Leitura resenha

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Enfim, Iser insiste naquilo que ele chama de repertório, isto é, o conjunto de normas sociais, históricas, culturais trazidas pelo leitor como bagagem necessária à sua leitura. Mas também o texto apela para o repertório, põe em jogo um conjunto de normas. Para que a leitura se realize, um mínimo de interseção entre o repertório do leitor real e o repertório do texto, isto é, o leitor implícito, é indispensável. (p.152) O leitor de Iser é um espírito aberto, liberal, generoso, disposto a fazer o jogo do texto. No fundo, é ainda um leitor ideal [...] A experiência descrita por Iser é essencialmente a de um leitor culto, colocado diante dos textos narrativos pertencentes à tradição realista e principalmente ao modernismo. (p.154) [Essa teoria] confere ao leitor um papel (já que se aceitou desempenhá-lo) ao mesmo tempo livre e imposto, [...] A liberdade concedida ao leitor está na verdade restrita aos pontos de indeterminação do texto, entre os lugares plenos que o autor determinou. Assim, o autor continua, apesar da aparência, dono efetivo do jogo: ele continua a determinar o que é determinado e o que não o é. (p.155) Escritores são, antes de tudo, leitores, e como tais, buscam-se uns nos outros, no espaço constelar da literatura e se leem e se escrevem. Duplicam-se. Escrevem com suas leituras, que são também seus fantasmas; por isso a escrita guarda, mesmo sem saber, a memória do Outro, nunca coincidindo exatamente com o que lê, que são releituras, recriações. O texto nunca é transparente, pois têm uma família, um DNA, dissemina-se por vários escritos e os recolhe em suas páginas. (BRANDÃO, 2011, p. 17) [...] tornar visível ou perceptível aquilo que está fora da linguagem, ou que esteja num limite, numa borda fina, nem dentro, nem fora, mas num lugar em que se pode saber do insabido, daquilo que está exterior à linguagem. (p.19) A leitura nunca é fácil, não havendo simetria entre o escritor e o leitor, e aquele que escreve no máximo supõe um leitor ideal, com quem se relaciona de várias maneiras: enganando-o, fazendo-o

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Enfim, Iser insiste naquilo que ele chama de repertrio, isto , o conjunto de normas sociais, histricas, culturais trazidas pelo leitor como bagagem necessria sua leitura. Mas tambm o texto apela para o repertrio, pe em jogo um conjunto de normas. Para que a leitura se realize, um mnimo de interseo entre o repertrio do leitor real e o repertrio do texto, isto , o leitor implcito, indispensvel. (p.152)O leitor de Iser um esprito aberto, liberal, generoso, disposto a fazer o jogo do texto. No fundo, ainda um leitor ideal [...] A experincia descrita por Iser essencialmente a de um leitor culto, colocado diante dos textos narrativos pertencentes tradio realista e principalmente ao modernismo. (p.154)[Essa teoria] confere ao leitor um papel (j que se aceitou desempenh-lo) ao mesmo tempo livre e imposto, [...] A liberdade concedida ao leitor est na verdade restrita aos pontos de indeterminao do texto, entre os lugares plenos que o autor determinou. Assim, o autor continua, apesar da aparncia, dono efetivo do jogo: ele continua a determinar o que determinado e o que no o . (p.155)Escritores so, antes de tudo, leitores, e como tais, buscam-se uns nos outros, no espao constelar da literatura e se leem e se escrevem. Duplicam-se. Escrevem com suas leituras, que so tambm seus fantasmas; por isso a escrita guarda, mesmo sem saber, a memria do Outro, nunca coincidindo exatamente com o que l, que so releituras, recriaes. O texto nunca transparente, pois tm uma famlia, um DNA, dissemina-se por vrios escritos e os recolhe em suas pginas. (BRANDO, 2011, p. 17)[...] tornar visvel ou perceptvel aquilo que est fora da linguagem, ou que esteja num limite, numa borda fina, nem dentro, nem fora, mas num lugar em que se pode saber do insabido, daquilo que est exterior linguagem. (p.19)A leitura nunca fcil, no havendo simetria entre o escritor e o leitor, e aquele que escreve no mximo supe um leitor ideal, com quem se relaciona de vrias maneiras: enganando-o, fazendo-o de confidente ou cmplice, ou, simplesmente, ignorando-o. (p.19)Continuando a desenvolver aquesto entre escritor/leitor, pode-se observar que geralmente este ltimo tende a acreditar que o escritor se dirige a ele em particular, o que faz parte da estratgia de leitura, aquela que busca captar aquele que l, captura-lo, mesmo quando se diz que o texto intransitivo e que no se dirige a algum em particular, bastando ao escritor o ato de escrever, seguindo o empuxo da escrita, pode-se dizer psicanaliticamente. De tudo isso, vlido concluir que a leitura no um processo totalizante, em que se supe que se l tudo, com clareza, sem equvocos, pois a linguagem o lugar do mal-entendito. (p.21)[...] A escrita especular constri-se l onde o sujeito julga estar, julga se ver, rejubilando-se consigo mesmo em sua festa narcsica. (p.21)Se o leitor quer construir um saber de outra ordem sobre o que l, necessrio um distanciamento. preciso que se descole do escrito em que se fixa, criando um dispositivo de leitura que o afaste do excesso de imaginrio, mas preciso tambm que no se esforce muito nessa tarefa, pois o livro sedutor, e se no , o leitor o fecha, entediado, no querendo saber do que lhe pode desagradar ou desestabiliz-lo de suas certezas. Da, a retrica, as estratgias, o uso das palavras, os torneios, os ornamentos, de que nem sempre o escritor tem conscincia de que est usando, pois os enganos ou as iluses perpassam muitas vezes o ato de escrever, com a fora da letra. (p.22)Um dos traos da escrita de Machado de Assis a desconstruo que ele faz das armadilhas da retrica, e o faz de forma muito peculiar, fingindo-se de retrico, dando voz ao engano, de tal forma que o leitor hesita em relao ao que l, pois est imerso nas representaes sociais, que so, muitas vezes, inconscientes, com o senso comum que rege os comportamentos, as crenas, as ideologias presentes nos provrbios, nas frases feitas, nos esteretipos que modelam e modulam a persona social. O sujeito que se sente muito confortvel em sua vida nem sempre se presta a colocar seus valores em questo e provavelmente no sero leitores do Bruxo, que lhes puxa o tapete do bem-estar no pensante. Impossvel esquecer a figura daquele leitor que parece ser o preferido do escritor, o que tem quatro estmagos no crebro: O leitor atento, verdadeiramente ruminante, tem quatro estmagos no crebro, e por eles faz passar e repassar os atos e fatos, at que dedus a verdade, que estava, ou parecia estar escondida. (p. 22)Sabe-se h muito tempo que uma das funes da escrita a tentativa de dar contorno ao que chamamos de realidade, e aquilo que a psicanlise chama de fracasso da escrita a impossibilidade de descrever totalmente o mundo, de se fazer um mapa que coincida com ele, um livro-mundo[...]O exterior o que no se acha dentro da representao e seus modos de dizer, o que est fora da subjetividade, que escapa a ela, porque nem tudo se diz pela representao e seus modos de dizer dentro das normas gramaticais, as quais supe um tempo cronolgico, tempo das causalidades e do contnuo. A representao nunca apreende totalmente a coisa, algo sempre escapa, fracassa, pois no se pode tocar, pintar, escrever o objeto em sua totalidade. (p.23)O exterior no campo literrio se ope escrita da representao, verossimilhana, ao senso comum presente nas expectativas dos leitores de determinada poca, de certo contexto cultural. (p.24)Para ns, o que interessa a versatilidade do escritor brasileiro, que faz fico de fico, numa mistura hbrida de livros e autores de tempos diversos, livre de um tempo cronolgico e linear, para criar um tempo constelar, em que a criao literria se faz, ao sabor de leis diversas da pretendida verdade filosfica ou documental. (p.34)

Foi o Romantismo que manifestou em versos a hipertrofia do autor: a primeira pessoa apossou-se do discurso lrico, que seguidamente preferiu afastar-se da arena poltica[...] (ZILBERMAN, 2012, p.96).