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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
LARISSA RODRIGUES ORGANISTA
GUARDA COMPARTILHADA: MECANISMO ADEQUADO A INIBIR A
ALIENAÇÃO PARENTAL?
NITERÓI
2015
LARISSA RODRIGUES ORGANISTA
GUARDA COMPARTILHADA: MECANISMO ADEQUADO A INIBIR A
ALIENAÇÃO PARENTAL?
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Faculdade de Direito da
Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Orientador: Raquel Nery Cardozo
NITERÓI
2015
LARISSA RODRIGUES ORGANISTA
GUARDA COMPARTILHADA: MECANISMO ADEQUADO A INIBIR A
ALIENAÇÃO PARENTAL?
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Faculdade de Direito da
Universidade Federal Fluminense como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
Aprovada em novembro de 2015.
BANCA EXAMINADORA
Profª. M.s. Raquel Nery Cardozo – Orientador
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Profª. M.s. Esther Benayon Yagodnik
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Prof. Dr. Eduardo de Alvarenga Tavares
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
AGRADECIMENTOS
Agradeço, antes de tudo, a Deus, que me permitiu a oportunidade de estudar
nesta renomada Universidade e colocou em meu caminho excelentes professores. Sem
Sua sustentação não seria nada do que sou e não teria alcançado os objetivos que
conquistei até agora.
Agradeço aos meus pais, Patrícia e José Henrique, que, apesar de tudo, sempre
foram o exemplo de como o estudo é importante e pode mudar a vida de qualquer um.
À minha mãe, obrigada por passar por todos os percalços da vida para que eu e minha
irmã pudéssemos nos tornar as adultas que somos hoje, sempre dedicadas ao estudo.
Agradeço à minha irmã Raíssa, que, mesmo com nossas diferenças, sempre
acreditou em mim e no meu potencial, ainda que muitas vezes em silêncio. Obrigada
por ter trazido ao mundo meu sobrinho, que é fonte de imensas alegrias e força para que
lutemos cada dia mais.
À minha tia Ana Paula, meu sincero obrigado, por sempre me apoiar, secar meu
choro e proferir palavras de ânimo e encorajamento quando precisei. Obrigada por me
acolher nas horas mais importantes.
Ao meu tio Marino Alexandre, agradeço a compreensão, toda a força e palavras
que sempre me incentivaram a continuar estudando arduamente.
Agradeço imensamente ao meu namorado Renan, por todo carinho, dedicação e
por sempre se orgulhar das minhas vitórias. Obrigada pela paciência em todos os
momentos difíceis que passei até agora, na vida e na faculdade. Obrigada por ser meu
ombro amigo, por me ajudar a trilhar esse caminho de forma mais leve, por me fazer rir,
por todas as horas em que passou ao meu lado, estudando junto, na certeza de que
juntos somos mais fortes.
Meu muito obrigada à minha orientadora, Raquel Nery Cardozo, que teve todo o
empenho e dedicação necessários para me auxiliar na produção deste trabalho, com a
doçura e bondade que lhe são característicos. Agradeço por ter sido exemplo ao longo
da faculdade e por tanto ter me ensinado em tempos de estágio no CAJUFF e
monografia.
Agradeço, por fim, aos amigos que, de alguma forma, contribuíram para tornar
esse período de estudos intensos, mais leve.
“Se a liberdade significa alguma coisa, será, sobretudo,
o direito de dizer às outras pessoas o que elas não
querem ouvir.” (George Orwell).
RESUMO
A família tem passado por inúmeras alterações, advindas de mutações sociais, políticas
e econômicas. Neste sentido, também se mudou a maneira como o poder familiar
passou a ser exercido pelos pais, já que a sociedade, antes patriarcal, deu lugar a busca
pela isonomia entre homem e mulher, refletida no núcleo familiar. Quando do fim do
casamento e da união estável, os filhos tornam-se, em geral, objeto de disputa pela
guarda. Muitos pais, aproveitando-se da constante adoção da guarda unilateral, utilizam
seus filhos para atacar o ex-cônjuge ou ex-parceiro, praticando a extremamente negativa
alienação parental. Por conta disso, a doutrina e a jurisprudência passaram a considerar
a guarda compartilhada como a modalidade de guarda que melhor atende aos interesses
das crianças e adolescentes, posto que preza pela manutenção do relacionamento entre
pais e filhos e, por isso, capaz de inibir a as práticas de alienação parental. O presente
estudo tem por objetivo fazer uma análise crítica a respeito da aplicação irrestrita da
guarda compartilhada, utilizando-se de material eminentemente doutrinário e
jurisprudencial.
Palavras-chave: Alienação Parental. Guarda Compartilhada. Melhor interesse da
Criança e do Adolescente. Família. Poder Familiar.
ABSTRACT
The family has gone through numerous changes due to social changes, political and
economic. Therefore, it has changed the way family's power was exercised by the
parents, since the society, which used to be patriarchal , has given place to equality
between men and women, reflected in the household. When the end of the marriage and
common-law marriage, the children usually become a subject of dispute for custody.
Many parents, taking advantage of the constant adoption of unilateral guard, use their
children to attack the ex-spouse or ex-partner, practicing extremely negative parental
alienation. Because of this, the doctrine and jurisprudence began to consider joint
custody as the guard mode that best meets the interests of children and adolescents,
since it values the maintenance of the relationship between parents and children and,
therefore, capable of inhibiting parental alienation practices. This study aims to make a
critical analysis about the unrestricted application of joint custody, using an eminently
doctrinal and jurisprudential material.
Keywords: Parental Alienation. Shared custody. Best interests of the child. Family.
Family's power.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 9
1.FAMÍLIA 12
1.1 Conceito e considerações iniciais 12
1.2 Evolução legislativa da família no Brasil 14
1.2.1 Organização sistêmica e legislativa da família antes da Constituição de 1988 15
1.2.2 A nova perspectiva da família após a Constituição de 1988 18
1.2.2.1 Projeto de Lei 6583/2013 – Estatuto da família 21
1.3 Princípios Constitucionais atinentes à família 23
1.3.1 Princípio do “ratio” do matrimônio e da união estável 23
1.3.2 Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros 25
1.3.3 Princípio da igualdade na chefia familiar 26
1.3.4 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos 27
1.3.5 Princípio do pluralismo familiar 27
1.3.6 Princípio de proteção da dignidade da pessoa humana 28
1.3.7 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente 29
2.PODER FAMILIAR 30
2.1 Conceito 31
2.2 Características 32
2.3 Titularidade, responsabilidades e obrigações 33
2.4 Poder familiar frente a dissolução da sociedade conjugal/convivencial 35
2.5 Extinção, suspensão e perda do poder familiar 36
3. GUARDA 38
3.1 Conceito e evolução no Direito Brasileiro 38
3.2 Modalidades de Guarda 46
3.2.1 Guarda Unilateral 46
3.2.2 Guarda Alternada 48
3.2.3 Guarda Compartilhada 49
3.2.3.1 Conceito e considerações iniciais 49
3.2.3.2 Evolução legislativa – alterações trazidas pela Lei nº 11.698 de 2008 e Lei
13.058 de 2014 51
4 ALIENAÇÃO PARENTAL 56
4.1 Conceito, surgimento e evolução 56
4.2 Diferenciação entre a Síndrome de Alienação Parental (SAP) e a Alienação Parental
(AP) 62
4.3 Breves comentários à Lei de Alienação Parental – Lei 12.318/2010 65
4.4 Efeitos da Alienação Parental sobre a prole 68
5.GUARDA COMPARTILHADA E ALIENAÇÃO PARENTAL 71
5.1 Dificuldades e possibilidades na aplicação da Guarda Compartilhada no que tange à
harmonia entre os genitores 72
5.2 O uso da Guarda Compartilhada como mecanismo para inibir a Alienação Parental 76
CONCLUSÃO 82
REFERÊNCIAS 88
9
INTRODUÇÃO
A dissolução da sociedade conjugal/convivencial, amplamente estudada pela
comunidade jurídica, gera efeitos não só ao casal que rompe o relacionamento, como
também aos seus filhos. Após o desmantelamento do casamento ou da união estável,
surge para o menor um natural momento de apreensão e dúvida, por não conseguir
vislumbrar como passará a ser a sua relação com seus pais.
Ainda que o divórcio se dê de forma amigável, as alterações no modo de vida do
ex-casal e, consequentemente, dos filhos comuns, é inevitável. Saber onde e com quem
irão morar, se poderão ver seus pais e com que frequência, são dúvidas comuns que
afligem os menores após o fim do relacionamento dos pais e que devem ser dirimidas
com a máxima rapidez possível, para que se evite danos psicológicos às crianças e
adolescentes.
As diversas alterações ocorridas na sociedade ao longo das últimas décadas,
sobretudo no que concerne à posição da mulher no âmbito familiar, refletiram no modo
como o poder dos pais passou a ser exercido sobre os filhos, bem como nas soluções em
disputas pela guarda dos menores. O patriarcalismo deu lugar à noção de isonomia entre
homens e mulheres, o que se traduziu nas relações familiares.
Assim, a adoção desmedida e constante da guarda unilateral pelos magistrados
passou a ser cada vez mais criticada, acreditando-se que o compartilhamento da guarda
é a decisão que, regra geral, melhor atende ao tão aclamado princípio da proteção ao
melhor interesse da criança e do adolescente. Em consonância com este entendimento,
foram editadas algumas leis, o que demonstra a relevância social do estudo da guarda
compartilhada.
Não se pode olvidar que o fim de um relacionamento gera, muitas vezes, mágoa
no ex-casal, gerando situações de brigas e sentimento de ódio e vingança. Nesta lógica,
alguns pais utilizam os filhos como meio de se vingar do ex-cônjuge ou ex-parceiro,
praticando o que se denomina alienação parental, o que resulta em sequelas gravíssimas,
tanto no menor quanto no cônjuge objeto da alienação.
10
Neste sentido, o objetivo do presente trabalho consiste em analisar se a guarda
compartilhada é meio eficaz para inibir o desenvolvimento de práticas de alienação
parental, tão nocivas às crianças e adolescentes. Intenta-se verificar se o
compartilhamento da guarda é capaz reduzir a incidência de atuações alienadoras por
parte do genitor que se sentiu prejudicado com o fim do relacionamento amoroso,
fundamentando-se na Constituição Federal, nas leis específicas de guarda compartilhada
e alienação parental, além, é claro, de imensa gama de legislações necessárias para que
se possa compreender o tema.
Além disso, far-se-á ampla análise doutrinária, com o intuito de fomentar o
método dedutivo, eleito como o mais adequado para se debruçar eficazmente sobre o
conteúdo em tela. A partir de concepções gerais acerca da definição e compreensão do
que é família, poder familiar, guarda compartilhada e alienação parental, buscar-se-á
atingir o objetivo fulcral do presente estudo, comprovando-se a conclusão obtida.
Neste intento, o primeiro capítulo deste trabalho abordará o instituto da família,
demonstrando-se além do seu conceito, também a sua evolução legislativa, que irá
permear as inovações das leis anteriores à Constituição Federal de 1988 e os eventos
legislativos póstumos à promulgação da Carta Maior. Além disso, serão brevemente
apresentados alguns princípios relevantes quando se trata de família, imprescindíveis
para que se possa compreender o papel de cada membro do corpo familiar e o modo
como devem ser exercidos seus direitos e deveres.
Seguindo essa lógica, o capítulo dois servirá ao intento de demonstrar
exatamente a definição do poder familiar, salientando-se sua evolução histórico-
legislativa que levou a alteração da nomenclatura do instituto de “pátrio poder” para
“poder familiar”. Tratar-se-á, então, do modo como os pais, no âmbito familiar, devem
exercer o poder-dever-direito que possuem sobre os filhos menores, destacando-se
quem possui sua titularidade, as características desse poder, as responsabilidades e
obrigações de seu titular, além das hipóteses de extinção, suspensão e perda do poder
familiar.
Neste caminho, o capítulo posterior cumprirá a função de demonstrar como se dá
o exercício do poder familiar a partir da dissolução da sociedade conjugal/convivencial,
11
cuidando-se, pois, de estudar o instituto da guarda. Para isso, conceituar-se-á a guarda,
além de se destacar de forma ampla e detalhada a sua evolução legislativa no direito
brasileiro, até que se chegue ao estudo tão importante das modalidades de guarda
existentes no ordenamento jurídico pátrio.
Dar-se-á especial atenção à guarda compartilhada, onde será abordado o
conceito e evolução legislativa, cuidando-se de analisar as mudanças operadas no
ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Lei 1.058/014, amplamente divulgada
pela mídia. Abordar-se-á se lei em comento representou, de fato, a obrigatoriedade da
aplicação da guarda compartilhada, sempre à luz do princípio do melhor interesse da
criança e do adolescente.
O capítulo quatro, por sua vez, servirá ao intento de se demonstrar o que se
entende por Alienação Parental, abordando-se seu surgimento e evolução, tanto na
comunidade científica, quanto no núcleo familiar, além de se diferenciar a Alienação
Parental da Síndrome de Alienação Parental. Será ainda realizada breve análise da Lei
13.018/2010, relatando-se, posteriormente, os efeitos extremamente negativos da
Alienação Parental sobre o desenvolvimento psíquico-social da prole.
Por fim, no quinto e último capítulo do presente trabalho buscar-se-á realizar o
arremate entre tudo antes demonstrado, buscando-se compreender e analisar as
hipóteses em que é possível e, ao revés, as situações em que se mostra inviável a adoção
da guarda compartilhada no que tange ao relacionamento dos genitores. Além disso, e
com o fim de alcançar o objetivo central deste estudo, far-se-á a análise do uso da
guarda compartilhada como mecanismo para inibir a alienação parental, justificando-se,
inclusive, as críticas realizadas à guarda unilateral.
12
1.FAMÍLIA
Com o fito de estabelecer suficiente embasamento para compreensão do tema
objeto do presente trabalho é importante que se desenvolva breves noções acerca do
instituto da família, abordando não só seu conceito, mas também as considerações
iniciais sobre o instituto, seu desenvolvimento sistêmico e legal e, ainda, os principais
princípios que regem o tema.
1.1 Conceito e considerações iniciais
A origem etimológica da palavra família remete-se ao termo famulus, do
latim, cujo significado é escravo/servo/serviçal. A utilização deste termo em muito se
dava por conta da noção de família como sentimento de posse e obediência: a mulher
devia obediência ao marido/pai e os filhos eram posse de seu pai, o pater famílias.
Em que pese a infinidade de definições encontradas atualmente para a palavra
família, conceituar o termo de maneira definitiva é tarefa árdua. Isto porque, a
configuração da família está em constante mutação, tendo sido alterada diversas vezes,
desde os primórdios, conforme o panorama social, histórico, econômico e cultural
vigente à época, além, é claro, de não apresentar um único tipo de modelação.
Maria Helena Diniz, em seu dicionário jurídico, a define sob três óticas distintas:
direito civil, direito constitucional e sociologia jurídica. Segundo a lente do direito civil,
a autora aborda o instituto a partir de três acepções distintas. Assim,
a)no seu sentido amplíssimo, o conceito abrange todos os indivíduos ligados
pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir
estranhos, como as pessoas de serviço doméstico ou as que vivam a suas
expensas; b) na acepção ampla, além dos conjugues e de seus filhos, abrange
os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins; c)na significação
restrita, alcança não só o conjunto de pessoas unidas pela filiação, ou seja, os
cônjuges, os conviventes e a prole, mas também a comunidade formada por
qualquer dos pais e descendentes, independentemente de existir o vínculo
conjugal que a originou (DINIZ, 2011, p.264)
O sentido amplíssimo, abordado por Maria Helena Diniz, pode ser bem
observado no ordenamento jurídico brasileiro no art. 1.412,§2º do Código Civil, que, ao
definir as necessidades da família no direito de uso, ressalta que esta compreende
13
também as necessidades do “cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço
doméstico”. Por outro lado, o sentido lato da palavra família, conforme definição da
ilustríssima doutrinadora, pode ser representado por meio dos arts. 1.591 e 1.592, ambos
do Código Civil
O sentido restrito, por seu turno, é retratado de maneira clara no art. 226 §§ 3° e
4° da Constituição Federal, que trata da união estável como mecanismo formador da
família e da família monoparental, respectivamente, conforme se observa in verbis:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por
qualquer dos pais e seus descendentes.
Partindo de outro viés, destaca a autora que, para o Direito Constitucional, a
família significa a “célula fundamental da sociedade protegida constitucionalmente”.
Para a sociologia jurídica, sob outro prisma, a família é uma “instituição social básica”.
Orlando Gomes conceitua família como sendo “o grupo fechado de pessoas,
composto dos genitores e filhos, e para limitados efeitos, outros parentes, unificados
pela convivência e comunhão de afetos, em uma só e mesma economia, sob a mesma
direção”. (GOMES, 1998, p.33). Neste sentido, a definição apresentada pelo
doutrinador assemelha-se à acepção ampla apresentada por Maria Helena Diniz quando
define família focando no seu significado para o direito civil.
Paulo Lôbo (2009)destaca que a família é formada por duas estruturas que se
associam, quais sejam, os vínculos e os grupos. Os vínculos, conforme assevera o autor,
são de três tipos, podendo estes existir separadamente ou coexistir. Esses vínculos
podem ser de sangue, de direito e/ou de afetividade e é “a partir dos vínculos de família
é que se compõem os diversos grupos que a integram: grupo conjugal, grupo parental
(pais e filhos), grupos secundários (outros parentes e afins).” (LÔBO, 2009, p.02).
Feitas as primeiras considerações acerca do conceito do instituto de que ora se
trata, é de suma importância lembrar que a família é uma entidade ancestral, que sofre
constantes e importantes alterações, remodelando-se conforme os acontecimentos que
14
lhe são externos. Assim, nota-se que a configuração familiar do século XX, por
exemplo, não se manteve no século XXI, sofrendo acréscimos de forma e composição.
Nessa esteira, Giudice salienta que
Não se inicia qualquer locução a respeito de família se não lembrar, a priori,
que ela é uma entidade histórica, ancestral como a história, interligada com
os rumos e desvios da história, mutável na exata medida em que mudam a
estrutura e a arquitetura da própria história através dos tempos. Sabe-se,
enfim, que a família é por assim dizer a história, e que a história da família se
confunde com a própria história da humanidade.
Sempre importa por isso reconhecer o perfil evolutivo da família ao longo da
história, adequá-lo ao incidente social, econômico, artístico, religioso,
político da época, para o efeito final de se buscar extrair os porquês das
transformações, os acertos, os desacertos, de cada percurso, a influência na
consciência dos povos, sempre a partir do modus familiar e da relação
efetivamente havida entre os seus membros, mormente entre homem e
mulher. (GIUDICE, 2008. Disponível em <
http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1698>. Acesso em
20/10/2015).
Desta feita, é imperioso salientar que aplicadores do direito, legisladores e toda a
sociedade devem estar atentos às mudanças sociais, alterando o direito de modo a
adequá-lo à realidade que o envolve.
1.2 Evolução legislativa da família no Brasil
Conforme supra salientado, a concepção de família decorre da própria história e
muito se relaciona aos acontecimentos que permeiam a construção e desenvolvimento
da sociedade. Assim, a família é tratada pelos doutrinadores como o grupo social mais
antigo do ser humano, existente antes mesmo de o homem se organizar em
comunidades mais amplas.
Objetivando regulamentar esta antiga formação social, inúmeras atuações
legislativas tiveram advento no Brasil e no restante do mundo. No ordenamento jurídico
pátrio, as maiores produções legislativas acerca desta instituição se desenvolveram no
princípio do século XX, sobretudo com a edição do Código Civil de 1916, deparando-se
com a Constituição Federal de 1988, que abrilhantou sobremaneira o tratamento do
tema.
15
Com uma missão mais humanizadora, a Constituição Federal de 1988, que prega
pela dignidade da pessoa humana e isonomia entre homem e mulher, trouxe para
regulamentação do instituto em voga novas perspectivas, que retiraram do homem o
poder de gerir a vida de cada membro do núcleo familiar. As alterações culturais e
econômicas irradiam nos anseios sociais que, consequentemente, refletem sobre a
produção legislativa, já que, caso se pretenda ignorar as demandas sociais, tornar-se-á
morta a letra da lei, posto que em desacordo com a sociedade que rege.
1.2.1 Organização sistêmica e legislativa da família antes da Constituição de 1988
As leis em vigor no período anterior à vigência da Constituição Federal de 1988
formalizavam o panorama político e cultural vigente à época, qual seja, uma sociedade
patriarcal, que retirava da mulher a voz ativa nas decisões familiares. Excluía-se da
tutela jurisdicional as entidades familiares que não fossem constituídas por meio do
matrimônio. A afetividade era, pois, ignorada, somente sendo consideradas famílias as
formadas na constância do casamento. Ignorou-se as uniões decorrentes da convivência,
como o companheirismo e o concubinato.
A legislação que marcou historicamente o tratamento do instituto da família foi
o Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071/1916). Segundo destaca Luiz Edson Fachin, a
legislação civilista de 1916 era patrimonialista, de maneira que ser sujeito de direito na
época significava ser “sujeito de patrimônio”, valorizando-se muito mais o “ter” do que
o “ser”. (FACHIN, 2003, p. 298).
Neste ínterim, o Código de Clóvis Beviláqua formalizou os anseios de uma
sociedade baseada na desigualdade entre homens e mulheres, destacando-se a condição
submissa da esposa frente ao marido e, consequentemente, a sua posição secundária em
relação ao pai, provedor do bem-estar familiar e chefe da família (GIUDICE, 2008).
Neste sentido destaca GIUDICE:
Na época o Código Civil era patriarcalista, o homem ostentava sua
responsabilidade pela família em todos os parâmetros, econômicos, sociais,
religiosos, e políticos, a mulher permanecia submissa ao varão, às regras
impostas pela sociedade da época. A união da família girava em torno do pai,
que garantia a subsistência do grupo. A mulher era dona de casa, não possuía
voz ativa, nem poder dentro do núcleo familiar. Todos seus atos deveriam ser
16
consultados ao marido, que pensava por ela, esta, necessitava do
consentimento do marido, agindo conforme seu querer. A mulher do século
passado era considerada relativamente capaz, e nunca adquiriria a capacidade
plena. A discriminação da mulher estava espalhada nos artigos do Código
vigente da época referida. Ao marido incumbia à chefia dafamília, da
sociedade conjugal. A mulher tinha a função de colaboração, na educação e
criação dos filhos e somente esta era a sua responsabilidade. O Código Civil
de 1916 demonstra a realidade da época, sobre a questão do casamento dos
filhos menores de 21 anos, que necessitavam do consentimento de ambos os
pais, porém, sempre prevalecendo à vontade paterna, se houvesse
discordância. ((GIUDICE, 2008. Disponível em <
http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=1698>. Acesso em
20/10/2015).
O casamento era instituição amplamente consagrada, tanto que a dissolução do
vínculo conjugal somente era permitida por meio do chamado “desquite”, substituída
pela separação judicial criada com a Lei nº 6.515/77, que também criou a instituição do
divórcio. Somente a família formada por meio do relacionamento matrimonial era
considerada e a finalidade primeira desta era a continuidade (FUGIE, 2002).
O art. 233 do Estatuto Civilístico designava que “o marido é (era) o chefe da
sociedade conjugal”, enquanto que o art. 240 do mesmo diploma legal atribuiu à mulher
a função apenas de “colaboradora dos encargos da família”, não lhe restando qualquer
autonomia, já que o artigo 242 mesmo apresentava um rol de atividades que a mulher
não podia exercer sem autorização do marido. Isso demonstra os reflexos da sociedade
patriarcal nos direitos e deveres estabelecidos na época.
Imprescindível trazer à baila a questão da filiação em tempos anteriores à
Constituição Federal de 1988. Havia clara distinção entre filhos legítimos e ilegítimos,
naturais e adotivos. Assim, por exemplo, o art. 377 do Código Civil de 1916 estipulava
que “quando o adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de
adoção não envolve a de sucessão hereditária”.
A concessão da guarda ligava-se à culpa na separação. Assim, a guarda não era
atribuída ao genitor considerado culpado na separação. O critério para definir o detentor
da guarda não era o melhor interesse da criança, conforme nos dias atuais.
Com o advento da Lei nº 883/1949, passou a vigorar mais uma importante
inovação legislativa. O diploma legal em comento introduziu no ordenamento jurídico
pátrio a possibilidade de reconhecimento dos filhos havidos fora do matrimônio pelos
pais, assim como passou a permitir aos filhos ingressar com ação própria para
17
reconhecimento da paternidade.1 O direito à herança foi reconhecido a qualquer filho,
independente da origem da filiação.2
Em 27 de agosto de 1962, foi publicada a Lei nº 4.121, que versava sobre a
situação jurídica da mulher casada, sendo por isso denominada Estatuto da Mulher
Casada. Esta lei revogou diversos dispositivos do Código Civil e alguns do Código de
Processo Civil, inovando, por exemplo, ao permitir que a mulher exercesse o poder
familiar em colaboração ao marido. No entanto, é interessante observar que essa
permissão era ainda muito restrita, já que, em caso de divergência entre marido e
mulher, a posição do homem prevalecia, restando à esposa apenas a possibilidade de
recorrer ao juiz, pleiteando pela solução da divergência.3
A alteração da posição que a mulher assumia na sociedade refletia sobremaneira
nas inovações legislativas, como se vê. Ainda que a passos lentos e quase sempre de
forma insuficiente, aos poucos, a mulher ganhava espaço na atuação em sua família e na
sociedade.
E foi nesta lógica que foram editadas em 1977 a Emenda Constitucional n° 9,
publicada em 29 de junho, e a Lei 6.515, ambas relacionadas ao instituto do divórcio no
Brasil. A EC n°9/77 permitiu a dissolução do casamento desde que os cônjuges já
estivessem separados judicialmente por mais de três anos ou separados de fato por mais
de cinco anos, se a separação fosse anterior à data da Emenda. Por outro lado, a Lei
6.515/77 regulamentou os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento,
tratando não só do divórcio e da separação, mas também de outras questões importantes,
como a possibilidade de utilização ou não do nome de família do esposo pela mulher.
1Lei nº 883/1949, art. 1º: Dissolvida a sociedade conjugal, será permitido a qualquer dos cônjuges o
reconhecimento do filho havido fora do matrimônio e, ao filho a ação para que se lhe declare a
filiação.Lei nº 883/1949. 2Lei nº 883/1949, art. 2º - Qualquer que seja a natureza da filiação, o direito à herança será reconhecido
em igualdade de condições. 3Lei nº 4.121/62, art. 1º Os artigos 6º, 233, 240, 242, 246, 248, 263, 269, 273, 326, 380, 393, 1.579 e
1.611 do Código Civil e 469 do Código do Processo Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:
(...)“Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a
colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com
exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão
do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz, para solução da divergência".
18
1.2.2 A nova perspectiva da família após a Constituição de 1988
Em 1988 houve a promulgação de nova Constituição Federal, conhecida por
muitos como Constituição Cidadã. Com a edição deste importantíssimo diploma legal, o
tratamento legislativo dispensado ao instituto da família foi mais uma vez alterado, de
modo a atender não só as mudanças sociais, como também para adequar seu tratamento
aos objetivos e princípios da nova Constituição da República.
A nova Carta Magna prevê um capítulo destinado à família, à criança, ao
adolescente e ao idoso (Capítulo VII da Constituição da República). Definiu-se a
família como a base da sociedade, merecendo por isso, de acordo com o art. 226 da
Carta Maior, especial proteção do Estado, in verbis: “Art. 226. A família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Segundo Flávio Tartuce e José Fernando Simão, quando se interpreta o art. 226
da Constituição Federal, pode-se observar que a família decorre dos institutos a seguir:
-Casamento civil, sendo gratuita a sua celebração e tendo efeito civil o
casamento religioso, nos termos da lei (art. 226, §§ 1º e 2º.).
-União estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar a sua conversão
em casamento (art. 226, § 3º.). A união estável está regulamentada nos arts.
1.723 a 1.727 do CC, sem prejuízo de outros dispositivos da atual
codificação.
-Entidade monoparental, ou seja, a comunidade formada por qualquer dos
pais e seus descendentes (art. 226, § 4º.). Não há qualquer regulamentação
específica dessa entidade no Código Civil ou em outra lei especial.
(TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 27)
Como se observa, a nova concepção de família, adotada pela Constituição de
1988, não se sujeita ao ideal conservador que apenas protegia as famílias concebidas por
meio do matrimônio. O constituinte de 1988 trouxe para o manto da Lei Maior alguns
outros tipos de famílias já existentes, mas que eram desconsideradas, por não serem
formadas por meio da instituição do casamento.
Com relação à família monoparental, decorrente da entidade monoparental
tratada por Tartuce e Simão, o doutrinador Eduardo de Oliveira Leite explica que
uma família é definida como monoparental quando a pessoa considerada
(homem e mulher) encontra-se sem cônjuge ou companheiro, e vive com uma
ou várias crianças. Enquanto na França determinou-se a idade limite desta
criança – menor de 25 (vinte e cinco) anos –, no Brasil, a Constituição
limitou-se a falar em descendentes, tudo levando a crer que o vínculo pais x
19
filhos dissolve-se naturalmente com a maioridade de 18 (dezoito) anos,
conforme disposição constante no art. 5º do CC brasileiro. (LEITE, 2003, p.
22)
Nota-se que o modelo de família delineado pela Carta Magna de 1988 decorre de
seus próprios fundamentos, princípios e objetivos, como solidariedade, isonomia,
afetividade e respeito à dignidade da pessoa humana, o que destaca a
constitucionalização do direito civil, que se aprofunda cada vez mais. Pugna-se pela
proteção à família, seja ela concebida de modo formal, através do casamento, ou não.
E é seguindo este pensamento que grandes nomes da doutrina indicam a
tendência em ampliar o conceito de família, de maneira a abranger outras situações,
além das tratadas pela Constituição Federal (TARTUCE, 2003, p. 28). Maria Berenice
Dias, por exemplo, prefere a utilização do termo “famílias plurais”, destacando que
O novo modelo de família funda-se sob os pilares da repersonalização, da
afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo uma nova
roupagem axiológica ao direito de família (...). A família-instituição foi
substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para
o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes, como para o
crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua
proteção pelo Estado. (DIAS, 2007, p. 41).
Mister destacar que a Constituição de 1988 estabeleceu a igualdade entre homem
e mulher em seu art. 5º, I e ratificou esta isonomia no § 6º do art. 226 da Magna Carta.
Além disso, estendeu o tratamento igualitário à pessoa dos filhos, que não podem ter
trato diferenciado pela origem ou qualquer outra forma de distinção.
No sentido de ratificar a proteção às crianças e adolescentes formalizada pela
Constituição Federal, foi editada em 1990 a Lei nº 8.069, denominada Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), que representou enorme avanço no reconhecimento
dos direitos destas pessoas em fase de desenvolvimento. O reconhecimento do estado de
filiação se tornou direito personalíssimo e imprescritível, garantido o segredo de justiça
na tramitação processual.
Em 1994, na esteira de ampliar as garantias das novas formas de família
consideradas pela Constituição, foi promulgada a Lei nº 8.971/94, que dispõe sobre o
direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, permitindo a estes titularizar direitos
antes restritos aos casados. Na mesma ordem, a Lei nº 9.278/96, que veio para regular o
artigo 226, §3º da Constituição Federal cujo foco é a união estável, reconheceu “como
20
entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma
mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família” (Art. 1º, Lei 9.278/96).
De extrema importância após a promulgação da Magna Carta de 1988 foi a
edição da Lei nº 10.406, de 10/01/2002, conhecida como novo Código Civil. O novo
Estatuto Civilístico, seguindo a tendência constitucional, apresenta um texto mais
preocupado em proteger a dignidade da pessoa humana, caracterizando-se por ter
abandonado o apreço excessivo ao patrimônio, característico do Código de 1916.
Diante das inúmeras inovações apresentadas pelo Código Civil de 2002, faz-se
necessário citar ao menos algumas delas. São elas a previsão de igualdade entre
cônjuges na família, que, a partir de então passaram a ser tratados como equivalentes
para fins de exercício do poder familiar (art. 1.511, CC); a inclusão da separação como
meio de dissolver o vínculo conjugal (art. 1.571, III, CC); a regulamentação da união
estável entre o homem e a mulher, que mereceu título próprio, e repetiu, no art. 1.723 a
definição apresentada no art. 1º da Lei 9.278/96.
Apesar das louváveis inovações trazidas pelo novo Código Civil, não se pode
deixar de citar a omissão do legislador em muitos assuntos. Neste sentido, é objeto de
imensa crítica doutrinária o fato de não haver na mais recente codificação civil
dispositivos que cuidem da união homoafetiva e da família monoparental, ignorando a
formação familiar de diversos brasileiros. Retratando este atraso do Código de 2002,
salienta a ilustríssima doutrinadora Maria Berenice Dias que “o novo Código, embora
bem-vindo, chegou velho” (DIAS, 2009, p. 31).
Neste mesmo sentido, há de se destacar também o caráter extremamente
conservador da Constituição Federal no que respeita a definição de família encartada no
art. 226, § 3º da Constituição Federal, in verbis:”art. 226, § 3º Para efeito da proteção do
Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar,
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Assim, observa-se que o
anacronismo existente na codificação civil também se encontra presente também na
Constituição Federal.
Após muitas demandas judiciais solicitando o reconhecimento de união entre
pessoas do mesmo sexo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº
21
4277/DF, realizou a interpretação do § 3º do art. 226 da Magna Carta, reconhecendo
válida a união homoafetiva. Nesse sentido, vale a transcrição de parte da ementa:
[...]3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA
FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA”
NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA
JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E
PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR
FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art.
226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase
constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou
proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou
informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por
pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão
“família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade
cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição
privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com
o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo
familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos
fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida
privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares
homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no
igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família
como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo.
Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como
instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil.
Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada
na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural.
Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente,
o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que
passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas
[...]. (STF, ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Brittoi, Plenário, j. 05.05.2011,
DJe 14.10.2011).
Desta feita, o que se nota é que o STF interpretou o § 3º do art. 226 da Lei Maior
de forma efetivar o princípio da isonomia previsto na própria Constituição Federal,
destacando que, para que a união entre duas pessoas seja considerada família, não
importa sejam essas do mesmo sexo ou de sexos diferentes, sendo mais importante a
afetividade entre os indivíduos.
1.2.2.1 Projeto de Lei 6583/2013 – Estatuto da família
Tratando das principais inovações legislativas referentes ao instituto da família,
é de extrema importância salientar a atual tramitação na Câmara dos Deputados do
projeto de lei 6583/2013, que visa instituir o chamado “Estatuto da Família”. O projeto
de lei, bem como seu substitutivo, apresentam nova definição de família e posteriores
22
regramentos decorrentes desta conceituação. Destaca-se a redação do artigo 2º do
projeto, que traz essa definição, in verbis:
Art. 2º Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo
social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de
casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes.
Por ignorar as diversas modelações familiares existentes na atualidade, o projeto
de lei em tela tem sido arduamente criticado pela sociedade e pelos estudiosos e juristas
do país. No dia 24 de setembro de 2014 foi aprovada, por dezessete votos a cinco, o
texto do projeto na Comissão Especial criada para o fim de analisar esta proposta,
gerando imensa comoção social e repulsa à definição preconceituosa prevista no
projeto.
Em voto contrário à constitucionalidade do projeto, a deputada Erika Kokay
afirmou que
a defesa de que a união homoafetiva não é entidade familiar por fugir aos
padrões "normais", como parece entender o autor da vertente projeto de lei,
se mostra flagrantemente discriminatória e em extrema dissintonia com o
conceito contemporâneo de família. O modelo de família sofreu grandes
transformações, e continuará mutante. O Legislador brasileiro, assim como
vem fazendo o Poder Judiciário, precisa estar atento e em sintonia com as
transformações que clamam respostas legislativas e jurídicas. Iniciativas da
espécie apenas incitam o ódio, o desamor e a desesperança na sociedade
brasileira, que é plural, democrática e que não aceita mais quaisquer espécies
de tratamento discriminatório entre as pessoas. (voto em separado da
Deputada Erika Kokay – Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1
390309&filename=VTS+2+PL658313+%3D%3E+PL+6583/2013>. Acesso
em 02/11/2015.
É inegável o retrocesso demonstrado pela definição apresentada no projeto em
voga. Excluir, em pleno século XXI, inúmeras manifestações familiares do conceito de
família e, consequentemente, dos benefícios a ela deferidos, consiste em se esquivar da
realidade. Neste sentido, é completamente justificável a repulsa social frente ao projeto
6583/2013, que segue seu trâmite no Congresso Nacional.
Sabendo-se que a Constituição Federal pugna pela igualdade entre todos os
cidadãos, é imperioso que se analise a configuração das inúmeras configurações
familiares que não se enquadram na definição pretendida pelo projeto de lei, posto que
23
não formadas pela união entre homem e mulher. Neste sentido, Maria Berenice Dias
destaca que
Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais
diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento
que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os
relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade,
independentemente de sua conformação. O desafio dos dias de hoje é achar o
toque identificador das estruturas interpessoais que permita nominá-las como
família. Esse referencial só pode ser identificado na afetividade (DIAS, 2007,
p. 41)
Nesta esteira destaca SérgioGischkow Pereira:
Uma família que experimente a convivência do afeto, da liberdade, da
veracidade, da responsabilidade mútua, haverá de gerar um grupo familiar
não fechado egoisticamente em si mesmo, mas sim voltado para as angústias
e problemas de toda a coletividade, passo relevante à correção das injustiças
sociais. A renovação saudável dos vínculos familiares, estruturados na
afeição concreta e na comunicação não opressiva, produzirá número muito
menor de situações psicopatológicas, originadas de ligações inadequadas,
quer pela dominação preponderante, quer pela permissividade irresponsável
(PEREIRA 1988, p. 19).
Repise-se que o conceito de família vem, como demonstrado, sendo ampliado ao
longo dos anos. Assim, o projeto de lei se mostra atrasado e em contra mão com todo o
avanço legislativo acerca do tema, restando, pois, aguardar sua tramitação para que se
saiba o desfecho do Estatuto da Família.
1.3 Princípios Constitucionais atinentes à família
De maneira breve e com o fim de sedimentar o entendimento acerca do instituto
da família é destacar-se-á abaixo alguns princípios constitucionais relacionados à
família, sobretudo segundo a doutrinadora Maria Helena Diniz e de acordo com os
juristas Flávio Tartuce e José Fernando Simão.
1.3.1 Princípio do “ratio” do matrimônio e da união estável
A razão do matrimônio e da união estável é a afetividade e o amor. Supõe-se que
a constituição de uma vida a dois seja motivada por sentimento de afeto e consideração
que nutrem um pelo outro.
24
Segundo Maria Helena,
“o princípio da ratio do matrimônio e da união estável, o qual determina que
o fundamento básico do casamento, da vida conjugal e do companheirismo é
a afeição entre os cônjuges ou conviventes e a necessidade de que perdure
completa a comunhão de vida, sendo a ruptura da união estável, separação e
o divórcio uma decorrência da extinção da affectio, uma vez que a comunhão
espiritual e material de vida entre marido e mulher ou entre conviventes não
pode ser mantida ou reconstituída.” (DINIZ, 2002, p.18).
Para Flávio Tartuce e José Fernando Simão o afeto pode ser considerado o
“principal fundamento das relações familiares”(TARTUCE; SIMÃO, 2013, p.22).
Conforme destaca o autor, ainda que a palavra afeto não esteja expressamente disposta
na Constituição Federal, inserida no rol de direitos fundamentais, é completamente
cabível entender que ela decorra de outro princípio também arduamente protegido pela
Carta Magna, qual seja, o princípio de proteção à dignidade humana.
Nesta esteira, merece destaque o posicionamento adotado pela Ministra Nancy
Andrighi em julgado:
A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a
valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação,
colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista
ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar.
Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre
pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de
vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes. Deve
o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações de
intolerância ou de repulsa que possam porventura se revelar em face das
minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de ponderação e apaziguamento
de possíveis espíritos em conflito. A defesa dos direitos em sua plenitude
deve assentar em ideais de fraternidade e solidariedade, não podendo o Poder
Judiciário esquivar-se de ver e de dizer o novo, assim como já o fez, em
tempos idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre
pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o intuito da união
estável. A temática ora em julgamento igualmente assenta sua premissa em
vínculos lastreados em comprometimento amoroso (STJ, REsp 1.026.981/RJ,
Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 04.02.2010, DJe 23.02.2010).
Demonstrando a importância da afetividade nas relações familiares, Tartuce e
Simão ressaltam a tendência atual em considerar uma nova forma de parentesco civil,
qual seja, a “parentalidade socioafetiva”. A parentalidade socioafetiva, em linhas gerais,
consiste em considerar a relação de parentalidade para além do vínculo biológico,
destacando que “o vínculo familiar constitui mais um vínculo de afeto do que um
vínculo biológico” (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p.23).
25
Destaque-se que o art. 1.593 do Código Civil de 2002 admite outras origens para
o parentesco que não a consanguinidade, abarcando a parentalidade advinda das
relações de afeto. Neste sentido, foi aprovado o Enunciado n. 103 na I Jornada de
Direito Civil do Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça com a
seguinte redação:
O Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil
além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há
também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de
reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não
contribuiu com seu material fecundante, quer na paternidade socioafetiva,
fundada na posse do estado de filho (Enunciado n.103 CJF/STJ).
Observa-se, pois, que a afetividade é não só um princípio atinente ao instituto
das famílias, mas é também utilizado em todo o Direito de Família, sendo, como visto, a
razão pela qual as famílias se constituem. Seja por meio do casamento, seja por meio da
união estável, pressupõe-se sempre presente o afeto na relação entre os membros
componentes do núcleo familiar.
1.3.2 Princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros
A isonomia entre homem e mulher no seio familiar decorre do princípio da
isonomia, previsto na Constituição Federal, sobretudo em seu art. 5º, inciso I. O art.
226, § 3º da Carta Magna se coaduna com o disposto no artigo 5º, demonstrando a
superação do panorama anterior, no qual a mulher era submissa ao homem.
Assim, de acordo com esse princípio, homem e mulher possuem igual direito de
tomar decisões relacionadas à família. Maria Helena Diniz, em uma manifestação
brilhante explica que
com este princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros,
desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída
por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo
entre conviventes ou entre marido e mulher, pois os tempos atuais requerem
que marido e mulher tenham os mesmos direitos e deveres referentes à
sociedade conjugal. O patriarcalismo não mais se coaduna com a época atual,
nem atende aos anseios do povo brasileiro; por isso juridicamente, o poder do
marido é substituído pela autoridade conjunta e indivisa, não mais se
justificando a submissão legal da mulher. Há uma equivalência de papéis, de
modo que a responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente
entre o casal (DINIZ, 2008, p. 19).
26
Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2013, p.15) apresentam dois exemplos
práticos da aplicação do princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros, quais
sejam: a possibilidade tanto do marido ou companheiro ter a possibilidade de pleitear
alimentos da esposa ou companheira quanto do contrário (a mulher/companheira poder
pleitear alimentos do marido/companheiro) e a possibilidade de um utilizar o home do
outro, conforme tenham interesse (art. 1.565, § 1º do CC). Maria Helena Diniz (2002, p.
19) por sua vez, cita como demonstração prática do princípio em voga o fato de o
domicílio ser, a partir do Código Civil de 2002, fixado pelo casal e não mais somente
pelo marido, tal qual se depreende do artigo 1.569 do Código Civil.
Sob esse prisma, Carlos Roberto Gonçalves entende que
A regulamentação instituída no aludido dispositivo acaba como o poder
marital e com o sistema de encapsulamento da mulher, restrita a tarefas
domésticas e à procriação. O patriarcalismo não mais se coaduna,
efetivamente, com a época atual, em que grande parte dos avanços
tecnológicos e sociais estão diretamente vinculados às funções da mulher na
família e referendam a evolução moderna, confirmando verdadeira revolução
no campo social (GONÇALVES, 2008, p.7).
Desta feita, este princípio demonstra grande evolução no sistema jurídico, que
passou a tratar a mulher efetivamente como sujeito de direitos, permitindo-a, ainda que
de forma legal (muitas vezes não posta em prática), agir como os homens. A sociedade
deixa de ser patriarcal e a mulher assume outras posições que não se restringem às
atividades domésticas e à procriação.
1.3.3 Princípio da igualdade na chefia familiar
Este princípio decorre, segundo Flávio Tartuce e José Simão do princípio da
igualdade entre cônjuges e companheiros. Significa este princípio que a chefia familiar
“pode ser exercida tanto pelo homem quanto pela mulher em um regime democrático de
colaboração, podendo inclusive os filhos opinar (conceito de família democrática).
Substitui-se uma hierarquia por uma diarquia” (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 17).
Trata-se de uma “despatriarcalização do Direito de Família”, já que o pai não
exerce mais o poder de dominação tanto da mulher quanto dos filhos, antes existente. A
figura do pater famílias, o responsável por ditar as regras a serem seguidas pelo núcleo
27
familiar, é substituída pela ideia de companheirismo entre os cônjuges/companheiros.
Assim, substitui-se a expressão “pátrio poder” por “poder familiar”, conforme se verá
adiante, eliminando-se o aspecto preconceituoso e desigual arraigado ao termo
(TARTUCE; SIMÃO, 2013, p.17).
Esse princípio pode ser bem observado nos artigos 1.566, III e IV, 1.631 e 1.634,
todos do Código Civil e art. 226, §§ 5º e 7º da Lei Maior.
1.3.4 Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos
O princípio da igualdade jurídica de todos os filhos prevê que os filhos,
independentemente de sua origem, devem ser tratados de forma igualitárias, tendo todos
os mesmos direitos e deveres perante a lei. Este é mais um princípio que decorre de um
princípio constitucional maior, que é o da isonomia.
O princípio em voga surgiu com o fito de aniquilar a diferença de tratamento
entre os filhos legítimos, naturais e adotivos. A Carta Magna formaliza este princípio
por meio do art. 227, § 6º.
Merece destaque a posição de Maria Helena Diniz acerca do princípio em tela:
Consagrado pelo nosso direito positivo, que nenhuma distinção faz entre
filhos havidos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar
e sucessão; permite o reconhecimento de filhos havidos fora do casamento;
proíbe que se revele no assento do nascimento a ilegitimidade simples ou
espuriedade e veda designações discriminatórias relativas à filiação. (DINIZ,
2002, p. 21).
O Estatuto Civilístico consagra o princípio em tela em seu art. 1.596, restando
claro a inserção deste ao ordenamento jurídico pátrio.
1.3.5 Princípio do pluralismo familiar
O princípio do pluralismo familiar consagra a diversidade de modelações
familiares existentes na sociedade. Reconhecer a existente deste princípio significa se
28
adequar aos novos anseios e manifestações sociais, buscando-se estar em consonância
com as alterações operadas na sociedade.
Maria Helena Diniz informa que
[...] a norma constitucional abrange a família matrimonial e as entidades
familiares (união estável e família monoparental). Todavia, o novo Código
Civil, apesar de poucos artigos contemplarem a união estável, outorgando-lhe
alguns efeitos jurídicos, não contém qualquer norma disciplinadora da família
monoparental, composta por um dos genitores e a prole, olvidando que 26%
de brasileiros, aproximadamente, vivem nessa modalidade de entidade
familiar (DINIZ, 2002, p.21).
Assim, entende-se que o reconhecimento da formação da família seja através do
casamento, seja através da convencionalidade, por meio da união estável, é um reflexo
da aplicação deste princípio. Não se pode negar, todavia, que ainda há muito o que
avançar na efetivação deste tão importante princípio, mas o avanços ocorrem, ainda que
a passos lentos.
1.3.6 Princípio de proteção da dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático
de Direito, conforme art. 1º, III, da CF/88. Cuida-se, conforme ressalta Tartuce daquilo
que se denomina “princípio máximo, ou superprincípio, ou macro princípio ou princípio
dos princípios” (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p.6).
Ingo Wolfgang Sarlet conceitua o princípio em voga como
o reduto intangível de cada indivíduo e, neste sentido, a última fronteira
contra quaisquer ingerências externas. Tal não significa, contudo, a
impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e garantias
fundamentais, mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o limite
intangível imposto pela dignidade da pessoa humana(SARLET, 2005, p. 124
apud TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 6).
Gustavo Tepedino (2004, p.398 apud TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 6), por sua
vez, informa que a família, quando observada com as lentes do princípio da dignidade
humana, “passa a ser valorizada de maneira instrumental, tutelada como um núcleo
intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da
dignidade de seus integrantes”.
29
Como exemplo de aplicação deste princípio ao direito de família e ao instituto da
família, cita-se a relativização da culpa nas ações de separação judicial, já que se é
direito do indivíduo construir família, também lhe compete decidir até quando deseja
manter a entidade familiar, sob pena de se comprometer a dignidade da pessoa humana.
Além disso, a proteção do imóvel em que reside a pessoa solteira contra a
impenhorabilidade é também uma aplicação do princípio em voga, posto que se protege
a dignidade da pessoa humana (TARTUCE; SIMÃO, 2013).
1.3.7 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente ou best interest of
the child foi reconhecido pela Convenção Internacional de Haia e positivada na
Constituição Federal de 1988 no caput do art. 227. No que se refere às legislações
infraconstitucionais, o princípio em voga encontra respaldo nos arts. 1.583 e 1.584,
ambos do Código Civil, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente, em
especial seus arts. 3º e 4º.
O princípio em voga submete não só os pais, mas também o próprio Estado.
Assim, cabe aos pais e demais membros da sociedade agir de maneira a sempre
preservar os interesses da criança e do adolescente. Por outro lado, cabe ao Estado
implementar políticas públicas que permitam garantir a efetivação deste princípio e
atuar sempre objetivando garantir que o melhor interesse da criança e o adolescente
sejam preservados.
No momento de decidir qual modalidade de guarda deve o juiz estabelecer a
determinado caso concreto, este é um dos principais princípios a serem observados. É
com o fim de causar menores transtornos aos filhos que deve o juiz agir, estando sempre
atento ao que é melhor para a criança e para o adolescente.
Gustavo Tepedino (apud BARBOZA, p. 205-206), explica que:
“Após 1988 o critério hermenêutico, sintetizado na fórmula anglo-saxônica
the Best of de child, adquiriu, entre nós, conteúdo normativo específico,
informado pela cláusula geral de tutela da pessoa humana introduzida pelo
artigo 1º, III, da CF/88 e determinado especialmente no artigo 6º da Lei
8.069/90”.
30
Eeclkaar (apud FACHIN, 2002, p. 133), por sua vez, leciona que:
O melhor interesse da criança assume um contexto, que em sua definição o
descreve como “basic interest”, como sendo aqueles essenciais cuidados para
viver com saúde, incluindo a física, a emocional e a intelectual, cujos
interesses, inicialmente são dos pais, mas se negligenciados o Estado deve
intervir para assegurá-los.
Desta feita, observa-se que este princípio é de suma importância para que se
possa compreender o exercício do poder familiar no ordenamento jurídico pátrio e o
modo como o exercício desse poder se dá após divórcios e separações. Com este
princípio em mente, além de todos os outros já tratados e que ainda serão comentados,
poder-se-á compreender melhor como deve se dar a decisão sobre a melhor modalidade
de guarda existente e como esta deve ser exercida, além da possibilidade de se instaurar
mecanismos para proteger e assegurar as melhores alternativas para proteger as crianças
e adolescentes.
2.PODER FAMILIAR
Com as transformações ocorridas na sociedade ao longo dos anos, sobretudo em
relação ao tratamento legislativo igualitário que passou a ser dispensado aos homens e
mulheres, tornou-se necessário alterara velha e patriarcal nomenclatura do poder
exercido pelos pais sobre os filhos. Assim, o “pátrio poder” passou a ser denominado
“poder familiar”, denominação que melhor se adequa aos ditames constitucionais, posto
que mais isonômica.
A alteração na nomenclatura do poder em tela decorre, como se observa, da
chamada “despatriarcalização do Direito de Família”, vale dizer, “pela perda do
domínio exercido pela figura paterna no passado” (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 387).
Conforme preleciona Whashington de Barros Monteiro
Modernamente, o poder familiar despiu-se inteiramente do caráter egoístico
de que se impregnava. Seu conceito na atualidade, graças à influência do
cristianismo é profundamente diverso. Ele constitui presentemente um
conjunto de deveres, cuja base é nitidamente altruística (MONTEIRO, 2007,
p. 347).
31
A noção de pátrio poder remonta a um direito absoluto do pai sobre os filhos, no
qual aquele detinha sobre estes o poder inclusive de decidir sobre sua vida e morte. O
Código Civil de 1916, inclusive, reiterava esta ideia, conferindo apenas ao homem a
condição de chefe da família e o único com o direito de decidir os rumos da sociedade
conjugal e dos filhos, conforme já analisado.
Por outro lado, quando se fala em poder familiar, deve-se tem em mente um
panorama diferenciado, no qual os filhos deixaram de ser considerados como objetos e
passaram a ser tratados como sujeitos de direitos. Isto decorre, sobretudo, da ideia de
isonomia entre homem e mulher encartada na Constituição Federal de 1988 e,
posteriormente, no Código Civil de 2002.
Importante frisar, todavia, que parte da doutrina ainda considera a expressão
“poder familiar” inadequada, preferindo o termo “autoridade parental”. Como
justificativa, prelecionam os autores no sentido de que o termo “autoridade” melhor se
harmoniza com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, bem como
com a solidariedade familiar (TARTUCE, SIMÃO, 2013, p. 387).
2.1 Conceito
Trata-se o poder familiar de um conjunto de deveres e direitos de ambos os pais
sobre seus filhos. Os pais no exercício deste poder devem atuar com foco no melhor
para os filhos, devendo sopesar todas as possibilidades objetivando o bem-estar da
criança e/ou adolescente.
Nas palavras de Flávio Tartuce e José Fernando Simão, o poder familiar pode
ser conceituado como “[...] o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da
ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas,
sobretudo, no afeto” (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 387). Neste mesmo sentido explica
Nelson Godoy Bassil Dower que
Quem exerce o poder familiar responderá pelos atos do filho menor não
emancipado que estiver em seu poder e em sua companhia, pois, como tem
obrigação de dirigir a sua educação deverá sobre ele exercer vigilância. É
obvio que o filho, por sua vez e para que a referida vigilância seja completa,
32
deva obediência aos pais. Esse conjunto de obrigações e direitos concedidos
por lei aos pais denomina-se poder familiar.(DOWER, 2006, p. 210).
É de se observar que o poder familiar consiste tanto em dever, quanto em poder
e, ainda, em direito. Dever no sentido da responsabilidade em tomar decisões, prover
educação, segurança, vida digna, entre outras atribuições; poder dos pais de mando
sobre os filhos; direito de serem respeitados e terem suas ordens atendidas por seus
filhos.
Reiterando este pensamento, Maria Helena Diniz afirma que
o poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e
obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido,
em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam
desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõem, tendo em vista
o interesse e a proteção do menor (DINIZ, 2002, p. 447).
Nestes termos, os pais devem exercer o poder familiar de maneira igualitária,
buscando sempre prover as necessidades das crianças e adolescentes também de forma
isonômica, não devendo existir qualquer distinção entre os filhos. Desta forma, deve-se
desempenhar esse múnus público com o fim de garantir o melhor interesse das crianças
e adolescentes.
2.2 Características
Segundo Maria Helena Diniz (2008), o poder familiar apresenta seis importantes
características, quais sejam: constitui um múnus público, é irrenunciável, é inalienável
ou indisponível, é imprescritível, é incompatível com a tutela e tem a natureza de uma
relação de autoridade. Outros autores, como Venosa (2004) também atribuem ao poder
familiar as características acima, merecendo, por isso, explicação mais detalhada.
Constitui o poder familiar um múnus público, posto se tratar de “uma espécie de
função correspondente a um cargo privado, sendo o poder familiar um direito-função e
um poder-dever” (DINIZ, 2008, p. 539). Rizzardo, por sua vez, ensina que
Ao Estado interessa o seu bom desempenho, tanto que existem normas sobre
o seu exercício, ou sobre a atuação do poder dos pais na pessoa dos filhos.
No próprio caput do art. 227 da Carta Federal notam-se a discriminação de
inúmeros direitos em favor da criança e do adolescente, os quais devem ser a
33
toda evidência, observados no exercício do poder familiar: direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, entre
outros. A incumbência é ressaltada ainda, no art. 229 da mesma Carta, mas
genericamente. No Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), há
várias normas de proteção, como a do art. 22, o que também fazia o Código
Civil de 1916, no art. 384, e reedita o artigo 1634 do vigente código. [...] Se
de um lado a autoridade do Estado não pode substituir a autoridade dos pais,
de outro, em especial num país com tantas deficiências culturais como o
Brasil, deve impor-se a autoridade do Poder Público em inúmeros setores,
como, aliás, o faz a Lei 8069/90 (RIZZARDO, 2004, p. 602). Trata-se de um poder irrenunciável. Isto significa que os pais não podem abrir
mão do poder familiar, conforme sua vontade (DINIZ, 2008, p.539). Por ser inerente a
condição de pai e mãe, estes não podem decidir que não mais o querem, conforme sua
vontade.
É também inalienável ou indisponível, “no sentido de que não pode ser
transferido pelos pais a outrem, a título gratuito ou oneroso, salvo caso de delegação do
poder familiar, desejadas pelos pais ou responsáveis para prevenir a ocorrência e
situação irregular do menor (DINIZ, 2008, p. 539). Venosa (2004, p. 723), por sua vez,
preleciona que o poder familiar é indisponível, já que “decorrente da paternidade natural
ou legal, não pode ser transferido por iniciativa dos titulares, para terceiros”.
Outra característica do poder familiar é a imprescritibilidade, já que “dele não
decaem os genitores pelo simples fato de deixarem de exercerem, sendo que somente
poderão perdê-los nos casos previstos em lei” (DINIZ, 2008, p.539). Consiste em um
poder incompatível com a tutela, segundo Maria Helena Diniz (2008, p. 539), “não
podendo nomear tutor a menor cujo pai ou não foi suspenso ou destituído do poder
familiar”.
Por fim, conforme os ensinamentos de Maria Helena Diniz (2008), o poder
familiar conserva a natureza de uma relação de autoridade. Isto é, há uma relação de
subordinação entre pais e filhos, na qual os “genitores têm poder de mando e a prole o
dever de obediência” (DINIZ, 2008, p. 539).
2.3 Titularidade, responsabilidades e obrigações
Conforme já amplamente salientado, em tempos de vigência do Código Civil de
1916, era apenas o homem o titular do então chamado pátrio poder. O Código Civil
previa que cabia ao homem o poder de decidir as questões inerentes ao seio familiar;
34
somente em caso de impedimento do homem em exercer o pátrio poder é que a mulher
assumia a titularidade deste.
No entanto, o Novel Código Civil, em consonância com o disposto na
Constituição Federal, estabelece em seu art. 1.631 que o agora denominado poder
familiar é de titularidade de ambos os pais, não devendo existir qualquer distinção entre
homens e mulheres. Este entendimento se coaduna com o que estipula a Constituição
Federal em seus arts. 226, § 5° e 5º, inciso I. O art. 21 do Estatuto da Criança e do
Adolescente corrobora tanto com o mandamento constitucional, quanto com a
estipulação da codificação civil pátria.
No que concerne às responsabilidades e obrigações dos pais, titulares do poder
familiar, no desempenho deste múnus público, o art. 1.634 do Código Civil de 2002
elenca essas atribuições, in verbis:
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação
conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos
filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
II- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV- conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V-conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência
permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos
pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos,
nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem
partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua
idade e condição
Quanto a este último dever legal, Tartuce e Simão (2013, p.388) prelecionam, de
modo esclarecedor, que o dispositivo deve ser interpretado à luz dos ditames
constitucionais de proteção à dignidade humana e proteção do melhor interesse da
criança e do adolescente. Isto porque, conforme ressaltam os autores, a exigência de
obediência não pode ter caráter ditatorial, sendo absolutamente vedado quaisquer tipos
de maus-tratos. Ocorrendo “abusos nesse exercício, estará configurado o abuso de
direito, o que pode repercutir, em caso de danos, na esfera da responsabilidade civil (art.
187 e 927 do CC)”, além de ser possível que os pais tenham decretada a suspensão ou
destituição do poder familiar (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 388).
35
Neste diapasão, não podem os pais explorar economicamente seus filhos,
exigindo destes esforços e trabalhos que não sejam correspondentes à sua idade. A
corroborar com esse entendimento, Flávio Tartuce e José Fernando Simão (2013, p.
389) ressaltam que “como se sabe, a exploração do trabalho infantil é um mal que assola
todo o País. Em casos de abuso, mais uma vez, o poder familiar pode ser suspenso ou
extinto, cabendo também a aplicação das regras de responsabilidade civil (art. 187 c/c
art. 927 do CC)”.
No que respeita, por fim, aos bens dos menores, o Código Civil de 2002
determina que o pai e a mãe possuem usufruto legal sobre os bens dos filhos. Além
disso, têm os pais, conforme ordena o art. 1.689 do Estatuto Civilístico, administração
sobre os bens dos filhos, não podendo, no entanto, alienar ou gravar de ônus real os
bens, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples
administração (art. 1.691 do CC). Caso desejem realizar essas últimas atividades, devem
os genitores pleitear autorização judicial, sempre buscando o melhor interesse da
criança e do adolescente.
2.4 Poder familiar frente a dissolução da sociedade conjugal/convivencial
Segundo enuncia o art. 1.632 do Código Civil de 2002, “a separação judicial, o
divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão
quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”.
Assim, depreende-se que o fim do relacionamento amoroso entre o casal não é motivo
para pôr fim ao poder familiar.
Continua a ser prerrogativa de ambos os pais o exercício dos direitos e
obrigações que permeiam a criação e educação dos seus filhos. O fim do relacionamento
não retira dos pais, portanto, o poder de tomar decisões acerca da vida dos filhos, o
dever de prover saúde, educação e segurança à prole e o direito de exigir obediência das
crianças e adolescentes.
No entanto, de acordo com a inteligência do artigo em voga, o que ocorre é uma
nova maneira de aplicação do poder familiar no que concerne ao direito dos pais de
36
terem em sua companhia seus filhos. Surge, então, o sistema da guarda, que, ainda que
não seja colidente com o poder familiar, regula uma parte importante da vida da
criança/adolescente após a separação/divórcio do casal, qual seja, a definição sobre com
quem a criança irá morar.
A modalidade de guarda é adotada pelo juiz, sempre visando atender ao melhor
interesse da criança, nos termos da Lei nº 13.058/2014, sendo que diversos autores
defendem a adoção da guarda compartilhada por entenderem ser a que menos altera, na
prática, o exercício do poder familiar. Esse tema será mais aprofundado no próximo
capítulo, sendo, por isso, de extrema importância ter em mente as noções de poder
familiar para que se possa compreender o instituto da guarda de maneira proveitosa.
2.5 Extinção, suspensão e perda do poder familiar
O Código Civil, nos arts. 1.635 a 1.638, regula os casos de extinção, suspensão e
perda do poder familiar. Neste sentido, merece destaque o entendimento de Silvio de
Salvo Venosa (2008, p.307), que preconiza, in verbis: “como o poder familiar é um
múnus que deve ser exercido fundamentalmente no interesse do menor, o Estado pode
intervir nessa relação, suspendendo, destituindo ou extinguindo o poder familiar, o que
em síntese, afeta a célula familiar”.
A perda e a suspensão do poder familiar são sanções, previstas pelo legislador,
aos pais que desrespeitam as atribuições que lhe são dispostas. Por outro lado, a
extinção do poder familiar ocorre em situações que independem, na maioria das
hipóteses, do agir dos pais, salvo no caso do inciso V do art. 1.635. Neste sentido, vale a
transcrição do artigo em voga:
Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:
I - pela morte dos pais ou do filho;
II - pela emancipação, nos termos do art. 5o, parágrafo único;
III - pela maioridade;
IV - pela adoção;
V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.
A suspensão do poder familiar é medida provisória – isto é, pode ser revista, tão
logo cessem os motivos que lhe deram causa –, que deve ser adotada pelo juiz quando
os genitores abusarem de sua autoridade, arruinarem os bens dos filhos ou forem
37
condenados por sentença irrecorrível, por cometerem crime cuja pena seja maior que
dois anos (art. 1.637 do Código Civil). Encontra-se, ainda, prevista no art. 24 do
Estatuto da Criança e do Adolescente.
A esse propósito, faz-se mister trazer à colação o entendimento da eminente
Maria Berenice Dias (2009, p. 392) que assevera:
Quando um ou ambos os genitores deixam de cumprir com os deveres
decorrentes do poder familiar, mantendo comportamento que possa vir em
prejuízo do filho, o Estado deve intervir; é prioritário preservar a integridade
física e psíquica de crianças e adolescentes. O intuito da suspensão não é
punitivo, pois, visa muito mais preservar o interesse dos filhos, afastando-se
de influência nociva.
Sobre tal aspecto, merece ser trazido à baila entendimento jurisprudencial que se
coaduna com o exposto em linhas acima:
ECA. DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. A adoção da doutrina da
proteção integral, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 1º da Lei nº
8.069/90) fortaleceu o princípio do melhor interesse da criança, que deve ser
observado em quaisquer circunstâncias, inclusive nas relações familiares e
nos casos relativos à filiação. Tratando o feito de crianças e adolescentes
vítimas de maus-tratos, cujo pai faz uso reiterado de bebidas alcoólicas e a
mãe é omissa em relação aos cuidados necessários à prole, impõe-se a
destituição do poder familiar. Apelo desprovido. (APELAÇÃO CÍVEL Nº
70007745003, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
RS, RELATOR: MARIA BERENICE DIAS, JULGADO EM 18/02/2004)
A perda do poder familiar, por fim, consiste na destituição do poder familiar
decorrente de uma medida judicial. As hipóteses estão previstas no art. 1.638 do Novel
Código Civil, in verbis:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
Neste passo, é oportuno destacar importante entendimento de Maria Berenice
Dias, que obtempera:
Perda é uma sanção imposta por sentença judicial, enquanto a extinção ocorre
pela morte, emancipação ou extinção do sujeito passivo. A perda do poder
familiar é sanção de maior alcance e corresponde à infringência de um dever
mais relevante, sendo medida imperativa, e não facultativa (DIAS, 2009, p.
394).
38
Em brilhante ensinamento, Tartuce e Simão (2013, p.391) destacam a alienação
parental como uma das hipóteses em que pode se dar a destituição do poder familiar,
sendo por isso tão importante a análise do poder familiar. A Alienação Parental, no
entanto, será melhor estudada no capítulo 4 deste trabalho, quando será possível
entender melhor no que consiste o instituto e outras considerações importantes para o
desenvolvimento do presente estudo.
3. GUARDA
O estudo da guarda é demasiado importante para que se possa desenvolver com
aproveitamento adequado o tema do presente trabalho. Isto porque, ao se tratar da
guarda compartilhada como mecanismo para inibir a alienação parental, deve-se,
compreender o que é a guarda compartilhada, sabendo-se diferenciar este tipo de guarda
das outras modalidades existentes, além de conhecer a legislação que rege o tema.
3.1 Conceito e evolução no Direito Brasileiro
Inicialmente, é interessante delinear o fato de que a guarda agora estudada é
aquela exercida sob o poder familiar, antes analisado. Trata-se de instituto de imensa
importância para o direito de família – sobretudo em decorrência das cada vez mais
comuns dissoluções de casamentos e uniões estáveis – ,cuja origem etimológica advém
do termo guardare, do latim, que significa proteger, vigiar, conservar (CASABONA,
2006, p. 99).
Por se tratar de um instituto complexo e que envolve, invariavelmente, a vida e
interesse de menores, diversos autores se propõem a conceituá-lo, na tentativa de
facilitar sua compreensão e aplicação. Assim, segundo o magistério de Oscar Joseph de
Plácido e Silva(2000, p. 365-366)a guarda consiste em uma “locução indicativa, seja do
direito ou do dever, que compete aos pais ou a um dos cônjuges, de ter em sua
companhia ou de protegê-los, nas diversas circunstâncias indicadas na lei civil”.
39
Segundo Pontes de Miranda (1983, p. 94-101), guarda significa “sustentar, é dar
alimento, roupa e, quando necessário, recursos médicos e terapêuticos; guardar significa
acolher em casa, sob vigilância e amparo; educar consiste em instruir, ou fazer instruir,
dirigir, moralizar, aconselhar”. Para o ilustre autor, portanto, guarda significa dispensar
todos os cuidados necessários para alcançar o pleno e saudável desenvolvimento da
criança/adolescente.
Na lição de José Antonio de Paula Santos Neto “guarda é o direito consistente na
posse de menor oponível a terceiros e que acarreta dever de vigilância e ampla
assistência em relação a este” (NETO, 1994, p. 138-139), enquanto que para Grisard
Filho,
A guarda não se define por si mesma, senão através dos elementos que a
asseguram. Conectada ao poder familiar pelos arts. 1.634, II do CC e 21 e 22
do ECA, com forte assento na ideia de posse, como diz o art. 33, §1º, dessa
lei especial, surge como um direito-dever natural e originário dos pais, que
consiste na convivência com seus filhos e é o pressuposto que possibilita o
exercício de todas as funções parentais, elencadas naquele artigo do CC
(GRISARD FILHO, 2009, p. 58).
Dessa forma, com base nos conceitos apresentados, pode-se dizer que a guarda
consiste numa gama de direitos e deveres que possuem os pais ou terceiros, incumbidos
da tarefa de guardar e proteger a criança e/ou adolescente sob sua vigilância. O
guardião, seja genitor, seja terceiro, deve prover as necessidades do menor, de maneira a
buscar sempre o melhor interesse da criança e do adolescente. Conforme preleciona
Silvio Rodrigues,
a guarda é tanto um dever como um direito dos pais:dever, pois cabe aos pais
criarem e guardarem o filho, sob pena de abandono; direito no sentido de ser
indispensável a guarda para que possa ser exercida a vigilância, eis que o
genitor é civilmente responsável pelos atos dos filhos (RODRIGUES, 1995,
p. 344).
Na relação familiar, a guarda surge quando da ocorrência da dissolução da
sociedade conjugal ou convivencial (união estável). Sua determinação, conforme se
observa, deve atender ao melhor interesse da criança e do adolescente, princípio
constitucional de grande valia.
Analisando a legislação brasileira no que se refere ao instituto da guarda,
observa-se que bemantes da edição do Código Civil de 1916, o Decreto n.º 181 de 1890
já tratava sobre a guarda, estabelecendo, por exemplo, que em caso de anulação do
casamento sem culpa dos conjuges, à mãe era atribuída a posse das filhas, enquanto
40
fossem menores, e dos filhos apenas até completarem seis anos de idade4. Havendo
cônjuge culpado, no entanto, este não tinha direito à posse do filho, salvo se o culpado
fosse a mãe, caso em que esta permanecia com a guarda dos filhos, independente do
sexo destes, até que estes completassem três anos de idade5(CAHALI, 2005, p. 39).
O mesmo diploma legal determinava ainda que a própria sentença de divórcio
litigioso era instrumento capaz de ordenar a entrega dos filhos menores e comuns ao
cônjuge inocente, além de indicar a quota com que o cônjuge culpado deveria participar
para a educação da prole e da mulher, se esta fosse inocente e pobre6. Privilegiando o
consenso, todavia, permitia o Decreto-Lei em voga que os pais entrassem em acordo
sobre a guarda dos filhos, prevalecendo a decisão conjunta dos genitores sobre o que
determina a lei, sempre pensando no benefício da prole7.
Quando da promulgação do Código Civil de 1916, manteve-se a análise da culpa
para concessão da guarda. O Capítulo II do Título IV da antiga codificação civil tratava
da “Proteção da Pessoa dos Filhos” e estabelecia que, em caso de desquite judicial, os
filhos deveriam ficar sob a guarda do cônjuge inocente, salvo se ambos fossem
culpados, caso em que a mãe teria a guarda das filhas menores e dos filhos com menos
de seis anos de idade 8. Esta regra valia também para os casos de anulação do
casamento, se houvesse filhos comuns9.
4Decreto n.º 181 de 1890 – Art. 95. Declarado nullo ou annullado o casamento sem culpa de algum dos
contrahentes, e havendo filhos communs, a mãe terá o direito á posse das filhas, emquanto forem
menores, e a dos filhos até completarem a idade de 6 annos. 5Decreto n.º 181 de 1890 –Art. 96. Si, porém, tiver havido culpa de um dos contrahentes, só ao outro
competirá a posse dos filhos, salvo si o culpado for a mãe, que, ainda neste caso, poderá conserval-
oscomsigo até a idade de 3 annos, sem distincção de sexo. 6Decreto n.º 181 de 1890 –Art. 90. A sentença do divorcio litigioso mandará entregar os filhos communs
e menores ao conjugeinnocente e fixará a quota com que o culpado deverá concorrer para educação
delles, assim como a contribuição do marido para sustentação da mulher, si esta for innocente e pobre. 7Decreto n.º 181 de 1890 –Art. 98. Fica sempre salvo aos paes concordarem particularmente sobre a
posse dos filhos, como lhes parecer melhor, em beneficio destes. 8Código Civil de 1916 – Art. 326. Sendo o desquite judicial, ficarão os filhos menores com o conjugue
inocente.
§ 1º Se ambos forem culpados, a mãe terá direito de conservar em sua companhia as filhas,
enquanto menores, e os filhos até a idade de seis anos. § 2º Os filhos maiores de seis anos serão entregues à guarda do pai.
9Código Civil de 1916 – Art. 328. No caso de anulação do casamento, havendo filhos comuns, observar-
se-á o disposto nos arts. 326 e 327.
41
Tratando-se, no entanto, de desquite amigável, prevalecia, no que concerce à
questão da guarda, o que os genitores acordassem entre si.10 Além disso, se a mãe
casasse novamente ela não perderia a guarda dos filhos, salvo se restasse comprovado
que ela ou o padastro não tratassem a criança/adolescente de maneira adequada11,
devendo prevalecer, pois, o que fosse melhor aos filhos.
Em 1941 editou-se o Decreto-lei n.º 3.200, que tratou da guarda do filho natural,
estabelecendo que o então denominado pátrio poder deveria ser exercido “por quem
primeiro reconheceu o filho, salvo destituição nos casos previstos em lei” (art. 16).
Posteriormente, a redação deste artigo foi alterada pelo Decreto-lei nº 5.213 de 1943, de
maneira que o poder do filho menor seria do genitor que o reconheceu e, caso os dois o
reconhecessem, do pai, exceto se o juiz decidisse de outro modo quer fosse melhor para
o menor12. Por fim, com o advento da Lei nº5.582 de 1970, mudou-se uma vez mais a
redação do artigo em voga, que passou a ter o seguinte texto: “Art. 16. O filho natural
enquanto menor ficará sob o poder do genitor que o reconheceu e, se ambos o
reconheceram, sob o poder da mãe, salvo se de tal solução advier prejuízo ao menor”.
Em três de setembro de 1946, com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 9.701,
que dispunha sobre a guarda de filhos menores no desquite judicial, previu-se o direito
de visitação dos pais para os casos em que nenhum deles seja contemplado com a
guarda dos filhos. Ressalte-se que, neste caso, a guarda era atribuída a pessoa idônea da
família do cônjuge inocente, demonstrando-se que mesmo quando a guarda não
permanecia com os genitores, a culpa era fator determinante para sua estipulação13.
No ano de 1962 houve a promulgação da Lei nº 4.121, conhecida como Estatuto
da Mulher Casada, quealterou, dentre outros artigos, o art. 326 do Código Civil,
detrminando que, em caso de desquite judicial, os filhos menores deveriam permanecer
10Código Civil de 1916 – Art. 325. No caso de dissolução da sociedade conjugal por desquite amigável,
observar-se-á o que os conjugues acordarem sobre a guarda dos filhos. 11Código Civil de 1916 – Art. 329. A mãe, que contrai novas núpcias, não perde o direito a ter consigo os
filhos, que só lhe poderão ser retirados, mandando o juiz, provado que ela, ou o padrasto, não os trate
convenientemente (art. 248, n. I, e 393). 12Decreto-Lei 5.213 de 1943 – Art. 16. O filho natural, enquanto menor, ficará sob o poder do progenitor
que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram, sob o do pai, salvo se o juiz decidir doutro modo, no
interesse do menor. 13Decreto-lei n.º 9.701 de 1946 – Art. 1º No desquite judicial, a guarda de filhos menores, não entregues
aos pais, será deferida a pessoa notoriamente idônea da família do cônjuge inocente, ainda que não
mantenha relações sociais com o cônjuge culpado, a quem entretanto será assegurado o direito de visita
aos filhos.
42
sob a guarda do cônjuge inocente. Se ambos fossem culpados, todavia, os filhos
deveriam ficar sob a guarda da mãe, excetuando-se os casos em que essa determinação
se mostrasse prejudicial para a prole. Assim, observa-se que a regra de que a mãe só
teria a guarda de filhas e filhos com menos de seis anos foi eliminada do Código,
deixando-se de lado o critério do sexo e idade da prole14.
O dispositivo em comento permitia que o magistrado deferisse a guarda a pessoa
idônea ligada a qualquer dos cônjuges, nos casos em que nem a mãe nem o pai fossem
aptos a exercer o “pátrio poder”, resguardado a esses o direito de visitação15.
Com o advento da Lei n.º 6.515de 1977, surgiu no Brasil a figura do divórcio,
antes inexistente no ordenamento jurídico pátrio. Quanto ao regime de guarda,
preservou-se o regramento de que em caso de separação judicial consensual
prevaleceria o acordo entre os genitores16. A culpa na separação e, a partir de então
também no divórcio, se manteve nos casos de determinação da guarda. Assim, em caso
de “separação-sanção” (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 176) pedida por um cônjuge
quando o outro houvesse praticado conduta considerada desonrosa ou violado deveres
do casamento que tornassem inviável a vida em comum ou em caso de anulação do
casamento, a guarda do menor deveria ser atribuída ao cônjuge que não tivesse culpa na
separação17.
Se ambos os cônjuges fossem culpados, os filhos menores deveriam permanecer
sob a guarda da mãe, exceto se o juiz determinasse inoportuna esta solução18. Manteve-
14Lei nº 4.121 de 1962 – “Art. 326. Sendo desquite judicial, ficarão os filhos menores com o cônjuge
inocente.
§ 1º Se ambos os cônjuges forem culpados ficarão em poder da mãe os filhos m menores, salvo se o juiz
verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para êles. 15Lei nº 4.121 de 1962 – “Art. 326. § 2º Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da
mãe nem do pai deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notòriamente idônea da família de qualquer dos
cônjuges ainda que não mantenha relações sociais com o outro a quem, entretanto, será assegurado o
direito de visita".
16Lei n.º 6.515 de 1977 – Art 9º - No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial
consensual (art. 4º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos. 17Lei n.º 6.515 de 1977 – Art 10 - Na separação judicial fundada no "caput " do art. 5º, os filhos menores
ficarão com o cônjuge que a e não houver dado causa.
Art 14 - No caso de anulação do casamento, havendo filhos comuns, observar-se-á o disposto nos arts. 10
e 13. 18Lei n.º 6.515 de 1977 – Art 10 , § 1º - Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges;
os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa adv prejuízo
de ordem moral para eles.
43
se, ainda, a mesma determinação da Lei nº 4.121 de 1962, no sentido de que a guarda
poderia ser deferida a pessoa idônea da família de qualquer dos cônjuges, independente
de culpa, caso o juiz considerasse melhor para a criança e/ou adolescente19.
Para o caso de cônjuges que provassem a ruptura da vida em comum por mais de
cinco anos consecutivos e a impossibilidade de sua reconstituição, a Lei n.º 6.515 de
1977 determinava que a guarda dos filhos deveria ser atribuída ao cônjuge que já
mantinha o poder durante o tempo de separação de fato20. Em 1992, a Lei nº 8.408
alterou a redação deste parágrafo que passou a reduzir o tempo necessário de ruptura da
vida em comum para que se pudesse pleitear a separação judicial, de cinco para um ano,
conforme se observa,in verbis:“1° A separação judicial pode, também, ser pedida se um
dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo, e a
impossibilidade de sua reconstituição”(art. 5º, § 1º, Lei nº 6.515 de 1977 com redação
do dispositivo dada pela Lei nº 8.408 de 1992). Tratava-se da “separação-falência”
(TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 176), também inexistente no ordenamento jurídico
pátrio na atualidade.
Para os casos de “separação- remédio”(TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 176)
pleiteada por um dos cônjuges, quando o outro apresentasse doença mental grave
manifestada após o casamento e cujo o laudo, após pelo menos cinco anos de duração
da doença, fosse de cura improvável, a guarda seria deferida ao cônjuge que tivesse
condições de assumir a criação dos filhos21. O art. 13 da Lei n.º 6.515 de 1977 permitia
19
Lei n.º 6.515 de 1977 – Art 10 , § 2º - Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe
nem do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos
cônjuges. 20Lei n.º 6.515 de 1977 – Art 11 - Quando a separação judicial ocorrer com fundamento no § 1º do art. 5º,
os filhos ficarão em poder do cônjuge em cuja companhia estavam durante o tempo de ruptura da vida em
comum.
Art. 5º, § 1º - A separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida
em comum há mais de 5 (cinco) anos consecutivos, e a impossibilidade de sua reconstituição. 21
Lei n.º 6.515 de 1977 – Art 12 - Na separação judicial fundada no § 2º do art. 5º, o juiz deferirá a
entrega dos filhos ao cônjuge que estiver em condições de assumir, normalmente, a responsabilidade de
sua guarda e educação.
Art. 5º, § 2º - O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de grave
doença mental, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum,
desde que, após uma duração de 5 (cinco) anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura
improvável.
44
ao juiz, caso considerasse haver motivos graves, regular a guarda em sentido diferente
do que estipulavam as normas acima relatadas, sempre visando o bem dos filhos22.
Por fim, a lei em comento resguardava aos pais que não mantivessem a guarda
do filho o direito de visitação, conforme determinação do juiz. Também lhes cabia o
direito de fiscalizar a manutenção e educação da prole, conforme se depreende da leitura
do art. 15 da legislação: “Art 15 - Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos,
poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar
sua manutenção e educação” (art. 15, Lei nº 6.515 de 1977).
O Código Civil de 2002, quando da sua promulgação, eliminou a lógica da
análise da culpa na separação para que se atribuísse a guarda ou ao pai ou à mãe ou à
outra pessoa considerada idônea e capaz de cumprir com essa responsabilidade. Previa o
art. 1.583, nas palavras de Flávio Tartuce e José Fernando Simão, que
No caso de dissolução da sociedade conjugal, prevaleceria o que os cônjuges
acordassem sobre a guarda dos filhos, no caso de separação ou divórcio
consensual. Na realidade a regra completava a norma de proteção integral da
criança e do adolescente prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente
(Lei 8.069/1990). Isso porque, quanto aos efeitos da guarda existente na
vigência do poder familiar e que visam à proteção dos filhos, determina o art.
33, caput, daquele diploma que “A guarda obriga à prestação de assistência
material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu
detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais”. Não havendo
acordo entre os cônjuges, nos termos da redação original do Código Civil, a
guarda seria atribuída a quem revelasse melhores condições para exercê-la
(art. 1584 do CC). O parágrafo único deste comando legal enunciava que a
guarda poderia ser atribuída a terceiro, se pai ou mãe não pudesse exercê-la,
de preferência respeitada a ordem de parentesco e a relação de afetividade
com a criança ou adolescente (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 204).
Posteriormente, é importante lembrar, para que se possa compreender com maior
clareza a evolução da guarda do direito brasileiro, que em 2010 ocorreu a edição da
Emenda Constitucional nº 66/2010, conhecida como “Emenda do Divórcio”, que alterou
a redação do § 6º do art. 226 da Constituição Federal23, eliminando, segundo
entendimento majoritário, qualquer modalidade de separação de direito do ordenamento
jurídico brasileiro, as regras acerca da guarda foram consideravelmente alteradas,
22Lei n.º 6.515 de 1977 – Art 13 - Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos
filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais. 23A redação original do art. 226, § 6º da Constituição Federal era assim: “O casamento civil pode ser
dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei,
ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”. Após a Emenda Constitucional 66/2010, a
redação do parágrafo em voga passou a ser a seguinte: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo
divórcio”.
45
derrogando-se, tacitamente, algumas normas relativas ao direito de família presentes no
Novel Código Civil (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 167).
Neste diapasão, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho desenvolvem
brilhante magistério, conforme se observa a seguir:
Em síntese, com a nova disciplina normativa do divórcio, encetada pela
Emenda Constitucional, perdem força jurídica as regras legais sobre
separação judicial, instituto que passa a ser extinto no ordenamento jurídico,
seja pela revogação tácita (entendimento consolidado no STF), seja pela
inconstitucionalidade superveniente pela perda da norma validante
(entendimento que abraçamos do ponto de vista teórico, embora os efeitos
práticos sejam os mesmos).(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p.
557, apud TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 168).
Assim, como não há mais que se falar em separação de direito, também não há
que se falar em divórcio indireto ou divórcio conversão, restando apenas no direito
brasileiro o divórcio direto, a ser denominado apenas como divórcio (TARTUCE;
SIMÃO, 2013, p. 173). Neste sentido, em que pese posicionamento em contrário, a
doutrina majoritária entende que não se deve analisar, após o advento da Emenda
66/2010, a culpa pelo divórcio, o que, nas palavras brilhantes de Flávio Tartuce e José
Fernando Simão “não há qualquer impacto da Emenda do Divórcio sobre a guarda, eis
que a culpa já não mais gerava qualquer consequência jurídica em relação a tal aspecto”
(TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 205).
Em 2008, com o advento da Lei nº 11.698, alterou-se sobremaneira as redações
dos arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil. Assim, a lei passou a tratar de dois tipos de
guarda, quais sejam, guarda unilateral e guarda compartilhada, determinando que ou
uma ou outra será a modalidade a ser aplicada em determinado caso concreto.
Importante ressaltar, todavia, que ainda que não prevista em lei, há também a
modalidade de guarda chamada de alternada, imensamente criticada pela doutrina,
conforme se verá no momento oportuno.
A análise detalhada acerca dos tipos de guarda será melhor estudada em tópico
posterior no presente capítulo, valendo, por ora, ressaltar que ao encartar a guarda
compartilhada no Código Civil por meio da lei em comento, o legislador objetivou
propiciar um aumento na adoção desta modalidade de guarda por parte dos juízes. Com
o intuito de incentivar a determinação da guarda compartilhada por parte dos juízes foi
46
aprovada na IV Jornada de Direito Civil o Enunciado n.335 CJF/STJ24, segundo a qual a
guarda compartilhada “deve ser estimulada, utilizando-se, sempre que possível, da
mediação e da orientação de equipe interdisciplinar” (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p.
208).
Por fim, em 22 de dezembro de 2014 entrou em vigor a Lei nº 13.058, que
modificou os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, passando a ser conhecida por determinar
a adoção da guarda compartilhada em preferência a qualquer outra modalidade. Essa
interpretação, que será analisada com mais profundidade em momento oportuno neste
estudo, se dá sobretudo pela nova redação do § 2o do art. 1.584 do Código Civil.
3.2 Modalidades de Guarda
Apreciado o conceito de guarda e a evolução legislativa que permeia o tema, é
importante que se verifique as modalidades de guarda existentes no Brasil, tanto as
preconizadas na doutrina, quanto as admitidas pela legislação e jurisprudência. Como
são muitas as classificações doutrinárias, é importante destacar que a classificação
adotada no presente trabalho se baseia nos ensinamentos de Flávio Tartuce e José
Fernando Simão (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p.207-212), enriquecida, como não
poderia deixar de ser, com a posição de outros ilustres juristas brasileiros.
3.2.1 Guarda Unilateral
Na guarda unilateral, conforme destacam Tartuce e Simão “uma pessoa tem a
guarda enquanto a outra tem, a seu favor, a regulamentação de visitas” (TARTUCE;
SIMÃO, 2013, p. 207). Este tipo de guarda está previsto no art. 1.583 e sua definição
legal é apresentada na primeira parte do § 1º do artigo em comento, in verbis:
“compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que
o substitua” (art. 1.583, § 1º do Código Civil).
24 Enunciado n.335 CJF/STJ: Art. 1.636: A guarda compartilhada deve ser estimulada, utilizando-se,
sempre que possível, da mediação e da orientação de equipe interdisciplinar.
47
Conforme determinação do art. 1.584 do Código Civil, tanto a guarda unilateral,
quanto a guarda compartilhada podem ser requeridas por ambos os pais em consenso25
ou, “por qualquer deles, em ação autônoma de separação26, de divórcio, de dissolução
de união estável ou em medida cautelar” (art. 1.584, II, CC). Além disso, podem
também ser decretadas pelo juiz, “em atenção a necessidades específicas do filho, ou em
razão da distribuição do tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe”
(art. 1.584, II, CC).
Segundo Tartuce e Simão (2013, p. 207), a modalidade unilateral de guarda era a
forma mais comum e regra no ordenamento jurídico brasileiro até a edição da Lei
nº11.698 de 2008, tendo, no entanto, o malefício de furtar a prole da convivência de
ambos os pais. Nesta lógica, oportuno trazer à baila magistério de Carlos Roberto
Gonçalves, segundo o qual, “tal modalidade apresenta o inconveniente de privar o
menor de convivência diária e contínua de um dos genitores” (GONÇALVES, 2014 p.
492).
Assim, a guarda unilateral é considerada pela doutrina como limitadora da
convivência dos pais com seus filhos, quando ambos os pais são aptos a exercer a
guarda, o que, obviamente, é prejudicial para o desenvolvimento da prole. No entanto,
em casos em que a guarda unilateral é mais indicada a alcançar o melhor interesse da
criança e do adolescente, esta deverá ser adotada, não se podendo alegar que esta
cerceia o direito do genitor em ter o menor em sua companhia como argumento para sua
não adoção, posto que melhor para a prole.
Em casos em que a guarda unilateral se revela o melhor para o menor, é
imprescindível que se estipule o direito de visitação do genitor não guardião, para que
este não tenha sua convivência com o menor suspensa, tal qual ordenamento do art.
1.589 do Código Civil. Ao genitor não guardião cabe exercer supervisão quanto aos
interesses dos filhos, podendo, para isso, solicitar quaisquer informações necessárias
para exercer esta incumbência (art. 1.583, § 5º, CC).
25Apesar de se tratar de ações com ritos processuais diferentes, em caso de acordo entre os genitores, o
pedido pode ser feito nos mesmos autos do processo de divórcio. 26Frise-se o relatado em tópico anterior, quanto a extinção da separação judicial do ordenamento jurídico
pátrio decorrente da edição da Emenda Constitucional nº 66 de 2010.
48
3.2.2 Guarda Alternada
A guarda alternada não foi positivada no Código Civil, sendo, no entanto,
amplamente tratada pela doutrina. Na lição de Tartuce e Simão esta modalidade de
guarda é aquela em que “o filho permanece um tempo com o pai e um tempo com a
mãe, pernoitando certos dias da semana com o pai e outros com a mãe” (TARTUCE;
SIMÃO, 2013, p. 207).
WaldyrGrisard Filho, por sua vez, ao tratar da modalidade de guarda em questão
ressalta que
A guarda alternada caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais de
ter a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode
ser um ano escolar, um mês, uma semana, uma parte da semana, ou uma
repartição organizada dia a dia e, consequentemente, durante esse período de
tempo de deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que
integram o poder paternal. No termo do período os papéis invertem-se
(GRISARD FILHO, 2000, p. 106).
Tartuce e Simão fornecem exemplo interessante: “o filho permanece de segunda
a quarta-feira com o pai e de quinta-feira a domingo com a mãe” (TARTUCE; SIMÃO,
2013, p. 207). Essa seria uma das configurações possíveis para essa guarda, que é mal
vista pelos estudiosos, posto que retira da criança ou do adolescente a referência de lar
necessária para que os filhos possam se desenvolver bem psicologicamente.
Alternar, constantemente, entre a residência paterna e materna influencia na
perda de rotina, o que causa grandes prejuízos aos menores. Nas palavras de Tartuce e
Simão, trata-se a guarda alternada da
guarda pingue-pongue, pois a criança permanece com cada um dos genitores
por períodos interruptos. Alguns a denominam como a guarda do mochileiro,
pois o filho sempre deve arrumar a sua malinha ou mochila para ir à outra
casa. É altamente inconveniente, pois a criança perde seu referencial, eis que
recebe tratamentos diferentes quando na casa paterna e na materna. De toda
sorte, há quem entenda que é possível sua instituição em casos excepcionais
(TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 207).
Este é, inclusive, o entendimento dominante da jurisprudência pátria, conforme
se nota:
APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - GUARDA E
REGULAMENTAÇÃO DE VISITA - PEDIDO DE "GUARDA
ALTERNADA" - INCOVENIÊNCIA - PRINCÍPIO DO MELHOR
49
INTERESSE DAS CRIANÇAS - GUARDA COMPARTILHADA -
IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE HARMONIA E RESPEITO ENTRE
OS PAIS - ALIMENTOS - FIXAÇÃO - PROPORCIONALIDADE -
CAPACIDADE DO ALIMENTANTE E NECESSIDADE DO
ALIMENTADO A guarda em que os pais alternam períodos exclusivos
de poder parental sobre o filho, por tempo preestabelecido, mediante,
inclusive, revezamento de lares, sem qualquer cooperação ou
corresponsabilidade, consiste, em verdade, em 'guarda alternada',
indesejável e inconveniente, à luz do Princípio do Melhor Interesse da
Criança. A guarda compartilhada é a medida mais adequada para proteger os
interesses da menor somente nas hipóteses em que os pais apresentam boa
convivência, marcada por harmonia e respeito. Para a fixação de alimentos, o
Magistrado deve avaliar os requisitos estabelecidos pela lei, considerando-se
a proporcionalidade entre a necessidade do alimentando e a possibilidade de
pagamento pelo requerido a fim de estabilizar as micro relações sociais. (TJ-
MG - AC: 10056092087396002 MG , Relator: Fernando Caldeira Brant,
Data de Julgamento: 19/12/2013, Câmaras Cíveis / 5ª CÂMARA CÍVEL,
Data de Publicação: 09/01/2014) (grifo nosso).
Ao contrário do que muitas pessoas, sem a informação necessária, acreditam, na
guarda alternada os pais não compartilham a guarda, mas, ao revés, a alternam,
conforme a própria denominação da modalidade em voga. Em um tempo a guarda é de
um genitor, em outra ocasião de outro, ao contrário do que ocorre na guarda
compartilhada, em que os dois genitores mantém, ao mesmo tempo, a guarda da prole,
sendo, por isso, importar desfazer a confusão dos que consideram guarda compartilha e
guarda alternada como sinônimos. Para isso, tratar-se-á agora da guarda compartilhada.
3.2.3 Guarda Compartilhada
A partir de agora, tratar-se-á da modalidade de guarda considerada pelos juristas
como a mais apta a garantir o respeito ao melhor interesse da criança e do adolescente.
É importante que se faça a análise mais detalhada deste tipo de guarda para que se
compreenda mais facilmente a maneira como o compartilhamento da guarda é medida
capaz de inibir o surgimento de casos de alienação parental, melhor abordado no
capítulo cinco deste trabalho.
3.2.3.1 Conceito e considerações iniciais
50
Maria Helena Diniz define guarda compartilhada como “o instituto que visa
prestar assistência material, moral e educacional ao menor, regularizando posse de fato”
(DINIZ, 2002, p. 503). WaldyrGrisard Filho por sua vez, destaca, quando do estudo
dessa modalidade de guarda, que esta
Significa que ambos os pais possuem os mesmos direitos e as mesmas
obrigações em relação aos filhos menores. Por outrolado, é um tipo de guarda
na qual os filhos do divórcio recebem dos tribunais o direito de terem ambos
os pais, dividindo deforma mais equitativa possível, as responsabilidades de
criarem e cuidarem dos filhos (GRISARD FILHO, 2002, p. 79).
O Código Civil conceitua a guarda compartilhada como a “responsabilização
conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo
teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” (art. 1.583, § 1º, segunda parte,
Código Civil). Nas palavras de Flávio Tartuce e José Fernando Simão, a guarda
compartilhada ou guarda conjunta consiste em “hipótese em que pai e mãe dividem as
atribuições relacionadas ao filho, que irá conviver com ambos, sendo essa sua grande
vantagem” (TARTUCE; SIMÃO, 2013, p.207). Exemplificando, os autores citam o
caso de um filho que tem apenas um lar, mas convive sempre que possível com os seus
pais.
Observa-se enorme distinção com relação à guarda alternada, já que nesta a
guarda se alterna entre mãe e pai em tempos pré-determinados, enquanto que na guarda
compartilhada a guarda é conjunta entre o pai e a mãe; os genitores na guarda
compartilhada mantém a guarda ao mesmo tempo e sem restringir a guarda do outro pai.
Os pais tem, na guarda compartilhada, o direito de, em conjunto, decidir tanto sobre
questões corriqueiras, quanto sobre questões importantes, além de poder estar sempre na
presença dos filhos e participar de suas vidas, tentando manter o mesmo panorama
vivido pela criança quando da constância da vida em conjunto dos pais.
A residência da criança/adolescente é, então, única, mas o menor pode se
deslocar para a casa do pai ou da mãe com o fim de passar um tempo com aquele com o
qual ele não mora na casa. O art. 1.584 do Código Civil determina que a cidade base de
moradia dos filhos será aquela que melhor atender ao interesse das crianças/
adolescentes. Neste sentido, conforme revela Eduardo de Oliveira Leite:
[...] neste tipo de guarda, a criança tem residência fixa (ou na casa paterna, ou
na materna), ocorrendo intermediação dos pais em todos os aspectos
51
fundamentais ao salutar desenvolvimento da criança. A determinação da
residência fixa é essencial, porque ela é indispensável à estabilidade
emocional da criança que terá, assim, um ponto de referência, um centro de
apoio de onde irradiam todos os seus contatos com o mundo exterior. Esta
fixação da residência é também essencial para que os ex-cônjuges (mas
sempre pais) definam o contexto no qual eles passam a exercer suas
responsabilidades, entre si e os filhos, e entre si e os terceiros submetidos a
esta condição para beneficiar as presunções legais daí decorrentes. (LEITE,
2011, p. 192).
Conforme destaca a doutrina majoritária, este é o melhor tipo de guarda, posto
que permite aos filhos conviver com ambos os pais de forma igual ou bem semelhante,
sem definição de tempos esparsos e curtos para visitação. Rolf Madaleno (2004, p. 90
apud TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 209) acredita que a guarda compartilhada consiste
em uma superação da “cultura de guarda materna”, já que, ainda após todas as
modificações sociais relacionadas a posição do homem e da mulher na família,
conforme analisado em momentos anteriores deste trabalho, a guarda segue sendo
deferida sistematicamente à mãe. É como se houvesse uma regra tácita na qual a mãe
deva sempre ser contemplada com a guarda, enquanto que ao pai resta o direito de
visitação.
Ana Carolina Silveira (2008, p. 114 apud TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 209)
destaca que na guarda compartilhada o genitor que não detém a guarda física não fica
restringido apenas a supervisionar a educação de seus filhos. Pode e deve o genitor
participar ativamente da formação da prole, tendo poderes para decidir sobre a vida do
filho, na mesma medida em que tem o genitor que possui a guarda física do menor.
3.2.3.2 Evolução legislativa – alterações trazidas pela Lei nº 11.698 de 2008 e Lei
13.058 de 2014
Conforme ressaltado linhas acima deste trabalho, a guarda compartilhada já era
foco de estudo e bem vista pela doutrina antes mesmo da promulgação da primeira lei
que a introduziu no âmbito legislativo brasileiro. Assim, a doutrina majoritária já a
considerava possível de ser aplicada, muito embora as hipóteses em que esta
modalidade era escolhida pelos magistrados fosse extremamente rara.
52
Com o surgimento da Lei nº 11.698 de 2008, conhecida como Lei da Guarda
Compartilhada, incluiu-se na legislação a modalidade compartilhada como um dos tipos
possíveis de guarda a serem atribuídos aos genitores ou, caso necessário, a terceiros.
Desta feita, ainda que não fosse a responsável por eliminar do ordenamento a análise da
culpa no divórcio, pode-se dizer que a Lei em comento extirpou de vez a relação entre
culpa e guarda, pelo simples motivo de ter inserido no direito brasileiro um tipo de
guarda que preza muito mais pelo melhor para a criança/ adolescente do que por
procurar culpados pelo término da relação a dois.
A Lei nº 11.698/08 passou a prever que a guarda ou seria unilateral ou
compartilhada, determinando-se no art. 1.584 do Código Civil que ela poderia ser
requerida ou determinada pelo juiz. No entanto, ainda que a lei em tela trouxesse ao
ordenamento jurídico a modalidade compartilhada de guarda, esta era muito raramente
adotada pelos magistrados, que usavam como justificativa o termo “sempre que
possível” prevista no § 2o do art. 1.584 do Código Civil27.
O que ocorria na prática era que a maioria dos casos que chegavam aos juízes
eram casos de discórdia entre os pais. Algumas vezes, a falta de harmonia entre os pais
realmente era algo corriqueiro, que, inclusive, havia levado ao fim do relacionamento
amoroso dos genitores. Muitas outras vezes, por outro lado, o genitor que desejava ter
para si a guarda unilateral produzia situações de confusão e discórdia desnecessárias,
somente para que o juiz pudesse rechaçar a possibilidade de aplicar a guarda
compartilhada.
Os magistrados, então, aplicavam a guarda unilateral, indicando que a situação
carecia de bom relacionamento entre os genitores, o que impossibilitava a atribuição de
guarda conjunta. No entanto, como indica a melhor doutrina, é justamente nesses casos
que a guarda compartilhada deve ser determinada, evitando-se alijamento do genitor não
guardião da companhia de seu filho.
Deve-se observar que, ainda que em caso de guarda unilateral o genitor não
contemplado com a guarda possua o direito de visitação, em casos em que há discórdias
entre os pais, esta situação conturbada pode acabar por afastar genitor não guardião de
27Código Civil de 2002 - § 2o do art. 1.584: Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à
guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.
53
seu filho. Muitas vezes, inclusive, o genitor guardião pratica alienação parental com seu
filho que, como se verá, é extremamente prejudicial ao desenvolvimento psicológico da
criança e/ou do adolescente.
Rolf Madaleno (2004, p.92 apud TARTUCE; SIMÃO, 2013, p. 210) entende,
todavia, que ainda que a guarda compartilhada deva ser adotada também em casos em
que os pais apresentem relacionamento um pouco conturbado, se os genitores estiverem
em “pé de guerra” a guarda compartilhada será impossível, pois “no primeiro atraso do
pai, a mãe já entra em pânico, correndo à delegacia para fazer Boletim de Ocorrência,
ameaçando o pai com a morte, etc.”. Conforme destaca o autor, os pais devem priorizar
o melhor interesse dos filhos, deixando de lado as discórdias que levaram ao fim do
relacionamento do casal, buscando uma relação no mínimo pacífica, em prol do bem da
prole.
Assim, havendo brigas moderadas, que, no entanto, permitem a realização de
conversas civilizadas e saudáveis a guarda compartilhada é a melhor opção. Por outro
lado, tratando-se de casos com brigas desmedidas, onde os pais não conseguem manter
qualquer tipo de diálogo, a guarda conjunta é inviável, devendo o magistrado insistir na
guarda unilateral.
Buscando incrementar os casos de adoção da guarda compartilhada, houve o
advento da Lei nº 13.058 de 2014, reconhecida pela doutrina e pela sociedade em geral
como a lei da obrigatoriedade da guarda compartilhada. Conforme revela Flavio Tartuce
(TARTUCE, 2015, p. 02). a lei em comento alterou o § 2º do art. 1.584 do Código
Civil, de modo que a redação atual prevê a obrigatoriedade da guarda compartilhada,
conforme se observa, in verbis:”
Art. 1.584, § 2o – quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à
guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder
familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores
declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor
Ao contrário do que grande parte da mídia afirmou quando da entrada em vigor
da lei de que ora se trata, a guarda alternada não foi eliminada do ordenamento jurídico,
conforme se observa com a análise do Código Civil. O que se fez foi incluir e alterar
dispositivos no sentido de incentivar a adesão à guarda compartilhada, tornando-a regra
no direito brasileiro.
54
Alterou-se ainda a redação do § 2º do art. 1.583, determinando-se a partir de
agora, que o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada
entre pai e mãe28. A falta de definição pela lei do que seria essa forma equilibrada têm
causado imensas confusões na sociedade e até mesmo entre os juristas.
Alguns compreendem que “forma equilibrada” seria a criança passar um tempo
com um genitor e um tempo com o outro, o que, como já se sabe, corresponde ao
mecanismo da guarda alternada, e não da compartilhada. Assim, na guarda
compartilhada a criança tem a sua residência determinada, seja a materna, seja a
paterna, não passando dias na casa de um, dias na casa do outro genitor, como já se
apontou exaustivamente. A novel legislação não alterou essa lógica, vale ressaltar.
Com efeito, ainda que tenha se transformado em regra no ordenamento familiar,
pode o genitor que não desejar a guarda do filho, realizar essa declaração perante ao
juiz, conforme se observa com a leitura da segunda parte do § 2º do art. 1.584 do
Código Civil de 2002.
Fato é que a Lei nº 13.058/2014 buscou fortalecer o instituto da guarda
compartilhada, de modo que esta guarda seja adotada não só em situações em que os
pais estejam em completa harmonia, mas também em casos em que estes não
concordem plenamente. É claro que cabe ao juiz analisar se o caso concreto possibilita a
adesão ao compartilhamento da guarda, posto que é necessário que os pais, para levar a
cabo essa modalidade de guarda, decidam sobre assuntos importantes da vida dos filhos
em consonância. Decidir sobre a escola, a atividade esportiva, experiências de lazer
passa a ser tarefa de ambos os pais e não de apenas um deles, que devem exercer esse
múnus sempre pensando no melhor para seu filho.
Na realidade, na guarda em voga, não se alterna entre tempo, mas compartilham-
se decisões. Para isto, demanda-se inteligência emocional e maturidade dos pais, de
maneira que, ainda que a lei disponha pela obrigatoriedade da aplicação, em casos em
28A redação original dispunha: “art. 1.583, § 2o A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele
melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes
fatores:I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar; II – saúde e segurança;III –
educação”; por outro lado, a redação atual é a seguinte: “Art. 1.583, § 2o Na guarda compartilhada, o
tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre
tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.
55
que existe muita briga entre os genitores – brigas comprovadas e que não conseguem ser
evitadas por real incompatibilidade de pensamentos sobre a criação dos filhos e não
anseio de vingança de um genitor com relação ao outro – a melhor opção seria ainda a
guarda unilateral. Neste diapasão é interessante trazer à colação entendimento de José
Fernando Simão, segundo o qual
no caso da guarda compartilhada, em situações de grande litigiosidade dos
pais, assistiremos às seguintes decisões: “em que pese a determinação do
Código Civil de que a guarda deverá ser compartilhada, no caso concreto, a
guarda que atende ao melhor interesse da criança é a unilateral e, portanto,
fica afastada a regra do CC que cede diante do princípio constitucional”. A
lei não é, por si, a solução do problema como parecem preconizar os
defensores do PL 117/2003. A mudança real é que o Magistrado, a partir da
nova redação de lei, precisará invocar o preceito constitucional para não
segui-la. Nada mais”. (SIMÃO, 2014. Disponível em:
<http://www.professorsimao.com.br/artigos/artigo.aspx?id=312>. Acesso em
23/10/2015)
No entanto, deve o magistrado estar atento a real relação que os pais mantém em
cada caso concreto. Isto porque, deve-se buscar alcançar o objetivo da recente lei de
aproximar os pais de seus filhos, por meio da adoção da guarda compartilhada, não
permitindo que os genitores que desejam a guarda unilateral por algum rancor ou ódio
do ex-cônjuge ou ex-companheiro, consiga manipular a estipulação da guarda, causando
brigas propositais que façam o magistrado rechaçar a estipulação da guarda
compartilhada.
A adoção da guarda compartilhada traz inúmeros benefícios tanto às crianças,
quanto aos genitores, já que permite a ambos os pais participarem da vida de seus filhos
de forma igualitária, além reduzir a figura do pai/mãe que não comparece, que não se
interessa e, por isso, causa mal ao filho, que não entende a ausência deste genitor. O
genitor, por poder passar mais tempo com filho e tomar as decisões que permeiam a
vida da criança/adolescente, reduz o conflito psicológico que o faz confundir sua
relação marido-mulher/ companheiro-companheira com o relacionamento filho-genitor,
tornando-se muito mais participativo.
Ademais, o compartilhamento da guarda fortalece a relação do genitor com seu
filho, eliminando conflitos e reduzindo a incidência da alienação parental, posto que
permite aos dois genitores a possibilidade de estar presente na vida dos filhos, mantendo
a relação afetuosa que tinham antes da dissolução da sociedade conjugal/convivencial,
56
evitando a influência do genitor (que se tornaria) alienador, conforme se analisará
adiante. Assim, deve o magistrado buscar a atribuição deste tipo de guarda ao caso
concreto, sempre que possível, fazendo valer a nova lei que, como visto, prega pela
adoção da guarda compartilhada como regra e a guarda unilateral como exceção, em
casos em que realmente é inviável o compartilhamento.
4 ALIENAÇÃO PARENTAL
A partir de agora tratar-se-á de um ponto de suma importância para a correta
compreensão do presente trabalho, qual seja, a Alienação Parental. É importante
destacar não só o conceito que envolve o tema, como também seu surgimento, evolução,
e a maneira como é tratada no ordenamento pátrio, para que assim seja possível
observar com mais facilidade a influência (positiva) da guarda compartilhada sobre os
casos de alienação parental.
4.1 Conceito, surgimento e evolução
Em 1985, o médico e professor da Universidade de Colúmbia nos Estados
Unidos, Richard Gardner (1985, p. 3-7), apresentou à comunidade científica a Síndrome
de Alienação Parental, tendo produzido diversos artigos acerca do tema. Gardner
realizou estudos sobre ações de divórcio e guarda de filhos nos tribunais
norteamericanos e, assim, constatou o fenômeno que ele denominou de Síndrome de
Alienação Parental ou, de forma simplificada, SAP.
Richard Gardner observou que a SAP é um distúrbio que surge no contexto de
disputa de guarda dos filhos de um casal em processo de divórcio que se materializa
com as investidas do pai ou da mãe no sentido de denegrir a imagem do outro genitor,
como forma de operar vingança e (tentar) aliviar as dores da separação. Assim, o pai ou
a mãe que pratica a alienação parental, chamado de genitor alienante insere falsas ideias
na mente da criança com o fim de que esta crie repulsa ao outro genitor, afastando-se
57
deste (GARDNER, disponível em < http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-
sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>; acesso em 29/09/2015).
Trata-se a alienação parental de uma verdadeira programação empreendida pelo
genitor alienante na mente do filho(a), até que, em algum momento, a própria criança
passa a auxiliar – obviamente que sem notar – o genitor alienante. Em determinado
nível de desenvolvimento das investidas alienadoras, o genitor alienante não precisa
mais atuar para influenciar o pensar e o agir do filho, que passa, por si só, a reproduzir
as ideias falaciosas que lhe foram transmitidas.
NETO et al(2012, p. 196; 204) também analisou a alienação parental, definindo-
a como a
Implantação de falsas memórias, uma lavagem cerebral, trata-se da
programação da criança ou do adolescente para odiar o outro genitor ou
qualquer pessoa que possa influir na manutenção de seu bem-estar e
desenvolvimento e que não satisfaça as vontades do alienador.
O agir do genitor alienante consiste em verdadeira “programação” ou, melhor
seria dizer, “lavagem cerebral”, quando emite instruções no sentido de excluir o outro
genitor da vida dos filhos. Para isso, o pai ou a mãe que pratica a alienação parental,
empreende condutas extremamente condenáveis, como interferir nas visitas por meio do
controle excessivo dos horários ou organizando atividades para os dias de visitação que
as torne desinteressante, não consultar o outro pai sobre assuntos importantes da vida do
filho, excluindo-o da sua criação, atacando a relação entre filho e o outro genitor e
denegrindo a imagem do genitor alienado(GARDNER, disponível em <
http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>;
acesso em 29/09/2015).
Caroline de Cássia Buosi faz um estudo analisando a relação entre as condições
do ambiente familiar e o desenvolvimento da alienação parental. Neste sentido, ressalta
a autora que em lares em que há insatisfação com o panorama econômico da família,
onde predomina a solidão de um dos cônjuges mesmo na vida a dois e, principalmente,
em famílias assoladas por casos de relações extraconjugais, a incidência de casos de
alienação parental é maior. São famílias com esta conjuntura emocional e econômica
que estão mais propícias a sofrerem com a alienação parental no momento de um
divórcio ou separação (BUOSI, 2012, p. 58).
58
Importante salientar que há divergência doutrinária quanto a questão da
veracidade das acusações realizadas pelo genitor alienante. Assim, Gardner entendia
que a alienação parental consistia na “lavagem cerebral” empreendida com o fim de
difamar o outro genitor quando não existiam justificativas para o que se alegava. Isto é,
para o autor e pesquisador, apenas poderia ser considerado caso de alienação parental
quando o genitor realizava acusações sem fundamento e falaciosas, justamente com o
fim de denegrir a imagem do outro perante o filho, afastando-os um do outro. A
campanha difamatória baseada em acusações verídicas, defeitos (aqui entendidos como
características negativas) e fatos reais não poderiam ser caracterizadas como alienação
parental). (GARDNER, disponível em < http://www.alienacaoparental.com.br/textos-
sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>; acesso em 29/09/2015).
Por outro lado, para Douglas Darnall, para que se caracterize a alienação
parental não é necessário que os fatos e características alegados por um genitor ao seu
filho sobre o outro progenitor sejam verdadeiras para que se opere a alienação parental.
Isto porque, segundo o autor, pode um pai fazer com que o seu filho se volte contra o
outro genitor por meio do realce de defeitos e fatos reais. Ao invés de inventar algo,
pode o genitor alienador enfatizar uma característica ou acontecimento negativo em
relação ao outro progenitor com o fim de denegrir sua imagem perante seu filho,
situação esta tão prejudicial à criança quanto a de inventar fatos ou caracteres do outro
pai. DARNALL, Disponível em: <http://www.apase.org.br/94003-umaanalise.htm>.
Acesso em: 29/09/2015.
Importante delinear que, na prática, a alienação parental surge, como se observa,
com o fim do casamento ou união estável e da consequente disputa pela guarda dos
filhos. Conforme destaca Rada Képes (2005, p. 51), a alienação parental “costuma ser
desencadeada nos movimentos de separações ou divórcios dos casais, mas sua descrição
ainda constitui uma novidade, sendo pouco conhecida por grande parte dos operadores
do direito”.
Carlos Roberto Gonçalves, no mesmo sentido, destaca o momento em que surge
a alienação parental, trabalhando com o conceito de “órfão de pai vivo”, conforme se
observa:
59
A situação é bastante comum no cotidiano dos casais que se separam: um
deles, magoado com o fim do casamento e com a conduta do ex-cônjuge,
procura afastá-lo da vida do filho menor, denegrindo sua imagem perante este
e prejudicando o direito de visitas. Cria-se nesse caso, em relação ao menor, a
situação conhecida como “órfão de pai vivo” (GONÇALVES, 2011, p. 305).
Maria Berenice Dias, com a clareza e excelência que lhe são peculiares, explica
que
Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, quando um dos cônjuges
não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de
rejeição, de traição, surge um desejo de vingança que desencadeia um
processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro.
Nada mais que uma “lavagem cerebral” feita pelo guardião, de modo a
comprometer a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que
não ocorreram ou que não aconteceram conforme a descrição dada pelo
alienador. Assim o infante passa aos poucos a se convencer da versão que lhe
foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato
aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo
entre o genitor e o filho tudo que lhe é informado. Restando órfão do genitor
alienado, acaba se identificando com o genitor patológico, passando a aceitar
como verdadeiro tudo que lhe é informado”. (DIAS, 2010, p.455-456).
Com o fim tortuoso de um relacionamento, um dos cônjuges, regra geral, se
sente mais atingido e rejeitado, alimentando sentimentos de ódio e rancor, o que o leva a
procurar uma maneira de atingir o ex-parceiro.
Em meio a disputa pela guarda dos filhos, o genitor magoado vê uma
oportunidade de se vingar daquele que lhe causou sofrimento, ainda que isto custe a
sanidade mental de seu filho. Na verdade, tomado por fúria e tristeza, o genitor
alienante nem mesmo pensa sobre as consequências negativas que sua atitude reiterada
trará aos filhos; seu objetivo é tão-somente atacar o outro genitor.
A intenção do genitor alienador é parecer superior frente ao genitor alienado,
efetuando, para isso, um processo de desmoralização do ex-cônjuge, através de ataques
que o distância dos filhos. A criança/adolescente é usado como instrumento para atacar
o outro pai, de maneira que “podemos dizer que o alienador educa seus filhos no ódio
contra o outro genitor, seu pai ou sua mãe, até conseguir, que eles, de modo próprio,
levem a cabo esse rechaço”. (TRINDADE, 2007, p. 112).
Como consequência, a criança que está sofrendo a alienação passa a se afastar
do genitor alienado, muitas vezes, de forma irreversível. As consequências psíquicas e
comportamentais sobre a criança são extremamente negativas, conforme se verá melhor
60
adiante, já que o filho perde o referencial materno/paterno e tem sua criação baseada
apenas no posicionamento de um dos pais, vale dizer, do genitor doente (alienante). Em
certos casos, os filhos afetados apenas conseguem se libertar dos efeitos causados pela
alienação parental após se tornarem independentes.(TRINDADE, 2007, p. 114).
De acordo com a definição de alienação parental trazida pela lei, para que a
atitude mereça reprimenda estatal, não é necessário o desenvolvimento da patologia
(síndrome) na criança ou adolescente. Ao revés, é necessário apenas que os pais ou
terceiros atuem no sentido de denegrir a imagem de um dos genitores perante o seu
filho.
Interessante notar que até pouco tempo havia a falsa ideia de que era somente a
mãe que assumia o papel de genitor alienador. Isto se dava pelas atuações que a mulher
desempenhava na sociedade, geralmente, de dona de casa e mãe de família.
Neste sentido, destaca Roberta Palermo:
Embora ainda não haja números precisos sobre o tema, alguns dados ajudam
a entender por que a mãe tem mais chance de se tornar alienadora. De acordo
com as Estatísticas de Registro Civil, divulgadas em 2010 pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 87,3% dos casos são elas
que detêm a guarda dos filhos em casos de separação. Nesse contexto, ainda
segundo o IBGE, cerca de 1/3 dos filhos perde contato com os pais, sendo
privados do afeto e do convívio com o genitor ausente. (PALERMO, 2012, p.
12).
Da mesma maneira ressalta François Podevyn, afirmando que a mulher é, em
geral, o genitor alienante por ser historicamente reconhecida como a mais indicada a
exercer a guarda dos filhos, conforme se pode notar:
A Síndrome se manifesta, em geral, no ambiente da mãe das crianças,
notadamente porque sua instalação necessita muito tempo e porque é ela que
tem a guarda na maior parte das vezes. Todavia pode se apresentar em
ambientes de pais instáveis, ou em culturas onde tradicionalmente a mulher
não tem nenhum direito concreto. (PODEVYN, disponível em <http://
http://www.apase.org.br/94001-sindrome.htm> acesso em 01/10/2015).
No entanto, como se observou em momento anterior do presente trabalho, a
atuação feminina na sociedade vem, aos poucos, sendo modificada, assumindo a mulher
a posição de provedora das necessidades familiares e mulher de negócios. O mito de
que a mãe é quem sempre tem a guarda dos filhos vem, aos poucos, sendo superado,
sobretudo por conta da maior respeito dispensado ao princípio do melhor interesse da
61
criança e do adolescente, que leva à compreensão de que não só a mulher é capaz de
criar e educar os filhos.
Neste sentido, Jorge Trindade (2004, p. 162) realiza uma análise histórica na
qual ele descreve que a mulher sempre foi mais apta a cuidar dos filhos que o homem,
atribuindo-se ao homem o papel de provedor econômico da família. Entretanto,
conforme destaca o autor, a partir da década de 60 o panorama começou a ser alterado,
ocorrendo uma mudança dos papeis do homem e da mulher na sociedade o que refletiu,
sem sombra de dúvidas, nas suas atuações enquanto pais. As mulheres passaram a
trabalhar fora de suas residências e a se preocupar com seu desenvolvimento
profissional, não se limitando mais às tarefas domésticas e maternas.
Por outro lado, os homens envolveram-se mais nas atividades domésticas, sendo,
por isso, cada vez mais considerados aptos a possuir a guarda dos filhos em caso de
divórcio (TRINDADE, 2004, p. 162).O pai, antes ausente por conta de trabalho e
questões culturais, agora procura, cada vez mais, manter relação com os filhos,
equiparando sua posição de genitor à posição da mãe.
Com uma figura feminina mais independente e profissional, não dedicada
estritamente ao núcleo familiar, quando da ocorrência dos divórcios aumentou-se a
frequência das disputas judiciais pela guarda dos filhos. E é nesse contexto de
verdadeira guerra pela guarda da prole que surgem os casos de alienação parental. As
crianças passam a ser não só depositários das desavenças do ex-casal, mas também, e
talvez principalmente, objeto de disputa judicial.
Conforme destaca Tatiana Robles,
A família, diversamente das outras sociedades nãose desfaz. Uma vez
constituída, permanece. A estrutura pode mudar, quando há umaseparação ou
morte; por exemplo, mas a organização – família – prossegue. Não obstante
suas modificações estruturais, essas organizações continuam existindo no
mundo interno dos indivíduos e edificando seu mundo de relações.
(ROBLES, 2009, p. 68-69).
Assim, ainda após a separação dos pais, a família continua a existir, sendo
formada pelos pais e seu(s) filho(s), ainda que um dos genitores, por guardar rancor do
outro devido ao desembaraço do relacionamento, não deseje mais nenhum tipo de
contato com o antigo parceiro. Atacar o ex-cônjuge para se vingar atinge, na maior parte
62
das vezes, mais a criança/adolescente que o genitor alienado, ainda que este,
obviamente, também sofra com a situação triste na qual é inserido.
4.2 Diferenciação entre a Síndrome de Alienação Parental (SAP) e a Alienação
Parental (AP)
Imprescindível salientar que a Alienação Parental e a Síndrome de Alienação
Parental, apesar de muitas vezes tratadas como sinônimos, não se confundem, sendo,
pois, importantíssimo diferenciar os termos. Gardner se dedicou a fazer esta
diferenciação, salientando a importância que os juristas, membros da corte e advogados
reconhecessem que determinado caso se tratava da Síndrome de Alienação Parental (e
não somente de um caso de Alienação Parental), demonstrandoa resistência em utilizar
o termo SAP no tribunal, pois temiam que suas considerações não fossem reconhecidas.
(GARDNER, disponível em < http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-
1/o-dsm-iv-tem-equivalente>; acesso em 29/09/2015).
Para Richard Gardner, os que se negam a utilizar o termo SAP alegam que a
Síndrome de Alienação Parental não é mesmo uma “síndrome”, posto que como a SAP
não está listada no DSM-IV(Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders)29
não se poderia falar em Síndrome, mas apenas em alienação parental. Destaca o autor
que ”usar o termo AP é basicamente um prejuízo terrível à família que sofre de SAP,
porque assim a causa da alienação das crianças não é identificada corretamente”.
Segundo Gardner, “os avaliadores que usam o termo AP ao invés de SAP estão
perdendo de vista o fato de que estão impedindo a aceitação geral do termo na sala do
tribunal”. Por fim, destaca o estudioso que “usar o termo AP é míope porque diminui a
probabilidade de que alguma edição futura do DSM reconheça o subtipo da AP que nós
chamamos de SAP”. (GARDNER, disponível em <
http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>;
acesso em 29/09/2015).
Ao realizar a distinção entre os termos, Richard Gardner afirma que na Síndrome
de Alienação Parental há mais do que apenas a programação – o que ele chama de
29Atualmente, há o DSM-V, que também não incluiu a Alienação Parental em seu rol de transtornos
mentais.
63
“lavagem cerebral” – da criança pelo genitor com o intento de denegrir o outro. Na SAP
há ainda contribuições da própria criança, que passa a apoiar a campanha denegritória
do genitor alienador sem ao menos notar. A Síndrome de Alienação Parental é, segundo
Gardner, um subtipo da Alienação Parental, sendo esta última mais abrangente que
aquela. (GARDNER, disponível em < http://www.alienacaoparental.com.br/textos-
sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>; acesso em 29/09/2015).
É necessário ressaltar que dizer que a Síndrome da Alienação Parental é subtipo
da Alienação Parental significa que a SAP é um dos tipos de consequências trazidas
pela AP. Com efeito, a criança pode ser alienada de diversas maneiras, não apenas pela
doutrinação/ “lavagem cerebral”. Neste sentido, Gardner afirma que
O problema com o uso do termo AP é que há muitas razões pelas quais uma
criança pode ser alienada dos pais, razões que não têm nada a ver com
programação. Uma criança pode ser alienada de um pai por causa do abuso
parental da criança - por exemplo: físico, emocional ou sexual. Uma criança
pode ser alienada por causa da negligência parental. As crianças com
transtornos de conduta frequentemente são alienadas de seus pais, e os
adolescentes atravessam geralmente fases de alienação.A SAP é vista como
um subtipo da alienação parental. Assim sendo, substituir o termo AP pelo de
SAP não deveria causar confusão, mas causa. (GARDNER, disponível em <
http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-
equivalente>; acesso em 29/09/2015).
Priscila Maria Corrêa da Fonseca também tratou da distinção entre os dois
termos, destacando que:
a síndrome da alienação parental não se confunde, portanto, com a mera
alienação parental.Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação
parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo
outro,via de regra titular da custódia. A síndrome da alienação parental, por
seu turno, diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais de que vem
a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome
refere-se à conduta dos filhos que se recusa terminante e obstinadamente a ter
contato com um dos progenitores, que já sofre as mazelas oriundas daquele
rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado
pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do
filho.(FONSECA, Disponível em:
<Em:<http://www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/1174.pdf>. Acesso
em: 03/10/2015.).
Com efeito, para Priscila Fonseca, a Síndrome da Alienação Parental se
relaciona aos efeitos que a alienação parental opera sobre o comportamento e emoções
da criança/adolescente e como estes reagem aos diversos atos que caracterizam a
alienação parental. A síndrome da alienação parental surge quando a criança passa a
64
reproduzir a doutrinação de ódio que lhe é repassada, auxiliando o genitor alienante de
forma inconscientesem que seja mais necessária sua atuação. São os efeitos colaterais
sofridos pela criança em decorrência da alienação parental.(FONSECA, Disponível
em:<http://www.pediatriasaopaulo.usp.br/upload/pdf/1174.pdf>. Acesso em:
03/10/2015.)
Já a alienação parental consiste na prática reiterada de um dos genitores, em
geral o que possui a guarda da criança e o que se sente mais afetado pelo fim do
relacionamento, de denegrir a imagem do outro genitor. Seu objetivo, como bastante
ressaltado no tópico anterior, é afastar o filho de seu pai/mãe, induzindo a criança a se
afastar do genitor alienado, como maneira de operar vingança contra este.
Para Gardner há sintomas que, quando presentes em conjunto na criança,
caracterizam a SAP, principalmente quando se trata da síndrome dos tipos moderado e
severo. São eles:
1. Uma campanha denegritória contra o genitor alienado.
2. Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a depreciação.
3. Falta de ambivalência.
4. O fenômeno do “pensador independente”.
5. Apoio automático ao genitor alienador no conflito parental.
6. Ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a exploração contra o genitor
alienado.
7. A presença de encenações ‘encomendadas’.
8. Propagação da animosidade aos amigos e/ou à família extensa do genitor
alienado.
(GARDNER, disponível em < http://www.alienacaoparental.com.br/textos-
sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>; acesso em 29/09/2015)
Salienta-se que, nos casos leves, em geral, nem todos esses sintomas estão
presentes, mas apenas alguns deles. Em contrapartida, nos casos em que a síndrome da
alienação parental já se encontra em estágio mais avançado de desenvolvimento, vale
dizer, casos moderados e severos, é extremamente provável que todos estes sintomas
estejam presentes ou, pelo menos, a grande maioria.
Neste trabalho será utilizado o termo alienação parental focando no seu subtipo,
a Síndrome da Alienação Parental.
65
4.3 Breves comentários à Lei de Alienação Parental – Lei 12.318/2010
Com o crescimento dos casos de alienação parental no Brasil, fez-se necessária a
criação de mecanismos de conscientização da população e da comunidade jurídica sobre
esta prática que assolava inúmeras famílias. Muitas vezes sem ter conhecimento ou
orientação necessárias, os genitores alienados e as crianças que sofriam a alienação não
conseguiam encontrar uma maneira de ver a situação tão nociva e desesperadora
solucionada.
Os mais informados, quando chegavam ao judiciário, esbarravam em decisões
conflitantes e rasas, face à falta de legislação que delineasse mais concretamente o tema.
O despreparo do judiciário era agravado, sobretudo, pela divergência existente na
própria comunidade científica acerca das definições e características da alienação
parental.
Com vistas a atender à crescente demanda de regulamentação do tema, foi
promulgada em 27 de agosto de 2010 a Lei nº12.318/2010, conhecida como Lei de
Alienação Parental, resultado do projeto de Lei nº4.053/2008, de autoria do Deputado
Regis Fernandes de Oliveira, inspirado no anteprojeto do juiz Elizio Luiz Peres.
O deputado Dr. Pinotti, membro da Comissão de Seguridade Social e Família à
época da votação do projeto de lei, ressaltou em seu parecer como relator que
O Projeto de Lei em epígrafe, de autoria do Deputado Régis de Oliveira, tem
os seguintes objetivos básicos: a definição do que é alienação parental; a
fixação de parâmetros seguros para sua caracterização; e o estabelecimento
de medidas para inibir a prática de atos de alienação parental ou atenuar seus
efeitos. (Parecer do Deputado Dr. Pinotti, Disponível em
<http://www2.camara.leg.br>. Acesso em 03/10/2015).
Importa destacar que o projeto de lei – e, consequentemente, a própria lei – foi
bastante feliz em apresentar não só uma definição legal para o que se considera
alienação parental, mas também apresentar um rol exemplificativo para as condutas
tendentes a afastar a criança ou adolescente de seu genitor. Neste sentido, interessante
transcrever o art. 2º da Lei 12.318/2010:
Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação
psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos
genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua
66
autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além
dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados
diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício
da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a
criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de
endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou
contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou
adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a
dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com
familiares deste ou com avós.
Insta registrar que a referia lei não afastou qualquer norma ou instrumento de
proteção à criança ou adolescente, chancelando, inclusive, a aplicação do Estatuto da
Criança e do Adolescente e do Código de Processo Civil aos casos de alienação
parental. Acrescenta-se aos mecanismos de proteção já existentes, os trazidos pela lei
em comento, permitindo ao magistrado visualização mais célere e eficiente dos indícios
da alienação parental. (Parecer do Deputado Dr. Pinotti, Disponível em
<http://www2.camara.leg.br>. Acesso em 03/10/2015).
A lei de Alienação Parental formaliza o propósito de rechaçar e punir atitudes
que inibam o convívio dos filhos com seus pais, afastando a utilização inadequada do
poder familiar e da autoridade parental, extremamente prejudicial à saúde mental da
criança e do adolescente. Neste sentido, a lei trata da alienação parental como forma de
descumprimento do poder familiar, inferindo-se consequências jurídicas importantes,
como a realização de perícia psicológica ou biopsicossocial para auxilio às decisões
judiciais nos casos mais leves ou, até mesmo, a perda do poder familiar em casos mais
complexos e severos. (Parecer do Deputado Dr. Pinotti, Disponível em
<http://www2.camara.leg.br>. Acesso em 03/10/2015).
Interessante destacar que a Lei 12.318/2010 não utilizou o termo Síndrome de
Alienação Parental. Observa-se, pois, a cautela do legislador no sentido de evitar
críticas e descrédito à lei, o que poderia minar o fim para o qual foi intentada. Preferiu o
legislador não utilizar a palavra síndrome que ainda é objeto de grande discordância na
67
comunidade científica, conforme se destacou em momento anterior deste trabalho, já
que não há registro no DSM da síndrome ora tratada.
Vale ressaltar que no projeto de lei original, apenas constavam como agentes
passíveis de praticar alienação parental o pai ou a mãe. No entanto, em uma brilhante e
eficaz contribuição, o Deputado Pastor Pedro Ribeiro apresentou uma emenda propondo
que a alienação parental fosse considerada presente também quando avós e detentores
da guarda pratiquem atos de doutrinação ao repúdio. (Parecer do Deputado Dr. Pinotti,
Disponível em <http://www2.camara.leg.br>. Acesso em 03/10/2015).
A lei tem caráter preventivo, almejando coibir o desenvolvimento da prática de
alienação parental antes mesmo de sua ocorrência. Busca-se conferir maior celeridade
às decisões judiciais, no sentido de evitar danos irreversíveis ao relacionamento pai-
filho. Nesta perspectiva, o art. 4º da Lei em tela aduz que, havendo indício de ato de
alienação parental, processos de ação autônoma ou incidente terão trâmite prioritário:
Art. 4o Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de
ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou
incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará,
com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias
necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do
adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou
viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.
A Lei de Alienação Parental tem caráter bastante educativo, apresentando,
todavia, algumas sanções para o caso de prática de atos de alienação, que visam
proteger a criança do abuso moral que esteja sofrendo. Neste viés, o art. 6º da lei
apresenta os instrumentos processuais aptos a “inibir ou atenuar seus efeitos”, de acordo
com a gravidade que o caso apresenta, in verbis:
Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta
que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação
autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo
da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de
instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a
gravidade do caso:
I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III - estipular multa ao alienador;
IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua
inversão;
VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII - declarar a suspensão da autoridade parental.
68
Nesse diapasão, Carlos Roberto Gonçalves entende que:
A lei em apreço deixou claro o que caracteriza a alienação parental,
transcrevendo uma serie de condutas que se enquadram na referida síndrome,
sem, todavia, considerar taxativo o rol apresentado. Faculta, assim, o
reconhecimento, igualmente, dos atos assim considerados pelo magistrado ou
constatados pela pericia. (GONÇALVES, 2011, p.306).
Por fim, nota-se que a lei em apreço não construiu algo novo, inexistente na
realidade das famílias brasileiras, mas, ao revés, trata-se de “uma nova lei para um
velho problema”. Esta lei surge no ordenamento com o intuito de facilitar a adoção de
medidas que visam evitar ou parar o ataque a um dos genitores da criança, extinguindo
o abuso moral que esses filhos sofrem. (DIAS, Disponível em:
<http://www.mariaberenice.com.br>, acesso em 03/10/2015).
4.4 Efeitos da Alienação Parental sobre a prole
Com o passar do tempo e a intensificação das práticas de alienação parental
sobre a criança, é comum que esta desenvolva a Síndrome da Alienação Parental, como
visto, podendo chegar a níveis tão altos de rejeição ao genitor alienado que torne
irreversível o quadro apresentado. Note-se que o ódio da criança instrumento da
alienação decorre não somente das mensagens negativas que escuta sobre seu genitor,
mas também do receio de que o genitor alienante o rejeite caso mostre alguma afeição
pelo genitor alienado. (GARDNER, disponível em <
http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-equivalente>;
acesso em 29/09/2015).
Com inúmeros pensamentos conflitantes, é comum que, em momentos de
visitação, a criança ou adolescente apresente inúmeros sintomas psicossomáticos. É o
medo em gostar de estar na presença do genitor alvo e, consequentemente, desagradar o
alienante; o receio de que o que o genitor alienante afirme seja verdade e algo possa
acontecer a sua própria integridade; o desconforto por tem que ir a um lugar no qual a
criança/adolescente não tem certeza se gostaria de estar. Tudo isso gera sentimento de
69
extrema angústia para a criança, que desenvolve diversos sintomas claramente
identificáveis.
Gardner destaca que em dias de visitação, quando o agente alienador está
presente no local, a aflição da criança ou adolescente tende a ser ainda maior. Isto
porque, a criança teme que se sua expressão for de felicidade por ver o genitor atacado,
o genitor alienante pode rejeitá-lo. Por conta disso, distúrbios de ansiedade são
extremamente comuns em casos leves e moderados de Síndrome da Alienação Parental,
enquanto que nos casos mais severos o elemento raiva é mais latente. (GARDNER,
disponível em < http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-dsm-iv-tem-
equivalente>; acesso em 29/09/2015).
Atualmente, há diversos estudos na comunidade científica e jurídica acerca dos
efeitos da alienação parental sobre a saúde emocional de suas vítimas. Larissa Tavares
Vieira e Ricardo Alexandre Aneas Botta relatam que as sequelas nas
crianças/adolescentes são:
[...]vida polarizada e sem nuances; depressão crônica; doenças
psicossomáticas; ansiedade ou nervosismo sem razão aparente; transtornos de
identidade ou de imagem; dificuldade de adaptação em ambiente psicossocial
normal; insegurança; baixa autoestima; sentimento de rejeição, isolamento e
mal estar; falta de organização mental; comportamento hostil ou agressivo;
transtornos de conduta; inclinação para o uso abusivo de álcool e drogas e
para o suicídio; dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais, por
ter sido traído e usado pela pessoa que mais confiava; sentimento
incontrolável de culpa, por ter sido cúmplice inconsciente das injustiças
praticadas contra o genitor alienado.(TAVARES,ANEAS. Acesso em:
03/09/2015).
A criança, levada a se afastar de seu genitor, acaba perdendo um referencial
muito importante na sua vida, cuja ausência é sentida não só durante a infância e
adolescência, como em toda a vida. É de conhecimento geral a importância da figura
materna e paterna na vida dos filhos, o que evita o desenvolvimento de diversos
distúrbios psicológicos na criança. Podevyn acrescenta que “o vínculo entre a criança e
o genitor alienado será irremediavelmente destruído. Com efeito, não se pode
reconstruir o vínculo entre a criança e o genitor alienado, se houver um hiato de alguns
anos” (PODEVYN, disponível em <http:// http://www.apase.org.br/94001-
sindrome.htm> acesso em 01/10/2015).
70
Quanto maior o tempo para identificar que se trata de alienação parental maiores
são as mazelas trazidas à vida da criança/adolescente. Muitas vezes as sequelas são
irreversíveis e afetarão suas vidas para sempre. Transtornos de ansiedade,
comportamento hostil, baixo rendimento devido à falta de atenção na escola,
isolamento, depressão, tendência ao suicídio e insegurança são algumas consequências
psíquicas e comportamentais sofridas pelos filhos afetados pela alienação parental.
Observa-se, ademais, que os efeitos da alienação parental variam, em geral, de
acordo com a sua idade no momento do fim do relacionamento dos pais, aspectos
próprios de sua personalidade e sua relação com os pais. Assim, por exemplo, um pai
que sempre foi presente na vida dos filhos tem sua ausência muito mais sentida pelas
crianças ou adolescentes quando da separação/divórcio. Mais que isso, faz com que o
filho sofra ainda mais por não entender como seu pai, que sempre foi bom para ele,
agora representa alguém que deva ser odiado e rejeitado.
Pais que praticam a alienação parental atuam de forma típica. Ao invés de deixar
o filho com o pai quando tem algum afazer que não o permite cuidar da criança, deixam
com amigos, avós, parentes e, até mesmo, vizinhos, na ideia de que já que o outro não
deseja mais o relacionamento ou fez algo que desagradou o alienante, este deve sofrer,
permanecendo longe dos filhos.
Outra atitude corriqueira é não aceitar pequenos atrasos na hora de devolver a
criança à casa em que vive após a visitação. Histórias são inventadas para não permitir
que o genitor alvo tenha contato com a criança fora dos horários determinados
judicialmente. Os filhos se sentem rejeitados, não amados e, por conta disso,
desenvolvem repulsa ao genitor atacado.Tudo é motivo para discussão e a criança,
sofrendo com o clima de guerra e disputa entre os pais, acaba cada vez mais se
afastando do genitor alienado, já que o agente alienador sempre encontra uma maneira
perspicaz de culpar o outro pelas brigas e desentendimentos.
Douglas Darnall, soube tratar muito bem desta questão, afirmando que:
As crianças, ao contrário do genitor afastado, estão totalmente indefesas para
ajudar a si mesmas. Só lhes resta esperar que os adultos resolvam o problema
para libertá-los desse pesadelo. Se a intervenção não acontece, acriança fica
abandonada e crescerá com pensamentos disfuncionais. (DARNALL,
71
Disponível em: <http://www.apase.org.br/94003umaanilise.htm>. Acesso
Em: 29/09/2015).
Ainda convém lembrar que é extremamente provável que, ao atingir a idade
adulta e ampliar suas percepções, o filho desenvolva um complexo de culpa que o
assolará por longo período. Além disso, a decepção em descobrir que foi manipulado
por seu genitor pode transformar a admiração em repulsa. A tendência é que o filho se
volte – aí sim por conta própria, mas em decorrência de muitos anos de engano – contra
o genitor que praticou a alienação.
Alguns filhos tentam, inclusive, se aproximar dos pais, mas, muitas vezes, o
passar do tempo destrói os laços de afeto e carinho antes existentes. Outros, por sua vez,
se vêem tão desorientados com a descoberta de que foram controlados por tanto tempo
que se afastam do único genitor com o qual mantinham contato.
Desta feita, percebe-se a existência de efeitos extremamente nocivos à prole, que é
suficientemente inteligente para captar as mensagens maliciosas do genitor alienante,
mas não madura a ponto de notar as intenções com as quais o pai ou a mãe que pratica a
alienação parental age. E, se não compreende as motivações, encara como verdade o
que lhe é informado e, por conta disso, cria verdadeira repulsa contra o outro genitor. O
genitor alienador, cego em seu ódio e desejo de vingança, não consegue vislumbrar os
malefícios que causa à seu filho, quando insere em sua mente a figura de um pai/mãe
ruim e que não tem apreço por seu filho, lhe causando dor e sofrimento.
5.GUARDA COMPARTILHADA E ALIENAÇÃO PARENTAL
A partir de agora far-se-á a relação entre guarda compartilhada e alienação
parental, com o fim de demonstrar como essa modalidade de guarda pode servir ao
intento de reduzir os casos de alienação parental, prática que, como visto, é
extremamente prejudicial tanto para o desenvolvimento da criança/adolescente, quanto
para a saúde mental do genitor alienado.
72
5.1Dificuldades e possibilidades na aplicação da Guarda Compartilhada no que
tange à harmonia entre os genitores
A guarda compartilhada, conforme amplamente analisado no capítulo terceiro do
presente estudo, é considerada a modalidade de guarda que melhor atende aos interesses
dos menores. Isto porque o compartilhamento da guarda permite que os dois genitores
participem ativamente da vida dos filhos, eliminando aquela terrível situação em que
um genitor torna-se sombra do outro, que, por sua vez, não consegue se envolver na
criação dos filhos, afastando-se desses.
Nestes termos, é importante frisar a existência de casos em que se entende difícil
a adoção da guarda compartilhada e, em contrapartida, os casos em que sua adoção é
recomendada. O que se pretende, através do presente trabalho, é delinear as situações
em que se torna possível o compartilhamento da guarda com o fim de inibir a prática de
alienação parental e as situações em que, ainda que melhor abstratamente, sua aplicação
não seja possível ou recomendada, desmistificando a ideia formada após a edição da Lei
nº 13.058/2014 de que a aplicação da guarda compartilhada tenha se tornado
obrigatória.
Com o divórcio ou a dissolução da união estável além da resolução das questões
relacionadas tão-somente ao casal, se houver filhos em comum, há de se definir, além
do pagamento de alimentos e da regulamentação da visitação, com quem o menor irá
viver e como será o mecanismo de tomada de decisões acerca da vida da criança e/ou
adolescente, sendo imperativo que se observe o melhor interesse dos filhos.
Contudo, observa-seque, na maioria dos casos, a união se rompe em decorrência
de situações de extrema discórdia, causadas, sobretudo, pela maneira como se deu o fim
do relacionamento amoroso.
Traições, desconfianças, falta de respeito com o cônjuge/companheiro, não
aceitação por uma das partes quanto ao término do relacionamento são algumas das
situações que levam ao cônjuge /companheiro, que não desejava o fim do
relacionamento ou que se sinta injustiçado pelo término da relação amorosa, aalimentar
sentimento de ódio e rancor, que fomentam brigas e discussões como forma de atingir
ao outro de alguma forma.
73
Nesses casos, percebe-se, em verdade, que nada obstante ser defendida a
aplicação obrigatória da guarda compartilhada, existem situações em que é
extremamente difícil a possibilidade de consenso entre os pais, posto que estes não
conseguem manter uma relação com o mínimo de harmonia e respeito, sendo, portanto,
inviável ou, no mínimo, bastante difícil a determinação do compartilhamento da guarda,
uma vez que demonstra-se inviável ter que recorrer a uma tutela jurisdicional toda vez
que houver divergência de opiniões quanto ao cotidiano da prole do casal em litígio.
Neste sentido, excelente o magistério de Pablo Stolze Gagliano, que assim se
posiciona quanto a aplicação da guarda compartilhada:
A esmagadora maioria dos casos, quando não se afigura possível a celebração
de um acordo, muito dificilmente poderá o juiz “impor” o compartilhamento da
guarda, pelo simples fato de o mau relacionamento do casal, por si só, colocar
em risco a integridade dos filhos.Por isso, somente em situações excepcionais,
em que o juiz, a despeito da impossibilidade de acordo de guarda e custódia,
verificar a maturidade e respeito no tratamento recíproco dispensado pelos
pais, poderá, então, mediante acompanhamento psicológico, impor a medida
(GAGLIANO, 2013, p. 606).
Assim, é extremamente difícil impor aos pais que estejam diante de um
panorama de verdadeira “guerra” que compartilhem a tomada de decisões sobre os
filhos. Obrigar o compartilhamento da guarda neste caso é submeter a criança e/ou
adolescente ao risco de estar sempre em situação de briga e discórdia, o que é também
extremamente prejudicial à sua formação.
Desta mesma forma, entende-se impossível a aplicação da guarda compartilhada
quando os pais muito divergem sobre aspectos relacionados à criação do filho. Se os
pais estiverem sempre em dissenso sobre que decisão tomar acerca da educação e vida
da prole, nenhuma medida será adotada, sendo sempre preciso recorrer a resolução do
conflito por meio do judiciário.
Não se pode defender que em casos em que os pais mal se falem, que discutam e
briguem o tempo todo, muitas vezes de forma agressiva, seja possível aplicar essa
modalidade de guarda. Se deferida a guarda compartilhada em casos como este corre-se
o risco de alcançar justamente o contrário daquilo que se pretende: mais brigas, mais
desgastes para os menores, de maneira tal que estes acabem por se sentir culpados e
apresentem transtornos psicológicos extremamente sérios e duradouros. O objetivo da
74
guarda compartilhada é possibilitar que os pais tomem decisões em conjunto a respeito
da educação da criança, mantendo o panorama familiar vivido pelas
crianças/adolescentes com seus genitores antes do divórcio e não instaurar mais
conflitos.
Imagine-se o caso de pais que não concordam sobre nada acerca do que é melhor
para seus filhos e que sempre estão em combate sobre qualquer assunto, não chegando a
um consenso em relação a escolha da escola: no começo do ano, quando forem escolher
a escola em que o filho irá estudar, caso não entrem em acordo, pedirão suprimento
judicial. Com este exemplo, observa-se a dificuldade em compartilhar a guarda quando
os pais não demonstram qualquer intento em compartir decisões, quando ambos os pais
assumem uma posição de guerra frente ao outro genitor.
Aborda-se aqui uma situação de conflito travada por ambos os genitores, quando
estes não demonstram maturidade e discernimento necessário para conduzir,
conjuntamente, a criação dos filhos comuns. Quando os pais não concordam com
questões das mais simples às mais complexas, instaura-se no ambiente familiar um
cenário de insegurança e indefinição, extremamente prejudicial à formação psíquico-
social dos menores.
Obviamente que não se pretende defender que qualquer discórdia seja motivo
para não concessão do compartilhamento da guarda, pois entende-se que é justamente
nesses casos em que se afigura mais importante a implementação da guarda
compartilhada. Quando um dos pais tenta forçar um estado de desarmonia, no claro
intento de obter para si a guarda unilateral, apenas com o intuito de se vingar do outro
genitor, deve o magistrado determinar o compartilhamento da guarda, frustrando
quaisquer investidas egoísticas.
Inclusive é este o entendimento da jurisprudência, que tende a preferir a
aplicação da guarda compartilhada, conforme se verifica por meio do REsp
1.428.596/RS, cuja tese se desenvolve no sentido de corroborar a prevalência do melhor
interesse da criança e do adolescente sobre o interesse dos pais. Conforme se destaca na
análise do acórdão do recurso em tela, buscar o consenso para que se possa estabelecer
o compartilhamento da guarda seria centrar no litígio dos pais e ignorar a busca pelo
que se afigura melhor aos filhos (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no
75
Recurso Especial 1.428.596/RS, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de
Julgamento: 03/06/2014, T3 - TERCEIRA TURMA).
No entanto, em casos em que a relação dos pais se mostra conflituosa, a
jurisprudência indica a inviabilidade do compartilhamento da guarda, conforme se
extrai do REsp 1.351.337/RJ. De acordo com o acórdão do Recurso Especial em tela, a
guarda compartilhada deve ser determinada visando o melhor interesse da criança, e não
dos pais, de modo que, quando o cenário entre os pais é de beligerância deve-se adotar a
guarda unilateral (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial
1.351.337/RJ, Relator Ministro Antonio Carlos FERREIRA, Data de
Julgamento:20/10/2015).
Deve o juiz, auxiliado por equipe multidisciplinar, analisar se as desavenças
resultam de tentativas maliciosas de apenas um dos genitores em punir o outro pai pelo
fim do relacionamento amoroso e, sendo este o caso, ordenar acompanhamento
psicológico ao pai /mãe que esteja empreendendo esta conduta desabonadora, além, é
claro, determinar que a guarda cabível ao caso seja a compartilhada. Trata-se de
identificar as situações em que o genitor pretende utilizar a criança e/ou adolescente
como arma para atingir o ex-cônjuge/ ex-parceiro, de maneira a não punir o cônjuge que
causou o fim do relacionamento afastando-o de seu(s) filho(s) com a adoção da guarda
unilateral em favor do outro genitor.
Certamente trata-se de tarefa extremamente difícil a ser empreendida pelo
magistrado quando da análise do caso concreto, posto que muitas vezes o modo como o
genitor que deseja a guarda unilateral atua é tão inteligente e minunciosamente
calculado que fica difícil identificar se trata-se de caso de divergência entre ambos os
genitores ou caso em que se busca a punição do outro por meio da determinação da
guarda do filho. Mas cuida-se também de análise imprescindível a ser realizada pelo
juiz da causa, para que se possa alcançar o melhor interesse da criança e do adolescente
e efetivar a pretensão do legislador ao editar a Lei nº 13.058/2014.
Desta feita, é recomendável a adoção da guarda compartilhada tanto nos casos
em que um dos genitores pretende empreender vingança contra o outro genitor,
rejeitando tudo que o outro progenitor propõe com o simples propósito de atingi-lo –
desde que a situação de discórdia seja tão extrema que coloque em risco a segurança
76
física e mental dos filhos –, quanto nas situações em que há harmonia e respeito entre os
pais. Este último panorama, inclusive, é aquele em que a opção pelo compartilhamento
da guarda se mostra mais fácil de ser posto em prática e que, certamente, surtirá o efeito
pretendido pela modalidade em voga, qual seja, a manutenção da relação entre pai e
filho, nos mesmos moldes em que se dava antes do fim do casamento ou união estável.
5.2 O uso da Guarda Compartilhada como mecanismo para inibir a Alienação
Parental
Antes mesmo da recente edição da Lei 13.058/2014, o que já se buscava era
incrementar os casos de adoção da guarda compartilhada, posto ser essa modalidade a
considerada mais benéfica para o menor por preservar a sua vivencia em um ambiente
familiar saudável com a presença de ambos os pais. Conforme amplamente analisado, a
dissolução da sociedade conjugal/convivencial põe termo ao relacionamento a dois, mas
não tem o escopo de finalizar a relação pai-filho, devendo-se estabelecer e efetivar todos
os meios necessários para que se possa preservar essa relação.
Assim, a guarda unilateral é a que mais se mostra propícia ao surgimento de
casos de alienação parental, já que a criança/adolescente permanece muito mais tempo
com o genitor alienador, possibilitando que este faça o trabalho de “lavagem cerebral”
com maior facilidade. O genitor alienante vê na guarda unilateral uma oportunidade de
empreender a campanha desmoralizadora e desqualificadora do antigo cônjuge ou
companheiro.
Como na guarda unilateral a criança convive muito mais tempo com o genitor
guardião, este consegue efetivar sua vingança de forma mais fácil e bem sucedida. O
genitor alienado, por sua vez, tem apenas um final de semana a cada quinze dias –
maneira em que, geralmente, é estabelecida a estipulação de visitas – para desconstruir
toda a imagem negativa que o genitor alienador criou na mente do filho, o que, quase
sempre, é impossível de ser feito.
Assim, o filho sofre, pois entende que seu pai/mãe é uma pessoa ruim, que faz
mal não só ao genitor que tem a sua guarda, mas também a ele próprio. O menor assume
pensamentos de rejeição, acreditando que seu pai/mãe não o/a ama, o que é muito mais
77
fácil de se manter, já que o genitor alienado apenas pode ver o filho em dias pré-
estabelecidos.
Neste sentido, preleciona Maria Berenice Dias:
Os filhos tornam-se instrumento de vingança, sendo impedidos de conviver
com quem se afastou do lar. São levados a rejeitar e odiar quem provocou
tanta dor e sofrimento. Ou seja, são programados para odiar. Com a
dissolução da união, os filhos ficam fragilizados, com sentimento de
orfandade psicológica. Este é um terreno fértil para plantar a ideia de terem
sido abandonados pelo genitor. Acaba o guardião convencendo o filho que o
outro genitor não lhe ama. Faz com que acredite em fatos que não ocorreram
com o só intuito de levá-lo a afastar-se do pai (DIAS, 2013, p. 15).
O genitor alienador utiliza esses dias de visitação contra o genitor alienado duas
vezes: uma, quando faz com que sejam apenas esses os dias em que é possível que o
pai/mãe se relacione com seu filho; duas, quando mente para o filho, afirmando que o
pai/mãe não deseja contanto com o menor e que, por conta disso, aparece tão poucas
vezes para vê-lo. A criança/adolescente, então, entra num conflito interno, que não o
permite ter sentimentos pelo genitor alienado, além de o fazer sentir medo de
desaprovação do genitor alienante.
E é neste sentido que se indica a adoção da guarda compartilhada como uma
possibilidade de que os filhos possam analisar mais de perto o comportamento dos pais,
permitindo que os menores verifiquem com maior clareza se o que informa o outro
genitor é ou não verdadeiro. Trata-se de adotar a guarda compartilhada para que seja
possível combater uma das manifestações do genitor alienador quando este pratica a
alienação parental, isto é, quando este empreende a campanha difamatória contra o
outro genitor.
Por permitir que ambos os genitores possam conviver e participar ativamente da
vida da criança e/ou adolescente, a guarda compartilhada se mostra como mecanismo
eficaz no sentido de retirar do genitor mal-intencionado a possibilidade de praticar atos
que visem desqualificar o outro pai. O genitor que seria alvo da alienação tem a
oportunidade, ao conviver de maneira regular com seu filho, de continuar com a
convivência antes existente, não rompendo de forma abrupta a relação que possuía com
a criança/adolescente.
Neste diapasão, Oziane da Silva e Michelly Fogiatto entendem que
78
Como na guarda compartilhada a vivência cotidiana é mais fácil de ser
exercitada, fator que proporciona à criança maior segurança dos seus
sentimentos, diminuindo, por consequência, a possibilidade de sofrer as
influências negativas e de ser manipulada e, ainda, pelo fato de que nenhum
dos genitores poderá utilizar-se do argumento de que em razão da guarda
estar consigo poderá agir com exclusividade sobre a criança, é este um
importante instrumento para amenizar a ocorrência da Síndrome da
Alienação Parental (SILVA; FOGIATTO, 2007 p. 101).
O filho pode analisar as atitudes, falas e valores de ambos os pais de forma igual,
o que impede (ou ao menos reduz bruscamente as chances) sua manipulação, sendo
mais difícil a implantação de falsas memórias. Ambos os pais estarão presentes,
inexistindo a determinação de dias e horários certos para visitação, de forma que o
pai/mãe que não vive na mesma casa que a criança possa estar sempre perto de seu
filho.
A guarda compartilhada possibilita aos pais conhecerem, discutirem e sopesarem
as questões que envolvem a vida dos filhos, participando em igualdade de condições de
todos os aspectos que permeiam a criação das crianças/adolescentes. Mantêm-se as
condições mais semelhantes possíveis às existentes antes da separação do casal, de
modo que a relação dos progenitores com o infante não seja desgastada ou ruída.
Assim, é mérito da guarda compartilhada trazer os dois pais a assumirem as
benesses e responsabilidades na criação do filho na mesma proporção, de modo a não
permitir que um dos genitores reste alijado da vida de seu filho. A nenhum dos pais é
atribuído papel secundário, apenas de provedor de pensão, o que poderia abrir espaço
para atuação desmedida de um genitor mal intencionado.
Se os dois genitores podem estar presentes na convivência diária com a criança,
reduz-se as possibilidades de que um genitor acusar o outro de abuso sexual,
implementar ideias de que o outro progenitor é pessoa de má índole, que não nutre
sentimentos amorosos pelo filho, que não deseja sua presença, que é pessoa ruim que
merece ser odiada. Isto porque, o genitor que seria alienado estará presente para
desconstruir qualquer tentativa de ver sua imagem denegrida pelo ex-companheiro ou
ex-cônjuge.
Além de tudo isso, a opção pela guarda compartilhada retira da criança o peso de
decidir em que lado deve ficar quando o pai guardião, em caso em que a guarda é
79
unilateral, realiza a alienação parental. Priva-se a criança/adolescente do sofrimento de
temer rejeição também pelo genitor alienante caso demonstre algum afeto pelo genitor
alienado, já que o menor é levado a crer que o progenitor alienado não o ama.
Protege-se a criança/adolescente, para que preservem a estabilidade necessária,
compreendendo que ambos os pais continuam próximos e por eles responsáveis.
Preserva-se, com a adoção da guarda compartilhada, o direito da criança e do
adolescente à convivência familiar saudável, tão importante para a correta formação
psíquico-social do menor.
Nesta conjuntura, Caetano Lagrasta Neto entende que a guarda compartilhada é
mecanismo capaz de evitar o afastamento entre filho e pai não guardião, causado
naturalmente em casos em que a guarda é unilateral e reforçado por conta da alienação
parental. Sobre esse afastamento, o autor destaca que
[...] nos estágios médio ou grave, acaba por praticamente obrigar a criança a
participar da patologia do alienador, convencida da maldade ou da
incapacidade do alienado, acabando impedida de expressar quaisquer
sentimentos, pois, caso o faça, poderá descontentar o alienador, tornando-se
vítima de total abandono, por este e por todos os responsáveis ou parentes
alienados (NETO, 2009, p. 38-48).
Importante salientar que não se pretende aqui dizer que a guarda compartilhada é
o meio de se exterminar a alienação parental, nem dizer que esta modalidade de guarda
é suficiente para resolver todo e qualquer problema existente no âmbito familiar, até
porque sabe-se que o afastamento do genitor alienado de seu filho não é a única causa (e
também consequência) da alienação parental. Neste sentido Perez assevera que:
É certo que a implantação da guarda compartilhada, ao garantir equilibrada
participação entre os genitores na formação de seus filhos, representa
importante instrumento, com larga eficácia, para inibir a alienação parental.
Mas o argumento de que a afetividade da guarda compartilhada é resposta
adequada e suficiente para inibir o que se denomina por alienação parental
parece ignorar (a) a utilidade de intervenção no ordenamento jurídico para
garantir maior efetividade à própria aplicação da guarda compartilhada, (b) a
inaplicabilidade da guarda compartilhada a determinados casos [...] (c) a
própria ineficácia da guarda compartilhada para evitaar, por completo, os atos
de alienação parental e (d) a utilidade de se pensar em outras abordagens,
complementares (PEREZ, 2010, p. 80).
O que se busca é demonstrar como a adoção da guarda compartilhada pode
dificultar a execução de uma das práticas empreendidas pelos pais que desenvolvem a
alienação parental, que consiste em difamar o outro genitor, além de imputar a este o
80
cometimento de abuso sexual ou outras práticas desabonadoras. Entende-se não ser a
guarda compartilhada capaz de eliminar a alienação parental, mas acredita-se que o
compartilhamento da guarda seja mecanismo hábil a dificultar ou eliminar a ação dos
pais no sentido de denegrir a imagem do outro progenitor frente ao seu filho, já que este
estará mais próximo de seu pai/mãe, podendo analisar – nos limites de sua idade e
consequente maturidade – suas atitudes.
No entanto, deve-se ter em mente, quando se analisa a guarda compartilhada
como mecanismo para inibir a prática da alienação parental, que sua adoção deve
ocorrer apenas em casos em que, como visto, haja uma relação minimamente saudável
entre os pais. Na realidade, não se entende possível o compartilhamento da guarda
quando os pais discordam sobre todos os aspectos da educação dos menores ou quando
estes travam verdadeira batalha um contra o outro, já que o que se observa nesses casos
é que os pais não visam o melhor interesse dos filhos, mas objetivam tão-somente atacar
o outro.
Quando um dos pais tem o interesse de atacar o outro genitor, causando brigas
pontuais, para obter vingança pelo fim da relação amorosa ou devido ao motivo que
levou ao término do relacionamento, o que se indica é, como visto, que o juiz aplique a
guarda compartilhada, determinando o acompanhamento por equipe multidisciplinar ao
genitor com este intento com o fim de obter um consenso entre os pais, através,
inclusive, da mediação. Todavia, se o panorama criado pelo pai/mãe que deseja para si a
guarda unilateral com o fim de se vingar, praticando, para isso, a alienação parental for
de intensa discórdia não há, infelizmente, como se adotar a guarda compartilhada, sob
risco de se causar mais malefícios que benefícios aos menores.
Ao adotar a guarda compartilhada em casos em que há muita discussão e
nenhum respeito entre os pais, corre-se o risco de causar imensos prejuízos na formação
psíquico-social da criança e/ou do adolescente. O menor será mantido em um ambiente
repleto de tensão e sem nenhum sentimento de segurança, cenário muitas vezes igual ao
existente antes do desmantelamento do relacionamento existente entre os genitores.
Assim, conforme destacado no tópico anterior deste capítulo, deve o magistrado
ponderar a possibilidade de compartilhar a guarda entre os pais visando sempre
81
preservar o melhor interesse da criança e do adolescente. A análise acerca de como se
dá, efetivamente, o trato entre os pais é imprescindível para que se possa definir a
aplicação ou não da guarda compartilhada e para que se possa considerá-la um
mecanismo apto a reduzir a prática da alienação parental ou, pelo menos, conforme
defendido, para diminuir a manifestação das campanhas difamatórias (ou seus efeitos
sobre a prole) empreendidas pelo genitor alienante.
Assim, quando se apresenta a guarda compartilhada como mecanismo para inibir
a alienação parental o que se busca demonstrar é como a adoção deste tipo de guarda é
uma solução que, juntamente com algumas outras (destacadas inclusive na própria Lei
de Alienação Parental), pode levar à redução da prática da alienação parental no
ambiente familiar, sobretudo no que concerne a campanha desmoralizadora
empreendida pelo genitor alienante, posto que permite aos pais prosseguir próximos aos
seus filhos, mostrando a esses seus valores e condutas. O que se deve ter em mente é
que uma relação familiar saudável é fundamental para o pleno e sadio desenvolvimento
das crianças e adolescentes, devendo-se, para tanto, preservar o relacionamento pai-
filho, para que o menor cresça seguro da responsabilidade de seus pais perante sua
própria criação.
82
CONCLUSÃO
Em decorrência do presente trabalho monográfico, pode-se notar a maneira
como a guarda compartilhada vem ganhando adeptos no campo jurídico e conquistando
visibilidade em meio à sociedade, despontando como modalidade de guarda que, regra
geral, melhor atende aos interesses da criança e do adolescente. E é neste mesmo
sentido que se desenvolve a compreensão de ser o compartilhamento da guarda
mecanismo apto a reduzir a prática de atos que configuram a alienação parental,
sobretudo no que concerne a campanha desmoralizadora operada pelo genitor alienante.
Quando se abordou no capítulo primeiro a definição e evolução da entidade
familiar, o que se observou foi que as inovações sociais, aliadas às alterações
legislativas resultaram em importante modificação do que se entende por família.
Obviamente que ainda há muito o que se desenvolver em termos jurídicos, mas, ainda
que a passos que pareçam lentos por muitas vezes, o legislativo e o judiciário vem se
alinhando com os desenvolvimentos da sociedade, em que pese a tramitação do infeliz
projeto de Lei nº 6.583/2013, que visa estabelecer o Estatuto da Família.
Superou-se a interpretação de que apenas seria família a oriunda do matrimônio,
passando-se a ampliar a concepção de família, abandonando-se o modelo conservador
então vigente. Muito embora a tendência seja a de ampliar o conceito de família, viu-se
que a Constituição Federal, mesmo com sua missão humanizadora, que prega pela
dignidade da pessoa humana, não incluiu em seu texto a união homoafetiva, restando ao
Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI nº 4277, interpretar o art. 226, § 3º da
Carta Magna, reconhecendo, portanto, a união entre pessoas do mesmo sexo.
Com a análise dos princípios que regem o instituto da família, observou-se
claramente o primor pela isonomia entre homens e mulheres e a maneira como isto se
reflete no núcleo familiar. Além disso, o estudo do princípio da proteção ao melhor
interesse da criança e do adolescente foi de suma importância para que se pudesse
compreender, mais a frente, a maneira como se dá a determinação da modalidade de
guarda aplicável ao caso concreto.
Neste ínterim, o capítulo segundo demonstrou como toda a alteração social,
sobretudo no que concerne ao papel desempenhado pela mulher na família e no
83
ambiente profissional, se refletiu, histórica e legislativamente, no exercício do poder-
dever-direito dos pais sobre os filhos, denominado poder familiar (em superação ao
termo “pátrio poder”, de cunho altamente patriarcal). A despatriarcalização da
sociedade teve reflexos no direito de família, de maneira que tanto a mãe quanto o pai
passaram a ser sujeitos titulares do poder familiar.
Importante relembrar que este poder também se trata de um dever e, ainda, de
um direito, devendo os filhos respeitar e acatar as ordens de seus pais enquanto estes
devem prover todo o necessário para o pleno desenvolvimento de seus filhos, podendo
adotar as medidas imprescindíveis para tal, desde que, obviamente, respeite-se a criança
e o adolescente enquanto seres humanos detentores de direitos. Assim, analisou-se que
com o fim do relacionamento a dois, nenhum dos pais perde, apenas pelo fato da
dissolução da sociedade conjugal/convivencial ter ocorrido, a titularidade do poder
familiar, passando este a ser exercido por meio da guarda.
Nestes termos, quando da análise da guarda conseguiu-se notar, após extensa e
minuciosa análise do histórico legislativo deste instituto no Brasil, a maneira como a
modificação da posição da mulher na sociedade refletiu imensamente no mecanismo de
concessão da guarda. Assim, se antes a guarda era concedida ao cônjuge não culpado
pela separação – salvo se o culpado fosse a mulher, que teria a guarda das filhas
enquanto menores e dos filhos até os seis anos de idade –, hoje, a culpa não é mais
elemento determinante para concessão de guarda, devendo-se visar sempre o melhor
interesse da criança e do adolescente.
A mulher, enquanto considerada apta apenas a exercer o papel de dona de casa e
mãe de família, era a responsável por assumir a criação dos filhos tanto na constância do
casamento, quanto após a separação, ao passo que ao homem cabia trabalhar e prover o
sustento da família e, após a dissolução do matrimônio, do(s) filho(s) e, se considerado
necessário, também da mulher, desde que essa não fosse culpada pela separação. Esse
era o reflexo de uma sociedade patriarcal quepor entender que o homem era o chefe da
família, com poderes de mando tanto sobre a mulher quanto sobre os filhos, considerava
a mulher a destinada a cuidar dos menores.
84
Após longos anos, conforme se observou, os ideais da sociedade foram sendo
alterados, de maneira tal que a mulher foi ganhando espaço na seara profissional e
sendo interpretada como detentora de direitos. Neste sentido, o homem passou a ser
considerado apto a exercer a guarda dos filhos em caso de separação, o que aumentou,
ainda mais, os casos de disputa judicial pela guarda dos menores.
Após análise detalhada de todos os tipos de guarda existentes no Brasil, com
base no magistério de Tartuce e Simão (2013), pôde-se constatar que a guarda unilateral
era, até a edição da Lei 11.698 de 2008, adotada como regra no ordenamento jurídico
brasileiro, causando, muitas vezes, afastamento de um genitor que possuía completa
aptidão para cuidar de seu filho, juntamente com o outro pai. Neste sentido, a adoção
constante e desmedida da guarda unilateral passou a ser amplamente criticada pela
doutrina e jurisprudência pátrias, que clamavam pelo compartilhamento da guarda,
sempre que se demonstrassem aptos os dois genitores.
Desta feita, a edição da Lei nº 11.698/2008, se mostrou extremamente
importante para as famílias, posto que inseriu no Código Civil de 2002 a guarda
compartilhada, objetivando-se ampliar os casos de sua adoção. Ainda assim, os
magistrados ainda optavam por estabelecer a unilateralidade da guarda, mesmo nas
situações em que seria plenamente possível o seu compartilhamento.
Assim, em 2014 foi editada a Lei nº 13.058/2014, considerada por muitos como
a legislação que tornou obrigatória a adoção da guarda compartilhada no Brasil, mas
que, como se viu, tem muito mais o condão de reforçar a sugestão já existente, para que
os juízes apliquem a modalidade compartilhada de guarda sempre que possível.
Constatou-se a difícil tarefa dos juízes em estabelecer os casos em que se pode aplicar a
guarda compartilhada – quando os pais mantém bom relacionamento e quando um deles
instiga a existência de brigas sem explicação e/ou razão aparente, desde que não se
tenha um panorama de intensa discórdia, para poder minar a possibilidade do outro
genitor em manter, juntamente com ele, a guarda – e os casos em que sua adoção é
inviável – quando os pais não conseguem estabelecer nenhum tipo de comunicação,
quando há um cenário de extensas brigas entre os genitores ou quando esses discordam
sobre todos os aspectos da criação do menor, sendo impossível que se tome qualquer
decisão em conjunto.
85
No quarto capítulo tratou-se da alienação parental, destacando-se seu conceito,
surgimento e evolução. Ao se estudar a diferença entre a alienação parental e sua
respectiva síndrome, conseguiu-se notar que a prática de alienação parental consiste em
uma verdadeira “lavagem cerebral” (GARDNER, 2002, p. 01) empreendida pelo genitor
alienado com o fim de afastar o genitor alienante do(s) filho(s), implantando falsas
memórias (NETO et al,2012, p. 196; 204), numa perspicaz campanha difamatória, ao
passo que a Síndrome de Alienação Parental, conforme destaca Gardner (2002), se
manifesta quando a criança passa a auxiliar o genitor alienado, de maneira tal que este
não precise mais agir.
Notou-se que as práticas que configuram a alienação parental são extremamente
nocivas ao desenvolvimento psíquico-social da prole, que assume pensamentos de
rejeição e passam a ver seu pai/mãe como um ser mal e perigoso. As ideias de que seu
genitor não deseja vê-lo, que é pessoa ruim que causou sofrimento ao outro genitor,
levam a criança a um conflito interno que busca compreender como o pai/mãe antes
muito amado e carinhoso se tornou pessoa tão má e desprezível.
Além disso, os menores são constantemente colocados em posição de escolha
entre os genitores. Os transtornos de ansiedade são comuns por, sobretudo, duas razões:
uma, porque o filho teme que desenvolva qualquer afeição pelo genitor que é descrito
como ruim e, ainda que o genitor alienante descubra e o rejeite; duas, porque passa a
temer os dias de visitação, já que acredita que algo ruim possa acontecer.
Analisou-se brevemente a Lei nº 12.318/2010, que deu tratamento legislativo ao
problema da alienação parental. Essa lei, que veio ao mundo jurídico para tratar de um
velho problema, previu, dentre outros aspectos, sanções para os que praticam a
alienação parental, como, por exemplo, a alteração da guarda.
Como não podia deixar de ser, abordou-se, ainda no capítulo quarto do presente
trabalho, as consequências da alienação parental para a prole, destacando-se o efeito
devastador à formação psicológica dos menores. Estes passam a sofrer com o
sentimento de rejeição, sendo instigados e programados a odiar seu genitor, tendo
sequelas que, muitas vezes, perduram por toda a vida.
86
Com base em tudo relatado, o derradeiro quinto capítulo serviu ao fim,
inicialmente, de abordar as hipóteses em que se considera cabível a aplicação da guarda
compartilhada, tendo em vista o relacionamento mantido pelos pais após o fim do
casamento ou da união estável. Analisou-se que objetivo da Lei nº 13.058/2014 é
demonstrar que não deve o juiz deixar de ordenar o compartilhamento da guarda quando
um genitor age no intento de obter vingança pelo fim do relacionamento e, por isso,
inicia brigas infundadas apenas por capricho, desde que, conforme visto, a situação não
seja de intensa discórdia.
Chegou-se a conclusão que, ainda que muitos aleguem que a Lei 13.058/2014
ordena a obrigatoriedade da adoção da guarda compartilhada, esta não deve ser
escolhida quando os pais mantém um relacionamento extremamente conflituoso.
Quando ambos os genitores vivem em pé de guerra, não se afigura possível o
compartilhamento da guarda, posto que estes não possuem maturidade suficiente para
desempenhar os deveres e benesses da guarda de forma conjunta.
Adotar o compartilhamento da guarda em situações tais seria mais prejudicial ao
menor do que benéfico, posto que sempre estariam envoltos a conflitos intermináveis.
Seria, então, ir contra ao princípio constitucional do melhor interesse da criança e do
adolescente, algo inadmissível.
Assim, com tudo isso bem esclarecido, conseguiu-se, por fim, analisar a guarda
compartilhada como mecanismo para reduzir a incidência da prática da alienação
parental. Verificou-se que a guarda compartilhada, por permitir que ambos os pais
estejam sempre presentes na vida de seus filhos, reduz sobremaneira a possibilidade de
um genitor de denegrir a imagem do outro perante o menor, já que o genitor que seria
alienado pode demonstrar ao filho seus valores e atitudes, não havendo tempo para
implantação de falsas memórias.
Ambos os genitores tem a mesma responsabilidade e direitos, eliminando-se a
figura do pai provedor de pensão, que não participa da vida do filho e apresenta figura
secundária perante ao outro progenitor. Cabe aos dois genitores o dever de analisar,
sopesar e decidir as questões que envolvem a criação e vida dos filhos menores, não
podendo nenhum deles excluir o outro da presença da prole.
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Assim, concluiu-se que a guarda compartilhada é meio apto a reduzir a
manifestação de práticas que configuram a alienação parental, como a instituição de
campanha desmoralizadora contra o outro genitor, ainda que não seja o único, nem
mesmo suficiente a eliminar toda e qualquer atitude reveladora da alienação parental.
Excluindo-se os casos em que a adoção da guarda compartilhada pode significar muito
mais um problema do que uma busca por alcançar o melhor interesse da criança e do
adolescente, é fortemente recomendável a determinação do compartilhamento da guarda
entre os genitores, aproximando os pais de seus filhos e contribuindo-se para evitar não
só a alienação parental, como também outros diversos efeitos negativos que podem
assolar as crianças e adolescentes.
88
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