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Kirmse.Osimpassesfrenteàperdadeobjeto
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OSIMPASSESFRENTEÀPERDADEOBJETO
IagorBrumLeitão1
DayanedeSouzaFávaro2
DaltonDemonerFigueiredo3
SuzianeKirmseComério4
1 Psicanalista. Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal doEspíritoSanto(PPGP/UFES).E-mail:[email protected]ólogapelaFaculdadeMultivix-NovaVenécia,EspíritoSanto.E-mail:[email protected] Psicanalista. Especialista em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ), Rio deJaneiro.MestreeDoutoremPsicanálise,SaúdeeSociedadepelaUniversidadeVeigadeAlmeida(UVA/RJ),RiodeJaneiro.E-mail:[email protected]álise,SaúdeeSociedadepelaUniversidadeVeigadeAlmeida(UVA/RJ),RiodeJaneiro.E-mail:[email protected]
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Introdução
Aolongodaobrafreudianasãoapresentadasinúmerasnoçõesparaoconceito
deobjeto.Suanoção,comoadverteGarcia-Roza(1995,p.92),“nãoé,deformaalguma,
umanoção simples na psicanálise, até porque guarda ressonâncias filosóficas que lhe
conferemumacargasemânticadeextremacomplexidade”.DeacordocomAndréGreen
(2000,p.9),oobjetoparaFreudseriapolissêmico:“Existesempremaisqueumobjeto
e, comoum todo, eles cobremvários campos e realizam funçõesquenãopodem ser
abarcadas por um só conceito”. Já para César Merea e Willy Baranger (1994) a
concepçãodeobjetonateoriafreudianaéelementodecisivonaconcepçãodesujeito.
PensaremobjetoparaaPsicanáliseépensar,portanto,naconcepçãodesujeitoeasua
articulaçãocomomundo,comooutro,alteridade.
Nessesentido,aperdadeobjetotratariadedestinoseconsequênciasnaturais
presentesnessarelação,hajavistaquelidamoscomperdasdesdenossachegadaaeste
mundo,comoopeitomaterno(primeiroobjetodeamor)ou,porexemplo,umafaseda
vida. Temos, portanto, o verso dos compositores brasileiros LuizGonzaga e ZéDantas
quetraduzumadessasperdas:Todameninaqueenjoadaboneca,ésinaldequeoamor
jáchegounocoração.Dessaforma,pensarnaperdadeobjetosignificapensarnaforma
emquecadasujeitolidacomo(re)investimentolibidinal,comodesamparo,comojogo
de presença e ausência e com a falta, aspecto central de toda a teoria psicanalítica,
postuladacomoestruturalparaosujeito.
Comosabido,apsicanáliseseconstituiconstantementeapartirdoestudodos
impassesimpostospelaclínica,comobemodemonstrouFreud.Teoriaeapráticaestão
atreladas,poisumademandaàoutra.Pensararespeitodateoriapsicanalíticaérefletir
a respeito das experiências de uma prática clínica, e vice-versa. Considerando o
frequenteegrandenúmerodepessoasquechegamàclínicademandandotratamento
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psicanalítico em virtude de questões que envolvem perdas, reais ou imaginárias,
acreditamosserdeextremarelevânciateórico-clínicapesquisarmoseestudarmossobre
osofrimentohumanodecorrenteda“perdadeobjeto”.Nessaperspectiva,objetivamos
discutiralgumasposiçõesefunçõesqueosobjetosocupamnavidapsíquica,alémdas
consequênciaseasvicissitudesdesuasperdasparaosujeito,tendocomobaseaobra
freudianaeoensinodeLacan.
Método
A estratégia metodológica utilizada foi a de revisão bibliográfica narrativa.
SegundoRother (2007),as revisõesnarrativassãopublicaçõesamplasadequadaspara
descreverediscutirodesenvolvimentoou,comoéditonomeioacadêmico,o“estado
daarte”deumdeterminadoassunto,sobpontodevistateóricooucontextual.Segundo
a autora, essa categoria de artigos tem uma grande importância para a educação
continuada, pois permitem ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma
temáticaespecíficaemcurtoespaçodetempo.
Para fundamentação teórica o estudo resgata, em um primeiro momento,
subsídiosdaobrafreudianaacercadofuncionamentoedalógicadoaparelhopsíquico,
percorrendo os textos: Projeto para uma psicologia científica, de 1895; Formulações
sobre os dois princípios do funcionamento psíquico, de 1911; Uma introdução ao
narcisismo, de 1914; Além do princípio do prazer, de 1920, e Inibições, sintoma e
angústia,de1927.Emseguida,paraabordarasdiferentesnoçõesdousodoobjetoem
Freud,acompanha-seopercursoqueoautorfazpelatemática,utilizando-sedostextos
LeonardodaVincieumalembrançadesuainfância,de1910;Lutoemelancolia,escrito
em 1914 e publicado em 1917; As pulsões e suas vicissitudes, de 1915; A perda da
realidadenaneuroseenapsicose,de1924eFetichismo,de1927.Paratanto,recorre-se,
também, a alguns comentadores que fazem um retorno a Freud, como o psicanalista
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NelsonErnestoCoelhoJunior,quefazumarevisãosistemáticadasnoçõesdeobjetoem
FreudemseuartigoAnoçãodeobjetonapsicanálisefreudiana,publicadoem2001.
No segundo momento, recorre-se a algumas considerações do filósofo e
psicanalistaesloveno,SlavojZizek,emOamor impiedoso,de2012,sobreumavinheta
deumcaso literáriodo romancedeNevil Shute,Requiem forawren, de1955.Nesse
caso,apersonagemsobreviveàmortede seumaridosemquaisquer traumasvisíveis,
seguindo sua vida e sendo capaz, atémesmo, de conversar racionalmente sobre sua
morte.Quando,algumtempodepois,ocachorro(animaldeestimaçãoecompanheiro
favoritodeseumarido)morre,elasucumbeporcompleto,etodoseumundodesintegra
(Zizek,2012,p.78).Ocasoabreespaçoparacontextualizarediscutirasespecificidades
datemática.
Noterceiroeúltimomomento,érealizadoumasíntesedetodasasinformações
colhidasediscutidas,objetivandoapontarnovosestudos,questõese lacunasa serem
preenchidasedesenvolvidas.
ALógicadoFuncionamentodoAparelhoPsíquicoFreudiano
SigmundFreud,emseu textoProjetoparaumapsicologiacientífica,de1895,
objetiva claramente construir uma fisiologia da mente, descrevendo-a em termos
neurofisiológicos.Logono iníciodoProjeto,Freudexplicaoseuobjetivo:“A finalidade
deste projeto é estruturar uma psicologia que seja uma ciência natural, isto é,
representaremprocessospsíquicoscomoestadosquantitativamentedeterminadosde
partículasmateriaisespecificáveis,dandoassimaessesprocessosumcaráterconcretoe
inequívoco”(Freud,1895/2006,p.355).
Em suma, neste trabalho, tem-se a metáfora biológica para a lógica do
funcionamento do aparato psíquico: o princípio do prazer. Neste momento, Freud
entendequeoaparelhopsíquico funcionana lógicadualdoprazer-desprazer, tendoo
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prazeroso introjetadoeo desprazerosoprojetadopara forade si.O aparelhodescrito
porFreudseapoiananoçãodequantidade(Q),e,aorecorreraoprincípiodainércia(p.
356),oautorentendeQcomooquediferenciaaatividadee repouso.Emsuma,esse
princípio da inércia justificaria a existência de ummovimento reflexo, onde qualquer
aumentodeQocasionadoporumestímuloexternodevesereliminadopelaviadaação
motora, pois seria sentido na qualidade psíquica de desprazer. Já o prazer, seria
resultadodasensaçãoendógenadaeliminaçãodeQ(Lucero&Vorcaro,2009).
No textoFormulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico, de
1911, Freud adverte da inconstância de satisfação pela via do processo alucinatório.
Como não se tem o objeto real, a excitação não diminui, culminando em desprazer
(Santos & Fortes, 2011, p. 750). Assim, “o aparelho psíquico precisa suportar um
adiamento da satisfação até que possa formar uma concepção a respeito das
circunstâncias reais domundo externo e efetuar nelas uma alteração, introduzindo o
princípio de realidade”. Essa atividade, adverte Freud (1911/2006, pp. 241-242), “é o
fantasiar, que começa já nas primeiras brincadeiras infantis, e posteriormente,
conservadacomodevaneio5,abandonaadependênciadeobjetosreais”(grifosnossos).
Mais adiante, Freud (1914/2006, p. 92) em Uma introdução ao narcisismo
retomaessalógicaprazer-desprazer.Freuddiz:
[...]Odesprazer é sempre expressãodeumgraumais elevadode tensão, eque, portanto, o que ocorre é que uma quantidade no campo dosacontecimentosmateriais é transformada, aqui como emoutros lugares, naqualidade psíquica do desprazer [...] Reconhecemos nosso aparelho mentalcomosendo,acimadetudo,umdispositivodestinadoadominarasexcitaçõesque de outra forma seriam sentidas como aflitivas ou teriam efeitospatogênicos.
5 Freud em Escritores criativos e devaneios, de 1908, compara o brincar das crianças como uma produção de um escritor criativo: “Acaso não poderíamos dizer que, ao brincar, toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade?” (Freud, 1908/2006, p. 149).
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FreudtambémformulaanoçãodedesamparonoProjeto,aoafirmarqueháno
infans,desdeoiníciodavida,essaenergiaemebuliçãoqueconstantementeopressiona
no sentido de escoamento e de descarga de tensão pela ação motora – como a
expressão de emoções, movimentos cinéticos e gritos – quando o bebê precisará da
ajuda de um outro que interprete e atenda sua demanda, que o ajude, portanto, a
reestabelecerseuequilíbrio.Nessesentido,obebêexisteconstantementeemestadode
desamparo.ParaSantoseFortes(2011),esteestadooriginárioresultarianainscriçãoda
alteridade no registro da dependência, como condição para o surgimento do sujeito
psíquico. Assim, entende-se a alteridade como um dispositivo de investimento
primordialparaoprocessodesubjetivação,noção também jáarticuladaporFreudno
Projeto:
Oorganismohumanoé,aprincípio,incapazdepromoveressaaçãoespecífica.Elaseefetuaporajudaalheia,quandoaatençãodeumapessoaexperienteévoltadaparaumestadoinfantilpordescargaatravésdaviadaalteração.Essavia de descarga adquire, assim, a importantíssima função secundária dacomunicação,eodesamparo inicialdos sereshumanoséa fonteprimordialde todos osmotivos morais. (Freud, 1895/2006, p. 379, grifos do próprioFreud)
Posteriormente, em Inibições, sintomas e angústia, de 1925, Freud retoma a
questãododesamparo,afirmandoqueoestárelacionadocomaansiedadenasituação
deperigo:
[...] Ela consiste na estimativa do paciente quanto à sua própria força emcomparação com a magnitude do perigo e no seu relacionamento dedesamparo em face desse perigo – desamparo físico se o perigo for real edesamparo psíquico se for instintual [...] Denominemos uma situação dedesamparo dessa espécie, que realmente tenha experimentado, de situaçãotraumática.(Freud,1925-1926/2006,p.163)
Operigosentidopelacriança,segundoFreud(2006/1925-26),éodeperdero
objeto protetor e de ser abandonado por aquele que interpreta e atenda suas
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demandas,aquelequeo livradodesamparopsíquicoemotor.Comovimos,a criança
precisadaajudadeumoutroparasuaprópriasobrevivência,equandoseperdeoamor
do outro, surge a angústia (enquanto afeto) do abandono, resultando no desamparo
(enquantoestado).
EmAlémdoprincípio do prazer, de 1920, Freud recorre à brincadeira de seu
neto,Fort-Da,paraexemplificarumaformadeelaboraçãodalógicaprazer-desprazer,no
lidarcomaangústiadoabandono,odesamparo.Segundoanotadoeditoringlês,James
Strachey(p.24),Fortétraduzidapelaversãoinglesagone,particípiopassadodoverbo
togo(ir,partir).Aopuxarocarretel,omeninoosaudavacomaexpressãoalegreda(ali).
Nesse brincar, o garoto expressava e elaborava a angústia pela falta da mãe. Freud
interpreta a brincadeira como uma encenação – atuação, portanto, repetição – do
desaparecimentoedavoltadesuamãe.Tratar-se-iadeumaformadeproduzirprazer
emumasituaçãodedesprazer,compensandoaperdadoobjetopormeiodojogoeda
fantasia. Neste mesmo texto, Freud conclui que as crianças repetem experiências
desagradáveis subvertendo-a de um modo muito mais ativo do que poderiam
experimentar de um modo passivo. Ele acaba abrindo espaço para estudos sobre a
função do brincar das crianças, além de começar a solidificar a noção de pulsão de
morte,marcandoumaviradanateoriadaspulsõese,portanto,nateoriadoprazer.
O jogo do carretel criado por seu neto leva a Freud repensar o princípio do
prazerbemcomoa lógicado funcionamentodoaparelhopsíquico.Elepercebequeo
ato da partida do carretel (objeto que representaria a partida damãe) no qual seria
sentidonaqualidadepsíquicadedesprazer,éprivilegiadonacenadabrincadeira.Ora,
seguindoomodeloanterioremqueoprazerseriaameta,porqueacenadoretornodo
carretel–oretornodamãe–,queseriasentidocomoprazerosa,nãofoiprivilegiada?A
partirdaí,Freuddescobreaexistênciadapulsãodemorteque,juntodapulsãodevida,
passamadirigirofuncionamentopsíquico.
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É importante lembrar que a pulsão de morte é ligada diretamente com a
repetição.Oconceito-fenômenoderepetiçãoocuparáumoutrolugar,comoumaforça
ou movimento pulsional, como uma (com)pulsão à repetição. “Existe realmente na
mente uma compulsão à repetição que sobrepuja o princípio do prazer” (Freud,
2006/1920, p. 33). Dessa forma, até o próprio conceito de sintoma começa a ser
reelaborado,sinalizandocomoumasatisfaçãodeumapulsãoqueestárecalcada,e,por
estarrecalcada,retornariacomodesprazer.
OsinúmerosusosdanoçãodeobjetoemFreud
Com base no artigo de Coelho Jr. (2001), A noção de objeto na psicanálise
freudiana,encontramosumapesquisasistemáticasobreautilizaçãodotermoobjetona
obra de Freud em função da língua alemã (p. 39). Para o autor, é a partir desses
conceitosquesepodementendermuitosdostemasprincipaisdateoriafreudiana,pois
são elementos decisivos para a definição da concepção de sujeito, além de estar
diretamente ligado a, por exemplo, um dos quatro conceitos fundamentais da
psicanálise(segundoLacan):apulsão.
Objetoepulsão
Na teoria, Freud relaciona o objeto a algo que só tem sentido enquanto
relacionadoàpulsão eao inconsciente,enãoaoquediz respeitoàconsciência.Éum
meioparaofocodasatisfação(parcial)daspulsões,podendoserumapessoa,umacoisa
ou atividade, real ou imaginária, em que a pulsão – inicialmente conceituada como
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“entreopsíquicoesomático”(Freud,2006/1915,p.127)–temcomoobjetivo,focoou
alvo.Essasistemáticasegue,portanto,omodeloestrutural/pulsional.
A escolha de objeto de amor [Objektliebe], por exemplo, ocorreria quando o
sujeito investe energia libidinal (energia das pulsões sexuais) em objetos que podem
gratificarosimpulsospulsionais.Sendoassim,todapulsãotemseuobjeto,umacoisaou
algopormeiodaqual atingirá sua finalidade. Dessemodo, sobreo objetodapulsão,
Freudnosdiz:
O objeto é o que há de mais variável num instinto [lê-se pulsão] e,originalmente, não está ligado a ele, só lhe sendo destinado por serpeculiarmente adequado a tornar possível a satisfação. O objeto não énecessariamentealgoestranho:poderáigualmenteserumapartedoprópriocorpo do indivíduo. Pode ser modificado quantas vezes for necessário nodecorrer das vicissitudes que o instinto [lê-se pulsão] sofre durante suaexistência, sendo que esse deslocamento do instinto [lê-se pulsão]desempenhapapéisaltamenteimportantes.(Freud,1915/2006,p.128,grifosnossos)
Nestesentido,entende-sequeoobjetodapulsão,diferentementedoinstinto,
nãoéespecífico,nãoéfixoenempré-determinado;eleévariáveleindeterminado,mas
éoquepermiteas satisfaçõesparciaisdaspulsões.ParaCoelho Jr. (2001)anoçãode
objetoaparecebasicamentededoismodos:“Ligadaànoçãodepulsão–nestecasoos
objetossãocorrelatosdaspulsões,sãoosobjetosdaspulsões;e ligadaàatraçãoeao
amor/ódio,quandoentãosãoosobjetoscorrelatosdoamoredoódio”(p.38).
Aescolhadeobjeto
EmUmaintroduçãoaonarcisismo,Freudretomaotemadasescolhasobjetais.
Coelho Jr. (2001) observa que a expressão “escolha de objeto” se refere, em geral, à
escolhadeobjetosdeamor.CabelembrarqueLaplancheePontalis(1982)afirmamque
o termo “escolha” não deve ser considerado em seu sentido racional, de uma opção
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consciente,massimcomooque“evocaoquepodehaverdeirreversíveledeterminante
naeleiçãodosujeitonummomentodecisivodasuahistória,doseutipodeobjetode
amor”(p.154).
Nessa perspectiva, Freud (2006/1914) nos propõe um breve resumo dos
caminhos que levam cada sujeito à escolha de objeto amoroso. Segundo Freud uma
pessoapodeamar:
(1)Emconformidadecomotiponarcisista:a)oqueelaprópriaé(istoé,elamesma),b)oqueelaprópriafoi,c)oqueelaprópriagostariadeser,d)alguémquefoiumavezpartedelamesma.(2)Emconformidadecomotipoanaclítico(deligação):a)amulherquealimenta,b)ohomemqueprotege,c) a sucessãodepessoas substitutivasquevenhamaocuparo seu lugar. (p.97)
CoelhoJr.(2001)apontaque,pormeiodessasequência,maisumavezficaclaro
oquantoasexperiênciasamorosas infantisdeterminamexperiênciasposteriores.Para
ele, é evidente que, embora a psicanálise trabalhe emuma linha regressiva – emum
movimentotrás(z)prafrente–,emqueasexperiênciasdopassadoexplicamopresente,
ouseja,“asescolhasobjetaispassadasexplicamasatuaisouposteriores”(p.40),háde
se convir que o caminho inverso também existe, afinal, “somente as experiências
posteriorespodemfazercomqueaspassadasganhemsentido,ganhemsignificados”(p.
40).
Freud (2006/1925-26) constata que as primeiras experiências traumáticas
constituem o protótipo dos estados afetivos, e que são incorporados na mente, e
quandoocorreumasituaçãosemelhantesãorevividoscomosímbolosmnêmicos.Neste
sentido, tem-se como exemplo o texto Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua
infância,de1910,noqualFreudtrabalhauma“lembrança”deLeonardo:
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Parece que já era meu destino preocupar-me tão profundamente comabutres; pois guardo como uma das minhas primeiras recordações que,estandoemmeuberço,umabutredesceusobremim,abriu-meabocacomsuacaudaecomelafustigou-merepetidasvezesoslábios.(DaVincicitadoemFreud,1910/2006,p.91)
Segundoopsicanalista vienense, os egípcios veneravamumaDeusa-Mãeque
era representada com uma cabeça de abutre. Para eles, o animal era considerado
símbolo da maternidade pois acreditavam que somente haviam abutres do sexo
feminino.Freud(2006/1910,p.99)supõequeLeonardo,pesquisadore leitorávidode
história, provavelmente teria lido tal fato. Além disso, o psicanalista descobriu que
Leonardoviveuseusprimeirosanosdeidadeaoladodesuamãe,enãodesuamadrasta
ouseupai,pois,comoerafilhoilegítimo,forarecebidoporseupaisomenteaoscinco
anosdeidade.
Com essa perspectiva, da posterioridade – denominada por Freud de
Nachträglichkeit,paraexpressarsuacompreensãodetemporalidadenoquedizrespeito
à causalidade psíquica, ou seja, experiências posteriores podem fazer com que as
passadasganhemsentido–,tem-seosignificadodafantasiadeDaVinciatribuídopelo
pai da psicanálise: a substituição de suamãe pela imagem do abutre indicaria que a
criançatinhaconhecimentodaausênciadopaiesesentiasolitáriocomasuamãe.Em
outras palavras, a angústia e o estado de desamparo de Leonardo, quando bebê,
ganhariasignificadoerepresentaçãoaposteriori,pormeiode lembrançafantasmática
que sópôde ser produzidapelo acesso a tal informação: uma cadeiade significantes.
Tem-se aí amáxima de Lacan (1998/1960): “o significante é aquilo que representa o
sujeitoparaoutrosignificante”(p.833).Lacan(1998/1960),aorecorreralinguísticade
Saussure, subverte seu teorema e acrescenta aí um sujeito inconsciente, formulando
que o é o significante antecede o significado.Ou seja, a palavra vazia – carregada de
afeto,semrepresentação–antecedeosentido,quecomparecesomenteaposteriori.
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AindaemLeonardodaVincieumalembrançadesuainfância,Freudafirmaque
“certasimpressõestornam-sefixadaseasformasdereaçãoparacomomundoexterior
ficam estabelecidas, e nunca mais perderão a sua importância por meio de outras
experiências posteriores” (Freud, 2006/1910, p. 99). Desse modo, Coelho Jr. (2001)
observaaevoluçãodopensamentofreudiano:osobjetossãodeterminantesoriginários
naconstituiçãodasubjetividade.
Nestemesmotexto,Freudtambémprocuracompreenderahomossexualidade
em suas concepções psicanalíticas, sugerindo que omenino tende a recalcar o amor
pela mãe e, desta forma ocupar-se deste lugar, identificando-se com ela e tomando
comosimesmo(opróprioEgo)comomodeloparaseusnovosobjetosdeamor(Coelho
Jr.,2001).Tratar-se-iadasescolhasnarcísicasdeobjeto[narzissistischeObjektwahl].
Apartirdestetexto,FreudapresentaapossibilidadedopróprioEgosertomado
comoobjeto da pulsão, através domecanismode identificação. No entanto, é como
texto Luto emelancolia,escrito em1915epublicadoem1917, que Freud solidifica a
noçãodeidentificação.Segundoanotadoeditoringlês,JamesStrachey,“oquepermitiu
aFreudreabriroassunto[identificação]foiaintroduçãodosconceitosdenarcisismoe
idealdoEgo”(Freud,2006/1915-17,p.246, itálicosnossos).Oqueseapresentaneste
textoéqueaperdadeobjetopodeserrealouatémesmofantasiada,eosujeito–em
ambasasformas–passaaviveruma“identificaçãocomoobjetoperdido”(p.246).Dito
deoutraforma,surgeapossibilidadedosujeitoviveruma identificaçãodeseupróprio
Egoaoobjetoperdido.DaíafamosafrasedeFreud:“Asombradoobjetorecaiusobreo
Ego”(p.254).
APerdadeObjeto
[...]Eeusemvocêsousódesamor.Umbarcosemmar,umcamposemflor.Tristezaquevai,tristezaquevem.Semvocê,meuamor,eunãosouninguém.
(ToquinhoeViniciusdeMoraes)
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Freud (1915-17/2006, p. 249) compara brilhantemente a melancolia ao luto,
apontandopontosafetuosossemelhantes:
A correlação entre amelancolia e o luto parece ser justificada pelo quadrogeraldessasduascondições[...]Oluto,demodogeral,éareaçãoàperdadeum ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de umente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim pordiante.Emalgumaspessoas,asmesmasinfluênciasproduzemmelancoliaemvezdeluto.(Grifosnossos)
A perda referida no luto é uma perda conhecida, mesmo quando enquanto
abstração, ao passo que na melancolia, a perda é desconhecida. Freud observa que
algunstraçossãoencontradostantonolutoquantonamelancolia(desânimoprofundo,
autorrecriminações,cessaçãodeinteressepelomundoexterno,entreoutras),comuma
únicaexceção: aperturbaçãodaautoestima estáausenteno luto.No luto,o testede
realidaderevelouqueoobjetoamadorealmentenãoexistemais,“passandoaexigirque
toda a libido seja retirada de suas ligações com aquele objeto” (p. 250). Entretanto,
Freudobserva:
As pessoas nunca abandonam de bom grado uma posição libidinal, nemmesmo, na realidade, quandoum substituto já se lhes acena.Esta oposiçãopodesertãointensa,quedálugaraumdesviodarealidadeeaumapegoaoobjeto por intermédio de uma psicose alucinatória carregada de desejo.Normalmente,prevaleceorespeitopelarealidade,aindaquesuasordensnãopossam ser obedecidas de imediato. São executadas pouco a pouco, comgrande dispêndio de tempo e de energia catexial, prolongando-sepsiquicamente,nessemeiotempo,aexistênciadoobjetoperdido.Cadaumadas lembranças e expectativas isoladas através das quais a libido estávinculadaaoobjetoéevocadaehipercatexizada,eodesligamentodalibidoserealizaemrelaçãoacadaumadelas.(Freud,1915-17/2006,pp.250-51,grifosnossos)
Nessaperspectiva,Freudconsideraque“devidoaessatransigênciapelaqualo
domínio da realidade se faz fragmentariamente, deve ser tão extraordinariamente
penosaapontodenãoserexplicávelemtermosdeeconomia”(p.251).Eleadverteque
Leitão,IagorBrum;Fávaro,DayanadeSouza;Figueredo,DaltonDemoner;Suziane
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essepenosodesprazersejaaceitocomoalgonatural.Contudo,ofatoéque,quandoo
teste da realidade prevalece, o trabalho do luto se conclui e o Ego fica outra vez
desinibidoenovosobjetospoderãoserinvestidos.
Tendo em vista essas considerações, no que diz respeito àmelancolia, Freud
(1915-17/2006) concorda que em um conjunto de casos é evidente que amelancolia
tambémpossaconstituirreaçãoàperdadeumobjetoamado.Noentanto,eledestaca
que é possível, e até comum, que o objeto talvez não tenha realmentemorrido,mas
tenhasidoperdidocomoobjetodeamor, “comonocaso,porexemplo,deumanoiva
que tenha levado um fora” (Freud, 1915-17/2006, p. 251). Tratar-se-ia também,
contudo,deumaperdadaposiçãodeseramado.
Embora exista um grande debate na psicanálise sobre o lugar estrutural da
melancolia,elaécomumenteassociadaaoeixodapsicose.Lacan(2002/1956)équem
descrevemelhorapsicoseaopensá-lapelaviadodiscurso,dosignificante,apontando
uma particularidade no discurso do psicótico. Ele mostra que discurso psicótico se
constitui pela a não passagem para o segundo momento edípico, marcado pela
substituiçãodosignificantematernopelosignificantepaterno,aoperaçãometafóricado
Nome-do-Pai.LacanformulaquenaestruturapsicóticaháaforaclusãodoNome-do-Pai,
oquedesencadeiaumdesligamentode todaa funçãopaterna. Emoutraspalavras, o
falonãosecolocariacomoordenadorsimbólico.
Dessa forma,amelancoliapadecedeumafalha fundamentalqueéa faltada
falta:umaperdasemfalta(Branco,2014).Aperdadomelancólicoconvocaaumafalta
quenãoéelaboradanosimbólico,eporissoelaretornanoRealcomoumaperdadoEu,
oquefariaamelancoliaserlidanocampodapsicose.Acontecequeomelancóliconão
consegueconstituirumEuidealarticuladoaoidealdoEu(supereu),comoassimfazem
osneuróticos,porquesimplesmenteoidealdoEunãoexiste.Ditodeumaoutraforma,
“oquenolutoeraumaperdadeobjeto,namelancoliatransforma-seemperdadoEu”
(Garcia-Roza,1995,p.76),eopacientemelancólico,comoassimfrisaFreud(2006/1915-
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17),"nãopodeperceberconscientementeoqueperdeu” (p.251).Emsuma, tem-sea
máximafreudianasobreacorrelaçãoentrelutoemelancolia:
No luto, é omundo que se torna pobre e vazio; namelancolia, é o próprioEgo.OpacienterepresentaseuEgoparanóscomosendodesprovidodevalor,incapaz de qualquer realização moralmente desprezível; ele se repreendeenvilece,esperandoserexpulsoepunido.Degrada-seperantetodos,esentecomiseraçãoporseusprópriosparentesporestaremligadosaumapessoatãodesprezível.(Freud,1915-17/2006,p.251-52,grifosnossos)
Amelancolia pode também ser caracterizada como um quadro de delírio de
inferioridade, podendo haver alterações do juízos, através das autoacusações, os
sentimentos de culpa e de fracasso, a autopunição em forma de descuido consigo
próprio, e ideias e atos suicidas (Dalgalarrondo, 2000). Em uma leitura psicanalítica,
entretanto,opeculiardamelancoliaéumafetoqueremeteaumanadificação.Existe
um empobrecimento das significações, todas elas remetem ao nada. É comum, por
exemplo, pacientes relatarem estarem se sentido vazios, alternativamente
experimentandoestesentimentonoprópriocorpo,comonocasodahipocondria,que
ospacientescostumamrelatarumafaltadeórgãosouatéoapodrecimentodeles.Como
Freud(2006/1915-17)observa,écomumesseafetoculminarnainsôniaenarecusaem
se alimentar, caracterizando-se “por uma superação do instinto [lê-se pulsão] que
compeletodoservivoaseapegaràvida”(p.252,itálicosnossos).Ouseja,tratar-se-ia
de ummodode gozo específico que, emoutras palavras, nomelancólico apulsão de
morte émaior que a pulsão de vida, não se tratando, portanto, de uma angústia da
perda de um objeto qualquer, mas de um objeto de amor o qual o melancólico é
maciçamente ligado e o qual ele não reconhece. É a ameaça da perda de um objeto
amadoqueestánabasedaangústia(enquantoafeto)ecausaodesamparo(enquanto
estado)(Lacan,1995/1957).
Emsíntese,opacientemelancóliconãosabeoqueperdeu,emesmoassimse
identificamaciçamenteaoobjeto,vivendosuaperdanoEu,enão foradele (comono
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caso do luto). Ao identificar-se com o objeto perdido, e introduzi-lo em seu Eu, ele
rejeitainteiramenteaperda,porumlado,esustenta-apelaviadogozo,porumoutro.
Dito de um outro modo, aquilo que foi “perdido” enquanto prazer é recuperado e
sustentadopelogozo,umrearranjopulsional.Dessaforma,oqueseteméumaperda
nãoelaborada,naqualincidenumvazioquesópodeserrecobertopelaincorporaçãode
umobjetodeamorquegarantaimaginariamenteacompletude.
ClivagemdoEgo
NotextoPerdadarealidadenaneuroseenapsicose,de1924,Freudafirmaque
a neurose e a psicose diferem uma da outra muito mais em sua primeira reação
introdutória–diantedasituaçãotraumática–doquenatentativadereparaçãoquea
segue.Nasínteseabaixo,eleapontaadiferençainicial,eexpressaodesfechofinal:
Naneurose,umfragmentodarealidadeéevitadoporumaespéciedefuga,aopasso que na psicose, a fuga inicial é sucedida por uma fase ativa deremodelamento;naneurose,aobediênciainicialésucedidaporumatentativaadiadadefuga.Ouainda,expressodeoutromodo:aneurosenãorepudiaarealidade, apenas a ignora; a psicose a repudia e tenta substituí-la. (Freud,1924/2006,p.209,grifosnossos)
Jean-MichelQuinodoz (2007) afirmaque a noção de clivagemdo Ego já está
presenteemLutoemelancolia,emque“Freudorautilizaotermocisão,oraclivagemdo
Ego”(p.169).Noentanto,émaistardeemFetichismo,de1927,queFreudcompletará
suashipótesessobreaclivagemdoEgo,considerandoque,nocasodadepressão,elaé
consequência da negação da perda de objeto. Ele ilustra esse ponto de vista
mencionandoocasodedoisirmãosquehaviamescotomizado6amortedopai,masque
6 Rosa Jr e Poli (2012) assinalam que, apesar de Freud utilizar o termo "escotomização" (tomadoemprestadodeRenéLaforgue),elenãooconsideraadequadoparadescreverasituaçãoaqueserefere.EleprefereotermoVerleugnungque,segundooDicionáriocomentadodoalemãodeFreud,deLuizHanns(1996),podesertraduzidocomo"desmentido".
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não se tornarampsicóticos, “apesar do eu haver repudiado umaparte importante da
realidade”(Freud,2006/1927,p.162).
Ainda em Fetichismo, Freud define o fetiche como um objeto substituto do
pênisnamulher(damãe)emqueoutroraomenininhoacreditouquetinhaequenão
desejarenunciar–daíotermodesmentido[Verleugnung].Encontra-sesucintadefinição
defeticheemPatrickValas,citadoporMello(2007):“Ofetichenãoéofalo,masovéu
portrásdoqualsedeixadesenharapossibilidadedesuapresençaescondida,véuque
comoacortina,anteumacena,mostraeesconde,velaedesvela”(p.75).Nessesentido,
Freudchegaàconclusãodequeosdoisjovensnãohaviamescotomizadoamortedopai
maisqueumfetichistaescotomizaacastraçãofeminina.Eleexplica:“Foraapenasuma
determinadacorrenteemsuavidamentalquenãoreconheceraamortedaquele;havia
outracorrentequesedavaplenacontadessefato.Aatitudequeseajustavaaodesejoe
aatitudequeseajustavaàrealidadeexistiamladoa lado”(Freud,1927/2006,p.163,
grifosnossos).
Nolutopatológico,seéqueassimpodemosdizer,anoçãodeclivagemdáconta
dequeumapartedoEgonegaarealidade,enquantoaoutraaaceita.Emseusúltimos
trabalhos, Freud atribuirá cada vez mais importância aos fenômenos de negação da
realidadeedeclivagemdoEgo.InclusiveStrachey,emsuanotaemoFetichismo(p.152-
53), adverte que Freud ainda ressalta que essa “divisão do Ego” não é particular ao
fetichismo,masque,narealidade,podeserencontradaemmuitasoutrassituaçõesem
queoEgosedefrontacomanecessidadedeconstruirumadefesa,equeelanãoocorre
apenasnodesmentido [Verleugnung],mas tambémno recalque [Verdrãngung]. Sendo
assim, tratar-se-ia de algo que se passa tanto na perversão quanto na neurose,
estruturasclínicascaracterizadas,respectivamente,pelodesmentidoepelorecalque.
AsEstruturasClínicasesuas“ClivagensdoEgo”peranteasNecessidadesemConstruir
umaDefesa
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OfilósofoepsicanalistaeslovenoSlavojZizek,emOamorimpiedoso,de2012,
analisa pormeio de sua óptica psicanalista a ideologia capitalista, afirmando – assim
como fez Marx – que o dinheiro é um fetiche. No que concerne a este artigo, nos
atentemosàdefiniçãodefetichedadaporZizek(2012,p.77):
Efetivamenteumaespécie de inversodo sintoma.Querdizer, o sintomaé aexceçãoqueperturbaasuperfíciedafalsaaparência,opontonoqualaOutraCena recalcada irrompe, ao passo que o fetiche é a encarnação daMentiraquenospermitesustentaraverdadeinsuportável.
Paraexemplificarestaargumentação,eleutilizacomoexemploocasodamorte
deumapessoaamada.Paraele,no casodo sintomao sujeito “utilizaria”do recalque
[Verdrãngung]paraconstruirumadefesaquelheajudeasuportarotrauma.Osujeito
então“recalcaria”essamorte,porém,omesmorecalqueretornarianosintoma. Jáno
casodofetiche7,aocontrário,oautorentendequeosujeitopode“aceitar”–emparte–
essamorte,e,aindaassim,agarrar-seaofeticheou“aalgumelementoqueencarneo
desmentido dessa morte” (p. 78) tal qual, por exemplo, o caso dos irmãos que
escotomizaramamortedopai.Emsuma,paraoqueimportanesteartigo,temosneste
simplesexemploumasituaçãoemqueoEgosedefrontacomanecessidadedeconstruir
uma defesa, enquanto desmentido [Verleugnung], no fetiche; e enquanto recalque
[Verdrãngung],nosintoma.
Continuemos,portanto, comoutroexemplodamortedeumapessoaamada.
ZizekrecorreaoumromancedeNevilShute(1955),emqueapersonagemsobreviveà
mortedeseumaridosemquaisquertraumasvisíveis,seguindosuavidaesendocapaz,
7 Aqui, uma ressalva: entendemos que neste caso Zizek faz uma analogia aomecanismo do fetiche daperversãoparailustraroseupontodevista,nãoconsiderandootermofetichecomoelementodecorrenteda fixação da memória do sujeito no(s) último(s) objeto(s) que antecede(m) a percepção da “cenatraumática":afaltadopênisnamulher.
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atémesmo,deconversarracionalmentesobresuamorte.Quando,algumtempodepois,
o cachorro (animal de estimação e companheiro favorito de seu marido) morre, ela
sucumbe por completo, e todo seu mundo desintegra (Zizek, 2012, p. 78). Temos,
portanto,algunspontosimportantesparaespecularnestepequenocaso:1)aperdado
objetodeamor,ouseja,omarido;2)ocachorrocomoobjetosubstitutodestemarido;
3)aperdadoobjetosubstituto,ocachorroe4)seumundosedesintegra,melancolia.
Para o autor, no entanto, o cão funcionaria como uma espécie de objeto de
fetichequedesmentiriaamortedomaridode formaanálogaao fetichedaperversão
em que o mecanismo característico desmentiria a castração. Em outras palavras, a
mulherserecusariaaaceitaraperdadomarido:sabequeelemorreu,masorevivepor
meio de seu substituto, seu cão-panheiro. Temos, portanto, outro exemplo de uma
atitudequeseajustaaodesejo8eumaqueseajustaàrealidade,coexistindoladoalado.
Porém,quandoocãomorre,éobrigadaalidarrealmentecomaperdae“acastração”:a
mortedomarido.Masparaela seria tão forte, tão insuportável que, assim comonos
versosdeToquinhoeViniciusdeMorais,elasemele(s)nãoéninguém,portanto“seu
mundo se desintegra” o que, em vez de se ter o luto daperda de objeto, ter-se-ia a
melancolia,caracterizada,comobemvimos,pelaperdadoEu:umaoutrasituaçãoem
queoEgosedefrontacomanecessidadedeconstruirumadefesa,enquantoalteração
do juízo, napsicose. Claro, se entendermos o trecho final “seumundo se desintegra”
comoumsurtomelancólicoe,portanto,tendocomoestruturaclínicaapsicose.
VoltandoàsconsideraçõesdeZizek,paraelealgumacoisaqueapessoamorta
deixou para trás, como uma peça de roupa, poderia funcionar como uma espécie de
fetiche, pois nele “omortomagicamente continua a viver” (p. 78). Demodo geral, o
8AcompanhandooensinodeLacan,odesejoéentendidocomoumaoperaçãoemdeslocamento.SeparaLacan(1964/2006)oinconscienteéestruturadocomoumalinguagem,odesejosefazpresenteatravésdeseussignificantes,éotrabalhometonímicodosignificante,que,noatodafala,estariaemumconstantedeslocamentodaspalavrasquerepresentamparcialmenteotodo,odesejo–sempreháalgodeumresto,nasentrelinhas,amaisouamenos.Querdizer,odesejo,nocampodapalavra,jamaispodeserditoporcompleto.Tem-se,então,afigurametonímicacão-panheiro.
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fetiche–mecanismocaracterísticodaperversão–desempenhaumafunçãodeproteção
contra a angústia, ele está no lugar emque falta alguma coisa. Portanto, o objeto de
fetiche tem certa função de complementação em relação a alguma coisa que se
apresentacomoumfuro,atémesmocomoumabismonarealidade(Figueiredo,2012).
ParaLacan(1995/1957)“oenvolvimentonãoédaordemdovéu,masdaproteção”(p.
165),emquenaneurose,entretanto,éofantasmaqueoperacomotelaprotetora.
Freud(2006/1915-17)afirmaque“asfantasiaspossuemrealidadepsíquica,em
contraste com a realidadematerial, e gradualmente aprendemos a entender que, no
mundodasneuroses,arealidadeédecisiva”(p.370).DeacordocomZizek,noentanto,
opapelestruturalemambososcasoséomesmo:“Seesseelementoexcepcional[tela
protetora] forperturbado, todoosistemacolapsa” (p.78,grifonosso).Destemodo,é
possível compreender a advertência freudiana presente em A perda da realidade na
neuroseenapsicose:“Aneurosenãorepudiaarealidade,apenasaignora;apsicosea
repudiaetentasubstituí-la”(Freud,2006/1924,p.231),eaperversão–acrescentamos
– a desmente. Ao lado da psicose, definida como a reconstrução de uma realidade
alucinatória, e da neurose, resultante de um conflito interno seguido de recalque, a
perversãoaparececomoumdesmentidodacastração(Roudinesco&Plon,1998).Oque
temosemcomumnessastrêsestruturaséalgumaformadedivisãodoEu,emquecada
umareagiráaseumodo,seguindoseumodeloestrutural/pulsional.
Na realidade, a clivagem do Ego pode ser encontrada em muitas outras
situações emque o Eu se defronta com a necessidade de construir uma defesa. Esse
“mecanismodedefesa”ocorrenãoapenasnodesmentido,comojáfoidito.Adivisãodo
sujeitorepercutenarealidade,maisespecificamentenaquiloemqueosujeitocolocará
nolugardacastraçãodoOutro:oneurótico,afantasia;operverso,ofetiche;opsicótico,
aalucinaçãoeodelírio(Figueiredo,2012).Sobreesteaspecto,propomosqueoquese
teméaconstanteincapacidadedosujeitolidarcomodesamparoeafalta,construindo
as mais diversas telas protetoras, e tendo de se haver com elas, numa tentativa de
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proteger-se, ou seja, recalcar, desmentir ou foracluir – seja qual for a forma – não
somente a castração doOutro, mas também a falta dele, enquanto objeto protetor,
posteriormente objeto de amor e objeto idealizado. Reflexo do estado inicial de
constante desamparo. Resultado, portanto, da inscrição da alteridade no registro da
dependência.
ConsideraçõesFinais
Conforme as ideias apresentadas, consideramos o objeto um conceito
importantíssimoparaaPsicanálise,poiseleperpassae interagecom inúmerosoutros,
desdealógicadofuncionamentodoaparelhopsíquico,nadinâmicaprazer-desprazere
noestadoinicialdedesamparo,porestar ligadodiretamenteaoconceitofundamental
pulsão,comosendoummeioparaofocodassatisfaçõesparciaisdaspulsões,portanto,
ligadotambémaodesejo,esteentendidocomoumaoperaçãoemdeslocamento.Seo
inconscienteéestruturadocomoumalinguagem,odesejoseoperapelametonímia.
Nessa perspectiva, o objeto está em constante modificação, em constante
deslocamento, pois ele nunca satisfará por inteiro uma pulsão. O desejo no animal é
objeto natural: se falta, ele o encontra. Por exemplo, se o animal tem sede, tem-se a
água.Jáparaodesejonohomem,eleénãonatural,esimdaordemdovazioenuncase
encontra em sua plenitude, apenas parcialmente. A sede pode ser de água, de
refrigerante,decoca-cola,decerveja,deconhecimento,devingança.Ocapitalismo,em
umparêntese,vemproporessafalsaplenitude,nosenchendodeobjetosepromovendo
a ideiadequequantomaisse tem,maiscompletoseé.Contudo,o trabalhoanalítico
propõe caminharemoutradireção,descascandoo sujeitoe seusobjetos, para sobrar
somenteseucaroço,suaestrutura–sejaqualfor–naesperançadequealgodenovo
surjadali.Noentanto,duranteesseprocesso,comojáadvertiaFreud(1915-17/2006,p.
250), “as pessoas nunca abandonam de bom grado uma posição libidinal”, e essa
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discussão referenteàperdadeobjeto apontaoquãodifícil é abandonarumaposição
e/ouuminvestimentolibidinal,comonocasodamulhereseucão-panheirosubstituto.
Ao fim, durante o trabalho analítico o sujeito e o analista terão que lidar com as
inúmeras resistências ao processo, sentimentos ambivalentes e situações
desconhecidas,as inúmeras“clivagensdoEgo”eas telasprotetorasquesuaestrutura
permitirácolocardiantedacastraçãoeda faltadoenoOutro,dianteseuReal,poiso
Realéoqueescapaàrealidade.
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Editora.ResumoO artigo versa sobre a complexidade e importância do conceito de objeto para a psicanálise de basefreudianaelacaniana,nasdiferentesformasdedefesadoEudecadaestruturaclínicafrenteàsperdasdeobjetos,emespecialosobjetosdeamor.Percorre-sepelalógicafreudianadofuncionamentodoaparelhopsíquico,oprincípiodoprazer,tendocomopontocentralaquestãododesamparo.Emseguida,discute-seas diferentes noções de objeto dentro da obra freudiana. Ao final, utiliza-se uma vinheta de um casoliteráriorecorridoporSlavojZizek,emumafunçãodecasoclínicoparaapoiarapresentediscussão.Palavras-chave:Objeto.Perdadeobjeto.Desamparo.Melancolia.EstruturasClínicas.
THEIMPASSESAGAINSTLOSSOFOBJECT:APSYCHOANALYTICREADING
Leitão,IagorBrum;Fávaro,DayanadeSouza;Figueredo,DaltonDemoner;Suziane
Kirmse.Osimpassesfrenteàperdadeobjeto
| Analytica | São João de-Rei | v.6 | n. 11 | julho/ dezembro de 2017 |
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AbstractThearticledealswiththecomplexityandimportanceoftheconceptofobjectforFreudianandLacanianpsychoanalysisinthedifferentformsofEgodefenseofeachclinicalstructureagainstthelossofobjects,especially the objects of love. First,we go through the Freudian logic of the functioning of the psychicapparatus,thepleasureprinciple,havingasitscentralpointthequestionofhelplessness.Next,wediscussthedifferentnotionsofobjectwithintheFreudianworktoarriveatavignetteofaliterarycaseappealedtobySlavojZizek,inafunctionofclinicalcharacter,thatsupportsthepresentdiscussion.Keywords:Object.Lossofobject.Helplessness.Melancholy.ClinicalStructures.
LESIMPASESDELAPERTED'OBJETRésuméL'articletraitedelacomplexitéetdel'importanceduconceptd'objetpourlapsychanalysefreudienneetlacanienne dans les différentes formes d'autodéfense de chaque structure clinique contre la perted'objets, en particulier les objets d'amour. On passe par la logique freudienne du fonctionnement del'appareilpsychique,principeduplaisir,ayantcommepointcentrallaquestiondel'impuissance.Ensuite,les différentes notions d'objet dans l'œuvre freudienne sont discutées. En fin de compte, une vignetted'uneaffairelittéraireportéeenappelparSlavojZizekestutilisée,dansunefonctiondecasclinique,poursoutenirlaprésentediscussion.Mots-clés:Objet.Perted'objet.ImpuissanceMélancolie.Structurescliniques.
LOSIMPONESFRENTEALAPÉRDIDADEOBJETOResumenElartículoversasobrelacomplejidadeimportanciadelconceptodeobjetoparaelpsicoanálisisdebasefreudianay lacaniana,en lasdiferentes formasdedefensadelYodecadaestructuraclínica frentea laspérdidasdeobjetos,enespeciallosobjetosdeamor.Serecorrelalógicafreudianadelfuncionamientodelaparato psíquico, el principio del placer, teniendo como punto central la cuestión del desamparo. Acontinuación,sediscutelasdiferentesnocionesdeobjetodentrodelaobrafreudiana.Alfinal,seutilizaunaviñetadeuncaso literario recurridoporSlavojZizek,enuna funcióndecasoclínicoparaapoyar lapresentediscusión.Palabrasclave:Objeto.Pérdidadeobjeto.Desamparo.Melancolia.EstructurasClínicas.