Literatura Musical Violino

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Juarez Bergmann Filho

A anlise e a criao de literatura musical como ferramentas da metodologia contempornea do ensino do violino em sua fase inicial de aprendizado.

Dissertao apresentada como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre no Curso de PsGraduao em Msica, do Departamento de Artes, do Setor de Cincias Humanas Letras e Artes, da Universidade Federal do Paran. Orientador: Prof. Dr. Maurcio Dottori

Curitiba 2010

2

RESUMO

O presente trabalho discute questes sobre cultura, prtica e a didtica de diferentes abordagens da tcnica violinstica a partir dos exerccios mais bsicos da iniciao ao instrumento. Para tanto, sugerese uma anlise sob algumas perspectivas. Primeiramente abordaremos questes histricas do violino, como suas origens, escolas de construo e evoluo da tcnica do instrumento. Depois mostraremos um modelo terico de anlise pedaggica de um aluno, sob o ponto de vista de vrios elementos da tcnica do instrumento, como na didtica do professor Paulo Bossio que se baseia em conceitos de Carl Flesch e Max Rostal. O intuito desta anlise proporcionar recursos eficientes de deteco e isolamento de possveis problemas que um aluno possa apresentar. Em seguida proporemos uma anlise comparativa de alguns mtodos de iniciao ao violino conhecidos, tanto os voltados para o ensino individual quanto para o ensino coletivo. Esta anlise procurar demonstrar que existe uma linha guia que permeia todos os mtodos selecionados, que baseada em conceitos tcnicos de execuo do violino, os quais norteiam e embasam a criao dos referidos mtodos e servem como pilares do desenvolvimento da tcnica violinstica. Por ltimo, partindo dos resultados da anlise acima citada e da deteco da linha guia, pretendemos criar diretrizes que serviro de parmetros para a composio de qualquer exerccio complementar do instrumento. Este trabalho voltado para professores do violino, assim como para qualquer executante ou compositor que queiram entender o processo inicial de

3aprendizagem de um instrumento, assim como a criao de uma metodologia, na tica da tcnica especfica do violino. Os resultados aqui apresentados abrangem uma pequena parte do aprendizado do violino e podem servir de ponto de partida para futuras anlises.

4

ABSTRACT

The following work discusses matters about the culture, practice and the teaching of different approaches in the violin technique since the most basic exercises in the early stage of violin learning. For such, here is suggested a study under a few perspectives. First of all, well approach historical questions about the violin, like its origins, the early construction schools and the evolution of its technique. Then, well show a model of a pedagogical analysis of a pupil, under the optics of several technical elements of the instrument, as applied in the teachings of the Brazilian violinist Paulo Bossio, which are based on the works and concepts of Carl Flesch and Max Rostal. The idea is to provide efficient resources of detection, isolation and correction of a problem that a pupil eventually could present. Following, well propose a comparative analysis of a few known violin methods. These study will try to show that a guide line permeates all of the violin methods. The guide line is based in common technical concepts, which are the pillars of the construction of the violin technique as well as the creation of the entire methods as such. At last, using the results of that analysis and the detection of the guide line, we intend to create technical rules that will serve as parameters for complementary musical compositions for the instrument. This work is aimed for the violin teacher, as well as any violin performer or composer who wishes to understand the early process of violin learning and teaching, and to understand how to create a methodological approach under the specific optics of the violin technique.

5The results here presented, are but a small part of the violin learning process, and may serve as a starting point for further works.

6 CONTEDO

INTRODUO ........................................................................................................ 11 CAPTULO I ............................................................................................................. 18 1.1. 1.2. 1.3. 1.3.1. 1.4. Os Ancestrais do Violino........................................................................... 19 Os antigos violinos..................................................................................... 28 As Escolas de Construo do Sculo XVI e XVII..................................... 32 As trs principais escolas de Luteria..................................................... 40 Diferentes tipos de arcos ........................................................................... 43

CAPTULO II............................................................................................................ 50 2.1. A Linha Flesch Rostal Bossio ................................................................. 51 2.1.1. Carl Flesch ............................................................................................... 51 2.1.2. Max Rostal............................................................................................... 53 2.1.3. Paulo Bossio ........................................................................................... 54 2.2. A Construo da Tcnica Violinstica Segundo Carl Flesch................... 55 Tcnica Geral ....................................................................................... 56 Tcnica Aplicada................................................................................. 56 Concepo Artstica ............................................................................ 57 Mecnica .............................................................................................. 58 Escalas.................................................................................................. 58 Estudos................................................................................................. 59 Repertrio ............................................................................................ 61

2.2.1. 2.2.2. 2.2.3. 2.2.4. 2.2.5. 2.2.6. 2.2.7. 2.3.

Anlise e Avaliao Pedaggica de um Violinista.................................. 63

72.3.1. Plano Artstico Intelectual ................................................................... 67 2.3.2. Plano Instrumental ................................................................................. 68 CAPTULO III .......................................................................................................... 81 2.4. 2.4.1. 2.4.2. 2.4.3. 2.4.4. 2.4.5. 2.5. Anlise dos Mtodos de Inicializao. ..................................................... 82 A Escolha dos Mtodos.......................................................................... 83 Shinichi Suzuki.................................................................................... 84 Nicolas Laoureux ................................................................................ 85 Christian Heinrich Hohmann ............................................................ 86 Maia Bang ............................................................................................ 87

Corda solta sem mudana de cordas........................................................ 88 S. Suzuki. ............................................................................................. 88 N. Laoureux......................................................................................... 90 C.H. Hohmann .................................................................................... 91 M. Bang. ............................................................................................... 92 Comparaes ....................................................................................... 93

2.5.1. 2.5.2. 2.5.3. 2.5.4. 2.5.5. 2.6.

Cordas soltas com mudana de cordas. ................................................... 96 S. Suzuki. ............................................................................................. 96 N. Laoureux......................................................................................... 97 C.H. Hohmann .................................................................................... 98 M. Bang ................................................................................................ 98 Comparaes ....................................................................................... 99

2.6.1. 2.6.2. 2.6.3. 2.6.4. 2.6.5. 2.7.

Colocao do Primeiro Dedo. ................................................................. 102 S. Suzuki ............................................................................................ 102

2.7.1.

82.7.2. 2.7.3. 2.7.4. 2.7.5. 2.8. N. Laoureux....................................................................................... 103 C.H. Hohmann .................................................................................. 104 M. Bang. ............................................................................................. 105 Comparaes. .................................................................................... 106

Colocao dos Demais Dedos. ................................................................ 108 S. Suzuki. ........................................................................................... 108 N. Laoureux....................................................................................... 110 C.H. Hohmann .................................................................................. 113 M. Bang .............................................................................................. 114 Comparaes ..................................................................................... 117

2.8.1. 2.8.2. 2.8.3. 2.8.4. 2.8.5.

CAPTULO IV ........................................................................................................ 119 2.9. Composies............................................................................................. 120

CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 127 REFERNCIAS....................................................................................................... 133

9 ROL DA FIGURASFigura 1 Ravanastron............................................................................................ 21 Figura 2 Rebab rabe ........................................................................................... 22 Figura 3 - Crouth...................................................................................................... 22 Figura 4 - Rabeca ...................................................................................................... 23 Figura 5 Lira da braccio de Marco Ternovec ...................................................... 26 Figura 6 Os Ancestrais do Violino ....................................................................... 27 Figura 7 La Madonna Degli Aranci 1530.......................................................... 28 Figura 8 Detalhe de Afresco ................................................................................. 28 Figura 9 Andrea Amati 1566 Carlos IX.......................................................... 30 Figura 10 Vanitas stilleven met de Doornuittrekker .......................................... 32 Figura 11 Detalhe de Amor Vincit Omnia .......................................................... 33 Figura 12 Entalhe das s ................................................................................... 37 Figura 13 Stradivari "Betts" 1704.......................................................................... 39 Figura 14 A Escola de Cremona........................................................................... 41 Figura 15 A Escola de Brescia............................................................................... 42 Figura 16 A Escola do Tirol .................................................................................. 42 Figura 17 Arcos diversos ...................................................................................... 43 Figura 18 Arcadas no estilo italiano segundo Schroeder................................... 45 Figura 19 Arcadas no estilo francs segundo Schroeder ................................... 45 Figura 20 Arcos de Violino .................................................................................. 49 Figura 21 Schradieck Exerccios 1 e 2 ............................................................... 58 Figura 22 Escalas em D Maior segundo Flesch................................................. 59 Figura 23 Escalas em D Maior segundo Galamian e Neumann...................... 59 Figura 24 Estudocapricho n4 para dois violinos ............................................. 60 Figura 25 Exemplo de repertrio Fantasia Escocesa, op.46 de Max Bruch ... 61 Figura 26 Tabela de Avaliao Pedaggica segundo Paulo Bossio ................. 65

10Figura 27 Exerccio 1 Suzuki ................................................................................ 88 Figura 28 Exerccio 1 Laoureux ............................................................................ 90 Figura 29 Exerccio 1 Hohmann........................................................................... 91 Figura 30 Exerccio 1 Maia Bang .......................................................................... 92 Figura 31 Maia Bang Guia para a utilizao .................................................... 95 Figura 32 Suzuki Mudana de corda ................................................................ 96 Figura 33 Laoureux Mudana de corda ........................................................... 97 Figura 34 Hohmann Mudana de corda........................................................... 98 Figura 35 Maia Bang Mudana de corda.......................................................... 98 Figura 36 - Maia Bang Composio Marching to School................................. 101 Figura 37 Suzuki Exerccio de colocao de dedos ....................................... 102 Figura 38 Laoureux Exerccio de colocao do primeiro dedo .................... 103 Figura 39 Hohmann Exerccio de colocao dos dedos ................................ 104 Figura 40 Maia Bang Exerccio de colocao do primeiro dedo................... 105 Figura 41 Colocao de dedos por Suzuki 123........................................... 108 Figura 42 Colocao de dedos Suzuki 321 .................................................... 109 Figura 43 Colocao de dedos Laoureux .......................................................... 110 Figura 44 Colocao de dedos Laoureux 123............................................. 111 Figura 45 Colocao de dedos Laoureux 1234 ......................................... 112 Figura 46 Colocao de dedos Hohmann ......................................................... 113 Figura 47 Colocao de dedos Bang 12 ........................................................ 114 Figura 48 Colocao de dedos Bang 12 3..................................................... 115 Figura 49 Colocao de dedos Bang 12 34................................................. 116 Figura 50 Composio em pizzicatos ................................................................ 121 Figura 51 - Composio em Cordas Soltas........................................................... 122 Figura 52 - Composio para o 1 dedo................................................................ 124 Figura 53 - Composio para digitao dos dedos 1 - 2 e 3................................ 126

11

INTRODUO

12

Toda boa orientao instrumental est baseada em profundo esprito analtico, disposio de pesquisa e senso crtico apurado. No devem existir dogmas. A tcnica estar sempre em processo de desenvolvimento, que poder ter suas fontes de diversas naturezas. Por esta razo perigoso escrever algo sobre tcnica violinstica ou violstica, pois pode em algum tempo, por mais moderno que seja, tornarse obsoleto Paulo Bossio1

1

Paulo Bossio, Apostila sobre Tcnica do Violino (Rio de Janeiro, 1981), 1.

13A presente dissertao surgiu de uma reflexo sobre a maneira como o violino ensinado em nosso pas. Vrias questes aqui levantadas so frutos da experincia do autor deste texto com o violino ao longo de mais de 25 anos, primeiramente como estudante e posteriormente como violinista profissional e professor do instrumento. Muitas vezes pode haver uma carncia de conhecimento dos aspectos essenciais da nossa formao, no somente relacionada tcnica de execuo, mas tambm a elementos de uma cultura violinstica mais ampla. Professores podem no possuir ferramentas suficientes de identificao das variadas caractersticas individuais de seus alunos, e assim ficam impossibilitados de criar e organizar uma metodologia de ensino direta e eficiente de isolamento e correo de problemas, independente do mtodo que utilizam. A questo no seria o que ensinar, mas como ensinar, e tambm como formar violinistas no sentido mais amplo da palavra. Como corrigir um problema se sequer sabemos como detectlo? Um dos maiores desafios do pedagogo do violino, por se tratar de um instrumento extremamente difcil de ser executado2, direcionar o aluno e dar sentido aos exerccios iniciais necessrios para que este comece a entender seu processo de aprendizagem, que lento e rigoroso. O problema que muitas vezes o prprio professor, talvez por inexperincia ou carncia em sua formao, pode desconhecer tais propsitos. O violinista Itzhak Perlman, em entrevista ao documentrio The Art of Violin The Devils Instrument,3 compara o tempo necessrio para que um iniciante possa produzir um som decente do violino em relao a um iniciante do piano. O violinista precisa criar as notas musicais com a correta

The Art of Violin The Devils Instrument, DVD, Dir. Bruno Monsaingeon (NVC ARTS, 2001). 3 Idem.2

14colocao dos dedos da mo esquerda sobre as cordas, j no piano cada nota musical est pronta em forma de teclas brancas e pretas. Segundo Perlman,

(...)o problema realmente a dificuldade de se tocar o violino; muito, muito difcil! Voc pode analisar a dificuldade pelo fato de: quanto tempo leva para um iniciante normal produzir um som decente do violino e quanto tempo leva para um iniciante normal produzir um som decente do piano? No h comparao...4

Essa dificuldade tambm apontada, no mesmo documentrio, pela violinista Ida Haendel5, discpula do grande pedagogo do violino Carl Flesch uma das referncias centrais do presente trabalho , que chega ao extremo de afirmar que a nica forma de algum aprender violino corretamente seria crescendo junto com o instrumento, ou seja, medida que uma criana evolui biologicamente tambm desenvolve seu toque do violino. Levandose em conta que o aprendizado inicial do violino se desenvolve de maneira muito lenta, como afirmou Perlman, a dificuldade natural apresentada pelo instrumento pode ser um elemento de diminuio da motivao do aluno, j que este pode se sentir estagnado. Assim sendo, como motivar um iniciante, possivelmente uma criana, a estudar um instrumento to difcil? De que maneira podese utilizar um processo de ensino eficiente e criar materiais de apoio que melhor se enquadrassem na realidade contempornea, e na necessidade individual de cada aluno, fundamentado em uma proposta de ensino com bases cientficas? E ainda, como complementar elementos

Idem. Ida Haendel, The Art of Violin The Devils Instrument, DVD, Dir. Bruno Monsaingeon (NVC ARTS, 2001).4 5

15especficos da tcnica de execuo violinstica, nem sempre presentes nos mtodos de ensino? Tendo como base tais indagaes, esse trabalho procura demonstrar consideraes que julgamos ser de fundamental importncia na formao de violinistas numa realidade contempornea. Esta dissertao estar baseada em trs campos distintos do conhecimento violinstico: O histrico, o terico e o prtico. O primeiro captulo trata de questes histricas relacionadas ao violino, a origem do instrumento, seus predecessores e sua formao at o modelo atual. Tambm aborda as principais escolas de construo do violino e suas relaes com o desenvolvimento e a expanso do instrumento por toda Europa nos sculos XVI e XVII. Por ltimo, apresenta um breve histrico da relao da evoluo do violino, construo e como este conjunto influenciou diretamente a maneira como a tcnica de execuo foi se desenvolvendo. importante que conheamos a histria do violino assim como sua evoluo, tanto em aspectos de sua construo quanto nas suas diversas tcnicas de execuo, para que possamos, assim, compreender melhor o instrumento com o qual nos relacionamos. No segundo captulo, discutese questes tericas de execuo do violino, de como a tcnica do instrumento constituda, segundo as definies de Carl Flesch.6 Para o pedagogo hngaro 7, o estudo do violino consiste na deteco, no isolamento e na correo de erros. Para tanto, so apresentados conceitos de como analisar pedagogicamente alunos de violino, segundo aCarl Flesch, The Art of Violin Playing - Livro 1 (Nova York: Carl Fischer, 1939). Carl Flesch se identificava principalmente com a cultura alem, em primeiro lugar, e tambm a francesa, por ter morado e estudado por vrios anos naquele pas. Como nasceu na parte austraca do imprio Austro-Hngaro, sequer falava hngaro e sua lngua materna era o alemo.6 7

16didtica de Paulo Bossio. O referencial terico utilizado neste captulo fruto de uma coleo de anotaes particulares de aulas individuais e coletivas ao longo de mais de uma dcada como aluno, assim como registros de master classes e palestras proferidas pelo pedagogo brasileiro. O professor Paulo Bossio uma das maiores referncias do ensino do instrumento no Pas8, h vrias dcadas dedicase ao ensino do violino e difunde suas idias, fortemente influenciadas por Max Rostal, seu professor na Europa e conseqentemente por Carl Flesch, professor de Rostal. Neste captulo veremos mais detalhadamente esta relao entre Flesch, Rostal e Bossio. No captulo seguinte abordaremos questes prticas do instrumento, por meio de uma anlise comparativa de alguns mtodos de iniciao ao violino conhecidos, tanto os voltados para o ensino individual quanto para o ensino coletivo. Nesta anlise procurase demonstrar que existe uma estrutura bsica comum, ou seja, uma espcie de linha guia que permeia todos os mtodos selecionados, baseada em conceitos tcnicos de execuo do violino, os quais norteiam e embasam a construo dos mtodos e servem como pilares do desenvolvimento gradativo da tcnica violinstica. No ltimo captulo, utilizando as diretrizes apontadas pela linha guia, propese a criao de exerccios bsicos complementares, demonstrando na prtica um processo de deteco, isolamento e correo na abordagem de questes tcnicas do violino. Pretendemos, assim, proporcionar ferramentas que ajudem a minimizar tais problemas, adequando conceitos histricos, tericos e prticos contemporaneidade dos pensamentos pedaggicos de uma formao slida, ampla e completa segundo o professor brasileiro Paulo Bossio.

8

Andrade, 111.

17Tambm o objetivo deste trabalho servir de referencial de pesquisa para o recm criado curso Superior de Tecnologia em Criao de Instrumentos Musicais Luteria, da UFPR.

18

CAPTULO I A Histria do Violino

19 1.1. Os Ancestrais do Violino.

Muito j foi escrito sobre a origem do violino, mas, apesar disso, todas as narrativas que abordam tal assunto ainda no passam de hipteses, como apontam Pasquali e Principe no livro El Violn, Manual de Cultura y Didctica Violinstica.9 Dentre elas, a mais aceita entre pesquisadores de que o violino, ao invs de ter sido inventado repentinamente por algum, evoluiu a partir de remotos instrumentos de corda e arco da antiguidade at a sua forma atual, considerado por muitos, modelo perfeito de valores tanto acsticos quanto estticos. Em aproximadamente cinco sculos, desde a poca da dinastia de construtores da famlia Amati no sculo XVI em Cremona, o violino praticamente no sofreu nenhuma alterao quanto sua aparncia e construo de seu corpo e voluta, segundo Sandys e Forster, j a partir dos Amati a construo do violino recebeu uma maior ateno aos detalhes, sendo tudo relacionado ao instrumento calculado segundo princpios cientficos, assim proporcionando ao novo instrumento um poder e timbre sonoro indito que ainda no foi superado. Ainda segundo os autores, muito j foi pesquisado e experimentado desde a mudana da forma e detalhes do instrumento, a utilizao de materiais diversos, at a mudana da disposio das cordas, mas nada surtiu alguma melhora considervel e na maioria dos casos o efeito foi reverso.10

Giulio Pasquali e Remy Principe, El Violn, Manual de Cultura y Didctica Violinstica (Buenos Aires: Ricordi Americana, 1977), 1. 10 William Sandys e Simon Forster, History of the violin (Londres: Lowe e Brydon, S/D), 90.9

20Alguns pequenos ajustes em determinadas partes de sua montagem, como na diferena de angulao do brao e tamanho da barra harmnica, foram feitos na transio do sculo XVIII para XIX, com o objetivo de adequarse aos valores estticos musicais da poca. Esta mudana ocasionou um ganho na intensidade do volume sonoro do instrumento e uma mudana timbrstica, com caracterstica mais brilhante.o desejo de um som mais potente e brilhante, assim como de uma maior agilidade, levaram os construtores do fim do sculo XVII a aumentarem o brao do instrumento em 0,64 at 1,27cm para o total utilizado nos dias de hoje de 12,8613,02cm e ainda o depuseram em uma angulao de 4 a 5 com o corpo do instrumento. Tais mudanas ofereceram um aumento na extenso de execuo do registro do violino j que o espelho tambm aumentou e assim normalmente o instrumento precisou utilizar um cavalete mais alto, fino e com curvatura maior.11

Quando a evoluo dos instrumentos da famlia do violino tratada, esbarrase na prpria definio do que um violino. Segundo Boyden12, se considerarmos que violinos descendem apenas dos instrumentos de trs ou quatro cordas friccionadas, por exemplo, eles seriam originados de instrumentos muito mais recentes do que se considerssemos que evoluram a partir de instrumentos de arco com um nmero indiferente de cordas. Partindo deste ltimo significado, podemos traar as relaes entre os instrumentos antigos at o modelo de violino atual mais famoso e copiado13, o

Robin Stowell, The Early Violin and Viola: A Practical Guide (Cambridge: Cambridge University Press, 2004), 33. 12 David Boyden, The History of Violin Playing From Its Origins to 1761 And Its Relationship to the Violin and Violin Music (Oxford, Clarendon Press, 1965), 6. 13 Copiado no sentido de que serviu de referncia de construo para os futuros luthiers. No somente no sentido de cpia como uma falsificao o que acontece algumas vezes. Brian Harvey e Carla Shapreu, Violin Fraud: Deception, Forgery, Theft and Lawsuits in Eangland and America (Oxford: Clarendon Press, 1997)11

21modelo clssico de Antonio Stradivari. 14 Todos os instrumentos aqui citados possuem algumas caractersticas bsicas comuns, como a existncia de cravelhas, brao, caixa de ressonncia e um cavalete, alm, obviamente, das cordas e do arco. Existem algumas lacunas na histria desses instrumentos que ainda esto por serem preenchidas. O instrumento mais antigo de corda e arco de que se tem registro o ravanastron, (Figura 1) instrumento de origem indiana, supostamente criado pelo rei Ravana, da atual regio do Ceilo. Este instrumento, que teria sido criado no ano de 5000 A.C. e continua a ser usado at os dias de hoje15, possui um brao longo com duas cordas, um pequeno cavalete e um cilindro oco de madeira com uma das extremidades coberta por uma pele animal servindo assim como caixa de ressonncia. Seu longo arco feito de bambu utiliza crina animal para tanger as cordas. 16 Livros como os de Pasquali e Principe 17, David Boyden18 e tambm George Hart 19, Sandys e Forster20 eAbele e Alwyn21, descrevem uma srie de instrumentos

diretamente

relacionados

com

o

ravanastron.

So

instrumentos muito parecidos em sua construo e achadosFigura 1 Ravanastron

em diversas partes do oriente, entre eles o omerti tambm da ndia, o erhu, ou urh sien da China, o rjen do Japo e o

kemangek da Prsia.Idem, 317. Sandys e Forster, 9. 16 Hyacinth Abele e Geoffrey Alwyn, The Violin And Its Story (Londres: John Leng & Co, 1905), 3 5. 17 Pasquali e Principe, 1 19. 18 Boyden: The History of Violin Playing..., 6 30. 19George Hart, The Violin Its Famous Makers and Their Imitators (Londres: Dulau, 1875), 1 6. 20 Sandys e Forster, 1 49. 21 Abele e Alwyn, 1 30.14 15

22Segundo Pasquali e Principe 22, no sculo VIII, com a invaso dos Mouros na Espanha, a rebab rabe (Figura 2) foi introduzida na Europa. J Sandys e Forster 23 assinalam que o instrumento chegou at a Europa por meio das Cruzadas. A rebab rabe era um instrumento de cordas e arco com caixa de ressonncia em forma trapezoidal, possua de uma a trs cordas dependendo do seu uso, que variava entre a msica puramente instrumental ou acompanhando vozes humanas.Figura 2 Rebab rabe

Neste momento fechase a parte dos instrumentos orientais, definidos por Pasquali e Principe 24 e dse incio s origens dos instrumentos setentrionais, ou europeus. Devese lembrar que a origem de vrios instrumentos aqui listados ainda no est totalmente esclarecida, so citados registros histricos com as primeiras aparies dos instrumentos conhecidas at ento, o que no quer dizer que um descenda diretamente do outro na ordem aqui apresentada. O primeiro instrumento de cordas e arco europeu que se tem conhecimento o crouth (Figura 3) ou por vezes crwth, chrotta, crotta, cruit, crwt, crouth, crudh, crowd 25. um instrumento de origem britnica do sculo VI26 cuja caixa de ressonncia geralmente noFigura 3 - Crouth

possua laterais salientes e seu tampo e fundo eram

Pasquali e Principe, 2. Sandys e Forster, 11 12. 24 Pasquali e Principe, 2. 25 Walter Kolneder, The Amadeus Book of the Violin Construction, History and Music (Portland: Amadeus Press, 1998), 71. 26 Pasquali e Principe, 2. Sandys e Forster, 24.22 23

23ligados por suas bordas. Em seu corpo havia um buraco para que o instrumentista passasse uma das mos e dedilhasse as cordas, com a outra segurava um arco de madeira e crina animal que friccionava as cordas. J no sculo XIII h uma exploso na criao de instrumentos de corda, tanto tocados apoiados nas pernas, chamados de gambas, quanto queles tocados nos braos, ou braccios. Entre muitos se destacam as rabecas e os diversos tipos de fiddles, as liras de arco, viles e viols. Para Pasquali e Principe 27 as rabecas (Figura 4) e alguns outros fiddles supostamente descendem diretamente da rebab rabe. Segundo Kolneder, a famlia dos fiddles era muito vasta e abrangia inmeras variaes de construo e nomenclatura dependendo da regio na Europa. A construo da caixa de ressonncia geralmente era oval e plana, com laterais e coladas a um brao, normalmente sem a utilizao de trastes diferente, por exemplo, da famlia das violas da gamba.Figura 4 - Rabeca

Ocasionalmente eram construdas em formato de oito, aproximandose do formato do violino apesar do formato oval ter sido um padro utilizado at o sculo XV28. Os diferentes tipos de fiddles eram geralmente tocados apoiados ao ombro e apenas algumas ilustraes mostram instrumentos apoiados no queixo, provavelmente porque eram usadas para acompanhar o canto do prprio executante. Tambm possuam uma variedade muito grande de cordas e os arcos utilizados em sua execuo eram na maioria das vezes bastante longos. O

27 28

Pasquali e Principe, 5. Kolneder, 72.

24fundo da caixa de ressonncia do instrumento podia ser plano como os das rebabs antigas ou convexos como as rebecs. A nomenclatura da famlia dos fiddles segundo Kolneder: Latim: Fidula, Vitula, Fitola, Figella Espanhol: Vigola, Viguela Francs: Viele, Vile, Vielle, Viole Escandinavo Antigo: Fdlu Anglo saxo: Fedilo, Fithele, Fythele Alemo Antigo: Videle, Fiedel Ingls: Fiddle Noruegus: Fidla, Fiol

Dentro da famlia dos fiddles, as viles de arco e roda descenderiam tambm do crouth29 e eram usadas como instrumentos de apoio pelos trovadores por toda a Europa. A famlia das viols muito vasta e supostamente descendem das viles de arco 30, seu tamanho e nmero de cordas pode variar muito, cada uma destas alteraes possu um nome e podem ser divididas em dois grupos: as apoiadas nos braos e apoiadas nas pernas.

Braccios: Dentre as menores e apoiadas nos braos destacamse as violas damore e as da braccio ou ombro e a viola dessus.

29 30

Pasquali e Principe, 5. Idem, 5 6.

25 Gambas: So maiores que as de braccio e por isso so apoiadas nas pernas, destacamse as violas da gamba, pomposa, bastarda, baixo e bartono.

J no perodo da Renascena, surge o ancestral mais prximo dos violinos como o conhecemos. Era um instrumento da famlia dos fiddles chamado de lira da braccio. O Instrumento tinha o formato bsico do violino, com algumas caractersticas diferentes, como a caixa de cravelhas posicionada frontalmente diferente dos violinos, onde as cravelhas so lateralmente dispostas com um brao mais largo e geralmente sete cordas apoiadas em um cavalete mais plano que o do violino. Poderiam ser executados com ou sem o auxlio de trastes mveis como nas violas da gamba e por vezes a lira da braccio era constituda com o mesmo de entalhe no tampo frontal em forma de um par de . A forma mais antiga do violino era uma juno de caractersticas da rebec com aquelas dos fiddles, em especial, da lira da braccio. Deste ltimo, o violino herdou o corpo e o formato, j da rebec herdou as trs cordas afinadas em quintas. Como o violino provouse capaz de preencher as funes musicais de seus ancestrais, estes se tornaram gradativamente obsoletos31.

31

Boyden, The History of Violin Playing, 30.

26

Figura 5 Lira da braccio de Marco Ternovec32

32

http://www.liuteria-antica.com/index.html (acessado em 25 julho de 2009)

27

RAVANASTRON 5000 A.C.

OMERTI

R'JENN

ERHU

KEMANGEK

REBAB TUNCIA E ARGELINA

REBAB RABE SC VIIILIRA DE ARCO SC IX - XIII

SAROK DE TRS CORDAS

REBEC (FUNDO CONVEXO) SC XIII - XVII

REBEC FUNDO PLANO

CROUTH SC XI GIGA

FAMLIA DOS FIDDLESROTA

GROSSGEIGEN

KLEINGEIGEN VILE ARCO

VIHUELA (ESPANHA)

TROMBA MARINA

POCHETTE

LIRA DA BRACCIO

VILE A VILE A ROUE ROUE (HUDY (HURDY GURDY) GURDY) VIOL VIOLS S

VIOLINO SC XVI

BRACCIO

GAMBAS

Figura 6 Os Ancestrais do Violino

28 1.2. Os antigos violinos.

Segundo Boyden33, no incio do sculo XVI encontramse os primeiros registros do violino e sua famlia como o conhecemos nos dias de hoje, pintados por Gaudenzio Ferrari em 1535 nos afrescos situados na Igreja de Santa Maria dei Miracoli, em Saronno, Itlia (Figura 8). ApesarFigura 8 Detalhe de Afresco

desta

ser da

a

mais do

famosa violino,

representao

famlia

Boyden34 tambm aponta que, existe ainda uma outra pintura de Ferrari, de 1530, portanto mais antiga, que retrata apenas o violino isoladamente, a pintura

intitulada La Madonna Degli Aranci, situada na Igreja de So Cristvo em Vercelli, Itlia (Figura 7). Maurice Emanuel Riley35 escreve curador que dos

Wintermitz,

instrumentos musicais do Metropolitan Museum of Arts, de Nova York, chega aFigura 7 La Madonna Degli Aranci 1530

apontar que as primeiras pinturas de Ferrari e os registros dos primeiros

Boyden, The History of Violin Playing, 7. Idem, 67. 35 Maurice Riley, The History of the Viola (Ann Arbor: BraunBrumfield, 1993), 2.33 34

29instrumentos criados no incio do sculo XVI no seriam meras coincidncias, colocando Ferrari como um potencial construtor de instrumentos, inclusive violinos, j que sendo um verdadeiro homem da renascena possua mltiplas habilidades, inclusive no ramo da luteria. Esta ideia pode ser reforada pelo texto de Kolneder, (...) ao pintor piemonts Gaudenzio Ferrari (1470 1546) devese um interesse especial. Seu sobrinho Lomazzo36 o descreve assim: Nascido em Valdugio, ele era um pintor, escultor, arquiteto especialista em tica, um poeta e filsofo por natureza. Tocava a lira e o alade(...) 37, j que na poca era muito comum que instrumentistas tambm construssem seus prprios instrumentos, entretanto, aponta Riley, ainda no temos registro de qualquer violino, ou nenhum outro instrumento, construdo por Ferrari. Para David Boyden38, a primeira forma de violino conhecida possua trs cordas (sol, r e l) e precedeu o violino de quatro cordas. Por meio das pinturas de Ferrari podese provar, segundo o autor, que um instrumento, seno um violino, muito semelhante a um violino de trs cordas, surgiu antes da dcada de 1530. Esta tambm a concluso tirada por Robin Stowell, que afirma que evidencias da iconografia certamente sugerem a existncia de um instrumento extremamente semelhante a um violino de trs cordas pintadas em afrescos italianos do fim do sculo XV, alguns anos antes da famosa pintura de Ferrari em Santa Maria dei Miracoli, Saronno que continua sendo a ilustrao mais antiga da famlia completa do violino39. Todas as evidncias apontam para que a regio bero do violino e demais instrumentos de sua famlia tenha sido aquela do norte da Itlia, mais precisamente Brescia e principalmente Cremona, o primeiro e mais distintoRefere-se a Giovanni Paolo Lomazzo e sua publicao Idea del tempio della pittura de 1590. 37 Kolneder, 100. 38 Boyden, The History of Violin Playing, 6. 39 Stowell, The Early Violin and Viola, 28.36

30centro de construo de violinos, segundo Stowell. O autor ainda afirma que a tradio de construo foi firmada com a influncia da famlia Amati a partir de seu primeiro representante, Andrea. Vrios de seus instrumentos foram construdos sob encomenda direta da corte de Carlos IX da Frana nas dcadas de 1560 e 1570. Podemos notar na figura abaixo um belssimo exemplar construdo por Amati em 1566 para a corte real francesa. 40

Figura 9 Andrea Amati 1566 Carlos IX

No sabemos ao certo se houve um nico inventor para o violino, de qualquer forma temos prova que Andrea Amati (1505 1578) j produzia

40

Stowell, The Early Violin and Viola, 30 31.

31violinos como conhecemos atualmente e que, sobretudo, perduram at hoje, desde o incio do sculo XVI41. A lenda de que Gasparo Bertolotti42, chamado da Sal (15401609) foi o inventor do violino est totalmente desmistificada, pois descobertas nos arquivos de Cremona, na metade do sculo XX, provam que a cidade j possua uma escola de luteria comandada por Amati algumas dcadas antes do nascimento de Sal.

Os cidados de Brescia orgulhosamente honraram o mestre erguendo um monumento com a inscrio "CASPARO DA SALO / INVENTORE DEL VIOLINO / 15421609." Muita tinta j foi desperdiada em cima desta declarao de quem seria o inventor do violino , com muita polmica apoiando ou contestando tal reivindicao. A rivalidade entre Cremona e Brescia, as duas cidades mais importantes na histria do violino, so as culpadas por muito desta discuo, assim como as ciumentas geraes seguintes. Um resultado positivo foi que grande parte da insurgente pesquisa trouxe tona novos materiais. Certamente nenhuma pessoa, individualmente, possa ser considerada o inventor do violino, e o fato de que Andrea Amati era trinta ou quarenta anos mais velho que Gasparo, contrariaria a prioridade de Brescia. Isto de maneira nenhuma serve para diminuir sua genialidade, ou negar sua contribuio no desenvolvimento do violino em seu formato padro.43

Kolneder, 101. Stowell, The Early Violin and Viola, 30 31. Sandys e Forster, 202. 42 Kolneder, 81. 43 idem, 104.41

32 1.3. As Escolas de Construo do Sculo XVI e XVII

Aps 1550 o violino conquista definitivamente um lugar de destaque no mundo da msica e uma quarta corda, a mais aguda (corda Mi), adicionada ao antigo violino de trs cordas. Autores como Boyden 44, Silvela45 e Kolneder46 chamam este novo violino de quatro cordas de true violin por ser a forma como conhecemos at hoje. Dois mestres construtores se destacam nas duas principais escolas de luteria do perodo. O primeiro foi Andrea Amati em Cremona e o segundo Gasparo da Sal em Brescia. H indcios de que Lyon e Paris, na Frana, tambm possuam escolas de construo de violinos nativas, mas, segundo Boyden, provavelmente no puderam rivalizar a importncia das escolas italianas da poca e por esta razo no foram to difundidas. Com a valorizao da arte italiana devido aos ideais renascentistas, violinos da melhor qualidade comearam a ser altamente valorizados no mercado nobre

europeu e sua beleza esttica comeou a ser reconhecida e retratada mais fielmente por pintores da poca. Podemos supor que o instrumento comeava a tomar ares de obra de arte, j que j era digno de ser pintado nosFigura 10 Vanitas stilleven met de Doornuittrekker

Boyden, The History of Violin Playing, 31. Zdenko Silvela, A New History of Violin Playing. (Nova York, Universal Publishers: 2001), 21. 46 Kolneder, 229 230.44 45

33mnimos detalhes por artistas renomados. Maurice Riley 47 cita como exemplo a pintura intitulada Vanitas stilleven met de Doornuittrekker de 1628 (Figura 10), do pintor holands Pieter Claesz (1597 1660). Outro exemplo, ainda

mais antigo, que podemos citar da obra Merisi de da

Michelangelo

Caravaggio, intitulada Amor Vincit Omnia (Figura 11)

pintada entre 1601 e 1602.Figura 11 Detalhe de Amor Vincit Omnia

Nela,

podese

notar

uma

figura

angelical, representando um cupido, ao lado de um Alade e de um violino. O papel do construtor de instrumentos Gaspar Tieffenbrucker (1514 1570) ainda no est totalmente esclarecido. Alguns autores o creditam como um dos pais da luteria de violinos, como o caso do violinista francs Pierre Baillot em seu livro LArt Du Violon48, enquanto outros autores duvidam do fato dele ter sequer construdo um nico violino. Segundo Kolneder,

Uma figura muito interessante na histria da construo do violino Gaspard Tieffenbrucker Duiffobruggard, Duiffoprugcar, e outras grafias . Por muito tempo, tudo o que se sabia sobre ele era que havia vivido em Lyon na Frana e que havia construdo instrumentos de todos os tipos. Alguns instrumentos de Tieffenbrucker foram posteriormente vendidos em Paris aps 1827. De acordo com seu formato e a maneira de sua construo podem ser os violinos mais antigos preservados se comprovadas suas autenticidades. Alguns so elaboradamente talhados e pintados, Riley, 28. Pierre Baillot, The Art of the Violin (Evanston: Northwestern University Press, 1999), 5.

47 48

34todos so datados e possuem etiquetas como "Gaspard Duiffoprugar / Bononiensis / a1515" da poca que viveu em Bolonha. De acordo com Henley49, oito violinos ainda existem porm teriam sido fabricados na verdade por Viullaume e outros luthiers franceses do sculo XIX e no por Tieffenbrucker50. O mais antigo, datado como se fora de 1510, mostra a coroa real e monograma do rei Francisco I da Frana. Outro de 1511 teria uma pintura ornamental atribuda a Leonardo da Vinci. Seu som remanescente dos antigos violinos de Andrea Amati, to bons que, por muitos anos, Meerts51 os utilizou em concertos. 52

Em Cremona os irmos Amati, Antonio (1550 ?) e Girolamo (1551 1635), continuaram o trabalho de seu pai, enquanto que em Brescia, Giovanni Paolo Maggini (1580 1630), herdeiro e pupilo de Gasparo da Sal, tornavase cada vez mais um construtor de fama internacional. Ainda no existiam construtores de expresso fora da Itlia e as escolas de Cremona e Brescia ainda predominavam. A influncia da regio norte da Itlia na construo de violinos, pode ser explicada pelo fato desta ser a regio bero da Renascena, nos sculos XV e XVI, perodo de revalorizao dos ideais clssicos de perfeio esttica. Estes ideais acabaram se difundindo por toda a Europa e influenciaram a maneira como o homem produziu arte em todos os nveis. O que certamente inclua a construo de violinos. Na metade do sculo XVII o violino j havia progredido muito, tanto tcnica quanto esteticamente, desde suas razes do sculo anterior. Nicola Amati (15961684), filho de Girolamo, surgia como o principal nome da dinastia

William Henley, Universal Dictionary of Violin & Bow Makers (Rochester: Amati Publishing, 1973), 332 335. 50 Idem, 333. 51 Referese Lambert Joseph Meerts (18001863), violinista e professor Belga, estudou em Paris com Habeneck, Lafont e Baillot. Foi professor do Conservatrio de Msica de Bruxelas, autor de Le mecanisme Du violon, e Le mecanisme de I'archet, (Mainz, 1869) George Hart, The Violin and Its Music (London: Dulau, 1881), 321. 52 Kolneder, 98.49

35dos Amati. Ele aperfeioou o modelo usado anteriormente por seus predecessores e produziu instrumentos de grande qualidade e potencial sonoro, tornandoo um dos maiores construtores de todos os tempos. A difuso do instrumento da Itlia para o restante da Europa fez aparecer o primeiro grande mestre construtor no italiano, Jacob Stainer (16171683), nascido na cidade de Absam, no Tirol, atual ustria. Jacob Stainer considerado o pai da escola Tirolesa e seus instrumentos estavam entre os mais valorizados e copiados da poca53. O construtor chegou a desbancar os principais nomes da luteria de Cremona e Brescia e despontou como o construtor mais importante de seu perodo ao lado de Nicola Amati. Nascido na cidade de Absam, na ustria, supese que Stainer teve uma colaborao com Luthiers de Cremona, em especial da famlia Amati, talvez pelo fato de seus instrumentos se assemelharem muito aos amatis exceto por alguns detalhes54. O fato que seus instrumentos foram os mais valorizados e altamente requisitados por toda a Europa at surgirem os violinos de Antonio Stradivari (1644 1737).55 Apesar de Stainer no ter aprendizes diretos, seu trabalho foi de grande influncia para a gerao seguinte de construtores germnicos, como Mathias Albani e Mathias Klotz.56 A fama de Stradivari no mero acaso; seus instrumentos esto entre os mais valiosos do mundo, rivalizados apenas por aqueles construdos por Giuseppe Guarneri del Ges (1686 1744). Stradivari foi, muito provavelmente, aluno de Nicola Amati (1596 1684) e produziu muitos instrumentos durante toda sua longa vida. Entre as dcadas de 1690 1700 experimentou um modelo alongado de violino sem muito sucesso, at que emPasquali e Principe, 31. Kolneder, 121. 55 Boyden: The History of Violin Playing..., 195. 56 Kolneder, 125.53 54

361704 alcanou, para muitos, a perfeio tcnica e esttica com o modelo chamado de clssico, primeiramente utilizado no violino denominado Betts, criado pelo construtor no ano de 170457. Freqentemente violinos recebem nomes ou apelidos que so incorporados ao instrumento ao longo dos anos de sua existncia. Podem ser batizados em homenagem a algum grande violinista que o possuiu, como por exemplo, o violino de Antonio Stradivari, ano 1715, intitulado ExMarsick, pois esteve em posse do violinista belga Martin Pierre Marsick (18471924). Tambm podem ser nomeados por uma caracterstica de construo ou de estado de conservao, como o caso do violino de 1716, chamado de Messias, aps ser comprado pelo comerciante de violinos Luigi Tarisio em 1827 em um estado de conservao praticamente perfeito (condio esta mantida at os dias de hoje), ou ainda, por algum proprietrio famoso, no necessariamente um violinista, como o caso do Stradivari de 1704 que foi propriedade da casa inglesa de comrcio de instrumentos musicais, Betts. Historicamente, este violino to importante porque inaugura o chamado perodo de ouro da construo dos violinos58, quando Stradivari abre mo das experincias com a construo em forma alongada, em favor de um modelo mais largo, mais fortemente arcado de propores mais tradicionais59. Segundo Faber60, a expresso perodo de ouro, geralmente relacionada fantstica qualidade dos violinos de Stradivari, tambm poderia representar o momento pessoal de Stradivari. A partir deste perodo, seu ateli prosperou grandiosamente muito mais que dos demais, seus violinos valorizaram e sua famlia adquiriu muita riqueza.

Boyden: The History of Violin Playing..., 317. Idem, 317. 59 Stowell, The Early Violin and Viola:A Practical Guide, 32. 60 Toby Faber, Stradivarius: Cinco Violinos, Um Cello e Trs Sculos de Perfeio (Rio de Janeiro: Record, 2006), 60.57 58

37Completando o quadriumvirato61, Nicola Amati, Stainer, Stradivari entre os mais clebres construtores de violinos, encontrase Bartolomeo Giuseppe Guarneri del Ges (16861744), tambm chamado de Joseph, pertencente a uma dinastia de construtores de violinos, neto de Andrea Guarneri (19361698) pupilo de Nicola Amati. Os violinos de del Ges esto entre os mais valorizados do mundo, e aliam a tradio cremonesa da linhagem de Amati, com caractersticas da escola de Brescia, como por exemplo os entalhes das 62. Na figura a seguir, podemos notar a semelhana do entalhe de del Ges comparado ao de Maggini.

Figura 12 Entalhe das s

61 62

Kolneder, 13. Pasquali e Principe, 30.

38Os diversos estilos de entalhes das podem identificar um construtor, ou at mesmo uma escola de luteria. Podemos observar que cada um dos cinco entalhes tem suas caractersticas individuais. Os dois primeiros, Amati e Stradivari, so representantes clssicos da escola cremonesa, Maggini, por sua vez, um dos grandes representantes da escola de Brescia, j em Guarneri fica evidente a influncia da modelagem de Maggini. Por ltimo, podemos identificar o entalhe de Jacob Stainer, principal representante da escola tirolesa um tanto parecido com o de Nicola Amati.

39

Figura 13 Stradivari "Betts" 1704

40 1.3.1. As trs principais escolas de Luteria

Nos grficos abaixo, podemos comparar as trs primeiras e mais importantes escolas de Luteria dos sculos XVI e XVII Cremona, Brescia e Tirol. No primeiro grfico podemos notar o tamanho da escola cremonesa, em comparao s outras duas escolas, e alguns fatos nos chamam a ateno. As Escolas de Brescia e do Tirol dependeram do talento individual e do trabalho de alguns de seus mestres, como Maggini em Brescia e Stainer no Tirol, ficando bastante regionalizadas. J a de Cremona, possui diversos construtores de renome; sua tradio principalmente atravs de Nicola Amati prosperou e sua influncia se propagou para diversas regies da Itlia, como Milo, Veneza, Parma e Turim. Do ponto de vista histrico, no seria um exagero apontar Nicola Amati como o principal construtor de violinos, no somente pela qualidade dos instrumentos em si, mas principalmente pela quantidade e qualidade de seus sucessores, que ajudaram a difundir os instrumentos por toda a Europa. Segundo Toby Faber63, com a formao e propagao das primeiras orquestras de violinos como, por exemplo, os vinte e quatro violinos do Rei Luis XIII da Frana violinos tiveram que ser construdos em larga escala, e Nicola Amati tomou a deciso de aceitar em seu ateli, construtores aprendizes fora de sua famlia prtica incomum na poca o que ampliou sua influncia no meio de construo de violinos.

63

Faber, 37 38.

41

CREMONA

Andrea Amati (1510 - 1580)

Antonio Amati

Girolamo Amati

Nicola Amati

Antonio Stradivari

Leopoldo "di Tedesco"

Sanctus Seraphin Veneza)

Matteo Goffriller (Veneza)

Andrea Guarneri

Girolamo Amati II

Antonio Amati

Francesco Ruggieri

Bartolomeo Pasta

G. B. Rogieri (Brescia)

Goffredo Cappa (Saluzzo)

Matthias Klotz (Mittenwald)

Paolo Grancino Francesco Stradivari Omobono Stradivari Carlo Bergonzi Lorenzo Guadagnini Alessandro Gagliano Pietro Guarneri I (Veneza) G G Battista Guarneri Giobatta Grancino Michelangelo Bergonzi Zosimo Bergonzi Giovanni Battista Guadagnini (Cremona, Milo, Parma, Turim) Gennaro Gagliano Francesco Goffriller Nicola Gagliano Carlo Ferdinando Landolfi Nicola Bergonzi Gaetano Guadagnini Raffaele Gagliano Giuseppe Guadagnini Antonio Gagliano II Ferdinando Gagliano Antonio Gagliano I Giovanni Gagliano

Giovanni Battista Ruggieri

Giacinto Ruggieri

Vincenzo Ruggieri

Pietro Rogieri

Carlo Antonio Testore

Giovanni Grancino (Milo)

Antonio Ruggieri

Paolo Antonio Testore

Carlo Bergonzi II

Giuseppe Guarneri, del Ges

Giobatta Grancino II

Francesco Grancino

Carlo Giussepe Testore

Giovanni Testore

Carlo Antonio Testore

Giuseppe Gagliano

Figura 14 A Escola de Cremona

42

BRESCIA

Giovan Giacomo Della Corna (?)

Zanetto Micheli Pellegrino da Montichiari

Girolamo Virchi Giovita Rodiani

Gasparo da SalFrancesco Bertolotti Alexander de Marelha Giacomo Lafranchini

G.P. Maggini

G.G. Pazzini A. Lanza Mariani di Pesaro

Francisco Maggini

G. B. Rogieri

Pietro Rogieri

Figura 15 A Escola de Brescia

Tirol

Jacob Stainer (Absam)

Mathias Albani (Bozen)

Matthias Klotz (Mittenwald)

Mathias Albani II

Sebastian Klotz

Georg Klotz

Johann Carl Klotz

Joseph Albani

Egidius Klotz II

Joseph Thomas Klotz

Matthias Klotz III

Wolfgang Ferdinand Kloz

Michael Albani

Joseph Anton Klotz

Sebastian Klotz II

Joseph Klotz

Karl Klotz

Anton Joseph Klotz

Figura 16 A Escola do Tirol

43 1.4. Diferentes tipos de arcos

Os arcos de violinos dos sculos XVI e XVII no se diferenciavam muito daqueles usados na lira da braccio. Eram construdos em curvatura convexa e algumas vezes aproximavamse mais de arcos de caa do que de arcos modernos. A principal fonte documental ainda a iconogrfica, poisFigura 17 Arcos diversos

devido ao seu valor reduzido em relao ao violino, muitos arcos foram descartados medida que sua construo foi evoluindo. Era muito mais fcil construir novos arcos do que tentar adaptlos 64. Segundo Kolneder, no incio os violinistas ainda se dedicavam paralelamente execuo dos instrumentos a arco j estabelecidos e possivelmente aproveitaram os arcos que j estavam familiarizados e os utilizaram na execuo do violino.

Um verdadeiro violino no existia antes do incio do sculo XVI. Na verdade, at mesmo durante as primeiras dcadas do desenvolvimento do instrumento, nenhum arco de violino, como o conhecemos, existia; apenas gradualmente as propriedades sonoras deste novo instrumento sugeriram a necessidade de um arco especificamente criado para ele. Aqueles que inicialmente tocaram violino, continuaram a tocar os instrumentos j estabelecidos como os fiddles, viola da braccio, lira da braccio e as gambas dependendo das necessidades de cada situao. Possivelmente os instrumentistas preferiram, por um longo perodo, usar aqueles arcos a que estavam mais familiarizado, mesmo aps assumirem os novos violinos. Fontes

64

Boyden: The History of Violin Playing..., 209 210.

44existentes, nada nos revelam sobre um arco construdo nesta poca especificamente para o uso com os violinos.65

A iconografia uma grande ferramenta das pesquisas musicolgicas, tanto na rea de construo quanto na de resgate da performance histrica de um instrumento. Todavia, segundo Stowell, esta fonte deve ser sempre corroborada com a literatura, pois existem lacunas que s ela poder preencher. Segundo o autor, a fonte iconogrfica nos abastece com informaes importantes sobre questes de interpretao, abrangendo desde a histria e construo de instrumentos at o conhecimento a respeito dos hbitos de vida dos compositores e intrpretes, assim como a atmosfera social e intelectual em que trabalhavam. Evidncias pictoriais de jornais, tratados ou outras fontes podem fornecer detalhes importantes sobre tcnicas de execuo e postura, assim como os numerosos acessrios que intrpretes aplicam em sua execuo. Tambm nos apontam o contexto social e as condies para as interpretaes como tambm um agrupamento instrumental em particular os consorts, por exemplo e suas distribuies. Todavia, concluses tiradas de tais evidncias necessitam ser corroboradas com a literatura, arquivos ou outras fontes, pelo fato de que figuras raramente nos informam sobre detalhes da construo de instrumentos, como a qualidade do material usado, a espessura do tampo ou fundo de um instrumento de cordas, ou a tenso de suas cordas.66 Gradualmente um talo em forma de chifre foi surgindo, com o propsito de afastar as crinas das extremidades do arco. Segundo Boyden, () construtores aperfeioaram o arco medida que condies e mudanas

65 66

Kolneder, 229 230. Stowell: The Early Violin and Viola, 27.

45musicais eram requeridas, e os melhores arcos eram maravilhas de artesanato e eficincia musical. 67 Diferentes arcos eram usados para diferentes tipos de msica, como o caso das msicas italiana e francesa. Arcos usados na msica italiana do sculo XVI e XVII, caracterizada pelas sonatas para violino, eram, de maneira geral, mais longos do que os usados na msica de dana francesa no mesmo perodo. O arco alongado italiano possibilitava um maior lirismo nas melodias requeridas para a msica instrumental da poca, enquanto os arcos curtos franceses eram mais eficientes e bem adaptados aos golpes curtos e a leveza requerida pela msica de dana. Os diferentes estilos musicais italiano e francs influenciaram diretamente na tcnica de execuo do violino. Para o violinista e pesquisador Jaap Schroeder68, o estilo italiano era mais descuidado e apenas trocavam a direo do arco a cada nota.

Figura 18 Arcadas no estilo italiano segundo Schroeder

J o estilo francs de arcadas, aponta Schroeder, sugere uma maior leveza em cada incio de compasso, mantendo uma padronizao de direes do arco, relacionados sempre com os acentos mtricos de cada seo.

Figura 19 Arcadas no estilo francs segundo Schroeder

David Boyden, The Violin Bow in the 18th Century. Early Music, Vol. 8, No. 2 (Oxford: Oxford University Press, 1980), 199. 68 Jaap Schroeder e Christopher Hogwood, The Developing Violin, Early Music, Vol. 7, No. 2, (Oxford: Oxford University Press , 1979), 155 165.67

46

Para Boyden, os estilos musicais tambm influenciaram diretamente a maneira como o violinista manuseava seu arco. Segundo o autor, existiam duas maneiras de segurar o arco, a pega italiana e a francesa, esta ltima tornouse obsoleta aps 1750. Na italiana a vareta do arco era sustentada pelos quatro dedos e pelo polegar, que era apoiado entre a vareta e a crina. A posio do primeiro dedo indicador e aquela do polegar variavam suas relaes entre si e entre a vareta. O arco era segurado bem acima do talo, uns sete centmetros mais alto que a prtica moderna. J na pega francesa, o polegar era apoiado na crina do arco, trs dedos apoiados na vareta e o dedo mnimo apoiado na lateral mais prxima ao executante da vareta69. O primeiro arteso especializado apenas em construir arcos foi Tourte le pre (o pai), chamado assim para distinguilo de seu famoso filho, tambm archetaio. Antes dele os prprios luthiers construam arcos como funo paralela construo de instrumentos, at mesmo Stradivari construiu arcos70. Tourte trabalhou em Paris entre 1750 e 1785, suas datas de nascimento e morte ainda so desconhecidas. Seu filho, Franois Xavier Tourte (17501835), tornouse o mais famoso archetaio de todos os tempos. A construo de arcos continuou despadronizada ao longo dos sculos XVII e XVIII, variando muito seu formato, extenso e peso at que no fim do sculo XVIII, Tourte desenvolveu, a pedido do violinista italiano Giovanni Battista Viotti (1755 1829), um arco cncavo ao invs do antigo arco convexo

()Viotti tido como um conselheiro de Tourte, ele veio a Paris em 1781 e havia colhido um sucesso sensacional nos Concert David Boyden, The Violin and Its Technique in the 18th Century, The Musical Quarterly Vol. 36, N 1, (1950), 9 38. 70 Boyden: The Violin Bow in the 18th Century, 199.69

47Spirituel da temporada de 178283. Aps o grande xito das temporadas decidiu morar em Paris. muito provvel que Viotti tenha aconselhado Tourte em relao ao comprimento do arco, assim como colocando os experimentos em teste com sua execuo. Apenas um violinista daquele estilo musical de interpretao, que exige tanto de um arco seria capaz de identificar as mudanas estruturais necessrias. Franois Tourte foi um arteso sem igual, ele tinha a habilidade nica de identificar inmeros detalhes sutis que apenas um grande artista seria capaz de ter conscincia 71

Aps muita pesquisa, Tourte optou por usar as qualidades da madeira do paubrasil (Caesalpinia echinata) na manufatura de seus arcos. Quando tratamos de construo de arcos, a madeira paubrasil sinnimo da mais alta qualidade, uma vez que apresenta caractersticas nicas de ressonncia, densidade, durabilidade, beleza, entre outras qualidades, que a torna ideal para tal uso72. Para Boyden, Tourte no teria inventado nada novo; ainda assim, sendo um soberbo arteso, foi capaz de ordenar e combinar as melhores caractersticas dos arcos antigos em um novo tipo, to bem sucedido que permaneceu como modelo de utilizao para as geraes seguintes de violinistas.73 Desde ento os arcos modelos Tourte, tornaramse padres de referncia na construo e utilizao em todo o mundo. Era o nascimento do arco moderno da maneira como o conhecemos e utilizamos nos dias de hoje. Quanto as novas possibilidades tcnicas, o modelo Tourte nos proporcionou uma nova infinidade de recursos74 e para isso a maneira como o violinista manuseia seu arco tambm evoluiu. A forma de segurar o arco, segundo Bossio e Lavigne,Kolneder, 236. Veronica Angyalossy, Erika Amano e Edenise Segala Alves. Madeiras utilizadas na fabricao de arcos para instrumentos de corda: aspectos anatmicos, Acta Botanica Brasilica. (2005). 73 Boyden: The Violin Bow in the 18th Century, 200. 74 Henrique Autran Dourado, Dicionrio de termos e expresses da msica (Editora 34, 2004), 29.71 72

48(...) um dos aspectos mais controvertidos da tcnica do instrumento. Diferentes escolas e mestres apresentam solues diversas, no sentido de se obter melhor sonoridade e possibilitar a execuo de todos os golpes arco contidos no repertrio. Flesch, assim como Rostal, distingue trs maneiras de segurar o arco, que correspondem respectivamente as escolas antiga alem, franco belga e russa moderna. Outros autores propem alternativas, que geralmente se relacionam com esses troncos bsicos da tcnica do arco. 75

Os autores ainda resaltam que questes anatmicas individuais devem ser levadas em conta, (...)pois determinam pequenas diferenas que muitas vezes fazem com que o que possa ser confortvel para um, deixe de ser para outro.76 E ainda, por mais variantes que existam,

(...) todas elas nas mos de bons instrumentistas possuem um nmero bem maior de semelhanas do que de diferenas. A naturalidade da mo, a elasticidade dos dedos e uma postura que permita, enfim, a flexibilidade de todas as partes do membro superior direito so aspectos fundamentais em todas as boas escolas. 77

No desenho a seguir, podese notar a evoluo de alguns dos diferentes tipos de arco utilizados entre os anos de 1620 at o arco Viotti de 1790.

Bossio e Lavigne: Tcnicas Fundamentais de Arco para Violino e Viola, (Rio de Janeiro, 1999), 6. 76 Idem, 6. 77 Idem, 6.75

49

Figura 20 Arcos de Violino 78

78

Stowell, The Early Violin and Viola, 42.

50

CAPTULO II A Construo e Avaliao da Tcnica Violinstica

51 2.1. A Linha Flesch Rostal Bossio

Como vimos anteriormente, o violino um instrumento bastante complexo, difcil de ser executado e de aprendizado geralmente lento. Independente de qual mtodo utilizamos para a iniciao ao instrumento, de extrema importncia que exista uma coerncia de pensamentos e aplicaes de exerccios por parte do professor. Como o ensino ainda fortemente baseado na tradio oral, passando diretamente do professor ao aluno ao longo de geraes, uma boa escola de ensino pode ser determinada por uma linha de pensamento que une professores e discpulos, que por sua vez tornamse tambm pedagogos e carregam esta linha para frente, por vezes sofrendo alteraes em virtude da evoluo e da contemporaneidade da pedagogia em determinado momento. Trataremos aqui de uma linha de pensamento que une Flesch, Rostal e Bossio, difundida no Brasil e tendo como principal representante este ltimo.

2.1.1. Carl Flesch

"As realizaes de Carl Flesch como um virtuose da performance so to impressionantes quanto o seu poder como professor. O seu vasto repertrio englobava praticamente todos os estilos do barroco msica do sculo XX suas interpretaes dos concertos de Bach, Beethoven e Brahms se destacam com uma autoridade inimitvel que fizeram delas unicamente inspiradoras"79 Szymon Goldberg

Jos Snchez-Penzo, Carl Flesch http://www.carl-flesch.de/cflesch_hom.html (acessado em 15 de maro de 2009).79

52Carl Flesch nasceu na cidade de Wieselburg, no ento imprio AustroHngaro, e comeou seu estudo do violino aos cinco anos de idade. Entre os anos de 1886 e 1890 cursou o conservatrio de Viena e, em 1891, ingressou no Conservatrio de Paris para estudar primeiramente com Eugne Sauzay, e posteriormente com Martin Marsick. Graduouse no ano 1894 em primeiro lugar. Segundo Scheila Nelson80, Carl Flesch foi o primeiro violinista que unia as caractersticas de ter sido um excepcional artistainstrumentista e ainda possuir as qualidades analticas de um grande professor, resultando em um trabalho pedaggico de referncia mundial. Ainda segundo a autora, tais

caractersticas eram muito raras e o fato dele ter achado tempo suficiente para passar suas experincias e conhecimentos to amplamente o tornaram nico e que sua capacidade de apresentar, lgica e sistematicamente, assuntos extremamente complexos o tornou o principal professor de seu tempo. Para Flesch, a base de todo o ensino de grande qualidade se d por meio da individualizao, ou seja, a adaptao de conceitos, tcnicas e tudo mais que engloba a didtica do violino, s caractersticas individuais de cada aluno. J segundo Silvela81, Carl Flesch representa o link direto entre a maneira de tocar de Lambert Massart professor de Marsick e dos violinistas modernos. Para o autor, Flesch foi um dos mais extraordinrios professores do sculo XX, tendo como alunos violinistas do porte de Henri Temianka, Bronislav Gimpel, Ginette Neveu, Ida Haendel, Ivry Gitlis, Henryk Szeryng, Ricardo Odnopossoff, Joseph Hassid, Alma Moodie, Szymon Goldberg, e Max Rostal os trs ltimos considerados pelo prprio Flesch seus maiores discpulos82. Para Silvela, Carl

Scheila Nelson, The Violin and Viola: History, Structure, Techniques (Nova York: Dover Publications, 2003), 199. 81 Zdenko Silvela, A New History of Violin Playing (Nova York: Universal Publishers, 2001), 215. 82 Carl Flesch, Memoirs (Londres: Rockliff Publishing Corporation, 1957), 316 317.80

53Flesch sempre ser lembrado por sua postura clssica, sua abordagem intelectual msica e sua formidvel tcnica.

2.1.2. Max Rostal

Max Rostal foi um violinista e professor do instrumento, nascido na cidade de Teschen no ento imprio Austo-Hngaro, posteriormente dividida entre a Polnia e a Tchecoslovquia, atualmente Repblica Tcheca. Destacou-se como o principal aluno de Carl Flesch a seguir tambm a carreira pedaggica, tornandose um dos maiores professores de sua gerao. Aps trabalhar como assistente de seu grande mestre tornouse o mais jovem violinista a assumir uma cadeira pedaggica na Escola Superior de Msica em Berlim (Alemanha), entre 1930 e 1933. Tambm atuou como professor na Escola de Msica Guildhall em Londres (Inglaterra), assim como na Academia de Msica de Colnia (Alemanha) e Berna (Sua)83. Entre seus alunos destacamse Igor Ozim, Norman Brainin e os outros membros do Quarteto Amadeus, Edith Peinemann, Berta Volmer e Paulo Bossio. Editou e revisou uma srie de partituras para violino, assim como o mtodo de escalas de Carl Flesch. Tambm escreveu um livro sobre a interpretao das sonatas para violino e piano de Beethoven84. Bossio o define como uma fonte de conhecimento e inspirao que jamais cessou 85 e que dentre muitas qualidades o mestre tinha

Idem, 215. Max Rostal, Beethoven, the sonatas for piano and violin: thoughts on their interpretation (Tocatta Press, 1985). 85 Andrade, 111.83 84

54(...) a capacidade de fazer o aluno pensar dedutiva e objetivamente. A anlise dos princpios de causa e efeito, bem diferente daquele violinismo subjetivo e emprico do sculo XIX e mesmo de grande parte do sculo XX. Isto tudo associado diretamente grande arte, ao respeito absoluto pela criao dos grandes mestres, procurando sempre suas fontes originais.86

2.1.3. Paulo Bossio

O professor Paulo Bossio sinnimo de ensino do violino no Brasil. Considerado um dos maiores pedagogos do instrumento no pas e no mundo 87, foi e ainda professor de vrios alunos de destaque no meio musical. Nasceu no Rio de Janeiro onde iniciou seus estudos do violino com Yolanda Peixoto sua nica professora no Brasil e aps atuar como violinista solista com diversos grupos foi para a Europa estudar com Max Rostal. L permaneceu aperfeioandose por nove anos, antes de retornar ao Brasil e iniciar sua carreira de professor do violino. Para Bossio88 a influncia de Rostal e conseqentemente de Flesch foi to intensa que ainda hoje norteiam 70% de seu pensamento como pedagogo do violino, adaptadas a nossa realidade contempornea, e ainda, ressalta que suas idias no so uma revoluo e sim uma evoluo dos pensamentos de seu mestre. Atualmente continua dedicandose ao ensino do violino em cursos e masterclasses em todo o pas, alm da carreira de professor de violino na UNIRIO e de ocupar a cadeira nmero 8 da Academia Brasileira de Msica.

Idem, 112. Guilherme Romanelli, Beatriz Ilari e Paulo Bossio, Algumas idias de Paulo Bossio sobre aspectos da educao musical instrumental Opus, v.14 n2, (Dez, 2008), 8. 88 Andrade, 112.86 87

55 2.2. A Construo da Tcnica Violinstica segundo Carl Flesch

Um dos maiores desafios do pedagogo do violino , atravs de uma anlise profunda e complexa, no somente detectar alguma falha no aluno, mas isolar tal problema e trabalhlo separadamente para corrigilo ou minimiz lo. Neste captulo veremos como a tcnica do violino construda segundo os preceitos de um dos maiores pedagogos do violino do sculo XX, Carl Flesch, e ainda como realizar uma profunda avaliao pedaggica de um aluno de violino com o objetivo de detectar caractersticas individuais e possveis problemas, a fim de isollos e trabalhlos separadamente de maneira eficiente e direta. Em seu livro Urstudien89 Estudos Bsicos para Violino Flesch aponta que nos trinta anos que precederam seu livro, houve um aumento significativo de publicaes abordando a tcnica violinstica, porm:

(...) os mtodos e exerccios, em uso nos dias de hoje, so todos esquematizados, completa e exaustivamente, de uma maneira que somente os estudantes avanados, ou os solistas, em condies de dedicar vrias horas dirias de estudo para a prtica violinstica, possam ter a esperana de alcanar algum resultado satisfatrio. 90

Comparativamente, segundo o autor, existem poucas publicaes com esta finalidade que tratem do estudo do violino em seu estgio mais bsico. Na dcada de 1920 uma publicao tornouse um marco na pedagogia do violino: The Art of Violin Playing91 de Carl Flesch. Nesta obra, em dois volumes, o autor

Carl Flesch, Urstudien Basic Studies (Nova York: Carl Fischer Music, 1970) Idem, 1. 91 Flesch: The Art of Violin Playing Livro I.89 90

56define os pilares que sustentam todo sistema ensinoaprendizagem do instrumento. Esta base terica se divide em trs reas correlacionadas92: Tcnica Geral, Tcnica Aplicada e Concepo Artstica.

2.2.1. Tcnica Geral

Consiste na formao mecnica do instrumentista no sentido mais amplo da palavra. Engloba a tcnicas de execuo e o perfeito cultivo do mecanismo de ambos os braos e tm como objetivo proporcionar ao violinista a possibilidade de efetuar todo tipo de efeitos sonoros que o repertrio possa exigir. Segundo Flesch o violino como ofcio.

Neste termo eu incluo o cultivo mais perfeitamente praticvel do mecanismo dos dois braos com o propsito de assegurar todos os efeitos possveis da produo sonora de um violino, de uma maneira dependente e impecvel. Poderamos chamar: toque do violino como ofcio. 93

2.2.2. Tcnica Aplicada

Incide na capacidade racional de identificar e resolver problemas tcnicos que apaream no repertrio violinstico. Est diretamente relacionado ao nosso trabalho como pedagogos e muitas vezes o

92 93

Bossio e Lavigne, 6. Flesch: The Art of Violin Playing Livro I, 8.

57problema mais difcil de ser trabalhado. Para Flesch, o violino como cincia.

Quando eu aplico capacidades tcnicas gerais adquiridas em dificuldades tcnicas ocorrentes em uma composio, ento uma questo de Tcnica Aplicada. o toque de violino como uma cincia. 94

2.2.3. Concepo Artstica

Ocorre quando o executante tem liberdade total de esprito, adquirida atravs do domnio completo das duas tcnicas anteriores e, assim sendo, permite ao intrprete expressarse artisticamente por meio de seu instrumento. Carl Flesch, assim, define o violino como uma arte.

Realizao Artstica: apenas quando eu controlar um mecanismo perfeito e for capaz de apliclo de maneira correta, serei livre o suficiente, fisicamente, para me entregar inteiramente ao esprito da msica, e permitir a expressividade conduzir a tcnica que agora meramente a serve. Isto o toque de violino como uma arte. 95

Segundo Flesch, este modelo terico origina uma metodologia de estudo dividida em quatro blocos de trabalhos dirios, formado pela mecnica, escalas, estudos e repertrio.

94 95

Idem, 8. Idem, 8.

582.2.4. Mecnica

Consiste no estudo bsico de todo violinista. Proporciona o desenvolvimento das mais variadas tcnicas do instrumento, abrangendo tanto especificidades do membro superior esquerdo, como afinao, vibrato, clareza e velocidade das articulaes dos dedos, posies fixas e em mudanas entre outras, assim como o membro superior direito, ou seja, do arco e todas as suas sutilezas de todos os golpes de arco existentes alem da correlao entre ambos. Um exemplo de estudo da mecnica na performance do violino o livro de Henry Schradieck, intitulado School of Violin Technics96, como podese notar na figura abaixo.

Figura 21 Schradieck Exerccios 1 e 2

2.2.5. Escalas

Proporciona ao violinista a capacidade de relacionar e organizar, tanto mentalmente quanto fisicamente, uma sequncia de notas no violino de acordo com padres prdefinidos, como as mais diversas tonalidades ou tambm com padres atonais. Podemse citar como exemplos de mtodos de escalas para violino vrios mtodos publicados. Aqui destacamse dois deles: o de Carl Flesch Scale System 1987 e o de Ivan Galamian e Frederick Neumann Contemporary Violin Technique, Volume 1: Scale and Arpeggio Exercises with Bowing.(S/D)

96

Henry Schradieck, School of Violin Technique (Edition Cranz, 1939), 3.

59

Figura 22 Escalas em D Maior segundo Flesch

Figura 23 Escalas em D Maior segundo Galamian e Neumann

. 2.2.6. Estudos

So composies escritas com o objetivo especfico de trabalhar uma ou mais partes isoladas da tcnica violinstica. Na maioria das vezes so escritos por violinistas com o intuito da pedagogia, mas algumas vezes atingem tambm objetivos estticos artsticos. A figura a seguir exemplifica o caso de uma obra composta como estudo que se tornar uma pea de concerto, tratase do Estudocapricho n4 para dois violinos, do compositor e violinista polons Henri Wieniawski (18351880).

60

Figura 24 Estudocapricho n4 para dois violinos

612.2.7. Repertrio

So todas as obras compostas para o violino com objetivos artsticos e/ou estticos. Em termos de material musical escrito para o violino, o repertrio o objetivo final de objetivo final de um instrumentista. o elemento convergente de toda a tcnica do instrumento.

Figura 25 Exemplo de repertrio Fantasia Escocesa, op.46 de Max Bruch

62

Para Bossio e Lavigne97, apesar do violino ser uma atividade que exige um trabalho dirio e ocupa inmeras horas de estudo, existem poucos subsdios escritos a respeito de vrios aspectos da tcnica violinstica, sobretudo relacionados mecnica do instrumento, principalmente se compararmos com outras reas da msica erudita. Neste aspecto The Art of Violin Playing de Carl Flesch ainda um marco incomparvel, ou seja, as tcnicas de produo sonora do violino, em suas maiores e menores sutilezas, so transmitidas em grande parcela, por meio da tradio oral na interao professoraluno durante horas de aula ao longo de geraes.

97

Bossio e Lavigne, 4.

63 2.3. Anlise e Avaliao Pedaggica de um Violinista

Independentemente do mtodo utilizado, essencial que um bom professor de instrumento saiba fazer uma anlise pedaggica de seu aluno, possibilitando assim a identificao de caractersticas pessoais a fim de traar um plano de aula para melhor desenvolver o potencial apresentado por cada indivduo, que varia de caso para caso98. Em entrevista ao violinista Edson Queiroz, Bossio relata uma das grandes qualidades de seu professor Max Rostal; a capacidade analtica e de observao para delinear uma metodologia especfica para cada aluno, a fim de desenvolver ao mximo suas qualidades tcnicas e artsticas sem abrir mo das caractersticas individuais de cada violinista, o que fica evidente quando afirma que:Por mais que reconheamos em diversos alunos de Rostal atitudes artsticas e tcnicas semelhantes, o mestre fazia questo de que fssemos diferentes uns dos outros. Pela observao, ele traava o perfil psicolgico, artstico e at anatmico de cada um de ns e, dentro deste perfil individual, desenvolvia seu trabalho. Com certeza, no ramos como pezinhos recm sados do forno bons, porm mediocremente iguais.99

A seguir mostraremos um modelo em tpicos da avaliao pedaggica segundo o professor Paulo Bossio, desenvolvida ao longo de dcadas de dedicao ao ensino do violino. Este plano um detalhamento das informaes colhidas atravs de anotaes de aulas particulares correlacionadas com

Paulo Bossio, A Avaliao Pedaggica do Aluno de Violino (Palestra , Quatro Barras, Janeiro, 2007) 99 Andrade, 111113.98

64palestras e masterclasses, vivenciadas pelo autor desta dissertao ao longo de mais de uma dcada como aluno de violino.

65

Figura 26 Tabela de Avaliao Pedaggica segundo Paulo Bossio

66Procuraremos aqui desenvolver conceitualmente as idias contidas na tabela anterior, produzida por Bossio, sistematizando os diversos tpicos relacionados. O professor Paulo Bossio divide seu plano de avaliao pedaggica em duas partes: a que chamou de Plano Artstico Intelectual e a de Plano Instrumental. A primeira leva em conta questes psicolgicas e cognitivas e a segunda, questes relacionadas diretamente execuo motora do violino. A anlise a seguir mostra os dois planos de forma isolada, apontando seus vrios aspectos. Alguns tpicos determinados por Paulo Bossio so complementados tambm com definies apontadas por Carl Flesch. Apesar do presente trabalho abordar o aprendizado do violino em sua fase inicial, relevante distinguir o maior nmero de caractersticas possveis, a fim de disponibilizarmos ao leitor as mais diversas ferramentas de avaliaes e proporcionarmos um detalhamento mais apurado na hora de traarmos um perfil para cada violinista e conseqentemente a elaborao de exerccios prticos complementares. Alguns dos tpicos sero mais obviamente aplicveis a violinistas mais avanados (como por exemplo, notas duplas e mudanas de posio), mas independentemente do grau de execuo violinstico, todos os pontos citados a seguir podem ser utilizados e/ou adaptados.

67 2.3.1. Plano Artstico Intelectual

O primeiro item que Paulo Bossio destaca o do perfil psicolgico, que consiste em uma anlise sumria de tudo o que forma a personalidade de um ser humano, ou seja, as caractersticas individuais de cada um. Detectar se o aluno ansioso, introvertido, extrovertido, tmido, sensvel etc. Inclui, aqui, uma anlise da autoestima do aluno. Esse item importantssimo para o professor definir estratgias de abordagem e aplicaes metodolgicas que dever usar, levandose em conta cada aluno separadamente. J a anlise da potencialidade artstica, aborda toda a criatividade do aluno, sua capacidade de expressividade musical e corprea, produo e realizao de riquezas de timbres, nuances sonoras e fraseamento musical. Quanto s limitaes corpreas, est diretamente relacionada s caractersticas fsicas de cada um, alm da capacidade de coordenao motora do indivduo, muito importante na aplicao da tcnica violinstica como um todo. Um exemplo so as revises de Max Rostal, que prope ao menos dois tipos de dedilhado para uma passagem tcnica, levandose em conta caractersticas fsicas do violinista, como explica Bossio, Rostal levava em considerao

(...) desde a postura, peculiar a cada porte. Como na escolha do dedilhado, onde normalmente apresentava duas opes para tamanhos diferentes de mo. Ambas, entretanto, eram atreladas ao pensamento artstico daquele momento, na obra. Nas diferenas culturais ou facilidades especficas em relao ao repertrio, seguia o exemplo de seu mestre Flesch, ou seja, insistia em trabalhar intensamente com o aluno nos pontos onde ele aluno era menos

68brilhante, ao mesmo tempo propondo, em apresentaes pblicas, o repertrio que mais se identificava com o intrprete 100.

O item da anlise da capacidade de trabalho e disciplina est relacionado com a aptido e resistncia mental e fsica para o trabalho, alm do poder de organizao e otimizao do estudo individual do instrumento. A juno de todos os itens anteriores cria a relao do talento artstico instrumental e a capacidade de trabalho e, assim, determinase o grau de produtividade de cada aluno.

2.3.2. Plano Instrumental

Enquanto a primeira parte da avaliao pedaggica segundo Paulo Bossio aborda questes artsticas e intelectuais, a segunda parte est relacionada com a tcnica de execuo do instrumento e pode ser dividida em vrios itens subsequentes. A postura relacionase com a maneira como o corpo age e se equilibra em vrias situaes, tanto estticas como em movimento. Funciona em conjunto com o sistema nervoso e o aparelho locomotor. Tambm sinnimo de atitude. Pode ser subdividida em:

O Instrumento Corpo est diretamente relacionado com o eixo Cabea Pescoo Tronco, assim como a relao Ps Joelho Bacia

100

Andrade,113.

69 Ombros. Tambm est diretamente ligado elegncia e leveza corporal ao toque do violino.

J a Integrao Violino Corpo aborda a harmonia do corpo como um conjunto, avaliando o grau de relao entre o executante e seu instrumento, ou seja, o quo o aluno fica vontade com seu violino.

A afinao a capacidade do aluno de colocar os dedos da mo esquerda com justeza a fim de produzir um som de uma determinada frequncia relacionada a um sistema referencial. A correta afinao pode advir de uma relao sonora de simultaneidade harmnica ou diatnica, isto , meldica. Segundo Flesch, o principal propsito relacionado a todas as atividades do membro superior esquerdo o de produzir certo nmero de tons, em uma sequncia prdeterminada, assim como tambm um certo nmero de vibraes por segundo prdeterminados de acordo com as leis da acstica, ou seja, puramente afinados. De acordo com as leis da acstica, cada tom tem um nmero de vibraes definidos exatido e, aps uma srie de exemplos musicais e matemticos, Flesch chega concluso que, na definio fsica ou acstica, tocar afinado no violino seria uma impossibilidade. Por isso a afinao aqui definida em termos comparativos e no em valores absolutos101. O item relacionado afinao deve ser analisado em trs situaes bsicas distintas: Na posio fixa a afinao relacionada entre os dedos da mo esquerda e suas diversas combinaes (relao tom semitom), em uma posio prdeterminada do membro superior esquerdo.

101

Flesch. The Art of Violin Playing Livro I, 19.

70

Nas mudanas de posio indica o grau de justeza no processo de substituio de um dedo por outro na mesma nota ou notas diferentes, exigindo assim uma mudana total do posicionamento e angulao do brao esquerdo e do polegar principalmente da primeira quarta posio.

J nas cordas duplas, a afinao a resultante de duas ou mais notas tocadas ao mesmo tempo. um exemplo da afinao comparativa entre vrias referncias simultneas. Devese levar em considerao tambm a conduo do arco, responsvel muitas vezes por deformaes no som causando assim a chamada desafinao pelo arco.102

Segundo Bossio e Lavigne103 so trs as principais desafinaes causadas pela m conduo de arco: a deficincia na correta utilizao da presso do arco nas cordas (falta ou excesso), arrancos e acentos fora de hora, causados pela falta de domnio da velocidade e da distribuio orgnica do arco e o mau uso do ponto de contato, que deve depender da posio na qual est tocando. O item que trata da produo de som deve ser tratado com extrema importncia, pois enquanto o membro superior esquerdo responsvel por determinar nmero de vibraes produzidas, ou seja, as notas, a funo do membro superior direito proporcionar energia necessria para a vibrao das

102 103

Bossio e Lavigne, 54. Bossio e Lavigne, 56.

71cordas. Para Flesch104, o som resultado de um nmero regular de vibraes; quando estas vibraes so irregulares, a resultante rudo. No caso do violino, notas so sempre acompanhadas de rudos, em maior ou menor grau, j que a prpria frico das crinas nas cordas produz um rudo caracterstico impossvel de ser filtrado, mas sim, possvel de ser minimizado. Questes como velocidade de arco e presso devem ser levadas em conta, j que o mau uso destes dois elementos resulta na maioria das vezes em sons arranhados (excesso de presso e pouca velocidade) ou flautados (excesso de velocidade e pouca presso). No fim, buscase na maioria das vezes um equilbrio a fim de produzirmos um som focado, limpo e centralizado. Falar de sons sempre uma dificuldade, j que possumos pouqussimos adjetivos para definirmos qualidades sonoras. Geralmente temos que emprestar qualidades de outros sentidos para melhor entendermos os diferentes sons possveis de executarmos.105 A produo sonora pode assim ser subdividida em cinco categorias:

A limpeza e centralizao do som o som mais livre de rudos possvel, mais puro e focado. Aqui relacionado na produo de som de um violinista de uma maneira geral. Segundo Bossio e Lavigne para a obteno de uma boa sonoridade, o violinista deve prestar ateno a cada nota tocada e procure assumir a inteira responsabilidade por cada som, sem deixar nada ao acaso.

Flesch: The Art of Violin Playing Livro I, 81. Sobre produo de som, Carl Flesch dedica um livro inteiro ao assunto, escrito apenas trs anos aps a concluso de The Art of Violin Playing. Chamase Problems of Tone Production in Violin Playing (Carl Fischer, 1931).104 105

72 O uso de diversos pontos de contato advm da capacidade e do domnio do violinista em tocar nos diversas regies onde as crinas do arco entram em contato com a corda. J que cada ponto de contato depende de uma srie de fatores, ele est em constante mudana. Depende, segundo Flesch, da durao do golpe de arco, da fora da presso do arco e da posio que a mo esquerda se encontra106. Para Bossio e Lavigne, o ponto de contato depende de vrios fatores, que vo desde a curvatura do cavalete at a resposta do instrumento.107

As dinmicas so as diversas graduaes de intensidade do volume sonoro que em conjuno com o timbre direciona para uma ilimitada possibilidade sonora. Flesch diferencia em quatro caractersticas bsicas: o forte, o fraco, o crescente e o que diminui. 108 importante verificar se o aluno possui o entendimento do que a dinmica e suas variadas possibilidades de aplicaes.

Os diversos timbres diferenciam o violino dos outros instrumentos, pois o fato do violino possuir uma matiz sonora muito abrangente, ou seja, uma possibilidade timbrstica que carrega consigo uma multiplicidade de registros quase que apenas limitada pela habilidade do executante. a resultante da interao de todos os elementos da produo de som citados acima.109

O som como meio expressivo, para Flesch, o mais alto grau da produo sonora violinstica, j que combina as mais diversas

Flesch: The Art of Violin Playing Livro I, 81 Bossio e Lavigne, 58. 108 Flesch: The Art of Violin Playing Livro I, 90. 109 Idem, 99.106 107

73tcnicas do instrumento com um nico objetivo artstico de produo de som,(...)at agora ns restringimos nossas observaes na produo de vibraes infalveis em seu mais alto grau, ou seja, vibraes sem rudos secundrios. Mesmo sendo importante, ainda assim apenas o comeo de uma seqncia de fatores tcnicos almejando um ideal mais alto no toque de violino. Apenas aps tlo dominado por completo, podese abordar o objeto final de todo o fazermusical, a produo do som como um meio de expresso.110

Ritmo deriva da palavra grega rhytmos que designa aquilo que se move, que flui. Em termos sonoros aplicase na variao da durao dos sons e suas diversas combinaes. Segundo Dourado111, a subdiviso do tempo em partes perceptveis e mesurveis. No estudo do violino, est rela