Livro Edufes Alfabetização No Espírito Santo

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Alfabetização

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  • Editora filiada Associao Brasileira das Editoras Universitrias (Abeu)Av. Fernando Ferrari 514 Campus de Goiabeiras CEP 29 075 910 Vitria Esprito Santo, BrasilTel.: +55 (27) 4009-7852 E-mail: [email protected]

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    Secretrio do Conselho Editorial | Douglas Salomo

    Reviso de Texto | Paulo Muniz da SilvaProjeto Grfico, Diagramao e Capa | Yuri Fassarella DinizReviso Final | As autoras

    Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

    A385 Alfabetizao no Esprito Santo (1946 a 1960) / Cladia Maria Mendes Gontijo, Dulcina Campos Silva [organizadoras]. - Vitria : EDUFES, 2014. 148 p. : il. ; 21 cm

    Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-7772-185-6

    1. Alfabetizao - Esprito Santo (Estado) - Histria. 2. Escrita.

    3. Leitura. 4. Cartilhas. 5. Livro de Lili. I. Gontijo, Cludia Maria Mendes, 1962-. II. Campos, Dulcina, 1956-.

    CDU: 37

  • Vitria, 2014

  • Sumrio

    7 Introduo

    13 O ensino primrio no contexto da legislao

    13 O ensino primrio no Brasil e no Esprito Santo

    29 Docncia no ensino primrio

    45 O pedaggico sob o controle administrativo

    69 O ensino da leitura e da linguagem escrita

    69 Bases nacionais para o ensino da leitura e

    da linguagem oral e escrita

    79 O livro de leitura, pr-livro, cartilha e

    as atividades propostas para a alfabetizao

    85 Alfabetizao no Esprito Santo

    100 Cartilhas utilizadas no Esprito Santo

    102 Cartilha Sodr

    113 O livro de Lili

    133 Consideraes finais

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  • 6Introduo

    Este livro tem por objetivo apresentar os resultados de par-te de nossos estudos realizados na linha de Educao e Linguagens do Programa de Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal do Esprito Santo, cuja finalidade central reconstruir a histria da alfabetizao no Estado do Esprito Santo. Centramos, neste texto, nossas anlises no perodo de 1946 a 1960, focalizan-do a alfabetizao no contexto das polticas pblicas nacionais e estaduais. Buscamos analisar, tambm, cartilhas utilizadas pelos professores que atuavam nas classes de alfabetizao, no perodo, para ensinar as crianas a ler e a escrever. O recorte temporal (perodo de 1946 a 1960) pode ser ex-plicado em funo da volta do Brasil normalidade democrtica, aps o regime ditatorial de Vargas. Apesar de Skidmore (2010) afir-mar que o ditador foi deposto do cargo pelo comando do exrci-to e no pelo poder da oposio civil, o retorno democracia consubstanciado, segundo Romanelli (1986, p. 169-170), [...] na adoo de uma nova constituio, caracterizada pelo esprito liberal e democrtico dos seus enunciados. No plano educacional, aps o fim do regime ditatorial, por meio do Decreto-Lei n 8.529, de 2 de janeiro de 1946 (BRASIL, 1946... Acesso em: 7 maio 2007), conhe-cido como Leis Orgnicas do Ensino Primrio, essa etapa inicial da escolarizao que, praticamente no recebera ateno do Governo Central, passou a ter diretrizes nacionais que visavam a certa unifor-midade em termos de organizao, funcionamento e estrutura. Ferraro e Machado (2002) assinalam um significativo avan-o, no ltimo sculo, em relao democratizao do acesso esco-lar pelos alunos de classes populares no Brasil. No entanto, os dados levantados por esses autores demonstram que, apesar da democrati-zao do acesso, uma grande parte das crianas passa pela escola, mas no continua seus estudos. De acordo com o censo de 2010, no Esprito Santo a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou

  • 7mais, em dez anos, caiu de 11,7% para 8,1%. O ndice registrado no Estado foi menor do que o nacional (9,6). Porm, tal estatstica ainda merece ateno dos gestores pblicos, principalmente porque ele vem acompanhado de altos ndices de analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que so incapazes de fazer uso da leitura e da es-crita em prticas sociais e profissionais. Para Cury (2003), apesar dos avanos possibilitados pelas Constituies de 1930 e de 1988, o Brasil ainda um Pas que deve muito sua populao, no que se refere ao direito Educa-o. Desse modo, sublinha que as estatsticas mostram que no h motivos de comemorao, principalmente por conta do elevado nmero de jovens e adultos que ainda no sabem ler e escrever, sem esquecer o grande nmero de reprovaes das crianas em fase de alfabetizao e nos anos subsequentes de escolarizao. Essas consideraes evidenciam que a Educao continua exigindo ateno especial por parte dos gestores das polticas p-blicas e dos educadores, bem como da sociedade em geral. Evi-dentemente, por no se tratar de um fato novo, a problemtica no campo de alfabetizao vem, no decorrer dos tempos, levando a comunidade cientfica a dedicar-se a estudar e compreender as razes histricas dos problemas que teimam em permanecer. Conforme apontam Frade e Maciel (2006, p. 10), de [...] 311 teses e dissertaes produzidas no perodo de 1961 a 1998, temos apenas duas pesquisas histricas [...]. A constatao dessa lacuna e, consequentemente, da necessidade de pesquisas de na-tureza histrica, possibilitou o surgimento de estudos, em diversos Estados brasileiros, com a finalidade de reconstruir a histria da al-fabetizao. Dentre eles, podemos destacar as pesquisas de Mortatti (2000), em So Paulo; de Trindade (2004), no Rio Grande do Sul; de Santos (2001) e de Amncio (2000), no Mato Grosso; de Maciel (2001) e de Frade e Maciel (2006), em Minas Gerais. No Espri-to Santo, tivemos o incio desse movimento demarcado por uma pesquisa mais ampla, desenvolvida por Gontijo (2008), intitulada A alfabetizao na histria da/o Provncia/Estado do Esprito Santo (1876 a 1920). Como parte do projeto de reconstruo dessa hist-ria, podemos mencionar, ainda, os importantes estudos de Campos (2008), que deram origem a este livro, e tambm as pesquisas de Gomes (2008), Sousa (2008), Assuno (2009) e Falco (2010).

  • 8 Segundo Frago (1993, p. 33), as pesquisas histricas possi-bilitaram uma mudana importante do foco dos estudos no campo da alfabetizao, ou seja, o analfabetismo deixou de ter relevncia nos estudos para dar destaque alfabetizao. Assim, este livro no se detm nos problemas do fracasso escolar ou da analfa-betizao, mas analisa o processo de alfabetizao no contexto das polticas pblicas e das prticas, tendo em vista os sujeitos em seus diferentes lugares de atuao, os pressupostos pedaggicos, ideolgicos, econmicos, polticos e culturais que impulsionavam, travavam ou consolidavam essas aes e as suas conexes com o processo de modernizao do Pas. A alfabetizao tem demonstrado ser um campo de estudo complexo e multidimensional, dado o seu carter interdisciplinar. Graff (1994), reconhecidamente um dos pioneiros em investigao da histria da alfabetizao, defende o estudo apropriado da expe-rincia da alfabetizao, pois, para ele, a alfabetizao [...] tem mais que apenas um interesse de antiqurio; ela tem muito a dizer para a anlise e para a formulao de polticas no mundo em que hoje vivemos (GRAFF, 1994, p. 45). Assim, esse autor acredita que somente pela perspectiva histrica possvel perceber a fragilidade do poder atribudo alfabetizao e escolarizao das massas, como requisito para o crescimento econmico, para a realizao individual e para a democracia nas sociedades modernas. Ao discutir a tese liberal que supervaloriza a alfabetiza-o, esse autor assinala a necessidade de reconceituao da alfa-betizao, pois ela comporta historicamente conceitos variados. Nesse sentido, argumenta que definir a alfabetizao como [...] uma tecnologia ou conjunto de tcnicas para a comunicao e a decodificao e reproduo de materiais escritos ou impressos (GRAFF, 1994, p. 33), ou como [...] uma tcnica ou instrumento, uma inovao mecnica (GRAFF, 1994, p. 33) no suficiente, porque seus [...] efeitos so determinados pela maneira por meio da qual a agncia humana as explora num contexto especfico. Consideramos a alfabetizao [...] uma prtica sociocultural (GONTIJO, 2005, p. 2). A partir desse ponto de vista, buscamos a sua compreenso, tomando como referncia os sentidos atribudos a ela no perodo pesquisado.

  • 9 Bloch (2001) destacou a importncia da Histria, ao abrir o seu livro com esta frase: Diz-me para que serve a Histria. Nessa obra, esse autor responde pergunta de um filho preocupado com a aparente inutilidade da profisso do seu pai. Ele diz que, alm de seu carter metdico, utilitrio e austero, a Histria carrega em si toda uma carga de seduo, de prazeres estticos e poticos que lhe so prprios, tendo em vista o grande espetculo da vida o das atividades humanas. Dessa forma, Bloch defende, segundo Le Goff (2001, p. 19), tanto a legitimidade quanto a fragilidade da Histria:

    preciso, portanto, para fazer a boa histria, para ensin-la, para faz-la ser amada, no esquecer que ao lado de suas [...] necessrias austeridades, a histria [...] tem seus gozos estticos prprios. Do mesmo modo, ao lado do necessrio rigor li-gado erudio e investigao dos mecanismos histricos, existe a [...] volpia de apreender coi-sas singulares, da esse conselho que me parece muito bem-vindo ainda hoje: [...] evitemos retirar de nossas cincias sua parte de poesia.

    Diante disso, a Histria, segundo Bloch (1997, p. 89), [...] a cincia dos homens no tempo, pois quem faz a His-tria o homem social no espao e no tempo social, com todas as suas diversidades/singularidades. Contudo, o estudo do homem no tempo no caracteriza a Histria como a cincia do passado, porque, segundo Bloch (1997), o passado um dado impossvel de ser mudado, mas o que possvel mudar o que dele se pode aprender, de acordo com o olhar e a posio ideolgica de quem produz histria. Nesse sentido, segundo Bloch (1997, p. 100), pas-sado e presente se interpenetram: A incompreenso do presente nasce fatalmente da ignorncia do passado. Mas no vale a pena esgotar-se para compreender o passado quando nada compreen-demos do presente. E o autor acrescenta: O historiador no es-tuda o presente na esperana de a descobrir o passado. Procura simplesmente encontrar no presente os meios para melhor com-preender e sentir o passado (BLOCH, 1997, p. 277). Com essa perspectiva, analisamos textos impressos produzidos na poca em estudo e, tambm, entrevistamos professoras que atuavam em classes de alfabetizao nesse perodo.

  • Tendo em vista a busca da compreenso e organizao da escrita da histria da alfabetizao no Esprito Santo, no pe-rodo de 1946 a 1960, organizamos este livro em trs captulos e as consideraes finais. No primeiro captulo, evidenciamos as principais mudanas no ensino primrio no Brasil e no Esprito Santo. No terceiro, analisamos as bases nacionais para o ensino da leitura e da escrita na escola primria, expressas no programa intitulado Leitura e linguagem no ensino primrio: sugestes para organizao e desenvolvimento de programas. Esse programa foi elaborado por tcnicos do Instituto Nacional de Estudos Pedag-gicos (Inep) e do Ministrio da Educao e Sade. Publicado em 1949, sua finalidade era orientar a organizao dos programas de ensino primrio nos Estados. Enfocamos, ainda, dentre outros as-pectos, duas cartilhas utilizadas no Esprito Santo, e adotadas pelas professoras em suas salas de aula, para ensinar a ler e a escrever: a Cartilha Sodr, de Benedicta Sthal Sodr, e o Livro de Lili, de Anita Fonseca. Por ltimo, tecemos consideraes da nossa apropriao e compreenso da histria da alfabetizao no Esprito Santo no perodo de 1946 a 1960.

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    O ensino primrio no contexto da legislao

    Neste captulo, inicialmente discutimos o Decreto-Lei n 8.529, de 2 de janeiro de 1946 (BRASIL... Acesso em: 7 maio 2007), que regularizou o ensino primrio em mbito nacional. A discusso da Lei Orgnica do Ensino Primrio cotejada pela anlise das mu-danas legais que ocorreram na legislao educacional do Esprito Santo, com a finalidade de adequar a educao primria estadual s normas nacionais. Em seguida, analisamos a questo da docncia na escola primria e as tentativas empreendidas pelos governos de assegurar, pela via da legislao, mecanismos que garantissem o atendimento exigncia de formao especfica para o exerccio do magistrio e, finalmente, apresentamos os mecanismos de controle administrativos institudos pelo Estado, para acompanhar o desen-volvimento do ensino primrio nas escolas.

    O ensino primrio no Brasil e no Esprito Santo

    A realidade nacional da dcada de 1950, marcada pela forte industrializao, pela abertura de novas estradas, pela mo-dernizao dos Estados, teve reflexos na Educao. Apesar das contradies e dos desafios, acreditava-se que as reformas no siste-ma educacional poderiam contribuir para o desenvolvimento eco-nmico nacional. O Brasil, nesse perodo, passou por dois proces-sos de profundas repercusses: o primeiro, como foi mencionado, relacionado com o fim da ditadura Vargas, que deu incio ao pro-cesso de redemocratizao do Pas; e o segundo, ligado ao desen-volvimento econmico e cultural. Trata-se dum momento em que

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    se pretendia efetuar a transio de uma sociedade eminentemente rural, agrria e comercial, para uma sociedade tambm de base urbana e industrial. Zotti (2004) assinala que a sociedade brasilei-ra, nesse perodo, caracterizou-se pela democratizao poltico--social e pelo crescimento nacional advindo do capital estrangeiro que, se, por um lado, proporcionou a ampliao e a diversificao do parque industrial nacional, por outro, trouxe a solidificao do imperialismo norte-americano na definio dos rumos econmi-cos e polticos nacionais. Nesse contexto, a educao escolar era pensada no bojo do processo de industrializao/urbanizao, pois era considera-da necessria e imprescindvel ao desenvolvimento econmico e industrial. Apesar de essa viso no ser nova, ela adquire contor-nos interessantes no perodo que se inicia com o final da ditadura Vargas at o final da dcada de 1950, quando as discusses em torno da elaborao da Lei de Diretrizes da Educao Nacional, aprovada em 1961, atingem o seu pice. De acordo com Zotti (2004), como consequncia ou de-terminao da realidade socioeconmica e poltica imposta desde 1937 instituiu-se uma ampla reforma da Educao, com as Leis Orgnicas do Ensino. Essa reforma, porm, ocorreu de modo gra-dativo, pois somente a partir de 1946 ela atingiu o ensino prim-rio, com a promulgao da Lei Orgnica do Ensino Primrio pelo Decreto-Lei n 8.529 (BRASIL... Acesso em: 7 maio 2007), que estabeleceu, conforme art. 41, a obrigatoriedade do ensino prim-rio elementar para todas as crianas na idade de sete a doze anos [...] tanto no que se referia matrcula como no que dizia respeito frequncia regular s aulas e exerccios escolares. O conjunto de reformas institudas por Gustavo Capane-ma, ento ministro da Educao e Cultura, de acordo com Saviani (2007), teve um carter centralizador e burocratizador da Educao. Alm disso, segundo esse autor, a Caracterstica que ficou mais saliente das reformas educacionais empreendidas por Campos e Ca-panema traz a marca do pacto com a Igreja Catlica, costurada por Francisco Campos no incio da dcada de 1930 (SAVIANI, 2007, p. 269). Esse pacto abriu espao s lideranas catlicas na formulao de polticas educacionais e na composio do quadro de pessoal, o que resultou na [...] aproximao da igreja catlica do aparelho

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    de Estado [...] a igreja acabou, em termos prticos, admitindo a pre-sena ativa do Estado na Educao, muito alm do que lhe era per-mitido no campo doutrinrio (SAVIANI, 2007, p. 270). Com essa aproximao, segundo Saviani (2007), diluram-se as crticas dos catlicos aos renovadores da Educao, pois estes eram vistos como detentores do monoplio estatal do ensino. Saviani (2007, p. 270) aponta, ainda, que, para Vargas, Campos e Capanema, esses acordos no envolviam valores de carter dogmtico, visto que, para eles, [...] os princpios da edu-cao crist, assim como os princpios pedaggicos renovadores, no tinham valor em si, mas eram vistos como instrumentos de ao poltica. Dessa forma, essa liderana poltica no via in-compatibilidade entre essas duas vises educacionais. Por isso, de acordo com Saviani (2007, p. 271), entre 1932 e 1947, [...] as idias pedaggicas no Brasil foram marcadas por um equil-brio entre a pedagogia tradicional, representada dominantemente pelos catlicos, e a pedagogia nova. Porm, como adverte esse autor, esse perodo no se caracterizou por constantes harmonias. A instabilidade ou estabilidade entre esses dois grupos variava conforme as circunstncias, a correlao de foras e os interesses de cada momento. Embora a Educao, em seu conjunto, ainda tivesse uma organizao unificada, no havia um plano nacional nessa dire-o, pois a Lei Orgnica do Ensino Primrio foi a primeira inicia-tiva de Governo Federal organizar o ensino primrio no Brasil. A esse respeito, Zotti (2004, p. 144) assinala que:

    A Lei Orgnica do Ensino primrio foi a primeira iniciativa concreta do governo federal no intuito de traar diretrizes gerais para esse nvel de ensino. A nica lei de iniciativa do governo central, que a antecedeu, foi promulgada em 1827, mas nunca entrou em vigor. O ensino primrio ficava a cargo das provncias ou estados, que muito precariamen-te atendiam a esse nvel de ensino. As iniciativas de maior importncia ocorreram entre 1920 e 1930 e foram responsveis por desencadear discusses relevantes, mas, produziram projetos isolados que eram criados e abandonados de acordo com a po-ltica de cada estado.

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    O ensino primrio, at mesmo por entender que sem ele, ou seja, sem a alfabetizao/escolarizao, no era possvel o aces-so aos conhecimentos necessrios insero no mercado de traba-lho e ao desenvolvimento capitalista, passou a ter uma importncia nunca vista antes na histria da Educao brasileira (pelo menos no plano poltico-ideolgico). Nesse contexto, o ensino primrio pas-sou a ser concebido como um instrumento de educao comum, portanto, um investimento pblico valioso, em face de sua postula-da relao direta com o desenvolvimento econmico. A promulgao das Leis Orgnicas do Ensino Primrio evi-dencia a preocupao do Poder Central em nacionalizar essa etapa da escolarizao. Por ter sido promulgada aps o regime autoritrio de Vargas e paralelamente ao movimento da Assembleia Nacional Constituinte, essa Lei traz tona os princpios inovadores do iderio da Escola nova. Dessa forma, ela expressa a necessidade de uma formao integral da criana que envolvesse, alm do ler, escrever e contar, a aprendizagem de conhecimentos teis para a vida em sociedade e a preparao para o trabalho. Nessa perspectiva, con-forme dispunha o art. 1o, as finalidades do ensino primrio so:

    (a) Proporcionar a iniciao cultura que a to-dos conduza ao conhecimento da vida nacional, e ao exerccio das virtudes morais e cvicas que mantenham e a engrandeam, dentro de elevado esprito de fraternidade humana. (b) Oferecer de modo especial, s crianas de sete a doze anos, as condies de equilibrada formao e desenvol-vimento da personalidade. (c) Elevar o nvel dos conhecimentos teis vida na famlia, defesa da sade e iniciao no trabalho (BRASIL, 1946, p. 1... Acesso em: 7 maio 2007).

    Os objetivos dispostos na Lei para o ensino primrio ex-pressam a influncia exercida pelo Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova que, conforme assinala Saviani (2004, p. 35), era [...] um marco de referncia que inspirou as geraes seguintes, tendo influenciado [...] a teoria da Educao, a poltica educa-cional, assim como a prtica pedaggica em todo o pas. Nesse sentido, esses objetivos esto de acordo com a proposta da Escola nova, especialmente no que se refere ampliao do conceito de

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    educao, que era vista como responsvel pelo desenvolvimento integral da criana. Havia uma preocupao com o convvio so-cial, com o patriotismo e com a preparao para o trabalho, visto que essas habilidades e atitudes eram desejveis nova ordem econmica a que se aspirava nesse perodo. Nessa direo, a Lei declarou os princpios, do ensino primrio:

    (a) desenvolver-se de modo sistemtico e gra-duado, segundo os interesses da infncia; (b) ter como fundamento didtico as atividades dos pr-prios discpulos; (c) apropriar-se nas realidades do ambiente em que se exera, para que sirva sua melhor compreenso e mais proveitosa utilizao; (d) desenvolver o esprito de cooperao e o sen-timento de solidariedade social; (e) revelar as ten-dncias e aptides dos alunos, cooperando para o seu melhor aproveitamento no sentido de bem--estar individual e coletivo; (f) inspirar-se, em todos os momentos, no sentimento de unidade nacional e fraternidade humana (BRASIL, 1946, p. 2... Aces-so em: 7 maio 2007).

    Esses princpios constituem as bases comuns de uma re-novao educacional. Com relao a esse iderio, Lopes, Faria Filho e Veiga (2003, p. 497) dizem que o ensino deveria primar pe-los interesses dos alunos, ou seja, considerar, nesse processo, [...] a centralidade da criana nas relaes de aprendizagem, como principal fator motivador na organizao didtica, pois se visava escolarizao de toda a populao infantil e, consequentemente, [...] disseminao de valores e normas sociais em sintonia com os apelos da nova sociedade moderna, constituda a partir dos pre-ceitos do trabalho produtivo e eficiente (LOPES; FARIA FILHO; VEIGA, 2003, p. 498). Tomando por base o esprito desenvolvimentista que en-volvia o Pas, o currculo da escola primria tinha por finalidade educar para o trabalho e enfatizava a formao de atitudes e de valores necessrios vida em sociedade. Nesse sentido, Silva (2005, p. 33) acena que as relaes sociais consideradas importantes para qualificar o bom trabalhador eram [...] obedincia s ordens, pon-tualidade, confiabilidade, no caso do trabalhador subordinado [e] [...] capacidade de comandar, de formular planos, de se conduzir

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    de forma autnoma, no caso dos trabalhadores situados nos nveis mais altos da escala ocupacional. Como foi mencionado, a esco-la primria e, consequentemente, seu o currculo no se limitavam apenas a alfabetizar, ou a ensinar a ler e escrever, mas procurava desenvolver padres de comportamentos sociais adequados nova ordem social, poltica e econmica. Graff (1994) discute a alfabetizao e, por extenso, a esco-larizao, como algo inseparvel da ideologia e, portanto, desenvol-veu crticas sobre o lugar da alfabetizao nas suposies modernas e nas teorias desenvolvimentistas. Nesse sentido, segundo Graff (1994, p. 69), a alfabetizao passou a ser usada como meio que proporcio-na [...] inculcaes de regras para o comportamento social e econ-mico. O autor explicita:

    No passado como no presente, a estrutura ins-titucional da escola promoveu a inculcao de padres aprovados de conduta isto , na incul-cao de comportamentos normativos. A organi-zao racional da escola atua como um sedutor escondido que contribui com regras aprendidas para a ao pessoal. Consciente e inconsciente-mente, formal e informalmente, a organizao das relaes trabalhistas e sociais est implicitamente encerrada no microcosmo da escola a ser compre-endido e assimilado (GRAFF, 1994, p. 69).

    Alm de mostrar que no h desvinculao da escolariza-o em relao aos aspectos ideolgicos, culturais e s conscin-cias, Graff (1994, p. 88 e 311) esclarece que a conexo entre a al-fabetizao e o crescimento econmico e social no linear, pois, em pases desenvolvidos o crescimento econmico e industrial se deu independentemente da existncia de uma mo de obra esco-larizada. Dessa forma, conforme ainda aponta o autor, a histria nos convence de que [...] um modelo de modernizao simples, linear, de alfabetizao como pr-requisito de desenvolvimento como estmulo a nveis crescentes de escolarizao no basta, o que, de certa forma, se comprovou pelos estudos do autor, pois [...] as atitudes nutridas pelo processo de escolarizao sofrem de conseqncias frustrantes de desemprego.

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    Retomando o Decreto-Lei n 8.529 (BRASIL, 1946... Acesso em: 7 maio 2007), que estruturou o ensino primrio no Brasil, no podemos deixar de mencionar, de acordo com Ro-manelli (2003, p. 161), avanos importantes relacionados com a [...] previso do planejamento educacional, como instrumento de implantao da reforma [...] a previso de recursos para a im-plantao do sistema de educao primria. Alm disso, segun-do essa autora, essa Lei fez [...] referncia ao corpo docente, sua carreira, remunerao, formao e normas para preenchimento de cargos no magistrio e na administrao. Alm desses aspectos, essa Lei prev, no art. 12 (BRASIL, 1946... Acesso em: 7 maio 2007), que o ensino primrio obedece-r a programas mnimos e a diretrizes que devem ser elaboradas pelos tcnicos do Ministrio de Educao e Sade, com a coopera-o dos Estados. Como veremos, essas diretrizes, especificamente para o ensino da leitura e da linguagem escrita na escola foram elaboradas em 1949. A Lei acrescenta, ainda, no pargrafo nico do referido artigo, que a adoo de programas mnimos no pode-r prejudicar os programas de adaptao regional, mas que esses devem respeitar os princpios gerais dessa Lei. No Esprito Santo, sob a interveno de Aristides Alexan-dre Campos, que assumiu o governo no dia 27 de fevereiro de 1946, foi promulgado o Decreto no 16.481, de 1o de maro de 1946 (ESPRITO SANTO, 1947), cuja finalidade foi regulamentar os servios da Secretaria de Educao e Cultura do Esprito Santo. Esse decreto mantm, com relao ao proposto para organizao do ensino primrio, similaridades com a Lei orgnica nacional; e foi promulgado aproximadamente dois meses aps a publicao da Lei Orgnica Nacional do Ensino Primrio. Entretanto, impor-tante destacar que ele tratou do ensino pr-primrio, modalidade de ensino que no mencionada na Lei Orgnica Nacional e na Lei Orgnica do Ensino Primrio do Esprito, de 1o de maro de 1947. De certo modo, o Decreto no 16.481, de 1o de maro de 1947 (ESPRITO SANTO, 1947), cumpre o estabelecido no art. 26, da Lei Orgnica Nacional, quanto organizao dos sistemas de ensino. Conforme esse artigo, O sistema de ensino primrio, em cada Estado e no Distrito Federal, ter legislao prpria, em que se atendam aos princpios do presente Decreto-Lei.

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    Com relao ao ensino pr-primrio, o Decreto no

    16.481, de 1o de maro de 1947, define, no art. 89 e incisos, que deveria ser ministrado nos jardins de infncia com durao de trs anos. Para a matrcula nesse tipo de instituio, era exigida a idade de quatro a seis anos, a apresentao de atestado de vaci-nao contra varola, difteria e coqueluche. Para fins de nomea-o para atuar nos jardins de infncia, o decreto exige, conforme o art. 92, que o professor, alm do diploma de normalista, tenha praticado, no mnimo, cinco meses em estabelecimento desse gnero, o que se tornou letra morta, tendo em vista que no ha-via normalistas para atuar sequer em todas as escolas do ensino primrio (ESPRITO SANTO, 1947). Os processos educativos na escola pr-primria, segundo o decreto, deviam levar em conta os seguintes princpios: progra-ma de ensino organizado com base nos interesses das crianas, ensino de carter eminentemente sensorial, visando ainda a pro-porcionar o desenvolvimento do sentimento, da solidariedade e da cooperao social, com finalidade no de aprendizagem, mas de desenvolvimento das faculdades das crianas. Somente os jardins de infncia considerados grupos pr--escolares seriam dirigidos por diretoras. Os programas de ensi-no dessas instituies deveriam ser elaborados pela Diviso de Orientao e Pesquisas Pedaggicas da Secretaria de Educao e Cultura, com a colaborao da Diviso de Ensino Primrio, com-preendendo, conforme art. 91 (ESPRITO SANTO, 1947), canto, jogos recreativos, jogos educativos, exerccios de linguagem, de recitao, de histria, de geografia, marchas, danas, ocupaes manuais e exerccios fsicos. No que se refere ao ensino primrio, o Decreto no 16.481 (ESPRITO SANTO, 1947) estabelecia que deveria ser ministrado em quatro anos nos grupos escolares, nas escolas reunidas e nas escolas isoladas das cidades e vilas. Porm, nas escolas rurais, eles teriam durao de trs anos. Desse modo, a denominao das es-colas estaduais no atendia ao disposto pela Lei Orgnica Nacio-nal. Como veremos posteriormente, a Lei Orgnica Estadual modi-ficar a denominao conforme estabelecido na Lei nacional. Para a primeira matrcula no ensino primrio, era exigido documento comprobatrio da idade mnima de sete anos, atestado mdico

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    comprovando que a criana no era portadora de doena grave e tambm se exigia atestado de vacinao. O currculo da escola primria abrangia de acordo como art. 95 do Decreto as seguintes disciplinas: Linguagem, Matem-tica, Geografia, Histria do Brasil, Educao Fsica, Cincias Fsi-cas e Naturais e noes de agricultura, desenho, trabalhos manu-ais, educao sanitria, economia domstica e canto orfenico. O ensino, segundo o art. 96 do Decreto no 16.481 (ESPRITO SANTO, 1947), [...] ser baseado na observao, na experincia e na capacidade criadora do aluno, proporcionando-lhe oportu-nidade para o trabalho em cooperao, os jogos educativos e as atividades extra classes. De acordo com esse decreto, somente os portadores de diploma de curso normal expedido por estabelecimento oficial ou oficializado do Pas, devidamente registrado, poderiam ingressar na carreira de professor primrio. Assim, no art. 100 do mesmo Decreto (ESPRITO SANTO, 1947), estabelece que, para o ingres-so, por meio de concurso de ttulos, [...] ser preponderante o diploma do Curso Normal. Para posse no cargo, o professor apro-vado no concurso deveria apresentar documentos que comprovas-sem, dentre outros dados, nacionalidade brasileira, idade mnima de 18 anos completos, boa conduta, gozo de boa sade. O laudo de boa sade deveria ser emitido por servio prprio estadual. As escolas de ensino primrio foram classificadas, de acordo com esse decreto (ESPRITO SANTO, 1947), em: grupo es-colar, escolas reunidas, escolas isoladas e escolas supletivas. Estas ltimas eram noturnas e dirigidas ao atendimento a adolescentes e adultos. Os grupos escolares s poderiam ser criados mediante existncia de prdio que comportasse pelo menos cinco classes. Para cada classe, seria destinado um professor com a responsabili-dade de ministrar todas as disciplinas do currculo. Para a criao de escolas reunidas, seria necessrio pr-dio com capacidade para abrigar duas classes sob a regncia e direo do mesmo professor. Para a criao das escolas isoladas, era exigida a existncia de 40 alunos analfabetos em idade escolar (7 a 12 anos). Para a definio da localizao da escola isolada, seria observada a existncia de prdio apropriado em lugar que facilitasse a frequncia dos alunos. Esse tipo de escola no poderia

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    funcionar com matrcula inicial inferior a 30 alunos e frequncia inferior a 20. As escolas supletivas somente poderiam funcionar com matrcula de 30 alunos, maiores de 12 anos. Em 18 de setembro de 1946, foi promulgada a nova Cons-tituio brasileira. Essa Constituio, segundo Romanelli (1986), estava fundada no esprito liberal e democrtico que passava a imperar no Brasil aps o fim da ditadura Vargas. Ela assegurou a liberdade de manifestao do pensamento, estabelecendo que a publicao de livros e peridicos no dependeria mais de licen-a do Poder Pblico. Em relao Educao, estabeleceu, no art. 166 da Constituio Federal de 1946, que direito de todos, devendo ser ministrada no lar e na escola e inspirar-se [...] nos princpios de liberdade e nos ideais de solidariedade (BRASIL, 1946... Acesso em: 7 maio 2007). No art. 167, proclamava que o ensino era livre iniciativa privada e, no art. 168 e incisos, definia que o ensino primrio era obrigatrio, devendo ser mi-nistrado em lngua nacional. Nos estabelecimentos de ensino ofi-ciais, esse tipo de ensino seria gratuito e as empresas industriais e comerciais eram obrigadas a manter o ensino primrio para os seus servidores e os seus filhos. O ensino religioso teria horrio nas escolas oficiais, mas deveria ser de matrcula facultativa para os alunos. Desse modo, havia avanos na Constituio, em re-lao proclamao do direito Educao, obrigatoriedade e gratuidade do ensino primrio nos estabelecimentos oficiais, mas, no que diz respeito ao ensino religioso, ela definia, tambm, a obrigatoriedade de oferta. Na Lei Orgnica do Ensino Primrio, tal oferta era facultativa. Segundo Romanelli (1986, p. 170), a Constituio de 1946 se aproxima da Constituio de 1934 em relao ao direito, obrigatoriedade e gratuidade do ensino primrio e, tambm, na exigncia de concurso de ttulos e provas para preenchimento de cargo no magistrio e [...] na forma como propunha a orga-nizao do sistema educacional, descentralizando-o administra-tiva e pedagogicamente, de forma equilibrada, sem que a Unio deixasse de assumir o seu papel, quanto proposio das linhas gerais pelas quais deveria organizar-se a educao nacional. Como ainda assinala essa mesma autora, a Constituio de 1946, diferentemente da Constituio de 1937, estipulou, no art. 169:

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    Anualmente, a Unio aplicar nunca menos de dez por cento, e os Estados, o Distrito Federal e os Municpios nunca menos de vinte por cento da renda resultante dos impostos na manuteno e desenvolvimento do ensino. Certamente, esses recursos eram insuficientes para atender s necessidades de ampliao do siste-ma e, portanto, da crescente demanda pela Educao. Entretanto, conforme sublinha Romanelli (1986), a previso de obrigatorieda-de de aplicao de recursos na Educao demonstra, por parte do Estado, a preocupao de estabelecer condies mnimas para a garantia de direito Educao. A autora acrescenta, ainda, que a Constituio de 1946 era

    [...] um documento de inspirao ideolgica libe-ral-democrtica. O seu liberalismo, todavia, difere da filosofia liberadora inspiradora da poltica eco-nmica europia dos sculos XVII e XIX, aquela do laissez-faire e laisser passer, to cara aos propugna-dores da total liberdade de empresa e, particular-mente, da livre iniciativa em matria de educao (ROMANELLI, 1986, p.171).

    A lei que organizou a Secretaria da Educao e Cultura, no Esprito Santo e, tambm, o ensino pr-primrio e primrio, em 24 de fevereiro de 1947, aps a promulgao da nova Constituio, no segundo governo do interventor Moacyr Ubirajara da Silva, iniciado em 12 de dezembro de 1947, foi alterada pelo Decreto-Lei Estadual no 18.471, que reorganizou a Secretaria de Educao e Cultura e deu outras providncias relativas, principalmente, organizao e estrutura do ensino primrio. Esse Decreto-Lei mantinha no orga-nograma da Secretaria o Setor de Ensino Primrio e Pr-Primrio. Entretanto, diferentemente do Decreto Estadual no 16.481, de 1o de maro de 1946 (ESPRITO SANTO, 1947), ele no tratou do ensino pr-primrio, exceto, quando definiu que esse ensino se articularia verticalmente com o ensino primrio elementar. Em relao ao ensino primrio, ele repetia fielmente di-versos artigos da Lei Orgnica Nacional, Decreto-Lei no 8.529, de 2 de janeiro de 1946 (BRASIL, 1946... Acesso em: 7 maio 2007), buscando adequar a legislao estadual s normas definidas nacio-nalmente. Assim, o Decreto-Lei no 18.471 estabelecia as categorias de ensino primrio e seus cursos, observando as determinaes da

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    Lei federal. De acordo com o art. 2o, o ensino primrio se divi-dia em duas categorias: ensino primrio fundamental, dirigido s crianas de sete a doze anos, e ensino primrio supletivo, voltado aos adolescentes e aos adultos. O primeiro tipo seria ministrado em dois cursos sucessivos, denominados elementar e complemen-tar. Os dois cursos estavam articulados verticalmente, pois, para a matrcula no ensino complementar, passou a ser exigida a aprova-o final no curso elementar. Este ltimo curso foi articulado com os cursos de artesanato e de aprendizagem industrial agrcola. Por outro lado, o curso complementar estava articulado verticalmente com o curso ginasial, agrcola, industrial e de formao de regentes em ensino elementar. Assim, ao final do primrio complementar, os alunos poderiam pleitear a entrada em qualquer um dos cursos. De certo modo, a expanso e a diviso do ensino primrio em dois cursos limitavam a entrada dos estudantes no curso ginasial ou profissional; e a articulao do primrio elementar com os cursos de artesanato e de indstria agrcola poderia, tambm, contribuir para que os estudantes encontrassem uma profisso e no buscas-sem ingressar no primrio complementar e, consequentemente, nos nveis mais elevados de ensino. Nesse sentido, essa estrutura aju-dava a conter a demanda pelo ensino secundrio, historicamente dirigido s elites, criando um sistema dual: primrio e profissional, para pobres; primrio e secundrios, para os ricos. O Decreto Estadual no 16.481, de 1o de maro de 1946, prev uma estrutura semelhante: ensino primrio, ensino comple-mentar e ensino supletivo. Porm, os cursos ou tipos de ensino (primrio e complementar) no estavam articulados entre si. O en-sino complementar visava consolidao dos resultados obtidos no curso primrio e preparao dos candidatos ao curso secun-drio. Nesse sentido, no havia previso de um currculo para o ensino complementar e nem mesmo a sua articulao com cursos profissionalizantes, conforme previsto na Lei Orgnica Estadual e Nacional do ensino primrio. No currculo previsto no Decreto-Lei Estadual no 18.471, so encontradas as mesmas matrias definidas na Lei Orgnica Nacional. Se compararmos essas matrias com as previstas no Decreto Estadual no 16.481, de 1o de maro de 1946, poderemos observar que os conhecimentos gerais aplicados vida social,

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    Educao para sade e ao trabalho tomam o lugar das cincias fsicas e naturais. Tambm as noes de agricultura no constam da listagem, demonstrando que o currculo foi adequado ao ide-rio desenvolvimentista. Quanto ao programa do ensino primrio, assim como a Lei Orgnica Nacional, o Decreto-Lei Estadual no 18.471 define que deveria obedecer s diretrizes essenciais estabelecidas pelos rgos tcnicos do Ministrio da Educao e Sade, com coope-rao do Estado. Segundo esse Decreto-Lei, os estabelecimentos de ensino primrio poderiam ministrar o ensino religioso, porm, esse no constituiria obrigao de mestres ou professores e nem seria de frequncia obrigatria para os alunos. Com relao a esse aspecto, tanto a Lei Orgnica Nacional como o Decreto-Lei Esta-dual no 18.471 reproduziam o texto da Constituio de 1937. A presena desse dispositivo nas Leis e Constituies evidenciava a influncia da Igreja (particularmente a catlica) nos debates sobre a organizao do ensino primrio. As crianas analfabetas com sete anos de idade poderiam ser admitidas na 1 srie do ensino primrio elementar. Tambm poderiam ser aceitas as crianas que completassem essa idade at 1o de junho, no ano da primeira matrcula, desde que apresentas-sem maturidade para os estudos. Porm, a Lei no definia critrios ou testes que poderiam avaliar a maturidade das crianas. Os estabelecimentos de ensino, segundo o art. 25, da Lei Orgnica Nacional e o Decreto-Lei Estadual no 18.471, passavam a ter as seguintes designaes: Escolas Isoladas (E. I.), quando pos-sussem apenas uma turma entregue a um nico docente; Esco-las Reunidas (E. R.), quando houvesse de duas a quatro turmas e nmero correspondente de professores; Grupos Escolares (G. E.), quando existissem cinco ou mais turmas e nmero igual ou supe-rior de professores; Escolas Supletivas (E. S.), quando ministrassem ensino supletivo com qualquer nmero de turmas ou de professo-res. As escolas elementares e reunidas deveriam ministrar somente os cursos elementares, e os grupos escolares poderiam ofertar os elementares e complementares. De acordo como art. 39, o ensino primrio elementar era obrigatrio para todas as crianas nas idades de sete a doze anos, tanto no que se referia matrcula como no que dizia respeito

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    frequncia regular s aulas e exerccios escolares. A obrigatoriedade se tornaria efetiva mediante criao, em cada Municpio, de servio de Cadastro Escolar, porm a responsabilidade pela obrigatoriedade recaa, principalmente, sobre os pais que estariam sujeitos a penali-dades previstas no Cdigo Penal se no mantivessem os filhos na es-cola. Alm disso, assim como a Constituio de 1937, a Lei Orgni-ca Nacional do Ensino Primrio e o Decreto-Lei Estadual no 18.471 proclamavam a gratuidade do ensino primrio elementar sem deixar de manter a legalidade de organizao de caixas escolares. Quanto aos cursos primrios e sua articulao com o gi-nasial e profissional, a Lei Orgnica do Esprito Santo no alterou a organizao prevista na Lei Orgnica Nacional e j instituda pelo Decreto-Lei Estadual no 18.471. Com relao ao currculo preconizado para o ensino primrio, podemos assinalar o mesmo, ou seja, no havia modificaes em relao s legislaes mencio-nadas. O exerccio docente na escola primria, conforme dispe o Decreto-Lei no 18.471, s poderia ser exercido por brasileiros maiores de dezoito anos, em boas condies de sade fsica e mental, e que tivessem recebido preparao apropriada, ou pres-tado exame de habilitao na forma da lei. Em 11 de maro de 1947, onze dias aps a promulga-o do Decreto-Lei no 18.471, por meio do Decreto no 16.490, foi promulgada a Lei Orgnica do Ensino Primrio do Esprito San-to que tambm visava a adequar as leis estaduais Lei Orgnica Nacional. Em relao ao Decreto-Lei no 18.471, de 1o de maro de 1947, ele acrescentava artigos relacionados com as finalidades da Educao estabelecidas na Lei Orgnica Nacional. No que se refere a essas finalidades, a Lei Orgnica Estadual repetia quase integralmente a Lei Orgnica Nacional. A Lei Orgnica Estadual foi aprovada no final do segundo governo do interventor Moacyr Ubirajara da Silva. Em 29 de maro de 1947, assumia o governo Carlos Fernando Monteiro Lindemberg, eleito por voto popular. Assim, aps a promulgao da Lei Orgnica do Ensino Primrio, em nvel nacional, foram colocadas em vigor, no Esprito Santo, trs medidas legais que visaram a organizar o sistema es-tadual de ensino e adequar a organizao e a estrutura do ensino primrio s determinaes do Ministrio da Educao e Sade. Essas medidas foram institudas no perodo em que o Estado era

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    governado por interventores federais. A Lei Orgnica Estadual vi-gorou durante a dcada de 1950, dando ao ensino primrio capi-xaba os contornos definidos na Lei nacional. Com relao docncia no ensino primrio, a Lei Orgnica Nacional estabelece:

    Art. 34. O magistrio primrio s pode ser exer-cido por brasileiros, maiores de dezoito anos, em boas condies de sade fsica e mental, e que ha-jam recebido preparao conveniente, em cursos apropriados, ou prestado exame de habilitao, na forma da lei.Art. 35. Os poderes pblicos providenciaro no sentido de obterem contnuo aperfeioamento tc-nico do professorado das suas escolas primrias (BRASIL, 1946).

    Assim, de com o Decreto-Lei n 8.530, de 2 de janeiro de 1946 que deu origem a Lei Orgnica do Ensino Normal, dispe que esse tipo de ensino tinha a seguinte estrutura: curso de regentes de ensino primrio e cursos de formao de professores primrios. Segundo Tanuri (2000... Acesso em: 10 maio 2006), a Lei Orgnica do Ensino Normal no introduziu mudanas significativas nesse tipo de formao; ela apenas uniformizou o que vinha ocorrendo em alguns Estados para todo o territrio nacional. Seguindo a mes-ma estrutura de outros tipos de ensino, dividiu o ensino normal em dois ciclos: o primeiro ciclo tinha por objetivo formar os regentes de ensino em quatro anos de durao, e funcionaria nas Escolas Normais Regionais. Dessa forma, correspondia ao ciclo ginasial do curso secundrio com o mesmo tempo de durao. O segundo ciclo, com dois anos de durao, visava formao do professor primrio. Era ministrado nas escolas normais e em institutos de Educao e correspondia ao ciclo colegial da escola secundria. A Lei Orgnica do Ensino Normal tambm estabeleceu que os insti-tutos de Educao fossem responsveis por ofertar cursos de espe-cializao de professores (educao especial, curso complementar primrio, ensino supletivo, e artes aplicadas, msica e canto). Esse tipo de instituio ficou responsvel pela formao dos diretores, orientadores e inspetores nos cursos de administradores escolares. necessrio acrescentar ainda que essa Lei Orgnica estabeleceu

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    o funcionamento de anexo s escolas normais do jardim de infn-cia e escolas primrias. De acordo com a exposio de motivos que acompanha a Lei Orgnica do Ensino Normal, ele foi dividido em dois ciclos conforme os demais cursos secundrios. Alm disso, o ingresso no segundo ciclo dependeria de concluso do primeiro ou do curso ginasial. Tanuri (2000, p. 76... Acesso em: 10 maio 2006) sublinha:

    O currculo do curso de primeiro ciclo incorria nas velhas falhas que motivaram crticas s esco-las normais, ou seja, contemplava predominante-mente disciplinas de cultura geral, restringindo a formao profissional to-somente presena de duas disciplinas na srie final: psicologia e peda-gogia, bem como didtica e prtica de ensino. J a escola normal de segundo ciclo, de par com algu-mas disciplinas de formao geral, introduzidas na srie inicial, contemplava todos os fundamentos da educao que j haviam conquistado um lu-gar no currculo, acrescidos da metodologia e da prtica de ensino.

    A autora destaca ainda a proibio, na Lei Orgnica do Ensino Normal, do ingresso de maiores de 25 anos em ambos os ciclos, o que impediria a formao dos inmeros professores lei-gos que atuavam nas escolas estaduais. importante destacar ain-da, conforme a Lei Orgnica do Ensino Normal, como os cursos ou ciclos se articulavam com outros tipos de ensino:

    Art. 6 O ensino normal manter da seguinte forma ligao com as outras modalidades de ensino:1. O curso de regentes de ensino estar articulado com o curso primrio.2. O curso de formao geral de professores prim-rios, com o curso ginasial.3. Aos alunos que conclurem o segundo ciclo de ensino normal ser assegurado o direito de ingres-so em cursos da faculdade de filosofia, ressalvadas, em cada caso, as exigncias peculiares matrcula (BRASIL, 1946).

    Nesse sentido, segundo Tanuri (2000... Acesso em: 10 maio 2006), a Lei Orgnica do Ensino Normal ampliou a redu-

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    zida articulao entre o ensino nacional. Desse modo, articulou o ensino primrio com o curso de regentes de ensino (primeiro ciclo do ensino normal); o segundo ciclo com o curso ginasial, porque, como mencionado, os concludentes do ginasial pode-riam se tornar professores primrios. Em relao ao ensino supe-rior, estabeleceu que os concludentes do segundo ciclo tivessem assegurado o direito de ingresso em cursos da Faculdade de Filo-sofia. Assim, segundo a autora, apoiada em Mello (1985), haveria para o professor uma trajetria definida de formao: do ensino das crianas ao ensino dos adolescentes. Conforme apontam Romanelli (1986), Tanuri (2000... Aces-so em 10 maio 2006) e Saviani (2009), a Lei Orgnica do Ensino Normal centralizou as diretrizes para o ensino normal, dando uni-formidade ao ensino nacional. Essa mesma observao pode ser fei-ta em relao Lei Orgnica do Ensino Primrio. No Esprito Santo, o carter que esta ltima Lei imps pode ser evidenciado pela quase total reproduo dos dispositivos contidos na Lei Orgnica Nacio-nal, que teve, na Lei Estadual, a mesma denominao.

    Docncia no ensino primrio

    Por fora do regime poltico em curso, o Esprito Santo contou com interventores federais durante o perodo ditatorial de Vargas e, como vimos, mesmo depois do fim desse regime. A pri-meira eleio para governador e para deputados, conforme previs-to no art. 11 do Ato das Disposies Transitrias da Constituio Federal de 1946, ocorreu em 19 de janeiro de 1947. O governador eleito pelo voto popular foi Carlos Fernando Monteiro Lindem-berg, que assumiu o Governo em 29 de maro de 1947. Sua gesto durou at 1951. Em termos econmicos, conforme aponta Bitten-court (2006, p. 378), o Governo Lindemberg

    [...] representou um momento favorvel ao inves-timento em obras pblicas. Alm de promover importantes estudos para a implantao de novas usinas hidreltricas, base para qualquer projeto industrial de ento, seu governo deu mostras de incentivar um processo de industrializao, mas que devia caminhar em paralelo com a agricultura.

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    Por outro lado, segundo esse mesmo autor, quando Jones dos Santos Neves, em 31 de janeiro de 1951, assumiu o governo do Esprito Santo, a grande aspirao nacional era a transio para a economia industrial. Esse governador, influenciado pelos ideais de-senvolvimentistas de Getlio Vargas, lanou imediatamente o Plano de Valorizao da Economia do Esprito Santo, [...] fundamentado em obras infra-estruturais para a implementao do Porto de Vitria, ampliao da produo de energia eltrica, abertura de rodovias para escoamento da produo agrcola, que deveria ser fomentada (BITTENCOURT, 2006, p. 378). Apesar das dificuldades particularmente relacionadas com a falta de tcnicos, de estudos para orientar o desenvolvimento das polticas pblicas e de mo de obra especializada, Jones dos Santos Neves, como aponta o autor, buscou solues para problemas que afetavam a infraestrutura capixaba, com a finalidade de construir a Grande Indstria Siderrgica. Segundo Silva ([19 - -], p. 21) esse go-verno tinha como meta central inserir a economia capixaba na rota industrializante. Assim, aps Moniz Freire, que governou o Estado no perodo de 1892 a 1896, ele foi o primeiro governador

    [...] que afirmou que o Esprito Santo possua uma localizao geogrfica privilegiada. Para Moniz Frei-re, tal localizao seria estratgica para o desenvol-vimento de uma grande praa comercial em Vitria. Para Jones (1951-55), o vnculo seria com o desen-volvimento industrial. Este seria dado por meio da indstria siderrgica, pois o Esprito j contava com a CVRD [Companhia Vale do Rio Doce] e, alm disso, estava eqidistante dos mercados brasileiros e dos mercados internacionais, portanto a localizao de uma siderrgica no ES seria um investimento estrat-gico para o desenvolvimento industrial.

    Tendo em vista os esforos empreendidos por esse gover-no, apesar dos problemas, Vitria, conforme aponta o autor, [...] no era apenas um porto. Esforos industrializantes comeavam a vingar, a partir da. O Moinho de Trigo do Grupo Buaiz e a reformulao da fbrica de cimento de Cachoeiro do Itapemirim datam desse perodo (SILVA, [19 - -], p. 379). Sem estarem livres de problemas, outras indstrias se desenvolveram no Esprito Santo

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    aps o fim da ditadura Vargas. Dentre elas, podemos citar a Usina Paineiras, localizada no meio rural do Municpio de Itapemirim, a Fbrica de Tecidos de Cachoeiro do Itapemirim, a Fbrica de Chocolates Garoto etc. Conforme Bittencourt (2006, p. 384), apesar de Jones dos Santos Neves e Carlos Lindemberg (este ltimo governou o Esp-rito Santo duas vezes) serem homens autoritrios, [...] o projeto de industrializao que vinha sendo realizado em nvel nacional comeou a ter desdobramentos no Esprito Santo. Para isso, se-gundo Silva ([19 - -], p. 22), Jones dos Santos Neves, por exemplo, vivenciou disputas internas no PSD e com o PTB, seu principal aliado poltico, porque no conseguiam perceber a importncia de o Esprito Santo seguir o modelo econmico nacional. Ainda como assinala essa autora, Carlos Lindemberg, diferentemente de Jones dos Santos Neves, considerava, como aventado, que [...] o desenvolvimento estadual deveria seguir a rota industrial, nem concordava que o Esprito Santo deveria dar um salto nesse rumo capitalizando sua localizao na geografia nacional. O Governo Carlos Lindemberg, em primeiro lugar, dedi-cou-se ao equilbrio financeiro do Tesouro Estadual, abalado no perodo do Estado Novo, mas, tambm, readaptao de toda a administrao aos novos ditames constitucionais. Tendo governado em dois perodos (1947-51 e 1958-61), no primeiro mandato, no se empenhar fortemente com a industrializao capixaba. Somen-te no segundo, de acordo com Silva (SILVA, [19 - -]), tendo o Pas como presidente Juscelino Kubsticheck (1956-60), fazendo-se sen-tirem os efeitos do desenvolvimentismo no Esprito Santo, Carlos Lindemberg comeou a enunciar um discurso sobre o desenvolvi-mento industrial como complementar ao desenvolvimento agrcola. Como registrado no trabalho de Silva ([19 - -], p. 22), no plano de governo construdo para a disputa eleitoral de 1958, est expressa a viso de desenvolvimento do candidato:

    [...] Como no compreendo industrializao sem produo agrcola, entendo que a agricultura, em todos os seus ramos, dever ter todo o ampa-ro, toda a assistncia tcnica, social e financeira, como seu mais legtimo direito [...]. A meu ver, a

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    industrializao em nosso pas est intimamente li-gada ao desenvolvimento agrcola. Precisam cami-nhar paralelamente. Qualquer desequilbrio ser fatal, desastroso para a economia nacional.

    Certamente, esse tipo de divergncia era comum entre os polticos que estiveram frente do governo do Esprito Santo e, obviamente, afetava os rumos da Educao no Estado, porque uma das grandes motivaes para a expanso e democratizao da es-cola primria estava pautada, desde o incio do sculo XX, nos ideais de desenvolvimento industrial. Na mensagem do Governo (1947), encaminhada As-sembleia Legislativa, o governador Carlos Fernando Monteiro Lindemberg relata que em 1946 o Esprito Santo contava com uma populao predominantemente rural, calculada em cerca de 850.000 habitantes. Para essa populao, havia 52.272 matrculas nas escolas de ensino primrio. O governador avaliava que cerca de 70.000 crianas no frequentavam a escola, devido falta de recursos do Estado em prover a ampliao do nmero de escolas. Na mesma mensagem (1947), o ento governador fez meno s aes do secretrio de Educao e Sade, Dr. Eurico Aguiar Salles. Esse secretrio atuou no Governo do interventor Jo-nes dos Santos Neves, que governou o Estado como interventor federal de 1943 a 1945. Segundo o governador, esse secretrio havia encomendado ao professor Rafael Grisi, professor atuante em escolas normais e faculdades de So Paulo, um estudo sobre o estado da Educao do Esprito Santo. O professor, conforme escri-to na mensagem do Governo do Estado (1947, p. 25), apresentou, na ocasio, um bem elaborado relatrio com farta documentao, mostrando o quadro da Educao no Estado e, tambm, fornecen-do elementos bsicos para uma projetada reforma, que no foi efetivada, segundo escrito na mensagem, devido s mudanas na situao poltica nacional e estadual. A mensagem aponta um quadro de decadncia do orga-nismo educacional do Estado e apresenta como causas para essa situao o xodo dos professores normalistas,1 o crescente nmero de docentes leigos, a falta de estmulo para o trabalho e de cursos de aperfeioamento, a carncia de acompanhamento pedaggico,

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    o baixo padro de vencimentos e a inexistncia de uma carreira para o magistrio. Quanto ao crescente nmero de docentes leigos, vale des-tacar que em 1946 havia [...] 2.231 docentes de ensino primrio, [...] 921 eram normalistas, 310 eram professores de concurso (no tinham formao especfica, mas prestavam concurso para dar au-las) [...] 1.000 eram cooperadores de ensino rural (COSTA, 1998, p. 121). Os cooperadores de ensino rural eram legalmente ampa-rados pelo Decreto-Lei no 16.145, de 16 de abril de 1946 (ESPRI-TO SANTO, 1946), o qual autorizava a Secretaria da Educao a aceitar a cooperao de pessoas idneas para atuar na regncia de escolas de ensino primrio elementar sem a devida formao. O Regulamento da Secretaria da Educao e Cultura, no captulo que tratava do Provimento de Cargo do Professor Primrio, completa-va que para atuar como cooperador era preciso ter boa conduta, conforme o Decreto no 16.481, de 1o de maro de 1947, art. 102, I (ESPRITO SANTO, 1947). Dessa forma, a idoneidade e a boa con-duta eram os requisitos indispensveis para investidura no cargo e, assim, funcionavam como substitutivos da devida titulao acad-mica para o exerccio do magistrio. Conforme Mensagem (1947), os professores cooperadores no recebiam salrios, mas um auxlio mensal de CR$ 200,00 (duzentos cruzeiros). Com o intuito de resolver o problema da falta de profes-sores normalistas e, ao mesmo tempo, enfrentar os desafios dos parcos recursos financeiros do Estado, o Governo potencializou essa prtica, ao instituir o Decreto-Lei no 16.248, de 2 de setembro de 1946, que definiu a elevao do nmero de contratao de co-operadores de ensino. O governador explica que essa era a forma de atender a demanda da populao por mais educao, uma vez que o governo no detinha recursos financeiros suficientes para investir na educao do povo. Segundo Costa (1998), essa medida gerou crticas que fo-ram veiculadas na impressa local, principalmente porque era forte a tendncia de vincular a atuao dos cooperadores de ensino ao baixo rendimento escolar. Conforme apontado pela autora, a imprensa afirmava que [...] muitos [professores] deveriam figurar na lista dos alunos matriculados, porque eram praticamente anal-fabetos (muitas no possuam sequer o primrio completo) (COS-

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    TA, 1998, p. 122). Ademais, acrescenta a autora, [...] criticava-se tambm a preponderncia de critrios polticos (favorecimentos, apadrinhamentos de chefes polticos locais) sobre critrios tcni-cos na nomeao das cooperadoras de ensino, na contratao dos cooperadores da Educao. Diante das crticas da imprensa, medidas foram anuncia-das, conforme Mensagem do Governo (1947, p. 25), para amenizar o problema de despreparo dos professores e do baixo rendimento dos alunos. Essas medidas se referem ao oferecimento de cursos de aperfeioamento aos professores, com o propsito de criar [...] condies necessrias para que se transformem num elemento bsico capaz e eficiente, do ensino fundamental, e da prpria es-truturao da nacionalidade. Segundo o governador, essas aes seriam desenvolvidas sob as bases gerais da Educao, firmadas sobre os dois grandes esteios da integrao nacional: a unidade da lngua e a unidade da crena fornecida pela religio catlica. Para realizar cursos intensivos, de rpida durao, aos professores, segundo sua Mensagem (1947, p. 25), o Governo contratou [...] uma conceituada misso pedaggica,2 formada por cinco professores, de autorizada reputada e capacidade tc-nica [...]. Essa equipe era formada por professores de Pedagogia, Metodologia, Didtica, inspetores de ensino, diretores de grupos escolares e regentes de classe. Com essa medida, o Governo con-siderava estar lanando as bases slidas para a soluo progressi-va dos muitos problemas apresentados na educao primria. Alm das medidas que visavam ao aperfeioamento dos professores que atuavam nas escolas primrias, o Governo insti-tuiu o Ato das Disposies Constitucionais Transitrias, de 26 de julho de 1947, que dispe, no art. 12, sobre a efetivao dos atuais cooperadores do ensino rural que, at aquela data, tinham acu-mulado mais de cinco anos de exerccio e que, tambm, tinham prestado concurso ou prova de habilitao. Ainda na perspectiva de regularizar o exerccio da do-cncia, o Governo no Esprito Santo instituiu a Lei n 112, de 12 de outubro de 1948, que estabeleceu no art. 1o que o quadro do magistrio do ensino primrio deveria ser constitudo de: a) profes-sores primrios, diplomados pelas antigas escolas normais e pelas atuais escolas normais de dois ciclos e por institutos de educao;

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    b) professores regentes diplomados pelas escolas normais regio-nais; c) professores de concurso diplomados na forma das legis-laes anteriores; d) cooperadores de ensino, nova denominao dada aos docentes de emergncia. Segundo o art. 6o dessa Lei, podem ser efetivados os cooperadores de ensino

    [...] que prestam concurso ou prova de habi-litao para o magistrio e os que obtiverem o certificado de aprovao no Curso Intensivo das Misses Pedaggicas itinerantes, desde que com-pletem cinco anos de servios prestados exclusi-vamente ao magistrio Estadual. Os docentes de emergncia sero equiparados aos funcionrios pblicos para efeito de licena, frias etc. (ESP-RITO SANTO, 1948).

    Dessa maneira, observando a Lei Orgnica Nacional, a Lei n 112 instituiu a configurao do quadro do magistrio e, ain-da, estabeleceu uma estratgia para efetivao dos cooperadores de ensino, garantindo-lhes os mesmos direitos dos funcionrios pblicos. Para efetivao do professorado leigo, definiu, ento, mecanismos distintos daqueles que eram utilizados para o ingres-so dos professores primrios e regentes primrios. Dessa forma, os direitos dos docentes de emergncia seriam equiparados aos mesmos direitos dos demais funcionrios pblicos como forma de reparao do tratamento desigual at ento conferido a essa categoria. Porm, essa Lei manteve a desigualdade ao criar duas classes de docentes de emergncia: [...] os efetivos que compreende os que se habilitaram por meio de provas e contam mais de cinco anos de exerccio e os sem quaisquer garantias que so os que no satisfize-ram as duas exigncias (ESPRITO SANTO, 6 dez.1951, p. 18). Apesar dessas medidas que visavam regularizao das atividades de docncia, a situao do rendimento escolar no ensino primrio continuava a exigir medidas ainda mais rpidas, visto que, Para uma matrcula de 70.499 alunos, apenas 30.192 foram promo-vidos em 1948, o que evidencia a necessidade de aperfeioamento na capital e nas principais cidades do interior, a fim de elevar o nvel de ensino na casa desse grau (ESPRITO SANTO, 9 jul. 1950, p. 11). Assim, foram elaborados e encaminhados pelo setor de Orientao e Pesquisa Pedaggicas, [...] para cada estabelecimen-

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    to de ensino, orientao constante e adequada sobre mtodo de tra-balho e execuo de planos e programas (ESPRITO SANTO, 9 jul. 1950, p. 11). Segundo Coutinho (1993, p. 94), a dcada de 1950, apesar dos problemas enfrentados para o desenvolvimento da inds-tria, foi especialmente auspiciosa para o ensino em nosso Estado:

    Durante a administrao de Jones Santos Neves (1951-55), a educao mereceu destaque especial nos planos fixados para o desenvolvimento edu-cacional. Em seu discurso de posse, o governador afirmava sua preocupao com a instruo, decla-rando ser funo primordial do Estado zelar pela continuidade dos melhores destinos da ptria, atra-vs da educao de sua mocidade. Com efeito, vrias providncias foram tomadas visando melho-rar a qualidade do ensino e ampliar o sistema edu-cacional, sendo o ensino primrio reestruturado.

    No dia 28 de junho de 1951, no Governo Jones dos San-tos Neves, em substituio ao secretrio provisrio, Sr. Jaime dos Santos Neves, assumiu a pasta da Educao o reconhecido tcni-co do Ensino Primrio, professor Rafael Grisi. Conforme foi assi-nalado, esse professor realizou, para o mesmo Governo, por oca-sio da sua interveno no Estado, um estudo sobre a situao do ensino primrio no Esprito Santo. Rafael Grisi, segundo o Jornal A Gazeta (28 maio 1951, p. 10), era um nome de realce nos meios educacionais do Pas e vinha [...] exercendo as funes de profes-sor das Faculdades de Filosofia da Universidade de So Paulo, da Universidade de Mackenzie e do Instituto de Educao Caetano Campos da capital paulista. Conforme o jornal A Tribuna (11 ago. 1951), em uma matria sob o ttulo Novos rumos no ensino do Esprito Santo, havia uma grande aceitao no meio poltico da indicao desse nome para estar frente da Secretaria da Educao. O texto iden-tificava as ideias do secretrio nomeado com as da pedagogia moderna e apontava que, para assumir um cargo de to grande relevncia, nada mais indicado do que um tcnico da velha es-cola de Loureno Filho, Ansio Teixeira, Fernando de Azevedo, Mario Casa Santa e Carneiro Leo.

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    Em entrevista concedida ao jornal A Tribuna de agosto de 1951, Rafael Grisi foi indagado sobre as questes salariais dos professores. Respondeu que essa questo deveria ser tratada junta-mente com os padres de rendimento dos alunos, pois, sem essa relao, disse ele, seria fazer demagogia, no pedagogia. Ainda nessa entrevista, Rafael Grisi declarou o seu empenho para que as normalistas chegassem s escolas do interior, em especial, as rurais, sob o lema o magistrio: os normalistas. Portanto, para viabilizar a ida desses profissionais titulados para o meio rural, anunciou que seria institudo o concurso de remoo e, mais ain-da, as gratificaes de magistrio diferenciadas, ou seja, de acordo com a dificuldade de acesso a essas escolas. Logo aps assumir a pasta da Educao, Rafael elaborou a Portaria no 1.289, publicada no Dirio Oficial, em 4 de julho de 1951 (ESPRITO SANTO, 1951), suspendendo a admisso de professor docente de emergncia, alm de encaminhar Assem-bleia Legislativa, por meio do governador do Estado, em agosto de 1951, uma solicitao de apreciao do projeto de Lei que revo-gava o art. 6o da Lei n 112, de 12 de outubro de 1948. Conforme mencionamos, esse artigo conferia aos docentes de emergncia direitos funcionais (licenas, frias etc.) que eles antes no tinham. Essa solicitao, conforme Oficio do Gabinete n 1.406/1951, foi fundamentada da seguinte maneira:

    O art. 6o da Lei n. 112, de 12 de outubro de 1948, ampliou com generosos intuitos, o benefcio cons-titucional que determina a efetivao nos quadros do magistrio primrio, dos Docentes de Emergn-cia com cinco anos de exerccio. Entretanto, pare-ce ter passado despercebido no Legislador o fato de que, com esse dispositivo, abria uma brecha na lei maior que o Estatuto dispensando, para efeito de efetivao, a exigncia do rigoroso exa-me mdico pr-magisterial imposta aos candidatos normalistas e no de estgio probatrio. Estabelece desse modo o art. 6o da Lei n. 112, e seus critrios diferentes para a confirmao no funcionalismo docente: um de mximo rigor para os portadores de ttulo profissional especfico; outro, frouxo e benvolo, para os que no apresentem prova de habilitao para o exerccio da carreira (ESPRITO SANTO, 4 jul. 1951, p. 20).

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    Nesse sentido, o ofcio aponta para uma das distores pro-vocadas pelo art. 6o da Lei, ou seja, para os professores de concur-so, com o ttulo de normalista, havia a exigncia de exame mdi-co para a investidura no cargo e aps o perodo probatrio. Porm essa no foi uma exigncia na Lei que efetivava os professores de emergncia. Nesse sentido, os direitos dos docentes de emergncia passavam a ser os mesmos dos funcionrios pblicos concursados, mas os critrios para confirmao no funcionalismo so diferen-tes. Alm disso, a Lei descumpria a exigncia de exames de ttulos e provas para o exerccio do magistrio nas escolas pblicas. A solicitao do secretrio provocou ampla discusso, conforme descrito no Parecer da Comisso de Educao e Sade da Assembleia Legislativa, publicado no Dirio Oficial, de 6 de dezembro de 1951. Segundo esse Parecer, a iniciativa do Governo de revogao do artigo da Lei implicaria tambm a revogao de direitos. Contudo, sob a alegao de que, embora reconhecessem os bons servios que esses professores leigos tinham prestado ao Estado, na falta de professor capaz que atendessem s exign-cias do ensino, julgavam importante ter como princpio o pres-tgio ao Ensino Normal, criando condies de trabalho capaz de atrair as normalistas a exercerem a funo do magistrio. Nesse sentido, [...] o ideal que todas as cadeiras do ensino primrio sejam dirigidas por normalistas (ESPRITO SANTO, 6 dez.1951, p.18). Dessa forma, o relator esclareceu que era muito mais justo revogar o art. 6o, hoje, do que amanh o Estado se encontrar [...] em dificuldades, frente ao problema dos Docentes, com os mais tremendos males causados ao ensino primrio, com profunda e desastrosa repercusso no meio da nova gerao, esperana radio-sa do futuro (ESPRITO SANTO, 6 dez. 1951, p.18-19). O relator afirma ainda que

    Nos dias que corre mais do que nunca a criana deve receber proteo do Estado, nos pases civili-zados. A criana de hoje ser o adulto de amanh e com o cabedal intelectual e moral que reunir hoje, que ir transpor os maiores obstculos na sua trajetria futura. No pode haver progresso sem trabalho inteligente e o maior fator de progres-so de um povo o ensino primrio bem conduzido e orientado por mos hbeis, convenientemente

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    aparelhadas para isto, como soe acontecer com as normalistas sadas de nossas Escolas de Ensino Normal especializado. A instruo e educao da criana requer o concurso e solicitude de elemen-tos de alta cultura no ramo da Biologia Educacio-nal, a Psicologia Educacional, da Sociologia edu-cacional, etc. Alm de conhecimentos humanos indispensveis a quem se dedica no mister sagrado do ensino (ESPRITO SANTO, 6 dez. 1951, p. 19).

    Dessa forma, o parecer fundamenta o apoio solicita-o do secretrio no dever do Estado de proteger as crianas e, tambm, aponta que os professores que lidam com os pequenos precisavam ter qualificao condizente com a importante tarefa que realizavam. Acrescenta ainda a esses comentrios que os co-nhecimentos da Biologia Educacional, da Psicologia Educacional, da Sociologia Educacional etc. eram considerados fundamentais a quem se propunha a ensinar a criana, pois eles funcionam [...] como chave da educao e como meio para abrir a mente do alu-no, que talvez ficar cerrada para sempre se no for penetrada por algum que saiba subir com segurana ao Olimpo desse lugar sagrado (ESPRITO SANTO, 6 dez. 1951, p. 19). Paralelamente discusso da revogao do art. 6o da Lei 112, em 30 de outubro de 1951, Rafael Grisi anunciou uma s-rie de medidas de carter econmico e administrativo que possi-bilitariam a reorganizao da carreira do magistrio, a criao e manuteno de um sistema educacional dinmico, com a oferta de condies necessrias e suficientes ao desenvolvimento e me-lhoria progressiva da produo pedaggica, sob o trplice aspecto: o da matrcula, o da frequncia e o do aproveitamento escolar, ou seja, o acesso, a premncia e a qualidade do ensino ofertado. Novamente, o secretrio manifestava a sua preocupao com o crescimento vertiginoso, desde 1939, dos professores leigos em exerccio, enfatizando que quando surgiram pela primeira vez, re-presentavam apenas 4% do professorado. Contudo, esse nmero aumentou, passando a 700 em 1945, [...] quando j constituam mais de 30% e chegaram a ser 1.300 em 1951, totalizando mais da metade do magistrio oficial em exerccio que, na presente data, so exatamente 1.225 (A GAZETA, 30 out. 1951, p. 1).

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    Apesar do grande nmero de professores leigos, o secre-trio considerou importante a tentativa de o Governo oferecer es-colas ao povo, preocupando-se com o aspecto quantitativo, mas aponta que, na prtica, essa tentativa foi frustrada em decorrncia do decrscimo da aprovao dos alunos, demonstrado pelas es-tatsticas das escolas. Considerava, ainda, o secretrio que essa situao era como se fosse [...] uma crise de crescimento, como cotejo de distrbios inevitveis do organismo educacional (A GA-ZETA, 30 out. 1951, p. 1). Nesse sentido, anunciou que o Progra-ma de Governo por ele elaborado objetivava:

    [...] a) reavivar o interesse pela profisso pedaggi-ca; b) promover a volta da atividade docente dos que dela se tem afastado, conservando-se embora, s vezes nas fileiras do magistrio; c) acarooar, numa espcie de bandeirismo educacional, a pe-netrao dos professores jovens no hinterland, ate a zona rural, distante dos centros de cultura urbana e industrial, e que frequentemente no se tem be-neficiado de escolas verdadeiras seno apenas de improvisadas agncias de alfabetizao a cargo de Docentes de Emergncias a cargo de Docentes Pro-visrios, via de regra, faltos de formao bsica e tcnica (A GAZETA, 30 out. 1951, p. 1).

    Rafael Grisi (1951, p. 1) justificou que as condies de trabalho que vinham sendo oferecidas ao exerccio da carreira do magistrio no eram susceptveis de atrair profissionais qualifica-dos. Por isso, seu programa buscava atrair para o magistrio pro-fessores jovens e incentiv-los a trabalhar em regies distantes dos meios urbanos, onde a maioria das cadeiras era regida por pessoas sem habilitao. Ele tambm apontou que o problema do [...] xodo dos professores em relao atividade docente se apre-sentava de duas formas: havia professores que, apesar de possuir o diploma de normalista, se desviavam para outra atividade produti-va no mercado; e existiam aqueles que, no interior do magistrio, mesmo ocupando cargos de professores, encontravam-se fazendo outras atividades, em desvio de funo, na administrao. Outro problema aventado pelo secretrio dizia respeito [...] ausncia de critrio na distribuio das escolas no territ-rio estadual, havendo lugares com escolas a mais, e lugares com

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    escolas a menos que a demanda da populao (GRISI, 1951, p. 1). Essa distribuio, conforme aponta Gontijo (2008), vinha se fa-zendo, no Esprito Santo, considerando critrios poltico-eleitorei-ros. Na matria publicada em A Gazeta (30 out. 1951, p. 1), Grisi apontou o baixo nvel de produo escolar, [...] que tem oscilado no ltimo decnio, entre os quantitativos mnimo e mximo de 19.881 a 37.149 alunos aprovados, correspondentes a 38 e 40% das matrculas correspondentes. A inteno do secretrio de Educao, diante do quadro apresentado, era promover uma reforma sistemtica, progressiva e orgnica, capaz de proporcionar uma melhoria crescente e du-radoura no sistema de ensino primrio. Isso se daria pelo [...] estmulo ao trabalho docente, pela recompensa ao mrito, pelo incentivo produo, enfim, por um sistema de permanente con-curso de produo e melhoria tcnica (A GAZETA, 30 out. 1951, p. 1). Desse modo, na sesso realizada no dia 21 de novembro de 1951, na Assembleia Legislativa, conforme registrou o jornal A Gazeta, de 15 de dezembro de 1951, sob o ttulo Novos destinos para o ensino no Esprito Santo, com um nico voto desfavorvel, foi aprovada a Lei no 549 que, no dia 7 de dezembro de 1951, foi sancionada pelo governador do Estado. Essa Lei, conforme de-clarou o artigo do jornal A Gazeta, representava, na opinio dos deputados, a moralizao do ensino primrio no Esprito Santo. Dessa forma, como afirma Coutinho (1993, p. 94), ela compreen-dia direcionamentos para que fosse efetivada uma reforma geral do ensino primrio:

    Batizada pelo nome de Lei urea do Ensino capi-xaba, fixava critrios para a classificao dos esta-belecimentos escolares em categorias e entrncias, segundo seu porte e localizao, reorganizava a carreira do magistrio, instituindo os concursos de remoo e ingresso, e assegurando gratificaes proporcionais ao trabalho e s dificuldades do meio em que esse trabalho se realizava.

    Assim, conforme sublinha o autor, a Lei, em seu art. 1o, classificava os estabelecimentos de ensino primrio em cinco ent-rncias: os de 1a entrncia seriam aqueles estabelecimentos loca-lizados nos Municpios da Capital e os da sede dos Distritos com

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    populao acima de 1.000 habitantes; os de 2a entrncia seriam aqueles localizados nas sedes Municipais e distritais servidas por estradas de ferro, ou as que se encontrassem num raio de 2km da estrada de ferro; as de 3a entrncia seriam os estabelecimentos localizados distncia mxima de 5km das sedes dos Municpios e que no tinham os itens acima citados; os de 4a entrncia, locali-zados nas sedes dos Distritos e nos ncleos de populao superior a 1.000 habitantes; e, por ltimo, os de 5a entrncia, os estabeleci-mentos que no se encaixavam nas categorias apresentadas. Nessa legislao, as escolas conhecidas como isoladas passaram a ser denominadas escolas singulares e, segundo as suas localizaes, foram classificadas em urbanas, distritais ou rurais. Quanto aos estabelecimentos de ensino primrio, deno-minados grupos escolares, suas classificaes em categorias po-deriam mudar no incio de cada ano, mediante ato do secretrio de Educao, levando em conta o nmero de alunos. Elas seriam, assim, classificadas em cinco categorias. Para receber a classifi-cao de primeira categoria, a escola deveria de ter mais de 20 classes de alunos, com frequncia mdia regular de 600 alunos. Para a segunda categoria, 16 a 20 classes e frequncia mdia de 450 alunos. Para a terceira categoria, 11 a 15 classes, com frequncia mdia de 300 alunos. Para a quarta categoria, 7 a 10 classes, com frequncia mdia de 180 alunos e, por ltimo, para a quinta categoria, seriam as escolas com 5 ou 6 classes, com frequncia mdia de 120 alunos. Essas escolas, de acordo com a Lei, seriam providas de um diretor, escolhido no por indicao poltica, mas pelo resultado comprovado de seu trabalho na funo docente no ensino prim-rio, ao longo de trs anos. Esse critrio estava diretamente vinculado ao carter meritocrtico da Lei, pela qual as vantagens promocionais atribudas aos professores eram automaticamente vinculadas ao cum-primento dos padres mnimos exigidos de frequncia e de promo-o dos alunos, ao longo do perodo de trs anos consecutivos. Com relao docncia, a Lei, conhecida como Lei urea, criou tambm um mecanismo de controle de rendimento e frequ-ncia para o Concurso de Remoo. Ela instituiu e democratizou o Concurso de Remoo para todos os professores indistintamente de suas classificaes.3 Desse modo, todos, igualmente, se tornaram por-

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    tadores desse direito, visto que, antes, pela falta de normatizao, os professores ficavam merc das benesses dos polticos para se lo-comoverem. Em mensagem (1953) enviada Assembleia Legislativa, o governador Francisco Alves Atade (substituto de Jones Santos Ne-ves) falou sobre os benefcios dessa legislao, pois ela outorgou ao magistrio primrio uma legtima carta de alforria, libertando-o das algemas de interferncias polticas e conferindo-lhe prerrogativas de inamovibilidade, antes somente reconhecidas aos magistrados. A Lei definiu tambm parmetros que vinculavam a pon-tuao para as suas classificaes nos concursos de remoo ao objetivo maior dessa Lei: aumento da frequncia escola e rendi-mento satisfatrio. Com esse propsito, para efeito de classificao no concurso de remoo, ela privilegiou os seguintes elementos:

    [...] nmero de dias de trabalho, conferindo-se cinco, seis, oito, onze ou quinze pontos, segundo o nmero corresponda a cinco, seis, sete, oito ou nove dcimos, respectivamente, do total de dias letivos; ndice de freqncia mdia, conferindo-se trs pontos para cada conjunto de dez, nove, oito sete ou seis alunos, freqentes, segundo se trate de escola ou classe de 1a, 2a, 3a, 4a ou 5a entrncia, respectivamente; rendimento escolar, conferindo--se dois pontos por aluno aprovado, acrescentan-do-se ao total mais dois, cinco, oito ou dez pontos, conforme se trate de escola ou classe de 2a, 3a, 4a ou 5a entrncia, respectivamente (ESPRITO SAN-TO, 7 dez. 1951... Acesso em: 2 maio 2007).

    As pontuaes recebidas pelo professor ao trmino do ano letivo privilegiavam, dessa maneira, aspectos relacionados frequncia do professor, dos alunos e, tambm, ao rendimento escolar. Alm disso, era importante que os filhos dos imigrantes fossem alfabetizados na lngua portuguesa; para isso, o professor recebia uma pontuao a mais em sua promoo por mrito para cada aluno de colonizao estrangeira que fosse alfabetizado, conforme apontado a seguir:

    Nos casos de estabelecimentos localizados em zonas de colonizao estrangeira, devidamente comprovada por autoridade escolar a falta de do-mnio da lngua portuguesa por parte dos alunos, o nmero de pontos relativos a alnea c obtidos

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    pelo candidato, ser ainda acrescido de quantitati-vo, correspondente a um, dois, trs, quatro ou cin-co dcimos do total, conforme se trate de escola ou classe de 1a, 2a, 3a, 4a ou 5a entrncia, respec-tivamente (ESPRITO SANTO, Lei n 549, 7 dez. 1951... Acesso em: 2 maio 2007).

    Essa Lei tambm no ficou indiferente promoo funcio-nal desses profissionais do magistrio. Assim, de acordo com o art. 17 da Lei, A nomeao para cargos da carreira de professor pri-mrio e de regente do ensino primrio [...] far-se-, exclusivamen-te, atravs de concurso anual de ttulos a realizar-se no perodo de frias de dezembro a janeiro. No concurso, seria considerado, conforme institui o art. 20, os ttulos que se seguem:

    Como comprovantes dos mritos dos candidatos para efeito de classificao no concurso de que trata o art. 17, sero apreciados os seguintes ttu-los e elementos: a) notas obtidas pelo candidato nas diversas disciplinas do curso normal ou mdia final de concluso do mesmo; b) diplomas e certifi-cados de outros cursos oficiais ou reconhecidos; c) publicaes sobre assuntos pedaggicos; d) ativi-dade didtica anterior; e) nmero de dias de com-parecimentos no remunerados como substituto permanente, atestado pela autoridade competente; f) contribuio docente Campanha de Educao de Adultos (ESPRITO SANTO, 7 dez. 1951... Aces-so em: 2 maio 2007 ).

    De acordo com essa Lei, como processo de medida de valorizao do magistrio, os professores receberiam reconheci-mento pelo seu trabalho por lhes conferir uma gratificao pelo exerccio da funo, ou seja, essa gratificao era destinada a pro-fessores ou diretores, enquanto estes se encontrassem em efetivo exerccio como regentes de escola ou classe prpria. Era assegurado o pagamento de uma gratificao mensal de magistrio, na conformidade da tabela elaborada que apresentava discriminadamente os valores para cada funo: regente de classe ou escola singular, regente de escola ou classe e delegado de ensi-no, diretor de escolas reunidas sem o encargo de regncia de classe, diretor de escolas reunidas com o encargo de regncia de classe,

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    diretor de escolas reunidas com regncia de classe e funo de de-legado de ensino, diretor de escolas reunidas e delegado de ensino, diretor de grupo escolar e para cada categoria e entrncia.

    O pedaggico sob o controle administrativo

    O Estado instituiu mecanismos de controle e de acompa-nhamento do ensino em todas as escolas, por meio de tcnicos colocados em pontos estratgicos da administrao para esse fim. Essa estrutura constava do Decreto-Lei n 16.481 de 1 de maro de 1947 que consistia no regulamento da Secretaria de Educao e Cultura, que, em seu organograma, previa, nesse grau de ensino, a Diviso de Orientaes e Pesquisas Pedaggica, Diviso de Ensino Primrio e Pr-Primrio e, para subsidiar essas divises ou esses departamentos, encontravam-se os delegados de ensino, o Servio de Inspeo Escolar e o diretor escolar. A Diviso de Orientao e Pesquisas pedaggicas, confor-me consta no Regulamento (1947), tinha por finalidade planejar e elaborar programas, sistemas de verificao do rendimento es-colar, orientar o magistrio e promover a seleo de professores, diretores e inspetores. A Diviso de Ensino Primrio e Pr-Primrio funcionava como um setor de administrao desse ensino, tendo como pressuposto o cumprimento da obrigatoriedade do ensino primrio. Quanto aos delegados de ensino, era uma funo de livre nomeao e exonerao, exercida por um diretor de esta-belecimento de ensino e este no conta com remunerao, sob a justificativa de tratar-se de uma funo relevante. Os inspetores regionais do ensino primrio eram auxiliares imediatos da Diviso do Ensino Primrio, encarregados de inspeo e fiscalizao dos estabelecimentos de ensino, juntamente com orientaes tcnica e profissional do professorado. Essa estrutura permaneceu, porm de forma melhorada, com um requinte tcnico mais apurado no sentido de melhoria da qualidade desses servios, como podemos exemplificar com uma smula publicada pelo secretrio no Dirio Oficial do Estado do Esprito Santo, de 4 de maro de 1952. Essa smula ratificava, em detalhes, o que se esperava do delegado de Ensino no exerccio

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    de sua funo, que consistia em: acompanhar a vida escolar e as atividades letivas e realizaes dos professores da regio sob sua ju-risdio; fiscalizar e visitar essas escolas; propor, por intermdio do inspetor escolar, medidas que julgar necessrias ao bom andamento das atividades escolares; comunicar, por escrito, ao inspetor regio-nal quaisquer irregularidades ou desvio por parte dos professores; zelar pela observncia dos dispositivos legais de obrigatoriedade de frequncia escolar, mandando proceder matrcula ex-ofcio das crianas analfabetas de sete a doze anos de idade, cujos pais ou responsveis no tenham tomado essa providncia voluntariamente e na poca prpria; receber e encaminhar, na poca prpria e na ausncia do inspetor regional, Diviso de Ensino Primrio as recla-maes, queixas e representaes; dar exerccio a professores no-meados, removidos ou admitidos para escolas singulares ou prim-rias auxiliares; comunicar Diviso de Ensino Primrio as datas em que os professores assumirem o exerccio, licena, ou interrupo dos trabalhos por qualquer outro motivo; prestar Secretaria, quan-do solicitada, qualquer informao de escolas sob sua jurisdio; atestar a frequncia dos professores; promover reunies pedaggi-cas, mensais ou bimestrais dos professorados das escolas singulares, dando-lhes conhecimento das leis, decretos, atos e instrues sobre o ensino, assim como orientao didtica para o aperfeioamento de mtodos e tcnicas de trabalho; convocar, por turma ou indivi-dualmente, a cada dois meses, os professores das escolas singula-res para assistirem, durante um dia letivo, aos trabalhos escolares realizados em classes do grupo escolar ou das escolas reunidas. Conforme visto, essas delegacias se constituam numa espcie de sucursal da Secretaria de Estado da Educao. Nesse sentido, alm dos tcnicos da Secretaria da Educao, havia os inspetores e, ain-da, os diretores de escolas. Tudo isso para acompanhar o trabalho desenvolvido nas escolas pelos professores. Assim, o Estado, dividido em regies, tinha cada uma: um delegado de ensino responsvel por resolver as questes de ordem mais imediatas e ligadas sua regio; os inspetores escolares que visitavam as escolas, para verificar o rendimento mensal dos alunos, frequncia e assiduidade do professor, alm de auxiliar nas orien-taes pedaggicas, nos grupos escolares e nas escolas reunidas; e o diretor para, tambm, desempenhar esse papel. No topo dessa

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    estrutura, estava o Departamento de Estudos Pedaggicos e Estats-ticos, de onde saam todas as orientaes de funcionamento e para onde convergiam todas as informaes, em forma de relatrios e reunies. No alto do organograma, o secretrio de Educao. Diante de tal estrutura, possvel vislumbrar a eficincia do controle, por meio de um acompanhamento sistemtico e rgi-do do desempenho do professor e da aprendizagem dos alunos e tudo o que estiver com ela relacionado. Nessa gesto, havia uma preocupao em manter esses agentes bem orientados no que se referia s suas atividades diante dessa nova estrutura administrati-va, e isso era, frequentemente, feito no momento da abertura do ano letivo. Conforme consta do Dirio Oficial do Estado do Es-prito Santo, de 4 de maro de 1952, o secretrio de Educao encaminhou Circular a todos esses agentes de acompanhamento, com orientaes claras e detalhadas sobre o que se exigia deles em termos de ao e desempenho. Inclusive, para exemplificar como se efetivava essa sistemtica de comunicao, citamos a Cir-cular n 3/52, de 21 de fevereiro de 1952, da Secretaria Estadual da Educao, em que ele chamou a ateno para duas instituies importantes na escola: a Caixa Escolar e o Clube Agrcola. Segundo essa Circular (1952), do Secretrio de Estado da Educao, a Caixa era uma instituio de carter assistencial, de auxlio escola e obra da educao popular e visava a prover os meios e amparo infncia necessitada, proporcionando-lhe roupa, alimentao, material escolar, enfim, tudo que lhe pudes-se assegurar melhores condies de vida e maior assiduidade e aproveitamento escolar. Quanto ao Clube Agrcola, esclarecia a referida Circular (1952), era uma instituio com o objetivo de ensinar a criana a trabalhar e a amar o trabalho, experimentar a alegria de produzir e de ser eficiente, desenvolver atitudes de companheirismo e cooperao, adquirir senso de responsabilida-de, preparar-se, enfim, para ser homem til a si mesmo e coleti-vidade. Sob o ponto de vista metodolgico, o Clube Agrcola tem a vantagem de corrigir o excesso de intelectualismo comum nas atividades escolares, introduzindo na escola prticas de educao ativa e funcional (ESPRITO SANTO, abr.1952, p. 3).4

    Como observamos, o secretrio se cercava de todos os cuidados administrativos, como forma de direcionar a conduo

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    dos trabalhos no ambiente escolar e no sistema educacional como um todo, no sentido de garantir o cumprimento de seus prop-sitos para o ensino primrio, que tinha como centro a melhoria do rendimento escolar, principalmente a alfabetizao, ou seja, a frequncia e a promoo dos alunos em virtude da aprendizagem. Porm, sabemos que um dos grandes problemas enfren-tados nas administraes pblicas era a falta de continuidade das polticas pblicas. Cada Governo quer marcar o seu perodo de gesto de uma forma muito pessoal, desconsiderando, muitas ve-zes, os avanos e os projetos que foram construdos pelos gestores que o antecederam. O conceito de continuidade, segundo Graff (1994, p. 40) permitia pensarmos a relao entre [...] elementos de mudana e c