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Mega Antas, menires e cromeleques Um guia para o Mesolítico e Neolítico em Portugal Paulo Heitlinger 1. Edição, 2011 arqueo.org – Edições de Arqueologia litismo

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Mega Antas, menires e cromelequesUm guia para o Mesolítico eNeolítico em Portugal

Paulo Heitlinger 1. Edição, 2011arqueo.org – Edições de Arqueologia

litismo

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MegalitisMo

Megalitismo

Uma publicação da arqueo.org – Edições de Arqueologia. Compilação dos textos, edição, fotos e paginação: Paulo Heitlinger.Todos os direitos reservados.

Este livro está dedicado à memória de Vera e Georg Leisner, pioneiros no inventário do Megalitismo em Portugal. Um grande obrigado a Birgit Wegemann, Katina Lillios, Michael Kunst, Rui Parreira, António Carlos Valera e Marco Schaaf (ilustrações).

A Alvorada da Civilização na Península Ibérica

....é o tema que esta publicação documenta. Portugal é um dos paí ses europeus que encerra um valioso património megalítico; inúmeras antas, menires e cromeleques testemunham uma etapa crucial na evolução das nossas sociedades pré-históricas. São esses os monumentos – especialmente os visitáveis – que discuto e mostro. Os textos explicam as evoluções sociais que originaram estas impressionantes construções, quando os Neo líticos experimentavam, pela primeira vez, fazer Arquitectura. O pano de fundo destas manifestações culturais foi uma das mais drásticas modificações do comportamento humano: a Revo lução Neolítica, que levou o Homem a abandonar a caça e pesca nómadas para se tornar o que é hoje: um ser seden tário, ligado à terra e à exploração sistemática dos recursos natu rais.

Paulo Heitlinger, Dezembro de 2012.«O meu é maior!» O menir fálico do Outeiro tem 5,6 m de altura. (O autor, eternizado nesta fotografia, mede 1,78 m.) O menir foi encontrado tombado, em 1964, por José Pires Gonçalves, que procedeu à erecção da pedra. Na mancha megalítica de Reguengos de Monsaraz, o menir é conhecido como «Penedo Comprido».

Mega litismo

Imagem na capaAnta da Fonte Coberta, Alijó

Antas

Concheiros

Revolução Neolítica

Menires & Cromeleques

Pedras

Jóias

Museus &Arqueólogos

A Alvorada da Civilização na Península Ibérica ..... 3Mesolítico (~10.000 – ~5.000 a.n.E.) – uma síntese ..6O clima aquece... ..................................................... 8Como vivia o homem mesolítico? ............................9Os Concheiros de Muge e Tejo .................................9Concheiros do Vale do Sado ................................... 11Concheiros estremenhos ........................................12O litoral algarvio ....................................................12Carlos Ribeiro e os Concheiros mesolíticos ............ 13Os sambaquis do Brasil ......................................... 14O Mesolítico no Museu Geológico .......................... 15

Gordon Vere Childe ...............................................18Revolução Neolítica ...............................................19Novo modo de explorar a Natureza ....................... 20Difusão na zona do Mediterrâneo ......................... 22Neolítico no Algarve ............................................. 24A génese do Neolítico na Estremadura, no Alentejo e Algarve – dois modelos de explicação ................. 29Resumindo... .........................................................31Faz falta rever o «Neolítico»? ................................. 34

Menires e cromeleques .......................................... 39Os primeiros monumentos de pedra ...................... 40Cromeleques e menires no Alentejo ...................... 41O Cromeleque de Almendres ................................ 43Visitar o Alentejo, grande zona megalítica ............ 46As lentíssimas pesquisas arqueológicas ................. 48O Cromeleque, o Menir Fálico e os Pequenos Menires do Xarez mudaram de sítio... ................... 49Menires de Reguengos de Monsaraz ..................... 50Menires do Algarve ................................................52Menires, esses ilustres desconhecidos ................... 54O menir prisioneiro do Lavajo ................................55O Megalitismo, fenómeno europeu ....................... 56

Placas de xisto: Comunicação social, antes das letras ...................................................... 63Clãs e linhagens .................................................... 66Dólmenes «cristãos» ............................................. 67Para quê construircinco mil dólmenes? ................. 68Anta do Zambujeiro: Monumento Nacional? ........ 69Desleixo e incúria: Olival da Pega ......................... 70Os tipos de arquitectura tumular .......................... 76Dólmenes (antas, mamoas, orcas) .......................... 79Vandalismo e destruição ....................................... 80Fogo e ocre: o ritual funerário .............................. 80As significativas prendas funerárias .......................81Uma visita ao Reino dos Mortos ............................ 82Antas pintadas e gravadas ..................................... 84Visite algumas notórias antas ............................... 88Antas e orcas das Beiras ........................................ 90Fósseis da evolução social ...................................... 96

O arquétipo de todas as ferramentas: o biface ...... 103Pedras para todos os efeitos ..................................104Símbolos de poder ................................................ 105Depois da pedra... ................................................ 105Ferramentas de pedra no comércio regional .........106Divisão de trabalho na fabricação de ferramentas .....................................................108Emergência de elites através do controlo do anfibolito ..........................................109Técnicas de fabricação de ferramentas de pedra ... 110A arte de talhar sílex ............................................ 112

Cronologia: algumas datações ..............................126Enquadramento cronológico dos temas ................ 127C14, a datação por radiocarbono .......................... 127Museus em Portugal (ordem alfabética) ............... 128Museus arqueológicos em Espanha .......................131A Saga da Arqueologia em Portugal ..................... 133Índice remissivo ...................................................148

A Arte do quinto ao terceiro milénio ................... 116Jóias verdes .......................................................... 117Minas de variscite: Gavà e Pico Centeno ............... 119Arte do Neolítico: uma crise cultural? .................. 121Jóias, adornos, amuletos ....................................... 122Estética da Identidade ..........................................124Insígnias de poder ................................................ 125

As primeiras cerâmicas

As «pedras paradas»

Viver à beira-mar: o Mesolítico

Sepultar as elites, marcar os territórios

Fabricação, uso e comércio das ferramentas de pedra

A arte do adorno

Temas

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ConcheirosPara muitos algarvios, as ameijoas, búzios, berbiguões, «pés-de-burro» e outras variedades de conchas continuam a ser petiscos apreciados. Mal saberão os que se abastecem hoje no mercado municipal de Loulé que – há 8.000 anos – os seus antepassados também gostavam de comer o mesmo...

Viver à beira-mar

O Mesolítico foi o período entre o Paleo lítico e o Neolítico. O seu nome nome significa «Idade

Média da Pedra». Este termo, se aten-dermos ao seu emprego apenas para a Europa, foi cunhado em 1866 por Hod-der Westropp, e em 1874, por Otto Mar-tin Torell. Já o zoólogo dinamarquês Ja-petus Steenstrup tinha cunhado a ex-pressão Køkkenmøddinger (restos de co-zinha), muito usada por arqueólogos europeus para «concheiros».

No Mesolítico, os homens caçaram, pescaram e recolheram, tal como o tinham feito os seus antepassados, durante os longos milhares de anos do Paleo lítico Superior – mas fizeram estas actividades num meio ambiente completamente diferente.

Na Europa, o fim da última era glacial originou importantes mudanças climá-ticas; as comunidades humanas troca-ram as grutas pela beira-mar e pelas margens dos rios. Não só surgem novas formas de assentamento, como tam-bém novos métodos de sub sis tên cia.

O Mesolítico foi um período de tran-sição que representou grandes avanços no sentido de o Homem pré-histórico poder assegurar melhores condições de sobrevivência. Deixando de ser «nóma-das a tempo inteiro», as comunidades mesolíticas começaram a fixar-se em acampamentos. Desenvolveram toda uma série de novos artefactos: anzóis, redes de pesca, canoas...

Com o domínio do fogo, o Homem conseguiu elaborar alimentos assados. A domesticação dos animais possibili-tou acumular reservas alimentares para os momentos de carência, eliminando a dependência de fazer constantemente caça.

P ara o estudo do Mesolítico são de grande importância os concheiros, onde estavam assentes pequenas

comunidades de caçadores-pescadores--recolectores. Os concheiros são «coli-nas artificiais» onde se estabeleceram sazonalmente comunidades humnas, que faziam da apanha de moluscos uma das suas principais actividades. Conhecemos concheiros nas costas ma-rítimas da Europa, da África, das Amé-ricas e da Ásia.

Em Portugal, o Complexo Mesolí­tico de Muge, que engloba os Conchei-ros de Muge e do Paúl de Magos, consti-tui uma das mais importantes estações arqueológicas do Mesolítico de toda a Europa; todos os livros de Arqueo logia lhe fazem referência, devido ao seu valor científico. São inúmeros os traba-lhos científicos realizados sobre os Con-cheiros do Muge.

As maiores colecções de esqueletos do período mesolítico na Europa, são precisamente as que foram recolhidas nos Concheiros de Muge, descobertos em 1863 por Carlos Ribeiro. 150 anos depois, em 2011, os concheiros Cabeço da Amoreira, Cabeço da Arruda e

Moita do Sebastião, foram classificados «Monumento Nacional». Muitos dos achados arqueológicos podem ser vis-tos no Museu Geológico, em Lisboa (página 15).

No concelho de Salvaterra de Magos, existem dois núcleos distintos de con-cheiros: Ribeira de Muge e Paúl de Magos. No primeiro local assinala-se os Concheiros do Cabeço da Amoreira, Cabeço da Arruda, Moita do Sebastião e Fonte do Padre Pedro, entretanto já destruido para colocação de uma vinha.

Em relação ao Paúl de Magos, des-taca-se os concheiros da Cova da Onça, Cabeço dos Môrros, Magos de Baixo e Magos de Cima; estes últimos foram destruídos na década de 40, quando se iniciaram os trabalhos de construção da Barragem de Magos.

Uma questão fascinante, que tem divido as opiniões dos arqueólo-gos, é a seguinte: porquê e como

é que se processou o trânsito do Mesolí-tico para o Neolítico? Porque é que as comunidades deixaram de ser unica-mente predadoras e recolectoras, para passarem a ser agricultores, semeando e recolhendo, fazendo agricultura? A grande transformação chamada «Revo-lução Neolítica» terá sido um processo gradual, evoluindo sem influências ex-ternas, ou terá sido despoletado por co-lonizadores vindos de costas remotas do Mar Mediterrâneo?

Mesolítico (~8.000 – ~5.000 a.n.E.): uma breve síntese

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O ambiente das nossas costas marítimas foi um dos habitats preferidos pelas populações mesolíticas... Os recursos do mar e dos rios passaram a ser uma parte essencial da dieta destas populações.

Há cerca de 9.000 anos, as populações do Sudoeste da Europa começaram a adoptar novas formas de produção e também novas relações sociais. Vários factores, entre eles importantes mudanças climáticas, acabaram por dar origem à primeira civilização na Península Ibérica...

N a etapa do Mesolítico, um largo período que se es-tendeu de 8.500 até 5.500 antes da nossa era, os ho-mens caçaram, pescaram e recolheram plantas, se-

mentes e frutos – como já o tinham feito os seus antepassa-dos, durante os longos milhares de anos que preencheram o Paleo lítico Superior –, mas num meio ambiente radical-mente diferente.

Depois da última glaciação, subiram as temperaturas e as comunidades humanas que habitavam a Península Ibérica trocaram as grutas e os abrigos no interior pela beira-mar e pelas margens dos rios. Novos métodos de subsis-tência levaram as comunidades mesolíticas a ocupar novos nichos ecológicos – nos estuários dos grandes rios, e também no litoral marítimo.

O clima aquece...A última grande mudança climática fez aumentar a pluviosi dade — e modificou a flora e fauna drasticamente. Quando terminou a última etapa glaciar, enormes massas de gelo e neve derre te ram-se e o nível dos mares subiu, inun-dando as regiões litorais baixas.

A mudança climática forçou as comunidades a procurar novos territórios; mudaram-se então para a beira-mar (as costas marít imas da Estremadura, do Alentejo e do Algarve) e para as margens dos grandes rios (os amplos estuários do Tejo e do Sado), onde abundavam peixes, crus-tá ceos e conchas, facil mente obtidos na água, nas rochas e nos trechos areno sos das praias. Os recursos do mar e dos rios passaram a ser uma parte essencial da dieta destas populações.

A s investigações rea lizadas sobre os caçadores-pes-cadores-recolectores mesolíticos têm-se cen trado nos concheiros dos vales dos rios Tejo e do Sado,

abarcando uma ocupação entre 7.500 e 6.000 a.n.E. Es-tes dois núcleos de jazidas mesolíticas foram os últi-mos redutos de um modo de vida baseado essencial-mente na exploração de recursos selvagens.

Desponta civilização...

Como vivia o homem mesolítico?

No Mesolítico surgiram os gran des bosques tem pe-rados. Extintos o elefante e o rinoce ronte, desapare-cido o urso-das-ca ver nas, prosperam o veado e o cor-

ço. Extinto o mamute e emigrados para o Norte os rebanhos de renas, os humanos tiveram que fazer caça a animais mais pequenos e mais esquivos, como o javali e o coelho. Os caça-dores agiam em pequenos grupos e utilizavam cães – lobos semi-domesticados.

No Mesolítico, praticou-se a mi cro litização. Fabri cava-se pequenos (e mesmo muito pequenos!) utensílios de sílex. Estes instrumentos ser viam, por exemplo, para colher e abrir moluscos e para fazer arpões, anzóis e outras ferra-mentas e armas cor tantes. (Mais detalhes sobre o sílex: página (xyz).

No Mesolítico, a arma mais importante era o arco, capaz de lançar a grandes distâncias mortíferas setas com afiadas pon tas de pedra de sílex. Por vezes, setas com pontas de osso, ou mesmo de madeira (para não estragar as peles dos animais caçados). Outras setas eram lançadas com zagaias.

Caçadores-recolectoresO Homem aprendeu a roubar sistematicamente o mel das abelhas, manipulando as colmeias. Na costa litoral estreme-nha caçava-se o veado, o javali, o auro que, o corço e o coe lho. Noutras regiões, a cabra-montês e diversas aves selvagens – pato, ganso, tordo, faisão, rola – completavam a dieta. Pes-cava-se nos rios e ribeiros e recolhia-se todo o tipo de frutos, comiam-se caracóis e conchas... aos milhões.

No Mesolítico, os homens ainda eram nómadas, mas tinham alojamentos de Inverno e acampamentos de Verão. Só em regiões que ofereciam suficiente ali men to durante o ano inteiro, os nómadas armavam as suas tendas durante temporadas mais longas.

Construí ram-se choças primitivas às mar-gens dos rios (só bem mais tarde se constru-

Conchas perfuradas, usadas como adorno. Desenho de Helena Figueiredo, no estudo de Ana Cristina Araújo.

íram cabanas com ramos e barro). Assentaram-se as primei-ras «oficinas de sílex».

Começou a produção de objectos de adorno – a partir de conchas, por exemplo. Singelas peças, com um orifício para suspensão, obtido por furo das cascas de moluscos.

Os Concheiros de Muge e Tejo

D escobertos em 1863 por Carlos Ribeiro (página xyz), os célebres Concheiros de Muge constituem o maior complexo meso lí tico da Euro pa. Os conchei-

ros da Ribeira de Muge pertencem às mais importantes es-tações da Pré-História. Aqui foram encontradas as maiores colecções de esqueletos do período mesolítico na Europa. Pela sua quantidade (cerca de 300!) e pela importância cien-tífica, são citados em todos manuais de Pré-História. Os concheiros (em brasileiro: sambaquis) eram «colinas artifi-ciais» onde se estabeleceram – sazonalmente – comunida-des de caçadores-pescadores-recolectores, que faziam da apanha de moluscos uma das suas actividades prin ci pais.

Os concheiros eram montículos que serviam de vasa-douro (lixeira) e ao mesmo tempo de necrópole, em territó-rios que tinham a caça, a pesca e a recolha de molus cos, e que eventualmente também permitiam colher frutos e plantas.

Os Concheiros de Muge não eram apenas concentrações caóticas de conchas («restos de cozinha, lançados a esmo durante largos períodos de tempo»), mas também estavam em uso como lugares de tumulação ritual. As conchas ritu-almente depostas sobre os despojos fúnebres encontrados

em concheiros seriam mantimentos destinados ao além, e não a esta vida...

Vários concheiros – Cabeço da Amoreira e da Arruda, Concheiros da Fonte do Padre

Pedro e da Flor da Beira – são sítios pré--históricos que nos trouxeram impor-tante informação complementar.

Pequeníssima folha cortante, um micrólito laminar. Foto de José-Manuel Benito Álvarez.Berbigão

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O concheiro mesolítico do Cabeço da Amoreira foi um dos primeiros a merecer a atenção de investigadores, ainda no século xix. Desde esse momento que sofreu um con-junto alargado de intervenções, sendo a mais recente inte-grada num projecto financiado pela FCT. Os trabalhos, numa área de 124 m2 do concheiro, serviram para estudar a estratigrafia do local, a organização espacial e a cronologia, bem como a tecnologia lítica e a subsistência.

Foram ainda localizados novos locais em redor deste con-cheiro, com horizontes do Neolítico Antigo, Mesolítico e Paleolítico Superior, que foram também objecto de traba-lhos arqueo lógicos.

Concheiros da Moita do Sebatião

A s escavações na Moita do Sebastião detectaram es-truturas habitacionais, que indicam que o grupo aí assente era pequeno – de 15 a 25 pessoas – talvez uma

família alargada, característica dos grupos sociais dos caça-dores-recolectores.

Os utilizadores desse habitat caçavam o vea do, javali, corço, cavalo, coelho e lebre; os moluscos mais consumidos eram a lamei jinha e o berbigão; pescavam a corvina e outros peixes; pato, perdiz e pombo eram algumas das aves que faziam parte da sua ali men tação.

Nas sepulturas nos concheiros, o ritual fúne bre mandava colocar os corpos em decúbito dorsal, pernas semiflectidas e braços cruzados sobre o abdómen; os defuntos eram polvi-lhados com ocre vermelho e adornados com colares feitos de pequenos búzios.

As bizarras construções do cais de estacas da Carrasqueira, no amplo estuário do rio Sado, são contemporâneas, mas parecem datar do Mesolítico. Várias ocupações dessa data foram detectadas nesta zona...

A esperança de vida média era de 30 anos. Nos quase 300 corpos encontrados, havia um elevado número de cáries dentárias, artrite e lesões traumáticas.

O Concheiro da Moita do Sebastião tem as dimensões de 50 por 50 metros (equivalente a meio campo de futebol). Foi escavado pelo arqueólogo francês Jean Roche.

Os concheiros do Vale do Tejo são semelhantes aos do Vale do Muge. A ocupação destes concheiros tem sido calcu-lada entre 6.200 e 5.000 a.n.E.

Concheiro mesolítico em Culle-namore, Irlanda.

Também são considerados mesolíticos os concheiros do Medo Tojeiro (Odemira, Baixo Alentejo, entre Almograve e Cabo Sardão), o Concheiro de Vidigal e o Concheiro da Samou queira (Sines). A estação do Concheiro de Medo Tojeiro é uma permanência costeira, sendo a alimentação de proveniência marinha (Silva, Soares e Penalva, 1985; Soa-res, 1995).

Concheiros do Vale do Sado

O s concheiros do Vale do Sado foram descobertos na década de 1930, portanto muito mais tarde do que os do Muge. Conhecemos Poças de São Bento, Ara­

pouco e Cabeço Rebolador; nestas zonas abunda a fauna de moluscos; em outros assentamentos, encontrou-se restos

No centro dos Concheiros da Moita do Sebastião apareceram 60 buracos de poste, testemunhos de uma estrutura semi-circular com toros para sustentar uma primitiva cabana para servir de abrigo da chuva e do vento. A cabana tem a entrada voltada para Sul, protegendo as pessoas do vento de Norte e de Noroeste. Existe evidência de outra cabana, construída a posteriori de forma rectangular e que também ocupa o centro das estruturas. No lado Sul foram encontradas estruturas de combustão com 3 m de diâmetro e constituídas de calhaus, serviríam para fumar e secar o peixe ou carne. Encontraram-se silos abertos no solo onde se conservariam os alimentos em meio anaeróbico. Sepultamentos rituais de homens e mulheres adultos ocupam o lado Nascente do habitat, junto à cabana. Não se encontraram nem objectos nem artefactos votivos e os objectos encontrados são raros, encontrando-se conchas perfuradas junto ao corpo, e amuletos, nalguns casos foram encontrados pontas trapezoidais. Alguns crânios mostram sinais de terem sido escalpelizados (do escalpe ter sido retirado). A necrópole das crianças encontra-se na área produtiva do acampamento. A cabana, feita de paus e revestida de colmo, tinha uma estrutura circular, mostrando no interior algumas divisões onde existiriam camas. No interior poderiam habitar 8 ou 10 pessoas.

Em cima, na fotografia: projecto de reconstrução de uma cabana mesolítica, realizado pela BBC.

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de vea do e javali. As comunidades de caçadores-pescadores-recolectores te-riam organizado acampamentos-base; a montante do Sado, seria o Concheiro do Cabeço do Pez (Alcácer do Sal), que dominaria a caça, feita no Outono e no Inverno; nos acampamentos de Prima-vera e Verão dominava a apanha de mo-luscos estuarinos. A cada período de ocupação corresponde um montículo de conchas com 1 m de diâmetro e 1 m de espes sura.

No Concheiro de Poças de São Bento descobriram-se algumas estru-turas de habitações; estes concheiros foram ocupados ao longo de mais de um milénio, provavelmente entre 7.500 e 6.500 a.n.E.

Concheiros estremenhosO Concheiro de Toledo (Lourinhã, Estrema dura) encon tra-se perto da Ribeira de Toledo, afluente do rio Alca-brichel e dista 4 qui ló me tros da costa actual. Quando as comunidades meso-lí ti cas usaram este sítio, as águas do Atlântico já tinham subido, formando um estuário importante na foz do rio Alcabrichel.

Molus cos de espécies litorais e estua-rinas permitiram a ex plo ra ção deste nicho ecológico pelos caça dores-pes ca-dores-reco lectores. As marés do mar pene travam na bacia do rio Alcabrichel, possibilitando for ma rem-se bancos de moluscos.

Descoberta, no ano de 1888, de um concheiro mesolítico em Elisabeth Island, uma ilha situada em Franz Josef Land, Rússia. Também os concheiros portugueses foram identificados no século XIX.

S ão conhecidos outros locais seme-lhantes com ocupações mesolíti-cas no litoral da Estremadura. A

maioria está próxima da costa maríti­ma actual, junto a pequenos cursos de água. Correspondem a ocupações pro-vavelmente sazonais, relacionadas com a explo ração de recursos de origem aquática. Um dos aspectos comuns a todos estes sítios são... os depósitos de concheiros.

O litoral algarvio

Nos sítios mesolíticos algarvios, os mais importantes recursos alimentares eram os moluscos,

cuja recolha foi feita pelo menos a par-tir de 7.500 a.n.E. – sendo estes conchei-ros caracterizados pela ausência quase total de outro tipo de fauna!

Nos sítios de habitat junto a zonas rochosas, a dieta era principalmente a lapa, o mexi lhão, o caramujo, o burrié e a thais haemastoma.

Nos sítios longe dos habitats rocho-sos, encontraram-se a amêijoa, o berbi-gão, os canivetes e, mais raramente, a ostra. Com tanta fartura de moluscos,

não admira que a introdução do pacote neolítico tenha demorado algum tempo...

As datas apontam para uma ocupa-ção contínua, a partir de 7.500 a.n.E.; os sítios mesolíticos concentram-se na zona do Promontório de Sagres e arredores, mas existem alguns espa-lhados quer na costa Oeste, quer no interior dos vales marca dos pelos maciços calcários do interior algarvio a Norte de Tavira.

Rocha das Gaivotas foi descoberto em 1998, durante trabalhos de pros-pec ção previstos no projecto A ocupa­ção humana paleolítica do Algarve (1996 – 2001), dirigido por Nuno F. Bicho. A sua identificação proporcionou-se pela abertura de um acesso à arriba por mariscadores locais que, ao des-truir parte da duna, trouxe à luz restos de talhe e conchas de moluscos. Logo nesse ano foram abertas sondagens e feitas recolhas extensivas de superfí-cie. A ausência de cerâmica determi-nou a atribuição deste sítio ao Mesolí-tico Final, conclusão reforçada por uma datação de radiocarbono (página 155).

Porém, as campanhas de escavação de 2003 e 2004 permitiram também a identificação de ocupações do Mesolí-tico Inicial e do Neolítico Antigo, caracterizadas por diversas estruturas de combustão e uma abundante com-ponente faunística quase exclusiva-mente composta por invertebrados marinhos. Os artefactos achados indi-cam que, por vezes, o objectivo do estacionamento de grupos humanos neste sítio visava a exploração do sílex local.

Outroas ocupações mesolíticas

O cupações mesolíticas, como as detectadas em Vale de Cerdei-ra, Vieira do Minho (Base de

Dados do IPA), no sítio do Prazo, Vila Nova de Foz Côa (Monteiro-Rodri-

O sítio mesolítico de Lepenski Vir, nas margens do Danúbio, foi escavado por Dragoslav Srejović, em 1972. Na imagem: reconstrução do telhado das cabanas de Lepenski Vir I. Note a posição dos três postes à frente, e o par de postes aos lados.

Um micrólito de silex (26 mm), do período mesolítico (c.8.500 – 4.000 a.n.E.). Foi queimado. Foi achado durante as excavações feitas próximo do County Hospital, Dorchester, Dorset. www.wessexarch.co.uk/projects/dorset/dorchester_hospital

gues, 2000), no Forno da Cal, Figuei-ra da Foz (Zilhão, 2000), na Buraca Grande, Pombal (Aubry et al., 1997), no Abrigo de Bocas I, Rio Maior (Bi-cho, 1999), no sítio da Barca do Xarez, Reguengos de Monsaraz (Almeida et al., 1999), na gruta de El Conejar, em Cáceres (Cerrillo Cuenca et al., 2002, p.108), com uma data de 8220 ± 40 BP, no concheiro de Montes de Baixo (Sil-

va e Soares, 1997), ou no Concheiro do Castelejo (Silva e Soares, 1997), foram tornando mais amplas as redes de povo-amento criadas pelos últimos caçado-res-recolectores. Estes sítios mostram que os modelos de implantação não se restringiram aos ambientes estuarinos e costeiros.

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É quase impossível ver evidência arqueológica do período mesolí-tico no campo. Que fazer, então?

Visitar um museu! O Museu Geológi­co de Lisboa guarda um acervo de mais de 100.000 peças — cobrindo pratica-mente todas as etapas entre o Paleolíti-co e o período Lusitano-Romano.

Do conjunto destaca-se um dos melhores espólios do Mesolítico euro-peu, e uma vasta representação de objectos fúnebres de diversas grutas e de monumentos megalíticos.

Sobre o espólio dos concheiros de Muge, descobertos por Carlos Ribeiro em 1863, F. Pereira da Costa redigiu a primeira monografia arqueológica publicada em Portugal: Da existência do homem em epochas remotas no valle do Tejo (C.S.G., Lisboa, 1865).

Dos restos faunísticos expostos, será de destacar os restos de cão (canis fami-liaris) do Cabeço do Pez (4 ossos) e Amoreiras (esqueleto completo), que

O Mesolítico no Museu Geológico

O Museu Geológico foi constituído quando da criação da Comissão Geológica, em 1857, a partir dos exemplares que iam sendo colhidos pelos pioneiros da Geologia portuguesa: Carlos Ribeiro, Nery Delgado, Pereira da Costa, Paul Choffat, entre outros. Aquela Comissão ficou instalada no 2º piso do do Convento de Jesus.

Museu GeológicoRua Academia das Ciências, Nº. 19 – 2º. / 1249-280 Lisboa (à Rua do Século)Tel: 21 346 39 15 / Fax: 21 342 46 09 / email: [email protected] Aberto de Terça a Sábado, das 10:00 às 17h 00. Encerra Domingos, Segundas e feriados oficiais. www.lneg.pt/MuseuGeologico/

têm sido interpretados como podendo ser os mais remotos vestígios de domes-ticação animal em contexto português (Mesolítico tardio).

Podem ser estabelecidos paralelos com contextos mesolíticos do Norte da Europa, como Skateholm I, onde foram identificados esqueletos de sete cães inumados juntamente como os seus «donos».

Sublinhe-se que, durante muitos anos, a colecção de Arqueologia pré--histórica do Museu Geológico foi a única disponível aos investigadores desta área e, que continua a ser, no con-junto do país, uma das poucas colec-ções gerais de Pré-História, abrangente e acessível aos diversos públicos.

Esta colecção tem sido objecto de tra-balhos de intervenção curativa e de res-tauro de muitas das peças mais signifi-cativas. Foi recentemente objecto de requalificação, com subsídio do Insti-tuto Português de Museus.

Katina Lillios (página 149) fez uma parte das suas pesquisas sobre placas de xisto no Museu Geológico. Nesta foto, mostra uma das peças que analisou. Foto do autor.

No Brasil, encontramos samba­quis (=concheiros) distribuídos ao longo de costa marítima.

Sambaqui é uma palavra de origem tu-pi-guarani (tamba = concha e qui = de-pósito). Estes moículos chamaram a atenção dos europeus logo no início da colonização. A primeira publicação data do século xix; Albert Löfgren (1864 – 1918) publicou em 1893 Os Sam­baquis de São Paulo.

A diferença de hábitos culturais e alimentares, levou à conclusão de que eram obra de uma socie-

dade indígena diferente daquela dos Tupi-Guaranis, que então povoavam toda a região costeira do país. Os estu-dos recentes sugerem que os sambaquis foram produzidos por comunidades que viveram na costa há 3.000 ou 2.000 anos.

Foram alvos de estudos por parte da Universidade de São Paulo e atraíram a atenção de Paul Rivet, o director do Museu do Homem de Paris, e pai da Antropologia americana. No litoral Sul foram estudados pelo arqueólogo João Alfredo Rohr.

Os sítios mais importantes estão no litoral Sul do estado de Santa Catarina.

As cidades de Laguna e Jaguaruna abri-gam 42 sambaquis dos mais diversos tamanhos e alturas, destacando-se entre eles o Garopaba do Sul e o Jabo­tica beira, (em Jaguaruna); e os Figuei­rinha I e II, na praia de Nova Camboriú (em Jaguaruna). Segundo a análise de camadas intermediárias, feita em 2010, o Figueirinha I, por volta de 2.510 a.n.E, já teria 2/3 de seu tamanho actual.

O s sambaquis predominam em regiões costeiras de recorte acen-tuado – baías, enseadas, ilhas

próximas à costa ou estuários, como o litoral catarinense, a Baía da Gua na-bara, a Baía de Todos os Santos e a re-gião de São Vicente, no litoral paulista.

As comunidades que construíam os sambaquis alimentavam-se de molus-cos, peixes, frutos silvestres e caçavam pequenos animais. Análises químicas revelam que a sua dieta também incluia

peixes, o que permite concluir que, embora representassem uma cultura de pescadores-colectores, também pode-riam levar uma vida de hábitos sedentá-rios.

Era hábito comum realizar sepulta-mentos no próprio sambaqui; com o tempo era aplainado o terreno e rearru-mada a camada de cima do local.

Artefactos como raspadores de con-chas e facas de pedra encontradas nos sambaquis sugerem que os habitantes fabricavam no próprio local objectos de madeira, couro e fibra. Os batedores, suportes de pedra e a grande quanti-dade de lasquinhas indicam a fabrica-ção de objectos de pedras. Os restos de fogueiras mostram que lá preparavam alimentos e se aqueciam.

Os mortos eram enfeitados com ador-nos. É comum encontrar entre os esque-letos, dentes e vértebras de tubarões, macacos, porcos-do-mato, além de con-chas que formavam colares. Pontas de osso e lâminas de machado também foram achados junto aos sepultados. «Enterrar» pessoas envolvia cuidados como preparar a cova, muitas vezes for-rando-a com argila, areia, corantes, palha e madeira, mas estes detalhes nem sempre estão presentes.

Os moradores tinham perto as maté-rias-primas para produzir rapidamente artefactos (ossos de animais, conchas, quartzo, gnaisse e diabásio). As peque-nas esculturas esmeradamente feitas em pedra polida, chamadas zoólitos, parecem ter exigido mais trabalho.

O Museu Arqueológico de Samba­qui de Joinville foi criado em 1963, com a compra da colecção de 12.000 peças de Gui lher me Tiburtius. Procedente do litoral Norte de Santa Catarina e Sul do Paraná, esta colecção é relevante para avaliar as populações pré-coloniais cuja economia de subsistência se baseava na exploração de recursos fluviais, laguna-res e marinhos. Online: www.museu-sambaqui.sc.gov.br

Sambaqui Figueirinha II

Os sambaquis do Brasil

O Ídolo de Iguape, estatueta descoberta pelo pesquisador Ricardo Krone em Iguape, em 1906, a 1 km do Sambaqui do Morro Grande.

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ConCheirosMegalitisMo

O concheiro gigantesco no Parc National du Banc d'Arguin prova um uso contínuo, ao longo de centenas de anos. O Parque situa-se na costa oeste da Mauritânia. Hoje, é uma reserva natural que foi estabelecida para proteger os recursos naturais e a pesca, assim como sítios geológicos de importância cientifica. O parque foi integrado na Lista de Património Mundial da UNESCO em 1989.

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Carlos Ribeiro e os Concheiros mesolíticos

Foi em 1863 que Carlos Ribeiro (1813 – 1882) descobriu na mar-gem de um afluente do Tejo os

célebres Concheiros de Muge, que relacionou com descobertas seme-lhantes feitas na Dinamarca. Ribeiro, o grande impulsionador da activida-de arqueológica da Comissão Geo­lógica, fez outras descober tas impor-tantes: a das as grutas do Poço Velho (Cascais), das Antas do Monte Abraão (Belas) e de Leceia (Oeiras).

Ribeiro foi o primeiro geólogo por-tuguês a reconhecer a sucessão estra-tigráfica dos terrenos do território de Portugal. Recordemos que a escava-ção estratigráfica e sectorial é usada para detectar sistematicamente os mais pequenos resquícios materiais, e também a base do método de proce-

der ao seu exaustivo registo. Só com estes métodos se pode elaborar a pos-terior análise do material escavado, nomeadamente ao nível de uma interpretação histórica.

Iniciou os estudos de Geologia em 1840, sendo o único no país que se ocupava na época desta área de inves-tigação. Em 1844, depois de ter estu-dado na Academia Politécnica do Porto, fez alguns estudos de Geologia prática nas vizinhanças do Porto, e aí reuniu as suas primeiras colec ções.

Mais tarde, quando empregado na Companhia Farrobo e Damásio, fez à sua custa diversas viagens de estudo pelo país, reunindo colecções petro-gráficas e paleontológicas, que mais tarde serviriam de núcleo à colecção da Comissão Geológica.

No ano de 1850 estabeleceu relações com o geólogo Daniel Sharpe, que vivera uns anos em Portugal e já

publicara alguns trabalhos sobre a Geologia do país. A investigação de Carlos Ribeiro permitiu corrigir algu-mas observações de Sharpe, o que lhe vale reconhecimento inter na cio nal.

Inspirado pela obra de Charles Darwin sobre a Origem das Espécies, Carlos Ribeiro dedicou a última parte da sua vida à busca dos nossos ante-passados nas formações miocénicas e pliocénicas do Ribatejo.

Alguns dos exemplares recolhidos por C. Ribeiro estão depositados no Museu do Instituto Geológico e Mineiro, mas o espólio da Comissão Geológica recolhido até 1869 foi transferido em 1869 para o Museu Geológico e Mineralógico da Escola Politécnica de Lisboa (página 15).

Biografia completa, online em http://campus.fct.unl.pt/prmpedra/pt/ribeiro.htm

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Concheiros de MugeO sítio dos Concheiros de Muge, perto de Salvaterra de Magos, foi descoberto em 1863 e constitui o maior complexo mesolítico da Europa. Este concheiro é, como todos os outros, uma colina arti-ficial onde se estabeleciam sazonal-mente comunidades de caçadores-pes-cadores-recolectores que faziam apa-nha de moluscos. Os Concheiros de Muge são dos sítios mais conhecidos da Arqueologia. A 3 de Março de 2011, o Conselho de Ministros deliberou con-siderar os Concheiros de Muge «Patri-mónio Nacional».

Concheiros em PortugalConcheiros são sítios onde existi-rem grandes acumulações de con-chas – restos de alimentos e restos de outros animais, como ossos e res-tos esqueléticos de peixes.

Em Portugal, os concheiros são conhecidos desde o século xix; foram escavados por Pereira da Costa e Carlos Ribeiro: Concheiros do Muge. Na Lagoa de Albufeira, na Costa da Caparica e em outros sítios também existem concheiros. No Vale do Sado foram descobertos na década de 1930, portanto muito mais tarde do que os do Muge. Conhecemos Poças de São Bento, Arapouco e Cabeço Rebolador.

Concheiros na Europa e no BrasilEncontraram-se concheiros em diversas costas da Europa. Køkkenmøddinger é a expressão dinamarquesa (e internacional) para concheiros. Nestes concheiros reuniam-se as actividades do quo-tidiano e as ligadas à morte, pois eram concheiros de grandes dimensões construídos com lixo de gerações e gerações que ali habita-ram – e os mortos também eram enterrados nos concheiros. No Bra-sil, conhecemos os sambaquis, que são concheiros espalhados ao longo da costa marítima.

Lâminas de sílex, com cerca de 9.000 anos, espólio dos National Museums & Galleries of Wales. Estas lâminas eram processados para obter micrólitos, com os quais eram feitas raspadeiras e serras. Uma ocupação do Mesolítico foi detectada em Burry Holms (Península de Gower) em 1919, quando ferramentas de sílex começaram a aparecer na ilha.

Caçador-recolectorO Mesolítico viu nascer um novo tipo de caçador-recolector, o caçador com­plexo, que – na ausência da mega-fauna pleistocênica – teve de explorar um novo nicho: animais de pequeno e médio porte como o veado, o gamo as lebres. A economia de subsistência baseava-se na exploração intensiva de recursos fluviais, lagunares e mari-nhos, para complementar a caça e a recolha de frutos, sementes, etc. As comunidades mesolíticas passaram a fazer acampamentos para activida-des como o marisqueio e/ou a pesca. Os concheiros são o que resta de alguns destes acampamentos. O armazena-mento de alimentos começava nesses períodos – bem como uma sedentari-zação sazonal (em acampamentos fixos com alguns entrepostos especiali-zados, utilizados durante uma esta-ção).

Fichas: Mesolítico

MicrólitosOs micrólitos (micro = pequeno, litos = pedra) são ferramentas líticas de tamanho muito pequeno, talhadas sobretudo durante a Pré-História; têm a suficiente elaboração para não serem considerados resíduos nem acidentes de talhe. Formavam parte da ponta de dardos, venábulos e, já em períodos tardios, de setas.

Os micrólitos têm como suporte uma lâmina de sílex, e um feitio rematado por retoques abruptos ou truncaturas. Distinguem-se duas famílias de micrólitos: os laminares (mais próprios do final do Paleolítico Superior e do princípio do Epipaleo-lítico) e os geométricos (característi-cos do Mesolítico, do Neolítico e, inclusive de alguma cultura poste-rior com tradições cinegéticas).

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O s concheiros mesolíticos, locali-zados nos antigos estuários do Tejo e do Sado, caracterizam-se

pela presença de um elevado número de enterramentos humanos, fazendo parte dos maiores e mais antigos cemitérios europeus. Mas também se conhecem outros tipos de sepulturas. Por exemplo, na Bretanha.

A «Sepultura de Téviec» (imagem) contém dois esqueletos de mu-lheres entre os 25 e 35 anos, faleci-

das de morte violenta, com múltiplos traumatismos crâneanos e impactos de flechas. Os dois corpos foram deposita-dos com grande cuidado numa fossa ca-vada, em parte no sub-solo, e em parte nos depósitos de conchas que tapavam as mortas. O conjunto estava «protegi-do» pelas hastes de cervídeos. As pren-

das funerárias incluíam silex e estiletes feitos de ossos de javali, assim como joias funerárias: conchas furadas, for-mando colares, braceletes e aneis nas pernas. Alguns dos objectos de osso apresentavam traços gravados. Esta se-pultura foi reconstruída em 1938 e res-taurada em 2010. Datada para 6.740 – 5.680 a.n.E. Foi achada na Ilhota de Té-viec, na Bretanha, França. Encontra-se agora no Museu de Toulouse.

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revolução neolítiCaMegalitisMo

Revolução Neolítica

Bojudo neolítico

Vaso cerâmico decorado com engobe e incisões. 18,5 x 11,5 x 7 cm. 4.300 – 3.900 a.n.E. Proveniência: Cueva de los Murciélagos, Zuheros, Córdoba. Esta cerâmica semi-esférica está coberta com um pigmento vermelho obtido do óxido de ferro. Esta técnica decorativa já era conhecida em etapas anteriores, mas nunca havia sido datada em sítios neolíticos. A Cueva esteve ocupado entre o Paleolítico Médio e o Calcolítico; a fase mais destacada é o Neolítico médio e final. Foto: Museu de Córdoba.

Agricultores e pastores

Gordon Vere Childe, a Revolução Neolítica

Gordon Vere Childe (1892 – 1957), inventor do conceito da «Revo-lução Neolítica» e da «Revolu-

ção Urbana», foi uma personalidade inspiradora, continuando a ser uma fi-gura incon tornável da Arqueologia, personalidade dominante na primeira metade do século xx. Vere Gordon Childe nasceu em Sydney, Austrália, em 1892. Faleceu em 1957, na Austrália.

As suas obras de síntese The Dawn of European Civilisation (1925), The Most Ancient East (1928) e The Danube in Prehistory (1929) são marcos da Arqueo logia histórica; os volumes Man Makes Himself (1936) e What Happened in History (1942) levaram o seu frutífero pensamento até às gran-des audiências.

Childe não limitou o seu pensa-mento à Pré-História; publicou vários artigos de intervenção polí tica, fiel à sua tomada de posição pelo Mar-

xismo. Este arqueólogo o especializou--se na Pré-História europeia dos II. e III. milénios a.n.E.

Foi catedrático de Arqueologia pré--histórica da Universidade de Edim-burgo entre 1927 e 1946, e director do Instituto de Arqueologia da Universi-dade de Londres, de 1946 a 1956.

Começou os seus primeiros estudos numa época em que a Pré-História dei-xava de ser uma disciplina estática e fragmentada.

Childe considerava o estudo da His-tória como o de uma evolução dinâ-mica. Sem essa abordagem, seria impossível perceber as contradições e os paradoxos que integram a história do ser humano. Deste modo, Childe articulou o pensamento materialista definido por Karl Marx e Friederich Engels.Introdução à Arqueologia. V. Gordon

Childe; tradução e prefácio de Jorge

Borges de Macedo. Lisboa: Europa-América, 1961.

O homem faz­se a si próprio : o progresso da humanidade desde as suas origens até ao fim do Império Romano. Gordon Childe; trad. por V. Magalhães Godinho e J. Borges de Macedo. Lisboa: Cosmos, 1947.

Para uma recuperação do passado: a interpretação dos dados arqueológicos. V. G. Childe; tradução de M. L. Penafiel. Lisboa: Bertrand, 1976.

A Pré­História da sociedade europeia / V. Gordon Childe; trad. António Neto. 2a ed. Lisboa: Europa-América, imp. 1974.

A aurora da civilização europeia = The dawn of european civilization / V. Gordon Childe; tradução de A. Neves Pedro. Lisboa: Portugália, imp. 1969.

Teorias da história / V. Gordon Childe; tradução de Rui de Moura. Lisboa: Portugália, imp. 1964.