Leal, Victor; Leal, Glauber. a Técnica e a Produção Da Sociedade Capitalista
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A TCNICA E A PRODUO DA SOCIEDADE CAPITALISTA
Victor Andrade Silva Leal1
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB
Glauber Andrade Silva Leal2
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia UESB
GT1: Natureza, Sociedade e Trabalho
Resumo
Este artigo derivado do esforo terico da pesquisa monogrfica do curso de geografia
apresentada Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia no ano de 2014. A centralidade do
debate visa compreender a sociedade como fruto de mltiplas determinaes na formao dos
modos de produo. Nosso objetivo geral analisar a categoria tcnica e sua determinao na
formao social. Para objetivar anlise, foi feito um breve recorte histrico, destacando o
perodo entre o sculo XVI e XVIII, que culminou na I Revoluo Industrial, na Inglaterra. A
anlise do perodo foi feita em cima do surgimento da cooperao simples, a passagem desta
para a manufatura e a insero da maquinaria na produo, subsumindo realmente o trabalho ao
capital.
Palavras chave: Tcnica. I Revoluo Industrial. Produo da Sociedade.
1. Introduo
A exposio deste trabalho prev trs momentos. Na primeira parte, fizemos um rpido recorte
histrico retratando as mudanas no processo de produo de bens desde a cooperao simples
baseada no trabalho assalariado, iniciado por volta do sculo XV, passando pelo
desenvolvimento da manufatura at chegar na I revoluo industrial. Na segunda parte tentamos
expor, de forma breve e clara, o conceito de tcnica segundo autores que reivindicam a
concepo materialista da histria. Em seguida, analisamos como esta categoria se insere
objetivamente dentro do processo de produo capitalista e a funo que ela ocupa nesse
processo. Na terceira parte, levamos a discusso para a tcnica inserida no modo de produo
1 Graduado em Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia,
membro dos grupos de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as Polticas de Reordenamentos Territoriais
(GPECT/UFS-CNPq) e Trabalho, mobilidade do trabalho e relao campo-cidade (DGUESB/CNPq).
2 Graduado em Licenciatura Plena em Histria pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e
Ps-graduando em Histria, cultura, poltica e sociedade pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia.
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burgus para alm do cho da fbrica, o que ela , o que representa. Precisamos ver que ela
cumpre sua funo histrica como determinada coisa, como capital, e sob essa funo, se torna
oposta, como inimiga, ao trabalhador.
O objetivo principal discernir um pouco sobre o papel que a tcnica ocupa no modo de
produo capitalista, dentro e fora da fbrica. Assim, pretendemos analisar mais amplamente a
determinao que a tcnica tem sob a produo das superestruturas do capitalismo e suas esferas
sociais. Levantamos o debate sobre o fetichismo da tcnica na sociedade atravs da afirmao
de autores como Bukhrin (apud LUKCS, 1989). Segundo o
autor, a tcnica possui um desenvolvimento autnomo das relaes de produo,
determinando, em ultima instncia, o desenvolvimento histrico das estruturas sociais.
importante deixar claro que essa pesquisa se fundamentou na compreenso de mundo
particular do materialismo histrico e dialtico, levando em conta a prioridade da matria sobre
a ideia (LESSA; TONET, 2011, p. 33). Nesta concepo:
[...] o mundo dos homens nem pura ideia nem s matria, mas sim uma sntese de ideia e matria que apenas poderia existir a partir da transformao da realidade (portanto, material) conforme um projeto previamente ideado na conscincia (portanto, possui um momento ideal) (LESSA; TONET, 2011, p. 41).
Logo, para o materialismo histrico e dialtico, a ideia e a subjetividade fazem parte da
existncia, mas elas no se confundem com a realidade objetiva. Uma no , digamos, mais
real do que a outra. Sem a materialidade natural no poderia existir a conscincia dos homens
(LESSA; TONET, 2011, p. 41). Mas sem a ideia, a sociedade tambm no poderia sequer
existir, pois o prprio processo de interao com a Natureza depende da formulao de ideias e
a relao destas, por meio das aes humanas, com a realidade objetiva.
Porm, em ltima instncia, a realidade objetiva que determina a conscincia dos
homens, bem como, na histria do mundo, a existncia da primeira precede existncia da
segunda, afinal, essa j existia em sua forma de Natureza pura bem antes de existir seres
humanos conscientes. Logo, uma possui o momento predominante em relao a outra. Assim,
o materialismo histrico visa explicar a conscincia do Homem por sua existncia, e no esta
por sua conscincia (ENGELS, 2008, p. 88).
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importante frisar que, ao estudar qualquer objeto ou fenmeno, no podemos deixar
de lado o processo histrico pelo qual se desenvolve. Se considerarmos o mundo real como
fruto de diversas relaes, para compreend-lo preciso buscar em seu devir o que forneceu a
base material para suas gneses e como, a partir da, ele se desenvolveu historicamente. Abdicar
dessa anlise correr o risco de compreender os fenmenos como dados e/ou eternos.
Compreender, por exemplo, a sociedade capitalista em sua forma atual sem buscar em sua
gnese e em seus processos as determinaes que permitiram seu atual status, seria insuficiente.
2. Um aporte histrico pr-Revoluo Industrial
primeira vista, a transformao do fator tecnolgico bem clara, e se analisarmos
superficialmente o fenmeno da primeira Revoluo Industrial, iremos concluir que aps as
grandes mquinas a vapor serem inseridas no processo de produo, a sociedade capitalista
alavancou um desenvolvimento rpido e dinmico de um novo modelo econmico, poltico e
social. A questo que engatilha este trabalho precisamente se o fator tecnolgico foi, de fato,
o que determinou todas essas transformaes em ltima instncia.
O modo de produo anterior ao capitalismo foi o feudalismo. Muito embora existisse
uma minoria de artesos e outros trabalhadores livres, no modo de produo feudal o trabalho
era fundamentalmente servil (LESSA; TONET, 2011). Os senhores dividiam as terras entre
aqueles que no as possuam, e ao fim de um perodo determinado, recolhiam parte da produo
que os servos tinham realizado.
A expanso martima proporcionou um acumulo de capital aos comerciantes, chamados
nessa poca de burgueses (aqueles que viviam nos burgos, zonas perifricas das cidades
feudais). Esse acmulo de capital proporcionou que os burgueses posteriormente adquirissem
meios de produo que, naquela poca, ainda se constituam os mesmos que os artesos usavam.
A burguesia passou, ento, a contratar trabalhadores em suas oficinas.
Com isso, h o incio de uma mudana no paradigma da mo de obra. Lessa & Tonet
(2011) consideram que:
Com as grandes navegaes (sculo 15 e 16), surgiu um mercado mundial que possibilitou burguesia europeia acumular capital na escala necessria para transformar progressivamente o arteso medieval, que trabalhava em sua oficina, com suas ferramentas, sua matria-prima e com a posse do produto final, em um trabalhador assalariado justamente porque perdeu a posse de todo o resto, menos de sua fora de trabalho (p. 64).
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A partir da, se inicia a explorao de classes tpica do sistema capitalista, atravs de
uma forma de organizao de trabalho chamada cooperao simples3. Consequentemente, duas
novas classes sociais comeam a surgir a partir das relaes de produo:
a emergncia, por um lado, de uma classe exploradora prpria da sociedade burguesa (proprietria dos meios de produo e de subsistncia), com um projeto hegemnico ainda em seu incio. Por outro lado, a mercantilizao das relaes de trabalho, transformando os antigos servos, escravos ou camponeses em trabalhadores assalariados, expropriados e livres para o capital (ROMERO, 2005, p. 74).
Porm, Romero tambm destaca que a cooperao simples muito mais antiga que o
capitalismo e suas respectivas classes. Antes mesmo de existir burguesia, os homens j
exploravam uns aos outros pela cooperao simples. Mas essa explorao apresentava
caractersticas distintas forma de explorao burguesa. Segundo o autor, a cooperao simples
em outras pocas era baseada no trabalho forado. J a forma burguesa, o trabalhador acredita
ser livre para escolher trabalhar, ainda que constrangido a isso, graas a expropriao histrica
dos seus meios de produo (ferramentas, terras) pela burguesia.
Dessa forma, a dominao de classes se aprimora significativamente e o trabalho se torna
subsumido4 ao capital. Este domnio e se realiza, antes de tudo, para atender as necessidades do
capital. De uma forma da cooperao simples outra, h uma [...] substituio das relaes
pessoais de dominao por relaes mercantis de dominao (ROMERO, 2005, p. 75), e isso
s possvel graas reificao5 das relaes pessoais, com a insero da lgica da mercadoria
na compra de fora de trabalho. As condies materiais definem a funo social do indivduo
e no mais o inverso (ROMERO, 2005, p. 74).
3 Em geral, a cooperao simples uma forma de trabalho onde diversos artesos so incumbidos de
trabalhar em uma mesma oficina, em uma mesma produo, utilizando as ferramentas artess como
meios de produo.
4 A subsuno uma espcie de dominao, onde o elemento subsumido realiza sua reproduo baseado
em interesses do elemento que o domina. Dessa forma, ao afirmarmos que o trabalho subsumido ao
capital, dizemos que as realizaes do primeiro vo de contra a sua prpria essncia para atender os
caprichos do segundo. Para mais detalhes, ver Romero (2005).
5 A reificao se refere a uma coisificao do ser vivo, das relaes sociais. A transformao do trabalhado concreto em abstrato o torna apenas objeto em uma relao de troca, deixando de lado suas qualidades teis, suas particularidades. A partir da, o trabalhador apenas considerado como o que ele somente para o capital, fora de trabalho vivo que pe em prtica a produo de mais-valia. Para mais detalhes sobre esse processo, ver Marx (1983, p. 70-78).
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O que podemos perceber com tudo isso que a organizao do trabalho comea a mudar
(fundando a forma genrica do trabalho assalariado) independente de alguma mudana no meio
tcnico. Nesta perspectiva, a histria do trabalho na sociedade no se confunde com a histria
da tcnica, mesmo ambos estando vinculados ao mesmo processo de produo e
transformao da natureza em bens utilizveis para a humanidade.
Ainda segundo Romero (2005), a forma de organizao social do trabalho assalariado no se
desenvolveu plenamente durante a cooperao simples, que era amplamente limitada no
domnio do capital sobre o trabalho. Para sair de uma subsuno formal a uma subsuno real,
a relao de capital tinha que atingir a produo pela grande indstria, ou seja, a Revoluo
Industrial. Mas ainda no havia condies materiais para tal mudana radical no meio tcnico.
Por isso, entre a cooperao simples e a grande indstria houve um perodo intermedirio, o da
produo atravs da manufatura.
Mas antes de entrarmos em detalhes, importante percebermos que, da cooperao simples
manufatura nenhuma revoluo tcnica no processo de produo acontece. Pelo contrrio, as
ferramentas utilizadas nas oficinas permanecem as mesmas.
No que se refere ao regime de produo, vemos que a manufatura, por exemplo, apenas se distingue em suas origens da indstria gremial do artesanato mais pelo nmero de operrios empregados ao mesmo tempo e pelo mesmo capital, nmero que na manufatura maior. No se fez mais do que ampliar a oficina do mestre arteso. Por tanto em princpio, a diferena meramente quantitativa (MARX apud LUKCS, 1989, p. 47).
Alm disse, vale apontar que a manufatura no descende diretamente do artesanato, mesmo
tendo uma base tcnica idntica.
a reunio dos trabalhadores na oficina no foi (...) obra de pactos amistosos entre iguais. A manufatura no nasceu no seio dos antigos grmios; foi o comerciante que se transformou no chefe da oficina moderna e no o antigo mestre dos grmios. Quase em todas as partes travou-se uma luta encarniada entre a manufatura e os ofcios artesos (MARX apud ROMERO, 2005, p. 89-90).
Alm dessa mudana quantitativa de operrios, mesmo na permanncia da base tcnica,
tanto Lukcs (1989) quanto Romero (2005) tambm apontam que, qualitativamente, a
organizao do trabalho se transformou dentro e fora da oficina. Essa mudana se deu pois na
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manufatura quando surge um importante aspecto para o desenvolvimento das relaes
capitalistas, a diviso manufatureira do trabalho, ou a diviso do trabalho em detalhes.
Foi graas ao acmulo de capital pela expanso martima e pelo acmulo de relaes sociais
pela nova face da cooperao simples que, em meados do sculo XVI se iniciou o perodo de
predominncia da manufatura, que perdurou at o fim do sculo XVIII, no incio da Revoluo
Industrial.
A grande mudana da manufatura para os perodos de produo anteriores, como j dito, foi o
amadurecimento da diviso do trabalho e, com ela, a criao do trabalhador coletivo. A diviso
do trabalho pode ser dividida em trs aspectos.
[...] a primeira aquela que denota a separao entre campo e cidade, que Marx denomina de diviso social do trabalho em geral. A segunda, a diviso social do trabalho (combinao da diviso especial do trabalho). Distingue os ramos de produo de uma determinada sociedade. E, por fim, temos a diviso manufatureira, aquela que surge no interior das oficinas (ROMERO, 2005, p. 95).
A diviso do trabalho especializa a atividade do trabalhador nesses trs aspectos, trabalho da
cidade ou do campo, em um ramo de produo, e em apenas uma parte dela. O trabalhador
agora cumpre apenas uma funo dentro de todo um processo social de trabalho, no servindo
de nada individualmente. Ao contrrio do artesanato, um nico indivduo no responsvel
pela fabricao do produto, mas sim uma parte dele. Seu trabalho, individualmente, produz
apenas uma parte do valor de uso, uma matria prima para outro trabalhador. Apenas na etapa
final da produo a mercadoria fica pronta, e apenas todo esse trabalho coletivo a produz.
O trabalhador deixa de ser individual para ser social, criando o trabalhador coletivo. Porm,
toda a matria prima, as fontes de energia, os trabalhadores e qualquer outro fator de produo
apenas est reunido pelo capital e para o capital. Os indivduos no se unem na oficina por
verem necessidade de trabalharem juntos, e sim por uma condio imposta pelo capital (como
j vimos, a necessidade de expropriao dos trabalhadores os deixou sem terras e ferramentas).
Em outras palavras, o trabalho social se torna um trabalho para o capital.
Outro fato marcante tambm a criao de um trabalhador puramente intelectual dentro das
oficinas. Esse trabalhador se encarregaria da tarefa de conceber a produo, enquanto os
trabalhadores manuais em apenas execut-la. A separao entre concepo e execuo um dos
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fatores fundamentais para o domnio da burguesia, pois amplia o estado de alienao dos
indivduos a nveis mais amplos. Ainda mais:
Quando falamos em diviso entre concepo e execuo no estamos afirmando que o trabalho manual perde todas suas capacidades intelectuais, Nosso objetivo indicar a insero de um trabalho puramente intelectual como uma atividade especializada da diviso do trabalho, com a constituio dos trabalhos tcnicos-cientficos (ROMERO, 2005, p. 102).
Apenas depois de pouco mais de dois sculos aps o incio da predominncia da produo
manufatureira, no fim do sculo XVIII, a primeira Revoluo Industrial acontece na Inglaterra,
revolucionando os meios tcnicos e implementando de uma vez o trabalho assalariado em sua
fase mais desenvolvida. A partir desse perodo a sociedade entra na fase que conhecemos como
sociedade capitalista. Com a insero das grandes mquinas, o capital passa a ter domnio
completo sobre o processo de trabalho e os indivduos que o compe.
3. A funo da tcnica como capital
Analisando este conceito dentro de uma concepo materialista da histria, impossvel
chegar a uma compreenso mnima se abstrairmos o prprio momento histrico que ele est
inserido. Logo, para entendermos a tcnica precisamos consider-la como parte da sociedade
capitalista que vivemos. Marx no concebe o estudo da tcnica e da cincia como uma
totalidade em si, mas apenas como uma dimenso do capital (ROMERO, 2005, p. 16). um
discurso comum que vemos desde autores atuais quanto antigos, como apontam Lukcs (1989)
e Lessa (2011) em suas crticas, de que a tcnica tem, em si, potencial de libertao do trabalho
na medida em que aumenta a produtividade do trabalho produtor de valor de uso. Mas se isso
fosse verdade, o desenvolvimento tcnico que temos desde a insero da maquinaria no fim do
sculo XVIII no seria suficiente para diminuirmos as horas de trabalho dirio absoluta e
relativamente? Porm, a revoluo que ocorre no processo de produo atravs da relao
capitalista nos mostra justamente o contrrio (MARX, 1984).
Mesmo antes da revoluo industrial, a base tcnica da produo da cooperao simples
e da cooperao baseada na diviso do trabalho se transformou em outra forma histrica que
antes, no artesanato, se diferenciava dessas. As ferramentas de trabalho se colocaram frente ao
trabalhador como capital e, dessa forma, se tornaram um meio para a expropriao de mais-
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valia do trabalho excedente que o operrio realizava. Mas nessas duas formas de produo a
tcnica enquanto capital ainda era imatura, e apenas subsumia o
trabalhador formalmente. com a I Revoluo Industrial que essas caractersticas
aparecem com muito mais intensidade.
Mesmo os representantes confiveis da Economia Poltica (MARX, 1984, p. 60) no
negam esse aspecto no poupador de trabalho que surgem com o progresso tcnico na
sociedade, e enxergam a real escravido que a insero da maquinaria pode provocar nos
operrios que so constrangidos a vender sua fora de trabalho e operar as grandes mquinas
poupadoras de trabalho. Porm, enxergam tambm, como perspectiva, que esse seria um
problema temporrio e transitrio, pois a economia gasta em um setor iria ser investida em
outros setores onde se empregaria mais trabalhadores. Alm disso, diziam tambm que o
aumento da produtividade iria baratear o preo (valor) das mercadorias at a, assertivamente
e que isso possibilitaria que mais trabalhadores pudessem comprar essas mercadorias mais
baratas, tendo a outro efeito positivo (MARX, 1984, p. 60-61; ROMERO, 2005, p. 118-119).
De certo, Marx (1984) aponta que a liberao de trabalhadores de um setor atingido pela
insero da maquinaria cria em certos momentos outros setores antes inexistentes. A prpria
produo baseada nas mquinas a vapor cria diretamente o setor produtivo de mquinas a vapor.
A princpio, essa produo era artesanal ou manufatureira. Com o passar do tempo as prprias
mquinas comearam a ser produzidas tambm por outras mquinas. Isso faz com que
trabalhadores sejam empregados nessas produes. Alm disso, com a produtividade de peas
de roupa atravs da mquina a vapor, por exemplo, a necessidade de matrias primas e produtos
secundrios tambm aumenta proporcionalmente. Ou seja, se antes eram produzidas 100
camisas por dia e agora produz-se 500, a matria prima tambm tem que ser produzida cinco
vezes mais. Logo, os trabalhadores da produo de algodo iriam aumentar em cinco vezes
proporcionalmente.
Essa uma verdade apenas relativa, pois esse aumento dos trabalhadores em outros
setores anteriores e a criao de outros setores tambm ser atingido pela insero da
maquinaria, despedindo novamente os trabalhadores. Alm disso, novos setores possveis para
a humanidade, como podemos imaginar, so limitados pela finitude social. Por mais que a
burguesia crie produes de luxo, Uma parte maior do produto social transforma-se em
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produto excedente e uma parte maior do produto excedente reproduzida e consumida em
formas mais refinadas e mais variadas (MARX, 1984, p. 59).
Porm, muito dessas novas produes no chegam a empregar muitos trabalhadores,
criando cada vez mais massas de trabalhadores desempregados que servem como um exrcito
industrial de reserva e vivem no pauperismo a merc das qualidades sociais mnimas. E isso
tambm proporciona que muitos desses trabalhadores, antes produtores de valor de uso, se
tornem outro tipo de trabalhador, a classe servial (MARX, 1984, p. 59-60).
A todo instante a produo capitalista demite e contrata trabalhadores em antigos e
novos setores, sejam eles produtores ou no de mais-valia. Alm disso, a maquinaria tambm
transforma essencialmente a classe trabalhadora empregada, pois:
O aperfeioamento da maquinaria exige no s a diminuio no nmero de trabalhadores adultos ocupados para alcanar determinado resultado, mas substitui uma classe de indivduos por outra classe, uma mais qualificada por uma menos qualificada, adultos por crianas, homens por mulheres. Todas essas mudanas causam constantes flutuaes no nvel do salrio (URE apud MARX, 1984, p. 50).
Esses dois processos antitticos de demisso e admisso mesmo sob nova
configurao fazem parte do mesmo processo de desenvolvimento tcnico capitalista.
As contradies e os antagonismos inseparveis da utilizao capitalista da maquinaria no existem porque decorrem da prpria maquinaria, mas de sua utilizao capitalista! J que, portanto, considerada em si, a maquinaria encurta o tempo de trabalho, enquanto utilizada como capital aumenta a jornada de trabalho; em si, facilita o trabalho, utilizada como capital aumenta sua intensidade; em si, uma vitria do homem sobre a fora da Natureza, utilizada como capital submete o homem por meio da fora da Natureza; em si, aumenta a riqueza do produtor, utilizada como capital o pauperiza etc. (MARX, 1984, p. 56-57).
A insero da mquina transforma totalmente a necessidade do capital sob o trabalho. A
mquina, sendo um verdadeiro autmato, no exige mais que o trabalhador manuseie as
ferramentas com sua fora e habilidade. A prpria mquina planejada e programada para que
ela mesma realize a atividade praticamente s. Cabe ao trabalhador apenas vigi-la, repor
matria prima com a qual ela trabalha ou at aliment-la de sua fonte energtica como carvo
etc. A necessidade de um trabalhador qualificado, que domine todo o processo de produo,
como antes era no artesanato, deixa de existir na maquinaria empregada enquanto capital e os
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trabalhadores, simples em seu processo de aprendizado, o qual qualquer um poderia obter
rapidamente, tem seu salrio desvalorizado mais uma vez6. Alm de ser fcil de aprender as
tarefas simples para o cotidiano do trabalho dentro da fbrica, uma quantidade maior de
trabalhadores est disposta a assumir o emprego, j que o uso da maquinaria os transformou
em desempregados, fazendo tambm com que o preo da fora de trabalho tambm diminua
por presso social do exrcito industrial de reserva.
possvel perceber at aqui que a tcnica dentro do capitalismo no serve apenas para
o processo de produo de riqueza material, como ocorre em todos os momentos histricos da
sociedade se a considerarmos abstrada do modo de produo. A tcnica cumpre a funo de
capital na medida em que est subordinada ao processo de valorizao do mesmo. Sem inserila
neste processo, de nada vale ao capital investir em novos meios de produo, pois para eles isso
s traria prejuzo, indo de contra a sua prpria existncia. Esse processo de valorizao do
capital, por si, s acontece atravs da explorao do trabalho pelo capital, de uma classe pela
outra, e os meios de produo tm que tomar formas cada vez mais intensas para que a parte da
jornada de trabalho que o operrio produz para pagar seu salrio se torne relativamente e
absolutamente menor, enquanto a jornada de trabalho em si se prolongue extensiva e
intensivamente (ROMERO, 2005, pp. 117, 124, 130-135, 165-166; MARX, 1984, pp. 7, 9, 22-
25, 28-39).
Dessa forma, potencializando o processo de valorizao do capital, as mercadorias
produzidas por uma nova tcnica se transformam, assumindo uma composio a qual o trabalho
morto aumenta sua quantidade relativa. De certo, se se aumenta a produtividade do trabalho e,
na mesma quantidade de tempo, se passe a produzir uma maior quantidade de mercadorias que
antes, o valor de cada mercadoria individual reduzido absolutamente. Porm, o valor de uma
mercadoria possui uma composio dupla.
6 Sobre o custo do aprendizado do ofcio e sua repercusso no valor da fora de trabalho Marx (1982) diz que, para o objetivo do livro (Salrio, Preo e Lucro) no era necessrio considerar o tempo gasto nesse aprendizado, pois era quase insignificante, sendo apenas a aquisio de mercadorias que possibilitem sua reproduo social e biolgica, bem como o da sua prole como relevantes para calcular o valor da fora de trabalho (p. 160). sabido que tal livro apenas foi escrito para servir de base a uma conferncia realizada pelo autor em 1965 na Associao Internacional dos Trabalhadores (AIT), e de certo Marx relevou esse custo, pois na sociedade em que ele se encontrava ele j era, em geral, irrelevante.
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Parte do valor de uma mercadoria advinda da transferncia do valor das foras
produtivas (matria prima, desgaste da maquinaria, materiais secundrios como o carvo, o leo
etc.). Outra parte surge na produo da mercadoria mesma, e acrescida graas ao trabalho
diretamente despendido nela. Sobre a transferncia de valor cristalizado, Marx (1984, p. 17-22)
afirma que o trabalho necessrio para criar os meios de produo transferido para as
mercadorias que elas fazem parte. Por exemplo, se for necessria meia hora de trabalho para
tratar um quilograma de linho e esse linho for matria prima para a produo de um casaco, esse
tempo de trabalho transferido ao valor do casaco.
A esse valor deve ser acrescido tambm o desgaste da mquina utilizada, que calculada
pela quantidade de tempo que esta permanece ativa em sua vida til dividido pela quantidade
de artigos que ela produz nesse tempo. Alm de outros materiais como botes, linhas, agulhas,
carvo para dar fora motriz mquina a vapor, etc. Suponhamos que todos esses valores juntos
forneam mais meia hora de trabalho transferido para o valor do casaco. Aqui j temos uma
hora de trabalho na constituio do valor do artigo.
Esse foi o valor que permaneceu constante e apenas foi transferido para outra mercadoria
mais acabada7. Por isso esse investimento chamado de capital constante. A nica coisa que
pode fazer variar o valor do casaco a fora de trabalho propriamente dita, em outras palavras,
o capital varivel. Se um trabalhador demora uma hora para a feitura do casaco, este vai conter
uma hora de valor advindo do capital constante, e uma hora de valor do capital varivel. Assim,
metade de seu valor constituda de cada um dos dois, totalizando duas horas de trabalho
necessrio para a produo de um casaco.
Porm, se uma maquinaria de melhor qualidade investida enquanto capital constante,
essa repartio do valor pode se transformar relativa e absolutamente. Se agora, uma mquina
gasta menos tempo na produo da matria prima linho, por exemplo, e fornece o mesmo
quilograma de linho a 20 minutos, bem como o desgaste com outros materiais na produo do
casaco tambm diminua inclusive o prprio carvo, considerando a mquina a vapor, j que
ela precisa de menos tempo ativa para produzi-lo, e estes gastos tambm somem mais 20
minutos, temos aqui apenas 40 minutos de capital constante transferido para a mercadoria.
7 Desconsideramos aqui o desgaste perdido com matria prima ou a energia motriz no gasta, bem
como outras coisas que podem se perder no processo de produo.
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Considerando tambm uma mudana tcnica na prpria produo do casaco, agora o
trabalhador demora apenas 20 minutos para produzir o mesmo artigo, o total de tempo
necessrio para a produo total do casaco a metade de antes, uma hora. Esse tempo cai
absolutamente, mas no s isso.
Antes, o casaco possua metade de valor advindo do capital constante outra metade do
capital varivel. Agora dois teros (40 min.) do casaco so constitudos pela transferncia de
capital constante e apenas um tero constitudo de capital varivel (20 min.). Existe aqui
tambm um decrscimo relativo na quantidade de trabalho despendido diretamente na
confeco do casaco, sendo que a unidade do casaco necessitar cada vez menos de
investimento em capital varivel e cada vez mais em capital constante.
A tcnica assume nesse processo um papel antagnico ao do trabalho, o papel de capital,
e no funciona como fora emancipadora para o ser humano, como seria se tivssemos analisado
ela abstrada de sua forma histrica. Neste caso, ela aparece como seu inimigo direto. Essa
relao entre trabalhador e meios de produo uma exposio da prpria luta de classes entre
capital e trabalho. Os trabalhadores tomaram conscincia deste problema em diversos
momentos, chegando a tomar a ao direta de destruir as mquinas, pois elas aparentavam ser
as culpadas pela diminuio de quantidade e qualidade de trabalho nas fbricas (MARX, 1984;
ROMERO, 2005).
Evidentemente que culpar as mquinas pela intensificao das desigualdades sociais
caracterizou um momento e imaturidade do movimento operrio, afinal, preciso tempo e
experincia at que o trabalhador distinga a maquinaria de sua aplicao capitalista e, da,
aprenda a transferir seus ataques do prprio meio de produo para sua forma social de
explorao (MARX, 1984, p. 47).
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4. A tcnica no desenvolvimento histrico da sociedade
De todas as ms interpretaes do pensamento de Marx, talvez a mais chocante seja aquela que faz dele um determinista tecnolgico (HARVEY,
2014, p. 157).
Seguindo o caminho que trilhamos at agora, devemos examinar mais de perto o papel
que a tcnica ocupa na produo da sociedade no modo de produo em que vivemos hoje.
Tambm se o desenvolvimento da sociedade no perodo anterior a Revoluo Industrial foi
determinado em ltima instncia pelo acmulo de relaes de produo atravs das mudanas
da organizao do trabalho, ou, em outra perspectiva, se a transformao da tcnica
proporcionou tais mudanas estruturais na sociedade. Para isso, devemos nos focar em tentar
entender o que fundamental para essas transformaes, ou seja, quais so suas fundaes, suas
bases em que se aliceram. Ainda que tanto as relaes sociais quanto as inovaes tcnicas
tiveram papeis importantssimos para o desenvolvimento histrico da sociedade, preciso
investigar em qual dos dois est o momento predominante de tal desenvolvimento, e quais
esferas sociais se subordinam em maior grau a esta predominncia.
Lukcs (1989), seguindo a concepo materialista da histria, para quem a tcnica
apenas uma parcela das relaes de produo, sendo ela uma parte, um momento naturalmente
de grande importncia, das foras produtivas sociais, mas no , simplesmente, idntica a elas,
nem [...] o momento final ou absoluto das mudanas dessas foras (p. 45, grifo nosso). Para
Lukcs, o que determina a produo da sociedade, sua histria e suas diferentes esferas, o
processo de trabalho por completo, no um fator isolado dele. Neste mesmo sentido, Marx
(1983, p. 150) afirma que os elementos simples do processo de trabalho so a atividade
orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. A forma com que esses trs
elementos esto organizados, ou seja, como eles so realizados, determina em ltima instncia
a produo da nossa sociedade.
Mas devemos ter cautela quanto essas determinaes, pois muitos so as crticas ao
materialismo histrico que confundem as determinaes com absolutismos consumados.
muito comum ouvirmos em palestras, salas de aula ou eventos acadmicos, de tericos que
pouco entendem sobre o marxismo dizer que dentro dessa concepo exista um nico
determinante para os fenmenos, criando um estado de causa e efeito. O prprio Santos (1980,
p. 32-36) faz diversas associaes do pensamento de Marx com o positivismo, e em certas
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ocasies, tratando-os como um pensamento unvoco. Contrapondo essa crtica nas palavras do
prprio Engels (2010), um dos fundadores dessa compreenso cientfica:
[...] De acordo com a concepo materialista da histria, o fator que em ltima instncia determina a histria a produo e a reproduo da vida real. Nem Marx nem eu jamais afirmamos mais do que isto. Se algum o tergiversa, fazendo do fator econmico o nico determinante, converte essa tese numa frase vazia, abstrata, absurda. A situao econmica a base, mas os diversos fatores da superestrutura que se erguem sobre ela [...] exercem tambm sua influncia sobre o curso das lutas histricas e determinam, em muitos casos predominantemente, a sua forma (p. 103-104).
Nota-se que muito mais que uma relao de causa e efeito. Logo, mesmo afirmando
que, para o marxismo, a forma que o trabalho se organiza na sociedade determina em ltima
instncia a reproduo desta, no podemos afirmar que a nica determinao existente, e
como o prprio Engels coloca, nem sempre a que predomina.
Essas mltiplas determinaes, para a concepo do materialismo histrico, que do
suporte na produo da sociedade. A esfera econmica, ou seja, a organizao do processo de
trabalho, apenas colocada em ltima instncia. Se no pensarmos dessa forma, cairemos no
erro comum da relao de causa e efeito, sem perceber as determinaes dialticas das
contradies inerentes s necessidades postas pelas relaes sociais no curso da realidade
concreta.
Assim, h duas relaes que Lessa (2011) demonstra que precisam ser analisadas para
entendermos, por mais que superficialmente, como funciona esse processo. 1) A relao entre
a esfera econmica e a totalidade social tem como momento predominante a economia, pois
nessa esfera parcial da totalidade que a relao entre o homem e a Natureza realizada. Assim,
a totalidade social acaba por ter que, predominantemente, agir para que o processo de trabalho
seja reproduzido tal como . 2) J a relao entre a totalidade social e as outras esferas sociais
parciais (como a poltica, cultura, educao, sade, ideologia etc.) tem como momento
predominante a totalidade social. Existe nesta e naquela relao certa reciprocidade, a totalidade
social tem sua influncia sobre a esfera da economia, bem como as outras esferas parciais
tambm exercem suas influncias sobre a totalidade. Mas elas no so, aqui e ali, momentos
predominantes.
Por conta disso que podemos perceber que, por influenciar diretamente a totalidade
social, e indiretamente as esferas parciais, estas se encontram em sentido concomitante aos
interesses econmicos. Por exemplo, a esfera poltica e o seu Estado tomam, em grande medida,
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decises administrativas que privilegiem o grande capital; ou a sade e a educao serem
tratadas mais como mercadorias para a acumulao de mais-valia e meios de reproduzir a
sociedade tal como ela do que como bens teis para a sociedade; ou at a produo ideolgica
e cientfica nas universidades e outros centros de pesquisa que visa financiar mais os estudos
que lhe deem algum retorno econmico.
Mas voltamos a afirmar, e que fique claro, no uma relao de causa e efeito. Tambm
afirma Lessa (2011) que:
No apenas desta estrutura categorial est excluda a possibilidade de uma nica e exclusiva causa de qualquer fenmeno social, como ainda no h qualquer possibilidade de esta causa nica residir na tcnica (nos meios de trabalho) ou na cincia. Em todo processo histrico h sempre e necessariamente um momento predominante, mas isto completamente distinto de qualquer causa determinante nica (p. 264).
O trabalho assalariado, em seu estado germinal, ou seja, antes na insero da maquinaria
no processo de produo, cumpre um papel de seu prprio catalizador, intensificando ainda
mais sua objetividade. Isso acontece pois o acmulo dessas relaes germinais de
assalariamento que proporcionam a insero da mquina a vapor posta enquanto capital na
relao de produo. (ROMERO, 2005). O trabalho, ato que deveria ser emancipatrio para o
ser humano, acabou se tornando sua prpria priso. Uma parte dessa priso materializada nas
tcnicas. A cooperao simples e a cooperao baseada na diviso do trabalho permitiram com
que as tcnicas fossem cada vez mais aprimoradas e desenvolvidas. Mas tambm vimos que
elas no so apenas ferramentas, meios de trabalho. Assim como o trabalho no apenas
trabalho da relao capitalista, trabalho abstrato (LESSA, 2011), as tcnicas tambm so
mais que apenas tcnicas, figuram como capital, e s podem ser consideradas como tal. Logo,
o desenvolvimento tecnolgico, aqui, representou o desenvolvimento do capital. E esse
desenvolvimento que forneceu o fortalecimento da tcnica em sua forma de capital.
Lessa (2011) tambm critica, em outros autores que tomam como seguro e comprovado
que o desenvolvimento tecnolgico o que determinaria o desenvolvimento histrico (p. 254),
o fetichismo da tcnica. Para ele:
Tal concepo condiz com uma verso banalizada da histria do capitalismo segundo a qual, por exemplo, teria sido a descoberta da mquina a vapor a gnese da Revoluo Industrial [...] [e ela] ignora que a descoberta da mquina a vapor ocorreu no memento em que a existncia de um mercado mundial
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suficientemente amplo e organizado, historicamente indito, se articulou presena de massas de trabalhadores expulsas do campo e dispostas a trocar sua fora-de-trabalho por salrios. Foi o desenvolvimento das relaes capitalistas em escala planetria e, mais imediatamente, na Inglaterra, que tornou possvel e necessria a transio das manufaturas indstria. Foi neste momento que a mquina a vapor tornou-se til e foi desenvolvida. As causas da Revoluo Industrial no coincidem com a descoberta da mquina a vapor; so a ela anteriores (p. 254-255, grifo nosso).8
Se tentarmos buscar a explicao das esferas da realidade por uma base real, deixando
de lado sua origem e desenvolvimento, estamos deixando de lado tambm a perspectiva
dialtica da realidade, da luta dos contrrios, bem como da histria. No podemos consider-la
de forma que o seu desenvolvimento ocorresse igual em todos os momentos da histria
(ROMERO, 2005, p. 126-127). Se se consideramos a tcnica com um carter fetichista, ou seja,
como esfera autnoma da sociedade, poderemos interpretar equivocadamente uma histria
universal a partir dessa autonomia tecnolgica.
Em uma histria universal, as determinaes do desenvolvimento tecnolgico seriam compreendidas para alm das formaes sociais de cada poca, ou seja, para alm da histria. Ou pior, o desenvolvimento tecnolgico seria ele prprio a determinao do movimento histrico. As etapas histricas seriam explicadas em funo de descobertas e invenes tecnolgicas (ROMERO, 2005, p. 20-21).
A concepo fetichista da tcnica, ao coloc-la como fundamento das determinaes
sociais e do desenvolvimento da histria, falha como de tantas outras maneiras ao responder
qual o fundamento do prprio desenvolvimento da tcnica? (LESSA, 2011, p. 262). Ela seria,
ento, uma entidade mitolgica racional que manipula o mundo como o titereiro manipula sua
marionete? Segundo Lessa (2011), muitos dos autores, a serem questionados sobre isso, fogem
da pergunta se abrigando nos confins da cincia. Mas segundo ele, isso apenas transfere o
problema. Pois, se a cincia, e no mais a tecnologia, deve ser considerada a causa
8 Lessa afirma duas vezes que a descoberta da mquina a vapor aconteceu apenas quando ela foi inserida no processo de produo, mas j vimos que ela precedeu esse momento. Sem riscos de uma m interpretao dessa afirmao com o que j vimos, entende-se por descoberta a insero nos meios de produo da mquina a vapor.
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determinante do desenvolvimento histrico, qual seria o fundamento do desenvolvimento da
prpria cincia? (p. 262).9
Dentro das bases marxistas, nas quais ns nos apoiamos, a tecnologia deve ser
considerada frente s relaes de produo de cada formao social especfica (ROMERO,
2005, p. 123). Desconsiderar o momento histrico no entendimento da tcnica pode nos levar a
entend-la de forma abstrata, carente de determinaes, deixando de lado seu papel histrico
para a sociedade.
Seguindo essa ideia, devemos compreender que a anlise marxista da tcnica deve ter
sempre como base terica as relaes de classe, que so as bases reais do movimento histrico
(ROMERO, 2005, p. 126). Sendo assim, como podemos entender a tcnica atravs da luta de
classes?
A constante briga pela parcela de valor na produo entre burgueses e operrios
constitui um movimento da luta de classes. E a que a tcnica entra.
No capitalismo, a tcnica no apenas um instrumento do processo de trabalho, como ocorria nas formaes sociais pr-capitalistas, mas um instrumento do processo de valorizao, implicando e determinando uma relao especfica de domnio e de explorao do trabalhador aquela da subsuno real , que decorre das prprias condies econmicas e do emprego dos meios de produo (ROMERO, 2005, p. 124).
Logo, o desenvolvimento da tcnica permite que a burguesia aumente a produtividade
das indstrias, fazendo com que o operrio produza cada vez mais, e no ganhe,
necessariamente, um maior salrio por isso. o que Marx (1983; 1984) chama de aumento da
mais valia relativa. E isso acontece por que as foras produtivas no sistema capitalista tem
como elemento que a distingue o fato de ser capital, diferente das foras produtivas de outras
formaes sociais (ROMERO, 2005, p. 121). Ao investir mais em capital constante (meios de
produo que no so o trabalho humano, como a matria prima, energia, galpes, transporte e
a prpria tcnica), e menos em capital varivel (trabalho humano exclusivamente), a classe
9 Ainda sobre essa fuga desses autores, Lessa (2011) chega a afirmar que no so poucos, entre os autores que estudamos, os que se referem a uma revoluo tcnico-cientfica ou expresses do gnero (p. 262). Curiosamente, mesmo sem aparentar no conhecer o gegrafo Milton Santos, ele d um tiro certeiro sobre suas formulaes.
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burguesa aumenta o valor que expropriado do trabalhador no processo de produo e,
consequentemente, empurra-o para uma situao cada vez mais discrepante de pobreza relativa.
No obstante, o progresso tcnico no capitalismo cria um aumento da produtividade da
fora de trabalho, servindo para que o trabalhador reproduza mais rapidamente o seu valor.
Trata-se de diminuir a:
[...] parte da jornada em que ele [o trabalhador] trabalha para si mesmo, a parte retribuda de seu tempo de trabalho; e de prolongar, mediante a reduo desta, a outra parte da jornada, aquela em que ele trabalha grtis para o capitalista, a parte no retribuda da jornada de trabalho, seu tempo de sobretrabalho (MARX apud ROMERO, 2005, p. 117).
De fato, a substituio da ferramenta da manufatura pela mquina industrial, no
processo produtivo, cria um princpio objetivo que mudar por completo suas bases. Esse
princpio toma por completo as rdeas do trabalho, definindo de uma vez por todas, em
quantidade e qualidade, a jornada de trabalho. Como diz Marx (1983):
O estabelecimento de uma jornada normal de trabalho o resultado de uma luta multissecular entre capitalista e trabalhador. Entretanto, a histria dessa luta mostra duas tendncias opostas. Compare-se, por exemplo, a legislao fabril inglesa de nosso tempo com os estatutos ingleses do trabalho do sculo XIV at bem na metade do sculo XVIII. Enquanto a moderna lei fabril reduz compulsoriamente a jornada de trabalho, aqueles estatutos procuravam compulsoriamente prolong-la. Sem dvida, as pretenses do capital, em seu estado embrionrio, quando ele ainda vir a ser, portanto, em que ainda no assegura mediante a simples fora das condies econmicas, mas tambm mediante a ajuda do poder do Estado [...]. Custou sculos para que o trabalhador livre, como resultado do modo de produo capitalista desenvolvido, consentisse voluntariamente, isto , socialmente coagido, em vender todo o seu tempo ativo de sua vida, at sua prpria capacidade de trabalho, pelo preo de seus meios de subsistncia habituais, e seu direito primogenitura por um prato de lentilhas (p. 215).
Aqui perceptvel a comprovao de duas das nossas afirmaes anteriores. A primeira
sobre as mltiplas determinaes sociais, ao se falar no Estado que busca afetar a reproduo
social atravs do vis poltico. Essa esfera age deliberadamente da extenso da jornada de
trabalho, defendendo a classe social exploradora. E a segunda sobre a relao da luta de classes
com a tcnica no capitalismo, ao notarmos que s a subsuno real, que aparece aps a insero
de uma nova tcnica das bases materiais da produo da sociedade, permite o prprio
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trabalhador livre se submeter a esse perodo dado da jornada de trabalho ditado pelo
capitalista e pelo Estado moderno, seu fiel companheiro.
O que devemos voltar a nos questionar por agora : Qual esfera da realidade determina
essa totalidade social a qual nos referimos? Por qual motivo essas jornadas de trabalho so to
definidas para serem inseridas da melhor forma possvel no processo de produo? Por que os
seres humanos ainda continuam a utilizar o trabalho assalariado para poderem se reproduzir
enquanto sociedade? Bem, e se voltarmos mais ainda na essncia disso tudo e nos perguntarmos
por que o homem est organizado em sociedade?
Vivemos em uma sociedade complexa, cheia de indivduos dos quais nunca teremos
contato direto nenhum, e mesmo assim insistimos em viver nela. Porm, mesmo no
estabelecendo esse contato direto, somos imediatamente dependentes de muitos deles. Podemos
perceber isso mais concretamente se pensarmos na produo de alimento que chega s nossas
casas sem ao menos conhecermos seus produtores. E desse pensamento ainda se desdobra todas
as outras mercadorias que utilizamos, todos os produtos do trabalho humano que, em algum
espao e em algum tempo, foram produzidos, distribudos e consumidos por ns. Precisamos
viver em sociedade, pois sozinhos ou em pequenas tribos no conseguiramos dar conta de toda
essa imensa produo a qual estamos presos e dependentes tal como o fogo depende do consumo
oxignio para continuar existindo.
A organizao da sociedade em sua totalidade, ento, tem como objetivo que essa
produo social continue ocorrendo, por isso nos organizamos nela, para podermos produzir
socialmente. A produo de riquezas cresce consideravelmente com o trabalho humano social,
em propores que, individualmente ou em pequenos grupos, no teramos condio de manter
o mesmo nvel de produtividade. Essa produo fruto da necessidade de nos reproduzirmos,
isso , de atendermos nossas necessidades imediatas. Porm, toda essa produo socialmente e
tecnicamente desenvolvida nos d a possibilidade de realizarmos outras atividades, j que agora
no precisamos gastar tanto tempo na feitura de alimentos, roupas, casas e outros artigos de
primeira necessidade. H aqui a possibilidade de se produzir a cultura, msica, teatro, cincia,
educao e outras esferas sociais. Mas todas elas esto dependentes da produo da economia,
ou seja, da realizao do trabalho.
Se, como vimos, a realizao do trabalho parte de uma necessidade, que gera mais
possibilidades (LESSA; TONET, 2011), podemos finalmente nos perguntar, de quem so essas
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necessidades? Em outras palavras, se a produo da nossa sociedade baseada nas necessidades
que temos e nas possibilidades que criamos com isso, como as mquinas, objetos e tcnicas
poderiam determinar como, o que, quando etc. produzir? Admitir isso tambm admitir que a
tcnica (ou a cincia, como vimos) teria sua prpria racionalidade, e que ela, conscientemente,
estaria determinando nossas aes enquanto transformadores da Natureza. As relaes sociais
entre os homens, nesta concepo [fetichista da tcnica], passam a ser decorrncia dos meios
de trabalho (LESSA, 2011, p. 262). Mas nossas necessidades, por mais artificiais que elas
sejam, so necessidades humanas, no do meio tcnico, e apenas elas sem perder de vista as
condies objetivas as quais nos encontramos, para no cairmos em preposies idealistas
poderiam determinar, em ltima instncia, como nossa sociedade pode ser produzida.
5. Consideraes Finais
Ao fim dessa anlise, pudemos observar que o processo de transformao radical da
sociedade durante a I Revoluo Industrial no foi causado pela insero da tcnica, mas pelas
transformaes nas relaes de trabalho. Para isso, no podemos considerar essa revoluo
constituda apenas no fim do sculo XVIII, devemos compreend-la por todo processo anterior
a ela que fez com que, paulatinamente, as relaes de produo estivessem maduras no que se
refere ao domnio do capital ao trabalho.
Os resultados, por mais que parciais, dessa pesquisa so de fundamental importncia na
construo do debate da cincia geogrfica e demais cincias da sociedade. Compreender os
limites da determinao da tcnica na produo da sociedade capitalista tambm nos aproxima
do entendimento sobre a produo capitalista do espao, sendo este objeto central da Geografia
e conceito de grande valor para outras cincias como a sociologia, economia e histria.
Contudo, o estudo sobre a tcnica no teria nenhuma serventia sem a compreenso da
realidade onde ela est inserida. O recorte histrico do perodo anterior a I Revoluo Industrial
feito aqui foi determinante para o esclarecimento da nossa problemtica, o papel da tcnica na
produo das mudanas estruturais da sociedade. Contudo, os resultados dessa pesquisa so
apenas parte da compreenso sobre tais mudanas estruturais, a tcnica parte da totalidade
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objetiva da produo social, e jamais pode explicar sozinha toda essa realidade presente no
nosso recorte histrico. Porm, nosso trabalho parte da construo terica que tem como
objetivo o debate dentro do materialismo histrico e dialtico sobre a produo social do espao.
6. Referncias Bibliogrficas
ENGELS, Friedrich. Cartas de Engels Contra a Vulgarizao do Materialismo Histrico. In:
Cultura, Arte e Literatura: Textos Escolhidos / Karl Marx e Frederich Engels. So Paulo:
Expresso Popular, 2010.
______. Trabalho e Proletariado no Capitalismo Contemporneo. So Paulo: Cortez,
2011.
HARVEY, David. Os limites do Capital. So Paulo: Boitempo, 2014.
LESSA, Srgio; TONET, Ivo. Introduo Filosofia de Marx. So Paulo: Expresso Popular,
2011.
LUKCS, Gyorgy. Tecnologia e Relaes Sociais. In: Bukhrin: Terico Marxista. Belo
Horizonte: Oficina de Livros, 1989.
MARX, Karl. Para a Crtica da Economia Poltica; Salrio Preo e Lucro; O rendimento
e suas fontes. So Paulo: Abril Cultural, 1982.
______. O Capital: Crtica Economia Poltica. Volume 1, Tomo I. So Paulo: Abril Cultural,
1983.
______. O Capital: Crtica Economia Poltica. Volume 1, Tomo II. So Paulo: Abril Cultural,
1984.
ROMERO, Daniel. Marx e a Tcnica: Um estudo dos manuscritos de 1861-1863. So Paulo:
Expresso Popular, 2005.