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LIBERTE-SE Evitando as armadilhas da procura da felicidade

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LIBERTE-SE

Evitando as armadilhas da procura da felicidadeRuss Harris

SumrioPrefcio .........................................................................................................................................................................................................................11IntroduoS QUERO SER FELIZ ............................................................................................................................................................................12Parte 1COMO MONTAMOS A ARMADILHA DA FELICIDADE

Captulo 1CONTOS DE FADAS ......................................................................................................................................................................................9Captulo 2CRCULOS VICIOSOS ................................................................................................................................................................................17Parte 2

TRANSFORMANDO SEU MUNDO INTERIORCaptulo 3OS SEIS PRINCPIOS ESSENCIAIS DA ACT ..............................................................................................................28Captulo 4O GRANDE CONTADOR DE HISTRIAS .....................................................................................................................31Captulo 5O VERDADEIRO BAIXO-ASTRAL ...........................................................................................................................................39Captulo 6RESOLVENDO PROBLEMAS DE DESFUSO .........................................................................................................47Captulo 7OLHA QUEM EST FALANDO ....................................................................................................................................................53Captulo 8IMAGENS ASSUSTADORAS ............................................................................................................................................................59Captulo 9DEMNIOS A BORDO .............................................................................................................................................................................64Captulo 10COMO VOC SE SENTE? .....................................................................................................................................................................67Captulo 11O BOTO DE BRIGA ..................................................................................................................................................................................72Captulo 12COMO SURGIU O BOTO DE BRIGA ..................................................................................................................................75Captulo 13ENCARANDO OS DEMNIOS .......................................................................................................................................................81Captulo 14RESOLVENDO OS PROBLEMAS DE EXPANSO ................................................................................................88Captulo 15SURFANDO O MPETO ..........................................................................................................................................................................96Captulo 16DE VOLTA AOS DEMNIOS ......................................................................................................................................................100Captulo 17A MQUINA DO TEMPO ................................................................................................................................................................102Captulo 18O CO IMUNDO .........................................................................................................................................................................................109Captulo 19PALAVRAS QUE CONFUNDEM .............................................................................................................................................113Captulo 20SE RESPIRA, EST VIVO ...............................................................................................................................................................116Captulo 21DIGA A VERDADE ..................................................................................................................................................................................122Captulo 22A GRANDE HISTRIA ......................................................................................................................................................................125Captulo 23VOC NO QUEM PENSA SER ..............................................................................................................................................132Parte 3

CRIANDO UMA VIDA DE VALORCaptulo 24SIGA O SEU CORAO ....................................................................................................................................................................140Captulo 25A PERGUNTA ESSENCIAL ...........................................................................................................................................................145Captulo 26RESOLVENDO PROBLEMAS DE VALORES ... ....................................................................................................150Captulo 27A VIAGEM DE MIL QUILMETROS ..............................................................................................................................153Captulo 28A REALIZAO A SEU ALCANCE .....................................................................................................................................159Captulo 29UMA VIDA PLENA ................................................................................................................................................................................166Captulo 30ENCARANDO A FERA .......................................................................................................................................................................169Captulo 31PREDISPOSIO ......................................................................................................................................................................................175Captulo 32PARA CIMA E PARA BAIXO ......................................................................................................................................................181Captulo 33UMA VIDA COM SIGNIFICADO ............................................................................................................................................187Agradecimentos .......................................................................................................................................................................................192Sugestes para tempos de crise ...................................................................................................................................194Leituras complementares .......................................................................................................................................................195 minha me e ao meu pai, por quatro dcadas de amor, apoio, inspirao e estmulo.

minha esposa, Carmel, pelo amor, pela sabedoria e pela generosidade que enriqueceram minha vida e abriram meu corao de uma forma que jamais sonhei ser possvel.

Prefcio

H uma enorme ironia na felicidade. O radical da palavra significa "sorte", "ventura", o que subentende o acaso, algo fora de nosso controle. Apesar disso, alm de procurar por ela, tentamos conserv-la conosco especialmente para fugir de qualquer sentimento de "infelicidade". E, lamentavelmente, na tentativa de control-la, nos aprisionamos, nos fechamos num planejamento rgido e esttico.

Felicidade no apenas se sentir bem. Se assim fosse, os viciados em drogas seriam os seres mais felizes do planeta. Na verdade, sentir-se bem pode se tornar uma busca muito infeliz. No toa que os usurios de drogas chamam uma dose de "pico": eles alcanam as alturas por alguns instantes, mas depois preciso voltar para a terra firme e confrontar sua realidade. Como uma borboleta que deseja conquistar o mundo, mas ainda est presa a seu casulo, a felicidade precisa de uma mo muito delicada para libertar-se e ajud-la a existir, seno morre. Os viciados no so os nicos nesta busca desenfreada pela sensao de bem-estar. Ao tentar produzir um resultado emocional a que chamamos de felicidade, a maior parte das pessoas tende a adotar um comportamento diametralmente oposto e passa a sentir-se pssima e inadequada com o inevitvel resultado. At nos darmos conta, estamos todos tentando alcanar o tal "pico" da felicidade.

Este livro se fundamenta na Terapia de Aceitao e Compromisso ACT , uma abordagem empiricamente sustentada que apresenta um novo e inusitado modo de lidar com a questo da felicidade e da satisfao. Em vez de ensinar tcnicas inovadoras para buscar a felicidade, a ACT ensina meios de acabar com o conflito, a fuga e a perda do momento presente. De forma criativa e meticulosa, Russ Harris apresenta essa abordagem a fim de torn-la acessvel ao leitor. Em 33 captulos curtos, ele explora sistematicamente as situaes em que camos na "armadilha da felicidade" e como a ateno plena, a aceitao, a desfuso cognitiva e os valores podem nos libertar dela.

A mensagem positiva contida nestas pginas que no h razo para continuar esperando que a vida comece. A espera pode acabar. Agora. Como um leo preso numa jaula de papel, as pessoas esto, com frequncia, aprisionadas pelas iluses das prprias mentes. Entretanto, apesar das aparncias, a jaula no de fato uma barreira para o esprito humano. H outro caminho mais frente e, com este livro, o Dr. Harris projeta um facho de luz, poderoso e alentador, noite adentro, iluminando essa trilha.

Aproveite a viagem. Voc est em timas mos.

Steven C. Hayes, PhD

Criador da ACT

Universidade de Nevada

IntroduoEU S QUERO SER FELIZ!

Por um momento, suponha que quase tudo em que voc acredita sobre busca da felicidade impreciso, confuso e falso. Suponha tambm que essas mesmas crenas o estejam fazendo infeliz. E se seus esforos para encontrar a felicidade estiverem, na verdade, impedindo-o de alcan-la? E se quase todos os seus conhecidos estivessem no mesmo barco incluindo todos os psiclogos, psiquiatras e gurus da autoajuda que afirmam saber todas as respostas?

No estou fazendo essas perguntas s para chamar ateno. Este livro se baseia num crescente acervo de pesquisas cientficas que sugerem que estamos todos presos numa armadilha psicolgica. Levamos a vida regulados por muitas crenas sobre a felicidade, todas imprecisas e de pouca serventia ideias amplamente aceitas porque "todo mundo sabe que elas so verdadeiras". Essas crenas parecem fazer bastante sentido por isso as encontramos em quase todo livro de autoajuda. Infelizmente, porm, elas so enganosas, e criam um crculo vicioso no qual quanto mais tentamos encontrar a felicidade, mais sofremos. uma armadilha psicolgica to bem-escondida que nem mesmo nos damos conta de que estamos presos.

Essa a m notcia.

A boa notcia que existe esperana. possvel aprender a reconhecer a "armadilha da felicidade" e, mais importante, possvel aprender a escapar dela. Este livro lhe oferece o conhecimento e as habilidades para isso, graas a um recente e revolucionrio avano na psicologia, um modelo poderoso de mudana, conhecido como Terapia de Aceitao e Compromisso, ou ACT.

A ACT foi desenvolvida nos Estados Unidos pelo psiclogo Steven Hayes e por seus colegas Kelly Wilson e Kirk Strosahl. A ACT tem se mostrado espantosamente eficaz na soluo de uma srie de problemas, desde depresso e ansiedade at dor crnica e at mesmo vcio em drogas. Em um estudo notvel, os psiclogos Patty Bach e Steven Hayes empregaram a ACT em pacientes esquizofrnicos e constataram que apenas quatro horas de terapia eram suficientes para reduzir pela metade as taxas de reinternao hospitalar. A ACT tem sido ainda altamente eficaz em problemas menos graves comuns a milhes de ns, como largar o cigarro e reduzir o estresse no local de trabalho. Ao contrrio da maioria das terapias, a ACT tem slidas bases cientficas e, por isso, v sua popularidade aumentar rapidamente entre especialistas do mundo inteiro.

O objetivo da ACT ajud-lo a ter uma vida mais rica, plena e significativa, enquanto lida, de forma eficaz, com a dor, que inevitvel. Ela recorre a seis princpios poderosos, que lhe daro condies de desenvolver uma capacidade autoestimuladora conhecida como "flexibilidade psicolgica".

A felicidade normal?

Hoje, no mundo ocidental, temos um padro de vida mais elevado do que qualquer um alcanado pela humanidade at ento. Dispomos de melhores tratamentos mdicos, melhor alimentao, melhores condies de habitao, melhor saneamento bsico, mais dinheiro, mais servios de assistncia social e mais acesso a educao, justia, viagens, diverso e oportunidades de carreira. A atual classe mdia vive melhor do que a realeza de um tempo no to distante no passado. Mesmo assim, as pessoas no parecem muito felizes. A seo de autoajuda, nas livrarias, est abarrotada de ttulos sobre depresso, ansiedade, estresse, problemas de relacionamento, vcio em drogas, e muito mais. Ao mesmo tempo, h experts na televiso e no rdio nos bombardeando diariamente com conselhos para melhorar a vida. A quantidade de psiclogos, psiquiatras, conselheiros matrimoniais e familiares, assistentes sociais e "orientadores de vida" aumenta a cada ano. Ainda assim, apesar de toda ajuda e aconselhamento, a infelicidade no parece diminuir; pelo contrrio, cresce a passos largos! No haver algo de errado nesse quadro?

As estatsticas so atordoantes: anualmente, quase 30% da populao adulta enfrentam algum transtorno psicolgico. A Organizao Mundial da Sade estima que atualmente a depresso seja a quarta maior, mais cara e mais debilitante doena no mundo, e que, por volta de 2020, ter se tornado a segunda maior. A cada semana, um dcimo da populao adulta sofre de depresso clnica, e uma em cada cinco pessoas enfrentar a doena em algum momento da vida. Alm disso, de cada quatro adultos, um sofrer com o vcio em drogas ou com o alcoolismo hoje existem mais de vinte milhes de alcolatras s nos Estados Unidos.

Entretanto, ainda mais espantoso e preocupante do que todas essas estatsticas que uma em cada duas pessoas considerar seriamente o suicdio e lutar contra a ideia por um perodo de duas ou mais semanas. E o mais apavorante: de cada dez indivduos, um deles, em algum momento, tentar de fato dar cabo da vida.

Pense nesses nmeros por alguns instantes. Pense em seus amigos, na famlia, nos colegas de trabalho. Quase metade deles estar, em algum momento, to tomado pelo sofrimento a ponto de considerar o suicdio. Um em cada dez chegar a tentar. Francamente, a felicidade duradoura no normal!

Por que to difcil ser feliz?

Para responder pergunta acima, faamos uma viagem ao passado. O crebro do homem moderno, com uma incrvel capacidade de anlise, criao e comunicao, evoluiu imensamente nas ltimas centenas de milhares de anos, desde que nossa espcie, a Homo sapiens, surgiu. Nossa mente, porm, no evoluiu para que nos "sentssemos bem" e assim pudssemos contar piadas, escrever poemas ou dizer "eu te amo". Nossa mente evoluiu para nos ajudar a sobreviver num mundo cheio de perigos.

Imagine a si mesmo como um ser humano primitivo, caador e coletor. Quais so suas necessidades bsicas para sobreviver e se reproduzir? So quatro: comida, gua, abrigo e sexo. No entanto, nada disso importa se voc estiver morto. Portanto, a prioridade nmero um da mente do homem primitivo era estar atenta a qualquer coisa que pudesse lhe fazer mal e evit-la. A mente primitiva era basicamente um dispositivo cuja principal funo era evitar a morte, e nisso mostrou-se imensamente til. Quanto melhores nossos antepassados se tornavam em prever e evitar o perigo, mais tempo viviam e maior era sua prole.

Assim, a cada gerao, a mente humana foi se tornando mais gil na previso e na preveno do perigo. Agora, aps cem mil anos de evoluo, ela est de prontido constantemente, avaliando e julgando tudo o que encontra: ser bom ou ruim? Seguro ou perigoso? til ou prejudicial? Entretanto, nos dias atuais, no mais sobre mamutes peludos ou tigres-dentes-de-sabre que nossa mente nos adverte. No lugar destes esto o desemprego, a rejeio, as multas de trnsito, o constrangimento pblico, o cncer e outras mil e uma preocupaes cotidianas. O resultado que gastamos uma enorme quantidade de tempo aflitos com situaes que, muito frequentemente, nem chegam a acontecer.

Outro fator essencial sobrevivncia de qualquer ser humano primitivo pertencer a um grupo. Se o cl nos expulsar, logo seremos atacados pelos lobos. Ento, de que forma a mente nos protege da rejeio? Comparando-nos a outros membros do cl: ser que me encaixo? Ser que estou fazendo a coisa certa? Estou contribuindo o suficiente? Sou to bom quanto os outros? Ser que estou fazendo algo que os leve a me rejeitar?

Soa familiar? Nossa mente est continuamente nos protegendo da rejeio e nos comparando ao resto da sociedade. No de se admirar que nos desgastemos tanto pensando se vo gostar de ns, nem que estejamos sempre procurando nos superar ou nos diminuir por no estarmos " altura" dos demais. H cem mil anos, tnhamos apenas os integrantes do nosso cl de origem como termo de comparao. Hoje, basta uma simples olhada nos jornais, nas revistas ou na televiso para encontrarmos, de imediato, uma multido de pessoas mais inteligentes, mais ricas, mais magras, mais sexies, mais famosas, mais poderosas ou mais bem-sucedidas do que ns. Comparados a essas sedutoras criaes da mdia, nos sentimos inferiores ou decepcionados com a vida. Para piorar, a mente humana est to sofisticada que capaz de criar uma imagem fantasiosa da pessoa que gostaramos de ser para, em seguida, nos comparar a ela! Que chance poderamos ter? Sempre ficar o sentimento de que no somos bons o suficiente.

Para qualquer homem das cavernas ambicioso, a regra do sucesso era: tenha mais e estar melhor. Quanto melhores as armas, mais caa ser abatida. Quanto maiores os estoques de comida, maiores as chances de sobrevivncia em tempos de escassez. Quanto melhor o abrigo, mais proteo contra o mau tempo e os animais selvagens. Quanto maior a prole, maior a probabilidade de que alguns sobrevivam at a idade adulta. No surpresa, portanto, que nossa mente busque constantemente "mais e melhor": mais dinheiro, um emprego melhor, mais status, um corpo melhor, mais amor, um parceiro melhor. Se formos bem-sucedidos, se realmente conseguirmos tudo isso, ento nos consideraremos satisfeitos por algum tempo. Mais cedo ou mais tarde (em geral mais cedo), vamos querer mais.

A evoluo, portanto, configurou e moldou nosso crebro de modo a nos fazer sofrer psicologicamente: comparando, avaliando, criticando a ns mesmos, concentrando-nos naquilo que nos falta, para rapidamente nos deixar decepcionados com o que temos e imaginando cenrios e possibilidades amedrontadoras, que, em geral, jamais se tornaro realidade. No de espantar que o ser humano ache to difcil ser feliz!

O que exatamente a "felicidade"?

Todos a desejamos. Todos ansiamos por ela. Todos lutamos por ela. O prprio Dalai Lama j afirmou: "O verdadeiro propsito da vida buscar a felicidade." Mas o que exatamente a felicidade?

A palavra "felicidade" possui dois significados diferentes. O mais comum "sentir-se bem". Em outras palavras, sentir prazer, alegria ou satisfao. Todos ns gostamos desses sentimentos, portanto no novidade que procuremos por eles. Entretanto, bem como todas as outras emoes, sentimentos de felicidade no duram. No importa o quanto tentemos conserv-los, eles sempre escapam. E como iremos constatar, a busca incessante por esses sentimentos prazerosos tornar nossa vida, a longo prazo, profundamente insatisfatria. Na verdade, quanto mais procurarmos por esses sentimentos agradveis, mais estaremos propensos a sofrer de ansiedade e depresso.

O outro significado de "felicidade", bem menos utilizado, "uma vida mais rica, plena e significativa". quando nos empenhamos por aquilo que, no fundo, realmente importa, vamos na direo que consideramos vlida e legtima, deixamos claro o que queremos da vida e agimos nesse sentido, que nossa vida se torna mais rica, plena e significativa e experimentamos um poderoso sentimento de vitalidade. No algo fugaz, mas a profunda sensao de uma vida bem-vivida. E, embora uma vida assim nos traga, sem dvida, muito de prazer, tambm traz sensaes desconfortveis, como a tristeza, o medo e a raiva. Isso bvio. Se queremos viver uma vida completa, temos que sentir toda a gama de emoes humanas.

Neste livro, como voc j deve ter reparado, estamos muito mais interessados no segundo significado de felicidade do que no primeiro. evidente que todos ns gostamos de nos sentir bem e devemos aproveitar ao mximo quando isso acontece. No entanto, se tentarmos manter essa sensao permanentemente, estaremos fadados ao fracasso.

A dor faz parte da vida; no h escapatria. Todos ns precisamos encarar o fato de que, mais cedo ou mais tarde, ficaremos mais frgeis, adoeceremos e morreremos. Cedo ou tarde, todos ns perderemos relacionamentos preciosos, seja por rejeio, separao ou morte. Cedo ou tarde, nos defrontaremos com crises, decepes e fracassos. Isto significa que, de uma forma ou de outra, todos passaremos por experincias dolorosas.

A boa notcia que, embora no possamos evitar essa dor, temos como aprender a lidar melhor com ela a dar-lhe seu espao, reduzir seu impacto e criar uma vida que valha a pena apesar dela. Este livro vai lhe mostrar como faz-lo. O processo tem trs partes. Na primeira, voc vai entender como cada um cria sua armadilha da felicidade e nela se enreda. Esse primeiro passo fundamental, portanto, no deixe de cumpri-lo. Voc no vai poder escapar da armadilha se no souber como ela funciona. Na segunda parte, em vez de tentar eliminar pensamentos e sentimentos dolorosos, voc aprender a abrir espao para eles, vivenciando-os de uma nova forma, que reduzir seu impacto, esgotar seu poder e diminuir a influncia que eles tm sobre voc. Finalmente, na terceira parte, no lugar de ficar correndo atrs de pensamentos e sentimentos felizes, voc se concentrar na criao de uma vida mais rica e mais significativa. Tudo isso produzir uma sensao de vitalidade e realizao, ao mesmo tempo profundamente gratificante e duradoura.

A jornada frente

Este livro como uma viagem por um pas estrangeiro: a maior parte parecer nova e desconhecida. Outros aspectos parecero familiares, ainda que, de alguma forma, sutilmente diferentes. Por vezes, voc se sentir desafiado ou confrontado; noutras, entusiasmado ou entretido. No tenha pressa. Em vez de sair correndo, saboreie a experincia por completo. Pare quando encontrar algo estimulante ou incomum. Explore a fundo e aprenda o mximo possvel. Criar uma vida que valha a pena uma grande empreitada, portanto, por favor, dedique tempo para apreci-la.

PARTE 1

Como montamos a Armadilha da Felicidade

Captulo 1CONTOS DE FADASQual a ltima frase de todo conto de fadas? Adivinhou: "...e viveram felizes para sempre". Mas os finais felizes no esto s nos contos de fadas. E os filmes de Hollywood? No h em quase todos eles um arremate idlico, no qual o Bem vence o Mal, o amor tudo supera e o heri derrota o vilo? Isso no acontece tambm na maior parte dos romances e programas de televiso? Adoramos finais felizes porque a sociedade diz que assim deveria ser a vida: s alegria e diverso, paz e contentamento, felicidade sem fim. Mas isso soa realista? Tem a ver com a sua experincia de vida? Este um dos quatro grandes mitos que compem o esquema bsico da armadilha da felicidade. Vamos dar uma olhada nesses mitos, um por um.

Mito n 1: A felicidade o estado natural de todo ser humano

Nossa cultura insiste no fato de que os seres humanos so naturalmente felizes. Entretanto, as estatsticas citadas na introduo contrariam essa ideia. Recordando: um em cada dez adultos tenta o suicdio e um em cada cinco tem depresso. E, alm disso, a probabilidade estatstica de que voc sofra de algum distrbio psiquitrico em qualquer estgio da vida de quase 30%.

Alm disso, se acrescentarmos toda a dor causada por problemas que no so classificados como distrbios psiquitricos a solido, o divrcio, o estresse no trabalho, a crise da meia-idade, problemas de relacionamento, o isolamento social e a sensao de que falta um sentido ou propsito na vida , comeamos a perceber quo rara a verdadeira felicidade. Infelizmente, muitas pessoas andam por a acreditando que todo o resto do mundo feliz, menos elas. Claro voc j adivinhou , trata-se de uma crena que gera ainda mais infelicidade.

Mito n 2: Se voc no feliz, voc no normal

Como decorrncia lgica do mito n 1, a sociedade ocidental pressupe que o sofrimento mental anormal. Ele visto como fraqueza ou doena, produto de uma falha ou defeito. O que significa que, inevitavelmente, ao termos pensamentos e sentimentos dolorosos, nos criticamos por sermos fracos ou tolos.

A Terapia de Aceitao e Compromisso se fundamenta numa premissa radicalmente diferente: os processos mentais normais da mente humana saudvel levam naturalmente ao sofrimento psicolgico. Voc no anormal; sua mente est s acompanhando a evoluo. Felizmente, a ACT nos ensina a lidar com a mente de maneira mais eficaz, melhorando a vida de modo substancial.

Mito n 3: Precisamos nos livrar dos sentimentos negativos para ter uma vida melhor

Vivemos numa sociedade hedonista, numa cultura profundamente obcecada com a felicidade. E o que essa sociedade nos orienta a fazer? Eliminar os sentimentos "negativos" e acumular, no lugar, os "positivos". uma teoria atraente e, a julgar pelas aparncias, faz algum sentido. Afinal, quem quer sentimentos desagradveis? Entretanto, aqui est o truque: aquilo que costumamos valorizar mais carrega consigo uma grande variedade de sentimentos, tanto agradveis quanto desagradveis. Por exemplo, num relacionamento ntimo estvel, embora vivenciemos sentimentos maravilhosos, como amor e alegria, inevitvel que tambm passemos por decepes e frustraes. O parceiro ideal no existe e, mais cedo ou mais tarde, conflitos vo aparecer.

O mesmo vale para quase qualquer outro projeto significativo. Embora em geral tragam empolgao e entusiasmo, quase sempre tambm nos causam estresse, medo e ansiedade. Portanto, se voc acredita no mito n 3, est em grandes apuros, j que praticamente impossvel buscar uma melhoria de vida sem a capacidade de passar por uma situao desagradvel. Entretanto, na 2 parte deste livro, voc ir aprender a lidar com esses sentimentos desconfortveis de forma inteiramente diferente, a vivenci-los de modo que seu impacto seja bem menor.

Mito n 4: Voc tem de ser capaz de controlar o que pensa e o que sente

O fato que temos muito menos controle sobre o que pensamos e sentimos do que gostaramos. No que no tenhamos nenhum controle, mas temos muito menos do que os experts tentam nos fazer acreditar. No entanto, possumos, sim, controle sobre nossas aes, e atravs delas que criamos uma vida rica, plena e significativa.

A maioria avassaladora dos programas de autoajuda se baseia no mito n 4. A argumentao bsica : se voc confrontar seus pensamentos ou imagens negativas e, em seu lugar, se concentrar repetidamente em pensamentos e imagens positivas, voc encontrar a felicidade. Como se fosse assim to simples!

Aposto que voc j tentou pensar positivamente vrias vezes e ainda assim a negatividade continuou voltando, no ? Conforme vimos na introduo, a mente humana evoluiu por centenas de milhares de anos at pensar da forma atual, portanto improvvel que uns poucos pensamentos positivos a modifiquem muito. No que essas tcnicas no funcionem; elas podem, sim, trazer uma melhora temporria. Porm, no eliminaro os pensamentos negativos a longo prazo.

O mesmo vale para sentimentos "negativos" como raiva, medo, tristeza, insegurana e culpa. Existe um sem-nmero de estratgias para "nos livrarmos" deles. No entanto, voc sem dvida j descobriu que, mesmo quando se vo, eles logo esto de volta. Ento vo embora de novo, para voltarem novamente. Isso se repete sucessivas vezes. provvel que, se voc for igual aos demais humanos do planeta, j tenha perdido um bocado de tempo tentando ter sentimentos "bons" no lugar dos "ruins", e provavelmente percebeu que, se no ficar muito aflito, pode, at certo ponto, conseguir. Por outro lado, talvez tenha tambm descoberto que, medida que o nvel de angstia se eleva, a capacidade de controlar os sentimentos diminui. Infelizmente, a crena no mito n 4 to forte que tendemos a nos sentir inadequados quando falhamos na tentativa de controlar pensamentos e sentimentos.

Esses quatro poderosos mitos configuram o esquema bsico da armadilha da felicidade. Eles nos preparam para uma luta que jamais venceremos: a luta contra nossa prpria natureza. essa luta que monta a armadilha. No prximo captulo, vamos nos fixar nos detalhes desse embate, mas consideremos primeiro por que esses mitos esto to arraigados em nossa cultura.

A iluso do controle

A mente humana nos proporcionou uma enorme vantagem como espcie. Ela nos permite fazer planos, inventar, coordenar, analisar problemas, compartilhar conhecimentos, aprender com as experincias e imaginar novas perspectivas. As roupas que voc est vestindo, a cadeira em que est sentado, o teto acima da sua cabea, o livro em suas mos nada disso existiria no fosse pela engenhosidade da mente humana. Ela nos permite moldar o mundo ao nosso redor e ajust-lo aos nossos desejos, providenciando calor, abrigo, comida, gua, proteo, saneamento e medicamentos. No de surpreender que essa incrvel capacidade de controle sobre o ambiente nos leve a esperar controlar tambm outras esferas.

As estratgias de controle costumam funcionar bem no mundo material. Quando no gostamos de algo, encontramos um jeito de evit-lo ou de nos livrarmos dele. H um lobo cercando voc? Livre-se dele. Jogue pedras, atire lanas ou d-lhe um tiro. Neve, chuva ou granizo? Bem, isso voc no consegue eliminar, mas pode evitar, escondendo-se numa caverna ou construindo um abrigo. Solo seco, rido? Recorra irrigao e fertilizao ou evite-o, buscando um solo frtil.

No entanto, que grau de controle temos sobre nosso mundo interno o mundo dos pensamentos, das lembranas, das emoes, dos anseios e das sensaes? Temos como simplesmente evitar ou descartar aquilo que no nos agrada? Bem, vejamos. Proponho um pequeno experimento. Enquanto estiver lendo este pargrafo, tente no pensar sobre seu sabor de sorvete predileto. No considere cor ou textura. No pense no gosto que ele tem num dia quente de vero nem em como boa a sensao que deixa ao derreter na boca.

Como se saiu? Exatamente! No conseguiu parar de pensar no sorvete.

Vamos a outro pequeno experimento. Volte lembrana mais remota de sua infncia. Mantenha a imagem dela na cabea. Conseguiu? timo. Agora apague-a. Remova completamente a lembrana para que jamais lhe ocorra novamente.

Como foi? (Se pensa que conseguiu, verifique se ainda consegue se lembrar dela.)

Em seguida, concentre-se na perna esquerda e perceba como a sente. Tudo bem? timo. Faa, agora, com que ela fique completamente dormente to dormente a ponto de poder serr-la sem sentir nada.Conseguiu?

Tudo bem, agora um experimento com o pensamento. Imagine algum apontando uma arma carregada para sua cabea, dizendo que no deve sentir medo e que, ao menor vestgio de ansiedade, a arma ser disparada. Ser que voc conseguiria no se sentir ansioso em tal situao, mesmo com a vida em risco? ( claro que poderia fingir tranquilidade, mas ser que poderia sentir-se tranquilo de verdade?)

Agora um ltimo experimento. Olhe para a estrela abaixo, e em seguida veja se consegue parar de pensar por dois minutos. s o que tem a fazer. Por dois minutos, evite qualquer tipo de pensamento principalmente os referentes estrela.

Felizmente, a essa altura voc j deve ter entendido que pensamentos, sensaes e lembranas no so to fceis de controlar. No que voc possua nenhum controle sobre eles; voc apenas tem muito menos controle do que imagina. Falando claramente, se essas coisas fossem to fceis de controlar, no estaramos vivendo em eterna bem-aventurana? Como aprendemos a ter controle

Desde muito cedo, nos ensinaram que poderamos controlar nossos sentimentos. medida que crescemos, ouvimos muitas expresses do tipo no chore, no fique desanimado, pare de sentir pena de si mesmo, no h nada a temer.Com palavras dessa ordem, os adultos nossa volta nos enviaram a mensagem, repetidas vezes, de que deveramos ser capazes de controlar nossos sentimentos. Para ns, eles pareciam controlar os seus prprios. Mas o que acontecia a portas fechadas? Tudo leva a crer que muitos desses adultos no lidavam to bem com a prpria dor. Talvez estivessem bebendo alm da conta, tomando tranquilizantes, chorando toda noite at cair no sono, tendo casos amorosos, se matando de trabalhar ou sofrendo em silncio, com lceras no estmago. Seja qual fosse a sua forma de suportar, provavelmente no compartilharam essas experincias com voc.

Nas raras ocasies em que voc os presenciou perdendo o controle, provavelmente no ouviu "Tudo bem, essas lgrimas so porque estou sentido uma coisa chamada tristeza. um sentimento normal e possvel aprender a lidar bem com ele". O que no nada surpreendente; eles no conseguiam explicar como lidar com as emoes porque no sabiam.

A ideia de que voc deve ser capaz de controlar seus sentimentos foi, sem dvida, reforada nos tempos de escola. As crianas que choravam sofriam provocaes por serem "bebs chores" ou "maricas" principalmente os meninos. Depois, j mais velho, voc deve ter ouvido (ou mesmo dito) frases como "deixa disso!", "isso acontece", "sai dessa!", "relaxa!", "no seja fraco!", "parte pra outra!", e assim por diante.Frases como essas implicam uma capacidade de ligar e desligar os sentimentos segundo nossa vontade, como se apertssemos um boto. E por que esse mito to convincente? Porque aqueles que nos rodeiam parecem felizes. Parecem estar no controle. "Parecem" a palavra-chave. O fato que a maioria das pessoas no honesta sobre seus conflitos internos com seus pensamentos e sentimentos. Elas colocam uma mscara de bravura e "aguentam firme". como na clebre histria do palhao que chora por dentro: o que vemos um rosto colorido e trejeitos engraados. Costumo ouvir dos meus pacientes que "se meus amigos/famlia/colegas pudessem me ouvir, jamais acreditariam. Todos me acham to forte/ confiante/feliz/independente".

Penny, uma recepcionista na faixa dos trinta anos, me procurou seis meses aps o nascimento do primeiro filho. Sentia-se cansada e cheia de dvidas sobre sua capacidade como me. As vezes achava-se incompetente e incapaz, querendo fugir de toda responsabilidade. Em outros momentos, sentia-se exausta, desgostosa, imaginando se a maternidade no teria sido um grande erro. Para completar, havia a culpa por ter esses pensamentos! Embora Penny frequentasse regularmente um grupo de apoio para mes, mantinha seus problemas em segredo. As outras mes pareciam to confiantes que ela temia ser malvista caso se abrisse. Quando Penny finalmente reuniu foras para compartilhar suas experincias com as outras, sua confisso quebrou o silncio: todas sentiam o mesmo de alguma forma, mas se vangloriavam na presena das outras, escondendo os verdadeiros sentimentos por temer a rejeio. Houve um enorme alvio quando aquelas mulheres se expressaram e foram honestas umas com as outras.

Numa generalizao grosseira, os homens costumam ser bem piores do que as mulheres em admitir suas preocupaes mais profundas, por serem treinados para ser estoicos, educados para guardar seus sentimentos e escond-los. Contudo, muitas mulheres tambm relutam em dizer, mesmo para os amigos mais prximos, que se sentem deprimidas, ansiosas, ou que no conseguem dar conta, por medo de serem julgadas fracassadas ou tolas. O silncio sobre o que realmente sentimos e a fachada que nos impomos s servem para fortalecer a iluso de controle.

Assim, a pergunta : at que ponto voc tem sido influenciado por esses mitos de controle? O questionrio das prximas pginas vai ajud-lo a descobrir.

QUESTIONRIOControle dos pensamentos e sentimentos

Este questionrio foi adaptado de testes semelhantes, elaborados por Steven Hayes, Frank Bond, entre outros. Quando a expresso "pensamentos e sentimentos negativos" utilizada, ela se refere a uma gama de sentimentos dolorosos (raiva, depresso e ansiedade) e pensamentos dolorosos (ms recordaes, imagens perturbadoras e autoavaliaes implacveis). Para cada par de afirmativas, escolha aquela que mais se ajusta sua forma de sentir. A alternativa que escolher no precisa ser sempre 100% verdadeira para voc; apenas escolha a resposta que lhe parecer mais representativa de suas atitudes em geral.

1a. Preciso saber controlar bem meus sentimentos para ser bem-sucedido.

1b. No preciso saber controlar bem meus sentimentos para ser bem-sucedido.

2a. A ansiedade ruim.

2b. A ansiedade no boa nem ruim. s um sentimento desagradvel.

3a. Pensamentos e sentimentos negativos me faro mal se eu no os controlar ou me livrar deles. 3b. Pensamentos e sentimentos negativos no me faro mal mesmo se causarem mal-estar.

4a. Tenho medo de alguns de meus sentimentos mais fortes.

4b. Nenhum sentimento me d medo, seja forte ou no.

5a. Para realizar algo importante, preciso eliminar toda e qualquer dvida. 5b. Posso realizar algo importante mesmo tendo dvidas.

6a. Quando surgem pensamentos e sentimentos negativos, importante reduzi-los ou livrar-se deles o mais rpido possvel.

6b. Tentar reduzir ou eliminar pensamentos e sentimentos negativos em geral traz problemas. Se eu simplesmente permitir que aconteam, eles sero parte natural da vida.

7a. A anlise dos problemas o melhor mtodo para administr-los; em seguida deve-se usar seu resultado para livrar-se deles.

7b. O melhor mtodo para administrar pensamentos e sentimentos negativos reconhecer sua existncia e deixar que aconteam, sem analis-los ou julg-los.

8a. Vou me sentir "feliz" e "saudvel" se melhorar minha capacidade de evitar, reduzir ou me livrar de pensamentos e sentimentos negativos.

8b. Vou me sentir "feliz" e "saudvel" permitindo que os pensamentos e sentimentos negativos tenham livre trnsito e aprendendo a viver bem com eles.

9a. No conseguir eliminar ou me livrar de uma reao emocional negativa sinal de falha ou fraqueza pessoal.

9b. A necessidade de controlar ou me livrar de uma reao emocional negativa um problema em si.

10a. Ter pensamentos e sentimentos negativos indicativo de que no sou psicologicamente saudvel ou de que tenho problemas.

10b. Ter pensamentos e sentimentos negativos significa que sou um ser humano normal.

11a. Aqueles que tm controle sobre suas vidas podem, em geral, controlar como se sentem.

11b. Aqueles que tm controle sobre suas vidas no precisam controlar seus sentimentos.12a. No bom sentir ansiedade e tento evit-la. 12b. No gosto da ansiedade, mas no h nada de errado em senti-la.

13a. Pensamentos e sentimentos negativos so sinais de que h algo errado.

13b. Pensamentos e sentimentos negativos so parte inevitvel da vida de qualquer um.

14a. Tenho de me sentir bem para realizar algo importante e desafiador.

14b. Posso realizar algo importante ou desafiador mesmo ansioso ou deprimido.15a. Tento eliminar pensamentos e sentimentos negativos que me desagradam evitando pensar sobre eles.

15b. No tento eliminar pensamentos e sentimentos que me desagradam. Deixo que transitem livremente.

Para saber o resultado do teste, conte o nmero de vezes que escolheu "a" ou "b". (Peo-lhe para manter o resultado mo. No final do livro, vou pedir que refaa o teste.)

Quanto mais alternativas "a" tiver escolhido, maior a probabilidade de que o controle represente um sofrimento considervel em sua vida. Como? Este o assunto do prximo captulo.Captulo 2CRCULOS VICIOSOS"O que h de errado comigo?", pergunta Michelle, em lgrimas. "Tenho um marido maravilhoso, filhos maravilhosos, um excelente emprego, uma casa linda. Estou em forma, com sade e dinheiro. Por que no sou feliz?" uma boa pergunta. Michelle parece ter tudo o que deseja. O que h de errado, ento? Voltaremos a ela mais adiante neste captulo, mas, por agora, vamos dar uma olhada no que est acontecendo em sua vida.

Suponho que, se voc est lendo este livro, porque sua vida poderia estar melhor do que est. Talvez seu relacionamento afetivo v mal ou voc se sinta s ou inconsolvel. Talvez odeie seu emprego ou talvez o tenha perdido. Talvez sua sade esteja abalada. Talvez tenha perdido uma pessoa querida ou sido rejeitado por ela ou, quem sabe, ela tenha se mudado para muito longe. Talvez sua autoestima esteja em baixa ou sua autoconfiana quase nula. Talvez voc tenha algum vcio ou esteja passando por dificuldades legais ou financeiras. Talvez esteja deprimido, ansioso ou completamente esgotado. Talvez se sinta paralisado ou desiludido.

Seja qual for o problema, sem dvida ele provoca pensamentos e sentimentos negativos e voc j deve ter perdido muito tempo e esforo tentando fugir deles ou escond-los. Suponha, porm, que essas tentativas estejam, na verdade, piorando sua vida? Na ACT temos um ditado: "A soluo o problema!"

Como a soluo se torna um problema?

O que voc faz quando sente coceira? Voc coa, certo? E em geral funciona to bem que voc nem percebe: s cocar e a coceira vai embora. Problema resolvido. Imagine, porm, que um belo dia aparea um eczema. O prurido muito forte, voc coca e, como as clulas da epiderme esto altamente sensveis, elas acabam liberando uma substncia qumica chamada histamina, que provoca mais irritao e inflamao. Assim, logo, logo a coceira volta mais intensa do que antes. E, claro, se voc cocar novamente, vai at piorar.

Coar uma boa soluo para uma irritao passageira em uma pele saudvel. No entanto, no caso de coceira persistente numa pele ferida, pior. A "soluo" se torna parte do problema. o que chamamos de "crculo vicioso", e, na esfera das emoes humanas, os crculos viciosos so muito comuns. Seguem alguns exemplos:

Joseph teme a rejeio, e por isso se sente muito ansioso quando convive socialmente. Ele no quer mais se sentir assim, portanto, dentro do possvel, evita se socializar. No aceita convites para festas. No procura fazer amigos. Vive sozinho e fica em casa toda noite. Por isso, nas raras ocasies em que de fato interage com outros, fica mais ansioso do que nunca, por falta de prtica. Alm disso, por morar sozinho e no ter amigos ou vida social, sente-se completamente rejeitado, justamente o que teme!

Yvonne tambm fica ansiosa em situaes sociais e lida com isso bebendo alm da conta. A curto prazo, o lcool reduz a ansiedade. No dia seguinte, porm, a ressaca e o cansao quase sempre trazem arrependimento pelo dinheiro gasto com a bebida ou preocupao com seu comportamento constrangedor. evidente que ela consegue driblar a ansiedade por algum tempo, mas o preo pago uma quantidade enorme de outros sentimentos desagradveis e mais duradouros. Sempre que ela estiver num ambiente social em que no puder beber, a ansiedade ser maior do que nunca, por no contar com o apoio que o lcool proporciona.

H muita tenso acumulada entre Andrew e sua esposa, Sylvana. Sylvana se aborrece com Andrew porque ele trabalha muitas horas seguidas e no passa tempo suficiente com ela. Andrew no gosta desse clima tenso em casa, ento, para evit-lo, trabalha mais ainda. Quanto mais horas ele trabalha, mais insatisfeita Sylvana fica, e a tenso no relacionamento entre eles s cresce.

Danielle est acima do peso e odeia isso, por isso come chocolate para levantar o nimo. Por alguns momentos, sente-se melhor, mas, em seguida, lembra do nmero de calorias ingeridas e do quanto vai engordar. Danielle acaba mais infeliz do que nunca.

Ahmed est fora de forma e quer recuper-la novamente. Ele comea a malhar, mas, por estar sem preparo fsico, isso mais difcil, e ele se sente desconfortvel. Ahmed no gosta do desconforto, logo o seu condicionamento fsico cai para nveis ainda mais baixos.

Como voc pode ver, so todos exemplos de tentativas para descartar, evitar ou fugir de sentimentos negativos. Atribumos a elas o nome de "estratgias de controle", por serem esforos para controlar diretamente seu modo de sentir. O quadro a seguir apresenta algumas estratgias de controle mais comuns, organizadas em duas categorias principais: estratgias de fuga e estratgias de luta. As estratgias de fuga envolvem fugir ou se esconder de pensamentos e sentimentos indesejados. As estratgias de luta envolvem o combate ou o domnio de seus pensamentos e sentimentos.Estratgias de controle mais comuns

ESTRATGIAS DE FUGAESTRATGIAS DE LUTA

Esconderijo/FugaEliminao

Voc evita ou se esconde de pessoas, lugares, situaes ou atividades que tendem a despertar pensamentos e sentimentos desconfortveis. Por exemplo, deixa de fazer um curso ou cancela um evento social para evitar a ansiedade.Voc tenta eliminar diretamente os pensamentos e sentimentos. Expulsa da cabea pensamentos indesejados ou empurra-os para o "fundo" da mente.

DistraoDiscusso

Voc se distrai de pensamentos e sentimentos indesejados concentrando-se em outra coisa. Por exemplo, ao se sentir entediado ou ansioso, voc acende um cigarro, toma um sorvete ou vai s compras. Ou est aborrecido com algo importante no trabalho e passa a noite na frente da TV para tentar manter a mente afastada dele.Voc discute com os prprios pensamentos. Por exemplo, se sua mente afirma "voc um fracasso", voc responde "no sou, no olha s tudo o que j realizei no trabalho". Por outro lado, tambm discute com a realidade, protestando: "Isso no deveria ser assim!"

Desligamento/EntorpecimentoGerenciamento

Voc tenta eliminar seus pensamentos e sentimentos desligando-se da realidade ou se entorpecendo, na maioria das vezes pelo uso de remdios, drogas ou lcool. Alguns ficam entorpecidos dormindo demais ou simplesmente "olhando para a parede".Voc tenta gerenciar seus pensamentos e sentimentos dizendo para si mesmo, por exemplo, "deixa disso!", "acalme-se!" ou "nimo!", ou tenta forar um sentimento de felicidade que no existe.

Autointimidao

Voc se provoca para sentir algo diferente. Pode se chamar de "perdedor" ou "idiota" ou se criticar e culpar: "No seja to pattico! Voc pode lidar com isso. Por que tem que ser to covarde?"

O problema com o controle

Qual o problema de usar esses mtodos para controlar pensamentos e sentimentos? Nenhum, desde que:

utilizados moderadamente;

utilizados apenas em situaes nas quais funcionem;

utiliz-los no o impea de fazer aquilo que valoriza.

Caso no esteja aborrecido ou angustiado demais se estiver lidando apenas com o estresse dirio , tentativas deliberadas de controlar seus pensamentos e sentimentos no costumam ser um problema. Em certas situaes, a distrao pode ser uma boa maneira de lidar com emoes desagradveis. Se voc acaba de ter uma briga com seu companheiro e est magoado e com raiva, pode ser til distrair-se fazendo uma caminhada ou enfiando a cara num livro at recuperar a calma. Outras vezes, o desligamento pode ser benfico. Por exemplo, se est estressado e exaurido depois de um dia estafante no trabalho, adormecer no sof pode ser a soluo certa para se revigorar.

Entretanto, mtodos de controle se tornam problemticos quando:

so utilizados em excesso;

so utilizados em situaes ineficazes;

impedem-no de fazer aquilo que realmente valoriza.

Uso excessivo do controle

Todos ns, em diferentes medidas, lanamos mo de estratgias de controle para evitar ou descartar sentimentos difceis. Quando no h exagero, isso no problema. Por exemplo, quando me sinto especialmente ansioso, s vezes, para me distrair, como uma barra de chocolate. Por s fazer isso de vez em quando, no causo um grande problema na minha vida. Mantenho um peso saudvel e no sou diabtico. Entretanto, quando tinha vinte e poucos anos, o quadro era outro. Naquela poca, eu comia montes de biscoitos e chocolates, na tentativa de evitar a ansiedade (num dia ruim, chegava a devorar cinco pacotes gigantes de chocolate), o que me fez engordar bastante e ter um quadro hipertensivo. Logo, quando usada em excesso, essa uma estratgia de controle com srias consequncias.

Com o nervosismo na vspera de uma prova, voc pode tentar se distrair assistindo TV. Ora, tudo bem se voc fizer isso de vez em quando, mas, se exagerar, acabar deixando o estudo de lado, logo gerando uma fonte maior de ansiedade. Sendo assim, como mtodo para controle da ansiedade, a distrao no funciona a longo prazo. Acontece o bvio: a sua maneira de lidar com a ansiedade o impede de fazer a nica coisa realmente til estudar.

O mesmo vale para se desligar com bebida ou drogas. O lcool ingerido com moderao e um tranquilizante aqui e ali provavelmente no tero consequncias graves. No entanto, se tais mtodos de controle se transformarem em muleta, podem facilmente acabar em dependncia, e ela ocasiona incontveis complicaes e sentimentos ainda piores.

Uso do controle em situaes em que ele no funciona

Quando amamos algum profundamente e o relacionamento acaba seja por morte, rejeio ou separao , sentimos dor. O nome dessa dor luto. O luto uma reao emocional normal diante de uma perda significativa, seja de uma pessoa querida, do emprego ou de uma parte do corpo. E, uma vez aceita, ela passa no tempo certo.

Infelizmente, muitos de ns se recusam a aceitar o luto. Fazemos qualquer coisa menos senti-lo. Enterramo-nos no trabalho, bebemos "todas", nos atiramos em outro relacionamento por vingana ou nos entorpecemos com medicamentos tarja preta. No entanto, no importa o quanto tentemos expulsar o luto, ele continua l no fundo, dentro de ns. Mais cedo ou mais tarde, ele vai voltar.

como segurar uma bola dentro d'gua. Enquanto a estiver segurando, ela permanecer submersa. Quando seu brao cansar e voc relaxar, ela saltar para a superfcie.

Aos 25 anos, Donna perdeu o marido e a filha num trgico acidente de carro. Naturalmente, ela sentiu uma exploso de tristeza, medo, solido e desespero. Sem conseguir aceitar todos esses sentimentos, Donna passou a beber para afast-los. Bbada, afastava temporariamente a dor, mas, ao recuperar a sobriedade, o luto voltava com toda a fora, e ela bebia ainda mais para expuls-lo novamente. Quando me procurou seis meses depois, Donna dava cabo de duas garrafas de vinho por dia, tomava Valium e outros sonferos. O nico fator dominante em sua recuperao foi a predisposio para parar de fugir de toda aquela dor. Somente quando se abriu para os seus sentimentos e os aceitou como parte natural do luto foi que ela se conformou com a terrvel perda. Isso lhe possibilitou sofrer por seus entes queridos e canalizar energia para construir uma nova vida. (Mais adiante, vamos ver como Donna conseguiu.)

Quando o uso do controle nos impede de fazer aquilo que valorizamos

O que voc mais valoriza na vida? Sade? Trabalho? Famlia? Amigos? Religio? Esportes? Natureza? evidente que a vida mais rica e plena quando investimos tempo e energia no que mais importante e significativo para ns. Ainda assim, nossas tentativas de evitar sentimentos desagradveis atrapalham, desviando-nos daquilo que realmente valorizamos.

Por exemplo, imagine que voc um ator profissional e adore o seu trabalho. Certo dia, "do nada", voc passa a sentir um medo enorme do fracasso, bem quando est prestes a entrar em cena. Voc se recusa a prosseguir, e essa recusa reduz temporariamente o medo, mas tambm impede que voc faa algo de que realmente goste.

J em outra situao, suponha que acaba de se divorciar. Tristeza, medo e raiva so reaes naturais, mas voc no quer vivenciar sentimentos to desagradveis. Ento comea a se alimentar mal, ficar bbado e fumar um cigarro atrs do outro. Mas o que tudo isso faz com sua sade? No conheo uma s pessoa que no valorize a sade, e, ainda assim, muita gente recorre a estratgias de controle que prejudicam o organismo.

Quanto controle realmente temos?

Nosso controle sobre pensamentos e sentimentos depende muito da sua intensidade e da situao quanto menos intensa e estressante ela for, maior ser nosso controle. Por exemplo, no caso de um estresse tpico do cotidiano, em um ambiente seguro e confortvel, como o nosso quarto, uma aula de ioga ou o consultrio de um orientador ou terapeuta, uma simples tcnica de relaxamento traz logo a calma. Entretanto, quanto mais intensos forem os pensamentos e sentimentos e quanto mais estressante for o ambiente, menos eficazes sero os esforos de controle. Tente se sentir totalmente relaxado ao se preparar para uma entrevista, ao discutir com o companheiro ou ao convidar algum para sair, e logo vai perceber do que estou falando. Embora seja possvel agir calmamente nessas situaes, voc no vai se sentir relaxado, no importa o quanto utilize tcnicas de relaxamento.

Conseguimos controlar mais os pensamentos e os sentimentos quando aquilo que evitamos no muito importante. Por exemplo, se voc estiver evitando uma faxina na garagem ou no carro, ser fcil no pensar nisso. Por qu? Porque, pela ordem natural das coisas, ela no to importante assim. Se deixar de faz-la, o sol vai nascer amanh e voc continuar respirando, s que a garagem ou o carro continuaro bagunados. No entanto, suponha que aparea uma mancha escura e estranha no brao e voc evite ir ao mdico. Seria fcil no pensar nisso? claro que voc poderia ir ao cinema, assistir TV ou navegar na internet e talvez, por algum tempo, pararia de pensar na mancha. Em algum momento, porm, voc inevitavelmente voltaria a ela, j que as consequncias por no tomar uma providncia so potencialmente graves.

Sendo assim, j que muito daquilo que evitamos no de grande importncia, e porque muitos dos nossos pensamentos e sentimentos negativos no so assim to intensos, achamos que nossas estratgias podem nos fazer sentir melhor ao menos por algum tempo. Infelizmente, porm, isso nos leva a acreditar que nosso controle sobre a realidade maior do que o que temos. Essa falsa noo composta pelos mitos que vimos no captulo anterior.

O que o controle tem a ver com a armadilha da felicidade?

A armadilha da felicidade montada por meio de estratgias de controle ineficazes. Para ficarmos felizes, tentamos controlar o que sentimos. Essas estratgias, contudo, tm trs custos significativos:

1. Consomem muito tempo e esforo e, a longo prazo, se mostram ineficazes.

2. Sentimo-nos idiotas, tolos ou fracos porque os pensamentos ou sentimentos que tentamos eliminar continuam voltando.

3. Muitas estratgias que, a curto prazo, abrandam os sentimentos desagradveis acabam por piorar nossa qualidade de vida.

Os resultados indesejados levam a mais sentimentos desagradveis e a outras tentativas de control-los. um crculo vicioso. O termo tcnico utilizado pelos psiclogos para o uso inadequado ou excessivo das estratgias de controle "fuga experincia". A fuga experincia a tentativa continuada de evitar, escapar ou se livrar de pensamentos, sentimentos e lembranas indesejadas mesmo que isso seja prejudicial, intil ou oneroso. (Chamamos de "fuga experincia" porque pensamentos, sentimentos, lembranas, sensaes etc. so "experincias pessoais".) A fuga experincia uma causa importante para a depresso, a ansiedade, o vcio em drogas e lcool, os distrbios alimentares e diversos outros problemas psicolgicos.

Resumindo, eis a armadilha da felicidade: com a inteno de encontr-la, tentamos evitar ou nos livrar de sentimentos ruins; no entanto, quanto mais tentamos, mais sentimentos ruins criamos. importante que voc adquira uma noo dessa dinmica, que acredite na experincia pessoal em vez de simplesmente naquilo que est lendo. Portanto, ciente disso, realize o exerccio proposto a seguir. (Voc pode fazer o download de um formulrio contendo este exerccio em ingls - na pgina na internet: www.thehappinesstrap.com )QUESTIONRIOO preo da fugaEm primeiro lugar, complete a frase: "Os pensamentos/ sentimentos dos quais eu mais gostaria de me livrar so..."

A seguir, dedique alguns minutos a fazer uma lista de tudo que j tenha tentado para evitar ou se ver livre de pensamentos e sentimentos desagradveis. Tente lembrar-se de cada estratgia j utilizada (seja de forma deliberada ou mecnica). Inclua o maior nmero possvel de exemplos, tais como: evitar pessoas, lugares ou situaes em que o sentimento ocorre; usar drogas, lcool ou medicamentos de tarja preta; se criticar ou se punir; negar; acusar; empregar visualizaes, hipnose, afirmaes positivas ou livros de autoajuda; procurar orientao profissional ou terapia; rezar; conversar longamente com amigos; manter um dirio pessoal; fumar; comer; dormir; adiar decises e mudanas importantes; mergulhar no trabalho/no convvio social/em hobbies/em exerccios; ou repetir para si mesmo: "Vai passar." Feito isto, percorra a lista e, em cada item, pergunte-se:

1. Consegui me livrar, a longo prazo, dos pensamentos e sentimentos desagradveis?

2. O que isso me custou em termos de tempo, energia, dinheiro, sade, relacionamentos e vitalidade?

3. Isso me trouxe uma vida mais rica, plena e significativa?

Agora, por favor, faa o exerccio antes de continuar a leitura. Mesmo que no escreva suas respostas, peo que dedique bem uns 15 minutos ao assunto.

Se voc fez o exerccio com ateno, provvel que tenha feito trs descobertas:

1. J investiu muito tempo, esforo e energia tentando evitar ou se livrar de pensamentos e sentimentos difceis.

2. Muitas das estratgias utilizadas fizeram voc se sentir melhor de imediato, mas no eliminaram seus pensamentos e sentimentos a longo prazo.

3. Muitas das estratgias listadas envolveram um custo significativo em termos de dinheiro, tempo e energia, alm de efeitos negativos sobre sua sade, sua vitalidade e seus relacionamentos. Em outras palavras, trouxeram algo de bom mas passageiro, e acabaram piorando sua qualidade de vida.

Est atrapalhado, confuso ou perturbado? Em caso positivo... timo! Esse um importante paradigma de mudana: pr em cheque crenas profundamente arraigadas. Reaes fortes so normais.

claro que, se suas estratgias de controle no geram custos significativos ou o aproximam da vida que deseja ter, no so problemticas, e voc no precisa se concentrar nelas. S estamos preocupados com as estratgias que afetam a sua qualidade de vida.

"Espere a", ouo voc dizendo. "Por que voc no falou sobre fazer caridade, trabalho voluntrio ou se preocupar com os amigos? No de se esperar que servir ao prximo trouxesse felicidade?" Boa observao. No entanto, tenha em mente que no s o que voc faz que importa a motivao conta tambm. Se voc faz doaes para se livrar da sensao de egosmo, se voc se mata de trabalhar para evitar sentimentos de inadequao, ou se voc cuida dos amigos para compensar o medo da rejeio, provavelmente no vai obter grande satisfao nessas atividades. Por qu? Porque quando sua motivao bsica evitar pensamentos e sentimentos desagradveis, isso exaure sua alegria e sua vitalidade. Por exemplo, tente se lembrar da ltima vez em que comeu algo delicioso para fugir do estresse, do tdio ou da ansiedade. H chances de no ter sido to compensador. E voc j comeu simplesmente para usufruir do seu sabor? Aposto que achou bem melhor.

H conselhos notveis para melhorar a vida chegando de toda a parte: encontre um trabalho significativo, faa uma srie incrvel de exerccios, curta a natureza, tenha um hobby, entre para um clube, faa caridade, adquira novas habilidades, divirta-se com os amigos, e assim por diante. E todas essas atividades podem ser recompensadoras se forem realizadas pela importncia que tem para voc. Se forem recursos para fugir de pensamentos e sentimentos desagradveis, possvel que no funcionem. difcil aproveitar algo quando se est escapando de uma ameaa.

Portanto, quando fazemos coisas que verdadeiramente so significativas para ns, porque nas profundezas de nosso corao elas so verdadeiramente importantes para ns, tais aes no so classificadas como estratgias de controle. So "aes orientadas por valores" (explicarei o termo mais frente), e a expectativa que melhorem nossa vida. Entretanto, se estas mesmas aes forem motivadas principalmente pela evitao experiencial caso seu propsito essencial seja a eliminao de pensamentos e sentimentos ruins , ento so chamadas de estratgias de controle (e seria surpreendente se as achssemos verdadeiramente gratificantes).

Lembra-se de Michelle, que parece ter tudo o que deseja e ainda assim no feliz? Sua vida dirigida pela rejeio. Pensamentos como "sou uma pssima dona de casa", "Por que sou to incapaz?" e "Ningum gosta de mim" invadem-lhe a cabea, acompanhados por culpa, ansiedade e decepo.

Michelle se esfora ao mximo para afastar tais pensamentos e sentimentos. Empenha-se em fazer o seu melhor, e muitas vezes fica at tarde atendendo aos outros; mima o marido e os filhos e realiza seus mnimos caprichos; tenta agradar a todos que fazem parte de sua vida, colocando as necessidades deles frente das suas. O peso que isso lhe causa enorme, e ser que isso funciona? Adivinhou. Ao se colocar sempre por ltimo e trabalhar tanto pela aprovao dos outros, apenas refora a sensao de no ter valor. Michelle est definitivamente presa na armadilha da felicidade.

Como escapar da armadilha da felicidade?

O primeiro passo ter mais conscincia de si mesmo. Observe todas as pequenas coisas que faz diariamente para evitar ou se livrar de pensamentos e sentimentos desagradveis e perceba tambm as consequncias disso.

Mantenha um dirio ou dedique alguns minutos diariamente para essa reflexo. Quanto mais rpido voc reconhecer que est preso na armadilha, mais rpido escapar. Quer dizer que ter de conviver com esses sentimentos e conformar-se com uma vida de dor e aflio? De jeito nenhum. Na segunda parte do livro, voc vai aprender uma forma radicalmente diferente de lidar com tudo isso. Vai descobrir como neutralizar o poder da tristeza para que no possa mais control-lo e para reduzir seu impacto. Entretanto, no tenha pressa. Antes de continuar a leitura, deixe alguns dias passarem. Observe as tentativas que faz para ter controle e o que elas fazem com voc. Aprenda a ver a armadilha da forma como ela se apresenta. E aguarde as mudanas que, em breve, vo acontecer.PARTE 2Transformando seumundo interiorCaptulo 3OS SEIS PRINCPIOS ESSENCIAIS DA ACTA Terapia de Aceitao e Compromisso tem por base seis princpios essenciais que trabalham em conjunto para ajud-lo a desenvolver um estado mental conhecido como "flexibilidade psicolgica", capaz de transformar sua vida. Quanto maior for sua flexibilidade psicolgica, melhores condies ter para lidar com pensamentos e sentimentos dolorosos e tomar medidas mais eficazes, tornando a vida mais rica e significativa. A medida que progredirmos na leitura, vamos trabalhar os princpios um a um. Primeiro, porm, um olhar rpido sobre cada um deles.

1. DESFUSOUma nova forma de se relacionar com seus pensamentos, diminuindo o impacto e a influncia que exercem sobre voc. Conforme aprender a desfundir pensamentos desagradveis e dolorosos, eles perdero a capacidade de atemoriz-lo, perturb-lo, aborrec-lo, estress-lo ou deprimi-lo. E, ao saber desfundir pensamentos inteis, como crenas autolimitadoras e autocrticas implacveis, a influncia que exercem sobre seu comportamento diminuir.

2. EXPANSOAbrir espao para sentimentos e sensaes desagradveis, em vez de tentar suprimi-los ou afast-los. Ao se abrir, voc verificar que eles incomodam bem menos, "passando" muito mais rapidamente, em vez de ficar "rondando" e perturbando voc. ("Aceitao" a nomenclatura oficial da ACT para essa condio. Modifiquei-a porque a palavra "aceitao" possui muitos significados diferentes e , com frequncia, mal-interpretada.)

3. CONEXO

Entrar em contato plenamente com o que quer que esteja acontecendo no presente; se concentrar e envolver com o que quer que voc esteja fazendo ou vivenciando. Em vez de remoer o passado ou se preocupar com o futuro, voc se conecta profundamente com o momento. (A expresso oficial da ACT : "Contato com o momento presente." Modifiquei-a apenas para encurtar.)

4. EU OBSERVADOR

Aspecto poderoso da mente, ignorado pela psicologia ocidental at agora. Ao tomar conhecimento dessa parte de voc, ser capaz de transformar sua relao com pensamentos e sentimentos difceis.

5. VALORES

Clareza e conexo em relao a seus valores um passo essencial para dar sentido a sua vida. Seus valores so reflexos do que realmente mais importante para voc, que tipo de pessoa voc quer ser, o que lhe relevante e significativo e o que pretende da vida. Os valores pessoais direcionam sua vida e o motivam para mudanas importantes.

6. COMPROMETIMENTO

Uma vida rica e significativa criada a partir de aes. Mas no se trata de qualquer ao. A vida plena acontece pela ao eficaz, orientada e motivada pelos valores. Particularmente, ela acontece por fora de uma ao comprometida: empreendida repetidas vezes, no importando quantas vezes falhe ou desvie do rumo.

Habilidades de ateno plena

Os quatro primeiros princpios descritos acima so conhecidos, em conjunto, como "habilidades de ateno plena". A ateno plena um estado mental de conscincia, abertura e foco estado que acarreta enormes benefcios fsicos e psicolgicos. Conhecida no Oriente h milhares de anos, s chegou at ns recentemente, por meio de prticas orientais como ioga, meditao ou tai chi, ou de religies como o budismo, o taosmo ou o sufismo. Infelizmente, tais abordagens geralmente levam muito tempo e muita prtica para que comecem a apresentar resultados e, em geral, vm acompanhadas de um conjunto de crenas e rituais no necessariamente ajustveis sociedade secular moderna. Por outro lado, a ACT uma abordagem cientfica, desvinculada de crenas religiosas ou espirituais, que ensina a ateno plena rpida e eficazmente mesmo no espao de alguns minutos.

Ateno plena + valores + ao = flexibilidade psicolgica

Ao aplicar esses princpios vida, voc aumentar de forma constante seu nvel de flexibilidade psicolgica. Flexibilidade psicolgica a capacidade de se adaptar a uma situao com conscincia, abertura e foco e de empreender aes orientadas por valores. No momento em que escrevo este texto, o termo no de conhecimento geral mas posso apostar que em breve o ser, porque hoje h uma profuso de pesquisas demonstrando seus benefcios no ambiente de trabalho, na vida pessoal e no mbito da sade fsica e psicolgica.

importante lembrar que, embora os seis princpios bsicos possam transformar sua vida de vrias maneiras, eles no so os Dez Mandamentos. Voc no tem que utiliz-los. Pode aplic-los se e quando escolher. Portanto, use-os aqui e ali, experimente-os. Teste-os em sua vida e deixe que trabalhem por voc. E no pense que so eficazes apenas porque estou afirmando: experimente-os e considere sua prpria experincia.

Devo avisar ainda que, ao longo desta leitura, h um ponto-chave que repito com frequncia: voc no mudar sua vida apenas lendo. Para isso, vai ter que agir. como ler um guia de viagem sobre a ndia: ao acabar de ler, voc ter muitas ideias sobre o que gostaria de conhecer, mas ainda no ter ido l. Para vivenciar a ndia de fato, ter que ir at l. Da mesma forma, se voc s ler este livro, ter muitas ideias de como chegar a uma vida mais rica, plena e significativa, mas no a estar vivendo de verdade. preciso fazer os exerccios e seguir as sugestes. E a, pronto para comear? Continue lendo, ento...Captulo 4O GRANDE CONTADOR DE HISTRIASHoje de manh, peguei um limo e passei os dedos pela casca verde e brilhante, percebendo cada pequeno sulco. Levei-o ao nariz e inspirei seu delicioso aroma. Em seguida, o parti ao meio. Peguei uma das metades, abri a boca e espremi uma gota do seu suco na ponta da lngua.( ( ( ( (O que lhe aconteceu enquanto lia sobre o limo? Talvez tenha "visto" sua forma e cor. Ou, quem sabe, "sentido" a textura da casca. Provavelmente "sentiu" o frescor do aroma ctrico. Talvez sua boca tenha salivado. Entretanto, no havia limo algum vista, apenas palavras sobre ele. Ainda assim, to logo as palavras penetraram em sua mente, voc reagiu como se estivesse diante de um limo de verdade.

O mesmo acontece ao ler uma histria de suspense. Tudo o que est frente so palavras. No entanto, uma vez que estejam dentro da sua cabea, algo de interessante acontece. Talvez voc consiga "ver" ou "ouvir" os personagens e viver as fortes emoes. Quando as palavras descrevem uma situao perigosa, voc reage como se algum estivesse realmente em perigo: a musculatura se enrijece, o batimento cardaco acelera, a adrenalina sobe. ( por isso que so chamadas de histrias de suspense!) Ainda assim, so apenas pequenos sinais impressos numa pgina. Fascinantes as palavras! Mas o que so, na realidade?

Palavras e pensamentos

Os seres humanos se apoiam muito em palavras. Outros animais utilizam gestos ou expresses faciais e uma infinidade de sons para se comunicar, e ns tambm, mas somos o nico animal que usa palavras. Elas so, basicamente, um intrincado sistema de smbolos. (Um smbolo algo que representa ou se refere a outra coisa.) Por exemplo, a palavra co, em portugus, se refere a um certo tipo de animal. Em francs, chien tem como referncia o mesmo animal, assim como cane em italiano. Trs smbolos diferentes, todos se referindo mesma coisa.

O que quer que possamos perceber, sentir, pensar, observar, imaginar ou com que interagir pode ser simbolizado por palavras: tempo, espao, vida, morte, cu, inferno, lugares que nunca existiram, fatos da atualidade e assim por diante. Se voc sabe a que se refere determinada palavra, sabe seu significado e pode compreend-la. No entanto, se no sabe, incapaz de entend-la. Por exemplo, "hiperidrose axilar" um termo mdico que a maioria de ns no compreende. Significa "excesso de suor nas axilas". Agora que sabe a que se refere "hiperidrose axilar", voc pode compreender as palavras.

Fazemos uso das palavras em dois contextos diferentes: em pblico, quando falamos, escutamos ou escrevemos, e em particular, quando pensamos. Se esto numa pgina, as chamamos de texto; se so proferidas, de discurso; e se dentro da cabea, de pensamentos.

importante no confundir pensamentos com imagens mentais ou sensaes fsicas que em geral as acompanham. Um pequeno experimento, para esclarecer a diferena: por alguns minutos, pense no que pretende preparar para o caf da manh amanh de manh. Enquanto pensa, feche os olhos e observe seus pensamentos medida que surgem. Observe a forma que assumem. Feche os olhos e faa isso por cerca de meio minuto.

Ok, o que percebeu? possvel que tenha visto "figuras" em sua mente; voc se "viu" cozinhando e comendo, como se estivesse numa tela de TV. A esses quadros mentais damos o nome de "imagens". Imagens no so pensamentos, embora muitas vezes ocorram juntos. Talvez voc tambm tenha percebido sentimentos ou sensaes pelo corpo, como se estivesse realmente preparando e tomando seu caf. Esses tambm no so pensamentos, so sensaes. Voc pode ter ouvido palavras, como se algum as falasse. Tais palavras talvez tenham descrito o que voc pretende comer: "Vou comer uma torrada com pasta de amendoim." Essas palavras dentro da cabea so os pensamentos. Resumindo:

Pensamentos = palavras dentro da cabea Imagens = figuras dentro da cabea Sensaes = sentimentos pelo corpo

importante lembrar essa distino, pois lidamos com as experincias internas de diferentes formas. Vamos nos concentrar nas imagens e nas sensaes mais adiante. Por agora, consideremos os pensamentos.

Os seres humanos confiam muito em seus pensamentos. Os pensamentos nos informam sobre nossa vida e como viv-la, descrevem como somos e como deveramos ser, e dizem o que fazer e o que evitar. Ainda assim, no passam de palavras, e por isso, na ACT, frequentemente nos referimos a eles como "histrias". s vezes, so histrias verdicas (fatos), outras vezes so falsas. Entretanto, a maior parte no nem verdadeira nem falsa. So, em sua maioria, histrias sobre nossa forma de ver a vida (chamadas opinies, atitudes, julgamentos, ideais, crenas, teorias, moral, etc.) ou sobre o que queremos dela (planos, estratgias, metas, desejos, valores etc.). Na ACT, nosso maior interesse no se um pensamento verdadeiro ou falso, mas se til. Ou seja, se prestarmos ateno nele, isso vai nos ajudar a construir a vida que desejamos?

A histria no o evento

Imagine que um policial prenda um assaltante de banco armado em meio a um grande tiroteio. No dia seguinte lemos sobre o acontecido nos jornais. Um determinado jornal faz um relato pormenorizado do fato corretamente: o nome do policial, a localizao do banco, talvez at o nmero exato de disparos. Outro faz um registro menos preciso, talvez exagerando alguns detalhes em nome do sensacionalismo, ou apenas apresenta erradamente os fatos. Mas, no importa se a histria inteiramente verdadeira ou falsa, ainda s uma histria. E quando a lemos, no estamos realmente presentes no evento. Na verdade, no h nenhuma troca de tiros diante de ns. Tudo o que temos diante de ns so palavras e imagens. Os nicos capazes de vivenciar o evento so aqueles que o presenciaram no momento em que ocorreu: as "testemunhas oculares". Somente a testemunha ocular pde de fato ouvir o som dos tiros ou ver as armas disparando. No importa o nvel de detalhe da descrio: a histria no o evento (e vice-versa).

Sabemos, claro, que reportagens de jornais so tendenciosas. No nos apresentam a verdade absoluta, mas, sim, um ngulo do ocorrido, aquele que reflete o ponto de vista editorial e o posicionamento do jornal. Sabemos tambm que a qualquer momento que quisermos, podemos interromper a leitura. Se a histria no oferece nada de til, podemos deixar o jornal de lado e fazer algo construtivo.

Entretanto, o que pode parecer bvio em se tratando de jornais no assim to evidente quando se trata das histrias em nossa mente. Com grande frequncia, reagimos a nossos pensamentos como se fossem a verdade absoluta ou como se merecessem toda a nossa ateno. O jargo psicolgico para essa reao "fuso".

O que fuso?

"Fuso" significa misturar, amalgamar. Imagine duas placas de metal sendo fundidas. Ficam agarradas uma outra, sem que possamos separ-las novamente. Na ACT, empregamos o termo "fuso" para indicar que um pensamento e o objeto a que ele se refere a histria e o evento esto colados um no outro, como se fossem um s. Assim, reagimos a palavras sobre um limo como se ele realmente existisse; reagimos s palavras de um romance policial como se algum de fato estivesse prestes a ser assassinado; reagimos a palavras como "sou intil" como se fssemos mesmo inteis, e a palavras como "vou falhar" como se o fracasso fosse um resultado previsvel. Num estado de fuso, parece que:

Os pensamentos so a realidade aquilo que pensamos o que de fato acontece.

Os pensamentos so a verdade acreditamos piamente neles.

Os pensamentos so importantes ns os levamos a srio e damos a eles toda a nossa ateno.

Os pensamentos so ordens obedecemos a eles automaticamente.

Os pensamentos so sensatos presumimos que sabem mais e seguimos seus conselhos.

Os pensamentos podem ser ameaas alguns pensamentos podem ser profundamente perturbadores ou atemorizantes e sentimos a necessidade de nos livrar deles.

Lembra-se da Michelle, atormentada por pensamentos como "no tenho jeito", "sou uma me relapsa" e "ningum gosta de mim"? Num estado de fuso, esses pensamentos soam como verdade absoluta. Como resultado, ela se sentia pssima. "Nenhuma novidade", podemos concluir. "Com pensamentos assim, qualquer um se sentiria perturbado." Certamente era no que Michelle acreditava de incio. Entretanto, logo ela descobriu que poderia reduzir, de imediato, o impacto desses pensamentos desagradveis empregando a tcnica simples descrita a seguir. Leia as instrues primeiro e, em seguida, experimente aplic-las.

"ESTOU TENDO O PENSAMENTO DE QUE..."

Para comear o exerccio, traga sua mente um pensamento perturbador que siga o padro "eu sou X". Por exemplo, "eu no sou bom o bastante" ou "eu sou incompetente". Escolha, de preferncia, um pensamento recorrente, que costume aborrec-lo ou perturb-lo. Agora se concentre nesse pensamento e acredite nele tanto quanto possvel por dez segundos.( ( ( ( (A seguir, insira na frente do pensamento a seguinte frase: "Estou tendo o pensamento de que..." Acione novamente o pensamento anterior, s que desta vez antecedido pela frase. Pense consigo mesmo: "Estou tendo o pensamento de que sou X." Observe o que acontece.( ( ( ( (Agora repita a operao, desta vez, porm, com a frase ligeiramente maior: "Percebo que estou tendo o pensamento de que..." Pense consigo mesmo: "Percebo que estou tendo o pensamento de que sou X." Observe o que acontece.

Conseguiu fazer o exerccio? Lembre-se: no se pode aprender a andar de bicicleta apenas lendo sobre o assunto; voc tem de sentar numa bicicleta e pedalar de verdade. E voc no aproveitar este livro se apenas ler os exerccios. preciso praticar algumas habilidades novas se quiser mudar sua forma de lidar com pensamentos dolorosos. Ento, se ainda no fez o exerccio, volte ao incio, por favor, e o faa agora.( ( ( ( ( Ento, o que aconteceu? Voc provavelmente verificou que a insero das frases o distancia um pouco do pensamento em si; como se tivesse dado um "passo para trs". (Caso no tenha observado qualquer diferena, tente novamente com outro pensamento.)Voc pode usar essa tcnica com qualquer pensamento desagradvel. Por exemplo, se sua mente diz "A vida uma droga!", simplesmente reconhea: "Estou tendo o pensamento de que a vida uma droga!" Se sua mente afirmar "Eu vou falhar!", simplesmente diga: "Estou tendo o pensamento de que vou falhar!" O emprego dessa frase significa que voc est menos predisposto a ser atingido ou arrastado por pensamentos. Em vez disso, consegue dar um passo para trs e perceber os pensamentos pelo que eles so: nada mais que palavras passando pela cabea. Chamamos esse processo de "desfuso". No estado de fuso, os pensamentos parecem ser a verdade absoluta e muito importantes. Num estado de desfuso, porm, reconhecemos que pensamentos:

so meramente sons, palavras, histrias ou pedaos de linguagem;

podem ou no ser verdadeiros no acreditamos neles automaticamente;

podem ser importantes ou no devemos prestar ateno neles apenas se forem teis;

decididamente no so ordens com certeza no temos de obedecer a eles;

podem ser sensatos ou no no seguimos automaticamente seus conselhos;

nunca so ameaas mesmo o mais doloroso ou perturbador dos pensamentos no representa uma ameaa para ns.Na ACT, temos diversas tcnicas que facilitam a desfuso. Algumas podem parecer, a princpio, meio fantasiosas, mas pense nelas como rodinhas auxiliares de uma bicicleta: uma vez sejamos capazes de andar nela, no precisamos mais das rodinhas. Experimente cada tcnica medida que for apresentada e descubra aquela que funciona melhor para voc. Ao us-las, lembre-se de que a meta da desfuso no se livrar do pensamento, mas apenas perceb-lo tal como apenas uma sequncia de palavras e deixa-lo estar ali sem lutar contra ele.

A tcnica seguinte requer habilidades musicais. Mas no se preocupe, ningum vai ouvir a no ser voc.

PENSAMENTOS MUSICADOS

Relembre uma autoavaliao negativa que costuma incomodar quando aparece. Por exemplo: "Sou um grande idiota!" Agora, mantenha esse pensamento em sua mente e acredite nele, o mximo que puder, por cerca de dez segundos. Repare como ele afeta voc.( ( ( ( ( Imagine-se agora considerando o mesmo pensamento, cantando-o com a melodia do "Parabns pra voc". Cante mentalmente. Observe o que acontece.( ( ( ( ( Retome o pensamento na sua forma original e, novamente, mantenha-o em mente, acreditando nele o mximo possvel por cerca de dez segundos. Observe como como ele o afeta.( ( ( ( ( Agora, considere o pensamento e cante-o com a melodia de "Jingle Bells". Cante mentalmente apenas e observe o que acontece.( ( ( ( ( Depois de fazer este exerccio, voc talvez tenha verificado que j no est levando o pensamento to a srio; voc no est mais acreditando nele tanto assim. Observe que nem o desafiou. No tentou se livrar dele, no questionou se verdadeiro ou falso, nem tentou substitu-lo por um pensamento positivo. Ento, o que aconteceu? Em essncia, voc o "desfundiu". Ao colocar o pensamento dentro de uma melodia, voc percebeu que ele feito de palavras, tal como a letra de uma cano.

A mente uma grande contadora de histrias

A mente adora contar histrias e, na verdade, nunca para. Diariamente, o dia inteiro, ela nos conta histrias sobre o que deveramos estar fazendo com nossa vida, o que os outros pensam de ns, o que nos aguarda no futuro, o que houve de errado no passado, e assim por diante. como uma rdio que nunca interrompe as transmisses.

Infelizmente, muitas dessas histrias so negativas "No sou bom o bastante", "No consigo", "Estou to gordo", "Minha vida pssima", "Vou fracassar", "Ningum gosta de mim", "Esse relacionamento est condenado", "No vou aguentar", "Nunca serei feliz" etc.

No h nada de anormal nisso. A mente humana evoluiu para pensar negativamente, e pesquisas indicam que cerca de 80% dos nossos pensamentos possuem algum grau de negatividade. J vimos, porm, como essas histrias, se consideradas verdades absolutas, podem de imediato provocar ansiedade, depresso, raiva, baixa autoestima, incerteza e insegurana.

A maioria das abordagens psicolgicas encara histrias negativas como um problema e fazem grande estardalhao para tentar elimin-las. Algumas abordagens nos aconselham a reescrever a histria, deixando-a mais positiva; a nos livrar dela, substituindo-a por outra melhor; a buscar distraes; a bani-la do pensamento; ou a discutir com ela, questionando se verdadeira ou falsa. No entanto, ser que voc j no utilizou mtodos como esses? A realidade que eles no conseguiro eliminar as histrias negativas, no a longo prazo. Na ACT, a abordagem bem diferente: as histrias negativas no so vistas como um problema em si. Elas se tornam problemticas somente quando nos "fundimos" com elas, quando reagimos como se fossem verdadeiras e nelas concentramos toda nossa ateno. Ao lermos sobre celebridades nos tabloides, sabemos que muitas histrias so falsas ou enganosas. Algumas so exageradas, outras so totalmente inventadas. No entanto, algumas dessas celebridades as aceitam como parte da fama, e no se sentem atingidas ou afetadas por elas. Ao saberem dessas histrias ridculas, simplesmente as ignoram. Certamente no vo perder tempo lendo, analisando e discutindo essa histrias. Outras celebridades, no entanto, ficam transtornadas. Depois de l-las, ficam remoendo, esbravejam, reclamam e abrem processos (o que estressante e consome muito tempo, alm de energia e dinheiro).

A desfuso nos permite ser como o primeiro conjunto de celebridades: as histrias continuam existindo, mas no as levamos a srio. No damos muita ateno a elas, e com certeza no perdemos tempo e energia tentando combat-las. Na ACT, no tentamos evitar ou nos livrar da histria. Sabemos como isso ineficaz. Em vez disso, simplesmente reconhecemos: "Isso uma histria."

DANDO NOME A SUAS HISTRIASIdentifique as histrias favoritas da sua mente e ento lhes atribua nomes, como a histria do perdedor, a da "minha vida uma droga!" ou a do "no consigo fazer isso!". Muitas vezes, temos variaes sobre o mesmo tema. Por exemplo: o "ningum gosta de mim" pode surgir como "sou um chato", "sou indesejvel", "sou gordo", "sou incompetente" ou "sou tolo". Quando suas histrias surgirem, reconhea-as pelo nome. Voc poderia dizer para si: "Ah, sim. Essa eu conheo, uma das minhas favoritas: 'sou um fracasso'." Ou: "Ah! L vem a histria do 'no vou suportar'." Uma vez reconhecida a histria, deixe que acontea. Voc no precisa desafi-la ou afast-la nem prestar muita ateno nela. Deixe apenas que venha e v livremente, enquanto voc canaliza sua energia para algo que valorize.

Michelle, que encontramos algumas pginas atrs, identificou duas histrias principais: "eu no presto" e "eu no sou digna de ser amada". O fato de reconhecer seus pensamentos pelo nome a deixou bem menos predisposta a eles. Para ela, porm, a tcnica preferida foi, de longe, a dos pensamentos musicados. Sempre que se via engrenando em uma histria, ela musicava as palavras e logo notava que perdiam todo o seu poder. Sem se ater ao "Jingle Bells", Michelle experimentou outros ritmos, de Beethoven a Beatles. Aps uma semana praticando a tcnica repetidamente, passou a no levar to a srio seus pensamentos, mesmo sem a msica. Eles no haviam desaparecido, s a importunavam bem menos.

Sem dvida, voc est cheio de perguntas. Mas seja paciente. Nos prximos captulos, examinaremos a desfuso mais detalhadamente, inclusive empregando-a com imagens mentais. Por ora, pratique as trs tcnicas j vistas: "Estou tendo o pensamento de que...", Pensamentos Musicados e Dando Nome Histria.

claro que, se uma determinada tcnica no agradar, pode deix-la de lado. Se tiver uma favorita, concentre-se nela. Utilize as tcnicas regularmente com seus pensamentos preocupantes, no incio ao menos dez vezes por dia. Quando se sentir estressado, ansioso ou deprimido, pergunte-se: "Que histria minha mente est me contando?" Em seguida, to logo a tenha identificado, procure desfundi-la.

O importante no criar grandes expectativas. s vezes a desfuso acontece facilmente, mas tambm pode no acontecer. Portanto, recorra a esses mtodos e repare no que acontece, sem esperar uma transformao imediata.

Caso isso parea muito difcil, simplesmente reconhea: "Estou tendo o pensamento de que muito difcil!" No h problema em pensar que "d muito trabalho", " tolice" ou "no vai funcionar". Esses so apenas pensamentos. Perceba-os pelo que so e deixe-os acontecer.

"Tudo bem", voc talvez diga, "mas e se os pensamentos forem verdadeiros?"

Boa pergunta.Captulo 5O VERDADEIRO BAIXO-ASTRALPara a ACT, no importa se um pensamento falso ou verdadeiro. O mais relevante a sua utilidade. Verdadeiros ou no, pensamentos no passam de palavras. Se forem teis, merecem sua ateno. No sendo, por que se preocupar?

Suponhamos que eu cometa alguns erros graves no trabalho e minha mente me acuse: Voc incompetente. Este pensamento no me ajuda em nada, no til; no mostra o que posso fazer para melhorar a situao. Ele s humilha. Derrubar-me no d nenhum resultado. Em vez disso, o que preciso fazer agir: aprimorar minhas habilidades ou pedir ajuda.

Suponhamos, ainda, que estou acima do peso e oua da minha mente: "Voc um monte de banha! Olha s essa barriga que nojo!" Este pensamento no til; ele s acusa, deprecia e humilha. No me incentiva a comer com sensatez ou a me exercitar; s faz com que eu me sinta pssimo.

Podemos perder um monte de tempo tentando decidir se nossos pensamentos so mesmo verdadeiros, e nossa mente repetidas vezes tentar nos puxar para esse debate. Entretanto, embora s vezes isso possa ser importante, na maior parte do tempo irrelevante e desperdia muita energia.

Uma abordagem mais til perguntar: Este pensamento til? Ele me ajuda a tomar atitudes no sentido de alcanar a vida que desejo? Se ele for til, preste ateno nele. Caso contrrio, procure desfundi-lo. Vocs poderia perguntar: "Mas e se o pensamento negativo for til? E se a afirmao de que estou gordo me estimular a perder peso?" justo. Se determinado pensamento negativo realmente motiva voc de verdade, ento no deixe de utiliz-lo. No entanto, quase sempre autocrticas como essa no motivam aes eficazes. Em geral, esses pensamentos (se nos fundimos com eles) s trazem culpa, estresse, depresso, frustrao ou ansiedade. comum que pessoas com problemas de peso reajam a emoes desagradveis comendo ainda mais, na v tentativa de se sentir melhor. Na ACT, enfatizamos muito aes eficazes para melhorar a qualidade de vida. Nos prximos captulos iremos dar uma olhada em como faz-lo. Por ora, basta dizer que pensamentos crticos, insultos, julgamentos, autodepreciao ou culpa tendem a diminuir sua motivao, no a aument-la. Portanto, quando pensamentos perturbadores pipocarem, talvez seja til voc fazer uma ou mais das perguntas abaixo:

um pensamento antigo? J o ouvi antes? Vou obter algo til se ouvi-lo novamente?

O pensamento me ajuda a agir de modo eficaz para melhorar minha vida?

O que eu ganharia "embarcando" nele?

A essa altura, voc dever estar se perguntando sobre como distinguir se um pensamento til ou no. Se no estiver seguro, pode se perguntar:

Ele me ajuda a ser a pessoa que quero ser?

Ele me ajuda a construir o tipo de relacionamentos que gostaria de ter?

Ele me ajuda a estar ligado quilo que realmente valorizo?

Ele me ajuda, a longo prazo, a ter uma vida mais rica, plena e significativa?