Lendas Do Concelho de Mirandela

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Lendas e contos

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A chave de ouro

Antigamente, a gente era pobre e tinha de ir apanhar a lenha ao feixe. Como havia pouquinha, íamos

para muito longe saber dela e tínhamos os pousadoros certos para descansar.

Um dia deu-nos para chegar ao pé do “Fragão” (um grande penedo situado em Lameirinha), onde os

antigos diziam que havia um encanto. Tomámos coragem e fomos ver a frincha do fragão. Vimos

então lá uma chave com 60 centímetros de ouro. E chegámo-nos logo à frente a ver se a caçávamos.

Mas de nada valeu. A chave pôs-se a fugir pela frincha adentro, como se tivesse pernas. E lá mais para

os fundos ouvimos alguma coisa a fazer tlim-tlim. Como não vimos mais nada, julgámos que era a

chave a tilintar, mas os antigos sempre disseram que ali havia uma tecedeira encantada e que, por

isso, o tlim-tlim só podia ser o barulho do seu tear.

Fonte: PARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia, Gailivro,

2006 , p.281. Local: Bouça.

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A Cisterna da Torre de Dona Chama

No castelo da Torre de Dona Chama (Trás-os-Montes) há uma cisterna com uma moura encantada em

mulher da cinta para cima e serpente da cinta para baixo. Uma vez passou por ali um homem, e a

moura chamou-o e disse-lhe que fosse lá ao outro dia desencantá-la, e que não tivesse medo, porque

ela nesse dia apareceria toda serpente, mas o homem ficaria rico. O homem foi. Quando a serpente ia

a subir pelo homem acima, a dar-lhe um beijo na boca, assim que chegou à garganta, este intimidou-

se e atirou-lhe com o casaco.

A serpente enroscou-se, fugiu e exclamou: «Ah! que dobraste o meu encanto!» Ainda assim ela

mandou ao homem que a certas floras fosse lá a um lugar, onde acharia uma pedra com doze vinténs

em cima, todos os dias. Nessa cisterna, na manhã de S. João, ouve-se um tear a trabalhar.

Fonte: VASCONCELLOS, J. Leite de, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por ordem da universidade, 1966 ,

p.762-763. Local: Torre De Dona Chama.

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A donzela encantada e o jogadorAPL 3632

Na aldeia de Ribeirinha, concelho de Mirandela, brota de uma fraga uma água muito pura, que o povo acredita

ser milagrosa. O local é hoje conhecido como Fonte de Nossa Senhora da Ribeirinha.

Conta-se que numa ocasião ia de noite um homem àquela fonte e viu lá uma cobra. Vai daí, agarrou num pau e

aprontou-se para lhe dar com ele. Nisto, a cobra pôs-se a falar e disse-lhe:

— Não me mates, que não te arrependerás!

O homem ficou muito admirado e já não lhe deu com o pau. Ela então continuou a dizer-lhe:

— Eu sou uma donzela encantada e amanhã acaba o meu fado. Se aqui vieres à meia-noite, eu subo por ti

acima e dou-te um beijo na face. Porém, tu não podes fazer o mais pequeno gesto, nem estremecer, porque se

o fizeres dobras-me o fado.

Na noite seguinte, o bom homem voltou à fonte. Ia cheio de coragem e esperou pela meia-noite. Ela então lá

lhe apareceu como tinha dito. Depois subiu-lhe pelo corpo e o homem nem se mexeu. Só que, no momento em

que o ia beijar na cara, ele estremeceu. Então a cobra desceu e, com uma fala que mais parecia um rugido,

disse:

— Dobraste-me o fado, mas não te arrependerás de aqui ter vindo. Todas as noites aqui encontrarás três

moedas.

O homem nunca se esquecia de ir lá buscar o dinheiro. Fazia-lhe jeito. Só que uma vez, quando estava a jogar,

perdeu. E não se mostrou nada incomodado com isso. Disse então aos outros jogadores:

— Enquanto na fonte da Ribeirinha todas as noites as três moedas encontrar, hei-de sempre poder jogar.

Tal coisa não tivesse dito. Nessa noite, quando lá foi saber das três moedas, o que encontrou foram três

carvões. E nas noites seguintes nem isso.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.281-282

Ano1999

Local Bouça, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteSílvia de Jesus Felgueiras (F), 46 anos,

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A Fonte dos Engaranhos

Na aldeia de Couços, freguesia de Múrias, Concelho de Mirandela, existe uma fonte célebre, chamada Fonte

dos Engaranhos. A razão desse nome estranho deve-se às suas águas que, segundo os habitantes da aldeia,

curam as crianças engaranhadas, isto é, as crianças raquíticas ou enfezadas.

As mães, com filhos nessas condições, vão lá mergulhá-los e depois deixam aí os vestidos que levam, para, com

eles, ficar também o mal. Esse poder de curar, que tornou a fonte muito conhecida e procurada, deu origem a

esta lenda bem curiosa.

Certa noite de luar, passou por lá um aldeão que regressava do trabalho e se dirigia para sua casa. Ao passar,

mesmo rente à pocinheira da fonte, sentiu um leve ruído que o sobressaltou. Olhou para lá e viu, com grande

surpresa, uma linda donzela que penteava os cabelos negros com um pente de oiro fino. Assustou-se com

aquela inesperada aparição, mas logo se acalmou, quando ela lhe começou a falar, com uma voz meiga que

inspirava confiança:

- Não tenhas receio, meu bom amigo, que eu não faço mal a ninguém. Eu sou uma moira encantada,

condenada pelo destino a passar mil anos nesta fonte, transformada em cobra. Se fores capaz de me

desencantar, dar-te-ei todos os meus tesoiros, porque sou muito rica.

- E que tenho de fazer para isso? — perguntou o homem.

- Nada, absolutamente nada. Basta que me deixes dar-te um beijo na boca, quando me tiver transformado em

cobra. Mas não podes estremecer.

- Está bem, aceito. Coragem não me falta, diz o aldeão.

- Então prepara-te, que eu vou voltar à minha forma habitual.

Dito isto, transformou-se repentinamente numa enorme cobra preta e começou a aproximar-se do homem, já

um pouco receoso. Primeiro, enroscou-se-lhe às pernas. Depois, trepou-lhe à cinta e subiu-lhe ao peito, muito

vagarosamente, para não o assustar.

O aldeão mantinha-se calmo, sem pestanejar. Mas, quando a serpente lhe tocou na boca para lhe dar o beijo,

que era a prova de fogo, sentiu um arrepio na espinha que o fez estremecer. Foi o bastante para deitar tudo a

perder.

Imediatamente a cobra se desprendeu e caiu ao chão, retomando a forma de mulher, para lhe dizer:

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- Dobraste-me o encanto: agora, tenho que estar aqui mais dois mil anos. Não conseguiste desencantar-me,

mas revelaste muita coragem e boa vontade. Por isso, vou ajudar-te a viver bem, sem teres necessidade de

trabalhar. Toma lá três moedas de oiro e volta cá, sempre que precisares de mais.

O camponês pegou nas três moedas de oiro e foi para casa, a esfregar as mãos de contentamento. Nunca na

sua vida tinha tido nas suas mãos uma tal riqueza.

Daí em diante, ninguém mais o viu a trabalhar e todos andavam intrigados com a vida de rico que levava:

sapatos de verniz, meias de seda, fato de caxemira, camisa de popelina e gravata de luxo.

Bem comido, bem bebido, lavado e escarqueijado, suscitava a inveja e a admiração dos vizinhos que se

interrogavam uns aos outros:

- Donde lhe virá o dinheiro para estes luxos? Aqui há coisa grossa. Quem cabritos vende e cabras não tem de

alguma banda lhe vêm.

Bem tentavam saber dele a razão daquela mudança. Mas ele encolhia os ombros e não se descosia. Até que,

um dia, um amigo que tinha mais confiança com ele lhe disse à queima-roupa:

- Olha que o povo não se cala e já diz que tu andas a roubar ou tens pacto com o Diabo. Não queres revelar-me

o teu segredo? Não confias em mim?

Então, ele abriu-se e confidenciou ao amigo que ia buscar o dinheiro à fonte dos engaranhos. Foi a sua

desgraça.

No dia seguinte, voltou à fonte, mas já não viu as moedas que a moira encantada lhe punha à tona da água. No

seu lugar, apenas enxergou três pedaços de carvão. Regressou, pois, a casa muito triste, de mãos a abanar.

E, como não soube poupar, pensando que a mina não se esgotava, teve de voltar ao trabalho duro. Então,

quando os vizinhos lhe perguntavam pelo dinheiro da fonte, respondia, com alguma dose de humor:

- Água o deu, água o levou.

Agora, quando alguém diz que precisa de dinheiro, as pessoas respondem-lhe:

- Vai à fonte dos engaranhos.

Ou então, se alguém vive bem sem trabalhar, comentam:

- Este vai à fonte dos engaranhos.

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Mas, se a fonte deixou de dar dinheiro, para sustentar preguiçosos, continua a dar água milagrosa, para curar

as crianças engaranhadas. E esse poder de curar — diz o povo — vem-lhe da moira encantada que tem bom

coração e gosta muito de crianças.

Fonte: FERREIRA, Joaquim Alves, Lendas e Contos Infantis , Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.9-11. Local:

Múrias

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A fraga da mulaAPL 3626

Perto da aldeia de Frechas, no concelho de Mirandela, há um local que é conhecido por “Fraga da Mula”, onde

muitos sempre tiveram receio de passar. Nesse local, existe um poço onde se diz que está uma moura

encantada.

Diziam os mais velhos que para a desencantar era preciso ir lá um dia à meia-noite, sem olhar para trás e levar

um copo de leite e azeitonas. A quem cumprisse estas regras aparecia-lhe uma mula encantada que previa o

futuro. Mas se as não cumprisse, o chão começava a abrir-se, as fragas rebentavam e saía de lá uma mula que

engolia as pessoas. Daí a dita fraga ser chamada “Fraga da Mula”.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.278-279

Ano1999

Local Frechas, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteLídia da Assunção Caseiro (F), 45 anos,

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A grade de ouroAPL 3628

Um dia estava um lavrador a pastorear as suas vacas perto de Vila Verdinho, concelho de Mirandela, quando

lhe apareceu uma mulher desconhecida, que depois soube ser uma moura, e lhe disse:

— Tens aí duas vacas que vão ter dois bezerros. Tu vais criá-los, mas nunca tires às vacas uma pinga de leite.

Daqui a um ano, quando for S. João, metes os bezerros no rio com uma grade de gradar a terra. Se assim fizeres

terás a tua fortuna.

O lavrador, ao chegar a casa, contou à mulher, pedindo-lhe que fizesse como a outra lhe tinha dito.

O tempo passou, nasceram os bezerros e lá foram crescendo. Acontece que um dia a mulher do lavrador

esqueceu-se do pedido do marido e foi tirar o leite às vacas. Estava então nesta tarefa quando, de repente, se

lembrou; e, com a atrapalhação, atirou com o leite por cima de um dos bezerros, que logo ficou todo malhado

de branco.

Ao chegar a manhã de S. João, o lavrador fez como a moura lho havia dito: meteu os bezerros ao rio com a

grade. E qual não é o seu espanto ao ver que a grade, ao ser puxada pelos animais, ia aparecendo à tona da

água transformada em ouro. Só que, logo em seguida, do lado do bezerro malhado a grade começa a afundar-

se.

O lavrador dizia então para os bezerros:

— Quer Deus queira, quer não queira,

a grade vai p’ró cima da barreira!

É o vais. Quanto mais ele os picava mais a grade se afundava. E, dali a nada, tanto ela como os bezerros foram

parar ao fundo das águas. Perdeu tudo. Ouviu-se então uma voz a dizer:

— Maldito, que me dobraste o encanto!

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.279-280

Ano2001

Local-, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteGabriel Coelhoso Moreira (M), 45 anos,

Page 10: Lendas Do Concelho de Mirandela

A lenda de Dona Chama (versão A)APL 3613

No alto do monte erguia-se uma torre que era habitada por uma linda princesa moura, afamada pelas suas

extraordinárias riquezas e ainda mais pela sua beleza incomparável. Quando algum cavaleiro se dirigia às

sentinelas da torre, solicitando licença para falar à princesa, as sentinelas, trazendo o consentimento da castelã,

traduziam-no invariavelmente pela fórmula: A dona chama.

Cavaleiro que entrasse na torre, da torre não tornava a sair. Um denodado cavaleiro, mais feliz do que os

outros, porque logrou sair são e salvo do empreendimento de que tantos nunca escaparam, pôde, depois de

adormecida a princesa, tirar-lhe de um dedo um anel; levantou-se da cama com todo o cuidado para não a

acordar e, chegando até às sentinelas que lhe quiseram embargar a passagem, mostrou-lhes o anel, sinal certo

de indissolúvel aliança. Convencidas as sentinelas deixaram-no passar. A princesa, depois de acordada, não

vendo o cavaleiro, gritou pelas sentinelas, que a informaram do sucedido.

— Está descoberto o meu segredo! — exclamou a princesa, ficando em seguida encantada juntamente com os

seus tesouros.

A princesa, como era incontinente, recebia sempre os cavaleiros que a procuravam; depois para que não

descobrissem o seu segredo - a princesa tinha pernas de cabra -, mandava-os matar. Se não fosse a astúcia do

último cavaleiro, nunca se alcançaria saber que a linda moira que habitava a torre era

Dona Chamorra,

pernas de cabra,

cara de senhora.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.268-269

Ano1895

Local-, MIRANDELA, BRAGANÇA

ColectorJoaquim de Castro Lopo (M)

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A lenda do Rei OrelhãoAPL 3612

O nome de Lamas de Orelhão vem de um rei mouro muito mau que viveu nestas terras há muitos e muitos

anos. Dizia-se até que o rei Orelhão tinha uma orelha de gato e outra de cão. Portanto, não era só mau. Era

mau e feio.

Contam os antigos que nesse tempo vivia também aqui uma pastora muito boa e bonita chamada Comba, que

costumava ir para os montes com o rebanho juntamente com o seu irmão Leonardo. Um dia o rei Orelhão viu-a

e, como era bonita, tentou seduzi-la. Primeiro esperou que estivesse afastada de seu irmão, depois abeirou-se

dela e disse-lhe:

— Quero que me venhas catar os piolhos.

A menina, ao ver que se tratava do rei mouro, e como era ele quem ali mandava, obedeceu. Sentou-se então

numa fraga e o rei encostou a cabeça ao seu colo para que o catasse. Estiveram assim horas e horas, pois o

mouro, como estava a gostar do colo de Comba, já não queria sair dali. Até que adormeceu. Ela, ao vê-lo a

dormir, desatou muito devagarinho o avental, pousou a cabeça do mouro na fraga e fugiu.

Dali a nada o mouro acordou e, ao ver que a moça tinha fugido dele, montou no cavalo e foi em sua

perseguição para a castigar. Ela fugiu, fugiu, e, ao sentir o mouro já perto, abeirou-se de uma grande fraga e

disse:

— Abre-te fraga bendita e salva Comba catita!

E o milagre deu-se. A fraga abriu-se e a menina entrou nela, desaparecendo da vista do mouro. Este, numa

última tentativa para alcançá-la, lançou contra ela a sua lança, que, ao embater na fraga, deixou lá um golpe

tamanho que ainda hoje se pode ver.

Entretanto, para tentar ajudar Comba, vinha já na mesma direcção o seu irmão Leonardo. Então o mouro pega,

vingou-se nele. Só que o ódio era tanto, que não se limitou a matá-lo. Estripou-o.

Mais tarde outros pastores foram achar as tripas do Leonardo atrás de um juncal. E nesse mesmo sítio nasceu

uma fonte. A água é milagrosa. A fonte ainda hoje ali está e chama-se “Fonte de S. Leonardo”. E na fraga onde

Comba desapareceu o povo construiu depois uma capela, que tem o nome de Santa Comba dos Vales.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.267-268

Ano1997

Local Lamas De Orelhão, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMaria Emília (F), 78 anos,

Page 12: Lendas Do Concelho de Mirandela

A maldição da serra dos PassosAPL 3619

Conta-se que nos tempos em que os cristãos andavam em guerra com os mouros, estas terras eram governadas

por um rei cristão que tinha uma filha. Acontece que ela um dia conheceu um jovem mouro e apaixonou-se por

ele. E como essa relação nunca seria abençoada, os dois decidiram fugir.

O rei quando soube foi em sua perseguição e perdeu-os quando os jovens se esconderam na serra dos Passos,

que então tinha farta vegetação. Vai daí, resolveu lançar fogo à serra para que morressem queimados.

E por isso diz o povo que a serra está como está, sem vegetação, e onde só se vêem fraguedos, por causa da

maldição que o rei cristão lançou aos dois fugitivos. Nunca mais ali nasceu nada que preste.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.274-275

Ano1999

Local-, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMaria Elisa Belchior (F), 47 anos,

Page 13: Lendas Do Concelho de Mirandela

A mina d’ouroAPL 1689

Havia uma mina no lugar chamado poldras, junto à mata do palácio de Mateus.

Havia lá uma mina que se chamavam-la mina d’ouro, que aparecia lá uma moura encantada.

Então, aqueles homenzitos velhotes que andavam lá no campo a trabalhar diziam:

- Meninas, tinde cuidado, não ides pró pé da mina, porque aparece aí uma moura encantada! - e nós, cheios de

medo, retiravamo-nos da mina…

FonteAA. VV., -, Literatura da tradição oral do concelho de Vila Real, s/l, UTAD / Centro de Estudos de Letras

(Projecto: Estudos de Produção Literária Transmontano-duriense),

Local Abambres, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteDomingos José Portelinha de Moura (M), 80 anos, Abambres (MIRANDELA) BRAGANÇA,

Page 14: Lendas Do Concelho de Mirandela

A pocinha do Vale de AmieiroAPL 3631

Em Vale de Amieiro, perto de Ribeirinha, havia antigamente uma pocinha de água, de onde saía um encanto.

Mas não o via toda a gente. Dizem que esse encanto era uma menina que estava um bocadinho ao sol e depois

sumia-se. Quem a viu dizia que estava a pentear-se.

Ora esta menina também não falava com ninguém, a não ser, de vez em quando, com a madrinha e com o

padrinho. Então o padrinho era muito jogador. E um dia, quando estava a perder, disse para os companheiros:

— Eu cá jogo e torno a jogar

enquanto a pocinha do Vale de Amieiro não secar!

Fez bem mal. Com estas palavras dobrou o encanto à afilhada que nunca mais apareceu. E a pocinha secou.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.281

Ano2001

Local Bouça, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteIdalina Cabages (F), 73 anos,

Page 15: Lendas Do Concelho de Mirandela

A sineta dos mouros (versão A)APL 3614

Diz a tradição que, onde hoje se encontra a vila de Torre de Dona Chama, habitou outrora uma princesa moura

que mandou construir uma torre num morro, de onde avistava tudo à volta. E na torre colocou uma sineta com

a finalidade de chamar para as refeições as gentes que trabalhavam nos campos.

Havia assim o hábito de, sempre que ouviam tocar a sineta, dizerem as pessoas:

— Vamos lá, que a dona chama!

E daqui nasceu o nome da povoação.

Mas as pessoas antigas também dizem que a moura vivia com uma criada que era muito faladora e que gostava

de ir conversar com as pessoas da povoação. A patroa, quando dava pela sua falta, tocava a sineta da torre e

então a criada dizia para as pessoas:

— Tenho que ir, que a dona chama!

Há quem diga que foi assim que nasceu o nome de Torre de Dona Chama.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.271

Ano2001

Local Torre De Dona Chama, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMaria Beatriz Pereira (F), 52 anos,

Page 16: Lendas Do Concelho de Mirandela

A Torre de Dona ChamaAPL 2229

Disse-se que aquela ou esta vila tomara o nome de Torre pela torre que nela havia no castelo que falámos e…

acrescentar-se Dona Chama se conta e dizem os homens de noticia que fora por ser esta torre e vila de uma

grande senhora gentia, no tempo em que os Mouros residiam nestas terras, chamada Dona Chamorra; e que,

sendo inclinada ilicitamente aos cristãos, mandava chamar aqueles de melhor perfeição e os metia na torre

para satisfazer o seu apetite, e, para que a não fossem descobrir, não tornavam mais a sair por lhe fazerem

conhecer o mundo da verdade; e que, sucedendo ir um mais avisado, desde que satisfizera o seu apetite, se

adormecera encostada a ele e, como a sentisse dormindo, se retirou como pôde, levando-lhe um anel que lhe

tirara do dedo, coisa de grande valor e bem conhecido dos criados o dito anel; e o levara no dedo para sinal que

a Dona Chamorra lho dera, para assim os enganar para que o deixassem passar os guardas, como se diz que

passara; e, estando já livre, espertara Dona Chamorra e acudindo a mandá-lo chamar dizendo tornasse ali,

dizendo «torna cá, fulano, que a dona chama», e, como parecendo-lhe que este a descobriria, se matara a si

mesma.

FonteVASCONCELLOS, J. Leite de, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por ordem da universidade, 1966 ,

p.625

Ano1758

Local Torre De Dona Chama, MIRANDELA, BRAGANÇA

Informantepadre (M),

Page 17: Lendas Do Concelho de Mirandela

A velha e o carvãoAPL 3629

Uma velhota de Vila Verdinho, concelho de Mirandela, andava um dia a guardar umas ovelhas num campo

pegado à aldeia, quando lhe apareceram três mouras a pedirem-lhe um pouco de leite para matarem a sede.

A velhota, como era pessoa bondosa, foi logo mugir as ovelhas, deu o leite a beber às mouras e ainda lhes

ofereceu parte da merenda que tinha consigo. As mouras agradeceram e uma delas pega então nuns pedaços

de carvão e dá-lhos como paga, dizendo que os guardasse até casa e que não se arrependeria.

Ela guardou os pedaços de carvão no avental, mas, quando ia a caminho de casa, com medo que o marido

viesse a saber que tinha dado o leite às mouras, resolveu atirá-los fora. Mais tarde, já em casa, ao sacudir o

avental, viu que uns restinhos do carvão se tinham transformado em bocadinhos de ouro. O marido, que estava

ao pé, ficou muito admirado, obrigando-a a contar tudo. Soube então da história do carvão e logo trataram de

ir os dois, muito ligeiros, à procura dos bocados que ela tinha atirado fora no caminho.

Mas já nada encontraram. Há quem diga que ainda lá andam, para cá e para lá, a saber do carvão.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.280

Ano2000

Local-, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteOlímpia da Ressurreição (F), 92 anos,

Page 18: Lendas Do Concelho de Mirandela

Dona ChamôrraAPL 3615

Dona Chamôrra era uma princesa moura muito bela e rica, mas ambiciosa e má. Tinha o seu castelo no monte

mais alto de uma povoação que ela dominava e onde os habitantes eram seus escravos, entregando-lhe todo o

ouro que arranjavam no dia-a-dia. E para que não se esquecessem de subir ao monte a entregarem-lho, ela ia à

torre do castelo e tocava três vezes num enorme gongo de ouro. O som ecoava nas redondezas e cá em baixo o

povo dizia:

— Vamos, que a Dona Chama!

E assim a moura amontoava riquezas e mais riquezas no seu castelo, ao mesmo tempo que o povo passava

fome.

Até que um dia o povo se cansou de tantos sacrifícios e, após reunião de todos, decidem revoltar-se contra a

tirania da moura: deixaram de lhe levar mais ouro. Ela bem tocava no gongo, mas o povo… nada.

Ela então, incapaz de lutar contra todos, e adivinhando que a seguir lhe iriam buscar o ouro ao castelo, resolve

vingar-se à sua maneira. Agarra no ouro todo que tinha e enterra-o num poço bem fundo com uma enorme

pedra em cima. E ao lado abre outro poço e enche-o de peste, cobrindo-o com uma pedra igual. De maneira

que os poços não se diferençavam.

Foi depois à torre do castelo, tocou três vezes para chamar o povo e disse:

— Vou desaparecer, mas vós nada lucrareis com isso. Quem tentar encontrar o poço onde está o ouro

enterrado, arrisca-se a encontrar o poço de peste e, se tal acontecer, morrereis todos. Por isso, se pobres

estais, pobres ficareis.

E o povo, conformado, retorquiu:

— Pelo menos, somos livres!

Diz-se que os poços ainda lá estão com as respectivas pedras em cima. E que ninguém se atreve a ir lá procurar

o tesouro.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.271-272

Ano2001

Local Torre De Dona Chama, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteAna Maria Bernardo (F), 45 anos,

Page 19: Lendas Do Concelho de Mirandela

Lamas d’OrelhãoAPL 2806

É povoação antiquissima, e foi de muita importancia quando era côrte de um rei arabe, que dizem chamar-se,

ou ter por alcunha Orelhão, que foi o que deu o sobrenome á villa. […]

Segundo a lenda, Santa Comba e S. Leonardo, guardavam os seus rebanhos na serra que hoje tem o nome da

Santa. Orelhão, tentado pela formosura d’esta (que tinha visto em uma caçada) lhe fez as mais tentadoras

promessas, e quando viu baldadas as suas diligencias para seduzir a casta donzela, tentou empregar a força.

Ella vendo-se em tão imminente perigo, foge para junto de um penedo, e invocando a Virgem Maria, este se

abre para esconder a santa.

Orelhão, cego de furor e ardendo em desejos, desembainha a espada e dá tão grande cutilada no rochedo, que

ainda hoje se lhe divisa o signal (!) Então o feroz mouro, vinga-se em Leonardo, matando-o no sitio da serra que

por isso se chama Fonte de S. Leonardo, onde rebenta um manancial de agua crystallina.

FontePINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de, Portugal Antigo e Moderno, Lisboa, Livraria Editora

Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo IV, p. 31

Local Lamas De Orelhão, MIRANDELA, BRAGANÇA

Page 20: Lendas Do Concelho de Mirandela

Lenda da Flor que Nasceu da LamaAPL 2734

Contam velhos pergaminhos — que ficaram na memória de alguns, os quais por sua vez contaram a outros —

que em tempos remotos viviam ali, nas terras por detrás dos montes, lá bem ao norte de Portugal, dois irmãos

muito virtuosos e estimados por toda a gente: um rapaz e uma rapariga.

Ninguém sabia donde tinham vindo, nem quem eram, na verdade. Mas mostravam-se tão bons, tão

sossegados, que os deixavam viver em sossego, sem cuidar da sua origem.

Ela era muito jovem e muito bonita, talvez a mais bonita de todas as raparigas das redondezas. Ele parecia

bastante mais velho e possuía uma cultura que embaraçava as pessoas sabidas.

Todavia, apesar da diferença de idades, o irmão em tudo obedecia às determinações da irmã...

E como passatempo favorito entretinham-se a andar pelos campos, falando das coisas do Céu e namorando as

coisas da Terra.

Ora aconteceu que, certo dia, o rei mouro que então dominava a região soube também da existência desses

dois irmãos, que a toda gente mereciam respeito e simpatia. E quis conhecê-los. Porém, matreiro como era,

preferiu ir ao encontro deles sem que dessem por isso... E assim, mandou aparelhar o seu melhor cavalo.

— Vamos, depressa!... Aprontai-me o melhor dos meus cavalos... Tenho de fazer uma grande viagem!

E como se quedassem a olhá-lo, gritou mais forte e mais furioso:

— Vamos, imbecis, porque esperais?... E que o cavalo fique digno do seu cavaleiro, perceberam?...

Depois, numa gargalhada, gracejou:

— Que os meus próprios inimigos rebentem de inveja, quando eu passar!...

Cavalgando o seu cavalo branco ajaezado a ouro, o terrível monarca correu montes e vales, até que encontrou

quem procurava.

Com aparente ar de singeleza, aproximou-se devagar dos dois irmãos.

— Vós estais sozinhos, jovens?

Olharam-no, sobressaltados. Mas, vendo o sorriso que lhes dirigia, sentiram-se mais tranquilos.

E o mais velho respondeu, sorrindo também:

— Senhor Dom Cavaleiro, basta que estejamos os dois para nos acompanharmos um ao outro...

O cavaleiro concordou, aproximando-se mais:

— Dizeis bem. — E logo, num ar brejeiro, acentuou: — Para dois jovens que vêm viver para o campo o seu

romance de amor, todas as presenças são importunas...

Numa expressão de magoada e ofendida, a jovem retorquiu imediatamente:

— Perdão, senhor Dom Cavaleiro... Ele é meu irmão!

O cavaleiro fingiu surpresa.

— Sim? Então aceitai as minhas desculpas. Mas, sinceramente... considero excepcional o facto de encontrar

dois irmãos... assim tão amigos...

Page 21: Lendas Do Concelho de Mirandela

Foi o irmão quem respondeu:

— Pois assim vivemos, senhor Dom Cavaleiro... E assim morreremos.

Depois, num reflexo de pura curiosidade, perguntou:

— E vós, senhor... quem sois?

Houve uma pequena pausa, antes do cavaleiro responder:

— Bem... Sou um dos favoritos do rei... A propósito: o rei já vos conhece?

Foi a vez da rapariga informar:

— Não, não nos conhece... Nem nós desejamos conhecer esse tirano, que tanto mal tem feito.

Num berro, o outro deixou transparecer o seu espanto:

— Que dizeis?

Mas logo o irmão se juntou à irmã, a reforçar-lhe as palavras.

— Dizemos a verdade, senhor Dom Cavaleiro! Vós decerto o sabeis... já que sois um dos seus favoritos.

A cólera do outro cresceu, na voz e no olhar e nos gestos.

— Pois quê? Atreveis-vos, diante de mim, a dizer tais coisas?

Os dois irmãos silenciaram, temerosos, perante o ar irado do cavaleiro. Porém a rapariga ainda se atreveu a

acrescentar.

— E porque não, senhor Dom Cavaleiro? Falamos pela voz da verdade. Bem sabemos, por experiência própria,

quanto este bom povo sofre com a tirania do rei.

A voz dela encheu-se de lágrimas.

— Foi por ordem desse tirano que mataram nossos pais!

Um sorriso misterioso voltou a nascer no rosto do cavaleiro.

— Ah! Compreendo agora... Estão aqui para se vingarem, não é?

— Não, senhor Dom Cavaleiro — retorquiu a voz tranquila da rapariga — a vingança não entra em nossos

corações!

O rosto do rei mouro carregou-se de pequenas rugas interrogativas.

— Então... que pretendeis? Que intenção é a vossa?

Foi ela ainda quem respondeu, com a mesma tranquilidade de alma.

— Iluminar os espíritos dos bons... e encaminhar o espírito dos maus... É essa a doutrina de Nosso Senhor Jesus

Cristo.

O cavaleiro deu mostras de ficar pouco satisfeito com a resposta. Esporeou o cavalo e gritou:

— Bem, vou seguir viagem... Já aqui me demorei bastante!

Depois a sua voz tornou-se mais branda, mais melíflua.

— Sempre vos digo, meu rapaz, que não deveis deixar andar por aqui vossa irmã. Ela é tão bonita, tão fresca,

que faz entontecer o coração de qualquer homem.

O irmão da jovem limitou-se a afirmar convictamente:

— Não faz mal. Ela sabe defender-se. E, se precisar, terá sempre a minha ajuda!

Uma gargalhada maldosa saltou dos lábios do cavaleiro.

Page 22: Lendas Do Concelho de Mirandela

— Julgais-vos decerto muito forte...

O outro olhou-o de frente, com calma. E com calma retorquiu:

— Tenho a força que Deus me dá!

Nova gargalhada se fez ouvir. Desta vez mais grosseira, mais brutal.

— Pois ficai com a vossa força… que melhor ficará quem ficar com vossa irmã!

E abalou correndo pelos campos, sem mais olhar para trás...

Os dois irmãos, depois da abalada do estranho cavaleiro, ficaram a meditar no caso. Foi a jovem quem rompeu

primeiramente o silêncio.

— Que homem tão singular... Falava com voz áspera, mas o olhar dele era doce e meigo...

O irmão sorriu.

— Ora, irmãzinha... Era doce e meigo, quando olhava para ti... Mas eu confesso: não gostei nada desse olhar!

Ela deixou que todo o seu receio se lhe estampasse no rosto. E perguntou:

— Que pensas tu?

Ele inclinou-se para ela. E murmurou, quase em segredo:

— Penso que ele nos veio espiar... para ir contar tudo ao rei tirano!

Suspirou fundo e concluiu tristemente:

— Se estávamos em perigo, agora o perigo é maior.

A rapariga ergueu os olhos ao céu, num ar de serena confiança.

— Deus encaminhará os nossos passos no melhor e no mais seguro dos caminhos...

Ele seguiu-lhe o olhar. E disse, como quem reza:

— Que Deus te oiça, irmãzinha!

Não podiam eles adivinhar que o estranho cavaleiro nem sequer se afastara dali...

Ficara de atalaia, bem perto, esperando que a noite cobrisse tudo e todos com o seu manto de luar...

E quando julgou chegada a hora propícia para pôr em prática os seus planos, começou a avançar

cautelosamente...

Olhando o céu estrelado, os dois irmãos prepararam-se para dormir sobre a relva fofa. Ficariam ali, mais uma

vez, longe do tumulto das gentes. Aliás, já se tinham habituado a viver assim, em contacto directo com a

Natureza...

Nessa noite, porém, a rapariga parecia desassossegada.

— Ai, meu irmão! Pressinto qualquer coisa que me faz estar inquieta...

Ele bocejou, olhou-a sorrindo, e disse-lhe meigamente:

— Olha bem em teu redor... A noite está serena... Temos por cama a relva do campo e por tecto o céu... Que

desejas tu de melhor?

Ela suspirou. A sua voz tornou-se mais dorida, mais íntima:

— Tens razão... Nada de melhor posso desejar! Mas... repito-te, meu irmão... É como que um pressentimento...

Page 23: Lendas Do Concelho de Mirandela

algo de sobrenatural que me avisa de que esteja alerta.

O irmão deu uma pequena risada.

— Ora, ora... Ficaste com certeza a pensar no tal cavaleiro...

Mas o sono pesava sobre ele. Encolheu-se todo, voltou-se para o outro lado, voltou a bocejar e recomendou:

— Dorme, dorme, irmãzinha… e verás como isso passa depressa.

Ela estendeu-se também no seu leito de ervas.

— Vou tentar, meu irmão... Já que não posso dormir, rezarei ao menos...

E assim fez. Pouco a pouco, porém, vendo o irmão a dormir profundamente, a jovem acabou também por

mergulhar num torpor muito próximo do sono. Somente acordou, surpreendida e aterrada, quando escutou

uma voz a segredar-lhe, mesmo junto ao seu rosto:

— Não fujas! Não grites! Sou eu que te venho buscar...

Com voz de coração amedrontado, a rapariga gemeu o seu espanto:

— O senhor Dom Cavaleiro!...

O rosto dele aproximou-se mais. E mais segredou:

— Não, eu não sou qualquer Dom Cavaleiro... Eu sou o próprio Rei... E quero levar-te comigo!

Então a jovem compreendeu tudo. O seu pressentimento concretizava-se. Quis afastar-se.

— Não me toqueis! Sois um cobarde e um mentiroso... Afastai-vos, senão grito!

Mas nem fugiu nem gritou. Mais possante, aguardando já tal reacção, o rei mouro prendeu-a nos seus braços

fortes e amordaçou-a, murmurando:

— Ainda ficas mais bela quando te irritas, minha pombinha... Terás de vir comigo, quer queiras quer não...

Embora amordaçada e bem segura, a jovem ainda tentou lutar, debatendo-se. Mas ele apertava-a com mais

força, arrastando-a consigo.

— Agora pertences-me, compreendes?... A mim, nunca ninguém disse que não!

E desse modo a foi levando até uma pequena comba próxima, onde se recolheu com ela. Então, vendo-a quase

inerte, abandonada aos seus desejos sádicos, beijou-a, como que enlouquecido, numa volúpia mórbida.

— Já não conseguirás fugir... És minha! Só minha! A minha Rainha!

E a jovem apenas teve forças para rogar, com toda a sua alma:

— Oh, meu Deus!... Meu Deus, valei-me!

E logo nesse mesmo instante — conforme corre de geração em geração, ao sabor dos séculos — algo se passou

de maravilhoso... Inesperadamente, decerto por milagre, a jovem tornou-se invisível, completamente invisível,

aos olhos do rei mouro!...

Entretanto, o irmão acordara sobressaltado, e mais sobressaltado ficara ao dar pelo desaparecimento da irmã.

A sua voz ecoou angústias e desesperos.

— Irmãzinha! Minha querida irmãzinha, onde estás?... Onde estás, irmãzinha?...

E correu pelos campos, na ânsia de a encontrar.

Page 24: Lendas Do Concelho de Mirandela

No fundo da pequena comba, por seu turno, o rei mouro gritava também, como que alucinado:

— Mas que é isto? Que se passa? Onde estás tu, que eu não te vejo? Não, não é possível!... Maldição!

Maldição! Isto é feitiçaria!...

Nisto chegaram-lhe aos ouvidos os gritos aflitivos do jovem, em busca da irmã.

Os olhos do rei mouro luziram de ódio, sequiosos de vingança.

— Ah, és tu?... Vem cá!... Vem cá!...

O outro aproximou-se. E, ao ver o mouro, imediatamente compreendeu o que se passara.

— Vós, senhor Dom Cavaleiro?... Que fizeste de minha irmã?

Uma gargalhada brutal foi a resposta.

— Que fizestes? Dizei-mo!

— Pois não sei!... Ela desapareceu de repente!

Estavam a olhar-se e a medir-se. O jovem não se atemorizou.

— Fostes vós que a fizestes desaparecer... Sois tão cobarde como o vosso rei!

Outra gargalhada. Cruel. Ferina.

— Enganais-vos. O rei... sou eu próprio!

Os olhos do rapaz encheram-se de espanto.

— O rei? Sois vós o próprio rei?...

E logo, numa fúria, atirou-se ao outro, bradando:

— Rei, não! Assassino! Assassino é que sois!

Mas o rei mouro era forte e astuto. E estava bem preparado para a luta. Assim, habilmente, num golpe seguro,

fez com que o rapaz caísse por terra, dobrado a seus pés. E levantando o alfange descarregou-o sem dó nem

piedade sobre o pobre moço.

— Ides pagar por vós… por vós e por ela!

Coberto de sangue, já sem forças, o jovem irmão murmurou somente:

— Ai, maldito, que me matais!

Todavia o rei mouro continuou a descarregar sobre ele, em golpes furiosos, todo o seu ódio e sede de vingança.

— Sim, mato-vos!... Mato-vos, miserável feiticeiro, para que ela apareça!... Ela há-de aparecer!

E ela apareceu, precisamente nesse mesmo instante. Chorosa e linda. Como alguém que já não é da Terra mas

ainda também não pertence ao Céu.

Debruçou-se sobre o jovem ferido de morte.

— Meu irmão! Meu querido irmão... Foi por minha causa, eu bem sei!...

Ele ainda teve forças para a olhar uma última vez. Para lhe falar uma última vez.

— Deixa lá, irmãzinha... Deus sabe o que faz... Ele assim o quis!

— Irmão! Meu irmão!

Ele já não a ouvia. E ela também nada mais pôde dizer, porque o rei mouro avançava em sua direcção,

espumando raiva.

Page 25: Lendas Do Concelho de Mirandela

— Agora nós, pombinha feiticeira!...

Hirta e solene, a rapariga fez um gesto.

— Nem mais um passo!

Parecia uma estátua. Estátua de dor. Estátua de dignidade.

— Se derdes um passo mais... ficareis atolado nesse lodo que está em vossa frente!

Os olhos dele voltaram-se para a terra e pasmaram.

— Sim... É lodo... É lama!... Mais uma das tuas feitiçarias!

Logo porém tentou reagir, com a força do seu ódio.

— É mesmo lodo, sim!... Mas não te ficarás a rir de mim... Não ficarás!

E dum só golpe, brutalmente, com o seu alfange ainda tinto de sangue, o rei mouro cortou a cabeça da jovem

cristã...

Depois, para esconder o seu crime, o rei mouro afogou no lodo o corpo decapitado da jovem e o cadáver do

irmão...

E fugiu, convencido de que ninguém conseguiria descobrir a verdade...

Mas Deus tudo pode! Alguém decerto assistira à cena terrível, pois no outro dia, gente que acorreu ao lameiro

para recolher os corpos viu, maravilhada, que no lodo imundo nascera uma flor lindíssima, viçosa e pura...

Logo a notícia do prodígio se espalhou de terra em terra. E porque tudo isso se passava numa pequena comba,

cerca duma terra chamada Orelhão, começou aquele sítio a ser designado por Santa Comba das Lamas de

Orelhão, pois o povo encarregava-se de santificar a jovem meiga e bonita que morrera sacrificada às mãos

bárbaras do sanguinário rei mouro e que se transformara em flor nascida da lama...

FonteMARQUES, Gentil, Lendas de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , p.Volume I, pp. 383-389

Local Lamas De Orelhão, MIRANDELA, BRAGANÇA

Page 26: Lendas Do Concelho de Mirandela

Lenda da Fonte de VideAPL 3625

Em Vale de Telhas, concelho de Mirandela, há um lugar a que o povo chama Fonte da Vide. Dizem os mais

antigos, e já o ouviam dizer aos avós e bisavós, que naquela fonte há um encanto. Um encanto que é uma

menina transformada em serpente.

Dizem que duas senhoras, que vinham dos Possacos a vender leite a Vale das Telhas, ao passarem naquela

fonte viram uma menina muito bonita, e puseram-se a falar com ela. E ela disse-lhes então:

— Agora vêem-me aqui como menina, mas eu estou encantada numa serpente. Qual de vós me quer quebrar o

encanto? Eu deixo-as ricas se o conseguirem. Mas não podem ter medo.

Uma das mulheres fugiu logo, dizendo que tinha medo às serpentes. A outra não. Disse-lhe que sim. Então, dali

a nada, a menina apareceu transformada em serpente e pôs-se a subir pela mulher acima. Ela deixou até certo

ponto, mas ao chegar-lhe ao peito, a serpente esticou a cabeça para a beijar. Nesse momento, a mulher teve

tanto medo que deu um grito e a serpente caiu. A seguir desapareceu. Foi-lhe por isso dobrado o encanto.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.278

Ano2000

Local Vale De Telhas, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMaria Inês Sousa (F), 42 anos,

Page 27: Lendas Do Concelho de Mirandela

Lenda de MirandelaAPL 3618

Há muito, muito tempo, na encosta sobranceira ao rio Tua, viviam os cristãos, cujo rei tinha uma filha muito

bonita. E do lado de lá, na serra do Franco, a que também se chama a serra de Orelhão, viviam os mouros. E

também lá havia um rei mouro, que tinha um filho.

Quis o destino que um dia os dois príncipes se apaixonassem. Mas como não se podiam casar, nem sequer

encontrarem-se, iam todos os dias cada um para a torre do seu castelo, no ponto que fosse mais alto, para

poderem ver-se um ao outro.

Até que, certa ocasião, os criados do príncipe mouro começaram a estranhar vê-lo ir todos os dias para o alto

do castelo. E perguntavam-lhe o que ia fazer. Então ele, sem se denunciar, mas também sem mentir, respondia-

lhes sempre:

— Vou à mira dela!

E tantas vezes lá foi, que esse lugar para onde lançava os olhos, a contar mirar a princesa, passou a chamar-se

assim mesmo: Mira dela. E hoje aí a cidade de Mirandela.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.273-274

Ano1999

Local Mirandela, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMaria Elisa Belchior (F), 47 anos,

Page 28: Lendas Do Concelho de Mirandela

Lenda de Torre D. ChamaAPL 3231

Chamona se chamava a senhora, dona da Torre Moura, de rosto formosíssimo e pés de cabra. Por causa do seu

defeito — os pés de cabra — nunca saía dos seus aposentos e pelas friestas só mostrava o seu rosto, de

peregrina beleza e uma das mãos, onde brilhava um anel, símbolo do seu poderio. Sensual e lúbrica, chamava a

audiências vários homens, nenhum saindo, com vida, fora das muralhas.

Um dia, um cortesão, chamado a audiência, consegue embalar e entreter a senhora, de tal forma que ela

adormece. O cortesão, vendo a senhora a dormir tão profundamente e aterrorizado pelos pés de cabra que via,

rouba-lhe o anel e desce a Torre Moura. Não o querem deixar passar os homens de armas, mas ele mostra-lhes

o anel da senhora e, perante esse símbolo, todos obedecem. O homem sai. Quando descia a encosta do monte,

a dona da Torre começa a chamá-lo, mas ele finge, seguindo sempre, que não ouve. Porém, em baixo, os

homens de armas gritam-lhe: «a dona chama!» Responde ele: «Chama, Chamona Pernas de Cabra, Cara de

Dona» e assim se formou a Dona Chama...

O que é certo, porém, é que Torre de D. Chama foi uma terra fortificada, da qual foram senhores a família Vaz

Guedes, senhores também de Murça e Águas Revez.

Essas fortificações atribuídas aos mouros, pela tradição, foram tomadas a estes pelos cristãos, em duro e fero

combate, sendo esta tradição corrente, ainda hoje e simbolizada por actos guerreiros entre dois grupos: um de

cristãos e outros de mouros, no dia 26 de Dezembro de cada ano.

FonteGONÇALVES, João, Retalhos da vida transmontana: no passado e no presente, n/a, sem editora, 1981

Local Torre De Dona Chama, MIRANDELA, BRAGANÇA

Page 29: Lendas Do Concelho de Mirandela

Lenda do buraco da MuradelhaAPL 3623

Havia nestas paragens um príncipe mouro que tinha uma filha casadoira muito bonita e que foi pedida em

casamento por um outro príncipe, também mouro, muito rico e muito do agrado do seu pai.

A jovem, como não gostava do noivo, passou a andar muito desgostosa e, para espalhar a tristeza, costumava ir

para o monte cantar. Entretanto, o noivo, ao saber que ela o não queria, e pensando que ia para o monte em

busca de alguém do seu agrado, enfeitiçou-a.

Passado algum tempo, andava um pastor a guardar o seu rebanho, quando foi atraído por uma voz de mulher.

Foi sempre atrás do som que ouvia, e acabou por ir dar ao monte da Muradelha, situado próximo de Vale de

Salgueiro, concelho de Mirandela. Deparou então com uma moura encantada, que era metade mulher e

metade cobra. E à cintura trazia uma corrente de ouro. Ele ficou muito admirado e assustado. Disse-lhe então

ela:

— Não tenhas medo. Um beijo teu basta para desfazer o meu encanto. E em troca dar-te-ei esta corrente de

ouro.

O pastor encheu-se de coragem e beijou-a. E assim o encanto da moura se quebrou, transformando-se numa

bela jovem, que logo se apaixonou pelo seu salvador, Contudo, como sabia que esta paixão jamais seria aceite

por seu pai, e sabendo que ele a aguardava para a entregar ao noivo, a jovem resolveu fugir, lançando-se ao rio

Rabaçal.

E o pastor, vendo-a lançar-se, foi atrás dela, mas pelo “Buraco da Muradelha”, por onde vai uma mina, com

cerca de três quilómetros, dar ao rio Rabaçal. Só que nunca mais se encontraram. Dizem os velhos que todas as

noites de lua cheia a moura sobe o rio e vem ao cimo do monte cantar para o pastor.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.277

Ano2000

Local Vale De Salgueiro, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMaria da Graça Garcia (F), 43 anos,

Page 30: Lendas Do Concelho de Mirandela

Lenda do RegodeiroAPL 3627

Diz a lenda que os mouros viveram nas proximidades do Regodeiro, no concelho de Mirandela, e que a aldeia

ficou a dever-lhes o nome que tem. Conta-se que no sopé monte, ainda hoje, chamado “Cabeça dos Mouros”,

corria noutros tempos um regato, no qual os mouros se dedicavam à pesquisa de ouro. E por isso lhe

chamaram “Rego do Ouro”. Com o passar dos tempos, o povo foi dizendo “Regodouro” ou “Regodoiro”, e, por

força do uso, o nome acabou por ficar Regodeiro.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.279

Ano1999

Local-, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteLídia da Assunção Caseiro (F), 45 anos,

Page 31: Lendas Do Concelho de Mirandela

O caçador e a mouraAPL 3622

Contam ainda hoje alguns dos moradores mais antigos de Ferreira, concelho de Mirandela, que numa ocasião

andava um homem à caça no monte do Serro, o lugar mais alto da aldeia, quando foi beber água a uma fonte e

encontrou lá uma menina sentada, a pentear-se com um pente de ouro.

A menina, que era uma moura, falou com o caçador, dizendo-lhe que estava ali há muitos anos encantada e

que o seu encanto só seria quebrado por alguém que fosse muito corajoso e fizesse como ela pedisse. E que, se

conseguisse desencantá-la, ficaria muito rico, ele e toda a família até à quinta geração.

O caçador, que se achava um homem corajoso, aceitou. Ela então disse-lhe:

— Primeiro venho transformada num sapo e subo até à tua boca para te dar um beijo. Depois venho

transformada numa cobra, subo por ti acima e também te dou um beijo. E depois venho transformada num

touro bravo e faço-te igual. Mas não podes ter medo nem fugir. Já sabes que serei sempre eu. E não te faço

mal.

A moura disse-lhe a noite em que teria de lá ir, e ele compareceu. Apareceu-lhe então um sapo muito feio, que

lhe saltou para a cara dando-lhe um beijo na boca. E de repente o sapo transformou-se na linda princesa. Toda

contente disse-lhe:

— Vês como não custou nada? Agora voltarei feita numa cobra, por favor não tenhas medo.

Apareceu-lhe então uma cobra a assobiar, subindo por ele acima. Deu-lhe também um beijo e ele aguentou. E

mal o beijou, a cobra também se transformou em princesa, sorridente, e toda animada com a coragem do

homem. A seguir era a vez do touro bravo. Ele então lá veio, todo enraivecido, fazendo tanta poeira com as

patas, abanando a cabeça e a cornadura, espumando pela boca, que o homem ficou de tal modo assustado que

desatou a fugir.

Apareceu-lhe então a princesa, muito zangada, dizendo-lhe:

— Maldito sejas tu e toda a tua família, pois dobraste-me o encanto. Serás um desgraçado até ao fim dos teus

dias assim como toda a tua geração.

E dizem que assim aconteceu, O homem morreu pobre e a família levou o mesmo caminho. Quanto à moura, lá

está encantada à espera que o tempo do encanto passe, e alguém, mais corajoso, lá vá quebrar-lho. Ainda hoje

muitos têm medo de se aproximar desse lugar.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.276

Ano2000

Local Mirandela, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMaria Olímpia Morais (F), 43 anos,

Page 32: Lendas Do Concelho de Mirandela

O lavrador e a cobraAPL 3624

Vivia antigamente em Vale de Telhas, concelho de Mirandela, um lavrador que costumava levantar-se muito

cedo para ir trabalhar. Numa certa madrugada de Primavera levantou-se, matou o bicho, tratou dos animais,

pôs o arado na carroça e meteu-se ao caminho.

Ao chegar ao Monte da Vide encontrou uma tremoncela [espécie de timão rudimentar, feito em madeira, que

serve para atrelar o atado ao animal] no chão. Mas como tal coisa não lhe fazia falta, continuou o caminho.

Mais à frente pôs-se a pensar que, se lhe não fazia falta agora, talvez lhe fizesse jeito depois. Por isso, voltou

para trás para a apanhar. Só que quando lá chegou, o que lhe parecia uma tremoncela era agora uma enorme

cobra, que lhe disse:

— Já vens tarde. Tiveras aproveitado e ambos poderíamos ser felizes. Assim, dobraste-me o encanto e vais

carregar esse peso o resto da vida. Serás sempre pobre.

A seguir evaporou-se. Segundo se conta, a cobra não era mais senão uma princesa moura encantada.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.277-278

Ano2000

Local Vale De Telhas, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteAna Batista (F), 68 anos,

Page 33: Lendas Do Concelho de Mirandela

O Lobisomem de Rego de VideAPL 1901

Conta-se em Rego de Vide que, há muitos anos atrás, houve um homem que tinha um triste fado: era

lobisomem. Durante o dia era uma pessoa normal, mas em certas noites saía para correr sete freguesias

transformado num cavalo.

Ninguém no povo sabia deste fado. Mas o homem, farto dessa vida, até porque de manhã estava sempre muito

cansado, resolveu abrir-se com um seu compadre, e pediu-lhe que o ajudasse a acabar com tal fado.

— E o que posso eu fazer? — perguntou.

— Faça como vou dizer: na próxima noite em que eu sair a correr fado, vossemecê pega numa aguilhada e

espeta-me o ferrão no lombo até fazer sangue. O compadre aceitou. Ao chegar a meia noite foi-se pôr num

caminho junto à casa do infeliz e esperou que ele passasse. De repente, eis que passa um cavalo enorme, que

mais parecia um gigante. E ia de tal modo veloz que o compadre nem conseguiu chegar perto dele. Tratou mas

é de fugir.

No dia seguinte, o homem foi ter com o compadre, muito arreliado, perguntando-lhe porque tinha faltado ao

prometido. E o compadre lá lhe explicou que não tinha conseguido sequer chegar perto dele.

— Podia lá eu acreditar que aquele bicho tão grande fosse vossemecê!... Tive medo e fugi — confessou o

compadre.

— Mas não tenha medo, pois sou mesmo eu e não lhe faço mal nenhum! — insistiu o homem.

Noutro dia combinado, à meia noite, o compadre foi-se pôr no mesmo sítio. E ao passar o mesmo cavalo,

espetou-lhe a aguilhada com toda a força. O cavalo deu um grande relincho que até fez estremecer o chão, mas

de repente transformou-se no pobre homem, que daí em diante passou a ser sempre uma pessoa normal. E ele

mais o seu compadre ficaram amigos inseparáveis para sempre.

FontePARAFITA, Alexandre, Antologia de Contos Populares Vol. 1, Lisboa, Plátano Editora, 2001 , p.143

Ano1998

Local-, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMaria de Fátima Lourenço (F), 66 anos, - (MIRANDELA) BRAGANÇA,

Page 34: Lendas Do Concelho de Mirandela

O Monte da MouraAPL 3620

Há na localidade de Suçães, do concelho de Mirandela, um lugar que é chamado “Monte da Moira”. Contam os

habitantes de Suçães que naquele lugar residiram os mouros e com eles uma princesa que se apaixonou por

um soldado cristão.

O pai, ao descobrir as inclinações amorosas da filha, mandou encerrá-la numa torre de um castelo. E assim a

princesa nunca mais pôde ver o seu amado. E para matar o tempo passava os dias a tecer. Ainda hoje, as

pessoas da aldeia dizem que na noite de S. João, à meia-noite, se houve o bater do tear da infeliz princesa

moura.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.275

Ano1999

Local Sucçães, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMaria de Fátima Colmeais (F), 46 anos,

Page 35: Lendas Do Concelho de Mirandela

O rei de orelhãoAPL 107

Naquele tempo, andando um rei a caçar na serra dos Vales e Franco, conhecida hoje serra de Santa Comba,

encontrou dois pastorinhos que guardavam o seu rebanho, de nome Comba e Leonardo, seu irmão.

O rei, querendo zombar da jovem menina, pediu para que deixasse deitar a cabeça no seu colo, afim de o catar.

A menina obedeceu pedindo o auxílio de Deus.

Levado por uma força sobrenatural, o rei adormeceu. A menina para se livrar do seu inimigo, desprendeu o laço

do avental e foi-se retirando, ficando o rei com a cabeça apoiada somente no avental.

Quando acordou, foi procurar a jovem menina que ia fugitiva com seu irmão. Quando se encontrou alcançada,

pediu o auxílio de Deus, que a defendesse das mãos de seu algoz. E virou-se para uma fraga que estava no

lugar, e pediu-lhe com todo o seu coração: — Abre, fraga bendita, para entrar Comba catita.

Ora o rei, quando bateu com a lança na fraga, e não atingiu o alvo que mirava, enfureceu-se e, todo raivoso,

virou-se para Leonardo, dando-lhe uma lançada. Deitou-lhe as tripas de fora, e retirou-se. A jovem menina,

quando se viu livre, levou o seu irmão para junto de uma poça de água que ali havia, e lavou as chagas.

Recolhendo as tripas ficou sarado.

Ainda hoje se encontram as irmãs Jesus dos Santos Jovens, no dito lugar. Santa Comba, numa capelinha junto à

dita fraga, no pino do cabeço. S. Leonardo, em outra capelinha, na tal dita poça, onde foram lavadas as suas

chagas. A estátua do rei de Orelhão, ao lado de s. Leonardo, montado no seu cavalo, armado com a lança. Aí

são venerados os dois santos jovens, Santa Comba e S. Leonardo pela freguesia dos Vales, concelho de

Valpaços.

FonteAFONSO, Belarmino, Raízes da Nossa Terra, Bragança, Delegação da Junta Central das Casas do Povo de

Bragança, 1985 , p.98

Local-, MIRANDELA, BRAGANÇA

ColectorAdelino Augusto Fidalgo (M)

Page 36: Lendas Do Concelho de Mirandela

O roubo dos burrosAPL 3616

Contavam os mais antigos que os mouros, noutros tempos, viviam na torre da vila e dali mandavam em todas

estas terras à volta. A mulher do rei mouro, que era muito má, quando queria chamar as pessoas para que

fossem trabalhar para ela, tocava uma sineta e as pessoas então diziam:

— A dona chama! A dona chama!

E destas palavras ficou o nome Torre de Dona Chama.

Um dia, o povo, farto de ser mandado pelos mouros, pediu ao rei cristão que viesse libertá-lo daquele jugo. O

rei cristão veio no dia da festa da terra e resolveu pôr em prática um plano infalível. Mandou convidar o rei

mouro para a cerimónia da bênção do pão, ao que este acedeu, comparecendo com toda a sua guarnição.

E, como a torre ficou então desprotegida, o rei deu ordens aos populares para que, enquanto decorriam as

cerimónias, fossem lá e roubassem todos os burros aos mouros que era a única cavalaria de que dispunham.

E, com esta cavalaria, o povo ganhou a batalha, tomou o castelo e expulsou os mouros da povoação.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.272

Ano2004

Local Torre De Dona Chama, MIRANDELA, BRAGANÇA

Page 37: Lendas Do Concelho de Mirandela

O tesouro, a moura e o diabo]APL 3617

Nos Eivados, concelho de Mirandela, arrancaram uma oliveira por sonharem com um tesouro debaixo dela.

Depois de muito ler no Livro de São Cipriano e de muito cavar, apareceu a moura e também o diabo, que

ninguém aguentou pé firme, e por isso todos arrebatados por grande vendaval foram projectados a grandes

distâncias, ficando o tesouro encantado como estava.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.273

Ano1934

Local-, MIRANDELA, BRAGANÇA

ColectorFrancisco Alves (M)

Page 38: Lendas Do Concelho de Mirandela

O tesouro dos mouros da FreixedaAPL 3621

Há em Freixeda, concelho de Mirandela, um monte com uma fraga, onde dizem que se ouve chorar uma

menina nas noites de lua cheia, ao mesmo tento que penteia os seus cabelos com um pente de ouro fino.

Nesse sítio havia antigamente umas minas de ouro, que eram exploradas pelos mouros. Por isso eles tinham

muito ouro. E quando se deu a tomada da Península pelos cristãos, esconderam-no todo num poço que existe

na dita fraga, com intenção de voltarem mais tarde para o levarem.

Diz-se também que deixaram ainda no local um soldado com a família para montar guarda ao tesouro, mas

como os cristãos eram em maior número, o soldado e a família foram mortos, ficando só a donzela moura que

se escondeu no poço, onde está encantada, e só aparece em certas ocasiões para chorar a sua triste sorte.

Esta menina transforma-se numa feia serpente que durante o dia descansa na entrada do poço. E para lhe

quebrar este encanto era preciso ir lá beijar a serpente, só que ninguém ainda teve coragem para tanto.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.275

Ano1999

Local Freixeda, MIRANDELA, BRAGANÇA

InformanteMabilde da Conceição Afonso (F), 47 anos,

Page 39: Lendas Do Concelho de Mirandela

Santa CombaAPL 2213

Na Serra de Santa Comba, ao pé de Franco, a alguma distância de Mirandela, havia uma rapariga no tempo dos

Mouros. Um governador foi uma vez atrás dela, mas quando a rapariga chegou ao pé de um penedo, este

abriu-se e só ficaram de foi os cabelos. O governador mandou em seguida deitar fogo à serra, e ainda hoje se

conhece o vestígio do incêndio. Em memória edificou-se ali a capela de Santa Comba, que era o nome da

rapariga.

FonteVASCONCELLOS, J. Leite de, Contos Populares e Lendas II, Coimbra, por ordem da universidade, 1966 ,

p.548-549

Local Franco, MIRANDELA, BRAGANÇA

Page 40: Lendas Do Concelho de Mirandela

Santa Comba de Orelhão

Antes de apresentar esta lenda, quero informar o leitor de que há, pelo menos, quatro santas com este mesmo

nome.

Uma nasceu no século III, em Espanha, donde saiu para a cidade de Sens, em França. Nessa altura, estava de

passagem por essa cidade o imperador de Roma, Aureliano, que deu ordens para exterminar todos os cristãos.

Tendo-lhe sido apresentada uma jovem chamada Comba, logo se apaixonou por ela, por ser de extraordinária

formosura, e não só a poupou ao martírio como até lhe suplicou que casasse com ele. Mas, como ela rejeitou

as suas propostas de casamento, por querer preservar a sua virgindade, ele, ofendido no seu orgulho,

entregou-a aos verdugos, para lhe darem a morte. Estes, antes de lhe tirarem a vida, tentaram tirar-lhe a

inocência, mas foram impedidos por um urso que não os deixou aproximar-se dela. Foi preciso que a jovem

Comba mandasse afastar a fera protectora, para poder alcançar as honras do martírio que ambicionava e que

vem mencionado nas Actas do século VIII.

Outra nasceu na região de Coimbra, mas os seus dados biográficos são desconhecidos.

Outra nasceu no Alentejo. Não aparece nos documentos da Igreja, mas o seu biógrafo, Jorge Cardoso, diz que

ela tinha um irmão chamado Jordão que chegou a ser bispo da Diocese de Évora. Ela foi decapitada durante a

perseguição do imperador Diocleciano, perto da cidade de Évora, enquanto o irmão conseguiu escapar à sanha

assassina dos perseguidores. Diz a tradição que, onde ela foi martirizada, brotou uma fonte que operava muitos

milagres.

Outra, finalmente, nasceu em Orelhão, aldeia do Concelho de Mirandela de quem fala a lenda que se segue.

A dita aldeia tem como Padroeira Santa Comba, junto de cuja capela, há uma fonte a que atribuem curas

milagrosas.

Vejamos então como o povo explica o aparecimento desta fonte miraculosa.

Em tempos muito remotos, a região era governada por um rei muito cruel e autoritário que governava os

súbditos ao sabor dos seus interesses e caprichos. Os habitantes eram pobres: tinham como únicos recursos os

rebanhos, que apascentavam nos lameiros de Lamas de Orelhão.

Era para lá que iam diariamente dois irmãos órfãos, um rapaz e uma rapariga, que andavam sempre juntos.

O rapaz chamava-se Leonardo e era muito esperto e muito travesso. A rapariga chamava-se Comba e era muito

formosa e muito delicada.

Page 41: Lendas Do Concelho de Mirandela

Ora o rei, quando andava à caça, viu-a e apaixonou-se logo por ela. Foi o que se pode chamar amor à primeira

vista. Desde esse dia, nunca mais a largou, seguindo-a por toda a parte. Para a cativar, prometia-lhe tirá-la

daquela vida de pobreza, levá-la para o palácio, juntamente com o irmão, casar-se com ela, e fazer dela uma

rainha.

A jovem, constrangida com aquele assédio, desculpava-se delicadamente como podia, para não o irritar com

um não, pois sabia muito bem do que ele era capaz, quando o contrariavam.

Um dia, o rei foi ter com os dois irmãos às Lamas de Orelhão, meteu conversa com eles e pediu à menina que o

catasse.

A jovem, receosa do castigo que a sua recusa atrairia para si e para o irmão, calou-se, resignada.

Então, o rei deitou a cabeça no seu regaço e ela, embora contrariada, pôs-se a catá-lo com os seus dedos finos

e macios. E tanto catou que o rei acabou por adormecer-lhe no colo. O irmão, que o observava, a ferver de

raiva com aquele atrevimento, disse à irmã que desapertasse o avental, onde o rei tinha a cabeça. Depois,

segurando-o pelas pontas, um de cada lado, levantaram a cabeça do rei e colocaram-na no chão, com muito

jeitinho, para não o acordar.

E, como ele continuou a dormir a sono alto, juntaram as ovelhas e fugiram. Quando já iam no alto do monte, o

travesso zagal, julgando-se seguro, pôs-se a gritar com toda a força, para que a gente da aldeia pudesse ouvir:

- Ó rei de Orelhão, orelhas de burro, focinho de cão!

E, como o rei continuava a dormir, gritou, ainda mais alto:

- Ó rei de Orelhão, orelhas de burro, focinho de cão!

Então, o rei acordou e, ao ouvir aqueles insultos e ao ver-se deitado no chão, embrulhado no avental, a arder

de cólera, levantou-se, montou no cavalo e, galopando a toda a velocidade, depressa os alcançou.

Vendo-se apanhada, Comba correu para um penedo que estava próximo e disse:

- Abre-te, fragão, e esconde-me a mim e ao meu irmão.

O fragão abriu-se e ela entrou, mas o irmão já não conseguiu entrar e foi degolado pelo rei.

No lugar em que o seu sangue caiu, nasceu uma fonte milagrosa, onde as pessoas iam lavar-se para serem

curadas.

E Comba, por morte do rei, saiu do fragão, entregou-se aí à penitência e à oração, e fez muitos milagres, já em

vida.

Page 42: Lendas Do Concelho de Mirandela

Depois da sua morte, o povo de Orelhão canonizou-a e escolheu-a para sua Padroeira e agora faz-lhe uma festa

anual, para lhe agradecer os milagres que continua a fazer aos seus devotos.

Fonte: FERREIRA, Joaquim Alves, Lendas e Contos Infantis , Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.12-14. Local:

Lamas de orelhão

Page 43: Lendas Do Concelho de Mirandela

[Santa Comba e o rei Orelhão]APL 3611

Dentro da cerca da vila se conta que no tempo dos mouros se recolheram nesta cerca os cristãos, que foram

uns falsos, que entregaram as chaves aos mouros e degolaram todos os que estavam dentro, que dizem

chegara o sangue onde hoje está o pelourinho.

E desta vila eram naturais S. Leonardo e Santa Comba, de gente lavradora e pobre, que andavam no monte

guardando o gado de seus pais; o rei mouro, que se chamava Orelhão, quis intender com a moça e eles foram

fugindo até onde está um penhasco alto, e a santa se meteu pela fraga e ali escapou, [pois] que

milagrosamente lhe abriu a passagem para dentro, e dizem […] lhe tiraram as tripas, coração e os botaram a

um poço no alto da serra.

E da parte de fora do cabeço está outra capela da invocação de S. Leonardo, que dizem foi aqui martirizado.

Aqui acodem muitas povoações em procissão de vários povos a pedirem água aos santos e tudo Deus lhes

concede por sua intervenção.

A esta parte lhe chamam agora Serra do Rei de Orelhão e em um cabeço que está para o sul da capela dos

santos está o refúgio onde morava o rei mouro.

FontePARAFITA, Alexandre, A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros, Vila Nova de Gaia,

Gailivro, 2006 , p.266

Ano1934

Local-, MIRANDELA, BRAGANÇA

ColectorFrancisco Alves (M)

InformanteReverendo Matias Pires (M),