Legentopia MIOLO FINALreserva -...

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LEE BACON

Tradução Edmundo Barreiros

título original Legendtopia: the battle for Urth © 2016 by Lee Bacon Originalmente publicado nos Estados Unidos por Delacorte Press, um selo da Random House Children’s Books, uma divisão da Penguin Random House LLC, New York. © 2017 Vergara & Riba Editoras S.A.

Plataforma21 é o selo jovem da V&R Editoras

edição Fabrício Valério e Flavia Lago editora-assistente Natália Chagas Máximopreparação Ana Luiza Candidorevisão Olga Fernándezdireção de arte Ana Soltprojeto gráfico Leda Rensindiagramação Juliana Pellegriniilustrações de capa Muriel Frega

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Bacon, Lee

Legendtopia: a batalha de Terr / Lee Bacon; tradução Edmundo Barreiros.

– São Paulo: Plataforma21, 2017. – (Legendtopia; 1)

Título original: Legendtopia : the battle for Urth

ISBN 978-85-92783-49-5

1. Ficção - Literatura infantojuvenil 2. Ficção de fantasia I. Título. II. Série.

17-10006 CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura infantojuvenil 028.5

2. Ficção : Literatura juvenil 028.5

Todos os direitos desta edição reservados à

VERGARA & RIBA EDITORAS S.A.Rua Cel. Lisboa, 989 | Vila MarianaCEP 04020-041 | São Paulo | SPTel.| Fax: (+55 11) 4612-2866plataforma21.com.brvreditoras.com.br | [email protected]

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Para todos os bibliotecários por aí.Vocês são os magos.

Vocês abrem as portas para um vasto número de mundos.

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MAPA DE SHADY PINES

LEGENDTOPIA

SHOPPING SHADY PINES

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COLÉGIO SHADY PINES

CASA DE KARA

PARQUE PEVENSIE

POSTO DE GASOLINA

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Príncipe Fred

Você conhece a lenda?Há uma lenda sobre outro mundo. Um mundo de magia e maravilhas. Um mundo onde

carruagens viajam sem cavalos, e máquinas aladas podem voar mais alto do que qualquer pássaro. Um mundo onde qualquer informa-ção de todas as bibliotecas cabe na palma de sua mão. Um mundo onde a luz de mil velas pode ser acesa tocando um único interruptor.

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Um mundo conhecido como Terr.Segundo a lenda, uma porta separa o meu mundo

de Terr. Uma pequena porta de madeira que tem a me-tade da altura de uma porta normal.

Mas se você tenta abrir a porta, ela se recusa a se mover. Vá em frente e dê outro empurrão. Isso não vai fazer a menor diferença. Porque, veja, a peculiar porta miniatura só pode ser aberta por alguém do outro lado. Alguém de Terr.

Ao longo dos anos, houve inúmeras tentativas de abri-la. Os homens mais fortes do reino a puxaram com toda sua força. Os mágicos mais poderosos lança-ram seus feitiços mais potentes.

Tudo isso nunca funcionou.Desde que as pessoas se recordam, a porta permane-

ceu fechada. Trancada. Um mistério.Até o dia em que uma garota chamada Kara passou

por ela e mudou a minha vida para sempre.

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Kara

Isto vai ser épico.Pelo menos, essa é a opinião da Marcy. Ela está ao meu lado no ônibus, quicando para cima e

para baixo com tamanha excitação que todo o assento se balança.

– Épico, épico, épico! – ela grita.Hoje nossa turma de inglês do sexto ano

está a caminho de um restaurante temático de fantasia que há na cidade. Legendtopia.

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Nunca fui a esse lugar antes. Para ser honesta, fantasia não é a minha praia. Marcy, por outro lado... Ela está sempre lendo livros com elfos e unicórnios na capa. Sua última festa de aniversário teve o Hobbit como tema. Ela passou a tarde inteira usando pés peludos falsos.

Durante a semana passada, nossa turma estudou fol-clore e mitos antigos. A lição tinha a ver com missões heroicas e criaturas mágicas. Como eu disse, não me in-teresso muito por fantasia. Eu me desliguei totalmente do assunto até que a sra. Olyphant disse uma palavra que captou minha atenção.

Excursão.Posso não dar muita bola para o tema, mas qualquer

coisa é melhor do que ficar sentada numa sala de aula.– Eu estava há séculos, há séculos implorando a

meus pais para me levarem a Legendtopia! – Marcy dá um sorriso, mostrando a boca com aparelhos ortodôn-ticos. – Mas por algum motivo, nós nunca fomos.

– Provavelmente porque é bem tosco – diz Trevor Fitzgerald, do banco à nossa frente.

Marcy deixa de quicar e lança um olhar feio para ele.– Como você sabe?– Fui lá no verão passado – diz Trevor. – Maior

decepção!Mas Marcy não estava engolindo nada daquilo.

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– Soube que há um dragão. E ogros que falam de verdade. – Ela se vira para mim. – Quer me apoiar, Kara? Você está animada, certo?

Hesito.– Estou animada porque não vamos ter de comer a

comida do refeitório.Isso é dizer pouco. Ontem minhas batatas fritas ti-

nham vindo com uma parte mofada.Mas meu comentário não foi exatamente uma grande

demonstração de apoio a Marcy e, agora, seu entusiasmo está esfriando. Ela se encolhe no banco de braços cruzados.

Embora Marcy fique um pouco maluca em relação a toda essa coisa de fantasia, não gosto de vê-la decepcio-nada. Nós nos conhecemos no primeiro ano. Nossa tur-ma de dança estava fazendo o espetáculo de fim de ano Branca de Neve e as sete renas. Ela interpretava um esquilo. Eu era uma moita dançante. Somos amigas desde então.

Eu ponho a mão em seu ombro.– Então Legendtopia tem um dragão?Marcy balança a cabeça afirmativamente.– E ogros?Ela balança a cabeça outra vez.– Eles falam.– Parece bem épico.O sorriso reaparece no rosto dela.

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– É o que estou dizendo.E, simples assim, ela começa a quicar para cima e

para baixo outra vez.Enquanto o ônibus segue roncando pela cidade, olho

pela janela e remexo meu colar de coruja entre os dedos. É um hábito. Algumas pessoas roem as unhas ou mor-dem o cabelo. Eu tenho o meu colar. Uma pequena co-ruja de prata pendurada numa corrente. A luz do sol contorna as bordas de seu bico pontudo e de seus olhos perfeitamente redondos.

Foi um presente do meu pai. A última coisa que ele me deu.

A coruja escapa de meus dedos quando o ônibus faz uma curva brusca. De repente, Legendtopia surge na janela. Acredite em mim: é impossível não ver o lugar. É parecido com um antigo castelo europeu. Só que eu duvido que muitos castelos europeus sejam localizados em shopping centers, ensanduichados entre um banco e a loja de eletrônicos do Crazy Earl.

Nossa turma sai do ônibus e segue a sra. Olyphant rumo ao restaurante. Falsas torres de pedra assomam-se pelo estacionamento. A porta é, na verdade, uma ponte levadiça em miniatura sobre um lago com peixes dourados.

Na entrada, somos recebidos por uma armadura. Levo um susto quando ela estende os braços e começa a falar.

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– Vvvndo tulmphia onnnn dasleee gaahhhh viaaa.– Desculpe? – diz a sra. Olyphant.A pessoa na armadura ergue uma luva rangente e

levanta a proteção do rosto. No interior do elmo há um adolescente com espinhas. Ele repete, e dessa vez as palavras saem com mais clareza.

– Bem-vindos a Legendtopia, onde as lendas ga-nham vida.

O jovem nos conduz para o interior do restaurante. É difícil ouvir exatamente o que ele está dizendo, sua armadura faz a maior parte do barulho.

– Sigam-me, miladies e milordes, para outro mundo. – CLANK! SQUIIIIIIIINK! – Um mundo de encan-tamento. – BONK. – E mistério. – CLAAAAANG! – Onde a fantasia cerca vocês. – SLONC! CLAC! – Suas mesas são por aqui.

Seguimos o cavaleiro por um portal em arco enfei-tado com vinhas de plástico empoeiradas. No caminho, passamos por uma placa com os dizeres:

CUIDADOOGROS CRUZANDO A PISTA

Marcy cutuca Trevor com o ombro.– Viu. Eu disse que havia ogros.

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– Ah, estou morrendo de medo.– Espere só – diz Marcy. – Você não vai querer se

meter com ogros.A discussão deles só para quando uma porta escon-

dida range e abre. De lá sai um ogro. Até Marcy teria de reconhecer que a coisa não era nada aterrorizante. Não com arames saindo das orelhas, e forro e algodão saindo de costuras rasgadas.

Mas ela tinha pelo menos acertado uma coisa. O ogro falava.

Mais ou menos.– GRRR! VOU COMER SEUS OSSOS! – ros-

na o ogro, com uma voz eletrônica tão enrolada que se parece mais com uma torradeira defeituosa.

Seguimos em frente. Marcy lança um olhar decep-cionado para trás.

– Que tipo de ogro era aquele?– Um ogro tosco! – Trevor sorri triunfante. –

Exatamente como eu disse.– Que seja. – Pego o braço de Marcy e a levo para

longe de Trevor. – Não dê ouvidos a ele.– Até que ele está certo – resmunga Marcy.– É, bom… aposto que o resto de Legendtopia vai

ser melhor.Mas quando olho em volta, não tenho tanta certeza.

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Tudo parece completamente falso. O trono real é feito de isopor. O unicórnio é um cavalo empalhado com um chifre preso à testa com fita adesiva.

Legendtopia é épico, mesmo.Um fracasso épico.Mas Marcy ainda não tinha desistido por completo

do lugar. Ela se anima com um urro selvagem que ecoa pelo corredor.

À frente, o cavaleiro para com um ruído metálico.– O que é esse barulho que escuto? Parece que é…

o dragão!Marcy me lança um sorriso excitado.– Eu sabia que havia um dragão.Nós duas nos encolhemos ao som de outro rugido.

Fumaça se espalha pelo ambiente. A emoção do desco-nhecido paira no ar. A atmosfera é de encantamento e perigo. Deve ser isso o que Marcy tanto gosta em mitos antigos e histórias de fantasia. A sensação de que a ma-gia é real, de que qualquer coisa é possível.

Uma forma escura emerge da fumaça. Embora saiba que é falso, meu coração bate um pouco mais rápido. Eu aperto levemente o cotovelo de Marcy. A forma escura serpenteia e se aproxima através da névoa, até que, final-mente, nós captamos um vislumbre da coisa…

E ela não se parece muito com um dragão.

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Se parece mais com uma galinha extragrande.Marcy bate o pé.– Isso não é um dragão.A única pessoa em nosso grupo que parece estar

com medo da grande galinha roxa é o cavaleiro com espinhas. Ele saca sua espada de plástico e a agita de um lado para outro.

– Rápido, vamos fugir deste lugar! – SQUIIIINCH! HINC! – Antes que o dragão devore a todos nós.

– É, vamos fugir da apavorante marionete de galinha – escarnece Trevor enquanto seguimos adiante.

Pela Marcy, torço para que o show melhore assim que chegarmos à nossa comprida mesa de madeira. Sem sorte, no entanto. Assim que sentamos, uma senhora com chapéu pontudo e capa se aproxima.

– Cumprimentos e saudações! – ela anuncia. – Meu nome é Gerlaxia e sou a bruxa mais mágica em toda a terra! Serei sua garçonete hoje!

O chapéu da mulher está manchado de mostarda. Um par de tênis aparece por baixo de sua capa.

– Preparem-se para uma demonstração fascinante de grande feitiçaria e encantamento! Mas primeiro, per-mitam-me buscar seus cardápios.

Gerlaxia faz um giro com as mãos e um monte de cardápios cai de sua manga.

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– Ops – murmura a bruxa.Depois de recolher os cardápios, ela começa a cir-

cundar nossa mesa anotando os pedidos. Ela chega a mim por último. Gerlaxia se inclina, e a aba de seu cha-péu pontudo se prende no meu colar de coruja. Quando ela gira para ir embora, a corrente arrebenta. O colar se solta e fica preso no chapéu.

Gerlaxia sai andando, sem perceber que está levando minha coruja de prata com ela.

Minha voz se enche de pânico.– Meu colar!Tento me levantar da mesa, mas estou presa. Observo

a falsa bruxa sumir de vista e sinto como se tivesse per-dido o último fragmento do meu pai que me restava.

– Tenho certeza de que ela já volta – diz Marcy.– Mas e se ele cair! – Eu giro de lado, mas ainda

não consigo me espremer para fora de meu assento. – Tenho que pegá-lo de volta.

A expressão de Marcy endurece.– Então, sabe o que precisa fazer, certo? – As luzes

de Legendtopia brilham em seus olhos. – Você precisa resgatar o colar da bruxa má! É uma missão épica!

Marcy se junta a mim e me ajuda a empurrar nosso ban-co para longe da mesa. E, dessa vez, nós duas conseguimos afastá-lo com força suficiente para que eu saia por cima.

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– Que você tenha sucesso em sua missão! – grita Marcy às minhas costas.

Passo correndo por outro ogro animatrônico (que usava uma camiseta ggg que dizia TIVE UM DIA LENDÁRIO EM LEGENDTOPIA). Então percebo uma capa roxa e um chapéu combinando. A garçonete empurra uma porta identificada com a placa: APENAS FUNCIONÁRIOS MÁGICOS. Corro para segui-la, mas a porta está sendo guardada por um elfo. E por “elfo” quero dizer um cara com orelhas pontudas falsas.

– Você não pode entrar aí, garotinha – diz o elfo com voz entediada.

– Só preciso pegar uma coisa com nossa garçonete – explico. – Ela passou por esta porta há dois segundos. Não se lembra? A bruxa?

O elfo aponta para a placa:– Desculpe. Apenas funcionários mágicos.Cerro meus punhos. Gerlaxia está escapando, e o

meu colar também.De repente, a porta se abre, e o cavaleiro aparece. Ele

volta sua atenção para o elfo e diz:– Uma mulher acabou de derrubar nachos no uni-

córnio. O gerente quer que você vá lá limpar.Não escuto o resto da conversa. Porque enquanto a

porta se fecha, eu entro. Pareço estar em uma espécie de

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área de bastidores. Há estantes com fantasias e perucas. Uma pilha de vinhas falsas e fadas de papel machê pen-duradas do teto por linha de pesca.

Corro até a sala seguinte, é a cozinha. Abaixada, passo correndo pelas panelas borbulhantes e fornos fumegantes. A porta se abre atrás de mim. O elfo e o cavaleiro entram aos tropeções.

Corro para trás de uma caixa prateada enorme. Na porta há um aviso que diz:

CÂMARA FRIGORÍFICAQUEBRADA

É sem dúvida a maior geladeira que já vi. Grande o suficiente para eu me esconder lá dentro. Empurro a porta e entro pela abertura. O interior parece um gran-de armário de metal, com prateleiras vazias e restos de comida velha espalhados. Acho que está desligada há muito tempo, porque não está nada fria.

Outra coisa que percebo sobre a câmara frigorífica: o lugar inteiro fede a hortaliças podres.

Eca.Mas parece que vou ter de aguentar o fedor. Pelo me-

nos por tempo suficiente para evitar ser pega pelo cava-leiro e pelo elfo.

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Empurro a porta de volta e fecho o que faltava. Tudo fica negro como breu.

Na escuridão, minha imaginação evoca o colar de co-ruja. Os grandes olhos de prata e o pequeno bico pon-tudo. Eu me lembro da noite em que o ganhei de meu pai. Eu tinha oito anos. Na época, me pareceu estranho que ele estivesse me dando um presente. Não era meu aniversário nem Natal, nem qualquer outra ocasião es-pecial. Quando comentei isso com papai, ele puxou a joia de volta.

– Talvez você tenha razão – ele disse. Seu sota-que fazia as palavras saírem quase como música. Toda frase soava como se iniciasse um baile de tango. – Eu provavelmente deveria esperar.

Ele fingiu guardar o colar de volta no bolso.– Nãããooo! – gritei, tentando agarrá-lo.Papai sorriu. Ele tinha o tipo de sorriso que fazia

todas as lâmpadas na sala brilharem um pouco mais.– Tudo bem, hija. Por que você não o experimenta?Enquanto ele fechava o colar ao redor do meu pes-

coço, eu podia sentir o cheiro de uma mistura de óleo e fios queimados. Papai era eletricista. Quando voltava para casa do trabalho, às vezes largava a caixa de ferra-mentas no chão da sala e fazia um show para a família. Com o giro de uma chave de fenda, ele podia fazer uma

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placa de circuito tocar uma canção de Frank Sinatra. Ou podia fazer ímãs girarem e flutuarem acima de nos-so tapete. Apertando dois fios juntos, ele criava fagu-lhas que transformavam nossa mesinha de centro em uma miniatura do show de fogos de artifício do Quatro de Julho.

Esses shows normalmente duravam ou até a hora de dormir, ou até que o sofá pegasse fogo, o que acon-tecesse primeiro.

Mas na noite em que papai me deu o colar, não havia caixa de ferramentas, e não houve truques. Só a coruji-nha de prata pendurada em uma corrente.

– É bonita – eu disse.– E você também é, hija. – Papai sorriu. As luzes

brilhavam tanto que achei que fossem explodir. – Se guardar este colar com você, ele vai trazê-la para perto de mim.

Na hora, eu não sabia, mas seria a última vez que o veria. No dia seguinte, papai saiu para trabalhar. E nunca mais voltou.

Isso faz mais de três anos. Eu usei o colar de coruja desde então. Há momentos em que quase posso sentir suas asinhas de metal esvoaçando contra minha pele, quando eu a aperto firme e imagino que meu pai ainda está comigo.

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E agora o colar podia estar em qualquer lugar. Mergulhado na sopa de alguém ou preso num chifre de unicórnio. Jogado acidentalmente no lixo ou chutado para baixo de um vaso sanitário no banheiro.

Desaparecido.Não posso deixar isso acontecer. Preciso sair desta

geladeira.Quando meus olhos se adaptam à escuridão, eu per-

cebo a luz.Um brilho suave e tremeluzente vindo do fundo da

câmara frigorífica.Talvez seja outra saída.Começo a rastejar em sua direção. Empurro para o

lado uma caixa de papelão cheia de limões mofados e, então, vejo a luz brilhar mais forte. Preciso me agachar para me encaixar embaixo de uma prateleira, como se estivesse adentrando em uma caverna.

De repente, um calafrio arrepia minha pele. Quando entrei na geladeira, tudo era feito de aço. Mas agora as paredes apertadas parecem de… tijolos.

À frente, identifico a origem da luz. E mal posso crer em meus olhos. Tochas flamejantes. Elas estão presas à parede de tijolos. E entre elas há…

Uma porta.Uma pequena porta de madeira.

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Algumas perguntas importantes surgem na minha mente. Aonde aquele túnel vai me levar? O que há por trás da porta? E qual o tamanho daquela câmara frigo-rífica, afinal?

Caminho adiante, lentamente, até chegar per-to o bastante para sentir o calor vindo das tochas. O fogo salta e tremeluz. Minha sombra dança na parede de tijolos.

A porta está bem à minha frente. As tochas chiam e murmuram. Quase como se estivessem sussurrando: Vá em frente. Gire a maçaneta.

Faço isso.A portinha range e se abre.Eu me abaixo e a atravesso.

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