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Tânia Mara de Matogrosso

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do Pantanal

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Lendas

do Pantanal

Tânia Mara de Matogrosso

Gráfica e Editora Brasília Ltda

Campo Grande-MS 2010

Lendas do Pantanal

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Editado naGráfica e Editora Brasília Ltda

Rua Ceará, 930 - Campo Gande - MSCEP 79.021-000 - Fone (67) 3326-1611

[email protected]

L8641 Matogrosso, Tânia Mara Lendas do Pantanal./ Tânia Mara. Campo Grande: Gráfica e Editora Brasília, 2010

197 p.

1. Lendas

CDD 390

ISBN 978-85-63387-01-1

Proibida a reprodução para comercialização.Todos os direitos reservados à autora

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ÍNDICE1ª PARTE1 - A Lenda do Chamamé .................................................................. 072 - A Lenda do Indiozinho Canoeiro .................................................. 123 - A Lenda da Galinha Choca ........................................................... 164 - O Lendário Velho do Rio ............................................................... 205 - A Lenda do Passaro, Índia ou Bruxa ............................................. 256 - A Lenda do Saci e da Boiada ........................................................ 307 - A Lenda do Guaicuru que voava no chão ..................................... 368 - A Lenda do Lobisomem, Lobo ou Homem ..................................... 409 - A Lenda do Pai do Mato ............................................................... 4610 - A Lenda do Mãozão .................................................................... 52

2ª PARTE1 - A Anta Muito Gulosa ..................................................................... 562 - A Bruxinha Poderosa e a Rora Cor-de-Rosa .................................. 673 - A Cobrinha Sapeca ........................................................................ 754 - A Formiga e o Trabalho ................................................................. 845 - A Mula Valente ............................................................................... 936 - A Seriema de Mato Grosso ............................................................ 987 - As Araras de Minha Terra ............................................................ 1048 - O Beija-Flor Amoroso .................................................................. 1109 - O Tuiuiú Solitário ......................................................................... 11610 - O Urubu Perfumado .................................................................. 121

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3ª PARTE1 - As mentiras de Içú ....................................................................... 1262 - Içú e a Formiga ........................................................................... 1333 - Içú na Caverna ............................................................................ 1434 - Içú, o Peralta ............................................................................... 1485 - Içú na Aldeia .............................................................................. 153

4ª PARTE1 - O Pantaneirinho João Victor - O Que Mais Gosto no Pantanal .. 1622 - O Pantaneirinho João Victor - O Que Eu Não Gosto no Pantanal.......................................................................................................... 1823 - O Tatuzinho Levado .................................................................... 199

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A Lenda do ChamaméTânia Mara de Matogrosso

Coleção Pantanal

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A Lenda do ChamaméTânia Mara de Matogrosso

Conta-se que o chamamé nasceu numa linda tarde de sol radiante, emum lugar que era intocável pela mão do homem branco. Assim era chamadopelos índios.

Antes, tudo era conservado. Havia lindas cachoeiras, serras, flores,riachos, árvores gigantescas. Vegetação rasteira, um gramado verdinho,pássaros, peixes, animais, etc.

Embaixo de uma frondosa árvore, o Curupererê que é irmão do SaciPererê descansava.

E o Saci Pererê fazia como sempre as suas peraltices. Pulava de umlado para o outro atrás de uma linda borboleta azul. Esse lugar tinha umaplanície. Existiam campos, cordilheiras, rios, banhados, baías, vazantes,córregos e bois, muitos bois. Que lugar lindo!

Esse é o Pantanal, o santuário ecológico mundial. Devemos preservarsua fauna, sua flora e os pantaneiros que lá vivem, assim como toda anatureza.

Nós nos encantamos tanto com a paisagem, que nos esquecemos doSaci. Ele estava brincando com a borboleta azul. Agora ele pula atrás deum filhote de passarinho que está aprendendo a voar. O Saci adora brincar.

Nessas árvores, existem várias espécies de pássaros, cada um faz o seuninho diferente um do outro. É mesmo um grande projeto arquitetônicodivino e natural.

Nisso o Curupererê acorda, ele é irmão do Saci, bem mais velho. Ele é

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diferente do Saci porque tem duas pernas, é gordinho, baixo e tem umabarriguinha avantajada. O Saci Pererê é mais novo, só tem uma perna, éesperto, esbelto e ligeiro como o vento. Some e aparece quando quer.Anda com seu cachimbinho na mão, dando fortes baforadas. O SaciCurupererê é músico. Ele adora tocar viola. Sua música é ouvida de longee todos param para ouvir o som brejeiro que ele toca como ninguém.

Enquanto um toca, o outro faz suas travessuras e brincadeirasassustando quem encontra pela frente. Sempre sorrindo, o Saci vive asaltitar.

E nessa tarde, aconteceu um fato inédito. O Saci Curupererê estavaencostado em uma árvore, descansando muito bem acomodado depoisde uma soneca. Resolveu tocar viola. Ele tocava lindas canções e davalongos suspiros. O Saci Curupererê estava apaixonado, assim como todobom violeiro.

Nisso parou de tocar para dar uma baforada em seu cachimbo de ervasnaturais. O cheiro era difícil de se explicar, porém ele gostava de fumar.

Ao terminar de fumar o seu cachimbo, o Saci Curupererê pegounovamente a sua viola, queria um som novo, mas como?

Precisava de muita inspiração. Ficou na clareira onde estava sentadoolhando o céu.

E os suspiros continuavam. Com os dedos ele batia nas cordas daviola. Pensativo ele queria algo novo, diferente. Esperou e teve suarecompensa. Tanto o Saci Pererê quanto o Saci Curupererê usam umgorro vermelho claro realçando assim a beleza e os encantos dos sacis.

Naquele momento, o Saci Curupererê viu dois indiozinhos que

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brigavam, puxavam o cabelo um do outro, davam chutes, mordiam, depoisse separaram, foi cada um para trás de uma árvore. Um pra lá o outro pracá.

Os indiozinhos são chamados de curumins. Um mandava coquinhono outro. O outro respondia e dava um bom jogo de cintura.

Coquinho prá lá. Coquinho prá cá. Coquinho prá lá. Coquinho prá cá.E o Saci Curupererê foi acompanhando em sua viola; era um verdadeirorequebrado de cintura. E contam que foi assim que nasceu o chamamé,música tradicional de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

Coquinho prá lá.Coquinho prá cá.Requebra prá cá.Requebra prá lá.E o Saci Curupererê ficou feliz, era um novo som para a sua viola.

Dizem os mais antigos que antes o chamamé era chamado de “curupererê”em homenagem ao seu criador.

Só depois que os vizinhos argentinos, paraguaios, uruguaios ebolivianos começaram a curtir o nosso ritmo. O ritmo deles é diferente.Cada um tem o seu. Aí é que passaram a chamar de chamamé, que querdizer “reunião de pessoas”, “chamamento”.

Quando o calmo Saci Curupererê começava a tocar o chamamé, todosse juntavam para ouvir e até mesmo para bailar. Dançar.

Ninguém conseguia ficar parado.Enquanto isso, o Saci Pererê aproveitava para fazer artes. Só que uma

arte diferente da que o seu irmão fazia.

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O Saci Curupererê, arte cultural – música.O Saci Pererê, arte de travessura.E assim nasceu o ritmo curupererê. Hoje, o nosso chamamé.Tão querido, apreciado por muitos. Onde tem chamamé, tem alegria,

tem dança e cantoria.E até hoje o Saci Curupererê toca suas modas de viola. Cantando e

alegrando a todos. Quando for ao Pantanal, procure sentir o ar puro.Contemple as belezas naturais e ajude-nos a conservar as nossas culturas,tradições e a mãe natureza.

O nosso orgulho maior!

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.

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A Lenda do Indiozinho CanoeiroTânia Mara de Matogrosso

Coleção Pantanal

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A Lenda do Indiozinho CanoeiroTânia Mara de Matogrosso

São vários os rios que cruzam o imenso Pantanal. Rios históricos, rioslendários, que antes eram abundantes em peixes, e que durante séculosforam navegáveis, sendo que alguns continuam sendo. Os rios precisamser conservados, preservados.

Durante séculos o Pantanal abrigou muitas tribos indígenas. Entre elasa tribo dos índios guatós, considerados, pela tradição, como os índioscanoeiros. Eles percorriam o estado de Mato Grosso e o atual estado deMato Grosso do Sul, além de outras regiões. Eram conhecedores dos rios,vazantes, corixos e percorriam longas distâncias em pouco tempo. Elesconstruíam suas canoas geralmente usando árvores inteiras (troncos).

Faziam um trabalho artesanal. Limpavam as árvores e assim construíamsuas canoas. Os guatós passavam a maior parte do tempo dentro delas,tanto é, que a maioria deles tinha as pernas arcadas (tortas), de tantoficarem agachados ou mal sentados. Eles adoravam.

Eles viviam viajando. Eram pessoas simples que amavam a mãenatureza e o seu próprio povo.

Era comum ver uma família, pai, mãe e filhos, mesmo recém-nascido,passeando, viajando, ou mesmo vivendo numa canoa. Ali eles bebiam,comiam, dormiam e sempre iam de uma região para outra à procura deboa pesca, caça e outras novidades. Eles encontravam outros índios decanoas, a pé ou a cavalo. Cada tribo com seus costumes. As aldeias dosguatós eram fartas em peixes. Eles costumavam secar o peixe para comer

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durante muito tempo. Eles eram bem morenos, bronzeados pelo sol quentee pelo mormaço dentro das canoas. Também tiveram grande importânciana guerra contra o Paraguai e outros elementos invasores de suas terras.

Esse é o rio Paraguai. Esse é um indiozinho guató. Em sua rústicacanoa que foi construída por seu pai ou outro índio adulto de sua tribo.

O seu nome é Guaitê. Ele é um indiozinho curioso, teimoso, inquieto,não gostava de ficar parado. Era mesmo um menino rebelde. Só fazia oque ele queria. Não ouvia os conselhos dos adultos. Não obedecia aosmais velhos, nem às leis da natureza.

Certo dia levantou-se antes do nascer do sol. Foi para beira do riolevando um coité (purunga) de água limpa, algumas frutas silvestres e umpedaço de carne de caça seca.

Na beira do rio havia várias canoas. Escolheu a menor canoa, entrou,acomodou-se, guardou os alimentos e a água e foi remando rio abaixo.

Durante o dia inteiro divertiu-se. Achava tudo maravilhoso e nãopensava em obedecer aos mais velhos. Para ele, tudo em sua vida eradivertido.

Na aldeia, todos o procuravam. Deram falta da canoa menor. E algunsíndios desceram o rio à sua procura.

Três dias se passaram. Quando chegou a noite, Guaitê estava tãocansado de suas travessuras que amarrou a canoa na barranca do rio edormiu tranquilo e feliz. Ele só tinha sete anos e achava que estavarealizando o seu sonho de liberdade e teimosia.

No quarto dia, choveu o dia inteiro e a noite também. Guaitê tremia defrio e de fome. Água ele bebia do rio. Só que estava suja. Seus alimentos

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haviam acabado no terceiro dia e na beira do rio ele nada encontravapara comer.

No quinto dia, fez muito frio, muita neblina. Ele estava febril. Resolveuvoltar para sua aldeia. Estava fraco, doente e desesperado. Então choroumuito. Amarrou sua canoa na beira do rio e dormiu. Sonhou com osconselhos de seu pai, dos anciões de sua aldeia, mas nada adiantava.

Ali onde ele estava ia obedecer quem?Sentiu medo da morte. Ele era muito novo para morrer. Tentou se

levantar, mas estava muito fraco, triste, solitário e mesmo sem esperança.Por um momento, olhou para o céu, estava muito escuro, viu somenteuma estrela. Então, chorando, pediu para a estrela com muita fé, que seele conseguisse voltar para sua aldeia iria ser obidiente, mais compreensivo.Naquela noite, adormeceu dentro da canoa, chorando. No outro dia, aoalvorecer, os índios de sua aldeia o encontraram e o levaram. Ao chegar ,mesmo fraco e doente, levou um sermão de seu pai e anciões e certamenteum bom castigo. Guaitê prometeu que iria mudar. Seria como as outrascrianças, menos teimoso, mais amoroso e certamente mais feliz.

Os guatós são considerados os índios canoeiros.

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.

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A Lenda da Galinha ChocaTânia Mara de Matogrosso

Coleção Pantanal

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A Lenda da Galinha ChocaTânia Mara de Matogrosso

A galinha choca é uma espécie de guardiã das florestas.Ela gosta de andar nos trieiros e clareiras. Tem muitos pintinhos; até

hoje, ninguém conseguiu contar quantos pintinhos ela tem. A galinha chocaaparece, cisca, avança, assusta e some.

Aqui no Pantanal ou mesmo no serrado ela é vista de longe nas estradasboiadeiras, trieiros feitos pelas formigas cabeçudas. Dificilmente ela é vistadurante o dia. Ela não gosta do calor, nem da luz do sol.

Mais a noite, ela passeia com seus pintinhos. Gosta de assustar aspessoas e também os animais domésticos, como cachorro, cavalos, vacas,porcos, etc.

Os cavaleiros que andam nas noites de lua cheia contam que ela e seuspintinhos aparecem do nada e de repente. Ela sai inesperadamente de trásde uma moita, de um capinzal ou de troncos de árvores caídas. O susto égrande, muitos já caíram de seus cavalos.

Quando se levantam e vão procurar a galinha, ela desapareceu.Ninguém sabe de onde ela vem, nem para onde vai. Só que muitos afirmamque a viram e se assustaram.

O Chico Mané era um peão de fazenda que vivia com seu cigarrinhode palha na boca. Uma vez recebeu uma missão: teria que ir até a fazendavizinha trazer uma parteira e rápido. Era noite de lua cheia.

Um outro peão seu amigo se ofereceu para ir junto. Mas ele se diziamuito macho, forte, não tinha medo de nada. Assim seu companheiro

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arriou dois cavalos, um para ele, o outro para o Chico Mané. Mas comoChico Mané era teimoso, montou no cavalo e deixou seu amigo para trás.De longe gritou que usaria o outro cavalo para trazer a parteira. E lá se foiele campo afora.

De vez em quando ele olhava para os lados e para trás. Na verdade,ele estava morrendo de medo. O cigarro de palha apagado se movimentavaem sua boca e ele apressava os cavalos, precisava provar a todos que nãotinha medo.

Mas ele tinha medo, sim, e os seus medos eram tantos... Medo daescuridão, lobisomem, mula-sem-cabeça, pé-de-garrafa, galinha choca,assombração.

E lá ia o Chico Mané. O medo era tanto que ele suava. Então mesmocom o cigarro na boca começou a cantar bem alto. E cada vez mais alto.Sua voz saía trêmula de tanto medo e do trotear do cavalo.

Então, para sua alegria, chegou na fazenda. Havia várias pessoasconversando em volta de uma fogueira. Ele estufou o peito num gestoarrogante e bravo. Ele achava que era um herói. Ao chegar perto daspessoas disse que viera buscar a parteira e acrescentou que viera só.

Logo estava de volta com a parteira. Naquela noite de lua cheia nasceuuma linda menininha chamada Maria Joana. Mais uma pantanerinha paraenfeitar o Pantanal. A parteira saiu para fora do rancho, ergueu a criança eagradeceu aos céus como costumava fazer. A menina estava abençoada.

E Chico Mané voltou para acompanhar a parteira até a sua casa, nafazenda vizinha. Deixou-a na porta, agradeceu, ajeitou o velho chapéu evoltou, agora com menos medo.

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Pensava, “mas medo de quê? Não tem ninguém aqui.” Cada pau queele via ou moita parecia que era uma pessoa. Como é duro sentir medo!Chico Mané sentiu vontade de urinar, mas para isso teria que descer docavalo e desceu, urinou, montou e continuou sua caminhada até sua casa.De longe enxergou uma luzinha, era da fazenda. Mas ele andava, andava,aliás, galopava, galopava e nunca chegava.

Começou a pensar no dia seguinte: ele contando para todos sua proeza.Ele estava muito feliz por dizer que não tinha medo. Imaginou Maria Joana,moça e bonita, e ele contando os seus feitos heróicos do dia em que elanasceu. Iria contar que ele havia ido sozinho buscar a parteira. Queria serlembrado pelos contadores de causos, lendas e estórias do Pantanal.

Como ele era um herói. Como um homem sem medos, destemido. Umverdadeiro macho em extinção.

E o Chico Mané ia pensando, pensando, pensando... Nisso, a galinhachoca e seus pintinhos apareceram. O cavalo ergueu as duas patas e ooutro fugiu.

E o Chico Mané engoliu seu cigarro de palha. A sua sorte é que elenunca acendia o mesmo. Levantou-se, montou no cavalo, chegou tãoassustado na fazenda que rezou, deitou, dormiu e daquela noite, nadamais se ouviu.

Silêncio...

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.

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O Lendário Velho do RioTânia Mara de Matogrosso

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O Lendário Velho do RioTânia Mara de Matogrosso

Conta a lenda que um velho fazendeiro do pantanal, num lindoentardecer, saiu de sua casa sem se despedir de ninguém.

Pensativo, começou a andar em direção ao rio. Muitos pensavam queele havia ido caçar. Sem olhar para trás, entrou em sua velha canoa rústicafeita por seus amigos índios da região e desceu o rio. Com ele, seuspensamentos. Contam que no meio do rio a canoa virou e o velho sumiu.

No dia seguinte apareceu nas margens do rio uma enorme sucuri. Sóque naquele dia ninguém a viu.

E o tempo foi passando e o velho fazendeiro não voltava para casa. Osparentes e amigos o procuraram em todos os lugares possíveis. Só acharama velha canoa.

Tempos depois, alguém disse ter visto o velho andando na beira do rio.Quando a pessoa o chamou, ele desapareceu na mata. E o tempo foipassando e o velho fazendeiro nunca mais voltou.

Sempre alguém via o velho andando de longe do outro lado do rio.Sua barba cada vez maior, seus cabelos também. Além de compridos,estavam mais brancos. Os parentes, saudosos e cada vez mais preocupados,o procuravam todos os dias sem encontrá-lo.

Fizeram promessas e tudo que podiam para que o velho voltasse paracasa. Vários peões o procuraram durante meses. Os vizinhos também, noscampos, matas, rios, mas nada de encontrá-lo.

Certa vez, houve uma festa na fazenda vizinha. Casamento. Três dias

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de alegria, danças, comes e bebes. Algumas crianças, empolgadas com abeleza do rio, entraram num barco e sem que ninguém notasse desceram orio. Só ligaram o motor depois que estavam longe. Eram três meninos eduas meninas. Todos moravam na cidade. Não conheciam a região, nemos problemas que poderiam enfrentar. O sol já estava se pondo no horizontee se refletia nas águas turvas do rio.

E lá estavam as crianças no barquinho. Logo chegou a noite, e ascrianças estavam correndo risco de vida. Um pouco a frente havia váriascachoeiras. Então, o motor do barco parou. Cada um queria saber maisque o outro. Começaram a brigar, e o barco virou e todos começaram agritar desesperados. Pediam socorro. Era muita água, a correnteza eramuito forte e o rio, fundo. Eram gritos e mais gritos, eram pernas e braçospara todos os lados. Sentado na beira do rio, alguém a tudo assistia. Erao velho do rio que calmamente suspirou, balançou a cabeça e foi socorreras crianças. Em poucos minutos todas as crianças estavam salvas. Umapor uma, ele as colocou deitadas na margem do rio. Na fazenda onde osfestejos continuavam, notaram o desaparecimento das crianças;procuraram a noite e de madrugada, eram lanternas para todos os lados.A preocupação e desespero de todos eram grandes. A procura, constante.

No dia seguinte, encontraram as crianças dormindo nas margens dorio. Todos deitados na mesma posição. O dia estava amanhecendo, ospássaros cantavam alegremente, alguns animais de longe observavam ascrianças que logo voltaram a si e acordaram.

Foram levadas para a fazenda. Todos estavam aflitos, queriam saber oque havia acontecido, quem havia ajudado as crianças. As crianças, porém,

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permaneciam em profundo silêncio. E os interrogatórios continuavam. Ascrianças se olhavam, pensavam. Depois de algumas horas, o menino maisvelho do grupo resolveu falar.

- Sabemos que agimos errado. Saímos de barco no escurecer sem saberpilotar e sem conhecer a região. No desespero, o barco virou e nós nosafogamos. Foi uma tortura, um horror, eu nunca mais quero andar debarco e vou pensar bem antes de fazer algo, seja lá o que for.

Deu uma pausa. Pensou, pensou, com lágrimas nos olhos.- Quem nos salvou foi.....Todos olharam para ele.- Quem nos salvou foi... Desculpe, mas não posso falar. Nós não

podemos falar.Durante alguns minutos todos ficaram em silêncio e as crianças que

estavam no barco choraram. Chegaram tão perto da morte, mas foramsalvos.

Alguém disse.- Nós precisamos saber quem salvou vocês. Precisamos agradecer.

Encontramos o barco aos pedaços. Bateu muito forte em alguma pedra,ou pau. Vocês poderiam estar todos mortos.

As crianças conversaram entre si e resolveram contar quem os salvou.Foram todos para a margem do rio e o menino mais velho, emocionado,

falou:- Quem nos salvou, foi uma sucuri gigante. Ela nos tirou de dentro do

rio, um por um. Era grossa e enorme. Porém, nos transmitia segurança,paz. Não sei por que, mas sabíamos que que ela veio para nos salvar.

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Quando ela nos tirava de dentro do rio, ela nos deitava um por um e agente dormia ou desmaiava, eu não sei, só que tem um porém, ao mesmotempo que ele era uma sucuri, ele era um velho cabeludo e barbudo.

Ele nos disse uma única palavra.- Juízo.- Eu tentei falar com ele, mas ele sumiu ali naquele capão. Parecia tão

real. Tão verdadeiro...

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.

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A Lenda do Pássaro, Índia ou BruxaTânia Mara de Matogrosso

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A Lenda do Pássaro, Índia ou BruxaTânia Mara de Matogrosso

O vovô sempre nos contou que quando ele era criança todosacreditavam que os bebês eram trazidos por um pássaro branco e grande.Uma garça? Um tuiuiú ou uma cegonha? Talvez uma cegonha.

Então, perguntei:- Vovô, no Pantanal tem cegonha?Ele me olhou firmemente em meus olhos e disse-me:- Fique bem quietinho que vou lhe contar uma lenda que meu avô me

contava há muitos anos: Pássaro, índia ou bruxa.- Mas vovô, no Pantanal tem cegonhas? Eu nunca vi.- Se você continuar falando eu não posso contar a lenda, eu esqueço e

você vai ficar sem saber o que aconteceu.- Mas vovô, eu só quero saber se no Pantanal tem cegonha.O vovô me olhou, coçou a cabeça, colocou o chapéu e olhou para o

céu.Era uma vez, numa encantadora e bem formada fazenda do Pantanal,

havia, como sempre, uma família harmoniosa e feliz. Moravam num retiro.Era uma casa simples de pau-a-pique coberta de sapé. Tinha uma chaminée de longe se avistava a fumaça. Havia também um enorme fogão a lenha.Onde tem chaminé, tem fogão ,é claro. Eram pessoas simples que moravamali, porém, asseadas, honestas e trabalhadoras. O homem se chamavaHarmerito e a mulher, Maria. Ela estava gestante, já no nono mês. Eraminha mãe amada. O bebê que estava em sua barriga era eu. Meus pais

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tinham outros filhos, meus irmãos.- Mas vovô, no Pantanal tem cegonha?O meu avô fez de conta que não ouviu e continuou contando.- Os meus irmãos e irmãs adoravam brincar, tomar banho no rio,

apanhar flores silvestres, andar a cavalo e correr pelos campos. Eles sedivertiam com naturalidade.

À noite, contavam histórias, lendas, cantavam e brincavam de roda.Antigamente, se brincava de roda. A cantoria era boa assim, era a vidada minha família e o meu pai era peão de fazenda.

- Mas vovô, no Pantanal tem cegonha?O vovô franziu a testa e olhou-me nos olhos. Esperei atento a resposta.

E ele me disse:- Aprenda a ouvir os mais velhos sem interroper, é falta de educação.- Desculpe, vovô, eu só queria saber se no Pantanal tem cegonha.O meu avô sentou-se num banquinho, torceu o bigode e continuou:- Tá vendo aquela serra lá longe onde a vista se perde?- Sim, vovô, eu estou vendo.- Eu nasci lá. Minha família morava além, muito além daquelas serras.

É muito longe daqui. O lugar era um verdadeiro paraíso. Muitos peixes,rios de águas cristalinas, frutas silvestres, tinha um lindo pomar. Mangas,goiabas, cajus, jacas, laranja, limão, e tantas outras. Voltando à minhalenda, minha mãe me esperava. Eu ia nascer naquela noite de muita chuva,raios e trovões e um vento muito frio. Meu pai vendo minha mãe sentindodores, foi procurar uma parteira, era o recurso da época e, graças a elas, agente nascia. Já era quase de madrugada, meus irmãos dormiam e minha

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mãe sentindo fortes dores. Então contava a minha mãe que a janela demadeira de seu quarto se abriu e começou a bater. Prec, prec, prec. A doraumentava cada vez mais. A lamparina se apagou por causa do forte vento.

Minha mãe não aguentava se levantar para acender a lamparina. Suaroupa estava molhada de suor. Ela tinha seis filhos; eu era o sétimo. E achuva continuava com raios e trovões. Os raios clareavam todo o quarto.A dor era tanta que minha mãe desmaiava e voltava. Nisso... Uma lindajovem índia de cabelos pretos, lisos e longos entrou pela pequena janelado quarto. Trazia em suas mãos uma pequena cumbuca de barro com óleoperfumado e ervas medicinais.

Começou a passar na barriga de minha mãe e logo eu nasci. Minhamãe tudo via em silêncio. A linda e jovem índia me colocou nos braços deminha mãe e deu uma forte risada. Rá, rá! E se transformou numa velhabruxa. Minha mãe procurou rapidamente pelo quarto a índia ou bruxa, sóque não a viu mais. Com muito sacrifício acendeu a lamparina.

Lá fora, a chuva continuava forte. Minha mãe se sentou na camacomigo no colo e olhou para a janela. E na pequena janela estava umlindo e gigantesco pássaro branco olhando para minha mãe. Era manso eparecia ser amigo. Minha mãe, cansada do parto, adormeceu, e eu também.Já estava quase amanhecendo quando o meu pai chegou com a parteirae suas irmãs. O pássaro continuava na janela. Ao verem o bebê no colode minha mãe, ficaram felizes. A parteira cortou o meu umbigo. Erguendo-me disse:

- É macho.Nisso, minha mãe acordou, abriu os olhos lentamente, ainda pôde

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sentir o suave perfume do óleo e ervas.Minha mãe sorrindo disse:- Não sei quem fez o parto. A índia, a bruxa ou o pássaro. Não importa.

O que importa é que estamos muito bem.Os primeiros raios de sol apareciam no horizonte. O pássaro

desapareceu da janela como que por um encanto. E hoje eu estou aquifeliz contando pra vocês a minha história.

- Pra vocês não, vovô, o senhor está contando para mim, o seu netinho,o pantanerinho.

- Sim, pra você e para as pessoas que estão lendo.- Vovô, com licença, no Pantanal tem cegonha?????????O vovô tinha certeza que um dia a história dele ia se transformar em

livro.- No Pantanal tem cegonha?

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.

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A Lenda do Saci e a BoiadaTânia Mara de Matogrosso

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A Lenda do Saci e a BoiadaTânia Mara de Matogrosso

O Saci brincava alegremente, o ar purificado o fazia respirarprofundamente. E ele arregalava os olhos. Tudo queria ver, saber, sentir ecompreender. Com seu cachimbinho nas mãos, sentia-se o rei da natureza.Chegou na barranca de um rio de águas cristalinas. Sentou-se e ficouobservando os encantos da natureza. Alguns animais bebiam água, ospássaros voavam e cantavam alegremente. E o Saci Pererê sorria, ele sabiaque era um ser abençoado por ter o privilégio de morar num lugar tãolindo no meio de toda aquela cantoria. O Saci ouviu um som diferente,ficou atento, queria saber o que era.

- Será um animal?Ficou quietinho. Os pássaros continuavam a cantar e o som apareceu

novamente. O Saci ficou irritado com os pássaros, queria ouvir melhor osom e os pássaros não paravam de cantar.

Levantou-se e tentou espantar os pássaros, não conseguia, eram muitos.Novamente o som.

Tom, tom, tom, tom, tom.Seus olhinhos vivos e rápidos se assustaram. O som estava cada vez

mais perto. Escutou várias pisadas. Ficou pensativo e resolveu subir numaárvore para ver o que era aquele som.

Tom, tom, tom, tom.E conseguiu, já que era insistente, nunca desistia do que ele queria.

Chegou mais perto e viu que o som vinha de um berrante tocado por um

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boiadeiro que vinha à frente de uma enorme boiada. Notou que mais afrente já havia passado um boiadeiro com mulas de cargas. Pensativo,coçou o queixo, deu uma baforada em seu cachimbo e resolveu segui-los.

Descobriu minutos depois que aquilo que o boiadeiro tocava era umberrante. Feito de um ou vários chifres de boi. E que saía um som queencantou o saci. Gravou bem o nome?

Berrante.Curioso, queria saber o que o boiadeiro que ia à frente da boiada levava

naqueles burros e mulas. O boiadeiro ia feliz cantando. O Saci, inquieto,viu quando ele parou embaixo de uma árvore, alinhou as mulas e burrose retirou dos lombos dos animais as bruacas.

Primeiro o berrante. Agora bruacas, que esquisito! O que é uma bruaca?Bruaca são essas caixas que os boiadeiros usam para carregar suas tralhas:alimentos, panelas, pratos, utensílios de uso necessário para uma comitiva.Quando ele ouviu a palavra comitiva queria saber o que era uma comitiva.

O Saci estava gostando da novidade. Uma boiada no pantanal. Mas oque era uma comitiva?

Logo soube que a comitiva é um grupo de peões de boiadeiroscomandados pelo condutor responsável pela boiada. A comitiva é compostapelo condutor, ponteiro, fiadores, culateiros e cozinheiro. Nem sempre existea função de tropeiro, que é responsável pela tropa.

O cozinheiro se preparou para fazer a bóia. Era bem cedinho e estavana hora do quebra-tordo ou tira-jejum. Que estranho, o Saci estavaconfuso. Matutou, matutou e logo viu que tudo era a mesma coisa. Comer,ficar forte, sadio, se alimentar, encher o bucho. Melhor dizendo, o estômago.

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O Saci estava invisível, ele via todos, mas ninguém via o Saci. Ospeões comiam de croque com seus chapéus na cabeça. Todos quietos. OSaci também queria comer. O cheiro era ótimo. Arroz carreteiro, feijãoboiadeiro, mandioca, óleo de pequi e água do córrego. Ao terminarem dese alimentar, os boiadeiros se prepararam para seguir viagem. O cozinheirolavou rapidamente as vasilhas, como costumam dizer. Enxugou-as e asguardou nas bruacas. O ponteiro tocou o berrante. E o Saci quase que seestourou de entusiasmo e alegria. “Vou me divertir muito com esta boiada”.Como os boiadeiros não o viam por ser invisível para muitos, o Sacimontava em todas as mulas e burros, até nos bois. Logo ele viu umboiadeiro pegar um cantil e colocar a água na cuia. Depois, chupar abomba. Ficou ainda mais curioso. O que será isto? Será que é bom?

Chegou mais perto. Isso era tereré.Um dos boiadeiros falou para o companheiro:- Quer um tereré?O Saci riu, riu muito. Tereré, tereré, tereré. Repetiu várias vezes tereré.“Esses boiadeiros... Parece que vêm de um outro país. É tereré, berrante,

bruaca, bóia, tira-jejum. Depois eu é que sou louco. O inexistente, operalta.”

Curioso demais, o Saci tentou tomar tereré, mas os boiadeiros nãodavam tempo, um servia para o outro e entregava mesmo em cima dosanimais. Tocando a boiada, mais tarde os boiadeiros começaram amerendar. Que merenda esquisita! Tiravam de um saco uma farofa queeles chamavam de paçoca de carne, parecia apetitosa, e comiam juntocom pedaços de rapadura. O Saci não entendeu muito, mas gosto é gosto.

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E curioso, continuava a observar tudo.Aí, notou um sininho tocando. Foi ver de onde vinham aqueles

barulinhos. Eram das mulas e burros que iam na frente da boiada. O Sacinão sabia, mas eles são chamados de sinueiros, que são os condutores(animais) da boiada. A boiada segue os sinueiros.

Na hora do almoço, novamente o toque do berrante. Pararam ecomeram. Logo seguiram viagem. A estrada boiadeira era antiga e porque era chamada de estrada boiadeira? Simples. Porque ali passavam asboiadas. Umas vinham, outras iam.

O Saci achou interessante o cachimbo de um dos boiadeiros. Ele nuncatinha visto um cachimbo daqueles. Chegou bem perto para sentir o cheiro.Era forte, o Saci quase se sufocou. Não era um cachimbo, e sim um cigarrode palha. Para o Saci, era tudo novidade. Quando notou o chapéu dosboiadeiros, ficou abobalhado. Tirou seu gorro vermelho e se imaginou dechapéu. Achou-se lindo. Também se imaginou tocando berrante. E atéque o Saci dava um belo boiadeiro. Só faltava o Saci querer virar boiadeiro!Mas era muito travesso e não levava jeito de peão boiadeiro. Anoiteceu,todos armaram suas redes, se lavaram e se prepararam para comer. OSaci estava inquieto, andava, aliás, pulava de um lado para o outro. Erahora de queimar a goela, como costumam dizer os boiadeiros antes dojantar. Um copo simples. O chefe da comitiva despejou aguardente e deuum gole pra cada um. O Saci adorou o cheiro e tomou um golão mesmono cantil. Pobre Saci, quase que desapareceu do mapa! De tanto tossir seafogou com a bebida. Que coisa mais ruim, quase queimou a alma doSaci.

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A boiada estava reunida, calma; a noite era de lua cheia e um dosboiadeiros tocava viola e cantava. Logo todos dormiram. O Saci nãotinha sono e começou a assobiar. Os boiadeiros se assustaram e gritaramarrepiados. “É o Saci, é o Saci, cruzes!” A boiada estourou e os boiadeirosficaram a noite inteira juntando o gado. O Saci, triste, ficou pensativo.Depois que juntaram o gado, prometeram nunca mais parar naquele lugarpor causa do Saci.

O Saci viu que não levava jeito para ser boiadeiro e pensou: “Aindabem que eles não me viram, só me ouviram”. Feliz, saiu pulando, assobiandoe fazendo as suas travessuras. Então parou e pensou: “se eu fosse umboiadeiro, seria o mais lindo, esperto e guapo. Não sobraria serviço paraninguém! Deixe eles trabalharem, ser um saci é melhor, bem melhor”.

Boiada, tradição de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e algumas regiões.Fonte de riqueza e progresso. Ainda temos o privilégio de vermos umaboiada.

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.

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A Lenda do Guaicuruque Voava no Chão

Tânia Mara de MatogrossoColeção Pantanal

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A Lenda do Guaicuru que Voava no ChãoTânia Mara de Matogrosso

Os guaicurus são parte da nossa história. Valentes, fortes, consideradosdonos de uma beleza inconfundível. Somos sabedores da existência dessatribo. Eles tiveram um desempenho valoroso na guerra contra o Paraguai.

Pantanal. Campos, animais, pássaros, corixos, vazantes, rios, matas,bois. Quando chove, tudo se transforma num mar que os antigoscostumavam chamar de mar de Xaraés.

Cauê era um alegre e divertido indiozinho da nação guaicuru. Ele eranovinho, tinha seis anos. Sua tribo vivia no Pantanal, mas percorriam acavalo várias regiões. Iam de norte a sul, de leste a oeste. Eram índiosdestemidos, dominantes, ágeis e velozes, graças a habilidade que eles tinhamcom os cavalos.

Cauê tinha um cavalinho malhado que estava tetando domar, e comcerteza ele era um bom domador, apesar de sua idade. Cauê gostava deficar horas e horas nadando no riacho. Sempre levava o seu cavalinho. Oindiozinho assobiava e o cavalinho obedecia. Eram inseparáveis. Ambosforam crescendo juntos naquela imensidão, o Pantanal.

Todos os índios daquela aldeia tinham cavalos. As rédeas, na maioriadas vezes, eram feitas dos cabelos das mulheres (índias) amadas dos índiosguerreiros.

Cauê era criança, por isso o seu cavalo não tinha rédea, muito menosarreio. Eles não costumavam usar nada, era a pelo mesmo.

Dominavam como ninguém seus cavalos, que eram seus tesouros e

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motivo de alegria e orgulho. Era lindo ver vários guaicurus galopando emseus velozes cavalos campo afora. Num sinal, todos se inclinavam para adireita. Outro sinal, inclinavam-se para a esquerda.

Habilidosos, faziam várias manobras, que certamente encantavam aspessoas que os viam. Seus inimigos sempre eram derrotados. Os guaicuruseram bem treinados para qualquer eventualidade vinda de seus inimigos.Eles eram dominantes, harmoniosos e fortes.

Alimentavam-se de caça, pesca, frutas silvestres, mandioca, milho queeles mesmos plantavam. Eles cultivavam suas lavouras de subsistência queaprenderam a cultivar de geração em geração. Os índios mais velhos eramconselheiros; os adultos e jovens, guerreiros; as velhas e as mulheresplantavam, colhiam e preparavam os alimentos. Os guaicurusconfeccionavam armas e suas vestimentas, cultivavam a própriaalimentação, além de prepararem remédios com ervas naturais. Tambémtinham orgulho do lindo e valoroso trabalho cerâmico que eles aprenderamcom seus ancestrais.

Os guaicurus davam importância a cada amanhecer e a cada anoitecer,pois viviam no paraíso abençoado pelo Criador. Tinham suas crendices,suas superstições, sua fé, onde o Criador era glorificado. O Pantanal, paraeles, era um santuário e a única coisa que desejavam era viver em paz,equilíbrio e respeito com a mãe terra.

E Cauê era um guaicuru valoroso e tentava ser disciplinado. Com opassar do tempo, ensinou ao seu cavalo a galopar e a nadar e ele faziatudo que o indiozinho calmamente lhe ensinava. Seu cavalo malhado setornou seu fiel amigo, seu companheiro de todas as horas.

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Certa vez, sua aldeia foi atacada por homens brancos. Seus guerreirosestavam viajando muito longe dali. Na aldeia, só havia velhos, velhas,mulheres, moças, crianças e alguns índios feridos. E Cauê, junto comalguns índios, foram capturados para serem escravizados na Capitaniade São Paulo. Viajaram durante alguns dias. O cavalo de Cauê o seguira.

Depois de muitas tentativas para fugir, Cauê levou uma surra do homembranco. Ficou muito abatido e ferido. Então, o deixaram jogado na mata.Malhado, seu cavalo, tentava a todo custo ajudar seu amigo. Lambia e ovirava de um lado para o outro. Cauê reagiu e com muito esforço conseguiumontar em seu cavalo e voltaram para a aldeia. Depois de três diaschegaram. Os guerreiros se informaram através de Cauê para qual direçãoos homens brancos estavam indo com suas mulheres. Cauê se animou,montou em seu cavalo amigo e, alguns dias após, recuperaram suas índiase afugentaram os homens brancos. Cruéis, assassinos e escravagistas semescrúpulos, amor e respeito ao próximo. E Cauê, feliz, ao chegar em suaaldeia, bateu as duas mãos no peito. Olhando para o lindo céu azul, maisuma vez montou em seu belo cavalo e galopou por muito tempo. De longe,parecia voar em seu cavalo. Por isso, ele era considerado o indiozinhoque voava no chão.

Os guaicurus foram considerados os índios cavaleiros.

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.

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A Lenda do Lobisomem,Lobo ou Homem

Tânia Mara de MatogrossoColeção Pantanal

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A Lenda do Lobisomem, Lobo ou HomemTânia Mara de Matogrosso

Era noite de lua cheia e ventava muito. No silêncio da noite, ouvia-seo cantar dos grilos e dos sapos. Na casa da fazenda onde eu morava comos meus pais, avós e irmãos, havia uma cozinha enorme. A bica d’águapassava por dentro da cozinha e do lado de fora, além do barulho daágua, ouvia-se o tum, tum, tum do velho pilão.

O pilão fora feito pelo meu bisavô. Antigo, rústico, forte. Vencia o tempocom muito rigor. E naquela noite de lua cheia, o meu avô começou acontar seus causos, lendas, contos do arco da velha, como costumávamosdizer. A lua, lá fora, parecia que aumentava cada vez mais, e nós, osfamiliares, ouvíamos tudo com muita atenção. O vovô sempre foi umexcelente contador de causos. Mas sempre modificava, fazia suspense,nos deixava atentos e curiosos. Ele ria, gesticulava, caneca aloçada decafé nas mãos. Impressionava, a cada instante, a nós e aos moradores daregião.

Esse é o meu avô. Contador de causos. Ele tem o seu banquinho feitopor ele mesmo, de madeira, e o assento de couro trançado. Ele é um grandetrançador, faz laços, chicotes, arreios. Tudo que é de couro. Também éboiadeiro, faz berrantes e, para se divertir, é um alegre pescador. Faz umcaldo de piranha como ninguém. O meu avô toma o pó de guaraná todosos dias. Ele disse que os pais dele bebiam e passaram dos cem anos. Eugosto muito de conversar com o meu avô. Sou alegre, sadio e feliz porquemoro no Pantanal, o meu paraíso e paraíso de muitos.

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Voltando aos causos do vovô. As duas grandes janelas da cozinhaestavam abertas. Meus irmãos e eu estávamos com um pouco de medopor causa das histórias de meu avô. Principalmente quando ele contavasobre assombração e lobisomem. E naquela noite, vovô estava inspirado.A estória era sobre o lobisomem. Acho que ele aproveitou a lua que eracheia. Quanto mais ele contava, mais o medo aumentava. Lá fora, oscachorros começaram a latir. Tínhamos cinco cachorros: Pintado, Bolota,Guapo, Fominha e Sapeca. Os cachorros latiam tanto que o meu pai foilá fora ver o que estava acontecendo. Olhou, nada viu, voltou e sentou-separa ouvir os causos do vovô.

Novamente os cachorros latiam, agora mais perto de casa, e unsuivavam. Meu pai olhou da janela e nada viu. Mandou os cachorros ficaremquietos.

- Passa, cachorro! Passa, cachorro!Então ouviu-se um único uivo. Tão forte, tão forte que nos deu arrepio.

Corremos e fechamos as janelas. Minha avó, com seu tercinho nas mãos,rezava e fazia o sinal da cruz. O meu avô afirmou por várias vezes: “Issonão é nada. São os cachorros ou algum lobo. Vamos continuar com osnossos causos. Depois vamos dormir, porque a vida continua.” O meuavô contava que o lobisomem gostava de beirar as casas que tinhampuleiros de galinha, filhotes de gatos e cachorros. Ele come a cabeça edeixa o corpo dos animais. Mas isso é lenda, e lendas são lendas. Lembreique na varanda tinha uma ninhada de cachorrinhos. Pensei em sair parapegá-los. Tive medo. Falei para meu pai.

- Vamos lá fora trazer os cachorrinhos aqui pra dentro?

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Nisso... Au, au, au, au, au, au!- Santo Deus! Vovô, o que é isto?- Acho que é o lobisomem.- Lobisomem?- E os cachorrinhos?O meu pai foi para o quarto pegar sua espingarda. Vovô fez o mesmo.

Quando o meu pai foi abrir a porta, alguém gritou lá de fora. “So-cor-ro!”Um gemido estranho vinha lá de fora. “Socorro!” Ao mesmo tempo, osuivos começaram, e nós ficamos, por alguns minutos, quietos. Depois,“Socorro!”. Em seguida: au, au, au.

“Papai, acho que o lobisomem está se transformando em lobo ou olobo está se transformando em homem. Que confusão! E se ele passar porbaixo de nossas pernas nós vamos virar lobisomem? Se ele nos morder ouarranhar também viramos lobisomem? Será que este lobisomem é grandeou pequeno? Peludo ou sem pelo?”

Que noite, que horror, que medo! Minha mãe e avó pediam paraninguém abrir a porta. Mais uma vez a voz, agora rouca e fraca. “Ajude-me”, nisso o meu pai abriu a porta e no chão um homem caído, rasgado,sujo. O chapéu velho lhe tapava o rosto. Meu pai se abaixou para ajudar ohomem. Era o capataz da outra fazenda de meu pai. Havia caído do cavalo,quebrou o pé, estava rasgado e sujo de tanto se arrastar no chão até chegarem nossa casa para pedir ajuda. Por um instante ficamos aliviados. Até nosesquecemos do lobisomem. O homem comeu, tomou um banho para fazerum curativo e tomou um sedativo para aguentar passar a noite. Conversavem, conversa vai, a noite foi passando. Mas os cachorros começaram a

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latir novamente e os cachorrinhos a gritar. Meu pai, enfezado, foi parafora de casa. Recolheu a ninhada de cachorrinhos e fomos dormir.

Bem, nós tentamos dormir. Os cachorros latiam, as galinhas gritavame logo os uivos. Meu avô e meu pai abriram a porta e saíram para fora,cada um com sua espingarda. Logo começaram a correr atrás de algo oualguém. Corre daqui, corre dali, alguns tiros, depois silêncio. A nossavontade era sair para fora pra ver o que estava acontecendo. De vez emquando, abríamos a janela, mas a escuridão era muita e nadaenxergávamos. Tivemos que esperar. Nunca rezei tanto na minha vida.Fiz até promessa. Todos nós estavamos preocupados com vovô e papai.

Será que o lobisomem comeu os dois? Ou será que os mordeu e osdois viraram lobisomem? A lua lá fora era gigantesca. De vez em quando alua era encoberta por algumas nuvens. Então tudo escurecia. Aí o medoaumentava. E o meu pai e meu avô, por que demoravam tanto?

Já era madrugada, minha mãe fez café pois ninguém conseguiu dormir.Lá fora o silêncio era total. Nós não sabíamos se o lobisomem estava atrásde meu pai e avô ou se eles estavam atrás do lobisomem. O galo cantou elogo surgiriam os primeiros raios de sol. Então ouvimos a voz de meu pai:“Corre para a moita de bananeira”. Nós abrimos a porta e fomos todosjuntos e curiosos. O dia amanhecia com os primeiros raios de sol ailuminarem a terra. Então fomos ao encontro de papai e vovô no fundo doquintal. Os dois estavam parados, olhavam um para o outro e riam.

- Então, papai, o senhor matou ou prendeu o lobisomem?- Não, ele se deitou de cansaço. Acho que a nossa pontaria não é boa.

Ainda bem!

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E no meio da bananeira, trêmulo e cansado... Um lobo, lobo selvagem,faminto, cansado, assustado. E nós descobrimos que o lobisomem é umalenda contada de geração para geração. Se existe, eu não sei, não vi enem quero ver. O lobo, depois de descansar, voltou ao seu habitat natural.O pantanal. E eu, fiquei mais corajoso.

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.

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A Lenda do Pai do MatoTânia Mara de Matogrosso

Coleção Pantanal

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A Lenda do Pai do MatoTânia Mara de Matogrosso

Lindos campos verdejantes. É o amanhecer de um novo dia. O soldesponta no horizonte. A paz é predominante e faz pulsar forte o coração.Tudo em plena harmonia. Esse é o imenso Pantanal.

E este é o pai do mato. O solitário e pacífico pai do mato. Pai daesperança. Pai da vida. Pai da paz. Ele vive nas matas, campos. Ele é olendário pai do mato. Conhecido e lembrado por muitos pelos seus feitos.Ele é um velho índio.

Quando há algum tempo houve uma matança de jacarés no Pantanal,o pai do mato estava atento e fazia tudo que podia para ajudar a preservara vida dos jacarés e outros animais. Ficava triste por ver tanta matança.

Pensativo, ele abençoa todos os lugares por onde passa. Ele é misterioso,amigo de todos que lutam e amam a mãe natureza. O pai do mato recebeueste nome pelo amor, respeito e proteção que ele dá à flora e à fauna.

Ele costuma castigar os malvados que judiam dos pássaros, animais edestroem rios, plantas e tudo que existe na natureza. O pai do mato é oprotetor dos fracos e oprimidos. Um dia, andando pelas matas, encontrouuma arapuca com uma capivara dentro. Já fazia vários dias que oanimalzinho estava preso. Com sede e com fome, certamente iria morrer.

O pai do mato cuidou da capivara até ela ficar forte novamente, quebroua arapuca e a jogou fora. Ele não compreendia por que as pessoas faziamtantas maldades, por que judiavam tanto dos animais e pássaros.

Dos animais procurados pelos caçadores, os que mais sofrem são os

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tatus, pacas, antas, veados, porcos do mato, jacarés, etc. Os pássarossão capturados para serem vendidos em outros estados e países, bemlonge do seu habitat natural.

Um dia, o pai do mato, vendo a ingenuidade e inocência dos animaise pássaros, convocou uma reunião. Era um dia muito importante. Ele,como amante da natureza, falava a língua dos animais e pássaros. Essalíngua é a língua do amor. Amor a todos sem distinção. E o pai do matosabe como amar e sabe também como ensinar os animais e pássaros a sedefenderem.

Sabe e conhece bem o valor da natureza e sempre diz:- A natureza vive sem o ser humano. Mas o ser humano não vive sem

a natureza.Na hora da reunião, os animais foram se aproximando. Os pássaros

também. O pai do mato estava compenetrado. Tudo observava com muitocarinho e atenção. As lindas borboletas chegavam para a reunião. O lugarera maravilhoso. Árvores frondosas e muitas flores, cachoeiras e muitoverde.

Todos chegaram e se acomodaram para ouvir o que o pai do matotinha para lhes ensinar. Como ele falava a língua do amor, todos entendiam.Porque o amor é universal e ultrapassa todos os limites.

- Queridos amiguinhos. Antes, este lugar, o Pantanal, era habitadopelos índios, principalmente esta região em que estamos. Os índios, osmeus ancestrais, só matavam para comer, para matar a fome. Era a lei danatureza, e para vocês é até hoje, os carnívoros. E os animais e pássarosviviam em paz. Hoje a maioria dos índios já foi extinta. Os animais e

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pássaros também estão sendo extintos.Nós precisamos ficar atentos. Cuidar mais de nós mesmos. Não confiar

principalmente no ser humano. Não são todos, mas alguns. Capturam,matam, queimam a vegetação e tudo o que encontram pela frente. Outrosderrubam árvores e vegetação, jogam lixo, destroem por destruir e aindaacham que é pouco.

A anta muito afoita:- Ontem, quase me mataram para me comer. Corri tanto que tô

cansada até hoje.Uma das borboletas:- Eu voei o mais alto que pude, quase me perdi, pois ventava muito.

Queriam me capturar para fazer testes científicos. Que horror!A cobra sucuri estava toda enrolada, estava com frio:- Pior é a minha história. Já faz dias que não como. Estou faminta e

quando fico faminta sinto frio, por isso só fico dormindo. Assim, esqueçoa fome.

As araras lindas e alegres:- Nós comemos frutos silvestres. Por isso, estamos sempre com o papo

cheio. Não precisamos matar para comer. Se alguma arara come seresvivos, azar o dela, eu não. Eu só amo, amo, amo. E como, como, como.Por issso sou alegre, sou feliz.

O macaco, todo contente, não parava de se coçar.O sapo:- Este macaco não toma banho! Por isso vive se coçando tanto.A coruja com os olhos arregalados:

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- Eu estou bem, só caço à noite e quase não sou perturbada.O urubu:- O ser humano não gosta de mim. Acho que é o meu cheiro. Também

não gosto do ser humano, muito menos do cheiro dele, que é horrivel,desagradavél. Só quando eles morrem é que ficam cheirosos.

O tucano:- Não é só o ser humano que não gosta do seu cheiro, eu também.A cutia, que estava perto, virou a cara. O cheiro do urubu não era nada

agradavél.A capivara:- Eu sou esperta, quando vejo um ser humano, corro rapidinho pra

bem longe. Sou jovem e pretendo viver muito.O tamanduá:- Eu me defendo com minhas unhas e garras. Acho que eles têm medo

de mim, mas o carro deles não.O tuiuiú:- Eu, como sou encantador, quando vejo um ser humano abro minhas

lindas asas. Adoro ser visto por todos. Me dá felicidade. Espero viver muitosanos e ser feliz, de preferência aqui neste santuário abençoado, onde soumuito feliz. Vou me cuidar mais, afinal, eu sou considerado o símbolo doPantanal. Espero que os humanos não comam tuiuiús.

A reunião durou algumas horas. O pai do mato, com calma, explicoupara todos que eles deveriam se defender. Todos entenderam. Despediram-se e a vida voltou ao normal.

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Os pantaneiros amam e respeitam o lendário pai do mato. Porqueeles, os verdadeiros pantaneiros, são preservadores, conservam a natureza.Acham tudo lindo, maravilhoso. Acham um verdadeiro paraíso terrestre.O pai do mato é lenda no Pantanal. Faz parte do nosso folclore.

O pai do mato é lendário. Aparece quando acha necessário. Sua funçãoé proteger a natureza. Ele também é brincalhão, divertido. Gosta de fazerpresepada, como dizem os pantaneiros. É enérgico quando necessário.

Em noite de lua, ele vaga pelos campos no meio dos bois. Muitas pessoasafirmam tê-lo visto vagando lentamente, sempre apreciando a natureza,pois ele vive em paz e luta pela paz.

Também anda em sua canoa nos rios onde passeia apreciando aspaisagens pantaneiras.

O que sabemos, é que ele se chama pai do mato. Ele vive no mato.Ama e proteje o mato.

Respeitar o lugar em que vive é dever de todos. Respeite o nosso planeta.Faça a sua parte. O Pantanal é um santuário que deve ser respeitado, amadoe preservado. Conheça-o e ajude-nos a conservá-lo.

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.

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A Lenda do MãozãoTânia Mara de Matogrosso

Coleção Pantanal

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A Lenda do MãozãoTânia Mara de Matogrosso

Pantanal, santuário ecológico mundial.Este é o mãozão. Onça, porco do mato, lobo, ema, anta, queixada,

macaco. Ou é um ser humano mutante? Com a mão enorme, muda semprede aparência.

Como é grande a mão do mãozão! Gostou dele?Ele é uma lenda. Há muitas gerações vem fazendo o que pode para

proteger a fauna e a flora.Dizem os pantaneiros que ele aparece de várias formas. Usa sempre a

aparência de um bicho do Pantanal ou cerrado. Sua intenção é proteger anatureza.

Como é lindo ver os pássaros em total liberdade voando no Pantanal!Como é gratificante ver os animais. Solitários ou em bando, vagando

em paz e em harmonia.É inesquecível uma paisagem pantaneira. Onde o silêncio predomina

e a vida segue seu curso normalmente.Alguns ex-caçadores contam que uma noite foram caçar na região

pantaneira. Queriam se divertir matando o que encontravam pela frente.Armaram uma barraca na beira do rio. E prepararam várias arapucas.Armas, tinham aos montes, dava para escolher.

Altas horas da noite saíram para caçar. Saíram em pequenos grupos detrês. Ao todo, eram quinze.

Os animais e pássaros tentavam dormir em seus ninhos, tocas, moitas,

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enfim, era uma noite bem diferente.Apostaram para ver quem iria caçar mais bichos, quem caçaria o maior

animal. Andaram quase a noite inteira e não conseguiam caçar nada.Então, resolveram se juntar e ir esperar os animais ao amanhecer na beirado rio.

Ao caminharem em direção ao rio, apareceu uma anta enorme eenfurecida.

Os caçadores correram para todos os lados pedindo por socorro.Um caçador caiu e a anta passou por cima dele. Em sua jaqueta de

couro envelhecido ficou uma marca de mão humana e enorme. Só viramno outro dia.

Os caçadores não desistiram, continuaram em direção ao corixo. Detrás de uma árvore surge uma onça, a maior que eles haviam visto. E elaficava só nas duas patas traseiras. O incrível era o tamanho das mãos daonça e eram mãos humanas.

Alguns dos caçadores voltaram para o acampamento. Estavamassustados e queriam descansar, dormir e se esquecer do mãozão. Teriamhistória para contar por muitos anos. Os teimosos destruidores da faunacontinuaram. Iriam atravessar o rio para esperar os animais no amanhecer.Encontraram uma ema gigante, nervosa e agressiva. Era caçador paratodos os lados.

Tinham medo, mas não tinham vergonha e insistiam que teriam quecaçar, nem que fosse um único tatuzinho.

Quando iam chegando perto do corixo para colocarem suas armadilhas,apareceu um macaco. Vários macacos. Um dos macacos que estavam à

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frente tinha uma mão enorme.Os caçadores largaram as armas, armadilhas e todos os pertences e

correram em direção ao acampamento. Muitos deles se perderam. Horasdepois se encontraram no acampamento e entenderam que os animais epássaros foram feitos para serem admirados, amados e respeitados. Elesforam criados para viverem livremente. Os caçadores encontraram por todoo acampamento uma mão enorme. Nas barracas, carros, redes, toalhas eroupas.

O mãozão somos todos nós quando respeitamos, amamos e valorizamosas maravilhas do nosso mundo.

O mãozão é...amorpazvidaesperançaconservação.

É através da boa educação que aprendemos a valorizar tudo de bomque temos. Principalmente a natureza.

A natureza vive sem o ser humano.O ser humano não vive sem a natureza.