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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 14ª VARA FEDERAL DE CURITIBA/PR Dr. MARCOS JOSEGREI DA SILVA Autos nº 5001839-45.2018.4.04.7000 após o depoimento deste e a juntada de documentação comprobatória, constatou-se que, na realidade, tratava-se de um jornalista que tentava se infiltrar em redes de apoio ao Estado Islâmico e produzir reportagens exclusivas com tal temática”. (MPF, evento 767, p. 4, do IPL 5023557- 69.2016.4.04.7000) FELIPE DE OLIVEIRA ARAÚJO RODRIGUES, qualificado nos autos em epígrafe, vem, respeitosamente, por intermédio de seu Advogado adiante assinado, com fundamento no art. 5º, inciso XXXIV, alínea 'a', da Constituição Federal e art. 396-A, caput, CPP, apresentar sua R ESPOSTA P RELIMINAR , Pelo que submete à apreciação de Vossa Excelência os fatos e fundamentos de Direito adiante aduzidos.

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA 14ª VARA

FEDERAL DE CURITIBA/PR

Dr. MARCOS JOSEGREI DA SILVA

Autos nº 5001839-45.2018.4.04.7000

“após o depoimento deste e a juntada de documentação comprobatória, constatou-se que, na realidade, tratava-se de um jornalista que tentava se infiltrar em redes de apoio ao Estado Islâmico e produzir reportagens exclusivas com tal temática”. (MPF, evento 767, p. 4, do IPL 5023557-

69.2016.4.04.7000)

FELIPE DE OLIVEIRA ARAÚJO RODRIGUES, já

qualificado nos autos em epígrafe, vem, respeitosamente,

por intermédio de seu Advogado adiante assinado, com

fundamento no art. 5º, inciso XXXIV, alínea 'a', da

Constituição Federal e art. 396-A, caput, CPP, apresentar

sua

RESPOSTA PRELIMINAR,

Pelo que submete à apreciação de Vossa Excelência os fatos

e fundamentos de Direito adiante aduzidos.

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1. SÍNTESE INICIAL.

1.1. A presente Ação Penal, que teve origem a

partir do Inquérito Policial nº 5023557-69.2016.4.04.7000,

diz respeito à suposta prática do crime capitulado no

artigo 3º, da Lei nº 13.260/2016.

Consta da denúncia que entre os dias 22/7/16

até 10/8/16 o peticionário teria, em tese, promovido a

organização terrorista Estado Islâmico por meio de

publicações de comentários em comunidades virtuais de

promoção e incentivo às ações e à filosofia do Estado

Islâmico. Seu codinome utilizado nos grupos era ABDU KANI.

De se ressaltar que paradoxalmente a Procuradoria reconhece

que o ora acusado agiu com o intuito de dar um furo

jornalístico (o que de fato ocorreu, através de matéria

veiculada no Fantástico, pela Rede Globo).

O Ministério Público alega que FELIPE teria

ultrapassado o limite tolerável ao permanecer nas

comunidades virtuais mesmo após o referido programa,

mantendo diálogo com diversas pessoas até, pelo menos, dia

10/8/16 (ou seja, poucos dias).

1.2. A denúncia foi recebida em 16/2/18, tendo o

réu sido regularmente citado, pelo que se apresenta

Resposta à Acusação.

2. ATIPICIDADE DA CONDUTA – AUSÊNCIA DE DOLO DE PROMOVER O TERRORISMO.

2.1. O peticionário é acusado de manter, em tese,

conversas e trocar materiais de cunho radical com usuários

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seguidores do Estado Islâmico, promovendo, assim, a

organização criminosa.

O que se passará a demonstrar é que a

conduta de FELIPE sequer constitui crime, uma vez que seu

objetivo era – somente – coletar informações diretas da

fonte, para fins jornalísticos.

O elemento volitivo que motivou o

peticionário, ora tratado como um agente criminoso, jamais

foi o de incentivar ou impulsionar a atividade terrorista!

Pelo contrário, foi de revelar como esses grupos angariam

seguidores, se organizam e atuam. Em outras palavras, FELIPE

jamais voltou suas ações para a finalidade de contribuir

com o terrorismo.

2.2. A peça acusatória narra que o jornalista da

TV GLOBO teria se infiltrado nas comunidades virtuais que

apoiam o Estado Islâmico, com o fim de coletar informações

para embasar matéria jornalística sobre a atuação de grupos

simpatizantes no Brasil.

A reportagem1, exibida no programa

“Fantástico” em 24/7/16, diz respeito à Operação Hashtag2,

que havia sido recentemente deflagrada.

O contato direto com os integrantes

suspeitos deu-se, inicialmente, no dia 22/7/16,

oportunidade em que o peticionário solicitou o contato de

whatsapp e telegram dos extremistas, de forma a manter

contato por via mais segura. Confira-se:

1 Podendo ser acessada através do link

http://g1.globo.com/fantastico/edicoes/2016/07/24.html 2 Deflagrada em 21/7/16, para investigar possível participação de

brasileiros em organização criminosa de alcance internacional.

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2.3. Importante destacar que, antes mesmo da

deflagração da Operação, o peticionário – disfarçado de

ABDU KANI - já integrava comunidades extremistas, visando

unir cada vez mais informações para produzir reportagens

jornalísticas e, assim, denunciar o grupo (o que de fato

ocorreu!).

2.4. Em março de 2016, ele e a jornalista LUCIANA

COELHO da FOLHA DE SÃO PAULO, trocaram e-mails sobre outras

matérias, no sentido de possíveis ataques terroristas e

ações dos grupos extremistas, que foram veiculadas no dia

13/3/163.

O teor das mensagens não deixa dúvida.

Confira-se:

3 E-mail em anexo.

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No corpo da matéria, FELIPE esclarece sobre a

maneira como os seguidores do Estado Islâmico buscavam

angariar recrutas, com objetivo de ampliar a facção em

diversos países4.

Ainda, na matéria publicada conjuntamente, o

acusado conta que alguns recrutas cometem atos terroristas

sem mesmo conhecer seu líder5. Confira-se:

4 Podendo ser acessada através do link

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/03/1749380-folha-segue-

supostos-aliciadores-do-estado-islamico-em-paises-da-europa.shtml 5 Podendo ser acessada através do link

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/03/1749379-internet-profunda-

se-torna-front-de-organizacoes-terroristas.shtml

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Ele explica que havia registros de

brasileiros dispostos a realizarem ataques, bem como revela

que a reportagem da FOLHA teria criado perfis falsos para

manter contato com os extremistas. Confira-se:

Ou seja, antes mesmo de ser deflagrada a

Operação, eles já haviam publicado reportagens com base em

informações coletadas a partir da infiltração de FELIPE nos

grupos de seguidores do Estado Islâmico.

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2.5. Adiante, em 27/7/16, três dias após a

exibição da matéria no programa “Fantástico”, o

peticionário informou à diretora da rede GLOBO NEWS que

continuou mantendo contato com os grupos, a fim de ganhar

mais confiança e conseguir maiores detalhes sobre atos que

estavam sendo planejados, bem como a forma de conseguirem

munições.

Ocorre que a emissora não possuía mais

interesse em seguir adiante com o projeto, de modo que

FELIPE seguiu sua coleta de informações agora com a intenção

de veicular com a FOLHA DE SÃO PAULO.

2.6. Destaca-se que, antes mesmo da matéria ir ao

ar, todo o material coletado junto aos usuários extremistas

foi repassado aos agentes da Polícia Federal.

2.7. Em 12/8/16, o peticionário entrou em contato

com a emissora TV GLOBO e explicou que havia prestado

esclarecimentos à Polícia Federal sobre sua participação

infiltrada nos grupos.

Nessa oportunidade, ele informou que foi

solicitado encaminhamento de ofício ou declaração da GLOBO

NEWS à Polícia Federal, a fim de comprovar que sua

infiltração se deu por motivos jornalísticos, com o

objetivo de denunciar o grupo terrorista6. Confira-se:

6 E-mail em anexo.

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2.8. Importante destacar que o peticionário

contribuiu espontaneamente com as investigações,

apresentando-se na Superintendência da Polícia Federal do

Rio de Janeiro no dia 11/8/16, inclusive entregando seu

celular para coleta de dados obtidos junto aos grupos.

Após os esclarecimentos prestados, FELIPE

manteve contato com o Delegado DENNIS CALI via e-mail, por

onde mantinha este informado sobre seu contato com SARA

MARTINS RIBEIRO e outros seguidores do Estado Islâmico.

Ora, toda essa sequência de informações,

contato com meios de comunicação e prestação de informações

à Autoridade Policial servem para comprovar apenas uma

coisa: o dolo, a finalidade da ação do peticionário ao

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manter contato com as pessoas e organizações citadas na

exordial era puramente jornalístico, jamais de promover,

integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta

pessoa, à organização terrorista.

É impensável sustentar que o indivíduo que

tem como motivação a prática do terrorismo ou o incentivo a

práticas terroristas comunique tal fato à diversas pessoas

(meios de imprensa) como ocorreu na espécie! A denúncia

criminal, esta sim configura um atentado à imprensa. Poucas

vezes se viu situação tão clara de arbitrariedade com a

imprensa.

2.9. Repisa-se: se o objetivo do peticionário

fosse realmente promover organização terrorista, certamente

não manteria diálogo com autoridades responsáveis por

investigá-lo. Quanto menos para ajudá-la apontando nomes e

usuários com real envolvimento com as atividades, inclusive

repassando gravações das ligações na íntegra.

Seu verdadeiro objetivo consistia em

noticiar os fatos e contribuir nas investigações a partir

de informações obtidas com sua infiltração junto aos grupos

extremistas.

2.10. Ocorre que, após a matéria ter sido

veiculada, entendeu o Ministério Público Federal que o

peticionário promoveu organização terrorista ao permanecer

nos grupos entre as datas de 22/7/16 até 10/8/16.

2.11. Veja Excelência, a denúncia narra o episódio

e fundamenta que, “ainda que se fale que o denunciado tenha agido no

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intuito de fomentar matéria jornalística, é de se registrar que Felipe

ultrapassou o limite tolerável e promoveu a organização terrorista Estado

Islâmico”7.

Questiona-se: qual seria o limite tolerável

para não restar caracterizado o crime disposto no art.3º da

Lei 13.260/16?

A verdade é que não há um limite

estabelecido para tanto. Ainda, caso argumente-se que este

período foi suficiente para que o peticionário promovesse

organização terrorista, é fato (é claro como sol

mediterrâneo, como já dizia NELSON HUNGRIA) que seu objetivo

era outro.

O Dicionário AURÉLIO ensina que promover

significa “dar impulso a; trabalhar a favor de; favorecer o progresso de;

fazer avançar; fomentar”8. É preciso ficar bem claro que FELIPE

jamais buscou promover a organização. Seu único objetivo

foi investigá-la e denunciá-la por meio de suas matérias

jornalísticas.

Como se falar em extrapolação de limite?

Existe um prazo razoável para investigação ou infiltração?

O tipo penal tem condutas muito bem delimitadas pelos

verbos “promover, constituir, integrar ou prestar auxílio”. FELIPE promoveu

a informação e prestou auxílio às investigações. Não pode

ser processado criminalmente por isso; os elementos que

demonstram a ausência do fim de agir em sua conduta saltam

aos olhos.

7 Conforme fls. 32 da denúncia. 8 FERREIRA, AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA. Novo dicionário Aurélio da

língua portuguesa. Editora Positivo. 2009 - p. 1641

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2.12. É tão evidente a vontade do peticionário em

apenas coletar informações para a matéria sobre a Operação

Hashtag que nem o próprio MPF consegue dissociar tal fato

de sua narrativa.

Nos autos do Inquérito Policial nº 5023557-

69.2016.4.04.7000, que deu origem à presente ação penal, o

PARQUET alega que “após o depoimento deste e a juntada de documentação

comprobatória, constatou-se que, na realidade, tratava-se de um jornalista que

tentava se infiltrar em redes de apoio ao Estado Islâmico e produzir reportagens

exclusivas com tal temática”9.

Essa situação teria se alterado somente

porque o jornalista extrapolou um “limite razoável” que

existe apenas na imaginação do acusador? A denúncia, com

todo respeito, é absurda e a absolvição sumária é

imperiosa.

2.13. Importante esclarecer que o meio em que o

peticionário buscou coletar informações para a reportagem

envolvia pessoas que, realmente, pretendiam disseminar o

terrorismo (e tanto que Vossa Excelência já os condenou).

Tratavam-se de comunidades extremamente

perigosas, meio pelo qual os seguidores buscavam fazer a

justiça de Alah10. Caso o peticionário não agisse

disfarçadamente e utilizasse o mesmo linguajar deles,

certamente seria descoberto.

Ora, para ter livre trânsito dentro do grupo

era necessário agir, falar e se portar como eles. Caso

contrário seria, quando menos, excluídos dos círculos de

9 Conforme pg. 4 do evento 767, referente aos autos de Inquérito

Policial n° 5023557-69.2016.4.04.7000. 10 Palavra utilizada no árabe para designar Deus.

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discussão aos quais conseguiu acesso. Isso jamais pode ser

criminalizado; é o mesmo que se denunciar um policial

infiltrado no comércio ilícito de drogas por tráfico de

entorpecentes!

2.14. A título de curiosidade, fato semelhante foi

veiculado no programa “Fantástico”, onde uma jornalista

francesa também se infiltrou em grupos simpatizantes do

Estado Islâmico para descobrir como eles programavam seus

ataques11. Nesta oportunidade, ela é intitulada como

corajosa por manter contato com pessoas extremistas.

2.15. Mais uma vez é necessário relembrar as

palavras da Procuradoria que reconheceu que “a forma de

atuação deste investigado deu-se de maneira diversa dos demais, notadamente

acerca da sua motivação da prática supostamente delitiva. As fundamentações

existentes para as condutas do investigado também são completamente

diversas, não havendo motivo para que sejam tratadas juntamente nos mesmos

autos”12.

Ou seja, até para os olhos do acusador a

conduta do peticionário precisava ser separada dos demais,

isso porque – mesmo que tente o MPF afirmar o contrário -

não se amolda ao terrorismo ou à promoção dessa prática.

2.16. FELIPE buscou dentro dos limites do exercício

do jornalismo trazer à superfície informações trancadas a

11 Podendo ser acessada através do link

http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/01/jornalista-francesa-se-

alista-disfarcada-no-estado-islamico.html 12 Conforme pg. 40 do evento 767, referente aos autos de Inquérito

Policial n° 5023557-69.2016.4.04.7000.

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sete chaves sobre como os grupos terroristas atuam. Para

isso, por óbvio, precisou mergulhar no mundo dessas

organizações. Não pode, no entanto, ser processado

criminalmente por isso! Correndo o risco de ser condenado à

pena (mínima) de 5 anos de reclusão! É obvio que jamais

teve dolo voltado à prática terrorista!!! O caso é surreal.

Em momento algum houve a intenção de

promover organização terrorista, mas sim descobrir a

motivação dos simpatizantes do Estado Islâmico e desvendar

seus esquemas, planos e estratégias.

2.17. Buscando fundamentar as acusações a

Procuradoria menciona alguns diálogos do peticionário com

seguidores da ISIS13 ao longo da denúncia. Na sequência

cada um deles será analisado.

De plano, antes de adentrarmos no mérito de

cada um deles, é necessário lembrar que o ora acusado

buscava infiltrar-se em grupos extremistas, logo precisava

portar-se como um deles.

(A) DIÁLOGO COM CHRYSTIAN FABIANO GIMENES

2.18. O primeiro desses diálogos é uma conversa

entre o peticionário (condinome ABDU KANI) e a pessoa de

CHRYSTIAN FABIANO GIMENES (codinome JIH 1). Confira-se o

conteúdo:

13 Abreviação de Islamic State of Iraq and Syria.

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Ora, vê-se no diálogo justamente um agente

buscando infiltrar-se no meio extremista. Para atingir seu

objetivo – que se ressalta, tinha cunho exclusivamente

jornalístico – o peticionário finge estar interessado em

encontrar mais recrutas de confiança, e até mesmo saber

quantos envolvidos haviam no grupo.

2.19. Pedindo licença para utilização do jargão

popular, “dá corda” ao assunto para ver o quão fundo

consegue chegar e por isso consegue receber, no dia

24/7/16, um link para acesso a um grupo que discute o

tema!!! Confira-se:

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Se agisse de maneira contrária,

posicionando-se contra o Estado Islâmico, certamente seria,

nesse momento, ignorado por “JIH1”, e jamais receberia

informações sobre os grupos.

(B) DIÁLOGO COM SARA MARTIN RIBEIRO

2.20. Outra pessoa simpatizante do Estado Islâmico

com quem Felipe manteve contato no período trata-se de SARA

MARTIN RIBEIRO, também ré de processo oriundo da Operação

Hashtag, especificamente na ação penal n° 5026758-

35.2017.4.04.7000.

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Ora, assim como com CHRYSTIAN, o conteúdo dos

diálogos em nada foge da normalidade de um repórter

buscando infiltrar-se. Durante conversas via whatsapp,

FELIPE pergunta se ela mantém contato com os outros

extremistas, bem como se ela gostaria de ajudar. Busca

acesso a grupos com o fito de documentar e reportar o que

era feito por eles. Mas se destaque o fato de que o

peticionário sempre usou de retórica e de ambiguidade nas

suas falas.

2.21. Em determinado momento justifica estar

“decepcionado com as coisas”, acreditando que “as pessoas não têm mais

jeito” e, por isso, deveriam ser punidas. É evidente que

busca jogar engodo para colher frutos disso! Para isso,

busca utilizar os próprios termos e frases usadas por

outros terroristas, mantendo um discurso padrão.

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Ora, se analisarmos os discursos dos

simpatizantes com o Estado Islâmico, a grande maioria –

senão todos – acreditam que os “infiéis” merecem ser

punidos. Se seu discurso divergisse disso, ele não

conseguiria infiltrar-se e acessar grupos com discussão

mais apurada, tal qual conseguiu no dia 5/8/16.

2.22. O peticionário se utilizou dessa retórica

para induzir SARA a acreditar que ele também buscava o

mesmo objetivo do grupo. Apropriando-se mais uma vez do

exemplo do agente infiltrado no mundo das drogas, para o

sucesso de sua missão como ele deve se portar: tal qual um

traficante? Ou tal qual um cidadão de bem?

2.23. Ainda, no dia 2/8/16, o peticionário

pergunta para SARA se o líder dela agiria no Rio de

Janeiro. A resposta é positiva, confira-se:

Ou seja, graças ao seu livre trânsito de

informações conseguiu que lhe fosse confidenciado uma

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suposta ação terrorista em planejamento. Conquistou de fato

a confiança dos supostos terroristas.

2.24. Repisa-se: o engodo utilizado por Felipe

para infiltrar-se, que se valia dos mesmos pensamentos que

os extremistas para fazê-los acreditar que se tratava de um

verdadeiro seguidor do Estado Islâmico, não pode ser

distorcido com a finalidade de puni-lo criminalmente.

(C) DIÁLOGO COM O GRUPO ESTADO ISLÂMICO (WHATSAPP)

2.25. A partir de conversas com diversas pessoas

que, ao menos em tese, participavam de movimentos

extremistas, FELIPE conseguiu acesso a grupos que discutiam

o assunto. Aqui as palavras do MPF são explicativas por si

só e vem na mesma linha da defesa, narra o acusador que

“como o grupo é composto por extremistas, Felipe no intuito de ganhar

confiança destes, perguntou se poderia ser útil em algo”14.

Ora, como dito anteriormente, o peticionário

estava envolvido com pessoas que supostamente possuíam

intenção de disseminar o terrorismo. Se não conseguisse a

confiança do grupo, seria certamente desmascarado e, na

melhor das hipóteses, apenas excluído dos círculos de

discussão.

Portanto, ainda que FELIPE tenha trocado

informações de cunho radical com o grupo, seu único

objetivo continuava sendo obter informações para

fundamentar a matéria sobre a Operação.

14 Conforme fl. 18 da denúncia.

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2.26. Observa-se que ele, em certa parte da

conversa, insiste em “provocar” o grupo a respeito de ações

no Rio. Veja Excelência, a Operação Hashtag investigou

possíveis ações terroristas que poderiam ocorrer durante a

realização das Olímpiadas de 2016, que teve como sede a

cidade do Rio de Janeiro.

Na matéria exibida no programa “Fantástico”,

já haviam ameaças de ações a serem executados no Rio. O

objetivo do peticionário era justamente confirmá-las, para

então repassar às autoridades, como de fato ocorreu.

Ou seja, seu interesse em mencionar diversas

vezes o Rio, tinha como único objetivo descobrir se algo

estava sendo planejado para atacar o Evento! A vontade era

dirigida à obtenção da informação, jamais na promoção dos

atos como afirma o MPF na exordial.

2.27. Episódio curioso ocorreu no momento em que a

usuária SAID15 questiona se os demais integrantes do grupo

iriam na manifestação marcada para o dia 31/7/16.

O fato é que, caso o peticionário tivesse

realmente a intenção de promover organização criminosa,

certamente saberia do evento. Porém demonstrou estar

totalmente desinformado acerca desse ato e passou

imediatamente a buscar se inteirar do que era tratado no

grupo. Confira-se:

15 Trata-se de CRISTELENE LÚCIA DE SOUZA, salva no celular do

peticionário com o codinome SAID.

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2.28. O Ministério Público Federal narra que “no

dia 03/08/16, Felipe também externou a vontade de realizar o batismo no

Estado Islâmico”16, dando a entender que isso seria um

indicativo de que era ele um terrorista de fato, ou uma

pessoa verdadeiramente envolvida com a prática criminosa.

Confira-se:

16 Conforme fl. 21 da denúncia.

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Primeiro, não é FELIPE quem procura o

batismo, mas sim isso lhe é sugerido por Said. Segundo,

mesmo que fosse dele a iniciativa, isso certamente iria de

encontro com o intuito de obter acesso ainda maior às

informações privilegiadas com fins jornalísticos.

(D)DIÁLOGO COM O USUÁRIO FABRÍCIO DE BRITO GARCIA

2.29. No dia 2/8/16, enquanto o peticionário ainda

participava dos grupos virtuais, conversou com o usuário

FABRÍCIO, perguntando se realmente queriam trazer a justiça

de ALAH, bem como se poderiam planejar algo. Confira-se:

Mais uma vez, FELIPE apenas queria ganhar

confiança e aparentar ter interesse em planejar algo. Como

dito anteriormente, ele precisava se valer dos mesmos

pensamentos que os extremistas e, inclusive, nesta

oportunidade mencionou nome de um suposto líder jihadista

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para tentar validar sua versão de que pertencia ao grupo.

Nada diferente disso nesse diálogo.

(E) Diálogo com CRISTELENE LÚCIA DE SOUZA

2.30. Também são mencionados os diálogos com

CRISTELENE LÚCIA DE SOUZA, cujo contato foi salvo no celular do

peticionário com o codinome SAID; ela o questiona sobre o

motivo de querer entrar para o Estado Islâmico. Confira-se:

Nota-se que CRISTELENE também “provoca” FELIPE

a responder algo que seja comum entre os extremistas.

2.31. Ainda, ela menciona tentar conseguir um

presente para ele, dando a entender que seria a ida para o

Estado Islâmico. Vejamos:

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Em contrapartida, o peticionário – surpreso

– pede que ela vá com calma, justificando que ela não

precisava se expor.

Evidente que, caso ele não demonstrasse

estar contente em ir para Isis, soaria muito estranho para

um suposto seguidor. Confira-se:

(F)DIÁLOGO COM O PORTADOR DO NÚMERO 5517988069852

2.32. Por fim, o Ministério Público Federal aponta

o diálogo entre o peticionário e o usuário salvo em seu

celular como JIH5.

Em 5/8/16 eles conversam sobre os Jogos

Olímpicos do Rio de Janeiro, fazendo uma espécie de alusão

a possíveis ataques. Vejamos:

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FELIPE demonstra não poder passar muitos

detalhes sobre sua função, respondendo com cautela a

pergunta de JIH5 sobre os jogos que estavam para acontecer.

Há de se lembrar que o peticionário, na qualidade de

repórter infiltrado, tinha que tomar condutas a fim de

evitar ser descoberto, logo tinha de se comportar tal qual

se terrorista fosse.

2.33. Ainda, o Parquet junta imagens, de cunho

terrorista, em que o peticionário teria compartilhado com o

JIH5.

Conforme exaustivamente demonstrado, o ora

acusado precisava seguir os mesmos pensamentos dos

extremistas para ganhar confiança, e assim coletar o maior

número de informações possíveis.

Ao compartilhar imagens que ilustram a

bandeira dos grupos do Estado Islâmico, ele não possuía

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vontade de promover o terrorismo, mas sim se fazer parecer

um deles e atingir seu objetivo.

2.34. Sendo assim, diante de todo o exposto, é

mais do que evidente que a intenção do peticionário, desde

o início, foi coletar informações sobre a atuação do grupo

terrorista no Brasil, descobrir seus esquemas e saber de

possíveis futuros ataques, com o único objetivo de reunir

todos esses dados para fundamentar suas matérias

jornalísticas e denunciar o grupo. E tanto é verdade, que o

resultado de suas investigações foi apresentada à Rede

Globo, que por sua vez entregou antes do Fantástico à

Polícia Federal. Por decisão da própria emissora, não foi

divulgado o nome de Felipe, a fim de evitar expor sua

identidade.

Não há o que se falar em salvo-conduto para

prática de delitos, uma vez que não houve - em nenhum

momento - a prática da promoção de organização terrorista

por parte de FELIPE.

Inclusive o próprio peticionário ajudou nas

investigações da Polícia Federal, comunicando possíveis

atos que os extremistas pretendiam realizar.

2.35. Não se pode esquecer – pois aqui o MPF

aparenta ter memória curta, data venia – que todos os

passos do peticionário foram reportados aos meios de

comunicação ou à Autoridade Policial. Quando FELIPE percebeu

que havia material de cunho mais sensível, imediatamente

procurou entregá-lo à Polícia Federal.

Ou seja, funcionou sempre como um agente

infiltrado que trazia informações privilegiadas para fora

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do círculo de extremistas, para isso teve de se passar por

terrorista.

2.36. Apropriado o magistério de MIGUEL REALE JUNIOR,

em sua obra Instituições de direito penal, ensina que “a

intenção, considerada elemento da culpabilidade pela teoria

tradicional é, na verdade, parte integrante da ação típica

e, logo, da descrição típica. Na descrição típica de uma

ação revela-se uma intenção, dado próprio e inafastável da

ação concreta, como já referi acima. Ora, o nexo

psicológico entre o agente e sua ação não é dado a ser

verificado, isoladamente, a posteriori, quando se perguntar

da culpabilidade, pois é elemento intrínseco à própria

ação”17.

3. PEDIDOS.

3.1. Diante do exposto, resta mais do que

evidente da prova colhida no Inquérito Policial que as

ações de FELIPE foram tomadas sem dolo de promover ou

contribuir para o terrorismo.

Sua vontade era justamente oposta a isso,

portanto é atípica conduta, devendo ser o peticionário

absolvido sumariamente.

3.2. Outrossim, na inesperada hipótese desse

Juízo entender que o caso demanda a necessidade de

instrução, o que se admite apenas para fins argumentativos

17 REALE JÚNIOR, MIGUEL. Instituições de direito penal. Rio de

Janeiro. Editora Forense. 2002 - p. 140. Destaques nossos.

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e para evitar preclusão, requer a produção da prova oral,

consistente na inquirição das testemunhas abaixo indicadas:

1. LUCIANA COELHO, editora da Folha de São Paulo;

2. EUGÊNIA MOREYRA, diretora executiva da Globo News, na

época;

3. CARLOS JARDIM, chefe de redação da Globo News;

4. EDUARDO FAUSTINI, repórter da Tv Globo;

5. DENI NAVARRO, editor da Globo News;

6. MARCO AURÉLIO CANÔNICO, diretor da Sucursal da Folha de

São Paulo do Rio na época;

7. DONNY DE NUCCIO, apresentador da Globo News na época;

8. RODRIGO PIMENTEL, comentarista da Tv Globo e ex-

comandante do Bope;

9. DENNIS CALI, delegado de polícia federal.

Ressalte-se que os endereços das testemunhas (com

exceção do Delegado de Polícia Federal, que deverá ser

requisitado), serão oportunamente indicados, a fim de ser

expedida precatória para suas inquirições.

Pede deferimento.

Curitiba, 18 de abril de 2018.

BENO BRANDÃO

OAB-PR 20.920

GABRIELA CAMPOS

OAB-PR 91.647