Lacan - Função e Campo
-
Upload
patricia-netto -
Category
Documents
-
view
220 -
download
0
Transcript of Lacan - Função e Campo
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 1/44
~~CtMj'~ ch- ~o.- ~;;v
f~ · ~(A, d - t.- J 1;~ ~
seu ensino, nem tampouco que devessem a bdicar do lugar
eminente em que ela fora prevista.As generosas sim patias que vieram do grupo italiano em seu
auxf lio nao os deixavam na posi~ao de hosped es inopor tunos na
Cidad e Univer sal.Quanto ao autor deste discurso, ele pensava ser socorrido,
ainda que tivesse de se mostrar um tanto aquem da tarefa def alar da fala, pOl' uma certa conivencia inscrita neste lugar
mesmo.Ele se lembrava, com efeito, que bem antes que aqui se
revelasse a gloria do mais alto trono do mundo, Aulo Gelio, em
suas Noites citicas, dera ao local chamado Mons Vaticanus a
etimologia de vagire, que designa os primeiros balbucios da fala.
E que, portanto, caso seu discurso nao viesse a ser nada alem
d e um vagido, ao menos ele colheria ali 0 auspf cio de renovar
em sua disciplina os fundamentos que ela retira da linguagem.
Do mesmo modo, essa renova~ao tirava da historia demasiado
sentido para que ele nao rompesse, pOl' sua vez, com 0estilo
tradicional que situa a "rela~ao" entre a compila~ao e a sfntese, para the dar 0 estilo ironico de um questionamento dos funda-
mentos dessa disci lina.ma vez que seus ouvintes eram esses estudantes que esperam
d e nos a fala, foi sobretudo para estes que ele fomentou seu
discur so, para renunciar , em rela~ao a eles, as regras que se
observam entr e os augures, de imitarem 0 rigor atraves da
minucia e confundirem regra e certeza. No conflito, com efeito, que os levara ao atual desfecho,
tinham-se dado mostras, quanto a sua autonomia de sujeitos, de
um d esconhecimento tao exorbitante que a exigencia primordial
advinha de uma rea~ao contra 0 tom permanente que permitir a
esse excesso.
E que, para-alem das circunstancias locais que haviam moti-vado esse conflito, viera a luz um vfcio que as ultrapassava em
muito. Que se houvesse simplesmente podido tel' a pretensao de
r egular de maneira tao autoritaria a forma ao do psicanalista
ev n ava a questao de saber se os modos estabelecidos dessa
f or ma~ao nao levavam ao fim paradoxal de uma deprecia~ao
per petuada.Decerto, as formas iniciaticas e poderosamente organizadas
em q ue Freud viu a garantia da transmissao de sua doutrina
Funr;;iioe campo da fala I I 1
e da linguagem em psicanalise
RELATORIO DO CONGRESSO DE ROMA, REALIZADO NO
ISTITUTO DI PSICOLOGIA DELLA UNIVERSITA DI ROMAEM 26 E 27 DE SETEMBRO DE 1953
Em particular, nao convem esquecer que a Separa9aO entr e
embriologia, anatomia, fisiologia, psicologia, sociologia e elf ·
niea nao existe na natureza, e que existe apenas uma d iseiplina:
a neurobiologia, a qual a obserVa9aOnos obriga a acrescentar
o epfteto humana, no que nos eoncerne. (Cita9ao escolhida par a
exergo de urn Instituto de Psicamilise em 1952.)
o d iscurso que encontraremos aqui mer ece ser introduzido pOl'
suas circunstancias. Pois traz delas a marca.
Seu tema foi proposto ao autor para constituir 0 relat6rio
teorico de praxe, na reuniao anual da qual havia dezoito anos
que a sociedade entao representativa da psicanalise na Fran~a
seguia a tradi~ao, tornad a vener avel sob 0tftulo "Congresso dos
Psicanalistas de Lingua Francesa", estendido ha dois anos aos
psicanalistas de lfnguas romanicas (sendo nele inclufda a Ho-
landa, pOl'uma tolerancia de linguagem). Esse Congresso deveria
ter lugar em Roma, no mes de setembro de 1953.
Entrementes, graves dissen~6es introduziram no grupo frances
uma secessao. Elas se haviam revelado pOl'ocasiao da funda~aode urn "instituto de psicanalise" . Pudemos entao ouvir a equipe
que lograra impor seus estatutos e seu programa proclamar que
im£f d lria de falar em R oma asu~le que, juntamente com outros,
havia tentado introduzir ali uma concep~ao diferente, e para esse
fim ela empregou todos os meios a seu alcance.
Contudo, nao pareceu aqueles que desde entao haviam fundad o
a nova Sociedade Francesa de Psicanalise que eles devessem I ' I H I
privar da anunciada exposi~ao a maioria,estudantil que aderia a
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 2/44
justif icam-se na p osir r ao de uma disciplina que so pode sobr eviver
ao se manter no nf vel d e uma experiencia integr al.
Mas, nao ter ao elas levad o a urn f ormalismo enganador, q ue
d esencor a ja a iniciativa ao penalizar 0 risco, e que faz d o r eino
da opiniao d os d outos 0 pr incf pio de uma prud encia d ocil onde
a autenticid ad e d a pesquisa se embota antes d e s e esgotar?
A extr ema complexid ad e d as nor roes empr egadas em nossocampo faz com que em nenhum outr o lugar urn es pfr ito, ao expor
seu julgament o, cor r a mais totalmente 0 risco de descobr ir sua
medida.
Mas, isso dever ia trazer a conseq tiencia d e tr ansformar em
nosso pro posito primor dial, senao unico, 0 f r anqueamento d as
teses pela elucid ar rao d os pr incfpios.
A severa selerr ao q u e s e im poe , c om ef eito, nao poderia f icar
a cargo d os ad iamentos indefinidos de uma coo ptar r ao minudente,
mas da f ecundid ad e d a produr r ao concreta e a prova d ialetica de
argumentar r oes contraditorias.
Isso nao implica, de nos sa parte, nenhuma valor izar rao da
diver gencia. Muito pelo contnirio, nao f oi sem sur presa que
pudemos ouvir no Congr esso Inter nacional de Londre s - ao
qual, pOI' termos d esr espeitad o as formas, compar ecemos como
solicitantes - uma per sonalidad e, bem-intencionad a a nosso
r es peito, d e plorar que nao pudessemos justif icar nossa secessao
pOI' al gu m d esacor do doutrinal. Querer a isso dizer q ue u ma
associarrao que se pr eten de i nternacional tern outr a finalid ade
que nao a d e manter 0 princfpio da comunid ad e de n ossa
ex periencia?
Sem duvid a, e esse 0segredo d e polichinelo que d e ha muito
ja nao e segr edo, e f oi sem nenhum esciindalo que, ao impene-
tr avel.sr . Zilboorg - 0qual, pond o de lad o nosso caso, insistia
em que nenhuma secessao Fosse aceita senao a tftulo de urn
debate cientffico -, 0 penetr ante sr . Wald er p o d e r etrucar que,a confrontarmos os princfpios em que caaa urn d e nos julgava
f und amentar sua ex per iencia, nossos mur os se dissolveriam mui-
to d e pressa na confusao de Babel.
Quanto a nos, pensamos que, se inovam os, nao e de nosso
gosto fazer disso urn merito.
Numa disciplina que so d eve seu valor cientffico aos conceitos
teoricos que Fr eu d f Oljou no progresso de sua experiencia, m as
os quais, pOI' serem ainda mal criticados,e pOI' isso conser varem
a ambigtiidad e d a If ngua vulgar , benef iciam-se d essas r essonan- [240]
cias, nao sem incor rer em mal-entend id os , p ar ec er -nos-ia pre-
matur o r om per a trad ir r ao d e sua terminologia.
Mas, parece-nos que esses ter mos so podem esclar ecer-se ao
estabelecermos sua e uivaI@ncia com a li n ua em atual da an-
tr opologia ou com os mais recentes pr o blemas da filosofia, on e,
muitas vezes, a pSlcamihse so ter n a se benehclar .Orgente, e m t od o caso, parece-nos a tarefa de destacar, em
nor roes q ue se enf r aquecem num usa r otineiro, 0 sentid o que
elas resgatam tant o d e ur n retor no a sua historia quanto d e uma
ref lexao so bre seus fundamentos sub jetivos.
E essa, sem duvld a, a f unr rao d e quem ensina, d a qual tod as
as outr as d e pend em, e e nela que melhor se inscreve 0 valor da
exper iencia.
Se a negligenciamos, o blitera-se 0 sentido de uma ar rao que
so extrai seus ef eitos do s enti d o, e as regras tecnicas, ao se
reduzir em a receitas, supr imem d a ex per iencia q ualq uer alcance
d e conhecimento e mesmo qualquer criterio d e r ealid ad e.
Pois ninguem e m enos exigente do que urn psicanalista q uanto
aq uilo que pode conferir status a uma ar r ao q ue ele pr o pr io nao
esta longe de considerar como magica, na impossibilid ad e d e
sa ber ond e situa-Ia numa conce pr rao d e seu campo que ele nem
pensa em atribuir a sua p r atica.
o exer go cujo ornamento trans pusemos para este pref acio e
urn belf ssimo exemplo disso.
Do mesmo mod o, ser a que elase harmoniza com uma con-
cepr rao d a f ormarr ao analftica que se ja a d e uma auto-escola que,
n ao satisf eita em as pirar ao privilegio singu la r d e entr egar a
carteira d e habilitar rao, se imaginasse em condirroes de contr olar
a construr rao automobilfstica?
Essa compararrao vale 0que vale, mas e bem equivalente as
que tern curso em noss os mais graves concf lios e q ue , a pesa r d ehaverem nascido em nosso discurso aos id iotas, nem sequer ter n
o sa bor d o trote de calouros, mas nem pOI'isso deixam de par ecer
rece ber urn valor d e uso d e seu car ateI' de pomposa inepcia.
Isso comerra pela conhecida compararr ao entr e 0 candid ato
que se deixa arrastar prematuramente para a pratica e 0cirurgiao
que o per a sem a sse psia, e vai ate aquela que incita a chor ar
so bre esses d esafortunados estudantes, a quem 0 conllito d e seus [241]
mestres dilacera como aos filhos no divorcio dos pais.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 3/44
Sem duvid a, essa ultima novidade nos parece ins pirar -se no
r espeito d evid o aqueles que efetivamente sofr er am 0 que cha-
mar emos, mod erand o nosso pensamento, uma pressa o so bre 0
ensino q ue os submeteu a uma rude prova, mas tambem podemos
indagar-nos, ao ouvir 0tremolo na boca dos meslr es, se os limites
do infanlilismo nao ter ao sido r ecuados, sem aviso pr evio, ate
a parvofce.
As verd ad es que esses cliches ocultam, no e ntanto, merecer iam
que as submetessemos a urn exame mais serio.
Metod o d e verd ade e de desmistifica~ao d a s c amuflagens
subjetivas, manif estaria a psicanalise uma ambi~ao d esmed id a
a o a plicar seus princfpios a sua p r 6 pria c or por a~ao, ist o e, a
concep~ao que tern os psicanal is ta s d e seu pa pel junto ao doente,
de seu lugar na socied ad e dos espf r itos, de sua s r ela~6es com
seus par es e d e sua missao de ensino?
Talvez, pOI' r ea brir algumas janelas para a luminosid ade do
pensamento de Fr eud, esta exposi~ao alivie em alguns a angustia
ger ada pOI'uma a~ao simb6lica quando ela se perd e em opacidade
pr 6 pria.
Se ja como f or, ao evocar as circunstancias d este discur so, nao
estamos de mod o algum pensa nd o e m d esculpar suas insuf icien-
cias, pOI' demais evid entes, pela pr essa que the foi im posta, uma
vez q ue e dessa mesma pressa que ele ad q uire seu sentido e sua
forma.
,~s, d emonstran:!0s, num sofisma exem lar do tempo inter-
subjetivo, a fun' j'ao a pressa na preci pitacao 16gica em q ue a
verd ad e encontr a sua condi~ao insu per avel.
~ d e criado que nao apare<;a na ur gencia, e nad a na
ur gencia que nao gere sua supera~ao na f ala.
Mas nad a ha, tampouco, que nao se torne contingente nela,quand o chega para 0 homem 0 momento em que ele pod e
id entificar numa unica razao 0 partido que escolhe e a d esord em
gue d en uncia, par a compreender sua coer encia no r eal e se
antecipar, pOl'sua certeza, a a~ao que os coloca em equilfbrio.
Determinar emo s i ss o enquanto ainda estamos no afelio d e
nossa materia, pois, quando chegar mos ao perielio, 0 calor
ser a ca paz d e nos fazer esq uece-Ia. (Lichten berg)
"Flesh composed of suns. How can such beT' exclaim the
simple ones.2 (R . Br owning, Parleying with Certain Peo ple)
Tamanho e 0 pavor que se a pod er a d o homem ao descobrir a
imagem d e seu po d el' que ele d ela se d esvia na a~ao mesma que
Ih e e pr 6pria, quand o essa a~ao a mostl'a nua. E 0 caso da
psicanalise. A d esco ber ta - pr ometeica - de Fr eu d f oi u ma
a~ao d esse tipo; sua o br a no-Io atesta; m as ela nao esta menos
presente em cad a ex per iencia humild emente conduzida pOl' urn
dos trabalhadores formad os em sua escola.
Podemos acom pallhar , ao longo dos an os decorridos, essa
aversao d o inter esse pelas· f un~ 6e s d a f ala e pelo cam po d a
linguagem. Ela motiva as "mud an~as d e o bjetivo e de tecnica"
que sao declar adas no movimento e cuja r ela~ao com 0 amor -
tecimento da ef icacia ter apeutica e, no entanto, ambfgua. Com
efeito, a promocao d a resistencia do ohjeto na teoria e na tec!li.ca
deve ser submetid a ela a 'Iis~ _ ue s6
po e r econhecer nisso urn alibi do sujeito.
Tentemos es bo~al' a t6 pic a d esse movimento. Ao considerar
a literatura que chamamos d e no ss a a tivid ade cientff ica, os
problemas atuais d a psicanalise d estacam-se I li ti d am ente sob tr es
aspectos:
A) Funyao do imagillario, digamos, ou, mais dir etamellte, d as
fantasias na tecnica da ex periencia e na constitui~ao do objeto
nas difer entes eta pas d o d esenvolvimento psfquico. 0impulso
proveio, aqui, d a psicallalise d e cr iall~as, e do terreno favoravel
oferecido as teritativas e as tenta~6es dos investigadores pela
abordagem das estrutur a~6es pr e-verbais. E tambem af que sua
culmina~ao provoca agor a urn r etorno, levantando 0 problema
da san~ao simb6lica a ser d ad a as f antasias em sua interpreta~ao.
2. "'Materia composta d e s6is. Como e po ssivel isso?', exclamam os sim ples."
(N.E.)
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 4/44
B). No<;ao das rela<;6es li bidinais de ob jeto, q ue, r enovando a
ideia do pr ogresso da amllise, refor mula em surd ina sua cond u-
<;ao. A nova perspectiva partiu, aqui, da extensao d o metod a as
psicoses e da abertura momentfmea da t ecnica a d ados de
principio diferente. A psicamilise desemboca entao numa feno-
menologia existencial, ou ate num ativismo movido pe la cari-
dade. Tambem af se exerce uma nftida rea<;ao em favor de urnretorno ao eixo tecnico da sim boliza<;ao.
C) Impartf mc ia d a c ontratr ansferenc ia e , c or relativamente, da
forma<;ao do psicanalista. Aq ui, a e nf ase veio dos embara<;os do
termino d a analise, q ue se juntam a os d o m om enta em que a
psicanalise d idatica se encerra com a introdu<;ao d o candidato
na pratica. E a m esma oscila<;ao se observa af: d e urn lado, e
nao sem cor agem , aponta-se 0 ser do analista como elemento
nao desprezf vel nos ef eitos da analise, e que deve inclusive ser
exposto em sua conduta no fim da partida; nem par is so se deixa
de promulgar energicamente, por outro lado, q ue nenhuma so-
lu<;ao pode pro vir senao de urn aprofundamento cada ve z mais
intensif icad o d a mola inconsciente.
Esses tr es pr o blemas tern urn t r a<;o comum, a parte a atividade
pioneira q ue manifestam em tr es fronteiras d iferentes, com a
vitali da de d a exper ie nc ia q ue os sustenta. Trata-se d a t~nta9ao
q ue s e a pr esenta ao analista d e aband onar 0f undamento d a fala,
jTIstmrr ef ife em campos em q ue sua utiliza<;ao, por coniiliarc'om
o inefavel, exigiria mais d o q ue nunc a se u exame:.-i=M bE a
. pedagogia mater na, a a jud a samaritana e a mestriaJdomina~ao
Jialetica. 'l'orna-se gr ande 0 perigo q ua nd o, alem disso, ele
Abaiidona sua linguagem, em beneficio d e Iinguagens ja insti-
tufdas e das quais ele conhece pouco a s c om pensa<;6es q ue elas
ofere cern a ignor ancia.
Na ver d ade, gostar famos de saber m ais sobr e os ef eitos d asim boliza<;ao na cr ian<;a, e as maes of iciantes na psicanalise, ou
as q ue d ao a nossos mais elevados conselhos urn ar de m atr iar -
cad o, nao estao Iivr es d a confusao de If nguas em que Ferenczi
aponta a lei da rela<;ao crian<;a-adulto.3
3. Fer enczi, "Confusion of tongues betweeen the adult and the child", Int .
Jour nal of Psycho., 1949, XXX, IV, p.225-3 D. ,
As ideias conce bid as pOl' nossos d outos sobre a r ela<;ao de
ob jeto acabada SaD de concep<;ao bastante incerta e, ao serem
expostas, deixam tr ansparecer uma mediocridade q ue nao honra
a profissao.
Nao ha d uvid a d e q ue esses efeit os - onde 0 psicanalista se
a proxima do tjpo de her6i mod erno ilustrado pOl' f a<;anhas
d erris6r ias numa silua ao de d escaminho - s6 pod eriam ser carng) os pOl' urn mer o retorno ao estud o, no qual 0 psicanalista
d everia tor nar -se mestre/senhor , das fun<;6es da fala.
Mas par ece q ue, desd e Freud , esse cam po centr al de nosso
d omf nio caiu no aband ono. O bserve-se 0 q uanto ele mesmo se
preservou de incurs6es grand e s demais em sua peri f er ia: desco-
brindo os estad ios li bid inais da cr ian<;a na anali se d e adultos e
s6 intervind o, no Pequeno Hans, pOl' inter medio d e seus pais;
d ecifrando uma faixa inteir a da linguagem do inconsciente no
d elir io paran6id e, mas utilizando par a isso apenas 0 texto-chave
d eixado pOl' Schre ber na la va d e sua catastrofe mental. E assu-
mind o, e m contra partida, q uanto a dialetica da obra e a t r adi<;ao
de seu sentido, e em toda a sua altivez, a posi<;ao d e mestria,
d e domina<;ao.Eq uivaler a isso a dizer q ue, se 0 lug ar d o mestr e/senhor
per m anece vazio, e menos em vir tud e de seu desaparecimento
d o q u e d e uma cresc en te o blitera<;ao d o senti do de sua obra?
Acaso nao basta, par a nos convencermos d isso, constatar 0que
suced e nesse lugar?
Nele se transmite uma tecnica, de estilo e nf ad onho ou ate
r eticente em sua opacidad e, e q ue qualquer are jamento cr ftico
parece tr anstornar . Na ve r d ade, ela assume 0 as pecto de u r n
for malismo levad o ao c erimonial, e a tal ponto q ue pod emos
ind agar-nos se na o sucum be a apr oxima<;ao mesma com a n eurose
obsessiva atr aves da qual Freud vi sou tao convincentemente 0
usa, senao a gene se , d os r itos r eligiosos.
A analogia se acentua ao considerar mos a literatur a que essaativid ade prod uz par a d el a se a limental': tem-se al i a impr essao
f r eqUente d e urn cur iosa circuito f echad o, ond e 0 d esconheci-
men to d a origem dos t er mos gera 0 pro ble ma de atr i buf-los, e
ond e 0 esfor<;o de r esolver esse problema refor<;a ess e d esco-
nhecimento.
Par a r emontar as causas d essa deterior a<;ao d o discur so ana-
Iftic o, e legf timo aplicar 0 metoda psicanalf tico a coletivid ad e
que 0 sustenta.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 5/44
Com efeito, falar d a perd a do sentid o da a<;ao analftic a e tao
verdadeiro e tao inocuo quanto ex plicar 0sintoma pOl'seu sentido,
enquanto esse sentido nao e reconhe ci do . M as s a be mo s q ue, na
ausencia desse reconhecimento, a a<;ao so pode ser sentida como
a gr es si va n o n fv el e m q ue se situa, e q ue , na au senc ia d as
"resistencia s" s oc ia is em q ue 0gr upo analftico encontr ou meios
de se tranqUilizar , os limites d e sua toledincia a sua propriaatividade, agor a " ac olhida" , senao aceita, ja nao dependem senao
d o f ndice numer ico em que se mede sua presen<;a na escala
social.
Esses princfpios bastam par a situa r a s condi<;6es sim bolicas,
imaginar ias e reais q ue determina m a s d ef es as - i so la me nto,
anula<;ao, denega<;ao e, em geral, d esconhecimento - q ue p o-
demos reconhecer na doutrina.
POl' conseguinte, se avaliarmos p Ol ' s ua m as sa a importancia
que tern 0grupo norte-amer ic an o p ar a 0movim ento psicanalf tico,
apreciaremos em seu peso as condi<;6es que ali se encontram.
Na ordem simbolic a, p ar a come<;ar, nao se pode d esprezar a
importancia do f ator c q ue destacamos no Congresso de Psiquia-
tria de 1950 como uma caracterf stica constante de urn dado meio
cultura l: c ond i< ;a o, a qu i, d o anti-h is to ri ci sm o e m q ue t od os
concord am em reconhecer 0 tra<;o pr inci pal da "comunica<;ao"
nos E VA, e q ue, a nosso vel' , eo oposto d iametr al da experiencia
analftica. Ao que vem somar-se um a forma m ental bastante
autoctone q ue, sob 0nome d e behavior ism o, d omina a tal ponto
a no<;ao psicologica na~enca ue esta claro ue, dorav~nte,
su pera or com !eto, na psicanalise, a inspir a<;ao freud iana.
Quanto as outr as d uas ol:-ens, el - - m : r s -tr r r e r e " S 'S i lc lO S a
tarefa de apr eciar 0 que o s mecanismos m anifestos na vida das
sociedades psicanalfticas d evem, r es pectivamente, as rela<;6es d e
imponencia no inte ri or d o grupo e aos efeitos sentid os de sua
livre iniciativa no con junto d o cor po social, bem como a con-
fian<;a q ue convem d epositar na no<;ao, salient ad a p Ol' urn de
seus mais lucidos representantes, da convergencia que se exerce
entre a estr anheza de urn gru po em que predomina 0 imigr ante
e 0 distanciamento a q ue 0 arr asta a f un <; ao invocada pelas
condi<;6es acima ind icad as d a cultura.
De qualq ue r m od o, evid encia-se d e mane ir a incontestavel que
a concep<;ao da psicanalise pend eu ali para a ad apta<;ao d o
ind ivfduo ao meio s ocial, par a a busca dos patterns d e conduta
e para toda a ob jetiva<;ao implicada na no<;ao de human relations ,
e e realmente uma posi<;ao de exclusao pr ivilegiad a com r espeito [246]
ao objeto humano que se indica na expressao, nascida la mesmo,
human engineering.Portanto, e a distancia necessaria para manter tal posi<;ao que
podemos atr i buir 0 eclipse, na psicamilise, dos t!~r mos mais
vfvidos de sua experiencia - 0 inconsciente, a sexualidade -,dos quais parece que a propria men<;ao logo devera apagar-se.
Na o temos q ue tom ar partido quanto ao form alismo e ao
espf r ito m er cantilista q ue o s do cumentos of iciais d o pro pr io
grupo mencio na m p ar a denuncia-Ios. 0 fariseu e 0 lojista so nos
interessam pOl' sua essencia comum, Fonte das d ificuldad es q ue
u rn e o u tr o t er n c om a f ala, especial mente quando se trata do
t alk ing shop, de falar de negocios.
E q ue, se a incomunica bilidade dos motivos pod e sustentar
urn magisterio, ela nao se equipara a mestria, ao menos aquela
exigida pOl'urn ensino. Alias, percebemos isso quando foi preciso,
no pass ad o, para sustentar sua primazia, dar, quanto a forma, ao
menos uma li<;ao.Eis pOl' q ue 0 apego indefectivelmente reafirmado pOl' essa
mesma fac<;ao pela tecnica tradicional, apos urn balan<;o das
provas efetuadas nos campos-fronteira anteriormente enumera-
d o s, nao se da sem equfvoco; ele se aquil at a p el a sUbstitui<;ao
do termo ortodoxa pelo termo classica para q ualif icar essa
tecnica. Fica-se preso as conven<;6es, na i mpossibilidad e de sa ber,
so bre a doutr ina, d izer 0que quer que seja.
Afirm am os, quanto a nos, que a tecnica nao pode ser com-
pr eend id a n em cor retamente aplicada, portanto, quand o se des-
conhec em os conceitos que a f undamentam. No ss a tarefa sera
d emons tr ar q ue esses conceit os so ad q uirem pleno sentid o ao se
orientar em num cam po de linguagem, ao se or denarem na f un<;ao
da f ala.
Ponto em q ue notamos que, para manejar q ualq uer conceito
freud iano, a leitura de Freud nao pode ser tid a como superflua,
nem mesmo quanto aq uele s q ue sa D hom6nimos d e nd <;6es
cor r entes. Como 0 demonstra a des ventur a, tr azid a a n os sa
lembr an <; a pOl' esta esta<;ao do ano, de uma teor ia dos instintos
r esenhad a em Fr eud pOl' urn aut or p ouco atento a pa rcela ex-
pressamente mf tica, no dizer de Freud, q ue ela contem. Mani-
festamente, ele nao pod eria estar atento, uma v ez que a a bor da
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 6/44
atraves da obra de Marie Bona parte, a q ual cita incessantemente
como urn eq uivalente d o texto fr eudiano, e sem q ue nad a advir ta (2471
o leitor quanto a isso, fiand o-se talvez, nao sem r azao, no bor n
gosto deste em nao conf undi-Ias, ma s ne m po r isso d eixando de
pr ovar que nao entend e nad a do verdadeiro nfveI da inf or ma~ao
d e segunda mao. Mediante 0 que, das redu~oes as dedu~oes e
das ind u~ oe s a s hi poteses, 0
auto r c onclui pela estr i ta t autologiade suas premissas falsas, ou seja, conclui q ue os instintos d e que
se tr ata san red utfveis ao arco refJexo. Tal como a pilha de pratos
cu jo desmoronamento se destila na narrativa classica, deixando
nas maos do artista apenas d ois peda~os descasados pelo estron-
do, uma constr u~ ao c om ple xa, q ue vai da descoberta das migr a-
~oes da libido pelas zonas erogenas ate a passagem metapsico-
16gica de urn princfpio de prazer generalizado ao instinto de
morte, transforma-se no bin6mio de urn instinto erotico passivo,
mold ado na atividade das catadoras de piolho, caras ao poeta,4
e d e ur n instinto destr utivo, sim plesmente identificado com a
motr icidade. Result ado q ue merece uma m en~ao m uito honr osa
para a arte, voluntar ia ou nao, d e levar ao rigor as conseq iiencias
de ur n mal-entendido.
I. FALA VAZIA E FA LA PLE NA NA
REALIZA(:Ao PSICA NALf TICA DO SUJEITO
Da em minha boca fala ver dadeir a e estavel e f aze de mim
lingua culta ( L' !nlemele cOl1solacion , ca p.XLV: Que na o se
d eve conf iar em todos, e do l igeir o tr ope~o d as palavr as).5
Cause sem pr e6 (Lema do pensamento "causalista".)
Quer se pretenda agente de cura, de forma~ao ou de sondagem,
a psicanalise dispoe de a penas urn meio: a fa1a do paciente. A
evid encia desse fato nao justifica q ue se 0negligencie . Or a, tod a
fala pede uma resposta.
4. Alusao a um poema de A r thur R imbaud , Les cher cheuses de pow:. (N.E.)
5 . D onne en ma bouche par ole vraie el esrable el f ay d e may langue caulle
(L' !nlemele consolaciol1 , XLVc Chapitre: Qu' on ne do il pas chascun cr oire el
du l egier lrebuchemenr de par oles). (N.E.)
6. Cause roujour s. (N.E.)
Mostraremos que na o ha fala sem resposta, mesmo q ue depare
a pena s c om 0 silencio, d es d e que ela tenha urn ouvint e, e qu e
e esse 0 cerne de sua fun~ao na analise.
Mas, se 0 psicanalista ignor ar que e isso que se da na fun~ao
da fala, so fara exper imentar mais fortemente seu apelo, e, sc e [2481
o vazio que nela se f az ouvir inicialm ente, e em si m esmo qu e
ele 0
exper imentara, e e para-alem da fala que ira buscar umarealidade que preencha esse vazio.
Assim, ele passa a analisar 0 compor tamento do su jeito para
ali encontrar 0 que ele nao diz. Mas, para obter a conf iss ao , e
preciso que fale d isso. Entao, e le r ecu pera a palavra, mas tornada
suspeita por so haver respondid o a d errota de seu silenc io , ante
o eco percebid o d e se u p ro prio nada.
Mas qual foi, entao, esse a pelo do su jeito, para-alem d o vazio
de seu d ito? Apelo a verdade em seu princfpio, atraves do q ual
vacilarao os apelos de necessidades mais humildes. Mas, primeiro
e de imed iato, apelo proprio do vazio, na hiancia am bfgua de
uma sed u~ ao t entada so bre 0outro, atraves dos meios em q ue
o su je it o c oloca sua com placencia e em que ir a enga jar 0
monumento de seu narcisismo.
"Af esta e la, a introspec~ao!", exclama 0homem probo que
Ihe conhece muito bem os per igos. E le decerto nao e, ad mite,
o ult im o a haver sabor eado seus encantos, ainda que Ihes tenha
esgotado 0 beneffcio. Pena que nao tenha m ais tem po a perder .
Pois voces ouvir iam poucas e boas se ele chegasse a seu diva.
E estranho q ue ur n analista, para quem esse personagem e
urn dos 'pr imeir os encontr os d e sua exper ie nc ia , ainda mencione
a introspec~ao na psicanalise. Pois, um a vez aceito 0 desafio,
f urtam-se tod as essas coisas es plendidas q ue se acr edit av a t er
de reser va. 0 pre~o del as, assumida sua obriga~ao, parece
pequeno, m as apresentam-se outras Hio i nesperad os para nossohomem que, a princfpio, parecem-Ihe tolas e 0 d eixam calado
D . 7
por ur n bor n tem po. estmo com um .
Ele apreende entao a diferen~a entre a m iragem d e mono1ogo
com que a s fantasias acomod atf ci as e stimulavam sua jactancia
e 0 trabalho for ~ado desse discurso sem escapatoria, q ue 0
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 7/44
psic610go, nao sem humor , e 0 tera peuta, nao sem astucia,
enfeitar a m c om 0 nome de "associa~ao livre".
Pois tr ata-se real mente de ur n trabalho, e tanto e urn trabalho
que se p6de dizer que ele exige uma aprendizagem, e chegar a
ver nessa aprendizagem 0 valor formativo desse trabalho. Mas,
ao entend e-Io dessa maneira, que outra coisa ele formaria senao
urn o penirio especializado?POI"tanLO,que acontece com esse trabalho? Examinemos suas (249)
condi~6es e seu fruto, na esperan~a de af ver melhor seu objetivo
e seu benef f cio.
Reconheceu-se de passagem a pertinencia do termo durchar -
beiten, ao q ual equivale 0 ingles wor k ing through, e que entre
nos d esesperou os tradutores, ainda que a eles se ofere~a 0
exercf cio de esgotamento perenemente impresso em nossa lingua
pela marca de urn mestre do estilo: "Cern vezes no trabalho,
recome~ai ...", mas, como progride a obra aqui?8
A teoria nos lembra a trfade: frustra~ao, agressividade, re-
gressao. Essa e uma explica~ao d e aparencia tao compreensf vel
q ue bem poderia dispensar -nos d e compreender . A intui~ao eagil, mas uma evidencia deve ser -nos tao mais suspeita quanto
mais se torna uma ideia aceita. Venha a analise surpreender sua
fragilidad e, convem nao nos contentar mos com 0 recurso a
afetivid ad e. Palavra-tabu da incapacid ade d ialetica, que, junto
com 0 verbo intelectuali zar, cuja acep~ao pejorativa faz dessa
inca pacid ade ur n mer ito, com ele per manecera na hist6ria da
lingua como estigmas de nossa o btusidad e em rela~ao ao su jeito.9
Ind aguemos, antes: d e ond e vem essa frustra~ao? sera d o
silencio d o analista? Uma res posta a f ala vazia, mesmo e so br e-
tud o aprobat6r ia, f r eq tientemente mostra por seus efeitos que e
bem mais fr ustrante do q ue 0 silencio. Nao se tratara, antes, d e
uma frustr a~ao q ue seria inerente ao pr6 pr io d iscurso do sujeito?
o sujeito nao se empenha neste numa d espossessao cada vez
maior d o ser de si mesmo, 0 qual - em vir tud e d e pinturas
sincer as, q ue nem por isso tornam menos incoerente a id eia, de
retif ica~6es que n ao conseguem destacar sua essencia, d e a poios
e d efesas que nao imped em sua estatua de vacilar, de a br a~os
narcfsicos que constituem ur n sopro de anima~ao - ele acaba
reconhecendo que nunca foi senao urn ser de sua obr a no
imaginario, e que essa obra d esengana nele qualq uer certeza.
Pois, nesse trabalho que faz de reconstruf -Ia para um outr o , ele
reencontra a aliena~ao f undamental que 0fez construf -Ia como
um outro, e que sempre a d estinou a Ihe ser furtada par um
outro.1O
Esse ego, cuja for~a nossos te6ricos definem agora pelaca pacidade de suportar uma f r ustra~ao, e frustra~ao em s ua
essencia.11 E frustra~ao, nao d e urn desejo do su jeito, mas de
ur n objeto em que seu desejo esta alienado, e, q uanto mais este
se elabora, mais se aprofunda no su jeito a aliena~ao de seu gozo.Frustra~ao em segundo grau, pOl"tanto,e de tal ordem que, viesse
o su jeito a reduzir-Ihe a f orma em seu discurso a imagem
apassivadora pela q ual 0 sujeito se faz objeto na exi bi~ao does pelho, nao poderia satisfazer -se com ela, uma vez q ue, mesmo
atingindo nessa imagem sua mais perfeita semelhan~ a, ser ia
aind a 0 gozo do outro q ue ele faria reconhecer ali. E
por issoq ue nao ha resposta adeq uada para esse discurso, pois 0 su jeito
tomara por desprezo q ualquer fala que se comprometa com seuequf voco.
A agressividade q ue 0 sujeito experiment a aq ui nad a tern a
ver com a agressividade animal do dese jo frustrado. Essa r efe-
r encia com q ue alguns se c ontentam mascara uma outqt, menos
agrad avel para todo 0mundo: a agr essividade do escr avo, q ue
respond e a frustra~ao d e seu tr a balho com urn dese jo d e mor te.
10. Panigrafo reescr ito (1966).
11. Eis af 0 tor mento d e urn d esvi o que tanto e pralico quanto te6rico. Pois,
identificar 0ego com a disci plina do sujeito e conf undir 0isolamento imagimirio
com 0 domfnio d os instintos. E ex por-se, atraves dis so, a err os de jufzo na
condu~ao d o tratamento, tais como almejar u r n refor ~o d o ego em muitas neuroses
motivadas por sua estr utur a d emasiadamente f orte, 0q ue e ur n caminho sem
safda. Aca so nao lemos, na pena d e nosso amigo Michael Balint, q ue 0refor ~o
do ego d eve favor ecer 0 sujeito que sofr e d e e jaculatio pr aecox, porq ue Ihe
permitiria uma sus pensao mais pr olongada d e seu d ese jo? Como pensar assim,
no entanto, s e e precisamente ao fato de seu d ese jo estar sus penso na fun~ao
imagimiria d o ego que 0 sujeilo d eve a a br evia~ao d o ato, a qual a clfnica
psicanalftica mostra claramente estar ligad a a id entif ica~ao narcf sica com 0
parceiro?
8. Alusao 11f rase d e Boileau: V illgt fois sur I e nl /ilier r emett ez vot re ouvrage
("Vinte vezes no tr abalho, r ecome~ai vossa o br a"). (N.E.)
9. Antes escr ever amos: em mater ia de psicologia (1966).
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 8/44
Concebe-se, por conseguinte, com o essa agressividade pode
responder a qualquer interven~ao que, denunciando as inten~6es
imagimirias do discurso, desmonte 0 objeto que 0 sujeito cons-
truiu para satisfaze-Ias. E a isso que se chama, com efeito, amilise
das resistencias, cuja vertente perigosa aparece de imediato. Ela
ja e assinalada pela existencia do ingenuo que nunca viu mani-
festar -se senao a significa~ao agressiva das fantasias de seus
sujeitos.12
Esse e 0 mesmo que, nao hesitando em defender uma analise [251]
"causalista", que visaria a transformar 0sujeito em seu presente
atraves de doutas explica~6es de seu passado, trai suficiente-
m ente, ate em seu tom , a angustia de que quer poupar -s e, p or
ter que pensar que a liberdade de seu paciente esta presa a de
sua interven~ao. Que 0expediente a que ele se atira possa em
algum momenta ser benefico para 0sujeito, eis 0 que nao tem
outra importancia senao a de uma brincadeira estimulante, e que
nao nos retera por muito mais tempo.
Visamos, antes, ao hie et nunc em que alguns creem dever
enclausurar 0manejo da amilise. Ele pode ser util, de fato, desdeque a inten~ao imaginaria que 0 analista descobre ali nao seja
por ele desvinculada da rela~ao simb61ica em que ela se exprime.
Nada deve ser lido nisso, no que concerne ao eu do sujeito, que
nao possa ser reassum ido por ele sob a forma do [eu], isto e,
na primeira pessoa.
"S6 fui assim para me transformar no que posso ser": se nao
Fosse esse 0despontar permanente da assun~ao que 0sujeito faz
de suas miragens, onde poder f amos discernir um progresso aqui?
o analista, pOltanto, nao pode sem perigo acuar 0sujeito na
intim idade de seu gesto, ou m esmo de sua estatica, a nao ser
para reintegra-Ios como partes mudas em seu discurso narcfsico,
o que foi notado de m aneira m uito sensfvel ate por jovens
praticantes.
o perigo nao esta na rea~ao negativa do su jeito, m as antes
em sua captura numa objetiva~ao, nao menos imaginaria do que
12. lsso, no pro pr io tr a balho a que conced emos a palma no f im d e nossa introdu~ao
(1966). Fica mar cado, no q ue vini a se guir , q u e a agr essividad e e a penas ur n
efeito colateral da frustra~ao analftica, quando este, pod e ser r efor ~ad o por urn
certo tipo d e inter ven~ao, que, como tal, nao e a r azao d o par f r ustra~ao-r egressao.
antes, de sua estatica ou de sua estatua, numa situa~ao renovada
de sua aliena~ao.
Muito pelo contrario, a arte do analista deve consistir em
suspender as certezas do sujeito, ate que se consumem suas
ultimas miragens. E e no discurso que deve escandir-se a reso-
lu~ao delas.
Ainda que esse discurso, com efcito, pare~a meio vazio, isso
s6 acontece quando se 0 tom a por seu valor aparente: aquele
que justifica a Frase de MaIlarme, quando este com para 0 uso
com um da linguagem com a troca de um a m oeda cujo verso e
an verso ja nao mostram senao figuras apagadas, e que e passada
de m ao em m ao "em silencio". E ssa m etafora basta para nos
lem brar que a fala, m esmo no auge de sua usura, preserva seu
valor de tessera.
Mesmo que nao com unique nada, 0 discurso representa a
existencia da comunica~ao; mesmo que negue a evidencia, ele
afirm a que a fala constitui a verdade; m esmo que se destine a [252]
enganar, ele especula com a fe no testemunho.
Alias, 0 psicanalista sabe melhor do que ninguem que aquestao af e ouvir a que "parte" desse discurso e confiado 0
termo significativo, e e justamente assim que ele opera, no melhor
dos casos: tom ando 0 relato de uma hist6ria cotidiana por um
ap610go que a bom entendedor dirige suas meias- palavras, uma
longa prosopopeia p or u ma i nt er je i~ ao d ireta, ou, ao contrario,
um simples lapso por uma declara~ao muito complex a, ou ate
o suspiro de um silencio por todo 0desenvolvimento Ifrico que
ele vem suprir .
Assim, e uma pontua~ao oportuna que da senti do ao discurso
do su jeito. E por isso que a suspensao da sessao, que a tecnica
atual transfor m a num a pausa puram ente cronometr ic a e , c omo
tal, indiferente a trama do discurso, desempenha af 0 papel de
uma escansao que tem todo 0 valor de uma interven~ao, preci-
pitando os momentos conclusivos. E isso indica libertar esse
termo de seu contexto rotineiro, para submete-Io a todos os fins
uteis da tecnica.
E a ss im q ue s e po de o pe ra r a r egr e ss ao , q ue e a pe na s a
atualiza~ao, no discurso, das rela~6es fantasfsticas restauradas
por um ego a cada etapa da decomposi~ao de sua estrutura. Pois,
afinal, essa regressao nao e real; m esmo na linguagem , ela s6
se manifest a por inf lex6es, fraseados, "trope~os muito ligeiros"
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 9/44
q ue, quand o muito, nao pod eriam u lt r apassar 0 ar tif f cio d a fala
babyish no ad ulto. Imputar -lhe a r ealid a de de uma rela~ao atual
com 0o b jeto equivale a projetar 0 su jeito numa ilusao alienante,
que so faz repercutir urn alibi do psicanalista.
Por isso e que nada extraviar i a ma is 0 psicanalista do q ue
procurar guiar -se pOl' urn pretenso contato exper im entado com
a realid ade do sujeito. E ssa perola da psicologia intuicionista,
ou entao fenomenologica, assumiu no uso contemporaneo uma
extensao bastante sintomatica da raref a~ao d os efeitos da fala
no presente contexto social. Mas, seu valor o bsessivo torna-se
f lagrante ao ser promovido numa rela~ao que, por suas proprias
regras, impede q ualquer contato r ea l.
Contudo, os jovens analistas que se deixarem levar pelo que
esse recurso implica de dons im penetniveis nao encontrarao nada [253]
melhor para retroceder do que referir -se ao sucesso das proprias
supervisoes [controles] a que se submetem. Do ponto de vista do
contato com 0real, a possibilidad e mesma dessas supervisoes se
tornaria urn pr o blema. Muito pelo contrar io, 0supervisor manifesta
nelas um a segunda visao, conviria dizer , que, para ele, torna aexperiencia ao menos tao instrutiva quanto para 0supervisionando.
E isso, quase que sobretudo por este ultimo exi bir menos esses
dons, que alguns os tom am por ainda m ais incomunicaveis, fa-
zendo d e seus segredos tecnicos urn embara~o maior.
A razao desse enigm a e q ue 0su pervisionando desem penha
ali 0 papel de filtro, ou entao de refrator do d iscurso do su jeito,
e a ssim, apresenta-se inteir ame nt e pronta ao supervisor uma
estereogr af ia que ja d estaca os tres ou q uatro registros em q ue
ele pod e ler a divisao constitufd a por esse discurso.
Se 0su pervisionando pudesse ser posto pelo supervisor numa
posi~ao su b jetiva diferente d a i mplicad a pelo sinistro termo
contr8 le (vanta josamente substituf do, mas apenas na Ifngua in-glesa, por supervision), 0melhor fruto que extrairia desse exer -
d ci o seria a pr en de r a se manter , ele mesmo, na posi~ao d e
su b jetividade secund aria em que a situa~ao coloca imediatamente
o su per visor .
Ele encontr aria af a via autentica par a atingir 0que a formula
c1assica d a aten~ao dif usa ou distr af d a d o analista so expr ime
muito apr oximativamente. Pois 0essencial e sa ber 0que visa
essa aten~ao: nao, certamente, e tod o 0 nosso trabalho esta af
para demonstra-lo, ur n o bjeto par a-alem 'd a f ala d o sujeito, como
alguns se empenham em nunca perder de vista. Se tivesse que
ser essa a via da analise, sem d uvida algum a ser ia a outros meios
que ela recorreria, ou entao, esse seria 0unico exemplo de urn
metodo que proibisse a si mesmo os m eios de atingir seu fim.
o unico ob jeto q ue est a ao alcance do analista e a rela~ao
imaginaria que 0 liga ao sujeito como eu, e, na impossibilidade
de elimina-la, e-lhe possfvel servir -se dela para regular 0afluxo
de seus ouvidos, segundo 0uso que a fisiologia, de acordo com
o Evangelho, mostra ser normal fazer: ouvidos para niio ouvir,
ou, dito de outr a maneira, para f azer a d etec~ao do que deve ser
ouvido. Pois nao existem outros, nem terceiro nem quarto ou-
vidos, para uma transaudi~ao - que se pr etend er ia d ir et a - d o
inconsciente pelo inconsciente. Diremos 0que convem pensar
dessa pretensa comunica~ao.
Abord amos a fun~ao da fala na analise por seu aspecto mais
ingrato, 0 da fala vazia, em q ue 0 su jeito parece falar em vao
de alguem que, mesmo the sendo semelhante a ponto d e el e s e
enganar, nunca se aliara a assun~ao de seu desejo. Af mostramos
a Fonte da deprecia~ao crescente de que a fala tern sido objeto
na teoria e na tecnica, e foi preciso levantarmos pouco a pouco,
qual uma pesada roda de moinho tombada sobre si mesma, aquilo
q ue so po de servir de volante no movimento da analise, ou seja,
os fatores psicofisiologic os i nd ivi dua is q ue , n a re alidade" sao
excluf dos de sua dialetica. Dar como ob jetivo a analise mod ificar
sua propria iner c ia e condenar -se a fic~ao do movimento, on d e
uma cer ta tendencia da tecnic a p ar ece efetivamente satisfazer-se.
Se agor a voltarmos nossos olhos para 0 outro extrema da
experiencia analf tica - em sua historia, sua casufstica, no
pr ocesso do tratamento -, encontraremos, opondo-se a analise
do hic et nunc, 0valor d a anamnese como f ndice e como mola
do progresso terapeutico: na intra-sub jetividade obsessiva, a
inter -sub jetividade hister i ca , na a nalise da resistencia, a inter -
preta~ao simbolica. Aq ui come~a a realiza~ao da fala plena.
Examinemos a rela~ao que e la constitui.
Lembremo-nos de q ue 0metoda instaurado por Breuer e Freud
foi, logo de poi s de seu nasciment o, b at iz ad o p or uma d as
pacientes de Br euer, Anna 0 ., c om 0 nome de "talking cure".
Recor d emos que foi a exper iencia inaugurada com essa hister ica
que os levou a d escober t a d o a contecimento patogenico chamado
traumatico.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 10/44
Se esse acontecimento foi r econhecido como a causa d o
sintoma, foi pOl'q ue a coloca~ao d e urn em palavras (nas "stories"
da doente) determinou a elimina~ao do outro. Aqui, 0 termo
conscientiza~ao, retirado da teoria psicologica que logo se atri-
buiu ao fato, guarda urn pr estf gio que merece a desconfian~a
que tomamos por boa norma exercer no tocante as explica~6es
que funcionam como evidencias. Os preconceitos psicologicosda epoca opunham-se a q ue se reconhecesse na verbaliza~ao
como tal uma outra realidad e q ue sua f latus vocis. 0 fato e que, [2551
no estado hipnotico, ela e di ssociada da conscientiza~ao, e isso
bastaria para fazer revisar essa concep~ao de seus efeitos.
Mas como e que os valentes da Aujhebung behaviorista nao
dao aqui 0exemplo, dizendo que nao tern que saber se 0sujeito
se lembrou do que quer que fosse? Ele apenas narrou 0aconte-
cimento. Quanto a nos, diremos que ele 0 verbalizoul3, ou, para
desenvolver esse termo, cujas ressonancias em frances evocam
uma outra imagem de Pandor a que nao a da caixa onde talvez
conviesse encerra-lo, que ele 0fez passar para 0verbo, ou, mais
precisamente, para 0 epos onde relaciona com 0 momento presente as origens de sua pessoa. Isso, numa linguagem que
permite a seu discurso ser entendido por seus contemporaneos
e, mais ainda, que pressu p6e 0discurso presente destes. Assim
e que a recita~ao do epos pod e incluir urn discurso de outrora
em sua Ifngua arcaica, ou mesmo estrangeira, ou efetivar-se no
tempo presente, com toda a anima~ao do ator , pOl'em a maneira
de urn discurso indireto, isolado entre aspas no fio da narrativa,
e, se ele e encenado, e num palco q ue im plica a pr esen~a nao
somente do coro, mas tambem d os espectad ores.
A rememora~ao hi pnotica e, sem duvida, reprodu~ao do
passado, mas e sobretudo uma r epresenta~ao falada e, como tal,
implica toda sorte de presen~as. Ela e, para a rememora~ao vf gil
daq uilo que curiosamente chamamos na amilise de "0mater ial" ,
aq uilo que 0drama, produzindo ante a assem bleia dos cidadaos
os mitos originais da polis, e para a historia, a qual sem duvida
e feita de materiais, mas nos q uais uma na~ao de nossa epoca
aprende a ler os sfmbolos de urn destino em marcha. Podemos
dizer, na linguagem heideggeriana, q ue ambos constituem 0
sujeito como gewesend, isto e, como sendo aq uele que assim
foi. Mas, na unidade interna dessa temporaliza~ao, 0ente marca
a convergencia dos tendo sido. Ou seja, supondo-se outros
encontros desde qualquer urn desses momentos tendo sido, deles
teria safdo urn outro ente, que faria 0sujeito ter sido total mente
diverso.
A ambigtiidade da revela~ao histerica do passado nao decorre
tanto da vacila~ao de seu conteudo entre 0imagimirio e 0real,
pois ele se situa em ambos. Tampouco se trata de que ela seja
mentirosa. E que ela nos apresenta 0 nascimento d a verdad e na [256]
fala e, atraves disso, esbarramos na realidade do q ue nao e nemverdadeiro nem falso. Pelo menos, isso e 0 que ha de mais
perturbador em seu problema.
Pois a verdade dessa revela~ao e a fala presente, que a atesta
na realidade atual e que funda essa verdade em nome dessa
realidade. Ora, nessa realidade, somente a fala testemunha a
parcela dos poderes do passado que foi afastada a cada encru-
zilhada em que 0 acontecimento fez uma escolha.
Eis por que a condi~ao de continuidade na anamnese, ondeFreud aquilata a integridade da cura, nada tern a ver com 0mito
bergsoniano de urn restabelecimento da dura~ao, onde a auten-ticidade de cada instante seria destrufda por nao resumir a
modula~ao de todos os instantes antecedentes. E que naose trata,
para Freud, nem de memoria biologica, nem de sua mistifica~ao
intuicionista, nem da paramnesia do sintoma, mas de rememo-ra~ao, isto e, de historia, fazendo assentar unicamente sobre a
navalha das certezas da data a balan~a em que as con jecturas
sobre 0 passado fazem oscilar as promessas do futuro. Sejamoscategoricos: nao se trata, na anamnese psicanalftica, de realidade,
mas de verdade, porque 0efeito de uma fala plena e reordenar
as contingencias passadas dando-lhes 0sentido das necessid ades
por vir, tais como as constitui a escassa liberdade pela qual 0su jeito as faz presentes.
Os meandros da investiga~ao que Freud realizou na exposi~aodo caso do "Homem dos Lobos" confirmam estas af irma~6es,nelas retomando seu pleno sentido.
Freud exige uma objetiva~ao total da prova quando se trata
de datar a cena p rimaria, mas sup6e, sem mais aquela, todas as
ressub jetiva~6es do acontecimento q ue the paI'e~am necessar ias para explicar seus efeitos a cada volta em q ue 0 su jeito se
reestr utura, isto e, tantas reestrutura~6es do acontecimento quan-
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 11/44
tas se operem, com o se exprime ele, nactr liglich , a posterori.14
Mais aind a, com uma audacia que beir a a d esenvoltura, ele
declaI'a consider ar legftimo elid ir, na analise d os processos, os
intervalos d e tempo em que 0 acontecimento permanece latente
no su jeito.15 Ou seja, ele anula os t em pos para compr eender em
prol dos moment os d e concluir , que pr ecipitam a medita<;ao d o
sujeito rumo ao sentid o a ser decidido d o acontecimento original. Note-se que tem po para compr eend er e mo ment a de concluir
san fun<;6es que d ef inimos num teor ema pur amente logico,16 e
que sao familiar es a noss os alunos, pOl' se haver em d emonstr ad o
muito propfcias a analise dialetica pOI' ond e os guiamos no
processo d e uma psicanalise.
E justamente essa assun<;a o d e s ua historia pelo sujeito, no
que ela e constitufda pela fala end er e<; ad a a o outr o, que serve
de fund amento ao novo m etodo a que Freu d d eu 0 n ome d e
psicanalise, nao em 1904 - como antigamente ensinava uma
autorid ade que, por ter re jeitado 0manto d e urn s ilencio prudente,
pareceu nesse dia so conhecer de Fr eud 0 tftulo d e suas obr as
-, p or em e m 1 89 5.
17
T al como Fr eud , nao negamos, nessa analise d o sentido d e
seu metodo, a d escontinuidade psicofisiologica m anifestada pelos
estados em que se produz 0 sintoma histerico, nem que este
possa ser tr atado pOI' metodos - hipnose ou narcose - que
reproduzem a d escontinuidade desses estados. Simplesment e, e
tao expressamente quanto ele se proibiu, a partir de urn certo
mome nt o, d e r ecorr er a eles, r eprovamos qualquer apoio nesses
estados, tanto para explicar 0 sint om a q uanto para cura-Io.
Pois, se a originalidade do metod o e feita dos meios de que
ele se priva, e que os meios que ele se reserva bastam para
14. CW , XII, p.71, Cinq p s ychanal yses, Par is, PUF, p.356, trad u~ao precaria d o
termo.
15. CW, XII, p .n , n.l, ultimas Iinhas. Acha-s e gr if ada na nota a no~ao d e
Nacht rdglichk eit [a posteriori]. C inq ps ychanal yses, p.356, n.1.
16. C f . p.203-1O desta coletanea.
17. Num artigo acessfvel ao leitor fr ances menos exigente, uma vez que foi
publicad o na R evue N eurologique, cuja cole~ao encontra-se habitualmente nas
bi bliotecas das salas de plantao. a equf voco aq ui d enunciado ilustr a, entre outros,
como se s ituava a referida autoridade, q ue saudamos na p.247-8, compar ativa-
mente a sua lead ership. '
constituir ur n campo cujos limites d efinem a rel atividade de suas
opera<;6es.
Seus meios san os da f ala, na med id a em q ue ela confere urn
sentido as fun<;6es do indivfduo; seu cam po e 0 do discurso
concreto, como campo da realidad e tr ansindividual do sujeito;
suas oper a<;6es san as d a historia, no que ela constitui a emer-
gencia d a verd ad e no r eal.
Pr imeiramente, com ef eito, quando 0 sujeito se enga ja na
analise, ele aceita uma posi<;ao mais constituinte, em si mesma,
do que tod as as instr u<;6es pelas quais se d eixa mais ou menos
enganar: a d a inter locu<;ao; e nao vemos nenhum inconveniente
em que esta o bser va<;ao d eixe 0ouvinte d esconcertado. Pois isso
nos d ar a ense jo d e insistir em que a alocu<;ao d o sujeito comporta
urn alocutario,18 ou, em outras palavras, q ue 0 locutor l9 consti-
tui-se a li como inter subjetividade.
Em segundo lugar , e com base nessa interIocu<;ao, na medid a
em que ela inclui a r esposta do interlocutor , que se resgata para
nos 0 sentid o d o que Freud exige como r esta belecimento da
continuid ad e nas motiva<;6es do sujeito. 0 exame operacional
desse objetivo mostr a-n os , c om ef eito, que ele so se satisfaz na
continuid ad e inter su bj et iv a d o d iscur so em que se constitui a
historia d o sujeito.
E assim q ue 0 su jeito po de vaticinar sobre sua historia sob 0
ef e it o d e qualquer uma dessas drogas que adormecem a cons-
ciencia e que receberam, em nossa e poca, 0nome de "soros da
verdade" , onde a seguran<;a no contra-senso trai a ironia carac-
terfstica da linguagem. Mas, a propria retransmissao de seu
discurso gravado, ainda que feita pela boca de seu medico, nao
pode, por Ihe chegar dessa f or ma alienada, tel' os mesmos efeitos
q ue a inter Iocu<;ao psicanalftica.
18. Mesmo que ele fale " como q uem nao se d irige aos pr esentes". Ele se d irige
ao (grande) Outro cu ja teoria f ir mamos d esde entao, e que comanda uma epochi
na re tomad a deste termo a q ue continuamos a n os ad str ingir ate h o je: intersu b-
jetividad e (1966).
19. Retir amos esses te rmos do s aud oso Ed ouard Pichon, q ue, t anto n as ind ica~6es
que deu para a vinda a Iuz de nossa disciplina q uanto nas q ue 0guiar am pelas
tr evas das pessoas, mostr ou uma ar te divinat6r ia que s6 podemos relacionar com
seu exe r cfcio da semantica.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 12/44
Por isso, e na instaura~ao de um terceiro termo que a desco-
berta freudiana do inconsciente se esclarece em seu verd adeiro
fundamento e pode ser formulada de maneira simples, nos
seguintes termos:
o inconsciente e a p arte do discurso concr eto, como tr ansin-
dividual, que falta a disposi~ao ao sujelto par a resta belec-er acontiliiliaa e e seu d iscurso consclente.
Assim desaparece 0" paradoxo apresentado pela no~ao de
inconsciente, se a relacionarmos com uma realidade individual.
Pois r eduzi-Ia a tendencia inconsciente nao e resolver 0 paradoxo,
a nao ser eludindo a experiencia, que mostr a c1aramente que 0 [259]
inconsciente par ticipa das f un~6es d a icteia ou ate do pensamento.
E nisso que insiste Freud c1ar amente, quando, nao podendo evitar
no pensamento inconsciente a conjun~ao de ter mos contnirios,
d a-Ihe 0 viatica desta invoca~ao: sit venia verbo.20 Do mesmo
modo, obedecemos a ele ao rejeitar, com efeito, a falta para com
o verbo, mas 0 verba realizado no discurso que corre como 0
anel, de mao em mao, para dar ao ato do sujeito que rece be suamensagem 0 sentido que faz desse ato um ato de sua histor ia,
e que Ihe da sua verdad e.
Por conseguinte, a obje~ao de uma contr adi~ao in terminis ,
levantada contr a 0 pensamento inconsciente por uma psicologia
mal fundamentada em sua logica, cai pOl' terra com a propria
distin~ao do campo psicanalftico, na medida em que ele manifesta
a realidade do discurso em sua autonomia, e 0e ppur si muove!
d o psicanalista une-se ao de Galileu em sua incidencia, que nao
e a da experiencia do f ato, mas a do experimentum mentis.
o inconsciente e 0ca pitulo de minha histor ia que e marcado
por um branco ou ocupado por uma mentira: e 0 capftulo
censurado. Mas a v er d ade pode ser resgatada; na maioria dasvezes, ja esta escrita em outro lugar . Qual seja:
- nos monumentos: e esse e meu corpo, isto e, 0 nucleo
histerico da neurose em que 0sintoma histerico mostra a estrutura
de uma Iinguagem e se decifra como uma inscri~ao que, uma
vez recolhida, pode ser destrufda sem perda grave;
- nos documentos de arquivo, igualmente: e esses saD as
lembran~as de minha infiincia, tao impenetraveis quanto eles,
quando nao Ihes conhe~o a procedencia;
- na evolu~ao semantica: e isso corresponde ao estoque e
as acep~6es do vocabulario que me e particular , bem como ao
estilo de minha vida e a meu carater ;
- nas tradi~6es tambem, ou seja, nas lendas que sob for maher oicizada veiculam minha historia;
- nos vestfgios, enfim, que conservam inevitavelmente as
distor~6es exigidas pela reinser~ao d o capftulo adulterado nos
capftulos que 0enquadr am, e cujo sentido minha exegese r es-
tabelecera.
o estudante que tiver a ideia - tao rara, e verdade, que nosso [260]
ensino se empenha em difundi-Ia - de que, para compreender
Freud , a leitura de Freud e prefer fvel a do sr . Fenichel, podera
aperceber -se, ao empreende-Ia, de q ue 0que acabamos de ex-
primir e tao pouco original, mesmo em sua verve, que nao
aparece nisto uma unica metafora que a obra de Freud nao repita
com a freqUencia de um motivo onde transparece sua propriatrama.
Ele entao podera facilmente verif icar , a cada instante de sua
pratica, que, a exemplo da nega~ao que sua repeti~ao anula,
essas metaforas perdem sua dimensao metaforica, e reconhecer a
que isso se da porque ele atua no campo proprio da metafora,
que nao e senao sinonima do deslocamento simbolico empregad ono sintoma.
Depois disso, ele julgara melhor 0deslocamento imaginario
que motiv a a o br a d o s r . Fenichel, avaliando a diferen~a de
coerencia e eficacia tecnica entre a r eferencia aos pretensos
estadios organicos do desenvolvimento individual e a investiga-
~ao dos acontecimentos peculiares a historia de um sujeito. Ela
e exatamente a que separa a pesquisa hist6rica autentica das
pretensas leis da historia, das quais podemos dizer que cada
epoca encontra seu filosofo para difundi-Ias ao sabor dos valores
que nela prevalecem.
Isso nao quer dizer que nao haja nada a reter dos diferentes
sentidos descobertos na marcha geral da historia, ao longo da
via que vai de Bossuet (Jacques-Benigne) a Toynbee (Arnold)
e que e pontuada pelas constru~6es d e Auguste Comte e Karl
Marx. Todos sabem, por certo, que elas valem tao pouco par a
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 13/44
or iental' a pesquisa sobre ur n passado r ecente quanta para pre-
sumir com alguma razao acontecimentos futur os. Alias, elas saD
tao modestas que ad iam para depois de amanha suas certezas, e
tam pouco saD tao austeras q ue nao adm itam os retoques q ue
permitem preyer 0que ocorreu ontem.
Se seu papel, portanto, e bastante minguado para 0 progresso
cientffico, seu interesse, no entanto, situa-se alhures: esta em
seu papel de ideais, que e consideravel. P oi s e l e n os l ev a a
distinguir 0que podem os chamaI' de f uns:oes primaria e secun-
daria da historicizas:ao.
Pois, afirmar da psicanalise e da historia que, como ciencias,
elas saD ciencias do particular nao quer dizer que os fatos com
que elas lidam sejam puramente acidentais, senao factfcios, e
que seu valor ultimo se reduza ao aspecto bruto do trauma.
Os acontecimentos se engendram numa historicizas:ao prima-
ria, ou seja, a historia ja se faz no palco em que sera encenada
depois de escrita, no foro fntimo e no for o externo.
Numa dada epoca, urn cer to tumulto no faubourg Saint-An-
toine e vivido pOl' seus atores com o vitoria ou derrota doParlamento ou da Corte; noutra, como vitoria ou derrota do pro-
letariado ou da burguesia. E em bora sejam "os povos", para
falar como Retz, que sempre arcam com os custos, nao se trata
em absoluto de urn mesmo acontecimento historico - quer dizer,
eles nao d eixam 0 m esmo tipo de lem brans:a na memor ia dos
homens.
Ou se ja, com 0desaparecimento da r ealidade do Par lamento
e da Corte, 0 primeiro acontecimento r et or na ra a se u va lo r
tr aumatico, suscetfvel de urn progressivo e autentico apagamento,
se nao reavivarmos expressamente seu senti do. Ja a lembrans:a
do segundo continuani muito viva, mesmo sob a censura - do
mesmo modo que a amnesia do r ecalq ue e um a das formas m ais
vivas de memoria -, enquanto houver homens que submetam
sua revolta a ordem da luta pelo advento politico do proletariado,
isto e , h om en s p ar a qu em a s palavras-chave d o materialismo
dialetico tenham senti do.
Portanto, seria ur n exagero transpor mo s e ss as o bser vas:oes
para 0cam po da psicanalise, uma vez q ue elas ja estao ali e q ue
a d esintricas:ao que nele produzem entr e a te cnica de decif r as:ao
do inconsciente e a teoria dos instintos, ou das pulsoes, e
incontestavel.
o que ensinamos 0su jeito a reconhecer como seu inco~scie.nt.e
l - sua historia - ou seja, nos 0ajud amos a perfazer a hlstoncl-
I,a<;ao atual dos fatos que ja determinaram em sua existencia urn
l' 'l'tO numero de "reviravoltas" historicas. Mas, se eles tiveram
('sse pa pel, ja foi como fatos histor icos, isto e, como reconhecidos
1I1IIn certo sentido ou censurados numa certa ordem.
Assim, toda fixas:ao numa pretensa fase instintual e, antes de
mais nada, urn estigma historico: pagina de vergonha que se
'sq uec e o u se a nula, ou pagina de gloria q ue con strange. Mas
() csq uecido e lembrado nos atos, e a anulas:ao opoe-se a o q ue
" dito alhures, assim como 0 dever de gratidao per petua no
sf mbolo a propria m iragem em q ue 0su jeito se desco bre preso.
Dito de maneira sucinta, os estadios instintuais ja estao, ao
s 'rem vividos, organizados como su b jetividade. E, falando c1a-
.."mente, a subjetividade da crians:a que grava como vitorias e
t1crrotas a epopeia da educas:ao de seus esffncteres, gozando nela
'om a sexualizas:ao imaginaria de seus oriffcios c1oacais, fazendo
d e suas expulsoes excrementfcias agressao, de suas reten90es
scdu9ao, e de seus relaxamentos sfmbolos, essa subjetividade1/(70 e fundamentalmente diferente da subjetividade do psicana-
lista que se empenha em restabelecer, para compreende-Ias, as
t'ormas do amor que ele denomina pre-genital.
Em outras palavras, 0 estadio anal nao e menos puramente
histor ico ao ser vivido do que ao ser repensado, nem m enos
puram ente fundamentado na inter su bjetivid ade. Ao co~tra.r io,
sua homologas:ao como etapa de uma pretensa m atur as:ao m s-
tintual leva diretamente as m elhores cabes:as a se perd e re m, a
ponto de verem nele a reprodu9ao, na ontogenese, de ur n estadio
u o filo animal q ue e preciso ir buscar nos ascaris ou nas med usas,
cspeculas:ao esta que, apesar de engenhosa na pena de ur n .Balint,
leva em outros lugares, aos mais inconsistentes devanelOs, ou
l1les:no a loucura q ue vai buscar no protista 0esquema imaginario
do dilaceramento corporal cujo temor dominaria a sexualidade
t'eminina. POl' que, nesse caso, nao procurar a imagem d o eu no
camarao, a pretexto de q ue ambos recu peram, apos cada m uda,
sua carapas:a? ..Dm tal de Jaworski, nos a no s d e 1 910-1920, ed lflcou um
belfssimo sistema em que" 0 plano biologic o" e ra re encontrad o
ale mesmo nos confins da cultura, e que, pr ecisamente, dava a
ord em dos crustaceos seu c6njuge historico, se nao me falha a
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 14/44
mem6ria, em alguma fase tardia da Idade Media, sob a alegacr ao
de urn f 1orescimento comum da armadura - alias, nao deixand o
viuva de seu correspondente humano nenhuma forma animal,
sem excetuar os moluscos e os percevejos.
Analogia nao e metafora, e 0 recurso que nela encontraram
os f il6sof os da natureza exige 0
genio de urn Goethe, cujo pr6prioexemplo nao e animador . Nada r epugna mais ao espf rito de nossa
disciplina, e foi ao se afastar expressamente disso que Freud
abriu a via adequada a interpretacrao dos sonhos e, com ela, a
nocrao do simbolismo analftico. Essa nocrao, dizemos n6s, vai
estritamente contra 0 pensamento anal6gico, que uma tradicrao
duvidosa faz com que alguns, ate mesmo entre n6s, ainda
consider em solidario.
E pOl'isso que os excessos no ridfculo devem ser utilizados
por seu valor descer rador , pois, por abrirem os olhos para 0
absurdo de uma teor ia, fazem com que estes se voltem para
perigos que nada tern de te6rico.
Essa mitologia da maturacrao dos instintos, construfda com
trechos seletos da obra de Freud, efetivamente gera problemasespirituais cujo vapor, condensado em ideais de nuvens, pOl'sua
vez irriga com seus aguaceiros 0 mito original. As melhores
penas destilam sua tinta formulando equacroes que satisfacram as
exigencias do misterioso genital love (ha nocroescu ja estranheza
concilia-se melhor com 0 parentese de urn termo tornado de
emprestimo, e que rubr icam sua tentativa com uma confissao d e
non liquet 21). Ninguem, entretanto, parece abalado pelo mal-estar
daf r esultante, e antes se ve nisso motivo para incentivar tod os
os Miinchhausen da normalizacrao psicanalf tica a se puxarem
pelos cabelos, na esperancrade atingirem 0ceu da plena realizacrao
do ob jeto genital, ou do objeto puw e simples.
Se n6s, psicanalistas, estamos bem situados para conhecer 0
pod er d as palavras, isso nao e razao para valoriza-Io no sentido
d o insolUvel, nem para" atar fardos pesados e insuportaveis para
com eles vergar os ombros dos homens", como se expr ime a
mald icrao d e Cristo aos far iseus no texto de sao Mateus.
Assim, a pobreza d os termos em q ue tentamos incluir urn
pr o blema subjetivo pod e d eixar a desejar aos es pfritos exigentes,
par menos que eles as comparem aqueles que estruturavam, ate
mesmo em sua conf usao, as antigas querelas em tomo da Natu-
r eza e da Gr acra.22Desse modo, ela pode d eixa-I~s ,te.merosos
q uanto a qualidad e dos efeitos psicol6gic?s ; soctOloglcos qu~
pod emos es perar de seu uso. E s.e ?esepra .qu,e.uma melhOl
a preciacr ao das funcroes do logos dlsslpe os mlstenos de nossos
car ismas fantasticos.Para nos atermos a uma tradicrao mais clara, talvez oucramos
a celebre maxima em que La Rochefoucauld nos diz ~ue "ha
pessoas que nunca se haveriam apa.ixonado; s~ nunca tlve,~sem
ouvido falar de amor" , nao no sentJdo romantlco de uma rea-
lizacrao" totalmente imaginaria do amor , que fizesse disso uma
amarga objecrao a ele, mas como urn reconhecimento autentico
do q ue 0 amor deve ao sfmbolo e do que a fala comporta de
amor .De qualquer modo, basta nos r e po~t~rmos. a o, b~ade Fr~ud
para avaliar em que categoria secund.ana e hlpotetlca ele sltuaa teoria dos instintos. Ela nao podena, a seu vel', sustentar -se
nem por urn instante contra 0mais fn:imo fato pa~ticular de umahist6ria, insiste, e 0 narcisismo genaal que ele mvoca no mo-mento de resumir 0 caso do Homem dos Lobos mostra-nos
suf icientemente 0desprezo que ele vota a ordem ~onstituf.dados
cstad ios libidinais. Mais ainda, Freud s6 evoca ah 0conf llto dos
instintos par a dele se afastar prontamente, e para reconhece~, no
isolamento simb61ico do "eu nao sou castrado" em q ue se aflrma
o sujeito, a forma compulsiva em que fica fixad a sua e~colha
heterossexual, contra 0 efeito de captura homossexuahzant.e
sofrido pelo eu , reconduzido a mat~iz ima.gi~aria da cena pn-mar ia. E esse, na verdade, 0 conf llto su b jetlvo, onde se trata
apenas das peripecias da su bjetividad e, t~nto _ assi~ que 0 [eu]
ganha e perde do "eu" ao sa bol' da. cateq ~lzacrao rehgtOsa O ?
.da; \ u f kliir ung doutrinante, conf lito CU jOSefeltos Freud fez o.sujelto
perceber mediante seus pr~s~imos, antes de no-los ex phcar na
d ialetica do complexo de Edlpo.
22. Essa r eferend a 1 1 apor ia do cr istianisrno anunciou outra rnais pre cisa em se u
augc jansenista, ou sej a, a Pascal, cuja a posta aind ~ vlr gern f or ~ou-nos a retornar
tud o, para chegar ao q ue e1a escond e d e mestlrnavel par a 0 anahsta - amda
mantido em reserva nesta d ata (junho de 1966).
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 15/44
E na amilise de urn caso como esse q ue vemos com cIar eza
que a realizayao d o am or perfeito nao e ur n fr uto da natureza
ma.s da ?r ~ya, isto e, d~ u rn acordo intersub je ti vo q ue impoe su~
halmoma a natureza d Ilacerada que 0sustenta.
- Mas, entao, q ue e esse sujeito cujo entendimento voces
nos repisam? - exclama, enfim, urn ouvinte impaciente. -Acaso !a ~ao r~cebemos do sr . de L a Pal ice a Iiyao de que tud o
o que e vlvenclado pelo indivfduo e subjetivo?
. - B oc a i ng en ua c u jo eJogio ha d e ocu par meus derrad eiros
dlas, a br e-te m ais uma vez par a me ouvir . Nao e preciso fechar
~s oJ~o~. 0 sU jeit,? vai ~ui to alem do que 0indivfd uo experimenta
subJetlvamente : val exatamente tao longe quanto a verdade
que ele pode atingir , e q ue .taJvez saia dessa boca que f oce ja
acaba de fechar outr a vez. SlIn, essa verd ade de sua historia nao
esta toda em seu desenrolar, m as 0Jugar se marca af , nos choques
dolorosos que ele experimenta por conhecer apenas suas replicas
o~ ~ntao em paginas cuja desordem mal Ihe proporciona algu~
ahvlO.
Que 0 inconsciente do sujeito e 0 discurso do outro eis 0
que aparece, ainda mais claramente do que em qualquer'lugar ,
nos ~studos que Freud consagrou ao q ue chama de telepatia, na
med~~a em q~e ~I~ se. manifesta no contexto de uma experiencia
anahtlca. ComcldenCia das colocayoes do sujeito c om f at os d e
q ue ele nao pod e estar informado, mas q ue continuam a se mover
~as ligay6es de uma outra experiencia em q ue 0 psicanalista e
mter locutor - coincidencia t ambem, na maioria das vezes
c?n~tit uf da po r uma convergencia total m ente ver bal ou homo~
mmlca, ou q ue: q uando incI.ui urn ato, trata-se e d e urn acting
out ?e ur n paclente do anahsta, ou de urn filho em anali se do
a~ahsad o. Casos de ressonancia em redes comunicantes de
d lscur s o, c uj o e s tud o exaustivo esclareceria os fatos analogosapresentados peJa vida cotid iana.
A oni presenya do d iscur so humano talvez possa, ur n d ia, ser
abarcada sob 0ceu a berto de uma onicomunicac;ao d e seu texto.
o q u: nao quer d izer que por isso e le seja mais harmonizad o.
Mas e,es,se 0c~m po que nos sa experiencia polar iza, numa r elayao
que so e a dOiS na apar encia , p oi s qualquer colocayao d e sua
estr utur a a penas em tennos d ua is e-lhe tao inadequad a na teoria
quanto d estrutiva par a sua tecnica.
II. SIMBOLO E LINGUAGEM COMO ESTR UTURA
E LIMITE DO CAMPO PSICANALITICO
Ten {lrke n ( ) Ii kai lalli ymin. (Evangelho segundo sao loao,
VIII, 25)23
Fa~a palavras cruzadas. (Conselhos a urn jovern psicanalisla)
Para retomar 0 fio de nossa formulac;ao, repetimos que e pela
red uyao da hist6r ia do sujeito par ticular q ue a analise toca em
G~ relacio na is q ue e la e xtrapola num desenvolvimento
regular; mas q ue nem a psicologi a g en et ic a n em a psicologia
di ferencial que podem ser esclarecidas por ela sao de sua alyada,
por exigirem cond ic;oes de observac;ao e de exper iencia que s6
mantem com a s suas r elac;oes de homonfmia.
Vamos ainda mais longe: 0q ue se destaca como psicologia
no estado bruto da exper iencia comum (que s6 se confunde com
a ex periencia sensfvel para 0 profissional das ideias) - ou seja,
numa suspensao q ualq uer da r eocupac;ao cotidian , no espanto
surgido aquilo q ue irma na os seres numa disparidade queultra passa a das figuras grotescas de urn Leonar do ou d e urn
Goya, ou na surpresa que contrasta a espessura pr 6pria de uma
pele com a cal-fcia de uma palma, que anima a desco berta sem
que ainda a atenue 0 desejo - isso, podemos d izer , e abolido
numa exper iencia ar isca a esses capr icha 5, i nsu bmissa a esses
mister ios.Uma psicanalise normal mente chega a seu termo sem nos
informar grande coisa sobre 0q ue nossO paciente herd a propria-
mente de sua sensi bilidade aos gol pes e as cor es, d a presteza
com que capta isto ou aquilo ou d os pontos f racos de sua car ne,
de seu poder de reter ou de invent ar, ou d a intensidad e de seus
gostos.Esse p ar adoxa e apenas aparente e nao resulta de nenhuma
carencia pessoal, e, se pode ser motivad o pelas condiyoes nega-
Iivas d e nossa exper iencia, ele apenas nos pr essiona ur n pouco
m ais a interrogar esta ultim a sobr e 0 que ela tern de positivo.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 16/44
Pois ele nao se resolve nos esfor~os de alguns que - seme-
Ihantes aos filosofos que Platao ridicularizava, pOl'serem levados
pOl' seu a petite d o real a abra~ar arvor es - p assam a tomar
qual~uel: e.pisodio em que desponte essa r ealid ade f ugidia pela
rea~ao vlvlda d e que se mostram tao avidos. Pois sao justamente
esses q~e, d an?o a si mesmos como o bjetivo aquilo que esta
para-alem d a hnguagem, reagem ao " proibido tocar " inscritoem nossa regr a com uma especie de o bsessao. Ninguem duvid a
que,~p~r esse caminho, farejar -se mutuamente torne-se a quin-
tess~ncla d a r ~a~ao transferencial. Nao estamos exager ando nad a:
urn Jovem pSlcanalista, em seu trabal ho d e candidatura, pode
at~almente saud ar nessa sub-olfa~ao d e seu sujeito, obtida apos
dOtso~ tres anos de va psicanalise, 0esperad o advento da rela~ao
de obJeto, e d ele colher 0 dignus est int rar e de nossos votosgarantes de suas ca pacidades. '
Se a psicanalise pode tornar -se uma ciencia - pois ainda nao
? , e ~' e se niio d eve degenerar em sua tecnica - 0que talvez
Ja seJa urn fato -, devemos resgatar 0sentido de sua experiencia.
, Nada melhor poderfamos fazel', par a esse fim, do que retor nar
a ob~a de Freud. Nao basta a alguem dizer-se tecnico para se
autonzar, pOl' nao compreend e r u rn Fr eud III, a recusa-Io em
~omeAde. urn Freud II que ele acr edita compreender; e a propria
l~norancla que se tern do Freud Inao e desculpa para que as
CinCOgrandes psicanalises sejam tomad as por uma serie de casos
tao mal escolhidos quanta mal expostos, ainda que se fique
deslumbrado com 0f ato de 0grao de verdade que elas continhamhaver escapado a issoY
Ent~o, que retomemos a o bra de Freud na Traumdeutung ,
para ah nos relembr armos que 0sonho tern a estrutura de uma
,f ~,- ?..':!......melhor,atend _ o-nos a sua letra, d e urn rebus, isto e, de
u~a esc~'itada qual 0sonh2 da crian~~-.!r yresentaria a ideografia
pr .1mord lal, e que reproduz no adulto 0 emprego onetlco e
sim bolico, simultan~amente, dos elementos significantes q ue
tanto encontl:amO..L!}OShiero lifos do antigo Egito quanta nos
car acteres cUJo us a a China conserva.
24. Forrnulac;:iiocolhida da boca d e u r n do s psicanalislas r nais in leressad os nessed ebale (1966). ,
Funfiio e cum po du f ala e da l inguagem 269 ' /
f <e(Of1(CA
Mas isso ainda e apenas a decifra~ao do instrumento. E na 'Do
versao do texto que 0 importante come~a, 0 importante que [2681
Freud nos diz ser dado na elabora~ao do sonho, isto eo em sua 'Xlt\l 1-10
retorica. EIi~e e pleonasmo, hiperbato ou silepse, regre~sao,
repeti~ _ ao., _ a osi ao, sao esses os deslocamentos sintaticos, e
metafora, catacrese, antonomasia, alegoria, metonfmia e sines'o-
que, as cond ensa~6es semanticas em que Freud nos ensina a ler
as inten'~6es oStenta[orias ou demonstrativas,(fissi~as ou
persuasivas, retali~or as o u~ed ~toras cOVLq .u.e~;uj~itQ-mo _ d ,!la
seu discurso onfrico.
Sem duvid a, postulou como regra que e sempre preciso buscar
nele a expressao de urn desejo. Mas, vamos entend e-Io bem. Se
Freud admite, como motivo de urn sonho que parece contrariar
sua tese, 0 proprio desejo de contradize-Io, no sujeito que eletentou convencer,25 como nao viria a admitir 0mesmo motivo
para si proprio, considerando que, para tel' chegado a isso, e de
urn outro que Ihe teria advindo sua lei?
Numa palavr a, em arte al uma evidencia-se . d ar.amente Sd .
que 0 eseJo do homem e eu ntido no desej p do outro!Zr :.c.DtJf /t:.CI-nao tanto porque ~~nha a~ chaves do ,2 bjeJ2. desejado, Do 1 . : : - 1 . . . ,
mas porque sell primeiro objeto e ser reconhecido elo outro. 01,) 'f lto
Quem dentrenos,- alias, nao sabe pOl'experiencia que, uma
vez enveredada a analise na via da transferencia - e para nos
essa e a ind ica~iio de que ela efetivamente 0esta - , todo sonho
do paciente e interpretado como pr ovoca~iio, confissao velada
ou digressao, pOl' sua rela~ao com 0discurso analftico, e que, amedida que progride a analise, eles se reduzem cada vez mais
a fun~ao de elementos do d ialogo que nela se realiza?
Quanto a psicopatologia da vida cotidiana, outro campo con-
sagrado pOl' uma outra obra de Freud, esta claro que todo ato
falho e urn discurso bem-suced idoo ou ate formulado coin gra~a,
eq -ue;-no la so, e a morda0L'l e ira em t orno d a fa e
justamente pelo uadrante necessario ara q.u..e-UJll.. b.ollLen.ten..
dedor encontr e ali sua meia palavra. ---------~--- A{o YAUlO
L.I\ ' ? :; ' o
25. Cf . "Ge genwunschlr aurne", in Traumdeut ung , CW, II , p.156-7 e 163-4. Trad.
inglesa, ed ic;:iioStandard, IV, p.15l e p .157-8. Tr ad. francesa, ed . Alcan, p.140
e p.146 [trad. brasileira, ESB , IV, p.1 65 e p.l70-1, 2a ed. rev.].
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 17/44
Mas, vamos d ir eto ao ponto em que 0 livr o d esem boca no
~ nas cr en<;:as q ue ele gera, e es pecial ment e a os f atos em
q ue ele f az q uestao d e de mo nstr a r a ef ic ac ia s ub je ti va d as
associa<;:6es co m numer os deixados por conta do acaso d e uma [269]
escolha imotivad a ou de urn sor teio aleatorio. Em parte alguma
revelam-se m elhor do que nessa ocor r encia as estruturas d omi-
nant es d o campo psicanalftico. E 0 a pelo feito de passagem a
mecanismos intelectuais desconhecid os ja nao e, nesse ponto,
senao a d escul pa atlit a p el a total conf ian<;:a depositad a nos
sf m bolos, e q ue vacila ao ser satisfeita para-alem de q ualquer
limite.
Pois se, para ad mitir urn sintoma na psicopatologia p si ca na-
Iftica, seja ele neurotico ou nao, Fr eud exige 0 mfnimo de
so bredetermina<;:a o c on stituf d o por ur n duplo sentido, sfm bolo
de urn conf lit o d ef unto, para-a le m d e sua fun<;:ao, num conflito
presente nao menos simb6lico, e se eJe nos ensinou a acompanhar,
no texto das associa<;:6es livres, a ramif ica<;:ao ascendente dessa
linhagem simbolic a, para n ela detectar , n os p on tos e m qu e a s
formas ver bais se cr uzam novamente , o s no s de s ua e s tr utura, ja esta perfeitam ente claro que 0sintoma se resolve por ir 'lteiro
num a analise lingua jeira, por ser ele mesmo estr uturado CQll10
uma 1m uagem, or ser a ling.!@g~ eve ser li bert
E1iq uele q ue nao aprofundou a natur eza da linguagem q ue a
experiencia da a ssocia<;:a o c om n umeros pod er a mostr ar , de
imed iato, 0q ue ha de essencial a apreender a q ui, isto e, 0 poder
com binator io q ue or d en a seus eq ufvocos, para ne]es reconhecer
a mola pr opr ia do inconsciente.
Com efeito, se dos numer os o btidos por corte na seq iiencia
do s algar ismos do nume ro escolhido, d e sua combina<;:ao por
t od as a s o pera<;:6es da ar itmetica, ou d a divisao repetid a do
numer o or iginal por urn dos numeros cissfparos, os numeros
resultantes26 revelam-se sim bolizantes, entre todos, na historia
car acterfstica do s uj eito, e pOI'q ue eles ja estavam latentes na
escolha de q ue partiram - e por tanto, se ref utarm os como
su per sticio sa a i de ia d e que for am justamente esses n umer os q ue
determinaram 0 d estino d o sujeito, e for<;:oso admitir que e na
or dem d e existencia de suas combina<;:6es, isto e , na linguagem
concreta que eles represent am, q ue r es id e t udo 0que a analise
revela ao sujeito com o seu i nconsciente.
Veremos que os filologos e etnografos nos revelam 0 sufi- [270]
ciente, q uanto i t certeza c omb inatoria verificada nos sistemas
complet am en te inconscientes com q ue lidam, para q ue a formu-
la<;:ao aqui proposta nao tenha par a eles nad a d e su r pr eendente.
Mas, se alguem continu as se r eticente ante nossa coloca<;:ao,
apelarfamos uma vez mais para 0testemunho daquele q ue, tendo
desco ber to 0inconsciente, nao e injustificad ame nte considerad o
como apontando seu lugar : ele nao nos faltar a.
Pois, por mais a bandonada Que se ja por nosso interesse -
por motivos obvios - ,0 chiste e sua r ela~ao com0 inconsciente
(LeNf OlQ espnt et mconsclent ) c2 p!in~~ a obra mais
incontestavel, pOI"q ue a mais tr ansparente, em que 0 efeito do
iriconsciente nos e demons tr ad o a te os conf ins de sua fineza; e
it f ace que ele nos revela e justamente a do espfrito, da eSRiri-
tuosid ad --e, na am bigiild a de que Iheconere a linguagem , onde a , ./J.
outra face de ~ oder d e realeza § _~..'~s~liencia' e a-.9ya,l-illa (}\'j\~ordem inteira aniguila-s e n um i ns t~nte - saliencia, com efeito,
em que sua atividade criadora desvela-Ihe a g ratuidade absoluta,
em q ~suad omina<;:ao sobr e 0 real-ex pr ime-se no esif iO do
contra-senso, em q ue 0 humor , na K La<;:amaliciosa d Q..§sR f rito
livre, simboliza uma verdad e q ue na o d iz sua ultima palavra.
Convem acompanhar, nos meand ros admii'avelmente insisten-
tes das linhas desse livr o, 0 passeio a q ue Freud nos conduz por
esse jard im seleto do mais am argo amor .
Ali, tud o e su bstiincia, tudo e per ola. 0 espfrito, que vive
como e xi la do n a cr ia<;:a o d e q ue e 0 esteio invisfvel, sabe-se
capaz, a qualq uer instante, d e aniquila-Ia. For ma s altaneiras ou perfidas, elegantes ou bonachonas d essa r eale za o culta, nao ha
uma so, nem m esmo entre as m ais d esprezadas, cu jo br ilho
secreta Freud nao sai ba f azer cintilar . Histor ias do casamenteiro
q ue per cor re os guetos da Moravia, i ma gem desacred itada d e
Eros e, como este , f ilho da penuria e da dor, guiand o com seus
prestimos d iscretos a avidez· do grosseir ao e, d e repente, achin-
calhand o-o com uma re plica luminosa em seu contra-senso:
"Aquele ue assim d ei xa e sc a a r a ver dade", comenta Fre ud ,
"na r ealid ade fica feliz por tirar a mascara."
26. Convem, par a a pr eciar 0 f ruto desses pr oced imentos, nos inteir armos das
notas, pr omovid a s por nos desde essa e poca, enconlr adas no livr o d e Emile
Borel so bre ()aca.w , a r es peito da tr ivialid ade do que assim se o btem de "notavel"
a pa r tir d e um numer o q ualq uer (1966). '
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 18/44
E a verdade, de fato, que em sua boca arranca essa mascara,
mas para que 0espfrito coloque outra mais enganosa: a soffstica
que nao passa de estratagema, a 16gica que e apenas urn engodo,
e ate 0c6mico, que s6 entra ali para ofuscar . 0 espfrito esta sempre
noutro lugar . "0 espfrito comporta, de fato, tamanha condiciona-
lidade subjetiva (...): s6 e espfrito e espirituoso aquilo que eu aceito [270]
como tal" , prossegue Freud, que sabe do que esta falando.Em parte alguma, com efeito, a intenc;ao do indivfduo C mais
manifestamente superada pelo achado do sujeito - em parte
alguma a distinc;ao que fazemos entre ambos faz-se sentiI' melhor
-, uma vez que nao s6 e preciso que alguma coisa me haja
sido estranha em meu achado para que eu extraia dele meu
prazer, mas t ambem porque e preciso que permanec;a assim para
que 0achado surta efeito. Isso se da pela necessidade, tao bem
marcada pOl' Freud, do terceiro ouvinte sempre suposto, e pelo
fato de que 0 chiste nao erde s~ poder ~m sua transmissao
em estilo indireto. Em suma, apontando no lugar do Outro 0
amboceptor q~e""sclarece 0 artiffcio da palavra, eclodindo em
sua suprema alacridade.Vma unica razao de fracasso para a espirituosidade: a insipidez
da verdade que se explica.
Ora, isso concerne diretamente a nosso problema. 0 atual
desprezo pelas investigac;6es sobre a Ifngua dos sfmbolos, que
se Ie a simples visao dos sumarios de nossas publicac;6es de
antes e depois da decada de 1920, nao corresponde a nada menos,
para nos sa disciplina, do que uma mudanc;a de objeto, cuja
tendencia a se alinhar no nfvel mais rasteiro da comunicac;ao,
para se harmonizar com os novos objetivos propostos a tecnica,
talvez tenha que responder pelo balanc;o bastante sombrio que
os mais lucidos fazem de seus resultados.27
Com efeito, como haveria a fala de esgotar 0sentido da fala
- ou, para dize-Io melhor, com 0 logicismo positivista deOxford, 0 sentido do sentido -, a nlio ser no ato que 0gera?
Assim, a inversao goetheana de sua presenc;a nas origens - "No
comec;o era a ac;ao" - inverte-se, pOl'sua vez: era realmente 0
verbo ue estava no come~o, e vivemos em sua criac;ao, mas e-_.-
a ac;ao de nosso espfrito que da continuidade a essa criac;ao,
renovando-a sempre. E s6 podemos voltar as costas para essa
ac;ao deixando-nos impelir cad a vez mais ad iante par ela.
N6s mesmos s6 0 tentaremos sabend o que e esse 0 seucaminho ...
Ninguem deve desconhecer a lei: essa f6rmula, transcrita do [272]
humor de urn C6digo de lustic;a, expr ime no entanto a verdade
em que nossa experiencia se fundamenta e que ela confirma.
Nenhum homem a desconhece, com efeito, ja que a lei do homem ~ t U 'e a lei da Iinguagem, desde que as primeiras palavras de reco- ~ ~p j\
nhecimento presidiram os primeiros dons, tendo sido preciso r O~\
h d'· d . h' \ ?~o-aver os etestavelS aneses, que vm am e fuglam pelo mar,
para que os homens aprendessem a temer as palavras enganosas
com os dons sem fe. Ate entao, par a os pacfficos Argonautas
que uniam pelos lac;os de urn comercio simb61ico as ilhotas da
comunidade, esses dons, seu ato e seus objetos, sua instituic;ao
como signos e sua pr6pria fabricac;ao estavam tao misturados
com a fala que eram designados pOl' seu nome.28I
sera nesses dons, ou entao nas senhas que neles harmonizam 5 I M 1: >OL t).
seu contra-senso salutar, que comec;a a linguagem com a lei? 0" U L~
Pois esses dons ja sao sfmbolos, na medida em que sfmbolo quer 'D 12 ( £ Il
~izer pacta e em que, antes de mais nada, eles sao significantes ? A cliO.
do pacto que constituem como significado: como bem se ve no
fato de que os objetos da troca simb61ica - vasos feitos para
ficar vazios, escudos pesados demais para carregar, feixes que
se ressecarao, lanc;as enterradas no solo - sao desprovidos de
usa pOl' destinac;ao, senao superfluos pOl'sua abundancia.
Sera essa neutralizac;ao do significante a totalidade da natureza
da linguagem? Tomada pOl'esse valor, encontrarfamos seu esboc;o
nas gaivotas, pOl' exemplo, durante a exibic;ao sexual, materia-lizado no peixe que elas passam umas as outras de bico em bico,
e no qual os etologistas - se realmente cabe vel' nisso com eles
o instrumento de uma agitac;ao do grupo que seria equivalente
a uma festa - estariam perfeitamente justificados em reconhecer
urn sfmbolo.
27. Cf . c.I. Oberndorf, "Unsatisfactory results, of psychoanalytic therapy",
Psychoanalytic Quarterly, 19, p.393-407.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 19/44
Ve-se q ue nao recuamos em buscar fora do domfnio humano
as origens do comportamento simb6lico. Mas, certamente, nao
atraves de uma elabor a~ao do signo - aquela em que se empenha,
ap6s tantos outros, 0 sr . Jules H. Masser mann,29 e na qual nos
deteremos pOl' urn instante, nao apenas pelo tom desenvolto com
que ele trilha seu caminho, m as pela acolhida que ela recebeu
dos redatores de nosso jornal oficial, que, em conformidade comuma tradi~ao retirada d as agencias de emprego, nunca desprezam
nada do que possa for necer a nossa disciplina "boas referencias".
Pensem, pois, num homem que reproduziu a neurose, ex- pe-
ri-men-tal-men-t e, n um c a o a ma rr ad o s ob re u ma me sa , e pO l'
que meios engenhosos: uma campainha, 0 prato de carne que
ela anuncia e 0 prato de ma~as que chega inoportunamente -
dispenso-o s d o re st o. Na o h a d e se r el e - pelo menos e 0que
n os a s se gu ra e le pr 6prio - quem se deixara apanhar pelas
"amplas rum ina~6es", pois e a s si m q ue s e ex pr im e, q ue o s
fil6sofos dedicaram ao problema da linguagem. Ele vai agarra-Io
pela goela para voces.
Imaginem 'que, pOl' urn judicioso condicionamento de seusd 30 d' ..reflexos, consegue-se que urn r ato-I av a 0 1" " s e I rI Ja a s eu
guarda-comida ao Ihe ser apresentado 0cartao onde se pode ler
seu cardapio. Nao n os e dito se este faz men~ao aos pre~os, mas
se acrescenta a tirada convinc en te d e q ue , p Ol ' m enos que 0
servi~o 0 ten ha decepcionado, e le t or nara a r asgar 0 cartao
demas ia da me nt e pr omissor, como Faria com as cartas de urn
infiel uma amante irr itada (sic).
E sse e urn dos arcos pelo s q u ai s 0 autor faz passar a estr ada
q ue lev a d o s in al a o sfm bolo. Cir cula-se nela e m mao du pla, e
a via de retor no nao mostra obras de arte inf eriores.
Pois se, no homem, voces associar em a pro je~ao d e uma luz
intensa d iante d e seus olhos 0 r ufdo de uma campainha, e depois
o mane jo d est a a o se r emiti da a ordem "contr aia" (em ingles,
29. Jules H. Masser mann, "Language, behavior and d ynamic psychiatr y", I nt er.
J our nal of Ps yc!1oan., 1944, I e 2, p.l-S.
30. Raton-laveur, assim chamado pOl' laval' os alimentos antes de ingeri-Ios. A
especie brasileira desses carnlvoros do genero Procyon e conhecida c omo
guaxinim, rato-Iavador e mao-pelada, entre outros. (N.E.)
contract) , voces conseguirao q ue 0su jeito, ao modular ele mesmo
essa ordem, ao murmura-Ia e, em pouco tempo, ao simplesmente
produzi-Ia em seu pensamento, obtenha a contra~ao de sua pupila,
ou seja, uma rea~ao do si stema que se diz aut6nom o, pOl' ser
comumente inacessfvel aos efeitos intencionais . A ss im , 0 sr .
Hudgins, a acreditarmos em nosso autor, "criou num grupo de
sujeitos uma configura~ao altamente individualizada de rea~6esafins e viscerais do sfmbolo ideativo (idea-symbol) 'contract',
uma rea~ao que poderia ser atribufda, atraves de suas exper iencias
particulares, a uma fonte aparentemente longfnqua, m as, na
realidade, basicamente f isiol6gica: nesse exemplo, a simples
prote~ao da retina contr a uma luz excessiva". Eo autor concIui:
"A importancia dessas experiencias para a pesquisa psicosso-
mitica e lingtiistf ca nem sequel' necessita de maior elabora~ao."
Terfamos no entanto, q uanta a n6s, ficado curiosos em saber
se os sujeitos assim educad os tambem reagem a enuncia~ao do
m esmo vocabulo, articulad a nas locu~6es marriage contract,
bridge-contract, breach o f contract, ou entao progressivamente
reduzida a
emis:;ao de sua prim eira sflaba: cont ract, contrac,contra, contr ... A contraprova, exigfvel como metodo rigoroso,
oferece-se aqui pOl' si s6, pelo murmurio entre dentes dessa sflaba
pelo lei tor frances que nao houvesse sofrido outro condiciona-
mento se nao a viva luz pro jetada sobre 0 problema pelo sr . Jules
H. Massermann. Per guntarfamos entao a este se os efeitos assim
obser vados nos sujeitos condicionados continuariam a Ihe parecer
ca pazes de prescind ir tao facilmente d e ser elaborados. Pois, ou
bem eles nao se produziriam mais, assim evidenciando q ue nao
dependem sequel' condicionalmente do semantema, ou bem con-
tinuariam a se produzir , levantando a questao dos !imites deste
ultimo.
Dito de outr a maneira, eles fariam surgir no pr 6prio instru-
mento da palavr a a dis tin~ao entr e significant e e signif icado, tao
l~anamente conf und ida relo a ut or no termo id ea-symbol. E,
sem precisar inter r ogar as rea~6es d os sujeitos condicionados a
or dem d on' t contr act, ou a conjuga~ao inteir a do verba to
contr act , pod erfamos f azer o bse rv ar ao autor que 0 q ue define
urn elemento qualquer d e uma If ngua como per tencente a lin-
guagem e que ele se distingue c omo tal, par a todos os usuar ios
dessa !f ngua, no suposto conjunto constituf d o pelos elementos
hom610gos.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 20/44
Decorre daf que os efeitos particulares desse elemento da
linguagem estao ligados a existencia desse conjunto, anterior-
mente a sua possfvelliga<;ao com qualquer experiencia particular
do sujeito. E que considerar esta ultima liga<;aofora de qualquer referencia a primeira consiste, simplesmente, em negar nesse
elemento a fun<;ao propria da linguagem.
Alerta de princfpios que talvez evitasse a nosso autor desco- brir, com uma ingenuidade fmpar, a corres ondencia textual das
categorias da gra _ m'itif a _ d ..£slglnfiincia nas I 6es da r ~alidade.Esse monumento de ingenuidade, alias de especie bastante
comum nessas quest6es, nao mereceria tantas aten<;6es se nao
fosse obra de urn psicanalista, ou melhor, de alguem que nele [275]
reune, como que por acaso, tudo 0que se produz, numa certa
tendencia da psicanalise, a tftulo de teoria do ego ou de tecnica
de analise das defesas, ainda por cima oposto a experiencia
freudiana, assim manifestando a contrario a coerencia de uma
sadia concep<;ao da linguagem com a manuten<;ao dessa expe-riencia. Pois a descoberta de Freud e a do campo das incidencias,
na natureza do homem, de suas rela<;6escom a ordem simbolica,e do remontar de seu sentido as instancias mais radicais da
simboliza<;ao no ser . Desconhecer isso e condenar a descoberta
ao esquecimento, a experiencia a rufna.E declaramos, como uma afirma<;ao que nao pode ser isolada
da seriedade de nossa coloca<;ao atual, que a presen<;a do supra-
evocado rato-Iavador na poltrona em que a timidez de Freud, a
nos fiarmos em nosso autor, teria confinado 0analista, colocan-
do-o atras do diva, nos pareceria preferfvel a do sabio que sustenta
sobre a linguagem e a fala semelhante discurso.Pois 0 rato-Iavador pelo menos, gra<;as a Jacques Prevert
(" Vma pedra, duas casas, tres rufnas, quatro coveiros, urnjardim,
algumas ores, urn rato-Iavador '~ , entrou para sempre no
bestiano poe ICO e, como ral, parfi1:ipa em sua essencia da fun<;ao
eminente do sfmbolo; mas 0 ser a nossa semelhan<;a que assim
professa 0 desconhecimento sistematico dessa fun<;ao bane-se
para sempre de tudo 0que possa ser por ela chamado a existir.
Por conseguinte, a questao do lugar que cabe ao citado seme-
31. Vne pierre, deux nwisons, trois mines, qua~r e!ossoyeurs, un jardin, des
.{leur s , un raton-laveur. (N.E.)
Ihante na classifica<;ao natural nos pareceria decorrer apenas de
urn humanismo fora de proposito, se seu discurso, ao se cruzar
com uma tecnica da fala da qual detemos a guarda, nlio fosse
fecundo demais, inclusive gerando nela monstros estereis. Que
se saiba, portanto, ja que ele tambem se vangloria de desafiar a
censura de antropomorfismo, qu.::este e 0ultimo termo de que
nos servirfamos para dizer que ele faz de seu ser 0 padrao detodas as coisas.
Voltemos a nosso objeto simbolico, que por sua vez e muito
consistente em sua materia, ainda que tenha perdido 0 peso de
seu usa, mas cujo sentido impondenivel acarretara deslocamentos
de certo peso. Estarao ai, portanto, a lei e a linguagem? Talvez
ainda nao.
-7 Pois, mesmo que aparecesse entre as andorinhas algum cafde
da colonia que, sorvendo 0 peixe simbolico do bico hiante das [276]
outras andorinhas, inaugurasse a explora<;ao da andorinha pela
andorinha, cuja fantasia ur n dia nos comprazemos em tecer, isso
nao bastaria para reproduzir entre elas a fabulosa historia, ima-
gem da nossa, cuja epopeia alada nos manteve cativos na ilhados pingiiins, e faltaria alguma coisa para criar urn universo
"andorinizado" .
~ssa "algu~coisa" com leta 0 sfmbolo ll~ra dele fazer alinguagem. Para que 0 objeto simbolico, liberto de seu uso,
transforme-se na a avra hbertaoad O'i.lc et nunc , a diferen<;anao e a ualidade, sQ.nora,..Jie _ suamateria, mas seu~anes-
cente, on de 0 simbolo encontra a pe.rmanencia do conceito.Pcla . palavra, que ja e uma presen<;a feita de ause-;;cia, a
au~ncla mesma vem a se nomear em urn momenta ongmal cuja
perpetua recria<;ao 0 talento de Freud captou na brincadeira da
crian<;a. E desse par modulado da presen<;a e da ausencia, que
basta igualmente para constituir 0rastro na areia do tra<;osimples
e do tra<;o interrompido dos kwa manticos da Chir.a, nasce 0
universo de sentido de uma lfngua, no qual 0universo das coisas
vem se dispor .
Por aquilo que so toma corpo por ser 0vestfgio de urn nada,
e cujo suporte desde entao nao pode alterar-se, 0 conceito,
resguardando a permanencia do que e passageiro, $era a c~
Pois aindanao e 0 bastante dizer que 0 conceito e a propriacoisa, 0que uma crian<;apode demonstrar contrariando a escola.
Eo mundo das alavras ue cria 0mundo das coisas, inicialmente
A L tw A A ; {Jf,. €5t:~~f\ f oe \ .(A
MfA l\V~ir Jv\A.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 21/44
confundidas no hie et nunc do todo em devir, dando urn ser
concreto a essencia del as e dando lugar, por toda parte, aquilo
que e desde sempre: Kthema es aei.
Ql1.9mem fata, pois, mas pOI'que 0 sfmbolo 0 fez homem. Se,
com efeito, dons superabundantes acolhem 0 estrangeiro que se
deu a conhecer, a vida dos grupos naturais que constituem a
comunidade esta sujeita as regras da alianc;a, as quais orden amo senti do em que se efetua a troca das mulheres, e aos prestimos
recfprocos que a alianc;a determina: como diz 0 proverbio sironga,
urn parente por alianc;a e uma coxa de elefante. A alianc;a rege
uma ordem preferencial cuja lei, implicando os ~a-
rentesco, e ara _ ~gru po, como a linguagem, imperativa em suas
formas, mas inconsciente em sua estrutura. Ora, nessa estrutura, [277]
cuja-narmonia a u cujos Impasses regulam a troca restrita ou
generalizada que nela discerne 0 etn610go, 0 te6r ico, at6nito,
reencontra tod a a l6gica das combinac;6es: assim, as leis do
numero, isto e, do sf mbolo mais purificado, revelam-se imanentes
ao simbolismo original. Pelo menos, e essa riqueza das formas
em que se desenvolvem as chamadas estruturas e]ementares de
parentesco que as torn a legfveis. E isso leva a pensar que talvezseja apena~ nossa inconsciencia de sua permanencia que nos
permite crer na liberdade das escolhas nas chamadas estruturas
complexas da alianc;a sob cuja lei vivemos. Se a estatfstica ja
deixa entrever que essa l iberdade nao se exerce ao acaso, e
pOI'que uma l6gica subjetiva a orientaria em seus efeito .
E justamente nesse senti do que 0 complexo de Edi , na
medida em que continuamos a reconhec~~lo como abarcando pOl'
sua significac;ao 0 campo inteiro de nossa experiencia, ser ~
declarado em nossa Qostulac;ao como marcando os limites ue
nossa alsciRli~.'!.....atri _ l£uiEubjetividade: ou seja, aquilo que 0
sujeito pod econhecer de sua participac;ao inconsciente no mo-
vimento das estruturas complexas da alianc;a, verificando os
efeitos simb6licos, em sua existencia particular, do movimentotangencial para 0 incesto que se manifesta desde 0 ad vento de
uma comunidade univer sal.
A Lei primordial, portanto, e aquela que, ao reger a alianc;a,
superp6e 0 reino da cultura ao reino da natureza, entregue a lei
do acasalamento. A proibic;ao do incesto e apenas 0 eixo subje-
tivo, desnudado pela tendencia modern a a reduzir a mae e a irmait'
os objetos interditados as escolhas do sujeito, alias continuando
a nao ser facultada toda e qualquer licenc;a para-alem disso.
Essa lei, pOItanto, faz-se conhec u£icientemente..como id~-
tica a uma ordem de l inguagem. Pois nenhum poder sem as
denominac;6es do parentesco estf em condic;6es de instituir a
ordem das preferencias e tabus que atam e tramam, atraves das
gerac;6es, 0 fio das linhagens. E e justamente a confusao das
gerac;6es que, na Bfbli~, como em todas as leis tradicionais, e
maldita como a abominac;ao do verba e a desolac;ao do pecador .
Sabemos com efeito da devastac;ao, que chega ate mesmo a
dissociac;ao da personalidade do sujeito, que pode exercer uma
filiac;ao falseada, quando a ressao do meio se emp.enha em
~~tentar -Ihe a mentira.-Ef es podem nao ser menores quando urn
homem, casando-se com a mae da mulher com quem teve urn [278]
filho, faz com que este tenha pOI' irmao urn filho que sera irmao
de sua mae. Mas se, depois disso - e 0 caso nao e inventado
-, ele for adotado por urn casal compassivo em que urn dos
c6njuges seja uma filha de urn casamento anterior do pai, ira
descobrir-se ma is u ma v ez m eio -ir mao de s ua n ova m ae , e
podemos imaginal' os sentimentos complexos com que aguar dara
o nascimento de uma crianc;a que sera, ao mesmo tempo, seu
ir mao e seu sobrinho, nessa situac;ao repetida.Do mesmo modo, a simples defasagem que se produz nas
gerac;6es pOI' urn f ilho temporao, nascido de urn segundo casa-
mento e cuja jovem mae seja contempodinea de urn irmao mais
velho, pode produzir efeitos que se aproximam disso, e sabemos
ter sido esse 0caso de Freud.
Essa mesma func;ao da identificac;ao simb61ica pela qual 0
pr imitivo sup6e reencarnar 0 ancestral hom6nimo, e que ate no
homem moderno determina uma recorrencia alternada do carateI'
de cada urn, introduz portanto, nos sujeitos submetidos a essas
discordancias da relac;ao paterna, uma dissociac;ao do Edipo em
que convem vel' a mola constante de seus efeitos patogenicos.
De fato, mesmo re resenta~a por uma unica pessoa, a func;ao paterna c~centr~ em si relac;6es imaginarias er eals, semlJi'e
mais o~s inade uad asJtr ~ ac;ao simbo lca que a constltui
essencialmente. -
E n o e £ O m e do p~ue se deve reconhecer 0 suporte da func;ao
simb6lica que, desde 0 limiar dos tempos hist6ricos, identifica
sua pessoa com a imagem da lei. Essa concepc;ao nos permite
estabelecer uma distinc;ao clara, na analise de urn caso, entre os
efeitos inconscientes dessa func;ao e as relac;6es narcfsicas, ou
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 22/44
entre eles e as r ela<;6esreais que 0sujeito mantem com a imagem
e a a<;aoda pessoa q ue a e ncarna, daf r esultand o urn modo de
compreensao q ue ira repercutir na pr6pria condu<;ao das inter -
ven<;6es. A pratica nos conf irmou sua fecundidad e, tanto a n6s
quanto aos alunos q ue ind uzimos a esse metod o. E tivemos
freqiientemente a oportunidade, em supervis6es ou em casos
comunicados, de salientar as confus6es pr ejud iciais geradas por seu desconhecimento.
Assim, e a vir tude do ver ba que perpetua 0 movimento da
Grande Dfvida da qual Ra belais, numa metafora celebre, estende
a economia ate os astr os. E nao f icaremos surpresos com 0 fatode 0capftulo em que ele nos apresenta, com a inversao macar -
ronica dos termos de parentesco, uma antecipa<;ao das descober - [2791
tas etnogr aficas mostrar -nos nele a adivinha<;ao su bstantiva32 do
misterio humano que aq ui tentamos elucidar. ~
Identificada com 0hau sagrado ou com 0mana onipresente, a 0Dfvida inviolavel e a garantia de que a viagem para a qual saD
impelidas as mulheres e os bens reconduza a seu ponto de partida,
num cicIo infalfvel, outras mulheres e outros bens, portadores deuma entid ade identica: 0sf m bolo zero, diz Levi-Strauss, reduzindo
a forma de ur n signo algebrico 0 poder da Fala.
Os sf m bolos efetivamente envolvem a vida d o homem numarede tao total q ue con jugam, antes que ele venha a o mundo,
aqueles que iraQ gera-Io "em carne e osso"; tr azem em seu
nascimento, com os dons dos astros, senao com os d ons das
fadas, 0 tra<;ado de seu d estino; fornecem as palavras que faraDd ele ur n f iel ou urn re negado, a lei dos atos q ue 0 seguir ao ate
ali onde ele ainda nao esta e para-alem de sua pr 6pria morte; e,
atraves deles, seu fim encontra sentido no jufzo final, ond e 0
ver bo a bsolve seu ser ou 0con d en a - a menos que ele atin jaa _ realiz~1io...s.l:t8jetiYftd ~e - ara-a-mor te.
Servid ao e grandeza em q ue s e a niquilar ia 0 vivente, se 0desejo nao preservasse seu pa pel nas interfer encias e n as pulsa-
<;6esque fazem convergir para ele os cicIos d a linguagem, q uando
a conf usao das Ifnguas mistura-se a eles e as ordens se contrariamnas d ilacera<;6es d a obra universal.
Mas, esse pr6prio desejo, para ser satisfeito no homem, exige
ser reconhecido, pelo acordo da fala ou pela luta de prestfgio,
no sfmbolo ou no imaginario.
o que esta em jogo numa psicanalise e 0 advento, no sujeito,
do pouco de realidade que esse desejo sustenta nele em rela<;ao
aos conflitos simb61icos e as fixa<;6es imaginarias, como meio
de harmoniza<;ao destes, e nossa via e a experiencia intersubjetivaem que esse desejo se faz reconhecer .
Por conseguinte, ve-se que 0 problema e 0 das rela<;6es, no
sujeito, entre a fala e a linguagem.
Tres paradoxos nessas rela<;6es apresentam-se em nosso cam-
po.
N~ seja qual for sua natureza, convem reconhecermos,
de urn ado, a li berdade negativa de uma fala que renunciou ase fazer reconhecer, ou seja, aquilo que chamamos obstaculo a
transferencia, e, de outro lado, a forma<;aosingular de urn delfrio
que - fabulat6rio, fantastico ou cosmol6gico; interpretativo,
reivindicat6r io ou idealista - objetiva 0sujeito em uma lingua-
gem sem dialetica.
33
_ A ausencia da fala manifesta-se nela pelas estereotipias deurn di~ sujeito, pode-se dizer, e mais falado doque fala: ali reconhecemos os· sfmbolos do inconsciente sobformas petr ificad as, que, ao lado das formas embalsamad as comque se apr esentam os mitos em nossas coletaneas, encontramseu lugar numa hist6ria natural desses sfm bolos. Mas e urn errodizer q ue 0su jeito os assume: a resistencia a seu reconhecimentonao e menor do que nas neuroses, quando 0su jeito e induzidoa ela por uma tentativa de tratamento.
Note-s e de passagem que valeria a pena situar no espa<;osocial os lugares que a cultura conferiu a esses sujeitos, espe-cialmente q uanto a sua destina<;ao a servi<;os sociais aferentes
da Iinguagem, pois nao e'improv av el q ue nisso se demonstreurn dos fator es que destinam esses su jeitos aos efeitos da r u ptura produzida pelas discordancias simb6licas, caracterfsticas das
estruturas complexas da civiliza<;ao.
33. Aforismo d e Lichten ber g: "Ur n louco que se im agina principe s6 difere d o
pr inci pe que efetivamente 0 e pelo f ato de aq uele ser urn p r inci pe negativo,
enquanto este e urn louco negativo. Consid erad o s s em seu sinal, eles sao
semelhantes."
32. S ubstantif ique: alus ao a "La substantif ique lTJ.0elle",d e Rabelais. Tr ata-se
d o que ha d e m ais rico num texto, em termos de sub stiincia. (N.E.)
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 23/44
o s gundo caso e r e presentad o pelo campo privilegiad o da
desco " alf t ica: ou se ja, os sintomas, a ini bi<;ao e a
angustia, na economia constitutiva das diferentes neuroses.
Nele, a fala e expulsa do discurso concreto que orden a a
consciencia, mas en contra apoio, quer nas fun<;6es naturais do
sujeito, pOl' menos que urn espinho organico esboce nelas a
hiancia de seu ser ind ividual em sua essencia, que faz da doen<;aa introdu<;ao do vivente na existencia do sujeito,34 quer nas
imagens que organizam, no limite do Umwelt e do lnnenwelt,
sua estrutura<;ao relacional.
o sintoma, aqui, e 0 significante de urn signif icado recalcado
da consciencia do sujeito. Sfmbolo escrito na areia da carne e
no veu de Maia, ele participa da Iinguagem pela ambigilidade [281]
> { mantica que ja sublinhamos em sua constitui<;ao.
Mas e uma fala em plena atividade, pois inclui 0discurso do
utro no segredo de seu codigo.
Foi decifrando essa fala que Freud encontrou a linguagem
primeira dos sf mbolos,35 ainda viva no sof r imento do homem
da civiliza<;ao ( Das Unbehagen in der Kultur [0 mal-estar n a
cultural).
Hieroglif os da histeria, br as6es da f obia, la birintos d a Zwangs-
neurose; encantos d a impotencia, enigmas da ini bi<;ao, oraculos
d a angustia; armas eloqilentes d o cararer,36 chance la s da auto-
puni<;ao, disfarces da perversao - tais sao os her metismos q ue
nossa exegese r esolve, os equfvocos que nossa invoca<;ao d is-
solve, os ar tiffcios que nosso discur so absolve, numa liberta<;ao
do sentido a prisionad o q ue vai da revela<;ao d o palimpsesto a
palavra dada do miste rio e ao perd ao da f ala.
o ~o parad oxo da rela<;ao da Iinguagem com a f ala e 0
do sujeito que perde seu sentido nas objetiva<;6es do discurso.
POl' mais metaf f sica que pare<;a sua d efini<;ao, nao pod emos
d esconhecer sua presen<;a no pr imeir o plano d e nossa exper iencia.
Pois nisso esta a aliena<;ao mais pr ofunda d o su jeito d a civiliza<;ao
34. Par a obter imediatamente a conf irma~ao subjetiva desse comentario de Hegel,
basta ter visto, na r ecente epidemia, ur n coelho cego no meio de uma estrada,
erguendo para 0 sol poente 0vazio de sua visao transmudada em olhar: ele ehumano a ponto de ser tnigico.
35. As linhas supra e inf r a mostram a acep~ao que damos a esse termo.
36. 0 err o de Reich, ao qual voltaremos, fe-Io to~ar armas por uma armadur a.
cientffica, e e com ela que de paramos em primeiro lugar quando
o sujeito come<;a a nos falar de si: do mesmo modo, para
resolve-Ia inteiramente, a analise deveria ser levada ao extrema
da sabedoria.
Para for necer d isso uma formula<;ao exemplar, nao poderfamos
encontr ar ter r eno mais pertinente do que 0uso do d iscurso cor r ente,
fazendo notal' q ue 0
"isso sou" [" ce suis- je" ] da epoca de Villoninverteu-s e no "s ou eu" [" c'est moi" ] do homem moderno.
o eu do homem moderno adquiriu sua forma, como indicamos
em outro ponto, no impasse dialetico da bel a alma que nao
reconhece a pr opr ia r az ao de s eu s et~ eladenuncia no mundo. ..-----
Mas uma safda se oferece ao su jeito par a a resolu<;ao desse
impasse em q ue d elir a seu discur so. A comunica<;ao pode se [282]
estabelecer para ele, validamente, na o bra comum d a ciencia e
nas utiliza<;6es que ela ordena na civiliza<;ao universal; essa
comunica<;ao sera efetiva no interior da enor me o bjetiva<;ao
constitufda pOl' essa ciencia e the permitira esquecer sua subje-
tividade. Ele colaborara eficazmente com a obra comum em seu
trabalho cotid iano e povoara seu lazer com todos os encantosde uma cultura profusa, que, do romance policial as memor ias
historicas, das conferenci as ed ucativas a or to pedia d as rela<;6es
de gr upo, dar -Ihe-a meios de esq uecer sua vid a e sua morte, ao
mesmo tempo que de d esconhecer numa f alsa comunica<;ao 0
sentido particular d e sua vida.
Se 0 sujeito nao encontr asse numa r egr essao, muitas vezes
levada a te 0estadio d o espelho, 0espa<;o de uma etapa em que
seu eu contem suas fa<;anhas imaginar ias, quase nao haveria
limites atr ibuf veis a cred ulid ade a q ue ele tern que sucum bir
nessa situa<;ao. E e isso q ue tor na temf vel nossa responsa bilid ad e,
quando Ihe of er e cer n os, c om as manipula<;6es mf ticas d e nossa
d outr ina, uma opor tunidad e suplementar de se alienar, na tr indad e
d ecom posta do ego, do superego e do id, pOl' exemplo.Ha af ur n muro d e linguagem que se op6e a f ala, e as
pr ecau<;6es contr a 0 verbalismo, q ue sao urn tema d o d iscur so
d o homem "normal" d e~ cultur a, so f azem r ef or<;ar -Ihe a
es pessur a.
Nao seria inutil avaliar es ta ultima pela soma estatisticamente
determinad a dos quilos de papel impresso, dos q uil6metros d e
sulcos discogrMicos e d as hor as de transmissao r ad iofOnica que
a ref erid a cultura pr oduz per capita nas zonas A, Bee de sua
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 24/44
We are the hollow men
We are the stuffed men Leaning together
Headpiece filled with straw. A/asP7
e assim por diante.
faria acentuar este trac;o o posto: que seu caniter simbolico nunca
foi mais patente. A ironia das revoluc;6es e que elas geram urn
poder ainda mais absoluto em seu exercfcio, nao, como se
costuma dizer, por ele ser mais an6nimo, mas por estar mais
reduzido as palavras que 0 significam. E mais do que nunca,
por outro lado, a forc;a das igrejas reside na linguagem que elas
souberam conservar: instancia, convem dizer, que Freud deixouna penumbra no artigo em que nos desenha 0que chamaremos
de subjetividades coletivas da Igreja e do Exercito.
A psicanalise desempenhou urn papel na direc;ao da subjeti-
vidade moderna, e nao pode sustenta-Io sem ordena-Io pelo
movimento que na ciencia 0 elucida.
E esse 0 problema dos fundamentos que devem assegurar a [284]
nossa disciplina seu lugar nas ciencias: problema de formaliza-
c;ao, na verdade muito mal introduzido.
Pois parece que, retomados justamente por urn capricho do
espfrito medico em oposic;ao ao qual a psicanalise teve que se
constituir, foi a exemplo dele, com urn atraso de meio seculo
em relac;ao ao movimento das ciencias, que procuramos ligar-nos
a elas.
Objetivac;ao abstrata de nossa experiencia em princfpios fictf -
cios ou simulados do metoda experimental: af encontramos 0efeito
de preconceitos cujo cam po, antes de mais nada seria preciso
limpar, se quisermos cultiva-Io segundo sua estrutura autentica.
Praticantes da func;ao simbolica, e es antoso ue nos esqui-
v em os d e a pr ou n a- a, a ponto de desconhecer que e ela que
nos situa no cerne 0movimento que instaura uma nova or em
das ciencias, com urn novo questlOnamento da antro ologia.
Essa nova ordem nao slgmfIca nada alem de urn retorno a
uma noc;ao de ciencia verdadeira que ja tern seus tftulos inscritos
numa tradic;ao que parte do Teeteto. Essa noc;ao se degradou,
como se sabe, na inversao positivista que, colocando as cienciasdo homem no coroamento do ediffcio das ciencias exper imentais,
na verdade as subordinou a estas. Essa noc;ao provem de uma
visao err6nea da historia da ciencia, baseada no prestf gio de urn
desenvolvimento especializado dos experimentos.
Mas, hoje em dia, vindo as ciencias conjecturais resgatar a
noc;ao da ciencia de sempre, elas nos obrigam a rever a classi-
ficac;ao das ciencias que herdamos do seculo XIX, num sentido
que os espfritos mais lucidos denotam claramente.
area. Esse seria urn belo objeto de pesquisa para nossos orgaos
culturais, e nele verfamos que a questao da linguagem nao esta
inteiramente contida na area das circunvoluc;6es em que seu uso
se reflete no indivfduo.
A semelhanc;a dessa situac;ao com a alienac;ao da loucura, na [283]
medida em que a forma dada mais acima e autentica, ou seja,
e m q ue n el a 0 sujeito e mais falado do que fala, ressalta
evidentemente da exigencia, suposta pela psicanalise, de uma
fala verdadeira. Se essa conseqiiencia, q ue l ev a a o l im it e o s
paradoxos constitutivos de nossa formulac;ao atual, fosse voltada
contra 0 proprio born senso da perspectiva psicanalftica, confe-
rirfamos a essa objec;ao toda a sua pertinencia, mas para nos
vermos confirmados por ela: e isso, por uma inversao dialetica
em que nao nos faltariam padrinhos autorizados, a comec;ar pela
denuncia hegeliana da "filosofia do cranio" e detendo-nos so-
mente ante a advertencia de Pascal, que ecoa, des de 0despontar
da era historica do "eu", nestes termos: "os homens saD tao
necessariamente loucos que seria, enlouquecer por uma outra
forma de loucura nao ser louco.''\-::::::::;
Isso nao quer dizer, no entanto, que nossa cultura avance por
trevas externas a subjetividade criadora. Esta, ao contrario, nunca
deixou de militar naquela para renovar 0 poder jamais esgotado
dos sfmbolos, na troca humana que os traz a lume.
Levar em conta 0 pequeno numero de sujeitos que sustentam
essa criac;ao seria ceder a uma perspectiva romantica, cotejandoo que nao e equivalente. 0 fato e que essa subjetividade, em
qualquer campo que aparec;a, matematico, polftico, religio so o u
publicitario, continua a impulsionar em seu conjunto 0 movi-
mento humano. E uma mirada nao menos ilusoria decerto nos
37. "Somos os homens ocos I Somos os homens empalhados I Todos encostados,
I Com 0 capacete cheio de palha. Ai de nos!" (N.E.)
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 25/44
Basta acompanhar m os a evol ur ,;ao concreta das disciplinas
para nos a percebermos disso.
A Iinglif stica pode servir -nos de guia neste ponto, j a q ue e
esse 0 papel que ela desempenha na vanguarda da antropologia
contemporanea, e nao poder f amos ficar -Ihe indiferentes.
A forma de matematizar ,;ao em que se inscreve a descoberta
do Jonema, como funr ,;ao dos pares de oposir ,;ao compostos pelosmenores elementos discriminativos captaveis da semantica, leva-
nos aos proprios fundamentos nos q uais a doutrina final de Freud
aponta, numa conotar ,;ao vocalica da presenr ,; a e d a ausencia, as [285]
origens sub jetivas d a f un r,;ao simbolica.
E a redur,;ao de todas as If nguas ao grupo de um numero
pequenfssimo dessas oposir ,;6es fonemicas, dand o infcio a uma
formalizar,;ao igualmente rigorosa de seus mais elevados morfe-
mas, coloca a nosso alcance uma abordagem estrita de nosso
campo.
Cabe a nos com ela nos aparelharmos para encontrar af nossas
incidencias, como ja faz, pOI' estar numa Iinha paralela, a etno-
grafia, decifrando os mitos segundo a sincronia dos mitemas.
Nao e patente q ue um Levi-Str auss, ao sugerir a implicar ,;ao
das estruturas da Iinguagem e da parte das leis sociais que r ege
a alianr ,;a e 0 parentesco, ja vai conquistando 0 ten'eno mesmo
em que Freud assenta 0 inconsciente?38
POI' conseguinte, e impossf vel nao central' num a t eor ia geral
do sfmbolo uma nova classificar,;ao das ciencias em q ue as
ciencia s d o ho me m r et om em s eu lugar central, na condir ,;ao de
ciencias da subjetividade. Ind iq uemos 0 pr incfpio d isso, q ue nao
deixa de invocar uma elaborar,;ao.
A funr,;ao simbolica apresenta-se como um duplo movimento
no su jeito: 0homem faz de sua ar,;ao um objeto, mas para a ela
devolv er e m t em po h abil s eu lugar fundador . Nesse equfvoco,
q ue opera a todo instante, reside tod o 0 progresso de uma funr ,;aoem que se alter na m a a r ,;ao e 0conhecimento.39
Exemplos tom ados de emprestimo, um dos bancos escolares,
out ro d o q ue h a d e m ais vivo em nossa epoca:
38. Cf . Claud e Levi-Str aus s, "Language and the a nalysi s o f social laws",
America" Anthr o pologist, vo1.53, nL'2, abr il- junho d e 1951, p.155-63.
39. Esses ultimos quatr o panigr af os for am r ees'cr itos (1966).
- 0 pr imeiro, matematico: primeiro tempo, 0homem objetiva
em dois numer os c ar d i na is d uas coler,;6esq ue cont ou; segundo
tempo, reali za c om esses numeros 0 ato de ad iciona-Ios (d. 0
exemplo citado pOl' K ant na introdur,;ao a estetica transcendental,
§IV da 2!! edir,;ao da Crftica da razao pura);
- 0 segundo, historico: pr imeiro tempo, 0 homem q ue t ra-
balha na produr,;ao em nossa sociedade inclui-se na categoria dos proletar i os; se gu nd o t em po , e m n om e d ess e v fn cu lo , ele fazgreve gera!.
Se esses dois exemplos br otam, para nos, dos cam pos mais [286]
contrastantes no concreto - 0 funcionam en to c ad a v ez m ai s
Ifcito da lei matematica, a face implacaveI da explorar,;ao capi-
talista -, e que, embora eles nos par er,;am provir de muito longe,
seus efeitos vem a constituir nossa subsist en ci a, e justamente
pOI' se cruzarem numa dupla inversao: a mais subjetiva ciencia
forjou uma nova realidade, as trevas da divisao social armam-sede um sfmbolo atuante.
Aqui, ja nao parece aceitavel a oposir,;ao que se trar ,;aria entre
as ciencias exatas e aq uelas para as quais nao ha pOI'que declinar
da denominar ,;ao d e conjecturais, pOI' falta de fundamento par aessa oposir ,;ao.40
Pois2- exatid ao se distingue da verd ade e a con jectur a nao
impede 0 rigor . E, se a ciencia experimental herda das matema-
ticas sua exatidao, nem pOI' isso sua relar ,;a o co m a natur eza emenos problematlca.
Se nosso vfnculo com a natureza real mente nos incit a a n os
perguntar mos, poeticamente, s e na o e s eu propr io movimento
q ue encontr amos em nossa ciencia,
... essa vo z
Que se reconhece ao soar
Jd nao ser vo z de ninguem
Como e de bosques e mar,41
esta clar o q ue nossa f fsica e apenas uma fabricar,;ao mental cu jo
instrumento e 0 sfmbolo matematico.
40. Esses d ais ultimos paragr af os f or am r eescritos (1966).
41. " ... cet te voi x / Qui se connalt quand elle sonne / N'etr e plus la voi x de
per .wnne / Tam que d es ond es el d e bo is.. ..", Paul Valery. (N.E.)
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 26/44
Pois a ciencia exper imental nao se d efine tanto pela q uantid ade
a que ef etivamente se aplica, mas pela medid a que introd uz no
rea!.
Como se ve pela me di da do tem po, sem a qual ela. seria
impossfve!. 0rel6gio de Huygh~ns, 0 unico. a ,the confenr .sua
precisao, e apenas 0 6rgao reahzad or d~ hlpotese de G~hl:u
sobre a eqUigravidade dos COI'pOS,ou sep, sobre a acelela~aouniforme, que confere sua lei, por ser a mesm.a, a tod~ queda.
Ora e divertido salientar q ue 0 aparelho f OI c onclUld o antes
q ue a hi p6tese pudesse ser confirmada pela observa~ao, e que,
em vista disso, ele a tor nou inutil no ex?ato momento em que
lhe ofereceu 0 instrumento d e se u ri go r .4-
Mas a matematica pode simbolizar urn outro tempo, notada-
mente 0 tempo mtersub jetivo que estrutura a a~a? humana, d .o
. qual a teoria dos jogos, ainda chamada de estrategla, e ~ue mals
valeria chamar de estocastica, come~a a nos fornecer as formulas.
o autor destas linhas tentou demonstrar, na l6gica de um
sofisma, a s m ol as d e t em po pelas quais a a~ao humana, na
medida em que se ordena pela a~ao do outro, encontra. ~a
escansao de suas hesita~6es 0advento de sua cer teza e, na decisao
que a conclui , da a a~ao do outro, que desde entao .ela passa. a
incluir com sua san~ao q uanto ao passado, seu sentI do ~~r VIr .
Ali se demonstra que e a certeza antecipad a pelo sU jelto no
tempo para compreender que, pela pressa que. p!ecipita 0 ! ! ! : ! l ;
~ent o d e conclulr, determina no outro a decIsao que faz do
' pr6prio movimento do su jeit o e rr o ou ver dad e. .
Ve-se pOl' esse exemplo como a formaliza~ao matematlca q ue
inspirou a 16gica d e Boole, ou a teoria d os conjunto.s, pod e ~ra~er
a ciencia da a~ao humana a estrutura do tem po mter subj.etlvo
da q ual a conjectur a p si canalftica necessita para se gar antlr em
seu r igor. " . .
Se, pOl' outro lado, a hist6ria da tecmca hlst.onad.o:a ~ostraq ue seu progresso se define no i deal ,de. ~ma Identlf l.ca~.ao d a
su b jetividade do historiad or com a su b jetlvldad e constltut lv a da
42. Cf., quanto a hip6tese galileana e ao rel6gio d e Huyghens, "A~ experiment
in measur ement", de Alexand r e K oyr e, Pr oceed ings o f the Amencan Pluloso-
phical Society , yol.27, a br il d e 1953. . Nossos dois ultimos panigr afos for am r eescntos (1966).
histor iciza~ao pr imaria em que se humaniza 0acontecimento, e
claro que a psicanalise encontra af seu alcance exato: ou seja,
no conhecimento, como realizador desse ideal, e na eficacia,
como nela encontrando sua razao. 0exemplo da hist6r ia tambem
dissipa, qual uma miragem, 0recurso a rea~ao vivida que obceca
nossa tecnica e nos sa teoria, pois a historicidade fundamenti',ll
do acontecimento que guardamos basta para conceber a P-Q.Ssi-6ilid ad e d e uma reprodu~ao su6jetiva do ass 0no ore te.
mms, esse exemplo nos faz apreender como a regressao
psicanalf ti ca i m plic a a q uela dimensao progressiva da hist6ria do
sujeito que Freud nos sublinha faItar ao conceito junguiano da
regressao neur6tica, e compreendemos como a pr6pria experien-
cia renova essa progressao, garantindo seu desfalq ue.
Por f im, a referencia a lingUfstica nos introduzira no metodo
que, ao distinguir as estrutura~6es sincronicas das estrutura~6es
diacronicas na linguagem, pode permitir -nos compreender me-
Ihor 0valor d if erente que nossa linguagem assume na interpre-
ta~ao das resistencias e da transferencia, ou entao diferenciar os
efeitos ttpicos d o recalque e a estrutura do mito individual na
neurose obsessiva.
J 0 Sabemos da lista de disciplinas que reud apontava como
I " ~0 devend o constituir as cienc ia s a ne xa s d e uma Fa.cul?ad.e ideal
\ de psicanalise. Nela encontramos, ao lade da pSlgUlatna e da
sexologia, " a hist6r ia d a ci vili za ~a o, a mitologia, a psicologia
'das religi6es, a hist6r ia e a crftica Ijterfirjas"
o co n junto dessas materias, que determina 0 cursus de urn
ensino tecnico, inscreve-se normal mente no triangulo epistemo-
16gico que ja descrevemos, e que forneceria seu metoda a urn
ensino superior de sua t eo ri a e sua tecnica.
A ele acrescentarfamos de born grado, pOl' nos so turno: a
ret6rica, a dialetica, no sentido tecnico que esse ter mo assume
KOs 1 ' 6 leos de Arist6tele s, a gram atlc a e , auge su premo daestetica da linguagem, a poetica, que incluma a tecmca, elxa a
na-0t5scundade, do chiste.
~ E se essas r u bricas para alguns evocassem r essonancias meio
obsoletas, nao nos repugn ar ia endossa-Ias como urn retor no a
nossas origens.
Pois a psicanalise, em seu desenvolvimento inicial, ligado a
desco berta e ao estudo dos sfmbolos, iria par ticipar da estrutura
do q ue se chamava, na Idade Media, "artes li berais". Privadao ..t- .\. ., r . '" 0 . ~/ . •
o V\ A6 '\. . 0-0-..- CA. ""'-'. J<.7/P A.Na' 4 ~ w -v .: -w ' /
. l.O '. V ( ) 0 c:. Af ~CA ./ ,Q.~)J.~O<!lo '\NVo- \"M~ ) ••.
• l{~ lV1L& ,0 U> ;
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 27/44
como estas de uma ver d adeir a formaIiza<;ao, eia se organizaria,
a semelhan<;a delas, num corpo de pr oblemas privilegiados, cada
q ual promovido por uma r ela<;ao fortuita do h om em co m s ua
pr opr ia medida, e extraindo dessa particular idade um encanto e
uma humanidade quepodem compensar , a nos so ver, 0 aspecto
urn tanto r ecreativo da apresenta<;ao d eles. Nao desdenhemos
desse aspecto nas primeiras ela bora<;6es da psicanaIise; ele naoexprime nada 'menos, com efeito, do que a r ecria<;ao do sentido
humano nos aridos tempos do cientificismo.
Desdenhemo-Ios ainda menos na medida em que a psicanalise
nao elevou 0 nfvel, ao enveredar pelos f alsos caminhos d e uma
teoriza<;ao contraria a sua estrutura dialetica.
Ela so dara f undamentos cientfficos a sua teoria e a sua tecnica
ao formalizar adequadamente as dimens6es essencia is de s ua
experiencia, que sao, juntamente com a teor ia historica do
sfmbolo, a logica intersu bjetiva e a tempor aildade d o su jeito.-
III. AS R ESSONA. NCIAS DA INTER PR ETA<;Ao E 0TEMPO DO SUJEITO NA TECNICA PSICANALITICA
Entr e 0homem e 0 amor ,
Existe a mulher .
Entre 0homem e a mulher,
Existe urn mund o,
Entre 0homem e 0mund o,
Existe urn mur o.43
(Antoine Tudal, in P ar is en l' an 2000)
Nam Sibyllam q uid em Cumis ego i pse oculis meis vidi in
ampulla pender e, et cum illi pueri dicerent: S ib ylla ti teleis
respondebat ilia: ap othanein t helo. (Sat yr icon, XLVIII)
R econduzir a ex periencia psicanalf tica a fala e a Iinguagem,
com o a seus f undamentos, interessa sua tecnica . S e eia nao se
inser e no i nef avel, descobre-se 0 d eslizamento q ue se operou,'
sem pre em senti do unico, afastando a interpreta<;ao d e seu
43. E lllre l' homme et I ' amour, I Jl y a lafem1 J Ie. I E ntr e l' homme et la f emme,
Ill y a un monde. I E nt re l' homme et Ie mond e. I J l y a un mur . (N.E.)
princfpio. POl'tanto, temos base para desconfiar que esse desvio
d a pratica motiva as novas metas a q ue se abre a teor ia.
Examinando mais de perto, os problemas da inter preta<;ao
sim bolica come<;ar am por intimidar nosso pequeno mundo, antes
d e se tornar embara<;osos. Os sucessos obtid os por Freud sur -
pr eendem agor a pela sem-cerimonia da doutrina<;ao de que [290]
parecem pr oceder, e a exposi<;ao q ue dela se o bserva nos casosde Dora, do Homem do s Ratos e d o Homem d os Lobos nao
d eixa de no s escandalizar . E ver dad e que nossos doutos nao
hesitam em por em duvid a que essa fosse uma boa tecnica.
Esse desapre<;o ef etivamente decorre, no movimento psicana-
Iftico, d e uma confusao d as Ifnguas da qual, numa conhecida
d ecIara<;ao de epoca recente, a personalidade mais r epresentativa
d e sua atual hierarquia nao fazia mister io conosco.
E bastante notavel que essa confusao aumente com a pr etensao
com q ue todos se creem autor izados a descobr ir em n ossa
ex periencia as condi<;6es de uma ob jetiva<;ao consumada e com
o fervor que parece aco]her esses ensaios te oricos, na medida
mesma em que eles se revelam mais desreais.
E certo que os princfpios da analise das resistencias, por mais
bem fundad os que sejam, deram enseJo, na pratte a, a ur n des-
conhecimento cada v ez maior do sujeito, por nao serem com-
preendldos em sua rela ao com a intersubjetividade da tala.
. Com efeito, acompanhando 0 processo as pnmeiras sete
sess6es que nos san integral mente narradas no caso do Homem
dos Ratos, par ece pouco provavel que Fr eud nao tenha reconhe-
cido as resistencias instauradas nelas, isto e, ali mesmo onde
nossos tecnicos modernos nos dao a Ii<;ao de que Freud d eixou
passar a ocasiao, uma vez q ue e s eu proprio texto que Ihes
permite aponta-Ias - manifestando mais uma vez 0esgotamento
do assunto que nos deslumbra nos textos freudianos, sem q ue
nenhuma interpreta<;ao haja ainda esgotado seus recursos.Queremos dizer que ele nao apenas se deixou levar a incentivar
seu sujeito a superar suas primeiras hesita<;6es, como tambem
compreendeu perfeitamente 0 alcance sedutor desse jogo no
imaginario. Par a nos convencermos disso, basta nos reportar mos
a descr i<;ao q ue ele nos fornece da ex pressao de seu paciente
d urante 0 penoso relato do suplfcio re pr esentado que serve de
tema para sua o bsessao, 0 do rata introd uzido a for <;a no anus
do supliciado: "Seu rosto", d iz-no s el e, "refletia 0 horr or de
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 28/44
urn gozo ignorado." 0 efeito atual da repeti<;:ao desse relato nao
e sc ap a a F re ud , e n em, pOl' conseguinte, a identifica<;:ao do
psicanalista com 0 "capitao cruel" que fez esse relato entrar
vigorosamente na mem6ria do sujeito, nem tampouco, portanto, [291]
a importancia dos esclarecimentos te6ricos cu jo penhor 0sujeito
requer para prosseguir em seu discurso.
Longe, no entanto, de interpretar a resistencia ali, Freud nossurpreende aced endo a solicita<;:ao dele, e a tal ponto que parece
entrar no jogo do sujeito.
Mas 0carater extremamente aproximativo - a ponto de nos
parecer vulgar - das explica<;:6es com que ele 0satisfaz e-nos
suficientemente instrutivo: ali, nao se trata tanto de doutrina,
nem tampouco de doutrina<;:ao, mas de urn dom simb61ico da
fala, prenhe de urn pacto secreto, no contexto da participa~ao
imagimiria que 0 inclui e cuja importancia se revelara, mais
tar de, na equivalencia sim b6lica que 0 sujeito institui em seu
pensamento entre os ratos e os tlorins com que remunera 0
analista.
Vemos pois que Freud, longe de desconhecer a resistencia,
serve-se dela como uma disposi~ao propf cia ao acionamento das
ressonancias da fala, e se conforma, na medida do possivel, com
a defini~ao inicial que fomeceu da resistencia, servindo-s e d el a
para implicar 0 sujeito em sua mensagem. Do mesmo modo,
muda bruscamente de assunto tao logo percebe que, ao ser tratada
com indulgencia, a resistencia gira no sentido de manter 0dialogo
no nivel de uma con versa em que, a partir de entao, 0 sujeito
perpetuaria sua sedu~ao e sua esquiva.
Mas, aprendemos que a analise consiste em jo ga r c om o s
multiplos alcances da d ivis~o que a (ala constItul nos reglstr os
dalTi1guagem: dm decorre a sobredetermma~ao, que s6 tern
senhdo nessa ordem.
E captamos, ao mesmo tempo, a mola do sucesso d e Freud.Para que a mensagem do analista responda a interroga~ao pro-
funda do sujeito, e preciso, de fato, que 0sujeito a escute como
a resposta que Ihe e par ticular, e 0 privilegio, que tinham os
pacientes de Freud de rece be r a s bo as n ov as d a pr 6pr i a b oc a
daquele que era seu arauto satisfazia neles essa exigencia.
Note-se de passagem que, aqui, 0 sujeito tivera uma previa
delas ao entreabrir a Psicopatologia da vida cotidiana, obra
entao no frescor de sua p u blica~ao~
Isso nao q uer dizer que esse livro seja muito mais conhecido
agora, nem mesmo pelos psicanalistas, mas a vulgariza~ao das
no~6es freud ianas na consciencia comum, seu ingresso no que
chamamos de muro da linguagem, atenuaria 0 efeito de nossa
fala, se Ihe conferissemos 0estilo das coloca~6es feitas pOl' Freud
ao Homem dos Ratos.
Mas nao se trata aqui de imita-Io. Para resgatar 0efeito daf al a d e F re ud , n ao e a se us termos que recorremos, mas aos
princfpios que a regem.
Esses princfpios nao sac outra coisa senao a dialetica da
consciencia de si, tal como se realiza, de S6crates a Hegel, a
partir da suposi~ao ironica de que tudo 0 que e racional e real,
para se precipitar no juizo cientifico de que tudo 0que e real e
racional. Mas a descoberta freudiana consistiu em demonstrar
que esse processo verificador s6 atinge autenticamente 0 sujeito
ao descentra-Io da consciencia de si, em cu jo eixo ela era mantida
pela reconstru<;:ao hegeliana da fenomenologia do espirito: ou
seja, ela toma ainda mais caduca qualquer busca de "conscien-
tiza~ao" que, para-alem de seu fenomeno psicol6gico, nao se
inscreva na conjuntura do momenta particular, 0 unico a dar
corpo ao universal, e sem 0qual ele se dissi pa na generalidade.
Essas observa~6es definem os limites em que e impossivel a
nossa tecnica desconhecer os momentos estruturantes da feno-
menologia hegeliana: em primeir o l ug ar , a di aletica do Mestre/
Senhor e do Escravo, ou a da bela alma e d a lei do cora~ao, e,
de modo geral, t ud o 0 q ue n os p er mite compreender como a
constitui~ao do objeto se su bordina a realiza~ao do su jeito.
Mas se restava alg o d e p rof e ti co n a exigenc ia , p ela q ual se
avalia 0 talento d e H eg el , d a i de nt id ad e intrinseca entre 0
particular e 0 universal, foi justamente a psicanalise q ue Ihe
trouxe seu par ad i gm a , a o des velar a estrutura em que essa
id entidade se r ealiza como desarticulad ora do su jeito, e semapelar para 0 amanha.
Digamos apenas que a i esta 0que, para n6s, ob jeta a qualquer
referencia a totalidade no individ uo, ja q ue 0 su jeito introduz
n el e a d ivisao, bem como no coletivo q ue e s eu eq uivalente. A
j?sicanalise e , propr iamente, 0 que remete ur n e outr o a s'liir
~d i~ao de mir agem,
Ao q ue par ec e, i sso j a nao poderia ser esquecido, nao fosse
pr ecisamente 0 en sino d a psicanalise que e passivel de esqueci-
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 29/44
mento - coisa da qual se verifica, por urn retorno mais legftimo
do que se sup6e, que a confirmac;ao nos vem dos pr6prios
psicanalistas, pelo fato de suas "novas tendencias" representarem
esse esquecimento.
Pois se Hegel, por outro lado, vem muito a prop6sito dar urn
sentido que nao seja de estupor a nossa chamada neutralidade,
n ao e q ue n ao t en ha mo s n ad a a e xt ra ir d a e la st ic id ad e d amaieutica de S6crates, ou do fascinante processo da tecnica em
que Platao a ela nos apresenta - nem que seja para provar em
S6crates e seu desejo 0 enigma intacto do psicanalista, e para
situar em relac;ao a escopia platonica nossa relac;ao com a
verdade: nesse caso, de urn modo que respeite a distancia
existente entre a reminiscencia que Platao e levado a supor em
todo advento da ideia e 0 esgotamento do ser que se consuma
\ na repetic;ao de Kierkegaard.44
'- -0 Mas ha tambem uma diferenc;a hist6rica, que nao e inutil
aquilatar, desde 0 interlocutor de S6crates ate 0nosso. Quando
S6crates se ap6ia numa razao artesanal, que ele tambem pode
extrair do discurso do escravo, e para fazer com que mestres e
senhores autenticos ten ham acesso a necessidade de uma ordem
que fac;a justi~a de seu poder e fac;a das palavras essenciais da
p61is uma verdade. N6s, porem, Iidamos com escravos que se
tomam por mestres e senhores e que en con tram numa linguagem
de missao universal 0 esteio de sua servidao, com os grilh6es
de sua ambigiiidade. Tanto que poderfamos dizer, com humor,
que nossa meta e restabelecer neles a liberdade soberana que
demonstra Humpty Dumpty ao lembrar a Alice que, afinal, ele
e 0 mestre e senhor do significante, se nao 0 e do significado
em que seu ser adquiriu forma.
Sempre encontramos, pois, nossa dupla referencia a fala e aIinguagem. Para liberal' a fala do sujeito, n6s 0 introduzimos na
Iinguagem de seu desejo, isto e, na linguagem primeira em que, para-alem do que ele nos diz de si, ele ja nos fala a sua revelia,
e prontamente 0 introduzimos nos sfmbolos do sintoma.
E realmente de uma linguagem que se trata, com efeito, no
simbolismo exposto na analise. Essa linguagem, correspondendo
ao anseio ludico que podemos encontrar num aforismo de Lich-
tenberg, tern 0 carateI' universal de uma Ifngua que se fizesse
ouvir em todas as outras lfnguas, mas que, ao mesmo tempo,
pOl' ser a linguagem que capta 0desejo no ponto exato em que
ele se humaniza, fazendo-se reconhecer, e absolutamente peculiar
ao sujeito.
Linguagem primeira, dizemos tambem, com 0que nao que-
remos dizer Ifngua primitiva, uma vez que Freud, que podemoscomparar a Champollion pelo merito de Ihe tel' feito a descoberta
total, decifrou-a pOl' inteiro nos sonhos de nossos contempora-
neos. Do mesmo modo, seu campo essencial e definido com
certa autoridade pOl' urn dos preparadores mais cedo associ ados
a esse trabalho, e urn dos raros a tel' trazido algo de novo:
refiro-me a Ernest Jones, 0ultimo sobrevivente daqueles a quem
foram dados os sete aneis do mestre, e que atesta, pOl' sua
presenc;a nos cargos de honra de uma associac;ao internacional,
que eles nao estao reservados unicamente aos portadores de
relfquias.
Num artigo fundamental sobre 0 simbolismo,45 0 dr . Jones,
ali pela pagina 15, observa que, embora existam milhares de
sfmbolos, no senti do como a analise os entende, todos se rela-
cionam com 0 pr6prio corpo, com as relac;6es de parentesco,
com 0 nascimento, a vida e a morte.
Essa verdade, aqui reconhecida de fato, permite-nos c om-
preender que embora 0sfmbolo, psicanaliticamente falando, seja
recalcado no inconsciente, ele nao traz em si nenhum fndice de
regressao ou de imaturidade. Basta, pois, para que surta efeitos
no sujeito, que ele se fa~a ouvir, pois esses efeitos se dao sem
o conhecimento dele, como 0 admitimos em nossa experiencia
cotidiana ao explicar muitas reac;6es, tanto dos sujeitos normais
quanto dos neur6ticos, pOl' sua resposta ao sentido simb6lico de
urn ato, uma relac;ao ou urn objeto.
Nao h::iduvida, pOl"tanto, de que 0 analista pode jogar com 0
poder do sfmbolo, evocando-o deliberadamente nas ressonancias
semanticas de suas coloca~6es.
Essa seria a via de urn retorno ao uso dos efeitos simb61icos
numa tecnica renovada da interpretac;ao.
45. "Sur la theorie d u symbolisme", British Journal (!{ Psychology, IX, 2.
Reprod uzido em Papers on Psycho-Analysis. ef ., aq ui mesmo, p.704ss.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 30/44
Pod erfamos o bter uma referencia disso no q ue a tradic;ao hinduensina so bre 0d hvani,46 por d istinguir a propriedade que tern a
fala de fazer ouvir 0que ela nao diz. Assim e que ela a ilustra
com uma historieta cuja ingenuidade, que parece ser a regranesses exemplos, mostr a ur n humor suficiente para nos induzir a penetrar na verdade que ela conter n.
Uma jovem, dizem-nos, espera seu amado a beira de urn
riacho, quando ve urn bramane dirigir seu passos para la. Vai
ate ele e exclama, com 0 tom da mais amavel acolhida: "Que
d ial 0 cao q ue neste rio 0assustava com seus latidos nao estani
mais por aq ui, pois acaba de ser d evorado por urn Ieao quefreqUenta as redondezas ..."
A ausencia do leao, portanto, pode ter tantos efeitos quantoo saIto que, estando presente, ele efetua uma s6 vez, segundo 0
proverbio apreciado por Freud.
o carater primeiro dos sfmbolos aproxima-os, com efeito, dos
numeros dos quais todos os outros se comp6em, e pOltanto, se
eles sao subjacentes a todos os semantemas da Ifngua, poderemos,
por uma discreta pesquisa de suas interferencias, ao longo de
uma metcifora cu jo deslocamento simb61ico neutralize os sentidossegundos dos ter mos q ue ela associa, restituir a fala seu plenovalor de evocac;ao.
Essa tecnica exigiria, tanto para ser ensinada quanta para ser
aprend ida, uma pr ofund a assimilac;ao dos recursos de uma Ifngua,
e especialmente dos q ue se realizaram concretamente em seus
textos poeticos. Sa bemos que foi esse 0caso de Freud quanta
as letr as alemas, incluind o-se nelas 0teatro de Shakespeare, em
virtude de uma traduc;ao f m par . Tod a a sua obra e testemunho
disso, ao mesmo tem po que d o recurso q ue ele encontr a inces-
santemente ali, nao menos em sua tecnica do q ue e m sua
descoberta. E sem pre jufzo do a poio d e ur n conhecimento classico
dos Antigos, de uma iniciac;ao moder n a no folclore e de uma
participac;ao interessada nas conq uistas d o humanismo contem- poraneo no campo etnogrcifico.
46. Tr ata-se d o ensinamento d e A bhinavagupta, no seculo X. Cf . a o bra do dr .
Kanti Chandra Pand ey, "Indian aesthetics" , C howk amba Sansk r it Ser ies, Studies,voUI, Benares, 1950.
Poder-se-ia pedir ao tecnico da analise que nao considerasse
vas todas as tentativas de acompanha-Io nesse caminho.Mas ha uma correnteza a subir . Podemos avalia-Ia pela atenc;ao
condescendente que se da, como que a uma novidade, ao wording:
a morfologia inglesa fornece aqui urn esteio suficientemente sutil
a uma noc;ao ainda diffcil de definir para que dela fac;amos caso.
o que ela abarca, no entanto, e pouco encorajador, quandourn autor 47 se deslumbra por haver obtido urn sucesso bem
diferente na interpretac;ao de uma unica e mesma resistencia,
atraves do emprego "sem premeditac;ao consciente", sublinha-
nos ele, da expressao need for love [necessidade de amor] emlugar de demand for love [demanda de amor], que ele propusera
antes, sem enxergar mais longe (e ele quem 0esclarece). Se essa
historinha pretende confirmar a referencia da interpretac;ao a ego
psychology que aparece no tftulo do artigo, parece tratar -se,
antes, da ego psychology do analista, na medida em que ela se
confor ma com urn uso tao m6d ico do ingles que ele pode levar
sua pratica aos limites do balbucio.48
Pois need e demand tern para 0sujeito urn sentido diametral-
mente oposto, e afirmar que seu emprego possa ser conf undido por urn instante sequer eq uivale a desconhecer radicalmente a
intimariio da fala.E que, em sua func;ao simbolizadora, ela nao faz nada menos
do q ue transfor mar 0sujeito a q uem se d ir ige, att'aves da Iigac;aoque estabelece com aquele que a emite, ou seja: introd uzir urn
efeito de significante.
Por isso e q ue nos convem voltar mais uma vez a estrutura
da comunicac;ao na linguagem, e desfazer d efinitivamente 0
mal-entend ido da linguagem-signo, fonte, nesse campo, d as
confus6es d o discurso e das imperfeic;6es d a fala.
Se a comunicac;ao da linguagem, com efeito, e conce bida
como urn sinal pelo qual 0
emissor informa 0
r ece ptor d e algumacoisa, por meio de urn cer to c6digo, nao ha nenhuma r azao para
nao conced er mos igual cr ed ito, e mais ainda a qualquer outro
signo, q uand o 0 "alguma coisa" de q ue se tr ata e 0 indivfd uo:
47. Ernst Kris, "Ego psychology and inter pr etation", Ps ychoanaL ytic Quart erL y,
XX, nQI, janeir o d e 1951, p.15-29, cf . 0 tr echo citad o nas p.27-8.
48. Panigraf o r eescrito (1966).
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 31/44
ha ate toda razao para darmos preferencia a qualquer modo de
expressao que se aproxime do signa natural.
Foi assim que se introduziu entre nos a descredito quanta a
tecnica da fala e que somas vistas a procura de um gesto, um
esgar, uma atitude, uma mfmica, um movimento, um fremito,
que hei de dizer?, uma suspensao do movimento habitual, pais
somas refinados e nada mais detera em seus rastros nossa matilha
de perdigueiros.Mostraremos a insuficiencia da ideia da linguagem-signo pela
propria manifestac.:ao que melhor a ilustra no reino animal, e a
qual, se nao houvesse recentemente sido objeto de uma desco-
berta autentica, parece que teria sido preciso inventar para esse
fim.
Todos admitem agora que a abelha, ao vol tar a colmeia depois
de sua coleta de polen, transmite a suas companheiras par dais
tipos de danc.:as a indicac.:ao da existencia de um butim proximo
au distante. A segunda e a mais notavel, pais a plano em que
ela descreve a curva em 8 que fez com que Ihe dessem a nome
de wagging dance, bem como a frequencia dos trajetos que a
abelha executa num dado tempo, apontam exatamente, par um
lado, a direc.:ao, determinada em func.:ao da inclinac.:ao solar (pel a
qual as abclhas podcm se localizar permanentemente, grac.:as a
sua sensibilidade a luz polarizada), e par outro, a distancia de
ate varios quil6metros em que se encontra a butim. E as outras
abelhas respondem a essa mensagem dirigindo-se imediatamente
para a lugar assim apontado.
Uma dezena de anos de paciente observac.:ao bastou a Karl
van Frisch para decodificar essa modalidade de mensagem, pais
se trata real mente de um codigo au sistema de sinalizac.:ao, do
qual somente a carater generico nos impede de qualifica-Io de
convencional.
Mas, sera isso uma linguagem? Podemos dizerque se distingue
desta precisamente pela correlac.:ao fixa entre seus signos e a
realidade que eles expressam. E que, numa linguagem, as signos
adquirem valor par sua relac.:ao uns com as outros, tanto na
divisao lexica dos semantemas quanta no usa posicional au
fIexional dos morfemas, que contrastam com a fixidez da codi-
ficac.:ao aqui exposta. E a diversidade das Ifnguas humanas
adquire a luz disso seu plena valOl;'
Outrossim, se a mensagem da modalidade aqui descrita de-
termina a ac.:aodo socius, jamais e retransmitida par ele. E isso
quer dizer que continua presa a sua func.:ao de retransmissora da
ac.:ao, da qual nenhum sujeito a isola como sfmbolo da comuni-
cac.:ao em Si.49
A forma pela qual se exprime a linguagcm define, par si so,
a subjetividade. Ela diz: "Tu iras par aqui e, quando vires tal e
tal, seguiras par ali." Em outras palavras, refere-se ao discursodo outro. Como tal, ela se envolve na mais alta func.:ao da fala,
na medida em que implica seu autor ao investir seu destinatario
de uma nova realidade: par exemplo, quando par um "Tu es
minha mulher" um sujeito marca-se como sendo 0 homem do
conJungo.
Essa e, com efeito, a forma essencial de onde deriva toda fala
humana, em vez de chegar a ela.
Daf a paradoxo com que urn de nossos ouvintes mais incisivos
julgou poder opor-nos urn comentario, quando comec.:amos a dar
a conhecer nossas opini6es sobre a analise como dialetica, que
ele formulou da seguinte maneira: a linguagem humana consti-
tuiria, entao, uma comunicac.:ao em que a emissor recebe doreceptor sua propria mensagem sob forma invertida, formula esta
que nos bastou apenas retomar da boca do opositor para nela
reconhecer a marca de nosso proprio pensamento, au seja, que
a rala sempre inclui subjetivamente sua resposta, que 0"Tu nao
me procurarias se nao me houvesses encontrado" so faz homo-
logar essa verdade, e que e essa a razao par que, na recusa
paranoica do reconhecimento, e sob a forma de uma verbalizac.:ao
negativa que 0 sentimento inconfessavel vem a surgir na "in-
terpretac.:ao" persecutoria.
D o m es mo m od o, qu an do v oc es s e a pla ud em p or h ave r
encontrado alguem que rala a mesma linguagem que a sua, voces
nao querem dizer que se encontram com ele no discurso de
todos, mas que Ihe estao unidos por uma fala particular.
49. Isso e para usa de quem ainda possa entende-Io, depois de ter ido buscar no
Littre a justifica~ao de uma teoria que faz da fala uma "a~ao ao lado", pela
tradu~ao que ele efetivamente fornece do grego parabo[e (mas, pOI'que nao
"a~ao para ..." ?), sem ter observado ali, ao mesmo tempo, que, se essa palavra
design a 0 que quer dizer, e em razao do uso sermonario que a palavra verbo
reserva, desde 0 seculo X, ao Logos encarnado.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 32/44
Vemo s, p ois , a antinomia imanente as r elar .;6es d a fala com
a linguagem. A medida q ue a linguagem se torna mais f uncional,
ela se torna impr o pr ia para a fala e , ao s e nos tornar d emasia-
damente par ticular , perd e sua f unr .;ao d e linguagem.
Sabemos do uso q ue e feito , n as tr ad ir .;6es primitivas, dos
nomes secr e to s em q ue 0 sujeito identif ica sua pessoa ou seus
deuses, a tal ponto que r evela-Ios e se perder ou tr af -Ios, e as
conf idencia s de no ss os su jeitos, senao nossas pr opr ias Iembran-r .;as,ensinam-nos que nao e raro a cr ianr .;a encontrar espontanea-
mente a virtude desse uso.
Finalmente, c pela intersub jetividade do "nos" q ue ela assume
q ue se med e numa linguagem seu valor d e fala.
POl' uma antinomia inversa, observa-se q ue, q uanto mais 0
offcio d a linguagem se neutr aliz a, a pr oximando-se d a infor ma-
r .;ao, mais Ihe san imputadas redundfmcias. Essa nor .;a o de r e-
d und ancias par tiu d e pesq uisas tao mais precisas q uanto mais
er am interessad as, havendo rece bido s eu impulso d e um pr oblema
de economia refer ente as comunicar .;6es a longa d istancia e, em
especial, a poss i bilid a de d e f az er diver sas conver sas viajar em
pOl' um uni co f io telefOni co; af pod emos constatar que uma parte
im portante do meio fonetico e su perf Jua par a q ue se r ealize a
comunicar .;a o e fetivamente buscada.
Isso nos e altamente instrutivo,50 pois 0 q ue e r ed und ancia
para a infor mar .;ao e pr ecisamente aquilo que, na fala, faz as
vezes d e ressonancia.
50. A cad a l inguagem sua forma de tr ansmissao, e, estando a legitimidade dessas
pesq uisas f undamentad a em seu sucesso, nao e pr oi bido fazer d elas um uso
mor alizante. Consider emo s, p Ol' exemplo, a f r ase que af ixamo s c omo epfgrafe
em nosso prefacio. Seu estilo , p Ol' ser lolhido pOl' r ed undancias, talvez Ihes
pare~a insfpido. Mas, basta que voces 0 aliviem d elas par a que sua ousad ia se
ofer e~a ao entusiasm o q ue mer ece. Ou~am: "Pm/ au pe ousclaspa nannallbryleanaphi ologi psyoscline i xispad anlana - egnia k tt lle n 'rbiol' Iib li jouter t et u / llaine
ellnoucon~·..." Eis enf im destacada a pureza de sua mensagem. 0sentido levanta
a cabe~a, a confissao d o ser d esenha -se ati e nosso espf rito vencedor lega ao
f uturo sua marca imortal. [0 lrecho entr e aspas e uma r e presenta~ao fonetica
(francesa e da pronuncia f rancesa, e claro), ainda q ue nao escr ita em sinais
fonelicos, d o trecho citad o no pr ef acio: "En PARliculier , il ne FAUd ra Pas
OUblier QUE LA SEPAr ation E N EMBR YoLogie, ANAtomie, PHYsiOLOGlE,
PSYchologie, SOCiologie, CLI NIQue n" eXISte PAS DA NS LA NAtur e ET
QU'il N'Y A QU'U NE discipline: la NEURoBIOLogie 11laq uelle l'OBser vation
no us o bLIge d'aJOUTER l'epiTHEME d 'HUMAINE EN ce que NOUS CON-
Pois, nesta, a f un~ao da linguagem nao e informal', mas evocar.
o q ue busco na f ala e a r es posta d o outro. 0q ue me constitui
como sujeito e minha per gunta. P ar a me fazer r econhe ce r pelo
outr o, so prof ir o aq uilo q ue f oi com vis ta s ao q ue ser a. Para
encontr a-Io, chamo-o pOl' um nome que ele deve assumir ou
recusar par a me res ponder.
Eu me identifico na linguagem, mas somente ao me perder nela como objeto. 0que se r ealiza em minha historia nao e 0
passado sim ples daquilo q ue foi, uma vez que ele ja nao e, nem
tam pouco 0 per feito com posto d o q ue tem sid o naq uilo que sou,
mas 0 f uturo anterior d o q ue ter ei sido par a aquilo em que me
estou transfor mando.
Se agor a eu me colocar diante do outr o par a interr oga-Io,
nenhum a parelho ci bernetico, pOl' mais rico que voces possam
imagina-Io, pod er a fazer r ear .;ao d o q ue e r es posta. Sua d ef ini~ao
como segundo tenno d o cir cuito estfmulo-r es posta e a penas uma
metafora que se sustenta pela subjetividad e im putad a ao animal,
para em seguida elidi-Ia no esq uema f fsico em q ue ela a r eduz.
F oi a isso que chamamo s pO l' 0 coelho na cartola par a depoisfaze-Io sail' d esta. Mas, uma r ear .;ao nao e uma resposta.
Quand o a per to um botao eletric o e a luz se faz, so ha r esposta
para meu d esejo. Se, para o bter 0mesmo r esultado, eu tiver que
experimental' todo um sistema d e conector es cu ja posir .;ao nao
conher .;o, so haver a pr o blema par a minha expectativa, e ele nao
existira mais quand o eu tiver obtid o do sistema um conhecimento
suf iciente para mane ja-Io com seguran~a.
Mas, quando chama aq uele com q uem falo pelo nome, seja
este qual for, q ue Ihe d ou, intima a f un~ao su b jetiva que ele
retomara para me r es ponder , mesmo q ue se ja para r e pudia-la.
A par t ir d af, surge a fun~ao d ecisiva de minha pr o pria r esposta,
e q ue nao e a penas, como se diz, a de ser aceita pelo sujeito
como a pr ovar .; ao ou re jei~ao d e seu discurso, mas r ealmente a
de r econhece-Io ou aboli-Io como sujeito. E essa a r esponsabi-
lidade d o analista, tod a vez q ue ele intervem pela fala.
Cerne." Lacan ta m bem se para as "palavras" formadas r espeitand o as sonor idades
da pr onuncia, e n ao a s normas lexicas, ortograf ic as etc., como se o bserva pelas
maiusculas que assinalam de onde ele r etir ou sua" frase" ouvid a. ( N.E.)
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 33/44
Do mesmo mod o, 0 problema d os efeitos ter a peuticos d a
interpr eta~ao inexata, levan ta do pelo sr. Edwar d Gl over 51 num
artigo no~avel, levou-o a conclus6es em que a questao d a exatid ao
passa par a 0segund o plano. Ou seja, tr ata-se d e que nao apenas
toda interven~ao f alad a e r ecebid a pelo su jeito em f un~ao de sua
estrutur a, mas d e que assume nesta uma f un~ao estruturante em
razao d e sua forma, e a importancia d as psicoter a pias nao
analfticas ou d as mais comuns " pr escri~6es" medicas consiste, precisamente, em elas ser em inter ven~6es que pod emos qualificar
de sislemas o bsessivos d e sugestao, d e sugest6es hister ic as d e [301]
ordem fo bica ou de apoios persecutorios, cad a qual adquirind o
seu car ater d a san~ao que d a ao d esconhecimento, pelo sujeito,
d e sua pr o pria r ealid ad e.
A f ala, com efeito, e um do m d e linguagem, e a linguagem
nao e imater iai. E um corpo sutiI, ma s e c or po. As palavras saD
tirad as de tod as as imagen s c or por ais q ue cativam 0 sujeito;
pod em engr avidar a hister ica, id entif icar -se com 0 o bjeto d o
Penis-neid, r epr escntar a torrente d e ur ina da a m bi~ao ur etral,
ou 0 excr emento r etid o d o gozo avarento.
Mais aind a, as pr opr ias palavr as podem sof r er les6es simbo-
licas, r ealiz ar o s atos imaginarios d os q uais 0 paciente e 0sujeito.Estamos lembrados da Wes pe (ves pa), castrad a d e seu W i nicial
par a se tr ansfor mar no S.P. d as iniciais do Homem d os Lobos,
no momento em que ele r ealiza a puni~ao simbolica d e que foi
o bjeto pOl' parte d e Grucha, a ves pa.52
Lembr amo-nos tambem do S que constitui 0r esfd uo d a formula
hermetica em que se cond ensar am as invoca~6es con jur atorias d o
Homem dos R atos, depois de Fr eud haver extr af do d e seu codigo
o anagr ama d o nome d e sua am ad a, e q ue, conjugad o ao amem
terminal d e seu d ar d e jamento, inund a eternamente 0nome da d ama
com 0 jato simbolico de seu desejo impotente.
Do mesmo modo, um artigo de R o bert FIiess,53 ins pirado nas
obser va~6es inaugur ais d e Abr aham, d emonstr a-nos que 0
dis-cur so em seu con junto po d e tornar-se ob jeto d e uma erotiza~ao
51. Edward Glover , "The ther a peutic eff ect of inexact inter pr etation: A contri-
bution to th e theory of suggestion", Int. 1. Psa., XII, pA.
52. Gue pe, "vespa" , q ue em se ntido figur ado d esigna uma p essoa inescrupulosa.
(N.E.)
53. R obert Fliess, "Silence and ve rbalization. A sup plement to th e th eory of the
'analytic rule''', Int . J. Psa., XXX, p.l.
que segue os d eslocamentos d a er otogenia na imagem c or por al,
momentaneamente d eterminad os pela rela~ao analftica.
o di scur so as sume entao uma f un~ ao f alico-ur etral, er otico-
anal ou sadico-or al. Alias, e notavel que 0 autor a apr eend a
sobr etud o nos silencios que mar cam a inibi<;ao d a satisfa~ao que
com ela exper imenta 0 sujeito.
Assim, a r ala po d e tornar-se o bjeto imaginario ou r eal no
sujeito e, como tal, d egr ad ar so b mais d e um as pect o a fu n~aod a Iinguagem. Coloca-Ia-emos, entao, no par entese da resistencia
que ela manif esta.
Mas, nao sera par a excluf-Ia d a r ela ~a o analftica, pois esta [302]
perd er ia com isso sua propr ia razao d e ser .
A analise so pod e tel' pOl' meta 0 ad vento d e u ma fala
ver dad eir a e a r ealiza~ao, pelo sujeito, d e sua histor ia e m sua
r ela~ao com um f utur o.
A manuten~a o d essa dialetica o p6e-se a qualquer orienta~ao
ob jetivante d a analise, e coIocar essa necessid ad e em r ele vo e
ca pital para discer nir a a berra~ao d as novas tend encias manif es-
tad as na analise.
E pOl' um retorno a Fr eud que aqui iluslr ar emos mais uma
vez nossa f ormula ~ao , e tambem pela o bser va~ao do Homemdos Ratos, ja que come~amos a nos ser vir d ela.
Freud chega ate a l omar cer tas li ber dad es com a exatid ao d os
fatos, quando se tr ata de atingir a verd ade d o sujeito. Num d ad o
momento, ele per ce be 0 pa pel d eterminante desempenhad o pela
pr oposta d e casamento, levada ao sujeito p or sua mae, na origem
d a f as e a tual d e sua neurose. Alias, tiver a um lampe jo disso,
como mostramos em nos so seminar io, em r a za o d e sua ex pe-
r iencia pessoai. Nao o bstante, ele nao hesita em interpretar ao
sujeito 0efeito d ela, como uma pr oibi~ao instaur ad a por seu pai
mor to contra sua liga~ao com a d ama d e seus pensamentos.
Isso nao e a penas materialmente inexato. Tambem 0e psico-
logicamente, pois a a<;ao castr ad or a d o pai, q ue Freud afirma
aqui com uma insistencia que poderfamos crer sistematica, so
desem penhou nesse caso um papel secund ar io. Mas, a a per ce p~ao
d a r ela~ao dialetica e tao cor r eta que a inter preta~ao de Freud,
introduzida nesse momento, d esencadeia a su pr essao decisiva
dos sf m bolos mor tf fer os que ligam nar cisicamente 0 sujeito, ao
mesmo tempo, ao pai m or to e a d ama id ealizad a, a poiand o-se
as imagens d e am bos numa equivalencia caraclerf stica d o o b-
scssivo, uma na agressivid ad e f antasf stica que a perpetua, outr a
no culto mortif icante que a transf or ma em f d olo.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 34/44
Do mesmo modo, e r econhe ce nd o a su bjetiva~ao for~ada da
dfvida54 obsessiva a cuja pressao seupaciente se exp6e ate 0
dellrio, no roteiro - tao perfeito ao e xpr imir seus term os
imagimirios que 0 su jeito tenta ate mesmo realiza-lo - do [303]
pagamento vao, que Freud chega a seu objetivo: qual seja, faze-Io
descobrir , na historia da indelicadeza do pai, do casamento deste
com sua mae, da m o~a "pobre, m as bonita", de seus amores
feridos, da memoria ingrata ao amigo saudavel, com a conste-
la~ao fatfdica que presidiu seu proprio nascimento, a hiancia
impreenchfvel da dfvida simbolica, da qual sua neurose constitui
o pr otesto.
Na o h a a qu i n enhum vestfgio de urn recurso ao espectro
ignobil de nao sei que" m edo" original, nem tam pouco a urn
masoq uism o, m esmo que facil de mobilizar, e menos ainda acontra-imposi~ao obsessiva q ue alguns propagam sob 0 nome
de analise das defesas. As proprias resistencias, como mostrei
alhures, sao utilizadas pelo maior tempo possfvel no senti do do
progresso do discurso. E, quando e preciso p6r -lhes urn termo,
e cedend o a el as q ue 0 conseguimos.
Pois·e a ssi m q ue 0 Homem dos Ratos vem a introduzir em
S!:lilcSlJb jetividade sua verdadeira media~ao, sob a forma trans-
ferelYcial da filha imagimiria que ele da a Freud para receber
deste a alian~a, e que, num sonho-chave, desvela-Ihe sua verda-
deira face: a da morte, q ue 0 olha com seus olhos de betume.
Do me smo mod o, se e c om e sse pa cto sim bolico que se
desfazem rio sujeito os artiffcios de sua servidao, nao Ihe tera
faltado ai'ealidade para consumar essas nupcias, e a nota, a guisa
de epitafio, q ue Freud ded ic a e m 1923 a esse rapaz - q ue no
risco d a guerra encontrou "0fim d e tantos m o~os de valor em
q uem se podiam deposit ar tantas esperan~as" -, ao concluir 0
caSQ com 0 rigor do d estino, eleva-o a beleza da tragedia.
Para saber como responder ao sujeito na analise, 0 metoda
consiste em reconhecer primeir o 0 lugar em q ue esta seu ego,
esse ego que 0 proprio Freud d ef iniu com o urn ego formado por
urn nucleo verbal; em outr as palavras, em saber atraves de q uem
e a quem 0 sujeito formula sua pergunta. Enquanto nao 0
soubermos, correremos 0r isco d o contr a-senso q uanto ao dese jo
que deve ser reconhecido ali e quanta ao objeto a que se dirige
esse desejo.
A histerica seduz esse objeto numa intriga requintada, e seu
ego esta no terceiro pOl' cujo intermedio 0 sujeito goza com 0
objeto em que sua questao se encarna. 0 obsessivo arrasta par a a
jaula de seu narcisismo os o bjetos em que sua questao se propaga [304]
no alibi multiplicado de imagens mortais e, domando-Ihes as
acrobacias, dirige sua ambfgua homenagem ao camarote em queele mesmo se instala, 0do mestre/senhor que nao se pode ver .
Trahit sua quemque volupfas;55 urn se identifica com 0espe-
taculo, e 0outro da aver .
Quanto ao pr imeiro sujeito, para quem 0 termo acting out
assume seu sentido literal, voces tern que faze-Io reconhecer
onde se situa sua a~ao, uma vez que ele atua fora de si mesmo.
Quanto ao outro, voces tern que se fazer reconhecer no espec-
tador, invisfvel do palco, a quem 0 une a media~ao da morte.
E sempre, pOltanto, na rela~ao do eu do sujeito com 0 [eu]
de seu discurso que voces precisam compreender 0sentido do
discurso, para desalienar 0 sujeito.
Mas, voces nao conseguirao chegar a isso, caso se ativerem a
ideia de q ue 0eu do sujeito e identico a presen~a que Ihes fala.Esse erro e estimulado pela terminologia da topica, demasiado
tentadora para 0 pensamento objetivante, permitindo-lhe deslizar
do eu , definido como 0 sistema percep~ao-consciencia, isto e,
como 0 sistema das o bjetiva~6es do sujeito, para 0eu concebido
como cor relato de uma realidade absoluta , e as sim encontrar ali,
num singular retorno do recalcad o do pensamento psicologista,
a "f un~ao do real" em que urn Pierre Janet pauta suas concep~6es.
Tal deslizamento so se op erou por nao se reconhecer que, na
obra d e Freud, a topica d o ego, do id e do superego esta su bor dinad a
a metapsicologia, cu jos termos ele promoveu na mesma epoca e
se m a q ual ela perde seu sentido. Assim , alguns s e en ga jar am
numa orto pedia psicolo gi ca q ue nao par a d e da r f r utos.
Michael Balint analisou de maneira absolutamente penetranteos ef eitos intricad o s da t e or ia e da t ecnica na genese d e uma
nova concep~ao d a analise, e nao encontrou nada melhor para
indicar seu resultado d o que a palavra d e or dem q ue retir ou d e
Rickman, d o advento de uma t wo-body psychology.
54. Aqui eq uivalente, par a nos, ao termo ZW Gngsbe fiirchlllng, que convem
d ecompor , sem nad a per d er dos r ecur sos semanticos da lin gua alema.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 35/44
Seria impossfvel dizer melhor , com e fe it o. A amilise tr ans-
forma-se na rela~ao d e dois cm" pos entr e os quais se estabelece
uma comunica~ao f antasf stica, on d e 0 analista ensina 0 sujeito
a se a preen de r c omo o bjeto; a subjetivid ade so e admitid a no
pan~ntese da ilusao, e a fala e exclufd a d e uma investiga~ao da [305]
vivencia que se torna a meta suprema, mas 0 r esultado dialeti-
camente necessario d isso apar ece no fato de q ue , s endo a sub-
jetivid ad e d o psicanalista livre d e q ualq uer fr eio, livr a 0 sujeitoa tod a s a s intima~6es d e sua f ala.
A to pica intra-subjetiva, uma vez entif icada, d e fato se r ealiza
na divisao d o tr a balho entre os sujeitos pr esentes. E 0 uso
detur pad o da f ormula fr eudiana d e que tud o 0 q ue e id deve
tornar-se ego apar ece d e um a f or ma d esmistif icad a; 0 sujeito,
tr ansf ormad o num isso, tem d e s e submeter a um ego em que 0
analist a n ao t er a dificuld ad e d e reconhece r seu aliad o, pois, na
verd ad e, e de seu pr oprio ego que se tr ata.
E esse mesmo 0 pr ocesso que se e x pr ime em muitas f ormu-
la~6es teoricas d o s plitt ing d o ego na analise. Metad e d o ego do
sujeito passa par a 0Dutr o lado d o mur o q ue separ a 0 analisand o
do analista, d e pois metad e d a metad e, e assim sucessivamente,
numa procissao assintotica que, no entanto, na o conseguiraanular , por m ais longe que a le ve a opiniao a qu e houver chegad o
o su jeito pOI' si mesmo, toda mar gem a partir d a qual ele possa
revisar a a berra~ao d a analise.
Mas como 0 sujeito d e uma analise centr ad a no princfpio d e
q ue tod as as suas formula~6es saD sistemas d e def esa pod eria
proteger-se da desorienta~ao total em que esse pr incfpio d eixa
a dialetica d o analista?
A interpr eta~ao d e Fr eud, cujo pr ocedimento d ialetico apar ece
muito bem na observa~ao d e Dor a, nao a presenta esses perigos,
pois, quando os pr econceitos do analista (isto e, sua contratr ans-
f erencia, termo cujo em pr ego con'eto, par a nos satisfazer , nao
pod eria e st ender -se alem d as raz6es dialet ic as d o erro) 0desvir-
tuam em sua interven~ao, e le logo paga 0 pr e~o disso atraves
de uma tr ansf er encia negativa. Pois esta se manif esta com forc;a
tanto maior quanto mais uma d ad a analise tenha comprometid o
o sujeito com um r econhecimento autentico, e ha bitualmente se
segue a ruptura.
Foi justamente 0 q ue aconteceu no cas o d e Dora, em r azao
da insistencia de Fr eud em quer er faze-Ia reconhecer 0 objeto
oculto de seu desejo na pes soa d o Sr . K ., na qual os pr econceitos
constitutivos de sua contratr ansf er encia levar am-no a vel' a
promessa de sua f elicid ade.
Sem duvida,a pr o pria Dor a er a f ingid a nessa r ela~ao, mas
nem po r i sso d eixou de se r essentir vivamente de q ue Freud [306]
tam bem 0 f osse. Quand o ela torna a ve-lo, porem , apos 0 pr azo
d e q uinze meses em que se inscr eveu 0 numer o fatfd ico de seu
"tempo par a com pr eender " , sentimo-la enveredar pelo caminho
de ur n fingimento d e haver f in gi do , e a c onver gencia d essef ingimento em segund o gr au com a int en~ao agr essiva q ue Fr eud
Ihe im puta, decer to nao s em exatid ao, mas sem reconhecer sua
verd ad eir a mola, a pr esenta-nos 0es bo~o d a cumplicid ade inter -
su bjetiva que uma "analise d as resistencias" , c onf iante em seus
dir eitos, poder ia ter per petuad o entre eles. Nao ha duvid a de
que, com os meios que hoje nos saD ofer ecid os pOI' nosso
progresso tecnico, 0 e r r o humano pod er ia ter -se prorr ogado
para-alem d os l imi tes em que se tor n a diabolico.
Nad a disso e d e nossa lavr a, pois 0 proprio Fr eud r econheceu
a poster ior i a fonte pr e jud icial de seu f racasso no d esconheci-
mento em que ele mesmo se achava, na e po ca , a r espeito da
posi~ao homossexual d o o bjet o visado pelo d ese jo da histerica.
Sem d uvid a, tod o 0 pr ocess o q ue l evou a essa tend encia a tual
da psicanalise r emonta, antes d e mais nad a, a conscienci a pesad a
do psicanalista pelo milagre oper a do p or sua fala. Ele interpreta
o sf mbolo e eis que 0 sintoma, que 0 inscr eve c omo letr as de
sofr imento na carne d o sujeito, se a paga. Essa taumaturgia e
chocante par a n ossos costumes. Pois, afinal, somos doutos, e a
magia nao e uma pr <itica d efensavel. Livr amo-nos d ela imputand o
ao paciente um pensamento magico. Dentro em breve, estaremos
pregand o a nossos d oentes 0 Evangelho segundo Levy-Bruhl.
Ate la, eis-nos r etr ansf ormad os em pensad or es, e eis tambem
restabelecid as as justas d istancias que e pr eciso sa ber guar d ar
dos d oentes, e d as quais sem duvida tfnhamos a band on a d o meio
apr essad amente a tr adi~ao, t ao no bremente ex pr essa nestas linhasde Pier re Janet sobr e as pequenas ca pacid ad es d a histerica,
compar ad as a nossos pfncaros: "Ela nada compreende da cien-
cia", conf ia-nos Janet, f aland o d a po brezinha, "e nao imagina
q ue possamo s i nter essar-nos pOI' i sso ... Se pensarmos na falta
d e c ontrole que car acteriza seu pensamento, em vez de nos
escandalizarmos com suas mentir as, que alias saD muito ingenuas,
f icar emos surpr e so s, antes, d e q u e a in da ha ja tantas que SaD
sinceras" etc.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 36/44
Essas linhas, por r e pr esentar em 0sentimento a que voltaram
muito s dos analistas d e ho je que condescend em em fala r " sua
lingua ge m" c om 0doente, podem servir -nos para com pr eender
o q ue se passou nesse meio tem po. Pois , s e Fr eu d tivesse sido
capaz de assina-Ias, como poder ia ter ouvido, da maneira com o
ouviu, a v er da de i nclufd a n as h is to ri et as d e s ua s primeiras
d oentes, ou decifrado ur n d elfrio obscuro como 0
de Schr eber,a ponto de amplia-Io proporcionalm ente ao hom em etemamente
acor r e nt ad o a se us sf mbolos?
sera nossa r azao tao f r agil a pent o de nao se reconhe ce r e m
pe de iguald ade na meditac;ao do discur so e ru di to e na tr oca
primeir a d o ob je to simb6li co , e de n ao encontrar neles a m edida
identica de seu ard il original?
Acaso sera preciso lembrar 0 parametro do "pensamento"
aos praticantes de uma exper iencia que mais aproxima sua
ocu pac; ao d e u rn e rotismo intestino que de urn eq uivalente da
ac;ao?
sera preciso q ue este q ue Ihes fala ateste q ue nao tern, quanto
a ele, necessidade de recorrer ao pensamento para compr eender que , s e Ihes esta faland o da fala neste momento, e na medida
em que temos em com um uma tecnic a da fala q ue os toma a ptos
a ouvi-lo q uando ele Ihes fala disso, e q ue 0 pr ed isp6e a Se
dir igir , atr aves d e voces, aque le s q ue na da ouvem?
Sem d uvid a, temos q ue dar ouvid os ao nao-dito que jaz nos
fur os d o d iscur so, mas isso nao e para ser ouvid o como pancad as
d esf erid as atras do mur o.
Pois - para nao mais nos ocu parmos, como se ga bam alguns,
senao d esses r uid os - deve-se convir q ue nao estamos situad os
nas cond ic;6es mais pr opfcias par a Ihes d ecif rar 0sentido: como,
sem a aud acia d e compr eerid e-Io, t rad uzir aquilo que em s i nao
e linguagem? Assim levados a a pelar par a 0 sujeito, uma vez
que, no f im d as contas, e par a seu ativo que temos de transfer ir
esse compr eend er , colocamo-Io conosco na a posta, que e r eal-
mente que 0com pr eendamos, e esper amos que uma recompensa
nos tome a am bos ganhad ores. Med iante 0 que, pr osseguind o
nesse ritmo d e vaivem, ele mesmo a pr end er a muito simplesmente
a marcar 0 com passo, f orma de sugestao que e tao boa quanto
q ualquer outra, 0que quer dizer que, como em qualquer outr a,
nao se sa be q uem faz a marcac;ao. 0 metod o e re conhecid o como
bastant e se guro q uand o se tr at a d e i r a o f ur o.56
A meio caminho desse extremo, coloca-se a pergunta: continua
a psicanalise a ser uma r elac;ao dialetica em que 0 nao-agir do
analista guia 0 discurso d o su jeito par a a realizac;ao d e sua
verdade, ou ser a q ue se r eduz a uma r elac;ao fantasf stica em que
"dois a bi smo s s e roc;am" sem se tocar, ate 0 esgotamento dagama das regress6es imagimir ias - ate u ma e s pecie d e bundl-
ing57 levado a seus limites supr em os e m mater ia d e prova
psicol6gica?
De fato, a ilusao que nos im pele a buscar a r ealid ad e do
sujeito para-alem d o mur o d a linguagem e a mesma pela q ual
o su jeito cre q ue sua verdade ja e st a d ada em n6s, que a
conhecemos de antemao, e e i gualm ente por isso que ele f ica
boquiaber t o a nt e n os s a intervenc;ao ob jetivante.
Sem duvida ele n ao t ern, por sua vez, que respond er por esse
erro su bjetivo, q ue, d eclar ado ou nao em seu discurso, e im anente
a o f at o d e e le h av er entr ad o em a nalise e concluf do seu pacto
de princfpios. E ser ia ainda men os possf vel negligenciar a su b- jetividade desse momento na medida em que encontramos ne le
a r ado do q ue p odemos chamar de e f eitos c onstituintes da
transferencia, por eles se distinguir em p or urn fnd ice d e realid ad e
dos efeitos constituf dos que o s sucedem.58
Freud , lem bremo s, t ocando nos sentimentos relacionad os com
a transfer encia, insistia na necessidade de distinguir neles urn
f ator de realidade e, segund o concluf a, ser ia abusar da docilid ade
do sujeito q uerer persuadi-Io, na totalid ad e dos casos, d e q ue
56. Dois par agr af os reescritos (1966).
57. Designa-se por esse ter mo 0 costume de urigem cella, e ainda em uso em
cer tas seitas bfblicas d a America, q ue per mite aos noivos, e ate ao hos ped e
passageir o que namore a m o~a d a casa, d ormirem juntos na mesma cama, so b
a cond i~ao de se manterem vestidos. A palavr a extr ai seu sentido do f ato d e a
mo~a ser comumente empacotada em len~ois. (Quincey f ala do assunto. Cf .
tambem 0 livro d e Aur and , 0 lovern, so bre essa pr atica na seita dos amish.)
Assim, 0mito d e Tristao e IsoId a, ou 0complexo q ue ele r e presenta, doravante
a pad rinhar ia 0 psicanalista em sua busc a d a alma pr ometida a esponsais
mistificant es atr aves d o esgotamento d e suas fantasias instintuais.
58. Ai vemos def inid o, pOl·tanto,0q ue d esignamos posteriormente como 0 supor te
da transferencia: nomeadamente, 0 sujeito-su posto-sa ber (1966).
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 37/44
esses sentimentos sao uma simples r e peti<;;ao tr ansferencial da
neur ose. Portant o, como ess es s entimentos r eais se manifestam
como prime iros e 0 encanto pr oprio d e nossas pessoas e um
f ator aleator io, pod e par ec er q ue h:i algum mister io nisso.
Mas esse misterio se escla re ce a o s er consid er ado na f eno-
menologia d o sujeito, na med id a em q ue 0 sujeito se constitui (309l
na busca d a verd ad e. Basta r ecorr er aos d ad os tr adicionais que
os budistas nos fornecerao, se e que eles nao sao os unicos, par a
r econhecer nessa f orma d a tr ansfer encia 0er ro proprio da exis-
tencia, e sob tr es categor ias que eles assim enumer am: 0 am or,
o odio e a ignor iincia. Portanto, e como contr a-ef eito do movi-
mento analftico que entend er emos sua eq uivalencia no que se
chama uma transfer encia originalmente positiva - cada qual
encontrando meios de s e esclar ecer pelos outr os d ois q uanto a
esse aspecto existencial, se nao excetuar mos 0 ter ceir o, geral-
mente omitido por sua pr oximidad e do sujeito.
Evocamos aqui a invectiva pela q ual alguem nos tom ou por
testemunhas da incontinencia de q ue dava mostr as um certo
tr abalho Ua demasiad amente citad o por nos) em sua o bjetiva<;;ao
insensata do f uncionamento d os in st intos na analise, alguem cu ja
dfvid a para c onosco reconheceremos pelo usa exato que ali fez
d o ter mo real. Era nestas palavr a s, c om efeito, que ele "liberava" ,
como d izem, "seu cor a<;;ao": "Ja e mais d o q ue hor a de aca bar
com e ssa vigarice q ue tend e a levar a cr er que suced e no
tr atame nt o s ej a 0 q ue for de r eal." Deixemos d e lade 0 que
r esultou daf, pois, infelizmente, se a analise na o c urou 0 vfcio
or al d o cao d e q ue f alam as Escritur as , seu estad o e p ior d o que
antes: e 0 vomito d os outr os q ue ele engole.
Pois e ssa tirad a nao estava mal orientad a, efetivamente bus-
cand o a d istin<;;ao, nunca antes produzid a na analise, entr e os
r egistros elementar es cujo f und amento d esd e entao estabelece-
mos nestes termos: simbolico, imaginario e r eal.A r ealidad e na ex periencia analftica, com efeito, fica fr eqiien-
temen te velad a so b formas negativas, mas nao e demasiado
trabalhoso situa-la.
Ela s e encont ra , p or exemplo, no que ha bitual mente repr ova-
mos c omo inter ven<;;6es a tivas; ma s s eria um err o def inir seu
limite por isso.
Pois esta clar o, por outro lad o, que a a bstinencia do analista,
sua r ecusa a r espon de r, e um elemento d a r ealid ad e n a an alise.
Mais e xatamente, e nessa negativid ad e, na med ida em q ue e la
e pur a , i sto e, desvinculad a d e qualquer motive par ticular, que
r esid e a jun<;;ao entr e 0simbolico e 0real. 0q ue se com preende
pelo fato d e esse nao-agir f undamentar -se em nos so sa ber af ir - (310l
made d o princfpio d e q ue tudo 0que e real e r acional, e pe lo
motive daf decor r ente d e q ue e ao su jeito q ue ca be d escobrir
sua dimensao.
De resto , e ss a a bstinencia nao e indefinidamente sustentada;
d epois q ue a q uestao d o sujeito assum e a for m a de f ala ver d ad eira,
nos a sancionamos com nossa r esposta, embo ra t ambem tenha-
mos mostrad o q ue uma fala verdad eira ja contem sua res posta,
e que a pena s r epr oduzimos com nosso lai seu r efrao. Que q uer
d izer isso, senao que nad a f azemos a nao ser d ar a fala d o su jeito
sua pontua<;;ao d ialetica?
Ve-se, pOItanto, 0 ou tr o momento em q ue 0 simbolico e 0
real se conjugam, e ja ° havf amos apontad o teoricamente: na
f un<;;ao d o tempo, 0 que mer ece q ue nos d etenhamos por um
momenta nos ef eitos tecnicos do tem po.
o t em po desempenha seu pa pel na tecnica em d iver sas inci-
dencias.Ele se a pr esenta inicialmente na dur a<;;ao d a analise t ot al , e
implica 0 senti do a ser d ad o ao termino d a analise, que e a
q uest ao p r evia ad os signos d e seu f im. Tocaremos no pr o blema
da f ixa<;;ao d e seu ter mino. Mas e sta clar o desde j a q ue essa
dur a<;;ao so pod e ser antecipad a par a 0 sujeit o c omo indefinida.
Isso, por duas raz6es, que so pod emos d istinguir na p erspectiva
d ialetica:
- uma que pr ovem dos limites d e nosso campo e conf ir ma
nossa coloca<;;ao sobr e a def ini<;;ao d e seus conf ins: n ao p od emos
preyer no sujeito qual sera seu t empo para compr eender , na medida
em que ele inclui um fator psicologico que nos escapa como tal;
- outra que e pr opriamente d o sujeito, e pela qual a fixa<;;ao deum ter mino equivale a uma pr o je<;;ao es pacializante, onde ele se
encontr a d esd e logo alienado de si mesmo: j a que 0 prazo d e
sua ver d ad e pode ser previsto, advenha 0 que advier na inter -
su b jetivid ad e inter valar, e que a verd ad e ja esta dada, ou se ja,
resta belecemos no su jeito sua miragem original, na medid a em
q ue ele d e posita em nos sua verd ad e e em que, ao sancionar
isso com nossa autoridade, instalamos sua analise numa aber ra-
<;;ao,que sera impossf ve l d e c or rigir em seus resultados.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 38/44
Foi justamente isso que aconteceu no cele br e caso d o Homem
dos Lobos, cuja importancia exemplar foi ta ~ bem com pr eendida
pOl' Fr eu d q ue e le tornou a se apoiar nela em seu artig o s obre
a analise finita ou infinita.59
A f ixarrao antecipada de um prazo, primeir a f or ma de inter -
venr r ao ativa, inaugur ad a (proh pudor !60) pelo pro pr io Fr eud ,
seja qual f or a ce rteza divinatoria (no sentido proprio d o term061)
de que possa dar mostr as 0 a n al is ta ao seguir seu exemplo,
sempr e d eixa 0 sujeito na alienavao de sua verdad e.
Alia s, encontramos a confirmavao disso e m d ois fatos d o caso
d e Fr eud :
Pr imeir o, 0 Homem d os L obos - malgr ad o tod o 0 feixe de
pr ovas que demonstr am a historicid ade d a cena pr imar ia, mal-
gr ad o a convicvao que ele manif esta a respeito d ela, imper -
turbavel ante as dubitavoes metodicas cuja prova Fr eud Ihe impoe
- jamais consegue, entretanto, integr ar-lhe a r ememo ra va o em
sua histor ia.
Segund o, 0 Homem d os L obos d emonstra ulterior mente sua
alienavao d a maneira mais categor ica, so b uma f orma paranoid e.
E verd ad e que af se imiscui um outr o f ator pelo qual a realid ad einterf er e na analise, a sa ber, 0 dom pecuniario d e cujo valor
simbolico nos r eser vamos tratar em outro lugar, mas cuja im-
pOitancia ja se indica no que evocam os d o vfnculo d a f ala com
o d om constitutivo da troca primaria. Ora, aqui, 0 dom pecuniario
e invertido pOl' uma iniciativa de Freud em q ue pod emos r eco-
nhecer, tanto quanto em sua insistencia em vol tar ao caso, a
subjetivar rao, nao resolvida nele, dos pr oblemas que 0 caso deixa
59. Pois e e ssa a tradu~ao carreta dos dois termos que foram traduzidos, com a
infalibid ade no contr a-senso q ue ja assinalamos, por "analise terminavel e analise
interminavel" .60. "0 pudor!". (N.E.)
61. Cf. Au lo Galio, Noit es aticas, II, 4: "N um processo, q uando se tr ata d e q uem
sera encarregado da acusa~ao, e q uan do d ua s a u varia s pessoas solicitam
inscrever-se para esse mister, 0 julgamento pelo qual 0tribunal nomeia 0acusador
chama-se ad ivinha~ao ( ...). Essa palavr a pr ovem de q ue, sendo 0 acusador e 0
acusado duas coisas correlatas, e q ue nao podem su bsistir uma sem a o utra, e
apr esentando 0tipo d e julgamento de q ue se tr ata aq ui ur n a cusado sem a cusador ,
ha q ue r ecor rer a adivinha~ao para d esco brir 0 q ue a causa nao ind ica, 0 que
ela continua a deixar desconhecido, ou se ja, < 5 acusador ."
em suspenso. E ninguem duvid a d e que esse tenha sido um fator
desencad eador d a psicose , alias sem sa ber dizer muito bem pOl' (312)
que.
Nao sera compreensfvel, no entanto, q ue ad mi tir qu e urn
sujeito seja mantid o a custa do pr itaneu da psicanalise (er a d e
uma coleta d o gr u po q ue ele r ece bia sua p ensao), a tftulo d o
servirro por ele prestad o a ciencia como caso, e tambem instituf -Io
decisivamente na alienar rao de sua ver d ade?o material d o suplemento d e analise em q ue 0 d oe nte foi
confiado a Ruth Mack Brunsw ic k i lustr a a r es ponsabilidade do
tratamento anterior , d emonstr and o nossas afirmarroes sobre os
respectivos lugar es d a f ala e d a linguagem na mediarrao psica-
nalftica.
Mais aind a, e na per spectiva d eles que podemos apreender
como Ruth Mack Brunswick , em suma, n aa s e b alizou nada mal
em sua posivao delicad a com respeito a transferencia. (Havemos
de estar lembr ad os d o p r o pr io mur o de nossa metafora, na medid a
em que ele figura num dos sonhos, com os lobos do sonho-chave
mostrando-se avidos d e contorna-lo ... ) Nosso sem inario sa be
tudo isso, e os outr os poderao af se exercer n el e.62
Quer emos, com efeito, tocar num outro aspecto, particular -
mente palpitante na atualidad e, d a funr r ao d o tempo na tecnica.
Queremos f alar d a du r avao d a sessao.
Aqui, trata-se aind a d e um elemento que pertence manifesta-
mente a r ealid ad e, ja que r e pr esenta nosso tem po de trabalho,
e, pOl' esse angulo, enquadra-se numa r egulamentarrao profissio-
nal que pod e ser consider ad a vigente.
Suas incid encias subjetivas, pOl'em, nao sao menos importan-
tes. Antes d e mais nad a , p ar a 0 analista. 0carateI' tabu com que
ele tem sido a pr esentad o em d e bates r ecentes e prova suficiente
de que a sub jetividad e do grupo esta muito pouco liberada a seu
r es peito, e 0 car ateI' escrupuloso, par a nao dizer obsessivo, que
assume par a alguns, senao par a a maioria, a observarrao de um
padrao cujas variavoes histor icas e geogr af ica s n ao p ar ec em
inquietar ninguem, alias, e r ealmente 0 sinal d a existencia de
um problema que se esta t ao menos dis posto a abordar quanto
mais se sente q ue e le levaria muito longe no questionamento d a
funvao d o analista.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 39/44
Para 0 sujeito em analise, pOl' outro lado, nao se pode desco-
nhecer sua impor tancia. 0 inconsciente, profere-se num tom tao
mais entendid o quan to m en os se e ca paz d e justificar 0que se
quer dizer , 0 inconsciente demand a tempo par a s e r evelar .
Estamos d e pleno acord o. Mas, perguntamos: qual e sua med ida?
Sera a d o universo da pr ecisao, para em pr egar a expressao d o
sr . Alexand re Koyr e? S em duvid a, vivemos nesse universo, m as
seu ad vento par a 0 homem e d e d ata recente, ja q ue remontaexatamente ao rel6gio d e Huyghens, ou seja, ao ana de 1659, e
o mal-estar do homem mod erno na o indica pr ecisamente que tal
pr ecisao se ja par a ele ur n fator de Iiber a<;:ao. Ess e t emp o d a
qued a dos grav es , s er a e le sagrado como cor res pond ente ao
tempo d os astr os tal como instaura do no eterno por Deus, que,
como nos disse Lichtenberg, r eor d ena nossos q uadrantes solar es?
Quem sa be tenhamos id eia melhor disso ao comparar 0 tempo
d a cria<;:ao d e ur n o bjeto simb6lico com 0momenta de desaten<;:ao
em que 0d eixamos cair?
Como quer que se ja, se 0 trabalho d e nossa f un<;:ao durante
esse tempo continua pr o blemati co, cr emos ter posto em evidencia
suf icientemente a f un<;:ao do trabalho no que 0 paciente nelerealiza.
Mas a realidade desse tempo, seja ela qual for, assume a par tir
d af u rn valor local, 0 d e u rn r ec eb im en to d o p r oduto desse
tra balho.
Desempenhamos urn papel de registr o, ao assumir a fun<;:ao,
fundamental em toda troca simb6lica, de recolher aquilo a que
do kamo, 0homem em sua autenticidade, evoca a fala que dura.
Testemunha que responde pela sincer idade do sujeito, depo-
sitario do processo-ver bal de seu discurso, referencia de sua
exatid ao , gar ante de sua integridade, guardiao de seu testamento,
tabeliao d e seus codicilos, 0 analista participa do escriba.
Mas continua mestre e senhor da verdade da qual esse discurso
e 0 progresso. E ele, antes de m ais nada, que pontua, com o
dissemos, sua dialetica. E nisso, ele e apreendido como juiz do
merito desse discurso. 0 que comporta duas conseq iiencias.
A suspensao da sessao nao pode deixar de ser exper imentada
pelo sujeito como uma pontua<;:ao em seu progresso. Sabemos
como dela calcula 0 vencimento para articula-I a a se us pr 6prios
prazos ou mesmo a suas escapat6rias, como a anteci pa, sope-
sando-a a maneira de uma arma, espreitando-a como um abr igo.
E sse e urn fato bem constatado na pratica dos textos das
escrituras sim b6licas, quer se trate da Bfblia ou dos textos
canonicos chineses: neles , a au sencia de pontua<;:ao e uma fonte
de ambigiiidad e, a pontua<;:ao colocada fixa 0 senti do, sua mu-
d an<;:a0 tr ansforma ou 0 transtorna e, en'ada, equivale a altera-Io.
A ind if er en<;:a com q ue 0 cor te do timing interrompe os
mome nt os d e pr essa no sujeito pode ser f ata l p a ra a conclusao
rumo a qual se preci pitava seu d iscurso, ou mes mo c r istalizar nela um mal-entendido, senao servir de pr et ex to par a urn ardil
distar sivo.
Os d e butantes par ec em mais atingidos pelos efeitos dessa
incid encia, 0q ue dos outros faz pensar que suportam sua r otina.
Decerto, a neutralida de qu e manif estamos ao a plicar estr ita-
mente essa r eg ra ma nt em a v ia d e nosso nao-agir .
Mas, esse nao-ag ir t er n limites, ou entao nao haveria interven-
<;:ao:e por que torna-la impossfvel nesse ponto, assim pr ivilegiad o?
o per ig o d e que esse ponto assum a ur n valor obsessivo no
analista esta, simplesmente, em que ele se presta a conivencia
do su jeito: nao a penas acessfvel ao obsessivo, m as nele assu-
mind o um vigor especial, justam ente par seu senti m en to do
tr abalho. Sabemos d o toque de trabalho for<;:ad o q ue , nesse
su jeito, envolve ate seu lazer .
Esse sentido e sustentado por sua rela<;:ao subjetiva com 0
mestre/senhor, na medida em que e a morte deste que ele espera.
o obsessivo manifesta, com ef eito, uma das atitudes que Hegel
nao desenvolveu em sua dialetica do senhor e do escravo. 0
escravo esquivou-se a nte 0 risco da morte, on de a oportunidade
d e domina<;:ao Ihe foi oferecida num a luta de puro prestfgio.
Mas, como sabe ser mortal, ele tambem sabe que 0mestre/senhor
pode morrer . Por conseguinte, pode concordar em trabalhar para
o mestre/senhor e em renunciar ao gozo nesse m eio tem po: e,
na incerteza do m om ento em que chegara a mor te do mestrel
senhor , ele aguarda.Tal e a r azao intersubjetiva tanto da duvida quanto da pro-
crastina<;:ao que sao tra<;:os de carater no obsessivo.
Entretanto, todo 0 seu trabalho se efetua sob a egide dessa
inten<;:ao e se torn a, pOl' essa egide, duplamente alienante. E que
nao somente a obra do sujeito Ihe e f urtada par urn outro, 0que
e a rela<;:ao constitutiva de todo trabalho, como 0reconhecimento,
pclo sujeito, de s ua p r 6pria essenc ia e m s u a o br a, o nd e e sse
tr a balho encontra sua razao, escapa-Ihe igualmente, pois el e
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 40/44
pr6prio "nao esta ali" 63, esta no momento antecipado da morte
d o mestr e/senhor, a partir da qual viveni, m as a espera da qual
se identifica com ele com o m orto, m ed iante 0 que ele mesmo
ja esta morto. Nao obstante, ele se esfon;a por enganar 0 mestr e/senhor [315]
atr aves d a demonstrac;:ao das boas intenc;:6es manif estadas em
seu trabalho. E isso que os bons filhos do catecismo analftico
exprimem em sua linguagem rude, ao dizerem que 0 ego do
su jeito procur a seduzi r s eu super -ego.
Essa formulac;:ao intra-su bjetiva desmistifica-se de imediato
ao se compreende-I a n a r el ac;:ao analftica, onde 0working through
d o sujeito e efetivamente utilizado para a seduc;:ao do analista.
Tampouco e por acaso que, tao logo 0 progresso dialet ic o s e
a proxima do questionamento das intenc;6es do ego em nossos
sujeitos, a f antasia da m orte do analista, muitas vezes sentida
sob a forma d e um tem or, ou mesmo de uma angustia, n un ca
d eixa de se produzir .E 0 sujeito trata de partir novamen te n uma elaborac;:ao ainda
mais demonstr ativa d e sua "boa vontade".
Como duvidar, por conseguinte, do e feito de um certo d esdem
assinalado pelo mestr e/senhor quanto ao produto desse tr a balho?
A resistencia do sujeito pode ver -se a bsolutamente desconcertada
por isso.A partir desse m om ento, seu alibi ate entao inconsciente
comec;a a se desvelar para ele, e 0 vemos procurar apaixonada-
ment e a ra za o d e tantos esforc;os. Nao dirfamos tanto, se nao estivessemos convencidos de que,
ao experimentar num m om ento de nossa experiencia, chegado
a sua conclusao, aq uilo que foi chamado d e nossas sess6es curtas,
pud emos fazer vir a luz num dado sujeito m asculino f antasias
de gr avidez anal, c om 0 sonho de sua resoluc;ao por cesariana,
num prazo em q ue, de outro modo, ainda estarfamos escutando
suas especulac;:6es sobre a arte de Dostoievski.
Alias, nao estamos aqui par a defender esse metod o, mas para
mostrar que ele t em u m sentido dialetico preciso em sua a plica-
c;:aotecnica.64
6 3. [ll] "n 'y est pas" : expr essao q ue tambem tem 0 sentido "nao compreende" ,
"niio entend e (nada)". (N.E.)
64. Ped r a sem valor ou pedra angular, nosso forte e niio ter ced id o q uant o a esse
ponto (1966).
E nao somos 0 uni co a t er feito a observac;ao de q ue e le s e
aproxima, em ultima instancia, d a t ec nica designada pelo nome
de zen , e que e a plicad a como meio de revelac;:ao do sujeito na
ascese tradicional de certas escolas do Extremo Oriente.
Sem chegar aos extremos a que e levada essa tecnica, uma [316]
vez que eles seriam contrarios a algumas das limitac;:6es que a
nossa se imp6e, uma aplicac;ao discr et a d e s eu p ri nc fp io n a
analise parece-nos muito mais admissfvel do que certas mod a-
lidades ditas analise das resistencias, na medida em que ela nao
comporta em si nenhum perigo de alienac;:ao do sujeito.
Pois ela s6 rompe 0discurso para par ir a f ala.
Eis-nos, pois, acuados contra 0 muro, contr a 0 muro da.
linguagem. Estam os em nosso lugar, isto e, do mesmo lado que
o paciente, e e nesse muro, q ue e 0mesmo para ele e par a n6s,
que tentaremos respon de r a o ec o d e sua f ala.
Par a-alem d esse muro, nao h a na da q ue n ao se ja, para n6s,
trevas exterior es. Querera isso dizer que somos inteiramente
senhores da situac;:ao? Certam ente nao e, quanto a isso, Fr eud
nos legou seu testamento so bre a reac;ao ter apeutica negativa.
A chave d esse misterio, dizem, est a n a i ns tancia d e ummasoquismo pr imar io, ou se ja, n uma ma nifestac;:ao em e stad o
puro daquele inst in to d e morte cujo enigma Freud nos propos
no apogeu de sua experiencia.
Nao podemos fiar-nos nisso, assim como nao poder emos adiar
aqui seu exame.
Pois o bservaremos q ue se c onjugam, num a m esma recusa
desse arremate da doutrina, aqueles q ue conduzem a analise e m
tomo de uma concepc;:ao do ego cujo erro denuncia mo s, e a q ueles
que, como Reich, vao tao longe no princfpio de buscar para-alem
da f ala a inefavel expressao organica, que a fim de, como ele,
livra-Ia de sua arm ad ur a, poder iam simbolizar, na su per posic;ao
das duas for mas vermicular es cu jo espantoso esquema pod emos
ver em seu livro sobre a analise do carater, a induc;ao orgastica
que, tambem como Reich, eles esperam da analise.
Con junc ;a o q ue se m d uvida nos permit ira augurios favor3veis
q ua nt o a o r igor das formac;6es d o es pfrito, quand o tivermos
mostr ado a prof unda relac;ao q ue une a noc;ao de instinto d e
morte aos problemas d a fala.
A noc;ao d e instinto d e mor te, por m enos q ue a c onsid eremos,
prop6e-se como ironica, devend o se u s en tid o ser buscado na
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 41/44
conjunc;:ao de dois ter mos contnirios: 0 instinto, com ef eito, em
sua acepc;:ao mais a br angente, e a lei que r egula em sua sucessao [3171
um cicio com por tament al p ara a r ea lizac;:ao de uma f unc;:ao vital,
e a mor t e a par ece d esde logo como a d estr uic;:ao da vida.
No en tanto, a de f inic;:ao q ue Bichat, no des pontar d a biologia,
forneceu da vida, como con junto d as forc;:asque resistem a mor te,
bem como a mais moder n a concepc;:ao que encontramos em um
Cannon na noc;:ao d e homeostase, como f unc;:ao de um sistema
mantenedor d e seu propr io equilfbr io, e sta o af para nos lem br ar
que vida e mor te se comp6em numa r elac;:ao polar , no pro prio
seio de fenomenos relaciona do s c om a vi da.
Por conseguinte, a congr uencia dos termos contrasta nt es d o
instinto de m or te com os fen6m enos de repetic;:ao com q ue a
explicac;:ao de Freud os relaciona, efetivamente , sob a q ualif ica-
c;:ao d e automatismo, nao dever ia causar dif iculdad es, ca so s e
tr atasse de uma noc;:ao biologica.
Todos sentem muito be m q ue na o e n a da d isso, e af esta 0
q ue faz muitos de nos tropec;:ar em seu pro blema. 0 fato d e
muitos se deterem ante a a par ente incompati bilidad e d esses
ter mos pode ate reter nossa atenc;:ao, por manifestar uma inocencia
d ialetica q ue sem d uvid a desconcertaria 0 pr oblema classica-
mente formulado a semantica no enunciado deter minativo: uma
aldeola no Ganges, com a qual a estetica hindu ilustra a segund a
forma d as r essonancias d a linguagem.65
Convem de fato a bord ar essa noc;:ao por suas ressonancias no
que chamaremos a poetica da o bra f r eud iana, pr imeira via d e
acesso par a penetr ar em seu sentid o e dimensao essencial par a
compr eend er sua re per cussao dialetica, d esd e a s o r igens d a o br a
ate 0a pogeu que ela marca nesta. Convem lembr ar, por exemplo,
que Freud nos atesta haver d esco ber to sua vocac;:ao medica no
apelo ouvido numa leitur a pu blica do f amoso H ino a nat ureza
d e Goethe, ou s eja, nesse texto, encontrado por um amigo, em
que 0 poeta , n o de clfnio d e sua vida, concor dou em r econhecer
um filho putativo d as mais jovens ef us6es d e sua pena.
No extrema o posto d a vid a d e Freud , encontr amos no artigo
so bre a analise f inita e in f inita a ref erencia expressa de sua nova [318J
l'O!lCc pc;:aoao conf lito d os d ois princfpios a que Em ped ocles d e
Agrigento, no seculo V antes de Cristo, ou se ja, na indistinc;:ao
pr ~-socr alica d a natur e za e do e s pfrit o, subm eteu as alternancias
da vid a universal.
Esses dois fatos sao-nos uma ind icac;:ao suficiente d e q ue se
Ir ala, ali, de um mito da d f ade, cu ja promoc;:ao em Pla ta o e
'vocad a, alias, em Para-at em do principio do prazer, mito q ue
s(i po d e ser compr eend ido na su bjetivid ade do homem moderno
ao se 0elevar a negatividad e do juf zo em q ue ele se inscr eve.
Ou s ej a, a ssim c omo 0 automatismo de re petic;:ao, q ue e
i 'ualmente d esconhecido qua ndo se q uer dividir seus termos,
nf io visa outr a c oi sa s en ao a t emporalid ade histor icizante d a
'x periencia d a transf erencia, 0instinto d e morte expr ime e ssen-
cialmente 0 limite da f unc;:ao hi storica do su jeito. Esse lim ite e
a morte, nao como ter mino eventual d a vid a d o ind ivf duo, nem
'omo certeza em pf r ica do sujeito, mas, segun do a formula q ue
dele fornec e H eidegger, como" possibilidad e a bsolutamente pro-
pria, incondicional, insuper avel, certeira e, como tal, ind eter mi-
nada do sujeito", q uer dizer , do su jeito d efinido por s ua histo-
r icidade.
Com efeito, esse limite esta pr esente a cad a instante no que
cssa histor ia tem de acabad o. Ele r epr esenta 0 passado so b sua
f orma real, isto e, nao 0 passad o f isico, cuja existencia e ab olid a,
ncm 0 p assado epico, tal como se aperfeic;:oou na obr a da
memoria, nem 0 passad o histor ico em que 0homem encontr a 0
gar ante de seu f utur o, mas 0 passad o que se manif esta r ever tid o
na re petic;:ao.66
E esse 0 morto d o q ual a subjetivid ad e faz seu par ceir o na
lrfade que sua mediac;:ao institui no con tlito univer sal entr e Philia ,
o amor , e Neik os, a discordia.
Nao ha mais necessid ad e, portanto, d e recorrer a noc;:ao
ultr a passada de masoquismo primar io par a compr eend er a r azao
dos jogos r e petitivos em que a subjetividad e f omenta, conjun-
lamente, 0d omfnio de sua derr elic;:ao e 0nascimento do sfmbolo.
66. Essas tr es palavr as, nas quais se inscr eve nossa ultima formulac;;ao d a rep etic;;ao
(1966), vier am substituir urn r ecurso impropr io ao ••eterno retorno", q ue era
lud o 0 q ue pod famos f azer ouvir entao.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 42/44
For am esses jogos d e oculta<;ao q ue F reud, nUma intui<;ao
genial, produziu, a nosso ver, para que neles reconhecesseinos [3191
q ue 0 momenta em que 0 desejo se humaniza e tambem aquele
em q ue a cr ian<;a nasce pa ra a linguagem.
Podemos agor a discer ni r q ue 0 su jeito nao domina af apenas
sua priva<;ao, assumindo-a, mas que e leva seu desejo a uma
potencia secundar ia . Pois s ua a<;ao destroi 0 objeto que ela f az
aparecer e desaparecer na provoca~ao antecipatoria de sua au-
sencia e sua presen<; a. Ela negativiza assim 0campo de for <;as
do desejo, par a se t omar , em si m esma, seu proprio objeto. E
esse objeto, ganhando corpo imediatamente no par simbolico de
dois dardejamentos elementares, anuncia no sujeito a integra<;ao
d iacr6nica da dicotomia dos fone mas, da q ual a l inguagem
existe nt e o fe re ce a estrutura sincr6nica a sua assimila<;ao; do
mesmo modo, a crian<;a come<;a a se comprometer com 0sistema
do discurso concreto do ambiente, r e produzindo m ais ou m en os
a proximativamente, em seu Fort! e e m seu Da!, os voca bulos
q ue dele recebe.
Fort ! Da! E real mente ja e m sua solidao que 0 desejo do
filho do hom em torna-se 0desejo d e urn outr o, de urn alt er egoque 0 domina e cujo ob jeto do dese jo e, dora vante, seu proprio
sofr imento.
Se a cr ian9a se dirige agora a urn parceiro imaginar io ou r eal,
ve-Io-a obedecer igualmente a negativid ade de seu d iscurso e,
tend o seu apelo como efeito faze-Io esquivar -se, ela procurara
numa intima9ao banidora a pr ovoca<;ao d o retorno q ue a reconduz
aseu dese jo.
Assim, 0sfmbolo se manifesta inicialmente como a ssassinato
da coisa, e essa m orte constitui no su jeito a eterniza<;ao de seu
dese jo.
o primeiro sfmbolo em q ue reconhecf:mos a humanidade em
seus vestfgios e a se pultura, e a intermedia<;ao da morte se
reconhece em qualquer rela<;ao em que 0horn em entra na vida
de sua historia.
Unica vid a que perd ura e que e verdadeira, lima vez que se
transmite sem se per d er , na tradi<;ao perpetuada d e sujeito par a
sujeito. Como n ao ve r d e q ue a lt ura s ela transcende a vid a
herdad a pelo animal, e na qual 0 indivfduo evanesce na es pecie,
ja q ue nenhum memorial distingue seu efemero apar ecimento
d aqucle q ue a reproduzira na invariabilidad e do tipo? Postas de
IlId o, com ef eito, as muta<;oes hipoteticas do ph ylum a serem
1111 'gradas por uma subjetivid ade que 0 homem ainda a bord a
IIJlcnas de f or a, nada, a nao ser as experiencias em que 0homem
II associ a, d istingue urn rata d e urn rato, urn cavalo de urn cavalo
nada senao a passagem inconsistente d a vida para a morte
, ao passe que Empedocles, precipitando-se no Etna, deixa par a sempre presente na memoria dos homens esse ate simbolico
d ' seu ser -para-a-morte.
A li ber dade do homem inscreve-se inteira no triangulo cons-
lilulivo da renuncia que ele impoe ao d es ej o do outro, pela
IImca9a d a morte para 0 gozo do s f rutos de sua servidao -
SII.•.if f cio consentido de sua vida pelas razoes que dao a vida
hllmana s ua d im en sa o - e pe la r en unc ia suicida do vencido,
'IIIC I"r ustra da vitoria 0 mestre/senhor q ue ele deixa entregue asua desumana solidao.
Dessas imagens da morte, a terceira e 0 supremo desvio pelo
q ual a particularidade imediata do desejo, reconquistando sua
lonna inefavel, en contr a na d enega<;ao urn der radeiro triunfo. E
(- prcciso reconhecermos seu senti do, pois com ela nos confron-
lamos. Ela nao e, com efeito, uma perversao do instinto, mas
It(ucla af ir ma<;ao desesperada d a vida que e a f orma mais pura
-'n q ue reconhecemos 0 instinto de morte.
o sujei to d iz " Nao!" a esse brincar -de- passar -anel da inter -
su b jctivid ade, on de 0dese jo so se faz reconhecer por urn instante
para se perder num q uer er que e querer do outr o. Pacientemente,
l'l' subtrai sua vida pr ecaria d as agr ega90es docilizantes do Eros
d o sfm bolo, para afirma-Ia enfim numa maldi<;ao sem palavras.
POl' isso, quando queremos atingir no su jeito 0 que havia antes
d os jogos ser iais da fala, e aquilo que e primordial no nascimento
d os sfm bolos, vamos encontra-Io na morte, de onde sua existencia
I'elir a tudo 0 que tern d e senti do. E como dese jo de morte, de
Ialo, q ue ele se afirma para os outros; se ele se identif ica com
() outro, e cr istalizando-o na metamorfose de sua imagem essen-
r ial, c nenhum ser jamais e por ele evocado senao e nt r e as
sombras da mor te.
Dizcr q ue esse senti do mortal revel a na f ala urn centro externo
;) linguagem e mais d o que uma m etafor a, e evidenciauma
l·slrulura. Essa estrutur a e difer ente da espacializa<;ao da circun-
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 43/44
fer encia ou d a esf er a ond e nos com pr azemos em esquematizar
os limites d o vivente e de seu meio: ela cOlTesponde, antes, ao
gr u po r elacional q ue a l6gica simb61ica designa topologicamente
como urn anel.
Ao querer fome ce r d ele uma r epr esenta~ao intuitiva, parece
q ue, mais do que a superficialidad e de uma zona, e a forma
trid imensional d e urn toro q ue conviria r ecor rer , na medida em
que sua exter ior idade perifer ica e sua exter ioridade central cons-. . . '- ~
tltuem a penas uma UnIca r eglao.
Esse esquema sati sf az a cir cular i da de s em f im do processo
dialetico que se pr od uz q uando 0 su jeito se apercebe de sua
solidao, quer na ambigtiid ade vital do dese jo i me d iato, q ue r n a
plena assunc;ao de seu ser- para-a-morte.
Mas nele se pode apreend er, a o mesmo tempo, q ue a di aletica
nao e individual, e que a questao do ter mino da ana li se e a d o
momento em q ue a satisfa~ao do su jeito encontra m eios de se
realizar na satisfa~ao de cada ur n, isto e, de todos aq ueles com
q uem ela se associa numa obra hum ana. Dentre todas as q ue se
prop6em neste seculo , a ob ra d o psicanalista talv ez se ja a m ais
elevad a, pOl'q ue funciona como med iador a entr e 0 homem d a
preocu pac;ao e 0 sujeito do s a ber absoluto. Isso tambem se d a
pOl'q ue ela exige uma longa ascese sub jetiva, e que jamais ser a
inter rom pida, nao sendo 0 f im da pr 6pr ia analise did <itica sepa-
r avel d o enga jamento d o suje it o em sua pr <itica.
Que antes renuncie a isso, portanto, quem nao conseguir
alcanc;ar em seu horizonte a subjetividad e d e sua e poca. Pois,
como pod er ia f azer d e seu ser 0eixo d a tantas vid as quem nada
sou besse d a dialetica que 0 compromete com essas v id as num
movimento simb6lico. Que ele conhe~a bem a es pir al a que 0
an'ast a sua e poca na o bra contfnua d e Babel, e q ue conhe~a sua
f un~ao d e interpr ete na disc6rdia das Ifnguas. Quanto as trevas
d o mundus ao r ed or d o qual se enrosca a imensa tor r e, que eled eixe a visao mfstica a tar ef a d e ver elevar -se ali, sobre urn
bosque etemo, a serpente putr ef a ci en te d a vid a.
Permitam-nos rir , se imputar em a estas colocac;6es que elas
d esviam 0 senti d o d a o br a d e Fr eu d d as bases biol6gicas que
\'1' Ihes ter ia augura do e enver edam pelas r ef erencias cultur ais
por que ela e perpassad a. Nao queremos pregar -Ihes aq ui nem
II doutr ina do fator b, pela q ual designarfamos umas, nem a do
f :llor C, onde reconhecer f amos as outras. Quis emo s a penas r e-
1l'lll br ar-lhes 0a, b, c desconhecido da estr utur a da linguagem,
t' r aze-Ios soletrarem de novo 0 be-a- ba, esq uecido, da fala.
Pois, que receita haveria de guia-Ios numa tecnica que se('or np6e de uma e extrai seus e feitos da outra, se voces nao
Il'conhec ess em d e u ma e d e outra 0 c am po e a f un~ao.
A ex periencia psicanalftica d esco briu no homem 0im perativo
do verba e a lei q ue 0 f ormou a sua imagem. Ela m ane ja a
rlln~ao poetica da linguagem para dar ao dese jo dele sua mediac;ao
sim b6lica. Que ela os fa~a compreend er, enfim, q ue e no dom
till r ala68 que reside toda a r ealid ade de seus efeitos; pois foi
:It raves desse dom que toda realidad e chegou ao homem, e e por
s 'u ato contfnuo que ele a man tern.
Se 0 espac;o definido po r e s se d om d a f al a t cm q ue bas tar
par a a a~ao de voces c par a seu saber , ele bastara tambem para
s 'u devotamento. Pois oferece urn cam po privilegiado.Quando os devas, os homens e os assuras, le-se no pr imeiro
Ilrahmana da q uinta li~ao d o Bhr ad-ar anyak a U panishad , ter -
lIlinaram seu noviciado com Pr ajapati, fizer am-Ihc esta suplica:
.. Fala-nos."
"Da", d isse Praja pati, 0d eus d o trovao. "Haveis-me ouvido?"
E os d evas respond eram: "Tu nos disseste: Dam yata, d omai-vos"
- q uerendo 0 texto sagr ad o dizer que as potencias superior es
submetem-se a lei d a fala.
"Da", d isse Pr a ja pati, 0deus do tr ovao. "Haveis-me ouvid o?"
E os home ns rcspond er am: "Tu nos disseste: Dat ta, d ai" -
t jucrendo 0 texto sagrad o d izer que os homens se r econhecem
pelo dom da fala."Da" , disse Pra ja pati, 0deus do trovao. "Haveis-me ouvid o?"
E os assuras res pond er am: "Tu nos dissestc: Da yad hvam, per-
(,x. Entend a-se bem q ue nao se t r ata aqui d os "dons" q ue sao se mpre reputad os
como faltand o aos novatos, mas d e urn tom que com efeito Ihes falta mais d oq ue Ihes co nviria.
7/25/2019 Lacan - Função e Campo
http://slidepdf.com/reader/full/lacan-funcao-e-campo 44/44
doai" - querendo 0 texto sagrado dizer que as potencias
inferiores ressoam i t invoca~ao da fala.69
Eis af , retoma 0texto, 0que a voz divina faz ouvir no trovao:
Submissao, dom, perdao. Da da da.
Pois Prajapati a todos responde: "Vos me ouvistes."
Var iantes do tratamento-padriio
Este tftulo, em simetria com outro que promovia a rubrica
entao inedita de tratamento- padrao, foi-nos transmitido, em
1953, por urn projeto pelo qual era responsavel urn comite de
psicanalistas. Escolhidos dentre diversas tendencias, nosso
amigo Henri Ey Ihes delegara na Enciclopedia medico-cirur-
gica, por sua competencia, 0 encargo geral que ele mesmo
havia recebido, 0dos metodos terapeuticos em psiquiatria.
Aceitavamos essa incumbencia em prol da tarefa de inter -
r ogar 0 referido tratamento em seu fundamento cientffico,
unico modo pelo qual podia surtir efeito a referencia implfcita
a urn desvio desse tftulo que nos era oferecido.
Desvio sumamente sensfvel, de fato. Pelo menos, acredita-mos ter aberto seu questionamento, ainda que sem duvida
contrariando a inten~ao dos que 0 promoviam.
Deverfamos pensar que essa questao tenha sido resolvida
pela retirada deste artigo, 0que, por obsequio do citado comite,
ficou por conta da reformula~ao corriqueira na manuten~ao da
atualidade desse tipo de obra?
Muitos viram nisso 0 sinal de uma certa precipita~ao,
explicavel, no caso, pela propria maneira como uma certa
maioria viu-se definida por nossa crftica. (0 artigo foi publicado
em 1955.)
••Variantes do tratamento- padrao" - esse tftulo cria urn pleo-
n<lsmo, POl'em nada simples: Isalientando-se pOl'uma contradi~ao,
I Em 1966, digamos que 0 consid er amos abjeto. [sso que nos sai da garganta
II 'rmile-nos reescrever com mais leveza nosso primeiro capitulo.