KLAXON - Completo

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Revista de arte moderna

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MAIO 15 1922

klax on Mensario de arte moderna

REDACÇAO E ADMINISTRAÇÃO: R. Uruguay, n. 14 — Tel. 4098 Centr.

ASSIGNATURAS — Anno 12$000 Numero avulso —1$000

REPRESENTAÇÃO: Rio de Janeiro — Sérgio Buarque de Hollanda

Rua S. Salvador, 72 - A. Suissa — L. Charles Baudouin (Le Carmel —

Saconnex d'Arve — Genebra) Bélgica — Roger Avermaete (Antuérpia —

Avenue d'Amerique» n. 160) A Redacçâo não se responsabiliza pelas idéias de seus collaboradores. Todos os artigos devem ser assignados por extenso ou pelas iniciaes. E' permittido o pseudony-mo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na redacçâo. Não se devolvem manucriptos. —

SUMMARIO KLAXON A TOI QUI QUE TU SOIS AS VISÕES DE CRITON SOBRE A SAUDADE

Chronicas: PIANOLATRIA LE TENDANCES ACTUELLES DE LA PEINTURE LIVROS KINE-KOSMOS . . EXPOSIÇÃO HERMANN LUZES E REFRACÇÕES EXTRA-TEXTO

Redacçâo L. Charles Baudouin Menottl dei Plcchia Guilherme de Almeida

M. de A. Roger Avermaete A. C. B. e S. M. May Caprice Henri Mugnier M. de A. V. Brecheret

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k 1 a x on Significação

a lucta começou de verdade em princípios de 1921 pelas columnas do "Jornal do Commercio" e do "Correio Paulistano" Primeiro resultado : "Se-

mana de Arte Moderna" — espécie de Conselho Interna-cional de Versalhes. Como este, a Semana teve sua razão de ser. Como elle: nem desastre, nem triumpho. Como elle: deu fructos verdes. Houve erros proclamados em voz alta. Pregaram-se idéias inadmissíveis. E' preciso reflectir. E' preciso esclarecer. E' preciso construir. D'ahi, KLAXON.

E KLAXON não se queixará jamais de ser incom-prehendido pelo Brasil. O Brasil é que deverá se esforçar para comprehender KLAXON.

Esthetica

KLAXON sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente. KLAXON não se preoccupará de ser novo, mas de ser actual. Essa é a grande lei da novidade.

KLAXON sabe que a humanidade existe. Por isso é internacionalista. O que não impede que, pela integridade da pátria, KLAXON morra e seus membros brasileiros morram.

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2 KLAXON sabe que a natureza existe. Mas sabe que

o moto lyrico, productor da obra de arte, é uma lente transformadora e mesmo deformadora da natureza.

KLAXON sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado, caminha para deante, sempre, sempre. O campanile de São Marcos era uma obra prima. Devia ser conservado. Cahiu. Reconstruil-o foi uma erronia sentimental e dispendiosa — o que berra deante das ne-cessidades contemporâneas.

KLAXON sabe que o laboratório existe. Por isso quer dar leis scientificas á arte; leis sobretudo baseadas nos progressos da psychologia experimental. Abaixo os preconceitos artísticos! Liberdade! Mas liberdade em-bridade pela observação.

KLAXON sabe que o cinematographo existe. Pérola White é preferível a Sarah Bernhardt. Sarah é tragédia, romantismo sentimental e technico. Pérola é raciocínio, instrucção, esporte, rapidez, alegria, vida. Sarah Ber-nhardt = século 19. Pérola White = século 20. A cine-matographia é a criação artística mais representativa da nossa época. E ' preciso observar-lhe a lição.

KLAXON não é exclusivista. Apezar disso jamais

publicará inéditos maus de bons escriptores já mortos.

KLAXON não é futurista.

KLAXON é klaxista.

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3 Cartaz

KLAXON cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época de 1920 em diante. Por isso é poly-morpho, omnipresente, inquieto, cômico, irritante, contra-ditório, invejado, insultado, feliz.

KLAXON procura: achará. Bate: a porta se abrirá. Klaxon não derruba campanile algum. Mas não recons-truirá o que ruir. Antes aproveitará o terreno para sóli-dos, hygienicos, altivos edifícios de cimento armado.

KLAXON tem uma alma collectiva que se caracte-risa pelo ímpeto constructivo. Mas cada engenheiro se utilizará dos materiaes que lhe convierem. Isto significa que os escriptores de KLAXON responderão apenas pelas idéias que assignarem.

Problema Século 19 — Romantismo, Torre de Marfim, Symbo-

lismo. Em seguida o fogo de artificio internacional de 1914. Ha perto de 130 annos que a humanidade está fa-zendo manha. A revolta é justíssima. Queremos construir a alegria. A própria farça, o burlesco não nos repugna, como não repugnou a Dânte, a Shakespeare, a Cervantes. Molhados, resfriados, rheumatisados por uma tradição de lagrimas artísticas, decidimo-nos. Operação cirúrgica. Extirpação das glândulas lacrimaes. Era dos 8 Batutas, do Jazz-Band, de Chicharrão, de Carlito, de Mutt & Jeff. Era do riso e da sinceridade. Era de construcção. Era de KLAXON

A REDACÇÂO

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4 A TOI QUI QUE TU SOIS

* (INÉDITO)

Je suis celui qui passe et dont on se souvient. Je dénouerai mes sandales devant ton seuil, Qui que tu sois, et je ne te d e ma n der ai rien

Que ton accueil, Et tu m'accueilleras.

Car peut-être déjà m'attendais-tu, pauvre âme, Depuis des $ ours, depuis des nuits oü ta lampe s'est

(consumée, Car sans doute déjà tu m'attendais, chère âme, Comme Ia Yierge mystique attend le Bien-Àimé.

Tu ne serás pas étonné quand je frapperai à ta porte. Sans doute, ta lampe será morte; Je nTasseoirai au feu de Tâtre, J*y sécherai mes jambes et mon manteau; je ne serai

(qu'une présence brunâtre Et tu ne sauras pas ma face. Je suis celui qu'on ne connait pas, et qui passe. Je suis le vagabond des routes de 1'espace.

Tu ne sauras pas combien d'heures je resterai courbé (dans ce coin,

Les mots que je dírai ne fétonneront point, Car tu les attendais peut-être, Et tout portant, cette nuit-Ià, será étrange. Ces mots qiTavant tu n'avais jamais entendus, Tu croiras les reconnaitre, Alors tu me questionneras mais j'aurai déjà répondu.

Je m'en irai comme je serai venu, Avec mon manteau d*ombre et mon bâton, Je ne faurai pas dit mon nom, Mais j'aurai déposé en toi Tout un fardeau muet d'inquiétude et de joie.

L. CHARLES-BOUDOUIN (do "Miracle de Vivre") k 1 a x o n

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5 AS VISÕES DE CRITON

( D ' 0 Homem e a Morte)

^ ^ J r i t o n levara-me ao Braz, onde, num pardieiro, ago-

nizava um operário que trabalha-va na Esphynge. Uma lage, esca-pando á garra articulada de um guindaste, esmigalhara-lhe me-tade do corpo. A posta de carne grangrenada era, na cama bran-ca, uma sanfona arfante jungida a um sacco de pelle cheio de ossos triturados. Aquella massa em agonia palpitava numa ridícula e braceante ânsia de viver.

Voltávamos a pé do bairro con-fuso, cheirando a ulha e a miséria. Numa curva de esquina um bon-de abalroára uma carroça. Um burro, entalado entre as rodas e os trilhos, com as patas poste-riores trituradas, raspava, com os cascos dianteiros o chão de parallelepipedos.

Milhares de homens atrefega-dos e hediondos mexiam-se co-mo formigas. A vida, anonyma e borborinhante, rodava, ululan-do de ambição e miséria como uma hiena faminta. Um cocheiro

vomitava insultos porque a car-roça atravancava a rua. Numa taverna, bebedos ganiam como cães. Mães embrulhadas em tra-pos esbordoavam esqueletos dis-farçados em creanças. Estas as insultavam, atirando-lhes pedras. E um pobre estendeu-nos a mão que parecia a estrella dissecada de um polypo:

— Esmola. . — Para que? Vi, no olhar de Criton, o assas-

sino desejo de estrangular o mi-serável. E o architecto disse, abrangendo com a phrase a pra-ça tumultuaria:

— Elles sujam a vida. No alto do Carmo paramos.

Como uma escara de ferida na epiderme de um monstro, o bair-ro violaceo no crepúsculo se em-polava com os dardos hirtos das chaminés fisgadas no seu flanco. Flammulas de fumaça lembra-vam crinas de hippogryphos ga-lopando nas nuvens. E um ceu de incubo, com cumulus de chumbo, esmagava o casario cor de chapa, onde o formigueiro humano, trá-gico e pululante, espumava na maldição do Paraíso Perdido, ar-rancando dos próprios ossos, aos

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6 poucos, a vestimenta ephemera de carne com que o Senhor, por castigo, lhes mascarára os esque-letos de mortos, para representa-rem a farça da Vida.

Criton disse, sem me olhar: — Elles são settas disparadas

para o caos, illuminadas pelo ful-gor do minuto transitório Porque não antecipar a queda, vencendo, pela intelligencía e pela vontade, a força inicial que nos projectou do berço, com a tragectoria marcada de um desti-no? Olha: movem-se como ce-gos . Correm sobre trilhos tra-çados pela fatalidade, indifferen-tes uns aos outros. Parecem for-migas. Lembram vermes na car-cassa podre d« um morto.

Eu olhava. — Reajamos! Mudemos a hori-

zontalidade da trajectoria traça-da para a vertical vertiginosa do nosso destino dominado, até tom-barmos, mais depressa, cegos de luz e de sonho, como ícaro da lenda.

Eu olhava. E pensei, acciden-talmente, que no meio daquelle formigueiro voracissimo um ani-mal e um homem agonizavam, sem que a vida parasse, como pa-raria, e o próprio movimento dos astros, no dia em que eu, como um Deus vencido, cerrasse os olhos para a absurda violência da vida.

MENOTTI DEL PICCHIA

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7 SOBRE A SAUDADE

(Das "Canções Gregas")

W l a madrugada toda rosea, eu desci ao fundo do valle verde

enfeitado de bruma, para encher meu cântaro de argila porosa numa água nocturna, que foi o espelho das estrellas.

Quando a sede pôz um beijo secco, de fogo, em minha bocca, eu extendi meus lábios para a argila fosca : — e o reflexo branco de uma estrella gelada boiava na superfície da água exilada.

GUILHERME DE ALMEIDA

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8 < H l t O Y H A S

Pianolatria JE' costume dizer-se que São Paulo está mu-

sicalmente mais adiantado do que o Rio. E logo a prova: "Tivemos Caiuos Gomes. Temos Guiomar Novaes."

Não ha duvida. O Brasil ainda não produziu musico mais inspirado nem mais importante que o campineiro. Mas a época de Carlos Gomes passou. Hoje sua musica pouco interessa e não corresponde ás exigências musica es do-dia nem á sensibilidade moderna. Bepresenta-lo ainda seria proclamar o bocejo uma sensação estética. Carlos Gomes é inegavelmente o mais inspirado de todos os nossos músicos. Seu valor histórico, para o Brasil, é e será sempre imenso. Mas ninguém negará que Rameau é uma das mais geniais personalidades da musica universal . . . Sua obra-prima, porém, representada na pouco em Paris, só trouxe desapontamento. Caiu. B' que o francês, embora chauvin, ainda não pro-clamou o bocejo sensação estética.

A senhorinha Novaes é uma grandíssima In-terprete. Sinto prazer em affirmar essa verdade e prometto, para logo, um estudo carinhoso de sua personalidade. Porém a senhorinha Guio-mar Novaes e Carlos Gomes provam quando muito que temos a fortuna de produzir 2 talentos musicais extraordinários.

—E a nossa escola, de piano? re t rucarão. . . Não ha dúvida. Possuimos nossa escola de piano como, certo, a América do Sul não apresenta ou-tra. Mas não é o progresso impdacáyel do pia-no, aqui uma das causas do nosso atrazo musi-cal? E'. Dizer musica, emSâo Paulo, quási si-gnifica dizer piano. Qualquer audição de alunos <le piano enche salões.. Qualquer pianista es-trangeiro tem aqui acolhida incondicional.. .

Mas é quási só. Certo: ha na cidade virtuosi e professores de canto, violino, harpa etc. de seguro valor. Mas não ha o que se poderia cha-mar a tradição do instrumento. Não ha uma continuidade de orientação firme e sadia. E, principalmente, não ha alunos. O violinista com estudo de 6 annos é rarissimo. O flautista ain-

da o é mais. No entanto um Figueras, um Mi-gnone, que dignos, cuidadosos mes t re s ! . . .

Mas quall ha uma fada perniciosa na cidade que a cada infante dá como primeiro presente um piano e como único destino tocar valsas de Chopín! . . .

"Sou alfa e ómega, primeiro e último, prin-cipio e fim" como no Apocalipse.

E as manifestações mais elevadas da musica? E o quarteto e a sinfonia?

São Paulo hão conseguiu ainda sustentar uma sociedade de musica de câmara. E só agora a sinfonia parece atrair um pouco os pianólatras paulistanos.

Bem haja pois a Sociedade de Concertos Sin-fônicos !

E no Rio ha tudo isso. Ha tradição de violino, de violoncelo, de c a n t o . . . Com que inveja veri-ficámos ha pouco o admirável conjunto de Pasili-na d'Ambrósio! no Rio ouve-se a sinfonia pe-riodicamente. No Rio ha uma educação musi-cal.

São Paulo tem apenas uma educação pianisti-ca, uma tradiçlo pianistica. Necessitamos dum quarteto verdadeiramente activo. Precisamos proteger a Sociedade de Concertos Sinfônicos, em tão boa hora inaugurada.

Só então, livre do preconceito pianistico, São Paulo será musical.

M. DE A.

Les tendances actuelles de Ia peinture

Posons d'abord cette vêa-ité: il n'y a pas d'oeu-vre parfaite comme il n'y a pas de formule défini-tive.

Cest lã m'objectera-t'-on, un superbe poncif. J'en conviene mais il n'est pas inutlle de l'é-

noncer, puisqu'il y a de nos jour des artistes

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9 qui prétendent marcher vers une formule d'art définitive.

Bn art, il faut considérer les résultats obtenus. II n'y a pas de tendances ou de procedes condam-nables d'avance. II n'y en a pas davantage qui,

d'avance, conférent le génie. Autre poncif dont 1'énoncé m'apparalt com-

me indispensable vu 1'état d'esprit régnant: de moins de talent á ses confrères, selon que ceux-ci suivent ou s'écartent plus ou moins, de Ia formule élue par lni.

Que le peintre s'enferme dans une formule étrolte, nous le comprenons. Qn'U ne pent être écletictique dans ses gouts, c'est logique en somme. Trop souvent Ia lutte qu'il doit livrer, pour défendre ses propres idées, est tellement âpre, qu'il ne peut garder de 1'indulgence ou de Ia sympathie pour des tendances autres.

Mais les amis de Ia peinture, les défenseurs desinteresses de cet art, ne peuvent, sous peine 'être sectaires, avoir de ces hostilités de prín-cipes ou de ces emballements voulus. Cest dire qu'ils doivent être eclectiques. Non pas d'un eclectisme fade qui exclut une attitude tranchée. Au contraire... Un eclectisme qui s'efforce ãdégager de chaque effort ce qu'il por-te en lui de fertile et de saln. Un eclectisme qui, audacieux, ose tirer des conclusions.

II Essayons de préciser quelles sont actuelle-

nient les principales tendances qui rêgnent et se combattent, pour le plus grand bien de l'art pictural. Tachons aussi de traduire l'être de chaque tendance. Examinons sa valeur, sa por-tée, son avenir . . .

Et tout d'abord, ne nous leurrons pas de mots. Négligeons les temnes de cubistes, expression-nistes, futuristes (et un tas d'autres). Ds repon-dént á des tendances, non á des écoles. Ces ten-dances groupent des artistes de tempérament três différents. De plus, certalns artistes pro-duisent des oeovres se rattachant á diverses de ces tendances,

Je vois trois courants primordiaux celui du réalisme, celui de Pinterprétation (rupture des formes plastiques), celui de l'abstraction purê.

Enfin il s'en annonce un autre qui será peut-

être primordial demaln, le classicisme (qu'il ne faut pas confondre avec 1'académisme).

(Je néglige naturellement .le genre pompier, seul important par le nombre et Ia médiocritê de ses adeptes ainsi que par les commandes of-flcielles et des dícorations dont on 1'abreuve).

Quand je parle de trois courants primordiaux, Je considere Ia peinture uniquement au point de vue de Ia facture, le seul, á mon sens, permettant une classification exempte arbitraire.

Ainsi le réalisme. Bien entendu, je ne prends pas le mot dans

le sens restreint qu'on a 1'habitude d'y attacuer. Par réalisme j'antends toüte peinture demeu-rant fidéle, dans le sujet represente, á 1'aspect extérieur des objets et des étres.

Dans le deuxiéme groupe, je range ceux qui prennent les aspects extérieurs pour point de départ, mais à qui leur simple reproduction ne suffit plus. D'aucuns brisent les formes réali-stes pour montrer simultanément plus d'un a-spect du sujet. D'autres rompent les lignes par necessite dynamique. Mais quels que soient les motifs ayant conduit 1'artiste à répudier lá re-production plus ou moins fidèle de Ia nature, Ia forme réaliste des objets constitue Ia base, le point de départ, et demeure tOüjours visible dans 1'oeuvre.

Quant au troisième groupe, il englobe ceux dont 1'oeuvre ne rappelle plus aucun objet ma-tériel, dont 1'oeuvre est parfaitament abstraite de representation (plans, couleurs, lignes) dont 1'oeuvre ne represente aucune image, aucun aspect du monde palpable.

in Si comme je l'ai dit plus haut, certalns pein-

tres ne dédaignent pas de cultiver deux de ces tendances, ou même toutes les trois (Picasso par exemple) il en est d'autres qui s'élèvent vé-hémentement contre ce qu'ils appellent une compromission. Surtout parmi les peintres du troisième groupe, il y en a, condamnant sans rémission tout peintre ayant gardé uh soupçon de plasticité, genre dont ils annocent, comme f a tale, Ia mort, dans un avenir assez rapproché.

Je n'y crois pas. Je crols, au contraire, que

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10 Ia reproduction réaliste des objects et des êtres, demeurena toujours ã Ia base de Ia peinture. Je le crois parce que c'est Ia chose Ia plus simpl\ Ia plus facile. De plus, le retour du classicisme semble confirmer ma manière de voir.

Le peinture est un langage comme Ia musique et Ia littérature. Elle doit donc être capable de traduire un état d'âme. Mais c'est un langage s'ébauchant ã peine, II est donc logique et na-turel que le peintre manie d'abord les couleurs, selon les hasards du sujet, jusqu'à ce que les couleurs par leurs oppositions ou leurs harmo-nies, lui révèlent un sens propre. Dés lors, ií a trouvé les rudiments d'un langage nouveau. Mais jusque lã il fera de Ia peinture d'grément.

Je nomme peinture d'agrement toute peintu-re réaliste. Cest Ia difference essentielle entre le réalisme et le classicisme. Elle n'est falte ral, elle est superficielle. Ses recherches ne ten-dent que vers Ia conquête d'ambiahces visibJes. On s'efforce de rendre l'atmosphère d'un pay-sage, 1'expressiòn d'une physionomie.

Cette tendance commence donc á Ia repro-duction seryile de Ia nature (ce qui est stricte-ment Ia négation de 1'art) jusqu'à Ia tradu-ction aiguê de Tatmospnère des choses, mais sans que cette interprètation sorte des formes de ia nature.

Cette tendance gardera comme adeptes tous les talents moyens, tous ceux qui sagement, en s'appliqnant, acquièrent du savoir-faire. Elle ne permet plus qu'à quelques tempéramens três personnéls de se distinguer difficilment dans un genre possédant un passe lourd de chefs-d'oeuvre.

rv Aussi de nos jours le peintre doué ne se con-

tente plus guère de Ia reproduction fidéle des choses. Ces pages d'agrément ne lui disent pas assez. II veut plus, 11 veut rendre les choses qu'il voit mas il entend y ajouter tout ce qu'il sent en elles. Son effort, qui commence à Ia stylisation aiguê, peut le mener de libération, en libération, jusqu'au bord de 1'abstraction.

J'ai dit qu'il garde Ia matérialité comme base. Mais 11 1'interprète. La matérialité 1'lnspire, mais

il «'efforce à Ia tradnctlon de son émotlon in-tégrale. Ainsi nn village avec des maisons an-tour de 1'église peut suggérer 1'idée d'.nn en-tassement pêle-mêle. Le peintre jettera donc les maisons entassées sur sa toile, non pas tel qu'est le paysage vu photographiqaement, meia tel que lui, peintre, les sent.

Le mouvement est une chose trop importante pour laisser le peintre indifférent. Certalns mou-vemenfcs lui seront une obsession. Vouloir tra-duire 1'aspect d'une rue de grande ville, avec des objecte immobiles est une trahison. D'oü necessi-te d'une interprètation dynamique. (Severini).

Mais il n'y a pas que le mouvement. Un ob-jet, un simple objet, dans son état statique, peut suggérer toute une gamme d'émotions Celles-ci ne sont pas provoquóes par un aspect de l'ob-Jet, mais par tons les aspect» de 1'objet. Or, le peintre, du point de vue réaliste n*a q'un as-pect de 1'objet á traduire. Sa mémoire cepen-dant lui raphelle les autres. II sait comment •sont les autres. II sait aussi que Ia perspective, en somme, n'existe pae. Cest une particularité de nos yeux. Le peintre en arrive donc logi-quement, à rompre Ia forme plastique pour mon-trer un object sous différents aspects, pour com-plèter par une interprètation libre, ce que le point de vue réaliste a de trop pauvre, de trop limite dans sa vision. (Luote).

Cette tendance groupe pour ainsi dire toute ravant-garde picturale. Les peintres foturtetes, cubistes et expressionnistes s'y coudoient, & peine separes par des nuances. Cette tendance est à 1'heure actuelle, Ia plus importante par rapport à 1'opiniátreté et á l'étendue dés recherches. Quoi-que de date recente, elle a d'lncontestaibles con-quêtes á son actif.

Les peintres de Ia troinsième tendance (pein-ture abstrate) forment l'extr'ème-gaúche du grou-pe précédent, avec lequel on le confond géné̂ ra-elment.

Mais si au point de vue de l'évolution, üs sont três rapprochés de leuns confreres du deu-xième groupe, au point de vue des résnltats par contre, ils méritent, à mon sens, un classement absolument dietinct. En effét si pour le vulgai-

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11 re,. Ia différence visuellement parlant, est mini-me entre une tolle à formes rompnes et une toi-le purement abstraite, parce que dans l'une comme dans 1'autre, Ia réalité photographique fait défaut, pour le connaisseur, au contraire, les différences, sont essentlelles.

La peinture abstraite peut prendre comme point de départ un object matérlel, pen importe, le point capital, c'est qu'au point de vue du résultat elle ne révèle plus aucun caractêre de plasticité. A ce titre elle se separe entiérement de toutes les autres tendances. Elle commence vraiment un genre nouveau. Elle est une con-ception entiérement nouvelle. Une émotion, un sentiment n'ont plus besoin d'un cadre réalis-te pour trouver une expresslón directe, done Imparfaite.

La peinture abstrait traduit directament les émotions ou les sentatione de l'artiste, sans au-cune intervention matérialiste (Kandinsky). Cest Ia couleur qui aoquiert Ia vaieur d'un sym-bole. Cette vaieur. n'est pas intrinsèque. Elle dépend de Ia couleur ambiante et de Ia forme des plane de couleur. Rendre émotion et sensa-tion avec des couleurs, comme Ia musique le falt avec desf sons, est une chose si simple, si natu-relle, qu'on se demande comment cette tendan-ec peut rencontrer tant de détracteurs, si nous n'étions édlfiés depuiis longtemps sur Ia vaieur du sentiment artistique chez Ia plupart de ces messieurs de Ia brosse et du couteau. La pein-ture directe exige évidemment de Ia part de 1'auteur une émotivité toute epéciale. II ne s*a-glt plus de se pâmèr devant une vache bien crettée, devant ume ferme délabrée oü un vieux paysan. II y a de quoi désepérer nombre de peintres. 6 Cette tendance de slgnale par un autre as-pect. Elle ne desinteresse pas, comme les au-tres, de l'art primordial dont Ia peinture est is-sue: 1'architecture. Au contraire elle s'efforce de rendre & cette dernière Ia véritable place parmi les arte plastiques: Ia premiêre. Et volon-tairement, elle s'assigne le role de collaboratrice de rarchitecture. En ce faisant, elle n'innove pas, elle ne fait que continuer Ia tradition des

grands peuples batisseurs, égyptien, indien, gwc. Elle sacrifie Ia folie indépendance de Ia Demture — depuis de Ia Renaissance — â l'ordonnanoe eévère de 1'ensemble. Elle veut collaborer ã Ia renaissance d'un art monumental oü Ia peinture aurait sa place nettement dêlimitée.

Cest dire que sous cet aspect, cette tendance va donc à 1'encontre de toute virtuosité person-nelle devant collaborer a une construction archi-tecturale, le tableau est lui-même "construit". Son a>ction, dans rensemble se manifeste par le rythme de ses plans de couleur.

Enfln, Ia virtuosité trouve moyemi de se mani-fester dans un aütre aspect du genre: Ia fan-talsie. L. fantaisie des lignes de couleur jetées sur Ia toile ou le papier, sans préoccupation ar-chltectonique, pour le simple plaisir yeux. L'équi-valent de Ia fantaisie musicale. Id encore il faut citer Kandinsky.

VI Aprés cet exposé, qui est surtout doctrimaire,

il importe de vérifier aux résultats Ia vaieur des théories.

J'ai déjã dit ma façon de penser au sujet de Ia tendance réaliste. Restent les deux autres.

Jusqú'ici les peintres du deuxième groupe, qui sont de grands déformateurs, se signalent par leur Indifférance pour. le coloris te par Ia monotonle de leurs sujets. (Braque-Juan Gris) Je désapprouve l'un et 1'autre. La peintre qui se desinteresse de Ia couleur a -tort, de príncipe. La couleur est le langage naturel du peintre et il est absurde de Ia dédaigner afin de donner plus d'importance aux recherches de constru-ction et de déformation. La monotonie des su-jets est chose tout aussi .grave. Ainsi Ia nature morte règne avec une abondance prolifique. Dés lors cela sent lê procede. B. est inadmissible qu*on reclame une plus grande liberte d'inter-prêtation pour déformer avec une inlassable constance une, nature morte toujours invariable. Point n'est besoin, àu reste, d'user de tant de théories, de tant d'explicationsi pour ne les ap-pliquer que de façon si restreinte.

Heureusement qu' à côté de cela, il y a d'au-tres peintres donc le champ d'action est plus

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12 vaste. Et tout d'abord, ceux qui saras briser pré-cisément les lignes, mais par des juxtapositions; en arrivent à des compositions três harmonieu-ses et três completes d'expression Cest, ã mon sens, le véritable expressionnisme, (Chagai!)

Avec moins de sécheresse de Ugne et de cou-leurs, laissant plus de lattitude à Ia personraalité de 1'auteur, cette manière m'apparait comme un des sommets de Ia peinture indépendante. Entre Ia peinture réaliste, forcément limitée dans son expression, et Ia peinture métaphysique, elle a sa place bien marquée. A Ia fois brillante et profonde, permettant tous les jeux de Ia fantai-sie, toutes les audaces de synthese, elle fait de Ia peinture un art eomplet. (Le Fauconnier).

VII.

Mai3 je puis difficilement englober sous Ia même défindtion les déformateurs ternes et secs qui s'acharnent sur des natures-mortes. Défor-mer par sport, pour le simple plaisir de défor-mer, ne peut m'épater.

D'autant plus qu'on peut se demander pour-quoi ceux-ci s'árrêtent près du modele tandis que d'autres poursuivent leur idée, et déforment davantage. Chez eux, tout est conistruit en vertu d'une logique implacable. Leurs réalisa-tions sont des créations de l'esprit. Le role du sentiment y est réduit â sa plus minime ex-pression.

Mais nous voici en plein dans le troisième groupe, les peintres néerlandais Mondrlaan et Van Doesburg font de Ia peinture abstraite, ou si on prefere métaphysique. Leurs "Composi-tions" ne sont abstraites que comme résultat, car nous savons qu'elles sont Ia conséquence d'un certain nombre de déformations qu'a subi un quelconque sujet, par exemple une nature-morte. Cela est faux. La peinture abstraite doit pouvoir se crèer directement, libérrée des con-tingences, Dès lors, sentiment et sensation y joueront un role plus marquant.

VIII.

Ce qui a été fait dans cet ordre d'idées, est infime. Les peintres abstraits, non seulement

sont rares mais nombre de leurs réalisations sont trop entachées d'un dogmatisme outramt-cier. Enfin, ce qui est plus grave, ils ne leur est toujours pas possible de distinguer le far-ceur du chercheur probe. Le champ est si vaste, le controle si minime qn'ils se trouvent presque comme des aveugles les uns en face des autres. Et les glorieux tâtonnements de 1'artiste sin-cêre ne se distinguent pas avec Ia netteté néces-saire du travail méticuleux du faiseur. Cest lft une chose terrible. Cest ã coup sur, le plus for-midable écuiel de cet art en enfance. Tant que les peintres de cette tendance ne seront pas a«sez sür d'eux-même pour répondre en même temps des efforts des autres, cet art continuera sa dure lutte parmi l'hostilité règnante. H fau-dra beaucoup de temps. N'oubliOns pas que le réalisme décadent a eu besoin de quelques siè-eles pour atteindre son apogée. II faudra, des générations d'artistes pour fixer, pour dévelop-per les conquètes de? premiers pionniers. Ce n'est qu'alors qu'apparaitra l'époque de Ia pein-ture d'expression. Ce que nous nommons aujour-déhui expressionnisme demeure principalement de Ia peinture descriptive.

C e s t dire que je ne crois pas á Ia vertu de nombres de théories ayant cours de nos jours. Elles ont Ia vaieur d'un moment. EUes essayent de jalonner Ia route inconnue. Leur role doit se borner lá.

Ce n'est pas avec des théories qu'on fait de l'art, les théories en sont les conséquences. II nous faut créeer de l'art nouveau, pour avoir de nouvelles théories,

J 'en conclua que jusqu'á nouvel ordre Ia peinture d'interprétation continuefa à domíner. Elle est loin d^avoir dit tout ce qu'elle peut dire. Elle le dirá. Elle le dirá d'uhe voix libérée des étroltes formules.

II faut qu'elle tue les formules, gaspilleuses d'énergies vivaces. H faut qu'elle se débarrasse de ees faux prêtres, dilettantes, snobe, servils hnitateurs, fabricante.

ROGER AVERMAETE

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13 Livros

BOB CLAESSENS, VOYAGE, poéme» en prose, avec bois grave» de Benri Van Straten, préface de Mareei Millet. Edition «Lumiè-re", Anvers, Belgique.

Com o livro Voyage «Lumière» continua suas edições artísticas brilhantemente ini-ciadas o anno passado. Sempre ülustrados por xylographos de valor, impressos sobre bom papel e apresentados com simplidade, sens livros devem servir de modelo para os editores brasileiros tão avaros de bom gos-to. As gravnras em madeira de Henri Van Straten, de Um sensualismo flamengo, são originaes e suggestivas. A epigraphe do li-vro o define sufficientemente:

"Ceei n'e»t pas le voyage d'une Ame. Cest le voyage d'un homme parmi se»

frère»". Bella periphrase para dizer-nos: eis um

livro de humanidade. Mas BOB CLAES-SENS não é somente um espirito avançado, é também um fiel que canta o seu credo: a vida. Portanto, não é nem um penumbrista nem um utopista. E' independente. E' mo-derno. Citações?

"Le monde brule comme le corps de Va-mie..."

Chamma ardente da vida moderna. Ac-çâo. Lucta. E a victoria virá.

Internacionalista, BOB CLAESSENS tem também gritos de revolta contra tudo o que o impede de commungar com os ou-tros homens, com os outro paizes. D'ahi vem, quem sabe, parte de seu ódio contra a literatura d'éeole»:

"Et Ia litérature qui n'est que de quar-tier, pas même de village..."

Uma dose violenta de sarcasmo, outra de sensualidade, outra ainda de piedade. Agi-te-se: eis a personalidade de BOB CLAES-SENS.

8.M.

RODRIGO OCTAVIO FILHO — ALAMEDA NOCTURNA — (AHNUARIO DO BRASIL, R I O ) .

O autor reuniu em volume poesias escri-ptas em differentes épocas e a que o tom geral de melancolia dã uma determinada ligação. Subjectivamente, o desconsolo do autor é mais de ordem sentimental, que intellectual. Objectivamente, o que o im-pressiona é a sombra das arvores, as águas e as folhas mortas, o crepúsculo, as alame-das nocturnas... tudo o que é mais ou menos immovel. O dynamismo da vida, es-sa cinematographia vertiginosa de movi-mentos multiformes, não lhe causa o míni-mo abalo. O autor foge ariscamente da tre-pidação moderna, mas sem aquelle ruidoso susto dos patos que uma Hudson surpre-hende na estrada de rodagem. Mas si Rodri-go Octavio Filho caminha sobre planos es-táticos, isento de tremores, nem por isso os seus versos são equilibrados.

A necessidade imperativa de rimar actua nos seus versos de tal forma, que produz verdadeiros desastres. Ha sempre um «sonho infindo», um «olhar dolente» (o "dolente" é a sua obsessão), "uma visão exul" e outras expressões ácidas, perfeita-mente corrosivas da emoção.

O autor é um romântico serodio que to-mou do symbolismo as suas expressões mais

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14 características. Entretanto, si se fizer a distilação intellectual, apparecerá subita-mente caudal romântica.

Ha cousas, no livro, de principiante inex-periente :

Evoco ás vezes a vida, que ainda me falta viver: Talvez seja uma subida... Seja, talvez, a descer..

Francamente, nem em folhinha! A. C. B.

Kine-Kosmos Shandowland. Cahos. Mundo. Creação. Plagio

do "surge et ambula" a 1$600 e para creanças a 1$100.

Superficie escola. Previsão das quatro dimen-sões de Einstein. Tudo, ideas, gestos, gestos sentimentos na coordenada do tempo. Noção de eternidade: sessões corridas, sessões concorri-das, tendências do homem ineluetaveis.

O problema do mal — o embuçado, visível, empolgante, agindo, raptando Pearl White em motocycleta. Antônio Moreno, anjo da guarda territorial.

A audácia vertiginosa, Tom Mix, Dom Qui-chote de 30 annos, com Dulcineas votadas ao sport. Dom Quichotte foi sportman, o primeiro sportsman, crucificaram-n'o por falta de com-prehensâo. Nâo era o seu século. Hoje faria raids, teria marcos commemorativos.

O problema do mal, lado serpente — Gloria Swaneon, não ella, mas os beijos e os olhos cor da esperança torva dos espectadores. Agnes Áy-res. Bebê Daniels.

Sobre o clownismo de Charlot e Harold Lloyd, a estupidez victoriosa de Charles Ray. Transi-ção. Advento de uma era de ingenuidade. Esta-mos ficando clássicos. Classic.

E Mutt e Jeff, as comédias de Sunshine, as comédias iue matam a malícia antes de matar os que morrem a pau.

Cecil de Mille acabou com o mau theatro francez. Idea filha. Max Jacbb. O mau theatro francez — Bataille, Bernstein, Lavedan.

Ressurreição da narrativa. A fita em series. A ficção reaffirmada contra a frieza calculista do realismo. O calculo sim, n'outro sentido. O fracasso Zolesco apezar de Signoret e das azas brancas encobrindo os pés cornudos.

Griffith genial americano. Lyrio Partido. Ideas partidas. Buddhismo a bom preço, utilitário, yankee.

A morte do inútil, do enfadonho, do pala-vriado sem acçâo e sem experimentação psy-chologica (nao a de Fetchner e Wundt — a de Shekespeare, de Farias Brito e do jesuíta Eym-len).

Charlot sem a/falsa tristeza de Ivan Goll. Não. Alegre, conio na vida. Atravez de Broad-way. Casa dos Phantasmas.

O riso, a força, o inverosimil scientifico. Mo-dernos. Modernos.

MAY CAPRICE.

Esposição Hermann Si o "bello" é de todos os tempos de todos

os logares e de todas as espécies, é preciso acreditar que o "feio" também ê de todos os tempos, de todos o logares e de todas as espécies, e isso porque aqui, em pleno século vinte, na oc-casiâo em que toda a nova geração de artistas se dirige ardentemente para a Belleza, nos foi dado visitar a explosiçâo do sr. Hermann. Que peccado commettemos, para eoffrer tão dura pe-nitencia?

Fique, porém, tranqnillo o sr. Hermann, que eu serei delicado. E permltta-me que lhe externe francamente a minha opnilo.

Primeiramente, nunca acreditei que v. s. pre-tendesse fazer o que se costuma chamar a "es-tatuaria". V. S. que é bastante intelligente (prova disto é o seu systema de reclame) para suppor-se á sombra dos antigos e modernos cinzeladores, freqüentou com certeza as Esco-las de Arte e sem duvida terminou os seus. estu-

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15 dos no Museu Grévln ou em alguma fabrica de bonecos de Nuremberg..

Não conheço v. s. e nem tenho motivos de or-dem privada contra a sua personalidade, mas acho vergonhoso que, valendo-se desse nomo de "artista", que sé raros merecem, v. s. exponha os seus trabalhos. Entretanto, si essas modela-gens v. s. as utilizasse para mostrar, como se faz em certas feiras da Europa, as devastações produzidas pelas moléstias venereas, a sua ex-posição desempenharia um importante papel prophylactico e social. Mas qual, nem .isso! a gente sé encontra o opportunismo de v. s.., op-portunismo que é o de um hábil commerciante, nunca, porém, o de um homem de gosto e muito menos o de um artista.

Tudo leva a crer que v. s. jamais viu um "már-more", e, neste caso, diante da sua sinceridade seria ser teimoso não querer desculpai-o.

Comtudo, existem jornalistas que se fizeram porta-voz de v. s. e são elles, no fundo, os ver-dadeiros culpados. Si tivessem porventura, fre-qüentado uma Escola de Arte, poderiam ter mos-trado ao povo o que é a "igulgnolade" que v. s. expõe.

Em snmma, si nos occupamos de sua exposi-ção, v. s. pode estar bem certo que não é por cau-sa dos seus manequins de cera: é sobretudo pa-ra combater essa propagação da mediocridade, de que são tão ciosos os jornalistas de hoje.

HENRI MUGNIER.

Luzes e ref racçoes

No "Messager de S. Pau lo" de 8 de Abril, o sr. Henri Mugnier assina um artigo sobre "Modernismo", cheio de bom-senso e refle-xão. E ' curioso. Os únicos jornaes que pu-blicaram criticas independentes sobre a Semana de Arte Moderna foram o "Fan-fulla", o "Messager de S. Paulo", o "Deut-

sche Zeitung", a "Revista Coloniale". Ar-tigos assinados por estrangeiros. . .

Ao doloroso scepticismo, com que o sr . Mugnier termina seu bello artigo, respon-demos: A arte para o artista legitimo é co-mo o ar e o pão: elemento de vida. Querem os passadistas tirar-nos o direito de prati-car a arte. Nos lutamos pois pela nossa, como quem luta pela vida. A desesperança é uma conclusão negativa. Não pode haver conclusões negativas numa época de cons-trução.

U Pelo "Emporium" de Fevereiro o passa

dista Piccoli ataca a arte austríaca moder-na. E, mais uma vez, se revolta contra as associações de elogio m u t u o — Por quanto tempo ainda se repetirão tolices tais? Ha afinidades electivas.

Seria possível ao snr. Brecheret preferir a companhia do snr. Ximenes ao convívio do snr. Maestrovic? O elogio mutuo, deri-vado da mutua compreensão, é uma sinceri-dade orgulhosa e justa. Cada um de nos traz uma Academia Brasileira de Le t i ras no espirito. E as eleições são feitas sem pedidos de voto, nem visitas. São nobres.

I I I

O snr. Bauduin escreve em "L'Esprit Nouveau" de Fevereiro: "A' arte pela arte, derivado dum desprêso transcendente pela humanidade activa e produtora o novo li-rismo opõe a arte pela v i d a . . . " . O articu-lista terá razão desde que entenda por "ar-te pela vida" aquella que tem como base a vida, mas não se preoccupa de a reproduzir e sim de t i rar delia uma euritmia de or-

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10 dem intellectual que a vida não tem, por-que é inconsciente.

A sinceridade em arte não consiste em reproduzir, senão em criar. O seu principio gerador é a «consciência singular», pelo qual um homem é verdadeiramente digno se ser chamado poeta — isto é: criador. Ha um século atrás Schleiermacher escrevia: "A poesia não procura a verdade, ou antes, procura uma verdade que nada tem de com-mum com a verdade objectiva".

IV Provocados por uma enumeração gracio-

sa de escriptores regionaes, apparecida na "Revista do Brasil", variôs jornalistas lem-braram por suas respectivas folhas uma quantidade fenomenal de nomes esquecidos. KLAXON protesta em nome de todos os lite-ratos que ainda desta vez ficaram esquece dos; em nome de todos os habitantes do Estado que sabem lêr e escrever, e que uma vez ao menos durante a existência obscura de gênios desconhecidos que levam, manda-ram pelo Correio um cartão de boas-festas.

M. de A.

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coma coma

coma coma /

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BRASILIANA DIGITAL ORIENTAÇÕES PARA O USO Esta é uma cópia digital de um documento (ou parte dele) que pertence a um dos acervos que participam do projeto BRASILIANA USP. Trata‐se de uma referência, a mais fiel possível, a um

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JUNHO 15 1922

k l a x o n MENSARIO DE ARTE MODEBNA

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: S. PAULO -r- Rua Díreítá> 33 - Sala 5

ASSIGNATURAS - Arnio 12$000 Numero avulso — 1S0ÜO

REPRESENTAÇÃO: RIO DE JANEIRO — Sérgio Buarque de Hollauda

Rua S. Salvador, 72-A. ' FRANÇA — L. Charles Boudovin (Paris). SUÍSSA — Albert Ciana (Genebra) Rawpe de Ia Treillé, & BÉLGICA — Roger Avermaeté (Antuérpia —-

Avénue d'Amèrique, n. 160) A Redacção não se responsabiliza pelas idéias de seus collaboradores. Todos' os artigos devem ser assignados por extenso ou pelas iniciaes. E ' permitti-do o pseudonymo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na redacção. Não se devolvem manuscriptos. — São nossos agentes exclusivos para annnncios os srs. Abilio Nobre Cruz e Antônio da Costa Boueinhas,

SUMMARIO SARAH Rubens de Moraes MISERE . . SergeMilHet TEMPESTAÜE . , . Carlos Alberto Araújo AEROPLANO . Luiz Aranha CERGARE IL PRÓPRIO

DOMÍNIO . . . Vin.Ragognetti NOTAS SOBRE O HUMOUR. A, C. Couto de Sarros CHRONICAS: GUIOMAR NOVAES .(i) . . . . Mario de Andrade A POESIA JAPONESA Nico Horigoutchi ESCOLAS E IDE'AS . . . Oswaldo de Andrade LIVROS & REVISTAS CINEMA LUZES E REFRACÇÕES EXTRA-TÈXTO ,. . . Di Cavalcanti

.">$«*

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Sarah I entrou. Sentou-se a um can-

to. Ninguém poz-lhe repa-ro. Mas o mestre, que lim-pava modelos velhos, des-

cobriu-a e perguntou-lhe : — Que vieste fazer aqui? Respondeu: — Vim desenhar. E elle compreendeu que ella

não era como os outros e inda-gou que preferia desenhar.

— Um torso. Deram-lhe um pedaço de pa-

pel. Mas pediu uma folha muito grande. Nâo havia folha bastan-te grande. Então uniram varias sobre uma prancha; e ella come-çou a desenhar um torso. Mas o torso era tão grande que não ca-bia no papel. Pouco importava, porque era bello.

E o mestre perguntou: •— Onde aprendeste anatomia? — Que é anatomia? — O estudo dos músculos, dis-

seram-lhe. Compreendeu e lembrou: — Ora! vi tantas vezes as gal-

linhas que corriam quando lhes levava milho; e meus músculos também, ao me banhar no rio...

E todos a amaram e lhe disse-ram que voltasse a desenhar. Respondeu que não tinha dinhei-ro. Mas o mestre acariciou-lhe os cabellos e disse:

— Aqui não se paga. II

Voltou todos os dias. Sentada a um canto desenhava torsos, mas belos e puros.

Uma vez chegou-se ao mestre e disse:

— "Me" corte os cabellos? Elle, sorrindo: — Nunca fiz isso, mas vou

tentar. E com uma enorme thesoura

enferrujada cortou-lhe os longos cabellos negros, que tombavam mortos, em torno delia.

Quando acabou, ella disse: — Sinto-me bem. Obrigada. E partiu, feliz, a nuca fresca.

III Chegou-se para nós e f aliou: — Não posso voltar mais. Es-

tou sem sapatos.

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2 Mas um dos rapazes lembrou: — Tenho três irmãos menores.

As botinas do mais velho talvez te sirvam. Trarei um par usado.

Trouxe-lho. E ella continuou a vir diariamente, com os cabel-los cortados e botinas de menino.

IV Fiz annos. Todos no meu quarto. Ella en-

trou e entregou-me uma repro-ducção de Gangin, dizendo :

— Dou-te isto. Beijeia-a; depois perguntei on-

de achará dinheiro para comprar o presente.

— Posei cinco dias, murmurou. Quando voltei para São Paulo

não chorou. Mas, ao beijar-me, seus lábios tremiam.

VI Escreveu-me. Sobre a pagina

branca havia: "Tenho

duas cerejas uma para mim outra guardo-a para

ti." Só. Para que mais?

VII Um dia, no atelier, recorda-

vam-se de mim. E ella disse: — Quero ir vel-o no Brasil. Mas o mestre contou-lhe que

era muito longe o Brasil. Tão

longe que não sabia calcular quanto tempo gastava para lá ir.

Então um rapaz muito pallido e magro faliou:

— Sei sommar; e vou fazer a conta.

Sentaram-se todos em roda. Puzeram deante d'elle uma fo-lha de papel; mas como a som-ma era muito comprida pegaram uma grande folha de papel.

E o rapaz muito pallido e ma-gro sommou dia por dia quanto tempo ella precisava para vir ao Brasil. Quando a somma estava prompta uma alumna que tinha nariz de trombeta aconselhou:

— Ponha dois dias para as do-res de cabeça.

E o rapaz muito pallido e ma-gro ajuntou mais dois dias para as dores de cabeça e annunciou que era preciso caminhar dois annos e dois dias para vir ao Brasil.

Mandaram-me o resultado da somma. Não mandaram todo o calculo, porque era muito gran-de.

VIII Espero-a. Sei que virá.

IX Sarah

RUBENS DE MORAES

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3 M S E R E

aluons Tépicier du coin car toutes les platitudes sont légçres sontlégères Des amis m'offrent 1'apéro

IRONIE Inconscience des bourses pleines qui croient qiTon dine tous les jours Mais je danse le soir au bar et je tends Ia main au patron et je nTintéresse à Ia politique Internationale et le Ministre du Japon me prend souvent pour le danseur de Ia maison Je remonte le fleuve intérieur 1'eau sale se purifie Trop encaissé redescendons

AVANT APRÈS Je crains Ia mort le néant Est-ce possible Tous les moyens sont bons Passons Chambre sarcasme Le tuyau de Ia pipe devait passer par ce trou bouché avec du papier Egoút des escaliers k l ax on

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4: 40 francs par móis changement de décor II y a une alcôve ou tu viens et une chromo qui te fait sourire Je n'aime pas que tu ouvres ta bourse

Tous les cerisiers sont en fleurs un bruit de ferraille qui tombe et c'est un pont et c'est Reignier

ICIFINIT LA MISÈRE MISÉRABLE Beaucpup de jeunes filies sous les sapins Je m'habille convenablement EHes aiment que je leur dise Pavenir d'après Ia forme et le goüt de leurs lèvres Cest une immense comédie je veux écrire aussi un D. Juan et 1'ahandon de Pune est Pabandon de toutes Geste sec Pli des lèvres Non je n'ai pas de remords Cette ame soeur voudrait changer ma destinée me purifier me simplifier Bah je connais toutes les ficelles

ICI J'AI REVU UESCALIER QUI MONTAIT TUNNEL

vers une cave hypothétique

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P

ON ME PREND ENCORE pour un millionnaire américain avare Dans une cabine à six places avec dans Ia tête tout le soleil du nouveau monde et des expédients inavouables

SERGE MILLIET.

TEMPESTADE rincipio de tarde. Carnaval no céo.

Mascaras negras, mascaras brancas, mascaras cinzentas, o sol experimenta todas as mascaras, até que se esconde sob uma dellas e não apparece mais.

Desvairamento invisivel.

Serpentinas de relâmpagos atravessam o espaço. E atraz dos montes longínquos, mãos imponderáveis, mãos pobres procuram em vão recolhe-las.

Serpentinas, mais serpentinas!

klax on

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6 E as nuvens rápidas agitam-se tanto, tão nervosamente, que já não têm mais forças.

Pobres braços desarticulados, braços cançados, descendo sem querer

E a chuva fria cae, cae longamente, cheia do perfume das folhas lustrosas, cheia de ether, vaporosa, cheia de céo.

E a chuva fria cae, cae docemente, cada vez mais calma, cada vez mais fria, até morrer

E o magro céo, branco como um palhaço, ergue e começa a arquear sobre a cidade o arco-iris alegre e violento, sob o qual vae passar triumphalmente, nos cavallos lustrosos da noite, o prestito invisivel dos astros.

CARLOS ALBERTO DE ARAÚJO

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7 O AEROPLANO

uizera ser az para voar bem alto Sobre a cidade de meu berço! Bem mais alto que os lamentos bronze Das cathedraes catalepticas; Muito rente do azul quasi a sumir no ceu Longe da casaria que diminue Longe, bem longe deste chão de asphalto...

Eu quizera pairar sobre a cidade!...

O motor cantaria No amphitheatro azul apainelado A sua roncante symphonia... Oh! voar sem pousar no espaço que se eslira Meu, só meu; Atravessando os ventos assombrados Pela minha ousadia de subir Até onde só elles attingiram!*..

Girar no alto E em rápida descida Cahir em torvelinhos Como ave ferida...

Dar cambalhotas repentinas Loopings phantasticos Saltos mortaes Como um athleta elástico de aço

O ranger rascante do motor... No amphitheatro com painéis de nuvens Tambor...

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g

Se um dia O meu corpo escapasse do aeroplano, Eu abriria os braços com ardor Para o mergulho azul na tarde transparente.*. Como seria semelhante A um anjo de corpo desfraldado Azas abertas, precipitado Sobre a terra distante...

Riscando o ceu na minha queda brusca Rápida e precisa, Cortando o ar em êxtase no espaço Meu corpo cantaria Sibilando A symphonia da velocidade...

E eu tombaria

Entre os braços abertos da cidade...

Ser aviador para voar bem alto!

LUÍS ARANHA.

Cereare il Próprio IMtHIMO

uardare. Dire con Io sguardo cio che esprimerebbe Tanima con Ia musica delle parole.

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9 Sapere se i sensi delia f emmina vibrano con Io stesso ritmo nostro o, se rispondono, inerti e domi, alie incessanti provocazioni delia languida voluttà.

Consacrare nel tran-tran delia vita diüturna Tattimo eccelso che segnò Ia rigogliosa nascita di un sentimento che non muore.

Afferrare Ia prima lucciola deirillusione e vivere con essa finche essa viva in noi nella sua fase celestiale.

E gridare allora che il signore sei dei tuo destino.

VIN. RAGOGNETTI

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10 Notas sobre o "Humour"

t Meu caro amigo: enho necessidade de dizer-lhe que não

concordo com alguns tópicos do seu artigo sobre o humour. Sei perfeitamente que você não pre-

tende impor, com um qual ou tal dogma-tismo, uma theoria definitiva sobre assum-pto tão controvertido. E' preciso a gente ter excesso de imaginação para acreditar que está fazendo cousas definitivas...

O processo de derruir com vituperios e mófas uma theoria qualquer, sem previa-mente determinar-lhe as fragilidades e as incoherencias, é muito commodo, porque poupa o trabalho cerebral. Entretanto, a to-do instante vemol-o empregado e dahi a sem-cerimonia com que certas creaturas rotulam de sandeus e obliterados aquelles que rezam por outra cartilha, e não estão accordes com as massudas metaphysicas que fabricam. E não raro logram adeptos daquillo que com tanta empáfia alardeiam. Explicável este phenomeno: no mundo ha pouca gente capaz de um controle sobre as idéias alheias e as próprias. A maioria é boba; não recebe idéi-as, antes estas é que lhe são impostas; o artificio do "quem não acceita isto é parvo" resulta decisivo para ella. E esta maneira de catechese espiritual é mais commum do que geralmente se pensa.

Quando você contesta a classificação de humourista dada a Camillo por Alcides Maya, funda se no temperamento fervoroso e crente do tremendo pamphletario e diz: «falta ao autor da Queda de um anjo a conformidade, o reconhecimento risonho da inutilidade da revolta, tão commum aos hu-mouristas".

Entretanto, não ha negar, Camillo escre-veu paginas humouristicas. Como explicar, consoante o seu modo de ver, consistente em considerar a idéia do nada como fundamen-to do humour, — esse phenomeno tão inte-

ressante? Si não pôde haver humour sem essa obsessão nihilista, como explicar as pa-ginas humouristicas de Camillo? A sua theoria está agora embaraçada como a me-nina que ouve, pela primeira vez, uma de-claração de amor. . . Fica vermelha e em-mudece..,

O erro inicial, o erro de quasi toda gente está em confundir o humour, expressão de um estado transitório do espirito, e a con-cepção humouristica do universo.

Quem lê os humouristas, de todos os tem-pos e logares, ha de notar que os seus pro-cessos de expressão são sempre os mesmos. Tratam, em tom jocoso, de assumptos repu-tados os mais graves, e, contrariamente, fal-iam de modo apparentemente sério de nona-das, de corriqueirices. O trecho de Swift que v. transcreve é um exemplo frisante. Ora, esses artificios, são susceptíveis de cópia e ha quem com elles jogue com habilidade ex-trema, com o fito único de obter o flagrante, o contraste, o inesperado, fazendo a graça zimbrar como uma flecha de ouro.

Assim, o humour pôde ser uma attitude arbitrariamente assumida, não sendo o re-sultado de uma concepção de vida. Si a tris-teza se manifesta por meio de determinados traços phisionomicos, não se segue dahi que, cada vez que encontramos numa pessoa es-ses traços, esteja ellá realmente triste. A capacidade de simular é grande, assim no re-banho humano como. nas outras espécies ani-maes. Sem simulação não teríamos theatro, nem jóias as mulheres, nem bemaventuran-ça uma porcentagem elevada de maridos...

Camillo que tão desabaladamente gesti-culava e que, como um vulcão, despejava la-vas de injurias sobre seus contemporâneos, Camillo, o pamphletario, o satyrico, o mor-daz, também tinha seus momentos de repou-so e approuve-lhe brincar alguns segundos com algumas prezas, já que estava farto de sacrificar centenas. Camillo não possuia a concepção humouristica do universo. O seu

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11 espirito, bellicoso e aggressivo, não sabia jeduzir os valores sociaes, antes, augmenta-va-lhes a virulência, de tal modo que uma al-finetada doia-lhe como um golpe de punhal. Camillo dá a idéia de um furacão destinado a desfazer um castello de cartas, que um simples sopro bastaria para derruir.. .

Isso não impediu que fizesse humourismo. Mas essa flor tão clara e frágil appareceu, na sua obra, prisioneira num gradil de espi-nhos. E tão perdida e timida está ella nesse entrelaçamento de aculeos, que a gente crê a flor não nascida da arvore, ou que é en-tão um espinho disfarçado...

E' por isso que eu julgo Camillo um sa-tyrico e não um humourista. Chegámos á mesma conclusão, você e eu, mas por diver-so caminho. Você não o classifica ao lado de Machado de Assis, porque acha que elle não fez humour. Eu digo que, apesar de ter feito humourismo, não tem a concepção hu-mouristica do universo (que é essencialmen-te sympathica, embora sceptica). Não, é, portanto, rigorosamente um humourista.

Mas em que consiste essa concepção hu-mouristica do mundo? Ella se caracteriza pelo facto do individuo descobrir, a custa de uma analyse arguta e constante, o que ha de falso, de artificial, de impostura, de inada-ptação, nas attitudes mais sublimes e nos gestos apparentemente os mais sérios; ao mesmo tempo que um sentimento de profun-da sympathia ou piedade enche o espirito do observador, de modo a impossibilitar revol-tas e invectivas. Da constância dessa ana-lyse resulta a obsessão da mesquinhez hu-mana : vemos constantemente no fructo mais apetecivel o caruncho minaz e repellente. En-tretanto, em vez de atirarmos fora o fructo, guardamol-o com maior carinho. Dahi a as-serção de que o humour é destituído de espi-nho ,uma postura eminentemente sympathi-ca apesar de sceptica: "on voit Ia valeur de Vobject a travers son petit côté», diz Hoff-ding.

Como se exprime essa concepção? Na-quella maneira literária denominada hu-mourismo: sempre o contraste, o imprevis-to e tantos outros processos, já devidamen-te catalogados.

Ao lado dessa concepção humouristica das relações humanas, resultante de um trabalho intellectual que notou as contra-dicções, fraquezas, incoherencias e inadapta-ções, não só nas attitudes e praticas huma-nas, como nas theorias mais transcenden-taes (logo um scepticismo generalizado, a-companhado de sympathia); existe a dispo-sição humouristica transitória — a intelli-gencia arguta descobrindo, em dado mo-mento, uma fraqueza, contradicção ou ina-daptação qualquer, sem contudo produzir imprecação ou revolta.

Portanto, para haver humour, não é neces-sário a idéia de que tudo no mundo é vaida-de, de que tudo é egual a zero. O certo é que muitos humouristas são completamente scepti cos e outros não. Os primeiros desco-brem que os fructos mais puros são bicha-dos, mas nem por isso o deitam fora, por-que, si assim procedem, morrer de fome. Os outros descobrem a podridão em certas cousas, só em certas cousas. Têm uma con-cepção humouristica parcial do universo.

Mas tanto o humour do absolutamente sceptico, como do parcialmente sceptico, como do accidentalmente sceptico, encerram em si os mesmos elementos caracterizadores — o riso (proveniente de uma contradicção, etc.) acompanhado de sympathia para o seu objecto. O que se exige para o humourismo é uma intelligencia arguta, malleavel, elás-tica, e, sobretudo, uma grande bondade.

Agora, para finalizar, uma historia: Supponha você um possante deus de bron-

ze, olhos que fulminam, busto eril e pleno, músculos inchados sob a pelle escura, como grossas raizes sob a terra; que recebesse sacrificios de seus fieis, em vinho, em san-gue, em mel e carne humana. Nos dias de festa o deus profere vaticinios. E as pro-phecias sahem de seu lábios de bronze, co-mo sons de sino numa torre. Mas na tra-zeira do monstro divino ha uma portinhola, por onde um sacerdote entra, curvado, e desapparece. Esse bonzo é quem, cavilosa-mente escondido no deus ventrudo, alimen-ta a crendice popular, roncando-lhe augu-rios tenebrosos.

Ora, aquelle que, dentre o povo, desço-

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12 brisse a alicantina sacerdotal, faria o papel que o humourista faz no nosso tempo. Pois que é que fazem os humouristas, perspicaz amigo? Nada mais, nada menos que agar-rar pela fralda o insinuante sacerdote e de-duzir dahi que o gordo e amoravel deus é inerte como uma múmia de Pharaó.

Imagina, depois dessa descoberta, no meio da multidão reverente e pasma, o ho-mem malicioso que uma vez surprehendeu o sacerdote esgueirando-se, como um rato sonso, na barriga do monstro!

Elle está num posto evidentemente su-perior. Viu o lado de dentro — o embuste, a fraude, o artificio; vê o lado de fora — a reverencia, o respeito, a genuflexão.

A flagrancia desse contraste faz nascer a flor clara e tremula de um sorriso nos seus lábios.

Aqui resumo as proposições principaes sobre humour, desenvolvidas no bojo desta carta massante:

a) O humour pôde ser uma disposição transitória do espirito. Facto familiarmen-te verificável e muito vulgar. Existe tam-bém, accidentalmente, na literatura não hu-mouristica. Em geral se exercita sobre fa-ctos communs e corriqueiros, prestando-se, por sua natureza, á mofa dos observadores. E', por assim dizer, a espécie grosseira do humour, em contraposição áquella que se exerce sobre factos que, para o commum dos homens, são elevados e graves.

b) O humour pôde resultar de uma con-cepção humouristica do universo: uma in-telligencia altíssima a descobrir fragilida-des, mesquinhezas, inadaptações nos gestos, attitudes e conjecturas humanas; ao mesmo tempo que não impreca, nem se revolta, por existir um laço de funda sympathia entre o sujeito e o objecto. Muitos dizem que a au-sência de espinho no riso humouristico pro-vêm da convicção de que tudo é zero e vai-dade no mundo. Isto pôde muito bem ser. O sentimento do vasio universal coexiste em muitos humouristas. Mas ha muitos del-les para os quaes nem tudo é vão, nem tudo é nada. Ao contrario, uma confiança forte e persistente é que faz nascer melhor a bon-

dade, aniquiladora de revoltas. Veja-se este trecho de Hoffding: "II peut se développer (o sentimento do ridiculo) de manière a devenir une disposition fondamentale, une manière de comprendre Ia vie, qui a sans dou te un oeil ouvert sur ce que le monde presente de borné, de douloureux, d'insigni-fiant et de discordant, et qui met tout cela en un vif contraste avec ce qu'il offre de grand et de considérable, mais qui cepen-dant a domine toute amertune par sa pro-f onde sympathie pour tout ce qui vit, et par sa ferme confiance dans les puissances qui règnent dans Ia nature et dans Vhis-toire",

c) Por qualquer face que se encare o humour, como expressão de um estado tran-sitório ou de uma concepção de vida, sem-pre ha nelle, como seus elementos formado-res, uma descoberta da analyse intelle-ctual que vê o lado mesquinho de uma cou-sa ao mesmo tempo que está unido ao ob-servador por um laço de funda sympathia. O riso que vem dahi é um espinho.

Quando Carlyle diz que "o humour ver-dadeiro, o humor de Cervantes e de Sterne procede mais do coração do que do cérebro", parece fazer uma distincção entre duas es-pécies de humour: o verdadeiro e o falso. Mas a intenção de Carlyle é outra: elle pre-tende distinguir o riso sympathico, sem fel nem espinho, do riso antipathico e acerbo. Só o primeiro constituè o humour. O outro não passa de uma reacção do indivíduo con-tra seu semelhante ou o seu meio e se expri-me na satyra, no epigramma etc. Este é, por assim dizer, passivo, dependente, es-cravo. O humour é independente, livre, ac-tivo.

Por isso todos riem de D. Quixote mas não ha ninguém que o não ame. Anatole France, referindo-se a Rabelais, diz que é um dos seus característicos "chérir ceux dont il se moque".

d) O humour não é uma conseqüência forçada de uma visão nihilista do universo. Haverá livro mais desolante do que o Ec-cleseastes? Entretanto elle não tem nada de humouristico.

A. O. COUTO DE BARROS.

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13 Chronicas GUIOMAR NOVAES

(PIANISTA ROMÂNTICA) a grande e jovem escola de piano de São Paulo produziu já duas artis-tas admiráveis que podemos, sem temor, colocar á mesma altura de qualquer virtuose estrangeiro actual: a senbora Budge Miller e a senhprinha Guiomar Novaes.

Agradável e fácil seria um paralelo entre am-bas. Nada menos trabalhoso do que salientar a antítese violenta que entre elas existe. Uma: ca-racter severo, tipo clássico, diríamos cerebral; e, por todas essas qualidades dominantes .intér-prete exacta dos clássicos ou dos post-románti-cos. Outra: pianista romântica na mais total si-gnificação do termo, vibratibilidade impressio-nável á mais fina cambiante da sensação.

Infelizmente Antonieta Budge Miller não poude continuar como representante das nossas possibilidades artísticas no estrangeiro. Mais in-felizmente ainda nem aqui se faz ouvir. Grande pena! A extraordinária intérprete, com a con-tinuação dos seus concertos, seria dum benefício eficaz para o desenvolvimento do espírito mu-sical paulista.

Estamos ainda em pleno romantismo sonoro; e Chopin é o soluçante ideal de todas as nossas planeiras. A senhora Budge Miller seria o único mestre possível desse auditório; capaz de impor-Ihe Debussy e Bavel — músicos que já repre-sentam um passado na Europa e que inda mal são percebidos pela nossa ignara gente.

Guiomar Novaes — certamente maior como genialidade — não preenche essa falta. Artista já universal, não pode imobilizar-se neste polo-norte artístico que é o Brasil; e, caracteristica-mente romântica, não representaria com eficácia esse papel de mestre que educa.

Insisto em chamar á senhorinha Novaes de pianista romântica.

Combarleu, procurando na Itália, musical os Influxos do romantismo alemão, eslavo e fran-cês, salienta a figura de Paganlni, a quem de-nomina: "violinista romântico". Mas, para mim, o que induziu o célebre historiador a essa clas-sificação foi muito mais a lembrança da vida do endiabrado gênio que o espírito de sua obra e os seus meios expressivos. O grande italiano, afinal, nada mais faz do que continuar, no vio-lino, as tradições do bel-canto, já então desna-turado com a decadência da escola napolitana.

Paganlni transporta para seu instrumento, exagerando-a porventura (e nisso ha realmente romantismo) a virtuosidade suntuosa dos alu-nos de Caffaro ou de Porpora. O próprio Liszt, moço, com ouvir Paganlni, transforma apenas sua técnica pianística. Chopin, e principalmente Berlioz é que darão ao autor de Mazeppa o en-dereço espiritual do romantismo.

A Guiomar Novaes cabe, com muito mais exactidâo, o epíteto de "pianista romântica" Encarna, até mesmo sob o ponto de vista da li-berdade ás vezes desnorteante com que se ob-serva a si mesma (no Prelúdio, Coral e Fuga, no Carnaval, em Minstrels, em Scarlatt) toda a estesia do romantismo.

N8o cabe agora uma explicação em regra do que entendo por romantismo. Palavras elásticas estas: classicismo e romantismo! E' meu dever porém explicar porquê considero a senhorinha Novaes uma pianista romântica.

Em primeiro lugar: não é necessário provar a decisiva simpatia que ela dedica aos composi-tores românticos. Chopin, Schumann e Liszt formam o núcleo dos seus programas. Inda mais: nestes músicos a grande intérprete sente-se á vontade. E' sempre maravilhosa, sempre perfei-ta. Já o mesmo não se dá quando executa clás-sicos ou modernos. Falo dos que são espiritual-mente modernos. Sem dúvida nestes Guiomar Novaes é sempre interessante. Por mais que uma Interpretação sua contraste com o espírito dum autor ou dum trecho, ela interessa sempre, atrai e encanta. Mas não comove nem entusiasma como quando executa a Barcarola ou a Dansa

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14 dos Duendes. A esse prodígio de graça que ê a "Pastoral" de Scarlatti, por exemplo, ela con-segue dar um dinamismo perMto, mas não uma interpretação integral. Falta-lhe o senso do equi-líbrio e da medida a que os românticos deram uma elasticidade incompatível com o espírito dansante e protocolar do século 18.

O mesmo se dá com o misticismo de César Franck. Guiomar Novaes, estou certo disso, in-terpretaria genialmente os trechos religiosos de Liszt; mas no "Prelúdio, Coral e Fuga" nSo é perfeita. Entre o misticismo do abade Liszt e o misticismo de Franck ha uma distinção cabal que explica perfeitamente o romantismo da nos-sa grande artista. Liszt é um religioso dos sen-tidos. Franck, um católico intelectual. Liszt sofre e resa. Franck pensa e prega. Não creio que por isso se possa dizer que Liszt seja mais humano; mas podemos verificar que êle é mais sentimen-to, ou milhor: mais sentidos. A sensibilidade fi-níssima de Guiomar Novaes, a sua impetuosidade apaixonada levam-na a milhor realizar a mesma Impetuosidade, a mesma dor sem controle que o misticismo romântico realizou.

E o que digo do misticismo, poderia glosar para todas as demais paixões.

Todos os artistas afinal (exceptuados aque-les que, por um preconceito infecundo, procu-raram abafar o próprio eu) uns mais discretos, outros mais derramados, todos os artistas ex-pressaram sua sensibilidade e fizeram reflectir nas suas obras as circunstâncias passageiras em que existiram Bach, Beethoven, Verdi como Sehumann, exprimiram, antes de mais nada, sua maneira de sentir. A afinidade de Guiomar No-vaes e dos românticos não está em procurarem estes e aquela expressar a sensibilidade que pos-suem. E' mais subtil do que isso. Os românti-cos, entregues ao delírio de viver pelos sentidos, traduziram, mais do que o próprio eu interior, um eu de sentidos, si me poderei assim explicar, um eu livre de controle. Vejo neles uma reali-zação toda sensual, toda exterior. Para esses ar-tistas de 1830 o julgamento da inteligência, na criação da obra de arte, realizava-se tão somente sob o ponto de vista da beleza formal.

A senhorinha Novaes apresenta, quer inter-prete Scarlatti, quer Bachmaninoff, as mesmas tendências românticas que acima demonstrei. E, embora admirável num estudo de Scriabine, em-bora atraente numa fuga de Bach, é sempre em Sehumann, Liszt e especialmente Chopin que atinge sua maior força de expressão.

Foi por isso que, antes de mais pormenoriza-damente estuda-la como intérprete e virtuose (o que farei num segundo artigo) insisti em pro-clamar a senhorinha Guiomar Novaes uma pia-nista romântica.

MABIO DE ANDRADE

A POESIA JAPONEZA CONTEMPORÂNEA

Admiram-nos freqüentemente os progressos rápidos e prodigiosos da civilisaçâo japoneza nos últimos cincoenta annos. Entretanto, si ten-tássemos estudar cuidadosamente a poesia japo-neza, maravilhar-nos-hiam as transformações profundas que se produziram num tempo muito menos curto, pois que a evolução só começou ha uns vinte e cinco annos mais ou menos.

Não é, com effeito, senão por 1895 que a poe-sia japoneza despertou, sahindo da espécie de somno lethargico em que estivera mergulhada até então.

Este movimento produziu-se em todos os gê-neros poéticos: Tankas, Hai-kais e Shin-tai-Shi. Os velhos poetas só cantavam themas universaes e gastos, numa linguagem caduca e em fôrmas estabelecidas das quaes não podiam se afastar. Dir-se-hia que todos os poetas respiravam uma mesma atmosphera poética, de maneira que os poemas se pareciam muito, qualquer que fosse o objeeto tractado, sem que se manifestasse qual-quer dlfferença de temperamento dos autores.

A poesia era uma espécie de prisão; e foi em derrubar essa bastilha suffocante que se empe-nharam os promotores do movimento litterario que hoje continua.

Mas, nesse admirável paiz do Sol Levante, as cousas vão mais depressa que em outra parte, de sorte que os primeiros novadores foram ra-pidamente suplantados pelos mais novos, que não tardaram em consideral-os perfeitamente "vieux jeu", activando o movimento com uma velocidade vertiginosa.

Foram, com effeito, os jovens que supprimi« ram a linguagem convencional poética por vá-rios séculos empregada, para substitull-a pela linguagem falada, corrente, que é em summa a verdadeira língua japoneza, a que melhor traduz toda a vida desse povo que soube, em tão pouco tempo, collocar-se entre as grandes potências do mundo. E \ pois, na mudança radical dessa lin-guagem empregada em poesia que consiste a re-volução, que, a principio, foi muito mal acolhida pelos meios acadêmicos e officiaes, onde tudo, a despeito do progresso, permanecia affectado e convencional.

Pouco a pouco, porém, essa espécie de ostra-cismo acabou por ceder lugar a uma certa be-nevolência para chegar emfim á acceitação com-pleta do que se reconheceu poesia verdadeira, anica susceptível de dar emoções sinceras aos que comprehendem a vida actual.

NICO HOBIGOUTCHI. k 1 a x o n

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15 ESCOLAS &IDÉAS

LIVROS & REVISTAS

(Notas para um possível prefacio) Boger Avermaete em extensão. Toda arte rea-

lista, interpretativa, metaphysica. A única arte excellente — a que fixa a rea-

lidade em funcção transcendental. O péssimo = a Interpretação = Romantis-

mo. Vejam o ruim de Shakespeare, o ruim de Balzac. Zola inteiro. José de Alencar inteiro. Coelho Netto inteiro.

O Eu instrumento não deve apparecer. Esta-belecer a metaphysica experimental. Tinham razão os bons naturalistas. A' morte o Eu es-torvo, o Eu embaraço, o Eu pezames. Mal de Maupassant e de Flaubert — unilateralidade. Desconheceram o imperativo metaphysico.

Os grandes — Cervantes, Dante, depois dos gregos que primeiro fixaram a realidade em funcção da eternidade = O SEGBEDO.

Os gregos, depois dos prophetas. Todos, pre-cursores e futuristas, na mesma medida da Be-láçâo.

Derivou d'ahí uma lei de escolha, fazendo entrar para artistas, mais gente.

Quem attingiu, attingiu. E seleccionar nos enormes, nos gênios. Saber ver os que fizeram, na arte, como Aristóteles, como Thomas de Aquino, como, Kant. Sempre na medida da Be-lação, na medida do Segredo. "Por cima de mim, o estrellado ceu; a lei moral dentro de mim." Somma: Methaphysica + Bealidade = Luz. Licht, mehr Liçht! A suggestão dos-assumptos = toda a historia do mundo = toda a historia do Exilio = A Divina Comedia, Fausto;

A suggestão dos poemas definitivos — O livro de Job, Prometheu, Edipo, Hamlet, A tempes-tade, Dom Quichotte, Brand e Peer, As Flores do Mal.

Bemdictos os que reagiram contra a Interpre-tação — Bimbaud, Lautréamont, Apollinaire e a Corja até Cendrars, Soffici, Bonald, Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Luiz Aranha — "O Homem e a Morte", "Soror Dolorosa", Bibeiro Couto inédito e Serge. Antônio Ferro genial.

E Juan Gris, pelo processo, pelo "round", pela raiva provocada nos interpretadores de bois. •Bemdictos, Brecheret, Malfatti, Di Cavalcanti. Avermaete, exacto, descobrir. Pedro Alvares Ca-bral sem acaso.

Definir mais ensinar, berrar. Três pinturas. Não só. Três maneiras de arte. Bealista, Inter-pretativa, Metaphysica. Fora a interpretação! Lei da Metaphysica Experimental: Bealisar o infinito.

OSWALD DE ANDRADE.

"A Mulher que peccou" — por Menotti dei Picchia — Editores: Monteiro Lobato & Cia. — S. Paulo.

Mais um livro do nosso admirável colaborador. KLAXON é parco de elogios. O novo livro de

Menotti dei Picchia assim julgamos: Dos milho-res da literatura brasileira.

A figura de Nora é uma figura humana. Mo-ve-se como poucas outras da ficção nacional. Ge-ralmente, tem-se a impressão, ao ler romances nacionais, que às personagens são percebidas por nós por um binóculo em que se olha ás aves-sas. Nós vemos Nora. Sentimo-la. Agora mesmo sentou-se a meu lado. Menotti dei Picchia é um criador.

Como língua: virilidade, expressão, beleza. Imagens luxuriantes. Bepetições. Adjectivaçâo sugestiva. Descrições magníficas. Poesia. Eis uma página genial:

"O crepúsculo ardia, phosphoreo, no occiden-te. Como uma theoria processional de phantas-ticos trapistas, nuvens enormes acompanhavam á cova do poente, o cadáver do sol. Havia uma extranha pompa fúnebre, no altor como no en-terro dum deus. Da outra banda do ceu, a noite, que subia, ganhava o zenith cor de cobre. Esten-dia, morosa, a tapeçaria macabra da treva, pre-gando-a com taxas de estrellas, como se armasse uma gigantesca câmara ardente. E vinha uma lua muito triste chorar luz nessa noite de luto..." Menotti dei Picchia é um artista.

M. A. Benato Almeida — "Faus-to" T— Edição do Annuário do Brasil.

Benato Almeida com este "Ensaio sobre o Problema do Sêr", fortalece a alta posição que lhe cabe entre os moços do Brasil Novo. Grande erudição. Linguagem nítida. Clareza de concei-tos. Estuda a finalidade humana, relaciona a nossa dependência para com o Supremo Motor, pregando a redempção pela fé. Paira sobre a energia da sua demonstração, tal sopro de sen-timento e de piedade, que lhe faz da obra, sobre scientífica, immensamente lírica. E' preciso ler Renato Almeida.

Farias B r i t o . . . Jackson de Figueiredo. . . Re-nato Almeida. . .

Está chegando o dia em que o Brasil, em vez de celebrar centenários de fantasmas, proclama-rá a sua Independência.

V. L.

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10 De Antuérpia (Bélgica) chega-nos âs mãos o

numero de Março ultimo de "LTJMIÊBE", ór-gão representativo do novo pensamento belga. No summario. o que ha de bom: Boger Aver-maete, Bob Claessens. Charles Cros, Guilherme de Almeida, Armand Henneuse, Andreas Latzko, Serge Milliet, Mareei Mil le t . . . Bellas gravuras em madeira, assignadas por "Walter Grammaté e pelos flamengos Henri van Straten, Joris Min-ne e Jan Cantrê. Grande espirito de selecçâo. direcção graphica notável.

"LTJMIÊRE" precisa ser lida. * * *

Editado por "LUMIÊBE". o curioso desenhis-ta Van Straten lança um álbum de gravuras em madeira: "LA DOBMETJSE. Como todas as pu-blicações que saem da grande revista editora, o poema sem palavras do artista flamengo é amos-tra brilhante do moderno espirito belga. Seis es-tampas soltas. Um thema arrojado, tratado com uma linda liberdade. Van Straten é realista, mas de um realismo de sonho. Os detalhes que com-menta e que em outros seriam brutaes, parecem sempre bellos pela espiritualidade que lhes ac-crescenta. Grande força synthetica. Primitivis-mo adorável.

CINEMAS DO RIO A SXO PAULO PARA CASAR

A empresa Rossi apresenta uma tentativa de comedia. Applausos. Transnlantar a arte norte-americana para o Brasil! Grande beneficio. Os costumes actuaes do nosso paiz conservar-se-hiam assim em documentos mais verdadeiros e completos que todas as "icoisas-da-cidade" dos chronistas.

Photographia nitida, bem focalizada. Aquellas scenas nocturnas foram tiradas ao meio-dia, com sol brasileiro. . . Filmadas á tardinha. o rosado nao sendo photogenico, a producção sahiria suf-ficientemente escura. Isso emquanto a empresa não conseguir filmar á noite.

O enredo não é máu. Fora preciso extirpai-o de umas tantas incoherencias.

A montagem não é má. Fora preciso extir-pal-a de umas tantas incoherencias.

O galã, filho de uma senhora apparentemente abastada, por certo teria o dinheiro necessário para vir de Campinas a S. Paulo. A sala e o quarto de dormir da casa campineira brigam juntos. Aquella burguesa, este paupérrimo. Ac-cender phosphoros no sapato não é brasileiro. Apresentar-se um rapaz á noiva, na primeira vez que a vê, em mangas de camisa, é imitação de hábitos esportivos que nâo são nossos. E outras coisinhas.

E* preciso comprehender os norte-americanos e não macaqueal-os. Aproveitar delles o que têm de bom sob o ponto de vista technlco e não sob o ponto de vista dos costumes. Artistas regala-res. Pouco photogenicos. Porque não usam pó de arroz azul? De quando em quando um gesto pe-nosamente r id ículo . . . Num film o que se pede é vida. E' preciso continuar. O apuro seria pre-conceito esterilizante no inicio de empreitada tão difficil como a que a Bossi Film se propõe.

Applauso muito sincero. Seguiremos com en-thuslasmo os progressos da cinematographia paulista.

B. DE M.

THE KID — Charles Chaplin

A obra magistral de Carlito, vae ser repre-sentada em S. Paulo. Trabalho marcando uma era. Jamais foi attingido interpretativamente o grau registado ahi. Passa da alçada commum do film. Vemos onde pode chegar o cine e como elle deve ser. "The Kid" é Integral, harmônico com a época. Nelle Chaplin, por sua vez, está na culminância da sua arte.

Chegou magistralmente ao fim da evolução de que dera mostras desde "O Vagabundo": Carlito artista, director, enscenador, creador de um gênero inteiro novo, interprete ainda nnnca visto; e acima de tudo immensamente humano. Ao seu lado, o pequeno Jackie Coggan produziu sensação. A critica europêa, em geral pouco in-dulgente para com o cine yankee, foi unanime em elogia-lo. Sua apparição na tela, devida a Carlito director, e seu jogo scenico é simples-mente prodigioso. Assim, entre outros, disse J. G. Boissiére, autoridade na matéria.

Em synthese: The Kid é uma revelação.

LUZES E REFRACÇÕES

na Academia Brasileira de Lettras, a respeito do monumento a Machado de Assis, o sr. Afranio Peixoto lem-brou "os dois maiores escultores brasileiros,: Bernardelli e Correia Lima." . .^ Nosso querido Graça Aranha aparteou: "E porque nao

Brecheret?". O sr. João Bibeiro: "Quem ê Bre-cheret?" Respondemos: Victor Brecheret é um escultor paulista actualmente em Paris. Seus trabalhos também são aceitos no Saláo de Ou-tomno. Varias revistas do Bio já reproduziram obras suas. A "Eva" descansa nos jardins do Anhangabahú. Brecheret é tão forte artista que, em vez de copiar a natureza, crea tirando ape-

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nas da natureza a causa primeira da inspiração. Mas é preferível que o sr. João Ribeiro continue a ignorar Brecheret. Este naturalmente não fa-ria do gênio de Braz Cubas um retratinho em que se enumerassem todas as rugas e cabellos ;— único processo estético capaz de commover a languida saudade endinheirada dos srs. acadê-micos.

* * * Ribeiro Couto em "O Mundo Literário" n. I :

"Uma literatura á parte — principalmente quando ella é a vasta literatura paulista —'Si-gnifica: uma nação em marcha, a surgir. O que me parece inteiramente inquietante." Também tu, amigo! Até agora, acossados por um temor sentimental, eram os irmãos dos outros Estados que nos lembravam de quando em quando as ldeas de São Paulo independente e de separa-tismo. Agora, comtigo, até os próprios paulistas que estão fora do Estado, principiam a alimen-tar em nós essas idéas. Desolador! Mas não te lembras do fundo sulco de indignação que arou a sociedade paulista quando o sr. João Ribeiro disse de nós as maravilhas, únicas que poderiam •brotar na parca phantasia desse acadêmico? O paulista, é verdade, tem orgulho de ser paulista. Mas o bahiano também se orgulha de ser ba-hiano. São Paulo progrediu devido, em grande parte, á terra mansa que Deus lhe deu. A Bahia permittiu que suas laranjas fossem constituir uma das riquezas da Califórnia. A culpa é de São Paulo? E seria justo que cruzássemos os braços na penúria, só para ficarmos eguaes a um ou outro irmão? Assegura-te, amigo: os paulistas são brasileiros e querem ser brasilei-ros. E' preciso e justo porém que os demais brasileiros não nos venham lembrar mensalmente uma idéa pretenciosa que poderia assim fracti-*icar. E que fructo» amargos então para São

Paulo, para o Bras i l ! . . . Brasileiros, não plan-tai grão pérfido na terra roxa! Cuidado, que a terra é boa!

» * * João de Talma, lá d'"O Imparcial", não sabe

fazer uso dos seus dentes. Contemplando KLA-XON, em vez de sorrir (de prazer ou ironia, pouco importa), arreganha-os com exaggerado ódio.

Deante da capa tão alegremente moderna da revista, confessa "ter a impressão de que se trata da engenhosa reclame de um purgativò enérgico." Ainda bem qué ellè o perceba: para ficarmos livres dessa alimentação pesada que ha 30 ou 40 annos os nossos actüaes acadêmicos vêm cozinhando para nós (e que ainda satisfaz o paladar complacente e o estômago de ferro do sr. Talma), só mesmo com o uso constante de taes medicamentos.

Andamos mal de bellas-artes. A inauguração do índio Pescador de Leopoldo Silva, dando en-sejo a falsas interpretações do artigo subsequen-te de Raul Poliilo. Polillo contra os avanguar-distas?

Nós não somos contra Leopoldo e Silva, prin-cipalmente depois do notável túmulo Melchert, na Consolação. E' a melhor — a única — obra de arte da Necropole, inundada das commerciaes proezas dos srs. Bernardelli, Starace, Zani.

Poliilo exagerou. E Rollo, o próprio Rollo por elle tão nobremente admirado? Acceitamos Rollo também. O grupo que encima a frente do Pa-lácio das Industrias é soberbo. Rollo e Leopoldo e Silva são dois grandes artistas que nos hon-ram.

Mas temos Brecheret. Brecheret é o gênio, a exhuberancia, o insuperavel-lei.

PAULICE'A DESVAIRADA, poemas de Mario de Andrade OS CONDEMNADOS, romance de Oswald de Andrade

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A OBSESSÃO DO SÁBIO

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documento original. Neste sentido, procuramos manter a integridade e a autenticidade da fonte, não realizando alterações no ambiente digital – com exceção de ajustes de cor, contraste e definição. 1. Você apenas deve utilizar esta obra para fins não comerciais. Os livros, textos e imagens que publicamos na Brasiliana Digital são todos de domínio público, no entanto, é proibido o uso comercial das nossas imagens. 2. Atribuição. Quando utilizar este documento em outro contexto, você deve dar crédito ao autor (ou autores), à Brasiliana Digital e ao acervo original, da forma como aparece na ficha catalográfica (metadados) do repositório digital. Pedimos que você não republique este conteúdo na rede mundial de computadores (internet) sem a nossa expressa autorização. 3. Direitos do autor. No Brasil, os direitos do autor são regulados pela Lei n.º 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. Os direitos do autor estão também respaldados na Convenção de Berna, de 1971. Sabemos das dificuldades existentes para a verificação se um obra realmente encontra‐se em domínio público. Neste sentido, se você

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III CHS rte

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JULHO 15 1922

k l a x o n MENSARIO DE ARTE MODERNA

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: S. PAULO — Rua Direita, 33 - Sala 5

ASSIGNATURAS - Anno 12$000 Numero avulso — 1$000

REPRESENTAÇÃO: RIO DE JANEIRO — Sérgio Buarque de Hollanda

Rua S. Salvador, 72-A. FRANÇA — L. Charles Baudouin (Paris). SNISSA — Albert Ciana (Genebra Rampe de Ia Treille, 3). BÉLGICA — Roger Avermaete (Antuérpia —

Avenue d'Amèrique, n. 160) A Redacção não se responsabiliza pelas idéias de seus collaboradores. Todos os artigos devem ser assignadòs por extenso ou pelas iniciaes. E' permitti-do o pseudonymo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na redacção. Não se devolvem manuscriptos. — São nossos agentes exclusivos para annuncios os srs. Abilio Nobre Cruz e Antônio da Costa Boucinhas.

SUMMARIO

L Y R I Q U E

NÓS VOYAGE BONHEUR INTERIOR OS DISCÓBOLOS L'ARBRE NENIA ORDEM E PROGRESSO CHRONICAS : GUIOMAR NOVAES O HOMENSINHO Q U E NÃO

P E N S O U . . .... PENUMBRISMO . . . LIVROS & REVISTAS CINEMA . . . . LUZES & REFRACÇÕES EXTRA T E X T O .

Antônio Ferro Serge Milliet Manoel Bandeira Ronald de Carvalho Guilherme de Almeida Henri Mugnier Menotti dei Picchia Ribeiro Couto

Mario de Andrade

Mario de Andrade Motta Filho

Alberto Cavalcanti

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NÓS EU

SOMOS os religiosos da Hora. Cada verso — uma cruz, cada palavra — uma gota de sangue. Sud-express para o futuro — a nossa alma rápida. Um comboio que passa é um século que avança. Os comboios andam mais de-

pressa do que os homens. Sejamos comboios, portanto!

Ser de boje, Ser h o j e ! ! ! . . . Nao trazer reló-gio, nem perguntar que boras s ã o . . . Somos a HOral Não ha que trazer relógios no pulso, nos próprios somos relógios que pu l sam. . .

A MULTIDÃO Não se ouve nada, não se ouve na-

da. EU

Oxigenemos, com electrlcidade, os cabelos da Época . . . Que a vida seja um teatro a branco e oiro. . Não olhemos para traz. Os nossos olhos são pregos no nosso rosto. Não se dobram, não se torcem, não se vo l t am. . . O passado é menti-ra, o passado não existe, é uma calunia . . .

A MULTIDÃO Não percebemos, não percebe-

mos. Endoideceram? Falem mais alto.

EU Cheira a defuntos, cheira a defuntos...

Não andamos, não andamos, trasladamo-nos . . . E' preciso gerar, crear.. . Os livros são cemitérios de palavras. As letras ne-gras são vermes. As telas dos pintores são pântanos de tinta. O nosso teatro é um Museu Grevin. Não ha escultores, ha orto-pedicos!...

Que os nossos braços, como espanado-res, sacudam a poeira desta sala de visitas que é a nossa Arte.-Que as boccas dos Poe-tas sejam ventres dos seus versos!... Que os dedos dos pintores sejam sexos na tela!...

A MULTIDÃO

Mais alto, mais alto ainda. Não se ouve bem.

EU A vida é a digestão da humanidade;

deixemos a vida em paz. Isolemo-nos, exi-lemo-nos... E? crear universos, para uso próprio, como theatros de papel talhados á thesoura... Sejamos rebeldes, revolucioná-rios . . . Proclamemos, a valer, os direitos do homem! Em cada um de nós existe o mundo todo! Façamos a volta ao nosso mundo... Agitemos os braços como bandei-ras!. . . Que os nossos gritos sejam aeropla-nos no espaço...

A MULTIDÃO

Mas que desejam? Falem mais cla-ro.

EU A Grande Guerra, a Grande Guer-

ra na Arte! Dum lado estaremos nós, com a al-

ma ao léu e o coração em berloque, homens livres, homens — livros, ho-mens de hontem, de hoje e de ama-nhã, carregadores do Infinito... Ga-briel d'Anunzio — o Souteneur da Gloria — abraçado a Fiume — cida-de virgem num espasmo. Estão os bailes Europeus — russos de alcu-nha — bailes em que cada corpo é um ballet, com um braço que é Nijinsky e

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2 uma perna — Karsavina... Está Marinetti — esse boxeur de ideas; Picasso — uma regua com bocas; Cocteau — o contorcionista do Poto-mak; Blaise Cendrars — Torre Eif-fel de azas e de versos; .Picabia — Ghristo novo, novíssimo, escanhoa-do; Stravinsky — maquina de escre-ver musica; Bakst — em cujos dedos ha marionnettes que pintam; Ber-nardo Schaw — dramaturgo dos bas-tidores ; Golette — o carmin da Fran-ça, e vá lá, estás mesmo tu, Anatole — Homem de todas as idades. Es-tá Eamon Gomez de Ia Serna, palha-ço, saltimbanco, cujos dedos são acro-batas na barra da sua pena, estou EU — affixador de cartazes nas paredes da Hora!

A MULTIDÃO

Doidos varridos, doidos varridos... EU

Do outro lado estão eles — nin-guém a cubiçar a Terra de ninguém — embalsamados, balsemões, retar-datarios, tatibitates, monoculos, lu-netas, lorgnons, cegos em terra de reis. Está Paulo Bourget — medi-co de aldeia com consultório de psico-logia em Paris; Richepin, pauvre pin, sem folhas, mil folhas, nenhumas. Gyp, Gypesinha, japona; Delille, Greville, Ardei.. „ ií. elle. o ve-lho tema; Mareei Prevost — buraco da fechadura de todos os "boudoirs";

Lavedan — "charmeur" profissional a tantos por volume; Geraldy — pa-pel de carta das almas, das almi-nhas; Croisset, Croissant, pão de 16; Gapus, capindó, gabão de Aveiro... Estás tu Jacinto Benavente, ali ao pé de Salvaterra de Magos; Linares Kivas — amanuense do teatro hespa-nhol; Hoyos que não é de hoy quanto mais de Hoyos. Está o Dantas, coiffeur das almas medíocres — e o Carlos Reis, rainha, foi ao mar bus-car sardinha. Está o Lopes de Mendonça — barrete Phrygio ás três pancadas, matrona que já foi patro-no dos cavadores da Resurreição, es-tá o Costa Mota que além de Costa é Mota. Estás mesmo tu, leitor, orgulhoso da tua mediocridade, rin-do, ás escancaras, sobre esta folha de papel que irás ler á família, á sobre-mesa, na atmosfera — menina Alice — dos quadros a missanga e dos sor-risos pirogravados das manas, tias e primas...

A MULTIDÃO Insolente! Insolente! Vamos ba-

ter-lhe . EU

Morram, morram vocês, ó etceteras da Vida!... Viva eu, viva EU, viva a Hora que passa... Nós somos a Hora oficial do Universo: meio dia em ponto com o sol a prumo!

EU Antônio Ferro

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3 Voyages C'est une chose dont je suis mainte-

nant convaincu: quand on a lu le Baedecker il est inutile de le réaliser. On n'en retire que des désagréments.

Ces longues chenilles noires brésiliennes digèrente mal les küomètres.

Ohaque gare est un gros morceau qui s'accroche à Ia gorge et 1'irrite. UN PEU D^EAU; ÇA FAIT AVALEE.

Le supplice d'entendre les voyageurs raconter des anecdotes.

Ge monsieur distingue et provincial a demande un lit inféfieur parce qu'il le croyait meilleur marche. Mais les contrai-res s'attirênt et c'en est le cas.

Appollinaire conte d'un vieux juif qui présageait Ia mort prochaine des passants, parce que 1'ombre se retire du corps qui Ia projette un móis avant sa mort.- Je ne vois plus 1'ombre de mon wagon.

Est-ce un desastre dans 30 minutes? Non, elle est ou fond de 1'abime.

On découvre parfois au tournant de Ia voie un village aux pieds d'une église.

O France des paysages inédits! Ce village tiendrait dans ma main.. .

Mais le clocher me piquerait Ia paume comme une épine de nostalgie... Je n'en veux pas.

L'éloquence facile des forêts impénétra-bles disparait.

Immenses sapinières. Bois de Boulogne em primitif.

INÉVITABLES SOUVENIES DE PROPEIÉTÊ PRTVÉE...

Le télégraphiste qui est poete me ra-conte sa vie. Honnête. Insignifiante.

Quelconques aussi les jeunes filies na-turelles qui font Ia grande place.

COESO DES BOULEVABDS. I l y a ici une Ford qui ne marche qu'en

«première». Son propriétaire l'a «ouvent faite répa-

rer. On croit qu'il va faire faillite. Mais mon hotel est le plus beau de

1'Univers car TOUS MES BÊVES TIENNENT

DANS UNE SEULE CHAMBBE! Serge MILLIET.

e Bonheur lyrique oeur de Phtisique, O mon coeur lyrique ton bonheur ne peut pas être comme celui des autres. II faut que tu te fabriques un bonheur unique, — un bonheur qui soit comme le piteux lustucru en chif-

(fons d'une enfant pauvre, fait par elle même...

MANUEL BANDEIRA.

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Interior

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oeta dos trópicos, tua sala de jantar é simples e modesta como um tranquillo pomar; no aquário transparente, cheio de água limosa, nadam peixes vermelhos, dourados e cor de rosa, Entra pelas verdes venezianas uma poeira luminosa, uma poeira de sol, tremula e silenciosa, uma poeira de luz que augmenta a solidão...

Abre a tua janela de par em par! Lá fora, sob o céu do (verão,

todas as arvores estão cantando... Cada folha é uma cigarra, cada folha é um pássaro, cada folha é um som... O ar das chácaras cheira a capim mellado, a ervas pisadas, a baunilha, a matto quente e abafado...

Poeta dos trópicos, dá-me no teu copo de vidro colorido um gole d'agua. (Como é linda a paizagem no cristal de um copo d'agua!)

RONALD DE CARVALHO.

Os discóbolos a poeira olympica do circo, sob o sol violento, elles lançavam o disco que ia alto e vibrava longe como um sol de bronze. Os seus gestos eram certos e os seus pés tinham força sobre a areia movei. E o pequeno sol rápido de c*obre fugia dos seus braços tesos e lustrosos de óleos, como a flecha do arco forte.

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Todos os olhos seguiam-n'o na trajectoria ephemera e aérea e ficavam accesos do fogo metallico do pequeno sói. E nem viam o outro sol - o verdadeiro - porque elle era Inattingivel e parecia menor.

GUILHERME DE ALMEIDA.

LARBRE e me souviens d'un arbre de mon enfance Que j'ai plante, étant petit; II a poussé, poUssé en confiance, Et puis un jour il a fleuri.

Le mur de Ia maison de mon grand-père Le préservait Du vent mauvais Et le gardait à Ia lumière.

Lors, devant sa première fleur j*ai fait des rêves, Des rêves ou je mangeais des fruits, De bonnes pêches A Ia peau fraiche Au jus sucré, à Ia chair blonde et dans laquelfe Un noyau aurait mis Son goüt d'amande amère et sa couleur vermeille.

Je dus aller en viUe et quand je m*en revins, Tout avait disparu de mon ancien jardim Un blé encore en herbe et léger sous Ia brise Lentement s*efforçait à grandir pour les hommes.

HENRI MUGNIER

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o NENIA

111 eu amor é um beduino nômade num deserto sem limites e adora a sombra que se move em sua frente, na areia ruiva, longa como uma lança...

Elle corre atrás da sombra como nós corremos atrás do nosso destino.

(A voz da mulher que cantava tinha a cadência de uma nenia).

O sol arde nas suas costas e elle vae rumo do nascente. A sombra não pára porque elle não pára nunca e elle ama os gestos allucinados da sombra fugitiva... Não ha mais ninguém no deserto. Só elle e o silencio. O silencio está cheio, tão cheio que elle tem medo das coisas que o silencio occulta, porque ha muitas coisas occultas no silencio...

(Na sombra a mulher parecia uma sombra.) O beduino não pára. Parece que a sombra o chama. Elle corre e ella foge... Elle a tem ao alcance das magras

(mãos convulsas e não attinge nunca. O sol baixa no occidente e a sombra se faz mais longa e mysteriosa como se quizesse abarcar o deserto...

(A voz da cantora tinha tonalidades de crepúsculo.)

E quanto mais a sombra engrandece mais se torna esfumada e intangivel... E o beduino sente crescer seu amor impossível I Elle tem os pés em sangue e a garganta abrasada de sede e de ânsia e os olhos vermelhos de febre e o corpo desfallecido. E corre... e corre... E cresce o silencio

klaxon

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7 e com elle o mysterio. O sol, no poente, agoniza. A sombra é tão grande! Elle vae agarrai-a! Cáe de borco... E* já noite. A sombra se some noutra mais densa e sem limites!

(A voz da cantora agoniza.) Só fica o silencio. E, na areia, invisível, o corpo do beduino, de bruços, com os braços abertos como uma cruz caida...

(de "O Homem e a Morte") MENOTTI DEL PICCHIA.

ORDEM E PROGRESSO A Tristão de Athayde.

As pessoas cuja opinião não tem impor-tância são em geral pessoas que dizem: «Não concorda».

Que fazer, si é inútil explicar certas coisas?

Ainda são mais pittorescas as que di-zem: «Não concordo» e não contentes com isso escrevem nos jornaes, escrevem criticas de apparencia inteiramente respeitável, com um desdém fraternal por tudo aquillo que não comprehendem.

EIBEIBO COUTO.

Chromcas GUIOMAR NOVAES

n (A Virtuose)

snha. Ouiomar Novaes não é per-a feita como técnica. Aliás, acredito que a perfeição não seja deste mundo . . . Além disso: Friedmann, por exemplo, duma habilidade té-cnica fenominal, como intérprete era inferior: Deslumbrou oa tolos dos

paulistas por atacar um estudo de Chopin numa velocidade Je 300 quilômetros por hora. Não re-param que essa correria não só contrariava o andamento relativo ao pathos do trecho, como hão permittia ao executor a realização dinâmica necessária.. . Muito brilho, exactidâo de má-

quina ; pouca vibratilidade, ás vezes mesmo falta de compreensão. Friedmann gostava do aplauso público, e constantemente malabaristava.

Admiro oa malabaristas. Mas o malabarista de circo: ágil, belo de formas. Neste ha uma coragem convencida, proveniente da consciência da força. Num salto de trapésio, a 12 metros da altura, vejo o sorriso irônico dum ser que pensa. O malabarista é atraente, não porquê se ria da monte, mas porquê sabe o que pode fazer e tem confiança nos seus músculos. Nunca ultrapassa as possibilidades de seus membros. Jamais pre-judica a beleza dum salto pela vaidade de ir alem dos outros- Friedmann, lançando seus de-dos numa rapidez de luz, não é um corajoso: é um temerário, um sentimental que abandona a inteligência e a critica, esquece-se da vida da obra, para satisfazer uma vaidade, fiuim vai-dade.

A snha. Novaes não possui essa habilidade: é muito mais musical porém. B é possível que essa menor habilidade tenha influído na sua ar-te ; pois creio ver na pianista (mais uma cara-

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§ cterísca romântica) uma predileção pelo efeito. A prova está em certas peças, que lhe vão ma-ravilhosamente para os dedos, e que repete In-cansavelmente em seus concertos. Não lembra-rei o Hino Nacional porque tenho certeza que esse fogo de artifício de festa do Divino repu-gna á consciência artística da grande virtuose. B' a estupidez patriótica de parte do seu auditório que a obriga a repetir ainda e cada vez pior (justifico calorosamente essa decadência) a fa-migerada pirotecnla.

Quando porém disse que a snha. Novaes não tem técnica perfeita, não quis de modo algum adiantar que esta fosse Insuficiente. Oh, não! Falta-lhe força, falta-lhe muitas vezes nitidez... Em compensação que elasticidade, que firmeza, que qualidade de som! Não terá o perolado le Viana da Morta, nem o planíssimo de Risler; mas que pedalizaçâo exacta, que cantante!

Mas a técnica é coisa de pouco interesse sob o ponto de vista crítico. Ter ou não ter técnica é questão de trabalho, questão de professor e dotes físicos pessoais. Tudo o que faz lembrar cozinha do ofício contraria a comoção do ouvin-te. A técnica é um melo que importa ao execu-tante adquirir, mas indiferente para o espectador-

A snha. Novaes possui uma técnica mais que suficiente. Si não tem o forte relativo neces-sário para os largos ambientes, consegue toda-via assenções dinâmicas impressionantes e é ex-traordinária nas notas ásperas (l.o tempo, op. 35, Chopin). Si nas passagens excessivamente harmonizadas é por vezes confusa, consegue co-mo ninguém as sextas da Barcarola, as oitavas da Jongleuse.

Verificada pois a abastança técnica da ilus-tre pianista, considero-a imediatamente como intérprete.

Como tal 2 aspectos especiais apresenta: a transborda em excessos sentimentais Não transborda em excessos, sentimentais. Não aponto defeitos. Verifico tendências. Uma ten-dência pode não ser actual, isso não implica ser defeituosa.

A snha. Novaes ou é duma fantasia adorável ou duma sensibilidade sem pelas. O qüe não lhe vai bem para o temperamento é a discreção co-movida mas serena dos clássicos e o impresslo-nismo intelectual dos modernistas. (E para o Brasil Debussy ainda é um modernista, helas!) Nestes como naqueles, não encontrando campo largo para sua sensibilidade exaltada, encara-os como si fosse cada qual um outro Liszt de ra-psódias em que tudo está em procurar o efeito. E' engano. Inegável: interpreta primorosamen-te certos* trechos de Bach ou a "Soirée dans grenade"- Mas estas obras não saem vividas dos seus dedos. São pretextos para efeito e não pa-drões em que se limite uma sensibilidade con-

dusida por uma altíssima sabedoria. A Ironia de "MinsTels" então passou-lhe despercebida... E a snha. Novaes que tanto se sensibilizara com a caçoada feita a Chopin no primeiro Sarau da Semana de Arte Moderna não deveria incluir num dos seus programas a caricatura, fMta por DebUssy, desses ingênuos menestreis medievais, cujo cantar trovadoresco é o primeiro vagido dá música sensível.

Os românticos legítimos, nascidos no decênio que vai de 1803 a 1813, apresentam duas ten-dências que se tornaram as caracteritticas In-confundíveis do grupo: a fantasia exaltada e a sensibilidade sem controle Intelectual. Será pois o maior intérprete desses mestres quem milhor-mente caracterizar-lhes essas duas tendências. A snha. Novaes tendo, num máximo impressio-nante, esse poder é, a meu ver, de todos os pia-nistas que ouvi, a milhor intérprete do roman-tismo musical.

Chopin, Schumann e Liszt eis o campo em que é excelsa.

O próprio Liszt, cujo valor musical é pequeno, consegue ser ouvido com agrado quando ela o executa. B' que a virtuose percebeu a Inexistên-cia ás vezes total de sentimento no qualqueris-mo sonoro do abade, mas compreendeu-lhe a imensa fantasia. Só mesmo a snha. Novaes airi-da tem direito de executar essas gastas rapsó-dia onde uma falsa saudade se espevita masca-rada (é ler o que diz Bartok sobre os temas na-cionais húngaros correctos e aumentados por Liszt) entre histerismos de cadências flautísti-cas, trinados, tiros insultantes no grave e outras coisas de inda menor valia. A 10.a Rapsódia é rojão que só tem direito de existir quando a célebre virtuose se incumbe de lhe realizar os glissandos. Mas onde a fantasia da intérprete permite-lhe uma legítima e total criação é na Dansa dos Duendes. Eu vi os elfos saírem em girándolas esverdinhadas do negro Stetnway-Formaram em torno da pianista uma ronda ver-tiginosa em que poisou, furtivo, um rálò de l u a r . . . Sempre desejara conhecer esses elfos pequeninos. . . Aconselharam-me a leitura de Leoonte . . . Saí da lição como Jacobus Tourne-broche da experiência do Senhor D'Astarac, con-tada por Anatolio Franco: Incrédulo como fin-trara. Um dia, ao ler shakespeare, sentira duen-des em redor de m i m . . . Mas quando a snha. No-vaes executou o trecho de Liszt eu vi os enteai* nhos translúcidos. A ilustre pianista, pelo poder de sua fantasia, criara o inexistente, Devo-tyHÁ esta comoção linda de minha vida.

No "Carnaval" reunem-se em Igual potência a fantasia e a sensibilidade. Considero esse mo-numento o trecho mais descabela4amente ro-mântico da música. Infelizmente não me foi pos-sível assistir ao recente concerto em que a anha.

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9 Novaes tornou a executar a op. 9. B, dada a variação constante de suas interpretações (ou-tra característica romântica), causou-me verda-léira dor essa privação. Mas me é inesquecível i execução anterior do "Carnava l " . . . A snha. Novais partia para os Estados Unidos. Con-certo de despedida. Eu estava no galinheiro. Suava, ensardinhado numa compansaria boqui-aberta, eterna e incondicionalmente entusiasma-la ante qualquer interpretação, boa ou má, que saísse das mãos da grande artista. Sensação de mal-estar e desprêso- Mas Guiomar sacudira os ritmos iniciais da peça com uma energia, uma convicção, uma verdade tnexcedíveis. . . O que r i ! O que ouvi! A virtuose, sob o ponto de vis-ta escolar, dáva-nos a interpretação mais fal-sa, mais exagerada possível. Que rubatos frené-ticos ! Que planíssimos espamôdicos! Que ^dina-mismos fraseológicos estranhos! Mas foi sim-plesmente sublime. Acredito que duas vezes não tere icom essa peça a mesma comoção. Eu de-posito na glória da snha. Novaes a lágrima que nessa noite chorei. E' o presente dum homem que não tem pela intérprete nem simpatia, nem antipatia. Um homem insensível á glória que a acompanha. Um homem isento de patriotadas que não se orgulha da snha. Novaes ser brasilei-ra porquê considera os grandes artistas, quer criadores, quer intérpretes, seres de que nto im-porta conhecer a nacionalidade, mas aos quais todos nos humanos, devemos ser reconhecidos. Na minha lágrima vai a homenagem dum ser, não sem preconceitos (é coisa extra-humana) mas o mais livre possível de prejuízos senti-mentais.

Realizara pois o "Carnaval" o mais romântica -mente que é dado imaginar-se. . . Haverá nis-so um erro? Não. E ' costume de criticalhos re-petir o seguinte lugar-comum, com mais defi-ciência de estilo porém: "O snr. Tal interpretou Chopin sem os exageros a que nos acostumaram certos pianistas de importação. A sua execução sóbria deu-nos o verdadeiro Chopin . . . etc." Que estupidez! Qual o verdadeiro Chopin? SI é o que a tradição nos conservou dum homem que em Viena foi apelidado "pianista de mulheres", que tinha terrores e alucinações junto da ma-terna amante em Maiorca, que morreu t í s ico . . . Dum homem que espantou, pela sua liberdade interpretativa, ao próprio Berl ioz. . . Qual o ver-dadeiro Sçnumann? Si o que a tradição nos con-ta como um ser fantástico, vário, desigual, ar-rebatando a mão por exagero de estudo, escre-vendo peças nocturnas porque sente, de longe, que um ser querido lhe morre, Carnavai3 e Rreisleriauas por excessos de entusiasmo e de ódio e acaba louco . . . Pois a legítima compreen-são desses homens estará em corrigi-los e trans-porta-los para a serenidade clássica que não ti-veram a energia a serenidade clássica que nlo ti-

t 0 está a exactidão das interpretações da snha. Novaes- Dá-nos Schumann, Chopin, não encur-ralados numa certa fôrma interpretativa, nem mesmo como existiram no espaço e no tem-p o . . . Vai mais alem: Dá-nos o "animal" Schu-mann o "animal" Chopin como teriam existido (realidades ideais) si não houvessem essas fa-mosas circumstáneias que Taine fez a tolice de descobrir, e mais preconceitos de métricas mu-sicais e rés-maiores.

E a respeito de Chopin. . . Outro lugar co-mum engraçadíssimo dos críticos consiste em dizer, a cada novo pianista que pisa estas aben-çoadas e ignaras plagas de Paulioéa, que esse é o insigne intérprete de Chopin. Nada mais er-rado. Rubinstein, a não ser na valsa póstuma, numa ou noutra mazurca, assassinava o pola-co. Talvez questão de ódio de r a ç a . . . Risler? Ruinzinho, bem ruinzinho mesmo. Ainda me lembro com arrepios da execução do nocturno em fá sustenido. . . Friedmann compreendia Chopin como uma cadência de concerto, em que tudo consisitia em brilhar. . . Só me satisfizeraim no romântico: Paderewski, a enra. Carreras e a snha. Novaes.

E esta mais que nenhum outro. Porquê? Chopin, sabemos, trabalhava como um La Fon-taine, um Da Vinci, um Beethowen da última fase. Sempre incontentado e incansável no cor-gir. No entanto: nada mais desnorteante que o estilo de Chopin. Baladas como Berceuse ou Barcarola, nocturnos como sonatas, prelúdios co-mo estudos apresentam um caracter de inteira improvisação, em que, no entanto, o mestre dei-xou qualquer coisa de seu, inconfundível, mes-mo sob o ponto de vista da construcçâo. A for-ma de Chopin é inatingível. Imitam-se-lhe cer-tos processos técnicos, o arpejado, os melismas.-. Toda gente pode ser livre no desenvolcimento constructivo dum prelúdio, como Chopin o foi. . . Mas ninguém consegue imita-lo, tal o cunho de personalidade que imprimiu ás formas musicais de que se apossou. A snha. Novaes é justamente notável no autor da Berceuse porquê crea Cho-pin. Ela é Chopin. Suas interpretações, acredito que cuidadosamente preparadas, assumem um tal caracter de inspiração, de impulsâo lírica, de laisser«aller, que se tem a impressão duma obra nova, formidável. Como que improvisa Chopin. E o faz como nenhum outro intérprete que tenha passado por nos. Ora, na música imitativa (em-pregado o termo no sentido aristotélico) essa improvisação é, não só necessária, mas impres-cindível para que a obra de arte corresponda psicologicamente ao que pretende representar. D'aí assumirem as interpretações de Chopin pela snha. Novaes essa força de realidade, essa veemência comotiva poucas vezes por outrem atingida. E é tão integral a sua compreensão do mestre que, sendo geralmente rebuscadora

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10 de efeitos particulares (indo ás vezes mesmo a mudar a música escrita, alongando notas, con-trariando interpretações determinadas pelo au-tor) a snha. Novaes desdenha, ao executar Cho-pin, particularidades e efeitos que boquiabram seus adoradores, para atacar directamente a rea-lização de conjuncto desses recontos musicais que o doloroso músico deixou. Por isso escrevi atrás que "a snha. Novaes crea Chopin"

E termino. Sigo com admiração e curiosidade a carreira da grande artista- A' medida que suas forças se concentram ela se torna inais profun-da e mais pessoal. Varia e cresce de concerto pa-ra concerto. Talvez seja mesmo uma certa ânsia de fazer milhor que a leve a repetir e repetir as mesmas peças. E ' um erro. A snha. Novaes, mes-mo no círculo de seus autores preferidos, podia, devia variar mais seus programas.

E na linda evolução que segue acendra cada vez mais as propensões românticas que apon-tei. Infelizmente para a opinião Klaxis ta . . . Mas é verdade que por elas se tornou a Intérpre-te genial de iSchumann e de Chopin.

MARIO DB ANDRADE.

O HOMENZINHO QUE NÃO PENSOU

ELA revista "O Mundo Literário" um

P anônimo da redacção desesperada-mente carioquiza para provar que KLAXON é passadleta.

Leu e não compreendeu; não pensou e escreveu.

Provas: "Mau grado os seus ares de modernismo extremo KLAXON mostra-se em matéria de arte francamente conservadora, reac-cionaria mesmo".

Escrevêramos: "KLAXON não se preoocupará de ser novo, mas de ser actual. Essa é a grande lei da novidade. Terá também o desplante de ne-gar actualidade a KLAXON o homenzinho que' não pensou?

Ainda: "A apresentação é uma repetição syn-thefcica do manifesto futurista de Marinettl, cou-sa que já vem creando bolor, ha não menos de quinze a n n o s . . . " E' mentira. O anônimo está na obrigação de publicar na sua revista o manifesto de 1909 e a nossa apresentação. Provará assim o seu asserto. Si o não fizer, afirmo que é covar-de, pois não concede a KLAXON as armas que reclama para se defender.

Dos 11 parágrafos que formam o manifesto fu-turista, não aceitamos na totalidade slnão o 5.0 e o 6.o. KLAXON não canta "l'amor dei peri-colo" porque considera a temeridade um sentl-mentalismo. Não considera "11 coraggio, l'auda-

da , Ia rebellione" elementos essenciais da poe-sia. Não acha que até hoje a literatura "esaltó 1'immobilitá pensosa, 1'estasi e 11 sonno", por-que a própria dor como elemento estético não é nada disso.

KLAXON admira a beleza transitória tal como foi realizada em todas as épocas e em todos os países, e sabe que não é so "nella lotta" que e-xiste beleza.

Em formidável maioria os escriptores de KLA-XON são espiritualistas. Eu sou católico. Pode-ríamos pois aceitar o 8.o parágrafo do manifesto futurista?

Pelo 9.o glorificar-se-ha, além do patriotismo, o militarismo e a guerra. Não o faríamos.

No lO.o manda Marinetti que se destruam mu-seus e bibliotecas. Consideramos apenas a re-construcção de obras que o tempo destroe "uma enronia sentimental". Respeitamos o passado sem o qual KLAXON hão seria KLAXON.

Além dos temas indicados (é subentendidos) no derradeiro mandamento futurista vemos mui-tos outros. Não despresamos a mulher e canta-mos o amor. E Guilherme de Almeida, de manei-ra nova, num estilo afeiçoado ao assumto reviveu a Grécia, num momento de inspiração tão lindo como jamais nenhum dos anônimos do Mundo Literário possuirá.

B saiba o pagão que não é preciso ser futuris-ta para ser patriota.

B saiba mais que admiramos Veneza pelo que foi, e que resta de passado, pois, além "dos cic<~ rones loquazes, da água suja e dos mosquitos a-guilhoantes" ha lá um palácio Vendramini, ha lá quadros de Ticiano e Tintoretto e outras mani-festações de gênios imortaes.

B se em outras coisas aceitamos o manifesto futurista, não é para segui-lo, mas por com-preender o espirito de modernidade universal.

Quando ia pelo meio das nevoas, começou a hesitar o homenzinho que não pensou. Do tremor proveio ver na extirpação das glândulas lacri-maes reminkencia do "velho Rlchepin" e no es-tilo do "grave artigo de fundo Snr. M. de A." semelhanças com a dicção de certa personagem de Dickens.

O anônimo será outra vez covarde si não citar na sua revista o conhecidissimo trecho de Riche-pln (que naturalmente os leitores do Mundo Li-terário desconhecerão) e a frase de KLAXON. Mas não citar capciosamente como lhe ordena-riam as tendências naturaes, mas com siceridade e nobreza: na integra. Veriam os leitores da grande (cento e tantas paginas) revista como a-proveltamos "a boutade sobre as glândulas la-crimaes".

Quanto ao meu estilo: pertence-me. Prova? Diz Colombo: "artigo de fundo do Snr. M. de A." Ora nos poucos exemplares que ainda restam de KLAXON n.o I, procurei m inha assinatura

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11 nesse artigo. Só encontrei o seguinte e modesto aviso: A Redacção. Mas o estilo de M. de A. da "Pianolatria" ê "Luzes e Refracções" poude ser identificado pela adversário com o artigo de fun-do. Mas o tão anônimo quanto falso articulista conhece o Ivan Goll do manifesto Zemith? Conhe-ce Cocteau de "Le Coq et 1'Arlequin"? Satie dos "Cahiers d'un Mamifere"? e outros tantos "su-jeitos de importância em virtude e letras" mo-dernas? Se os conhecera veria em meu estilo uma adaptação literária da rapidez vital contem-porânea. Pois saiba que plagio manifestamente o telégrafo o telephonio, o jornal, o cinema e o aeroplano.

B na verdade o homenzinho que não pensou é de uma fineza única em julgar estilos. No snr. Baudouin vê Samain. Em Samain vê Musset e (!!!) Tibullo. Como técnica saiba o sem-batis-mo que Carlos Baudouin é constructor de métrica própria muito curiosa. Samain uniu ás vezes metros conhecidos, isso mesmo com muito me-nos coragem e valor que La Fontaine. B preciso que o nobre articulista de hoje em diante não confunda suavidade com penumbrismo. B si co-nhecera certos francezes contemporâneos, Duha-mel, Romalns e especialmente Vildrae (encon-trei edições numeradas de Vildrae e Romalns jo-gadas por Inúteis em baixo de uma meza em li-vraria carioca!),a elles Irmanaria com mais elo-qüência e talvez menos fineza critica o nosso colaborador Carlos Baudouin. No desenho de Bre-cheret o catecumeno vê influencia fendeia! B' enorme!, A Fenicia não teve propriamente uma arte. Copiou assírios, egípcios e gregos. Quando não imitava ainda esculpia as pífias figurinhas do museu Cagliari. Talvez também tenha quali-ficado de fenicio o desenho para dar milhor qui-late á Ironia. Infelizmente sai-lhe deficiente a clareza da graça e o espirito assemelhou-se á ignorância. B saiba ainda o fino descobridor de estilos que os verdadeiros esculptores modernis-tas, quando não afastados totalmente da natu-reza imitam resolutamente os primitivos para neles encontrar a resolução dos problemas que ora agitam o trabalho do volume. Assim Bour-delle (francês) assim Milles (sueco) assim Des-•tovich (tcheco) assim Durrio (espanhol).

E termina o agora batizado homenzinho que não pensou: "KLAXON" representa exactamen-te aqulllo que tanto horroriza os seus talentosos creadores: um "passadismo". Ao contrario do que asseverava o senhor M. de A., KLAXON não é klaxista: é c lass ic i ta . . . " Lindo trocadilho! B o articulista tomou o «uidado de despargir pela verrina algumas doçuras de elogio. Infelizmente a minha sinceridade não me permite retribui-las pelo artigo. Vejo no néo- cristão um homem des-peitado, invejoso, Insincero e ruim. Quando mul-to reconhecerei no arguto quão erudito critico sclencia bastante para descobrir Influencias nor-

te-americanas nas gravuras de Utamaro ou de Shuntai.

Quanto a0 nosso "passadismo" é cotejar a a-presentação de KLAXON com a apresentação do Mundo Literário: "A toi-qui que tu sois" com o soneto "Sabiás", ~As visões de Críton" com o "Vendedor de Pássaros", "Sobre a Saudade" com "Apparição", "Pianolatria" com "Musica", "Les tendences actuelles de Ia peinture" com "A pro-pósito de uma gravura" (inéditos maus de bons escritores já m o r t o s ) . . .

E KLAXON inicia a critica de arte periódica do Cinema. O Mundo Literário desconhece "O GAROTO" em que Carlito alcança uma altura a que só os grandes alcançaram.. .

Este é o passadismo de KLAXON: coisas boas ou más que ainda não perturbaram a so-nolencia "leda e cega" do Brasil.

Este artigo está mais longo que a "Rasteira em Trevas", film italiano por Za-la-Mort. . . E' que nele vai a resposta a todos aqueles que pelo jornal ou no segredo nem sempre honesto das o-relhas amigas vivem a entoar contra nos madri-gaes, sirvantes e sátiras de mal-dizer. Si não: fô ra dar demasiada importância ás invejas activas dum homenzinho que não pensou.

MARIO DB ANDRADE

PENUMBRISMO "Mas do que ereis, e do que

sois, passemos ao que Unheis, e ao que tendes."

P. VIEIRA, SERMÕES " E assignalas com chammas

o caminho." B. DA GAMA, URUQUAY

OM a gomma do sarcasmo, alguém no

C Rio rotulou de "penumbrismo" as tendências novas de nossa literatura. O rotulo soffre o mal de todos os ró-tulos e o defeito maior de abranger a quem não deve.

Ha, evidentemente, entre nós, u-ma literatura de penumbra, garoenta, chorona, que reflecte, com tardio remate, a poesia deca-dente, o symíbolismo de Verlaine, Poetas ricos de vida, ricos de inspiração, ricos de talento, tor-cem a naturalidade, forçam-n'a, para encolhe-rem-se jururús, dentro do roupão regional e pes-soal dos poetas de França.

Quem conhece a nossa historia literária, sabe que, em suas diversas épocas, houve sempre uma mania, uma repetição de imagens, um ideal commum. . . Os poemas de Basilio da Gama e

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12 Durão buscaram uma poesia nova, na natureza ambiente da pátria. E isso fez moda. Depois, os poetas da escola mineira ficaram presos ás con-venções arcadicas. Nise, as pastorinhas, vinham em scena, nas rimas dos poetais de) então. Gon-çalves Dias botou fogo nas imaginações, cantan-do os indios no lirismo dos "Tymbiras" e "Y-Juca-Pirama". Castro Alves alçou o vôo condo-reiro e o "infinito" foi o delirio de sua geração. E, d'outro lado, Byron e Lamartine vinham com Alvares de Azevedo e Fagundes Varella chorar o infortúnio da vida e os casos lastimáveis da "mulher fatal". O parnazianismo, no verso aca-badinho cantou com Raymundo Corrêa e Bilac, — os deuses do Olympo, façanhas da velha Grécia.

Mas é diverso o caso dos penumbrístas. São perfeitamente justificáveis os primeiros

movimentos de nossa litteratura. E'-o também, a influencia arcadica em Gonzaga que aliaz soube muito bem sentir sua pátria. A pleiade condoreira, os cantores da terra, os influencia-dos pelo romantismo europeu podiam ser perfei-tamente sinceros e serem assim grandes poetas.

O mal originou-se com o parnazianismo pos-tiço, com o hellenismo falsificado e desandou, lamecha, em a juventude penumbrista. Mas pa-ra os parnazianos/havia uma justificativa: — o objectivismo poético, a intenção mais descripti-va que sentimental.

E para os jovens poetas patrícios envenena-dos de "morbus" verlameano? Qual a justifica-tiva? Ignoro.

O que caracterísou a pleiade decadente em França foi uma reacçâo fortíssima, dentro de um subjectivism0 intenso, contra a arte imposta. A obscuridade de Laforgue era a expansão sin-cera de sua individualidade; a obscuridade de Verlaine era o alivio de sua alma torturada Quem os lê, como quem lê Villiers de 1'Isle Adam ou Saint-Pol-Roux-le Magnifique, sente uma in-tensidade individual, reflectindo, por sua vez, a alma francesa, que assim se torna:

"Plus vague et plus soluble dans 1'alr" Cra , nada mais despropositado do que nós,

brasileiros, tão longe pelos mares, tão diversos pela civilisação, repetirmos sensações e cantaro-lices surgidas num período de reacçâo literária.

Teodor Wizewa, justificando a razão porque Tolstoi não compreendia os decadentes, dizia: — "Eu não conheço nada mais ridículo que a ad-miração dos jovens esthetas Ingleses ou alle-mães por tal poeta francês, Verlaine, por exem-plo, ou Tsle Adam."

O eymbolismo revigorou a Arte, que parecia cahir numa impassibilidade de morte. Heredia fez da poesia uma sciencia; do sentimento racio-cínio. Verlaine reagiu. A's poesias dedilhadas de "Les Trophées", oPPÔz ás suas, atirando a sin-ceridade contra o artificio. François Copée disse:

— "Elle creou uma poesia bem sua, uma poesia de inspiração a 0 mesmo tempo ingênua e subtü, toda de nuançae, evocadora das mais delicadas vibrações dos nervos, dos mais fugitivos ecos do coração".

Mas, os novos do Brasil esqueceram esse ca-racter preponderante do poeta infeliz. Tomaram de Verlaine a parte pessoal, ultra exclusivista, as suas visões cheias de tédio, cheias de dôr, co-mo a sua vida angustiosa de Ashaverus; e aban-donaram a grande lição que elle offerecla de am-pla liberdade na arte, de espontaneidade no sen-timento esthetico.

Verlaine não podia ser imitado, porque sua arte era restricta e, ao mesmo tempo, exagerada, como a de todo revolucionário. Eu leio seus ver-sos e vejo apenas sua alma, triste como seu» amo-res, trágica como os seus Pierrots. Agora mes-mo acabo de lêr um poeta nosso de fina sensi-bilidade, que diz sinceramente:

. . Verlaine eu bem te sinto Nesta terra que morre aos poucos pelo poente Em que o jardim parece embebido em absyntho."

B esse o mal da phalange. Ella traduz e re-pete o poeta fracêês.

O "vieux pare solitaire", "le jardin aban-donné", "1'automne", "les feuilles mortes", es-tão ahi, logares communs de todos os penum-brístas.

Choram desgraças alheias, pregam ideaes a-lheios, imitam nos mínimos detalhes, o que dis-se o pobre trovador delirante dos nostálgicos ou-tomnos de França.

A guerra ao penumbrismo não é o despeito da velhice caduca, como querem muitos. A guerra ao penumbrismo é uma guerra ao ridículo, ao predomínio do espirito simiesco, ao irreflectldo papagaiar dos amigos das novidadeirices.

Todos os macaimibuisios, sob a acçâo de um absyntho de mentira, que passeiam em alamedas solitárias, sob um céo de outomno, todo "gris", todo tédio, — precisam levar sacudidelas, para verem céo azul, a paizagem rica de sol e de luz, a vida intensa, bulhenta, enérgica, electrica, para-doxal . . .

B' preciso reagir. E nesse sentido applaudo a classificação.

Mas ha nella uma parte injusta. Ao lado dos poetas do "spleen", dos "montmartres" indígenas, cresce uma geração forte que, de Verlaine, tirou uma profunda admiração por Rimbaud, poeta de animo viril; — cresce uma geração livre que prega uma arte sã, sincera, que sabe rir a que sabe crer.

S. Paulo, Maio de 1922. MOTTA FILHO

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13 LIVROS & REVISTAS

"Casa do Pavor" por M. Deabreu — Monteiro Lobato & Cio., editores — S. Paulo.

Curioso escritor que surge. Fantasia estranha. Imaginativa riquíssima. O snr. Deabreu continua a poética alemtumulista do sec. XIX. Choca um pouco nesta época de noções exactas. Isso não impede que o autor tenha muito talento. "Som-bra de Minha Mãe" é de grande poder sugestivo. Horroriza. "Os 3 cirios do Triângulo da Morte" é um trabalho magnífico.

Como língua: Ha descuidos lamentáveis. Aquela "Nota" do f i m . . . nem um jornalista re-digiria tão mal. Mas como em todas as páginas

. pululam expressões invulgares, adjectivos pres-tigiosos, não tenho dúvida em afirmar que o es-treante será breve um estilista.

0 snr. Deabreu não quer que Deus exista. Tem mesmo uma raiva infantil da Divindade. Até escreve Deus com d pequeno! B, passeando pelas suas personagens, à todo momento afirma a Inexistência do Criador. Processo de criança. — Mamai, quero mais um chocolate . . . — Acabou, meu filho. — Mas eu quero! e bate o pezinho no chão. O snr. Deabreu sente, sabe que Deus existe. Mas Deus é uma coisa cacete. Implica certos deveres, obrigações ou remorsos . . . Si não existisse. oh! liberdade gos tosa! . . . Por isso o escritor bate o pézinho pelas páginas da "Casa do Pavor". — Mas eu quero mais um choco-late ! . . . B' Inútil, snr, Deabreu. O chocolate acabou e Deus existe.

M. de A.

"Uma Viagem Movimentada" por Théo-Fiiho. — Livraria Schettino, 1922.

Théo-Fllho, por qualquer assumpto que pal-milhe seu espírito irrequieto, tem o dom de en-cantar. Leem-se duma assentada as trezentas páginas do seu novo livro. "Uma Viagem Mo-vimentada" são recordações finas e leves, rapi-damente coloridas de comoção ás vezes, de ironia freqüentemente. Na maioria das vezes Théo-Fl-lho borboleteia apenas sobre as flores humanas que depara, raro lhes suga o mel e o amargor e lhes penetra o âmago. Nem esse era o seu fim. Qulz contar e contou, em linguagem largada mas expressiva. Mas sabe desenhar forte quando quer. A Impagável figura de poeta Josephus Al-banus o prova suficientemente.

M. de A.

Mario Pinto Serva, "A Pró-xima Guerra", edição da Ca-sa Editora "O Livro", São Paulo, 1922.

Mais um livro do fecundo escriptor. Livro de senittaentalismo internacional. O autor commo-ve-se com bastante facilidade ante scenas pavo-rosas que imagina passarem-se lá na Europa. E' um grito de indignação contra o martyrio du-vidoso da Allemanha e, ao mesmo tempo, de a-larma para o "mundo clvilisado" Exaltação. Ex-cessos. Visões.

Livro de grande fé, e que por isso tem a inef-favel vantagem de não boi Ir com o raciocínio do leitor. Exemplo: "A fome sô diminuirá na Eu-ropa com uma renuncia geral das dividas de guerra dos aliados, com o rápido desarmamento de todas as nações, com uma attitude inteira-mente diversa para com a Allemanha, com o es-quecimento dos ódios e das vinganças, com um eespirito novo de solidariedade entre rtodos os povos do Velho Cntinente, com um commerclo libertado de pêas que o coarctam. Só assim se evitará a próxima g u e r r a . . . "

Taes e outras inducções prophetieas, extrahi-das de princípios dogmáticos e apreciações terri-velmente absolutas, denotam no autor uma can-dura suavíssima.

RECEBEMOS: "Les vaincus", de Romain Rolland, edição

"Lumière", Anvers, Avenue d'Amerique. Publi-cação tardia do primeiro drama do magnífico es-criptor- Já se percebem nessa obra o forte valor literário do autor e as suas tendências socialistas mais tarde evidenciadas. Opportunamente estu-daremos o livro como merece.

"Nouvelle Revue Française". Mais um nume-ro dessa interessantíssima, revista, onde colla-boram escrlptores de indiscutível valor, como André Gide, André Suarés, BJaise Cendrars, Ra-bindranath Tagore, Valery Larbaud, Mareei Proust, etc.

"Lumière". Números de abril e maio. Finos artigos e bellos poemas de Róger Avermaete. Charles Baudouin, Ivan Goll, Vildrae, Mareei Millet, Bob Claessens. Gravuras sobre madeira de Van Stratten, Joris Mine, Maaserel etc. Um artigo de Serge Miüiet commentando com espi-rito a Semana de Arte Moderna em São Paulo.

"Fanfare". Revista ingleza de Arte' moderna. Esplendida publicação com collaboraçâo escolhi-da. Entre outros nomes os de Jean Cocteau, Ro-ger Avermaete, etc. Um aviso: Guilherme de Al-meida é brasileiro, senhor redactor, e não por-tuguez.

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14 CINEMAS

UMA LICÇÃO DE CARLITO

A evolução de Charlie Chaplin demonstra mais uma vez que por mais novas que as formas se apresentem o fundo da humanidade será sem-pre um só. Carlito já se tornara grande criando sen tipo burlesco, tipo clássico que reflectla, sob a caricatura leviana, o homem do século vinte. Mas Carlito, com seus exageros magníficos, com-preendera a vida como uma estesia. Estesia bur-lesca, naturalmente. Era um erro. Criara uma vida fora da vida. Sofria de estetismo; por-ventura o maior mal dos artistas modernistas. Mas um dia o genial criador apresentou "O Va-gabundo". Pouco tempo depois "O Garoto". B tornou-se imenso e imortal. Porquê? Porquê sob aparências novas as almas são eternas. E' ver-dade que pertence a todos os séculos. O genial inovador humanizava-se. Sofria. Criemos como Carlito uma arte de alegria! Riamos ás garga-lhadas! Mas donde vem que a gargalhada parece terminar "numa espécie de gemido"? Da vida, que embora sempre nova nas suas formas, é monótona nos seus princípios: o bem e o mal. Não caiamos no "estetismo" de que já falava Brunschwig! E a grande coragem do homem-seculo-20 estará em verificar desassombrada-mente a dor, sem por isso se tornar sentimental. No entanto, sob a roupagem do mais alto cô-mico, Charlie atingiu a eloqüência vital das mais altas tragédias. Charlie é o professor do século 20. KLAXON desfoíha louros sobre o homem que lhe dá tão eterna e tão nova Ucção;

J . M.

LUZES & REFRACÇÕES

Um snr. João Pinto da Silva, pela "América Brasileira" de Maio, afirma: "Anullados pelo fiasco, os cubistas, os futuristas, todos os deli-rantes da crise poética da actualldade, cederão emfim o lugar aos que restabelecerão.. . etc." Si o snr. Pinto soubesse o que lá vai pela Eu-ropa não profetizaria essa anulação. Em vez de anulação o que ha é desenvolvimento. Cubistas e futuristas serão continuados por homens que, não necessitando mais, como aqueles, de des-truiçôes e exageros, lhes desenvolverão classi-camente as inovações. E saiba o snr. Pinto que a Nova Poesia cada vez tem maior número de adeptos. O articulista ignora Alemanha e Fran-

ça, Rússia e Áustria, Itália e Espanha, Bélgica e Estados Unidos. Na própria Inglaterra «que de neve boreal sempre abunda" o grito de "Fan-fare" congraça as novas forças poéticas do país. O snr. Pinto não deveria ser tão rico em profe-cias mortuárias sobre o que desconhece. Mande buscar livros. Assine revistas. Estude. B volte.

* * * Houve quem dissesse que copiamos Papini,

Marinetti, Cocteau. . . Entre copiar e seguir a diferença é grande. O snr. Ronald de Carvalho ainda ha. pouco pelo "Jornal" de 21. de Abril passado, justificava os snrs. Álvaro Moreyra, Manoel Bandeira, Ribeiro Couto por se terem educado na escola dos franceses. Ora KLAXON vai mais além. Não se educa só na escola dum Cocteau francês e dum Papini italiano, mas também lê a cartilha dum Uidobro espanhol, dum Blox russo, dum Avermaete belga, dum Sandburg americano, dum Leigh inglês. E por-quê não Looz um austríaco, ou Becher um ale-mão? Dizer de KLAXON que copiamos um, quando seguimos a muitos e querer diminuir a grandeza dum vôo que persegue a rota indi-cada pelo 1922 universal. KLAXON não copia Papini nem Cocteau, mas representando ás ve-zes tendências que se aparentam ás desse grande italiano e desse interessante francês, prega o espírito da modernidade, que o Brasil desco-nhecia.

» * * Ao sr. J . Câmara, autor de um artigo sobre

futurismo, no primeiro numero da revista "Cá e Lá" :

"11 a deux espêces d'imbéciles parmi "les connaisseurs". Ceux qui vous disent, devant un tableau: "Non, mais, avez-vous jamais vu pa-rellles couleurs ã un arbre, ou un ciei, ou un vlsage". Et ceux qui poussent des gloussementa d'admiration devant des toiles qu*üs ne com-prennent pas." — (Roger Avermaete — "Lu-mière").

* * * Antônio Orliac, acaba de publicar uma "pla-

quefcte" que intitulou: "Metabolismo". Entre outras cousas, escreve, na prefacio demasiada-mente obscuro, que, até hoje, e com isso quer di-zer até elle, os poetas foram simples traducto-res. Nada crearam, Nada inventaram. Os mais

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15 hábeis conseguiram apenas misturar harmonio-samente a acçáo do mundo exterior e a reacçâo — sensação, com artifícios eubtis. Segundo o sr. Orllac o verdadeiro poeta é um inventor que constrôe sobre planos puramente mentaes.

Confessamos não comprehender claramente o que nos quer dizer o autor de "Métabolisme" e ainda menos o comprehendemos apôs a leitura de seu poema metaphysico. No entanto esse poe-ma contem estrepes admiráveis. B si o autor não tivesse tomado a resolução de provar um eystema que se sente composto "a priori", teria escripto bellos versos.

Não queremso perder a occasiâo de citar al-guns interessantes. Quando o poeta fala dos ar-tistas, diz:

*On porte 1'effroi d'une grftce qui prepare presque â pleurer".

E o silencio inspira-lhe estes versos: . . "Car le silence c'est Ia voix de mille choses Inconnues que s'efforcent vere le reèl et jamais n'y sont parvenues.

Assim, pois, os melhores pedaços desse poe-ma são justamente aquelles em que o poeta se deixou levar pela inspiração commum a todos os predecessores que soffrem o seu quasi-desdem. Mas é possivel que sejam esses pedaços que o sr. Orliac ache menos b o n s . . .

Como qualificar essa pretenção de Ser o pri-meiro poeta verdadeiro?! Isso depois de Baude-lalre, de Verlaine, de Rimbaud, de Laforgue, de Cendrars!

Delxemo-nos de sentlmentalismo! Sacadura Cabral e Gago Coutlnha desceram finalmente nas águas do Rio de Janeiro. Eis tudo. Mas não será então esta uma ocasião para que nos rego-sijemos?

Sem duvida. Regosijemo-nos. Eis tudo. Este regosijo porém não deve incluir em si frases sen-timentais, mais insultosas que verdadeiramente de elogio. Todas essas comparações entre os dois aviadores e os heróis da Lusitânia avita dos sé-culos XV, XSF7 e XnX, incluem em si a lem-brança do longo letargo que Portugal dormiu durante alguns séculos. Esta lembrança deve ser

penosa mesmo num tempo de renovação. Saca-dura Cabral e Gago Coutlnho desceram final-mente nas águas do Rio de Janeiro. Eis tudo. Fizeram Uma obra bela e uma obra útil. Os kla-xlstas seguiram com entusiasmo a prova. Tor-ceram. Os klaxlstas vibraram com a victoria. Aplaudem. Um bravo enérgico daqui lançamos aos dois aviadores. Mas este bravo não se ar-reia de memórias saudosistas. Vai simples. Co-movido. Sem enfeites. Representa apenas uma verificação singular e presente. Gago Coutlnho e Sacadura Cabral são dois homens invulgares. Como tais, a humanidade se orgulha de os pos-suir. Eis tudo.

• * • *

O Conservatório de Pariz acaba de conceder o primeiro prêmio de piano ao nosso patrielo João de Souza Lima.

Esse extrangeiro moço já o anuo passado me-recera aquella consagração; mas Pariz, que in-ventou o termo "metêque", intlmidou-se um pouco, teve esse receio, que é muito humano, de fazer justiça. Fel-a agora, e bem. KLAXON se enternece eom isso, porque KLAXON também ás vezes faz "patriotada". E sabe que, ao lado de Souza Lima, está também em Pariz, como um pedacinho de nós mesmos, esse desnorteante Bre-cheret, a fazer jue, com o "Templo da minha Raça", á difflcil consagração pariziense. E ella virá: virá colmo veio para o pianista patrício.

S. Paulo, com o seu penslonato artístico, está mantendo no estrangeiro a mais digna e nobili-tante embaixada. E esses embaixadores d0 seu espirito e da sua cultura, porque são nósisos, por-que são paulistas, hão de se impor gloriosamen-te, "par droit de conquête et de nalssance"

• • •

Uma das fontes imals ricas e menos explora-das para as artes do pensamento é a conclusão. Digo menos explorada porque até agora, levados pela pobreza da. imaginativa, ou por encararem as artes com0 um departamento da realidade, os poetas e os prosadores, expostos os dados dum problema, tiraram na grande generalidade con-clusões. Ora os problemas da vida monótona e co-mum, são sempre tão mesmos quê o leitor, mul-tas vezes antes do meio da obra que folheia já conhece por experiência própria 0u de jornal a

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16 conclusão que o artista tirará. Esta monotonia, é uma das pandémias que mais invalidam a litera-tura universal. Os seus dois pontos, culminantes são: o romance psicológico e o soneto de compa-ração. Resumidamente eis Bourget:. dados o ca-racter dum homem e uma situação afectiva em que esse homem se vê envolvido como procederá o protagonista? E a arte, para o autor do Discí-pulo, consiste em responder é pergunta. Ora: qualquer leitor medianamente burro responde com a mesma firmeza do artista improvisado. Nas " Pombas " também, depois dos dois primeiros ver-sos do l.o terceto: "Assim do coração, onde abo-toam, 0s sonhos, um a um, céleres _voam. . . " o leitor já sabe, por experiência própria, que estes mesmos sonhos geralmente "não voltam mais". O que aliás nem é toda a realidade. Há sonhos que retornam com uma constância Verdadeira-mente patológica.. Mas, podem-se incluir com justiça tais sonetos e romances entre as obras de ficção? Não. O que a obra de ficção tem dê ex-plorar e pouco o fez até agora é o que estetica-mente se chamaria "a surpresa da conclusão". E' na literatura popular, tão sábia como expressiva

e brincalhona, que vamos encontrar o milhor emprego dessa "surpresa da conclusão". Estude-mo-la para fortificar a verdadeira arte que é brinquedo e fantasia sob o manto diáfano da rea-lidade. As quadras populares estão cheias da sur-presa de conclusão. Uma, ao acaso:

Batatinha quando nasce Deita rama pelo chão; Mulatinha quando dorme Bota a mão no coraçlo.

È' lindo. Expressivo e inesperado. Isto é arte. J á porém, quando não se trata de ficção, o pen-sador üeVè tirar conclusões certas. B é todavia justàmettfce nestas obras sérias que vemos o pen-sador chegar ás mais impagáveis conseqüências. Inda ha pouco um sociólogo, ou coisa que hones-tamente valha um sociólogo, ao observar com ca-rinho ursídeo o desenvolvimento dos esportes no Brasil, de alguns raciocínios acertados tirou esta conclusão surpreendente: O esporte está desedu-cando a mocidade do Brasil. KLAXON pergunta agora: Como è passível deseducar uma colectivi-

"dade que nunca teve educação?

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BREVEMENTE Natalika,

ou Da Natureza

e da Arte XJxxi -volixraie d e GVLÍ-

Edicção Klaxon

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Brevemente PAllilCEA DESVAIRADA

Mario de Andrade

OSCONDEMNfIDOS

Oswald de Andrade

(DESSIDOR, poemas de Guilherme de Almeida, traducção de francesa de Serge Mllliet, edicção "Lumière", ilnuers, Bélgica.

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documento original. Neste sentido, procuramos manter a integridade e a autenticidade da fonte, não realizando alterações no ambiente digital – com exceção de ajustes de cor, contraste e definição. 1. Você apenas deve utilizar esta obra para fins não comerciais. Os livros, textos e imagens que publicamos na Brasiliana Digital são todos de domínio público, no entanto, é proibido o uso comercial das nossas imagens. 2. Atribuição. Quando utilizar este documento em outro contexto, você deve dar crédito ao autor (ou autores), à Brasiliana Digital e ao acervo original, da forma como aparece na ficha catalográfica (metadados) do repositório digital. Pedimos que você não republique este conteúdo na rede mundial de computadores (internet) sem a nossa expressa autorização. 3. Direitos do autor. No Brasil, os direitos do autor são regulados pela Lei n.º 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998. Os direitos do autor estão também respaldados na Convenção de Berna, de 1971. Sabemos das dificuldades existentes para a verificação se um obra realmente encontra‐se em domínio público. Neste sentido, se você

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ACOSTO 15 1322

k 1 ax on MENSARIO DE ARTE MODERNA

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Rua S. Salvador, 72-A. FRANÇA — L.. Charles Batfdouin (Paris)» SNISSA — Albert Ciana (Genebra Rampe de Ia Treillé, 3). BÉLGICA — Roger Avermaete (Antuérpia —

Avenue d'Amèri<jüe, ai. 160") A Redacção não se responsabiliza pela» idéias de seus collaboradores. Todos os artigos devera ser assignados por extenso ou pelas iniçiaes. E' permitti-do O pseudonymo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na redacção! Não se devolvem manuscriptos. — São nossos agentes exclusivos para annuncios os srs. Abilio Nobre Cruz e Antônio da Costa Boucinhas

SUMMARIO ANTINOUS . . . . . . . . Sérgio B. de Hollânda LÁ DANZA DELLE GIORNA-

TE GRIGIE CARIOCAS . . . Vin. Ragonetti A MESMA TEMPESTADE .. Cario» Alberto Araújo SÃO PEDRO Mário de Andrade SOLITUDE D'ETOÍLES . . . . Charles Baudoin SYMPHONIA EM BRANCO

E PRETO Durval Marcondes PAULICÉA DESVAIRADA .. Luiz Aranha BALANÇO DE FIM DE

SÉCULO Rubens de Moraes CHRONICAS : MUSICA DESCRIPTIVA .. R. LIVROS E REVISTAS PINTURA C. A. úe A. LUZES E REFRACÇÕES EXTRA-TEXTO . Zina Aita

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Antinous (fragmento)

Episódio quasi dramático

Cortejo. Desfile de automó-veis. Gritos. Charivari. Bum-bum dos tambores. Escra-

vos de todas as cores curvados como canivetes. Espadas em branco que desfilam intermit-tentes e intermináveis...

A voz do orador

... o Sábio... o Construrtor. O Imperador constructor por ex-cellencia. Aqueíle que soube sub-metter toda a natureza ás suas ordens e ás suas leis. O Hauss-man, o Bumham, o Passos roma-no! O Sábio, o Constructor....

A multidão

Muito bem. Bravos. Apoiado. Apoiadissi....

A voz do orador

O constructor, o reconstruc-tor, o guerreiro, o vencedor, o... A voz do outro orador (ao mesmo tempo)

Sim senhores, o Imperador architecto. O Imperador artista. Vede está cidade monstro com seus edifícios, seus arranha-céus, com suas ruas asphalta-das, com seus anmincios, com seus cinemas, seus cartazes... Vede este palácio... (Aponta pa-ra um palácio que tem o aspecto de um formidável queijo de Mi-nas). Vede a civilisação borbori-nhante que enche as nossas ruas, as nossas praças, os nossos boulevards, os nossos... Vede tudo o que nos cerca. Tudo, tudo obra de um só homem. De um só cérebro.

Continua o cortejo. Duas filei-ras de escravos, dobrados como canivetes estendem-se desde a porta principal do palácio até o Infinito. Por entre ellas passam automóveis de todos os feitios. Dois homens de preto conversam afastados da multidão.

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2 O 1.° homem de preto

Espero o Imperador desde 10 horas. Serei recebido ás 16 em audiência especial...

0 2;* homem de preto

(olhando para o sol)

Devem faltar poucos minutos para as doze horas. O sol marca o meio dia. O Imperador é pon-tualissimo. Deve chegar neste momento.

O 1.° homem de preto

O sol parece hoje uma grande senhora ingleza com óculos de aro de tartaruga, muito loura, muito vermelha...

O 2.° homem de preto

Parece antes uma dona de pensão olhando atravez de seu lorgnon...

O grande relógio do palácio coimeça a bater' 12 horas. A* sex-ta pancada precisamente, a Cun-nigham imperial. Abre-se a por-tinhola. O Imperador Adriano desce, de monoculo, mastigando um enorme havana apagado. Veste-se elegantemente — ultimo figurino de Londres. Simultanea-

mente abrem-se as portinholas dos outros automóveis e saltam figuras imponentes: ministros, homens de estado, congressis-tas, embaixadores extrangeiros, officiaes da missão militar fran-ceza, etc...

Cortejo principal composto de numerosas pessoas entre as quaes Tiresias o feiticeiro, San-sone Carrasco, Guüdenstein e Rosenkratz e o desembargador Ataulpho de Paiva.

O relógio acaba de dar doze horas. A multidão aclama frene-ticamente o Imperador Adriano. Vivas ao Senado e ao povo. Delí-rio. O Imperador Adriano entra no Palácio acompanhado de um séquito. Dois homens descem a grande grade de ferro que fecha a porta do palácio. Os escravos fazem uma manobra militar e re-tiram-se em ordem. A multidão, porém, ainda aclama o Impera-dor. Os oradores continuam a falar...

Sérgio Buarque Hollânda.

AVISO IMPORTANTE - O en-redo para commodidade da acção foi transportado para a actuali-dade.

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3 La danza delle giornate

Grigie cariocas m attinata

languida e pigra come una feminina dopo una notte di orgia e di amore. Tinnula e tifola pel cielo grávido di negro nuvolaglie senza fine Ia você noiosa ed oca delia giornata che sorge come un addio senza il suo essenziale e doloroso significato.

La cittá muore di strazio sapendo che allora comincia a vivere le sue prime ore di lavoro...

Incomincia prima fiocamente e poi con fracasso Ia musica stravagante dei "jazz band" dei trams in fuga ai suono dei gracidare delia você delle automobili in corsa schernendo, sghignazzando Ia gente che cammina a piedi...

Danza violetta e gialla delia rabbia sul volto di chi lasció le caldi coltri in quel momento.

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4 II pomeriggo é un languido vagar per TAvenida conservairice superba e riottesa come Pombra di noi stessi in una splendida notte di luna. Esposizione completa e bizzarra di corpi di donna rutilanti di colori policromi come il programma di un music hall nordamericano o come il serico mantello clássico delParcaico Arlecchino che solo ride e non spannocchia filosofie idiote.

Danza delia vanitá scialba e rosea delia gente che vive nel bazar delia vita per amore alio snob ed alia posa: una beffa alie tradizioni dei passato.

Melanconia cupa e oscura delia notte carioca che discende come una foglia morta, in autumno» che vuol vivere sempre in ária per non morire di accidia cadendo in terra transcinata dal vento e stazzonata dal tempo e confusa nel mondo delle inutili cose.

Tristezza delia cittá abbandonata mentre ií "bas fond" ride col suo riso truce e livido rossastro e orribile come Ia ferita di una donna che nelPamore trovo Ia plaga.

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5 La notte fosca rugge

il suo urlo di tenebra e di spavento mentre il cielo senza luna e senza nuvole fugge, fugge, fugge, come i sogni delia nostra giovinezza col frettoloso cavalcar degfí anni.

Danza macabra e squallida dei multiformi fantasmi che temono Ia luce dei giorno e s'illudono di essere Ia luce delia notte. Danza ingannevole come Ia você delia nostra presunzione.

Giornata tristemente grigia carioca fatta di fantasmi, ombre, figure, tratti, mementi, attimi, foghe, slanci ed atti; spasimante come un desiderio di donna insoddisfatto; incerta come Ia fiama delia nostra speranza che or muore ed or non muore; ed attraente come il maré nelle sue grandi ore di tranquillitá.

VIN. RÀGOGNETTI.

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o A mesma tempestade

O I

s relâmpagos chicoteiam com fúria os cavallos cinzentos das nuvens, para chegar mais depressa á terra. As trovoadas longínquas parecem caminhões cheios de água em disparada por velhas ruas mal calçadas. E o vento rasteiro, vestido de poeira,

passa faminto como um cão, farejando a terra.

II A chuva já passou. A noite límpida é um menino, saindo d et r az das montanhas. E elle vem correndo, vem correndo, alegremente; todo molhado. Os homens assombrados, julgando-o perdido, estavam já desanimados. Mas elle vem correndo, vem correndo, alegremente, todo molhado. Vem correndo... E, quando encontra os homens cheios de olhares, elle pára e estende os braços humidos, e vae espalhando pelo céo, cheio de orgulho, os mil pedaços ainda moveis da verde cobra phosphorescente que matou na floresta, atraz das montanhas...

CARLOS ALBERTO DE ARAÚJO. k 1 ax on

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7 SAO PEDRO

Véspera de São Pedro... Inda se usa fogueira na fazenda!

.....rojões, traques danças ao longe...

A Hupmobile na garagem... Dentro dum mês, grande inauguração da máquina de be-

neficiar café, movida a electricidade. Comp. Força e Luz de Jahú Mattão Brevemente telefónio Comfort Comfortably Iluminação a giorno... Só falta um galicismo!...

A caieira cantarola... E aos pinchos

labaredas a cainçalha das labaredas

rápidas múltiplas

levadas pelo vento vertical... Explode a fogueira

fagulhas no espaço velozes milhares

espuma de fogo baralhando-se com as estrelas...

Curioso! Não ha Dona Marocas nem vestidos de cassa nem outros assumtos poéticos nacionais...

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8 E' a noite papal de São Pedro Faz um frio silencioso Umas crianças

traques saltos gargalhadas

derramando reflexos vermelhos pelos braços, olhos, lábios, pernas, cabelos selvagens Encravadas na escuridão as estrelas internacionais

O verso-livre milagroso da Via-Láctea

Um mugido assustado na várzea

Mais nada. O FOGO RUDIMENTAR.

MARIO DE ANDRADE.

Solitudc Dctoiles (INÉDITO)

A Emile Verhaeren, 1916.

S ous un drap noír, les étoiles sont mortes, et toutes les Iumières des hameaux, Etoiles tristes de Ia terre, pleurent leurs soeurs

d'en-haut. Comme elles sont perdues et solitaires, et comme

elles sont veuves, ce soir, Et mortellement en épreuve, ce soir, nos terrestres

étoiles - sous le deuil du ciei noir!

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9 Ces lumières perdues palpitent, d'une aile si flasque

et pénible! Ainsi des papillons détrempés par Forage, S'abattent sur les fleurs lourdes, en battant de Paile,

de leur aile lourde et mouillée. Oh le poids liquide des Iarmes - est plus Iourd que le

poids de l'âge!

Le ciei est noir comme d'orage, et Ia débacle se de-clare — en glas de pluie lourde qui claque,

Et qui clabaude et qui se plaque, - par gouttes larges.

Loin de vos soeurs d'en haut, comme vous êtes seu-les, — étoiles de Ia terre, o pauvres ames!

Comme vous palpitez péniblement, lumières, phalè-nes de feu aux ailes mouillées - par cette pluie aux gout-tes larges

Qui pleut sur vous, qui pleut en vous, comme des Iarmes!

Que chacune de vous est loin de Ia plus proche! La mante de Ia nuit bordée de sombre orfroi — sur

vous retombe, par longs plis, de tout son poids. Votre battement d'ailes est lourd, est sourd, comme

le battement d'une cloche, sous Ia brume au fond d*un beffroi.

La nue est noire, Ia nuit est sourde, et Ia pluie froide - houle a grand bruit.

Une heure vague tinte au beffroi de Ia nuit, et les lumières sont perdues - dans Ia croissance en deuil des brumes.

CHARLES BAUDOUIN.

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10 Symphonia cm

branco e prctc

a minha vida era um quadro negro. Negro e triste. Sem mais nada. Um dia ella chegou, pegou o giz e escreveu o seu nome n

quadro negro. Eu achei lindo o nome delia, assim tão branco sobre <

preto. Mas depois elle me fez mal: doiam na minha vista aquel

Ias letras, brancas demais, brilhando daquelle modi no quadro negro.

Tive medo de ficar cego. Peguei a esponja e apaguei o nome delia do quadro negro Mas, continuando a olhar, eu via o nome delia alvejand

ainda no quadro negro. Quadro negro + letras brancas + quadro negro + letra

brancas + tontura + 50 x letras brancas. Tive vontade de insultal-o. Mas não tive coragem. Já que era assim, peguei o giz e, descabellado, rabisquei

eu mesmo, com letras bem grandes, o nome deli. no quadro negro.

E o nome delia, que apparecia então enorme, enchia tod< o quadro negro.

E deixei. Hoje eu me lembrei de vêl-o. Espreguicei-me. Bocejei. Fui vêl-o. Apagara-se: não o vi mais no quadro negro. A minha vida é um quadro negro. Negro e triste. Sem mais nada.

DURVAL MARCONDES.

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11 c

Bauticèa Hotnalraáa onvulsões telluricas Esthesia Fendas Mario de Andrade escreve a Paulicéa Nem o sismographo de Pachwitz mede os tremores do teu

coração Ebullição Sarcasmo Ódio vulcânico Tua piedade Escreveste com um raio de sol No Brasil Aurora de arte século XX

Como na pintura Annita Malfatti que pintou o teu retrato Cathodographia Um momento de tua vida estampado no teu livro Roentgen Raios X Mas ha todos os brilhos Ar rarefeito de poesia Kilometros quadrados 9 milhões Tubo de Crookes Os raios cathodicos de teu lyrismo colorem as materiali-

dades incolores Aquecimento No tubo Havia também uma cruz Tua religião Fluorescencia Phosphorescencia Não es futurista Ha nos teus poemas raios ultravioletas Torrentes de cores Teu retrato Teu livro Porque o arco-iris é seu pincel E é tua penna também

LUÍS ARANHA. k l a x o n

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19 Balanço de fim de século

eNSINAM nas escolas que, em cada século, ha cem annos. E' um absurdo! A idéâ do século centennario sô pôde ser verdadeira para meninos que es-tudam arithmetica, para facilitar os cálculos. E é talvez por ter esqueci-do, gragas a Deus, toda a mathema-

tica aprendida, que não posso acceitar que o século XVIII tivesse começado em 1 de Janeiro de 1700 para acabar em 31 de dezembro de 1799 á meia noite. Para mim o século XVIII começou em 1 de septembro de 1715, com a morte de Liouis XIV, e acabou em 14 de Julho de 1789 com a tomada da Bastilha e o triumpho da de-mocracia. O século XIX vae da Revolução fran-ceza ao assassinato de Saravejo em Julho de 1914.

Ora, se já faz quasi dez annos que o falle-cido século XIX está na escuridão do passado, podemos mais ou menos dar um balanço nos livros que nos deixou.

Um allemâo, cujo nome esqueci, diz que foi a épocha do metal pezado. A nossa será a dos metaes leves; e a seguinte, se continuar a mesma progressão, cada vez mais leve, será, creio eu, a éra dos gazes, talvez asphyxiantes.

O século XIX foi o século da Intelligencia. Taine, o philosopho litterato, do alto do seu prestigio lança um livro, hoje envelhecido e falso, que toda a geração dos nossos pães de-vorou e digeriu mal. Nunca se escreveram tan-tos diccionarios, tantos Larousses, tantas histo-rias universaes.

São poucos os litteratos que não rabiscam seus estudos críticos, suas historias da littera-tura. Tudo por causa da Intelligencia. A mania de tudo explicar, methodizar, organisar, definir, levou o século passado aos maiores erros.

• • • A litteratura dos fins do século passado creou

typos, conselheiros Acacios caricaturaes, collec-cionou factos reaes "tranches de vie", organi-sou-os, methodizou-os, cortou aqui, augmentou acolá, e quiz dar-nos uma idea real da huma-nidade. Infelizmente o homem não é tão sim-ples. O resultado foi desastroso: um monte de immundicies. Os pães de familia reclamaram e o realismo expulso de França, fugio para Por-tugal. Os bons lusitanos receberam de braços abertos o francez foragido. Um cavalheiro de monoculo, inspirado pelo Deus expulso, começou a estampar juncto com sua photographia, for-

midáveis volumes de seiscentas paginas. 1 bigodes de Eça de Queiroz morreram e o tuguezes expulsaram o realismo para est terra onde canta o sabiá.

Aqui ainda viveu longos e prósperos ; mas seus últimos adeptos passaram come neste mundo. Hoje não se sabe que fim Dizem que ainda vive entre nós, de expedi mas é mentira. O Realismo morreu e jama daver exhalou tão máo cheiro.

O Parnasianismo foi outra victima da ligencia do século XIX. Foi essa Intellij que construiu a prisão onde quiz encarei poeta. Preso, o poeta era obrigado a esi seus sentimentos sublimes, a deformar idéas, cortar, diminuir, fazer o que não c porque á porta vigiayam carcereiros tei com pencas de chaves de ouro á cintura.

Coitado de quem dizia o que queria, e queria! Era preciso medir as idéas como s dem fazendas nas lojas de turco.

Naquelles tempos quem não tinha doz< mancava. Os parnasianos não podiam c pular, dansar, caminhar livres porque sei patos "estavam apertando".

Foi na prisão sem ar que morreu o E sianismo. Não ha prisioneiro encarcerrado, victo, arrastando correntes, que não queira per as cadeias, fugir, bradando um grito berdade . . .

Esse grito foi o verso livre. • . *

O verso livre não foi inventado por um lheiro dado á litteratura que querendo " versos" se viu atrapalhado com tantas i prohibitivas, não; nasceu ha séculos con sentimento da liberdade nos povos libei pela guerra. Em litteratura também ha Tc Slovaquias, Lethonias, Polônias e saladas sas.

Os clássicos francezes, La Fontaine sol do, já sentiam a necessidade de fugir a< xandrino, ao decasyllabo, ao oçtosyllatoo i tros neurasthenicos de má companhia.

São os românticos os maiores revolucloi da litteratura, que, fartos da monotonia dí xandrino, quebram-no em três partes, distij

Mas Victor Hugo foi apenas um preci coitado.

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13 Foram os symbolistas que compreenderam

que a humanidade também progride, que as idéas também se movem; foram elles que sentiram a necessidade de crear um instrumento novo para exprimir novas idéas. E' aos symbolistas, a Rimbaud, que devemos todas as conquistas da litteratura contemporânea.

Não se explica em poucas palavras as ten-dências da litteratura moderna. E' preciso subir na estrada para automóveis da litteratura.

O Intellectualismo foi o grande factor que creou as obras primas do classicismo. O clássico ê um intellectual. O prazer que temos lendo um Rácine, um Camões, um Goetbe, um Dante é um prazer intellectual, lntelllgente. A philoso-phia e a litteratura dos séculos passados são dominadas pela Intelligencia. Com a Intelligen-cia, o único factor utilizado, os philosophos que-rem chegar ao conhecimento.#0 resultado foi quasi nullo. t

Deante dessa fallencia Bergson teve a idéa de procurar um outro instrumento: a intuição. Bergson separa a philosophia da sciencia. O mundo da sciencia pertence á Intelligencia. Para conhecer a vida na sua mobilidade perpetua elle utiliza a intuição e o instincto.

O que nos interessa aqui não é o resultado, difficilmente apreciável, da philosophia do au-etor de "Matière et Memoire", basta-nos a sua influencia na Arte moderna. Bergson é directa-mente e indirectamente um dos autores da nova esthetiea.

A Arte deve abandonar a idéa das eousas for-jadas pela Intelligencia, existentes unicamente no nosso cérebro, para confundir-se com a es* sencia das eousas pela intuição, penetrar no principio de vida e confundir-se com elle. Os clássicos olhavam e descreviam com a Intelli-gencia sem se confundir com o objecto, "lis tour-nalent autour du pot".

O artista moderno quer uma emoção, uma sensação, uma percepção directa, "um dado im-mediato" para empregar a linguagem de Berg-son.

Cada homem sente duma maneira diversa e o poeta moderno, suggerindo emoções, desperta no leitor sensações diversas das que elle teve mas que vibram mais fortes porque é a própria alma do leitor que vibra.

E' talvez porisso que vendo uma obra mo-derna o burguez exclama: "Mas eu também sou artista!"

O artista moderno não é lógico, racional por-que não é lntelllgente. B' no subconsciente que

o poeta, o pintor, o compositor, vão buscar a emoção esthetiea, lá no subconsciente elles en-contram sua realidade, a única que lhes importa. A Intelligencia, já vimos, deforma a sensação, a intuição nunca. Hoje só ha uma escola: a per-sonalidade.

A Arte deve perceber o objecto na sua parti-cularidade, no que nelle existe de "único e inef-favel" (Bergson). Desse principio nasceu a con-densação carateristlcá das obras contemporâ-neas. Ninguém têm tempo a perder escrevendo 500 paginas como Zola ou Eça. Contentamo-nos com um traço, uma particularidade que exprime o objecto na sua particularidade e na sua totali-dade. Só os oradores de "meeting" fazem ainda phrases. Dessa condensação, dessa ausência da "phrase" nasceu a sinceridade.

Se a poesia contemporânea parece ás vezes incompreensível, se o poeta emprega symbolos obscuros, imagens imprevistas é porque elle é sincero, diz o que pensa e o que sente com b seu vocabulário sem procurar o effeito que produ-zirá sua obra. O poeta não namora o publico, deixa-se namorar, é muito mais interessante. A compreensão só têm uma importância social.

Não se deve rir de um poema dadaista, caçoar de um quadro cublsta, e não se deve nunca dizer: "não gosto". Não se "gosta" de arte mo-derna. Gosta-se de empadinhas de camarões, de bombons, de mulheres gordas, mas não se gosta de arte moderna: Compreende-se. Quem não compreende deve ficar quieto para evitar as-neiras.

Brunetlêre quando leu os primeiros versos de Mallarmé disse: "Je ne comprends pa»; peut-ètre cela vlendra un jour". Estou convencido de que, se tivesse vivido mais alguns annos, pro-curando entender, teria sentido a belleza her-mética do grande poeta.

O grande erro da critica contemporânea é considerar as obras modernas como definitivas. Nós não vivemos numa épocha de realisação. Os dadaistas, cubistas, futuristas, unanimistas, bol-chevistas, espiritas são apenas precursores de uma nova arte, de uma nova organisação polí-tica, de uma nova sciencia, talvez de uma nova religião.

Nós, como o caboclo "tacamos fogo na mat-taria" porque não se planta sem derrubar. As chammas sobem altíssimas, fogem assoviando serpentes fascinadoras. Só'ficam os jequetibás, jacarandás, guajussáras, cabreuvas, timburys. E á sombra das arvores enormes a plantação cres-ce. Felizes os que vierem depois de nós para colher o que plantamos!

RUBENS DE MORAES

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14 Chronlcas MUSICA DESCRIPTIVA

A Sociedade de Concertos Sinfônicos é ine-gavelmente a mais útil corporação musical de S. Paulo. Sob o ponto de vista da educação pu-blica por meio de audições — entende-se. E então quando o grupo orquestral é dirigido pelo irrequieto mas hábil sr, Raymundo de Macedo, è um prazer ouvir-se um concerto dessa Socia-dade. No programma de 14 de Julho passado inclufra-se o bastante afamado poema sinfônico de Lisst: Mazeppa. Já conhecíamos de leitura o príncipe da Ukrania, e o façanhudo galope em que fora incorporado, muito provavelmente.. malgré-lui. Mas, como estamos convencidos de que a mu'sica tem uma força sugestiva maior que a palavra, alimentávamos, quando iamos para o Municipal, a impaciente esperança de ver o ilustre caso que permittiu a Victor Hugo mais uma antítese de muito efeito:

" . . . il court, il vole, il tombe Et se releve roi!"

E Mazeppa começou a correr montado no seu cavalo e nos violinos. Não porém antes dum extranho e rápido barulho de metais, que todo nos arripiou. Segundo reza o Índice pragmático do poema o barulho significa uma chicotada. Força é confessar, o tal acorde nos surpreendeu agradavelmente. Não v4, pensámos, a orquestra ter errado a partitura, e aberto, por um desses felizes acasos, uma partitura moderna de Ml-Ihaud ou Malipiero. Infelizmente não se dera engano. Não era um simples efeito orquestral e musica legitima. Era bem uma descripção pseudo-musical e pseudo-llteraria, dos feitos que muito pouco nos interessam do heróico e defunto príncipe sr. Mazeppa. Aquillo era uma chicotada. E os violinos começaram a galopar. Mas será mesmo o galope, pensámos inquieto? Quem sabe si estamos interpretando errado a in-tenção de Liszt. Pode muito bem ser o relin-cho do cavalo, ou, pois que Liszt seguiu a ba-lada de Hugo,

" . . .des troupeaux de fumantes cava l e s " . . . E si fosse a ventania? E' muito possível.

O cavalo, levado pela nostalgia, retorna para o pais natal, atravessando as planícies da Polô-nia. Ora nas planícies geralmente ha muito ven to . . . E' possível que seja o vento na pla-

nície. . . "Le vent dans le p la ine" . . i mo ê lindo este prelúdio de Debussy. I é sugestivo. Também descreve. . . Não: sugere. Mas usa elementos descriptivo verdade, mas de maneira tão vaga, e p talvez tão mais possante. E, relembrí com prazer as segundas murmuras de Tu que cresciam, cresciam como um vento do que vem de longe, furando as nuvens e cinzentas. Uma vaga recordação das da Normandia, que nunca vimos, bailou e sa sensação. . . Mas o barulho cresce orquestra recordou-nos que estávamos c( pelas planícies da Ukrania. Sim, já de estar na Ukrania que diabo! O cavallo três dias, mas a orquestra, não podia lev dias galopando. Isso só ê possível aos cav; lenda e aos cavalos da Ukrania. Mas teria sado três dias ou dois dias. Nos. si fo Liszt, teríamos aumentado a orquestra rc ca; colocaríamos um sineiro que batesse t zes seguidas as vinte quatro horas de ca dos três dias, sem, como pormenor realist quecer as meias horas e os quartos. Ass menos o ouvinte poderia saber em que < galope estava. Quem sabe si era o moinei corvos?

. .aux cavales ardentes

Succèdent les corbeaux!" Mas qual! a música não dizia nada! '

Unos arquejavam! Os violoncelos prodig O sr. Raymundo _de Macedo fazia í gesticulantes, para bater o compasso trastando desagradavelmente com Mazep não podia conter o ginete desbriadc associação de Imagem, com ver o sr. Raj de Macedo, lembramo-nos de Sacadura Gago Coutinho.. E' verdade! o pr anunciava a presença dos dois illustres r e s . . . Onde estarão? Percorremos com ta os camarotes e as f r i sa s . . . Nada. 1 tei a um amigo que se sentara a meu 1 Também não os v i r a . . . — Já viste os h — Não; e tu? — Também não. Ha de que cheguei da fazenda. — Que foste lá — Gosar as férias. — Felizardo! eu a quei. Não pude abandonar o trabalho -vais ter também 2 mezes de férias. — CJ

Pois não és reservista? — E' verda< Tu vais? — Vou também. — Dizem <

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15 râo mandar para o Rio Grande . . . — Não sei. Mas com este chinfr in . . . — E o Hermes, hein? — Parece incrível que ainda se acredite no Hermes. — No Brasil esquece-se depressa. — Que ridículo! perto do Centenário. . . — E di-zem que o Graça Aranha. . — Não fales do Graça. Sabes muito bem que sou amigo dele. — Pois vou escrever para a "Folha do Noite", pondo a culpa da revolução em vocês, futuris-t a s . . . — Cala a boca! Ouve a música!

Mazeppa. . . ê muito provável que tivesse pa-rado o galope. Os violinos descançavam. De-pois houve um bailarico na orquestra. Engra-çadinho. Depois ouve uma fanfarra. E acabou, ouma barulheira de todos os executantes. Aplau-sos. A orquestra era digna dos aplausos. Tam-bém batemos nossas palmas sinceras. Repe-tiu-se o bailarico e a barulheira. Naturalmente Mazeppa recebia do azar o seu titulo de príncipe da Ukrania. E provável, tantos m e t a i s ! . . . K recordei-me dum verso do "Mazeppa" de Byron, que cantava irônico nos meus ouvidos, intre as forças desencadeadas da orquestra: "When truth had nought to dread from power"...

Despertar — Hermes Fontes Bdic. Jacinto Ribeiro — Rio 1922

R.

LIVROS & REVISTAS

Bngrinha — Afranio Peixoto

Livraria Castilho — Rio de Janeiro-1922

Livro tristonho. Quando iniciará o Brasil a li-teratura da alegria? Páginas de amor e rusga3 iue não terminam mais. Para divertir o A. di-vide o assunto em dois. Ha o amor de Jorge e Bugrinha e a anedocta da festa do Divino. Mes-mo dualismo da Esfinge. Mais ou menos tam-bém como em Fructa do Matto. O A. se repete. Não faz o mínimo esforço para progredir. Para jue? Já pertence á Academia — pináculo da imbição literária do pais.

Ha um capitulo maravilhoso, verdadeira obra-Drimu de verdade é comoção: è o XVI. O resto... Mo fim do livro Bugrinha morre. Que pena! Tão siinpáatica .'Mas Bugrinha é ainda um livro re-gular. Lê-se até o fim, contanto que se possam iquelas tiradas eloqüentes sobre o diamante, o progresso e outras coisas pouco romanescas.

Bnfim, sem muito relevo,, o A. nos presenteia :om uma pedaço tristonho e ridicula da vida. Convidamos o snr. Afranio Peixoto a definir a >alavra ficção.

J . H. de A.

O grande poeta satírico brasileiro (o maior poe-ta vivo do Brasil na pesada opinião do snr. João Ribeiro) Hermes Fontes publica mais um volu-me de sátiras: "Despertar''.. Desde "Apoteoses" que o illustre sergipano, seguindo a traça que a si mesmo se impôs, vem com as suas impiedo-sas sátiras, provando sobejamente quanto a rima e os ideais parnasianos envelheceram e não se prestam mais para notar liricamente os nossos dias. Cremos todavia que já é tempo do ce-lebre vate escrever os versos líricos que de seu estro é licito esperar. Mas não ha duvida que "Despertar" representa o cumulo da per-feição satírica. Nunca jamais se conseguiu apre-sentar a rima em tanta ridiculez. Nunca ja-mais se conseguiu provar como é cômico equi-parar as coisas comuns com as nobres e ador-mecidas coisas do passado. Desfilam, impiedo-samente. trópegas e senis, todas as persona-gens da mitologia e da ficção. E* admirável de eomicidade. O sr. João Ribeiro tem razão. Her-mes Fontes è superior a Gregorio de Mattos a Bastos Tigre. Um exemplo. Eis como o sr. Her-mes Fontes nos representa Pery:

'"Rude. Apollo sem lyra, Orpheu bisonho Hercules virgem, Tantalo r i sonho . . . "

Mais adiante Pery "é um fak i r . . . e ê um titan!"

"Filhos de Zeus, que thorax apollineo! E que excelso caracter, rectilineo, O' Budha, nesse coração virgineo que ama, e espera Tupan!"

Mais adiante ainda o poeta compara Pery a r rome theu . . .

Castro Alves é também "Orpheu — Vulcano, Prometheu — Adonis!"

O caipira é "Attila rústico! Hercules-Quasí-modo!" . .

Moema é "Virginal Dido-Elissa" e "Pobre Ophelia aborígene!"

Mas Caramurü é E n e a s " . . . Levado talvez pela perniciosa influencia dos

"futuristas" de São Paulo, o sr. Hermes Fontes deu para escrever imagens exageradas. Acon-selhamo so maior poeta vivo do Brasil a que se liberte de má companhia. Os futuristas de São Paulo são uns moços sem ideal, mais do domínio da patologia, que por serem ignaros e burros, tor-naram-se cabotinos; e, seguindo as teorias de Marinetti (coisa que já vem criando bolor ha 13 anos) imitam e copiam, no doido afan de se tornarem celebres. Coitados! O renome de es-cândalo que alcançaram apodrecerá mais cedo

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10 ainda que os membros doentes desses copiado-res. Tome cuidado o famoso Apollo-Victor Hugo-Lamartine-Leopardl — Dante — Casimiro de Abreu, não imite os futuristas de São Paulo e não escreva mis assim:

"Cantor das harmonias retumbantes! Cavaste um thorax fundo em cada abysmo e plantaste os pulmões de cem gigantes",

nem assim: — beijo da terra-firme ao volúvel Oceano

dado á boca da América impaciente, como a tragar o cacho de uvas das Antilhas"

Mas onde realmente o exagero é enorme e não se tolera é quando diz que o caipira:

•"ama o cavallo, que o conduz ainda, — seu verdadeiro irmão i r rac ional . . . "

E' forte! E' demais! Insultar o cavalo — animal nobre, ardente, viril — irmanando-o ao caipiràí Não se tolera! E' futurismo de que dese-jaríamos ver escoimada a obra satírica do sr. Hermes Fontes, o maior poeta brasileiro vivo, no dizer do seu amigo e conterrâneo sr. João Ribeiro,

AI. de A.

PINTURA.

RECEBEMOS: Nouvelfe Revue Française — numerod e Ju-

nho — Interessante artigo de Roger Allard so-bre Mareei Proust moralista — Um capitulo inédito de Dostolewsky — Versos de Paul Ali-bert — Romance de Jean Schlumberger — Re-flexões sobre a literatura do Midi por Albert Thibaudet — Um bello artigo de Benjamin Crémieux sobre Pierre Benoit, analysando pór-menorisadamente o discutido autor da Atlan-tide — Chronicas, etc.

La Crée — Boa revista com collaboraçâo es-colhida — Entre outros nomes: Han Ryner, León Franc, Mareei Millet, Paul Myrriam — Convém citar: Bain, de Mareei Millet e Pro-pôs sur le quai de León Franc.

Lumiere — n.o 9-10 — Junho e Julho — Consagrado á Rússia este numero da moderna revista belga traz uma collaboraçâo variadissi-ma em prosa, verso e gravuras. Entre outros nomes: René Arcos, Roger Avernaete, Balza-zette, Jean Riehard Block, Georges Chenne-vière, Bob Claessens, Duhanmel, Lebesgre, Maíaskowsky, Mlaircel Millet, León Tolstoy iné-dito, Vildrac, Zweig, Joris Mime, e t c . . .

Klaxon applaude o gesto de sua irmã em fa-vor do grande povo russo. Applaude e felicita.

(EXPOSIÇÃO Viani) Klaxon visitou a exopslção de pis

prof. Viani. Inesperada e deliciosa, moderna. O bom liquido consolou a já secca. E Klaxon poude sentir-se co forças para continuar a gritar.

Os desenhos a penna, coloridos a ole< da influencia inoccultavel de Stelnlen, gnificos. As vidas que o artista remem pitam numa atmosphera estranha que < segue aos poucos alargar pelo seu podei sivo, até rodear-nos completamente, p lhor sentirmos essas vidas. Pelos Vendltori ambulanti, Al Convento, Va| Le Pinzocchere e Vela Latina, a gen avaliar como é solida a potência artii expositor, nesta face de seu talento.

Também são bastante vigorosos e in nantes os desenhos "a fusain", Impra guerra. Nesse gênero, entretanto, pa que Viani deseja ou faz pensar que de em relevo mais a sua originalidade do talento e suas tendências. Elle tenta fi lado, em vez de deixar que se libertem torrentes naturaes.

Mas, para nossa opinião, o melhor ^ artista apparece nas suas xilographias. Ia cabeça do pintor Mantelli só pôde sei grande artista moderno. Um artista qt prehende como è bello e sabe estamj traços da phisionomia o enredo multipl o go qu ea vida moderna crea e esconde mente no interior dos homens. Bin II Ni andante, II Naufrago, PreoccupaJoni e V te in riposo, são de apreciar-se a firm< linhas, a poesia das attitudes e prlnclp o vigorlivre da imaginação. Taes pro certamente não saem de um espirito mas de uma intelligencia bem arejada, e: moça, que recebeu e soube receber os cios de todos os raios solares. Klaxon, levado pelos braçoB tão solici nossos jornaes, foi procurar, pelo unict roço neles indicado, a exposição Benedetl tretanto (extranha cousa!), por uma fell cidencla, veio encontrar no mesmo logai posição Viani. Também o bom Saul a d throno quando procurava as jumentas pae. C A. d LUZES & REFRACÇÕES

No ultimo número de KLAXON dois e; pographicos trancaram lamentavelmente go do nosso colaborador Mario de Andrad

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a pianista brasileira Guiomar Novaes. Pedimos desculpas aos leitores. Lerão á pg. 8, linha 39.a da l.a colunna: "Como tal 2 aspectos especiais apresenta: a fantasia exaltada e a sensibilidade que transborda em excessos sentimentais, etc" E á pg. 9, última linha da l.a colunna: " . . . a energia de sustentar? Não. E n i s t o . . . etc."

Os nossos leitores devem lembrar-se que lhes recomendámos como productos magníficos da nossa industria: o chocolate Lacta e a bebida Guaraná. Efectivamente tanto um como outra eram magníficos. Acontece porem que se torna-ram detestáveis. Aconselhamos pois áos nossos pacificos leitores o uso de outros productos ma-gníficos da industria nacional. E' possível porem que o chocolate Lacta e a bebida Guaraná vol-tem outra vez â antiga excellencia que perde-ram. Nós, como únicos representantes do mais alto gosto paulista, publicaremos então gostosa-mente annuncios novos desse refresco e desse chocolate. Mas enquanto a casa productora não nos der mais anúncios (ela que desperdiça gor-dos lucros em gritar sua fabrica pelas folhas diá-rias de muito menor circualçâo que nossa revista, como o Estado de S. Paulo e o Jornal do Com-mercio) é certo que Lacta como Guaraná são de péssimo sabor e fazem mal á saúde. KLA-XON que, em sua já longa e benéfica existên-cia., sempre corroborou para a milhoria da saúde publica avisa pois os seus leitores: NÂO COMAM LACTA NEM BEBAM GUARANÁ', enquanto essas marcas não dos derem anúncios. E publi-caremos mesmo, prazeirosamente, qualquer co-municação de enfermidade de, qualquer nature-za, provocada por esses ingratos ingredientes.

"Não ha nada como um dia depois de ourto"... Os leitores da KLAXON recordam-se da Semana de Arte Moderna, contra a qual um grupo de maltrapilhos cerebrais tanto ladrou e cocoricou? Reis entre os artistas ladrados estava o músico de nome Villa-Lobos — uma das admiráveis contribuições com que o Rio de Joneiro fortifi-cou nossa emprêza. No último concerto de Ru-binstein (23 de Julho) incluira-se, entre os nú-meros do programma a serie das Bonecas do musico de nome Villa-Lobos. E eis o mesmo pú-blico paulista extasiado ante essas composições, bisando mesmo o "Polichinelo" E no fim do concerto eram vozes e vozes a gritar: "Villa-Lobos! Mais Villa-Lobos!" Rubinstein dava Vil-la-Lobos. E a assistência aplaudia,, aplaudia. Sem comentários. Apenas: "Não ha nada "como um dia depois de outro". Mas acredite o público ignorantíssimo e inconsciente: o grande artista carioca nada se orgulhará da consagração. Ele sabe que si de novo, numa outra indesejável Se-mana de Arte Moderna, aparecesse no palco do Municipal o músico de nome Villa-Lobos^ entre ladridos, clarinadas e assobios, de novo o pu-blico sapientissimo dar-lhe-ia as de Villa-Diogo.

Na "Careta" (22 de Julho) confunde ainda o espirito de actualidade de KLAXON com o fti-

turisino italiano um snr. Lima Barreto. Desbar-retamo-nos, imensamente gratos, ao ataque do clarividente. Mas não è por causa da estocada que estamos gratos. Esta apenas nos permitiu sorrisos de ironia. Pois estamos bem acastela-dos, de metralhadoras armadas, e lá nos surge pela frente, a 20 metros, um ser que, empunhan-do a antiga colubrina, tem a pretensão ,de n ° s atacar! Colubrina? Qual! A colubrina é uma es-pada muito nobre do passado. E' uma navalha que traz o atacante. Qual navalha! O snr. Lima Barreto, como escritor de bairro, desembocou duma das vielas da Saúde, gentilmente confiado nas suas rasteiras. E foi uma rasteira que ima-ginou nos passar. Mas com franqueza, snr. Lima, uma rasteira a 20 metros! Só mesmo si o eru-dito critico possuisse pernas iguais em compri-mento ao "nariz" de Mafarka... Mas as pernas (espirituais) do atacante aipenas têm 10 centí-metros!... Foi por isso que esmoçámos aquele "sorriso de ironia" atrás denunciado. Mas ainda não dissemos o que nos deixou gratos para com o estudioso conhecedor da literatura universal... Foi isto: o snr. Lima Barreto assinou seu arti-go. Enfim! Até agora, deante da' arte moderni-zante, só um homem tivera a coragem de sua ignorância: o inefável dramaturgo da "Allema-nha Saqueada", snr. Mario Pinto Serva, cujo nome ê sempre com prazer por nós invocado. Pois, ao snr. Mario Pinto Serva. Mario Pinto Serva, oh! que nos seja permitido mais uma vez repetir: MARIO PINTO SERVA, reune-se agora o snr. Lima Barreto. O primeiro, snr. Ser-va, chamou-nos de loucos, de cabotinos, ele que nestes Brasis de tantos problemas irresolvldos, escrevera um livro sobre a "Allemanha — livro muito comprado pelos fregueses da Deutsche Buchhandlung da ladeira Dr. Falcão e que até foi traduzido para o tudesco. Nosso, colaborador Mario de Andrade também escreveu sobre o for-te Bildhaner Haarberg, um artigo que também foi traduzido para o alemão.) O segundo, o snr. Lima, chama-nos de descobridores do futuris-mo "do il Marinetti" (O snr. Barreto é Incon-testável a respeito de artigos!) E cansado com o descobrimento eis o snr. Lima azedo, obfurga-toriando. mais ou menos com razão, contra Ma-rinetti. Mas que temos nós com o italiano, oh! fi-no classificador? Mas o herbolário carioca' sabe que certos arbustos naturais de Itália e da mes-ma ifamilia de apenas alguns registrados em KLAXON, são comuns á Russin, á Áustria e á Alemanha Saqueada . . . Em todo caso, simpático, nenhuma hostilidade aos moços que fundaram snr. Lima, como seu artigo "não representa KLAXON" amigavelmente tomamos a liberdade de lhe dar um conselho: Não deixe mais que os rapazes paulistas vão buscar ao Rio edições da Nouvelle Revue, que, apesar de numeradas e valiosissimas pelo conteúdo, são jogadas como inúteis em baixo das bem providas mesas das livrarias cariocas. Não deixe também que as obras de Apollinaire, Cendrars, Epstein, que â Livraria Leite Ribeiro de ha uns tempos para cá (dezembro, não é?) começou a receber, sejam adquiridas por dinheiros poulistas. Compre esses livros, snr. Lima, compre esses livros!

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EM TODAS AS LIVRARIAS Pflulicéa Desvairada

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Brevemente: Os Condemnados

romance de Oswaldo de Andrade

/ i L o o l D ( J I < , poemas de Guilherme de Al-meida, tradução franceza de Serge Milliet, edição "LUMIERE" Anvers, Bélgica.

nHTHDIKH natureza e da Rcte

por Guilherme de Andrade, edição KLAXON

Jt Poesia Modernista por Mario de Andrade, edição KLAXON

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SETEMBRO 15 1922

k I si x o il MENSABIO^DE ASTE MODERNA

REDACQÀO E ADMIN1STRA£À0; S. PAULO — Bua Diretta, 33 Sala 5

ASSIGNATURAS - Anno 12$000 Numero avulso - ^ IfOOO

REPRESENTAQÀO: EIO DE JANEIRO — Sergio Buarque de Hollanda

(Bua S. Salvador, 72-A.) FRANCA — L. Charles Baudouin (Paris). SUISSA — Albert Ciana (Genebra Bampe de la TreiBfe, 3). BELGICA — Boger Avermaete {Antuerpia —.-

Avenue d'Amèrique, n. 16p) '" *

A Redacgào nào se responsabiliza pelas ideias de seus collaboradores. Todos os artigos devem ser assignados por extenso ou pelas iniciaes. E' persùtti-do o pseudonimo, urna vez que fique regìstrada a identidade do autor, uà redasgao. Na© «e devolvem manuscriptos.

RIO . Aà C. Conto de Barro»

Guillerme de Torre Serge Milliet Guilherme de Almeida Gaetano Cristaldi

. Manoel Bandeira

Rubens de Morae*.

SUMMA OMNIBUS ., ... ..... AL VOLANTE /. . . VISIONS (I) . . . AS CORTEZÀS , : v . EGLOGA SENTIMENTALE POÉME . . AOS HOMENS DE

EXPERIENCIA.. . CHRONICAS : THEATRO DOS BONECOS. LIVROS & REVISTAS a N E M A LUZES E REFRACQÒES EXTRA-TEXTO . ; ,

R. Avermaete M.A, M.A.

Annita Malfatti

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Omnibus ESPIBITISMO eomecando a medir, o homem creou o

dominio scientifico. Poi notavel acòntecimento, quando a agua deixou de ser considerada um cor-

po simples, passando para o rol dos com-postos. Entretanto, esse acòntecimento so principiou a ser interessante, no mo-mento em que. se verificou que, para a formacao da agua, o hydrogenio e o oxy-genio so se combinavam na proporcao de 2:1. E' que introduzir o numero nos phe-nomenos universaes implica submettel-os a leis determinadas, Tem-se, desse modo, urna visao economica e lisongeira do Kosmos...

Todos os phenomenos serào passiveis de medida? Um delles, até agora rebelde ao jugo mathematico, é a emocao esthetica. Si fosse possivel determinar a sua qualida-de e intensidade, estaria creada, scientifi-camente, a Esthetica. Ha de parecer que incorro em pleonasmo, quando falò em de terminar a «qualidade» da emocào estheti-ca; Pois si eu puz o adjectivo «esthetica» ao lado do substantivo «emogào», corno po-deria determinar o que de si mesmo jà està determinado?! Mas, si eu dissesse, agora, que ella é um pheuomeno complexo; que é

a resultante de innumèros factores, todos hao de convir, por forga, que a simples mu-danca na ordem desses factores ,ou a pre-ponderancia de uns sobre os demais, e o bastante para imprimir urna «nuance» dif-ferente a emoc&o esthetica, corno o simples movimento num kaleidoscopio modifica o mosaico colorido...

Assim, da mesma maneira que, na chi-mica organica, existem centenas de Icor-pos isomeros, correspondendo à mesma for-mula molecular, tambem existem cen-tenas de emocóes esthéticas (isomeras), correspondendo aos mesmos factores psy-chologicos... Representando por X a emo-cào esthetica, estabelecerei a seguinte equa-c&o: X=p+q-f-r-f-s... E' evidente que o va-lor de X se modificarà, na proporg&o que variarem os valores de p, q, r ou s, E' o que, em algebra, se chama um problema in-determinado.

Estou dizendo todas essas cousas, mais ou menos cabalisticas, para mostrar que a Esthetica é urna nebulosa, um simples schema, urna sciencia branca. Consequen-cia:

Quando alguem ataca musico», pin-tores, poetas, em nome da Esthetica,

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2 està invocando um espectro, um fantas-m a . . E nesse caso, antes que os quadros comecem a dancar sobre a parede e a meza a descrever parabolas no ar, — é sempre bom que alguem aperte o botfto da luz ele-c t r i ca . . .

* • • PUZZLE

A sciencia procura dar urna visao cada vez mais impessoal do universo. Nesse sen-tido, Einstein, com o seu celebre Inter-vallo, deu mais um passo à frente. Ao in-verso do que acontece com a sciencia, a arte inclina-se para o subjectivismo. A arte moderna é, na sua generalidade, profunda-mente subjectiva. Para o poeta de hoje nao ha themas preestabelecidos, nem appare-Ihos complicados em que deva filtrar as suas emocoes. Seu «eu» deixou de ser mer-cadoria vendida a retalho, em caixinhas de differentes tamanhos e feitios, ao gosto do sr. «Todo o Mundo». Agora, o poeta se offerece todo, comò elle é, num determi n fi-do ponto do tempo e do espaco. Dahi, às vezes, certas infantilidades, certas associa-cóes chocantes. Isto quasi sempre descon-sola os amadores de puzzle psychologico, que preferem personalidades retalhadas. afim de possibilitarem a volupia ineffavel de poderem juntar os fragmentos disper-sos, formando, desse modo, urna figura qualquer, amarfanhada, estupida, morta...

» » * MIL E UMA NOITES

O extremo subjectivismo leva ao her-metismo, — urna porta fechada. E quem nào souber dizer: «Sesamo, abre-te!», que passe deante della, sem olhar. Està attitu-de, que é a minha, é milito mais prudente e avisada do que a daquelles que, sabendo a formula, conseguem entrar, mas, urna vez

là dentro, ficam sem poder sahir, pois que, deslumbrados com o que vèem, esquecem magicamente a palavra magica. Estes, em geral, enlouquecem... ,

A JANELLA ABERTA O que póde salvar o extremo subjecti-

vismo do hermetismo é a ironia. A ironia, sendo o resultado de urna comparacao entre o individuai (que é sempre supposto ser superior, embóra nem sempre venca) e o collectivo, o «nào eu», presuppóe urna atten-evo elastica, repartida entre o mundo sub-jectivo e o objectivo. O individuo, assim, nunca està encerrado dentro de si mesmo e, de vez em quando, abre a janella para ver a vida passar tumultuariamente. . . Além disso, a ironia é um desdobramento do instincto de conservacelo. E quando as nossas tendencias mais intimas e incons-cientes periclitam, quando se fragmentam ou vào fragmentar-se de encontro as as-perezas do meio em que vivem, entào ella surge, consolando-nos, auxiliando-nos a vi-ver . . . As sensibilidades mais delicadas sao e devem ser, consequentemente, as mais ironicas, porque estào mais expostas, por-que se lascam mais facilmente..

• • * O CORVO

Certos theoristas do modernismo, de-pois de enxotarem, dos dominios artistico*, o dogmatismo, — esse corvo «perclied upon the bust of Pallas», tomaram-se de tal te-mor que elle voltasse, que collocaram em frente da A.rte um espantalho. Mas eis, que de novo, manchando o corpo branco de Pallas, urna sombra ridicula se extende: a sombra do espantalho. . .

A. 0. COUTO DE BARROS.

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3 AL VOLANTE

a POEMA ULTRAISTA

I volante todas las carreteras se encabritan En el juego de las velocidades los pedales barajan un kaleido&cooic de perspectivas tornatiles EI coche es un arco combado que dispara travectorias insaciables Addante Hacia el vertice Trepanamos aldeas ancladas v campinas que galopan En el cross-countrv cosmico las montanas rivales enanean sus lomos al saltar Confido de las manos p a r a t a m e n t e avanzamos con los cables y los rios aue permutan sus cauces Saltos entre las redes de itinerarios Trepidaciones EI motor padece taquiarntmia Las ventanilJas deshoian un albun de paisajes EI parabrisas multiplica nuestros ojos aue cosen los panoramas evasivos Y el viento liquefacciona los sonidos En la enbriaguez dinamica el auto siembra una estela de células aladas.

GUILLERMO DE TORRE (Madrid, 1922)

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4 VISIOUS

l Ma jeunesse ne fut qu'un ténébreux oragc

(Baudelaire)

a jeunesse ne fut qu'un long voyage Les paquebots et les express m'ont transporté de paysage en paysage et d'hivers en étés à travers totit l'univers Et &est ainsi que j'ai contm tous les pays

celui de Baudelaie celui de Cervantes

celui très grand de Shakespeare et celui plus grand encore de mon àme...

Simplicité complexe C'est le blanc de la baite à coleurx

Douleur non pas larmoyante

enfant de siede mais pure

bianche malgré l'invmensité de mon sarcasmi

un jeit facile de jongleur car devant ma maison il y un beau cirque où sia) clowns miment la vie où des cavalières en maillots roses et décorées d'un sourire aimable dansent sur des chevaux pamaissicns une danse macabre Moi je ferme les yeux et je souris mais les clowns qui miment la vie disent entre deux mots d'esprit que ines doigts son-t crispés sur la chaise

O mon àme... pays de luxe et de mensonge... J'ai chanté la misere et je suis riclie; je puis vendre de grands trésors à vii prix sans pour cela me ruiner. Une mine, mon àme, une min** inépui-sable, tout un monde, avec des pays plus grands que le pays où je sois né, et des villes plus que celles des légendes somptueuses. Palais de marbré et d'or, ruer. asphaltées d'argent ou de platine avec pour réverbères de multicolore^ diamants, jardins susvendus Dar des ballon* captifs où vivent de plantes interplanétaires...

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5 0 féeriques Babylones Empires décandents Extases et opiums Et quelle richesse en philosophies audacieu

ses, explications inédites de l'univers, poèmes absolus dans la relativité du temps... Et quels tombeaux insondables de douleurs toute saignantes

rouges bleues

blanches Vive la France!

Marseillaises enivrantes, e nthou8Ìastes, symphonies diaphanes, opéras, dadaistes dans des décors subconscients... en jouir dans ma solitude! Ah! vous pouvez parcourir tous les pays du monde photographier tous les paysage»

Le pays de mon àme moi seul le cannais et moi seul vous peux livrer

quelques bribes difformes quand il me plait...

Serge MILLIET

As Cortezas (Das "Cancóes Gregas")

ellas passam no poente, sunto ao caes. Seus vultos volantes, nos stróphions curtos, azues, doirados e lilazes, sào leves e subtis: parecem grandes aves As cortezas passam no occaso cor de malva. As suas joias cantam um canto fino de ouro, e os seus cabellos lavados fazem um rolo de trigo maduro, sobre a nuca alva. Na tarde do caes, contra o sol obliquo, ellas erguem a ventarola sobre os olhos verdes: e olham o mar longinquo. E, aos pés de cada urna, o sol desenrola urna longa sombra róxa sobre as pedras pretas, corno si atirasse punhados de violetas...

GU1LHERME DE ALME1DA

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0 EGLOGA SENTIMENTALE

o gni giorno nell'ora in cui d'arancio e d'oro e berillo le nugole bistre bigie grigie ed il ciel di piombo lacera a strombo il Sole —

per la via sgombra che si dava all'ombra come l'amore al sonno flessibile solida ferina felina tutta di nero come la notte che già scendea ella ascendea

Onde veniva? Dove andava? Passava Nel globulo latteo nell'iride glauca lo stanco fluttuar della malinconia e nel passo l'accento d'un sonetto e nel bistro delle ciglie nel belletto nel vermiglio carminio dell'unghie dei labbri dei lobi l'offerta cromatica di amore di passione di pazzia ister ica -

col giorno per la via sgombra come l'amore al sonno si dava all'ombra Onde veniva? Dove andava? Passava Ma più' non ripassò k l a x on

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7 Più' mai nell'ombra che scendea io la rividi —

Dopo — qualche tempo dopo — questo ho sentito E' morta Pensai intristito la fine che il fulgido passato e quello immondo tinge ugualmente di oonta d'elegia di pallore Dissi certo bella nel bollore delia verginità ardente come Tamor al sonno dolorosamente ti desti alla fine Dopo — qualche tempo dopo — questo no sentito e morta nell'attimo caotico uci piacere completo sotto un petto ui mascnio Torse ocuo certo ione rapita oal primo turbine 01 voiuta con ìa verginità voio la Vita Onde veniva? Dove andava e L*a ignote scaturigini o amore torse p ò una Via eoe ic trafisse 11 core veniva rer una meta beila per la più oeua ane Deliamente andava Passava

GAETANO CRISTALDI. k l a x o n

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8 POÈMI:

etit chat blanc et grisf Reste encore dans la chambre.

La nuit est si noire dehors! Et le silence pése. Ce soir je crains la nuit. Petit chat, frère du silence, Reste encore... Reste auprés de moi, Petit chat blanc et gris, Petit chat...

La nuit pése... II n'y pas de papillons de nuit... Ou sont donc les bétes? Les mouches dorment sur le fil de l'éléctricité. Je suis trop seul vivant dans cette chambre! Petit chat, frére du silence. Reste à mes còtés: — Car il faut que je sente la vie auprés de moi, Et c'est toi qui fais que la chambre n'est pas vide!

Petit chat blanc et gris, Reste dans la chambre. Eveillé, minutieux et lucide.

Petit chat blanc et gris. Petit chat...

MANUEL BANDEIRA.

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0 Aos homens de experìencia

em arte nào ha progresso. O pro-gresso so existe para as cousas materiaes e na bandeira brasilei-ra. Nós nào escrevemos me-

lhor que Machado de Assis, nossos poe-mas nào sào mais bellos que a Eneida de saudosa memoria. Egualar Camóes ou Ba-cine nào tem a minima importancia. (.) que nos importa é traduzir a nossa epocha e a nossa personalidade.

Se somos modernos, isto nào quer abso-lutamente dizer que condemnamos os clas-sicos, romanticos, parnasianos e todos os «passadistas". Bilac, Castro Alves, Goncal-ves Dias foram grandes poetas. Escreve-ram obras romanticas e parnasianas na epocha do romantismo e do parnasianis-mo. Foram modernos! Bravo!

O ridiculo é um poeta acreditar em so-neto e em alexandrino neste glorioso anno do Centenario da Independencia.

Se um individuo andasse hoje passeando pelas ruas do Triangulo vestido à moda de D. Joào VI, o sympathico guarda civil da Praya Antonio Prado prenderia o «louco" confirmando a fama da nossa Forca Pu-blica, a melhor do mundo.

V Sria. é com certeza pae de familia. Se nào é, jà foi, ou sera, é fatai. Logo deve possuir essa cousa ridicula e perfeitamen-te inuti l : a experiencia. Como tal deve sue-cudir a cabeca: «Qual! tudo isso passa!» Nào pense V Sria. que disse urna grande novidade. Isso jà foi dicto por V. Hugo

que V Sria. tanto admira, e muito melhor, em versos:

Tout passe, tout casse, tout lasse . . .

Victor Hugo tinha razào. A prova é que elle cannoli e passou. Felizmente. delles poetas, romancistas, esculptores ge-niaes que hào de ser a expressào sublime do tempo em que viveram.

Os «modernos" tambem passarào corno passaram os romanticos, deixando atraz

Ninguem é dono do tempo. V. Sria. que tèm cabellos brancos sabe disso melhor de que eu que nào os tenho gracas ao tempo.

O «modernismo" existe, é inutil revoltar-se. E' um facto, corno os aeroplanos, o bolchevismo, o fox-trot e o jazz-band. Ou-50 daqui seus gritos de protesto: loucura, immoralidade ! Nào grite tanto por favor, atrapalha minhas ideias.

Se V. Sria. tivesse observado um pouco, saberia que «a dissolucào dos costumes» é urna simples consequencia das guerras e revolucòes. Durante a «Terreur» houve mui-to mais libertinagem nas ideias e costumes do que hoje.

Esteve em Paris antes da guerra? Bella cidade, nào? Divertida! Moulin Rouge! Pois hoje é muito mais. E nào so Par i s : é Berlim, Nova York, Vienna, Londres, urna pandega geral! Nào proteste, por favor ! Admiro que um homem tao cheio de expe-riencia nào ache tudo isso muito naturai . Quem teve a sorte de escapar ao horror das trincheiras quer divertir-se um pouco an-

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10 tes de comecar a vida seria. Nossa epocha é o domingo dos seculos. Toda gente se diverte aos domingos, menos eu que me aborreco.

Mas qual sera o resultado de tudo isso? Ah! isso é urna pergunta muito sèria, é

quasi philosophia. Jà ouviu com certeza fallar nos «incroyables" da Revolucào franceza? Pois sào os «almofadinhas» de hoje. Oonhece com certeza o «Prefacio e a batalha de Hernani" ? Pois sào as bata-lha3 dos «modernos». O que provam esses factos? Que os fox-trots, os «futurista^» as ideias modernas sào perfeitamente nor-maes.

Nào peco aos seus cabellos braneos que comprehendam a Arte moderna mas que a acceitem corno um facto.

A Arte moderna é urna manifestaci naturai e necessaria. Os artistas moderno sào homens convencidos de que é precizi procurar novas formas, porque as qu existem nào traduzem mais a vida contem poranea. Bandeirantes do pensamento el les estam à procura das esmeraldas.

Os philosophos barbudos dizem que a hu manidade dà dois passos para frente e de pois um para traz. Eu que nào sou nem philosopho nem barbudo, digo que é preci zo dar dois saltos para frente para ga nhar um salto que vale dois passos.

Os artistas de hoje, athletas elastiscos, es-tam dando o sublime salto para a frente.

RUBENS DE MORAES

i l i roiii e a* THEATRO DOS BONECOS

(Resumo de um artigo de Roger Avermaete)

XNOU'BM està disposto a tornarmi;!-n to a sèrio um theatro de bonecos. Entretanto, é elle urna cousa seris-sima . . O tempo que Roger Aver-maete e seus companheiros gasta-ram na sua montagem, demonstra corno é elle capaz de absorver a

actividade de muitos espiritos graves e reflexi-vos . . .

* * * O prlmeiro problema que os preoccupou foi

o da confeccSo de urna "marionette". Em geral, os bonecos de engonco s&o informes, sem linba, sem estylo, com os movimentos dos membros quasi que inexpressivos. Afim de remover esse

inconveniente, construiram, depois de pacientes pesquìzas, um boneco de duas dimensóes, chato. Em vez de vestil-o, pintaram-no. E corno o per-sonagem é chato està, fatalidade physica tem a vantagem de dar-lhe maior expressao. Urna vez que o artista tem de recorta,r o boneco numa attitude que sera immutavel, urna vez que tem de desenbar bragos, cujos movimentos ser&o forgosamente limitados, procurarà, antes de tu-do, dar, da maneira mais synthetica possivel, o caracter de seu personagem. Os resultados ob-tidos, nesse sentido por Henri Van Straten fo-ram admiravéis.

Construido o boneco, restava unicamente en-cohtrar um processo pratico de animal-o. Foi entSo que Franz Buyle alvitrou que se nào di-rigissem os bonecos de cima para baixo, comò sempre se fez. E apresentou um systema de sua invencào, logo enthusiasticamente aeolhido, consistente no seguinte:

O boneco é montado em angulo recto sobre um tubo duplo, estreitinho, deslizando sobre o sólo,' accionado por detraz do panno de fundo

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11 pelos manobristas. Esse caminho duplo termina por um cabo, onde vèm ter, fixos por anneis, os tenues t'ios de ago, qué atra vez dos tubos, di-rigem os movimentos dos bonecos. Desse modo, o jogo de scena pode attingir urna precisao no-tavel. Quando um dos bonecos tem que passar adiante do outro, o caminho duplo do primeiro desliza, sobre o do segundo, sem que o especta-dor perceba.

Além da posigào bastante elevada do palco, os tubos sào por si mesmos quasi invisiveis.

Na primeira representagào dada em Anvers, no Club Artes, na presenga de 60 artistas, nin-guem soube explicar o mechanismo empregado. E' preciso dizer que o panno do l'undo e trans-parente e, desse modo, os manobristas, sem se-rem vistos, pois ficaon no escuro, estuo ao par, sem difiticuiciade dos menores movimentos exe-cutados pelos bonecos, sabre a scena iiluminada.

Os décors pintados deram resultades negati-vos. Roger Avermaete e Franz Buyle, chegaram à solugào de um décor unico, transformavel. E assim com um scenario, composto de seis partes distinctas, conseguiram. fazer com'binagòes de mise-en-scéne quasi innumeraveis. Essas partes sào l.o um fundo; 2.o e 3.o dous pannos verti-caes duplos, formando angulo recto com os bas-tidores; 4.o um scenario quadrado tendo a di-mensàò da abertura do palco e fechado em tres quartas partes; 5.0 um frlzo e finalmente uni panno horizontal — todos elles de seda. O frizo é de tres còres (verde, fulvo, preto) ; o fundo, verde, e os demais, cinzentos. A eléctricidade en-carrega-se do resto.

LIVROS & REVISTAS

Alfonso Arino», pw Tristao de Athayde. — Annuario do Brasil — Rio 1922.

d isseram de Latino Coelho que era um estilo a procura dum assumptn... Parecé-me està urna caracteristica flagrante da lltèratura contempora-nea brasileìra. Com menos estilo po-rem. Nestes u'itimos tempos tem si-

do grande a copia de livros em que, necessitados de exprimir seus pensamentos ou dar largas à fogosidade alexandrina, pensado-res e poetas bxasileiros retomam assumptos %ve-lhos, velhos temas em que exergam pensamen-to, estilo e metrica. Sentem a necessitade de pensar, de poetar; mas pensar sobre que? poe-tar sobre qué? Parece entao fallar-Ihes aquele

movimento lirico iniciai que condaz às eriagòes owgmais. (.J^ais ou nienw originai*, pois que tu-lio se repecti, em e v o l u t o ; . casini iemus ato-iaiiurfnos wor« "Jiaustu e Anasverus', • L)oin ouao", -x'Vuoio e .uoiii uoao" e o sur. Alartins u'oiices uuiuu escreve urna anequiuada pam provar g.ue esimia com aplicagao o dicionariu. u i i u e oo peusauoiei os mUhores livros axiare-ciuos ubSLtsó umnios teinpos taniueni nào pos-sutui esse assuiupto originai, (.urna ou our.ru i-aia ei.cepfiaoj ^ao pennata suore uma alea, soore uma apstracgao mais ou menos pessoai, pensam sooie uma oDra, um autor que ines fa-cuite o nascimento ae iaeas. in taivez està fase uo pensamento nacionai se desenne um dia co-rno eminentemente critica, mas nao criauora.

A essa sene de oDras crincas inci*rpora-se agora o "iJ.itonso »Arinos" uo sur. ufistào de Atnayue. n; esce autor aiem de se comparar a catino por ser um estuo a procura dum assun-to, taiga-se de passagem: comparacao a qua nao empresto o minimo sentiao pejorativO), amda se equipara ao clàssico pelo esulo, ,1'em de Jbatuio aquele verbalismo sonoro e comedi-do, aqueie bruno, a mesma ca-dencia, a messma equilibrada e metodica frase. Apesar do , ne-nnum aspecto ae actuaaidade que tal direcgào apresenta, encanta sensualmente o ouvido: so-nora, musical e serena.

Nesse esulo o snr. Tristào de Athayde estu-da com perfeigào a figura de Affonso Ari.nos. Livro ditatto pela saudaae e peio amor era de.te-mer .que 0 .autor se désmaneriasse em eiogios exagerados e hinarios de quasi reiigiao. Maa o astiiìsta e daqueUes poucos que àaDem amar sem que iste lhes cerceie a faculdatle critica. E escreveu assim um livro de fina observagào, de justp elogio, onde o* erudito se entremostra apenas, sem vaidade, mas seguro de si. Um pouco especiosa talvez aquela aubdiVisào da li-teratura uacionalista em: das cidades, das praias, dos campos, das selvai*, da roga . . . mas isso nào prejudica assolutamente a verdade da critica. E um livro exacto e bpm, com um pre-Itàcio de admiraveis consideraveis sobre a critica de hoje.

AL de A

Le Miracle de vivre — Char-les Baudouin — Edipèo "Lu-mière". Belgica - i922.

O snr. Carlos Baudouin envia-nos de Antu-erpda seus > uitimos poemae: uh& Miracle de Vivre". B' mais urna obra admiràvel do poeta. Espirito contemplativo e sobremaneira delica-dp, o sur. Baudouin n5o se.voltou ainda resolu-tamente para para a realidade contemporanea

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13 da vida. Os seus temas, embora tristonhos quasi sempre, àsperos as vezes, respirami sem-pre a suavidade um pouco sceptica, duma al-ma que ve da vida apenas aspectos gerais, fi-losoficos, e ainda ve esses mesmos aspectos pela reproducSo deles nela e nào directamente na realidade tangivel. Os poemas do sr. Baudouin saem-lhe, comò esses quadros da Renascenga italiana; pinturas de atelier, mas ordenag5es muito perfeitas, onde impera uma rara eompre-ensào arquitectónica. O sur. Baudouin tem o senso da ordem; seus poemas sào construcèes perfeitas, em que se desenrola corno que uma vida marginai, nào vibrante, ridìcula e descortez corno a real, mas grave, serena, e levemente pie-dosa.

E, tratando embora eternos temas, é de ver-se corno o poeta se renova, pela imagem impre-vista e sugestiva, sempre comedida e sem exa-geros: "des vagues d'humanité, messages des antipo-des; écrasent à nos rives leurs deflagrante» dé-charges..."; "sur mon front, encore endolori de mon sommeil brassé de bruit glissaient les clairs doigts de giace de l'aube..."

E fica-se, ao sair do livro, com os olhos mais largos, a ver invisiveis doguras. Desejariamos porém que o snr.. Baudouin seguisse mais o con-selho que dà, ao terminar o livro:

"O toi qui vas, les yeux et la tète baissés

de gr&ce, lève la tète, ouvre les yeux—aux choses !

Ouvre ta chair, ouvre ton àme, auvre-toi toutt le Monde est là!"

Readquiriria entao essa forga, essa realidade comica, dolorosamente comica que apenas pas-sa nos seus versos comò a lua que "descend les escaliers du elei, grosse de clameur,

[mais suencleuse". Além de poeta suavissimo, o snr. Baudouin é

um artista. Totalmente livre de preconceitos, utiliza-ee da rima apenas quando e*ta lhe surge naturai à boca da pena. Usa principalmente as-sonàucias admiraveis. Eis dos exemplos, ao aca-so : "Une nuit de la fin l'été, une nuit tiéde encore

[septembre, avec sa vie infiniment en fiamme de veilleuse

[qui tremble. Les faibles étoiles opalines, ces menus coeurs

[muets qui battent, la patience blonde des lampes de la grande ville

[ia-bas..." " Et je sais que malgré le gout amer et acre qu'incruste dans ma bouche le pain noir de la

[peine, quand-mème, mon Dieu, quand-mème

la vie miraculeuse autour de moi — deflagro." A ritmica do autor do "Miracle de Vivre" é

curiosa, duma cadencia embaladora, multo prò-pria para a indole fina e levemente romantica (no bom sentido) do poetia. E corno por outro lado, o apuro do dizer, inèdito, mas contido, dà-lhe caracterfsticas classicas, o snr. Baudouin ultrapassa o ambito das escolas, para colocar-se no paiz mais largo e sem limites da Poesia. Nào sera possivel encontrar no livro o mais leve impressionismo. E' caracteristicamente um cons-tructor, e por isso um dos mais legitimos poe-tas de nossa era. E ainda, para livra-lo do im-pressionismo, tem a propensào para o dialogo, para a monologacelo, para a resposta sem per-gunta que o tornam eminentemente dramatico e tea trai. Jà disso era prova sobeja o seu drama "Ecce Homo", que, si nào fora a estranha si-militude de Madalena com a Kundri de Wagner, seria uma obra integrai.

A edigào do "Miracle de Vivre", corno todas as edigoes de "Lumière", è magnifica. Confes-saremos no entanto que as xilografios do snr. Joris Minne soam, singularmente chocantes, co-rno um trombone que entrasse em fortissimo, no quartetto de cordas dos versos. O snr. Joris Minne, corno comentador que era do poeta, nào devia assim sobrepor ostensivamente a sua per-sonalidade inquieta e tumultuosa à personalida-de regrada e calma do poeta. O desenhista é inegavelmente um artista; mas corno tempera-mente vibrante e màsculo, demasiadamente mo-derno e simultàneo, nào soube dobrar-se ao pa-pel de comentador ; e tem-se a impresalo, si nos permitirem uma comparagào psicologica, que as ilustragSes sào a sensagào e os versos a imagem conservada, sintetica mas enfraquecl-da. Assim o livro, considerado corno obra de arte, saiu designai. Cremos porém que com isso os versos do snr. Baudouin nada perderam. Ao contrario: mais se evidenciou assim o seu mi-lagre de viver uma existencia à parte, que deB-lisa entre piedade e paz.

MARIO DE ANDRADE

"Pascal e a inquietarlo mo-derna" — Jackson de Figuei-redo — Bdi$ao do Centro D. Vhal —192a.

Livro de s&Iida e despretenciosa erudigào. A parte que se refere propriamente a Pascal e magnifica, embora por uma evidente sympa-thla para com o escriptor da "Provincias", o A. lhe perdoe com multa rapidez os erros.

Afl notas sobre a inquietacelo moderna care-com de vigor e mesmo um tanto de realidade.

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13 0 A. nào no-la apresenta bem viva, e nem lhe determina com energia as causas. Demais Ja-ckson de Flgueiredo perde tempo e estudar certos pensadores modernos que, apesar de 11-gados ao pensamento de Pascal, nào tiveram malto grande influencia sobre a inquietagào moderna. Assim a influencia de Secretan so-bre o pensar irrequieto e vaidoso dos nossos dias nào nos parece tao evidente quanto ao A. se sfigura.. . mas o assumpto era vastissimo; e Jackson de Flgueiredo se cingiti especialmen-te às Irradiagoes do genio de Pascal . . . O por-tngués do livro è ruinzinho. O A. lida mal a lingua. Nào lhe dà relevo nem numero. E é pena. Jackson de Flgueiredo sendo.nào ha ne-gar, um dos mais perspicazes e rectos cultores da filosofia, propriamente dita, no Brasil mo-derno,, està destinado a escrever, com o evolver e o aperfeigoar-se, dos milhores livros que nesse ramo das sciencias, atè hoje se escr.everam em lingua portuguezn.

No adinlravel desenvolvimento do seu espiri-. to. Jackson de Flgueiredo, jà agora interamen-te catolico, é um dos mais notàveis fildsofos do Brasil. Seu novo livro e a manifestacào duma altissima nobreza e duma serenidade orgulhoss e justn. E demonstrn —<- o que è de grande im-portartela neste paiz de cavalgaduras em que ser oatdlico é Sinai de escravidào e fraqueza — quanto è belo o homem de hoje que, atravès das escravidoes vaidosas produzidas pelo indi-vidualismo, soube, por ser livre, fazer-se cris-t3o e catolico romano. Linda ligào.

G. d. N.

RECEBBMOS: Nouvelle Revue Francaise — No summario do

numero de Julho: um artigo de J. Rivière «?obre politica interna clonai. Um fragmento de Pierre Hamp. Poema de Mélot Du Dy. Um conto de Louis Aragon. Inedito de Dostoiewsky. RgflexSes sobre a litteratura por A. Thibaudet. Chronicas.

La Criée — Numero de Julho com interes-sante collaboracelo de Marcel Milliet, Leon Frane, etc.

Ainda "O CAROTO"

CINEMA "O GAROTO" por Charlie Chaplin è bem uma

das obras primas mais completas da moderni-dade para que sobre elle insista mais uma vez a lrriquleta petulancia de KLAXON. Celina Ar-nauld, pelo ultimo numero fera de serie da "ACTION", commentando o film com bastante clarividencia, denuncia-lhe dois senoes: o sonho

e a anecdota da mulher abandonada que por sua vez abandona o filho. Talvez haja alguma razào no segundo defeito apontado. Effectiva-mente o caso cheira um pouco a sub-litteratufa. O que nos indignou foi a poetisa de "POINT DE MIRE" criticar o sonho de Carlito. Bis comò o percebe: "Mas Càriito poeta sonha mal. O so-nho objectivado no film choca corno alguns ver-sos de Casimiro Delavigne Intercaladas às "IL-LUMINATIONS" de Rimbaud. Em vez de anjos alados e barrocos, deveria slmplesmente mos-trar-nos "pierrots" enfarinhados ou alnda outra cousa e seu film conservar-se-hia puro. Mas quantos poemas ruins tèm os malores poetas!"

Felizmente nào se trata d'um màu poema. O sonho é justo uma das paginas mais formida-veis de "O GAROTO"- Vejamos: Cariito é o maltrapilho e o ridiculo. Mas tem pretengdes ao amor e à elegancia. Tem uma instrucào (seria melhor dizer conhecimentos) superficial ou o que è pelor desordenada, feita de retalhos, co-Ihidos aqui e além nas correrias de aventura.

E' profondamente egoista corno geralmente o sào os pobres, mas pelo convivio diurna na des-graga chega a amar 0 garoto corno a filho. Além disso jà demonstrara sufficientemente no correr da vida uma religiosidade inculta e ingenua. Num dado momento eonseguem emfim roubar-lhe o menino. E a noite adormecida é perturbada pelo desespero de Carlito que procura o engei-tado. Com a madrugada, chupado pela dor, Car-lito vae sentar-«e à porta da antiga moradia. Òahe nesse estado de somnolencia que nào é o somno alnda. Entào sonha. Que sonharia? O lugar que mais perlustrerà na vida, mas enfel-tado, ingenuamente enfeitado com fktres de pa-pel, que parecem tao lindas aos pobres. E os anjos apparecem. A pobreza inventiva de Car-lito empresta-lhes as caras, os corpos conheci-dos de amigos, inimigos, poljcias e até càos. E os lncidentes passados misturam-se às felicida-des presentes. Tem o filho ao lado. Mas a briga com o boxista se repete, E os pólicdas perse-guem-no. Carlito foge num vóo. Mas (è estaes lembrados do sonho de Descartes) agita-se, per-de o equilibrio, cahe na calgada. E o sonho re-pete o accidente: o policia atira e Carlito alado tomba. O garoto saccode-o, chamando. E' que na realldade um policia chegou. Encontra o va-gabundo adormecido e sàccode-o para accor-dal-o. Bste é o sonho que Celina Arnauld con-sidera um màu poema. Como nào conseguiu ella penetrar a admiravel perfeicào psychologica que Carlito realizou! Ser-lhe-hia possivel com a mentalidade e os sentimentos que possuia, no estado psychico em que estava, sonhar pierrots enfarinhados ou minuetes de aeroplanos! Estes aeroplanos imaginados pela adoravel dadaista è que viriam forgar a intencfto da modernidade

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14 em detrimento da observacSo da realidade. Car-lito sonhou o que teria de sonhar fatalmente, necessariamente: urna felicidade angelical per-turbada por um subconsciente sabio em coisas de soffrer ou de ridiculo. 0 sonho é o commen-tario mais perfeito que Carlito poderia construir da sua pessoa cinematographica. Nào choca. Commove immensamente, sorridentemente. E, considerado à parte, é um dos passos mais hu-manos da sua obra, è por certo o mais perfetto cerno psychologia e originalidade.

M. de A.

LUZES & REFRACgOES

Està entre nós o escriptor portuguez Antonio Ferro. Ao autor dessa adoravel "LEVIANA" offereceram os Klaxistas um jantar. Houve ale-grià, amizades, discursos e trocadilhos, Num dos momentos um dos convivas escreveu no cardaplo: "S. Paulo precisa importar ferro". Ao que o homenageado immediatamente respondeu: "porque Ferro se importa com S. Paulo". O eéu escureeeu. A Terra treméu. E muitos morto» ressuscitaram.

Um tal senhor Gaston O. Talamon espirra por "La REVUE MUSICALE" umas indicag5es so-bre "O Estado actual da Musica Argentina" Èstava no seu diretto. A Argentina é Um paiz mui honrado e cantador que tambem deve ter na sua evolugào sonora um estado actual. Era tambem justo que apparecesse um erudito Gas-ton que desse noticia da cousa aos leitores da "Revue Musicale" Mas o erudito Gaston, espir-ra suas indicagòes de uma maneira originalis-sima. Nào tendo tempo para desoccupar as ven-tas escancaradas que estavam para respirar o perfume sangrento da carne crua, e talvez por

tratar de musica, espirrou pelas prelhaa. E, cpn-fessamos, enormes de pavilhào devem ellaB ser pois sào estes os espirros do erudito Gaston: "Buenos Ayres tornou-se o maior centro dessa cultura, é ella que aspira a tràduzir os idèaès que agitam o Perù', o Equador, o Cbile, o Me-xico, o BRASIL, o Uruguay, etc..."

O snr. Henry PrUnières, director da "Rèyue Musicale, naturalmente nào leu o espirro. Quem comò elle escreveu jà sobre o concerto realizado no Rio de Janeiro no secujo 18, por occasiào da coroagào do Vice-rei (Feuillets d'Art) ; quem corno elle jà àbrigou na "Revue Musicale" uni artigo do snr. Milhaud spbre a musica brasilei-ra, certamente teria escoimado das pagina^ de sua re vista umà tal asnidade.

Mas nào é a possivel erudìgào causada pelo 'ar-tigo nos leitores da "Reme Musicale" què noi interessa agora. O que nos interessa é a psycho-logia do tao argentino quàò erudito Gaston. Pen-sa um pouco lettor, nào te irrites, e riros ulna hora' sem cessar. Pois nào é que um homem, um Gaston ! constipa-se tao patrioticamente, a pon-to de ir. espirrar, no coragào da Franga, qtie

Buenos Ayres traduz os anceios musicaes do Brasil! Caramba! Que valiente! E' impagavel! Que nos importa se a pianeira de Marselha pro-curar nos diecioharios musicaes a historia de Carlos Gomes, ou no artigo do snr. Milhaud os pomes de Nepomuceno e Villas-Lpbos, Nazareth ou Tupinambà, todos, todos compositores argen-tinos, concorrendo para a grandeza musical de Buenos Ayres! Que nos importa? E' tempo de alegria ! E' o centenario da independencia de Buenos Ayres que celebramos a 7 de Setembro! Demo-nos as màos! Bailemos ante a estatua de Monroe! A America para os buenairenses ! E enviemos ao erudito Gaston um sorrìdente, mui-to amigo, espirro de amizade!

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15 Em nota de 20 de Agosto passado, fallando

sobre "Osv Condemnados" de Oswaldo de An-drade.affirma o "Jomal do Commercio" que os mòdernistas ficaram "damriados" com o ap-pareclmento desse livro de "velha escola". En-gana-sé o articulista. E enganou-se 3 yezes. O numero é slnrotomatico. l o enea^o: A expres-

,'sàV "cavallos sobrehumanos" è do autor dos "Condenttiados". 2.o engano: Chamar de "ve-lha escolft" à simultaneidade. ao processo cine-matógraphico. ao eruressionlsmo e principalmen-te ao orincfbio estheMco do unico plano intèl-iée,tnal da "Trilogia do Exilio" é desconbecer a "velha escola" e o sentimento de rhodemìdade. Por une principiòs criticos se nauta o articulis-ta? Certamente nào vive, na epoca em qufe vive. Pois saiba oue em todas as enocas de constmc-gjó'.os creadores sào yerdadeiro« nrimttivos. .AR-sfm'fòl coni os das cav»rnas onatèmarias assiro foi com' os do • nttrip'ln loffi anterior à Renas-fa+on «««ITTI S<M«̂ com '•<* ho»*">Ufl do l.o. e é minsi certo ainda 2.o qirr teis do secuìo 20. Os prtraiHvos aoresentam s*more 2 te^dencias, hha<M>o.ue oppostasi o molismo e a ett*vi\w*o*o. ir«&\rrt<*Tite sTTrìb^'c '"vran co™*""*^' "^m svm-is«.1*f=-)rr»«> mo'-ol. Os^-^ld" de Anc'-^d» embora hài&.'v^-n larga risr»*-'"»*n lirica r7 ,̂"» "Condeiri-WadT". segue a ortmeira dessas t endendo , o yapHojn" A de torlo* os. tfliriTifts. sia bentos h»m : irt"s re^lizal-i cnri .qì*nn1,'3Tiei'iade.. cinPTr><itie'i-nipito facendo cóisas> f->cto«i *a reffle"Hr»m to-dos nnmsè Diano. COTV>«» fine <y .i«e*,*"";',n d o " u è la,* Tifld»rfà c^qrnqr' a nprsnec^va intellectnal è construir obra in^dernisstma. duma actualidade

l<iù<» o articulista ignora e o Brasil centenario tambem. Portanto (3o enganol saiba o ar*1cn-tìsta oue o barulho dos monernizantes contìnua-rà. nào corno berros e prantos de damnados, mas corno epinicios de alegria e orgulho justis-slmo.

7 de setembro ! . . .

Abro as_duas janellas do meu quarto para a palzagem que se repete todos os dias e que eu decòro todos os dias.

33 é e ombra. Centenario!!! Um calór surprehendente que tudo di'ata,

que, tudo expande, que tudo abre, para a festa de hoje.

O céo, feliz, s6be, azul, uniforme e polido, annunciando ao europeu, que desembarca, sitan-do, no Rio, os cem annos do Brasil. Cem annos

quentes. Com fetore. Macrobio-Ephebo, *que se desenvolve corno um adolescente, coberto de es-pinhas", — as reformas — que salta com ala-cridade, — o jazz-band — e que, às ve*es, todos os mezes, aposta corrida suffocado, •— à KLAXON! Macrobio-Ephebo!

Sinto jnnto a mim o rumor do Rio de Janei-ro, a cidade diiatada, fetta para ro joes . . . e onde existe um DEUS inìcial e immanente, de quem ella recebe rythmos e movimentos: BUT BARBOSA- Ma» ninguem conhece BUY BAR-BOSA nem ninguem se preoccupa com a Tnde-pendencia, nào. Quando o policia, nervoso, api-ta, à e>:quina, nès todos corremos é janella. Dahl o successo das embaixadas. Dahl Antonio José de Almeida. Dahi a marchà na Avenida. Dahl Coelho Netto com 130 pulsagoes por mi-nuto ! ! !

Que ficarà io Centenario? Talvez unica-mente as torres que se ergtìeram no recinto da Exposigào.

Eu adoro as torres, Tèm ancia», coitadas. Està notte pengei numa rua de Sào Bento,

asnhaltada, chela de torres, e que nào tivesse nunca firn : que emOcào !. . .

Outra cousa tambem me tem commovido: a representacao japoijeza, solenne, de seda, aper-tando a mào de OEpitacio, o brasileiro magnifi-co, que, barbeado e radiante, parece ter sahido bontem do fundo vivo da Natureza.

Adeus ! 38 ,à «sombra.

"Devo assignalar, finalmen-te, està circumstancia agrada-rrifissima: na Bahia nào me-«Ira a nsvchose Iiteraria do "penumbrismo", nem os inno-vadore» pau. .. liXas sào !e-vada Cric) a sèrio".

SAUL DE NAVARRO, no "AV»ido Literario". Anno 1. N. IV.

Assim, nessa linguagem nausea. . .bunda, es#e penhor bahiano cosinha um pessimo vatap.1 em homenagem a alguns conterraneos seus que

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10 tèm o mào gosto de formar o que elle chama "a pujante intellectualidade bahiana" E cita o senhor bahiano dois sonetos parnasianos, re-presen(ativo& da moderna poetica sua patricia. Parnasianismo, na Bahia, é pardoxo. Porque a Bahia absolutamente nào prima pela férma,: o vatapà, por exemplo, é o prato mais inai apre-sentado que ha no mundo. O senhor bahiano acha que esses sonetos sao o que se póde cha-mar o "succo" Nào sào o succo, meu senhor! Sào o bagago. Conhece as laranjas de umbigo que rebentam abundantemente na "doce paz do *olar avoengo" de Itaparica? Pois em litera-tura corno em laranjas: chupa-se o succo e atira-se fora o bagago. O parnasiahismo jà foi o succo: agora é so bagago. Creia isso.

Mas o senhor bahiano é incoherente: elogia muito a vida moderna da sua grande capital e remata; A' mela notte, "o noctivago tem de tornar o ultimo bonde, pu dormir nos bancos dos j a r d i n s . . . " Nem tylburis ìia sua linda e adeantada metropole, caro senhor? !

'Numa cousa estamos, porém, de accordo com o senhor bahiano: é que a Bahia parece mesmo ser "bea terra" Mas estamos tambem de ac-cordo com o resto da modinha: "ella là e . , nós aqui"!

Os cavalheiros que fazem literatura nos cah-tos de rua e de salào espantain-se. Antonio Ferro representa Portugal culto e é Klaxistri. Dario Nicodemi sauda Menotti Del Picchia e a geragào Klaxon num telegramma de amor so-lidario.

E' a onda que cresce para castigo dos que acreditam ainda no romancista Canto e Mello * lemtoràm com saudade declamatoria os bons tempo* em que o Sr. Aristeo Seixas era poeta e Tina Di Lorenzo eh ora va Rostand no ex-Sant' Anna. Bons tempinhos . . . p inhos . . . tempo dos p inhos . . . punhos cerrados para as Pauiicéasi

Antonio Ferro, nas luzes de um hall, è a serenala de Portugal. E' bello. Ao meio-dia, é postante, aggressivo, trepidante corno um Kla-xon. Impropriedade. Caixa de soccorro.. . De-p res sa . . . o Sr. Alvaro Guerra!

Nào se espantem, estamos na Idade do Jazz-Band. Jà vou tornar o b o n d e . . . Al!

(Segue-se o fallecimento do lettor passadista).

Depois de Graga Aranha, Antonio Ferro. Ago-ra Dario Nicodemi. E' a familia1 de Klaxon que cresce e se confirma.

Inaugurou-se o primeiro salon paulista. Ao la do de appetitosa feira de alexandrinos, ca-tiras coisas; sargentinhos de Wasth, vallea do Sr. Paulo do Valle que valem alguma coisa, ro-gas do ISr. Paulo Rossi, ètc. Sd falta o Car-lito, sim, o Benedicto Carlito, o de Santos.

Compensag5es. Duas grandes notas de arte — Annita Malfatti e Tarcila Amarai.

Emfim, é um eaforgo — jà o disse em dls-curso o nosso Menotti Del Picchia. E um es-: forgo que vale mais que todos os officiaes sa-lons do Rio de Janeiro. N3o somos optimistas Reproduzimos apenas a opiniao dos exposito-res paulistas. Estamos com el'es.

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De Mario de flndrade

Paulicea Desia ira do

Em todas as hvranas

De Oswaldo de ftndrade

Em todas as livranas

De Ouilherme de Olmelda

BREVEMENTE

Natalika edicào KLAXON

Messidor,

De Vin. Ragognetti

BBEUEMONÌE

traducgào

franceza de Serge MILLI ET

Gazarra Cittadina

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OUTUBRO 15 1922

k l a x o n MENSARIO DE ARTE MODERNA

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: S. PAULO — Rua Direita, 33 Sala 5

ASSIGNATURAS - Anno 12S000 Numero avuLso — 1$000

REPRESENTAÇÃO: RIO DE JANEIRO — Sérgio Buarque de Hollanda

(Rua S. Salvador, 72 A.) FRANÇA — L. Charles Baudouin (Paris). SUISSA — Albert Ciana (Genebra Rampe de Ia Treille, 3). BÉLGICA — Roger Avermaete (Antuérpia —

Avenue d'Amèrique, n. lOUj A Redaeção não se responsabiliza pelas idéias de 'Seus collaboradores. Todos os artigos devem ser assignados por extenso ou pelas iniciaes. E' permitti-do o pseudonymo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na redaeção. Não se devolvem manu«criptos.

SUMMARIO A ESTRELLA de ABSYNTHO Oswaldo de Andrade

Mario de Andrade Luiz Aranha Ribeiro Couto Claudius Caligaris Carlos A. de Araújo Joseph Billiet Serge Milliet Guilherme de Almeida A. C. Couto de Barro» Pedro R. de Almeida

POEMA . . CREPÚSCULO CINEMA DE ARRABALDE SO Dl UN TRENÓ SALVAR PAYSAGE RÊVERIE ARS LONGA XADREZ ., , CARNAVAL . . . . . CHRONICAS: MUSICA LIVROS & REVISTAS CINEMA LUZES & REFRACÇÕES EXTRA-TEXTO

Mario de Andrade

G. de N.

Yan

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d Estrella de flbsyntho

^

(FRAGMENTO)

O cadáver nú, de cabellos ata-dos numa toalha, foi levado cau-telosamente até a parede do ima-ginário atelier.

Elle apanhara-lhe o dorso, despencado em ligeira curva. O velho felino, barbudo e de bocca furada que conduzia de costas o cortejo, tomando-a pelas axillas, era Rodin. E o grande diabo os-sudo, Mestrovic, recém-chegado da Servia, o que levava as pernas geladas para sempre.

Depuzeram-na no estrado de páu, inerte e dura murcho o ven-tre acima do triângulo negro e symbolico. Depois, começaram a crucifixão.

Para lá, na vastidão respeito-sa da sala, havia grandes esta-tuas, atadas aos punhos para

traz, com retorcimentos fixos, todas recobertas como imagens em Semana Santa.

E havia amphoras e flores. Iam crucifica-la na parede núa

e branca. Rodin, levantando-a pe-los inúteis seios, dava ordens im-passíveis. Mestrovic batia \â o seu longo prego. E apenas o bra-ço que lhe haviam entregue a el-le, endurecera e resistia, empur-rando-o para longe.

Rodin esperava. Mestrovic ti-nha a cabeça de fúria em ataque do Sérgio monumental de Kos-so vo.

Era preciso dominar a consci-ente resistência do braço. Aos repelões o membro em angulo cedeu, acceitou a linha recta da

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2 cruz, num crac-crac de ossos in-ternos.

EHe tomou o martello e o pre-go longo, bateu a primeira pan-cada inútil na palma cartilagino-sa. E Rodin dizia que era preci-so haver martyres para haver arte.

Mestrovic atravessara victo-riosamente a mão que segurava. Rodin baixára-se a perfurar os dois pés na mesma agulha de ferro.

EHe então bateu. E houve um tinir repetido de aços, apagado pela repulsa de borracha dos membros ankilosados e murchos.

Salpicaram gottas glaciaes co-mo remorsos nos braços nus dos crucificadores.

E a cabeça de frango virou, o corpo suspenso desceu num pe-so bruto, alargando as chagas nos pregos e pondo em relevo estrias de músculos, de nervos, de costellas.

Então abriu-se a porta e um esplendido ephebo nu, coroado de myrrha, appareceu e gritou como um arauto de consciências heróicas:

— Sangue frio. EHa permanecia, toda estylisa-

da na parede que ficara como uma cruz de mil braços.

E Jorge de Alvellos viu que era o cadáver de Alma que tinha cru-cificado para estudar anatomia... EHa despregou as grandes pos-tas rachadas, viva, soluçante, pa-ra elle!

O esculptor abriu os olhos na escuridão de seu quarto. E per-cebeu a madrugada neutra, num silencio de vidas estranhas.

Onde estava? Escorregára-Ihe dos braços afflictos. Onde esta-va? Levantou-se de um salto. El-la fugira...

Atirou-se para a porta: perma-necia fechada na noite. Voltou, bateu os ângulos desertos, foi ao leito. Pareceu-lhe vel-a ainda. Le-vantou os lençóes, o colchão: não estava.

Estava longe. Onde? Na enfer-maria? Não. Mais longe. No ne-crotério? Não. Mais longe. Na cova.

Jorge d*Avellos sentou-se. Viu descer, descer, no escuro, num desequilíbrio, sobre os hombros que tinha aconchegados, um mundo apagado de formas.

E ficou alli, numa concentra-ção musculosa de cariatide.

Oswald de Andrade.

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Poema eu gôso profundo ante a manhã Sol

a vida carnaval! Amigos

Amores Risadas

E as crianças emigrantes me rodeiam, pedindo retratinhos de artistas de cinema, desses que vêm nos maços de cigarros... Sinto-me a "Assunção" de Murilo! Libertei-me da dor... Mas todo vibro da alegria de viver! Eis porquê minha alma inda é impura.

MARIO DE ANDRADE.

Crepúsculo antheon de cimento armado A luz tomba Refluxo de cores Mel e âmbar Ha Iyras de Orpheu em todos os automóveis Rezes das nuvens em tropel Céu matadouros da Continental Todas as mulheres são translúcidas Ando Músculos elásticos Andar com a força de todos os automóveis Com a força de todas as usinas Com a força de todas as associações commerciaes e in-

dustriaes Com a força de todos os bancos Com a força de todas as empresas agrícolas e as explora-

ções de linhas férreas k 1 a x o n

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4 Os capitães amontoados em pilhas electricas Forças presidencJaes e forças diplomáticas A força do horizonte vulcânico As forças violentas as forças tumultuosas de Verhaeren Sou um trem Um navio Um aeroplano Sou a força centrifuga e centripeda Todas as forças da terra Todas as distenções e todas as liberdades Sinto a vida cantar em mim uma alvorada de metal O meu corpo é um clarim Muita luz Muito ouro Muito rubro Meu sangue Eu sou a tinta que colore a tarde!

LUÍS ARANHA.

Cinema de Arrabalde Ao sr. presidente da Academia de Letras

este modesto cinema de arrabalde a vêm famílias burguezas, todas as noites, com os chefes pezados á frente do bando. Trazem me-ninos de eollo que choramingam. E- ficam attentas, derramadas

nas cadeiras, vendo as tramas da tela, per-seguições e turbulências,

vivendo angustiosamente a illusão da-quellas vidas.

* * * A este modesto cinema de arrabalde vêm as famílias burguezes da visinhança,

todas &s noites, para ver costumes, para ver terras, para

Arer povos, para ver esse mundo distante, vago, tele-

graphico, que fica além dos navios de passagens

caríssimas * * *

A este modesto cinema de anabalde, todas as noites,

vem o sr. sub-director da 3.a Repartição de Águas, com a senhora e os cinco filhos,

e outras famílias vagarosas da visinhança * * *

A sala sempre cheia é estreita e comprida Na frente fica uma criançada barulhenta

que applaude. Atraz, perdidos pela penumbra dos can-

tos, disfaçam-se pares de namorados cochi-

chantes. * * *

E pelas largas portas lateraes vê-se a rua onde passam a cada momento os bondes

illuminados, levando famílias enormes em que ha mo-

cinhas vestidas com um orgulhoso mau gosto,

famílias que só freqüentam os cinemata-graphos do centro da cidade

e se presumem a aristocracia do arra-balde.

RIBEIRO COUTO "Um Homem na Multidão" k 1 a x o n

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5 So di un trenó

A EUGÊNIO TREVES. • o so di un trenó,

1 corre su rotaie infinite in mezzo ad un buio infinito. Dietro ha una lâmpada grande che illumina il mondo. Fuochisti: due titani. Braccia ferrigne, torso rosso; sudati. Instancabili! Nel trenó pochi passegieri. Ansiosi. Spiano le tenebre. La meta?

No. Ulusione. Ritorno a sedere. Ansiosi. Un vecchio:

— Io muoio. Guardate lá nella mia valigia. Ci son perle tolte dagli abissi dei maré. Prendete. Un giovane frontealta: — No.

— Prendete. Hanno luccicori straordinari. Hanno aggiunto un raggio alia lâmpada dei mondo. Un gruppo di giovani. — Sono arruginite. Le nostre splendono. Sono soli. — Ho buttato tanto carbone nella macchina— — Piu* di te, meglio di te. — Prendete. — No. La vita gli sfugge. Saggrappa ad un

cordone deli© sportello. Si rompe. U vecchio cadê. — Alleggerire il trenó. Piu» leggiero, andrá piu' forte. Un colpo solo. Uomo e valigia. Io so di un trenó che corre.

Claudlus Caligaris.

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6 S A L V A R

ais um desejo, amigo! E' preciso soltar,

pelas florestas frias e adormecidas, todos os nossos desejos tímidos, procurando mesmo assombral-os, para que fujam, para que corram e se desviem por todos os íados...

Mais um desejo! E' preciso que a pallida vida,

nos seus longos passeios desoladores, encontre sempre um desejo perdido que ella saiba salvar...

CARLOS ALBERTO DE ARAÚJO.

PATSA&E ne terre peu vêtue, qui ondule lentement, tourne un visage embrasé vers le soleil pâle.

La campagne au bord du ciei se rétracte sans un geste et ne touche plus au ciei qu'avec des doigts sans désir.

La route osseuse se plie. Un arbre au bord du chemin palpe le ciei gris e froid avec une feuille unique.

D'autres arbres au lointain, des deux côtés de Ia terre, encadrent, fixes et noirs, deux belles joues, couleur de feuilles. k l a x on

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n

Comme on voit, passant sur Ia route, derrière les vitres mates, entre des mains en oeillères, un visage qui regarde, un beau visage anime deux yeux ouverts d'oü ruisselle,

sans un regard pour le ciei, toute Ia chaleur du coeur.

JOSEPH BILLIET.

RETERIE e plus sentir penser ses yeux caméléons... Mais tant de pitié me fait mal Caméléons

Aventurines Couleur de mer et traitres Mais si doux "J'A1ME SES YEUX COULEUR D'AVENTURINE" Quel beau sonnet je pourrais faire si je n'étais un "futuriste" Quatre par quatre les rimes et deux tercets et un salut "Trois Mousquetaires"

Au cinema les d'Artagnan sont ridicules et j'aime mieux Hayakawa Ah! le siècle automobile

aéroplane 75 Rapidité surtout RAPIDITE'

Mais moi je suis si ROMANTlQUE Ses yeux ses yeux ses yeux caméléons... Cest bien le meilleur adjectif

Serge M1LLIET k 1 a x o n

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8 Ars Longa

aarte é anterior á vida. Isto e uma convicção minha,

perfeitamente serena. Eu não tenho escripto os meus versos á margem da minha vida: eu te-nho escripto a minha vida á

margem dos meus versos. Minha existência é um plagio da minha arte.

A vida de todos os artistas tem sido um commentario á sua arte. Um commentario explicativo. E isso pela razão muito sim-ples de que um grande, verdadeiro artista colloca a sua arte acima da sua vida. Elle não vive um caso para exploral-o depois: elle faz arte primeiro, arte que elle incons-cientemente vae viver mais tarde. Si para um homem qualquer o simples contacto com uma obra de arte é uma tentação ir-risistivel de imital-a na vida, o que não será para o seu próprio autor?

* * *

Assim, a arte é uma prophecia. Um lindo vaticinio.

Realiza se ou não? — Só os artistas o sabem, mas bem intimamente.

• • •

Quando se affirma uma cousa sualquer 6 preciso concluir qualquer cousa. Do que affirmei concluo isto: estou absolutamente revoltado contra esse preconceito geral de que só a obra de um artista pertence ao publico; a sua vida, não.

Mentira. A sua vida pertence também ao povo. O povo tem o direito de devassal-a â vontade.

Que nenhum artista grite contra isto! Eu pensaria que elle se envergonha da sua vida, isto é, do resultado da sua arte.

Desde que um homem dá publicidade á sua arte, despe-se em publico de certos di-reitos. E' o que se entende por "cahir no domínio publico». Prostitue-se. Vende-se. A

bôa gente que compra um livro, que compra um quadro, que compra uma estatua, com-pra também um pouco a alma do seu autor. Não é absolutamente negociável uma alma separada do corpo. A arte é a alma; a vida é o corpo. Um homem que paga uma mu-lher paga um só instante da sua alma, com direito, evidentemente, a todos os segredos do seu corpo.

E; preciso não se ter vergonha do corpo, si não se teve vergonha da alma. Todos os corpos parecem-se com as almas.

Pudor? — Mas o pudor é a virtude dos imperfeitos.

• » » Não ha nada de inconfessável a traz de

uma grande arte. • • •

Um artista é mais ou menos um Doutor Fausto. Vende a um gênio máo a sua al-ma, para ter perfeições moças para o seu corpo.

Questão de conforto: uma obra de arte vendida produz geralmente uma cbevióte bem cortada num corpo tractado, um ci-garro agradável num pedaço de âmbar fino e um perfume de grande estylo num Unho puro.

Isto parece querer insinuar que o pu blico é uma espécie de Mefistófeles. Eis um elogio extraordinário que elle nunca teve.

• • » Que bem pouca importância tem para ò

artista a obra de arte concluída! E' porisso mesmo que elle a vende.

O artista é artista apenas emquanto crêa: tira do nada, è igual a Deus. Para elle, a obra de arte tem um valor ephemero, que vae do momento da concepção ao momento da conclusão. Depois... ella fica sendo uma pobre cousa desgraçada, bem morta e bem imprestável, na sua vida. Só repre-senta uma utilidade toda sentimental: a de

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9 recordar aquelle instante divino e feliz da procrcação.

• • * Todo artista dá sempre á luz um filho

morto. E entrega-o bem simplesmente á terra deste mundo.

Elle precisa chorar sósinho, maternal-mente. Elle dispensa as consolações impos-síveis das comadres serviçaes da visinhança, que vêm clamar assim:

— «O menino é táo lindo! Elle poderia ser um bailarino russo!»

— «O menino é tão feio! Elle poderia ficar corcunda!»

Não. Elle não é nem poderia ser: elle foi, Eis tudo.

Ah! os críticos! Guilherme de Almeida

Neste domingo, 1.° de Outubro, 1922.

Xadrez Os poetas comparam as illusões ás

nuvens. Depois dizem de uma al-ma illudida que é feliz, que traz o céo comsigo... Analogia enga-nosa. Basta que se considere que aquella alma vive, para acredi-

tarmos logo que é, de algum modo, desgra-çada. As illusões não nos impedem de viver; ao contrario, a custa dellas é que vivemos. Ingenuidade suppôr que uma nuvem possa formar o céo. Nem uma, nem duas, nem to-das as nuvens...

• » *

O artista quer communicar aos outros a sua commoção. Quer imprimir a sua ima-gem momentânea ao maior numero possível de seres, e, assim fazendo, multiplica-se. O artista é o multiplicador de si próprio. E' o instincto de conservação que nelle age de maneira nova, differente. Arte-anthropo-centrismo. O artista é a realização máxima, requintada, dessa tendência commum do es-pirito humano, em virtude da qual se pro-cura unidade entre o objectivo e o subjecti-vo; entre o subjectivismo próprio e o alheio A falta de unidade, de identidade redunda em desgosto e soffrimento. O artista soffre, quando não consegue, pela sua magia, mo-delar os homens á sua semelhança. Como a criança, elle chama os outros para verem a estrella que brilha, o pássaro que vôa, o cortejo que passa. . . A gente se torna dif-ferente quando viu, sentiu ou imaginou cou-

sas que outros não viram, não sentiram, não imaginaram... Por isso é que se força o próximo a vêr o que vimos, a sentir o que sentimos, a fim de que o próximo se torne um pouco de nós mesmos... Porque ser differente é soffrer; é não multiplicar-se; é morrer pouco a pouco..

• • * A alegria de uma criança, o riso de uma

mulher fazem tremer nas estantes sabias os sombrios volumes de Schopenhauer...

* • • A nossa dor è sempre normal. E' a pinta

negra que se alterna com a branca, sobre o grande fundo verde do tecido da vida.. . Ella é da própria essência do tecido, parte integrante delle; nunca uma nódoa. O te n-po, que tudo desbota, transforma, ás vezes, as pintas negras em brancas. Felizmente, essa reducção chromatica não é extensiva senão ás pintas escuras: o fundo verde per-manece inviolável como o próprio mistério da vida..

• * •

Os gregos faziam com as suas verdades o mesmo que com as suas taças de vinho: coroavam-nas de rosas. Assim, ninguém se assustava com ellas. E a especulação philo-sophica tomava o aspecto de uma orgia si-lenciosa e embriagadora...

* • • A musa de certos poetas dá-me a impres-

são da moça que põe papelotes para ondular

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IO os cabellos, estylisal-os. Mas o que me in-quieta é que ella nunca tira os papelotes...

Si soubéssemos normalizar os «valores» que nós inconscientemente exageramos, ou que nos foram impostos já exagerados, a nossa vida mudaria de aspecto, seria mais tranquilla. Poucos têm esse sentido norma-

lizador. Em geral, todos tomam a sombra de um objecto como exacta medida delle.

. . . A vida é como um taboleiro de xadrez,

em que os quadrados brancos se alternam com os pretos: seria verdadeiramente fas-tidioso, senão impossível jogar-se em tabo-leiro de uma côr só

A. C. Couto de Barros.

Carnaval 4p ria primeiramente ao Appol-

11o. Caminhou por instinto, e, dirigindo-se certo, entrou na Rua Onze de Junho. Em frente ao theatro, accu-

mulava-se muita gente. No em-purra-empurra, da bilheteria, en-contraram-se gorros bicudos de palhaços, cocos de caricatura, chapéos de palha, panamás, plu-mas brancas de "travesti'* de corte antiga. A' entrada, no pas-sador acanhado em que a multi-dão se esmagava, radiosa e feliz, o verde triste, empoeirado e es-curo dos pinheiros allemães, em meias-barricas pintadas, contras-tava com o colorido intenso, atre-vido e carnavalesco das flores de papel, encarnadas, verdes, ama-rellas, enlaçadas a fios de arame, cruzando-se, fazendo festões de apparato, para ornamento e pom-pa das paredes em festa. A fila passava, lenta e ruidosa, emquan-to os porteiros agitavam os bra-ços e esganiçavam a voz. E, no meio delia, contrafeito e calado,

Clemente passou. Quando encon-trou um pedaço de vácuo, parou e tomou fôlego: tinha entrado. A primeira cousa que o feriu foi um rapaz alto, de casaca, com sapa-tos polidos e meias muito trans-parentes, o chapéo de pello com-plicado de reflexos; o peito bran-co da camisa brilhava também. Entalava ao olho esquerdo um monoculo que parecia definitivo e eterno naquelle olho. Sobre o beiço superior, em leve proemi-nencia, um f ilete de bigode a tinta preta, um fio apenas, quasi im-perceptível na espessura, e longo como um bigode de chim; nas maçãs do rosto liso, um pouco de "rouge** — e nada mais. Ria, fazia piíheiras, dizia graçolas a todo mundo, executava piruetas e curvaturas; simiesco e irrequie-to, distribuía galanteios ás da-mas e ensaiava, maneiroso, pas-sos de valsa e "poses" de tango. Parecia feliz, parecia á vontade, como que sentindo melhor affir-mada, sob o pseudo disfarce, a

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11 própria personalidade. Clemente espantou-se: um homem que não tinha medo de ser conhecido! De certo a mulher não lhe era infiel; elle, de certo, não sahira para matar. E, interessado, atto-nito, achando-o engraçado e ab-surdo, poz-se a olhai-o com uma curiosidade ingênua de menino. O rapaz deu uma gargalhada, mostrou-lhe a ponta da língua e gritou-lhe, esfusiante: — Nunca viu, bobo alegre! ? Clemente, mudo, fez, sem sa-

ber porque, dous passos para deante. "Bobo alegre..." Na sua cabeça atordoada passou toda a synonimia da palavra: bobo, to-lo, ingênuo, simplório, pateta, idiota... E que era elle de facto sinão, isso, elle, ludibriado assim sob o seu próprio tecto? E quem o visse phantasiado havia de jul-gal-o alegre. E uma porção de raciocínios, confusos, atrapalha-dos, paradoxaes, obsedantes so-bre esse pobre thema borbotean-do no seu cérebro cançado: iam e vinham, surgiam e apagavam-se, renasciam e tornavam a mor-rer, emquanto elle, vagaroso, deslocava para a frente a exhau-rida carcassa. E, quando entrou no salão movimentado do thea-tro, sob punhados de confetti e por'entre o cipoal das serpenti-nas, sentia, pensava e agia expe-rimentando, bem funda, bem amarga, bem cortante, toda a in-finita tristeza de ser bobo.

A banda grande executava. Os

metaes, de boccas escancaradas, faziam, tocados da febre ambien-te, uma luxuría sonora, larga, halucinada, que se intensificava, tornava-se estuante e condensa-da, na represa abafadiça das pa-redes e do tecto. E parecia que era o maxixe que sacudia as fitas pendentes e equilibrava no espa-ço a papelada minúscula, recor-tada e esvoaçante; que agitava os tricornios, fazia mover os do-minós, desegonçava os Arlequins, dava relevo ás marquezas em-poadas, punha tremuras nos tu-fos de renda, intensidade nos perfumes e vertigem nas cabe-ças. Nos corredores, nos cama-rotes, o povo hurrava frenético; homens e mulheres, esfregan-do-se, no simulacro de uma lucta de morte, fazendo-se engulir mu-tuamente mãos cheias de con-fetti, cosinhando os olhos com esguichos de ether causticante, enrolando os pescoços em rodi-lhas de papel, viviam por um an-no inteiro. Na platéa, o movi-mento canalha, sacudido, nevro-tico, unia corpos a corpos, mix-turava as animalidades, fundia as vontades com as chammas do sangue, egualava os desejos em grupos de carne; e a totali-dade das cores, — das cores co-nhecidas, das cores combina-das, das cores sonhadas, — ves-tia com uma túnica só essa mas-sa requebrada e una em que todos queriam intermesclar-se, confundir alma e músculos, co-

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13 ração e banhas, espirito e pei-tos, para formar um mesmo cor-rupta de delírio, uma mesma pal-pitação de dynamismo animal, um único e immenso novello de loucura.

A musica parou e uma tempes-tade de palmas ensurdeceu a sa-la; depois, o vozerio cresceu e reboou como o barulho de uma cachoeira.

Clemente, quebrado de triste-za, moido, ignorado e ridículo, bobo triste e só, não parava de perscrutar a assistência, os pa-res, os que entravam, os que sa-hiam. Três pancadas fortes cortaram

o theatro — e a banda bisou o maxixe.

Qual! Não estavam alIL As aberturas pequeninas da masca-ra operavam prodígios: eram co-mo vidros de augmento, óculos de alcance — faziam crescer tudo e penneiravam a mascarada, á

procura dos Pierrots. Não esta-vam alli. Elle tinha andado, dilui-ra-se na multidão dos corredo-res, roçara nos que dançavam... Não estavam alli. E um ódio ven-cido contra aquella gente toda o impelliu para a rua e, emquanto cortava o soalho coalhado de gente, deslumbrado pelo kalei-doscopio colossal da dança, em que lhe iam perdidos e arrasta-dos, como num supplicio, olhos e ouvidos, sentindo cahirem os confetti na saraivada da cor, pa-recia-lhe que tudo gritava: os trombones e os clarinetes, os pannos revoltos e os braços le-vantados.

Um frescor o reanimou. Olhou para cima: o céo era uma pellu-cia negra de joalheiro coberta de pedras.

Pedro Rodrigues de Almeida. Do livro "Carnaval", a appare-

cer brevemente.

Chronicas: MUSICA

F. MIGNONE

deve gosar férias em São Paulo o com-positor Francisco Mlgnone que a-ctualmente aperfeiçoa seus estu-dos na Europa. Trouxe consigo u-ma opera: "O Contractador de Dia-mantes". Tive ensejo de ouvir al-guns trechos dela na "Sociedade

de Concertos Sinfônicos" e em audição particu-

lar ;e me é grato afirmar, como amigo e como artista, a boa impressão que senti.

Certamente seria o cúmulo da má vontade exi-gir dum músico que apenas inicia sua carreira dotes de originalidade Já francamente determi-nada, bem como especialização de modernismo em quem ainda é estudante e caminha sob as vistas dum professor. Existe porém nos trechos que ouvi aquela chama benéfica, reveladora dos bons artistas de amanhã. Mlgnone desde suas primeiras obras, ainda compostas aqui, reve-lara uma acentuada predileção pela sinfonia. E essa predileção se acentua agora, tornando-se

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13 sim que o que mais mfe prendeu nos trechos ou-vidos foi a parte puramente sinfônica. Nos diá-logos de amor, nos monólogos de Felisberto Cal-deira, embora imperfeitamente ouvidos pela transposição ao piano, sem partitura que me guiasse, desconfio que o joven músico se dei-xou um pouco levar pela expontaneidade, pela facilidade melódica que possui e que em todos os tempos foi a glória e a infelicidade da escola italiana. Gloria em Monteverdi, Scarlatti, Bos-sini, Verdi e tantos outros. Mas infelicidade por-que foi uma das razões da decadência da escola napolitana, decadência essa que perdura, entre mil mudanças, apesar das investidas de Verdi, dos sinfonistas do fim do século passado, e dos modernos, com Plzzetti e Malipiero á frente. Julguei descobrir, mal encoberto, na obra vocal de Mlgnone o lirismo fácil e bastante vulgar dal-guns compositores veristas. Satisfez-me porém e entusiasmou-me o quadro sinfônico das dansas do 2.o acto. Essas dansas tão caracteristica-mente brasileiras, pelo ritmo enervante, pela melodia melosa e sensual são uma tela forte, viva ao mesmo tempo que equilibrada. E' ex-traordinário como Mignone está firme ao traçar essa página trepida, envolvente, entusiástica e brutal. Desaparece Inteiramente a eloqüência enfática doe trechos dramáticos: é eloqüência rida, é sumo de fruta nacional e sensualidade de negros escravos. E' admirável. Quem ainda tão moço e estudante ainda pinta sinfonicamen-te um ambiente com a firmeza com que F. Mi-gnone pintou essa parte do seu "Contractador" será sem dúvida, quando encontrar Inteiramente sua personalidade, coisa que só se completa com os anos, um músico possante e feliz. Digo feliz, porquê sinto uma tristeza universal pelos mi-lhares de compositores musicais que escrevem sons sem nunca poderem traduzir num acorde ou numa melodia uma parcela minima de beleza e ideal. Mignone será feliz.

Mario de Andrade

LIVROS & REVISTAS

"Os Condemnados". — Oswald de An-drade, edição Monteiro Lobato. a contece com "Os Condemnados" o in-

verso do que acontece com as pin-turas impressionistas. Nestas é ne-cessário a distancia, para ver cla-ro e bem, para se poder comprehen-der a sua geometria e o seu colori-do, que directamente estão relacio-

nados com o espaço entre espectador e objecto contemplado. Ao contrario, no livro de Oswaldo de Andrade prescinde-ee perfeitamente do espa-

ço; é preciso olhar de perto, muito de perto. O principal no romance, não tem importância; o enredo. O que importa, então? Os detalhes. Ahi é que Oswaldo se revela prodigioso. Seu gesto de milagre faz surgir, como nos contos de fa-das, — castellos, luzes, apotheoses, através dos quaes passam os seus penso na gene de caout-chouc, impermeáveis â alegria de viver, incha-dos de miséria e de fatalidade. Com espantosa economia de traços, Olwald arma um ambiente, articula seres, derrama vida vermelha sobre a realidade chlorotica, de gela t ina . . .

O livro inaugura em nosso meio technica absolutamente nova, imprevista, clnematogra-phica. Ao leitor é deixado adivinhar o que o romancista não diz, ou não devia dizer.

O romance conta a tragédia de seres actí-vos, que querem agir, precisam agir, mas que eatão presos, não por correntes, mas por elás-ticos, — força centrifuga que os faz desequili-brados, dando-nos a sensação physica de um esforço sempre contrariado. E os elásticos, ás vezes, pela propriedade que os caracteriza, os empurram além do limite que aqnelles se-res desejariam attingir. Dahi o suicídio do te-legraphista. Dahi, a mórbida paixão de Alma.

Oswald também sabe vibrar a nota humo-rística. Ella caça o ridículo das situações, no momento em que a rede das attitudes vae se desfazer. Assim, mais propriamente, pode-se dizer que Oswald não caça o cômico da vida: o cômico da vida é que se entrega a Oswald, no momento em que pode escapar, sem que nin-guém perceba . . .

O animatographo d'"Os Condemnados" não apresenta a tragédia de seres reflexivos, prôoc-cupados com problemas metaphysicos mais ou menos insoluvels. Os sonhos, as ancias dos con-demnados são humildes, instintivos. A alma desses seres é uma planície irremediavelmente verde, onde os maiores accidentes são montinhos de cupins cinzentos, em que, de vez em quando, pousam corpos mornos e enigmáticos de coru-jas . E Oswald, com elles, conseguiu uma pe-quena obra de arte. Obra de ar te?! Sim, ape-zar dos defeitos. Felizmente, o livro tem defei-tos. Nunca soube de artista que fosse pruden-te, que não errasse. O que ha de divino nos artistas é justamente esse "élan" estouvado, esse eterno caminhar, que os impedem de pa-rar e reflectir si o caminho que seguem é certo, bom, firme e valioso, como uma escrlptnra publ ica . . .

Entretanto, ha temperamentos, para os quaes o que importa é o defeito, a cinca, a can-tradicçâo. Esses homens são como os "tourls-tes" que, ao se approximarem de Niagára ou de Paulo Affonso, se preoocupam demasiado com as gottas d'agua, que, fugindo á vertigem da caudal que ee despenha, lhes salpicam ae fa-ces, os ternos bambos de xadrez, e perturbam k 1 a x o n

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14 com insolencia a visão tranquilla daquelles phe-nomenos lamentáveis. Elles têm a opinião va-liosissima de que a torrente perdeu um pouco do «eu volume, com a falta daquellas gôt tas . . . Esses homens conta-gôttas são os críticos. Para elles não ha remédio. Não ha cura. Para elles o que serve, o que vae a calhaT, o que é abso-lutamente indispensável, é, não ha duvida, um bom guarda-chuva...

A. COUTO DE BARROS. S. Paulo, 20 — 9 1922. "Suave Convívio" — Andrade Murky. —

Edição Annnario do Brasil. — Rio. — 1922.

Andrade Muricy reúne criticas exparsas no "Suave Convívio". Nesta visão de conjuncto po-de-se com mais nitidez observar sua personali-dade de critico. Com efficacia, no conjun-cto mais ou menos disparatado de figuras e idéas que observou, appareceu no "Suave Con-vívio" a erudição firme e larga do autor. Mui-ta serenidade. Muito amor. Demasiado mes-mo, quando se trata de observar escriptores pa-ranaenses. Apezar disso o estudo sobre Emi-Jiano Pernetta é a melhor cousa do livro. A língua de que faz uso Andrade Muricy é fa-miliar, sincera, agradável. Um bom livro.

M. de A. Becebemos:

"La Nouvelle Revue Frauçaise", numero de agosto, com collaboração de William Blake, Paul Fierens, Charles du Bos. 611 Robin, Jacques de I/acretelle. Como sempre, magnificas reflexões sobre a Ktteratura, por Thibaudet. Chronicas, etc.

"La vie des lettres", revista moderna franceza, publicada sob a direcção de

Nicolas Bauduin. Optimos trabalhos do DIrector de Max-Jacob, Fernand Divoire e Mlle. Claire Goll.

"La Criée", numero de agosto da interes-sante revista marselheza. A destacar, como sempre, as coUaboraçôes de Mar-eei Milliet, Léon Franc, etc.

CINEMA

hA certos problemas, referentes ao ci-nema, que aparentemente pouco nos interessam, pois não ha por aqui artistas e fábricas que se dediquem especializadamente a produzir fitas de ficção. Essa desimportáncia po-rém é apenas aparente; tais proble-

mas, quando não tenham artistas para preocu-par, têm sempre público para educar e orientar.

O cinema realiza a vida no que esta apresen-ta de movimento e simultaneldade visual. Di-ferença-se pois multo do teatro em cuja base está a observação subjectiva e a palavra. O ci-nema é mudo; e quanto mais prescindir da Da-lavra escrita mais se confinará ao seu napel e aos seus meios de construção artística. Segue-se d'ahi que tanto mais cinemática será a obra de arte cinematográfica quanto mais se livrar da pa-lavra que é grafia imóvel. As scenas. por si, de-vem possuir a clareza demonstrativa da acção: e esta, por si, revelar todas as minúcias dos caracteres e o dinamismo trágico do facto sem que o artista criador se sirva de palavras que esclareçam o espectador. A fita que além da indicação inicial das personagens, não tivesse mais dizer elucidativo nenhum, seria eminente-mente artística e, ao menos nesse sentido, uma obra-prima. B' evidente também que um sem número de qualidades, derivantes dessa quali-dade primeira nobilitariam a obra que imagino. Conseguir-se-hia mesmo a simplicidade dentro da simultaneidade — o que daria a obra de arte cinematográfica um valor expressivo ex-cepcionai. O que falta em geral ás fitas ameri-canas é a simplicidade de acção, vital e suges-tiva, que nos eleva á grandeza serena e azul do classicismo. (Exceptuo naturalmente as fitas cômicas, especialmente as de Chaplin e de Cly-de Cook. As de Lloyd também). O que lhes so-bra é a complicação, que imprime a quasi todas um caracter vaudevWesco muito pouco ou ra-ramente vital.

E os americanos só têm decaído a esse respei-to. As últimas fitas importantes aparecidas' es-tão cheias de dizeres, muitas vezes pretencio-saomente líricos ou cômicos. B" Já um vício. Quem observar com atenção qualquer fita, logo reco-nhecerá a inutilidade de muitos desses cartazes explicativos, cujo maior mal é cortar bruscamen-te a acção, seccionando a visão e consequente-mente a sensação estética.

E não se diga que tirar a palavra escrita do cinema seja priva-lo dum meio de expressão. Primeiramente: quanto mais uma arte se con-servar dentro dos meios que lhe são próprios, tanto mais se tornará pura. Além disso: tantos são os meios de expressão propriamentes seus de que pouco ainda se utiliza a cinematografia!

A cinematografia é uma arte. Ninguém mais, sensato, discute isso. As empresas produtoras de fitas é que não se incomodam em produzir obras de arte, mas objectos de prazer mais ou menos discutível que atraiam o maior número de basbaques possível.

A cinematografia é uma arte que possui multo poucas obras de arte.

O. de N.

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15 LUZES & REFRACÇÕES a Influencia do modernismo theratho-

logico dos klaxlstas é tão grande que já attingiu o "Estado de S. Paulo" jornal. Começaram a brotar nessas fecundisslmas terras flores de estranho e varlegado aspecto que contrastam beneficamente com

os junquilhos, as margaridas e os não-me-deixes familiares, que sempre foram tão abundantes nos desertos relvados desse popular jardim. As-sim é que num artigo sobre Granam Bell. o so-noro órgão de 200 rs. relembra num dado mo-mento o encontro de D. Pedro H com o inventor do telephonio que até então só encontrara na vi-da homens que eram verdadeiros telephonistas. D. Pedro, porém ligou. E o jornalista comanovi-do exclama:

"Audácia feliz do engenheiro, instlncto divi-natório do monarcha affeito a descobrir soffri-mentos subterrâneos, seja o que for, o facto é que o imperador... " Estes "soffrimentos subter-râneos" cheiram fortemente aos "cavallos so-brehnmanos", ás mulheres torriformes de alguns collaboradores nossos. E' possível que a redae-ção proteste contra o termo. E com effeito, s te "subterrâneo" é tão aéreo, tão vago, que muito pouco se coaduna com os epithetos officiaes do bem pensante diário. KLAXON que gosta das cousas no seu logar, substitue pois a catleia alba por uma humilde violeta e restabelece a expres-são racionaA, o qualificativo exacto — único que poderia sahir de um bem pensante jardineiro das vastas e clássicas áleas daquelle jardim. Assim, em vez de soffrimentos subterrâneos, leia-se "soffrimentos subeutaneos". KLAXON gastará até seu ultimo sangue, em restabelecer a honra das viuvas, das creanças e dos macrobios.

Duma nota do numero de Abril da NouveUe Revne Française; "A OPEBA" montou o Marty-rio de S. Sebastião, no qual collaboraram um musico de gênio, Cláudio Debussy, um prestigioso creador de imagens varbaes, Gabriel D'Annunzio, um pintor no qual a Imaginação exhuberante mas regrada se allia uma perícia infallivel, Leão Bakst, etc". Se a noticia sahisse numa revista italiana teríamos sem duvida: no qual colla-boraram um prestigioso creador de imagens sono-ras Cláudio Debussy, II pia gran poeta vivo dei mondo, Gabriele D'Annunzio, e um pintor assai curioso, Leon Bakst. Si a noticia fosse dada por um altemão teríamos talvez maior independên-cia. E* curioso de observar-se a fria razão e a

sympathia humana com que os críticos allemães estudam e acolhem os artistas estrangeiros. E* que os allemães tem a curiosidade cheia de amor que faz as grandes comprehensões e as influen-cias efflcazes. Walter von Bathenan affirmou sem covardia que os allemães não são propria-mente creadores. mas que não ha talvez nenhum povo como o allemão para aprender e desenvol-ver as creaçôes alheias. Exemplo: Wagner.

Imaginemos porém a representação contada por um noticiarista indígena. E* preciso agora distinguir. Se os autores do Martyrio viessem ao Brasil, visitassem as redacçôes, distribuíssem convites e retratos dedicatoriados teríamos " . . . collaboraram o genial Debussy. D'Annun-zio, o sublime, o genial poeta e o maravilhoso gênio de Bakst. Os coros foram genialmente di-rigidos pelo maestro X. V. e todos os demais artistas até o mais Ínfimo corista foram geniaes na execução da obra estupenda. Até os bilhe-teiros foram genialmente delicados na presteza com que serviram os pretendentes de logares. A sala de espectaculo estava litteralmente cheia. O serviço de buffet e buvette. . . etc." Mas, se como de facto se dá, os creadores do Martyrio forem desconhecidos... é certo que os qualifi-cativos de nestas, cabotinos e ignaros, entra-riam na dansa e mais a repetida historia do caso therathologico. E seria razoável. Como qua-lificar os artistas que não procuraram compre-hender os críticos!. . .

Ha gente que grita contra as modas de hoje, contra o quasi nti. Terá razão? Vejamos:

Adão e Eva viviam nús no paraizo terrestre e não tinham o sentimento da vergonha. Um dia, (fora melhor que um anjo lhes tivesse pre-gado as boceas com um prego deste tamanho!) comeram aqoella maçã e lpgo, sentindo-se en-vergonhados, começaram a vestir-se. . . Os ef-feitos da maçã eram simples: constrangiam-os a vestir-se. . .

Agora, entretanto, a vergonha diminue. Os effeitos da maçã attenuaram-se, desapparece-ram. Nós começamos a ser como os nossos pães antes do famosissimo acontecimento. Por Isso, a gente que berra contra a nudez deve ter co-mido outras maçãs, ás escondidas de todos. Não ha outra explicação...

Por uma folha-da-noite de 25 de agosto, em letras redactoriaes o recente livro de Oswald de Andrade foi condemnado. (Perdão!). O articu-lista pesquisou e achou o que grammaticalmente k 1 a x o n

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16 observado seria mais ou menos uma ambigüi-dade. A grammatica está para o critico acima da naturalidade de expressão. E' homem que de certo raciocina assim: "Pedro matou Paulo. Foi p r e so . . . Quem foi preso Paulo que está mais próximo. E' preciso corrigir: Pedro matou Paulo. Aquelle foi preso. . " Salvou-se a grammatica. O Brasil sabe respeitar as gloriosas usanças avi-tas, em que com mão diurna e nocturna, os cul-tores do bem fallar, nos clássicos antigos, a lusa linguagem, tersa e numerosa, isenta ainda da poluição dos francelhos, daquelles que, no dizer sempre isento de Cândido de Figueiredo, diccio-narista insigne, no dizer do nosso Ruy Barbo-sa, aprenderam.

Depois disso ainda o critico faz umas graças. Mas nada disso nos divertiu.

DIvertidissima no artigo era a citação fran-ceza. Citou o homem:

"La critique est facile

Mais l'art est difficile"

Até onde vae a tortura da rima. Certamente o critico da folha-da-noite é um Banville ou um novo Martins Fontes que desabrocha. Pois não chega elle ao ponto de bipartir o alexandrino só pelo prazer de intrometter no verso de Boileau uma rima no primeiro hemistichio. E' costume que "Banville e Martins gloriosos" não descobri-ram. E* o que em linguagem portugueza se cha-mará uma "trouvaille". Mas, nós Klaxistas, guardadores convictos de muitas tradições aqui repomos para gáudio dos nossos leitores, o he-mistichio no seu logar destruindo a innovação do articulista.

"La critique est aisée, et l'art est difficile". Ah! querido critico, Ia critique est aussi três

difficile!

Eis um trecho de ouro do sr. Gilberto Amado, do seu recente livro "Apparenclas e Realidades". Vai sem refracções. KLAXON ás vezes se com-praz em mostrar unicamente a luz. E ê mesmo do que mais precisa a arte no Brasil. Ao fallar sobre literatura brasileira diz o sensato ensaísta:

"O que nos calharia no momento actual se-ria, por assim dizer, uma agitação romântica no sentido que essa expressão pudesse comportar de exaltação febril da imaginação creadora, do desprezo ostensivo das formas consagradas, de arrancada gloriosa para o novo, o nunca dito, o interessante. A nossa literatura está ainda toda por fazer. . (o que, para KLAXON não é pro-priamente a verdade n u a ) . . . é evidente que não pode ser com academicismo, linguismos e bobagismos que havemos de constituil-a com a vida, isto é, com as concepções, com o calor fecundo do sentimento."

Uma refracção zinha só. Ouvimos contar que a Akademia Brasileira de Lettras, a dlrectora do Grupo Escolar da nossa literatura, mandou p snr. Gilberto Amado para o canto, de joelhos sobre milhos de uso quotidiano e alimentar, com a obrigação de copiar 50 vezes as-armas-e-os-barões.

E' interessante observar a Ignorância dos crí-ticos, cujos vaticinios cream ou destroem repu-tações. Ignorância crassa. Ignorância revoltan-te acompanhada sempre de uma impertinencia cômica e de uma erudição de almanach. Então quando falam dos modernos, esses senhores de óculos prudentes e calvicies affirmativas per-dem completamente o pé. Assim é que, critican-do o romance de Oswaldo de Andrade, um ho-mem muito acatado, após haver passado varias rasteiras na lógica e embrulhado emphrases ca-belludas um punhado de idéias contradictorias, diz que o nosso collaborador só se salva pelas qualidades das velhas escolas que ainda se per-cebem nelle: simultaneidade, synthese etc.!!! Que pândego!

O snr. Hermes Fontes também é desses. Pelo "Imparcial", uma vez, affirmou que um livro éra moderno. . . porque? Porque . . . era "bou-levardier" . . . — leso até parece d'DLLE... Pois não sabe o snr. Hermes Fontes que o gê-nero "boulervardier" é velho como Victor Hugo? Hoje ninguém acredita em "boulevards", como ninguém cré, tão pouco, em symbolismo. São coisas essas que, mesmo ei existissem, deveriam ser negadas.

Em musica acontece o mesmo. Has pessoas que incommodoam seus vizinhos, aplaudindo ou vaiando compositores, que elles não comprehen-dem. Num dos últimos concertos realisados no "Municipal", um homem comprido, de intelli-gencia magra, uivava bravos ridiculamente peremptórios. Ao meu lado, um amigo esphituo-so perguntou-me: quem é aquelle homem bra-vo?

Todos esses homens teêm, no emtanto, uma razão de ser. São mesmo Indispensáveis. Fazem rir. Desengorgitam o fígado. São homens medi-cinaes e, portanto, recomendáveis como a Gua-rani. Espumante, o Lacta Nutritivo e o Elixir de Nogueira.

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De Mario de Andrade

Paulicéa

Desvairada

Em todas as livrarias

De Oswaldo de Andrade

Em todas as livrarias

De Guilherme de Almeida

Natalika edição KLAXON

Messidor, traducçao

frailçeza de Serge MILLIET

De Vin. Ragognetti

8REIÍMEHIE

Gazarra Citíadina

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NOVEMBRO 30 1922

k l a x o n MENSARIO DE ARTE MODERNA

REDACÇAO E ADMINISTRAÇÃO: S. PAULO — Rua Direita, 33 gala 5

ASSIGNATURAS - Anno 12$000 Numero avulso — t$0OO

REPRESENTAÇÃO: RIO DE JANEIRO — Sérgio Buarque de Hollauda

(Rua S. Salvador, 72-A.) RECIFE — Joaquim Inojosa (Jornal do Commercio)

FRANÇA — L. Charles Baudouin (Paris). SUISSA — Albert Ciana (Genebra Rampe de Ia Treille, 3>. BÉLGICA — Roger Avermaete (Antuérpia —

Avenue d'Amèrique, n. 1GO) A Redacção não se responsabiliza pelas idéias de seus collaboradores. Todos OB artigos devem ser assignados por extenso ou pelas iniciae». E' per mi t ti-do o pseudonymo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na redaçção. Não se devolvem manu^criptos.

SUMMARIO FARAUTO OÉCO LA GUERRE - . O MEU PASSADO . CONTE . . . -, . . . . . GLORIA .... PARALLELEPIPEDOS

CHRONICAS :

MUSICA . . . . . LIVROS & REVISTAS CINEMA LUZES E REFRACÇÕES EXTRA TEXTO

Mario de Andrade Plínio Salgado Serge Milliet Claudius Caligaris Mareei Millet Guilherme de Almeida Rubens de Moraes

Mario de Andrade

John Graz

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w^ me m

FARAUTO apalavra FARAUTO é neologismo

creado por mim, bem como o verbo FARAUTEAR, seu deri-vado. Parece mesmo incrível que não fossem ambos inventa-

dos desde Abel e Caim. A personagem que o substantivo repre-

senta e a acção que o verbo indica são coi-sas quotidianas, desde que a filharada de Eva começou a cantar poesias, esculpir pe-drouços, soprar frau tinhas de cana, desco-brir o beneficio das ervas medicinaes, etc.

Mas vamos á etimologia do nome. Verão que é bem construído. FARAUTO compõe-se de 2 substantivos: um abstracto, ou pelo menos espiritual, F.; outro concreto, ARAU-TO, senhor que existe desde as eras verdes de além-Ohristo, destinado a transmittir suecessos de importância. Mas não basta: FARAUTO lembra imediatamente farauta, termo usado entre os zagais do Minho, que o snr. Coelho Netto transplantou para a língua brasileira: " E ' o lobo e não a farauta Que te atrai ao seu algar... etc.»

E ' possível também que Odorico Mendes já o tivesse usado. Mas ha muito que não

leio o traduetor das Eclogas, e o fiz em tempo moço, quando ainda não tomava no-tas para uma futura possível erudição. Fa-rauta — ovelha velha, conformada com a própria senectude, de campainha ao pescoço, obediente, obedientíssima. Assim FARAU-TOS são esses homens de casta bem deter-minada, anonvmos, inalteravelmente anony-mos, por mais que assinem com todas as letras o nome; e aos quais a Fama (por não poder mais apparecer na Terra, nesta época em que deuses e entidades simbólicas mor-reram) destinou o officio de proclamar a glória e o valor dos Klaxistas. O Farauto, tenha 18 ou 74 anos, é velho e obediente. Mas tem voz altissonante, como os arautos medievais, porque lhes engrandece a frágil tremura do grito porta-voz da cólera e da inveja.

Farauto! Farauto:.. . O verbo então ain-da é mais curioso. Só podem usal-o na l .a pessoa os inimigos dos Klaxistas, quando se refiram a estes. Ex : "Eu farautéio Me-notti dei Picchia." Na segunda e terceira pessoa só pode ser usado por Klaxistas. Ex : "Fulano me faráutea constantemente." Tem três significações distintas: uma no passado,

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2 outra no presente, outra no futuro. FARAU-TEAR no passado significa roer-se de inve-ja. E x : «Um grupo de gaios e galinhas fa-rauteou durante toda a Semana de Â"rte Moderna.» No presente significa que o vul-to, queira ou não queira, esnalha nossa ce-lebridade por toda parte. E x : "Farauteio semnre os Klaxistas pelo Jornal do Commer-f>o » Outro exemplo, tirado de KiV>;o<s TH-i xíRtas: "F.amulo. poronê me faranteias." Onando no futuro. FARAUTJVAR significa rviorrfr d^ ra ; ra ante a nossa fatal oe^pnoão. Ex : "Quando virem certos jornaleiros que nosso «vnno cada vez mais aufirm^nta *> «» consolida, hatendo a cabeça no« mraleV-pipedos, todos elles farautearão." De for-ma que, com este verbo-camelão, é perfei-tamente admissível esta phrase dum Kla-xista, dirigida a qualquer das letras do al-fabeto: "Farauteaste-me porquê eu era in-telligente? Pois farauteia agora meu valor ás gentes do Brasil! Mas quando tua inuti-lidade me for absoluta, farautearás ainda, mordendo o frio chão!"

Meu «Poema», publicado na KLAXON n. 6, não foi comprehendido pelos farautos. Duas razões ha para tal incompreensão: l.o são farautos, isto é, escravos obedientes. E nunca se imaginou que para o acto de obe-diência fosse neccessario que os escravos comprehendessem as ordens de seus donos. 2.o a poesia foi escipta com sinceridade e modernidade. São duas coisas que não po dem existir entre farautos — ovelhas ve-lhas, ignaras da psicologia, acostumadas a entender só o que a métrica e a rima desfi-guram. Mas porquê, como Bocage, um -dia me achei mais pachorrento, procurei tran-screver num soneto o que dissera no Poema. Fiz isto:

PLATÃO

Pla tão! por te seguir, como eu quizera, Da alegria e da dor me libertando, Ser puro, igual aos deuses, que a quimera Andou, além da vida. arquitectando!

Mas como não gosar alegre, quando Brilha esta áurea manhã de primavera —Mulher sensual que, junto a mim passan-

do, Meu desejo de gosos exaspera?

A vida é boa! Inúteis as teorias! Mil vezes a nudeza em que resplendo A' clámide da sciencia, austera e calma!

E caminho, entre odores e harmonias, Amaldiçoando os sábios, bemdizendo A divina impureza de minha alma!

Os farautos podem argumentar que tam-bém não comprehendem o soneto, pois desco-nhecem Platão. E ' verdade. Mas isso não impede que sejam obrigados a afirmar que o soneto é bom. E só dirão o contrário si ainda estiverem no passado do verbo farau-tear, si lhes perturbar o juizo a inveja sa-nhuda e esverdinhada. O soneto é bom, es-tais ouvindo? farautos... E ' bom mas é péssimo. E* bom porquê está bem feitinho (apesar daquelles 3 participios presentes); não lhe falta sonoridade; é natural, não tem o ridículo de palavras e rimas emilio-sas: e lá brilha a chave de oiro ao fim. Nem lhe falta mesmo aquella notazinha de sen-sualidade, aperitivo de velhos e crianças. Pois é péssimo, porquê insincero. Não foi aquillo que senti e que deveria exprimir, (mas quem o saberia si eu o não affirinas-se?) O que senti e exprimi está no Poema: O soneto é a máscara de cera que tirei da sensação morta, e que arriei de jóias e pin-tei de cores vivas conhecidas. O soneto é uma análise, intelectual e mentirosa; o Poe-ma síntese subconsciente e verdadeira. O

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3 soneto só diz o que nele está e que não esta-va propriamente em mim. 0 Poema diz um mundo de sensações, que estiveram todas em mim. No Poema, como no momento de vi-da que o inspirou, a relembrança da passa-gem de Platão tingiu-me apenas de leve me-lancolia. No soneto bemdisse a impureza de minha alma, benção que não pronuncio na realidade, mas . . . não podia perder a chave de oiro- Não é verdade que a manhã me desse impressão de mulher sensual; tive im-pressão de manhã simplesmente, mas de ma-nhã sol (sol aqui é qualificativo) e por dilatação do prazer, de vida feliz, alegre, ba-rulhenta (carnaval é também adjectivo). E por associação de idéas, com 3 palavras «Altas, resumi expressionistamente, por de-formação sintética, o que faz a felicidade de minha vida: "amigos, amores, risadas" . E coloquei estas palavras uma sob a outra, sem pontuação, porquê devem agir como um acorde: não produzem sensasões insuladas e seriadas, mas sensação complexa e total. E lá estão no Poema os impagáveis italia-ninhos que nos cercavam todas essas ma-nhãs de exercício militar, quando saiamos do quartel de SanfAnna. "Moço, me dá um artista!" A Assumpção de Murillo veiô-me por associação de imagens. Mas esta linda sensação não coube no soneto e menti ao momento de minha vida, omitindo as crian-cinhas que o tinham embelesado, para não errar as 10 sílabas dos versos. O que puz nas 54 palavras de verso livre e na falta de perspectiva dum só plano intelectual moder-nista, não coube nas 88 palavras do soneto. Sei bem que, com esforço beneditino, pode-ria (talvez) encaixar tudo num soneto em alexandrinos. Mas arte é feliciidade, é ale-gria, é brinquedo, não é misticismo nem so-frimento. E tenho pressa, farautos! Neste século, quem se atarda, longe do estéril tur-bilhão da vida, a repolir seus metros, perde o bonde, perde o trem: não será pontual á abertura da Bolsa ou das repartições. Mas diante da felicidade que sentia no momento

que o Poema sugere, observei que me liber-tara da dor... Imediato me veio á memória o passo de Platão em que éle diz que si nos li-bertamos da dor e da alegria, seremos puro», iguais aos deuses. D'ai a razão da leve me-lancolia em que o Poema termina, sem ver-so de oiro, natural, vivido, expressivo.

Mas, farautos, tudo isto é inútil para vós! Não compreendereis! Mesmo: não foi pro-priamente pensando em vós que escrevi a segunda parte deste artigo. Escrevi-a para os que compreendem ou procuram compre-ender a modernidade para vós inútil, farau-tos velhos! A vós unicamente um serviço destinei: comentar meus versos, insulta-los em artigalhões, reproduzi-los, para que minha fama, oh araras! mais largamente se divulgue.

Vamos! atrelai-vos depressa ao meu carro triumfal, meus farautos modestos e utilissi-mos! Continuai vosso caminho, guizalhan-tes, anunciando, como arautos que sois, mi-nha glória e meu valor! Alem! O chicote de meu sarcasmo agiliza vossos mu'sculos en-ferrujados, assim como dirijo vosso andar com as rédeas de minha ironia! Mais de-pressa! Áspera e longa é a montanha da glória, e a vós destinei a honrosa missão de me elevar ás alturas que ambiciono! Avan-te ! Senti como o ferro em brasa de minha blague cáustica vossos foeinhos róscos de macróbios! Pinoteai! Não me derribareis nunca de meu carro triumphal! Sou Baco! "Eu volto da índia!" E vós, farautos, rai-nhas panteras coléricas, escutai o comando do Senhor !

MARIO BE ANDRADE

P. S. — E nunca mais vos dirigirei a pala-vra, meus farautos. Não tenho tempo e per-der convosco, pois tenho muito que escrever. Não tendes tempo para me ouvir, pois ten-des muito que obedecer.

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n 4

O E'CO as crystalinas lâminas da serra

rebrilha a sua vóz, na multidão das vozes. Cada encosta é um espelho; cada espelho reflecte a imagem do seu canto.

Canção maguada... Noiva triste... mira, remira o límpido crystaí... E* a vóz do sabiá multiplicada num grande coro de sabiás!

Como esse canto se namora! Como vaidoso fita a própria imagem! Sobre a paizagem colorida, o panorama da Sonoridade... O éco é a multidão das imagens sonoras na face pura dos espelhos invisíveis...

Canta sosinho... Todos os pássaros morreram... Só elle vive, o solitário..» Canta! E cantando opera o alto milagre da Resurreição!

Canção maguada... Como se enamora nas árias simultâneas que desperta, no mlmetismo das suas sombras!

Canção maguada... Noiva triste... vóz do sabiá sosinho, nunca estarás sosinha nunca terás esta impressão desoladora da minha dor que não achou ainda que ainda não viu, para se enamorar na lamina pura das almas, como vês nas lâminas da serra, desabrochar o desenho da sua imagem!

PLÍNIO SALGADO k 1 ax on

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5 LA GUERRE

a H! LA GUERRE 2 AOUT 1914 MOBILISATION GÉNÉRALE

en Suisse je plongeais ie calme du Léman trop bleu au milieu des montagnes sombres

Et Susy avait des yeux de lac aussi des cheveux roux et une cape bleue três elegante

On ignorait le fox-tròtt Ie shimmy au Monlco

Tabarin MaxinTs

et fespérais ne plus revoir PAmérique si lointaine dans les cartes

presque éteinte en ma mémoire... On ignorait d*autres choses encore

Ia f aim Ia mort le change

Et puis un jour on apprit tout cela LE SUPPLEMENT DU JOURNAL DE GENÉVE

LA TRIBUNE LA SUISSE

Et les placards en trois fangues sur les murs et les tambours dans les villages

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o Angoisses Anxiétés Qu'arrivait-il au juste? Et on lisait tous les journaux contradictoires

Patriotisme Enthousiasme

Pauvre France blessée... Mais Ia vie reprit

Susy Monico Etudes Susy encore et d'autres dont MON AMOUR O promenades silencieuses

audacieuses par les nuits glacées

á Ia rencontre de Ia chambre bleue comme le lac comme Ia foi de ma jeunesse...

Et puis Ia bataille de Ia Marne On respira profondément et pendant que quelques móis on y pensa souvent et puis plus rien que Fétau des petites misères qui se resserra insensiblement et peu à peu devint Fétau des grandes misères Mais on y était déjà habitue

Et que m'importait Ia guerre, Ia misère, Ia Vie? Je mou-rais tous les soirs dans Ia chambre bleue qui tournait dans ses yeux verts... Et cette mort multipliée que je Faimais!

Le facteur nTapporta un soir une lettre recommandée et Ie journal du 11 Novembre 1918.

ARMISTICE SERGE MILLIET

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7 O MEU PASSADO

Omeu passado Três cruzes

II A primeira Está plantada num abismo insondavel do mar O sol não a beija A primavera não lhe traz flores As minhas lagrimas não a alcançam O peixe das phosphorescencias estranhas Olha-a e sem saber o que é Eu a sinto Vejo-a no meio das algas verdes Foi a primeira cousa que eu vi Abrindo os olhos á vida A' luz Uma cruz A cruz de minha mãe

III Molharam-me o rosto com água fria Eu não sabia o que era Deante de mim Um homem vestido de branco Cantava Tinha nas mãos uma cruz Nunca mais reverenciei aquella cruz

IV No alto duma montanha nua Está a minha terceira cruz Confundida com mil outras Em baixo A cabeça partida Um braço mutilado Sangrento

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8 Sujo de barro Está o meu pae Que o chumbo inimigo matou

V O meu passado Três cruzes Muito pesadas Demais CLAUDIUS CALIGARIS

A' JOBBIS MINNB

Ie roí des gnômes crachá dans ma che-minée. II me chipa une cigarette, 1'alluma d'un tison crueilli délicate-ment avec les doigts de Ia pincette rouillée. La fumée monta au pia-fond. Des chats descendirent. Ils

étaient noirs et leurs yeux n'étaient que les étincelles de mon feu, tantot éteint, ou pres-que. Le roi des gnômes caressa le plus íros des chats. Un ronron déférent rythma 1'heure. Je ne pensais plus à ma bouilloire. Le thé fut servi tout de même, par deux cricris vêtus en capucins. Je reconnus les cricris qui organisaient 1'orchestre des soirs ordinaires.. Le roi des gnômes les fit man-

ger par son chat. Je né me choquais pas de ces procedes. Je saluai le roi dans 1'espoir d'obtenir un conte. II tira une langue verte. Une souri rouge sortit de sa bouche. Je pensais á Ia jeune sorciére qui dansait nue sur le Broken avec le docteur Faust. Elle avait vomi aussi une Souris rouge! Je voulus relire Faust- La littérature était Ia plus for-te pour une fois. Le roi des gnômes, dépité, s'en alia par le trou de Ia serrure, mais, châtiment, une puce glissée dans 1'entre-baillement de ma pantoufle gagna mon orteil gaúche et me piqua cruellement.

MAECEL MILLET.

m artista não deve sobreviver á

U sua obra. Deve morrer a tempo, sem ser officialmente glorioso.

Porque a gloria é um sym-ptoma de decadência. Sujeita-se, como todas as cousas fra-

cas, a todas as relatividades. Assim, a glo-ria é quasi geographica. Ha criaturas que se contentam muito commodamente com o

applauso nacional. Estas pessoas ingênuas confundem o coqueiro crioulo com o lourei-ro da Grécia. E' exactamente o que se en-tende por «uma gloria nacional».

Em matéria de gloria, o extremo máximo chama-se Ridículo.

São muitos os degráos por que um ho-mem tem que subir, á força, a esta culmi-nância engraçada. Primeiro, o heróe dá o

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9 nome a uma rua; depois, tem a sua effigie nos sellos e nos dinheiros; depois, é fundi-do em bronze, definitivamente, para a pra-ça publica; depois, posto em vitral e, final-mente, cantado em opera. A opera é o su-premo grotesco. E' o grotesco fatal. Gui-lherme Tell é dos que não escaparam.

Mas, depois da opera, a gloria, não po-dendo fazer mais nada, começa a negar a existência do heróe. E' o que vem aconte-cendo com Homero, Shakespeare e até mes-mo com Napoleâo.

Destas considerações eu concluo, com uma convicção muito forte que a única preoccu-pação de um grande artista deve ser esta: ser negado antes, ainda em vida. E' o único meio seguro de escapar aos perigos exqui-sitÍ8simos que lhe reserva a gloria.

Isso tudo porque, no mundo, para a gen-te não ter a desgraça de ser glorioso, é preciso parar na frivolidade. Porque os ho-mens felizmente ainda não comprehenderam que a frivolidade é o que ha de mais sério. O principal não tem a mínima importância.

GUILHERME DE ALMEIDA

Parallelepipedos (Estudo sobre o calçamento intellectual)

Um amigo meu que esteve em Pin-damonhangaba contou-me que ha, na Oceania, uma tribu de índios que conserva atá hoje a única tradição respeitável e louvável.

Quando um indio dessa tribu intelligen-te envelhece, levam-no ao pé de uma arvore. Não ao pé de um páo d'alho porque na Oceania não ha páo dalho, mas sim junto a uma arvoresinha de tronco liso e fraco, dessas arvores que o vento sacode de cóce-gas e que protestam com gritinhos e arre-pios. Reune-se para a cerimonia a tribu in-teira vestida com collares multicôres e pen-nas no nariz; só, basta. A distancia um ca-sal de touristes inglezes: elle, alto, magro, vermelho; ella, alta, magra, vermelha. Co-meça a cerimonia. Obrigam o velho a subir na arvore e sacodem-na. O velho grita, na-turalmente e agarra-se aos galhos. E a ra-paziada sacode, sacode, sacode a arvore. Se o velho cahe, matam-no e o casal inglez nem se mexe: guarda seu júbilo para quando voltar para a Inglaterra. Se o velho não

cahe é que teve forças bastantes para se sustentar em tão incommoda posição e os índios levam-no para casa. Já que elle ain-da têm forças, é útil, não vae atrapalhar a vida dos moços.

Esse costume respeitável não é peculiar aos indios da Oceania. Depois de muitas pesquizas e árduos trabalhos ethnographi-cos descobri que nós brasileiros tivemos em tempos antiquissimos esse habito admirá-vel. Infelizmente a invasão lamentável da "civilização" fez desaparecer a sã tradição paterna. Ficou porém na linguagem uma lembrança do uso antigo. Chamamos um ho-mem que está começando a envelhecer, um homem maduro. Isto é, um homem que, quando subir na arvore, cahirá como um fru-cto maduro. Os senhores Usos e -Costumes, presidente e secretario geral, respectiva-mente (é natural) da Societé ethnographi-que de France a quem eu communiquei mi nha descoberta, participaram-me que, se-gundo meu estudo, tudo leva a crer que os antigos gaulezes também tinham o mesmo costnme. De facto os francezes até hoje tra-tam como nós os homens de uma certa eda-de de HOMMES MURS ou "vieux marcheur", depende.

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10 Mas voltemos ao que eu estava contando.

O que era mesmo? Ah, sim! Os senhores não acham essa tradição admirável? Pois eu acho. E vou diz*er porque. Se as minhas ra-zões não interessam, o leitor que vire a pa-gina. O leitor é um homem feliz e superior, pôde virar a pagina.

Qual é em arte a utilidade dos avôs? Pu-ramente decorativa. Em um salão fica bem o retrato de um avô desconhecido. Todo ca-vallo de corrida têm seu pedigree. Em arte os antepassadas intellectuaes são quadros para decorar uma bibliotheca, as vezes são mestres, ou melhor professores, mestre,?-escola com quem se aprende a lêr e escre-ver. Instrumentos de trabalho, simplesmen-te, como a enxada, o martelo, a penna. Di-zem que ninguém nasce sabendo. Deve ser verdade, pois o nosso previdente governo cuida em esbanjar dinheiro construindo es-colas. Mas os nossos bons governadores, nunca pensaram em crear escolas para os alumnos ficarem nellas a vida inteira. Elles sabem por experiência que, depois de apren-derem uma porção de cousas absolutamente linuteis, os discípulos desgostozos irão a-prender por conta própria na única escola verdadeira — a vida. Taine aquelle senhor francez gordo e condecorado (já fallecido) disse uma vez, por acaso, uma grande ver-dade: il faut aller á Vécole, mais pas y rester.

Os poetas modernos estiveram na escola, estudaram, leram bibliothecas inteiras, me-ditaram, mas um bello dia comprehenderam que tudo aquillo era vanitas, vanitatum, et omnia vanitas. O leitor sabe latim? Soube com certeza mas não sabe mais. Então vou traduzir: vaidade, vaidade das vaidades e tudo é vaidade.

Um poeta passadista animado da melhor vontade para com os modernos ou melhor um poeta intelligente que comprehenden que se elle não mudasse estaria morto, di-zia-me: "Experimentei fazer versos moder-nos Como é difficil»!

O poeta moderno não canta como um passarito empoleirado, sem saber. Aliás os

passarinhos também aprendem. Posso affir-mal-o, pois já tive criação de canários. Quando os meus canários estavam grandi-uhos a mãe fazia-os ficar quietos e cantava. Joanna dizia que era para os entreter, para elles não fazerem reinações. Joanna não tinha razão, infelizmente. Meus canários estavam aprendendo a cantar, estavam -na «escola cantorum». E quasi sempre aconte-cia que os filhos cantavam uma canção com-pletamente differente da da mãe e ás vezes mais bella.

Todo artista passa durante sua vida pela evolução de seu gênero atravez dos sécu-los. Nem sempre as differentes phases dessa evolução deixam traços na sua obra, mas nem por isso ella deixa de existir. Emquanto o artista evolue, está á procura de sua personalidade, no dia que a encontra (nem todos têm essa felicidade) sua arte se crystalliza, fica sendo elle, só elle e nada mais.

O caso de S. O. Gramt, o grande escriptor inglez é typico. Começou com um volume de versos resultado de uns dez annos de tra-banho. Em "The silveis Lake" ha poemas românticos cheirando a lord Byron, poemas symbolistas, versos parnasianos etc. S. O. Gramt nessa epocha não tinha encontrado sua personalidade; aspirava chegar á rea-lisação de um ideal indeciso que nem elle poderia deffinir talvez. Depois de «T/M? silveis lake", o grande intervallo da guer-ra. Durante esse tempo a evolução conti-nuou lenta, segura, sem o próprio S. O. Gramt saber talvez. E um bello dia appa-rece "The World's most diffiçult town", esse maravilhoso romance, expressão genial de uma imaginação, de uma "verve", de um "humour" nunca visto.

S. O. Gramt começou completamente en-ganado a seu respeito, pensou que fosse poeta. Não era. Era romancista, humorista. Mas o trabalho que realizou não foi absolu-tamente perdido; ao contrario, era neces-sário. Ha em «The world's most diffiçult-

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11 town" uma bibliotheca das sciencias as mais diversas. Só um homem com uma cultura extraordinária ao serviço de uma technica de romancista admirável, poderia conceber as invenções incríveis desse romance, o me-lhor que a litteratura ingleza produziu de-pois de Swif t.

E foi pelo trabalho, e unicamente pelo trabalho que S. O. Gramt conseguiu achar sua personalidade e exteriorizal-a numa obra prima.

O poeta moderno que nunca escreveu so-netos perfeitos, com verso de ouro, que, nunca, como um gatto em cima de um te-lhado, miou romanticamente seus amores á lua e aos visinhos, nunca escreverá bons versos livres. O mesmo se dá com o pintor

que não estudou anatomia e o compositor que não conhece armonia. Faltar-lhe-ha sempre o «metier», a base, que só se conse-gue com o trabalho.

O bom burguez satisfeito e definitivo vendo um quadro moderno, exclama: «Esse pintor não sabe anatomia". E as pessoas presentes olham com admiração o senhor gordo que emprega termos technicos. Mal sabe elle, escondido atraz de uma pansa capitalista que, justamente por saber ana-tomia a fundo, é que o pintor conseguiu pin-tar aquelle quadro... que elle não enten-deu pela simples razão de não saber ana-tomia e outras cousas.

RUBENS DE MORAES.

Chronlcas: MUSICA

JOÃO DE SOUZA LIMA

^•J oão de Sonza Lima, ao partir para a Eu-

J ropa, deixara-me orna péssima recor-dação: a execução, no seu concerto de a-deus, da pior Sonata Patética que é pos-sível imaginar-se. Isso de ultimas im-pressões calam fundo no espirito. Recor-dava-me do estudante que partira, talen-

toso, sem duvida (vivem por ahi ás dúzias os talentos!) bem dirigido, mas fraco, incerto, sem virilidade nem sabedoria. Tanto mais me enthu. siasmou por isso a surpreza do Souza Lima de agora. E' outro. O pianólatra inetamorfoseou-se em Orfeu. Não acredito que por emquanto possa domar a* f e r a s . . . Foi prova disse um dos tre-chos que concedeu extra-programma. Desperdi-çadamente irônico, meteu-se a executar as "Fo-lhas Mortas" de Debussy, o que fez correr um frio pelo tão erudito quão sensato publico desta capital artística do mundo. No entanto, de que maneira executara o prelúdio! Um prodígio de sugestão. E principalmente: que dedos sapien-tissimos esses de Souza Lima para conseguirem aquella sonoridade estranha, toda vaga e esgar-

çada, tão debuesiniana, de que ainda não dera amostra em todo o programma!

E' que Souza Lima nSo lança atoa seus efeitos, em lugares que lhes nâo competem. Pensa sobre o que vai fazer. E' artista antes de ser artesão. Aquellas "Folhas Mortas" foram uma luz que me elucidaram sobre todo um admirável aspecto de seu talento. Affirmo que penetrou intimamen-te a personalidade de Debussy. Soube darnos deste duas faces quasi contrarias: o feiticeiro es-tilizador de sensações no. prelúdio; e o piedoso, um pouco irônico amador de crilae, nos trechos da "Boite á joujoux" — que o publico, que fora ao

theatro, com franqueza, só para applaudir, appla,u-dir cegamente e voltar para casa satisfeito de ter parido um gênio, subdividiu por meio de ignaras palmas.

Em todo caso, seja dito, para honra do publi-co, que as 3 pequenas peças não se continuam no bailado. Mas uma censura cabe também ao pianis-ta. Confeccionou um programma fragmentário e dispersivo. Porquê dar um tempo de sonata, e nâo executal-a toda? E' sô passarmos de Weber para Beethoven para se perceber o mau-gósto da leviandade. E do "Poema do Mar" de Samaze-nilh executou apenas o final. Acredite Souza Lima que as poucas pessoas que foram ao Muni-cipal, não por fome de applaudir e curiosidade de

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12 ver um l.o prêmio do Conservatório de Paris, sacrificariam gostosamente o tão rapsôdico co-mo postiço Grovlez, para ouvir os acordes de abertura e toda a prata liquida que Samazenilh derramou no "Luar sobre as ondas".

Desde que Souza l ima iniciou o programma, sentia-me atraido pela musicalidade de sua exe-cução..

E' surpreendente. Será multo breve grande in-terprete dos clássicos e dos modernos. Como de-sejaria ouvil-o em Mozart! Mas num aspecto já é grandíssimo: a técnica. Não que tenha rapidez dum Friedmam ou suavidade dum Risler. Geral-mente os virtuosi mostram desde logo uma ou duas qualidades technícas salientes, muito supe-riores ás demais. Com Souza Lima, apesar de estudante ainda, isso não se dá. Não é impecável, mas possue todas as qualidades técnicas desen-volvidas harmoniosamente. E por isso é já ex-traordinário, fora. acima do comum. Pianista de-senvolvido por igual, não é especialista em esca-linhas ou tremeliques lisztianos, porquê, desde a pedalização até a sonoridade, vai se aperfeiçoan-do simultaneamente em todos os requisitos técni-cos para conseguir assim essa coisa rara: a har-monia de qualidades que faz o artista sereno o perfeito.

Mas agora quero dizer porquê Souza Lima é Orfeu que ainda não pôde domaT feras. Falta-lhe maior dose de humanidade de profundeza, de sen-sibilidade heróica e trágica. Brilha já, mais ain-da não pertuba, não revolucciona as almas. Min-to. Perturbou-me divinamente á entrada do coral, em Liszt. Senti-me subir. Foi admirável. Mas in. felizmente conduziu o estudo de Chopin, como si fora um estudo e nada mais. Foi alumno, appli-cadissimo sem duvida, capaz de subtilezas dinâ-micas arrojadas e perfeitíssimas, mas não fez re-viver a tragicidade que Chopin deu áquella obra sua. E nem reviveu a aspereza impetuosa do Scherzo.

Souza Lima é muito moço ainda. Tenho certe-za de que adquirirá essa profundeza que lhe ca-rece por agora. E que não adquira, será grande o mal?

Vou ao concerto para me commover. Nâo ha duvida. Mas para me commover na ordem artís-tica e não na ordem natural. Misérias da vida, acho-as quotidiamente junto de mim, para, alem das minhas ter de chorar as fáceis lagrimas de Chopin, as coleras de Beethoven, os sarcasmos de Schumann. As commoções de ordem artística sublimam e elevam. Da combinação de sons, que isto é a musica (deixemo-nos de complicações metafísicas) nascem dentro de mim commoções ideaes, sensações frenéticas, suaves, báquicas ou puras, graceis ou severas que me fazem vibrar, mas desprendido do mundo. Eis porquê amo Bach e o Beethoven da l.a e 3.a fases principalmen-

te. Eis porquê adoro Mozart. Eis porquê gosto dos modernos e do maxixe de Nazareth.

O que fui procurar, no seu concerto, Souza Li-ma deu-mo com fartura, isto é, a MUSICALIDA-DE. Por isso affirmei mais atráz que breve será grande intérprete de clássicos e modernos. Não é sentimental, graças a Deus! Acredito pois que nos românticos não attingirá nunca a plenitude de sua personalidade. Como é lindo meu prazer, neste momento, em applaudir Souza Lima, gran-de e corajoso primeiro intérprete brasileiro que soube quebrar as cadeias de pegajoso sentimen-talismo a que azarentamente nos fadou o occa-sional enlace das "três raças tristes"!

Muito bem. Mario de Andrade

LIVROS & REVISTAS

PAULICEA DESVAIRADA, por Mario de Andrade, typo-graphia da Casa Mayença, S, Paulo.

nestes commentarios nâo cabe um es-tudo meticuloso do poeta paulista. Infelizmente, estuda-lo neste paiz seria responder ás criticas adver-sas. Mas taes respostas Mario de Andrade já as formulou, antecipa. damente, no Prefacio. Achamos es-

se Prefacio admirável, tanto pelo que revela de cultura, como pelo que demonstra de vigor intel-lectual.

O Autor, aliás, pelo seu temperamento novo, audaz, isolado por emquanto em nosso meio li-terário, 6 é capaz de indignar a critica nacional, cerrada entre paredes invioláveis, sem coragem para admittir ou estudar um escriptor sem auxi-lio do parallelo. O parallelo, entre nós, até ago-ra tem sido tudo em matéria de critica. Balan-ças velhas demais, sem pesos próprios, como fa-zer para á« obter o peso exacto do que é collo-cado numa das conchas? Só mesmo procurando mercadoria semelhante em peso, até conseguir alinhar a concha suspensa . . . Não pôde haver critério mais lamentável. Contar que um ho-mem tem um nariz parecido com o de outro ho-mem, não diz como elle é, mas apenas como este é. Num artista, o que importa justamente descobrir é o que elle tem de próprio, de dlffe-rente, de seu. Mas a critica nacional não sabe admittir Mario em si mesmo, em sua própria personalidade. B a sua indignação toda nasce

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13 portanto de não conhecer nada do movimento moderno universal, o que a impossibilita de "perpretar" o suspirado parallelo.

* * * Paulicéa desvairada colloca Immediataimen-

te o leitor em contacto com um temperamento estranho, chocante, inesperado. Mario de An-drade é differente de todos nós. Seus versos não nos revelam: "você já sentiram isso; seus espíritos já fixaram taes perspectivas, já sup-portaram taes emoções". Ao eontrario do que succede com a maioria dos nossos artistas, ao travarmos relações com seus versos, nós não va-mos reconhecendo o poeta: nós o vamos conhe-cendo.

Como o titulo do livro indica, Mario é o poeta da cidade.rua, da cidade-publlca. Elle não sabe soffrer as alcovas, admitir a penumbra que os syinbolistas chegaram ao auge de provocar arti-ficialmente fechando as janellas, asphixiando-se ás vezes . . . Mario sente uma necessidade impe-riosa de ar, de movimento, de liberdade. Elle vi-ve, elle mora nas ruas. A cidade inteira perten-ce-lhe, com todos os seus tramas e comédias, ao mesmo tempo.

Mario é principalmente um objectivo. Seu ob-jectivirsmo, entretanto, é pessoal, é só delle. Ma-rio vê o que ninguém vê, porque elle vê tudo. E' um instrumento ambulante cujos cinco sentidos a cidade vae tangendo:

"A preamar do brilho das mansões . . . -O jazz-band da c o r . . . O arco.iris dos perfu-

[ m e s . . . O clamor dos cofres abarrotados de v i d a s . . .

Ombros nu*s, ombros nu's, lábios pesados de [adultério.. "

O instrumento é afinado e harmonioso. Isso não impede, porém, que haja nelle uma corda mais estirada, da qual ás vezes saltam mesmo algumas notas mais sensíveis. E' a corda au-ditiva. Mario de Andrade é sobretudo um auditi-vo. Não ha rumor (material ou inteliectual ) da cidade que não actu'e em seu micróphono; não ha cantiga, não ha pregão que não deixe uma cadência a ondular o seu subconsciente. Dahi, talvez, o conhecimento que tem, exacto, comple-to, do rhythmo. Elle conhece todas as notas, to-das as vozes das palavras e assim pôde crear, por meio dellas, imprevistas successões de sono-ridades. Não faz a melodia assucarada, a melo-dia-valsa dos sonetos batidos, das bailadas ane. micas, dos alexandrinos saltitantes. Elle sabe escolher vocábulos que se encarregam de crear no espirito do leitor, suggerindo ou evocando, vi-sões, ideais, sensações nelle adormecidas.

Mas, além de um grande auditivo, Mario tam-bém é um grande pintor. Seus quadros são resu-

mos admlravelmenetnte coloridos de diversos instantes da vida da cidade. As paizagens, o Nocturno, Rua de São Bento e alguns outros poe-mas cream um ambiente especial para o collo-qnio do leitor com o poeta. Mario enxerga os me-nores detalhes das cousas, observa as vidas mais insignificantes das ruas. Elle atravessa as ruas e leva sempre comsigo um pedaço, por menor que eeja, dellas. Raras vezes encontra nellas um pedaço de si mesmo, um complemento de seu próprio ser. Raras vezes a cidade entra, devassa, toma parte na sua vida: "Triângulo. Ha navios de vela para os meus naufrágios . . . "

* * * O Autor de Paulicéa Desvairada é um revol-

tado. Seu livro é um livro de crise, de exaltação. Dahi certos exageros nas expressões, certo abu-so da liberdade. Uma de c~uas características mais notáveis, tão rara neste paia amigo da sombra, é a coragem. Mario, a pleno sol, atira-se logo para a frente, resoluto, sem ter um olhar, mesmo de duvida, para o que deixou. Uma prova? Bas-ta notar esse emprego repetido de advérbios co-mo substantivos ou adjectivos: "os tambens", "os sempres", "ser paulistanamcnte". Novidade para a lingua? Asperezas para o espectador? Pouco importa. Elle escreve, e, emquanto escre-ve, está vendo, está sentindo uma representa-nâo cinematographica subcosciente. Não tem tempo para esperar a expressão. Esta que lhe venha ao encontro.

(Mario despreza completamente o espectador). * * *

Dissemos que Mario é um objectivo. Mas é um objectivo paradoxal, isto é, que toma á cida-de em que vive aquillo apenas que lhe pôde ser. vir. E' portanto um objectivo na sensação (re-cebe tudo, embora só guarde alguma cousa), mas é um e?ubjectivo, si assim podemos nos ex-plicar, na expresão.

Esse subjectivismo, aliás, como é natural num livro de separação, de rompimento entre o eu que possuía artificialmente e o eu que afinal reconhe-ceu em si mesmo, é um subjectivismo exagerado.

* * * Paulicéa Desvairada, embora intencionalmen-

te, é um livro todo regional. Somente quem co-nhece bem São Paulo é que pôde devidamente admirar os seus versos. O poema final, por exemplo, pôde ser entendido por leitores de fora, mas somente por paulistanos pôde em verdade ser sentido. Não sabemos a que attrlbuir esse regionalismo exagerado do poeta. Para o thema desenrolado no poema referido (As Enfibra-turas do Ipiranga), não custaria nada ao Au-tor universalizar as suas expressões, abrangendo,

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14 com maior clareza, os horizontaes, os eguaes que infelizmente existem em toda a parte. Ha realmente algumas impressões da cidade que, pe-la coloração que espalham na memória do leitor, podem ser deliciadas em toda a parte (o Noctur-no, as Paizagens, mesmo O Domador) ; mas, ao par delles, a gente encontra umas minúcias pes-soaes de observação, apenas comprehensiveis por um grupo restrictissimo (o final dó poema "A Caçada").

*P ^ ^r

Mario, em seu livro, é ríspido, impulsivo de-mais. Elle tracta as couaas e os seres tal como os vê ao primeiro golpe de vista. Não tenta ro-dea-los,, examina-los bem, procurando ao menos uma face mais amável. Não: elle vê e manifes-ta-se logo.

Br por isso que Mario destrôe os burguezes e responde aos seres que ainda se commovem com Verdi e Macedo. Alguns chamam a isso intole-rância. Para mim é bondade excessiva. Só os homens excessivamente bons é que se preoc. cuupam com os outros e procuram plasma-los ou modifica-los â sua imagem. Em arte, porém, pa-rece-nos necessário um pouco mais de egoísmo, de orgulho, de maldade. .

Mas não são taes rugas do livro, nem mesmo o próprio livro que nos revelam o valor do artista. Esse valor a gente descobre embuçado atraz de certas expressões maravilhosas, de certas ima-gent? Incendiadas, de certos versos, de certas pa-lavras, de certo simultaneismo-relampago. Ma-rio de Andrade é um artista destinado a sulcar com o vermelho de sua arte a literatura que o Brasil ainda vae ter, civilisada, seria, obediente á hora e á humanidade. Sua influencia já se faz notar, embora subteranea ainda, no movimento literário paulista. Hoje já ninguém mais se atre-ve a explorar a passividade do nosso publico com a pachorra do parnasianismo. Por mais que se procure não se encontra um único soneto perfeito em nossas revistas actuaes. A escola que, por tanto tempo, atormentou São Paulo, passa ago-ra pela crise dolorosa do silencio. Os sen* co-rypheus já vão soffrendo a tragédia commoven-te de perderem a crença em si próprios.

Esse o valor exterior de Mario de Andrade. O seu valor interior pessoal está nos seus versos. São elles ardentes, vibrantes, cheios de vida, ar-mados de ironia penetrante, suggestivos, moder-nos. Atravessa-os uma corrente electrica pode-rosa. O seu conctato a principio eriça, mas pren-de. E prende tão bem que a gente acaba por não sentir mais o choque inicial, mas apenas um pra-zer, um prazer voluptuoso.

CARLOS ALBERTO DE ARAÚJO

"EPIdRAMMAS IRÔNI-COS E SENTIMENTAES" — Ronald de Carvalho — An-nuario do Brasil-1933.

Desconheço "Luz Gloriosa", primeiro liVro de poesias de Ronald de Carvalho, e ao qual, segun-do ilustre opinião, estes vensos novos se ligam. E' innegavel porém que grande evolução adianta os Epigramas dos "Poemas e Sonetos" de 1919, livro muito bem feito, mas de pouco vigor e ori-ginalidade. Esse oscillar duma para outra orien-tação demonstra Ronald como o insaciado, o curioso, ã procura da expressão, a qual, livre de preconceitos e escolas, coresponda a êle, poeta — homem do seu tempo, de sua raça, de seu pais. Agora, pelo vigor e segurança de sua nova poe-sia, creio que Ronald de Carvalho encontrou a forma e as tonalidade em que mais poderá dizer de si mesmo e de seu tempo. Mais de si que de seu tempo; mais de sua raça que de seu pais. E por ter criado um ritmo "grave, límpido, me-lancólico", mais de frautas e harpas que de bron-ze e pedras, mais de colunas risonhas que de se-veras, mais de estatuas celinianas que de mármo-res de Miguel Anjo, ritmo de maretas praieiras mais que ritmo de vagalhões do largo ou de mon-tanhas, enfim por ter criado seu ritmo, criou um mundo: "Epigrammas Irônicos e Sentimen-taes"

Ronald é um contemplativo silencioso. Desa-grada-lhe porventura o tumulto da vida moder-na. Por Isso sua poesia não objectiva propria-mente a vida moderna, sinão as conseqüências espiricuaes que dela se possam tirar. Assim: vi-ve todo imerso nessa filosofia actualisima, cujo representante principal no Brasil é o sr. Graça Aranha, e que para mim nada mais significa que uma profecia arrojada e fácil, prematuramente tirada do progresso de certas sciénclas experi-mentais, principalmente da psicologia e da ffeico-quimica: o homem, livre do bem e do mal, consi-derado como uma das muitas polias desse ma-quinismo sem Deus, o Univeneo criador e trans-formador de energias intrisecas. Junte-se a is-«o uma leve influencia de Ornar Khayyam. Es-tas as influencias exteriores que determinam a orientação principal da filosofia de Ronald. O que lhe é pessoal: a doce ironia que nâo fere; uma piedade imensa, que demonstra quanto o poeta sofreu no combate das ldéa'?; e a melan-colia, a melancolia cansada, carrilhão crepuscu-lar. talvez única nota amarga do livro. Essa melancolia, que é preciso não confundir com pe-numbrismo, a todo momento se relembra nos versos e determina no poeta minutos de scisma, como em Elegia, Este Perfume, Noite de São João e esse maravilhoso Sonho duma noite de verão, tão imensamente cheio de vasio que se

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15 tem, ao lê-lo, a Impresão tangível, fisica da va-cuidade.

E, pois que falei em penubrisino, faço já a única restrição que o livro me sugere. Laivos de penumbrismo, verdadeiras estrias cinzentas num mármore cor de rosa, deslutram aqui e além vá-rias páginas dos Epigrammas. Irrita-me espe-cialmente esse "Nocturno Sentimental", artifi. cioso, sem verdade, sem sentimento, sem como-ção. Outras páginas ainda poderia citar. Poucas, felizmente. A mim, pouco me encomoda que um poeta ame o silencio e o outono. O que quero é que viva seus versos, que seja poeta, Poderá ser uma antipatia pessoal, mas isso de re-puchos ao luar, cheiram de longe a mofos de jar-dins de infantas transplantados para este meio sem tradição, luxuriante de luzes e perfumes tão vivos que chegam a doer. (Nas constantes ci-tações de frutos e coisas nacionais', sente-se que Ronald delas percebe muito mais a áspera crue-za, que a sensualidade forte pouco adaptável ao seu temperamento. Por isso disse mais atrás que representa mate sua raça, pois tem clareza e senso de proporções, que seu pais.)

Ronald de Carvalho, com os "Eplgraminas", filiasse á onda dos cultores do verso-livre • e da rima-livre. Sob esse aspecto seu livro é duma

modernidade excepcional para o Brasil — pais em que os rubricados pelo Ministério das Glorias e Celebridades estão voltando a Castro Alves, a Fagundes Varela, quando nâo repetem Bilac e o enr. Alberto de Oliveira. Mas, apesar dessa li-berdade, Ronald não representa toda a ânsia e tortura dos modernistas.

Assim: enquanto estes se debatem, se ferem, tombam, talvez morrem na esperança de exprimir a actualidade, Ronald, no Rio, como Guilherme de Almeida em São Paulo, tem a ventura de en-contrar a perfeição, que só pôde existir dentro da serenidade. Apesar de sua grande erudição, (que aliás apenas se percebe florida em lirismo sem resaibo de pedanteria) coordena suas Inquie-tações, suprime-as, desdenha fórmulas e pesqui-zas estéticas; não o preocupa a expressão mais integral possível do subconsciente, antes objecti-va reações intelectuais; nâo se debate no mundo das imagens, angustiado, porque as vence e sub-juga para com elas esculpir seu lirismo intelec. tuál. È* fortemente expressivo, sem ser expres-sionista. Não deforma: analisa. E' grego ou renascente; não é negro nem egipcio. E' •mesmo um passadista, sob esse aspecto. Que lhe importa si é maravilhoso? Como recompensa de tanta in-dependência, nâo terá o horror de ver sobre o basto de Palas a sombra dos espantalhos, com que, na sua fábula impiedosa, Couto de Barros desenhou meu lar de poeta. Ronald de Carvalho conseguiu, desde filiado á corrente modernis-ta .apresentar um livro clássico, numa época de

construção, em que os erros se equiparam, em numero e tamanho, ás verdades infantes.

A mim não me preocupa esmiuçar cuidadosa-mente todas as perfeições e qualidades que se encerram nos "Epigrammas" As grandes obras contêm sempre uma lição geral que abafam to-das ats que se possam tirar dos pormenores. In-sisto portanto em chamar de clássico ao novo li-vro de Ronald de Carvalho. Tem tudo o que de-termina essa grandeza. Sem exageros de puris-mo é duma perfeição lingüística notável. Reflec-te seu tempo nas teoria filosóficas, nas conquis-tas estéticas já definitivas, e no orgulho brincão deste pais que se sabe predestinado, mas que ainda não meditou bem sobre a grandeza que lhe pôde reservar o futuro. E' uma obra crista-lina, clara, característica, bem raçada, genuina-mente latina. E' serena, inteligente, comovida.. Humana e pessoal. E' livro que devia criar esco-la porquê é exemplar. E' UMA OBRA CLÁSSI-CA.

Temo que comecem a duvidar de tantos elo-gios. Tanto me rio dos outros que pensarão tal. vez descobrir ironias nisto que escrevo. Elas não existem aqui. Reli, quem sabe? umas dez ve-zes os Epigramas Irônicos e Sentimentais. Estas linhas exprimem a sinceridade de longa refle-xão. Um pouco ásperas no seu elogio cru'. Que querem? Foi o meio de descarregar um pouco minha admiração sobresaltada ante esse livro admirável.

M. de A.

LOUIS EMIE\ — L'abdi-cation des pauvres et le cou-ronnement des cadavres. Edi-tion "LUMIÈRE" Anvers, Bélgica.

Chega-me ás mãos mais um luxuoso volume da cuidadosa casa de edições. Lumière, de An-tuérpia. Apezar de ser ainda um desses livros, como ha tantos, sobre a guerra, não me parece de todo desinterescsante. Louis Emié é ainda no-vato na litteratura belga, creio mesmo que é seu livro de estréa. Póde-se affirmar que estréa bem.

Detesto invocar influencias. Eis porque não citarei Jules Romain nem Romain Rolland. A preoccupaçâo de fazer philosophia social influe demais sobre o espirito do autor e leva-o a bana-lidades e grandiloquencias. Mas é preciso lou-var o estylo comovido e bastante original da se-gunda parte do volume. São contos que não são positivamente contos, mas poemas que <«e se-guem com um enredo commum. Ha nesse poe. mas uma grande tristeza e uma resignação que o sr. Louis Emié difficilmente esconde debaixo do élan final.

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16 Eis uma phrase, entre outras, característica:

. . . II faut subir un peu son ame. E é justamente porquê, estando ainda no pe-

ríodo da alma, o autor não se quer deixar levar por elle, que seu livro tem defeitos. Vêem dahi a grandiloqüência e a banalidade.

As Illustrações de Jean Cantré são'expressi-vas e orlginaes e de um modernismo moderado que pôde agradar a qualquer paladar. E' esse mes-mo o maior defeito de Jean Cantré. Prefiro o humour violento e satírico e a techniea apaixona-da de Felix Tieumermanns, autor dos "Jours pioux, álbum de 6 gravures".

Esperava encontrar nas illustrações de Cantré um soffrimento mais intenso, uma harmonia mais torturada ou então francamente sarcastioa, que se adequasse mais ao texto.

S. M.

RECEBEMOS: LUMIÈRE, números de Setembro e Outubro.

Como sempre brilhante colaboração e boas xylo-graphias. Convém mencionar no ultimo nume-ro as bellissimas e numerosas reproduções de quadros do excellente pintor francez Le Faucon. nier, bastante ignorado ainda no Brasil. Um for-te poema do bolshevlki Alexandre Block e arti-gos de Avermaete e Mareei Millet.

LA NOUVELLE REVUE FRANÇAISE, nume ro de Outubro. No summario, muitos interessan-tes trabalhos de Benjamin Crémieux, Georges Gabory, Mareei Jouhandeau e Maurice Chevrier. Magníficas reflexões sobre a literatura por Al-bert Thibaudet e uma bella collaboraçâo de Al-bert Cohen. Chronicas sobre musica e boas cri-ticas dos últimos livros de arte.

LA CRIE*. Muito agradável a leitura do nu-mero de Outubro da revista marselheza.

COSMO'POLIS. Numero de Setembro. A bella revista de Madrid. dirigida pelo nosso collabora-Guillermo de Torre, traz neste numero magnífi-cos trabalhos de Luiz Araújo Costa, R. Blanço Foinbona, Gonzalez Blanco, Guerra Junqueiro, Carlos Pereyra, A. Guillen.

CINEMA ESPOSAS INGÊNUAS — Há muitos mezes

que nflo viamos um bom film. Tivemos enfim es-se prazer com as "Esposas Ingênuas". Eric von Stroheinn é um homem de talento. E' artista, metteur en scène e dramaturgo. Como artista só merece elogios. Como metteur en scène é ex-traordinário apezar de não chegar ainda â altura

de certos mestres americanos. Come dramatur-go é um pouco fraco. O film pecca pelo enredo ou, melhor, pelo fim do enredo. Von Stroheim quiz fugir â banalidade e cahiu no inverosimel. Mas o interesse do enredo é sempre muito rela-tivo e Von Stroheim agradou-nos immensamen-te. Compoz o personagem do conde Karanziu, conquistador e cynico, com uma revoltante na-turalidade. Von Stroheim apezar de feio e des-presivel tem algo de D. Juan. Quem sabe o gar-bo militar, a desinvoltura, o próprio cynlsmo. Ha um pensamento que diz: para obter o amor das mulheres é preciso desprezal-as ou batel-as, segundo a classe social a que pertencem. Von Stroheim conhece esse pensamento e emprega-o. Mas sabe também usar do systema da doçura. Nenhuma lhe resiste sinão a idiota absurda e inútil da ultima parte.

Assim termina estupidamente esse D. Juan. jogado num esgoto. E' interessante observar-se também os dizeres bastantes orlginaes e synthe-ticos. Von Stroheim acabou com os palavrorlos fatlgantes que quebram a unidade da acçâo. Pa-lavras soltas, suggestôes simples. E' um passo a mais para a suppressâo dos dizeres. Um film que passou ha pouco por um cinema da capital, mostrou.nos já a inutilidade dos lettreiros. E* de esperar que as fabricas façam outras tentati-vas nesse sentido.

ÍNTERIM

LUZES & REFRACÇÕES

KLAXON recebe diariamente uma enorme quantidade de cartas anonymas. Injurias, ap-plausos. Felizmente KLAXON não conseguiu ainda ser apenas injuriado ou apenas applaudi-do. E é só por isso que ella ainda vive.

Mas. voltando ás cartas, não faz mais de 15 dias recebemos uma assignada por R. V. Esse se-nhor proclama-nos, com terrível orgulho, que o Parnasianismo, o Grande Parnasianismo morreu!

Cabe-nos, entretanto, o duro dever de desillu-dir o alegre missivista. Em primeiro logar, esse Grande Parnasianismo em verdade já é morto ha mais de trinta annos, o que somente serve para provar que elle nâo valia grande cousa, pois apenas agora a nossa gente (o sr. R. V.) começa a dar pela sua falta. Em segundo logar, o que mais nos assombra é o seguinte: o sr. R. V., ape-sar de descendente de Índios e espiritas, Ignora completamente a existência das almas do ou-tro mundo. Porque, si assim nâo fosse, elle nâo exultaria tanto, com tamanho espalhafacto, se, por exemplo, tivesse lido O GRANDE NUMERO

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DA CIGARRA EM COMMEMORAÇÂO DO CEN-TENÁRIO.

A morte do Parnasianismo é um facto, em-bora o Parnasianismo continue a ser um "fa-to", um bello fato que nôs já usamos muito tempo e que hoje demos para o nosso creado que o vae usando com orgulho.

Folheei uma dessas tardes um livro assignado por Vietor Orban. Sâo traduções francezas de versos brasileiros. Não sei se esse livro é encom-menda official. — Mas deve ser — O governo que procura diffundir as nossas lettras no ex-trangeiro merece todos os applaueos dos kla-xistas. O traductor que se incumbio dessa tris-te e ingrata tarefa também os merece. Mas é ne-cessário, para repouso da nossa consciência, que o critiquemos amargamente. Primeiramente pela escolha banalissíma que fez de poemas impes-soaes e até mesmo nullos de autores insignifican-tes em grande parte, segundamente pela maneira muito litteral que empregou para traduzll-os. Lit-teral por vezes., quando o não devia ser. E mui-to livre, escandalosamente livre quando também não o devia ser. Assim é que traduzindo o "Mal Secreto" interpretou estes últimos versos:

"cuja ventura única consiste em pa-recer aos outros venturosos!

por (citamos de memória) ceux dont 1'unique plalsir consiste á donner aux autres rilluslon du bonheur.

Apezar de não ser traductor, nem francez, acho que plalsir não quer dizer ventura e que "Cm pa-recei* aos outros venturosos" não significa dar a illusâo da felicidade a alguém. Essa idéa seria muito mais, Intelligivel assim exposta um fran-cez: "ceux dont le seul bonheur consiste á faire

semblant d'être heureux" Essa for-ma, quem sabe menos litteraria, é menos dúbia também. E o francez é uma lingua clara por ex-cellencla.

Conhecem um senhorzlnho magricela, murcho, torrado, com pince-nez e um bigodinho que pare-ee atirado por acaso em seu rostinho moreno? !

Pois esse extraordinário sfir, não sabemos co-mo (é melhor dizer assim...), conseguiu receber empreitadas de critica .literária para o Grande Orgam da Praça Antônio Prado e para a Revista do Brasil!

Maravilhoso o nosso paiz! Aquelle jornal tão rico e esta revista tão gorda não encontraram al-guém capaz de dar juízos sobre as nossas obras de arte, além daquelle verdadeiro bobo que diria-mos alegre si não fosse tão lamentavelmente ir-ritado.

Leia-se, para se fazer juízo de semelhante juiz, a seguinte de suas melhores producções:

— Mosaico —

Tenho no espirito um montão de ruínas Da encantada cidade dos amores E, por tanto* mosaicos multicôres, Muitos braços de esplendidas meninas.

p& arte antiga com todos os rigores, Eu lhes ajusto de uma a uma as quinas. E fazer-me-ei, si nas feições divinas, Toda, por mim, reconstituída fores.

Com a paciência peculiar aos chinas, Empregando meu ócio em taes labores, Entrevejo umas faces femininas...

Mas, não reconstituo os teus primores, Que, faltando resquícios entre as quinas, Faltam-te sempre os últimos lavores...

Que tal? Nem a machina poderosíssima de nos-sa grande fabrica, cujo annuncio sae na capa, se-ria capaz de triturar tanto uma idéa que não existe...

* * *

O ísr. Paul Arné não se contenta em ser o res-peitado critico theatral parisiense. Suas ambi-ções são um pouco mais excitadas. E é por is-so que elle ás vezes cuida de ser poeta e, o que é menos inoffensivo, de acreditar nos seus versos. Acabamos de lêr o seu ultimo trabalho "Les Voiles de Salame", um acto em verso re-centemente publicado.

Trata-se, nem mais nem menos, de uma no-va (ainda uma!)) interpretação do tão celebre (como custa repetir estfc adjectivô!) episódio bíblico que parecia já de vez embalsamado. por Wiíde. Paul Arné imagina os sete véos da prln-ceza como symbolisando os sete peccados. A conclusão a gente já advinha: quando ella dan-sa com os véos, dansa cheia de impureza e, de-poii què vê Ioakanaan, quer dansar de novo, mas completamente nua, isto -é, completamente pura..i

Como se vê, é uma interpretação mais ou me-nos engenhosa, talyez mesmo interessante, mas de todo incapaz de produzir a menor emoção esthetica. Nesta época tão movimentada, tão suggestiva, causa-nos verdadeiro assombro esse desprezo do sr. Paul Arné por tanta fonte de Inspiração, para preferir, mais uma vez, disse-car, autopsiar o pobre texto bíblico. Accresce que o sr. Arné ainda possue uma certa confian-ça nos alexandrinos e tão enthusiasmado fica no desenrolar da peça, que não percebe o ridí-culo destes versos que faz sair da bocca de He-rodes, quando Salomé insiste em pedir a cabeça do santo:

"Sors donc de devant moi, monstre d'impitié, De toutes tes horreurs, va, comble Ia mesure..."

Isso é absolutamente irritante neste anno de 1922. Hoje não se pôde admittir mais (si é que algum dia já se poude) oá homens-ruiminantes. Aquillo que a gente comeu deve ficar no estô-mago ou percorrer outras trajectorias descen-dentes. E* horrível mastigar e comer duas vezes a mesma cousa...

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DEZEMBRO DE 1922 JANEIRO DE 1923

k l a x on MENSARIO DE ARTE MODERNA

REDACÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: S. PAULO — Rua Direita, 33 Sala 5

ASSIGNATURAS - Anno 12$000 Numero avulso.— 1$000

REPRESENTAÇÃO: RIO DE JANEIRO — Sérgio Buarque de Hollanda

(Rua S. Salvador, 72-A.) RECIFE — Joaquim Inojosa (Jornal do Commercio)

FRANÇA — L. Charles Baudouin (Paris). SUISSA — Albert Ciana (Genebra Rampe de Ia Treille, 3). BÉLGICA — Roger Avermaete (Antuérpia —

Avenue d'Amèrique, n. 160) A Redacção não se responsabiliza pelas idéias de seus collaboradores. Todos os artigos devem ser assignados por extenso ou pelas iniciaes. E' permitti-do o pseudonymo, uma vez que fique registrada a identidade do autor, na redacção. Não se devolvem manugcriptos.

SUMMARIO íris Graça Aranha creador de enthusiasmo A Esthetica de Malazarte O Psychologo da raça Graça Aranha e a critica européa Assim elle compõe

. Mormaço Noel Poema abúlico Atmosfera Paz Universal Projectos A extraordinária historia da mulher

que ficou infinita La poésie moderne a-t-elle besoin

d'une nouvelle technique? Réviviscences CHRONICAS: LIVROS E REVISTAS CINEMA LUZES E REFRACÇÕES EXTRAS TEXTOS DE TARGILA AMARAL e VILLA-LOBOS.

Graça Aranha Ronald de Carvalho Renato Almeida Motta Filho Rubens de Moraes Luiz Annibal Falcão Guilherme de Almeida Serge Milliet Mario de Andrade Guillermo de Torre Carlos Alberto de Araújo Luiz Aranha

A. C. Couto de Barros

Nicolas Beauduin Charles Baudouin

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^ H

I1TS desejo da Terra: arvore!

Espiritualidade da Terra: arvorei

Elegância, força, doçura, fragilidade, eternidade. Fo-

lhas: adorno e sentimento. Galhos: de-fesa, amparo, agasalho, aspiração, ele-vação para o Infinito.

Postura da arvore: adoração perpe-tua, trágica immobil idade. Silencio. Campo deserto, arvore solitária. Mon-tanha espectral, arvore, phantasma al-lücinado.

Arvore e vento. Inútil gemido. In-fatigavel açoute.

Arvore e sol. Febril exaltação de aro-mas. Resinas. Quietação. Adormeci-mento da natureza na volúpia do per-fume.

Madrugada da arvore. Cantos de al-vorada. Clarins, flautas, zumbidos. Ale-gria, alegria. Fim de sombra.

Nocturno. Gargalhadas. Aves zombe-teiras. Rhetorica do pavor. O que a ar-vore vé á noite.

Suave humidade. Pérfida humldade.

Vida secreta. Pedras humldas. Limos, artistas subtls. Roseos troncos verdes. Céo humldo.

A arvore e a água. Perenne selva. A água mysterlosa que mora no intimo da arvore e a que mora nas ceilulas huma-nas. Integração.

Vida profunda. Intelllgencla buscan-do na Terra a vida.

Humanlzação. Arvores disciplinadas, dominadas. Revolta, violência. Vingan-ça. Venenos. Segredos dos vegetaes. So-lidariedade. Unidade verde.

Desterro da arvore. Saudade. Nostal-gia.

Culto. Religião. Melancolia. Amiza-de. Confidencia e consolo. Romantismo.

Velha arvore. Parasitas, cipós. En-feite, protecção. Velha arvore se des-faz em pó. Transfiguração universal. Alegria de renascer.

E o Homem, possesso da loucura do movimento, mata na Arvore o repouso e a eternidade.

Floresta das Paineiras, Outubro 1922 GRAÇA ARANHA.

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2 obra de Graça Aranha é feita a á imagem e semelhança do Brasil. Palpitam nella, desde aquelle primeiro grito de êx-tase ante a formosura do am-

biente natal, que foi Ghanaan, a exube-rância, a majestade, a energia da Terra

Anima-a o sopro soberano da Natu-reza, de que ella reproduz, ao mesmo tempo, os ímpetos e as doçuras, as sua-vidades e as magnificencias. Mergu-lham as suas raízes no próprio solo que os nossos maiores regaram com o suor das mãos e o sangue das veias.

Ella é tudo isso que nos cerca. O cheiro da floresta, o rumor da onda, a macieza do céo, a virgindade da luz. Vaga e montanha, herva rasteira e ar-vore folhuda, crepúsculo e madrugada, ella povssue os rythmos bárbaros do meio cósmico: a bruteza da pedra e o per-fume da flor, a riqueza mysteriosa dos carvões obscuros, o brilho solai* dos metaes e das pedrarias.

E' ouro, diamante, mármore, cristal! Tem camadas profundas, como o

chão em que assenta a planta dos nos-sos pés morenos.

Abre na superfície corollas e frondes, troncos e rebentos, reparte-se em fios d'agua, em volumosas torrentes, em ca-choeiras íngremes, em lagos espelha-dos.

Reflecte o sol, reluz nos incêndios do sol tropical!

Mas não se contenta com a belleza exterior, a innocente beleza dos olhos ingênuos. Desce e aprofunda-se no seio da Terra. Ao riso numeroso da su-perfície mistura a lagrima silenciosa do abysmo. No alto, o pedrouço bárbaro, a ramaria aromatica, os valles ondulan-tes. Em baixo, a estalactite subtil, a sel-va estratificada, a mina prodigiosa que se estende num labirintho, que se mul-tiplica em um meandro infinito de filões opimos. Ali, o júbilo do espectaculo universal. Aqui, o soffrimento, a luta das forças elementares do mundo invi-sivel.

Só os accentos do hymno ou do pean, só o tumulto das multidões modernas lhe offerecem um parallelo digno.

Graça Aranha é um creador de en-thusiasmo. Chammeja-lhe nos olhos a fulguração de Ariel, a dionysiaca ale-gria de Malazarte! A alegria de cons-truir, de edificar, de talhar no granito e na argilla, no bronze e no porphiro o munumento para a Eternidade.

A Alegria de dansar livremente sobre as Cousas, de imprimir na matéria ephe-mera a juventude perpetua do Espirito.

Toda a sua obra é um conselho para crear. E' uma voz que exige imperio-samente, uma voz que sempre repete: Crea, e serás perfeito. Tua felicidade está na harmonia que souberes arran-car do teu coração. Faze delle um ins-

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3 trumento capaz de traduzir a intensi-dade, a totalidade da Vida. Goza e cho-ra, soffre e sorri, que será divina a tua Realidade.

Toda a sua obra nos diz: Olha o teu paiz, olha a milagrosa fonte de energia que o Destino te concedeu. Vive o es-pectaculo único da Terra em que nas-ceste. Está nella tua finalidade. A tua finalidade é o enthusiasmo de viver, de viver perigosamente, de amar a immen-sidade maravilhosa da Vida.

A tua finalidade é a contemplação do espectaculo universal. E' a Arte!

"A arte é a tua libertação. Elimina o terror inicial e funde o teu ser no Todo Infinito. Esta é a tua suprema victoria. A tua pátria é movei e tu terás a ân-

sia de a fixar em tua creação transcen-dente .

"Sob a violência luminosa do meu céO; eu te suscitarei idéas fortes e ou-sadas. Possne intimamente as cousas sobre que o teu espirito paira. São os dons da Terra que é tua.

"Corre o risco da morte, que é o prê-mio da vida. Na alegria interior goza o eterno espectaculo. Sê insaciável de belleza, de poder, de alegria, e faze da tua Nação uma imperecivel obra de Arte!"

Graça Aranha, poeta épico da Raça, Greador de Enthusiasmo!

Bravo !

RONALD DE CARVALHO

A estética de Malazarte ALAZARTE é a tortura m violenta da imaginação

insaciável e inquieta, translúcida ou opprimi-da, girando em torno da

realidade que a atormenta e se esforça por decifrar. E' um conflieto perma-nente e fatal, em que a fantasia precisa dominar a contigencia e procura ven-cel-a pelo delírio, pela illusão, pela mentira da vida. Sem poder engrande-cel-a, com o sentimento divino ou a conciencia do universo, o seu esforço está em superar as coisas efêmeras e passageiras por uma idealidade falsa, transfigurando as apparencias em forças

vitoriosas e sublimes. A magia é um deslumbramento e o espirito insatis-feito e audaz, fugindo á equação das rea-lidades, se lança em busca da visão ma-ravilhosa. Oh! o desengano. mas o deseng-ino é ainda o excesso da imagi-ginaçlc, a espuma que transborda do cálice para se desfazer em bolhas de ar. Ucp a queda, a dissolução «Io sonho, a separa ç;l o, a dôr-

Graça Aranha arrancou do fundo da nossa alma popular a figura de Mala-zarte — esse demônio subtil como Me-phistopheles, menos universitário e mais desabusado —- e criou o symbolo da imaginação, em que justifica a unidade

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4 pantheistica do Universo, no esboço da philosophia da "Esthetica da Vida" A imaginação ardente perturba a existên-cia humana e a transvia da unidade uni-versal, a que tende pelo amor, para pre-cipital-a na tragédia da separação, que procura a morte libertadora.

Malazarte é a Natureza, fonte de illu-sões e enganos, porque a própria côr é uma mentira da luz. Malazarte é so-nho e ânsia. Em seus olhos fusilam re-flexos verdes de desejos, na sua bocca ha promessas deslumbrantes e capito-sas, seu segredo é uma maravilha fas-cinante. O esplendor de todas as coisas!

A historia do urubu falador, que des-cobria thesoiros occultos, até dinheiro em moedas de ouro, revela o caracter de Malazarte — a mentira como solu-ção commoda e trapaceira da vida. Mas a mentira de Malazarte não vingaria sem a ambição dos credores, o que mos-tra no desejo a primeira deformação da realidade. Ai dos que querem! terão sempre no alcançado o desengano da cubiça. Malazarte completa os que nelle crêm. Seduzindo ou ludibriando, o ex-tranho demônio se funde com a victi-ma para perdel-a irremediavelmente. Desperta esse mysterioso residuo das sensações, para exaltar o espirito numa magia perturbadora e allucinante, onde não ha repouso, mas decepção por fim.

Disse que Malazarte é a Natureza, por-que nelle encontramos o permanente engano e a lei de sua constância se es-quiva na múltipla e ruidosa variedade das fôrmas passageiras. Malazarte é a

Natureza do Brasil, sobretudo, fremente e viva, numa grandeza estonteante, su-btil e malévola, agasalhando e ferindo, extasiando e maltratando. A miragem que desperta criou em nós um povo de exaltados e imaginosos, de idealismo violento mas nostálgico, que procura en-ganar-se com as coisas, quando é custo-so dominal-as.

Malazarte é ainda um symbolo phi-losophico. A imaginação como força dissociativa na personalidade, afastan-do-a do Todo Infinito, em que Graça Aranha sente a solução universal. 0 seu alto engenho vê a imaginação como uma enorme gyrandola, que esclarece o céo com mil reflexos multicôres, mas o deixa embaciado depois por nuvens de espesso fumo. Estas seriam a se-paração, que é o terror, a angustia su-prema da criatura, que só pelo amor, pela arte e pela philosophia se ha-de libertar, integrando o sêr na totalidade divina. A tragédia de Malazarte é a separação. Tudo é separação e dôr são as palavras derradeiras de Eduardo, depois que Dyonisia fugiu com Mala-zarte em busca do Palácio de CoraL Dyonisia presentiu que o sonho é bello e mata. Mas o sonho é bello e a Natu-reza a vida eterna. E, nessa fusão symbolica da Natureza com o elemen-to espiritual da fantasia, Malazarte sur-ge como o demônio insaciável do de-sejo, da aspiração, do sonho.

Oh! o Palácio de Coral scintillando na luz.

RENATO ALMEIDA

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5 O psychologo da raça nO desenvolvimento lógico (pie

segue a literatura nacional, firmando-se, personalisan-do-se, com múltiplas cor-rentes, com múltiplas in-

fluencias, vieram aos poucos surgindo os verdadeiros interpretes do sentimen-to nacional, os escriptores genuinamen-te da terra e da raça.

Assim é que só depois do Roman-tismo se verificam as tentativas mais fortes, mais intemeratas e mais ouzadas. Gonçalves Dias, poeta fidalgo, poeta pintor, lirico robusto canta a sua terra com grande força emotiva e dedilha com uma correcteza clássica, portuguezissi-ma "As sextilhas de Sto. Antão" Alen-car apega-se ao lirismo de Chanteau-briand — para compor "Iracema", li-vro deveras interessante, mas onde tre-me o vacilla o cunho próprio, o cunho nacional.

A literatura mostra-se nessa lucta, onde se percebe a alma da terra gritan-do, implorando por um artista que a cante, que a compreenda. Mostra ainda mais a inquietação turturante do ho-mem que não se apaziguou com a natu-reza, do homem que vive afastado delia como seu inimigo. A civilisação, como "uma violência imposta á Natureza", veio, entre nós, nos arroubos da con-quista, de um modo único, illogico, pa-radoxal.

E assim o homem para vencer a terra, para apasiguar-se com ella, tinha de lu-ctar comsigo próprio, victima de um fa-talismo histórico que se tornou um fa-talismo ethnico, no baralhamento incon-sciente de três raças diversas.

A terra gigantesca, barbara, uberrima engulia a diminuta população, traga-

va-a. E, para reagir contra essa perspe-ctiva que Le Bon, sábio tartüfo, de eru-dição suspeita, pregava como signal da morte do paiz e que Bagheot, sábio mais sensato, pedia que todos a meditassem, houve uma guerra surda, titanica, bru-tal da qual sahiram vencedor o homem e a raça. Do baralhamento inconsciente sahia um todo consciente, pensando do mesmo modo, sentindo do mesmo modo. aspirando do mesmo modo. E a alma creada já não era mais a alma do ho-mem, nem tão pouco a alma da terra.

Era alma única, a alma da terra e do homem, a alma brasileira.

A alma cidadina. a alma supérflua dos centros de civilisação, a alma cara-cterística da sociedade brasileira. a tona, a pelle da grande alma nacional, a alma supérflua da alma, encontrou em Machado de Assim o seu psychologo.

O romantismo findará no exaggero egocêntrico, no pieguismo exaltado da imaginação. Machado de Asis via, sen-tia, compreendia e criticava o seu meio, a vida de sua vida e as "viagens em volta de sua alma" eram viagens em volta da alma de uma sociedade.

Machado de Assis, era o Sterne brasileiro, o France brasileiro que, com um sorriso e com um "hu-mour" imcomparavel, tirava a "maquia lage" ridícula da sociedade enfa-r tuada do Rio de Janeiro, que é a do paiz todo.

A terra bronca e selvagem, impo-nente nos seus quadros naturaes, sem-pre novos, na proteica manifestação da Natureza, pediu para si o gênio impres-sionista de Euclydes da Cunha. "Os ser-tões" é a epopéa da terra. Nelle vis-lumbra-se, atravez das pinCelladas vio-

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6 lentas, a lucta do homem bronco, com a terra bronca: — o sertanejo contra o sertão; é a lucta da civilisação con-tra o barbarismo nativo.

Assim, Euclydes da Cunha mostra a formação da grande alma, da alma em lucta, da alma inconsciente e violenta. O seu livro é um retrato, o retrato feito por Monet.

A alma brasileira projectava-se en-tão mais serena, mais harmoniosa, mais profunda. Machado de Assis, cheio de sarcasmo, exprimia ape-nas um modo do nosso sentir. Machado de Assis ria-se da camada civilisante. Euclydes da Cunha era o "outro modo", era o sentir áspero e brutal do sertão desconhecido; era o cerne da raça que se transplantava para dentro de um es-tudo cyclopico.

Era preciso um artista, mas um ar-tista pensador, um artista philosopho que sentisse, compreendesse e tivesse a força potencial de exprimir toda a as-piração, todo o ideal, todo o sonho bra-sileiro; era preciso um artista que cons-truhisse num bloco harmonioso e único, a força creadora da raça.

Esse artista encontrei-o nas paginas do "Chanaan". E' o psychologo da raça. Graça Aranha!

O valor literário e artístico de Graça Aranha é de sobejo conhecido. "Cha-naan" é uma celebridade. Quero, en-tretanto, fazer resaltar esta qualidade primordial de Graça Aranha: -- Foi elle quem, com mais arte, maior senso phy-losophico, maior vigor estylistico, con-seguiu exprimir, como é nas suas va-riadas manifestações — a alma brasi-leira.

"Chanaan" é um desabafo de alma. de uma grande alma, da alma de um povo. E' grito da dôr brasileira; é a turtura do seu gênio; é o sonho de sua poesia.

0 paiz enorme, de uma riqueza fan-tástica, mostra, por Graça Aranha, em certo fatalismo, em todas as coisas, a integração do homem com a Natureza, para a harmonia esthetica da vida.

"Chanaan" é o livro intimo, o ca-derno de desabafo, os versos interiores da alma brasileira. Ha qualquer coisa de indiano, ha qualquer coisa do mys-ticismó trágico dos "Ulpanishads", que vem do seio da nossa terra, da mons-truosidade das nossas paisagens; e ha também um lirismo deslumbrante, um lirismo superior que vem, atravez dos séculos, do "Latio"

Graça Aranha é o domínio superior da latinidade; é o continuador artístico de uma civilisação. "Son art est Ia fleur d'une expérience et Ia quintessen-ce d'une race", diz Gamille Monclair, prefaciando "Malazarte"

Graça Aranha, revela uma unidade; surpreendente em todas as suas obras, em todos os seus conceitos. Jovem ainda prefaciando o livro de Faustb Cardoso, diz o que diz hoje, na força maior de sua vida, da vida sentida e luetada.

A philosophia de Graça Aranha é a philosophia brasileira, porque mostra, paradoxalmente, grande elevação espi-ritualista, sonhadora e conclusões mu-nisticas, materialistas, fataes. Graça Aranha vê a fatalidade da vida no tur-bilhão cósmico, vê como um Leibnitz e depois a transformar e, como ura Nitsz-che, pede que se transforme todas as sensações em sensações d'arte. O autor de "Chanaan" vê sempre que "a tra-gédia fundamental da existência está nas relações do espirito humano com o Universo"

Essa generalidade é, entretanto, uma formula da alma da raça, da alma bra-sileira.

Só agora é que tive a feliz opportuni-dade de ler "Malazarte", engenhosa peça em três actos, onde numa elevação ibsenniana se abre toda a psychologia

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7 da raça. Aquelle final é terrível, é deso-lante. O indivíduo separado da Natu-reza, por incapacidade de transformar as sensações em sensações estheticas: — "Tout est séparation et douleur"! E porque? Porque "a inquietação é o fardo da vida do espirito. Nascido de um sonho de navegantes, o Brasil ficou para sempre enfeitiçado pela miragem"

Do "Chanaan", de "Malazarte", da "Esthetica da Vida", pode-se tirar esta conclusão veridica que elle, Graça Ara-nha tirou num bello artigo sobre "As raizes do idealismo — "Faminto, tor-turado, esmagado sob a tyrannia, lá vae o Brasileiro, caminhando extatico den-tro da luz, escravo da miragem, mystico do idealismo. . "

Graça Aranha conhece, desse modo, todos os nossos segredos, todas as nossas afflições, todas as nossas ttfrturas e a porção de idealismo que nos guia.

Taine explicou a incomparavel fi-gura de La Fontaine, estudando a terra e o meio em que elle viveu. Erro das pretenções scientificas do sapientissimo século desenove! O terrível La. Fon-taine sahiu assim, porque veiu ao mun-do nas regiões ricas da Ghampagne, onde "Ia suavité rempli toute Ia plai-ne" . em 1621!

Ora, a suavidade do clima de Gha-teau Thierry !

Gomo explicar Graça Aranha, sahido do Maranhão, vivendo depois na diplo-macia, longe de terra?!

Isso não importa a mim. Importa-me a realidade que constato; importa-me verificar o que ha, de facto, para a gloria nossa: — o grande psychologo da raça.

MOTTA FILHO

Graça-Aranha e a crítica européa francez — "aquelle senhor condeco-

Orado sentado ali naquella rneza de restaurante e que está pedindo mais pão ao garçon e que não sabe geo-graphia" — ignorou durante muito tempo as litteraturas estrangeiras.

Quando Louis XIV pediu ao conde de Cominges—embaixador de França em Londres — Informações sobre os grandes homens in-glezes, Cominges só soube citar um tal Milto-nius célebre pelo «eu fanatismo politico. Foi BÓ, muito mais tarde, em pleno século XVIII, que a França descobriu a Inglaterra intellectual. Mais tarde, por causa do romantismo, a Fran-ça ficou conhecendo a Allemanha e, se não fosso o visconde de Vogue e Th. de Wysewa, talvez os franoezes iginorassem Tourgenieff, Tolstoi e Dostoiewsky, durante mais uns vinte annos. Haveria um estudo interessantíssimo a escrever sobre a litteratura estrangeira em França.

Felizmente, hoje o francez já começa a mos-trar um interesse maior pela litteratura exóti-ca, como elles dizem. São raras as revistais que

não trazem sua chronica estrangeira. Os edito-res lançam todos os dias traducções de livros estrangeiros. A Framça, enfim, descobrio a existência da« outras litteraturas contemporâ-neas. O francez, como todo poovo super-civili-zado, procura sempre e antes de tudo a sensa-ção nova. Quando Lugné-Poe "lançou" Ibsen em Paris, antes de acceitar o gênio, o publico gostou da sensação nova, "étrange" do dra-maturgo nortista. A consagração velo mais tarde.

Nós brasileiros éramos, até pouco tempo, de todos os povos o mais desconhecido em Fran-ça. Geograficamente, não se sabia bem se o Brasil, era uma província argentina perto de Bueno-Ayres ou uma republica da America Central: o Brasil ficava "lá bas". Quanto á nossa litteratura, era um desastre. Se ms bra-sileiro affirmasse que havia uma litteratura brasileira o francez, sempre educado, sorria. Ora, o sorriso, em litteratura é terr ível . . .

E' verdade que Machado de Assis foi tradu-zido, ha annos, mas, sejamos francos: o gran-de publico não o conhece. Apenas certos espi-

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8 ritos universaes, como Anatole France, certos "tourisítes" como Paul Adam e Clemenceau, certos especialistas, como Ph. Lebesgue e V. Orban, lera'm e apreciam o maior gênio da nos-sa litteratura. Esi^e mal nasceu com o absoluto regionalismo da nossa litteratura. Monteiro Lo-bato não foi o creador do regionalismo, pela simples razão de que nossa litteratura sempre foi regional, com uma excepção —• Graça Ara-nha. O suceesso de Chanaan e Malazarte, na Europa, prova perfeitamente o que escrevo.

Joaquim Nabuco, uma das mais bellas íntel-ligencias que tivemos, profundo conhecedor da mentalidade européa, comprehendeu a impor-tância, para nós brasileiros, da publicação de "Chanaan" e escreveu ao Garnier, felicitan-do-o por têr revelado Graça Aranha. Em 8 de outubro de 1904, Nabuco escreve a Machado de Assi3 para manifestar sua "certeza que d'o-ra em deante, elle, Graça Aranha, é quem mais pode fazer pelo brilho e nome das nossas let-tras."

Nabuco viu tudo quanto Chanaan nos trazia de novo e de universal. Com uma perspicácia admirável, elle soube vêr toda a philosophia, a "inteiligencia infinita" a inspiração que ha em Chanaan, como em Goethe e Shelley. Nabu-co, espirito universal, comprehendeu tudo isso e quando afíirmou que seria elle quem mais poderia fazer pelo brilho das nossas lettras já prévia a repercusâo no estrangeiro.

Em 1910, apareceu em França Chanaan. O conde Prozor, o admirável traduetor de Ibsen, critico profundo, uma das personalidades mais em vista no mundo das lettras parisienses, prefaciando o livro, soube mostrar ao publico francez toda a alta significação e o profundo valor duma das obras niais notáveis da nossa litteratura. Vamos vêr agora qual foi a opinião da critica franceza, geralmente cão cheia de re-ticências e fria com as obras alienígenas. Co-mecemos com um italiano, Gl. Ferrero, univer-salmente conhecido. Ferrero escreve no "Fi-garo", celebre pela sua critica littéraria, duas longas columnas. Como historiador, sociólogo e pensador, Ferrero soube apontar o alto valor philosophico e social do romance. Chanaan, diz elle, não têm só um valor litterario, mas uma alta significação philosophica.

Paul Adam, — que só hoje depois da sua morte è que foi reconhecido pela França como uma das personalidades mais fortes que ella teve, — e que os brasileiros lêm porque escre-veu um pessiano livro sobre nossas physiono-mias, "Visages du Brésil", consagra a Chanaan at? suas duas columnas na "Vie litteraire" do "Temps". Nesse longo artigo, Paul Adam estu-da minuciosamente o livro e considera-o uma das obras primas da litteratura moderna. Ed-mo.nd Jaloux, o célebre romancista francez, na

"Revue de Paris", estuda Chanaan e acha pa-ra resumil-o esta phrase admiravelmente jus-ta : "ha em Chanaan uma symphonia e um poema."

No "Monde Nouveau", André Toledano, analy-sando a litteratura brasileira, diz: "Chanaan marque une date dana 1'histoire de* lettres bresiliennes, Ia date Ia plus importante cana doute... Avant Chanaan, les romanciera brésl-liens avaient sú décrire avec talent les moeurs et les paysages de leur terre, et leurs oeuvres offraient au lecteur europeen un reel interêt d'e-xotisme pittoresque; avec Graça Aranha, le ro-man brésilien «'élève a dessus d'un particula-risme purement descrlptif pour aborder en toute hardiesse un problème philosophique et social qui, par ses données mentes, bien que restant três brésilien, dépasse le champ assez restreint de 1'ho-rizon national: celui de Ia transformation d'une nation sous 1'influence de 1'emigration étrangère et surtout allemande, ou, comme le àH 1'auteur lui même, "Ia tragédie qui se passe dana l'ftme d'un peuple quand il sent quMl ne se dédoublera plus jusqu'à 1'infini"; car & 1'heure même ou Ia nationalité brésilienne prenait conscience d'elle< même, elle a senti toute Ia douleur de se voir condamnée à disparaítfe."

Pouco depois da consagração definitiva de Chanaan, em França, apparecia na Inglaterra a traducção ingleza do grande romance, prefaciado desta vez por Gl. Ferrero e trazendo na capa a phrase de Anatole France: The great american novel.

O suceesso foi igual ao que o romance teve em França. Em ambos os paizes, a critica soube vêr e apreciar a dualidade de Chanaan: a littéraria, a philosophica-social. Com esse êxito, Graça Aranha passou para as fileiras dos escriptove», cujas obras não são lidas por um povo só, mas por toda a intellectualidade universal, por "tout ce qui pense et lit."

Foi em 1911 que se representou em Paris, no Theatre de POeuvre, Malazarte. E' bom lem-brar aqui o papel importante que l"Oeuvre" re-presentava nessa epocha, na historia do drama em França. Foi desse theatro que sahiram as obras mais fortes, mais características e que mais influenciaram o theatro francez. Foi l'"Oeuvre" que fez conhecer ao publico o grande Ibsen. Ha-veria uma historia a escrever sobre os theatros de Paris, nestes últimos trinta annos. Nessa histo-ria, l'"Oeuvre", le "theatre Antoine", le "Vieux Colombier" teriam os logares mais .interessantes e mais salientes. O papel de Malazarte, papel cul-minante, foi desempenhado por um dos melho-res actores que a França teve nestes últimos tem-pos: de Max, da Oomêdie française, o admirável

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9 successor de Mounet-Sully. Os outros foram en-tregues a Sephora Mossé e a Greta Prozor, a ex-traordinária interprete de Ibsen, uma das poueas mulheres gênios que eú vi até hoje.

Malazarte foi discutido e em parte incompre-hendido pelo "grande publico" Lendo-se o dra-ma, entende-se perfeitamente que essa aglomera-ção denominada pelos especialistas de "publico", essa reunião de senhores gordos e calvos das ga-lerias que escolhem o theatro como o melhor lo-gar para fazer, bem sentados, laboriosa diges-tão, não tivesse sentido Malzarte. Malzarte é um drama philosophico, para a elite. Essa elite composta, de homens como Prozor, H. de Re-gnier, Adolphe Brisson, Boutroux, Pierre Mille, Gelouoteff e outros, acceitou desde a primeira re-presentação, o grande drama.

A verdadeira critica de Malzarte appareccu de-pois da publicação do drama em volume prefa-ciado pelo maior critico francez contemporâneo, Camille Mauclair.

Henrl de Regnier faz no folhetim do "Journal des débats" uma longa analyse de Malzarte, ex-plicando o symbolismo da peça. Camille Bruno, na Revue de PAmerique latine, fallando do sym-bolismo no Brasil, á pròpostío de Malzarte, diz: "uns dos seus melhores escriptores acaba de obrigar (o Brasil) a acceitâr o symbolismo (dra-mático) pela magia de um canto dialogado, bri-lhante e louco como uma comedia de Shakes-peare, fantazista e "tendre" como um provérbio de Musset, pensativo e triste como um drama de Maeterlinck"

Lugné Poe no "Eclair" diz: De cette pièce, orí-ÍC inale par son sujet et par Ia façon dont elle est traitée, se dégage un três beau talent, La piéce reallsée d'une façon êtonnante pos&éde un char-me partlculier par les legendes qu'elle rappelle, 1'eloquence dont elle est remplie et Ia sincérité, Ia foi qui ne cessent de l'animer."

O "New-York Herald" diz: "Le theatre de l'Oeu-vre a donné 1'occasion aux parisiens d'applau-dir une des pièces les plus caracteristiques du bri-Ihant génie de Graça Aranha. Mais conrme pour toutes les oeuvres ou Ia perfection litteraire le dispute à Ia puissance de Ia pensée il est agréa» ble de lire Ia pièce qu'on a vue représenter pour Ia soumettre au second jugement, le meilleur, cehii qui est soustrait à 1'ambiance particultére du spectacle." Segue uma longa analyse do dra-ma e o auctor do artigo termina nestes termos: "1'abondance, Ja puissante poesie de cette oeuvre symbolique donnera à ceux même que ne parti-cipent pas à cette pensée, et qui croient que Ia joie inconsciente est sans valeur, le plaisir de suivre, par les images «éduisantes, une pensée claire dans son plein développement dramatique. Les repliques semblent les clefs d'or dHnnombra-bles revêries. Malazarte est une féerie aux mui-

tiples enchantements. Conune le áh M. Camille Mauclair dans «a préface "c'est Ia fleur d'une expérience et Ia qirintesence d'une race."

Francisco de Miomandre, o grande escriptor francez, no "Excelsior" escreve um longo artigo sobre a personalidade de Graça Aranha e sua obra, saUentando a belleza poética de "Malzar-te" e J. Charpent er adianta: je ne saurais dire à quel point 1'admirable Malzarte m'a interesse et c'est três sincerement que je le considere comme un chef-d'oeuvre.

Depois de "Malazarte" Graça Aranha escreveu a "Esthetka da Vida", onde o grande pensador reuniu toda a sua philosophia e que apareceu no Brasil em 1921. "A parte philosophica desse li-vro", amnuncia o New-York Herald, edição pari-siense, de 14 de julho de 1921, "será publicada na "Revista de Paris", a parte metaphysica do Brasil na "Revista de Genebra", e a parte cri-tica final no "Monde Nouveau".

Além de todas essas criticas recebeu Graça Aranha uma manifestação que a intellectualida-de franceza só reserva aos grandes homens das lettras estrangeiras: foi recebido no grande am-phyrheatro da Sorbonne, perante uma assistên-cia de mais de trez mil pessoas. Graça Aranha não foi recebido em Sorbonne como diplomata amigo da França, mas sim como litterato. Sau-dou-o Ed. Rostand, em prosa, e não em versos, como costumava fazer, com a verve que lhe trou-xe tantos admiradores e bastante dinheiro.

Bergson, felicitando Graça Aranha, a propósi-to de sua commenda da Legião de Honra, diz: "jamais distinction ne fut mieux méritée, ella va au représentant par excellence de Ia pensée brésilienne dont j'aprécie pour ma part haute-ment le talent et les travaux."

Como se vê, por este breve apanhado da criti-ca européa, sobre a obra de Graça Aranha, o grande pensador brasileiro sabia, rompendo a triste norma de nossos escriptores, fora do nosso horizonte para brilhar em outros paizes. Graça Aranha foi o primeiro escriptor brasileiro que nos1 trouxe, enriquecendo-nos, o pensamento, a philosophia, a ânsia metaphysica no romance. Elle nos livrou enfim dos eternos themas regio-naes, estreitos e vazios como a moringa nacional. A litteratura brasileira checou a um ponto em que ella não pôde mais continuar a cantar lyri-camente como o sabiá e descrever com exclama-ções e reticências. Nesta terra onde toda gente canta em versos as nossas palmeiras, é preciso pensar ura pouco, porque todas as litteraturas verdadeiramente grandes foram construídas pe-los pensadores profundos.

RUBENS DE MORAES

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10 Assim Elle compõe

O esculptor Jean Magrou acha

que elle tem um perfil de Cé-sar romano.

Mas nos seus olhos revoam os sonhos millenarios do Celta.

Pariz. Fevereiro. Semi-luz de desanimo. Cinzas do céu

sobre as cinzas de Pariz. Ha cinzas também no ar. E o coração se aperta e o espirito fraqueia, esmorecido.

Sentados, frente a frente, elle lê. — O ultimo capitulo escripto. — O Amor.

Um sopro brando, bem brando, mas possante, imperioso, omnipotente, vin-do do mysterio de nós mesmos, — uma doce violência. Uma tristíssima ale-gria. Um tormento aniquilante, — (e tão bom), que queima, torce, fere, dila-cera, — e acaricia. Súbitas rajadas de esperança, em que o céu se rasga, mos-trando a luz eterna. Um temor do creança, um orgulho de victoria, uma indizivel expansão emocional, — dis-solução de morte e incêndio de vida. Prazer e tortura. O Amor!

Corre-me um calafrio, e quando nos olhamos, vemo-nos atravez um vidro fosco de lagrymas.

Maio. A luz, poeira resplandescente, inten-

sifica as vibrações das cores. E tudo tem vida.

Na janella, enquadram-se, lá em baixo, uma perspectiva do Louvre, as Tulerias geométricas e o Sena.

Quando entrei, elle estava bebendo á

saccada a maré primaveril sobre as pe-dras illustres.

E não falamos. A luz derrama-se, espraia-se, canta,

— soberana. (Elle anda para lá, para cá.)

— Quer escrever? — Eu dicto. "A fremente energia que faz e refaz

o mundo. " A voz bateu-me aqui. Meu sangue

galopa. O peito se me dilata e elevo-me todo. Agora vejo tudo melhor. . E vou além, além, nas azas delle. Elle fala. — Ou canta? — Já deixei a terra e lá de cima como tudo é bello iJ. grande e harmonioso!

Arrebata-me o rythmo eterno. Eu mesmo sou rythmo

Eu? — Que é o eu? — Não ha mais eu.

(Escrevo machinalmente.) Um oceano me leva, em que me

afundo, me perco, me dissolvo. Suble-va-me uma emoção infinita, extatica.

A voz parou. E fica como um despertar de chlo-

roformio, em que tudo é vaporoso, in-certo, immenso e impalpavel. Um res-to de vertigem.

O sol entra e ri na sala silenciosa. *

O verão já se annuncia pelas trom-betas do sol. O volume está quasi prom-pto.

Já nasceu, tomou forma e poliu-se a obra philosophica. Mas qual será a sua applicação na nossa terra?

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11 De longe, de tão longe, vem a visão

do mundo brasileiro. E o seu esplen-dor formal, resplandescente da luz vi-ctoriosa, além dos mares, impõe-se e impera, — e lhe segue a saudade. Alli se conjugam as forças de uma grande nação.

Fundem-se o optimismo innato no destino da raça, a magia do espectaculo grandioso, o poder synthetico do seu pensamento. E o Brasil, sua natureza e sua gente incorporam-se á obra.

— Este livro já não é de hoje. E' de amanhã. Os velhos não o comprehen-

derão de todo, seguramente \ — mas que importam os velhos? São os jovens que elle alveja, a elles se dirige como um grito do Futuro.

De lá, da Cidade já exhausta de tan-tas glorias, o Mestre procura ouvir ba-ter o coração do Brasil vindouro e pal-pitar a sua anciã de pensar. De longe, de tão longe.

— Assim nascia a ESTHETICA DA VIDA.

Rio, Novembro de 1922. LUIZ ANNIBAL FALCÃO

MORMAÇO (Para GRAÇA ARANHA)

alor. E as ventarolas das palmeiras, e e os leques das bananeiras abanam devagar, inutilmente, na luz perpendicular.

Todas as cousas são mais reaes, são mais humanas: não ha borboletas azues nem rolas lyricas Apenas as tatouranas escorrem, quasi liquidas, na relva que estala como um esmalte; e, longe, uma ultima romântica — uma araponga metallica — bate o bico de bronze na atmosphera tympanica.

GUILHERME DE ALMEIDA

li I a V O II

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13 HO BL

Pour GRAÇA ARANHA ^ out seul

f Et le Seigneur rxt né • * en ce jour de paix et de douceur

Le Seigneur est né à Ia vie et ie renais à Ia soujfrance

presque sereine Ia soujfrance múrie

au soleil de mes déboires

Noêl! J'ai aussi ma vache et mon âne ma bourse vide et ma solitude liahl rions en choeur voulezvous? I/écho fera le choeur et moi le soliste au centre de mes quatre murs Et je rirai si fort et si longtemps que Von croiru vraiment à ma gaite

Noêl ! Jje Seigneur est né en ce jour de paix et de douceur...

O pays de Judée oú nacquit le Sauveur (qui, entre nous, ne sauva personne!), Vagneau sans tache, le faiseur de miracles (un faiseurl-, le poete au verbe facile); ô pays de Judée dans Ia nuit des róis mages! Je févoque, ô pays de Salomé et de Saint Jean Baptiste! Et j'irdis volontiers vers toi comme les róis badauãs si favais une bonne étoile. Mais je n'en ai qu'une bien maigre et bien triste. Cest une étoile de café-concert...

Tout seul Et tous les abandons J,écrirais volontiers une tragédie avec un cinqUième acte bien rempli de suicides et de trahisons

oranons pamoisons et beaucoup d'auPres réflexions..

Shéhérazade! Olympia! Les dieux sont morts, ils ne pcuvent plus avoir soif... Moi seul ai soif... soif de bonheur, d'argent, d'amour, et plus encore,

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13 une grande soif, une immense soif, soif... soif.. soif de quoit Je n'en sais rien. J'ai soif! Ualcool tuel Songeons àVavenir de Ia race...

Jesus a dit Laissez venir à moi les petits enfants Mais Seigneur il y a en moi un petit enfant les poetes sont des enfants ils jouent avec des mots ils jouent avec des images ils jouent avec leur coeur aussi un joujou de riche... Pourquoi donc n'en voulez-vous pas de ces enfants-làf Je sais bien hélas que vous n'êtes pas uiv asyle pour enfants trouvés...

Que d?'amertume! Amère, amçre, plus encore qu'un amer-picon quand il n'y a pas de diner au bout, cette fareei Et tout est force! La vie, 1'âme, "les senti-ments"... Je mens J'ignore tant de choses! Je ne sais pas. Je ne connais qu'un paysage, là-bas, tout blanc, tout frais, ou il y a des arbres de Noel, et des rires clairs de femmes en jerseys, et des maisonnettes pacifiques, et une gare toute petite, si petite qu'elle n'a pas Ia force dlarrêtcr tous les trains, et un labeau de joie dorée pendu à une fenêtre comme un drapeau... Je ne

connais qu'un paysage mais beaucoup d'autres paysages me connaissent parce que je les ai croisés en passant...

Noêl ! Jesus est né I

Serge MILLIET

JPoema Jlbulico A GRAÇA ARANHA

Imobilidade aos solavancos. Mário, paga os 200 réis!

Ondas de automóveis árvores jardins.

As maretas das calçadas vêm brincar a meus pés. E os vagaihões dos edifícios ao largo. Viajo no sulco das ondas

ondulantemente.

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11 Sinto-me entre mim e a Terra exterior.

TERRA SUBCONSCIENTE DE NINGUÉM Mas não passa ano sem guerra!

Nem mês sem revoluções! Os jornaleiros fascistas invadem o bonde, impondo-me a leitura dos Jornais.

Mussollni falou. Os delegados internacionais chegaram a Lausane.

Ironias involuntárias!

Esta mulher terá sorrisos talvez. Pouca atracção das mulheres sérias! Sei duma criança que é um Politeama de convites, de atra-

cções.

As brisas colorem-me os lábios com as rosas do Anhangabaú. Sol pálido chauffeur japonês atarracado como um boxista.

Luz e força! Light & Power

Eu sou o poeta das viagens de bonde! Explorador em busca de aventuras urbanas! Cendrars viajou o universo vendo a dansa das paisagens. Viagei em todos os bondes de Paulicéa! Mas em vez da dansa das paisagens, contei uma por uma todas rosas paulistanas e penetrei o segredo das casas baixas!

Oh! quartos de dormir!. Oh! alcovas escuras e saias brancas de morim!. Conheço todos os enfeites das salas de visitas! Al mofadas do gato preto; lustres floridos em papel de seda. Tenho a erudição das toalhas crespas de crochê, sobre o mármore das mesinhas e no recôsto dos sofás! Sei de cór milhares de litografias e oliogravuras! Desdémona dorme muito branca

Otelo, de joelhos, junto ao leito, põe a mão no coração. Have you pray'd to-night, Desdémona?

klax on

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15 E os bibelos gêmeos sobre os pianos! A moça está de azul Ele de cor de rosa. Valsas lánguidas de minha meninice!

Em seguida: Invasão dos Estados Unidos. 8hlmmyficação universal! O fox-trott é a verdadeira música! Mas Liszt ainda atrai paladares burgueses.

Polônias interminavelmente escravizadas! Paderewski desiiudiu-se do patriotismo e voltou

aos aplausos internacionais. Como D'Annunzio. Como Clemenceau.

Os homens que foram reis hão de sempre a-cabar fazendo conferências?!. Mas para mim os mais infelizes do mundo são os que nascem duvidando si são turcos ou gregos.

franceses ou alemães? Nem se sabe a quem perten-

ce a ilha de Martim Garcia!. HISTORIA UNIVERSAL EM PEQUENAS SENSAÇÕES

Terras-de-Ninguem!. . .como as mulheres no regime bolshevista.

No entanto meus braços com desejo de peso de corpos. Um torso grácil, ágil, musculoso. Um torso moreno, brasil. Exalação de seios ardentes. Nuca roliça, rorada de suor Uns lábios uns lábios preguiçosos esquecidos n'um beijo de amor. Creplto. E uma febre. Meus braços te agitam. Meus olhos proouram de amor. Sensualidade tem motivo. E> o olor óllo das magnóllas no ar voluptuoso* desta rua.

Dezembro —1922. MARIO DE ANDRADE. klax on

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16 (Del libro HÉLICES.)

ubes gimnásticas sobre el trapecio atmosférico

En Ias artérias pleonéxicas fluyen los glóbulos fabriles

ESTAMPA DEL SIGLO XX

Absorto ante un fascitol yo admiro el lirismo dei voltámetro

FOGOS IMPULSOS

La pleamar multitudinaria abraza con sus tentáculos

Ia vida sádica Entre Ia fronda de los dinamos

se forjan los espasmos hiperespaciales

En Ias avenidas múltiples aflora Ia rosa tentacular

Con Ia brújula dei sol en mi mano descubro trayectorias immaculadas

Eva Porvenirísta formada de copos atmosféricos

En sus mejillas siderales yo vendimio los besos dei horário

Y dei horizonte dinâmico cae Ia poma plenisolar

GUILLERMO DE TORRE. (Madrid.) k 1 a x o n

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n PAZ UNIVERSAL

A GRAÇA ARANHA a legria! Só no meu paiz a terra ainda é vermelha. Esforço para germinar, ou para supportar o peso dos homens.

Não ha mais sangue sobre o mundo. Elle está todo branco, lymphatico,

côr de cidade, côr de riso.

Alegria!

Os povos, as grandes ruas iIluminadas, e os homens felizes, esquecidos das trincheiras, afastados da dôr, amputados da dôr

O passado perdeu-se, e não conhece mais os caminhos, os caminhos das almas.

E ninguém sabe que nesta hora, em toda a parte ha pessoas que agonizam,

e ha veias que se esvasiam e ha corpos ainda quentes sob a terra fr ia.

ALEGRIA! ALEGRIA!

A vida vae na frente de cada homem, como uma espada polida que elles vão brandindo.

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18 ALEGRIA!

PAZ UNIVERSAL!

Nunca houve tanta guerra, tanta lucta entre os homens!

Lucta amarga para viver, lucta ardente para amar, lucta dolorosa para sorrir

ALEGRIA!

PAZ UNIVERSAL!

CARLOS ALBERTO DE ARAÚJO.

PROJECTOS A GRAÇA ARANHA

de manhã: Tenho convite para o baile Casaca Decote Orchestra phantastlca frenética

Lindas mulheres. VOU.

A' noite Conferência sobre os Eleatas No correio cintas para KLAXON 35-36-37-38-39 Dentro das grades a moça da folhinha não se cança de cheirar a rosa

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19 MAIO

12

A pêndula Io relógio marca passo eternamente O guichet de madeira Guilhotina Decapitado como na figura de Changail A lua cheia de pó de arroz Espaduas nuas Prompta para o baile Rua 15 de Novembro de 1889 Que mulher linda! Passa deixando um sulco de perfume O asphalto de louça reflecte as pernas das costureirinhas E das dactylographas Meu coração dactylographa impressões

Meu corpo é um mastro de sombra tombado A cordoalha dos meus braços Teus seios são proas Cabelleira desnastrada bandeira de navio Quadro naufrágio de projectos Minha alma braceja Cinematographo de sombras A bengala de Carlito é a batuta que reje a symphonla moderna

No café mezas desoccu padas Esfrega o zinco do balcão CHA' CHOCOLATE LEITE Jornaes do Rio 200 reis para falar ao telephone 3 AVENIDA E' tudo quanto fiz aquelle dia

MORAL: Eu nunca poderia escrever "PALUDES"

LUÍS ARANHA

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20 A EXTRAORDINÁRIA HISTORIA DA MULHER QUE SI

casamento de Adoasto com d. Brazi-

Olizia foi commentadissimo. Sobre a fe-licidade e o futuro do casal, corriam prognósticos os mais desencontrados possíveis. O escrivão Proença, por exemplo, ponderava que a differença de idade entre marido e mulher

constituía seguro indicio de bemaventurança eterna. E rematava dogmaticamente: "a mu-lher deve ser sempre mais moça que o ho-mem". Em atititude diametralmente opposta, *)lantava-se Aíberico, o caixeíro, homem que lií » treslia com facilidade. Para Alberico só o facto de ser o esposo mais velho 15 annos que a espo.-ea, deixava aquelle em situação nielindrosissima. Imaginem, dissertava o sábio, quando Ella tiver os seus trinta anos, a idade perigosa das mulhe-res, Elle já estará exgotadissimo, morre hão mor-re. E o que acontecerá depois.. só Deus sabe ! Aos que não estavam dispostos a acceitar os seus vatícinios, o caixeiro arremessava "«em hesitação o tremendissimo Balzac e a sua Mulher dos Trinta Annos. Os outros, ante tanta massa, fi-cavam atordoados e gaguejavam escapatórias.

Mas, que é a opinião dos homens, miseráveis formigas a roer o mármore branco do mistério, comparada com a sabedoria muda e irônica do Destino ?

D. Brazilizia era bonitinha, bem feitinha, cheia de pequenas linhas curvas, por onde toda a gra-ça inquieta do seu corpo escorria encantadora-mente. Isto foi a perdição de Adoasto. Casada, d. Brazilizia deu de engordar. A principio como que fazendo cerimonia, estufando um pouco o rosto, as pernas e toda a região consileravel que vae desde o diaphragma até a fossa illiaca. D. Brazilizia, tomada de vergonha, quiz disfarçar aquelle augmento inesperado do seu physico e

começou alargando os vestidos do enxoval, des-amarrando os sapatos, remendando as meias, que cediam ante a inopinada invasão da gordura. Descuidado, Adoasto olhava para aquella disten-são orgânica como quem olha para um diverti-mento publico: sorria. Chegava a achar graça nas velleidades econômicas da esposa, a aproveitar os minguados vestidos que trouxera. Com o tem-po, entretanto, d. Brazilizia deixou de lado as ce-rimonias e principiou a distender-se a vontade e a comprar novo stock de roupas, o que motivou certa appreherisão ao desprevinido espirito de Adoasto. O terrível era que o engordar de d. Bra-zilizia não obedecia a nenhuma previsão scienti-fica. Si fosse uma evolução lenta, pausada, acom-panhando, pari passu o deteriorar normal da In-dumentária, tudo iria muito bem. Ao contrario: era uma gordura frenética, desenfreada, gallo-pante. Os gastos angmentavam assustadoramen-te com a compra de matéria prima para abaste-cer o pudor nascente das novas carnes de d. Bra-zilizia. Adoasto chegou a pedir ã esposa que com-prasse os seus vestidos iam pouco mais folgados do que que os de costume, para previnir, dizia elle, para o que dér e vier. Retorquia-lhe a es-posa, desdenhosa: então, você pensa que vou ap-parecer mais gorda do que na realidade sou ? Desta voeê está livre !

Os gastos, entretanto, não era o que affligia Adoasto. O que lhe causava a mais desoladora melancolia era ver o seu amor diminuir á me-dida que a sua esposa augmentava. Seu amor es-tava na razão inversa da massa de d. Brazilizia. Quando Adoasto, por exemplo dizia: "a minha ca-ra metade", esta expressão perdia qualquer cunho metaphorico, para exprimir com exactidâo a ver-

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Page 188: KLAXON - Completo

21 dade nua e crua; dizendo "cara metade", Adoa-to referia-se ao corpo primitivo da esposa, o qual, bem contra a vontade dos cônjuges, duplicara de pezo e de volume.

Na casa, já havia certo mal estar. Tudo pare-cia pequeno, acanhado para d. Brazilizia. E co-mo o sen organismo ainda continuasse naquella desastrosa distensão orgânica, deu de reclamar o exiguo espaço occupado pelo marido. E Adoas-to, conciliador e prudente, ante aquella obstina-da reivindicação de espaço que lhe fazia a mu-lher, começou a ceder, com incrível resignação, o pequeno logar que o Creador lhe destinara no mundo: entrou a emmagrecer, a diminuir-se, a apagar-se . . . Não parou ahi a tragédia gorduro-sa. D. Brazilizia triplicou se, quadruplicou-se. Foi quando Adoastro se alarmou seriamente. O seu amor não podia alcançar mais aquella dis-tancia, pois o que amara na mulher não pas-sava agora de Ínfima fracçâo, que, diga-se de passagem, não era imprópria . . .

Consultando um amigo medico, este, entre jo-coso e sério, retrucou-lhe: o único remédio que entrevejo, é uma' operação. Operação inathemati-ca, bem entendido: extraia a sua raiz quadrada... Dolorosa ironia ! Desde então Adoasto, eusimes-mou-se na terrível cláusula do seu Eu. Nada de confidencias. Atraz destas, vêem sempre os re-uioques e os sorrisos tortos da piedade. Deliberou solucionar por si próprio o caso. tti arunüou-sse desordenadamente em estudos mathematicoe», bio-lógicos, physicos e nietaphysicos. Deu, de um 10-lego, a obra de Blaringüem: "Les transforma-tions brusques des êtres vivants". A seguir, o calculo infinitesímal de Newton e as "Dores do Mundo", de Schopenhauer. Obras de Spinoza, Leibnitz, Hartman e, de mistura, um volume ver-melho de vulgarização scientifica. Neste ultimo, topou com uma afArmação transcendente: "O que para os antigos physicos, parecia caracteri-zar a matéria era a massa, um coefficiente cons-tante, absoluto. iNâo assim, ante as novas con-quistas da sciencia. A massa, esse ultimo redu-cto da substancia, varia, é uma funcção da velo-cidade; a matéria não existe: é apenas modalida-

de transitória da energia, única realidade tangivel e irreductivel". Neste ponto, não se conteve e desatou em gargalhadas polyphonicas, em què havia prodigiosos sarcasmos.

Dahi para a Theosopia e a Metapsychica não foi senão um passo. — O mundo é minha repre-sentação, monologava o afflicto sujeito. Aquel-la condensação excessiva Me átomos, porque não poderei reduzil-a, pela applicação diuturna de minha energia espiritual inconsciente ?

E em casa, frente a frente com d. Brazilizia, o seu deformado sonho de amor, encarava-a fi-xo, o olhar vidrado, índice de tremendas concen-trações infra e ultra psychicas. Era o prenuncio da loucura próxima. A mulher, inquieta, refu-giava-se nos vizinhos pacatos e todos accendiam velas, que ardiam unanimemente deante de san-tos barbudos, de massa, que ameaçavam mila-gres.

A endocrinologia offereceu-lhe margens para profundas inferencias praticas. O meu mal, su-pirava, está naquela miserável glândula Ityrói-de. Ah! Ah! Ah! Ele queria dizer ''extrair a ty-roide" e disse "raiz quadrada". Falava por íue-tapnoxas, o demônio. Ah! Ah! Aü!

Neáte estado de espirito, Adoasto, sombra hu-mana, á força de ceder espaço á esposa, entrou, cheio de intenções cirúrgicas, no seu desventu-rado lar. Encontrou d; Brazilizia estendida num divan, a cintura apertadissima, a dividir-lhe o corpo em duas rotundissimas metades. Contem-piando-a,. Adoasto teve a impressão de ver um 8 deitado, symbolo do infinito mathematico. As-sustado, tremendo, delirante, sahiu a correu pe-las ruas, gritando: "Soccorro! Soccorro! Açu-dam! que a minha mulher ficou infinita". Tinha perdido irremediavelmente o juizo.

Quanto á d. Brazilizia, chorou duas lagrimas gordas e esparramou-se de uma vez, afim. de pre-encher piedosamente o vácuo que o marido abri-ra no lar doméstico.

A. C. COUTO DE BARROS.

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33 LA PDÉSIE MODERNE A-T-ELLE DESOIN D ' D I

TECDNDM? OILA une question que je me suis

V posée maintes fois. Longtemps sans Ia résoudre.

II semble sans vouloir se perdre dans Ia nuit des temps que toute grande époque littéraire a apporté una technique neuve.

Le romantisme a apporte Ia sienne, et le sym-bo-.isme nous a donné le vers-libre.

Notre g-iiération ne fera-t-elle que reproduire ces nnciennes formes ?

N'apportera-t-elle rien à son tour ? Se contentera-t-elle d'employer le vers de Ia

tragédie classique (dont elle a perdu le sens se-rrei et qvfelle ne pourra plus réaliser dans sa for-me vivante pour toutes sortes de raisons psycho-logiques, «ociales, etc.) ; se résoudra-t-elle à se servir de 1'ancien vers blanc! Si cela était, Ia fiiillíte de notre génération serait complete.

Mais je ne crois pas qu'elle se resigne au néant. De tons côtés il y a une lassitnde visuelle et au-ditive dans 1'emploi des formes tombées dane le domaine public. Un désir d'autre chose, ailleurs que dans les réalisations d'un lyrisme uniplan et monodique, dont 1'usage appelle forcément les réminiscences.

Cest pourquoi, et nos recherches n'engagent personne autre que moi, je me suis oriente, depuis longtemps déja, vers un renouvellement, un agran-dissement de Ia prosodie française. Cest ce que j'ai nommé le Poème synoptique sur plusieurs plans.

Pourquoi ni-je quitté le vers-libre qui se trou-vait être en si parfaite correspondance avec Ia sensibilité musicale des symbolistes? Cest parce qu'il me parut insuffisant pour rendrele synchro-nisme de*> images, des couleurs, des sons, des idées, de toutes les forces différenciées ou conco-mitantes qui se heurtent ou s'allient dans 1'indl-vidu ou autour de lui.

D'aucuns diront: Le ver-libre, un si souple instrument, si nuancé !. .

Oui, parfait pour le lyrisme uniplan et mono-dique. Mais un violon n'est pas un orgue. Même au solo d'nn vii'tuose, je prefere 1'intensité d'un grand orchestre moderne développant au paroxys-me toute*» les possibilites acoustiques.

De plus, le vers-libre me semble correspondre à une sensibilité qui déja u'est plus Ia nôtre. II est purement musical, crée pour 1'oreille seule. Alors que notre génération (Ia génération du Ci-nema) est devenue presque exclusivement visuel.

le. Et le Cinema lui aussi travaille synoptiquement sur plusieurs plans.

Le vers-libre par son asymétrie, pour avoir mé-connu pourrait-on dire Ia "physique de Ia plasti-que" semble pèrimé pour noutre génération, au même titre que 1'impressionnisme en peinture, ie debussysme en musique, Ia sculpture de Rodin. (Cette constatation, qu'on le sache bien, n'est pas un dénigrement de ces formes d'art; je dies seulement que pour nous ce stade est dépassé).

Nous n'avons pas assiste pour rien à da pério-de d'analyse, de revalorisation, puis de constru-ction du cubisme.

Aujourd'hui on constate ce que cette école pi-cturale, que certains critiques, mal informes en 1911, jugeaient ne devoir être qu'une entreprise de démolition anarchique, une sorte de nihilisme artistique, a apporté d'ordre, de clarté. d'équili-bre dans 1'élaboration de nouvelles échelles de valeurs.

Et déja quelques initiés constatent dans ce do-maine 1'apport personnel considérable d'un Albert Gleizes, qui parti de ce mouvement «'oriente vers un créationuisme pur, délivre de toute idée de reproduction.

Construction et non improvisation. Un poSme, un tableau, une statue, ce n'est pas "une chose comme ça" Un moteur qui marche n'est pas un assemblage au petit bonheur. Pour qu'il y ait "rendement", pour éviter les "rates", il faut une mise au point.

Necessite de 1'ajustage, necessite d'une sclen-ce de Ia composition, necessite d'une technique d'exéeution.

Tout constructeur d'avions possède une tech-nique. Mais ce n'est pas celle de l'ancien carros-sier.

Cest pourquoi par un désir reste fervent d'at-teindre à un equilibre parfait, fond et forme, je dirigeai mes recherches vers un ordre lyrique en

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23 rapport avec les lols organiques universelles et oriente vers 1'anltê.

Le poème même deforme, même volontairement cree pour "rebuter 1'inteliigence" ne me parut polnt capable de rendre Ia multiplicité dee syn-chronlsmes d'aujourdd'hui.

Et souvent je pensai: La poésie trouvera-t-elle Hon ordre nouveau, comme sa soeur déja plus évo-luée Ia peinture ? La nature n'est pas un chãos (symétrle, metamérisatisme, e tc ) II y a une lo-gique dans le monde, même si elle nous échappe. Mon oeil ne eaisit pas les rayons ultra-violets. Hs existent cependant. D y a tm equilibre (alter-nances, recommencemente, e t c . ) malgré le des-equilibre apparent. L'oeuvre d'art révèle toujours une hiérarchie de valeurs, une connaissance ap-profondie des Nombres. Crêer en dehors de ces vérités n'est pas crer. H y a des lois qui demen-rent.

Ce eont ces lois organisatrices internes que je m'efforçai de rechercher non dans les leçons de 1'Académisme, non dans les nécropoles même flenries, mais dans Ia confrontaiton et dans Ia concordance des lois de mon individu avec les grandes lois qui régissent le monde.

Après une longue période d'analyse, à Ia lam-pe rouge du Laboratoire, j'essayai un lyrisme trilatéral. Polytypique. Des mes premiers essais j'eus 1'intuition três nette d'une techniqne nou-velle, aux ressources infinies; j 'avais trouvé com-me on voulut bien 1'écrire depute: "La poésie du chiffre plastique qui régit 1'univers".

Balzac avait déja dit: "Trois est Ia formule des mondes-créés".

Pourquoi plus spécialement trois plans, et non 4, 5, 6, 7, e tc?

Necessite de bornes rationnelles. Une vérttê: Ia simplification.

Plns les rouages d'un instrument perfectionnê sont complexes moins il a de chances de marcher. Cette logique será comprise. Mais j ' a i dit: ins-trument perfectionnê.

Ma techniqne manifeste ce nombre créateur, non seulement dans lâ forme extérieure du poè-me, mais ausi dans sa réalisation êsotérkjue.

Avec ses correspondances: plan physique, plan intellectuel, plan de 1'intuition. Conscient, incon-scient subconscient. Pour l'expression de Ia vie totale, à Ia fois sensuelle, sentimentale, men-tale. De là son architecture triple et une, sem-blable aux trois faces adjacentes d'un trièdre. Serva nt à reconstituer 1'unité mentale, comme un point de 1'espace se définit par l'attribution d'une valeur numériqde à trois axes reotangu-laires.

L'équilibre des poèmes est réalisé selon une symétrie faite de Ia coopération d'élemeuts quan-titatifs et qualitatifs. Class ment par sugges-tion. Association des formes. Synchronisine vi-suel. Polysons, Schématisation. Avec le rythme pour lien unificateur.

Les trois éléments qualitatifs participant aux trois places du poeme sont:

l.o Valeurs psychiques (ou d'inspiration) 2.o Elêmeuts í-ythmiques 3.o Éléments d'expression, d'évocation, de

suggestion. Trois éléments quantitatifs concouren-t si son

organisation matérielle: l.o Symètrie formelle par équi- (

libre des plans. ( 2.o Groupement et choix des mots (

par analngies ( sons ( timbres ( couleurs

3.o Nombres. Cette forme inédite se prête ft exprimer autre

chose que les périphrases d'un lyrisme chétif et conventiónnel. Vie des mots. Vie psychique des mots. Sens émotif. Possibilites acoustiques.

Record d'altitude, (Influence du machinisme en musique: bruiteurs) accusant soit des diffé-rences soit des parentes. Phénomènes concomi-tante.

Netteté des lignes. Opposition à 1'impression-nisme symboliste. au désordre romantique (flux verbal). Mentalité mécanicienne et precise, suc-cédant à 1'improprieté des termes (dogme ver-ia inien).

Synoptisme demande schématisation. Non dé-veloppement, amas, engagement. Tendance ã l'i-déographie.

"Le poete parle et écrit pour 1'oreille" disaient les symbolistes. En 1912, Henri Martin-Barznr, le créateur du simultanéisme, se plaçant sous Ia protection de Polhymnie, Ia Muse aux chants nombTeux, souhaitart le remplacement du livre par le phonographe, etc...

Aux antipodes est ma techniqne. La dénommination seule de Poème Synoptique

vaut tout un exposé. J'ai dit synoptique. Définition du dictionnaire:

"Qui peut être saisi d'un même coup d'oeil dans les diverees parties de son ensemble."

Voir tout à Ia fois. L'oeil, le plus perfectionnê de nos sens, on comprend 1'importance que je lui accorde.

Nicolas BEAUDUIN

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24 REVIYEiCEWCES

IA neige m'évoquait tout â 1'heure Ia douc laine blanche de tel vêtement d'en£ance. Mais ne voici pas que l'é-vocation se precise?

Nous renaissons dans nos enfants. Réminiscences, réviviscences. C'est notre eníance qui sé refait chair. Et void

que nos impresslons du premier âge, oelles-la même qui étaiant le plus loin oubliées, ressu-scitent dans un geste, un mot, une attitude du petit être qui nous rêpète. Inmocence de cette imitation qui s'ignore et oü se révèle une des lois obscures et profondes de là vie. Emoi de reneontrer ce fantôme de nous-mêuies, et de le voilr si vivamt, si prêsent. que nous croyons être encore lui; son geste qui est le nôtre, s'ébauche encore en nous; mous reprenons ce pli qui nous semble d'hier, comme si tant d'années qui nous séparent de ce moment s'éta:ient soudain éva-nouies.

Yves mon fila trottine, plus chancelant que de eoutume, sur le pont mouvamt du bateau qui nous emporte sur le l ac II a deux ans et demi; il est engoneé dans sa pélerine blanche et dans sa gene de circuler seul, sur ce plan cher pe-u sur, parmi tant de grandes jambes étrangòres . . . Tout â coup, je me souviens. J'avais à peu prês cet age; j 'étais ainsi. J 'a vais un© robe fl pélerine, en laine blanche, faite au crochet. J'étais cette petite boule vi-va nte, pelotonnée, un peu gaúche, mal assurêo parmi les êtres et les choses. Je voyais peu de monde; je quitais peu mes parents, et quand je me trouvads seul parmi des ètrangers, j 'étais raalheureux et sourdement angoisse. C'était comme si le monde se dêrobait sous moi (sem-blable â ce plancher de bateau) et Ia lumière, vraiment et sans nulle métaphore, devenait teme et sombre.

Nous ètions en visite dans Ia famille de ma marraine, qui habitait une petite ville voisine. Mes parents faisaient ce voyage avec moi u m ou deux fois chaque année. Mais eettie fols-la, c'était encore pour moi étranger et nouveau, Pas toufc â fait pourtant, et j 'a i le sentimen, que je me reconnaissais, comme si j 'étais dô ja venu là dans quelque existence antérieure, •— car quelques móis. â cet age, sont toute une métempsychose. — Le certain, c'est qu'il y avait autouir de moi beaucoup de visages ineonnus, ou plutôt beaucoup de jambes et d« P:ieds ineonnus, puisque j 'étais encore ce petit chat qui doit faire son chemin parmi des jam-

bes, et s'lnquièter des allêes-et-venuee de ces grandes choses menaçantes. A ce stade, les gens existent surtout par Ia partie inférieure de U«ur personne; les robes et les pantalons ont des intentions énigmatiques, — peut-être betes, peut-être profondes — vont ici, vont làl s'ar-rêtent. Les pieds somt les organes de leur in-telligence. Quand toute Ia masse va s'ébran!er, ce sont les pieds qui s'agitent d'abord, virevol-tent, pointent du côté oü tout va partir. Les pieds ont ainsi un role prophètique; ils sont des wspôces d'antennes> des nez plus ou moins ffl-tés et pointus. Ce sont eux qui savent et qu'il faut interroger.

Quand les regards de 1'efant se renversant et vont plus haut, dans une inquietude de com-prendre, et d'en appeler en dernler ressort á quelque instance supérieure, alors ils voient toute Ia personne en pains de sucre, et au som-ínet Ia tête, mince, diminuée, lointaine, pftle et lunaire, avec ses grimaces falotes, et comme a un êtage moins réel des choses.

J'évoluais donc parmi beaucoup de ces pains de sucre ineonnus, ou reconnus si vaguement que c'en était plus inquiêtant encore. à cause du mystôre troublant de cette réminiscemce obscure. La famille de ma marraine avait des ramifications nombreu&es. II y en avait dans trois maisons contigues, â tous les ètages et à tous les corps de logis. On me menait de l'un chlez 1'autre; on traversait des cours vitrées, des boutiques, des arriére-boutiques; rien n'é-tait de plain-pied; on montait et redescendait r-artout des marches. De Ia lumiére crue de Ia cour vitrêe, qui piquait les yeux, on passait brusquement à je ne sais quels sous-sols téné-breux. J'étais dépaysè par ce remue-ménage. J'avais entre autres une prêoocupation que je retrouve parfois au couirs de mes premières an-nées: Je revoyais en effet Ia même boutiquo tantôt par devant, tantôt par derrieré je re-voyais Ia cour suecessivement d'en bas et de chacun des étages: était-ce Ia même boutique, était-ce Ia même cour? Je reconnoissals les choses. mais elles avaient changé. Elles s'ètaient ramassées ou étirées. Ces t bien gros pous l'en-fant que de se dèbrouiller parmi tant d'énigmes. Madame Artus raconte comme un de ses tout premiers souvenirs d'enfance Ia découverte sen-sationnelle qu'elle fit un jour, en comprenant que Io bureau de son pére, vu de face ou vu de profil, n'était qu'un seul objet.

On avait abattu le dinetr de midl> et les diners dans cette maison étaient copieux et

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25 bien tassès, releves de cette solide gaíté bour-geoise qui a le rire large et le vertoe haut. Tant de monde, tant de voix, tant d'allureis bruyan-tes: cela me dêconcertait et me fatiguait, moi petit enfant si accoutuiné au silence. Je soup-çonne que ce jour-là, en sortant du repas, j 'é-tais dé j& d'humeur lourde et maussade.

Cest ici que se place r*êvénement: car tout ce qui precede est sans doute un amalgame de plusieurs visites dans Ia même maison; cela ne se presente pas à moi avec cette note originale. de 1'expérience uniquie tout a coup ravivée. Mais voicl le souvenir propre à cette journèe, oü j'avais 1'ftge de mon fila, et cette robe à péle-rine blanche.

Je le situe, oe souvenir, dans cette atmo-sphère maussade qui suivait le long repas de midi. lorsqu'on en a flui avec Ia tarte. Alors les grandes personnes font durer le plaisir du café, de Ia fumée et du pousse-café, et ne savent plus que faire des enfants. Un beau-frere de ma marraine avait quant à lui Ia reputation de savoir les occuper. Homme jeune, entreprenant, bien en train, qui aimait bricoler et plaisanter, et qui savait se mettre à Ia pontêe des petits. II avait eu l'idée de m'emmefaer avec son fils Georgieis et sa niêce Madeleine. Ces deux en-fants, â mes yeux, étaient grands, car Ms avaient bien quatre ans, et Georges était en culottes. Je ne les connaissais pas assez pouv me sentir à mon aise. et toujours, à cette èpo-íiue, j 'étais même plus géné en préseince d'en-fants que parmi des grandes personnes. M a s le "monsiieur" qui nous emmenait ne me trau-quiliisait pas tout à ^ait. Georges rappelait papa, Madeleine 1'appelait oncle Charles, et cos deux noms donnés à Ia même personme, voilà qui ajoutait une enigme de plus à toutes 3es enigmes de cette journée. Je revois ces longues jambes de pantalon, peut-être rayè, qui arpen-talent à côté de moi. Porfois je regardais plus haut, et je voyais alors, três loin, Ia petite tête irrâeHe, aüx fcraits mobiles, comme sü elie était formée de nouveau à chaque ínstamt, par l«s reflets dansants du lorgnon. De ces refets-une voix sortait, qui me parilait. Moi je ne com-prenais pas. Je recomiaissais des mots, mais le timbre sourd, assez partleulier, de cette voix, ui'occupait davantage. Je ne saisissais pas les phrases, il ne parla.it pas ma langue. Et puis J'étais trop intrigue, trop inquiet aussi, pour comprendre. J 'étais plein de questions incapa-bJes de se formuler en paroles. A cet age, le voeabulaire de 1'enfant est si pauvre, au prix de toutes les questions qui s'ébauehent en lui! Je soupçonne qu'en réponse à Ia voix qui me parlait; je regardais de cet air hébété qu'ont souvent les petits enfants devant les étrangers: masque d'hébétude qui recouvre tout un monde

de p nsées attentives et anxienses, d'autant pias lourdes qu'elles nont Ia parole pour s'eclairer en s'exprimanit et pour débrouiller leur enigme. Des philosophes se demandent si l'on peut pen-ser sans paroles intérieures. Je crois b:en! Mais c'est une pensée qui n'aboutit jamais. Le petit enfant pense sans paroles. Cette pensée, plus confuse, n'en est que plus intense: son éche-veau qui ne peut se dévider pese en boule sur le coeur. Je me sonviens de mon état d'âme de. c jour-là comme d'une impasse oü l'on craint de se sentir étouffer, comme d'une sourde dou-léur lancinante dans le demi somme'1, comme d'un vague cauehemar d'angoisse sans issue. Impossible d'exprimer ce qui remue en moi, et de m'en délivrer. Cela va-t-il durer toujours? Et pour dire aujourd'bui, en notre langage d'a-dultes, ce que je sentais et pensais, il me sem-ble qu'il me faudrait des pages:

Oü me mène-t-on? Qui sont ces ineonnus? Pourquoi ces deux enfants sont-ils si joyeux, si à leur aise avec cet "oncLa Charles"? Sans doute cela Ia tranquilllse un peu de voir leur bell© humeur^ ils me donnent Ia main et je me laisse faire. Mais je ne puis me mettre â lem unisson. Je ne vois rien ni personne de ce que je coiinaLi. . . Oui, tout à 1'heure, derriêre moi, (car le passe ne fait qu'un avec ce-quUest-der-riêre et 1'espace et le tempe ne sont ancore guère distinets pour moi) — tout â 1'heure, derriêre moi, il y a, il y avait, ia salle â manger dont le bruit me tapait dans Ia tête; il y avait maman. Elle s'étalt, sur sa chaise, un peu détournée de Ia ta-ble, ver«s moi. Elle m'avait doucenient encouragé d'aller avec ce monsieur et avec ces deux enfants. J'avais regardé sans comprendre, j 'avais donné Ia main et j'étais allé. (Du moins, je gagerais que cela s'est passe ainsi). Alorc* il y avait eu der-riêre nous des rires et des réflexions plaisantes par toute Ia table, â propôs de nos trois petite-personnes, de Ia mienne surtout, vues de dos et qui s'en allaient. Ces riree ne me blessaient pas dans ma fierté, mais ils s'ajoutaient à toute cette série de choses que je ne comprenais pas. Je les trouvais plutôt déplacés, car je n'étais pas gai. . .

On était sorti de Ia salle â manger; Ia pré-sence de maman avait disparu, et alors les cho-ses avaient pâli, comme quand il passe un nuage. J'entendaís encore derriêre moi les échos des rires affaiblisr dans ma mémorie, mais je ne distin-guaiií pas si. e'était Ia mémoire ou si c'était 1'éloi-gnement. Je me sentais seulement toujours plus sépaTé de ce groupe de gens et de choses oü était maman. Cela se perdait toujours plus loin dans ce-qui-est-derrière.

II me semble que nous avons marche três long-temps ; peut-être avons-nous seulement traversé deux ou trois chambres, et il se ponrrait bien que 1'espace claír, un peu éblouissant, oü nous nous

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20 arretou.-:- fflt simplement Ia cour vitrée; sur le moment, j"en ai le soupçon, mais je ne suis pas sur de Ia reconnaitre; du reste, je n'ai pas les loisirs de creuser cette question. Sans paroles in-térieurea, «'il est possible de penser, il est diffi-cile de retenir Ia pensée qui veut s'echapper. Je ia sens qui s'efface peu à peu, cette question, sans que j 'a ie Ia force de Ia fixer pour y penser; elle passe dans un arrière-plan de mon esprit; car au premier plan, il y en a d'autres, plus in-quiétantes. Pourquoi nous dit-on qu'il faut at-tendre et nous exhorte -t-on à Ia patience? Ma-deleine, pour me faire tenir tranquille, m'amuse comme une petite maman, assez fière de ce role. Dans rimmobilité, je seus mieux le vide autour de moi, je suis perdu. L'oncle Charles fait des gestes bizarres que je ne comprends plus du tout.

J'arrive à 1'instant aigu de mon souvenir. Mais j 'a i peur qu'ici ce ne soit plus un souvenir, car on a plusieurs fois par Ia suite raconté Ia chose devant moi. Et une photographie est restée em têmoignage, oü je suis entre Georges et Madelei-ne dans ma robe de laine blanche, esquissant Ia petite grimace pitoyable qui, chez 1'enfant, an-nonce les larmes. II paralt que je me f.uis mis à pleirrer au moment même oü 1'oncle Charles pres-

sa it sur le oouton. Mais ce moment psychologi-qne, je ne crois pas en avoir gardé mémoire di-rectement, soit que le souvenir ait été brouillé par les recites qu'on m'en a faite, soit que 1'émo-tion ait été justement trop aiguè à ce moment-là et trop lourde á porter pour ma conscience. Je sais encore, sans m'en souvenir à proprement parler, qu'on m'avait bien recommandé de ne pas dire à maman que nous étions photographiés, car on voulait lui en faire Ia surprise, et il se pour-rait bien que 1'idée de cette chose faite en secret de maman füt ce qui déclancha mes larmes. Je dus faire de mon mieux pour garder le secret hon-nêtement, et cependant je le trahis, en disant qu'on nous avait fait voir un petit oiseau.

1922.

L. CHARLES-BAUDOUIN ("Premiers émois")

à paraitre

P. S. "Premiers émois" traduit en anglais par Fred. Rotlrwell (le distingue traducteurs de Loti, Schuré, Bergson et Rolland) paraltra pro-chainement à Londres.

Chronlcas: Ângelo Guido — IIlusão (Ensaio

sobre a Bsthética da Vida, de Graça Aranha).

AE um homem pelas ruas escuras, ou-

V vindo rumores ásperos, intervalla-dos, mas constantes. E nada o al-legra nem o entristece.

De repente, porém, uma luz illu-mina a calçada: o homem levanta o olhar, percebe uma janella aberta e,

por ella, descobre, dentro da casa, uma lâmpada acceza, um quadro na parede, um store que se enruga, um vazo de crystal coroado de rosas. . . E segue depois a imaginar como seria a sala toda, adivinhando detalhes, construindo, sonhan-do com um contetamento claro d ntro dalma. . .

Um livro é como essa janella aberta: mostra um pouco da alma do autor. E nós, por esse pouco, reconstruimol-a, em sonho, Integral e

maravilhosa, para amal-a em seguida, porque a conhecemos.

A Cuvier davam-lhe um osso e elle, ágil e esperto, nos devolvia um dinosauro. Ângelo Gui-do offereceu-me, não um osso duro de roer, uins um raio de luz, que eu poderia multiplicar em outros pelo prisma de uma analyse passiva.

Elle fala de Graça Aranha com sympathia, com inquietação. Ah! como eu amo os espiritos inquietos, dynamicos, os espiritos que querem nchar o segredo do m u n d o ! . . .

As nossas pobres vidas são echos, repercus-sões de uma grande voz invisível e ún ica . . . Os echos querem voltar para a sua fonte harmo-niosa e definitiva.

Ha uma tendência em nós fundamental e ir-reversível, mas que se fragmenta em outras: o desejo de unidade. Toda a vida intellectual e sentimental é por ella dominada, inteiramente. Assim é que saber é unificar, ligar o desconhe-cido ao conhecido, o misterioso ao familiar:

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27 logo, uma integração. A Ignorância — um esta-do intermédio, em que não nos ê possível ligar a experiência nova com a velha. Na esphera sen-timental, a mesma cousa: o amor, a religião e a arte, tudo é anciã de unidade, de integração.

Quando a tendência é contrariada, nasce a dor. A dor é uma impossibilidade temporária de unificação. E o artista, o philosopho e o reli-gioso realizam, por caminhos diversos, a inte-gração cósmica das consciências.

Até ahi, Ângelo Guido e Graça Aranha estão, parece-me, de accôrdo. Depois apparecem as di-vergências, que são muitas. Fazer o balanço não me seduz. Teria que escrever muito. Demais, "Illusão", como todo livro de um ser que pensa poderosamente, reflecte melhor a alma de quem o escreveu do que a de quem o suggeriu. Assim é que Ângelo Guido não se resigna a crer que "A Unidade é a inconsciencia absoluta". Para elle. a perfeição é uma consciência cada vez mais apurada dos nossos "paraizos interiores". Distinguir, com perfeita acuidade de visão, o bem e o mal e cristalizar a personalidade, em vez de dissolvel-a, como quer Graça Aranha, no írranrte mar das forças dynamicas do Kosmos, eis. quero crer, os dous índices fundamentaes da philosophia de Ângelo Guido. Diante de sua con-cepção, os phenomenos kosmicos são forças dis-ciplinadas para um fim possível. Para Graça Aranha, são forças disciplinadas num jogo har-monioso, forças que se bastam a si mesmas, sem ser atrahidas imperativamente pelo campo magnético de "um fim". Existe, como se vê, um parallelismo entre as concepções mystica e pan-theista. Entretanto, o próprio mysticismo de Ângelo Guido está mais longe do mysticismo de Novaris, do que este do pantheismo espiritua lista de Graça Aranha. Novalls, num dos seus aphorismos, affirma: "Para o verdadeiro reli-gioso, nada ê peccado". Navalis, ahi, dá a en-tender que o verdadeiro espirito religioso tende a assimilar monstruosamente o mal ao bem. E neste ponto, o mystico allemão e Graça Ara-nha gravitam harmoniosamente na mesma por-ção de espaço.

E' preciso, para lêr o livro de Ângelo Guido, ter a experiência philosophica dos problemas fundamentaes que agitam o espirito humano. E' preciso ter sentido profundamente a belleza tor-turada destes versos de Tennyson, no "In Me-moriam ":

. . .and so runs my d r e a m . . . but what am I? An infant crying In the night An infant crying for the líght and with no language but a c r y . . .

A. C. COUTO DE BARBOS

"O Homem e a Morte" — Menotti Del Picchia — Monteiro Lobato & Cia. — S. Paulo — 192a.

movimento revolucionário artístico que

O se acentuou, ha coisa de 2 anos, com a definitiva feição tomada por certos moços de S. Paulo, teve seu Messidor neste ano do Centenário. Ronald de Carvalho deu-nos, no Rio, í.eus "EpigRimas Irônico* e

Sentimentais". Òswaldo de Andrade apresentou "Os Condenados". Agora é a vez de Menotti Del Picchia com "Q Homem e a Morte". Lastimo sinceramente que "As Canções Gregas" de Gui-lherme de Almeida não possam aparecer -ainda ê-te ano. A tetralogia conpleta das grandes obras que modificarão certamente a fisionamia das le-tras indíginas teria aparecido no período fecha-do dum a n o ; e bem poderíamos em 2022 cele-brar o 1.° Centenário de nossa indepedéncia lite-rária.

E digo "independência" pensadament<?, certo do que digo; embora saiba que estas obras cla-ramente se ligam a feições moderna* da litera-tura universal. —» Então é dependência! — Não. Antigamente imitávamos a literatura francesa com uma distancia de mais ou menos duas ge-rações. Agora estamos com o presente da litera-tura universal. Não é mate seguir. E' ir junto. Não é imitar. E1 coadjuvar. Independência pois.

Alguns pensarão que, por modéstia, não citei "Panlicea Desvairada". . . Não citei porquê não devia citar. "Panlicea" (como alia;? imagino que será toda a minha obra) tem um aspecto tão especial, tão desvairado, tão extra, que não pode ter um efeito plausível numa renovação. Seu caracter selvagem, orgulhosamente pessoal tira-lhe essa expressão de humanidade, de coisa uni-versal, cósmica, que permite desenvolvimento, assimilação. E' uima obra á parte. Pode-se se-seguir o curso dos dois. Seria uma rol'ce preten-der acompanhar a estrada dos meteoros. Seria propositadamente dar á própria obra motivos de caducidade, de èfemeridade desumana e ridícula. Só os sois podem iluminar e fecundar.

Entre estes: "O Homem, e a Morte" de Me-notti Del Picchia. Como estamos longe da lite-ratura francesa! Si fosse preciso dar um pedi-gree ao "Homem e a Morte" só entre as litera-turas místicas (no sentido moderno da rxslavra) do norte e do sul europeu*, da Alemanha e en-tre alguns escritores da América espanhola, en-contraríamos a fonte dessas páginas magníficas. Mesmo entre aqueles que modernamente pode-ríamos chamar de místicos, na literatura fran-cesa, Menotti a eles se aparenta unicamente POT esse caracter comum duma construção filosófica

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28 scientífica, mais propriamente sentimental que intelectual. No resto: mais nada de francês. Aquela clareza, aquela auto-crítica, aquele senso de proporções, aquele bom-gôsto distinto, um pouco envergonhado, que faz da literatura fran-cesa a mais regimentada que existe. . . Nada disso. O lirismo desordenado; a violência de im-pulsões subconscientes altamente populares; o optimismo (até para a dor) que crea desde a risada grossa imperturbável até as decoladas cóleras eloqüentes; o misticismo irregular que tomba da mais alta espiritualidade á mais rús-tica crendice; e, finalmente, esse gosto taurino do vermelho, das cores forte*5*, das imagens afas-tadas, catedralescas, deslumbra d oras.

Ora ninguém negará que si um dia existir um espirito brasileiro, como existe um espírito egípcio, um espírito grego, um espírito russo, esse brasileiro espírito será muito dissemelhante do francês. O que forma um espírito, muito mais que uma simpatia, mesmo generalizada, ou três ou quatro personalidades insuladas, é fundamen-to racial e mais o clima, os aspectos e recur-sos da terra, o modo de viver. E nada mais dis-semelhantes nesse ponto que a França herdeira e o Brasil aventureiro e arrivista.

Menotti Del Picchia é duma verborragia aitis-sonante e eloqüente. Cansativo mesmo. Nada da subtileza desse estilo tão esperto na sua com-posição que parece comum e que não cansa. Quem lê Anatolio France tem a impressão de ouvir uma musica divina que êle, leitor, pode-ria ter criado. Quem lê Machado de Assis, não lê, conversa. Quem lê Proust, não lê, pensa. Menotti não. Como Alencar, como Flaubert, co-mo D'Annunzio, impôe-nes seu estilo. E elevamo-nos a alturas tropicais. Ha cataractas e perobas. Noroestes e tempestades. Amazonas e Itatiaia. E' esplendido. Ma-? cansa, como a paisagem in-gente acabrunha. Não ha nesta adver-sativa a verificação dum, defeito, propriamente. Observo o efeito duma tendência. E tendência natural, racial e legítima. Já disse uma vez que por es-se lado da impetuosidade, da magnificência, a literatura brasileiramente brasileira se diferen-çaria de sua irmã portuguesa. Àlegro-me por ter junto de minha opinião a de Gilberto Amado. Menotti é um reflexo da natureza do país. Faz parte da natureza do Brasil. E' um cerne hirsu-to, de folhagem luxuriante, de florada entonte-cedora e frutos capitosoe. Assim compreendo a eloqüência da quasi totaliddae das páginas do "Homem e a Morte". E' o que ha de mais legi-timamente natureza do Brasil. Creio que por es-se lado Menotti adquiriu a definitiva posse de sua pena. Senhorea-a numa dicção admirável e possante. E' pena que não observa com mais crítica as páginas que esculpe com tanta fran-quesa. Extirparia do livro pequenos descuidos de

ex-pressão que, si não chegam a afeiar a eston-teante beleza da obra, por várias vezes quebram o êxtase do leitor.

Nesse estilo brilhante e sonoro expande-se o lirismo mais extraordinário que nunca se regis-tou ein lingua braisileira. Dotado duma imagina-tiva fecundí sima, são corimbos e corimbos de imagens deslumbrantes que faz espoucar como fogos de artifício. Mas Menotti não escreve só pelo prazer de criar imagens. No meio turbilho-naute délais ha qualquer coisa que as justifica e une e faz pensar. Ha idea. Cerros criadores de imagens i-ão verdadeiros fogueteiros. Deslum-bram. Mas o fogo termina. E nada fica para se pensar. Sente-se a noite mais negra e mais vasia.

A conétrução do "Homem e a Morte" é mo-tivada por concepções místico-panteistas, cujo maior mérito é permitir ao poeta surtos de liris-mo transbordante e explo-lvo da mais extasiante beleza. E' curioso notar-se como Menotti "se apro-xima da tese panteista em torno da qual o in-glês Algernoon Blackwood .construiu seu Jardim de Pau. Si não tivesse a- certeza de que Menotti desconhece Blackwood, diria que "O Homem e a Morte" inspirava-se nos contos "Nostalgia do mar" e "O Homem que as arvores amaram" do livro citado. Menotti porém está muito acima do contista inglês nesse sentido que expõe e de-fende uma tese curiosíssima.

Quanto ao Homem poderá dizer-se que é filho legítimo das teorias de Freud. Todas as suas famtaisias, suas extranhas concepções místicas, produ-las o Homem na exaltação do amor. Dis-so provém talvez a forte atmosfera de realida-de em que se move, e em que reside sua verdade psicológica.

Mas Menotti nem disso precisava para fazer viver sua personagem, pois é dotado dum extra-ordinário poder criador, que impõe sua realida-de sem que lhe s:eja necessário observar a reali-dade universal. Por mais afastada que seja des-ta realidade universal uma obra sua, Menotti imprime-lhe uma tal convicção, tão enérgica vi-talidade que ela se torna frementemente real. Só os fortes podem assim agir.

Certas obras muito perfeitas dão-nos uma im-pressão de teatro. Ha sempre a poltrona que o leitor comprou e a ribalta iluminada que nos separa da acção. Mas com Dante, por exemplo, descemos ao Inferno. Ninguém até hoje deixou de acreditar em Ariel, lendo a Tempestade. Toda a gente luta com o índio de I-Juca Pirama. Mas ninguém acreditará na Sexta de Nero. E' que "poder-se ha chamar de obra sincera àquela dotada de força bastante para dar realidade á ilusão", como diz Max Jacob.

Cito propositadamente em aplauso a Menotti Del Picchia um desses modernistais franceses

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29 que êle costuma levianamente ridiculizar nas suas crônicas sentimentais. E afirmo: leviana-mente, porquê Menotti muito pouco os leu para ter sobre elles juízo seguro;

Mas voltemos & força criadora do autor. E' extraordinária, já disse. Ele pouco se importa, em "O Homem e a Morte" com a realidade existente, ou, por outra, conhecida. Sobrepõe a ela a sua realidade interior delirante e mara-vilhosa. Sua Sao Padlo é um fulgor. Seus am-bientes fantásticos e atraentes. Mas impossível discutir a veracidade deles. O artista criou e nos apresentou sua S. Paulo, seus ambientes, impon-do-os com a torrente persuasiva do seu lirismo e com o seu formidável poder criador.

Nessa paisagem real o Homem amou Kundry e sofreu por ela; percebendo só no fim de curta vida que ela era a Morte. E quem lhe conta esta verdade? E' o Espírito da Vaia.

O Espírito da V a i a ! . . . Um livro horrível, que tivesse dentro de si essa criação, seria uma obra imortal. Quatro páginas apenas, sóbrias, enér-gicas, sublimes! O diabinho, emissário de filoso-fias moderníssimas (e também antiquíssimais, oh manes de Anaxagoras!) põe--se diante do Homem e ri-lhe na cara de todo o misticismo que este criara na sua desregrada sensualidade. 'O mundo não passa duma projecção cerebral, assobia êle. Kundry . . . E' uma mulher? E' uma idea? Será uma coisa viva? Si Kundry é uma coisa viva ela deve ter uma morte. Experimenta destrui-la; assim possuirás a certeza de que ela viveu."

Não cei porquê Menotti fez o Espírito da Vaia aparecer num soinho do Homem. Não é verdade. Esse filho da inquietação contemporânea tem existência Teal. Anda a na so lado, com suas formas aduncas, verde-pálidas. Aparece em to-dos os prazeres, glórias, trabalhos, dores, exul-tações. E Menotti deu-lhe a imortalidade em al-gumas das mais inesquecíveis paginas da litera-tura nacional.

E' preciso distinguir entre os criadores artis-tas, os que mais se preocupam com a Arte e os que mais ee preocupam com a vida — elemento originário da arte. Aqueles tornam-se na quasi totalidade artistas de elite. Estes actuam mais poderosamente sobre as massas. Si ambas as classes sao igualmente beneficladoras da bele-za, sob o ponto de vista humano, os artistas da Vida slo mais fecundos que os artistas da Arte. Os artistas da Arte s8o gosados pelo pequeno número. Os da Vida tornam-se mandatários e reis. Vejo Menotti entre os últimos. Moisés. Ju-cá Mulato. PSo de Moloch. A Mulher que pecou. Possui uma força tal, uma tal eloqüência per-suasiva, um brilho t8o diurno, um optimismo por tal forma popular que poderá conduzir as multi-dões. Si criar, pregar, desenvolver (verso, prosa

ou acção — sempre poemas) uma teoria, uma orientação política e social, creio que reproduzirá entre nós a influência dum Tol-toi, dum D'Am-nunzio, dum Barres.

Mas que Menotti se precate contra a gente da terra. Bilac também gritou um lindo gesto. Au-rora! Erupção! Trabalho! Gritaria. E o cre-púsculo rápido. E a noite geral. E uma lua fria, vagabunda pelo céu. Liga Nacionalista.

O milhor será mesmo não adquirir essas pre-tenções. Continue a dar-nos obras magistrais como "O Homem e a Morte".

M. de A.

Martins Fontes — "Arlequínada" '— Edição do Instituto D. Esch. Rosa — Santos — 1922.

O alaridal dr. Martins Fontes, mãi dos poetas brasileiros (expressão, segundo me comunica-ram, do próprio médico) publicou com pequeno intervalo dois trabalhos de feição totalmente di-versa : Marabá e Arlequinada. Deixo o primeiro poema para dia de mais pachorra. Praz-me agora dizer unicamente de "Arlequinada" — "fantasia funanbulesca mimo".

Ha um passo realmente engraçado no poema. Arlequim " cantareja ":

"Mamam os filhos, ás vezes sem parar, sem ter canseira. Mamam na mãi nove meses e no Pai a vida inteira."

Para mim o distinto esculápio quis aludir A sua própria Musa, palreira e espavental. Com efeito, a Musa do dr. Martins Fontes ficou a mamar nos seus pais, "Banville e Mendes glo-riosos" e mais Edniond Rostand. Sentiu-se tão bem assim, farta, bifarta, centifarta, multifarta, que não se preocupou de ir para deante; e lá ficou, atrasadota, ramerrámica e pernóstica a sugar e ressugar as murchas mamas dos aludi-dos pégasos.

Era pois natural que a pimpante dama exul-tatriz sentisse, ao chupar tais mamas simbóli-cas e alcoólicas, as eólicas estrambõlicas, so-nambúlicas e não-me-amólicas, cuja explosão floriz, resultatriz deu ás letras nacionais a glória imarcessível, Incrível e plausível de "Arlequi-nada ".

A carreira ascencional do dr. Martins Fontes está inegavelmente concluída. Depois destas duas obras colossais com que fogo-de-artíflciou o Centenário Independentriz e brasilial, só um posto resta ao alaridal diseur: a AKademia; só uma folha o merece: a "Revista de língua qui-nhentista Portuguesa". Com effeito: Conhecimen-to nítido e louvável da lingua. Vocabulário ex-tensíssimo. Habilidade fora do comum em cons-

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30 truir neologismos regulares. Espirito também regular. Instrucção também regular. Mas tudo isso somado, multiplicado não dá Poesia, oh não!

Como profissional do verso medido o popular médico decaiu. Ha em "Arlequinada" uma por-ção de alexandrinos fragílimos. E, o que é pior, batidos, martelados. O hemisríquio ribomba, ní-tido, implacável. E' sem duvida o entusiasmo pela lusa poetice guerrajunqueiriz e juliodantal que lhe roubou a saborosa elasticidade que o alexandrino adquirira no Brasil. Quanto ás ri-mas . . . são desesperadoramente esperadas.

Quando Arlequim aparece, quis o Dr. Martins Fontes meter-se em versos de metro vário. Foi um desastre. Raro conseguiu um ou outro efeito rítmico interessante. Desiluda-se o aplaudido aló-pata. Continue no alexandrino e no octossflabo que são mais fáceis. Deixe o ritmo dos versos de metro vário para os poetas. Este gênero re-qner uma sensibilidade finíssima, que o dr. in-felizmente não possui. Possui, e em abundân-cia, essa rima rica da sensibilidade que se chama a sentimentaüdade.

Provou-o sobejamente em Marabá — mula-tinha nua, enfeitada de penas, com a qual o co-rajoso dr. teve em pleno salão de festas no Pa-lácio da Paz, em Haia, deante de quatro damas educadíssimas, um coloquio amoroso e beijocal. Com franqueza: é sentimentalismo que confina á indecência.

Como fazem mal as Musas aos doutores! Homens nonestos, bem educados, até simpáti-cos; cidadãos, enfim, dos quais o Brasil espera que cumpram seus tão claros deveres. . . Mas lá começam as Musas a mamar o leite, nem sempre digestivo, dos pais e é isso: os doutores enegrecem suas carreiras burguesas, digníssi-mas com a fábrica toliz, bobiz, chinfrim e cha-fariz das arlequinadas. E' HORRORAL, ABRENUNCIAL, e VADE-

RETRIZ! Força é pois vaiar, flaufiauizar, batatlzar,

ovopodrizar nestas linhas tão alaridal mamata. MARIO DE ANDRADE

Recebemos: LA VIE DES LETRES, numero de janeiro,

com escolhida colaboração de Paul Dermè, Re-née Dunan, e tc , e uma peça em três ictos de Nicolas Beauduin.

LUMIÈRE, números de novembro e dezem-bro. Traz boas reproducções de Le Fauconnier, Louis Bouquet, Franz Maaserel, Van Stratten, etc. Poemas e artigos de Avermaéte, Albert Lé-page, Guilherme de Almeida, Serge Milliet, etc.

NOUVELLE REVUE FRANÇAISE, admirá-vel numero, de 400 paginas, consagrado a Mar-eei Proust, o extraordinário romancista moder-

no francez, fallecido em novembro ultimo. Os mais brilhantes nomes da actual geração fran' ceza entre os quaes Barres, Valery Larbaud, Paul Valery, Cr;mieux, Souppault, publicam nesse numero bellos artigos sobre a vida e a obra do autor de Sodome et Oómorrhe.

LES NOUVELLES LITERAIRES, o útil e bem organizado hebdomadário parisiense, com informações literárias e artísticas sobre as ul-timas producções do espirito francez.

CINEMA cinema deve ser encarado como algo mais que um mero passatempo, quaei

O por taxi, ao alcance de todas as vis-tas, com a utilidade pratica de auxiliar as digestões e preparar o somno. Já se foi o tempo em que servia somente para a demonstração da chronophoto-

graphia. Evoluiu, tornou-se arte, e veio accentuar ainda mais a decadência do mau habito dos se-rões em família, enfadonhos e intermináveis, mes-mo quando se fala da vida alheia.

Ciosos na conservação das rotinas, todos os catões se irritam contra elle, apesar do seu alto papel na educação moral. Como é que um pae ha de ensinar á filha certas feições da vida ? O meio mais fácil é leval-a ao cinema, cuja alta moralidade, reduzida á expressão mais simples dá a formula:

TODO MAU E' CASTIGADO. O BOM ACABA VENCENDO E RECEBE DE PRÊMIO O CASAMENTO. SI FOR CASADO... UM FILHO

Moral a preço de oceasião, está se vendo. Mas é disto que o povo gosta, com o tempero de uns obstáculos pelo meio, porque mesmo para elle o prazer muito fácil não tem attractivo. Não pare-ça isto elogio; até os gatinhos gostam mais de brincar com um obstáculo entre a patinha e a bola de papel. Deliciam-no os romances em series — 20 capitulos — cheios de difficuldades e de mysterios, que se resolvem na próxima semana, — thesouros enterrados — auneis fatais — ban-didos indús — "virgens" marcadas. . . etc.

Para o Snr. Todo-o-mundo, e Exina. Família, os actores preferidos sãos os dos papeis sympa-ticos, sejam verdadeiros artistas ou não. São as meninas de fabrica que fazem casamentos ricos, ou millionarias apaixonadas por pobretões vir-tuosos (note-se, de passagem, a influencia do di-nheiro na sympatia). Detestam pelo contrario to-das as "vampires" porque seduzem os maridos e

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31 levam meninotes para a roleta, e sobretudo nem podem tolerar os grandes piratas sociaes, que, com a maior calma, jogam com o sentfrnentalismo alheio para proveito próprio. Se os supporta m ás vezes, é simplesmente pelo facto de realçarem pelo contraste, os actos virtuosos dos bons. O po-vo tem o vicio de gostar das qualidades que os outros fingem possuir, e que elle nâo pratica.

Porem os enredos são sempre vulgares. A mo-ral é útil demais, porisso não nos interessa. . .

No palco mudo os príncipes do cynismo pas-sam desapercebidos na sua arte, quando não re-cebem nas ruas vaias e pedradas, como Stuart Holmes — calmo, deante dessa manifesta admi-ração á renvers, e sorridente por saber que o ódio resulta d'elle ser tão bom actor que o levaram a ser io . . .

Um poema inesquecível é o Medico e o Mons-tro (Dr. Jeckyll and Mr. Hyde, de Srevenson). Quando John Barrymore bebe a tisana enfeitiça-da que o transforma em malvado, por simples jo-gos de physionomia, vae fazendo aos poucos trans-parecer em suas feições alteradas a hediondez do seu novo temperamento. Em contracturas horrí-veis, suas faces se escavam, os cantos da bocca tornam-se indecisos; o lábio inferior cáe mos-trando a segunda fileira de dentes, escuros, des-iguaes. Surgem rugas denunciadoras de vicios re-pellentes. Os cabellos vão raleando e caindo alon-gados, como um véo que disfarçasse o seu olhar turvo de reprobo. As unhas cresceram, e os de-dos se recurvaram em garra. Eis pronto o homem que se torce de gozo ao maltratar crianças, e ma-ta o seu melhor amigo, com a delicia prohibida do collegial comendo chocolate ás escondidas.. .

Maltratar friamente, só pela emoção de assis-tir soffrer, é prazer refinado de pouquíssimos eleitos. Maldades por vingança são demasiado ba-naes (já está mofada e azeda a geléa dos deu-s e s . . . ) , porem praticar malvadezas gratuitas é um aperfeiçoamento só attingido pelos que ap-prenderam a adormecer o bicho-carpinteiro do re-morso.

Em "Satanaz", Conrad Weidt desenvolve um trabalho neste gênero verdadeiramente insuperá-vel. Tece intrigas medonhas, e coloca os fanto-ches uns deante dos outros. Finge-se amigo de to-dos para poder aconselhal-os perversamente. Fal-os beber, e atiça-os. E eis chegada a hora do gozo supremo, e, com todo descáro, ainda lhes diz: "Em todos os logares onde se bebe, se dança e se ma-ta, estou presente".

Ha ainda cynicos de outros gêneros. Irving. Cuurmings engana meia dúzia de mulheres, e to-das acreditam ser a única.

Von S„roheim, commove lyricamente a sua criada, e empalma-lhe todas as economias com serenidade.

Alem de tudo, devemos admirai-oe pela sua co-ragem.

A moral e a arte teem tanto a ver uma com a outra, quanto a Bíblia com uma caixa de phos-phoros marca Olho: ambas se referem ao Fiat Lux ! . . . A.

LUZES & REFRACÇÕES

NA REDACÇÃO DE "KLAXON"

TRISTE FIM DE UM HOMEM DE BEM SGENA RÁPIDA E IMPRESSIONANTE

(Quatro horas da tarde. A hora está em mangas de camisa. C-A-Ít-O-R. Um redactor está lendo "Os Luziadas" de Luiz de Camões. En-tra um homem glabro de sobrecasa-ca cinzenta, cartolinha cinzenta, po-lainas cinzentas, cara enorme cin-zenta, que esteve ha dois minutos en-tre as mãos de um barbeiro.)

O HOMEM GLABRO — E' o sr. Andrade ? O REDACTOR — Depende. . . O HOMEM GLABRO — Comprebendo. Ah!

Ah! Ah! Os futuristas são assim mesmo. Bõa pia-da ! Ah Ah! Ah! Impagável! Agora., a minha apre-sentação. . .

(O homem glabro desdobra uma folha de papel e lê.)

NEPTUNO

Ao glauco mar desci, quar pescador de pérolas, guiado pela luz de um grande .<onho exúl.

querulas, sul.

cerulas, : p a u l . . .

madreperolas azul !

mesmo, a esmo. pharol ?

pallido: esquálido,

sob o regio esplendor diamantino do sol !

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32 O REDACTOR —=- O sr. acceita um cigarro ? O HOMEM GLABRO — Então, que tal ? E* uma das minhas ultimas producçôes. Como o

sr. vê, sou futurista. Faço questão de declarar, al-to e bom som, que acceito todos os dogmas da novel e progressista escola literária. . . Um phos-phoro, faça o favor? . . Obrigado.. Como eu ia dizendo, acceito todos os dogmas. . . Não todos, quasi todos. . . Sim, porque, quer que lhe diga, aqui entre nós ? Eu faço uma pequenina restric-ção, apenas uma, ás suas theoriai>\ Só com uma cousa eu não posso concordar, absolutamente não posso concordar: abolir a chave de ouro nos so-netos. Isso também é demais u r ra ! Isso também não !

Este numero de KLAXON é dedicado a GRA-ÇA ARANHA. Significa toda a alegria de havermos encontrado em nosso caminho um espirito tão bello e tão alto, que soube sorrir para nós, emprestando-nos um pouco do seu en-thusiasmo para multiplicar o nosso.

GRAÇA ARANHA é um companheiro deli-cioso, que já viajou muito pela vida e nos sabe contar as peripécias mais nossas de suas via-gens. Um companheiro sempre alegre, sempre feliz, mais moço do que qualquer um de nós, alma sensível, espirito universal, cérebro de ar-tista e de phüosopho, chimico do sonho brasi-leiro, Rouget de L'Isle da literatura brasileira.

Este numero de KLAXON é mais volumoso que os outros, para que o abraço dos klaxistas a GRAÇA ARANHA seja mais forte e mais longo.

O atrazo deste numero é devido exclusiva-mente á greve dos graphícos em São Paulo.

Paolo Buzzi acaba de publicar os "Po*mi de Quarantanni"

j a o conhecíamos em prosa. Nos "Poeini conserva a mesma originalidade ardente, tra tando-a com superior technica em versos de ria assonancia. Multicôres e dourados, os versos doi Ppemi traduzem a phantasia exuberante, pode rosa, modera tsslma do seu espirito, alliada > uma sensibilidade penetrante. Mais adiante tra tando dos autores que ama, fal-o com extremadi fervor, revelando-se o artista enthusiasta e sin cero. Lembrou-nos um Villa-Lobos com a factu ra do autor de "Calendários".

Paolo Buzzi faz parte da pleiade de bronz< encabeçada por Marinetti. Ao lado de Janelli Bruno, Remoehiti, Cangirello e tantos outros esforça-se soberbamente por renovar o espiriti da velha Europa. Desde já se pôde considera; victorioso e talvez um dia lhe devamos a res sureição do gênio Latino.

Y. * * *

Um critico do Mundo Literário e que tam bem é collaborador de Klaxon. falando sobre ( movimento artístico de S. Paulo, tomou-se d< fúria contra o sereníssimo poeta Amadeu Ama' ral, disse-The cousa,s pezadas e, num ultime arranco nervoso, atirou-o para a prateleira ondí estão, alinhados e bojudos, esses entes «em es piritualidade e sem raciocínio chamados Joaquin de Queiroz, Ohiquinho Maurício e quejandos. ( critico quando escrevia, estava evidentement» afobado, neurasthenico. Do contrairio não se ex pllca a objurgatoria contra um dos mais ele vados poetas que o Brasil tem tido, — tã( elevado que passa, para muita gente, por en fadonho e incomprehenslvel. Portanto, é uras alma impenetrável ao espirito burguez e futll d: nossa civilização. Paira a burguezia, ahi estai os vtersos campanudos do snr. Martins Fontes < a poesia f.Or de laranjeira do snr. Laurindo di Brito.

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k l a x o n Revista Internacional

DE

Arte Moderna COLLABORADORES

BRASILEIROS: Zina Aita, Guilherme de Almeida, P. Rodrigues de Almeida, Renato Almeida, Tarsila Amaral, Oswald de Andrade, Graça Aranha, Luiz Aranha, Carlos Alberto de Araújo, A. V. Azevedo, Manoel Bandei-ra, Victor Brecheret, Sérgio Buarque de Hollanda, Ronald de Carvalho, Alberto Cavalcanti, A. C. Couto de Barros, Ribeiro Couto, Di Cavalcanti, Joaquim Inojosa, Anita Malfatti, Durval Marcondes, Serge Milliet, Rubens de Moraes, Motta Filho, Menotti dei Picchia, Plínio Salgado, Yan» etc.

BELGAS: Roger Avermaete, Bob Claessens, Joseph Billiet.

FRANCEZES: Charles Baudouin, Nicolas Bauduin, Mareei Millet, Henry Mugnier.

HESPANHÚES: Guillermo de Torre.

ITALIANOS: Claudius Caligaris, Gaetano Cristaldi, Vin. Ragognetti.

PORTUGUEZES: Antônio Ferro.

Numero Avulso: 1W0O- Assignatura: anno 12$000

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Aviso á Praça Pantosopho, Pateromnium & Cia., proprietá-

rios da Grande Fabrica Internacional de Sonetos, Madrigaes, Bailadas e Quadrinhas, comunicam que, em virtude do grande movimento de suas of-ficinas nestes últimos tempos, e, para attender a innumeros pedidos de freguezes, resolveram mon-tar, na cidade de São Paulo, um LABORATÓRIO DE ANALYSES CHIMICOS GRAMMATICAES além de um moderno GABINETE DE INVESTIGA-ÇÕES E CAPTURAS LITERÁRIAS.

Confeccionam-se, com perfeição, mofinas, ver-rinas, diatribes, catilinarias e pampiiletos.

Trabalho garantido e sério. Acceitam-se en-commendas para serem executadas em 12 ou 24

I horas. Promette-se discreção.

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