Legislação Anti-Corrupção em Moçambique - Relatório do CIP

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Legilação anti corrupção em Moçambique

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  • CENTRO DE INTEGRIDADE PBLICA / CENTER FOR PUBLIC INTEGRITY

    Boa Governao-Transparncia-Integridade / Good Governance-Transparency-Integrity

    Av.Amilcar Cabral, 903; Tel.: (+258) 21 32 76 61 - Fax: (+258) 21 31 76 61

    Caixa Postal:3622 - Maputo-Moambique

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    www.cip.org.mz

    Contributos para uma melhoria

    do quadro legal anti-corrupo em Moambique

    LEGISLAO ANTI-CORRUPO

    EM MOAMBIQUE

  • ii

    Agradecimentos

    A realizao deste relatrio sobre a legislao anti-corrupo em Moambique

    s foi possvel graas disponibilidade de vrios informantes que partilharam

    connosco as suas opinies e inquietaes relativamente a matria.

    O Centro de Integridade Pblica agradece, pois, s pessoas singulares e colectivas

    que ajudaram directa ou indirectamente para que este relatrio ganhasse

    forma, comentando os rascunhos e fornecendo informao relevante para a sua

    concretizao. Agradecimentos especiais vo para a Dra. Lucinda Cruz, cujas

    ideias foram fundamentais na orientao desde trabalho..

    Gostaramos igualmente de agradecer as entidades governamentais que tm sido

    abertas ao debate destas e de outras matrias conexas.

    Os nossos parceiros de apoio, nomeadamente o DFID, as Embaixadas da

    Dinamarca, Holanda e Sucia e a Cooperao Sua, merecem os nossos sinceros

    agradecimentos pela forma como tm, pacientemente, encorajado o trabalho que

    temos vindo a desenvolver.

    As matrias constantes neste documento podem ser livremente reproduzidas, mas

    obrigatria a referncia ao Centro de Integridade Pblica como seu editor.

    Ficha Tcnica:

    Ttulo: Legislao Anti-Corrupo em Moambique.

    Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique.

    Contribuintes: Baltazar Fael, Jos Munguambe, Lucinda Cruz e Marcelo Mosse

    Propriedade e Edio: Centro de Integridade Pblica

    Editor: Marcelo Mosse

    Design e Layout: -design

    Tiragem: 500 exemplares

    Maputo, Julho de 2008

  • iii

    ndice

    Abreviaturas e Siglas iv

    Sumrio v

    1. Introduo 1

    2. A Definio Legal de Corrupo em Moambique 3

    3. A Componente Preventiva 5

    3.1 Sobre a Declarao de Bens 5

    3.1.1 rgos abrangidos pelas declaraes 6

    3.1.2 Extenso da declarao a outras pessoas 7

    3.1.3 Local de depsito das declaraes e sua fiscalizao 8

    3.1.4 Confidencialidade e acesso s declaraes 10

    3. 2 Sobre conflito de interesses 12

    3.2.1 Regulao de conflito de interesses para membros do executivo 13

    3.3 Sobre os cdigos de conduta e gesto de tica pblica 17

    3. 4 Publicidade dos actos de Governo 19

    3.5 Sobre proteco de testemunhas e denunciantes 21

    3.5.1 A Proteco de Testemunhas e Denunciantes Luz das Convenes Internacionais 23

    3.5.2 A proteco de denunciantes e testemunhas luz da legislao moambicana 23

    4. Oportunidades de Corrupo em Alguns Diplomas Legais 26

    5. Algumas Limitaes do Quadro Penal da Corrupo em Moambique 29

    5.1 O crime de desvio de fundos 29

    5.2 O crime de trfico de influncias ou explorao de prestgio 32

    5.3 O crime de enriquecimento ilcito 32

    5.4 Sobre a corrupo no sector privado 33

    6. Concluses 34

    7. Recomendaes 36

    8. BIBLIOGRAFIA 38

  • iv

    Abreviaturas e Siglas

    AR Assembleia da Repblica

    CRM Constituio da Repblica de Moambique

    CC Conselho Constitucional

    CIP Centro de Integridade Pblica

    CP Cdigo Penal

    CPP Cdigo de Processo Penal

    GCCC Gabinete Central de Combate Corrupo

    ONU Organizao das Naes Unidas

    PGR Procuradoria Geral da Repblica

    SADC Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral

    TA Tribunal Administrativo

    UA Unio Africana

    UTRESP Unidade Tcnica da Reforma do Sector Pblico

  • vSumrio

    O presente relatrio uma anlise em torno da legislao anti-corrupo em

    Moambique, abordando os seus aspectos preventivos, a identificao das oportunidades para prtica de actos de corrupo criadas por alguns diplomas

    legais e as limitaes da componente penal. No relatrio tambm feita uma

    comparao entre a legislao nacional e os instrumentos jurdicos internacionais

    sobre corrupo ratificados por Moambique.

    Na componente preventiva analisada a problemtica do conflito de interesses, rea cuja regulamentao ainda pobre, o que constitue uma janela aberta para

    a prtica de actos de corrupo e abuso de funes pblicas. Por exemplo, no

    existem na legislao moambicana impedimentos para que um ex-governante

    exera actividades conexas sua antiga funo durante certo lapso de tempo

    aps a cessao da mesma, nem nada que impea um ex-governante de assumir

    cargo de direco numa instituio que realize actividades relacionadas com o seu

    antigo posto e que, especificamente, tenha beneficiado de incentivos pblicos (ex. incentivos fiscais, crditos do tesouro, etc).

    Em relao declarao de bens, o sistema de fiscalizao meramente formal, no havendo possibilidades para uma fiscalizao incisiva sobre as mesmas, dadas as competncias limitadas do Conselho Constitucional, as quais no permitem que

    este rgo faa uma fiscalizao concreta das declaraes.

    Por outro lado, o acesso s declaraes patrimoniais restrito a meia duzia de

    governantes, no havendo publicidade das mesmas. No existem Cdigos de

    Conduta na funo pblica, nem sistemas institucionalizados para se fazer a gesto

    de tica na funo pblica.

    Em Moambique no existem mecanismos concretos para a proteco de

    denunciantes e testemunhas, assim como no h legislao que garanta o acesso

    informao na posse do Estado. Quanto componente penal, a legislao no

    criminaliza prticas como o trfico de influncias, o enriquecimento ilcito ou a corrupo no sector privado.

    Depois de uma breve introduo explicativa dos objectivos do Centro de Integridade

    Pblica com este relatrio, estruturmo-lo em tornos das seguintes linhas:

    apresentao da noo legal de corrupo; discusso sobre as fragilidades da

    legislao em torno da componente preventiva; identificao das oportunidades para prtica de actos de corrupo criadas por alguns diplomas legais; e discusso

    das limitaes do enquadramento penal da legislao.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 1

    1. Introduo

    O controlo da corrupo atravs da reaco penal em Moambique um aspecto

    central da governao que ganhou maior relevncia a partir da primeira metade

    dos anos 2000, altura em que o volume de apelos para que o Governo pusesse

    em prtica polticas e aces tendentes a aumentar a transparncia na gesto do

    bem pblico e reduzir os nveis de corrupo subiu de tom. Isto verificou-se na sequncia dos assassinatos do jornalista Carlos Cardoso em 2000 e do economista

    Siba Siba Macuacua em 2001, os quais aconteceram sob um pano de fundo de

    corrupo, trfico de influncias e fraudes bancrias.

    O controlo da corrupo pressupe a existncia de leis e regulamentos

    que permitam uma actuao efectiva das autoridades judiciais. Contudo, o

    estabelecimento de um quadro legal abrangente que viabilizasse uma reaco

    penal efectiva contra a prtica de actos de corrupo nunca foi abordado de forma

    integrada e criteriosa, de modo a que as instituies da Justia ficassem dotadas dos instrumentos necessrios para agirem.

    Diferentemente de Moambique, no contexto global, os Estados, seja a ttulo

    individual como colectivo (atravs de entidades multilaterais como as Naes

    Unidas ou a Unio Africana), tm vindo a munir-se de instrumentos legais cujo

    objectivo a preveno e a punio de delitos de corrupo e outros crimes a estes

    conexos. Mas em Moambique, a engenharia legal anti-corrupo ainda fraca.

    Na viragem para a democracia nos meados dos anos 90, ensaios foram feitos

    para viabilizarem a mudana na forma de organizao do Estado e no carcter da

    governao, estabelecendo-se algumas leis que visavam promover a transparncia

    e a boa governao. Por exemplo, em 1990 foi aprovada uma lei1 que introduziu

    novas Normas de Conduta, Deveres e Direitos dos Dirigentes Superiores do

    Estado. E em 1998 uma outra lei2, com mesmo alcance, foi aprovada visando

    atingir os titulares dos cargos governativos. Os dois dispositivos continham, entre

    outras, algumas regras fundamentais para a garantia da transparncia numa

    sociedade democrtica: a declarao de bens e sua actualizao anual.

    Apesar destes ensaios, o quadro legal anti-corrupo foi sempre precrio at que

    em 2004 o Governo aprovou uma Lei Anti-Corrupo (6/2004, de 17 de Junho), a

    qual veio definir a corrupo em dois sentidos: a corrupo passiva como sendo a solicitao de vantagem patrimonial ou no patrimonial por parte de funcionrio

    ou agente do Estado para realizar ou omitir acto contrrio ou no contrrio ao

    dever do seu cargo; e a corrupo activa como sendo o oferecimento de vantagem

    patrimonial ou no patrimonial a funcionrio ou agente do Estado para realizar um

    acto contrrio aos deveres do seu cargo.

    No que respeita s formas de corrupo patentes nesta definio ressaltam a solicitao e o oferecimento de suborno. Como podemos constatar, nesta definio

    Lei4/90,de26deSetembroeoseurespectivoregulamento,oDecreton55/2000,de27deDezembro.Istoquerdizerqueumaleiaprovadaem990scomeouefectivamenteaseraplicada0anosmaistarde.

    2 Lein7/98,de5deJunhoeoseurespectivoregulamento,oDecreton48/2000,de5deDezembro.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 20082

    no cabem, por exemplo, a figura do desvio de fundos, o trfico de influncias, o enriquecimento ilcito e o branqueamento dos proventos da corrupo. Em todo o

    caso, esta lei veio reforar o quadro legal ja existente, nomeadamente o Cdigo

    Penal em vigor, que j previa crimes de corrupo nos artigos 318 (corrupo

    passiva) e 321 (corrupo activa) e tambm apresentava, mesmo antes da Lei

    6/2004, um conjunto de artigos que se podem inscrever no conceito de corrupo

    na Administrao Pblica.

    A Lei 6/2004 foi estabelecida num contexto de presso dos doadores para que a

    reforma legal anti-corrupo fosse acelerada. Mas a classe poltica (Assembleia

    da Repblica) fez aprovar uma Lei Anti-Corrupo que limitou a definio legal, deixando de lado prticas como o desvio de fundos e outras, que as convenes

    internacionais ratificadas por Moambique consideram como actos de corrupo.

    Por outro lado, a lei nunca conferiu ao Gabinete Central de Combate a Corrupo

    (GCCC) poderes especficos para acusar casos de corrupo. Deve-se referir que o quadro legal nacional complementado por convenes internacionais

    que o Estado ratificou, nomeadamente a Conveno da Unio Africana (2006), a Conveno das Naes Unidas (2007) e o Protocolo Anti-Corrupo da

    Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral (SADC), mas nem uma

    nem outra tm tido o devido tratamento atravs da sua incorporao na legislao

    domstica.

    O objectivo deste relatrio o de contribuir para uma chamada de ateno ao

    Governo, Assembleia da Repblica, ao poder judicial e sociedade em geral

    relativamente s fraquezas do enquadramento legal da corrupo em Moambique,

    as quais podem minar os esforos destinados a introduzir no pas uma cultura de

    boa governao.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 3

    O relatrio tenta fazer uma anlise sobre o quadro legal anti-corrupo,

    identificando os aspectos precrios presentes e as oportunidades de corrupo da decorrentes, partindo do pressuposto de que a existncia de um bom quadro

    regulatrio fundamental para alavancar as polticas de reforma nesta rea (como

    a Estratgia Anti-Corrupo, aprovada pelo Governo em 2006).

    Uma boa legislao necessria para a regulao das relaes scio-polticas

    dentro do Estado, moldando significativamente a forma como a classe poltica e os funcionrios pblicos fazem a gesto do bem pblico. Em pases com legislao

    anti-corrupo precria, as oportunidades de manipulao do oramento (alocao

    de recursos) dos poderes executivos, judiciais e legislativos para a acumulao

    de rendas so grandes. Uma boa legislao anti-corrupo , em si, um elemento

    central de um Sistema de Integridade Nacional (SIN)3.

    Por isso consideramos urgente a reviso da legiso nos aspectos identificados neste relatrio. Estamos, no entanto, conscientes de que a existncia de um quadro

    legal abrangente no a nica tbua de salvao para o controlo da corrupo,

    mas sim uma componente fundamental de um cocktail de medidas que tem sido

    experimentadas noutros contextos para se reagir contra o fenmeno, dado o seu

    carcter multifacetado; uma abordagem integrada e multidisciplinar que ainda no

    est a ser implementada em Moambique4.

    A metodologia usada para a elaborao do documento consistiu de trs processos:

    i) pesquisa bibliogrfica, ii) entrevista a um painel especializado, iii) entrevistas informais a uma vasta gama de informantes-chave. Optamos por no revelar os

    nomes dos entrevistados (a lista pode ser fornecida pelo CIP no caso de solitao

    expressa), mas dentre eles destacam-se juzes conselheiros do Tribunal Supremo

    e do Conselho Constitucional, advogados, deputados da Assembleia da Repblica,

    magistrados do Ministrio Pblico, acadmicos, entre outros.

    2. A Definio Legal de Corrupo em Moambique

    No constitui objecto do presente trabalho discutir os vrios conceitos de corrupo

    que tm sido usados em variadas reas do saber como a antropologia, a cincia

    poltica, a economia e a sociologia. Essa abordagem pode ser objecto de um

    trabalho autnomo. Tendo em conta que o presente estudo visa identificar as fragilidades da legislao anti-corrupo, faz sentido que seja apresentada

    Umsistemadeintegridadeumadisposiopolticaeadministrativaqueencorajaaintegridade.UmSistemadeIntegridadeNacional(SIN)compreendetantoasinstituiesgovernamentaiseasnogoverna-mentais,leiseprticasquepodemminimizarosriscosdecorrupoefracagesto.OconceitodeSINtemsidodesenvolvidoepromovidopelaTransparnciaInternacionalcomoumaferramentadetrabalho,atravsda qual pode-se analisar a corrupo num dado contexto nacional como tambm a eficcia e efectividade dos esforosnacionaisdeanti-corrupo.

    Medidas legislativas (a adopo de regras de financiamento poltico, de controlo da riqueza e interesses doseleitos);medidasprocessuais(aintroduodepagamentosmultibancoemdepartamentosdeatendi-mentoaopblicopropcioscorrupo);medidasestruturais(aintroduoderegulamentaoeregrasdeconcorrnciademercado);emedidasinstitucionais(acriaodeumaagnciaindependenteeespecializadacom misso especfica de investigao e aco penal contra a corrupo) (Sousa, 2005).

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008

    a noo legal (ou definio penal) de corrupo avanada pelo legislador moambicano, sem nos esquecermos de que o conceito de corrupo, fora do

    espectro estritamente legal, mais amplo e abrange realidades que no so

    necessariamente captadas pela definio legal5.

    A Lei n. 6/2004, nos artigos 7 e 9, define a corrupo em dois sentidos: primeiro, a corrupo passiva como sendo a solicitao de vantagem patrimonial ou no

    patrimonial por funcionrio ou agente do Estado para realizar ou omitir acto

    contrrio ou no contrrio ao dever do seu cargo; e corrupo activa como sendo o

    oferecimento de vantagem patrimonial ou no patrimonial a funcionrio ou agente

    do Estado para realizar um acto contrrio aos deveres do seu cargo.

    Em termos de formas de corrupo patentes nesta noo, apenas ressalta a

    solicitao e o oferecimento de suborno. Como vemos, nesta definio no cabem, por exemplo, as figuras do desvio de fundos, trfico de influncias, enriquecimento ilcito e branqueamento de proventos da corrupo.

    O n 1 do artigo 7 da Lei n. 6/2004, em relao corrupo passiva para

    acto ilcito, refere o seguinte: As entidades previstas no artigo 2, que por si

    ou interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificao, solicitarem ou receberem dinheiro ou promessa de dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial,

    que no lhes sejam devidos, para praticar ou no praticar acto que implique

    violao dos deveres do seu cargo, sero punidos com a pena de priso maior de

    dois a oito anos e multa at um ano.

    O artigo 9 da mesma lei refere o seguinte em relao corrupo passiva para acto

    lcito: As entidades previstas no artigo 2, que por si ou interposta pessoa, com o

    seu consentimento ou ratificao, solicitarem ou receberem dinheiro ou promessa de dinheiro ou qualquer vantagem patrimonial ou no patrimonial, que no lhes

    sejam devidos, para praticarem actos no contrrios aos deveres do seu cargo

    5 Uma definio relevante estabelece a corrupo como uma transaco entre os actores dos sectores pbli-coeprivado,emqueosbenscolectivossoilegitimamenteconvertidosemganhosprivados(videHeidenhei-meretal,989:6,citadoporAndvigetal,2000).EstepontoenfatizadoporRose-Ackerman,quedizqueacorrupoexistenainterfaceentreossectorespblicoeprivado(videRose-Ackerman,2000).Aclssicadefinio de Colin Nye estabelece a corrupo como um comportamento desviante dos deveres formais de umpapelpblico(eleitoounomeado)motivadoporganhosprivados(pessoais,familiares,etc)deriquezaou status (vide Nye 1967:16, citado por Andvig et al, 2000). O conceito de corrupo de Nye , como se v, um conceito centrado na funo pblica. Heywood refere que o facto de o conceito se concentrar apenas naesferapblicapermitequeeleapenascubraasprticasdecorrupoqueocorremdentrodessaesferaounainterfaceentreaesferapblicaeaprivada;oquefazcomqueoutrasprticasqueocorramdentrodaesfera privada fiquem de fora, como por exemplo a corrupo financeira (vide Heywood, 1997, in Williams, 2000,pp.47:5).Klitgaard(998)outrodosautoresqueconsideraacorrupocomoumaformademauuso do cargo pblico para benefcios privados ou para fins no oficiais. Ele desenvolveu uma frmula atravs da qual se pode definir a corrupo. A frmula a seguinte: C=M+D-A ; Onde: C= Corrupo; M=Monoplio; D=Discricionariedade; A =Accountability ParaKlitgaard,sejatratando-sedeumaactividadepblicaouprivada,sejadeumaactividadenolucrativa,acontea em Bamako ou em Washington, pode-se encontrar prticas de corrupo quando uma organizao ouumapessoatemomonopliodepodersobreumbemoudeterminadosservios,temadiscricionariedadededecidirquemvaireceb-loeemquequantidades,masnopesasobreelanenhumaregraouprticadeaccountability, ou seja, essa organizao ou pessoa no tem a obrigao de prestar contas. Para Klitgaard, numcontextosemelhante,hmaisespaoparaaocorrnciadeprticasdecorrupo,asquaisspodemser controladas se o monoplio for reduzido, a discricionariedade clarificada e a transparncia aumentada, a parde um aumento dos desincentivos (custos) formais/legais. Tal como o conceito clssico de Nye, o concei-topropostoporKlitgaardtambmdemasiadolegalista,noacompanhandoosvaloreseoscomportamentossociais.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008

    e cabendo nas suas funes, sero punidos com pena de priso at um ano.

    O artigo 9 da mesma lei refere o seguinte em relao a corrupo activa:Quem

    der ou prometer s entidades previstas no artigo 2 por si ou por interposta pessoa, dinheiro ou outra vantagem patrimonial ou no patrimonial que a elas no

    sejam devidos, com fins indicados no artigo 8, ser punido com penas daquela disposio.

    As entidades a que se refere o supra referido artigo 2 da Lei Anti-Corrupo so:

    dirigentes, funcionrios ou empregados do Estado ou das autarquias locais, das

    empresas pblicas, das empresas privadas participadas pelo Estado ou das

    empresas concessionrias de servios pblicos.

    O artigo 8 da mesma lei refere que as mesmas entidades so punidas com pena de

    priso at um ano se, por si ou interposta pessoa, usando do seu consentimento

    ou ratificao, solicitarem ou de alguma forma receberem dinheiro ou promessa da sua recepo ou alguma vantagem patrimonial ou no patrimonial, sem que

    lhes seja devida para praticarem actos que sejam contrrios a sua actividade por

    caberem dentro das suas competncias. Estes so os contornos da definio legal de corrupo constantes da lei n. 6/2004, e os agentes e factos que visa abarcar.

    3. A Componente Preventiva

    3.1 Sobre a Declarao de Bens

    O princpio da declarao de bens6 tem em vista permitir que se verifique at que ponto o patrimnio de um titular de cargo pblico varia entre o momento da sua

    tomada de posse e o momento em que cessa funes, ou seja, um instrumento

    que expe a variao patrimonial dos seus bens enquanto servidor pblico. As

    declaraes visam garantir a transparncia na gesto do bem pblico, atravs

    da verificao e controlo da evoluo do patrimnio dos dirigentes. Tendo em conta que os titulares de cargos pblicos fazem a gesto de recursos do errio

    pblico, faz todo o sentido que sobre eles onere a obrigao de declararem o seu

    patrimnio e os seus rendimentos, para que dvidas no pairem sobre a integridade

    e transparncia da sua gesto.

    A declarao de bens em Moambique encontra-se regulada em legislao

    dispersa, existindo leis que se sucedem no tempo com igual contedo, no

    havendo ainda um critrio de revogao expressa da legislao predecessora.

    A Lei n. 4/90 (que estabelece as Normas de Conduta, Direitos e Deveres dos

    Dirigentes Superiores do Estado), no seu artigo 7 refere-se obrigatoriedade da

    declarao de bens por parte dos titulares dos cargos governativos. Esta lei probe

    o envolvimento de altos funcionrios do Estado em actividades remuneradas dentro

    das suas reas de responsabilidade; tambm estabelece a obrigao da declarao

    de bens e fontes de rendimento para essas mesmas entidades.

    6 EmalgunspasescomoosEUAeaArgentina,estadeclaraodesignadaporDeclaraodeInforma-esFinanceirasePatrimoniais.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 20086

    O artigo 3 da mesma lei estabelece a obrigatoriedade de os dirigentes declararem

    os seus activos patrimoniais, passivos, cargos sociais que exercem ou exerceram

    em empresas privadas e pblicas, indicao de rendimento complementar bruto,

    para efeitos de deduo fiscal, declarao de patrimnio dos cnjuges, actualizao anual do patrimnio activo. O n 5 deste artigo estabelece que a no apresentao

    culposa das declaraes previstas ou a sua inexactido indesculpvel, determina a

    aplicao de sanes, incluindo a pena de demisso.

    3.1.1 rgos abrangidos pelas declaraes

    A Lei n. 7/98, que estabelece as Normas de Conduta dos Titulares de Cargos

    Governativos, indica os entes que esto abrangidos por ela e, consequentemente,

    sujeitos declarao de bens, mas exclue o Presidente da Repblica e os rgos

    do poder legislativo e judicial7.

    A Lei n. 4/90, vai um pouco alm em relao aos orgos abrangidos, referindo

    que esto sujeitos declarao de bens o Presidente da Assembleia da

    Repblica, o Primeiro Ministro, os membros da Comisso Permanente da

    Assembleia da Repblica, os Ministros, Vice-Ministros, Inspectores do Estado,

    Governadores Provinciais, Secretrios de Estado, Embaixadores, Cnsules Gerais, Administradores de Distrito e Chefes dos Postos Administrativos. Esto tambm

    abrangidos pela Lei o Governador e Vice-Governador do Banco de Moambique,

    Reitores de universidades pblicas e de Institutos Superiores de ensino.

    A obrigatoriedade da declarao de bens em relao ao Presidente da Repblica8

    s foi estabelecida mais tarde, nomeadamente com a aprovao da Lei n. 21/92,

    de 31 de Dezembro (que fixa os Direitos e Deveres do Presidente da Repblica em Exerccio). O n 1 do artigo 7 desta Lei estabelece o seguinte:O Presidente da

    Repblica tem o dever de depositar anualmente, junto do Conselho Constitucional,

    uma declarao indicando o seu patrimnio e demais rendimentos.

    A Lei Anti-Corrupo tenta ser ainda mais abrangente no que diz respeito aos

    dirigentes a fazerem a declaraco de rendimentos pois, embora no seja muito

    especfica na indicao de alguns titulares de cargos pblicos sujeitos ao processo, alarga a esfera para aqueles que exercem funes pblicas com competncia

    decisria nas instituies do Estado, Autarquias Locais, Empresas Pblicas,

    Institutos Pblicos e empresas de economia mista.

    Assim, a Lei Anti-Corrupo, no seu n 1 do art. 4, estabelece que a posse e o

    exerccio de funes pblicas com competncias decisrias no aparelho de Estado,

    na administrao autrquica, nas empresas e instituies pblicas, assim como

    a posse dos representantes do Estado nas empresas privadas participadas pelo

    7 Cfr art. 1 da Lei 7/98.

    8 Em Moambique a necessidade do Presidente da Repblica, estar abrangido pela Lei de conflito de inte-ressesreveste-sedecapitalimportncia,setivermosemcontaqueoactualPresidente,temfortesinteressesempresariaisaonveldosectoreconmiconacional.SobreesteassuntovideMarceloMosse, Corrupo em Moambique:AlgunsElementosparaDebate.Maputo.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 7

    Estado, so condicionados apresentao de declarao de bens e valores que compem o patrimnio do empossado, a fim de ser depositada em arquivo prprio do servio.

    Um dos problemas encontrados nesta formulao que no est explicitado at

    que nveis de deciso a lei se refere, deixando campo para interpretaes diversas.

    Outra questo que se levanta a de saber porque que o legislador no abrangeu

    tambm os rgos do poder legislativo e judicirio, nomeadamente deputados,

    juzes e procuradores.

    Como foi referido acima, quer a Lei n. 4/90 quer a Lei n. 7/98 estabelecem

    de forma taxativa os rgos sujeitos declarao de bens. No entanto, pela

    interpretao literal do n. 1 do artigo 4 da Lei Anti-Corrupo, desta obrigao esto excludos os rgos do poder legislativo e do judicirio. A definio de rgos com competncia decisria devia ser mais especfica. Por exemplo, ficamos sem saber se os rgos do poder legislativo tm competncia decisria strictu sensu

    ou no, e se esto includos no mbito da declarao de bens da referida na lei, o

    mesmo acontecendo com os rgos do aparelho judicirio.

    A maioria dos nossos entrevistados cr que no se pode usar o artigo 4 da Lei

    n. 6/2004 para se incluirem magistrados do Ministrio Pblico e Judiciais neste dispositivo. O que significa que estamos perante uma lacuna, pois aqueles magistrados que ocupam posies de proa nas vrias magistraturas e na Polcia

    no esto obrigados a declarar os seus bens.

    Outra lacuna da legislao sobre a declarao de bens que ela omissa em

    relao aos deputados da AR. Alis, o prprio Estatuto do Deputado tambm no

    faz qualquer meno a regras de declarao de bens. Parece que nunca houve

    preocupao dos legisladores e do Governo em se abranger esta classe de

    polticos. Analisando as actas da comisso da Assembleia da Repblica encarregue

    da elaborao da Lei 6/2004 (Comisso dos Assuntos Jurdicos e Legalidade)

    percebe-se que esta nunca debateu a possibilidade de se abranger os deputados

    neste conjunto de regras.

    Nos parlamentos de outros pases existem normas que exigem que os deputados9

    faam a apresentao da declarao de renda e bens e as regras de transparncia

    e conflito de interesses aplicam-se a todas as classes de polticos e agentes do Estado10.

    3.1.2 Extenso da declarao a outras pessoas

    A Lei Anti-Corrupo (6/2004) e respectivo regulamento procuraram aprofundar

    9 Rodrigues,RicardoJosPereira(200),A questo da Transparncia Fiscal nos Cdigos de Conduta Parlamentar: Um Estudo comparado da Africa do Sul, Portugal e Reino Unido.

    0AArgentinaumexemplo,assimcomooBrasil,ondealeiestabeleceexpressamentequeosrgosdopoderexecutivo,legislativoejudicialestosujeitosadeclaraodebens,incluindooPR.AlegislaonafricadoSul,Portugal,EUAeReinoUnidoestabeleceaobrigaodeapresentaodadeclaraodebensjunto das Comisses de tica.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 20088

    o sentido da declarao de bens em Moambique mas no trouxeram mudanas

    significativas. Esta lei estabelece que regras especficas podem estender a declarao de bens aos cnjuges ou companheiros, filhos e outras pessoas que vivam sob dependncia econmica do declarante. Provavelmente, o legislador

    estava distrado ao introduzir esta referncia na Lei Anti-Corrupo, porque a Lei

    n. 7/98 anterior quela, no seu artigo 3 n 2, j estabelecia que essa obrigao

    tambm extensiva ao cnjuge caso o regime de casamento seja de comunho de bens ou adquiridos ou, se tratando de unio de facto, aos filhos menores e incapazes e outros dependentes legais de que o titular do cargo seja tutor.

    Mas, como foi acima referido, pelo facto da Lei n. 7/98 ser restritiva no que diz

    respeito ao mbito dos rgos que a ela se sujeitam, pode levantar-se a questo de

    saber se, para o caso dos rgos do poder legislativo e judicirio, tambm se lhes

    aplica a extenso prevista na Lei 6/2004, quanto s pessoas obrigadas a fazer a

    declarao de bens.

    Esta uma questo que deve ser resolvida pelo legislador porque poder causar

    dvidas em face da omisso da Lei ou falta de clareza. Contudo, a referncia feita

    pela Lei Anti-Corrupo em nada prejudicial, pois, como diz um adgio latino,

    quod abundant no nocet, isto , o que demais no prejudica, no nocivo.

    3.1.3 Local de depsito das declaraes e sua fiscalizao

    Apesar de ter sido aprovada em 1990, a legislao sobre declarao de bens s

    viria a ser regulamentada 8 anos mais tarde, atravs da Lei 7/98, a qual diz no

    seu n 2 do artigo 7 que os registos patrimoniais devem ser depositados em lugar

    especfico, nomeadamente no Conselho Constitucional (CC), que tem tambm competncias de fiscalizao11.

    A Lei 7/98 tentou fazer um avano na regulamentao destas matrias, mas os

    avanos foram poucos no que diz respeito aos deveres e obrigaes do titulares

    abrangidos. Estabeleceu um regime sancionatrio, no caso de um dirigente violar

    as normas, e clarificou que a competncia na matria da alada do CC. Fez um enquadramento penal sobre a corrupo, sobre a violao da legalidade oramental

    e sobre a utilizao abusiva de informaes, mas no deu poderes especficos ao CC para que este rgo pudesse fazer uma fiscalizao efectiva das declaraes.

    Alis, tambm a Lei Orgnica do Conselho Constitucional (Lei n. 6/2006) era

    omissa a este respeito, no conferindo poderes ao CC para averiguar a legitimidade

    da procedncia dos bens e rendas acrescidas ao patrimnio dos titulares de cargo

    pblico. Tambm a Lei Orgnica do CC omissa quanto obrigatoriedade de os

    rgos sujeitos declarao de bens apresentarem uma declarao anual de

    rendimentos12 ao CC.

    O n 3 do art. 6 da Lei 6/2006 de 2 de Agosto, estabelece que compete ao C.C. receber e fiscalizar a decla-rao de bens. No mesmo sentido vai o n. 1 do artigo 3 da Lei n. /90 e o n. 1 do artigo 7 da Lei n. 21/92.

    2AdeclaraoanualderendimentosentreguesdirecesdasreasFiscais,nosprazosprevistosnosCdigos sobre o Rendimento, para se fazer a liquidao do imposto, que vai se consubstanciar no apuramen-todovalordoimpostodevidopelocontribuinteaoEstado.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008

    A questo que se pode levantar a de saber qual a vantagem, em termos

    prticos e de funcionalidade, de as declaraes serem depositadas junto do

    CC., um rgo cuja funo central analisar a constitucionalidade dos actos

    legislativos e normativos emanados pelos rgos do Estado e dirimir conflitos de natureza eleitoral13, ou seja, sem poderes efectivos para monitorar o patrimnio das

    entidades abrangidas pela obrigatoriedade da declarao de bens.

    Esta questo ganha maior relevncia se atendermos que a acumulao do

    patrimnio por parte de titulares de cargos pblicos pode resultar de actos ilcitos

    e de improbidade administrativa praticados no exerccio de funes pblicas,

    por exemplo ao nvel da execuo oramental do Estado, atravs da realizao

    de despesas sem observncia de regras oramentais e a prtica de desvios de

    dinheiros do errio pblico e pagamentos indevidos14, o desvio de aplicao,

    as sobre-facturaes, a violao a regras de procurement pblico15 com vista

    cobrana de comisses e gratificaes indevidas e a celebrao de contratos sem submet-los fiscalizao do Tribunal Administrativo (TA), etc.

    Tendo em conta que as declaraes de bens esto ligadas evoluo do

    patrimnio do titular do cargo pblico e levando em considerao que este

    patrimnio pode aumentar mediante a violao de regras oramentais por parte

    do mesmo titular, faz sentido que as declaraes devam ser depositadas numa

    instituio que, por atribuies, tenha acesso directo a informaes ligadas

    execuo oramental do Estado, como o caso do TA16.

    Num quadro como o que se prope, se um titular de um cargo pblico, seu cnjuge e descendentes apresentarem declaraes de bens manifestamente superiores

    s dos perodos anteriores, e recaindo sobre os mesmos suspeitas de prtica

    de infraces financeiras conexas a actos de corrupo detectadas pelo TA no exerccio das suas funes de fiscalizao externa, o TA estaria em condies de agir com celeridade na investigao das suspeitas, dado que teria acesso directo s

    declaraes patrimoniais dos suspeitos. No actual contexto moambicano, onde a

    comunicao inter-sectorial, dentro do sector da Justia, sobre as matrias ligadas

    corrupo extremamente deficiente, o depsito das declaraes num organismo como o TA abriria portas para uma fiscalizao eficaz.

    Outra soluo seria reforar as competncias do CC sobre a matria,

    nomeadamente para que este rgo passe a fazer uma fiscalizao concreta, determinando, por exemplo, se existe proporcionalidade entre os bens que

    acresceram ao patrimnio do titular do cargo pblico, seu cnjuge e descendentes, e os rendimentos por ele auferidos no ano em causa, e na eventualidade dos

    bens acrescidos serem desproporcionais, isto , manifestamente superiores aos

    rendimentos anuais declarados sem que se prove a licitude da provenincia dos

    Cfr as competncias do CC, no art. 6 da Lei 6/2006.

    4 Estes comportamentos constituem infraces financeiras tpicas nos termos do art. 12 da Lei 16/97

    5Sobreasregrasdeprocurment pblico Cfr. o Decreto 5/2005, de 13 de Dezembro de 2005.

    6EstasituaoqueaconteceporexemplonoBrasil,ondeasdeclaraessodepositadasnoTribunaldeContas da Unio (TCU), de acordo com o artigo 1 2 da Lei 8730 de 10 de Novembro de 1993, relativa ObrigaodosFuncionriosPblicosDeclararemBenseVencimentos.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 200810

    mesmos, possa levantar um juzo de suspeio sobre o cometimento de um acto

    de improbidade administrativa, eventualmente ligado a uma prtica de corrupo.

    Esta seria uma das formas de reforo dos mecanismos de transparncia em

    Moambique.

    No actual quadro legal, entendemos que o depsito das declaraes de bens no

    CC no passa de uma situao formal e protocolar, no sendo qualquer mais-valia

    nas medidas preventivas para o combate corrupo. O CC apenas recolhe as

    declaraes e deposita-as, mas no faz qualquer fiscalizao de fundo sobre o contedo material das mesmas, limitando-se a verificar se os rgos abrangidos cumprem o legislado no que diz respeito ao depsito; e, nos casos em que se

    detecta que as mesmas no foram depositadas, o CC alerta os titulares para

    agirem em conformidade.

    O depsito das declaraes no CC , pois, meramente emblemtico. O CC nem

    tem sequer a prerrogativa de trocar informaes com outras instituies, como

    por exemplo a Autoridade Tributria (AT), sobre os rendimentos auferidos por

    titulares de cargos pblicos. O cenrio descrito aponta para a necessidade de as

    declaraes de bens deverem passar a ser depositadas numa instituio diferente,

    mas uma tal mudana deve emanar do legislador, nomeadamente da Assembleia

    da Repblica (AR) ou do Governo.

    Entre as instituies recomendveis que podiam ser consideradas como

    depositrias das declaraes de bens encontram-se o TA17 e o Gabinete Central de

    Combate a Corrupo (GCCC)18. O primeiro pelas razes ja referidas. O segundo

    porque tem competncia especfica para investigar delitos de corrupo. Por isso, ambas estariam em melhores condies de fazerem a fiscalizao e controlo das declaraes de forma mais efectiva, tanto mais que Moambique ainda no possui

    programas especficos de gesto de tica pblica, os quais implicariam a existncia de instituies vocacionadas para procederem fiscalizao, monitoramento e controlo das normas sobre a tica na funo pblica19.

    3.1.4 Confidencialidade e acesso s declaraes

    Outra questo problemtica na legislao moambicana liga-se ao facto de as

    declaraes de bens feitas junto ao CC no serem pblicas, sendo regidas por

    rigorosas regras de confidencialidade. O n 5 do artigo 7 da Lei n. 7/98 estabelece que as declaraes de bens esto cobertas pelas normas do segredo de justia,

    sendo a sua divulgao indevida sancionada nos termos da Lei.

    7 No Brasil, as declaraes de bens dos titulares de cargos pblicos feita no TCU (Tribunal de Contas da Unio).

    8EmPortugal,ostitularesdealtoscargospblicosdevemdepositarnaProcuradoria-GeraldaRepblica,dentrodos60diasposteriorestomadadeposse,declaraodeinexistnciadeincompatibilidadesouimpedimento, donde constem todos os elementos necessrios verificao do cumprimento do disposto na presentelei,incluindoosreferidosnondoartigoanteriorcfr.LeiPortuguesaSobreasIncompatibilidadese Impedimentos dos Titulares de Cargos Pblicos (Lei 6/93, de 26 Agosto).

    9 Nos EUA, as declaraes sobre informaes financeiras so feitas junto do OGE (Office of Govermment Ethics);NaArgentina,asdeclaraessofeitasjuntodoOA(Oficina Anticorruptcion), quetemigualmentepoderesparainvestigardelitosdecorrupo.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 11

    Este mesmo artigo estabelece que um nmero restrito de governantes tem acesso

    s declaraes, designadamente: o PR, o Presidente da Assembleia da Repblica,

    o Primeiro-Ministro e o Procurador-Geral da Repblica. Em suma, elas no so

    pblicas, o que significa que os meios de comunicao social e as organizaes da sociedade civil que pretendam investigar de forma independente alegaes de

    corrupo envolvendo titulares de cargos pblicos no tenham acesso a esses

    registos, coarctando-se assim o exerccio da fiscalizao.

    A lei tambm alista vrios deveres mas no diz qual o seu contedo (por exemplo

    fala de deveres de lealdade, de iseno, mas no explica o que isso ) e no

    estabelece como que a fiscalizao das declaraes de bens deve ser feita.

    A publicidade das declaraes de bens um requisito de transparncia em

    democracias modernas. Esse princpio permite que os cidados se defendam

    de determinados actos de corrupo que tenham lugar, por exemplo, nas

    suas municipalidades. No caso de Moambique, e na eventualidade de uma

    regulamentao da Lei da Aco Popular20, os cidados estariam em melhores

    condies de propor aces com vista, por exemplo, anulao de actos lesivos ao

    patrimnio do Estado que sejam praticados por titulares de cargos pblicos atravs

    do abuso das suas funes.

    Por isso que entendemos que as declaraes devem ser publicitadas com vista

    a se conferir maior transparncia gesto da coisa pblica e abrindo mais portas

    para a fiscalizao aos membros do executivo.

    Mas a ideia de publicidade das declaraes de bens no unnime. Um dos juzes

    conselheiros do Tribunal Supremo numa entrevista realizada para a elaborao

    deste relatrio mostrou-se cptico em relao publicidade sem restries do teor

    das declaraes de bens. O juiz em causa entendia que a publicidade sem controlo

    do teor das declaraes poder constituir uma invaso privacidade dos titulares

    de cargos pblicos. Defendeu que necessria uma cultura de privacidade em

    relao ao acervo patrimonial dos titulares de cargos pblicos, sob pena de se

    expor a sua vida privada.

    Para outros entrevistados, continua a existir em Moambique uma tendncia

    de se devassar a intimidade e a vida privada dos titulares de cargos pblicos,

    principalmente por pessoas de m-f, as quais usam indevidamente informao

    obtida licitamente para a realizao de fins ilcitos, o que poder fazer com que se perca o sentido de Estado. Mas tambm devemos ter presente que, na nossa

    histria recente a corrupo, o trfico de influncias21, o rent seeking22, seja

    20 Artigo 81 da CRM, mas ainda no foi produzida legislao especfica.

    2 O trfico de influncias ocorre quando um profissional solicita benefcios usando da sua influncia para propiciarvantagensinjustasparaointeressedeumapessoaquelheprxima.

    22Abuscaderenda(rent-seeking)muitasdasvezesvistacomocorrupo.Naverdade,osdoissoconceitosquesesobrepem.Enquantoacorrupoenvolveousodopoderpblicoparaobterbenefciosprivados,abuscaderendaderivadoconceitoeconmicoderenda,ouseja,ganhosemexcessosemcustosrelevantes,eigualaaoquemuitospensamseremlucrosdemonoplio.Abuscaderenda,oesforoparaad-quirirrenda,nonecessariamentebanidoporlei,nemsequerconsideradoimoralnasociedade.Tambmno tem efeitos perversos economia em termos de desenvolvimento, no caso de se verificar um investimen-to produtivo, mas largamente improdutivo e muitas vezes economicamente ineficiente.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 200812

    com recursos do Estado (vejam os casos BCM e Banco Austral), seja com os

    dos doadores, sustentaram uma fase de endinheiramento das elites polticas e

    dirigentes.

    Isso explica a resistncia, que ainda existe, por parte de titulares de cargos

    pblicos em aceitarem que o teor das declaraes seja pblico. Essa resistncia

    tem alis contornos demasiados severos, como se viu no incio de 2005, quando

    o Governo de Armando Guebuza tomou posse e o actual Ministro das Finanas,

    Manuel Chang, teve a iniciativa de divulgar publicamente a sua lista de bens.

    Em Maro de 2005, o ministro foi solicitado por um jornal (Embondeiro) a declarar

    os seus bens e ele no hesitou, tendo entregue ao jornal a cpia da declarao

    que tinha enviado ao CC. Antes de Chang, o actual Ministro das Obras Pblicas

    e Habitao, Felcio Zacarias, havia publicado, em Setembro de 2004, atravs do

    jornal Savana, a lista dos seus bens. Na altura, Zacarias era ainda governador da

    Provncia de Sofala.

    Aps a iniciativa de Chang, gerou-se alguma inquietao no seio de figuras polticas, algumas das quais argumentaram que a opinio pblica podia ficar escandalizada ao ver a riqueza de alguns ministros23.

    A reaco de alguns membros do ento novo Governo de Guebuza foi mista.

    A Ministra do Trabalho, Helena Tapo, disse que s aqueles que tinham algo a

    esconder que ficariam desconfortveis com a publicao dos seus bens. Ela, que tambm entregara a sua declarao de bens ao CC, referiu que no ficaria preocupada se os seus bens fossem publicados. Outros ministros no estavam

    nada satisfeitos. Cadmiel Muthemba, Ministro das Pescas, disse que no via

    nenhuma vantagem em se publicar a declarao de bens. Se quiserem investigar

    a minha vida que investiguem, mas nunca vou publicar a minha lista de bens,

    disse ele. Outro Ministro que no concordou com a publicao da declarao

    de bens foi Antnio Munguambe, que na altura dirigia a pasta dos Transportes e

    Comunicaes. Ele disse que a sua propriedade era uma questo de vida privada e

    nada tinha a ver com o pblico.

    3. 2 Sobre conflito de interesses

    No existe em Moambique Lei especfica que regula o conflito de interesses24. A legislao contm, de forma dispersa, aspectos ligados a esta matria,

    estabelecendo impedimentos para o envolvimento de altos funcionrios do Estado

    em actividades remuneradas dentro das suas reas de responsabilidade.

    2FernandoSumbana,MinistrodoTurismo,emdeclaraesAgnciadeInformaodeMoambique:Should Minister Declare Their Property To The Public?,0/0/2005.

    24 O conflito de interesses surge quando um indivduo com uma responsabilidade formal para servir o pblico participa duma actividade que pe em perigo o seu juzo profissional, objectividade e independncia. Geralmente,essaactividade(comoumaactividadedenegcioprivado),primariamenteserveosinteressespessoais e pode potencialmente influenciar os objectivos dos deveres dos oficiais individuais.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 13

    3.2.1 Regulao de conflito de interesses para membros do executivo

    A Lei n. 4/90 refere-se, de uma forma precria, a situaes de conflito de interesses para membros do executivo, nomeadamente: o exerccio de actividade

    remunerada sem prvia autorizao; ser administrador ou gestor de qualquer

    empresa, salvo quando tal se faa por determinao ou por delegao do Estado;

    executar para outrem actividades de carcter profissional relacionadas com a sua esfera de deciso, mesmo que no remuneradas. No caso de o titular for

    scio accionista, administrador ou proprietrio de qualquer empresa, a gesto da

    propriedade e das partes sociais devero ser confiadas a outrem.

    Por sua vez, a Lei n. 7/98, estabelece no seu artigo 4 que os titulares dos cargos

    governativos, nomeados nessa Lei no podem exercer actividades remuneradas,

    administrao e gesto de negcios; actividades, ainda que no remuneradas, mas

    relacionadas com a esfera de deciso do cargo que ocupam. Tambm no Decreto

    n. 30/2001, de 15 de Outubro (que aprova as Normas de Funcionamento dos

    Servios da Administrao Pblica), esto regulados impedimentos e suspeies,

    nos quais se limita o titular de cargo pblico de intervir em decises em que tenha

    interesse directo ou indirecto, ou interesse de pessoas que lhes sejam prximas em

    virtude de laos de parentesco ou afinidade.

    Tambm no caso do Estatuto do Gestor Pblico, aprovado pelo Decreto n 28/2005,

    de 23 de Agosto, encontra-se regulado no n 1 do artigo 8, o seguinte: O gestor

    pblico tem o dever de se abster de participar nas discusses, de votar e de, por

    qualquer meio, decidir ou influenciar decises em assuntos que afectem ou em que tenha interesse pessoal ou do respectivo cnjuge, dependentes, familiares

    em qualquer grau da linha recta e at ao segundo grau da linha colateral, ou

    ainda qualquer pessoa ou entidade, pblica ou privada, com que tenha vnculo

    profissional ou de que seja credor ou devedor. O n 4 do mesmo artigo probe ainda o gestor pblico de exercer outras actividades profissionais quer sejam remuneradas ou no.

    Ao nvel da legislao fiscal, o artigo 17 do Decreto n. 19/2005, de 22 de Junho (Regulamento do Procedimento de Fiscalizao Tributria), refere-se a uma srie

    de impedimentos a que esto sujeitos os funcionrios da fiscalizao tributria,

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 20081

    sempre que na fiscalizao estejam envolvidas pessoas com quem tenham relao de matrimnio, parentesco e afinidade com o funcionrio, e sempre que o funcionrio tenha interesses junto da entidade fiscalizada; em caso de violao desta proibio, os funcionrios prevaricadores incorrem em processo disciplinar.

    A despeito das normas acima referidas, a regulao do conflito de interesses para os membros do Governo limitada; no tem efeito sobre o perodo ps-executivo.

    Isto permite que um membro do Governo faa do seu perodo de exerccio do cargo

    pblico, o tempo ou fase para procurar emprego ou firmar negcios com efeito no perodo ps-exerccio. Com efeito, a lei no impede que um ministro se empregue

    num projecto que ele prprio criou, depois de deixar o cargo ministerial. Ou de

    tornar-se accionista ou funcionrio executivo de uma empresa que ele prprio

    licenciou ou privatizou. Esta permissividade pode afectar de maneira substancial na

    motivao ministerial, uma vez que proporciona um forte incentivo para intervir em

    situaes susceptveis de gerar para si oportunidade de emprego no perodo ps-

    executivo.

    Encontramos muitas zonas de penumbra que no esto devidamente

    regulamentadas em sede de conflito de interesses e que podem constituir uma janela de oportunidade para a prtica de crimes de corrupo ou crimes conexos,

    pelas razes que abaixo se indicam:

    No encontramos nenhuma norma que impea o titular de cargo pblico de

    exercer actividade conexa com a sua anterior funo, durante certo lapso de

    tempo, depois de cessar as suas anteriores funes (a quarentena ou perodo

    de nojo)25, tal como acontece noutros pases;

    Tambm no se probe que os antigos titulares de cargos pblicos utilizem

    informaes que tiveram acesso em virtude do exerccio do seu cargo;

    Igualmente, no encontramos normas que impeam o titular de cargo pblico

    de aceitar o cargo de administrador ou conselheiro ou estabelecer vnculo

    profissional com pessoa fsica ou jurdica que desempenhe actividade relacionada com a rea de competncia do cargo ou emprego que ocupara;

    No encontramos normas que impeam o titular de cargo pblico de celebrar,

    com rgos ou entidades do poder executivo, nomeadamente: contratos de

    servio, consultoria, assessoria ou actividades similares vinculadas (ainda

    que indirectamente) ao rgo ou entidade em que tenha ocupado o cargo ou

    emprego;

    No encontramos normas que impeam o titular do cargo pblico de intervir,

    directa ou indirectamente, em favor de interesse privado perante rgo ou

    entidade em que haja ocupado cargo ou emprego;

    25 Por exemplo a Lei Portuguesa Sobre as Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Pbli-cos(Lei64/9,de26Agosto),noseuartigo5estabeleceque:os titulares de rgos de soberania e titulares de cargos polticos no podem exercer, pelo perodo de trs anos, contado da data da cessao das respectivas funes, cargos em empresas privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado, desde que, no perodo do respectivo mandato, tenham sido objecto de operaes de privatizao ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de incentivos e benefcios fiscais de natureza contratual.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 1

    No encontramos na legislao a atribuio a um rgo em concreto, da

    competncia de fiscalizar e controlar a ocorrncia de situaes de conflito de interesses26;

    No encontramos na legislao nada que impea uma empresa ou sociedade

    participada em determinada percentagem por titular de cargo pblico de

    contratar com o Estado, nomeadamente em concursos de fornecimento de

    bens ou servios, em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas

    pblicas. Igualmente no encontramos nenhuma norma que impea as

    empresas e sociedades participadas pelo cnjuge, descendente, ascendente ou colateral, ou afim do titular do cargo, de contratar com o Estado27. O Regulamento sobre procurement pblico aprovado pelo Decreto n. 54/2005,

    de 13 de Dezembro, no se refere especificamente a este aspecto;

    No encontramos normas que probam os titulares de cargos governativos

    de participarem em decises que envolvam a contratao de empresas em

    que tenham tido alguma percentagem ou em que tenham sido membros dos

    rgos sociais28.

    Com excepo das situaes previstas no artigo 4 da Lei n. 7/98 e no Decreto n.

    30/2001, sobre os impedimentos e suspeies, no encontramos normas que se

    debrucem, com a devida acuidade, sobre as situaes que deviam configurar como constitundo conflito de interesses, quer durante quer depois do exerccio do cargo pblico.

    3.2.2 Regulao de conflito de interesses para membros do legislativo

    Em relao aos rgos do poder legislativo, o legislador completamente omisso

    no que se refere a eventuais conflitos que possam existir entre a funo de deputado e os interesses das pessoas eleitas para o cargo de deputado. O Estatuto

    do Deputado (Lei n. 3/2004) no se refere a nada relacionado com impedimentos

    dos deputados nem sobre o conflito de interesses.

    Em Moambique no h regras de conflito de interesse que acautelem quaisquer oportunismos por parte de deputados da AR. Os deputados da AR podem ter, ao

    26 No Brasil, no Ante-Projecto da Lei sobre Conflito de Interesses, de 2006, apresentado pela Controladoria Geral, estabelece-se que compete Comisso de tica Pblica, instituda no mbito do Poder Executivo Federal, e Controladoria-Geral, fiscalizar a ocorrncia de situaes de conflito de interesses, autorizar o titular de cargo pblico a exercer uma actividade mesmo no havendo conflito de interesses.

    27 Em Portugal, o art. 8 da Lei sobre as Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Pblicos (Lei 6/93, 26 Agosto), tem a seguinte redaco: as empresas cujo capital seja detido numa percentagem superiora0%porumtitulardergodesoberaniaoutitulardecargopoltico,ouporaltocargopblico,ficam impedidas de participar em concursos de fornecimento de bens ou servios, no exerccio de actividade decomrcioouindstria,emcontratoscomoEstadoedemaispessoascolectivaspblicas.Ficamsujeitasaomesmoregime:a)Asempresasdecujocapital,emigualpercentagem,sejatitularoseucnjuge,noseparadodepessoasebens,osseusascendentesedescendentesemqualquergraueoscolateraisatao2grau,bemcomoaquele que com ele viva nas condies do artigo 2020 do Cdigo Civil;b)Asempresasemcujocapitalotitulardorgooucargodetenha,directaouindirectamente,porsiouconjuntamentecomosfamiliaresreferidosnaalneaanterior,umaparticipaonoinferiora0%.

    28Sobreesteaspecto,videartigo9-Adaleiportuguesasobreasincompatibilidadeseimpedimentosdostitularesdecargospblicos

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 200816

    mesmo tempo, participaes em empresas e votarem leis que lhes beneficiem. Ou seja, a legislao no regula o conflito de interesses de parlamentares em relao ao sector privado: os deputados podem servir interesses sem restries; no h

    impedimentos ou condicionamento ocupao por estes de cargos de confiana em empresas privadas, incluindo em lugares de Administrao. O deputado pode

    dirigir ou ser membro de uma comisso que estuda e elabora uma lei susceptvel

    de ter efeito sobre uma empresa de que responsvel; isto ser ainda mais grave

    se o deputado em questo representar uma empresa que, ainda que moambicana,

    seja dominada por capitais estrangeiros.

    Por outro lado, a lei no dispe de nenhum mecanismo que impea que o deputado

    faa lobbies para adiar ou impedir a aprovao de uma Lei, ou assegurar que a

    Lei seja elaborada de modo a no ferir os interesses da sua empresa. Sendo a

    empresa de que o deputado responsvel dominada por capitais estrangeiros, este

    pode servir interesses estrangeiros.

    A regulamentao desta matria reveste-se de capital importncia se tivermos em

    conta que a AR que aprova as Leis e, no havendo balizas que definam com rigor o campo de aco do deputado, podemos ter situaes em que os deputados

    da AR aprovem leis especficas para beneficiar os seus interesses pessoais ou empresariais, subvertendo o objectivo para o qual foram eleitos, que a defesa

    dos interesses dos moambicanos. Em nenhuma parte da legislao nacional

    encontramos normas que impeam o deputado de:

    Ser membro de rgo de pessoa colectiva pblica e, bem assim, de rgo

    de sociedades de capitais maioritria ou exclusivamente pblicos, ou de

    concessionrias de servios pblicos;

    Ser membro de rgos sociais de empresas pblicas, de empresas de

    capitais pblicos ou maioritariamente participadas pelo Estado e de institutos

    pblicos;

    Exercer cargos de nomeao governamental sem autorizao da Assembleia

    Repblica;

    No exerccio de actividade de comrcio ou indstria, directa ou

    indirectamente, com o cnjuge no separado judicialmente de pessoas e bens, por si ou entidade em que detenha participao relevante e

    designadamente, superior a uma determinada % (ex. 10%) do capital,

    celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito

    pblico, participar em concursos de fornecimento de bens ou servios,

    empreitadas ou concesses, abertas pelo Estado e demais pessoas

    colectivas de direito pblico, e, tambm por sociedades de capitais maioritria

    ou exclusivamente pblicos ou por concessionrias de servios pblicos;

    Tomar parte em contratos em cujo processo de formao intervenham rgos

    ou servios colocados sob sua influncia directa.

    Para a verificao, controlo e fiscalizao de situaes de conflito de interesses

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 17

    que afectem parlamentares, alguns pases criaram Comisses Parlamentares de

    tica, as quais aplicam sanes aos deputados que infrinjam a legislao sobre a

    matria. As penas vo desde a perda do mandato at obrigao de reposio das

    quantias recebidas pelo deputado, desde o incio da situao de impedimento29.

    Em Moambique, o Estatuto do Deputado no obriga o deputado a declarar

    previamente a existncia de interesse particular30 quando est em debate uma Lei

    que potencialmente o possa beneficiar directamente ou a pessoas que lhe sejam prximas, nas seguintes situaes:

    Serem os deputados, cnjuges ou seus parentes ou afins, ou pessoas com quem vivam em economia comum, titulares de direitos ou partes em negcios

    jurdicos cuja existncia, validade ou efeitos se alterem em consequncia

    directa da lei ou resoluo da Assembleia da Repblica.

    Serem os deputados, seus cnjuges ou parentes ou afins, ou pessoas com quem vivam em economia comum, membros de rgos sociais, mandatrios,

    empregados ou colaboradores permanentes de sociedades ou pessoas

    colectivas cuja situao jurdica possa ser modificada por forma directa pela Lei ou resoluo a ser adoptada pela Assembleia da Repblica.

    pois urgente que se reflicta sobre a necessidade de introduo de impedimentos das situaes de potenciais conflitos de interesse que possam existir durante o mandato do deputado, para que este represente de forma

    ntegra e transparente os interesses do povo.

    3.3 Sobre os cdigos de conduta e gesto de tica pblica

    Se os funcionrios pblicos so mal pagos comparativamente aos restantes

    sectores de actividade, eles se tornam mais propensos em aceitar os subornos,

    diferentemente dos oficiais melhor pagos ou que recebem um salrio competitivo. Isso leva a um clima de tolerncia da corrupo que difcil de combater, com

    relao aos primeiros.

    Num contexto desses, aqueles funcionrios que conseguem construir casas

    com largos montantes de dinheiro proveniente da corrupo so vistos pelos

    outros como gente com sucesso; tambm pode haver uma atitude de simpatia

    relativamente queles que aumentam os seus salrios com os subornos que

    recebem, ou pelo uso de recursos pblicos, como viaturas, para fins privados.

    Os funcionrios pblicos representam o Estado na sua interface com o sector

    privado e a sociedade civil. No aspecto central da sua posio para o correcto

    funcionamento do Estado espera-se que os funcionrios pblicos possam levar

    a cabo aces e tomar decises que afectem a vida dos cidados. E espera-se

    tambm que eles no abusem dos poderes e recursos postos sua disposio,

    29 Cfr n 8 do art. 21 do Estatuto do Deputado de Portugal.

    0 Sobre esta obrigatoriedade, ver Cfr art. 27 do Estatuto do Deputado de Portugal.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 200818

    assim como evitem os conflitos entre os seus interesses particulares e os seus deveres pblicos.

    A existncia de Cdigos de Conduta so importantes para guiar a actuao dos

    funcionrios em casos de tomada de decises sobre aspectos ticos complicados

    e fornecem a base para o entendimento que os utentes do Servio Pblico tm

    sobre os standards bsicos de comportamento que podem esperar por parte dos

    funcionrios do sector pblico.

    O estabelecimento de Cdigos de Conduta, escritos, formais que vincam

    a responsabilidade, a probidade, a legalidade e a igualdade na aco dos

    funcionrios pblicos muito frequente na administrao pblica moderna.

    Os Cdigos de Conduta estabelecem, em termos amplos, valores e princpios

    que definem o papel profissional do funcionrio pblico como a imparcialidade, integridade, clareza e responsabilidade - ou podem dar apenas nfase na aplicao

    prtica desses princpios.

    Os cdigos podem ser aplicados ao sector pblico no seu todo ou desenhados para

    reflectirem os desafios ticos num sector especfico e, nesse sentido, podem conter os procedimentos e sanes a serem aplicados nos casos de comportamentos

    desviantes. Independentemente do seu estatuto, estilo e mbito, os Cdigos de

    Conduta para a Administrao Pblica podem jogar um papel importante numa

    Estratgia Anti-Corrupo.

    Essencialmente preventivos na sua essncia, os Cdigos de Conduta tm um

    enorme potencial de evitar a corrupo e a m conduta na administrao antes

    que ela ocorra. Bons Cdigos de Conduta no apenas identificam claramente os standards de comportamento na administrao pblica, incluindo consequncias

    aplicveis em caso de desvios, mas tambm estabelecem um quadro para a

    remoo ou regulao de conflito de interesses, reduzindo assim o nmero de oportunidades de enriquecimento ilcito dos funcionrios pblicos conta do

    Estado. Ao mesmo tempo, os Cdigos de Conduta fornecem declaraes incisivas

    de inteno, direccionadas para dentro e para fora da Administrao Pblica,

    referindo que os comportamentos anti-ticos no sero tolerados.

    Apesar de existir legislao dispersa relativa s normas que devem orientar o

    comportamento e a conduta do funcionrio pblico, em Moambique no existe um

    Cdigo de Conduta especfico para os funcionrios do Estado. O Estatuto Geral dos Funcionrios do Estado e as Normas ticas e Deontolgicas do Funcionrio

    Pblico, aprovadas pela Resoluo n. 10/97, de 20 de Julho, pelo extinto Conselho

    Nacional da Funo Pblica, referem-se a aspectos ligados conduta geral que

    deve orientar o comportamento dos funcionrios do Estado. Mas no existe um

    Cdigo de Conduta propriamente dito para a Funo Pblica.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 1

    Algumas entidades da administrao pblica tem, no entanto, tentado estabelecer

    cdigos de conduta. Um exemplo notvel foi dado pelas Alfndegas de

    Moambique, que no mbito da sua reforma e modernizao, introduziu, em 2005,

    um Cdigo de Conduta, o qual teve a particularidade de ser o primeiro instrumento

    do gnero estabelecido numa instituio do sector pblico em Moambique.

    Outra tentativa foi levada a cabo pela Organizao Nacional dos Professores

    (ONP), com o apoio do Centro de Integridade Pblica. Nos finais de 2006, a ONP finalizou o seu Cdigo de Conduta, depois de debates participativos realizados em todo o pas. Em 2008, o Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM) tambm

    divulgou um projecto de Cdigo de Conduta dos funcionrios para enquadrar

    o seu comportamento em relao aos utentes da autarquia. Outra experincia

    marcante a da Associao Comercial e Industrial de Sofala (ACIS), que tambm

    dispe de um cdigo de boas prticas para os seus membros. Estas so as nicas

    experincias que se conhecem em Moambique.

    Para alm de cdigos de conduta propriamente ditos, alguns pases mais

    avanados na reforma da Administrao Pblica, com vista a conferir maior grau

    de integridade e tica na sua actividade administrativa, criaram aquilo a que

    chamaram de modelos de gesto de tica pblica, os quais lidam com a conduta

    tica ao nvel da Funo Pblica, coordenando e administrando programas de tica

    governamental naAdministrao Pblica.

    Das instituies existentes em Moambique, no encontramos nenhuma vocacionada

    a fazer a gesto especfica de programas de tica pblica, com vista preveno de prticas de corrupo, cuja tarefa fundamental seria regulamentar, coordenar e

    supervisionar programas de tica pblica, o que passaria pela elaborao e fiscalizao do cumprimento dos Cdigos de Conduta. Este facto denota uma fragilidade ao nvel

    da legislao moambicana na componente preventiva dos actos de corrupo.

    imperioso que o Governo adopte com urgncia um Cdigo de Conduta para os

    funcionrios pblicos, definindo aspectos ligados integridade, transparncia, prestao de contas, conflito de interesses, gesto financeira e compras governamentais, acesso informao governamental entre outros aspectos.

    Alm de um Cdigo de Conduta geral, necessrio que sejam adoptados cdigos

    de conduta a nvel sectorial, nomeadamente um Cdigo de Conduta para os

    funcionrios do aparelho judicirio, um para pessoal da Sade, para os professores

    e por a em diante.

    3. 4 Publicidade dos actos de Governo

    Em Moambique ainda se cultiva a cultura do secretismo. Tudo secreto. Cada

    vez mais se assiste publicao de documentos legais de aprovao de actos

    e contratos cujos textos no so publicados no Boletim da Repblica. E porqu?

    A no publicao dos demais actos do Governo no tem a ver com a defesa e

    segurana do Estado, nica razo internacionalmente aceite como justificativa da no publicao desses actos.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 200820

    Assim, a bem da transparncia dos actos da Administrao Pblica e da luta contra

    a corrupo, entendemos que deveria ser obrigatria a publicao de, pelo menos,

    todos os actos e contratos que esto imbudos dum certo poder discricionrio da

    Administrao Pblica ou que representem despesa pblica, que no sejam de

    gesto corrente ou tenham como consequncia a no entrada de receitas para o

    Estado acima de certos valores a fixar periodicamente.

    A grande maioria dos pases publica, no seu jornal oficial (no nosso caso, o Boletim da Repblica), os actos e contratos de certa relevncia celebrados pela

    Administrao Pblica. At mesmo os anncios de concursos e, como evidente,

    a contratao destes resultante. Nos ltimos tempos, muitos pases tm adoptado

    mecanismos atravs dos quais publicitam, na internet, todos os aspectos ligados ao

    procurement pblico.

    Por exemplo, no Mxico, todas as actividades de procurement so tornadas

    disponveis atravs de um website que acessvel a todos. Na Colmbia, a State Contracting Information System (SICE) tambm acessvel ao pblico.

    Sistemas similares so aplicados no Chile e na Coreia do Sul. O elevado grau

    de transparncia atravs do acesso em tempo real s decises em torno do

    procurement reduz a oportunidade de manipulao e pode reforar a vontade dos

    funcionrios pblicos e dos concorrentes em se comprometerem com processos de

    contratao livres de corrupo.

    No mbito da promoo de uma governao transparente e aberta, faz todo o

    sentido que os governados tenham acesso informao sobre a forma como o

    Executivo est a gerir os destinos do pas (Government in the Sunshine)31. Esta

    abertura pode ser uma forma de o Governo demonstrar transparncia e prevenir a

    propagao de juzos de suspeita sobre a mesma, o que contribuiria grandemente

    para aumentar a sua credibilidade junto dos cidados, constituindo, ainda, um acto

    concreto de demonstrao da vontade poltica na luta contra a corrupo.

    Obviamente que necessrio que se tenham em conta aspectos ligados a

    segurana do Estado e vida privada dos cidados no que concerne revelao

    de informao. Mas, estes aspectos no devem constituir bice para a publicao

    de informao relevante. A publicao de informao relevante sobre a actividade

    governativa pode ser encarada como uma das formas da manifestao de

    accountability do Governo perante os cidados.

    Em Moambique, no Boletim da Repblica apenas se faz a publicao das

    resolues que aprovam os contratos de financiamento, mas no encontramos o teor do respectivos contratos, nomedamente os seus termos e condies. O

    acesso a este tipo de informao reveste-se de capital importncia principalmente

    nos casos em que o Estado se beneficia do perdo da dvida, para que se possa

    Em 1976, o Congresso americano aprovou o Government in the Sunshine Act. Com poucas excepes, principalmentenombitodasegurananacionaleprivacidadepessoal,aleiexigequeasreuniesgoverna-mentaissejamabertasaopblico.Asagnciaspblicasdevemanunciarreuniesfuturaseasrespectivasagendascomantecednciaetambmdevemdivulgarosresultadosdasreuniesemregistosabertosaopblico. Alm disso, a lei define detalhadamente o que uma reunio, para evitar que grupos de autorida-des do governo tomem decises em reunies alegando que no so oficiais.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 21

    determinar exactamente o impacto desse perdo nos referidos contratos de

    financiamento.

    Os pareceres do TA sobre a Conta Geral do Estado constituem uma grande

    fonte de informao sobre a forma como so geridos os fundos do errio pblico.

    Porm, o Estado no providencia, com o devido rigor, a publicidade do teor deste

    documento para que os cidados tenham acesso informao constante nos

    pareceres deste Tribunal, onde so relatadas irregularidades de vria ordem

    cometidas durante o processo de execuo oramental.

    Deve-se referir, no entanto, que a recentemente aprovada Lei sobre o procurement

    pblico, pelo Decreto n. 54/2005, em que no n 2 do artigo 82 estabelecida

    a obrigatoriedade das decises sobre a adjudicao serem pblicas e ainda a

    possibilidade de se permitir a consulta de todo o procedimento administrativo em

    volta do procurement depois do processo de avaliao, veio alterar este quadro de

    sigilo que ainda vigora no que diz respeito a muitos negcios do Estado.

    Por fora desta imposio legal, actualmente, alguns rgos do Estado em

    Moambique publicam na imprensa os anncios de concursos e a respectiva

    adjudicao. Por outro lado, para alm da publicao de anncios sobre concursos

    pblicos nos principais jornais do pas, o Governo abriu um portal na internet (www.

    concursospublicos.gov.mz), onde so anunciados novos concursos. Trata-se de um

    avano significativo no sentido de uma maior transparncia nos negcios do Estado em Moambique.

    Mas, deve-se referir, que os contratos que o Governo assina com investidores

    estrangeiros, os contratos de adjudicao de servios de grande valor comercial

    e concesses de explorao de empreendimentos na rea mineira (gs, petrleo,

    minerao) ainda no so publicados, o que mostra que uma infinitude de negcios do Estado continua ainda a ser do conhecimento de meia dzia de pessoas. Um

    exemplo gritante o contrato para a explorao do gs natural de Pande e Temane

    (concessionado Sasol), cujos contornos nunca foram divulgados.

    3.5 Sobre proteco de testemunhas e denunciantes

    indubitvel a importncia da prova testemunhal para o direito penal, no geral,

    e para o fenmeno da criminalidade organizada, em particular, onde se inclui a

    corrupo. Contudo, a par desta importncia, surge a necessidade de os Estados

    protegerem as testemunhas e denunciantes dado que a criminalidade organizada

    de natureza bastante sofisticada, com tentculos em todos ou quase todos sectores. So conhecidas ligaes entre grupos de crime organizado e certos

    governos. Mas tambm sabido que cidados comuns so prejudicados quando

    tomam a iniciativa de denunciarem casos de corrupo em Moambique, mesmo

    em casos de pequena corrupo.

    A sucessiva aplicao da lei e estratgias anti-corrupo so largamente

    dependentes da boa vontade de indivduos para fornecer informaes e ou dar

    evidncias. Denunciantes so pessoas que informam o pblico ou as autoridades

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 200822

    acerca da transaces corruptas que eles/as testemunharam ou encobriram.

    Estes indivduos geralmente pedem proteco por recear represlias daqueles a

    quem eles expem. Proteco de denunciantes, portanto, refere-se s medidas

    (administrativas e legislativas) tomadas para proteger o informante de retaliaes

    fsicas, sociais e econmicas.

    Internacionalmente, tem-se feito recurso a vrias formas de proteco de

    denunciantes e testemunhas. Uma delas a chamada declarao para efeitos de

    memria futura. Tais declaraes so colhidas numa fase anterior ao julgamento,

    com o objectivo, entre outros, de preservar a pessoa que testemunhou e incorpor-

    la num programa administrativo de segurana.

    Contudo, vrias crticas tm sido lanadas em torno da admisso ou no deste

    meio de prova, sobretudo por colocar em causa certos princpios dogmticos do

    direito e que presidem s audincias de julgamento, mormente: os princpios da

    oralidade, mediao e do contraditrio.

    Outra forma a proteco da imagem da testemunha, que presentemente no s

    tem a ver com a proteco da sua identidade civil, mas tem tambm a ver com o

    evitar do confronto visual com os arguidos ou rus. Fazendo apelo tecnologia

    moderna, hoje possvel afastar-se a testemunha da sala de audincia como

    forma de proteg-la, e sem que se afecte a contemporaneidade da inquirio e

    contra-inquirio e preservando princpios como o da oralidade e concentrao

    do julgamento. Aqui estamos a referir-nos ao recurso vdeo-conferncia no seu

    amplo leque de possibilidades, usado com sucesso noutros pases.

    Outras medidas executivas de proteco testemunhas efectivam-se atravs

    dos chamados programas especiais de segurana, que vo desde a proteco

    policial, a alterao da identidade civil, alterao do aspecto fisionmico ou aparncia da pessoa a que se destina, colocao da testemunha e respectiva

    famlia, com suporte por parte do Estado, em novos locais e criao de condies

    para angariao de meios de subsistncia e mesmo a concesso do subsdio de

    subsistncia.

    Para viabilizar a proteco de testemunhas, alguns pases, como a frica do

    Sul, criaram legislao especfica, polticas e instituies especficas. A RAS estabeleceu uma Lei de Proteco de Testemunhas (Witness and Protection

    Act,112 of 1998) tendo, ao seu abrigo, sido criada uma entidade a que se chamou

    Office for Witness Protection.

    Em Portugal, tambm existe uma lei especfica para proteco de testemunhas, contemplando um programa especial de segurana que prev no apenas a

    proteco da testemunha mas tambm do seu cnjuge e parentes. Esta lei estabelece ainda uma Comisso de Programas Especiais de Segurana, na

    dependncia directa do Ministro da Justia, a quem caber estabelecer e assegurar

    a efectivao dos programas especiais de segurana.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 23

    3.5.1 A Proteco de Testemunhas e Denunciantes Luz das Convenes Internacionais

    As convenes e protocolos internacionais contra a corrupo apontam, na

    generalidade, para a necessidade de os Estados signatrios das mesmas adoptarem

    mecanismos concretos de proteco de denunciantes e testemunhas. Com efeito,

    o Protocolo Contra a Corrupo da SADC, aprovado pelo Governo atravs da

    Resoluo n 33/2004, de 9 de Julho, na alnea e do artigo 4 refere-se as Medidas

    Preventivas, estabelecendo que os pases signatrios devem pr em prtica sistemas de proteco de indivduos que, de boa f, denunciem actos de corrupo.

    Por sua vez, a Conveno da Unio Africana, ractificada pela AR atravs da Lei n 30/2006, de 2 de Agosto, no artigo 5 sobre Medidas Legislativas e Outras,

    estabelece que os pases signatrios devem adoptar medidas legislativas e outras

    para proteger os denunciantes e as testemunhas em casos relacionados com a

    corrupo e infraces semelhantes, incluindo a proteco das suas identidades;

    adoptar medidas a fim de assegurar que os cidados informem sobre casos de corrupo, sem receio de possveis represlias.

    E, por ltimo, a Conveno Contra a Corrupo das Naes Unidas (ONU) tambm

    refere, no seu artigo 33 sobre Proteco de Denunciantes, que cada Estado

    membro deve estabelecer no seu sistema legal medidas apropriadas destinadas a

    proteger contra qualquer tratamento injustificado todos os cidados que, em boa f, reportam casos de corrupo s autoridades competentes.

    Tambm podemos nos referir Conveno das Naes Unidas contra a

    Criminalidade Organizada Transnacional, que recomenda, no seu artigo 24, os

    Estados-parte a adoptarem medidas tendentes a assegurar uma proteco eficaz a provveis actos de intimidao ou represlia dirigidos s testemunhas que

    deponham em processos-crime de corrupo, entre outras formas de criminalidade

    organizada abarcadas pela conveno. O mesmo artigo recomenda que a

    proteco pode ser feita atravs das seguintes medidas: fornecimento de novo

    domiclio ao protegido e, se for caso disso, impedir ou restringir a divulgao de

    informao relativa a identidade e paradeiro das testemunhas.

    3.5.2 A proteco de denunciantes e testemunhas luz da legislao moambicana

    Contrariamente ao que estabelecem as convenes internacionais, Moambique

    ainda no tem mecanismos concretos de proteco de denunciantes e

    testemunhas. Na legislao moambicana, a proteco de testemunhas no se

    encontra consagrada. Mesmo socorrendo-nos do Cdigo de Processo Penal

    (CPP) nos seus art. 214 e seguintes, que se referem prova testemunhal e

    por declaraes, no se vislumbra nada a respeito da proteco. preciso que

    as pessoas estejam seguras para que se arrisquem apresentar denncias e

    a testemunhar quando se trata de aspectos bastante melindrosos como o que

    estamos a tratar.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 20082

    Pior ainda, as autoridades locais no hesitam em violar a Lei nacional e os

    princpios internacionais que o Estado rubricou. Em Maio de 2007, o CIP registou

    um episdio envolvendo um cidado moambicano de nome Joo Gune, motorista

    de chapa (transporte privado semi-colectivo de passageiros) em Maputo, que ficou detido numa esquadra da Polcia, na Matola, durante 5 dias pois teve a coragem de

    denunciar prticas de extorso por parte de dois agentes da Polcia Municipal da

    Matola.

    A sua deteno pela Polcia da Repblica de Moambique (PRM) foi uma flagrante violao Lei; tambm foi um sinal desencorajador da denncia da corrupo em

    Moambique. Ao invs de proteger o denunciante, como fazem referncia a Lei

    6/2004 (Lei Anti-Corrupo) e as convenes internacionais (Protocolo da SADC e

    Convenes da Unio Africana e das Naes Unidas, todas validamente ratificadas por Moambique), o Estado deteve-o.

    O caso de Gune veio reatar o debate sobre a necessidade de Moambique

    estabelecer mecanismos legais e prticos de proteco dos denunciantes

    e testemunhas de actos de corrupo. Grave o facto de os dois agentes

    denunciados terem sido postos imediatamente em liberdade (foram libertados pelo

    facto de o motorista ter sido libertado) e terem voltado s ruas onde continuaram

    a trabalhar. Disciplinarmente no foram punidos; criminalmente tambm no. E

    o Governo no se cansa de falar em tolerncia zero no contexto do controlo da

    corrupo em Moambique.

    Vale tambm a pena recordar, sobre esta matria, a Pesquisa Nacional sobre

    Governao e Corrupo (UTRESP, 2005). Esta pesquisa deu pistas sobre as

    razes que levam as pessoas a no denunciarem actos de corrupo. A razo

    mais apontada foi o medo de represlias: 61.3% (funcionrios pblicos), 49.9%

    (empresas) e 46.8 (agregados familiares). Moambique tem um Gabinete Central

    de Combate Corrupo (GCCC) que ainda no fez muito para ser conhecido do

    grande pblico; o GCCC apenas conhecido pelas elites urbanas deste pas.

    A pesquisa da UTRESP j havia dado sinais nesse sentido. Os inquiridos no

    estudo alegaram que no denunciavam a corrupo porque os procedimentos

    de investigao eram complexos, que nalguns casos no se podia provar e no

    se conheciam os procedimentos sobre como denunciar os corruptos, etc. Este

    desconhecimento sobre a existncia do GCCC por parte da opinio pblica um

    sintoma de que o gabinete no ancora o seu trabalho na sociedade civil; h um

    fechamento que perpetua a desconfiana dos cidados em relao s instituies do Estado que lidam com estas matrias.

    Foi por isso que Joo Gune (tal como muitos cidados) ao invs de se dirigir ao

    GCCC, dirigiu-se a uma estao de televiso. Por outro lado, a questo da falta de

    ancoragem do trabalho do GCCC na sociedade civil tem a ver com o seu formato

    e com o facto de o Governo moambicano ainda subestimar a centralidade dos

    cidados no processo de controlo da corrupo.

    Fazendo uma incurso nossa lei, concretamente Lei Anti-Corrupo, no que

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 2008 2

    concerne proteco dos denunciantes e testemunhas, a mesma toca nesta

    questo de forma bastante fugidia, no fazendo meno necessidade de

    proteco de testemunhas. Com efeito, o art. 13 da Lei n. 6/2004, no que se refere

    proteco de declarantes, refere no seu n. 1 o seguinte: Nenhum queixoso

    ou denunciante pode ser sujeito a medida disciplinar ou prejudicado na sua

    carreira profissional ou, por qualquer forma, ser perseguido em virtude da queixa ou denncia dos crimes previstos na presente lei. O artigo 13 da mesma refere

    ainda que nenhum queixoso ou denunciante pode ser perseguido em virtude da

    queixa ou denncia de crimes de corrupo; e acrescenta que quem perseguir um

    denunciante ser punido com pena de priso at 6 meses.

    Como se v, a lei tenta estabelecer o princpio da proteco de denunciantes, mas

    o grande problema que no garante nenhuma proteco pois a legislao no

    diz como que essa proteco feita em concreto. Esta lacuna particularmente

    grave quando se pretende que mais cidados comuniquem s autoridades os casos

    de corrupo de que tenham conhecimento. O mesmo se aplica a testemunhas,

    que tambm no tm nenhuma proteco luz da legislao em vigor.

    Por outro lado, a natureza da proteco de denunciantes inscrita na lei 6/2004

    inscreve-se, prima facie, na garantia do emprego do denunciante que, sendo

    funcionrio do Estado, no pode ser sujeito a qualquer medida de carcter

    disciplinar ou mesmo ser deliberadamente prejudicado na sua carreira profissional em virtude de ter feito uma denncia. Em segundo lugar, a lei visa proteger aqueles

    que, no sendo funcionrios do Estado ou seus agentes, apresentem denncias

    contra funcionrios ou agente do Estado.

    Apesar das suas boas intenes, a lei no faz aluso medidas necessrias para

    que o Estado permita a proteco efectiva dos denunciantes. Quer isto significar que a lei no toca, como devia ser, nas questes ligadas aos direitos fundamentais

    dos cidados e que so constitucionalmente salvaguardadas, nomeadamente

    a proteco vida e integridade fisca (n. 1 do artigo 40 da Constituio da Repblica). Trata-se de uma forma branda de tratar um assunto importantssimo,

    no se incentivando desta forma os cidados a denunciarem actos de corrupo,

    o que sem dvida pode e motiva os que esto em posio de denunciar e

    testemunhar que se intimidem de o fazer para no colocar bens jurdicos essenciais

    (vida e integridade fsica) em perigo.

    Se o Governo moambicano pretende continuar a advogar o princpio de tolerncia

    zero na luta contra a corrupo ento urgente que adopte mecanismos legais e

    institucionais para permitir que os cidados denunciem as prticas de corrupo de

    que tomem conhecimento. Num cenrio onde a comunicao entre as institues

    do Estado (Inspeco Geral de Finanas, TA e o GCCC) no acontece no sentido

    da troca de informao sobre as prticas de corrupo que detectam (o artigo 21 da

    Lei Anti-Corrupo diz que as auditorias pblicas e privadas que encontrem indcios

    de corrupo devem comunicar esses indcios ao GCCC, mas isso no acontece) o

    Estado devia apadrinhar a denncia de boa f.

  • Contributos para uma melhoria do quadro legal anti-corrupo em Moambique. CIP 200826

    4. Oportunidades de Corrupo em Alguns Diplomas Legais

    Nos captulos anteriores, salientaram-se algumas das fragilidades da legislao

    anti-corrupo, na componente preventiva, onde foram identificadas reas da legislao moambicana que necessitam de ser revistas no contexto da luta

    contra a corrupo. A presente seco aborda a outra face da mesma moeda: as

    oportunidades de corrupo oferecidas por alguns dos nossos diplomas legais.

    Estas oportunidades so criadas de vrias formas e em leis que no so

    especialmente dedicadas luta contra a corrupo; leis que tm por objectivo

    regulamentar vrios aspectos da nossa vida, em especial a actividade financeira do Estado ou, em geral, a actividade econmica. No entanto, muitas vezes, essas leis,

    pela sua ambiguidade, disposies contraditrias, incongruncias, lacunas, pela

    permisso excessiva advinda do poder discricionrio que cabe na esfera jurdica

    de alguns rgos do Estado ou pelas excepes criadas a certas proibies ou

    obrigaes, criam oportunidades para a corrupo.

    Vamos nos referir a trs grandes grupos de casos:

    O primeiro grupo respeita a leis que impem o cumprimento de certas regras ou

    contm proibies, mas, entretanto, contm disposies legais que autorizam

    que aquelas regras no sejam cumpridas ou abrem excepes s proibies.

    O segundo grupo, muito prximo do primeiro, respeita a leis que concedem

    amplos poderes discricionrios a um rgo ou agente da Administrao

    Pblica.

    O terceiro grupo respeita a leis que contm disposies legais contraditrias

    ou ambguas. s vezes, estas disposies legais contraditrias ou, pelo

    menos, no harmonizadas, coexistem na mesma lei, outras vezes, constam

    de leis diferentes, mas relacionadas com o mesmo grande tema.

    O nosso objectivo chamar ateno para estas situaes e, por isso, no nos

    iremos alongar em grandes desenvolvimentos tericos sobre o assunto. Mas,

    consideramos importante dar alguns exemplos de cada um dos grupos que

    referimos para termos conscincia que no so meras questes tericas, mas sim,

    deficincias bem reais existentes em algumas das nossas leis.

    Em relao ao primeiro grupo, o das leis que permitem o no cumprimento de

    certas regras importantes que podem evitar a corrupo, o melhor exemplo , sem

    dvida o constante na Lei n. 13/97, de 10 de Julho (que estabelece o Regime Jurdico

    da Fiscalizao Prvia das Despesas Pblicas pelo TA), pela sua importncia para

    a transparncia da utilizao dos dinheiros pblicos. Ou seja, so leis que por um

    lado, cont