria Matoso:

    ...a importncia do ordenamento e desenvolvimento territorial, principalmente por ser um instrumento de poltica eficaz, pouco conhecido e no aplicado no Brasil.

    11 O mosaico Jureia-Itatins foi proposto e criado, em 2006, com o intuito de conservar a biodiversidade da mata atlntica e e ainda manter a sustentabi-lidade das comunidades tradicionais, realizando um ordenamento territorial na regio. No entanto, por questes jurdicas, o mosaico deixou de existir formalmente.

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    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    Nome do mosaico Estado(s) Coordenador Bioma representado

    Nmero de UC Federais Estaduais

    - MunicipaisAndamento

    Baixo Rio Negro (BRN) Amazonas IP-Instituto de Pesquisas Ecolgicas Amaznia 3 7 1 em processo

    Baixo Sul da Bahia (BSB) Bahia Fundao Movimento Ondazul Mata Atlntica 0 6 4 projeto

    Extremo Sul da Bahia (ESB) Bahia FLORA Brasil Mata Atlntica 5 1 1 em processo

    Serra de Ibiapaba-Sobral (SIS) Cear Piau Fundao do Rio Parnaba FURPA Caatinga 5 1 0 projeto

    Itabira Minas Gerais Municpio de Itabira Cerrado/ Mata Atlntica 2 3 6 projeto

    Serto Veredas-Peruau (GSVP) Minas Gerais Fundao Pr-Natureza FUNATURA Cerrado 3 7 4 reconhecido

    Mdio Maca (MM) Rio de Janeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Mata Atlntica 1 0 2 em processo

    Jureia Itatins So Paulo Fundao Florestal Mata Atlntica 6 no total

    Ilhas Marinhas do Litoral Norte de So Paulo (IMLSP) So Paulo Fundao Florestal Mata Atlntica 14 no total reconhecido

    Lagamar Paran SEMA Paran e ICMBio Mata Atlntica 33 no total reconhecido

    TABELA 3os dez projetos de mosaiCo da rede de Cooperao

    Projeto= em elaborao, Em Processo= j encaminhado ao MMA, Reconhecido= portaria publicada

    Fonte: (C. Delelis a partir de dados enviados, 2010)

    O ordenamento territorial possi bi lita a hierarquizao e a integrao de planos, aes e investimentos em infra estrutura e desenvolvimento. Portanto, todos os temas: agricultura, planejamento e desenvolvimento,

    tanto o econmico como o industrial, educao, turismo, meio ambiente, so tratados de forma integrada com base no desenvolvimento sustentvel e ordenamento territorial.

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    Captulo 2 - A rede de Cooperao franco-brasileira

    Mosaicos de reas protegidas - Reflexes e propostas da cooperao franco-brasileira

    O terceiro seminrio, realizado em Braslia, no ms de novembro de 2007, aprofunda os debates realizados em Porto Seguro e incorpora os aprendizados obtidos durante a viagem do grupo brasileiro Frana. Diante disso, outros entraves e desafios, bem como algumas recomendaes, foram inseridos no debate, como: a) formalizar compromissos nos territrios via cartas, convnios etc.; b) ter um lcus de interlocuo no MMA; c) apoio metodolgico nan elaborao de um projeto territorial; d) mtodos para definir uma agenda comum integrando as diversas polticas pblicas. O quarto seminrio realizado na Frana, em 2008, buscou aprofundar conhecimentos, por meio de sesses regionais que permitiram aos diversos participantes conhecer os savoir-faires locais e detalhar as metodologias e aplicaes locais da gesto territorial das reas protegidas. Em cada regio francesa onde houve visita, foi trabalhada uma temtica: o turismo sustentvel e gesto integrada da zona costeira na regio PACA, agricultura e valorizao de produtos e gesto florestal em Rhne-Alpes e mobilizao social na regio Nord-Pas de Calais. Os produtos desse evento contriburam para o avano substancial dos conceitos e prticas para os mosaicos. Ao f