Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

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Tradução mecânica do espanhol para o português, sem revisão ou formatação.

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Indique

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Argumento………..…………………………………………..3

Capítulo 1……………………….…………………..…………4

Capítulo 2………………………….……………...…………10

Capítulo 3……………………….……………………………42

Capítulo 4………………………….…………………………65

Capítulo 5………………………….…………………………94

Capítulo 6……………….………….………………………126

Capítulo 7………………………..…………………………141

Capítulo 8…………………….….…………………………161

Capítulo 9…………………….….…………………………172

Capítulo 10.…………………..……………………………197

Epílogo…………………………….………………………...211

Resenha bilbiográfica……...………….…………………217

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Sinopse

Se não fora pela magia, Atlanta seria uma cidade agradável para viver…

Quando a magia se estende, os monstros reptan de entre as sombras e os

bruxos urdem seus feitiços, enquanto que as armas de fogo deixam de

funcionar e os carros se detêm. Mas a tecnologia sempre retorna, e a magia

retrocede tão

sigilosamente como apareceu, deixando detrás de si uma esteira de moléstias

paranormais.

Kate Daniels é uma mercenária feita a si mesmo que ganha a vida resolvendo

esse tipo de inconvenientes mágicos. Entretanto, quando seu guardião é

assassinado, seu desejo de justiça a situa no centro de um conflito pelo poder

entre duas das principais facções das altas esferas mágicas de Atlanta. Os

Senhores dos Mortos, nigromantes que controlam aos vampiros, e a Manada,

um clã paramilitar de cambiaformas, acusam-se mutuamente de uma série de

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estranhos assassinatos. A morte do guardião do Kate pode ser uma das

chaves para a resolução do mistério. s por ambos os bandos em sua busca do

assassino, Kate compreenderá muito tarde que o caso lhe escapa das mãos.

Embora o único que pode fazer é seguir adiante…

«Desfrutem com uma nova e esplêndida fantasia urbana… Não posso esperar

a ter entre minhas mãos o novo livro da série, ou qualquer outra coisa que

escreva Ilona Andrews». Patricia Briggs, autora do Cry Wolf.

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Capitulo 1

Quando me alcançou a flutuação mágica estava sentada à mesa da cozinha,

virtualmente às escuras, contemplando ensimismada uma garrafa de limonada

forte Boones' Farm, As barreiras de amparo oscilaram e se paralisaram,

despojando à casa de suas defesas, O televisor se acendeu sozinho, alagando

a casa vazia de um som pouco natural. Enarqué‚ uma sobrancelha sem apartar

o olhar da garrafa e me aposté‚ com esta a que apareceria outro boletim de

notícias urgente, A garrafa perdeu a aposta.

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— Boletim urgente! —anunciou Margaret Chang—. O Fiscal General informa a

todos os cidadãos de que qualquer tento de convocar ou forçar a aparição por

outro meio de um ser sobrenatural pode ser perigoso para a gente mesmo e

para o resto de cidadãos.

— Não jodas —lhe disse à garrafa.

— A polícia Local recebeu a autorização para impedir este tipo de atividades

com todos os meios a seu alcance.

Margaret contínuo tagarelando monótonamente enquanto eu me concentrava

no sanduíche. A quem queriam enganar? Era impossível que a polícia pudesse

frustrar todos os intentos de invocação que se produziam diariamente. Solo um

bruxo qualificado podia detectar uma invocação em processo. E qualquer idiota

que soubesse ler medianamente bem e com a suficiente habilidade para utilizar

seu limitado poder podia tentar uma. antes de te dar conta tênias a um deus

eslavo de três cabeças causando estragos no centro de Atlanta, do céu

choviam serpentes aladas e os SWAT pediam mais munição a gritos. Aqueles

eram tempos muito inseguros. Embora se não fossem, seria uma mulher em

parada. No plácido mundo tecnológico não havia lugar para uma mercenária

com poderes mágicos, Quando a gente tinha um problema relacionado com a

magia, um no que a polícia não podia ou não desejava envolver-se, chamava o

Grêmio de Mercenários. Se o trabalho se produzia dentro de meu território, o

Grêmio me chamava . Fiz uma careta e me froté‚ o quadril. Ainda me doía

depois do último trabalho, embora a ferida se curou melhor do que esperava.

Aquela era primeira e última vez que aceitava me enfrentar ao Verme Empala

sem armadura

completa. A próxima vez exigiria um traje de contenção de nível quatro.

Alcançou-me uma fria quebra de onda de medo e repugnância. Me revolveu o

estomago e uma substância azeda se hospedo em minha garganta, me

deixando um gosto amargo, Um calafrio me percorreu o espinho dorsal e me

arrepiou o diminuto pêlo da nuca.

Uma presença maligna em minha casa.

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Deje‚ o sanduíche no prato e apreté‚ o botão do mando a distancia para

silenciar o televisor, Na tela, Margaret Chang conversava com um homem de

rosto pétreo e corte de cabelo militar, Um poli. Certamente da Divisão de

Atividade Paranormal.

Apoyo‚ uma mão sobre a adaga que tinha no regaço e me quede‚

completamente imóvel.

Escutando, Esperando.

Nenhum som interrompeu o silêncio lhe reinem Se formou uma gota de água

na superfície úmida da garrafa do Boone's Farm e escorregou por um de seus

reluzentes flancos.

Algo grande avançou lentamente pelo teto do corredor até a cozinha. Fingi não

reparar em sua presença. deteve-se minha direita, um pouco detrás de mim, de

modo que não tive que fingir muito.

O intruso duvido um instante, deu-se a volta e se sujeito ao ângulo que formava

o teto e a parede. ficou ali, obstinado à madeira com suas enormes garras

amarelas, imóvel e silencioso como uma gárgula a plena luz do dia. Dava um

rápido gole da garrafa e a deje‚ sobre a mesa para poder ver o reflexo da

criatura nela. Nu, sem cabelo e com um corpo magro e fibroso. Sem a menor

presencia de graxa. Sua pele se esticava de tal modo sobre os duros tendões

de seus músculos que parecia estar a ponto de rasgar-se. Como uma magra

capa de cera sobre um modelo de anatomia.

O típico e amigável Spiderman.

O vampiro elevo a mão esquerda. Suas garras, afiadas como adagas,

rasgaram o ar de um lado ao outro, como arqueadas agulhas de costurar.

Torceu a cabeça em um gesto animal e me estudo com uns olhos chamejantes

que transmitiam uma loucura muito particular, uma nascida da sede de sangue

e despojado de qualquer pensamento ou contenção.

Em um só movimento, dava-me a volta e lancé‚ a adaga.

A negra folha penetro limpamente na garganta da criatura.

O vampiro ficou petrificado e suas garras amarelas deixaram de mover-se. Um

sangue espesso e purpúreo se acumulou na folha da adaga e, lentamente,

escorregou pela carne nua do pescoço do vampiro, manchando seu peito e

jorrando até o chão. Suas facções se crisparam ao tentar adotar outra

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fisionomia. Quando abriu seus fauces, fizeram-se visíveis duas presas

curvadas como foices de marfim em miniatura.

— Isso foi que o mas desconsiderado, Kate. —A voz do Ghastek me chegou

através da garganta do vampiro—. Agora tendrás‚ que lhe dar de comer.

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— É um ato reflito. Sonha o sino, agarro comida. Vejo um morto vivente, lanço

a faca. É muito parecido. —O rosto do vampiro se sacudiu como se o Senhor

de quão mortos o controlava tentasse entreabrir os olhos.

— estas Que‚ bebendo? —perguntou Ghastek.

— Boone's Farm.

— Pode te permitir algo melhor.

— Não quero nada melhor. Eu gosto do Boone’s Farm. E prefiro falar de

negócios por telefone. Embora contigo, prefiro não falar de nada.

— Não quero te contratar, Kate. Tão solo é uma visita de cortesia.

Mire‚ fixamente ao vampiro e desee‚ poder cravar minha faca no pescoço do

Ghastek. Se pudesse seccionar sua carne me sentiria de primeira. Por

desgraça, Ghastek estava sentado em uma habitação blindada a muitos

quilômetros dali.

— você adora jogar comigo, verdade?

— Imensamente.

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Pergunta-a do milhão de dólares era por que?

— Que‚ quer? Fala rápida, o Boone's Farm se está esquentando.

— Só me perguntava —disse Ghastek com uma seca neutralidade muito

própria do—. Quando foi a última vez que viu seu guardião.

A despreocupação com a que o disse fez que um calafrio me percorresse todas

as costas.

— por que?

— Por nada. como sempre, foi um prazer.

Com um único e poderoso salto. O vampiro se separo da parede e saiu pela

janela aberta. Levando-se minha faca com ele. Enquanto amaldiçoava em voz

baixa, alargue‚ a mão para agarrar o telefone e marque‚ o número da Ordem do

Auxílio

Misericordioso. Nenhum vampiro podia superar minhas barreiras quando a

magia estava em pleno apogeu. Como Ghastek não tênia forma de saber

quando retrocederia a magia, devia ter estado observando minha casa durante

um bom momento, esperando a que meus conjuros defensivos deixassem de

ser efetivos. Dava um sorvo da garrafa. Aquilo significava que um vampiro tinha

estado oculto em algum lugar próximo quando llegue‚ a casa a noite anterior. E

não o tinha visto nem tinha percebido sua presença. Podia eliminar diretamente

o de minha carteira de mercenária.

Um tom. Dois. Três. Por qué‚ me teria perguntado Ghastek pelo Greg?

O aparelho emitiu um estalo e uma severo voz feminina pronunciou a frase

habitual:

— Eu gostaria de falar com o Greg Feldman.

— Seu nome? —Uma sutil nota de ansiedade pontuava sua voz.

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— Não tenho que te dar meu nome —lhe disse ao auricular—. Eu gostaria de

falar com o cavalheiro místico.

Uma pausa, depois da qual, uma voz masculina me disse:

— Por favor, identifique-se.

Estava-me entretendo, provavelmente para rastrear A chamada. Que‚

demônios estava ocorrendo?

— Não —disse com firmeza—. Pagina número sete da Carta, terceiro

parágrafo, parte inferior: Como cidadã, insisto em que me passem agora

mesmo com o cavalheiro místico ou me indiquem a hora em que posso

encontrá-lo.

— O cavalheiro místico esta morto —disse a voz. O mundo se deteve. Me

deslice‚ através de sua imobilidade, aterrada e incapaz de manter o equilíbrio.

Ardia-me a garganta. O coração me pulsava desbocado—. Como? —Consegui

manter a calma.

— Morreu em ato de serviço.

— Quem o fez?

— O caso está sendo investigado. Escute, se pudesse me deixar seu nome. —

Presioné‚ o botão para cortar a chamada e dejé‚ o auricular em seu sítio. Mire‚

a cadeira vazia ao outro lado da cozinha.

Por volta de uma semana, Greg tinha estado sentado nessa cadeira,

removendo o café‚ com uma colherinha. A colherinha tinha esboçado círculos

precisos, não permitindo nunca que seus lados roçassem a taça. Durante um

instante, enquanto a lembrança resistia a abandonar minha mente, pude

visualizá-lo ali sentado.

Greg me observava com seus olhos escuros, tristes, como os olhos de uma

estátua.

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— Por favor, Kate. Deixa por um momento de lado o fato de que não te caia

bem e escuta o que tenho que te dizer, Tem sentido.

— Não me cai mau. Isso é simplificar muito as coisas.

Greg assentiu com aquela expressão paciente que estava acostumado a voltar

loucas às mulheres, —É obvio, Não desejo te incomodar nem simplificar seus

sentimentos. Só desejo que nos concentremos no realmente importante.

Escutasse-me?

Me eche‚ para trás na cadeira e me cruce‚ de braços.

— Escuto-te.

Introduziu uma mão no interior de sua jaqueta de pele e extraiu um cilindro de

pergaminho. Deixo-o sobre a mesa e o desenrolo lentamente, mantendo-o

estendido com a ponta dos dedos.

— É o convite da Ordem.

Me lleve‚ as mãos à cabeça.

— Já esta, acabo-se.

— me permita terminar —disse ele. Não parecia zangado.

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Não me disse que estava me comportando com uma cria, embora eu sabia que

o estava fazendo. Aquilo me pôs até mais furiosa.

— Esta bem —disse.

— dentro de poucas semanas fará vinte e cinco anos. Embora se por acaso

solo não seja grande coisa, conduz certas conseqüências pelo que se refere ao

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protocolo de admissão na Ordem, É muito mas complicado ingressar

acontecidos os vinte e cinco. Não impossível, mas mais difícil.

— O se‚ —lhe disse—. Me enviaram o folheto.

Greg soltou o cilindro e se recostou na cadeira enquanto entrelaçava os dedos.

O cilindro permaneceu aberto em que pese a que todas as leis da física

indicavam que teria que haver-se voltado a enrolar. Às vezes Greg se esquecia

da física.

— Nesse caso, conhecem as penalizações pela idade.

Não era uma pergunta, mas a conteste‚ de todos os modos.

— Se.

Greg suspiro. Foi um movimento sutil, solo perceptível para aqueles que lhe

conheciam muito bem. Pelo modo em que estava sentado, imóvel, estirando

ligeiramente o pescoço, soube que tinha previsto minha decisão.

— Eu gostaria que o reconsiderasse —disse.

— Não vou fazer o. —Por um instante pude ver a frustração refletida em seus

olhos. Ambos sabíamos o que ficava sem dizer: a Ordem oferecia amparo. E o

amparo era primitivo para alguém de minha linhagem.

— Posso te perguntar por que? —disse o.

— Não vai comigo, Greg. Não me sinto cômoda com as hierarquias.

Para o, a Ordem era um lugar onde refugiar-se e sentir-se seguro, um lugar de

poder. Seus membros estavam completamente comprometidos com os valores

da Ordem, e a serviam com tal dedicação que, a aquelas alturas, a

organização já não parecia a união de seus integrantes a não ser uma entidade

em se mesma; uma entidade pensante, racional e incrivelmente poderosa.

Greg a tinha aceito e ela cuidava do. Eu a tinha rechaçado e quase me tinha

perdido a meu mesma.

— Cada minuto que pase‚ ali sentia que ficava menos de mim —lhe disse—.

Como se me estivesse encolhendo, minguando. Tinha que me largar, e não

penso retornar.

Greg me Miro com uma terrível tristeza refletida em seus olhos escuros. A

tênue luz da cozinha, sua beleza resultava assombrosa. De um modo algo

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perverso, me alegre‚ de que meu cabezonería lhe tivesse obrigado a vir para

ver-me, e agora o tênia sentado a menos de um metro por mim, um príncipe

elfo de idade indefinível, elegante e aflito.

Deus, quanto me odie‚ a minha mesma por aquela fantasia de menina

pequena.

— Se me perdoar —lhe disse.

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Greg pisco várias vezes, surpreso por minha formalidade, e ficou em pé

lánguidamente.

— É obvio. Obrigado pelo café.

O observe‚ enquanto se dirigia à porta. Já tinha escurecido e a brilhante luz da

lua tingia de prata a erva do jardim. Junto ao alpendre, as Rosas de Síria

resplandeciam entre os arbustos como estrelas dispersas.

Observe‚ como Greg descendia os três degraus de cimento e se internava no

jardim.

— Greg?

— Se? —deu-se a volta. Sua magia cintilo a seu redor como se se tratasse de

um manto.

— Nada. —E cerré‚ a porta.

Era o ultimo lembrança que tênia do. De pé frente ao jardim, banhado pela luz

da lua, envolto em sua magia.

OH, Deus.

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Me rodee‚ o corpo com os braços. Embora tinha vontades de chorar, as

lágrimas não apareceram. Tênia a boca seca.

Tinha perdido o último laço que unia a minha família. Não ficava ninguém.

Tinha perdido a minha mãe, a meu pai e agora ao Greg. Apertei os dentes e

comecei a fazer a mala.

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Capitulo 2

A magia tinha chegado enquanto guardava na bolsa o essencial, de modo que

tive que agarrar ao Karmelion em lugar de meu carro habitual. Karmelion, uma

caminhonete desmantelada, oxidada, de cor verde bílis e sem luz dianteira

esquerda, solo tinha uma vantagem: funcionava com água induzida por magia

e podia utilizar-se durante uma quebra de onda mágica. Ao contrário que o

resto de veículos, a caminhonete não produzia os habituais ronroneos,

murmúrios ou outros sons típicos de um motor, mas sim grunhia, gemia,

resmungava e emitia estrondos lhes ensurdecer com deprimente regularidade.

Não tinha a menor ideia de quem a tinha batizado com o nome do Karmelion

nem por que. Tinha-a comprado em uma chatarrería com o nome

rabiscado no pára-brisa.

Por sorte, habitualmente Karmelion só devia percorrer os cinqüenta quilômetros

que separavam minha casa do Savannah. Aquele dia, entretanto, obriguei-a a

circular pela linha de energia, o que, por si só, tampouco o fazia nenhum mal,

já que a linha a arrastou diretamente até as imediações de Atlanta. Não

obstante, o atalho que cruzava a cidade não lhe sentou muito bem. Agora a

caminhonete se estava esfriando em um estacionamento enquanto jorrava

água e destilava magia. O gerador demoraria uns quinze minutos em voltar-se

para esquentar, mas não me importava. Tinha a intenção de ficar ali durante

um tempo. Odiava Atlanta. Odiava as cidades, ponto.

Enquanto esperava na calçada, joguei uma olhada ao desvencilhado edifício

onde supostamente estavam os escritórios da Capela de Atlanta da Ordem de

Cavalheiros do Auxílio Misericordioso. A Ordem se esforçava em ocultar sua

autêntica dimensão e poder, mas neste caso se passaram da raia. O edifício,

um cubo de cimento de três pisos, parecia um molar picada rodeada de

majestosas casas de tijolo. As paredes exteriores luziam manchas ferrugentas

de cor laranja produzidas pela água de chuva desalojada do teto metálico por

canelone tachonados de orifícios. As pequenas janelas estavam protegidas

com grosas grades metálicas, e umas pálidas persianas cobriam os poeirentos

cristais.

Tinha que haver outras instalações na cidade. Um lugar onde trabalhasse o

pessoal de apoio enquanto os agentes de campo se encarregavam de manter

as aparências. Disporia de um enorme arsenal de última geração, uma rede de

área local e uma base de dados em que estariam registradas todas as pessoas

com poderes, tanto mágicos como mundanos. Em algum lugar daquela base

de dados estaria meu nome enterrado em seu pequeno nicho, o nome de uma

marginada, indisciplinada e inútil. Justo como eu gostava.

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Apoiei uma mão na parede. A uns seis milímetros da superfície, meus dedos

toparam com uma resistência elástica, como se estivesse espremendo uma

bola de tênis. Minha pele emitiu um trêmulo resplendor prateado e apartei a

mão. O edifício estava fortemente protegido contra qualquer tipo de magia

hostil. Se alguém com a suficiente energia lançasse uma bola de fogo contra

ele, o mais provável é que ricocheteasse sem deixar o mais mínimo rastro na

fachada cinza.

Abri uma das duas portas metálicas do edifício e entrei nele. Um estreito

corredor se abria a minha direita e terminava em uma porta com um enorme

letreiro vermelho e branco: Solo pessoal autorizado. A outra opção era um

lance de escadas que conduzia ao primeiro piso.

Decidi-me pelas escadas, as quais, descobri surpreendida, estavam bastante

podas. Ninguém tentou me deter. Ninguém me perguntou que fazia ali.

Note, somos amáveis e nada ameaçadores. Nosso objetivo é ajudar à

comunidade, e inclusive permitimos que qualquer entre livremente em nossos

escritórios.

Podia entender a necessidade de um edifício despretensioso, mas, segundo o

registro público, o pessoal da Capela estava composto unicamente por nove

cavalheiros: um protetor, um místico, um cuestor, três defensores e três

guardiães. Nove pessoas para controlar uma cidade do tamanho de Atlanta.

Muito acreditável. As escadas terminavam em um patamar com uma única

porta grafite de verde pálido. Uma pequena adaga brilhava tenuemente em sua

superfície, à altura de meus olhos. Não me pareceu adequado chamar com os

nódulos, de modo que a abri e cruzei a soleira. Ante mim, um comprido

corredor bombardeou meus olhos cansados com uma descomunal variedade

de cores: cinza, cinza e ainda mais cinza. Gasta-a tapete era de um monótono

tom cinza; as paredes estavam pintadas com dois matizes distintos de cinza:

mais claro na parte superior e de um escuro cinza cinza na parte inferior. As

pequenas verrugas do teto, aplique elétricos, também eram cinzas. Não era

estranho que o desenhista tivesse eleito um cristal defumado para que

harmonizasse com o resto da decoração. O lugar estava impoluto. O corredor

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tinha várias portas, depois das quais supus que haveria escritórios individuais.

Ao final do corredor, um escudo ovalado e esmaltado em negro pendurava de

uma porta maciça de madeira. No centro do escudo, a silhueta metálica e

polida de um leão rampante. O símbolo do cavalheiro—protetor. Justo o tipo ao

que queria ver.

Percorri o corredor em direção ao escudo, jogando uma olhada aos escritórios

à medida que passava frente a elas. A minha esquerda vi uma pequena

armería. Um homem baixinho e musculoso estava sentado em um banco de

madeira polindo uma dha.

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A larga folha da espada curta de origem vietnamita brilhou ligeiramente quando

o homem percorreu o metal azulado com um pano empapado em algum tipo de

lubrificante. A minha direita, um escritório pequeno mas imaculada. Um homem

negro e corpulento, embainhado em um traje caro, estava sentado frente a um

escritório, falando por telefone. Quando me viu, sorriu-me amavelmente com

um gesto automático e continuou com a conversação. Se tivesse estado em

seu lugar, eu tampouco me teria cuidadoso duas vezes. Levava posta minha

roupa habitual de trabalho: jeans o suficientemente soltos para poder lhe chutar

o pescoço a um homem mais alto que eu, uma camisa verde e cômodas

esportivas. Assassina descansava em sua vagem a minhas costas, oculta

parcialmente pela jaqueta. O punho me sobressaía por cima de meu ombro

direito, mas conseguia dissimulá-la me recolhendo o cabelo em uma espessa

trança. Era uma solução bastante incômoda: a trança me golpeava nas costas

quando corria e se convertia em um cabo ideal para mim oponente durante

uma briga. Se tivesse sido um pouco menos presumida, me teria talhado isso

tempo atrás, mas já tinha renunciado à roupa feminina, à maquiagem e à roupa

interior sexy em altares da funcionalidade. Não poderia suportar ter que

sacrificar também meu cabelo. Cheguei frente à porta do protetor e chamei

com os nódulos.

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— Um momento, querida —disse a severo voz feminina que tinha ouvido no dia

anterior através do telefone.

Olhei em sua direção e vi um pequeno escritório repleto de arquivos. No centro

da mesma havia um enorme escritório e, ascensão a este, uma mulher de

média idade. Era alta, delicada e extremamente magra, com um halo de cabelo

encaracolada cinza platina sobre sua cabeça. Vestia um elegante traje calça de

cor azul. junto a uma pata da cadeira, que devia ter utilizado para subir ao

escritório, um par de sapatos a jogo com o traje.

— Está ocupado com outra pessoa, querida —me disse a mulher. Levantou as

mãos por cima da cabeça e se dispôs a trocar a frisada lâmpada do abajur

feérica fixada junto a um spot elétrico—. Não tem entrevista, verdade?

— Não, senhora.

— Bom, pois é seu dia de sorte. Tem a manhã livre. por que não me diz você

nome e o motivo de sua visita? Assim verei o que nos poder fazer por ti.

Esperei até que terminou de colocar em seu sítio a lâmpada feérica, disse-lhe

que estava ali pela morte do Greg Feldman e lhe entreguei meu cartão. A

mulher a aceitou sem mostrar nenhum tipo de reação e assinalou um ponto

situado detrás de mim.

— Ali há uma sala de espera, querida.

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Dava-me a volta e me encaminhei à sala de espera. Não era mais que outro

escritório com uma poltrona negra de pele e duas cadeiras. junto à porta, sobre

uma mesa pega à parede, havia uma cafeteira cercada por duas pilhas de

pequenas taças de louça. junto às taças, vi um grande de açúcar, e junto a

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este, duas caixas do Donuts Duncan. Minha mão se desviou para as doa, mas

consegui me conter. Qualquer que tivesse provado as doa do velho Scott

aprendia rapidamente que resultava impossível contentar-se com um sozinho,

e apresentar-se no escritório do protetor com as mãos manchadas de nata de

chocolate não era o melhor modo de lhe causar uma boa impressão.

Encontrei um lugar seguro junto à janela, longe das doa, e olhei ao exterior

através dos barrotes, à estreita franja de céu encapotado e emoldurado pelos

telhados circundantes. A Ordem do Auxílio Misericordioso oferecia justo o que

seu nome indicava: auxílio misericordioso a todo aquele que o pedia. Se a

pessoa podia pagar, a Ordem cobrava seus serviços; se o interessado não

tinha recursos, matavam pró bônus a destro e sinistro em seu nome.

Oficialmente, sua missão era proteger à humanidade contra qualquer ameaça,

com a magia ou o poder das armas. O problema era que a definição de

ameaça resultava do mais flexível e, de vez em quando, auxílio misericordioso

significava que o cliente acabava com o jugular seccionada.

Embora a Ordem sempre conseguia sair impune. Sua filiação era muito

capitalista para ser ignorada, e a tentação de recorrer a ela muito grande. O

governo lhe tinha conferido a condição de terceiro ramo no triunvirato

encarregado da ordem pública. Em teoria, a Divisão Policial de Atividade

Paranormal, as Unidades de Defesa Paranormal do Exército e a Ordem do

Auxílio Misericordioso deviam colaborar entre elas para manter a segurança da

população. Na prática, não tudo funcionava tão bem. Os cavalheiros da Ordem

eram solícitas, competentes e letais. Ao contrário que os mercenários do

Grêmio, não se deixavam levar pelo interesse econômico e sempre se

mantinham fiéis a sua palavra. Embora, ao contrário que os mere, também

estavam acostumados a fazer julgamentos de valor e sempre acreditavam

estar em posse da verdade.

Um homem alto entrou na sala de espera. Seu vapor me alcançou antes

inclusive de lhe ver, um fedor asquerosamente doce e persistente a lixo em

decomposição. O homem levava um amplo impermeável marrom manchado de

tinta e graxa e talher de tantas variedades de comida e restos de lixo que

parecia o jovem José com seu casaco de inumeráveis cores. Levava o

impermeável sem grampear, por isso pude distinguir uma abominação em

forma de camisa: azul e vermelha com raias de tartán verdes. sujeitava-se as

sujas calças cáqui com uns suspensórios de cor laranja. Calçava umas velhas

botas de pára-quedista com as pontas metálicas e se cobria as mãos com

umas luvas de pele com as pontas cortadas à altura do primeiro nódulo.

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Na cabeça levava um chapéu de feltro, um Fedora passado de moda,

deteriorado e sujo além do possível. Sob o chapéu, um grosso cabelo castanho

esvaído lhe emoldurava o rosto em um matagal murcho e sem vida.

À lombriga, tirou-se o chapéu e o sustentou entre o dedo indicador e o coração,

do mesmo modo em que algumas pessoas sujeitam o cigarro. Foi então

quando reparei em seu rosto: facções duras, barba de três dias e olhos pálidos,

ansiosos e frios. Não havia nada especialmente ameaçador em seu modo de

me olhar, mas algo atrás daqueles olhos me fez desejar levantar as mãos e

retroceder lentamente até que pudesse sair correndo para salvar o pele.

— Señooooora —disse o homem arrastando muito a palavra. Pô-me os

cabelos de ponta.

— bom dia —lhe respondi com um sorriso. Embora minha saudação soou mas

bem a «taueeeeen cão». Teria que acontecer ele se queria sair da habitação. A

recepcionista foi a meu resgate.

— Já pode passar, querida —me chamou desde seu escritório.

O homem se apartou, fez uma pequena reverência e passei por seu lado. O

lateral de minha jaqueta roçou sua impermeável, provavelmente recolhendo

suficientes bactérias para aniquilar a um pequeno exército. em que pese a

tudo, não retrocedi.

— Encantado de me conhecê-la sussurrou ao passar por seu lado.

— O mesmo digo —lhe respondi antes de me refugiar no escritório do protetor.

Era uma habitação bastante espaçosa, pelo menos o dobro de grande que o

resto de escritórios que tinha visto até então. As grosas cortinas de cor borgoña

que cobriam as janelas deixavam entrar a luz suficiente para criar uma

atmosfera confortável. Um descomunal escritório de madeira polida de

cerejeira dominava todo o espaço. Sobre esta, uma caixa de cartão, um

pesado pisapapeles de madeira de mezquite com um adesivo dos Rangers do

Texas e um par de botas de vaqueiro marrons. As pernas dentro das botas

pertenciam a um homem fornido que estava recostado em uma

desproporcionada cadeira negra de pele com o auricular do telefone pego ao

ouvido. O cavalheiro—protetor.

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Anos atrás deveu ser um homem bastante forte, mas agora seus músculos

estavam recubiertos com o que meu pai chamava —graxa dura—. Seguia

sendo um homem corpulento e forte, e provavelmente podia mover-se com

rapidez se era necessário face à anti-estética protuberância de seu abdômen.

Levava jeans e uma camisa azul com franjas. Não sabia que seguissem

fazendo aquele tipo de roupa. A indumentária com a que se conquistou o Oeste

—ou mas bem se submeteu— era mais indicada para tipos esbeltos. Com ela,

o protetor parecia Gene Autry com problemas de sobrepeso. O cavalheiro

reparou em minha presença. Tinha um rosto largo, uma sólida mandíbula e uns

sagazes olhos azuis sob umas sobrancelhas povoadas.

14

O nariz torcido das incontáveis vezes que a tinham partido. O chapéu lhe

ocultava o cabelo, ou mas bem a ausência dele, mas me atrevi a supor que o

pouco que ficava devia ser cinza e muito curto.

O protetor assinalou uma das cadeiras vermelhas, mais pequenas que a sua,

frente ao escritório. Ao me sentar, aproveitei para jogar uma olhada ao interior

da caixa de cartão, continha uma doa de geléia médio comido.

O cavalheiro continuou com sua conversação Telefónica, de modo que

continuei com o repasse visual do escritório. Na parede de em frente, uma

imponente livraria, também de madeira de cerejeira. Sobre esta, um grande

mapa do Texas esculpido em madeira e cenário com cintas ou arame de

espinheiro. Baixo ambas as peças, uma gravura apregoava em letras douradas

o nome do fabricante e o ano de fabricação. O protetor terminou a conversação

pendurando o aparelho sem despedir-se de seu interlocutor.

— Se tiver algum documento que me mostrar, melhor que seja agora.

Entreguei-lhe meu documento de identificação mere e meia dúzia de

recomendações. Estudou-o tudo por cima.

— Águas e Bocas-de-lobo, né?

— Sim.

Page 21: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Para passear-se hoje em dia pelo rede de esgoto terá que ser duro ou idiota.

Qual dos dois é você?

— Não sou idiota, mas se lhe dissesse que sou dura, pensaria que intento lhe

impressionar, de modo que me limitarei a sorrir misteriosamente. —Ofereci-lhe

meu sorriso mais misterioso. Não se ajoelhou ante mim para me beijar os pés e

me prometer o mundo inteiro. Devia estar me oxidando.

O protetor fez uma careta ao reparar na assinatura.

— Mike Tellez. trabalhei com ele. Revista aceitar seus encargos?

— Mais ou menos.

— Qual foi o último?

— Ao Mike estavam desaparecendo grandes peças de maquinaria. Alguém lhe

disse que tinha a um marakihan recém-nascido.

— São criaturas marinhas —disse o protetor—. Morrem em contato com a

água doce. Um vago com problemas de sobrepeso que se alimentava de doa

de geléia polvilhados com açúcar glasé tinha identificado a uma desconhecida

criatura mágica sem logo que deter-se refletir. Cavalheiro—protetor.

Certamente a camuflagem era extraordinária.

— Resolveu seu problema? —perguntou-me.

— Sim. O Verme Empala —lhe disse. Se lhe impressionei, não o demonstrou.

15

— Matou-o? Muito gracioso.

— Não, limitei-me a lhe fazer a vida impossível.

A lembrança me golpeou súbitamente. Por um instante voltei a avançar

fatigosamente por um túnel mau iluminado, com excremento líquido e lixo até o

Page 22: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

quadril. A perna esquerda me ardia de dor, mas continuei avançando,

arrastando-a com dificuldade enquanto, detrás de mim, o descomunal corpo

pálido do Verme vertia seu sangue vital sobre o lodo. O escorregadio sangue

verde se formou redemoinhos na superfície, cada uma de suas células um

diminuto organismo vivo consumido por um único objetivo: voltar a unir-se. Não

importava as vezes que aparecesse aquela criatura, nem a distância entre uma

aparição e a seguinte; sempre era o mesmo Verme Empala. Solo havia um e

se regenerava continuamente.

O protetor deixou os documentos sobre o escritório.

— O que quer?

— Estou investigando o assassinato do Greg Feldman.

— Baixo que autoridade?

— A minha.

— Já vejo. —recostou-se na cadeira—. por que?

— Motivos pessoais.

— Conhecia-lhe pessoalmente? —perguntou em um tom completamente

neutro, embora o significado implícito era mais que evidente. Alegrei-me de

poder lhe decepcionar.

— Sim. Era amigo de meu pai.

— Já vejo –repetiu—. Estaria disposto seu pai a fazer uma declaração?

— Está morto.

— Sinto-o —disse ele.

— Não é necessário —lhe disse—. Não lhe conhecia.

— Tem algo que possa demonstrar sua relação com o Greg Feldman?

Poderia ter colaborado facilmente. Se tivesse comprovado meu expediente,

teria descoberto que foi Greg quem apoiou minha solicitude de entrada na

Ordem, mas não gostava de tomar essa direção.

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— Greg Feldman tinha trinta e nove anos. Era um homem extremamente

ciumento de sua privacidade e não gostava que lhe fizessem fotografias —lhe

disse enquanto lhe entregava uma pequena fotografia retangular—. Ele e eu o

dia de minha graduação no instituto. Há uma fotografia idêntica em seu

apartamento. Tinha-a em sua biblioteca, na terceira prateleira da livraria

central.

— Vi-a —disse o protetor. Jodidamente perfeito.

— me pode devolver isso por favor?

Devolveu-me a fotografia.

16

— Sabe que figuras como beneficiaria da herança do Greg Feldman?

— Não.

Não me tivesse vindo mal um instante de introspecção para dedicá-lo à culpa e

a gratidão, mas o cavalheiro—protetor não me deu pausa.

— legou seu ativos financeiros à Ordem e à Academia. —Observou-me

atentamente em espera de minha reação. Acreditava que estava interessada

no dinheiro do Greg?— Todo o resto é teu: a biblioteca, as armas, os objetos

de poder.

Não disse nada.

— pedi informação ao Grêmio sobre ti. —Seus olhos azuis se cravaram em

meus—. Sei que é muito eficaz mas que não está muito flutuante de dinheiro. A

Ordem estaria disposta a te fazer uma oferta substancial por esses objetos.

Descobrirá que a cifra é mais que generosa.

Aquilo era um insulto e ambos sabíamos. Baralhei a possibilidade de lhe dizer

que se não tivesse sido pelas vontades de farra dos jeans do Oklahoma e as

putas mexicanas, hoje em dia não existiriam os texanos, mas pensei que seria

contraproducente. Não era boa idéia chamar filho de puta ao cavalheiro—

protetor em seu próprio escritório.

Page 24: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Não, obrigado —disse com um agradável sorriso.

— Está segura? —Seus olhos me avaliaram—. Me parece que não iria mal um

pouco de dinheiro. A Ordem te dará mais de que conseguiria em um leilão. Um

conselho: agarra o dinheiro. Compra um par de sapatos decentes.

Olhei minhas gastas esportivas. Eu gostava. Quando se manchavam de

sangue, podia as limpar facilmente com lejía.

— Acredita que deveria comprar algo como isso? —pinjente assinalando suas

botas—. Quem sabe, possivelmente dêem de presente uma camisa vaqueira

com franjas. Ou uma bandagem.

Algo se agitou em seus olhos.

— Miúda boquita tem.

— Quem? Eu?

— Todo mundo pode falar. O importante é o que pode fazer. O que pode fazer

você?

Gelo instável. Avançar com precaução. Recostei-me na cadeira.

— Que o que posso fazer, senhor? Não farei nada que ameace ou que possa

me inimizar com o cavalheiro—protetor em seu escritório por muito que ele me

insulte. Seria estúpido e extremamente pernicioso para minha saúde. Solo vim

em busca de informação. Solo quero saber no que estava trabalhando Greg

Feldman quando morreu.

Durante um instante não ocorreu nada; simplesmente nos olhamos o um ao

outro.

17

Page 25: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O cavalheiro—protetor agarrou ar pelo nariz produzindo um sonoro assobio e

disse:

— Tem experiência em trabalhos de investigação?

— Claro. Incomodar aos implicados até que o sentimento de culpa faça que

alguém tente desfazer-se de ti.

O protetor fez uma careta.

— Sabe que a Ordem está investigando o caso? Em outras palavras, separa-

se de no meio, pequena, e deixa que gente mais competente que você se

encarregue disso.

— Greg Feldman era minha única família –disse—. Descobrirei quem ou o que

lhe matou.

— E depois o que fará?

— Queimarei a ponte assim que o tenha cruzado. —O protetor entrelaçou os

dedos de ambas as mãos formando um único punho.

— Algo capaz de dobrar ao cavalheiro—místico deve ter uma boa dose de

poder.

— Não por muito tempo.

Refletiu um instante sobre aquilo.

— Acredito que pode me ser útil —disse finalmente. Aquilo era

inesperado.

— Para que demônios me quereria? —Olhou-me com o que devia considerar

seu sorriso misterioso. Recordou a um urso despertando de sua letargia.

— Tenho minhas razões. Isto é o que farei por ti. Poderá pegar o selo do

Auxílio Mútuo em seu documento de identificação, o que te abrirá muitas

portas. Poderá utilizar o escritório do Greg. Poderá lhe jogar uma olhada ao

expediente aberto e ao relatório policial.

Expediente aberto significava que me entregava o caso no ponto em que o

tinha deixado Greg: dados áridos e poucos ou nenhum achado. Teria que voltar

sobre os passos do Greg. Era muito mais do que esperava.

Page 26: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Obrigado —pinjente.

— O expediente não pode sair do edifício —disse ele—. E não se podem fazer

cópias nem tomar notas. Entregará-me um relatório, solo a mim.

— Estou ligada à regra de informação do Grêmio —lhe disse.

— Já me ocupei que isso —disse com um gesto da mão.

Desde quando? O cavalheiro—protetor estava fazendo mais do que se

esperava dele sozinho para ajudar a uma desprezível mere. por que? A gente

que me fazia favores me punha nervosa. Por outro lado, era de má educação

lhe olhar os dentes a um cavalo agradável. Inclusive se quem lhe dá de

presente é isso uma salsicha embutida em uma camisa com franjas.

— Oficialmente não tem nenhum status —me disse—. Jódela e te converterá

em pessoa non grata.

18

— Entendido.

— acabamos —disse.

Quando saí de seu escritório, a recepcionista me fez um gesto para me

aproximasse e me pediu meu documento de identificação. O entreguei e

observei como pegava sobre ele um pequeno adesivo do Auxílio Mútuo, um —

selo— oficial que representava o interesse da Ordem em meu humilde

trabalho. Aquilo me abriria algumas leva e faria que muitas outras se

fechassem em meus narizes. Que demônios.

— Não faça muito caso ao Ted —disse a recepcionista ao me devolver o

documento—

. Às vezes é um pouco severo. Meu nome é Maxine.

— E eu Kate. Poderia me indicar onde está o escritório do cavalheiro—místico?

Page 27: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Encantada. A última porta à direita.

— Obrigado.

Sorriu-me e continuou com seu trabalho. Uma empregada entusiasta.

Quando cheguei frente ao escritório do Greg, fiquei na soleira. Algo não

encaixava. A luz do sol entrava por uma janela quadrada e banhava o chão, um

estreito escritório e duas velhas cadeiras. A minha esquerda, uma livraria

profunda cobria toda a parede, ameaçando vindo-se abaixo pelo peso de uns

volúmenes meticulosamente ordenados. Quatro arquivos metálicos tão altos

como eu ocupavam a parede de em frente. Pilhas e pilhas de pastas e papéis

se amontoavam nos rincões, em cima das cadeiras e o escritório.

Alguém tinha inspecionado os documentos do Greg. E o tinha feito a

consciência. Não é que tivessem saqueado o escritório, mas alguém tinha

registrado todos os arquivos e não se incomodou em voltá-los para colocar em

seu sítio, limitando-se a empilhá-los na primeira superfície horizontal a seu

alcance. Aqueles eram os documentos privados do Greg. Por alguma razão,

incomodou-me a idéia de que alguém tivesse registrado e manuseado suas

coisas e lido seus pensamentos atrás de sua morte. Entrei no escritório e senti

um feitiço protetor fechando-se detrás de mim. Símbolos ocultos se fizeram

visíveis com um brilho alaranjado, formando complexos desenhos sobre o

tapete cinza. Umas largas linhas matizadas conectavam os símbolos,

entrecruzando-se e serpenteando por toda a habitação. As intercessões

estavam marcadas com resplandecentes pontos vermelhos. Greg tinha selado

seu escritório com seu próprio sangue e me tinha entregue a chave; de não ser

assim, não teria podido ver o feitiço. Qualquer tipo de magia que levasse a

cabo naquela habitação permaneceria dentro de seus limites, e o eco da

mesma não passaria da porta. Um feitiço daquela complexidade requeria

semanas de preparação. A julgar pelo intenso brilho das linhas, devia absorver

uma grande quantidade de eco. por que se teria incomodado em fazer algo

assim?

19

Abri-me passo entre as pilhas de documentos até a livraria. Nela vi uma velha

edição do Calendário de Criaturas Místicas, uma edição ainda mais antiga do

Page 28: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Dicionário Oculto, uma Bíblia, uma formosa edição do Corán encadernada em

pele e com gravados dourados, vários volúmenes de temática religiosa e um

diminuto exemplar da rainha das fadas, do Spenser.

Continuando, aproximei-me dos arquivos. Estavam vazios, como esperava. Os

classificadores estavam marcados com o código pessoal do Greg, o qual

desconhecia. Tampouco me importava. Escolhi a pilha de documentos que

tinha mais perto e coloquei a primeira pasta no arquivo metálico.

Duas horas depois terminava de ordenar os papéis amontoados no chão e as

cadeiras e me dispunha a começar com a montanha de arquivos que cobria o

escritório. E então um sobre marrom chamou minha atenção. Estava sobre a

pilha central, de modo que meu nome, rabiscado com rotulador negro no itálico

do Greg, era perfeitamente visível.

Deixei os montões de papéis no chão, aproximei uma cadeira e esvaziei o

conteúdo do sobre no escritório. Duas fotografias e uma carta. Na primeira foto

apareciam dois casais posando. Reconheci a meu pai, um homem corpulento e

de cabelo avermelhado, os enormes ombros estendidos e rodeando com um

braço a uma mulher que tinha que ser minha mãe. Alguns meninos conservam

lembranças de seus pais falecidos, uma voz, o rastro de um aroma, uma

imagem. Eu não recordo nada dela, como se jamais tivesse existido. Meu pai

não guardava nenhuma sua fotografia —devia resultar muito doloroso para

ele— e eu sozinho sabia o que ele me tinha contado. Havia-me dito que era

bonita, e que tinha o cabelo loiro. Contemplei à mulher da fotografia. Era baixa

e miúda. Suas facções harmonizavam com sua constituição: bem formadas,

delicadas, embora não pareciam frágeis. Sua pose transmitia segurança e

naturalidade, e sua figura estava envolta em uma espécie de encanto mágico

que revelava uma aceitação evidente de seu poder. Era muito formosa.

Tanto meu pai como Greg me haviam dito que me parecia com ela, mas por

muito que estudasse sua imagem naquela fotografia, não podia encontrar

nenhum parecido entre ambas. Minhas facções eram mais marcadas. Minha

boca era maior e não poderia fazer panelas com ela. Tinha conseguido herdar

a cor de seus olhos, marrom escuro, mas meus tinham uma forma estranha,

amendoados, ligeiramente dilatados. E minha pele tinha um tom mais escuro.

Se abusasse do perfilador de olhos e do rimel, poderia passar por cigana.

Não todo se acabava aí: o rosto de minha mãe tinha uma doçura muito

feminina. O meu não, ao menos quando o comparava com o seu. Se

tivéssemos estado uma ao lado da outra em uma habitação cheia de gente,

ninguém se teria fixado em mim.

Page 29: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

20

E se alguém se deteve para conversar comigo, ela o tivesse chavecado com

um simples sorriso.

Bonita... Claro. Ficou curto, papai.

Por outro lado, se aquela mesma gente tivesse que escolher a uma das duas

para lhe partir o joelho a alguém, não me houvesse flanco muito me fazer com

todos os votos. Greg estava junto a meus pais, acompanhado de uma mulher

asiática. Anna. Sua primeira esposa. Ao contrário que meus pais, eles dois

estavam ligeiramente separados, mantendo uma distância quase imperceptível,

como se seus corpos ameaçassem desprendendo faíscas ao menor roce. Os

olhos do Greg transmitiam uma profunda tristeza. Deixei a fotografia de barriga

para baixo sobre o escritório.

Na outra foto aparecia eu. Devia ter uns nove ou dez anos, e me estava

lançando a um lago dos ramos de um álamo gigante. Não sabia quem tinha

tomado aquela fotografia, nem tampouco quando.

Li a carta, umas quantas linhas sobre uma folha de papel, um extrato do poema

do Spenser.

“Um dia escrevi seu nome sobre a areia,

Mas chegaram as ondas e o apagaram: Voltei a escrevê-lo com a outra mão,

Mas chegou a maré e fez de minhas penas sua presa.”

Sob o poema, quatro palavras escritas com o sangue do Greg.

Amehe

Tervan

Senehe

Page 30: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Ud

As palavras cintilavam com um fogo vermelho. Um forte espasmo me percorreu

todo o corpo. Me contraíram os pulmões, me nublou a vista e, através uma

densa névoa, ouvi os batimentos do coração de meu coração como se se

tratasse do sino de uma igreja. Um matagal de forças se formou a meu redor,

me apanhando em uma frisada maré de correntes de poder escorregadias e

elásticas. Alarguei a mão e as apanhei, e elas me arrastaram até o coração do

amálgama de luz e som. A luz me atravessou e se transbordou no interior de

minha mente, enviando uma miríade de faíscas através de minha pele. O

sangue no interior de minhas veias fulgurava como se fosse metal líquido.

Perdida. Perdida em um torvelinho de luz. Abri a boca e lutei por expulsar a

palavra.

21

resistia a me abandonar e pensei que ia morrer, mas finalmente cedeu quando

verti todo meu poder sobre o delicado som.

«Meu Hesaad.

A palavra deixou de dar voltas e encontrei meu lugar nela. As quatro palavras

esperavam frente a mim, exigindo ser pronunciadas. Contive meu poder e as

articulei, as aceitando, obrigando a que se convertessem em parte de mim.

«Amehe. Temam. Senehe. você»

O fluxo de poder retrocedeu. Frente a mim solo ficou a folha de papel. As

palavras tinham desaparecido e um pequeno atoleiro carmesim manchava a

folha. Ao tocá-lo, senti o comichão da magia. Meu sangue. Sangrava-me o

nariz. Levei-me a mão ao bolso e extraí dele uma atadura. Sempre levava

várias comigo. Pressionei-a contra o nariz para cortar a hemorragia e joguei a

cabeça para trás. Mais tarde me asseguraria de queimar as ataduras. Olhei o

relógio em minha boneca e vi que eram 12:17. Tinha perdido hora e meia

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embora tinha a sensação de que solo tinham acontecido uns segundos. Quatro

palavras de poder. Obedece, Arbusto, Protege e Morre. Palavras tão

"primitivas”, perigosas e poderosas que conduziam consigo a magia mais pura.

Ninguém sabia quantas havia, de onde procediam nem por que entesouravam

um controle tão formidável sobre a magia. Inclusive a gente que jamais as tinha

utilizado, reconhecia o significado daquelas palavras e estava exposta a seu

poder, como se formassem parte de uma antiga lembrança racial que todos

compartilhássemos.

Não era suficiente as conhecendo; tinha que as possuir. No processo de

aquisição não havia segundas opções. Ou as conquistava ou morria no intento.

O que explicava por que havia tão pouca gente que as dominasse. Assim que

as fazia tuas, pertenciam-lhe de por vida. Deviam ser utilizadas com precisão, e

ao fazê-lo, consumia-se uma quantidade enorme de poder que estava

acostumado a te deixar completamente exausto. Tanto Greg como meu pai me

tinham advertido que existia gente capaz de opor resistência às palavras de

poder, mas até o momento não tinha tido a oportunidade das usar contra um

oponente que soubesse fazê-lo. Eram o último recurso quando todo o resto

falhava.

Agora tinha seis palavras. As quatro que me tinha dado Greg e dois mais: Meu

e Soltar. Meu pai me tinha ensinado isso fazia muito tempo. Tinha doze anos e

estive a ponto de morrer durante o processo de aquisição. Com as do Greg

todo tinha sido muito fácil.

Talvez o poder do sangue aumentasse com os anos. Tivesse-me gostado de

poder perguntar-lhe ao Greg.

Comprovei as linhas desenhadas no chão. Os traços alaranjados das barreiras

do Greg brilhavam tão tenuemente que logo que podia as ver.

22

Tinham absorvido todo o eco possível.

As palavras uivavam em minha mente, sacudiam-se, giravam sobre si mesmos,

tentando encontrar seu lugar. O último presente do Greg. O mais valioso que

podia me legar. Lentamente, fui consciente de que alguém me estava

Page 32: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

observando. Levantei a cabeça e vi um esbelto homem negro na soleira da

porta. Tinha-me sorrido ao passar frente a seu escritório umas três horas antes.

— Encontra-te bem? —perguntou-me.

— Resíduos de um conjuro —resmunguei com a atadura ainda me tapando o

nariz—. É normal. Estou bem. —O homem me olhou atentamente.

— Está segura?

— Sim. —De acordo, sou uma idiota incompetente, te largue já.

— Trazia-te o expediente do Greg. —Não fez gesto de entrar na habitação.

Menino preparado. Se eu tinha cansado na armadilha do Greg, a ele também

poderia lhe afetar—. Sinto ter demorado tanto. Tinha-o um de nossos

cavalheiros.

Aproximei-me dele e agarrei o expediente de suas mãos.

— Obrigado.

— De nada. —Observou-me durante um segundo antes de partir.

Pincei no escritório do Greg em busca de um espelho. Todo feiticeiro

respeitável sempre tinha um à mão. Muitos conjuros o requeriam. o do Greg

era retangular, emoldurado com uma singela moldura de madeira. Quando vi

meu reflexo nele, estive a ponto de deixar cair a atadura. Brilhava-me o cabelo.

Irradiava um débil luminescência cor burdeos que cintilou ao me passar as

mãos por ele, como se cada um dos fios que o conformavam estivesse

recubierta de pintura fluorescente. Agitei a cabeça, mas o resplendor não

diminuiu. Grunhir tampouco serve de muito; não tinha nem a mais mínima idéia

de como me desfazer daquilo.

Refugiei-me no rincão mais escuro da habitação, onde ninguém poderia

lombriga da porta, e abri o expediente. Se não poder fazer que desapareça, o

melhor é esperar a que o faça sozinho.

A última vez que assimilei palavras de poder tinha acabado exausta. Agora me

sentia excitada, loja de comestíveis de magia. Esforcei-me por conter toda a

energia que se agitava em meu interior. Desejava saltar, correr, fazer algo. E,

em lugar disso, devia permanecer oculta em um rincão e me concentrar no

expediente que tinha frente a mim. O expediente continha o relatório do juiz de

instrução, um resumo do relatório policial, umas quantas notas apressadas e

diversas fotografias da cena do crime. Em um plano general apareciam dois

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corpos tendidos no asfalto: um gasto, pálido e completamente nu, e o outro,

uma massa sanguinolenta de tecidos rasgados e triturados. Primeiro encontrei

o primeiro plano do corpo destroçado.

23

O cadáver estava tendido com as pernas e braços desdobrados sobre sua

própria roupa, a qual estava empapada de sangue. Algo lhe tinha esmigalhado

o peito e lhe tinha arrancado as costelas com uma força desmesurada. A

cavidade torácica estava ao descoberto, revelando a úmida e reluzente massa

do esmagado coração sobre os escuros restos esponjosos dos pulmões e o

branco amarelado das costelas estilhaçadas. Tinha o braço esquerdo

completamente deslocado, pendurando de um magro filamento

ensangüentado.

A seguinte fotografia era um primeiro plano da cabeça. Uns olhos tristes que

me resultaram muito familiares olhavam diretamente à câmara e, portanto,

também a mim. OH, Deus. Li o pé de foto. Aquela massa destroçada de carne

humana era quão único ficava do Greg.

Notei um nó na garganta. Lutei contra ele durante uns quantos segundos

agonizantes e consegui dominá-lo. Aquele não era Greg. Solo era seu corpo. A

seguinte fotografia era um plano curto do outro corpo. Parecia intacto, salvo

pela cabeça, ou melhor dizendo, pela falta dela. Um fragmento estilhaçado da

coluna vertebral me sobressaía do pescoço seccionado, envolto por tiras

estragadas de tecidos rasgados. Não havia nenhuma outro sinal que indicasse

que alguma vez tinha tido uma cabeça ao final do pescoço. Nem rastro de

sangue, embora a lógica indicava que devia haver uns quantos litros. O corpo

estava de flanco e tinha a carótida e a jugular seccionadas. Onde estava o

sangue?

Encontrei quatro fotografias mais daquele corpo e as dispus uma ao lado da

outra no chão. A pele do cadáver, tersa e pálida como o mármore, esticava-se

sobre a musculatura, como se o corpo não tivesse nem um grama de graxa, só

músculo e tendões. Nem um só cabelo danificava sua epiderme. O escroto

parecia estragado e inusualmente pequeno. Necessitava uma fotografia da

mão mas não encontrei nenhuma. Alguém se tinha esquecido daquele detalhe.

Embora tampouco importava muito; o resto de indícios não deixavam lugar a

Page 34: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

dúvidas. Inclusive sem poder lhe jogar uma olhada às unhas, a conclusão era

evidente. Tinha ante mim o cadáver de um vampiro. Por definição, os vampiros

já estão mortos, mas a existência daquele tinha concluído. Nem sequer

Ghastek, com todos seus poderes nigrománticos, podia recuperar a um

vampiro sem cabeça. A pergunta dos sessenta e quatro mil dólares era a quem

pertencia aquele. Quase todos os membros da Nação marcavam a seus

vampiros. Se aquele também o estava, a marca não aparecia em nenhuma das

imagens que o idiota do fotógrafo tinha tomado.

O que poderia ter aniquilado a um vampiro e a um cavalheiro—místico? O

vampiro, com uma velocidade e uma força capaz de eliminar a um Grupo

Especial de Operações sem apoio, já era uma presa suficientemente temível

por si só. A combinação do vampiro e Greg era virtualmente impossível de

superar.

24

E, em que pese a tudo, ali estavam, ambos os mortos.

Joguei-me para trás enquanto pensava. O assassino tinha que ser muito

poderoso. Tinha que ser mais rápido que um vampiro, possuir a força

necessária para arrancar de coalho uma cabeça e ser capaz de proteger-se da

magia e da maça do Greg. A lista de possíveis assassinos era muito curta.

Em primeiro lugar, a Nação poderia ter querido matar ao Greg e ter utilizado a

um de seus vampiros como ceva. Um vampiro veterano em mãos de um

Senhor dos Mortos experiente era uma arma temível. Se tinham utilizado a

mais de um, poderiam ter eliminado ao Greg e a seu próprio chupasangre. Era

caro e pouco provável, já que Greg era especialmente efetivo contra os

vampiros, mas não impossível. Em segundo lugar, o estado em que se

encontrava o corpo do Greg apontava aos cambiaformas. Para produzir aquele

tipo de lesões, o assassino tinha que ter utilizada presas e garras, e certamente

mais de um par de cada um. Talvez fosse obra de um Lupo, um cambiaformas

transtornado. O corpo daqueles infectados com o Vírus lhes Leia, ou Lic—V,

sente uma sede de sangue irrefreável enquanto a mente tenta conter o

impulso. Se a mente consegue impor-se sobre o corpo, o cambiaforma se

converte em um Homem Livre do Código e entra em formar parte da Manada,

uma organização perfeitamente estruturada e disciplinada. Se o corpo

conquistar a mente, o cambiaforma se converte em um Lupo, um assassino

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canibal enlouquecido pelos hormônios, um ser dedicado exclusivamente à caça

e perseguido por todos. A teoria do Lupo era ainda menos provável que a da

Nação. Para começar, salvo pela ferida no pescoço, o corpo do vampiro

decapitado estava intacto, e os Lupos rasgam tudo o que está a seu alcance

com um frenesi maníaco. Em segundo lugar, Greg teria conseguido levar-se

por diante a mais de um, e na cena do crime não havia mais corpos. Em

terceiro lugar, se o assassino era um Lupo, ou mais de um, teriam deixado

multidão de pistas na cena: saliva, cabelo, seu próprio sangue... O escritório do

forense dispunha de amostras genéticas de todos os tipos conhecidos de

cambiaforma. Por isso tinha visto até agora, o relatório não fazia nenhuma

referência a DNA de cambiaforma na cena do crime.

Esfreguei-me a cara com ambas as mãos mas não me serve para ver o caso

desde outra perspectiva. O mais provável é que nenhum dos anteriores tivesse

relação com os assassinatos, de modo que no momento teria que me

conformar deixando as coisas como estavam.

O relatório da autópsia confirmava minhas hipóteses sobre o cadáver

decapitado: Homo sapiens immortuus. Um vampiro. Um apelativo irônico, já

que o cérebro morria assim que o indivíduo em questão se via afetado pelo

vampirismo.

25

Os vampiros não demonstravam ter clemência nem instinto de sobrevivência,

não podiam disciplinar-se e careciam de ego.

Na escala evolutiva, ocupavam um lugar próximo ao dos insetos; embora

possuíam um sistema nervoso central, eram incapazes de pensar por si

mesmos. Estavam dominados por uma insaciável sede de sangue e

massacravam todo aquilo que se interpunha em seu impulso por satisfazê-la.

Arqueei as sobrancelhas. No expediente não havia nenhum exploratório—M.

Todas as cenas onde se produziu um assassinato ou um ataque violento se

escaneavam de forma rotineira em busca de restos de magia. Tecnicamente,

tanto a polícia como a UDPE podiam requerer o acesso a aquele expediente e

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uma ordem judicial o concederia. O fato de que não houvesse rastro do

exploratório—m sugeria que havia algo que a Ordem não desejava revelar à

opinião pública. A não ser que o mesmo cretino que tinha feito as fotografias o

tivesse atirado ao lixo.

A última folha do expediente era uma lista de vários nomes de mulher. Sandra

Molot, Angelina Gómez, Jennifer Ying, Alisa Konova. Nenhum deles me

resultava familiar, e não havia nenhuma explicação relativa à natureza da lista.

Voltei a comprovar o estado de meu cabelo e comprovei que tinha deixado de

fulgurar. Equilibrei-me sobre o escritório e marquei o número de telefone que

aparecia no disforme policial.

Uma voz áspera respondeu a minha chamada. Apresentei-me e perguntei pelo

detetive ao mando.

— Estou investigando o assassinato do cavalheiro—místico.

— Já falamos com vocês —disse o homem ao outro lado do telefone—. Leia o

maldito relatório.

— Não falaram comigo, senhor. Agradeceria-lhes sinceramente se pudessem

me dedicar uns instantes. Não nos levará muito.

O aparelho emitiu um estalo e, continuando, o sinal de desconexão. Não podia

esperar-se muito mais da cooperação entre agências.

Comprovei o relógio e vi que eram 12:58. Tempo suficiente para fazer uma

visita ao depósito de cadáveres. Ainda ficavam muitos dias para que expirasse

o prazo obrigatório de conservação dos vampiros falecidos e o selo em minha

identificação me assegurava o acesso ao corpo do chupasangre.

Fechei o expediente, deixei-o no arquivo mais próximo e me larguei dali.

26

Page 37: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O NECROTÉRIO ESTAVA no centro da cidade. Justo frente a esta, além da

ampla extensão do Lugar Sem Nome, elevava-se a dourada mole do Capitólio.

O velho necrotério tinha sido destruída duas vezes, a primeira por um Senhor

dos Mortos rebelde e a segunda por um golem, o mesmo que criou o Lugar

Sem Nomeie ao reduzir a escombros cinco edifícios em um intento frustrado

por superar as defesas do Capitólio.

Embora já tinham acontecido seis anos, a prefeitura se negava a rebatizar o

solar que rodeava o Capitólio, argüindo que enquanto não tivesse nome,

ninguém poderia levar a cabo invocações naquele lugar.

O novo necrotério tinha sido construída com o convencimento de que “à

terceira vai a vencida”. Suas modernas instalações pareciam a origem bastarda

da união entre uma prisão e uma fortaleza, com o pingo adequado de castelo

medieval para lhe dar um toque à mescla. Os habitantes do bairro estavam

acostumados a comentar jocosamente que a próxima vez que o Capitólio

sofresse um ataque, os membros da Legislatura do Estado poderiam cruzar a

praça e refugiar-se no depósito de cadáveres. Ao observar a de perto, a idéia

não me pareceu muito descabelada. O necrotério era um edifício severo e

ameaçador que destacava entre as elegantes fachadas das sedes de diversas

corporações como o tivesse feito a presença da Morte com a foice em uma

festa do chá. Seus vizinhos mercantis não deviam sentir-se muito cômodos

com sua proximidade, mas tampouco podiam fazer nada a respeito. O

necrotério era, com diferença, o lugar mais transitado da zona. Outro sinal

inequívoco daqueles tempos.

Subi por uma ampla escalinata circundada por colunas de granito e atravessei

uma porta giratória que me cuspiu em um espaçoso vestíbulo. em que pese a

que os amplos ventanales deixavam entrar uma grande quantidade de luz, não

conseguiam desterrar completamente a penumbra lhe reinem, a qual se

acumulava especialmente nos rincões e junto às paredes, esperando

pacientemente aderir-se às pernas do primeiro visitante incauto. O estou

acostumado a estava talher de polidos ladrilhos de granito cinza. Dois

corredores se abriam ao outro extremo do vestíbulo, ambos os banhados com

a luz azulada que emitiam os abajures feéricas. Os ladrilhos terminavam

naquele ponto, onde tinham sido substituídas por um linóleo amarelado.

Page 38: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O ar cheirava a morte. Embora não o típico fedor a carne putrefata, a não ser

um pouco muito distinto, uma mescla de cloro, formol e medicamentos.

Recordava vagamente ao aroma dos hospitais, embora ninguém os tivesse

confundido. Nos hospitais, a vida desdobra seus sinais inequívocos. Naquele

lugar só podia perceber-se sua ausência.

27

Um mostrador de informação estava encravado entre ambos corredores.

Aproximei-me até ele e me apresentei ante o empregado embainhado em uma

bata verde, quem comprovou minha identificação e assentiu.

— Está no sete C. Sabe onde é?

— Sim. estive antes.

— Bem, adiante. Enviarei a alguém para que te abra a porta.

Agarrei o corredor da direita até um lance de escadas que descendiam ao

porão. Cruzei a seção B e me detive o final da mesma, onde uma porta

metálica se interpôs em meu caminho.

Uns cinco minutos mais tarde ouvi uns passos apressados procedentes do

corredor e uma mulher com um traje médico verde e um manchado avental

apareceu de repente por uma esquina. Em uma mão levava uma grosa pasta

de três argolas e na outra, uma lhe tilintem cadeia com várias chaves. uns

quantos mechas de cabelo loiro e murcho tinham escapado da rede estéril que

cobria sua cabeça. Tinha umas olheiras mais que visíveis e a pele do rosto lhe

pendurava ligeiramente.

— Sinto-o —pinjente.

— Não se preocupe —disse a mulher enquanto brigava com as chaves—.

Precisava dar um passeio.

Page 39: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Abriu a porta e passou diante de mim. Segui-a até uma porta metálica

reforçada. Abriu duas fechaduras, retrocedeu e gritou:

— Sou eu, Julianne. Exijo que atenda minha petição. Abre a porta!

A magia vibrou sutilmente à medida que o conjuro liberava a porta. Julianne a

abriu. No interior, um corpo nu estava tendido sobre uma mesa metálica

arrebitada ao chão. Em contraste com o aço inoxidável, a pele do cadáver tinha

uma estranha tonalidade esbranquiçada, quase rosa pálido, como se o

tivessem lavado com lejía. Um arnês de prata à altura do peito sujeitava o

corpo à mesa. Uma cadeia tão grosa como meu braço se estendia do arnês a

um aro parecido ao chão.

— Normalmente solo os sujeitamos com cintos, mas este... —Julianne fez um

gesto com a mão.

— Já. —Fiquei olhando o coto do pescoço.

— Não é que vá levantar se nem nada parecido. Não sem cabeça. Mas se

algo... —Assinalou com a cabeça o círculo azul que rodeava o botão de

emergência na parede mais próxima—. Vai armada?

Desenvainé a Assassina. Julianne retrocedeu bruscamente ante a reluzente

folha.

— Latido. De acordo, isso servirá. —Voltei a guardar a espada em sua vagem.

— Trouxeram outro corpo com este.

— Sim. É difícil de esquecer.

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— Alguma evidência?

— Bom intento. —Julianne sorriu timidamente—. É informação classificada.

Page 40: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Já vejo —pinjente—. E o exploratório—m?

— Isso também é classificado.

Suspirei. Greg, com seus olhos escuros e seu rosto perfeito, destroçado e

aberto em canal, encerrado sob chave em algum cubículo daquele lugar

solitário e estéril. Lutei contra o impulso de me dobrar sobre o estômago e

adormecer o vazio que sentia no peito. Julianne me tocou no ombro.

— Que relação tinham? —perguntou.

— Era meu guardião —lhe disse. Aparentemente, meus esforços por manter a

imparcialidade tinham sofrido um estrepitoso fracasso.

— Estavam muito unidos?

— Não. Ao menos não ultimamente —disse me encolhendo de ombros—.

Cresci e ele não pareceu dar-se conta. — Tinha filhos? — Não. Nem mulher

nem filhos. Solo me tinha . Julianne olhou o corpo do vampiro com evidente

mal-estar.

— Supus que a Ordem teria a delicadeza de atribuir a alguém que não

estivesse comprometido emocionalmente no caso.

— Apresentei-me voluntária.

Julianne me dirigiu um estranho olhar.

— Vá. Confio em que saiba o que faz.

— Eu também. Existe nenhuma possibilidade de que me deixe jogar uma

olhada ao exploratório?

Julianne se mordeu os lábios com semblante pensativo.

— ouviste isso? —Neguei com a cabeça.

— Acredito que há alguém na porta. irei comprovar o. Sotaque aqui minha

pasta, agora bem, dentro há relatórios confidenciais. Não quero que os as. Em

especial não quero que as os do dia três deste mês. Nem que faça nenhuma

cópia do conteúdo desta pasta. —deu-se a volta e saiu da sala.

Page 41: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Examinei a pasta. Nos dia três havia oito autópsias. Não me custou encontrar a

do Greg.

As provas materiais se reduziam a quatro cabelos. Na coluna da origem

alguém tinha escrito a lápis “Não vão. Psb or. Felino.” Não identificado,

possível derivado felino.

Não era um cambiaformas felino. Se o tivesse sido, o teriam catalogado como

Homo sapiens com um gen felino específico.

Continuando, a extensa folha dobrada do exploratório—M. Obedecendo a

minha mão tremente, desdobrou-se até alcançar quase um metro de longitude,

apresentando um gráfico com linhas riscadas pelas delicadas agulhas do

exploratório mágico.

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As débeis linhas de cores tinham deixado um rastro hesitante, o que

demonstrava a colisão de diversas influências mágicas em um único ponto.

Era pouco concludente, inclusive aplicando os critérios menos exigentes, e

nenhum tribunal o aceitaria como prova. Uma pequena anotação em uma

esquina da parte superior o identificava como uma cópia. Perfeito.

Entrecerré os olhos, me esforçando por pôr algo de sentido a todo aquilo. O

corpo do Greg tinha contínuo liberando magia incluso depois de sua morte e o

exploratório o registrava com uma linha descendente de cor cinza, em alguns

pontos de uns vinte milímetros de grossura e em outros virtualmente

imperceptível. A linha púrpura, profunda e irregular, que a cruzava tinha que

havê-la deixado a magia do vampiro. Observei a folha mais de perto. Havia

uma terceira linha, ou melhor dizendo, uma série de linhas apenas visíveis que

apareciam e desapareciam a intervalos regulares ao longo da leitura. A mais

larga teria uns seis milímetros de longitude e era de uma cor indefinível.

Levantei o gráfico para observá-lo através da luz do teto. A tinta ressaltou

imediatamente. Amarela. Que demônios ficava registrado em cor amarela?

Page 42: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Atirei da folha, separando a da franja perfurada que a unia às argolas da pasta,

e a guardei em meu expediente. Julianne retornou pouco depois.

—Não havia ninguém. Bom, deixo-te sozinha.

Agarrou a pasta e voltou a partir, me deixando reveste com o corpo do vampiro.

Embainhei-me um par de luvas esterilizadas e me aproximei do cadáver. A

localização da marca dependia da personalidade do Senhor dos Mortos em

questão. Phillian marcava aos seu com um grande Olho do Horus na frente.

Gonstance com uma marca na axila esquerda. Dado que aquele não tinha

frente, podia pertencer ao Phillian. Em teoria. Dispu-me a procurar a marca.

Nas axilas não encontrei nada. Tampouco no peito, as costas, as nádegas, a

parte interior das coxas nem nos tornozelos. O último lugar que ficava por

comprovar era o escroto, de modo que lhe abri as pernas ao corpo. Os

testículo começavam a reduzir de tamanho imediatamente depois da morte do

humano e continuavam diminuindo durante a vida do vampiro. Havia um estudo

sobre a possibilidade de precisar a idade dos chupasangres em função do

tamanho de seus órgãos reprodutivos. Embora não tinha muito interesse em

saber a idade daquele, a julgar pelo que tinha frente a mim, rondaria os

cinqüenta. E estava limpo. Nenhuma marca. Embora sim tinha uma cicatriz que

cruzava a base do escroto pela parte esquerda. Parecia como se alguém o

tivesse costurado.

Uma rápida olhada a meu redor disse que não ia encontrar um bisturi naquela

habitação. Quando agarrei a Assassina pelo punho, vi que estava fumegando.

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Algo lógico ante a presença de um não—morto. Filamentos de bafo

esbranquiçado riscavam formas serpenteantes que nasciam na folha.

— Não comece a gotejar —murmurei antes de aplicar o fio à ferida.

A pele do cadáver emitiu um assobio quando a folha seccionó a carne. Deixei

que penetrasse uns quantos milímetros e a apartei. Uma incisão limpa.

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Agarrando entre dois dedos um extremo de pele, atirei com cuidado e esta se

separou limpamente da virilha, revelando a cicatriz de uma queimadura de uns

vinte e cinco centímetros de largura e uns nove de comprimento. No centro da

queimadura havia uma pulcra marca chamuscada, uma flecha rematada com

um círculo em lugar de com uma ponta de flecha. A marca do Ghastek. por que

não me surpreendia?

— Sabe que é um delito mutilar cadáveres? —disse uma voz de homem.

Dava-me a volta rapidamente, com a espada ainda na mão. Um homem alto

estava apoiado no marco da porta. Tinha posto o uniforme forense, de modo

que tinha mais direito que eu a estar ali.

— Tome cuidado com isso —me disse.

— Sinto-o —pinjente baixando a espada—. Eu não gosto que me assustem.

— Nem a mim. Salvo se o faz uma moça e atrativa. —Parecia ter uns trinta

anos. O galão laranja de seu ombro brilhava com força. Autorização de terceiro

nível. A etiqueta aderida a seu traje o confirmava: tinha-me topado com um

maldito supervisor de unidade.

Um supervisor de unidade podia te converter em pessoa non grata no

necrotério sem te dar tempo a pestanejar.

O homem esperou até que apartei o olhar da etiqueta e então alargou sua mão

esquerda.

— Meu nome é Crest.

Tirei-me a luva da mão esquerda sem guardar a Assassina em sua vagem e

lhe estreitei a mão.

— Kate. Há algum nome que vá antes do Crest?

— Sim, mas eu não gosto.

Um tipo gracioso. Talvez conseguisse sair dali sem um olho arroxeado em que

pese a ter estado brincando com um cadáver.

— É um vampiro —lhe disse—. Estava procurando a marca.

— Encontraste-a?

Page 44: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Sim.

aproximou-se até a mesa para examinar minha obra de arte. Rodeei a mesa

para me colocar frente a ele. O Dr. Crest formava parte do grupo dos

interessantes. Cabelo castanho avermelhado, alto e, a julgar pelos antebraços,

bastante musculoso. Um rosto agradável, franco e honesto, com facções

amplas e bem formadas.

31

Olhos castanho claros, bonitos e quentes. E, sem lugar a dúvidas, uma boca

sensual. Um tipo atrativo, não bonito no sentido clássico da palavra, mas

mesmo assim...

Levantou a vista do corpo, sorriu-me e troquei de opinião. Era bonito no sentido

clássico da palavra.

Devolvi-lhe o sorriso, tentando irradiar integridade e um caráter decente. Exato,

serei boa com você, senhor, não me impeça a entrada no necrotério.

— Interessante —disse—. Nunca tinha visto uma marca oculta deste modo.

— Nem eu tampouco.

— Vê muitos vampiros em seu trabalho?

— Por desgraça, sim.

Pilhei-lhe me olhando e baixou o olhar ao corpo.

— Dr. Crest?

— Sim? —disse piscando.

— Devo informar ao Julianne sobre a marca? —Era o menos que podia fazer.

— Não. Farei-o eu se não ter tempo.

Page 45: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Um alarme saltou no interior de minha cabeça. O bom doutor era muito

complacente. Devia me assegurar que Julianne recebesse minha mensagem.

Crest olhava o corpo com o cenho franzido.

— Um lugar algo tortuoso para pôr uma marca.

— Ghastek era um tipo tortuoso.

— Não cabe dúvida. —Outra pausa.

— Acompanharei-te à saída —disse Crest.

Que encantador. estava-se assegurando de que não me deixasse levar por um

desenfreio mutilador. Olhei-lhe com meu sorriso mais cativante.

— Claro.

Não pareceu muito impressionado. Maldita seja, era a segunda vez aquele dia

que me falhava.

Saímos juntos da habitação e esperei a que ele fechasse a porta com chave.

— me diga, Dr. Crest, o que faz exatamente aqui? —Fez uma careta antes de

responder.

— Suponho que poderíamos chamá-lo trabalhe caridosas. —Emiti o som

apropriado.

— Caridosas?

— Sim. Dedico-me à cirurgia reconstructiva. —Olhou-me como se esperasse

que fora a lhe pedir uma operação de nariz—. Para que os corpos estejam

apresentáveis. Não todo mundo pode permitir-lhe de modo que duas vezes por

semana o faço por amor à arte.

Assenti.

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— Quase sempre são meninos —disse ele—. Corpos destroçados,

irreconhecíveis. Não é muito agradável. Uma lástima.

Chegamos à porta superior. Crest esperou a que o recepcionista fizesse as

comprovações rotineiras. Quando terminei de apontar o número do Julianne,

acompanhou-me até a porta.

— Bom, espero que voltemos a nos ver logo —me disse.

— Se pode ser não na mesa de operações —lhe disse antes de sair do edifício.

Enquanto me dirigia para o lugar onde tinha deixado estacionado ao Karmelion,

senti os olhos do Crest cravados em minhas costas.

Havia um homem apoiado em minha caminhonete. Vestia camisa cinza, jeans

negros, botas ligeiras e um casaco negro que se assemelhava bastante a uma

capa. Enquanto estava no necrotério, o sol tinha conseguido abrir-se passo

entre as nuvens e agora banhava as ruas de luz. O homem parecia indiferente

a seu influxo; era um retângulo de escuridão envolto em uma mortalha

luminosa.

A corrente humana que circulava pela rua o evitava. A gente não lhe olhava; de

fato, concentravam-se de tal modo em ignorar sua presença que poderia ter

atirado

um bilhete de vinte dólares no chão e teria passado inadvertido. O homem me

seguiu com o olhar. Detive-me uns quantos metros dele e lhe olhei. Colocou

uma mão em um bolso interior de seu casaco e me lançou o que parecia um

comprido laço amarelo. Agarrei-o ao vôo. O corpo suave e frio se enrolou em

minha boneca e a serpente jogou a cabeça para trás para me morder na cara.

Sujeitei-lhe o pescoço com dois dedos da mão esquerda e a detive escassos

centímetros de minha bochecha. A serpente moveu sua língua entre seus

lábios escamosos. Umas membranas de um vermelho intenso com um matiz

púrpura brilhante apareceram a ambos os lados de sua cabeça, estendendo-se

como as asas de uma enorme mariposa. A pequena serpente alada começou a

sacudir-se em um intento por pôr-se a voar, mas a sujeitei com força.

— Sinto muito, Jim.

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Jim levantou os braços e indicou algo de aproximadamente um metro de

longitude. O casaco se abriu o suficiente para revelar um peito musculoso sob

o tecido de sua camisa.

— O ninho era deste tamanho, Kate. —Sua voz tinha o tom suave, quase

melódico, de um homem menos perigoso e mais atrativo. Não encaixava de

tudo bem com seu rosto de bulldog— Me devia uma e me deixaste atirado.

Tive que fazer o trabalho sozinho. A serpente se retorceu em um débil intento

por me cravar as presas no braço. Embora os largos dentes triangulares não

continham veneno, a dentada resultava igualmente doloroso.

— Greg está morto —lhe disse.

Fez uma pausa antes de perguntar:

— Quando?

33

— Faz dois dias. Assassinaram-no.

— Está nisso?

— Sim.

Permanecemos uns instantes apanhados em um doloroso silêncio. Jim se

separou da caminhonete com a líquida graça animal solo ao alcance de um

cambiaforma experiente.

— Se necessitar algo, já sabe onde me encontrar. —Assenti e lhe segui com o

olhar enquanto subia as escadas do necrotério.

— Jim?

Me olhou de esguelha por cima do ombro.

— Sim?

— O que vieste a fazer ao necrotério?

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— Assuntos da Manada —disse antes de seguir adiante.

Ultimamente todo mundo tinha assuntos no necrotério. Inclusive Jim. Ainda lhe

devia uma de quando o inverno passado me tirou de um fosso enlameado

cheio de neve fundida e de hidras. Era o mais parecido que tinha a um sócio.

de vez em quando cooperávamos em trabajillos pagos para o Grêmio de

Mercenários. Naquela ocasião lhe tinha deixado atirado. Teria que lhe

compensar. Mas antes devia encontrar ao assassino do Greg. E para fazer isso

teria que descobrir que fazia o vampiro do Ghastek na cena do crime.

Afrouxei a pressão no pescoço da serpente e a lancei ao ar com cuidado. A

serpente caiu em picado e, de repente, pôs-se a voar. Remontou o vôo, cada

vez mais alto, sobrevoou os telhados envolta na luz do sol e finalmente a perdi

de vista.

QUANDO TIVER DÚVIDAS e necessite informação, encontra a um

mexeriqueiro e espreme-o até que canto. Aquela era uma das poucas técnicas

de investigação que conhecia.

De fato, essa e “molesta aos implicados até que o culpado dita te matar” era

toda minha bagagem naquela questão. Cuidado que vou, Sherlock.

Definitivamente, tinha dúvidas e necessitava informação respeito ao vampiro do

Ghastek, e conhecia a pessoa adequada que devia espremer. Tinha o cabelo

de ponta, vestia de couro negro e se fazia chamar Bônus por um cantor que já

ninguém recordava. Além disso, era o oficial do Ghastek.

Se dispunha de certo talento para a nigromancia e a necronavegación, a

manipulação e condução dos mortos, estava qualificado para te converter em

aprendiz. Se além disso acrescentava algum que outro conhecimento à

mescla, convertia-te em oficial. Para seguir subindo no escalão necessitava

autêntico poder e espírito competitivo.

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A maior parte dos membros da Nação nunca se graduavam e continuavam

sendo oficiais toda sua vida. Bônus estava em seu segundo ano. Seu

conhecimento dos mortos era quase enciclopédico.

A última vez que lhe vi, me deu de presente um artigo que tinha tirado de

algum periódico para que o incluíra em meu Calendário. Algo relativo a uma

criatura eslava que se alimentava de cadáveres chamada upir. Embora tinha a

sensação de que toda a experiência de Bônus terminava na teoria. Tivesse

apostado algo a que não se converteria em um Senhor dos Mortos em um

futuro imediato. Era fácil dar com Bônus. Estava acostumado a freqüentar o

Adriano's, um lugar bastante tranqüilo que pouco tinha que ver com os

estabelecimentos recentemente reformados da Atlanta Subterrânea, onde os

bares estavam acostumados a ser ruidosos e os nomes da maioria dos clubes

continham a palavra “dor”. O Adriano's estava situado em uma zona agradável

da Avenida Euclides, no Little Five Points, e dava de comer a uma clientela

quase de classe média.

Seu formoso rosto, seu cabelo e sua jaqueta convertiam a Bônus em alguém

fácil de localizar. As mulheres desfrutavam de sua companhia. Embora ele

também desfrutava delas, interessava-lhe mais a quantidade que a qualidade.

Nunca o tinha visto duas vezes com a mesma mulher. de vez em quando,

alguém tentava lhe chutar o culo e manchava com seu sangue o chão e o

mobiliário. Qualquer que tivesse passado seus anos de formação atendendo

um estábulo de vampiros devia ser um duro oponente. Poderia ter ido

diretamente à fonte e lhe perguntar ao Ghastek sobre seu vampiro. O problema

era que para falar com o Ghastek teria que entrar fisicamente no Cassino, onde

a Nação tinha seu quartel geral. Entrar no Cassino significava encontrar-se

com a Nataraja, o grande poobah da Nação na cidade e o chefe e supervisor

do Ghastek. Nataraja era uma das piores classes de verme, mas possuía uma

estranha sensibilidade para a magia. Tinha a sensação de que Nataraja não

sabia muito bem o que sentia quando estava ante minha presença mas tinha

um grande interesse em descobri-lo. Cada vez que nos víamos, tentava que

lhe fizesse uma demonstração de meu poder. Algo que não podia me permitir,

especialmente agora, com as quatro palavras de poder novas ainda palpitando

em minha cabeça. Teria que fazer uma visita ao Cassino em um momento ou

outro, mas por agora teria que me conformar espremendo ao oficial do

Ghastek.

Eram quase as onze da noite quando saí para o Adriano'S. Bônus raramente

aparecia por ali antes da meia-noite, e tinha aproveitado o tempo disponível

para retornar a minha casa sobre a linha de energia e trazer para o Betsi, o

velho e desmantelado Subaru, à cidade. Tinha a sensação de que passaria

Page 50: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

algum tempo ali. Como a magia acabaria por retirar-se, como sempre fazia,

necessitaria um veículo que funcionasse durante as horas tec.

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Custou-me cinqüenta perus rebocar ao Betsy até o apartamento do Greg.

Tinha-me equivocado de profissão.

Entrei no Adriano'S. A barra se estendia ao longo da sala, protegida por uma

fileira de tamboretes. Um par de clientes olhavam fixamente suas bebidas ao

outro extremo da barra. Uma loira com pinturas de guerra sorvia algo afrutado

de uma taça de margaridas. Através de uma porta arqueada distingui a sala

contigüa. Estava composta por reservados de poltronas vermelhas que Adriano

devia ter resgatado de algum restaurante de estrada.

O barman, um homem de membros alargados e cabelo escuro, fez-me um

gesto com a cabeça. Magro e fleumático, com um rosto estreito e inteligente,

parecia mais um intelectual universitário que um barman. chamava-se Sergio e

sempre colocava a rodela justa de lima na Coroa, o que lhe convertia em um

homem extremamente valioso. Passei-lhe dois bilhetes de vinte. Sergio me

olhou com uma sobrancelha arqueada.

— Para que é isto?

— Pelas possíveis imperfeições. vou manter um pequeno bate-papo com

Bônus. Está aqui?

Sergio assinalou com a cabeça a sala de reservados e se encolheu de ombros

enquanto se guardava os bilhetes no bolso.

— te afaste das janelas —me disse—. São muito caras para ti. A sala contigüa

estava fracamente iluminada com abajures feéricas. Bônus estava acostumado

a sentar-se no reservado mais afastado da porta. Detive-me um instante para

examinar a habitação e distingui seu bicudo cabelo negro. Dirigi-me para seu

reservado com as bandeiras desdobradas e as armas a ponto.

Page 51: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Bônus tinha companhia. A julgar pelo sorriso misterioso “olá—carinho—sou—

estudante—de—magia” que iluminava seu rosto, a companhia era feminina.

Dava-me igual.

Deteve seu cortejo para jogar uma olhada a seu redor e reparou em minha

presença. Deveu ver algo que não gostava porque o sorriso desapareceu de

seu rosto. sentou-se mais erguido sobre a poltrona.

Levei-me a mão à costas, por cima do ombro. Meus dedos rodearam o punho

de Assassina e a desenvainaron com um único movimento fluido. A mão de

Bônus se perdeu sob a mesa em busca de sua pistola. Sempre levava uma

Colt 9mm no bolso de sua jaqueta.

Detive-me bruscamente frente ao reservado. Uma magra ruiva com um vestido

curto sem suspensórios estava sentada frente a Bônus. Deixei a espada sobre

a mesa. Bônus — emprestava— a vampiro e a folha da espada fulgurou

fracamente, um raio prateado de lua contra a madeira escura. A ruiva abriu

muito os olhos. O rosto de Bônus se relaxou ligeiramente mas seu olhar não se

apartou nem um instante da minha.

36

—Olá, Bônus —pinjente—. Me alegro de verte. Há-te follado algum cadáver

ultimamente?

A última esperança de passar uma velada tranqüila desapareceu de seu

semblante.

— Nenhum que te importe.

A ruiva se levantou precipitadamente de seu assento e saiu do reservado

tentando conservar alguma pingo de dignidade. Bônus a observou partir com

olhos melancólicos e depois me dirigiu toda sua atenção.

— Assustaste-a. Não esteve bem, Kate. —Arqueei uma sobrancelha e me

acomodei no sítio que tinha deixado livre a ruiva.

— Tem lido o artigo que te dava? —perguntou-me.

Page 52: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Não.

— Deveria fazê-lo, Kate. Deveria te informar sobre os upiri.

Percorri a folha de Assassina com um dedo. Senti uma ardência quando a

descarga de magia entrou em contato com minha pele.

— Quero que me fale da morte do cavalheiro—místico. Quero saber que fazia

um dos vampiros do Ghastek na cena do crime. Quero saber quem o pilotava e

o que viu. Quero saber o que lhe arrancou a cabeça de coalho. E qualquer

outro detalhe que deseje acrescentar.

Bônus me mostrou os dentes.

— Está um pouco tensa hoje, verdade?

Rodeei o punho de Assassina com uma mão.

— Não sabe até que ponto. —Bônus se inclinou para frente.

— Adiante —disse—. Faz-o. Fritarei-te com espada e tudo. —Sorri

abertamente.

— Não pode me fazer nada, Bônus. Tenta-o se quiser. Telegrafa seus

movimentos. baixaste o ombro esquerdo, e além sua pistola não serve de

muito com a magia

em pleno apogeu. Assim, adiante, me demonstre o que vale. Olhei seus olhos

e soube que meu sorriso se transformou em uma careta ávida.

— Preciso fazer machuco a alguém. Sentará-me bem. —Tinha vontades de rir

mas fiz todo o possível por isso ter aquele impulso—. me Dê um motivo.

Adiante, Bônus. Solo me dê um puto motivo.

A magia se assentou a meu redor. As emanações de meu sangue a atraíram

da atmosfera circundante. Se a magia tivesse tido cor, poderia dizer-se que

estava sentada em um torvelinho vermelho. Assassina fulgurava com um

intenso tom prateado, alimentando-se de minha ira. Desejava seccionar carne

fresca e eu estava a ponto de permitir-lhe

Bônus piscou, percebeu o influxo mágico e se encheu os pulmões com uma

brusca baforada de ar.

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— Está louca.

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— Muito.

Seu rosto se relaxou paulatinamente e soube que nos tínhamos afastado do

precipício. Hoje não haveria briga. Bônus se inclinou sobre a mesa.

— O que pensaria se te dissesse que não temos nada que ver com a morte do

místico? Embora tampouco estamos obrigados a falar contigo.

O proverbial “estamos”. O mastiguei uns instantes e lhe disse:

— Nesse caso, levantarei-me e irei até a barra, onde farei duas chamadas.

Primeiro chamarei o cavalheiro—protetor, para quem trabalho nestes

momentos, e lhe direi que um vampiro do Ghastek está comprometido na morte

do místico. Direi-lhe que se tomaram muitas moléstias em ocultar sua marca, o

que é ilegal, e que o oficial do Ghastek se negou a falar do tema comigo e me

ameaçou. Depois chamarei o Ghastek para lhe informar que conheço o motivo

pelo qual todo seu mundo se vem abaixo. E a razão é você.

Bônus me olhou fixamente.

— Pensava que nos levávamos bem. Saudamo-nos com a cabeça quando nos

vemos. Toleramo-nos mutuamente. Compartilhei contigo minha investigação.

Encolhi-me de ombros.

— Não pode me fazer isto —me disse com segurança—. Sabe perfeitamente o

que me faria Ghastek. É uma boa pessoa.

— Que parte de meu histórico te faz pensar que sou uma boa pessoa? Não

tinha resposta para aquilo, de modo que se limitou a agitar a cabeça.

— por que eu?

— por que não? me dê o que quero e me largarei. Ou te farei mal de um modo

ou de outro.

Page 54: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Bônus estava encurralado. Não tinha forma de baixar do quadrilátero.

— Chamam-lhes as sombras —disse com seu formoso rosto marcado pela

resignação—. Vampiros com marcas ocultas. Ghastek não é o único que está

utilizando-os, mas o seu é muito ativo, já sabe a que me refiro.

— Que fazia este em particular?

— Seguir ao místico. Desconheço o motivo.

— Quem o pilotava?

Bônus duvidou um instante antes de responder:

— Merkowitz.

— O que viu?

Bônus estendeu as mãos.

— Não sei muito mais que você. Sabe o que lhe ocorre à navegante quando

morre o vampiro que pilota?

Tinha uma idéia aproximada, mas a informação extra nunca vem mau.

38

— me ilumine.

— A menos que esteja protegido, morre pela comoção. É como se lhe

arrancassem a cabeça de coalho, o que deixa um pouco confundido a seu

cérebro.

Acrescenta a isso toda a mierda que lhe lançou o místico e a magia

desprendida pelo atacante e terá uma idéia aproximada de como está

Merkowitz. Nunca me caiu bem esse casulo. Devo admitir que lhe sinta muito

bem sua nova vida vegetal. —O coração me deu um tombo.

Page 55: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Está inconsciente?

— Tanto como poderia está-lo um tijolo.

— Quanto tempo estará assim?

— Estão trabalhando nele, mas ninguém sabe quando se recuperará. É

complicado

convencer a alguém que não está morto quando seu cérebro crie o contrário.

— Tem a Nação alguma idéia de quem pode ser tão capitalista para converter

em mingau a um místico e a um vampiro?

Bônus cravou o olhar na parede a minhas costas.

— Necessito um nome —lhe disse.

— Gorwin. Eu não lhe hei isso dito. —ficou em pé com um movimento fluido e

partiu.

Esperei uns minutos, aproximei-me da barra e me bebi uma Coroa fria com

uma rodela de lima. Tinha conseguido assustar a Bônus. Uma parte de mim se

sentia mal por isso. A outra me recordou que ganhava a vida pilotando

vampiros e que atacava a seus oponentes quando estes baixavam o guarda.

Recordei o rosto do Greg e dava um comprido trago à Coroa. Sentia-me

derrotada e esgotada. Miúdo dia... Tinha esperado obter algo mais de

informação de Bônus, mas ao menos tinha um nome. E também a base de

dados do Greg, com a que poderia contrastá-lo. O dia tampouco tinha ido do

todo mal.

A ESCURIDÃO ENVOLVIA a escada do edifício onde estava o apartamento do

Greg. Nenhuma só luz iluminava os degraus de cimento. Ao chegar ao primeiro

patamar, compreendi o motivo: as lâmpadas elétricas tinham explorado.

Ocorria de vez em quando, durante uma intensa flutuação, em lugares onde a

magia golpeava com mais força. Normalmente, os abajures feéricas

substituíam a eletricidade com eficácia —funcionavam mediante a conversão

da magia ambiental em uma luz débil e azulada—mas aquela noite tampouco

funcionavam. A flutuação devia ter sido especialmente intensa e os

conversores dos abajures deviam haver-se superaquecido e chamuscado.

Page 56: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Sentia-me um pouco estranha retornando ao apartamento do Greg. Não

exatamente incômoda, mas tampouco especialmente feliz.

39

Por desgraça, não tinha outra opção. ia passar algum tempo naquela horrível

cidade e necessitava uma base de operações. O apartamento do Greg era o

lugar perfeito: as defesas me reconheciam e Greg tinha uma coleção muito

completa de ervas básicas, livros de referência e outros recursos úteis.

Seu arsenal era decente, embora tinha uma especial predileção pelas armas

de impacto, enquanto que eu preferia as espadas. Os maços e os martelos

exigiam muita força física. em que pese a ser uma mulher forte, não me fazia

muitas ilusões. Em um enfrentamento de força bruta, um homem de meu

tamanho e com idêntico treinamento não teria muitas dificuldades para me

tombar. Por sorte, havia poucos homens tão preparados como eu.

Subi as lôbregas escadas enquanto sonhava com um bom jantar e uma ducha

quente. A barreira que protegia a porta do apartamento se fechou sobre minha

mão e esta se abriu com uma pulsação azulada. Entrei no apartamento, desfiz-

me dos sapatos e me dirigi à cozinha. Uma das vantagens de ter uma espada

mágica era que suas secreções dissolviam a carne não—morta. O

inconveniente era que tinha que alimentá-la ao menos uma vez ao mês se não

queria que acabasse muito frágil e quebradiça Arrastei um aquário de 120

centímetros de profundidade da parte inferior de um armário e encontrei a

bolsa de penso que tinha deixado no apartamento do Greg para as situações

de emergência. O penso, de uma cor marrom cinzenta, parecia uma tosca

farinha de trigo. De fato, estava composto fundamentalmente de farinha de

trigo, além de aparas metálicas de cobre, ferro e prata, conchas trituradas,

farinha de osso e giz.

Enchi o aquário de água, acrescentei uma taça de penso e revolvi a mescla

com uma larga colher de madeira até que a solução se turvou e não ficou nada

de penso no fundo. Continuando, introduzi a espada no aquário e me lavei as

mãos. A diminuta luz carmesim da secretária eletrônica titilava. Não teria que

estar fazendo-o, já que a magia estava em pleno apogeu. Embora a magia não

sempre se comportava como a gente esperava. Às vezes os telefones

Page 57: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

funcionavam e outras não. Sentei-me em uma cadeira e apertei o botão da

secretária eletrônica. A ansiosa voz da Anna encheu a habitação.

— Kate, sou eu.

Endireitei-me sobre a cadeira. Anna nunca soava ansiosa. Possivelmente fora

pela morte do Greg. Embora fazia dez anos que estavam divorciados, ainda

devia sentir algo por ele.

— Escuta atentamente enquanto vou recordando. —Sua voz se tingiu de

cansaço e compreendi que devia estar recuperando-se de uma visão. O fato de

que soubesse que estava no apartamento do Greg era tão corriqueiro para ela

que nem sequer se incomodou em me perguntar por isso. Às vezes ser uma

vidente tinha suas vantagens.

— Um bosque —disse a voz da Anna—.

40

Muito verde, muito frondoso, finais da primavera ou princípios do verão. O ar

cheira a umidade. Sob algumas árvores há uma espécie de ídolos de madeira,

muito altos. Os ídolos se movem e trocam de forma. Um deles parece um

ancião, mas também um urso com chifres, e sujeita algo entre as mãos... talvez

um pires com água.

Outro ancião está de pé sobre um pescado; acredito que nas mãos leva uma

roda. Um homem com três rostos e com os olhos tampados está sentado entre

as sombras. Logo que posso lhe ver.

O primeiro era Vele, o terceiro, Triglav. O panteão eslavo. Teria que procurar o

segundo.

— Um homem está frente a eles, rodeado por seus filhos. Não estão bem. Não

encaixam; não são humano nem animais, nem vivos nem mortos. Atrás do

homem estão seus serventes. Cheiram a mortos viventes. —Anna agarrou ar—

. O homem se está masturbando. A sua direita cintila algo que luta por

consolidar sua existência, possivelmente um menino. A sua esquerda está

você, sentada no chão com as pernas cruzadas enquanto devora um corpo.

Page 58: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Maravilhoso.

— Sei que Greg morreu —me disse—. E sei que está procurando o assassino.

Tem que deixá-lo, Kate. Sei que não me fará conta, mas tinha que te advertir.

Isto não pinta bem, Kate. Não pinta nada bem.

41

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Capitulo 3

Despertei oito horas depois, cansada e com uma forte enxaqueca. Tinha a

intenção de chamar a Anna, mas não sei bem como, assim que me tombei na

cama, meu corpo desconectou meu cérebro durante o resto da noite.

O telefone não funcionava. Sentei-me sobre a cama e o olhei fixamente. Até o

momento tinha alguns dados de um cabelo mas não à espécime em questão;

umas linhas que podiam ser ou não o resultado de um mau funcionamento do

exploratório, e o nome de um personagem noturno que me tinha dado sob

coação um oficial da Nação com muitas vontades de desfazer-se de mim. além

de todo isso, tinha o que provavelmente era um cabelo de felino no cadáver de

um vampiro, o que colocava à Manada e à Nação em uma trajetória de colisão.

Imaginei a dois colossos correndo o um para o outro em meio da cidade, como

os monstros dos antigos filmes de terror, e eu, um mosquito, no meio. Seria um

banho de sangue ao que poucos na cidade sobreviveriam. portanto, o truque

não era sobreviver, a não ser evitar que acontecesse.

No sonho, o mosquito golpeava a um colosso na virilha e rasgava ao outro com

um corte no jugular.

Voltei a provar o telefone. Continuava sem funcionar. Amaldiçoei e fui vestir

me. Uma hora mais tarde entrava no escritório do Greg. Ninguém me

perguntou que fazia ali. Ninguém me olhou nem me perguntou por que

demônios não estava resolvido o caso ou por que chegava tão tarde. A falta de

dramatismo era muito decepcionante. Revisei os dados que tinha recolhido

Greg. Nos arquivos não encontrei nenhuma referência ao Corwin, mas no

último achei uma pilha de pastas com um signo de interrogação na tampa, de

modo que me pus com elas com a vã esperança de dar com algo. Algo. Desde

não ser assim, veria-me obrigada a agarrar a gente pela rua e lhes gritar: «

Conhece o Corwin? Onde está?»

As pastas continham as notas do Greg, escritas em seu código pessoal. Franzi

o cenho enquanto repassava uma entrada indecifrável atrás de outra. «Glop.

Ag. Bls—7». «Bis» tinha que significar balas. «Ag» podia ser Argentium, prata.

Mas que demônios significava «Glop»?

Minhas esperanças minguaram à medida que passava uma página atrás de

outra, de modo que quando apareceu ante meus olhos, meu cérebro esteve a

Page 60: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

ponto de não registrá-lo. Em uma folha solta estava rabiscado «Corwin», e

junto no nome, dois desenhos. A gente era a tosca representação de uma luva

com afiadas cuchillas se sobressaindo dos nódulos. O outro, uma espécie de

estranho desenho envolto em um semicírculo escuro. Observei de perto o

desenho. Não me disse nada.

42

O telefone começou a soar.

Fiquei olhando-o. Voltou a soar. Perguntei-me se devia responder. Saltou o

interfone e a voz do Maxine disse:

—Deveria agarrá-lo, carinho, é para ti. Como sabia? Desprendi o auricular.

— Sim?

—Olá, céu —disse a voz do Jim.

—Estou ocupada.

Coloquei a pasta de lado e examinei o desenho. Nada.

—Não jodas —disse ele.

—Muito gracioso. Não posso aceitar nenhum caso.

—Não te chamava por isso.

Franzi-lhe o cenho ao telefone e lhe dava a volta à pasta.

—Sou todo ouvido.

—Alguém quer lhe conhecer —me disse.

—lhe diga que fique à cauda —murmurei. O desenho quase recordava a algo.

—Não estou de brincadeira.

Page 61: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Você nunca brinca porque está muito ocupado sendo um casulo. Venha,

uma capa de pele negra? Em plena primavera? Em Atlanta? Além disso, não

tenho tempo para conhecer ninguém.

Jim baixou muito a voz e pronunciou cada palavra com muito cuidado.

—pense-lhe isso bem. De verdade quer que lhe diga que não ao homem? Algo

no modo em que disse aquilo do homem» me deteve. Fiquei imóvel e refleti

seriamente sobre o tipo de «homem» que faria falar com o Jim daquele modo.

— O que tenho feito para atrair a atenção do Senhor das Bestas? —perguntei

secamente.

—Está no escritório do místico, não é assim? Touché.

O Senhor das Bestas era o Rei da Manada, o senhor dos cambiaformas, e

governava a seus irmãos com punho de ferro. Poucos lhe conheciam em

pessoa e a mera menção de seu título era suficiente para que o mais ruidoso

cambiaformas fechasse o pico. Em outras palavras, era precisamente o tipo de

pessoa que tanto Greg como meu pai me tinham recomendado evitar. Apertei

os dentes enquanto pensava no modo de me liberar da entrevista. cedo ou

tarde teria que ir ver a Nação para lhes interrogar sobre o vampiro. Mas no

momento nada me empurrava a me internar na guarida da Manada.

43

—Sua segurança está garantida —disse Jim—. Eu também estarei.

—Não é por isso —murmurei. Devia haver algum modo de rechaçar o convite.

Olhei fixamente o teimoso desenho...

—Olhe —disse Jim, fazendo um evidente esforço por parecer razoável—,

tenha em conta que...

Page 62: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—lhe diga que me encontrarei com ele esta noite em algum lugar privado —lhe

disse—. Responderei a suas perguntas se ele responder às minhas.

—De acordo. Às onze, na esquina de Unicórnio e a Treze.

E pendurou. Tamborilei com os dedos sobre o escritório. Por fim lhe tinha

encontrado sentido ao desenho. A cabeça de um lobo lhe uivem silueteada

sobre o semicírculo da lua. O símbolo da Manada. Corwin pertencia à Manada.

Ficava uma pequena questão relativa ao Maxine da que devia me ocupar.

Concentrei-me e sussurrei em voz tão baixa que nem eu podia me ouvir. Os

autênticos comunicadores podem concentrar-se para emitir seus pensamentos

sem vocalizá-los, mas eu devia mover os lábios como uma idiota.

— Maxine?

— Sim, querida? — disse a voz do Maxine em minha cabeça.

— Há alguma outra chamada para mim?

—Não.

—Obrigado.

—De nada.

Guardei a pasta em seu sítio e saí do escritório. Maxine era telépata. E uma

muito poderosa. A partir de agora devia evitar pensar naquele escritório.

Parti-me rapidamente e, ao chegar às escadas, quase pus-se a correr.

Demoraria um tempo em me acostumar à idéia de que alguém escavasse em

minha cabeça. Retornei ao apartamento. Sentei-me no chão, com as costas

apoiada na porta, e respirei fundo. Toda minha vida me haviam dito que me

mantivera afastada de tudo o que cheirasse a poder. Não chame a atenção.

Não alardeie. Protege seu sangue, porque acabará te traindo. Se sangrar, poda

o sangue imediatamente e queima a toalha. Queima as ataduras. Se alguém

consegue fazer-se com um pouco de seu sangue, lhe mate e destrói a amostra.

Ao princípio era uma questão de sobrevivência. Mais tarde se converteu em

simples vingança.

me encontrar com o Senhor das Bestas significava me inundar de cabeça na

política sobrenatural de Atlanta. Ele era um dos pesos pesados. Embora podia

evitar me reunir com ele; quão único devia fazer era me largar dali. Seria muito

fácil. Tive uma fugaz visão de mim mesma em cuclillas junto a um cadáver

humano, me introduzindo na boca partes de carne murcha.

Page 63: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

44

O apartamento estava silencioso e senti a presença do Greg. Todo o

apartamento estava impregnado de sua força vital, de tudo o que lhe tinha

convertido no que era. parecia-se muito a meu pai: direto, inflexível, tomando

seu próprio caminho sem preocupar-se do que o mundo pensasse dele.

Não podia partir. Encontraria ao responsável por sua morte e me vingaria, se

não pelo Greg, ao menos por mim. De outro modo, não poderia seguir me

olhando ao espelho. Quando a vida te encurrala em uma esquina e não te

oferece saída alguma, quando seus amigos, seu amante e sua família lhe

abandonam, quando está ao bordo do precipício, assustada, só e a ponto de

perder a cabeça, sabe o que fará algo por solucionar seus problemas. Então,

desesperada-se e ansiosa, irá ao Unicórnio em busca de salvação em sua

magia e seus segredos. Fará algo, pagará qualquer preço. O distrito do

Unicórnio te aceitará, envolverá-te em seu poder, resolverá seus problemas e

se cobrará seu preço. E então aprenderá o autêntico significado de «algo».

Toda cidade que se aprecie tem um desses bairros —perigoso, sinistro—, tão

traiçoeiro que inclusive quão criminais extorquem a outros criminosos os

evitam. O distrito do Unicórnio era um desses lugares. Trinta maçãs de

comprimento e oito de largura, cortava como uma adaga o que tempo atrás

tinha sido o centro da cidade. Era uma zona de arranha-céu médio derrubados,

testemunhas silenciosas de uma tecnologia do passado, os cascas de ovo do

GLG Grand, o Promenade II e o One Atlantic Center, corroído até os alicerces

pela magia.

As ruas estavam repletas de entulhos e as águas residuais se derramavam de

encanamentos trinchados, formando pestilentos arroios sobre o meio-fio. A

magia estava estancada naquele lugar, persistindo inclusive durante as

quebras de onda mais potentes, e ali encontravam proteção espantosas

criaturas que evitavam a luz entre as escuras carcasas de edifícios estripados.

Bruxos lunáticos, desumanos e pervertidos que temiam morrer à mãos da

pouco pormenorizada Manada, satânicos e nigromantes solitários, todos

terminavam no distrito do Unicórnio, já que se podiam chegar ali e sobreviver,

Page 64: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

nenhum representante da lei podia lhes obrigar a abandonar o lugar. O distrito

do Unicórnio tinha suas próprias leis.

Um lugar infernal para uma entrevista.

Avancei pela rua Quatorze, estacionei ao Karmelion em um beco solitário e

percorri a pé as duas maçãs seguintes. Frente a mim apareceu um muro de

pedra que se desmoronou; um lamentável intento por parte de algum idiota da

prefeitura para conter o distrito do Unicórnio. Subi e deixei atrás os restos do

muro. Um grande fragmento de cimento me impedia o passo. Tinha um

aspecto escorregadio, quase viscoso. Saltei por cima dele.

45

Naquele lugar, inclusive a luz da lua estalava e grunhia como um cão raivoso, e

a magia mordia sem prévio aviso.

Cinco minutos depois de entrar no distrito, um letreiro na fachada de uma casa

abandonada me informou que tinha chegado a meu destino, a esquina da

Treze com Unicórnio. diante de mim, um velho edifício de apartamentos

observava a rua através de suas janelas rotas. A minha direita, um intrincado

conglomerado de cimento e estruturas metálicas bloqueava a rua, sepultando o

pavimento sob uma montanha de resíduos. A rua estava aberta a minha

esquerda, mas sumida na escuridão. Permaneci imóvel, esperando, escutando.

A luz da lua se derramou sobre as ruínas. Uma espessa escuridão que se

parecia mais à tinta se acumulou nos ocos e vazios e se estendeu, fundindo-se

com a luz, engendrando tênues sombras e confundindo a fronteira entre o real

e o ilusório. A horripilante paisagem parecia falso, como se os edifícios ruídos

se desvaneceram, deixando detrás de si traiçoeiras sombras de suas formas

originais. Em algum ponto das profundidades da rua do Unicórnio algo

começou a uivar, dando voz a uma alma torturada. O coração deixou de me

pulsar durante um segundo. Algo ou alguém me observava das sombras. Senti

seu olhar sobre meu corpo como se se tratasse de algo físico. Deixei passar

uns instantes que se transformaram em minutos. Pouco depois, olhei meu

relógio. deteve-se. Em algum lugar da escuridão rondava o Senhor das Bestas.

Page 65: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Não sabia que aspecto tinha nem a espécie de sua besta. Pouca gente fora da

Manada afirmava lhe haver conhecido e ninguém parecia muito disposto a

comentar a experiência. Quão único sabia dele era que dispunha de um grande

poder. Segundo as últimas estimativas, comandava uma força de trezentos e

trinta e sete cambiaformas só na cidade de Atlanta. Não estava ao mando

porque fora o mais preparado ou o mais popular; encabeçava a Manada

porque, de entre esses trezentos e trinta e sete indivíduos, era,

inquestionavelmente, o mais forte. Estava ao mando pelo direito que lhe

outorgava seu poder; em resumo, ainda não tinha aparecido ninguém capaz de

lhe chutar o traseiro.

Entre os cambiaformas, os lobos são os mais numerosos, depois vêm as

raposas, os chacais, os ratos e, por último, as hienas e os felinos mais

pequenos: linces, gatos monteses e guepardos. Sem esquecer as formas

exóticas, os homens—búfalo e os homens—serpente, mas os búfalos tinham

seu próprio Rebanho no Meio Oeste e as serpentes eram entes solitários.

Todas as formas de besta eram maiores que seus equivalentes naturais; um

cambiaforma padrão em sua forma de lobo se aproximava dos cem

quilogramas de peso, enquanto que o lobo cinza pesava menos de cinqüenta

quilogramas. De um ponto de vista biológico, a transformação de um humano

de setenta e sete quilogramas a um animal de cem não tinha sentido, mas no

relativo à mudança de forma, a menor das anomalias era a massa flutuante.

46

A magia não pode ser medida nem explicada em términos científicos, dado que

a magia se estende mediante a destruição dos princípios naturais em que se

apóia a ciência.

Outro uivo rasgou a escuridão, ainda muito longe para representar uma

ameaça. O Senhor das Bestas, o alfa macho, devia impor sua posição

mediante a vontade e a força física. Devia responder a todo aquele que

ameaçasse seu reinado, portanto, era pouco provável que fora um lobo. Um

lobo não tinha muitas opções frente a um felino. Os lobos caçavam em

manada, sangrando a sua vítima e perseguindo-a até que esta se esgotava,

enquanto que os felinos eram máquinas de matar solitárias, desenhadas para

assassinar com rapidez e precisão.

Page 66: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Não, o Senhor das Bestas tinha que ser um felino, talvez um jaguar ou um

leopardo. Possivelmente um tigre, embora os únicos casos conhecidos de

homem—tigre se deram na Ásia e podiam contar-se com os dedos de uma

mão.

Tinha ouvido rumores sobre o Kodiak de Atlanta. Segundo a lenda, tratava-se

de um enorme urso com numerosas cicatrizes que percorria as ruas em busca

de criminosos da Manada.

A Manada, como qualquer organização social, tinha a seus infratores da lei. O

Kodiak era seu Executor. Talvez sua Majestade se transformasse em um urso.

Maldita seja. Teria que ter trazido um pouco de mel.

Me começou a dormir a perna esquerda. Troquei o peso do corpo de um pé ao

outro...

Um uivo grave e ameaçador me obrigou a ficar imóvel em metade do

movimento. Procedia da brecha sumida em sombras no edifício ao outro lado

da rua e se estendeu pelas ruínas, despertando lembranças imemoriais de um

tempo em que os humanos eram criaturas patéticas que se encolhiam frente à

fraca chama do primeiro fogo e sondavam a escuridão com olhos assustados,

pois nesta se ocultavam assassinos monstruosos e famintos. O subconsciente

me enviou um sinal de alarme. Mantive-a a raia e fiz ranger o pescoço,

lentamente, primeiro um lado e depois o outro.

Com a extremidade do olho captei o movimento fulgurante de uma sombra

estilizada. A minha esquerda, e por cima de mim, um grácil jaguar se

desperezó sobre o protuberante bloco de cimento, uma elegante estatua

emoldurada pela metálica luz da lua. Homo Pantera. O assassino que apanha

a sua presa com um único salto. Olá, Jim.

O jaguar me olhou com seus olhos ambarinos. Os lábios felinos se alargaram

riscando um sorriso extrañamente humana.

47

Page 67: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Que riera se queria. Não sabia o que estava em jogo. Jim inclinou a cabeça e

começou a limpá-la pezuña.

Agarrando com firmeza a espada, cruzei a rua e me introduzi pelo oco da

parede. A escuridão me engoliu completamente.

Percebi o penetrante aroma almiscarado dos felinos. Assim que nada de ursos,

não? Onde estava? Esquadrinhei o edifício, tentando distinguir algo na

escuridão. A luz da lua se filtrava pelos buracos nos muros, criando uma

miragem de penumbras e sombras. Sabia que me estava observando.

Desfrutando de do momento. A diplomacia nunca foi um de meus fortes e me

estava acabando a paciência. Pu-me em cuclillas e gritei:

—Aqui, gatinho, gatinho, gatinho.

Dois olhos dourados se acenderam na parede de em frente. Uma silhueta se

agitou na escuridão e ficou em pé, elevando os olhos cada vez mais até ficar

muito por cima de mim. Uma enorme pezuña avançou para a zona iluminada

pela luz da lua, levantando o pó que cobria o chão. Umas perigosas garras

apareceram e se retraíram rapidamente. Continuando, um formidável ombro

com a pelagem cinza manchada por umas débeis raia defumadas. O enorme

corpo seguiu avançando diretamente para mim; perdi o equilíbrio e caí de culo

ao chão. Pelo amor de Deus, aquilo não era um simples leão. Aquela coisa

devia medir um metro e médio a quatro patas. E por que tinha raias?

O colossal felino começou a riscar círculos a mim ao redor, entrando e saindo

das sombras, enquanto sua juba se agitava com cada movimento. Pu-me em

pé como pude e estive a ponto de se chocar com seu focinho cinza. Olhamo-

nos fixamente, o leão e eu, com os olhos ao mesmo nível. Então me dava a

volta e me dediquei a me sacudir os jeans de um modo muito pouco digno.

O leão desapareceu em um rincão sumido na escuridão. Um sopro de poder

percorreu a zona, perturbando meus sentidos. Não fazia falta ser uma

especialista para saber que acabava de transformar-se.

— Gatinho, gatinho? —disse uma neutra voz masculina.

Dava um coice. Nenhum cambiaformas passava de besta a humano sem um

período de repouso. Na forma intermédia sim, mas o passo de besta a humano

não era singelo.

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—Sim — yeah… me pilhaste despreparada. A próxima vez trarei leite e algum

juguetito para gatos.

—Se houver uma próxima vez.

Quando me dava a volta, vi-lhe ali de pé, com uma camiseta folgada e calças

de moletom. Um cambiaforma sem ares de grandeza, que reconfortante! Se

não fora pelo brilho úmido que cobria sua pele, ninguém saberia que acabava

de transformar-se.

48

Observou-me lentamente, com cautela, como se estivesse me avaliando. Podia

me ruborizar recatadamente ou podia fazer o mesmo com ele. Optei por não

me ruborizar. Meio centímetro mais alto que eu, o Senhor das Bestas transmitia

uma sensação de poder contido. Depravado, postura equilibrada. Cabelo loiro

muito curto. A primeira vista, parecia estar na vintena, mas seu físico lhe traía.

A camiseta se esticava à altura dos ombros. Suas costas era larga e

musculosa, revelando o poder e a força física que um homem está acostumado

a desenvolver a partir dos trinta e tantos.

— Que classe de mulher se apresenta ante o Senhor das Bestas com um

«aqui, gatinho, gatinho»? —me perguntou.

—Uma com classe —murmurei a resposta mais óbvia. Em algum momento

teria que lhe olhar aos olhos. Melhor logo que tarde.

O Senhor das Bestas tinha uma mandíbula forte e quadrada. Seu nariz era

estreito, com a ponte torcida, como se a tivesse quebrado mais de uma vez e

nunca se curou bem de tudo. Tendo em conta os poderes regenerativos dos

cambiaformas, deviam lhe haver golpeado na cara com um maço. Nossos

olhares se cruzaram. Diminutas faíscas douradas dançaram em seus olhos

cinzas. Seu olhar me fez desejar inclinar a cabeça e olhar para outro lado.

Observava-me como se fora um novo e interessante manjar.

—Sou o Senhor das Bestas —disse.

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—Sim, suspeitava-o. —Esperava talvez que lhe fizesse uma reverência.

inclinou-se ligeiramente para diante, me examinando como se fora um inseto

desconhecido.

—por que o cavalheiro—protetor contrataria a uma mere sem reputação para

investigar a morte de seu místico?

Olhei-lhe com meu melhor sorriso críptica. Ele fez uma careta.

—O que tem descoberto? —perguntou-me.

—Não estou em disposição de te responder a isso. —Não com um suspeito na

Manada.

inclinou-se ainda mais, permitindo que a luz da lua lhe iluminasse o rosto. Seu

olhar era direto, e não era fácil seguir olhando aqueles olhos. Consegui-o,

embora não pude evitar fazer chiar os dentes. Cinco segundos de conversação

e já tentava me controlar com o olhar do alfa. Se começava a estalar os dentes,

seria hora de sair por patas. Ou de lhe apresentar a minha espada.

—Agora me dirá o que sabe —disse ele.

—ou?

Não disse nada, de modo que me expliquei.

—Verá, normalmente esse tipo de ameaças levam um «ou» implícito. Ou um

«e». «me Diga isso e te permitirei seguir com vida» ou algo assim.

49

Seus olhos flamejaram com uma tonalidade dourada. Seu olhar se fez

insuportável.

—Posso fazer que me suplique para que te deixe me contar tudo o que sabe —

disse com uma voz que parecia mais um grunhido baixo. Senti como se uns

dedos de gelo me percorressem as costas.

Page 70: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Apertei o punho de Assassina até que me doeu a mão. Seus olhos dourados

ardiam dentro de mim.

—Não sei —ouvi como dizia minha própria voz—, não parece estar em muito

boa forma. Quando foi a última vez que te encarregou em pessoa dos assuntos

sujos? Sua mão esquerda se esticou. Os músculos se crisparam sob a pele

tirante e os braços começaram a recubrirse de pelagem. As garras se

deslizaram sob uns dedos entupidos. A mão se moveu com uma rapidez

desumana. Apartei a cabeça e esta passou a escassos centímetros de meu

rosto. Uma mecha de cabelo, amputado de minha própria rabo-de-cavalo,

posou-se em minha bochecha esquerda. As garras se retraíram.

—Acredito que ainda recordo como se faz —disse ele.

Uma faísca de magia percorreu meus dedos até o punho de Assassina e se

estendeu pela folha, recubriendo o liso metal com um brilho esbranquiçado.

Não é que o brilho fizesse nada especialmente útil, mas o aspecto era

impressionante.

—Quando quiser me convidar a dançar, não o duvide —pinjente. Sorriu, lenta,

perezosamente.

—Já não te ri, pequena?

Tenho que reconhecer que era imponente. Fiz várias estocadas com a folha

para esquentar um pouco a boneca. A espada riscou uma tensa e

incandescente elipse no ar, despedindo sobre o chão sujo diminutas gotas de

luminescência. Uma delas caiu perto do pé do Senhor das Bestas e este se

apartou.

—Talvez a transformação te deixou um pouco lânguido.

—Aproxima seu porrete e o descobriremos.

Demos várias voltas um frente ao outro. Nossos pés levantavam ligeiras

nuvens de pó do chão. Desejava lutar contra ele, embora solo fora para

averiguar até onde era capaz de chegar.

Abriu os lábios e deixou escapar um grunhido. Eu fiz oscilar a espada para

calcular a distância entre ambos.

Se lutávamos, e sobrevivia, nunca descobriria quem matou ao Greg. A Manada

me despedaçaria. Aquilo não me levava a nenhuma parte. Não tinha mais

Page 71: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

remedeio que perder um pouco de prestígio. Detive-me e baixei a espada.

Embora as palavras se negavam a abandonar minha boca, obriguei-as.

—Sinto muito. eu adoraria jogar contigo mas agora mesmo não sou eu mesma.

50

Ele sorriu e eu fiz tudo o que pude para ignorar a condescendência que vi em

seu rosto.

—Meu nome é Kate Daniels. Greg Feldman era meu guardião legal e o mais

parecido que tive em anos a uma família. Quero encontrar à escória que lhe

matou. Não posso me permitir o luxo de lutar contigo e presumir de minha

magia. Solo quero saber se a Manada tem algo que ver com a morte do Greg.

Assim que dê com o assassino, estarei encantada de lhe dar o gosto.

Ofereci-lhe a mão. Ele ficou imóvel, me sopesando, e então a pelagem

começou a retroceder, absorvido pelos folículos que o tinham feito aparecer. O

Senhor das

Bestas

agarrou

meu

mão

em seu

palma

humana e

a

agitou

brevemente.

—De acordo. Eu tampouco sou o de sempre agora mesmo —disse.

Supus

Page 72: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

que

ao

ser o

Senhor

de

as Bestas,

não

o

seria nunca.

A tonalidade dourada de sua íris se reduziu até que não foi mais que simples

reflexos. Seu controle era assombroso. Os cambiaformas mais peritos podiam

escolher entre três formas: a humana, a animal e a besta—homem.

Transformar uma parte do corpo em uma dessas formas enquanto se mantém

o resto em outra, como ele tinha feito, era algo incrível. Até aquela noite,

haveria dito que era impossível. O Senhor das Bestas se sentou no chão. Não

ficou mais remedeio que lhe imitar, e me senti como uma idiota por me haver

sacudido os jeans uns minutos antes.

—Se te demonstrar que a Manada não tinha nenhum motivo para eliminar ao

místico, compartilhará a informação?

—Sim.

Introduziu a mão na sudadera, extraiu uma pasta de pele negra com uma

cremalheira e me ofereceu isso. Alarguei a mão mas ele a retirou antes de que

pudesse tocar a flexível superfície de pele. Perguntei-me se seria mais rápido

que eu. Seria interessante averiguá-lo.

—Entre você e eu —disse ele.

—Entendido.

Agarrei a pasta e abri a cremalheira. Continha fotografias. Fotos instantâneas

de corpos, alguns humanos, outros, solo em parte animais, destroçados e

ensangüentados. em que pese a que o brilhante e terrível cor carmesim o

dominava tudo e resultava difícil as analisar, repassei-as todas. Corpo detrás

corpo detrás corpo: rasgados, desmembrados, banhados em seu próprio

sangue. Me revolveu o estômago.

—Sete —murmurei sustentando as fotografias pela margem, como se o sangue

pudesse me manchar os dedos—. São teus?

Page 73: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Sim, todos. —Alargou o braço para assinalar uma deste fotos instantâneas é

Zachary Stone. O alfa—rato. Um tipo duro, desumano.

51

Tentei ver além do sangue, me concentrando nas feridas.

—Algo lhe mordeu.

—Algo mordeu a cinco deles. E tivesse feito o mesmo com os outros dois se

não tivesse fugido, assustado. Me ocorreu algo.

—Greg trabalhava nisto.

—Sim. E o mantinha em segredo. A Nação quer mais poder. Cobiçam-no do

mesmo modo em que seus vampiros cobiçam o sangue. Vêem-nos como rivais

e atacarão qualquer ponto débil que tenhamos. Admitir que não podemos

cuidar de nós mesmos é uma debilidade. Nataraja se mancharia os jeans se se

inteirasse.

—Crie que foram eles?

—Não sei —disse ele com gesto sério—. Mas o descobrirei.

Tinha sentido. A Ordem não sentia muita avaliação pela Manada, muito

organizada e perigosa para seu gosto, mas se devia escolher entre a Nação e

os cambiaformas, a Ordem apoiaria à Manada. Greg poderia ter estado

seguindo a um vampiro quando algo matou, evitando desse modo que

revelasse o que tinha visto ou o que estava a ponto de ver. O vampiro poderia

haver-se encontrado em metade de uma briga sem querer o. Ou o vampiro

poderia ter estado seguindo ao Greg quando algo matou porque se aproximou

muito. O...

—Eu gostaria de falar com o Corwin —disse. Seu rosto não mostrou reação

alguma.

—É um dos suspeitos? Não havia razão para lhe mentir.

Page 74: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Sim.

—Feito —disse ele—. Terá seu bate-papo. Em nossas instalações.

—Parece-me bem.

—Eu cumpri com minha parte —disse. Tirei o exploratório que me tinha levado

do necrotério e o estendi sobre a sujeira que cobria o chão.

—O que tenho que procurar? —perguntou-me.

—Isto. —Assinalei as linhas amarelas.

—Parece uma falha do exploratório.

—Não acredito. Franziu o cenho.

—O que registra o amarelo?

—Não sei. Mas conheço um perito que me pode dizer isso —¿Tienes algo más

que esto?

—Tem algo mais que isto?

Estava o cabelo, embora considerei a idéia de não comentar-lhe Acautelar é

curar. E tampouco me tinha dado nada que não tivesse podido conseguir do

cavalheiro— protetor. Teoricamente. Mesmo assim, o Senhor das Bestas me

tinha economizado um montão de trabalho, e além disso duvidava muito que a

textura do cabelo do Corwin pudesse alterar-se de tal modo que a análise de

DNA não o identificasse com a amostra.

52

O Senhor das Bestas observou as fotografias, passando de uma a outra com

manifesta lentidão. Parecia quase humano. Compreendi que estava sendo

Page 75: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

parcial. Parcial respeito a Nataraja e sua academia de admiradores da morte,

com sua clínica indiferença à tragédia e o assassinato. Para eles, um vampiro

eliminado e um oficial comatoso era um menoscabo a seu investimento,

custoso e inoportuno, mas sem conseqüências emocionais. O homem frente a

mim, por outro lado, tinha perdido a seus amigos. Era gente a que conhecia

muito bem e que se puseram em suas mãos. A responsabilidade primitiva do

líder da Manada era proteger a seus membros, e lhes tinha falhado. Enquanto

contemplava as fotos de seus corpos, seu rosto transmitia determinação e ira,

uma ira fria e cristalizada, nascida da culpa e da dor. Existia uma velha palavra

para definir aquele tipo de sentimento. Cólera.

Entendia-o. Era o mesmo que sentia eu cada vez que pensava no Greg. A

partir de então deveria ter muito cuidado, porque já não era neutro. Se o

Senhor das Bestas tinha matado ao Greg, teria que me esforçar mais para me

convencer de sua culpabilidade.

E pensar que tinha encontrado a um espírito compassivo no Senhor das

Bestas. Que comovedor. A morte do Greg me estava fazendo perder a cabeça.

Talvez pudesse lhe fatiar o pescoço ao assassino enquanto o Senhor das

Bestas lhe sujeitava.

—Na cena do crime havia vários cabelos —disse—. O escritório do forense não

sabe o que fazer com eles. Contêm fragmentos de seqüências genéticas tão

humanas como felinas. Não é nenhum tipo de cambiaforma que figure em seus

registros. É estranho do demônio e não, não tenho o listrado exato dos pares

de bases.

—Sabe Nataraja?

—Acredito que sim —disse—. Um de seus oficiais me deu o nome do Corwin.

Não me disse que acreditassem que fora o assassino, mas é óbvio que

acreditam. Um pequeno músculo se esticou em sua bochecha, como se seu

rosto desejasse torcer-se com um grunhido selvagem

—Suponho que sim.

—Está satisfeito?—perguntei-lhe. Assentiu.

—por agora. Farei-te chamar.

—Não voltarei para este lugar —lhe disse—. O Unicórnio me põe os cabelos de

ponta. Seus olhos voltaram a reluzir.

—Sério? Eu o encontro relaxante. Um lugar pitoresco. A luz da lua.

Page 76: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Nunca me gostaram de muito os lugares pitorescos. A próxima vez prefiro

um convite oficial.

Voltou a guardar as fotografias.

53

—Posso ficar as perguntei-lhe. Negou com a cabeça.

—Não. É suficiente com que existam. Dava-me a volta para partir e me detive

antes de chegar ao oco da parede.

—Uma última coisa, Sua Majestade. Iria bem ter um nome para o relatório, um

pouco mais curto que «O Líder da Facção dos Cambiaformas do Sul». Como

posso te chamar?

—Senhor.

Pus os olhos em branco. Ele se encolheu de ombros.

—É curto.

Aquela se estava convertendo em uma noite bastante complicada, e não

mostrava signos de trocar de rumo. Saltei sobre a montanha de entulhos e

reparei em que Jim tinha desaparecido.

Algo me tocou no ombro. Dava-me a volta rapidamente e vi o Senhor das

Bestas me olhando do orifício que havia ao outro extremo, a uns três metros de

distância.

—Batalham —disse, como se me estivesse fazendo um favor—. Pode me

chamar Batalham. fundiu-se com as sombras. Esperei um momento para me

assegurar de que se partiu. Ninguém saltou sobre mim da escuridão.

Page 77: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Mais à frente do Unicórnio, distingui o resplendor azulado dos abajures feéricas

da cidade. Tinha chegado o momento de lhe levar o exploratório a meu perito.

Não estava acostumado a lhe incomodar as visitas a altas horas da noite.

CHAMPION HEIGHTS não era um lugar difícil de encontrar. Era o único

edifício alto que ainda seguia em pé. No passado era conhecido como Lenox

Pointe, mas tinha passado por tantas renovações e tinha trocado tanto de

mãos que já ninguém recordava seu antigo nome. Encravado entre coníferas

podadas, e astutamente dispostas, o edifício de dezessete pisos, de tijolo

vermelho e cimento, elevava-se ameaçador sobre as lojas e bares do

Buckhead como uma torre mística. Uma bruma esbranquiçada estava aderida

a suas paredes exteriores e balcões, apagando as cortantes arestas, pois uma

rede de conjuros trabalhava incansavelmente para convencer a muito mesmo

magia que os alimentava que o edifico não era mais que uma enorme rocha.

Uma distorção, o efeito colateral do influxo dos feitiços, estendia-se por toda a

estrutura, e algumas seções do edifício pareciam segmentos de um abrupto

escarpado de granito.

54

O filtro deveu custar uma pequena fortuna, e em que pese a que até o

momento tinha mantido em pé ao edifício, não existia garantia alguma de que

continuasse fazendo-o no futuro. Embora eu estava convencida de que o faria.

Toda aquela rede tinha a estranha lógica típica da magia complexa.

Para compreendê-la era necessária uma mente preclara; como ocorria com a

física quântica. Independentemente do que o futuro proporcionasse ao

Champion Feights, seus proprietários já tinham recuperado seu investimento

várias vezes. Muitos casais estavam encantados de pagar o aluguel de um ano

que exigiam por retirar-se naquele lugar. Estacionei ao Karmelion entre o

Cadillacs, distinguidos Lincolns e estranhos mecanismos desenhados para

transportar a seus proprietários durante as quebras de onda mágicas. Não há

um modo adequado de transportar a impressão de um exploratório, de modo

Page 78: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

que a preguei e a guardei entre as páginas do Calendário. Começou a sopro o

ar noturno, trazendo consigo aromas de outros lugares: um leve eflúvio a

madeira queimada, o aroma da carne assada. Cruzei o estacionamento e subi

as escadas de cimento flanqueadas por pitorescos arbustos até a porta

giratória de cristal. em que pese a que o cristal enfeitiçado perde parte de sua

transparência, não me custou distinguir a pesada grade metálica que

bloqueava o vestíbulo e o pequeno barraco com o guarda que me apontava

com uma mola de suspensão.

Dirigi-me para a esquerda e pressionei o botão do interfone. Emitiu um assobio.

—Planta quinze, cento e cinqüenta e oito, por favor. A voz do guarda me

chegou distorcida pela estática:

—Contra-senha, por favor.

—«Na hora de seu destino, Scyld, forte ainda, procurou o amparo de seu

Senhor». —Sem a contra-senha, me teria feito esperar ao outro lado da grade

enquanto comprovava minha identidade com o cento e cinqüenta e oito, e

inclusive assim, não tivesse podido entrar no edifício sem ser revistada e detrás

entregar a Assassina. me separar de minha espada não era uma opção.

A grade metálica se deslizou para um lado.

—Adiante.

A porta giratória me cuspiu no vestíbulo, banhado pela luz dos abajures

feéricas. Minhas pegadas ressonaram no gentil chão' de ladrilhos de granito

vermelho e enviaram pequenos ecos que se perderam nos rincões. Aproximei-

me do elevador. A magia ainda não se retirou, mas já tinha visitado antes

Champion Heights em metade de uma flutuação mágica. O elevador

funcionava em qualquer circunstância. A planta quinze estava estofa com um

luxuoso tapete verde, muito mais espessa que a maioria dos colchões que

tinha visto. me afundando nela, avancei até a porta metálica com o número

158, apertei o timbre e golpeei com os nódulos se por acaso a magia havia o

Corto—circuitado. Ninguém em casa.

55

Page 79: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Uma caixa metálica de uns quinze por sete centímetros com uma ranhura para

ler cartões bloqueava a porta. Como tudo no Champion Heights, o ferrolho não

era o que parecia: magia disfarçada de tecnologia. Assassina vaiou quando a

tirei de sua vagem. Deslizei a folha pela ranhura do leitor, concentrei-me na

espada e apoiei a mão na folha. Uma sacudida mágica pulsou desde meus

dedos. te abra!

O ferrolho estalou e a pesada porta cedeu à pressão da palma de minha mão.

Depois de embainhar novamente a Assassina, cruzei a soleira e fechei a porta

a minhas costas. Encontrei a provas o abajur feérica, girei a manivela circular e

uma ampla língua de luz azulada cobrou vida, iluminando o apartamento.

Nunca ganharia a vida como decoradora de interiores. Meu apartamento era

um caos confortável; meus móveis não harmonizavam entre si mas eram muito

funcionais. As propriedades estéticas de uma peça em concreto eram

secundárias, o importante era sua função prática, e para mim o luxo significava

dispor de uma mesita junto ao sofá para colocar sobre ela um abajur e uma

taça de café.

Justamente o contrário ao que ocorria naquele lugar. Assim que entrei no

apartamento, soube que seu proprietário tinha disposto o ambiente com um

objetivo deliberado em mente. Ante mim tinha anos de aquisições seletivas por

parte de uma pessoa para quem a palavra «oferta» carecia de significado. O

mobiliário, o tapete, recarregada-a decoração... tudo se fundia para oferecer

um amálgama pessoal, e contemplá-la produzia a mesma sensação que as

reconstruções da savana em um zoológico. Era um hábitat, a um tempo

harmonioso e estranho, de cristal, metal e felpa branca, todo elipses e curvas.

A habitação tinha três portas: alguém dava ao dormitório, outra ao quarto de

banho, com uma pileta dobro e uma ducha com biombo, e a última ao

laboratório.

A neblina própria do conjuro não impedia a vista do interior, e os grandes

ventanales ofereciam um panorama da Atlanta noturna sob um céu negro

inabarcable. A tênue luz do abajur feérica acariciava o cristal, tornando-o

invisível, e permeaba a escuridão do exterior dando a sensação de que o

apartamento era uma parte mais do céu noturno, delimitado por cristal e pedra

mas não separado do mundo exterior. Se te aproximava o suficiente ao

ventanal, tinha a sensação de estar flutuando sobre a cidade...

Enquanto contemplava a vista. Milhares de lucecitas cobraram vida, como jóias

sobre um tecido de veludo negro, e as luzes elétricas alagaram a avenida a

meus pés em um amanhecer tecnológico. O abajur feérica titilou e se apagou,

e no interior do apartamento se acenderam brilhantes luz elétricas, anulando a

ilusão e me separando da infinita opacidade.

Page 80: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

56

O cristal se fez impenetrável e fiquei confinada ao outro lado, como se

estivesse enclausurada no centro de uma caixa trasparente. Súbitamente,

senti-me vulnerável, de modo que apaguei todas as luzes salvo um abajur de

mesa de metal e cristal opaco.

Lavei-me a cara e os braços até o cotovelo, sequei-me com uma amaciada

toalha branca que encontrei pendurada de um gancho junto ao lavamanos, e

me acomodei no ultramoderno sofá. Pergunta-a de Batalham seguia me

acossando: por que o cavalheiro—protetor contrataria a uma mere sem

reputação para investigar a morte de seu místico? Aparentemente, não tinha

sentido. Finalmente consegui ver além de meu ego. Um dos membros da

Ordem tinha sido assassinado, um homem reconhecido com um poder

considerável. Não podiam encarregar-se eles. Teriam que recorrer a um

cruzado. Para a Ordem, os cruzados eram o equivalente de um bisturi. Tem um

desagradável furúnculo a ponto de arrebentar... envia a um cruzado. Solitários,

experimentados e mortais, os cruzados eram os melhores em seu trabalho e,

depois de cumprir com sua tarefa, retornavam por onde tinham vindo. Ted

esperava que «investigasse o crime», quer dizer, esperava que fizesse muito

ruído e que atraíra toda a atenção enquanto o cruzado trabalhava

sigilosamente detrás de minha cortina de fumaça. Durante um par de segundos

me senti indignada, mas compreendi que ao final as duas partes conseguiam o

que queriam: Ted seu pára-raios e eu a investigação da morte do Greg. Todo

mundo saía ganhando.

Abri o Calendário e extraí de entre as páginas do livro o exploratório—m e o

recorte do artigo que me tinha dado Bônus. Estudei o exploratório uma vez

mais antes de deixá-lo sobre a mesa de cristal, desdobrei o artigo e comecei a

lê-lo. O proprietário do apartamento não demoraria para chegar. Quase nunca

o fazia mais tarde que as duas da madrugada, pois estava convencido de que

as três era uma hora funesta. Eram caso as dois quando um táxi avançou pela

avenida frente ao edifício. Levei-me os binoculares aos olhos.

Page 81: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

A porta do táxi se abriu e uma loira desceu dele. Era alta e muito magra. O

vestido negro curto se aferrava a seus estreitos quadris e a seu comprido

esculpa, estalando elegantemente para acolher uns peitos que resultavam

muito grandes para seu corpo. Seu cabelo, tão pálido que emitia reflexos

esbranquiçados, caía-lhe até os ombros sem nenhum rastro de

encrespamiento.

Tinha um rosto perfeito, com bochechas altas e proeminentes, nariz aquilino,

enormes olhos e uma boca generosa. À medida que se aproximava do edifício,

seu rosto adotou uma expressão que em uma mulher menos atrativa poderia

haver-se qualificado como desdenhosa. De beleza elegante, grácil e arrogante,

era como um potro árabe, altiva e cruel; uma provocação irresistível para

qualquer macho.

57

Um pedestre solitário se deteve, pasmado ante semelhante visão. Embora não

pude ouvi-lo, supus que lhe assobiou ao passar por seu lado. A loira lhe

ignorou sem esforço aparente; para ela, aquele tipo simplesmente não existia.

Apartei os binoculares e retornei a meu Calendário.

Cinco minutos depois, o ferrolho da porta estalou e a loira entrou no

apartamento. À lombriga, ficou imóvel. A arrogante expressão desapareceu de

seu rosto.

—OH, Deus. Tenho algo para ti. Outra vez não.

Entrou na cozinha, agarrou várias latas de proteínas de um armário e as deixou

sobre a barra. Uma bolsa de damascos secos se uniu às latas, junto a um

pacote de açúcar, um tablete de chocolate e uma batedeira descomunal.

Agarrou uma caixa de ovos da geladeira e os verteu, depois de quebrá-los, no

copo do liquidificador. Seguiram-lhe dois punhados de damascos, várias

colheradas de açúcar, o chocolate e o conteúdo de, nos alinhe, seis latas de

proteínas.

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—Água —murmurou a loira, assinalando com a cabeça o copo sobre a mesa—

. Poderia te haver servido algo do bar.

—Queria água— disse.

A loira sorriu, uma expressão estranha em seu rosto, e conectou a batedeira.

As folhas começaram a girar, convertendo o conteúdo do copo em uma

espessa massa uniforme. Desligou a batedeira, retirou a tampa com um perito

giro de boneca e bebeu diretamente do copo misturador.

—Quanto há aí? Dois litros? —perguntei-lhe. Deixou de beber durante uns

instantes.

—Quase três, de fato.

O terminou e, sem mais cerimônias, tirou-se o vestido por cima da cabeça.

Voltei a me concentrar no livro.

—Incomoda-te? —disse a loira, sorridente, enquanto se desfazia das médias.

—Não, solo te dava um pouco de privacidade. —E evitar o glorioso momento

em que meu estômago se retorce e envia seu abrasador conteúdo até minha

garganta.

—Não passa nada, pode admitir que fico doente.

—Isso também.

—O que te parece? —perguntou a loira.

Levantei a vista e a vi nua em metade do salão.

—Não está mal para uma rainha das neves. Os peitos são muito grandes A

loira fez uma careta.

—Sim, sei.

58

Page 83: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—por que uma mulher? —interessei-me.

—Porque me dedico à informação, Kate, e os homens tendem a revelar melhor

seus segredos ante mulheres formosas. —Sorriu—. Como bem sabe.

—Normalmente tenho que ameaçá-los lhes causando dor corporal antes de

que me contem seus segredos.

—Então o sinto por esses homens. É evidente que têm muito mal gosto. Sabe

quem fabrica os conversores dos abajures feéricas?

—Não tenho nem idéia.

—Há quatro empresas, de fato. lhes afine de semana a prefeitura deve decidir

qual delas recebe um contrato municipal para os próximos três anos. Agora

mesmo há três pessoas nesta cidade que já decidiram seu voto.

—me deixe adivinhar, você é um deles?

A loira não respondeu, mas seu sorriso se alargou ligeiramente, revelando uma

pequena fração de sua resplandecente dentadura. Inclusive uma inútil das

finanças como eu sabia que o preço desse tipo de informação devia ser

astronômico. Seus músculos se agitaram, alargando-se, retorcendo-se, como

se um matagal de vermes tivesse aparecido de repente sob sua pele. Me

revolveu o estômago. Apertei os dentes e tentei manter a comida em seu sítio.

A pélvis da loira se deslocou, os ombros se alargaram, as pernas se fizeram

mais densas, enquanto que os peitos se dissolviam, formando um capitalista

peitoral masculino. Meadas de músculos se enrolaram, dando forma a umas

fortes pernas e uns braços enormes. Os ossos da cara aumentaram de

tamanho, o nariz se inchou, a mandíbula se fez mais forte e quadrada. A cor de

seus olhos se obscureceu até adquirir um penetrante azul intenso. O cabelo se

dissolveu e voltou a crescer, esta vez de uma cor castanha escura. Pisquei

ante o homem que tinha frente a mim. Musculoso, com a estilizada precisão

própria dos culturistas profissionais, resultava impressionante e muito bem

dotado. Uns olhos azuis me observavam do rosto terminante próprio de um

lutador experiente; Sem ângulos cortantes nem ossos protuberantes que

pudessem romper-se com um murro. Com umas quantas peças de armadura

poderia haver ganho facilmente a lealdade de uma horda de bárbaros.

—O que opina? —perguntou-me com uma voz profunda e autoritária. Olhei-lhe

de cima abaixo.

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—Impressionante, mas excessivo.

inclinou-se sobre mim. Seus olhos azuis flamejaram com uma promessa que,

evidentemente, era muito capaz de cumprir.

Tentei não pensar no dormitório.

—Excessivo?

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—Sim. Eu gosto do ameaçador. É muito masculino, mas este tio tem pinta de

atirar-se tudo o que safada e de me chamar «donzela».

O rei bárbaro se esfregou a ponte do nariz.

"O que te faz exatamente chegar a essa conclusão?

—Não estou segura. Algo em seus olhos, acredito.

—Então não é um não?

—Sim, é um não.

—Ainda tenho que trabalhá-lo um pouco.

O bárbaro se desinflou. Sua incrível musculatura se comprimiu para dar passo

a uma constituição muito mais esquálida. O cabelo desapareceu, deixando a

cabeça calva, e o rosto se alargou, emoldurando uns inteligentes olhos escuros

e um nariz proeminente. O homem ao que conhecia como Saiman avançou até

a cozinha e encheu um copo com água do grifo.

—Negócios? —disse-me observando o exploratório—M.

—Sim.

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Assentiu, bebeu-se o copo de um gole e voltou aliená-lo.

—Não percebo nenhum rastro de magia —disse—. E, mesmo assim, não

parece ter problemas para te metamorfosear. Como é possível?

Olhou-me com uma sobrancelha arqueada. Um gesto tão similar ao meu que

devia havê-lo copiado de mim. Era provável. Saiman freqüentemente

reproduzia os gestos de seus clientes. O fazia a propósito, consciente de que

lhes tirava de gonzo.

—A palavra chave é «parece». Nestes momentos, a metamorfose requer

concentração, enquanto que durante a quebra de onda mágica flui de um modo

natural. Mas para responder à essência de sua pergunta, acredito que meu

corpo armazena magia. Como uma bateria. Possivelmente inclusive a produza.

Esvaziou o segundo copo e se aproximou do sofá.

—Quanto tempo leva esperando?

—Não muito.

Por um instante pensei que faria um comentário sobre a vista, e então não

poderia me conter e teria que lhe pedir que se cobrisse sua «vista» com um

pouco de roupa. Por sorte se retirou ao dormitório.

Ao Saiman obcecava a idéia de criar seu próprio Uberman, um supermacho

irresistível para as mulheres. Os aspectos sexuais de dito projeto lhe

interessavam muito menos que a motivação científica depois do desejo de dar

forma à imagem de um ser humano perfeito. Desconhecia as intenções atrás

daquela busca da forma definitiva, e não tinha a menor ideia do que pensava

fazer com seu Uberman se o obtinha.

60

Page 86: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Enfocava aquele desafio com a mesma lógica metódica que aplicava a todo o

resto, e pretendia recolher dados de uma ampla variedade de sujeitos, a

maioria dos quais não tinham a menor ideia de qual era seu autêntico aspecto.

Tempo atrás tentei lhe convencer de que simplesmente seu Uberman não

podia existir. Inclusive se conseguia criar a imagem do macho ideal, este

defraudaria suas expectativas. Existiam muitas coisas que dependiam da

interação entre dois seres humanos, e em última instância era essa interação o

que conduzia às relações íntimas. Ele defendeu com ardor seu ponto de vista e

eu aprendi a não discutir com ele no futuro. Tínhamo-nos conhecido um ano

antes, durante um trabalho mere no que tive que lhe fazer de guarda-costas.

Todos os meros o faziam cedo ou tarde, e tive sorte de que tocasse ao

Saiman. Naquele tempo estava prostrado na cama, recuperando-se de umas

complicações pós-operatórias de uma intervenção de estômago. Seu corpo

não deixava de transformar-se enquanto combatia a infecção e demonstrou ser

alguém difícil de proteger. Consegui matar a dois dos assassinos enviados

para eliminá-lo. Ele matou ao terceiro lhe cravando um lápis no olho. Pensei

que a tinha cagado, mas após pareceu eternamente agradecido. Não me

queixava. Seus serviços não eram precisamente baratos.

Saiman retornou com um objeto de roupa solta de um azul escuro com a forma

de uma simples sudadera mas que parecia muito cara para ser denominada

desse modo. Dirigiu o olhar ao Calendário aberto sobre meu regaço e ao artigo

que me tinha dado Bônus fazia umas semanas.

—Extraído do Volshebstva e Kolduni. O que titulo mais pretensioso. Como se

escrever «Feitiços e Bruxos» em russo lhes outorgasse de algum modo maior

credibilidade. Não sabia que lesse esse lixo.

—Não o faço. Um conhecido me deu o artigo.

—O problema com esses jornalecos é que a gente que os publica não sabe

que a magia é algo fluido. Publicam informação equívoca.

Era um velho argumento mas válido. A gente afeta à magia do mesmo modo

em que esta afeta às pessoas. Se as suficientes pessoas acreditarem que algo

é certo, às vezes a magia capitula e faz que seja certo.

Saiman revisou o artigo.

—É incompleto e está cheio de lixo, corno sempre.

Catalogam ao upir como uma criatura não—morta que se alimenta de

cadáveres. Olhe, afirmam corretamente que o upir tem um apetite sexual

Page 87: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

desmesurado, mas não são conscientes da contradição: um morto vivente não

sente a necessidade de copular, portanto, o upir não pode ser um não—morto.

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Também mencionam que tentará copular com qualquer mamífero que lhes

assegure alcançar o clímax mas se esquecem de apontar que o produto de

uma união desse tipo normalmente sobrevive para servir ao upir —Deixou o

artigo, indignado—. Se alguma vez precisa saber algo mais sobre esta criatura,

pergunte-me isso .

—Farei-o.

—me diga, o que te traz por minha humilde morada?

—Necessito que avalie um exploratório. Voltou a arquear uma sobrancelha.

Poderia me acostumar a lhe odiar.

—Muito bem. Cobrarei-te por horas. Menos o desconto habitual... —

Comprovou seu relógio—. Adiante. Quer uma análise completa? —perguntou.

—Não, solo o básico. Não posso me permitir o outro.

—Um cliente sem recursos?

—Por este trabalho não cobro nada. Saiman fez uma careta.

—Kate, esse é um hábito terrível.

—Sei.

Agarrou o gráfico e o sustentou com delicadeza entre os dedos.

—O que te interessa?

Page 88: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Uma série de pequenas linhas amarelas para o final.

—Ah.

—O que registra o amarelo? E quanto me custará a resposta?

—Uma grande pergunta. Deixa que lhe faça uma prova para descartar que seja

um engano mecânico.

Segui-lhe ao laboratório. Um bosque de aparelhos que tivesse feito saltar de

alegria ao pessoal de qualquer laboratório universitário descansava sobre as

negras superfícies de mesas e tabuleiros ignífugos. Saiman ficou um avental

verde impermeável e umas escorregadias luvas opacas, e fez aparecer uma

bandeja de cerâmica de debaixo da mesa. Com um só movimento perito, levou

a bandeja até um cubo de cristal que havia em um rincão.

—O que está fazendo? —perguntei.

—vou fazer lhe um exploratório ao exploratório para captar os resíduos de

magia. É hermético. Quero evitar uma possível contaminação.

—Não poderei pagá-lo.

—Convida a casa. Contagiaste-me seu altruísmo. Embora, é obvio, terá que

me pagar por meu tempo.

Tocou uma alavanca e uma cadeia metálica elevou o cubo. Saiman introduziu

a bandeja na plataforma cerâmica e fez descender o cubo até que o cristal

cobriu a bandeja. Seus dedos dançaram sobre o teclado e uma explosão verde

alagou o cubículo.

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apagou-se, voltou a produzir uma chama, apagou-se e uma impressora

começou a tocar castanholas em outra mesa, arrotando uma folha de papel.

Page 89: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Saiman a arrancou e me entregou isso. Estava em branco. Uma prova para

assegurar-se de que nenhum rastro de magia poluía a bandeja.

Saiman deixou o exploratório—m sobre a bandeja, introduziu esta no cubo e

repetiu sua elaborada dança tecnológica. Naquela ocasião a impressora

produziu uma cópia exata do exploratório—M.

Saiman a examinou um instante e se apoiou na mesa, com o exploratório—m

na mão.

—O problema é que o exploratório é imperfeito. O coração me deu um tombo.

—Então é uma falha mecânica.

—Em certo modo, sim. Os exploratórios ao uso são instrumentos imperfeitos.

Registram aos humanos em várias tonalidades que vão do azul céu ao

prateado, mas com freqüência não conseguem documentar os matizes mais

sutis de sua magia. Lhes escapa quase tudo salvo as variações mais radicais,

como o púrpura para os vampiros ou o verde para os cambiaformas. Um

vidente e um místico, aproximadamente com o mesmo poder, ficariam

registrados com idêntica cor, apesar de que suas inclinações mágicas diferem.

E —Saiman se permitiu um sutil sorriso—, registram do mesmo modo toda a

magia/era.

—Fera como em fera? Refere-te à magia animal?

—Toda espécie animal destila sua própria magia.

Os exploratórios mais comuns a registram em branco, de modo que nem

sequer lavemos. Recentemente, algumas mentes brilhantes no Kyoto

examinaram uma ampla variedade de animais utilizando um exploratório

hipersensível. E demonstraram que todas as espécies animais produzem uma

cor distintivo. Débil, pálido, mas distintivo, e em todos os casos é um derivado

do amarelo.

—Então as linhas amarelas indicam a presença de um animal?

—Com o exploratório adequado, sim. Mas com este lixo o mais provável é que

os animais fiquem registrados em branco. O único modo em que poderiam

manifestar-se é mesclados com outra influencia mágica.

—Perdi-me.

Page 90: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Olhe as linhas. Têm um matiz alaranjado. É muito fraco mas esse tom

alaranjado é o motivo pelo que podemos as distinguir. Significa que está vendo

algo que é quase animal mas que foi poluído com outra coisa.

Dava-me voltas a cabeça.

—De acordo. me deixe repassá-lo. Toda a magia animal se registra em branco

mas em realidade é um amarelo pálido.

63

Um amarelo tão tênue que com facilidade fica dominado pelo resto de cores.

Não há modo de distinguir o amarelo pálido, salvo quando está misturado com

outra cor. O amarelo do lobo misturado com o azul de um humano cria o verde

escuro do licántropo. Por esta regra de três, o lobo—homem, um animal que se

transforma em humano, ficaria registrado em verde pálido. Vou bem até agora?

Assentiu.

—O fato de que possa ver as linhas amarelas significa que o exploratório

mostra a presença de algo com uma poderosa magia animal e um toque de

algo mais. Dado que as linhas são alaranjadas, o suspeito mais provável

seria... laranja. Tropecei-me na última palavra. O laranja derivava do vermelho

e o vermelho era a cor da magia nigromántica.

Saiman confirmou minha dedução.

—trata-se de um animal com algum tipo de conexão com a magia

nigromántica. Não sei de que tipo. Certamente não é um zombi animal. Isso

ficaria registrado em vermelho escuro. te divirta.

Grunhi-lhe.

—O tempo é ouro —disse ele—, portanto, sugiro-te que deixe para mais tarde

seus elucubraciones. Tem algo mais para mim?

Page 91: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Não.

Comprovou seu relógio.

—Trinta e sete minutos.

Estendi-lhe um cheque por novecentos e sessenta e dois dólares, o que

deixava exatamente quatrocentos dólares e nove centavos em minha conta

corrente. Tinha quinhentos mais em uma conta de economia para situações de

emergência. Se não encontrava logo o modo de ganhar um pouco de dinheiro,

teria que começar a pensar em uma mudança de residência.

Entreguei-lhe o cheque e ele nem se incomodou em comprovar a quantidade.

—Manten informado —disse com seu habitual sorriso.

—Será o primeiro em inteirar-se.

—Ah, Kate! E se trocar de ideia sobre meu último protótipo, a oferta segue em

pé. Tive uma fugaz visão de uns penetrantes olhos azuis e uns enormes

músculos. O território dos dragões.

—Obrigado, mas não é provável.

Enquanto saía do apartamento decidi que eu não gostava de nada o sorriso

que revoava nos lábios do Saiman.

64

Capitulo 4

Page 92: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Despertei no apartamento do Greg pouco antes das sete e alarguei o braço

para agarrar o telefone. Marcar o número do Jim se traduziu em três tons, um

estalo e um assobio da secretária eletrônica sem nenhuma mensagem de

apresentação. Deixei um lacônico «me chame» e pendurei. Não lhe ia gostar.

As manhãs depois de uma noite de caça estava acostumada as dedicar à

serena contemplação, um momento tão sagrado para os cambiaformas como a

meditação para os monges Shaolin. Apanhados entre o Homem e a Besta, os

cambiaformas ansiavam o controle absoluto sobre ambos e, portanto,

enfrentavam-se ao amanhecer com uma profunda introspecção. Terminado

seu momento de autorreflexión, sucumbiam a um sonho reparador. Não tinha

nenhuma dúvida de que a noite anterior Jim se dedicou a caçar no Unicórnio.

Era provável que ainda seguisse dormindo, e a secretária eletrônica não

deixaria de lhe anunciar com um assobio que tinha uma mensagem até tirar o

de suas casinhas.

Sorri ante aquele pensamento.

Me desperecé e trabalhei os ombros e as costas para me desfazer do

intumescimento. Golpeei as sombras da parede com toda a força de que era

capaz mas sem chegar a tocar a meu oponente imaginário. Fiz um ciclo

completo de golpes básicos, diretos, cruzados, ganchos, terminando com

formas mais elaboradas. Depois de dez minutos comecei a suar e continuei

durante outros vinte minutos, trabalhando sobre tudo a fortaleza de braços,

ombros e peito. Greg não tinha pesos, de modo que utilizei em seu lugar uma

maça cheia de chumbo. Não estava muito equilibrada mas era melhor que

nada.

Fazia uns quantos dias que não levantava pesos e me senti mais fraco do

habitual. Mesmo assim, o esforço controlado e decidido me sentou bem e meu

estado de ânimo melhorou paulatinamente, de modo que, quando a ducha

começou a me chamar a gritos, estava quase derrotada.

O telefone soou assim que apoiei a mão na porta do quarto de banho. Girei 180

graus, confiando em que fora Jim.

—Jim?

—Olá —disse uma voz masculina. Era uma voz agradável, bem modulada e

serena. Tinha-a escutado antes, mas demorei uns segundos em se localizá-la.

—Doutor... Amadureça?

—Grest.

Page 93: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Isso, o trabalhador social com nome de pasta de dente. Como demônios tinha

conseguido o número de telefone?

65

—No que posso te ajudar?

—Perguntava-me se quereria comer comigo. Um tipo persistente.

—Como conseguiste meu número?

—chamei à Ordem e lhes menti. Hei-lhes dito que tinha informação sobre o

vampiro morto e lhes dei meus créditos. Eles me deram seu número.

—Já vejo.

—Então, comerá comigo?

—Estou muito ocupada.

—Mas terá que comer um momento ou outro. eu adoraria voltar a verte, em

algum lugar menos formal. me dê uma oportunidade, e se a comida não

funciona, desaparecerei de seu horizonte.

Refleti uns instantes e me dava conta de que queria lhe dizer que sim. Embora

era algo completamente ridículo. Estava sentada sobre uma bomba relógio e

tanto a Manada como a Nação estavam dispostos a prender a mecha, e ali

estava eu, decidindo se devia aceitar uma entrevista. Quando foi a última vez

que tinha tido uma autêntica entrevista? Fazia dois anos?

—De acordo —pinjente—. Nos encontraremos entre as doze e as doze e meia

em Las Colimas. Sabe onde está? Sabia.

—Ah, e outra coisa, Doutor Crest.

—Solo Crest, por favor.

—Crest, por favor, não volte a chamar à Ordem. Esperava que se mostrasse

desconcertado, mas, em lugar disso, disse alegremente:

Page 94: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Sim, senhora! —e pendurou.

Meti-me na ducha e tentei descobrir por que tinha aceito comer com ele. Tinha

que haver uma razão, algo mais além de me sentir reveste e cansada, e de

desejar um pouco de contato humano normal, contato humano masculino, o

tipo de homem que não se transfigura em um monstro nem transmuta seus

músculos com a mesma facilidade com a que se troca de roupa. Talvez podia

aproveitar a oportunidade para lhe tirar informação sobre as indagações

forenses do cadáver do vampiro. Sim, isso era. A metade da ducha voltou a

soar o telefone. Apaguei o grifo e fui responder, deixando charquitos

saponáceos sobre o linóleo.

—Sim?

—Sou Maxine, querida.

—Olá, Maxine.

—A protetora deseja verte hoje em seu escritório. Às oito e meia.

—Obrigado.

—De nada, querida.

66

Pendurei e retornei à ducha. A água quente me golpeou com um jorro lhe

gratifiquem que me relaxou os músculos.

O telefone começou a soar.

Grunhi e voltei para salão como um torvelinho, sem me incomodar em apagar o

grifo.

—O que?

Page 95: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Terá que ser ousada para me chamar pela manhã —grunhiu Jim.

—Peço-te desculpas por ter interrompido seus doces sonhos! —respondi-lhe

com outro bufido.

—por que demônios me chamaste?

—Quero que abra bem os olhos e faça uma lista dos assassinatos da Manada:

localização, data e todo isso.

—Sabe que é informação classificada. Quem coño crie que é?

—A única pessoa a que lhe importa. Olhe pela janela. Vê muita gente fazendo

fila para salvar seus peludos traseiros?

Pendurei o auricular de repente e voltei para a ducha. Embora a ausência de

vapor teria que me haver alertado, coloquei-me diretamente sob o jorro de

água geada. Enquanto falava por telefone, terminou-se a água quente.

Estrangulando o tubos não conseguiria que voltasse a sair quente, por muito

satisfatório que resultasse, de modo que apaguei a ducha e me envolvi em

uma toalha seca. ia ser um dia muito duro.

SENTEI-ME EM uma das cadeiras para as visitas nas profundas vísceras do

escritório do cavalheiro protetor. Esta vez Ted não estava falando por telefone.

Em seu lugar, observou-me desde detrás de seu escritório como um cavalheiro

medieval contemplaria do alto das muralhas a quão sarracenos assediam seu

castelo.

Os segundos se converteram em minutos. Finalmente, disse:

—estudei seu relatório da Academia. OH, mierda.

—Tem um índice e.E significava electrum. Nada do outro mundo, em realidade.

—Sabe quantos escudeiros com índice e chegaram à Academia nos últimos

trinta e oito anos? —perguntou-me.

Sabia. Greg me tinha repetido isso tantas vezes que o número me tinha

deixada brechas nas membranas cerebrais. Entretanto, provocar ao protetor

não me faria nenhum bem, de modo que mantive a paz.

Page 96: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Oito —disse ele, deixando que a palavra flutuasse um instante. Incluída

você. Tentei pôr cara de solenidade.

Ted moveu a caneta um centímetro à esquerda, observou-o atentamente e

voltou a me olhar.

—por que te partiu?

67

—Tenho problemas com a autoridade.

—O típico caso de ego da estudante brilhante?

—Não exatamente. Dava-me conta de que a Ordem não era o lugar adequado

para mim e o deixei antes de fazer algo realmente estúpido.

Em minha mente, a voz do Greg me disse com uma nota de recriminação: E te

converteu em mercenária, uma espada para o melhor postor, sem propósito

nem causa alguma.

—Agora trabalha para a Ordem.

—Sim.

—Como se sente?

—Pois verá, doutor, um pouco dolorida e com um formigamento em todo o

corpo. Desprezou minha ocorrência com um gesto da mão.

—Não jogue comigo. Como se sente?

—É agradável ter uma base na cidade. O selo da Ordem abre algumas leva.

Sinto uma maior responsabilidade.

—Você molesta?

Page 97: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Sim. Quando trabalho por minha conta, cago-a e o cheque se vai pelo

deságüe, assim que me alimento do que cultivo até que aparece o seguinte

caso. Agora a cago e um montão de gente acaba morta.

Ted assentiu.

—Sente que a autoridade te asfixia?

—Não. Seu não me ataste em curto. Mas sei que está aí.

—Sempre e quando te detiver a pensá-lo.

—Não é algo que se esqueça facilmente.

—Nataraja me tem feito chegar uma queixa —disse. Relaxei-me. O vento

começava a soprar em outra direção.

—OH.

—Diz que evita discutir o tema com eles. Tem muitas coisas que te contar.

—Algo habitual nele. —Encolhi-me de ombros.

—Sabe por que está tão inquieto?

—Sim. Tanto a Nação como a Manada são suspeitos. Quer demonstrar que

está disposto a cooperar. Ted assentiu, sancionando minha conclusão.

—Não tinha nenhum motivo para ir ao Cassino —lhe disse.

—Agora tem um.

—Sim.

—Bem. Então, assim que acabemos, vê ali e lhe feche o pico. Assenti.

—me conte o que averiguaste até o momento.

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Page 98: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Descarreguei-me. Falei-lhe do vampiro morto e da marca oculta; do encontro

com o Senhor das Bestas, quem desejava que lhe chamasse Batalham, das

linhas amarelas no exploratório—m e do sonho da Anna.

Ele permaneceu sentado todo o momento, assentindo sem expressão alguma

em seu pétreo rosto. Quando terminei, disse:

—Bem.

Compreendi que a audiência tinha concluído e saí de seu escritório. Nesta

ocasião os sarracenos tinham escapado sem azeite fervendo sobre suas

costas.

Encaminhei ao escritório do Greg. Algo me preocupava da noite anterior, algo

que não deixava de dar voltas em minha cabeça, e aquela manhã minha

percepção se havia agudizado como conseqüência da ducha geada.

Finalmente descobri o que era: os nomes de mulher no relatório do Greg. Tinha

esquecido completamente aqueles quatro nomes, abandonando-os em um

rincão de minha mente, algo tanto irresponsável como estúpido. Teria que me

haver esforçado mais.

Demorei cinco segundos em encontrar o arquivo e a página com os quatro

nomes. Sandra Molot, Angelina Gómez, Jennifer Ying, Alisa Konova. Procurei

os nomes no arquivo do Greg mas não encontrei nenhuma pasta dedicada a

alguma daquelas mulheres. Além disso, como procediam de grupos étnicos

muito distintos, não pareciam-lhe ner nada em comum. Pincei no escritório em

busca de uma listas telefônica, encontrei-o na última gaveta e comecei a

passar páginas. Gómez e Ying eram sobrenomes muito comuns e Molot não

era muito estranho, de modo que comecei pela Konova. Havia dois homens

com o sobrenome Konova, Anatoli e Denis. Em russo se denota o gênero

feminino acrescentando uma vocal final ao sobrenome, assim que a forma

feminina do Konov seria Konova. Com isso em mente, pensei que valia a pena

tentá-lo com aqueles nomes.

Marquei o primeiro número e uma voz feminina indiferente me informou que o

número já não existia. Tentei-o com o segundo. O telefone soou e uma mulher

maior com um ligeiro acento disse:

—Sim?

Page 99: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Olá, poderia falar com Alisa, por favor? Uma larga pausa.

—Senhora?

—Alisa desapareceu —disse a mulher com tranqüilidade—. Não sabemos onde

está. Pendurou antes de que pudesse lhe perguntar algo mais. Molot era mim

segunda melhor opção, de modo que o busquei no agendinha de telefones e

encontrei seis pessoas com esse nome. Dava no alvo ao quarto intento; um

homem jovem me informou que Sandra era sua irmã e me disse sem muitas

vontades que também tinha desaparecido desde dia quatorze do mês anterior,

mas se negou a me dizer nada mais, acrescentando que «a polícia segue

procurando-a».

69

Dava-lhe as obrigado e pendurei.

Chamei dezenove pessoas que se apelidavam Ying e a vinte e sete Gómez.

Não pude encontrar ao Jennifer Ying, mas havia dois Angelinas entre os

Gómez. A primeira tinha dois anos. A segunda, vinte e tinha desaparecido.

Não era muito desatinado pensar que Jennifer Ying tinha seguido o mesmo

destino que as outras três mulheres. Considerei a possibilidade de me

aproximar da delegacia de polícia, mas a parte racional de meu cérebro me

disse que não só me jogariam dali sem me dar nenhum tipo de informação,

mas sim, além disso, atrairia muito a atenção e quão único conseguiria seria

complicar ainda mais meu trabalho. Os polis respeitavam aos cavalheiros de

alta fila, mas não cooperavam com eles a menos que não houvesse outra

opção. E eu nem sequer era um cavalheiro.

O mais provável é que às quatro mulheres lhes saíssem pezuñas e cabelo e

chamassem «Senhor» a Batalham, em cujo caso era lógico supor que tinham

desaparecido porque estavam entre os sete cambiaformas assassinados.

Chamei o Jim para verificá-lo, mas ou não estava em casa ou tinha decidido

não responder a minhas chamadas. Não deixei nenhuma mensagem.

Page 100: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Com todo o trabalho feito, guardei o relatório no arquivo. Era quase a hora de

comer e tinha uma entrevista com um cirurgião plástico.

* * *

O cenário das colimas devia ser um grande admirador tanto do estilo

arquitetônico Asteca primitivo como do mais moderno Taco Bell. O restaurante

era um gritão amálgama de poltronas brilhantes, estridentes piñatas e novelo

artificiais. Uma paliçada para caveiras de resina, modelada segundo as

paliçadas autênticas que os antigos astecas enchiam de incontáveis caveiras

de vítimas humanas, coroava a modo de teto a mesa do bufei. Nos suportes

das janelas havia pequenas réplicas em terracota de ocultas relíquias junto a

chifres de vime que transbordavam frutas de plástico.

O ambiente era o de menos. Assim que pus um pé no comilão, o delicioso

aroma me envolveu e deixei atrás rapidamente a atrocidade de terracota de

metro e médio que pretendia representar ao famoso Xochopilli, o Príncipe das

Flores, e que separava a entrada da caixa registradora. Uma garçonete ruiva

se interpôs em meu caminho.

—Perdoe —me disse com um sorriso que deixou ao descoberto toda sua

dentadura—. É você Kate?

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—Sim.

—Estão-lhe esperando. me siga, por favor.

Enquanto me conduzia ao outro lado da mesa do bufei, ouvi uma voz

masculina que perguntou: «Servem vocês isto com molho de carne?»

Só no Sul.

Page 101: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

A garçonete me deixou em um reservado situado em uma das esquinas da

sala, onde Crest me esperava imerso na carta.

—Encontrei-a, doutor! —anunciou a garçonete. Os clientes na mesa do lado

me olharam. Se o restaurante não tivesse estado tão cheio, a teria

estrangulado ali mesmo.

Grest levantou a vista do menu e deu de presente um sorriso à garçonete.

—Recordaste-o —disse com voz surpreendida—. Obrigado, Grace. Ela soltou

uma risita.

—me chame se necessitar algo!

E partiu com um rebolado extra de seus quadris. Não imaginava que uma

mulher com um traseiro tão ossudo fosse capaz de sacudir o daquele modo,

mas Grace me demonstrou que estava equivocada.

Sentei-me.

—aproxima-se uma tormenta —disse ele.

—Leva aqui cinco minutos e a garçonete já te agita as pestanas —lhe disse—.

Tem talento.

Crest desenrolou o guardanapo, extraiu desta uma faca de serra e fez ver que

o cravava no coração.

—Em realidade não é nenhum talento —se explicou enquanto dava voltas à

faca. A folha parecia afiada—. Quase todo mundo trata às garçonetes como se

fossem cães. Trazem-lhe a comida e lhe servem, portanto, são consideram

uma classe inferior de ser humano a quem não os molesta ser perseguidas.

Tirei-lhe a faca das mãos antes de que se fizesse mal e o deixei sobre a mesa.

Grace a ruiva retornou, encantou-nos com outro sorriso e nos perguntou se

estávamos preparados para pedir. Eu o fiz sem olhar a carta. Crest pediu

churrasco com chimichurri em um espanhol sem rastro de acento. Grace lhe

olhou com a boca aberta.

—Acredito que se refere ao flletmignon com molho de alho e salsinha —

disse—. O especial do Chef. Seu rosto recuperou a cor.

—E de beber?

Page 102: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Ambos pedimos água com gelo e Grace voltou a partir, rebolando

indecentemente. Crest fez uma careta.

—Uma repentina mudança de atitude? —perguntei.

71

—Detesto a incompetência. Trabalha em um restaurante que serve comida

latina. Ao menos deveria saber como se pronunciam os nomes. Embora

certamente faz o que pode. Olhou em redor—. Devo te dizer que este não é

precisamente o lugar onde manter uma conversação tranqüila.

—Tem algum problema com meus gostos?

—Sim, certamente —disse ele. Encolhi-me de ombros.

—É o bastante... hostil. —Embora não o disse em um tom que desse pé a uma

disputa. Ao contrário, sua voz transmitia certo regozijo.

—Teria que ter eleito um lugar tranqüilo, elegantemente decorado e muito

privado que estimulasse as conversações íntimas?

—Bom, pensei que o faria.

—por que? Como me chantageou para que comesse contigo, pensei que ao

menos poderia desfrutar da comida. Crest tentou atacar por outro frente.

—Jamais tinha conhecido a alguém como você.

—É bom sabê-lo. Às pessoas como eu não gosta que a tentem pisotear. Pode

que acabem te partindo as pernas.

—De verdade poderia fazê-lo? —disse com uma meia sorriso. Estava flertando

comigo?

—Fazer o que?

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—me partir as pernas.

—Sim, nas circunstâncias adequadas.

—Sou cinturão marrom de caratê —disse e compreendi que Crest encontrava

divertido o fato de que fora uma mulher forte—. Saberia me defender. Cada vez

era mais divertido. Olhei-lhe com toda a intensidade de meu pior sorriso

psicótica e lhe disse:

—Marrom? Impressionante. Mas recorda que eu ganho a vida partindo pernas,

enquanto que você...

—Arrumo ossos? —ofereceu.

—Não, ia dizer que costura cadáveres, mas tem razão, «arruma ossos» tivesse

sido melhor réplica.

Olhamo-nos o um ao outro com um sorriso nos lábios.

Grace chegou bem a tempo, com um prato em cada mão. Deixou-os frente a

nós e a chamaram de outra mesa antes de que pudesse cegar ao Crest com

outro sorriso deslumbrante.

—A comida é maravilhosa —disse Crest depois da segunda dentada. E troca.

Olhei-lhe com uma sobrancelha arqueada: disse-lhe isso.

72

—Deixarei de tentar te impressionar se me prometer que não me partirá as

pernas — me sugeriu.

—De acordo, onde aprendeu a falar espanhol?

Page 104: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—De meu pai —disse—. Falava seis línguas com fluidezy entendia Deus sabe

quantas. Era um antropólogo da velha escola. Vivemos dois anos em Templo

Maior, no México.

Arqueei uma sobrancelha, agarrei a garrafa de molho picante com a forma de

uma estilizada figurita e a deixei frente a ele.

—Tlaloc —disse ele—. O Deus da Chuva. Sorri-lhe.

—me conte algo do templo.

—Era caloroso e poeirento. —Falou-me de seu pai, quem tentava compreender

a povos longamente desaparecidos, de como subia os incontáveis degraus até

a parte superior do templo, onde dois santuários idênticos contemplavam o

mundo, das noites em que dormia sob o céu insondável junto às paredes

esculpidas do templo e sonhava com sacerdotes de pesadelo. De algum modo,

sua voz se impôs sobre o ruído do restaurante, sufocando as conversações do

resto dos clientes até as converter em um murmúrio apenas audível. Foi tão

extraordinário que teria jurado que se devia ao influxo da magia, mas não

percebi poder algum que emergisse dele. Talvez era magia, mas dessa classe

tão especial própria dos humanos; a magia nascida do encanto humano e da

conversação, essa que tão freqüentemente descartava. Enquanto ele falava e

eu escutava sua agradável voz, não deixava de lhe olhar. Havia algo realmente

reconfortante nele, embora não sabia se era sua atitude relaxada ou sua

completa imunidade a meu cenho franzido. Era divertido sem tentar ser

gracioso, inteligente sem tentar parecer um erudito, e transmitia claramente

que não esperava nada de mim.

A comida avançou e, de repente, vi que era quase a uma e meia, hora de ir.

—Passei-me isso muito bem —disse ele—. Mas solo falei eu, assim suponho

que é mais que óbvio. Teria que me haver talhado.

—desfrutei te escutando.

Olhou-me com a sobrancelha arqueada, incrédulo, e me advertiu:

—A próxima vez escutarei eu.

—A próxima vez?

—Você gostaria de jantar comigo?

—Sim —disse sem pensar.

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—Esta noite? —perguntou com olhos esperançados.

—Tentarei-o —lhe prometi, e, de fato, estava decidida a fazê-lo—. me Chame

por volta das seis. —Dava-lhe minha direção se por acaso a magia inutilizava o

telefone.

73

Insisti em pagar a conta e declinei a oferta de me acompanhar até o carro. O

dia que necessitasse uma escolta, entregaria minha espada a alguém que

soubesse o que fazer com ela.

—O senhor Nataraja estaria encantado de falar com você —me informou uma

refinada voz masculina através do telefone—. Não obstante, sua agenda está

extremamente apertada durante no próximo mês.

Suspirei enquanto repicava com as unhas sobre a mesa da cozinha do Greg.

—Sinto-o mas não entendi seu nome...

—Charles Penetrei.

—Faremos uma coisa, Charles. me passe com a Rowena e não contarei a

Nataraja que tentaste te desfazer da investigadora designada pela Ordem.

produziu-se um silêncio e, pouco depois, Charles me disse com voz

ligeiramente afogada:

—Um momento, por favor.

Esperei ao telefone, satisfeita comigo mesma. produziu-se um estalo e a

perfeita voz da Rowena me disse:

—Kate, minhas mais sinceras desculpas. Um desafortunado mal-entendido.

Um a zero para mim.

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—Não tem importância —lhe disse. Podia me permitir o luxo de me mostrar

misericordiosa—. Me comunicaram que Nataraja deseja falar comigo.

—Exato. Por desgraça, agora mesmo está no campo. Se tivesse conhecido

sua intenção de lhe visitar, estou segura de que o haveria posposto. Chegará

esta tarde. Estaria eternamente agradecida se pudesse te reunir conosco um

pouco mais tarde, digamos aos duas da madrugada?

Um a um para a Rowena.

—Não há problema.

—Obrigado, Kate —disse.

Despedimo-nos e pendurei o telefone. Rowena tinha a habilidade de converter

em pessoal toda conversação, como se o tema em questão fora vital para ela e

qualquer negativa a suas petições pudesse ofendê-la. Também funcionava à

inversa: quando aceitava algo, atuava como se acabasse de lhe fazer um

grande favor pessoal. Era uma arte que me teria gostado de dominar. Por

desgraça, não tinha nem o tempo nem a paciência necessários.

Indecisa sobre o que devia fazer a seguir, continuei repicando a mesa com a

ponta dos dedos. Até que me entrevistasse com o Corwin não podia eliminá-lo

como possível suspeito, e no momento não tinha a mais suspeitos. Talvez se

incomodava o suficiente a Nataraja, proporcionasse-me novas pistas, mas isso

não aconteceria até aquela noite, o que me deixava livre quase doze horas.

Joguei uma olhada geral ao apartamento.

74

Tinha perdido sua atmosfera imaculada. Os suportes das janelas estavam

cobertas de pó e havia vários pratos sujos na pia. Levantei-me da cadeira e me

fiz com a vassoura, uns quantos trapos e a lejía. Agora que o pensava,

tampouco me sentaria mal dormir um pouco. Esperava-me uma larga noite por

diante. Guando despertei no apartamento, de novo limpo, a luz exterior tinha

adquirido o tom violáceo da última hora da tarde.

Crest não tinha chamado. Uma pena.

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Me ocorreu algo interessante enquanto permanecia tombada uns preciosos

segundos mais na cama, com a vista fixa no crepúsculo ao outro lado da janela

com barrotes. Continuei lhe dando voltas enquanto me dirigia à cozinha e

telefonava à Ordem, confiando em que Maxine não se partiu ainda. O telefone

se estava convertendo em minha arma preferida.

Maxine respondeu.

—Boa tarde, Kate.

—Sempre trabalha até tarde?

—Às vezes.

—Se te pedisse que comprovasse algo por mim, faria-o?

—Para isso estou aqui, querida.

Contei-lhe o das mulheres desaparecidas.

—A poli está trabalhando nisso, assim deve haver um relatório sobre ao menos

uma das mulheres, Sandra Molot. Preciso saber se realizaram um feitiço de

rastreamento geral com um de seus efeitos pessoais. E também para as outras

três.

—Espera um momento, querida. Buscarei-o.

Conectou a chamada em espera. Aguardei enquanto ouvia os débeis sons da

linha Telefónica. Tinha cansado a noite, deixando ao apartamento, salvo a

cozinha, na penumbra. O silêncio era aterrador.

Tap. Tap.

Algo arranhou a janela da cozinha. Era um som quase imperceptível, como o

que produz uma ramita seca ao golpear um cristal.

Estava no terceiro andar. Nenhuma árvore era o suficientemente alto para

alcançar a janela.

Tap.

Sigilosamente, retrocedi até o saguão e empunhei a Assassina, sustentando o

auricular entre a bochecha e o ombro.

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A linha ressuscitou e estive a ponto de dar um salto.

—Jennifer Ying não tem nenhum relatório —disse Maxine.

—Estraga. —Acendi a luz, inundando a cozinha em sombras. Tap. Tap.

75

Aproximei-me da janela.

—Mas sim das outras três mulheres.

Alarguei o braço para agarrar a cortina e a abri com um movimento brusco.

Dois olhos ambarinos me observaram do exterior, saturados de desejo e

avidez. Um rosto mescla de lobo e humano se apoiou contra o cristal. As

mandíbulas, horrivelmente disformes, não acabavam de encaixar bem e uns

largos fios de saliva penduravam de uns dentes amarelados e torcidos.

A pele ao redor do nariz lobuna se enrugou. A criatura de pesadelo olisqueó o

cristal, expulsando ar pelos negros orifícios do nariz e formando um pequeno

círculo opaco de condensação. Levantou uma mão disforme e golpeou a janela

com uma unha de dois centímetros. Tap. Tap. Tap.

—Nos três casos se realizaram feitiços de localização padrões e de alta

densidade. Foram bloqueados e não produziram resultado algum. Kate?

—Muito obrigado, Maxine —disse, incapaz de apartar a vista do monstro ao

outro lado do cristal—. Tenho que pendurar.

—A você disposição, querida. passe-lhe isso bem com o lobo.

Pendurei o aparelho muito lentamente. Com Assassina na mão, murmurei o

conjuro que dissolvia a barreira ao redor do cristal e que desbloqueava a

janela.

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As garras aferraram o bordo da mesma e a levantaram sem esforço aparente.

O lobo—homem se deslizou ao interior do apartamento com deliberada

lentidão, uma peluda e robusta perna detrás da outra, e desdobrou seus dois

metros e dez centímetros de altura em metade da cozinha. Tinha a cabeça,

ombros, costas e membros talheres de uma densa pelagem cinza, deixando o

arrepiante rosto e o musculoso peito corno as únicas zonas limpas. Distingui

umas escuras manchas circulares na pele de seus peitorais.

—Muito bem, bonito. O que tem para mim?

aproximou-se de mim com um grande pacote entre as garras. Um selo de cera

vermelha com algum tipo de marca assegurava o sobre.

—lhe abra ordenei.

O lobo—homem rompeu torpemente o selo, extraiu uma folha de papel com

suas garras, que deixaram diminutos orifícios no papel, e me ofereceu isso.

Quatro linhas escritas em uma formosa caligrafia:

Sua Majestade Batalham

Eleito Senhor das Bestas

Solicita sua presença na reunião da Manada

Das 22:00 horas de esta noite

76

A nota estava assinada com um gancho de ferro.

—Culpa minha —lhe disse ao lobo—homem—, Fui eu quem lhe exigi um

convite formal. O lobo me olhou fixamente. Sua saliva formou viscosos

charquitos no chão de linóleo. Pensei na idéia de é tar só com duzentos

monstros como aquele, todos mais rápidos e fortes que eu, preparados para

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me despedaçar ante o mínimo desejo de sua líder, e uma sensação de

desgosto se instalou em meu estômago. Não queria ir.

—Deve me escoltar?

O pesadelo abriu a boca e emitiu um grunhido baixo e gutural, o frustrado

gemido de uma mente dotada com a capacidade da fala encerrada em um

corpo incapaz de produzir os sons adequados. Solo os cambiaformas mais

experimentados podiam falar na forma intermédia.

—Assente se for um sim —disse. O lobo assentiu lentamente.

—Bem. Tenho que me trocar. Fique aqui. Não te mova. Este é um lugar

perigoso para um lobo. Assente se me entendeste.

Voltou a assentir.

Saí ao corredor e apoiei a mão na parede para ativar a barreira. Uma partição

vermelha translúcida se materializou na soleira da porta, isolando a cozinha e

ao monstro do resto do apartamento. fui vestir me.

ME decidì por umas calças folgadas de cor cinza escura e acampanados para

ocultar meus pés ao soltar patadas. A perspectiva de várias garras em minhas

costas me fez valorar a possibilidade de levar algum tipo de armadura ligeira,

mas o traje estava em minha autêntica casa, junto ao resto de meu

equipamento, longamente esquecidos no armário. Embora tampouco me

serviria de muito em meio da Manada ao completo. Meti-me no armário, onde

guardava um par de mudas. Quando Greg estava vivo, solo ia a aquele

apartamento como última opção, o que freqüentemente significava que estava

sangrando e que minha roupa estava destroçada.

Medi no armário e minhas mãos roçaram um pouco de pele. Uma jaqueta

negra de pele. Recordei vagamente havê-la levado tempo atrás. Deveu ser

durante meus dias «Em, note, sou dura!» Embainhei-me nela e comprovei o

efeito no espelho do dormitório. Muito ameaçador. E, além disso, sentava-me

bem. De acordo. Melhor aquilo que nada. Tirei-me a jaqueta, troquei-me a

camiseta que levava posta por uma cinza escuro sem mangas, deslizei a

correia da vagem negra e voltei a me pôr a jaqueta. Toda uma valentona.

Genial. Acrescenta uma rabo-de-cavalo súper tensa e montões de rímel e lista

para interpretar o papel de casal maligno do súper vilão. Temos formas de que

entregue a amostra de DNA.

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77

Decidi-me por minha trança habitual.

Depois de terminar a trança, detive-me, meditei sobre o arsenal a minha

disposição, atei-me uma muñequera com agulhas de prata e não agarrei nada

mais além da Assassina. Para me abrir passo entre duzentos cambiaformas

enfurecidos necessitaria uma caixa de granadas e apoio aéreo. Não havia

razão alguma para ir carregada com o peso de mais arma. Embora

possivelmente deveria agarrar uma faca. Só um, como simples apoio. De

acordo, dois. Mas isso era tudo.

Armada e vestida para matar ou, mas bem, para morrer rapidamente mas com

estilo, fui ao encontro do lobo—homem e juntos baixamos as lúgubres escadas

até a rua. Abri-lhe a porta traseira do Betsi a meu guia e este se deslizou no

assento traseiro. Quando saíamos do estacionamento, deu-me um golpecito

com sua garra no ombro e assinalou para a esquerda. Captei a mensagem e

girei o volante nessa direção.

Não havia virtualmente tráfico. As ruas desertas, banhadas com o resplendor

amarelo da eletricidade, abriam-se ante nós. Pouca gente dispunha de veículos

que funcionassem durante as quebras de onda tec. Dado que a magia estava

ganhando claramente a partida, não tinha muito sentido investir o dinheiro em

um. Um velho Funda azul se deteve em um semáforo no sulco da esquerda.

Um homem e uma mulher conversavam sobre o assento dianteiro. Do homem

só podia distinguir seu perfil sumido na escuridão, mas o rosto da mulher

estava dominado por um olhar ensoñadora e ditosa, como se estivesse

recordando algum momento de

felicidade. No assento traseiro havia um menino pequeno de

cabelo

escuro.

dentro de pouco veria o monstro em meu carro. Preparei-me

para

o grito.

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O menino entrecerró os olhos e sorriu. Olhei pelo retrovisor interior e vi que o

lobo— homem fingia ofegar, seus negros lábios estendidos em um radiante

sorriso canino. A escuridão do interior do veículo ocultava a maior parte de seu

rosto. Solo era visível o focinho, iluminado pela luz exterior, e os

resplandecentes olhos. O menino disse algo, e embora não pude ouvi-lo, deveu

parecer-se muito a «Bom cão». O semáforo ficou em verde e o Funda

reemprendió a marcha, desvanecendo-se na noite e levando-se com ele ao

menino, a seus pais e suas lembranças intactos. Reatamos a marcha,

serpenteando em direção nordeste através do Suwanee. Demoramos quase

uma hora em chegar ao recinto dos cambiaformas, e para isso tivemos que sair

da cidade. Completamente invisível da auto-estrada, a fortaleza se levantava

em metade de um claro e estava rodeada por um denso muro de arbustos e

carvalhos que pareciam muito mais velhos que todo o resto. A única indicação

de sua presença era um estreito caminho de terra que girava tão abruptamente

da auto-estrada que me saltei isso em que pese a levar um guia e tubo que dar

meia volta. O atalho terminava em um estacionamento.

78

Deixei o veículo junto a uma velha caminhonete Chevy e lhe abri a porta

traseira ao lobo— homem. Este desceu do carro e se deteve um instante a

modo de saudação silenciosa frente ao edifício. O recinto se elevava

ameaçador frente a nós, um inexpugnável edifício quadrado de pedra calcária

de quase vinte metros de altura. A escuridão se acumulava nas estreitas

janelas abovedadas, protegidas por barrotes metálicos. O lugar se

assemelhava mais ao torreão de um castelo que a uma fortaleza moderna. O

lobo—homem levantou seu estreito focinho e deixou escapar um uivo comprido

e lhe ululem. Os frios dedos do terror me percorreram as costas e se aferraram

firmemente a minha garganta. O uivo persistiu, ricocheteando nos muros do

edifício e enchendo a noite com a promessa de uma larga e sangrenta caça.

Outra voz se uniu a de meu guia da parte superior da torre, uma terceira

chegou de um lado, e uma quarta... A nosso redor, os sentinelas uivaram e

permaneceram imóveis em metade do torvelinho de seus gritos de guerra.

Embora muito dramático para meu gosto, teve o efeito desejado: converter a

uma pessoa agressiva como eu em um simples macaco aterrorizado que

tremia na escuridão.

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Satisfeito, meu guia se encaminhou ao torreão, e eu lhe segui enquanto

escutava os últimos ecos do hino de sangue perder-se na noite. O lobo—

homem se deteve frente à enorme porta metálica e a esmurrou. A porta se

abriu e entramos em uma pequena habitação iluminada com abajures elétricos.

Uma mulher miúda com o cabelo loiro muito encaracolado nos estava

esperando. Algum tipo de comunicação não verbal deveu circular entre esta e

meu guia e, continuando, a mulher olhou em minha direção.

—me siga, por favor.

Segui-a através de outra porta que dava a uma habitação circular. No centro da

mesma, uma escada de caracol que levava tanto ao piso de acima como ao

porão. — por aqui, por favor —repetiu a mulher antes de começar a baixar as

escadas. Descendemos riscando vários cachos de cabelo até que minha

escolta chegou a um corredor lateral sumido em sombras. O corredor

terminava em outra pesada porta de madeira, e, depois de abri-la, a mulher me

indicou que entrasse. Obedeci-a.

Uma enorme habitação oval se estendia frente a mim, banhada pelo

confortável resplendor de luzes elétricas matizadas por cristal opaco. A sala se

abria elegantemente, como o auditório de uma universidade, para culminar em

um estrado baixo. Na parte esquerda do mesmo, junto a uma porta, o fogo

brilhava com força no interior de um braseiro metálico de uns trinta centímetros

de largura. A fumaça era sugada por um tubo vertical. Um corredor com uma

ligeira inclinação percorria a sala da porta ao estrado.

79

O resto do estou acostumado a inclinado formava uma série de terraços,

separadas entre si por «degraus» de uns quinze metros de largura, e nestes,

sobre mantas azuis idênticas, descansavam os cambiaformas. A maioria

estavam em forma humana; alguns sozinhos, outros junto a seus familiares,

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uma família por manta, como se se tivessem reunido para uma espécie de

picnic clandestino. Consternada, dava-me conta de que havia mais de

trezentos. Muitos mais. E não vi batalham por nenhum lado. A porta se fechou

a minhas costas com um estalo. Como se fossem um, os cambiaformas se

deram a volta e me olharam.

Perguntei-me como reagiriam se lhes pedia um pouco de açúcar.

detrás de mim, a porta voltou a abrir-se e entraram dois machos de grande

tamanho que começaram a respirar sobre meu cangote. Captei a mensagem e

comecei a percorrer o corredor central em direção ao estrado. diante de mim,

vários machos ficaram em pé e me impediram o passo.

O comitê de bem-vinda. Que agradável. Detive-me frente aos homens.

—Estão em meu caminho —disse.

—De verdade? —O menino não devia ter mais de dezoito anos. Tinha um rosto

amplo e um cabelo escuro bastante largo. Quando seus olhos marrons me

olharam com ironia, compreendi que me tinham tendido uma armadilha. E

sabia quem o tinha orquestrado tudo. Eles nunca tomariam a iniciativa sem as

preceptivas ordens de Batalham.

—De verdade —disse, consciente do que se morava.

—Desde meu ponto de vista, é você a que está em nosso caminho —disse um

macho maior e mais fornido. Curvou a comissura dos lábios em um intento por

ocultar um sorriso. Estava desfrutando.

—Ouça, Mik —disse desde sua manta um homem alto, com um arbusto ruivo—

, não sabe lhe ceder o passo a uma dama?

—Não vejo nenhuma dama por aqui. —O homem fornido me olhou

lascivamente. Uma quebra de onda de vaias e uivos percorreu a sala, tão

repentina que parecia coreografiada. Mik seguiu me repassando de cima

abaixo. Até sua lascívia parecia ensaiada. Não percebi nenhum tipo de

ameaça; aquilo não era mais que uma simples prova para descobrir como

atuava. Devia decidi-lo rápido e sem recorrer à violência porque, se não, a

Manada se negaria a cooperar. O absurdo da situação me deixou confusa.

Os machos cada vez pareciam mais audazes e o menino sorria abertamente.

—O que diz, neném? Vamos a um rincão e te ensinarei o que é passar um bom

momento. O grupo estalou em gargalhadas; aquilo deveu ser uma

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improvisação. O menino, orgulhoso consigo mesmo, alargou um braço e seus

dedos roçaram minha bochecha.

80

Assim que sua pele tocou a minha, sussurrei uma só palavra em voz tão baixa

que nem sequer eu pude ouvi-la.

—Amehe. —Obedece.

A palavra de poder palpitou em minha pele e viajou até a sua. A poderosa

corrente mágica que percorreu todo meu corpo esteve a ponto de me fazer cair

de joelhos. O menino se esticou. O resto dos machos não se precaveu,

absortos como estavam em seus próprios gritos.

—Essa foi boa, Derek —disse Mik—. Acredito que poderia fazer-lhe com todos,

se não te importa compartilhar. Olhei ao menino e pinjente:

—me proteja.

Seu corpo ficou em movimento súbitamente e a neblina dos fluidos corporais

empapou o chão. Uma lustrosa forma lobuna golpeou ao macho maior e lhe fez

perder o equilíbrio. Mik caiu de costas e o enorme lobo cinza saltou sobre ele,

aproximando umas presas visíveis através de uma selvagem careta animal a

escassos centímetros de seu pescoço.

—Manten assim —disse.

O lobo emitiu um grunhido rouco e seus lábios negros se agitaram.

A sala ficou repentinamente tão silenciosa como uma tumba. Confiava que não

fosse a minha.

—Derek —disse Mik com voz rouca. O peso do lobo sobre seu peito lhe

impedia de falar com normalidade—. Derek, sou eu.

O lobo grunhiu.

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—Não te mova —lhe recomendei enquanto me levava a mão por cima do

ombro e desvainaba a Assassina, a qual produziu um suave sussurro metálico

ao abandonar a vagem, e os olhares dos cambiaformas se cravaram em sua

folha enfeitiçada. A minha esquerda, uma mulher ficou em pé. Seus lábios

tremeram em um revelador gesto prévio ao grunhido.

—Que demônios lhe tem feito?

Joguei uma folheada a toda a sala. A atmosfera se transformou. O jogo tinha

concluído, e todos os olhos ardiam como labaredas. Lhes arrepiou o cabelo

sobre suas cabeças e o aroma da caça começou a alagar a habitação.

—Esta é Assassina —pinjente sustentando-a em alto para que todos

pudessem vê-la. A folha fervia, e dela penduravam fios luminescentes de

fumaça—. teve muitos nomes. Entre eles, Destripalobos. Avancem um passo

mais e lhes mostrarei como ganhou o nome.

—Não pode com todos —grunhiu um macho a minha direita.

81

—Não é necessário. —Baixei a folha e apoiei a ponta no pescoço do lobo—. te

Mova e lhe matou.

ficaram completamente imóveis. Embora a lealdade da Manada começava a

impor-se sobre a ira, estava disposta a estirar um pouco mais da corda.

—Já é suficiente —disse a voz de Batalham. Os cambiaformas se esfumaram

de meu caminho e vi batalham junto ao fogo.

—Vêem comigo —lhe disse ao lobo.

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Com movimentos vacilantes, a besta apartou suas garras do peito do Mik.

Passei por cima do fornido homem e caminhei ao encontro de Batalham, o lobo

trotando a meu lado a modo de descomunal cão guardião.

Subi ao estrado. As íris de Batalham desprendiam reflexos dourados; estava

cheio o saco. lhe ignorando, aproximei-me do braseiro, arregacei-me a manga

direita do pulôver e passei o antebraço por cima das chamas. A dor me lambeu

o braço e o fedor a pele queimada e a cabelo chamuscado alagou o ar. Um

murmúrio se estendeu pela sala. Tinha demonstrado minha humanidade e meu

controle ante a Manada, tal e como tivesse feito um cambiaforma. Os membros

da Manada que abandonavam sua disciplina e permitiam que a Besta tomasse

o controle não podiam tocar o fogo. Era um ritual de vital importância e

extremamente privado, um que nenhum deles esperava que eu conhecesse.

O rosto de Batalham não mostrou expressão alguma.

—Vêem —disse, e o lobo e eu lhe seguimos. Descemos do estrado,

atravessamos uma porta e entramos em outra habitação, muito mais pequena,

onde oito pessoas estavam sentadas em cadeiras acolchoadas. ficaram em pé

ao ver batalham e permaneceram daquele modo. Havia três mulheres e cinco

homens, e Jim era um deles. De modo que meu velho companheiro era

membro do Conselho da Manada. Quem o houvesse dito. Os oito olharam ao

lobo, a mim e depois a Batalham. Jim abriu a boca para dizer algo e voltou a

fechá-la.

—Derek—lhe chamou Batalham.

O lobo lhe olhou. O resplendor dos olhos de Batalham deixou ao lobo

hipnotizado. Batalham emitiu um som gutural, entre uma palavra e um

grunhido, mas não me coube dúvida de que era uma ordem. O lobo se

estremeceu. Batalham repetiu a ordem. O lobo tremeu ainda mais, todo seu

corpo se convulsionou e começou a choramingar lastimeramente. O senhor

dos cambiaformas se deu a volta para me olhar.

—Solta-o.

—É uma ordem ou uma petição?

O rosto de Batalham se crispou como se seu leão interior desejasse me cravar

suas garras.

—Uma petição —disse.

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82

Ajoelhei-me junto ao lobo e introduzi uma mão em sua espessa pelagem até

tocar sua pele com a gema dos dedos. A besta começou a tremer.

—Há algum conjuro que proteja a habitação? Batalham assentiu. Olhei ao lobo

e sussurrei:

—Dair. —Solta-o.

A intensidade da palavra de poder me sacudiu. Uns círculos vermelhos

dançaram frente a mim e agitei a cabeça para esclarecer visão. O lobo se

desabou no chão como se suas poderosas pernas tivessem perdido toda sua

força. Batalham grunhiu e o animal se desvaneceu em uma densa neblina,

deixando ao menino nu e empapado em suor no chão.

—Não podia—gemeu.

—Sei —disse Batalham—. Tranqüilo.

O menino suspirou e perdeu o conhecimento. Uma mulher moréia de uns trinta

anos, magra e com umas pernas larguísimas, cobriu-lhe com uma manta.

Batalham se deu a volta e me olhou fixamente.

—Volta a agarrar a um de meu e lhe Mato —disse como se estivéssemos

mantendo uma agradável conversação, tranqüilamente, mas em seus olhos

reconheci uma certeza que não deixava lugar a dúvidas. Se tinha que fazê-lo,

mataria-me. Não lhe faria perder o sonho, nem o pensaria duas vezes. Faria-o

e seguiria adiante, imperturbável ante o fim de minha existência.

Aquilo me pôs os cabelos de ponta, de modo que me ri em sua cara.

—Crie que a próxima vez poderá fazê-lo você mesmo, grandalhão? Embora,

pensando-o bem, será melhor que traga para seus valentões para voltar a me

encurralar... Está-te voltando muito brando.

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A suas costas, alguém emitiu um som estrangulado. Já está, estou morta. Uma

chama em minha mente. Batalham moveu a cabeça bruscamente. A sede de

sangue lhe possuiu completamente e, com uma força de vontade sobre-

humana, voltou a recuperar o controle. O esforço foi quase físico. Vi como os

músculos da cara se relaxavam um a um à medida que sua ira retrocedia. A

fúria em seus olhos se desvaneceu paulatinamente até que seu olhar adquiriu

uma simples tonalidade ambarina e seu corpo se relaxou. Jamais tinha

presenciado algo tão assombroso e aterrador.

—por agora te preciso —disse e, dirigindo-se a seu Conselho, acrescentou—:

Está preparado Corwin?

—Sim, meu senhor —trovejou um homem mais maior. Com um peito forte e

corpulento, uns formidáveis ombros e uns braços que tivessem sido a inveja de

qualquer ferreiro, tinha aspecto de ter uns cinqüenta e tantos. Sua barba,

espessa e frisada, e sua grosa arbusto de cabelo negro cintilavam com

dispersos fios de cabelo grisalho.

—Bem. Acompanha-a até a habitação. Unirei a vós assim que possa.

83

O homem barbudo se aproximou da porta da esquerda e a manteve aberta

para mim.

—Por favor. Saí da habitação.

Percorremos um ao lado do outro um sinuoso corredor, o homem com a barba

negra e eu,

—Meu nome é Mahon —disse o homem. Sua voz profunda tinha um sutil deixe

escocês.

—Prazer em conhecê-lo —murmurei mecanicamente.

—Tivesse sido mais agradável em outras circunstâncias —disse com uma risita

afogada.

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—Se tivesse sabido de antemão o recebimento que me esperava, teria optado

pelo Unicórnio.

—Tem que entender que Batalham não pode permitir que ninguém se aproprie

de algo dele. Se o fizesse, questionariam sua autoridade e alguns se

perguntariam se for capaz de fazer com ele o mesmo que fez ao Derek.

—Estou à corrente da mecânica da Manada —disse.

—E, além disso, não pertence à Manada, e esta se mostra bastante receosa

com os forasteiros.

—Sou uma forasteira humana. A Manada me tratou como se fora uma solitária.

Com a permissão de Batalham. —Em poucas ocasiões um cambiaforma elegia

seguir o Código por sua própria conta, rechaçando o amparo da Manada.

Esses indivíduos eram conhecidos com o nome de solitários. Eram os

forasteiros definitivos, e a Manada os tratava com desconfiança e aversão.

Mahon inclinou a cabeça para confirmar minha avaliação da situação.

—Batalham nunca faz nada sem um motivo —disse—. Me hão dito que tiveram

uma entrevista prévia. Pode que lhe desafiasse inconscientemente.

Inconscientemente? Tinha-lhe desafiado a propósito.

—Seu conhecimento de nossos costumes é extraordinário —continuou—. Para

uma forasteira humana. Como conseguiu essa informação? —Sua voz não era

receosa.

—Por meu pai —disse.

—Um homem do Código?

—Em certo modo. Mas não do seu.

—Aprendeu bem.

—Não —lhe disse—. Ele me ensinou bem. Eu era uma aluna difícil.

—Os meninos revistam sê-lo —disse ele. Detivemo-nos frente a uma

porta.

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—Quer um pouco de pomada para seu braço? Observei o inchaço

avermelhado que me cobria a pele.

—Não. A menos que lhe a spots em seguida, a pomada não serve de muito.

Mas te agradeço a oferta. —Sacudi a cabeça—. me Diga uma coisa, sempre te

dedica a acalmar aos convidados irados da Manada?

84

Mahon abriu a porta.

—Às vezes. Suponho que transmito uma influência relaxante sobre os meninos

revoltosos. Por favor.

Cruzei a soleira da porta e Mahon a fechou a minhas costas. A habitação era

pequena. Um único abajur projetava um nítido cone de luz sobre uma mesa

situada no centro. junto à mesa havia duas cadeiras, e a mais afastada da

entrada a ocupava um homem. colocou-se de tal maneira que a luz não incidia

em seu rosto. O conjunto recordou a um daqueles filmes de espiões que estava

acostumado a ver de menina.

—conseguiu te apaziguar, não é certo? —disse o homem. Sua voz era

ligeiramente áspera—. Arrumado a que dez minutos mais com ele e estaria

disposta a te desculpar.

—Acredito que não. —Aproximei a outra cadeira à mesa. O homem se inclinou

para diante, embora permaneceu entre as sombras.

—Não te castigue por isso. Faz-o com todo mundo. Por isso não falo com ele.

—É Corwin?

—Não, Blancanieves. —balançou-se na cadeira, balançando-a sobre as patas

traseiras.

—E quem é o homem que me acompanhou até aqui?

Page 122: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Mahon —disse ele—. O Kodiak de Atlanta.

—O executor da Manada?

—O mesmo. Digeri as notícias.

—Criou a Batalham, sabe? —disse o homem.

—OH. E lhe chama senhor, como o resto? O homem se encolheu de ombros.

—Isso é o que é.

—Tem alguns problemas com o conceito —disse a voz de Batalham a minhas

costas. Estava melhorando. Aquela vez não peguei um bote.

—Pode que seja seu senhor, mas te asseguro que não é o meu. Batalham

estava apoiado na parede.

—Onde estão os outros? —perguntei. Tinha que haver mais gente observando,

provavelmente os oito que me tinham recebido na habitação onde estive a

ponto de morrer. O alfa macho da manada de lobos, o cabeça dos ratos, a

pessoa que falava em nome dos «exploradores», os cambiaformas de menor

tamanho e alguém em representação das bestas maiores.

—Estão-nos observando —disse Batalham ao tempo que assinalava com a

cabeça em direção à parede.

Reparei pela primeira vez na presença de um espelho com o anverso opaco.

Olhei ao Corwin.

—por que não me deixa verte a cara?

85

Page 123: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Está segura?

—Sim.

inclinou-se para frente, permitindo que a luz incidisse em suas facções. Tinha

um rosto horrível. Uns olhos alargados e duros estavam cravados

profundamente em seu crânio, dominados por umas povoadas sobrancelhas.

Seu nariz era enorme, sua mandíbula muito pesada e proeminente para ser

humano; dava a impressão de poder atravessar um cabo metálico sem

dificuldade. O cabelo, ruivo, grosso e com uma textura similar a da pelagem,

recolhido em uma rabo-de-cavalo. Umas largas costeletas percorriam suas

bochechas e lhe chegavam virtualmente até o pescoço, emoldurando umas

orelhas bicudas e altas com pequenas mechas de cabelo na ponta. O mesmo

tipo de cabelo, embora um pouco mais curto e espesso, cobria-lhe o pescoço e

a garganta, deixando seu queixo limpo de um modo tão preciso que dava a

sensação de que acabava de barbear-se.

Suas mãos, apoiadas sobre a mesa, eram disformes e desproporcionadas em

relação com o resto do corpo. em que pese a ter uns dedos curtos e grossos,

cada mão podia envolver minha cabeça. Entre os nódulos lhe crescia cabelo

avermelhado.

Corwin sorriu. Tinha uns dentes enormes e afiados. Umas garras em forma de

foice se deslizaram da ponta de seus rechonchos dedos. Estendeu estes com

um movimento felino e arranhou a superfície de madeira da mesa.

—Vá, menino —pinjente—. Como sacode o travesseiro de noite?

Corwin se lambeu os caninos enquanto me estudava e, ato seguido, olhou a

Batalham.

—Eu gosto.

—Comecemos —pinjente.

—Ainda não me perguntaste o que sou. —Corwin repicou a mesa com as

unhas.

—Já o averiguarei. —As familiares palavras das largas sessões na Academia

reapareceram—. Me chamo Kate Daniels. Sou uma representante legítima e

autorizada da Ordem. Estou investigando um assassinato e você é um dos

suspeitos. Segue-me até aqui?

—Sim —disse Corwin.

Page 124: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—vim para te fazer umas quantas perguntas e, desse modo, estabelecer ou

eliminar sua natureza de suspeito. Se tiver cometido este assassinato, poderia

te incriminar a ti mesmo ao responder a minhas perguntas. Não posso te

obrigar às responder.

—Ele pode —disse Corwin com sua voz rouca e assinalando com a cabeça a

Batalham.

—Isso fica entre você e ele. Eu sozinho quero que entenda que não posso te

obrigar a cooperar.

—Entendo-o, carinho.

86

Fulminei-lhe com um sorriso.

—A informação que revele hoje será confidencial mas não privilegiada.

—O que significa isso?

—Significa —disse Batalham— que a guardará para ela mas que se verá

obrigada a revelá-la se a citam ante um tribunal.

—Tem razão. —Olhei ao Gorwin—. Também devo te advertir que se

assassinou ao Greg Feldman, farei todo o possível por te matar.

Corwin se recostou na cadeira e um estranho gorjeio começou a emanar de

sua garganta. Demorei um instante em compreender que estava renda-se.

—Entendo-te —disse, sua íris de um verde reluzente.

—Comecemos, então. participaste de algum jeito, direta ou indiretamente, no

assassinato do Greg Feldman?

—Não.

Page 125: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Repassei todos os pontos importantes. Corwin sabia o que havia nos papéis e

pouco mais. Não conhecia o Greg nem ao vampiro em questão. Não tinha nem

idéia de por que alguém quereria matá-los. Não sabia quem era Ghastek.

—Importaria-te me dar um pouco de tecido para um exploratório—m? —

perguntei-lhe para terminar.

—Tecido?

—Sangue, saliva, cabelo. Algo que possa escanear. moveu-se para frente com

um murmúrio desço na garganta.

—Poderia te dar outra coisa. Algo mais que sangue ou saliva. Eu também me

inclinei para frente até que nossos olhares se encontraram.

—Obrigado —lhe disse—. Mas não estou disponível.

—Emparelhada?

—Não, ocupada.

—Não o estará eternamente.

Movida por um impulso, alarguei o braço e lhe arranhei sob o queixo. Gorwin

fechou os olhos e emitiu um ronrono.

—De modo que existem os homens—gato —disse.

—Sííííí. —Girou a cabeça para oferecer a meus dedos um melhor acesso a seu

queixo.

—E também os gatos—homem.

Seus olhos se abriram ligeiramente, irradiando um brilho esverdeado.

—Nasceu sendo animal... —pinjente.

—E agora sou um homem —continuou ele, girando de novo a cabeça para que

lhe arranhasse também a mandíbula—. Um homem—lince. Eu gosto de ler. E

as mulheres humanas revistam estar sempre em zelo.

Page 126: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

87

—Ainda caça entre as árvores quando sai a lua, lince? —perguntei-lhe

brandamente.

—Vêem o bosque de noite —disse ele—, e o averiguará por ti mesma.

Recostei-me na cadeira.

—Têm um exploratório—m?

—Um portátil —disse Batalham.

—Servirá.

Esperei a que trouxessem o portátil, o qual, em que pese a tudo, pesava mais

de trinta e cinco quilogramas. Conduzia-o uma mulher, que o deixou em um

rincão. Era uma artefato de metal e madeira com o aspecto de uma máquina

de costurar modificada por um guerreiro celta. A mulher o examinou

atentamente, levantou-o com uma mão e o separou uns centímetros da parede.

Aos cambiaformas não faltava precisamente força.

—Sabe como funciona? —perguntou-me a mulher. Assenti, agarrei a bandeja

de vidro do compartimento interior do exploratório e sorri ao Corwin.

—O que tem que essa amostra de cabelo?

Corwin manteve tensa uma de suas costeletas e desdobrou as garras. Um

arbusto avermelhado de cabelo caiu sobre a bandeja e, continuando, coloquei

esta em seu lugar. produziu-se uma chama esverdeada e a impressora

começou a estralar. Finalmente, deteve-se e o papel se deslizou pela ranhura.

Recolhi-o. As linhas estavam ali, uma série de estrias de cores curtas e tênues.

Mas no lugar equivocado. Dava voltas ao papel tentando conseguir o ângulo

adequado de luz. Um amarelo esverdeado muito tênue. Não havia

coincidência. Adeus a meu único suspeito.

—Está satisfeita? —disse Batalham.

—Sim. Está limpo.

Page 127: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Obedecendo ao gesto de Batalham, Corwin se levantou e saiu da habitação.

—Tínhamos um acordo —disse Batalham.

—Recordo-o. O que posso fazer por ti?

Batalham olhou em direção à porta aberta e apareceu Derek, ainda coxeando.

apoiou-se no marco da porta, o rosto desencaixado. Parecia necessitar umas

quantas ho¬ras de sonho e uma boa comida. Senti uma pontada de

culpabilidade. Solo era um menino

cansado, apanhado em um combate

estúpido

entre

seu chefe

e eu.

—Pode levar lhe disse Batalham isso.

—Para que? —pinjente piscando.

—Como guarda-costas. Como conexão

com a

Manada.

Escolhe você

mesma.

—Não.

Batalham se limitou a me olhar fixamente.

—Acordamos intercambiar informação —disse—. Em nenhum momento disse

que aceitaria um mascote. Além disso, para que demônios quero a um lobo

que te informará a cada segundo de meus movimentos?

Page 128: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

88

—Atarei-o com um juramento de sangue. Não fará nada que possa te fazer

danifico, fisicamente ou de outro modo. Não te espiará.

Derek ficou tenso junto à parede e eu tentei ser razoável.

—Inclusive assumindo que cria em sua palavra, não me posso levar isso

comigo. lhe olhe. É um pirralho. Se me meter em uma briga, não saberei que

pescoço salvar primeiro, o seu ou o meu.

—Posso me defender solo —disse o menino com voz rouca.

—Não pode me obrigar a fazê-lo —disse—. Não quero me manchar as mãos

com seu sangue.

—Se não permitir que te acompanhe, manchará-lhe isso. —Batalham cruzou

os braços diante do peito—. Você provocaste isto. Tomou posse de meu lobo

frente a toda a Manada.

—Não me deixou outra opção. O que queria que fizesse? Pedir ajuda a gritos?

Venho aqui com boa vontade e descubro que me tenderam uma emboscada.

Você é o responsável.

Batalham me ignorou e continuou à sua.

—semeaste dúvidas sobre minha autoridade. Não posso passá-lo por alto.

Agora mesmo tenho três opções. Posso te submeter a uma lição pública de

humildade, com o que, por certo, desfrutaria enormemente. —A expressão de

seu rosto não deixou nenhuma dúvida disso—. Entretanto, devo me conter

porque é o enlace da Ordem. Posso lhe castigar a ele, mas não quero fazê-lo.

Ou lhe posso entregar isso a ti para que a gente saiba que já te pertencia antes

do último encontro. Parecia nervosa e o juramento de sangue fez que ele

perdesse o controle. Isso lhe salvaria o pescoço. Agitei a cabeça.

—Não me levarei isso.

—Então lhe matarei —disse Batalham. O menino ficou completamente pálido.

separou-se da parede e ficou imóvel.

Page 129: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Desobedeceu-me —disse Batalham—. Te tocou, assim estou em meu

direito. —O braço de Batalham começou a cobrir-se de cabelo. De suas

enormes garras surgiram umas unhas afiadas que colocou sob o queixo do

Derek. O menino se estremeceu.

—Cai-me bem. —A voz de Batalham era pouco mais que um ronrono—. Não

me resultará fácil.

—Faz-o e te atravessarei como a um porco —disse com os dentes apertados.

—Não, tentará-o. Agitará a espada e dirá muitas tolices e te jogará atrás no

último instante. E então eu te fatiarei o pescoço, e o seu.

Suas afiadas unhas dançaram perigosamente perto do débil pulso no pescoço

do Derek. Tinha chegado a hora de aprender a estender cheques que pudesse

cobrir.

—Você ganha, Sua Majestade. Por favor, lhe ate agora.

89

Tenho uma entrevista dentro de três horas.

TRÊS GOTAS VERMELHAS caíram sobre as brasas que ardiam no braseiro

metálico e vaiaram ao evaporar-se. O aroma de sangue humano encheu a

habitação, alimentando os emaranhados fios da magia. Fiz uma careta.

estava-se levando a cabo um vínculo, um ritual para adicionar o juramento do

Derek à magia de seu sangue. O problema era que os juramentos de sangue

não garantiam muito. Sob sua influência, Derek sentiria uma intensa aversão a

incumplir certas promessas, mas aí terminava tudo. Ante o dilema de incumplir

um juramento de sangue e uma obrigação superior, como a lealdade à

Manada, o mais provável é que quebrantasse a promessa.

Page 130: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O alto e esbelto alfa entoou as palavras do compromisso. Derek as repetiu e as

correntes de poder percorreram a habitação ovalada, riscando espirais pelas

paredes

impossivelmente altas até o teto oculto na penumbra. O Conselho, que tinha

formado um círculo ao redor do braseiro, pronunciou uma só palavra ao

uníssono. Derek colocou uma mão sobre as chamas. O lobo alfa lhe fez um

corte no antebraço e o sangue se derramou sobre o fogo do braseiro para selar

o pacto. Seguiram multidão de promessas. O sangue do cambiaforma se

coagulou rapidamente e o alfa teve que voltar a abrir a ferida aproximadamente

cada trinta segundos. O juramento durou uns quinze minutos. A metade do

mesmo, Derek começou a apertar os dentes assim que a faca tocava sua pele.

Devia ter o braço completamente dolorido.

Escutei os votos. Derek jurou me proteger com sua vida se era necessário.

Jurou permanecer a meu lado no perigo e a calma durante o tempo que a

Manada considerasse necessário. Jurou defender a honra da Manada em geral

e o de seu Clã do Lobo em particular. Não me estavam proporcionando um

guarda-costas, a não ser uma segunda sombra, e se alguém me olhava mau,

Derek estava obrigado por seu juramento a despedaçá-lo.

Derek permaneceu imóvel, fazendo uma careta de dor atrás de outra, com um

olhar perdido e lastimera, imensamente mais jovem que eu. Dava-me a volta e

me afastei em silêncio. Saí da habitação ao corredor sumido em sombras. O ar

era frio e tudo estava impregnado de um aroma a limão. Apoiei-me na parede e

me tampei a cara com as mãos, me isolando um instante do mundo. O

juramento de sangue demorava certo tempo em assentar-se e Derek teria que

estar a meu lado durante o processo, de outro modo o compromisso seria inútil.

Teria que dormir em meu apartamento, jantar comigo e me acompanhar ao

Cassino... Cassino. Auj.

90

—Te tem revolto o estômago —disse Batalham a meu lado. Não peguei um

bote. Foi mas bem um pequeno salto.

—Faz-o a propósito, verdade?

Page 131: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—O que?

—Não importa.

Esfreguei-me a cara, mas a fadiga resistia a me abandonar. Tão solo era um

dos efeitos da adrenalina. Me passaria em uns minutos e voltaria a ser a de

sempre.

—Não está em seu ambiente —disse Batalham. Não jodas.

—Não levei muito bem as coisas, verdade?

—Não —disse ele. Sua voz não transmitiu nenhum tipo de compaixão.

Tivesse-me gostado de dispor de uma segunda oportunidade para me

comportar de um modo um pouco mais comedido. Menos comunicativa. Por

desgraça, na vida real logo que havia segundas oportunidades.

—Assim que saia daqui, irei ao Cassino. Tenho que saber se posso levar ao

Derek comigo. A Nataraja gosta de me fazer sofrer. Se aparecer por ali com um

lobo, as coisas podem piorar. —Por dizê-lo brandamente.

—Sabe algo do Código?

—«O Código é o Caminho» —citei do Código do Pensamento—. «É a Ordem

em metade do Caos; é a sensatez na inconsciência». —Batalham me olhou

atentamente. Surpreso, Sua Majestade? Sim, tenho-o lido. Muitas vezes—.

Sem o Código, os cambiaformas perdem o equilíbrio. A Besta lhes domina,

lhes obrigando a matar a suas vítimas e a alimentar-se delas. O consumo de

carne humana desencadeia uma terrível resposta hormonal. As tendências

violentas, a paranóia e o impulso sexual tomam o mando rapidamente e o

cambiaforma se converte em um lupo; um psicopata que se deixa levar por

qualquer perversão imaginável relacionada com o sangue e o sexo. E isso que

a mente humana pode imaginar muitas coisas. Definitivamente, estava

esgotada. Deslizei-me lentamente pela parede e me sentei no chão. Que lhe

dessem. Se queria estar por cima de mim, que assim fora.

—No Moisés Creek, o Grêmio fez uma jogada a rede no circo dos horrores do

Sam Buchanan —disse. Como uma faxineira muito complacente, minha mente

projetou a lembrança frente a meus olhos. O jardim dianteiro do refúgio do

Buchanan, mais de lá das trincheiras e o muro de tijolo cru de onde sua

transtornada manada nos tinha disparado com armas de fogo. A grama

recortada, semeado com os corpos dos lupos mortos, uma pequena piscina

Page 132: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

inflable —azul, com patos de borracha amarelos— cheia de sangue e das

pálidas réstias das vísceras, e uma mulher, nua e empapada de sangue, com

duas brechas negras onde teriam que ter estado os olhos.

91

Estende as mãos ante ela, tropeça com os corpos, medindo às cegas,

agarrando-se ao tronco de um pinheiro para manter o equilíbrio, e grita, sua

voz apenas mais audível que um suspiro: «Megan! Megan!» E nós, duas

dúzias de mercenários equipados para a batalha, incapazes de lhe alertar da

presença do pequeno corpo de cabelo escuro que pendura de um dos ramos

da árvore em que a mulher se apóia. Apertei os dentes.

—Uma lembrança desagradável? —perguntou Batalham.

—Não sabe até que ponto —pinjente com voz rouca antes de recordar com

quem estava falando—. Embora seja provável que saiba.

Agitei a cabeça, me desfazendo das lembranças como um cão se desfaz da

água. Aquele foi meu terceiro trabalho no Grêmio. Tinha dezenove anos e os

pesadelos ainda me perseguiam. E Buchanan tinha conseguido escapar,

internando-se no bosque enquanto convertíamos a seus lupos enlouquecidos

em uma massa úmida. Jamais lhe apanhamos. Saber aquilo era a pior dos

pesadelos.

Batalham me estava observando. Abri a boca para lhe perguntar por que não

tinha feito nada com aquele upo raivoso e então recordei que o condado do

Jackson tinha impedido que a Manada interviesse. Tinham passado seis anos.

Hoje em dia não se atreveriam a fazê-lo.

Como já tinha a boca aberta, pinjente:

—O que tem que ver todo isso com o Derek?

—Os pais do Derek eram Baptistas do Sul separatistas. Ao ser o filho maior,

permitiram-lhe assistir à escola. Ao menos por um tempo, até que seu pai

Page 133: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

aprofundou ainda mais na religião. Derek recorda a queima de livros no jardim

de sua casa, ao doutor Seuss e ao Sendak.

Assenti. A transição para a «religião profunda» era algo habitual. A metade dos

povos de montanha tinham experiente a «profundización» antes de que o

movimento «Vive—a—Vida—com—Deus» lhes oferecesse um novo dogma.

Batalham se esfregou a nuca e seus bíceps palpitaram sob a manga de sua

camiseta.

—Quando o menino fez quatorze anos, a família assistiu a uma reunião de

renascimento do tipo o—fim—do—mundo e seu pai retornou a casa com o

Lic—V. Se sentou a meu lado.

—Não tinha a menor ideia do que era aquilo nem para que servia. Nem sequer

sabia o suficiente para pedir ajuda. converteu-se em um upo em questão de

dias. Os íupos são altamente contagiosos. A mãe do Derek se suicidó detrás

ser infectada e deixou a seu

raivoso

marido sozinho

com

sete

filhos.

Cinco

deles

eram meninas.

Traguei

para me desfazer

do

que se

havia

situado em

minha garganta.

—Quanto tempo?

92

Page 134: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Dois anos. —Batalham tinha um semblante sério—. Mataram a um licántropo

que passou por ali a metade do primeiro ano e Derek encontrou o Código em

seu corpo. Isso e a inanição lhe mantiveram cordato.

—Como acabou tudo?

—como sempre. O menino começou a competir pelas fêmeas e o pai tentou

matá-lo. Derek dispõe de uma boa forma de besta e pode mantê-la com

firmeza.

A forma de besta é a forma do guerreiro, superior em todos os sentidos a

animais e humanos. A maioria dos cambiaformas de primeira geração têm

problemas com a forma de sua besta ao ser incapazes de mantê-la mais de

uns quantos segundos. Melhoram com a prática, mas detrás anos de esforço e

enganos.

—Derek matou a seu pai?

—E prendeu fogo à casa.

—O que ocorreu com os outros meninos?

—Morreram. Duas de fome, três pelas cuidados de papai e o último corno

conseqüência do incêndio. Rebuscamos entre os escombros e enterramos os

ossos.

—E agora me entrega isso ?por que, Batalham? Não posso me responsabilizar

dele, nem sequer posso fazê-lo comigo mesma.

Seu olhar continha o suficiente desprezo para me asfixiar nele.

—Derek pode defender-se sozinho. Não tolerarei a mais mínima perda de

controle. foi posto a prova e não perderá a cabeça quando cheirar o sangue.

Em seu lugar, preocuparia-me mais por seu próprio traseiro.

Page 135: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Bom, não está em meu lugar. —Pu-me em pé. Hora de ir-se. Retornamos à

habitação, onde Batalham disse algo ao Mahony voltou a partir. Mahon se

aproximou de mim.

—Acompanharei-te à entrada. Derek se unirá a nós na porta.

—Por favor, te assegure de que se dá uma boa ducha.—disse-lhe—. E que

fique toneladas de colônia. Não quero que ninguém da Nação cheire a sangue

ou a lobo nele. Manon me conduziu por outro caminho, através de um labirinto

de passagens má iluminadas e túneis que não deixavam de ramificar-se, até

chegar a uma porta de madeira. Manon apoiou uma mão nela e a abriu.

—Batalham queria que visse isto antes de ir —disse.

Na habitação, sobre uma mesa metálica e sob um sino de vidro resguardada

com feitiços protetores, jazia a cabeça do Sam Buchanan.

93

Capitulo 5

Betsi não arrancava. Um homem—rato mecânico jogou uma olhada sob o

capô, murmurou algo sobre o alternador e assinalou em direção aos estábulos.

antes de partir, abri o porta-malas do Betsi, desenredei as cordas que

sujeitavam

o comprido cilindro de couro reluzente e o desdobrei: espadas e adagas

asseguradas com presilhas de pele. As folhas cintilaram sob a luz da lua.

— Latido —disse Derek.

Page 136: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Homens e espadas. Meu pai estava acostumado a dizer que se colocava a um

homem fisicamente capaz, por muito pacífico que este fora, em uma habitação

com uma espada e um boneco de práticas e lhe deixava sozinho, cedo ou

tarde agarraria a espada e tentaria golpear ao boneco. Era a natureza humana.

Aquele jovem lobo não era muito distinto a outros.

— Escolhe uma arma.

— A que queira?

— A que queira.

Derek examinou a seleção ante ele com semblante pensativo. Pensei que se

decidiria pela folha de grande tamanho, mas a ignorou e seus dedos se

moveram para o Bor. Era uma boa espada, especialmente para os

principiantes. Tinha uma folha de oitenta centímetros e um punho de madeira

de fresno de uns vinte centímetros de comprimento. Possuía amparos

metálicos, com os afiados extremos da guarnição apontando para baixo, e um

pomo também metálico tremendamente útil. Como todas minhas armas, seu

equilíbrio era extraordinário. Derek a sustentou em alto.

— É ligeira! –disse—. Uma vez fui a uma feira de espadas e todas as que

provei eram muito pesadas.

— Existe uma grande diferencia entre uma espada e um objeto com a

aparência de uma — lhe disse—. O que viu na feira eram imitações mais ou

menos decentes. São bonitas e pesadas, e lhe fazem mais lento que uma

lesma de férias. Esta solo pesa novecentos gramas.

Derek a fez oscilar dando uns talhos a modo de prova.

— É uma espada ideal para trabalhar —pinjente—. Não se partirá nem te

carregará o braço com molestas vibrações quando alcançar seu objetivo.

— Eu gosto de —disse ele—. É tua.

— Obrigado.

Agarrei minha bolsa de trabalho e estivemos preparados para ir. Derek emitiu

uns sons nasais em direção à bolsa.

94

Page 137: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Cheira a gasolina.

— Correto —me limitei a lhe dizer. lhe explicar que levava uma grande lata de

gasolina se por acaso sangrava copiosamente e tinha que eliminar o sangue

rapidamente tivesse sido muito complicado.

A Manada me emprestou uma égua chamada frau. O encarregado dos

estábulos me assegurou que, em que pese a não ser o animal mais dócil que

tinham, era uma arreios obediente, forte e robusta como o peñón de Gibraltar.

Até aquele momento, não tinha motivos para duvidar de sua palavra.

O cavalo capão do Derek aceitou sem maiores problemas que Frau

encabeçasse a marcha. O menino cavalgava com a rigidez dos cavaleiros com

uma experiência moderada que nunca se sentaram de tudo cômodos em

companhia dos cavalos. Alguns troca—formas cavalgavam como centauros,

mas Derek não era um deles. Não tínhamos intercambiado palavra desde que

deixamos atrás o complexo dos troca—formas, e disso já fazia uns cinqüenta

minutos.

Se tinha que trabalhar com ele, ao menos devíamos ser capazes de manter

uma conversação. Reduzi o ritmo de minhas arreios e coloquei a sua altura. O

repico dos cascos produzia um eco na rua deserta.

— por que o braço? —perguntou Derek. Estava-me olhando a queimadura. O

costume estipulava que devia colocar uma mão sobre as chamas.

— Porque não me curo tão rápido como vós. Necessito a mão para sujeitar a

espada.

— Ah. foi uma pergunta estúpida. —Dirigiu o olhar para a cidade. Atlanta se

estendia ante nós, aliviada por haver-se desfeito da magia mas também

apreensiva, consciente de que o indulto tão solo duraria umas quantas horas. A

lua brilhava sobre a malha do céu noturno, um rosto prateado depois de um

véu de sombras. Seu delicado resplendor, um matagal de luz e escuridão, a

ponto de desvanecer-se, sustentado unicamente pela brilhante luz do sistema

de iluminação público. As luzes elétricas, como a luz do sol, não comprometem

nada. Seu brilho não se mescla com as sombras, não há dualidade, nem a

promessa de profundidades ocultas nem mistérios, simplesmente é luz.

Page 138: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Fixaste-te em como algumas costure funcionam durante a magia e outras

não? —disse Derek.

— Por exemplo?

— Os telefones. Às vezes funcionam durante a quebra de onda mágica e

outras não. Queria falar. Certamente tentava encontrar um território comum.

Tivesse sido uma descortesia não lhe corresponder.

— Existem um par de teorias a respeito. Segundo uma delas, a intensidade da

magia determina o nível de colapso da tecnologia.

95

— E a outra? Fiz uma careta.

— A magia é fluída. Não é um sistema estrito gravado em pedra. Cada um de

nós a filtra através de seu organismo, e nossas percepções e pensamentos a

transformam e a modificam. Sabe que a Batata é muito poderosa, verdade?

— Sim.

— Seu poder emana unicamente da fé de sua congregação. Milhares e

milhares de pessoas acreditam em sua capacidade para curar aos doentes e

isso lhe permite fazê-lo. Os carros, por exemplo. Como funcionam?

Derek arqueou uma sobrancelha.

— Não estou seguro. Têm um motor que queima gasolina e a converte em gás.

O gás se expande e empurra algo, uma válvula, acredito, que faz girar as

rodas. Algo assim. – Assenti.

— De acordo, e como funciona o telefone? Olhou-me fixamente.

— Mmmm, a voz faz vibrar um cabo?

— Sim, mas como se passa do fato de marcar um número a te pôr em contato

com a pessoa adequada? E se um pássaro se posa no cabo? Segue vibrando?

—Derek se encolheu de ombros.

Page 139: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Não tenho nem idéia.

— Eu tampouco. Quase ninguém sabe. A gente não se detém pensar em como

funciona um telefone. Simplesmente funciona. Os carros são distintos.

Requerem manutenção e se danificam mais freqüentemente que um telefone, e

as reparações são muito mais caras, de modo que todo condutor se esforça

por conhecer o funcionamento interno de seu carro, ao menos até certo ponto.

— Para evitar que lhes temem —disse Derek.

— Exato. Segundo esta teoria, há tanta gente que desconhece a mecânica

interna dos telefones que, para eles, poderia considerar-se algo mágico.

Acreditam cegamente que funcionará e funciona. Por outro lado, os carros são

vistos como uma soma de partes mecânicas propensas a danificar-se,

portanto, quando chega a magia, danificam-se.

— É uma boa teoria —disse Derek.

— Por desgraça, complica bastante meu trabalho.

A flutuação mágica se estendeu a nosso redor. As luzes elétricas se

extinguiram e a cidade se sumiu em uma completa escuridão. Justo quando

meus olhos começavam a adaptar-se à falta de luz, giramos uma esquina e

fomos recebidos por uma fileira de abajures feéricas. Depois da seguinte

esquina estava o Cassino.

— Sabe aonde vamos? —perguntei-lhe.

— À toca da Nação.

Agitei a cabeça enquanto me despedia da última esperança de manter a

neutralidade com o Derek a meu lado.

96

— Quero te deixar um pouco muito claro. Independentemente do que ocorra,

quero que não transforme a menos que não haja outra opção. Como te tomaste

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banho, não podem te cheirar. A menos que comece a tirar cabelo, não têm

forma de saber que pertence à Manada e eu gostaria que as coisas seguissem

assim.

— por que?

— Para começar, eu gostaria de manter em segredo o fato de estar

colaborando com a Manada. Resultaria altamente inapropriado.

— A Nação não se mostraria muito amigável se descobrisse que te acompanha

um lobo.

— Exato. —Ao Ted tampouco faria muita graça—. E em segundo lugar, assim

que comece a briga, sentirá a necessidade de te alimentar e necessitará um

lugar seguro para jogar uma cabeçada. Não sempre tenho à mão um lugar

seguro.

— Entendido.

— Bem.

A cidade, apanhada na rede de luzes e sombras tecida pela gloriosa lua,

estava silenciosa e deserta. Talvez o assombro do menino o mantivera em sua

pele humano. Realmente esperava que assim fora.

A Magia tinha um apetite seletivo. No referente aos edifícios, primeiro roía os

arranha-céu, de cima abaixo, e depois se lançava sobre algo grande, complexa

e moderna. O Banco da América Plaza foi o primeiro em cair, seguido pelo

arranha-céu SunTrust. Também se desmoronaram o One Atlantic Genter, o

Peachtree Plaza, inclusive o novo edifício da Coca Cola. O Georgia Dome caiu

antes de que se dispersasse a poeirada proverbial, e o resto dos monumentos

eretos em nome do domínio humano sobre a engenharia não demoraram para

cometer seppuku ante a avalanche mágica. De modo que quando, um bom dia,

o Georgia World Congress Center retumbou sobre seus alicerces, sacudido

como um dente de leite a ponto de cair, e se desmoronou envolto em uma

monumental nuvem de pó, os habitantes da cidade nem sequer piscaram.

Poucos esperavam que a Nação adquirisse o solar. Ninguém esperava que

retirassem os escombros e edificassem seu próprio Taj Mahal sobre as ruínas

do antigo edifício em tão só cinco anos. E quando as portas ornamentadas do

palácio mágico se abriram e o público contemplou as reluzentes fileiras de

máquinas tragaperras, bom, a cidade que o tinha visto todo ficou muda de

assombro. A comoção só durou até que alguém recordou que levava uns

quantos dólares no bolso. Agora, o Cassino era uma das sete maravilhas de

Page 141: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Atlanta que atraía a multidões dispostas a pagar o estúpido imposto. Por sorte

para o Derek e para mim, era tarde incluso para os jogadores mais

degenerados e não tivemos que brigar para abrir acontecer com través da

corrente humana ao nos aproximar do modesto ninho da Nataraja.

97

Embora tinha estado muitas vezes no Cassino, voltou a me agarrar

despreparada. Como um etéreo castelo nascido de uma miragem nas instáveis

areias de um deserto, o quartel geral da Nação se elevava por cima da cidade.

De um branco semelhante ao alabastro durante o dia, de noite suas paredes

brilhavam com tons dourados e índigos, iluminado com potentes abajures

elétricos ou feéricas. A Nação tinha feito algumas modificações. Oito esbeltos

minaretes, em lugar dos quatro do original, flanqueavam a parte central,

abovedada, do edifício. Uns muros muito altos rodeavam o complexo. Sobre

estes, levantavam-se com regularidade uns sólidos torreões de vigilância

equipados com lança-foguetes e armamento mágico. Sérios guardas e algum

que outro vampiro patrulhavam os ásperos parapeitos. Todo o lugar fulgurava

com magia nigromántica.

Abrimo-nos passo entre as estátuas de latão de estranhos deuses assentadas

sobre as águas de fontes alargadas e retangulares. Embora reconheci uns

quantos, a mitologia hindu nunca foi um de meus fortes.

A estátua de maior tamanho estava situada em uma fonte circular justo à

entrada. Uma figura estranha, imortalizada no torvelinho de uma dança

selvagem, balançava-se com um pé sobre um feio demônio. Dois pares de

braços lhe sobressaíam dos ombros. Uma mão sustentava uma tocha, outra

esmurrava um tambor, com a terceira se destacava o pé em alto e a quarta

oferecia uma bênção. Um bailarino cósmico pisoteando a ignorância do mundo,

seu corpo em chamas, seu rosto sereno. Shiva no papel da Nataraja, o Senhor

da Dança.

Quando me detive frente a ela, Derek estudou a estátua e franziu o cenho em

direção ao castelo.

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— ficou o nome de um deus?

— Sim.

Naquela época fazia falta ter guelra para apropriar do nome de uma deidade. O

proprietário do Cassino não ia curto precisamente de guelra, mas se realmente

aspirava a converter-se na Shiva, ficava um bom trecho por percorrer.

Nataraja era o senhor local da Nação, quem se considerava uma classe nova

de humano ou uma realmente antiga, dependendo de com quem falava. Como

a Ordem, dispunham de propriedades em todo o país, mas, ao contrário que

esta, pareciam mais interessados na acumulação do capital necessário para

aprofundar nos «mistérios da vida e a morte», citando a expressão que

aparecia em seus folhetos. Dominavam uma grande variedade de campos, tão

tecnológicos como mágicos; a maioria demonstravam uma predileção pela

nigromancia e a necronavegación: a alteração, o estudo e a proteção da morte.

A Nação era uma organização muito poderosa. E altamente perigosa.

98

Tinham convertido a nigromancia em toda uma arte, demonstrando um alto

nível de profissionalismo em tudo o que faziam, algo que admirava

profundamente. Embora aquilo não impedia que lhes aborrecesse.

O Cassino estava aberto ao público general. Atamos nossos cavalos no

corrimão exterior e entramos no edifício. A porta estava custodiada por dois

sentinelas idênticos com casacos escuros sobre uma cota de malhas e uma

cimitarra na mão. As cimitarras tinham um aspecto desgastado, que se

consegue detrás as polir repetidamente detrás ter golpeado com elas um pouco

muito duro.

Entramos na sala principal. Odiava os cassinos. O chamariz do dinheiro fácil

tira reluzir o pior de cada um. O ar cheirava a cobiça, decepção e desespero.

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Derek e eu passamos junto às máquinas tragaperras, as quais tinham sido

adaptadas para que funcionassem manualmente. Afastados do mundo em sua

concentração por alimentar às máquinas com mais moedas, os jogadores

pareciam mortos viventes que executavam seus movimentos com a monotonia

dos autômatos. Uma mulher ganhou e começou a saltar freneticamente frente

à catarata de moedas que ameaçava transbordando o receptáculo da máquina.

Seu rosto, iluminado pelo prazer, assemelhava-se ao de um guerreiro

selvagem, quase louco.

Passamos junto às mesas de cartas, giramos ao chegar a uma pequena porta

de serviço, cruzamo-la e chegamos a uma salita da que partia uma escada.

Dois guardas esbeltos, vestidos com o mesmo traje que os da entrada,

flanqueavam a escada. Quase imediatamente, como se tivesse recebido uma

indicação, uma mulher apareceu ante nós.

Media algo mais de metro sessenta, uns quinze centímetros mais baixa que eu.

Seu vestido cor esmeralda não deixava muito espaço à imaginação. Não era

nem magra nem esbelta. Quando os escritores de romances tontos falam de

«gloriosas curvas diminuindo gradualmente até um peito moderado» ou de

«pele sedosa que reclamava ser explorada», estavam pensando nela. Seu

corpo e o meus estavam a anos luz de distância. Não a invejava. Meu corpo

era o adequado para meu trabalho: forte, resistente e dotado de bons reflexos,

o que me permitia matar coisas antes de que elas me matassem .

Em troca, sim sentia inveja de seu cabelo. De uma cor avermelhada intensa,

precipitava-se em cachos e saca-rolhas que produziam reflexos dourados até a

altura de seus quadris. O semblante do Derek se transformou, adotando uma

expressão lasciva de primeira categoria. Rowena lhe sorriu como se acabasse

de lhe ler um poema.

— Kate! Me alegro de verte. —Seu sorriso poderia ter posto em órbita uma

lançadeira espacial. Unida a sua voz de contralto e a seu sutil acento polonês,

aquele sorriso fazia que os homens perdessem os últimos retalhos de amor

próprio.

99

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Olhei ao Derek. O assombro do menino não se dissolveu deixando um

montoncito de fluido corporal, mas seu olhar não se separava do peito da

Rowena. Evitando o contato visual. Boa estratégia.

— Sinto o atraso.

— Não passa nada. Por favor, me sigam.

Seguimo-la escada acima até um comprido corredor.

— estiveste aqui antes, verdade? —perguntou-me Derek, com a vista cravada

no traseiro da Rowena, o qual se movia sob a brilhante seda verde a uns

passos por diante de nós.

— Wiggles —lhe disse.

Em inglês, wiggle significa rebolar, serpentear. (N. do T.) Derek piscou várias

vezes antes de compreender que não me referia ao traseiro da Rowena.

— Wiggles?

— Quatro metros de comprimento, cabeça triangular, escamas cinzas e azuis...

Compreendi que não entendia a que me referia.

— É o mascote da Nataraja, uma serpente —lhe expliquei—. Faz umas

semanas escapou e a encontrei a pedido do Grêmio. —Mencionar que tinha

passado quatro dias inteiros acampada junto a um pântano, coberta de barro e

esterco, sem poder me trocar de roupa tivesse arruinado completamente minha

reputação.

Um calafrio me percorreu todo o corpo e me arrepiou o pêlo da nuca. Ao dobrar

uma esquina, vi o vampiro. Avançava pelo teto em direção oposta. Seus

filamentosos músculos se esticavam sob uma pele tirante, certamente negra

quando ainda vivia, mas agora de um tom violáceo. Rowena lhe olhou de

soslaio e fez um gesto com a mão similar ao que a gente em épocas mais

tecnológicas devia dedicar às câmaras de segurança. Senti o fluxo mágico

pessoal que acompanhava a seu gesto. Me revolveu o estômago e tubo que

tragar saliva enquanto me esforçava por conter o vômito.

O morto vivente ficou imóvel de um modo muito pouco natural. O impulso de

acabar com ele era intolerável. A mão começou a me arder ante a necessidade

de rodear o punho de Assassina, a qual descansava em sua vagem a minhas

costas. Olhei aqueles olhos mortos e me perguntei o que se sentiria ao afundar

Page 145: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

a espada em um deles, ao sacudir o cérebro que o dominava. Tivesse preferido

matar ao homem que o pilotava.

O vampiro trocou de posição e ficou em movimento repentinamente.

— por aqui, por favor —disse Rowena nos dando de presente outro sorriso

cativante. E não tivemos mais remedeio que segui-la enquanto o vampiro

desaparecia por uma das esquinas do corredor.

100

O corredor terminava em uma colossal porta abovedada. abriu-se assim que

nos aproximamos dela, dividindo-se pela metade. Ao outro lado se estendia a

sala pentagonal do trono da Nataraja como um sonho de haxixe sustraído da

mente de um antigo rapsoda das mil e uma noites. Elegantes estatua banhadas

com a luz de abajures mágicas e com o tênue resplendor que produziam os

reflexos do trono dourado da Nataraja. O chão de azulejos italianos estava

talher com almofadas de veludo, e muito valiosos peças de arte se esforçavam

por acrescentar um pouco de refinamento a um conjunto escandalosamente

opulento. Nataraja se reclinou sobre seu trono, como um sultão de lenda.

O muito casulo vestia completamente de branco, como sempre, e calculei que

toda sua vestimenta devia custar mais do que eu ganhava em seis meses.

Privilégios de sultão.

O trono parecia de ouro. Provavelmente o era, mas minha mente se negava a

aceitar que uma concentração tal de riqueza se esbanjasse em sustentar o

traseiro de alguém. Com a forma de um ovo apoiado no extremo mais largo e

talhado pela metade, o trono media mais de metro oitenta de alto. Estilizados

animais exóticos, considerados míticos tempo atrás e hoje em dia

simplesmente perigoso, cobriam toda a superfície do ovo, tanto no interior

como no exterior, e as gemas preciosas que faziam as vezes de olhos reluziam

à luz dos numerosos abajures.

Nataraja ocupava seu trono, médio sentado, médio inclinado com um cotovelo

apoiado em uma fofo almofada branca. Não era fácil determinar sua idade.

Page 146: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Julgando unicamente suas facções, devia ter pouco mais de quarenta anos,

embora naquele tempo as impressões visuais já não tinham a menor

importância. Parecia velho, muito mais que eu. Duzentos anos, talvez

trezentos, ou possivelmente mais. Uns anos atrás houvesse dito que aquela

longevidade era impossível, já que fazia cem anos a tecnologia fluía sem

interrupção, mas meus anos como mere me tinham ensinado a ser muito

precavida com as palavras «nunca» e «impossível».

Nataraja me olhou, ligeiramente divertido por minha presença em seus

domínios. Magro e de pele cítrica, irradiava poder como alguns homens

irradiam força. Seu cabelo, negro azeviche e penteado para trás, emoldurava

um rosto anguloso de frente limpa e larga, maçãs do rosto proeminentes e

queixo magro, oculta sob uma barba cuidadosamente recortada. Seus olhos,

muito escuros e penetrantes, possuíam um grande magnetismo. Quando te

observava fixamente, tinha a sensação de que podia ver em seu interior,

descobrir seus pensamentos ocultos e as idéias mais secretas e apropriar-se

delas. Aquele olhar fazia quase impossível que pudesse lhe mentir. Eu ainda o

conseguia.

Wiggles vaiou quando avancei pela sala em direção ao trono.

101

Cravou-me seus olhos vazios e receosos e olisqueó o ar, sua larga língua

vibrando através da brecha de sua boca sem lábios. Eu também me alegro de

voltar a verte, carinho. Recorda minha vara de descargas?

Rowena se aproximou de grandes pernadas à serpente e apoiou brandamente

uma mão sobre sua cabeça triangular. Wiggles pesava quase noventa

quilogramas, de modo que a gente não podia levantá-la do chão, e supunha

que os homens não eram mais que quentes árvores andantes. Wiggles, não

obstante, era uma criatura nascida da magia e da manipulação genetica.

Embora, segundo os padrões dos mamíferos, seguia sendo bastante estúpida,

sabia que uma mão em sua cabeça significava dor se se movia, de modo que

se recolheu formando largas e lânguidas espirais aos pés da Rowena. A voz da

Nataraja soou como o sussurro de escamas sobre a áspera pedra.

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— Kate.

— Nate.

Fez uma careta.

— Não estou de humor para que me faltem o respeito.

— Não sente saudades. É um pouco tarde para alguém de sua idade. Não

pensaste ainda na aposentadoria? —Eu sei que o fará e você sabe que o fará.

Acabemos com isto. me ponha a prova, filho de puta, para que possa lutar

outra vez contigo e depois falaremos. Seu poder me golpeou, pressionando,

me empurrando contra o chão. Seus olhos se converteram em duas fossas

profundas que tentavam me dominar, todo-poderosos, me arrastar a seus

recônditos e insondáveis domínios, me prometendo escravidão e dor.

Apertei os dentes e o contive, tentando proteger também ao Derek. Nataraja

empurrou com mais força, seu poder transbordando-se como uma avalanche

que distorcesse o mundo, esmagando-o tudo salvo sua vontade e a minha,

uma bloqueando à outra. Uma dolorosa sacudida me percorreu todo o corpo.

Seu rosto se crispou e se mordeu os lábios.

— Tranqüilo, tranqüilo —pinjente com os dentes apertados.

— As mudanças de temperamento não são um sintoma de senilidade? —ouvi

como dizia Derek muito longe de ali.

A terrível pressão decaiu momentaneamente e aproveitei a oportunidade para

aglutinar toda minha magia, convocando todas minhas reservas. Golpeia ao

menino, Nate. lhe golpeie para que possa te matar.

A pressão cedeu abruptamente e retrocedi através de um larguísimo túnel

negro até o mundo real. Nataraja se tinha retirado ao captar o perigo. Maldita

seja.

Olhei ao Derek. Estava muito pálido e tinha as mãos crispadas formando um

punho. Nataraja retornou a seu papel de hóspede encantador.

102

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— Vejo que trouxeste para um mascote –disse—. Fala como você. —Um dia,

prometia a expressão de seu rosto, um dia solucionaremos isto.

— Os maus costumes são contagiosos—. Quando quiser.

Um sussurro anunciou a chegada de alguém mais. Ghastek apareceu pelas

portas abovedadas levando uma mala e vestido com umas calças cáqui e um

pulôver negro de pescoço alto. Resultava tão absurdo comparado com a

vulgaridade geral da sala do trono da Nataraja que estive a ponto de soltar uma

gargalhada.

Ghastek me saudou com uma inclinação de cabeça e se situou junto ao trono

de seu senhor. Ambos eram de compleição pequena, embora Nate era esbelto

enquanto que Ghastek era mas bem esquálido. Com uma dieta de filetes e

muitas horas no ginásio conseguiria certa esbeltez e vigorosidad, mas duvidava

muito que alguma vez tivesse visto um peso, não digamos já levantá-la. estava

ficando calvo, e a linha de cabelo em retirada lhe estava limpando a frente.

Tinha um rosto vulgar; o único remarcável nele eram seus olhos escuros, os

quais revelavam sua inteligência e essa sutil distancia típica das pessoas que

passam muito tempo imersas em seus próprios pensamentos.

— Ahh, Ghastek —disse Nataraja, como se saudasse seu mascote preferido—.

Estávamos falando da nova pulverização do Kate. Deve ser seu...

— Aprendiz —concedi.

— Aprendiz. —Nataraja saboreou a palavra, saboreando-a—. Que modesta.

Tendo em conta sua idade, resulta do mais apropriado, embora lhe falta um

pouco de estilo.

— Sinto te decepcionar, mas nossa relação é estritamente profissional. A

risada da Nataraja poluiu o ar.

— É obvio —disse, como se lhe seguisse a corrente a um menino—. Que

pouco considerado por minha parte. —Sorri.

— Pois sim. Uma vez ficou estabelecido seu péssimo gosto, quer aproveitar a

oportunidade de conversar comigo em tanto representante da Ordem ou

prefere que vá por onde vim?

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— De repente solo pensa em negócios. De acordo. —Nataraja se inclinou no

trono—. Estou descontente com o curso que está tomando sua investigação.

Ensinei-lhe os dentes.

— Surpreende-me, já que não devo responder ante ti. Não disse nada, de

modo que continuei falando:

— Trabalho para a Ordem e, a última vez que o comprovei, a Ordem não

informou ao Roland.

Era surpreendente comprovar o efeito que produzia aquele nome. Os dois

homens ficaram tensos, como se tivessem recebido uma descarga de alta

tensão.

103

— Como podem ver, cavalheiros, tenho acesso à base de dados da Ordem. —

O que era uma mentira flagrante, embora eles não tinham modo se soubesse.

O nome do Roland havia cortocircuitado sua lógica. Se chegassem a descobrir

como averigüei o nome de sua líder, ambos sofreriam uma apoplexia repentina.

— Isto é o que sei e, por favor, me corrijam se me equivocar. Um vampiro do

Ghastek estava seguindo ao Greg Feldman. Foi assassinado repentinamente e

não pudestes extrair uma imagem do assassino da mente do oficial que o

pilotava. Não têm feito nenhum esforço por revelar esta informação à Ordem, o

que é compreensível dado que teria tido que explicar por que seu vampiro

estava seguindo ao cavalheiro—místico. O que não entendo é por que lhes

tomastes tantas moléstias por um simples vampiro.

produziu-se um comprido silencio, depois do qual, Nataraja fez um movimento

brusco com a boneca para lhe indicar ao Ghastek que podia falar.

Continuando, apartou a cabeça para um lado, como se tivesse perdido todo o

interesse na conversação. Rowena seguia em calma, com a mão sobre a

cabeça da serpente. Perguntei-me o que aconteceria sua cabeça.

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— Não é o único vampiro que perdemos —disse Ghastek.

— Têm provas?

Ghastek abriu uma mala e extraiu um montão de fotografias. Deixa— vu.

Avançou para me entregar isso Derek se interpôs entre nós, agarrou as

fotografias sem dizer uma palavra de sua mão e me passou isso.

Observei a imagem em branco e negro do corpo de um vampiro. O

chupasangre parecia um novelo, seu enxuto corpo horrivelmente destroçado.

Um sangue espesso e escuro manchava sua pálida pele. O vampiro estava

completamente banhado nela, como se alguém se molhou as mãos com seu

sangue e lhe tivesse esfregado toda a superfície de seu tirante pele, como se

recubre de azeite um frango antes de colocá-lo no forno. Tinham-lhe partido

limpamente o crânio imberbe e, onde antes devia estar o cérebro, agora solo

ficava uma úmida concavidade.

A segunda fotografia. O mesmo vampiro, nesta ocasião de costas, o que

permitia ver com mais claridade o comprido talho que lhe separava o torso, dos

genitálias até o peito. As amareladas costelas ressaltavam contra a negrume

das malhas corporais. Alguém tinha utilizado uma faca muita afiada para

seccionar a cartilagem de várias costelas do lado esquerdo, as separando do

esterno. O corte indicava que não tinham sido serradas a não ser fatiadas com

um único movimento de uma força sobre-humana. Devia ter girado ao vampiro

sobre um de seus flancos para permitir que a massa fibrosa de seus atrofiados

intestinos aflorasse ao exterior. Não havia nem rastro de graxa, de modo que o

assassino não teve que incomodar-se em cortá-la.

104

O mesmo ocorria com a bexiga e o cólon; os dois órgãos se atrofiaram durante

as primeiras semanas posteriores a sua transformação, assim tampouco tinha

tido que preocupar-se daquilo.

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O corte no diafragma era limpo. Tinha-o feito para extrair os restos do intestino

e acessar ao esôfago. Devia ter arrancado o diafragma e introduzir uma mão

por ele até a cavidade torácica para poder agarrar o esôfago e cortá-lo. Então

simplesmente atirou do esôfago e o extraiu pelo orifício, arrastando com ele os

inúteis pulmões empapados de sangue e o protuberante coração. Não era a

primeira vez que via algo assim. Era o modo em que está acostumado a

estripasse aos cervos.

— levou-se o cérebro, o coração, os pulmões, o que ficava do fígado e os rins,

mas descartou os intestinos —disse Ghastek.

Arqueei uma sobrancelha ao não ver os intestinos por nenhum lado e Ghastek

murmurou:

— A seguinte fotografia.

Ao examiná-la, vi a úmida e desagradável massa de vísceras em um atoleiro

de sangue. Ao não utilizá-los, encolheram-se até adquirir o aspecto do

cânhamo seco.

— Uma habilidade extraordinária —disse Ghastek com frieza—. Os cortes

estão feitos quase com precisão cirúrgica. O assassino tem um conhecimento

excelente da fisiologia vampírica.

— Alguma possibilidade de que tenha sido alguém de dentro? Ghastek me

olhou como se lhe tivesse acusado de devorar a meninos pequenos.

— Não somos estúpidos —disse, embora o que em realidade queria dizer era

Não sou estúpido—. Todos nossos membros com esse tipo de destrezas estão

controlados.

— Além deste e o que apareceu junto ao Greg, quantos mais perdestes? —

perguntei-lhe

— Quatro.

— Quatro? Quatro vampiros?

Ghastek se moveu incômodo, como se acabasse de provar algo amargo e

viscoso.

— Não estamos muito satisfeitos com a situação.

— E as outras fotografias?

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— Não temos nenhuma. Os corpos desapareceram e ainda não pudemos

recuperá-los.

— O que quer dizer com que desapareceram?

— Algo lhes matou instantaneamente, cortando o enlace entre suas mentes e

quão navegadores os pilotavam. levaram-se os corpos da cena antes de que

nossa equipe de campo pudesse recuperá-los. —Fez aparecer uma folha de

papel com

um texto datilografado—. Esta é a lista dos lugares, datas e horas. Derek

agarrou a lista de sua mão e me entregou isso. Joguei-lhe uma olhada e a

guardei em um bolso.

105

Seis vampiros e sete troca—formas. Alguém estava tentando iniciar uma

guerra entre a Manada e a Nação e no momento, estava fazendo um trabalho

excelente. Quem se beneficiaria daquilo?

— perdestes a seis vampiros e só dispõem de dois corpos. Estão seguros que

os outros quatro não estão ativos? —A idéia de quatro vampiros sem piloto

perambulando pela cidade me pôs os cabelos de ponta.

— Hão falecido, Kate! —Nataraja saiu de seu ensimismamiento com um

alarido—. por que não lhe pergunta a Batalham e a seu mascote lympago o

que têm feito com nossa propriedade?

Lympago era um término inadequado para referir-se ao Corwin, mas Nate

parecia tão satisfeito de ter dado com ela que lhe permiti recrear-se em sua

própria ignorância.

— falei com a Manada –disse—. E tive a oportunidade de eliminar ao Corwin

da lista de suspeitos.

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— Não é suficiente para mim —disse Nataraja.

— Pois terá que sê-lo. —Toda aquela esgrima verbal começava a me

aborrecer—. Seu exploratório—m não coincidia.

— Examinei o exploratório—m da cena do crime —disse Ghastek voltando

para a vida como um tubarão que cheira o sangue na água—. Não havia rastro

de magia salvo a de nosso vampiro e a do místico.

Mierda. Eu e meu bocaza. Teria que me pendurar um letreiro enorme com a

frase: «Informação Confidencial Grátis!» Ao menos a gente saberia de antemão

com quem estava tratando.

— Não deveu examinar o exploratório—m correto. que vi eu tinha o nítido e

poderoso registro do assassino.

Quase pude ver o formidável cérebro do Ghastek em funcionamento atrás de

seus olhos.

— Importaria-te nos facilitar uma cópia desse outro exploratório—

m?

— Importaria-te me dizer por que demônios seu vampiro seguia ao Feldman?

— Talvez queria simplesmente ter controlado ao místico —disse Nataraja.

Fingi que refletia sobre aquilo.

— Não. Não me trago isso. Manter a um vampiro ativo é muito caro para um

seguimento rotineiro.

— A conversação concluiu —disse Nataraja.

— foi um prazer —disse.

— Ghastek, acompanha a representante da Ordem fora de nosso território. —

Nataraja fez uma careta—. Não quereríamos que sofresse um percalço. Não

me poderia perdoar isso nunca.

Ghastek me olhou de um modo estranho e saiu da sala conosco, deixando

atrás a Rowena e a Nataraja.

106

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Assim que estive segura de que Nate não podia nos ouvir, detive-me.

— Não é necessário que me acompanhe.

— Mas o farei de todos os modos.

— Nesse caso, tenho uma pergunta. Ghastek me olhou atentamente.

— Se queria poluir a um animal vivo com magia nigromántica, o que teria que

fazer?

— Por poluir te refere A...?

Não havia modo de responder a aquela pergunta sem mostrar minhas cartas.

Era muito estúpida para aquele trabalho.

— Uma quantidade suficiente de magia nigromántica para produzir um registro

de poder combinado.

— De que cor?

Fiz um esforço para não fazer chiar os dentes.

— Laranja pálido.

Ghastek refletiu um instante.

— Bom, a resposta óbvia seria alimentar ao animal em questão com carne

imbuída de nigromancia. Se um rato se abarrotou da carne de um vampiro, a

magia nigromántica se alojaria em seu estômago. Parte dela passaria a seu

sistema sangüíneo. Mas, embora óbvia, a resposta é errônea. escaneei a

animais que se alimentaram com carne não—morta e o registro de poder só

mostrava um arco nigromántico.

— A magia da carne não—morta anulou a magia do animal? Ghastek assentiu.

— Sim. Para conseguir um registro de poder combinado, a influência da magia

nigromántica teria que ser muito sutil. Em teoria, e só em teoria, seria

necessária a reprodução.

Page 155: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Não o entendo.

— Se me pedir isso educadamente, pode que lhe explique —disse isso

Ghastek.

— Poderia ser tão amável de me explicar isso por favor? É muito importante e

lhe agradeceria isso enormemente.

Ghastek se permitiu um sorriso. Tocou seus lábios e desapareceu em um

suspiro, como se não fora mais que um espasmo muscular. Sorri lhe

mostrando os dentes.

— É muito mais agradável quando te comporta como um ser humano —disse

Ghastek. Meu sorriso não tinha conseguido lhe pôr nervoso—. Sua fanfarronice

é divertida, mas um pouco cansada.

Suspirei.

— Sou uma mere. Caminho como uma mere, falo como uma mere, atuo como

uma mere.

— Então admite ser um estereótipo andante?

107

— É mais seguro —pinjente honestamente. Por um instante pensei que

compreendia o significado profundo de minhas palavras. Então disse:

— Estávamos falando de ratos?

— Sim. E lhe pedi isso amavelmente.

— Em teoria, se agarrássemos a um rato fêmea e a alimentássemos com

carne não— morta, enquanto lhe permitimos aparearse e ter crias, e depois

repetíssemos o processo com estas, em algum ponto do processo os

descendentes do rato original poderiam apresentar rasgos permanentes de

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magia nigromántica, o que produziria os registros de poder combinados. Um

pouco parecido à laranja pálido no exploratório—M.

— Obrigado.

— Não, graças a tí. —Ghastek sorriu.

A água da fonte de shiva era refrescante. Molhei-me a cara com ela e resisti a

tentação de me tombar no encantador chão de cimento. A pequena prova da

Nataraja havia tornado a minar minhas reservas, mas novamente tinha

conseguido evitar fazer uma demonstração de meu poder, como ele sempre

tentava provocar. Sentei-me no bordo da fonte.

— Estou cansada. Sinto-me suja e necessito uma ducha. Que tal está você?

Derek se agarrou ao bordo e inundou a cabeça na água. Quando voltou a

endireitar-se, sacudiu a cabeça, lançando gotitas de seu cabelo úmido, e se

lavou as janelas do nariz como faziam os troca formas quando queriam

desfazer-se de um aroma intenso.

— Esse lugar empresta a morte —disse.

— Sim. Sabe que não é muito inteligente provocar a Nataraja?

— Olhe quem fala.

— Ele espera que o faça. Mesmo assim, foi muito divertido. O que te parece

Rowena?

— Não quer sabê-lo —disse ele.

— Tem razão. Provavelmente não. me resulta inquietante.

— Porque é mais bonita que você?

Fiz uma careta.

— Derek, jamais diga a uma mulher que alguém é mais bonita que ela. Será

sua inimizade para toda a eternidade.

— Você é mais divertida que ela. E mais forte.

Page 157: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— OH, obrigado. Por favor, continua reforçando o fato de que ela é mais

atrativa. Se te ocorre dizer que tenho mais personalidade, descobrirá até que

ponto sou mais forte que ela.

Derek sorriu abertamente. Dirigimo-nos até onde estavam nossos cavalos.

108

—Tome cuidado enquanto nos afastamos —lhe disse. Olhou-me com

semblante desconcertado.

— Sou o que deve te proteger. Tome cuidado você.

Agitei a cabeça. Por fim dispunha de meu cavalheiro da brilhante armadura.

Uma lástima que fora um homem—lobo adolescente.

— Crie que a Nação tentará algo?

— A Nação não. —Ralenticé o passado—. A Manada e a Nação perderam

mais ou menos ao mesmo número de seus membros e os assassinatos tiveram

lugar na fronteira entre ambos territórios. A sucessão de acontecimentos

parece cuidadosamente organizada.

— Pela Nataraja?

— Por alguém que se beneficiaria de uma guerra entre a Manada e a Nação.

— Como Nataraja?

— Pode te esquecer um segundo da Nataraja? —disse-lhe com o cenho

franzido—. Nate é, por cima de tudo, um homem de negócios. Sim, adoraria

reduzir o poder da Manada. Em um conflito direto, o mais provável é que a

Nação saísse vitoriosa, mas a deixaria tão debilitada que o arroto de um bebê

provocaria seu desmoronamento. Agora mesmo a guerra não lhes sairia grátis,

Page 158: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

por isso nos convidaram ao Cassino. em que pese a toda sua fanfarronice,

estão preocupados. Não só perderam a seis vampiros, que são custosos de

substituir; também intuem a presença de algo ameaçador. por que crie que

Ghastek acompanha a casa?

— Que ameaça? —Derek se encolheu de ombros. Tinha esquecido quão

agradável era comentar uma teoria com alguém.

— Conhece a expressão «fazer um Gilbert»? Sabe qual é sua origem?

— Não.

— Faz uns nove anos, um Senhor dos Mortos solitário chamado Gilbert Caillard

tentou fazer-se com o controle da Nação apanhando a Nataraja em um anel de

escravidão sexual. O que é duplamente irônico, porque duvido que essa

serpente tenha praticado sexo alguma vez, e muito menos promovê-lo. Em

resumo, o raciocínio do Gilbert era que se a Nação se sentia desonrada e

prendiam a Nataraja, ele poderia apresentar-se como a solução e assumir o

controle. Era extremamente poderoso e esteve a ponto de consegui-lo.

— Crie que retornou?

— Não, Gilbert está morto. Nataraja lhe matou e fez queimar sua cabeça.

Ainda leva suas cinzas em um saquito pendurado ao pescoço. Mas o que está

ocorrendo se parece bastante a um Gilbert. Não cabe dúvida de que o plano é

brilhante: Iniciar uma guerra entre a Manada e a Nação e aparecer de repente

para tomar o controle de mãos de um Nate debilitado e moribundo.

109

— Eu gosto disso de moribundo — disse Derek.

— Um, membros da Manada despedaçados por animais com registros de

nigromancia, provavelmente alimentados com carne não—morta.

Dois, vampiros desaparecidos à mãos de alguém com conhecimentos

avançados da anatomia vampírica. E três, Nate está assustado. Joga uma

olhada às almenas. dobrou as patrulhas. Verá, a Nação cobiça o poder por

cima de tudo. Não revistam fomentar este tipo de insurreições sangrentas, mas

Page 159: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

se o vencedor jura obediência ao Roland e faz as proclamações adequadas, o

mais provável é que se saia com a sua. Acredito que temos entre mãos a um

Senhor dos Mortos proscrito. —Não podia ser outra coisa. Era o único que

tinha sentido.

— Quem é Roland? —perguntou Derek súbitamente, penetrando em meus

pensamentos.

— Roland? É o líder legendário da Nação. Segundo certos rumores, está vivo

desde a primeira vez que a magia desapareceu do mundo, faz uns quatro mil

anos. diz-se que possui um poder extraordinário, quase divino. Alguns

asseguram que é Merlin, outros que é Gilgamesh. Parece ser que tem seus

próprios objetivos e utiliza à Nação para consegui-los, embora a grande maioria

deles não o viram nunca. Não existe prova alguma que demonstre sua

existência, e a gente profana como você ou eu nem sequer deveria conhecer

seu nome.

— Existe realmente?

— OH, é obvio. É real.

— Como soube dele?

— É parte de meu trabalho. E confia em mim, menino maravilha, sei muito mais

do que é recomendável. Conheço seus costumes. O que gosta de comer, o tipo

de mulheres que gosta de levar-se a cama, os livros que lê. Sei tudo o que meu

pai sabia sobre o Roland. Inclusive conheço seu autêntico nome.

O fluxo de gente que se dirigia para o arco branco das portas tinha diminuído.

Era cedo ou tarde, dependendo do ponto de vista de cada qual.

As garras ossudas e frite do medo se cravaram em minhas costas. O pêlo da

nuca e dos braços me arrepiou. Um vampiro. Muito perto.

O cavalo do Derek relinchou, mas Frau permaneceu estóica. eu adorava

aquela égua.

Dava-me a volta lentamente e vi como o chupasangre descendia por um dos

muros esbranquiçados do Cassino. Engatinhava de cabeça para abaixo, como

uma lagartixa lhe imitem, suas garras amareladas cravando-se na argamassa.

Seu pálido corpo, rígido por culpa dos músculos secos e fibrosos, transbordava

nigromancia.

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O vampiro continuou baixando até que sua cabeça ficou ao mesmo nível que a

minha e ergueu a cabeça. Em vida tinha sido uma mulher. A não—morte tinha

endurecido suas facções, assemelhando-a a uma vítima de campo de

concentração.

110

A chupasangre me observou com olhos angustiados. Levantou uma mão e vi

que nela levava um pequeno objeto. Abriu lentamente a boca e seu rosto se

crispou ao tentar mudar completamente suas facções.

— Acredito que isto é teu —disse a voz do Ghastek através da garganta do

vampiro. Os dedos desta se abriram e o objeto caiu. Apanhei-o antes de que

chegasse ao chão: minha adaga. Muito considerado. Inclusive se tinha tomado

a moléstia de eliminar o sangue do chupasangre de sua folha.— me diga uma

coisa, Kate —disse Ghastek—. por que pintas as adagas de negro?

— Para que não brilhem quando as lanço.

— Ahh. Muito óbvio, agora que o penso. —A garganta do vampiro emprestava

a morte.

— Podemos ir ?

— Por favor.

— Aonde nos dirigimos?

Sabia perfeitamente onde estava o apartamento do Greg. Certamente o

vigiavam as vinte e quatro horas do dia.

— me leve até o limite de seu território. A esquina do White e Maple será

suficiente. —Recordei muito tarde que Greg tinha morrido nessa intercessão—.

Isto não é necessário, sabe, verdade?

— É-o. Se morrera detrás visitar o Cassino, teríamos que responder a muitas

perguntas incômodas.

Page 161: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Acariciei o pescoço do Frau, desatei as rédeas e montei nela.

— Um cavalo —disse Ghastek com asco—. Deveria havê-lo imaginado.

— Tem algo contra os cavalos?

— Sou alérgico. Embora tampouco importa muito, dadas as circunstâncias.

dedicava-se a pilotar vampiros mas um bom cavalo o fazia espirrar.

— Vê por diante —lhe disse. O vampiro ficou em movimento, correndo em

posição vertical mas com passos torpes e lentos. Os chupasangres não estão

acostumados a correr pelo chão. Requer coordenação e respirar corretamente,

e para alguém que não precisa respirar, a mecânica se converte em um pouco

pouco natural.

Apertei brandamente o flanco do Frau e a égua começou a avançar até

estabilizar-se em um trote ligeiro. Derek, montado em seu cavalo castrado,

seguia-me de perto. Tinha a sensação de que se o chupasangre se colocava à

distância adequada, Frau tentaria averiguar o que se sente ao pisotear a um.

Ghastek fez avançar ao vampiro até a seguinte rua e então decidiu subi-lo a

terreno elevado. Engatinhou pela fachada do edifício e saltou sobre o seguinte,

desafiando a lei da gravidade.

111

Seu corpo gasto se escorreu pela terceira fila de janelas, sujeitando-se com as

garras o tempo suficiente para agarrar impulso; silencioso, indetectable, um

novo tipo de horror.

Derek e eu nos mantivemos nas ruas menos transitadas, evitando as artérias

principais. Um cavaleiro passou a nosso lado montado em um cavalo branco

como a neve, elegante e de olhar inteligente, uma arreios entre um milhão.

Page 162: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O cavaleiro vestia uma cara jaqueta de pele com o pescoço de cabelo de lobo.

Olhou-nos atentamente e seguiu adiante enquanto se recolocaba a mola de

suspensão que levava às costas. Girei a cabeça para observar as costas do

homem esperando ver nela um pôster que proclamasse Sou rico, por favor, me

roubem. Não vi nenhum. Supus que o homem pensaria que com o cavalo havia

mais que suficiente.

Frente a nós, um grupo de meninos estavam reunidos ao redor do fogo que

queimava no interior de uma lata metálica. As chamas alaranjadas lambiam os

borde da lata, iluminando de amarelo seus imundos e resolvidos rostos. Um

moço esquelético embainhado em uma suja sudadera e com várias plumas

pendurando do desajeitado cabelo recitava algo com grande dramatismo e

lançou ao fogo o que me pareceu um rato morto. Hoje em dia todo mundo era

bruxo.

Os meninos me observaram quando passei por seu lado. Um deles me

amaldiçoou com entusiasmo, tentando obter uma reação por minha parte. Ri-

me brandamente e continuei adiante.

Se realmente tínhamos entre mãos a um Senhor de quão mortos atuava por

sua conta, não tinha a menor ideia de como dar com ele. Talvez se tivesse uma

grande jaula sobre um poste e atasse a um dos vampiros do Ghastek a este...

Chegamos ao Rufus e nos dirigimos ao norte, para a rua White. O nome tinha

sua origem na nevada do 14, quando o feio asfalto das ruas ficou talher por dez

centímetros de neve. Dez centímetros de neve não era algo muito incomum em

Atlanta, embora aquilo teve lugar em maio e a neve não se derreteu os meses

seguintes em que pese a que a temperatura alcançou os trinta e sete graus.

Finalmente, descongelou-se três anos e meio depois, durante um veranico de

São Martín.

Quando cheguei à esquina, detive-me. Retorcida-a figura do vampiro do

Ghastek estava pendurada de uma luz, enrolado a ela como uma serpente no

ramo de uma árvore. Olhou-me com uns olhos vermelhos que cintilavam

sutilmente, revelando o influxo da magia. Ghastek estava concentrando-se para

mantê-la ativa.

— Problemas? —perguntei em voz baixa.

— Uma interferência. —A voz do Ghastek soou como se o ar tivesse passado

Á través de uns dentes apertados. Alguém tentava obstaculizar o controle

sobre seu vampiro.

Page 163: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

112

Desenvainé a Assassina e a apoiei no pescoço do Frau. O metal fumegava e

uma magra capa de umidade fazia brilhar a folha. Podia estar reagindo ante o

vampiro do Ghastek ou ante outra coisa.

detrás de mim o cavalo do Derek relinchou fracamente.

— Não desça do cavalo —lhe disse.

Enquanto Derek permanecesse sobre a cadeira, continuaria atuando como um

humano. Desmontei e atei a égua a uma cerca metálica. O vampiro do Ghastek

se desenroscou da luz e se deslizou silenciosamente até o chão. Avançou com

passos inseguros até a intercessão.

— Ghastek, aonde vai?

Um carro atirado por dois cavalos apareceu pela rua a trote ligeiro. Os cavalos

intuíram a presença do vampiro e se encabritaram, inclinando o carro para um

lado mas não o suficiente para fazê-lo derrubar. A roda esquerda golpeou ao

vampiro com um som de ossos quebrados e o lançou a uns quantos metros de

distância. O condutor cuspiu um conjuro e fez estalar as rédeas, forçando aos

cavalos a um galope frenético, e desapareceu pelo outro extremo da rua em

um abrir e fechar de olhos.

O vampiro ficou tendido no chão em uma postura lamentável e pouco natural.

Perfeito.

Empunhando a Assassina, dirigi-me para a rua.

— Ghastek? —chamei-lhe em voz baixa.

Dava voltas a seu redor com a espada em mão. Uma careta desagradável lhe

crispou o rosto. O pé esquerdo se moveu com um espasmo.

Page 164: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Ghastek?

Um fraco vaiou chamou minha atenção. Dava-me a volta. Nada. Uma gota

diminuta de luminescência líquido escorregou pela folha de minha espada e

caiu sobre o asfalto.

Uma rajada geada de terror me golpeou com a força de um maço. Girei

rapidamente sobre mim mesma, me deixando levar pelo instinto, e notei como

a espada mordia carne justo quando uma figura grotesca se precipitava sobre

mim das alturas. A criatura se retorceu no ar para afastar-se da folha e

aterrissou no chão brandamente, de flanco.

O cavalo do Derek relinchou e se internou na noite, levando-lhe com ele.

Retrocedi para o corpo inerte do vampiro do Ghastek. Aquela coisa me seguiu

sobre as quatro patas. Era um vampiro, mas um tão velho que não conservava

nenhum dos rasgos que tempo atrás lhe tinham permitido caminhar erguido. Os

ossos da coluna vertebral e do quadril se alteraram de forma permanente para

lhe permitir andar como um quadrúpede.

113

A criatura avançou, esbelto e robusto como um galgo. Uma crista ossuda de

uns sete centímetros coroava seu lombo, formada pelo crescimento excessivo

das vértebras através de uma pele grosa como o couro. deteve-se, baixou a

cabeça até o chão um instante e voltou a erguê-la, seus olhos vermelhos como

rubis cravados em mim.

Seu rosto tinha perdido completamente sua aparência humana. O crânio me

sobressaía formando uma curva ossuda que se assemelhava a um corno para

equilibrar umas enormes e desproporcionadas mandíbulas.

A criatura não tinha nariz, nem sequer o rastro da ponte. Guando abriu a boca,

tive a sensação de que a cabeça ia desconjuntar se pela metade. Várias filas

de dentes reluziram na escuridão. Não só me cravaria isso e me rasgaria com

eles, mas sim me trituraria.

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Os olhos da criatura se centraram em meus. As pupilas, semelhantes às de um

mocho, fulguraram com um vermelho intenso.

equilibrou-se sobre mim com rapidez sobre-humana. Apontei a seu pescoço e

falhei. A espada se cravou até o punho em seu ombro. A coisa me levantou do

chão e voltei a cair com um ruído surdo. A cabeça me ricocheteou no asfalto e

perdi o mundo de vista momentaneamente. Senti como aumentava a pressão

em meu peito e os pulmões começaram a reclamar sua dose de oxigênio. Pu-

me em tensão e enviei uma sacudida de poder através da folha de Assassina.

O punho se separou de minha mão e a pressão desapareceu. Aspirei uma

baforada de ar e me pus em pé de um salto, com a faca arrojadizo na mão.

A criatura se sacudiu a uns quatro metros de mim, aturdida e desconcertada. A

magra folha de minha espada sobressaía por suas costas. Cinco centímetros

mais abaixo e à direita e a tivesse parecido no coração. O ombro da criatura se

sacudiu e se retorceu com um poderoso espasmo à medida que Assassina

penetrava cada vez mais no músculo em busca do coração. A carne ao redor

da folha adquiriu a textura da cera derretida.

A criatura girou a cabeça bruscamente para me olhar. Cinqüenta centímetros

mais. Assassina demoraria uns três minutos em seccionar a carne. Devia

sobreviver três minutos.

Nenhum problema.

Lancei a adaga. A ponta ricocheteou no osso justo por cima da órbita

esquerda. Espetacular.

A criatura saltou, percorrendo sem esforço aparente os quatro metros que nos

separavam, e uma forma peluda colidiu contra ela em metade do salto.

Rodaram pelo chão, o vampiro e o homem—lobo, a gente rugindo e o outro

vaiando. Fui atrás deles. Por um instante Derek conseguiu imobilizar ao

chupasangre lhe cravando as garras no estômago, mas o vampiro se desfez

dele com um movimento brusco.

114

Page 166: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Equilibrei-me sobre ele. Não esperava meu ataque, de modo que consegui lhe

dar uma patada limpa no ombro. Foi como golpear uma coluna de mármore.

Ouvi o rangido do osso e lhe lancei dois rápidos golpes na nuca. A criatura se

arrastou para mim, me rasgando a roupa em um torvelinho de dentes e garras.

Esquivei-o o melhor que pude. O monstro não emitia som algum. Uma de suas

garras me alcançou e uma abrasadora chicotada de dor se estendeu por

minhas costelas e estômago.

Suas presas se fecharam a poucos centímetros de meu rosto. Endireitei-me,

esperando que seus horríveis fauces me engoliram, mas o vampiro me deixou

ir e retrocedeu.

Um novo conjunto de braços começou a lhe crescer nas costas. Rodearam-lhe

o corpo e vi o vampiro do Ghastek pendurado de seu pescoço.

O chupasangre fez retroceder ao monstro com as unhas cravadas em seu

formidável pescoço. A criatura arranhou os braços que lhe imobilizavam e se

encabritou. Derek se agarrou a suas pernas traseiras. O vampiro esperneou,

mas Derek se aferrou com força. Corri para ele e o propiné uma patada em seu

destroçado peito. Os ossos cederam. A carne do vampiro se rasgou como uma

bolsa de água transbordante, vertendo sobre o asfalto uma corrente de líquidos

nauseabundos.

A criatura chiou pela primeira vez, um som lhe chiem e enfurecido. As veias

sob sua pálida pele se incharam e seus olhos arderam com um vermelho

intenso, iluminando seu rosto. Tinha sofrido muitos danos e estava a ponto de

sucumbir à sede de sangue e romper o vínculo que unia a seu senhor. desfez-

se do vampiro do Ghastek como um terrier se desfaria de um rato. Derek

continuou agarrado a suas pernas, ignorante do perigo.

— Solta-o! —disse-lhe ao homem—lobo propinándole uma patada. Rugiu-me

com fúria e voltei a chutá-lo. soltou-se e se aproximou de mim rugindo.

Separei-o de em meio de um empurrão.

A criatura continuou chiando enquanto seu corpo se contraía e se curvava e

seus músculos formavam nós e se estiravam repentinamente. Umas puas

ossudas lhe atravessaram os ombros, curvando-se desde seu esqueleto como

chifres. Voltou a encabritar-se e começou a golpear o chão com as garras,

deixando marcas no asfalto. Vi assassina através da brecha em seu peito.

O vampiro se equilibrou sobre mim com uma velocidade assombrosa,

impossível de deter. Ao colidir, agarrei o punho de Assassina e empurrei com

toda a força que ainda ficava. Caímos sobre o asfalto e nos deslizamos até se

Page 167: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

chocar contra uma parede. Foi uma sorte que se interpor em nosso caminho.

De outro modo, o mais provável é que tivéssemos seguido nos deslizando até

o infinito.

Fiquei imóvel. O sangue da criatura emanava de seu destroçado coração, me

banhando com sua viscosidade. Uns círculos de luz bloqueavam minha visão.

115

Paulatinamente, distingui dois olhos que brilhavam com um amarelo sutil sobre

o ombro do vampiro. Pisquei e meus olhos enfocaram o peludo pesadelo em

forma de rosto.

— Está bem? —disse Derek com voz rouca. Com um breve grunhido, Derek

apartou o corpo da criatura e me ajudou a me pôr em pé.

— Obrigado —pinjente.

Derek estava sangrando. Tinha um comprido corte na perna direita e marcas

dentadas de garras no ombro.

deu-se conta de que estava examinando suas feridas e se deu a volta com um

grunhido antes de que pudesse comprovar o estado de seu quadril. Também

estava sangrando. Uma sensação abrasadora me percorreu a cintura e, ao me

dobrar sobre o estômago, a dor aumentou.

Apoiei um pé no corpo do vampiro e extraí a Assassina. Não opôs a menor

resistência; a carne que rodeava a folha se liquidificou ao entrar em contato

com sua magia. Coloquei-me em posição, fiz oscilar a espada e seccioné o

pescoço da criatura. Deformada-a cabeça rodou sobre o asfalto. Ao recolhê-la,

descobri que o fogo de seus olhos se havia a extinto. Pareciam vazios. Mortos.

Empapada de sangue nauseabundo e dolorido, olhei para o lugar onde tinha

deixado ao Frau. A égua seguia impertérrita. Não me podia acreditar isso.

Aproximei-me dela, coxeando ligeiramente. Por alguma razão desconhecida, o

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mero feito de andar me resultava problemático. A meio caminho, troquei de

direção e me encaminhei para onde jazia o vampiro do Ghastek.

Estava tendido sobre seu estômago, com o rosto em minha direção. Inclinei a

cabeça até me pôr a sua altura e lhe golpeei na frente com um dedo.

— Suponho que isto equilibra as coisas. Que idade tem, Ghastek? Trezentos

anos? Mais? O vampiro tentou dizer algo. Agitei a cabeça.

— Não importa. Já o descobrirei. Obrigado pela ajuda. Pode lhe dizer a

Nataraja que se meta sua segurança por onde lhe caiba.

O vampiro moveu uma mão e me agarrou o tornozelo. Brandamente, separei-a

de meu ensangüentado pé, passei por cima dele e me dirigi para o cavalo.

Derek olhou ao chupasangre com malícia.

— Deixa-o estar. Temos que nos largar daqui antes de que chegue a patrulha

de limpeza da Nação.

Acariciei ao Frau e coloquei a cabeça na alforja. A égua soprou, ofendida pelo

horrível fedor.

— Sinto muito, carinho.

Extraí uma grande bolsa impermeável do exército.

— Gasolina —disse ao Derek como se não fosse capaz de captar o

aroma.

116

Orvalhei com gasolina ao feto, atirei a bolsa ao chão e tirei a caixa de fósforos

com dedos trementes. Tentei acender um fósforo, dois; ao quarto intento a

gasolina prendeu. O vampiro do Ghastek soltou um alarido enquanto seus

indícios e meu sangue se convertiam em fumaça.

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Internei-me na noite montada sobre o Frau e meu leal lobo nos seguiu,

coxeando. Ao chegar junto aos meninos que jogavam com ratos mortos, Derek

se desabou. Caiu para diante, golpeando o asfalto com o focinho. Os meninos

o olharam surpreendidos mas não se assustaram.

O homem—lobo se convulsionou levemente e despediu uma neblina, deixando

o corpo humano nu e feito um novelo no chão. Os meninos continuaram

observando-o. O talho na coxa era mais profunda de que o tinha acreditado em

um princípio. As garras da criatura haviam seccionado o grosso revestimento

muscular do cuádriceps, penetrando profundamente na pantorrilha. Joguei uma

olhada à ferida e vi que tinha a artéria femoral destroçada. A carne ao redor da

ferida palpitava. Copos sangüíneos rasgados avançavam rapidamente entre os

músculos que começavam a fundir-se. O Lic—V tinha obstruído sua

consciência para dedicar toda a energia às reparações.

A dor em meu abdômen se intensificou e começou a subir pelo peito.

Apertando os dentes, pus ao Derek de barriga para baixo, passei um braço sob

seu quadril e deslizei o outro por seu peito. Era mais pesado do que parecia,

sessenta e cinco quilogramas, talvez setenta. Dava igual.

— Senhora! —disse o menino com plumas no cabelo.

mantinham-se muito juntos. Devíamos ser todo um espetáculo: Derek, nu e

repentinamente sem rastro de cabelo, e eu, empapada de sangue e com a

espada ainda fumegando em sua vagem.

— Necessita ajuda? —disse o menino.

— Sim —disse com voz rouca.

aproximou-se, agarrou ao Derek pelos pés e girou a cabeça

— Mike.

Mike cuspiu para um lado e tentou pôr Cara de valentão O menino das plumas

lhe olhou fixamente. .

— Mike!

Mike voltou a cuspir para manter as aparências não ficava muita saliva,

aproximou-se e agarrou ao Derek pelos ombros sem muita perícia.

— Sujeita o pelas axilas — lhe disse.

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Olhou-me com medo refletido em seus olhos, apertou a mandíbula e me

obedeceu.

— A de três –murmurei—. Três.

117

Atiramos dele. O mundo se cambaleou sob meus pés em um torvelinho de dor,

mas conseguimos colocar ao Derek escarranchado sobre o Frau. Não lhe

aconteceria nada. O Lic—V se encarregaria de lhe curar e amanhã pela manhã

estaria como novo. Eu, por outro lado...

Uma úmida mancha de sangue se estava estendendo a uma velocidade

alarmante sob minha jaqueta. Se o sangue começava a gotejar, meus

problemas se multiplicariam. Ao menos seguia notando a dor.

— Obrigado —disse aos meninos em um sussurro.

— Meu nome é Rede —disse o menino das plumas. Coloquei uma mão no

bolso da calça. Meus dedos localizaram o cartão. A dava ao menino depois de

limpar o sangue que a cobria com a manga da jaqueta. Não era meu sangue, a

não ser a do Derek.

— Se por acaso alguma vez necessita ajuda —lhe disse.

Aceitou-a com solenidade e assentiu.

A escada estava completamente sumida na escuridão.

Subi por ela, me assegurando de que a pressão constante do corpo do Derek

estivesse bem distribuída sobre minhas costas. Se me inclinava ligeiramente à

direita, a dor era suportável, de modo que subi ao Derek e a bolsa um degrau

atrás de outro, tentando manter o ângulo adequado e tendo muito cuidado

onde punha o pé. Não estava muito segura de se um homem—lobo

sobreviveria a um pescoço quebrado, mas sabia que eu não.

Page 171: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Detive-me no patamar para agarrar ar e joguei uma olhada à porta de meu

apartamento.

Havia um homem sentado em um degrau, com a cabeça apoiada na parede.

Deixei com cuidado ao Derek no chão e joguei mão da espada. O peito do

homem baixava e subia com um ritmo sutil e regular. Subi o lance de escada

silenciosamente e com os dentes apertados até que pude lhe ver a cara. Crest.

Não despertou.

Dava-lhe uns golpecitos na cabeça com a folha da espada. Quando eu me

acordado, faço-o súbita e silenciosamente, e minha mão sempre procura a

espada incluso antes de abrir os olhos. Crest despertou como um homem que

não está acostumado a viver perigosamente, com invejável lentidão. Piscou e

reprimiu um bocejo enquanto tentava me enfocar.

Dava-lhe um instante para que me reconhecesse.

— Kate?

— O que está fazendo aqui?

— vim a te recolher para ir jantar. —Tínhamos uma entrevista. Mierda. Tinha-o

esquecido completamente.

— estive encalacrado até as dez –continuou—. Te chamei mas não respondeu

ao telefone. Embora já era um pouco tarde, pensei em me passar por aqui com

a pipa da paz. —

118

Sustentou em alto uma bolsa de papel cheia de caixas brancas decoradas com

estilizados símbolos chineses em tinta vermelha—. Não estava em casa, assim

decidi esperar um par de minutos, sentei-me na escada... —Seu cérebro

finalmente registrou minha roupa manchada de sangue, a espada e os

emplastros de betume de sangue seca que decoravam meu rosto. Abriu muito

os olhos.

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— Está bem?

— Viverei.

Abri com a chave a porta de meu apartamento e retirei o conjuro protetor.

— Há um homem nu no patamar —disse com a esperança de evitar perguntas

a respeito. vou subir o e a colocá-lo no apartamento.

Sem dizer uma palavra, Crest deixou a bolsa com a comida a China no

corredor do apartamento e baixou as escadas para recolher ao Derek. Subir-

lhe juntos e o deixamos sobre o tapete do corredor. Fechei a porta ao mundo

exterior e deixei escapar o ar.

Tirei-me as sapatilhas e acendi o abajur. Havia-me as tornado a manchar de

sangue. Bom, nada que um montão de lejía não pudesse solucionar.

As diminutas chamas dos abajures feéricas banharam o apartamento com uma

luz suave e confortável. Crest se ajoelhou para examinar a perna do Derek.

— Necessita atenção médica —disse. Sua voz estava pontuada pelo tom

distante, breve e profissional que os bons médicos revistam utilizar sob

pressão.

— Não, não a necessita.

Crest me olhou fixamente.

— Kate, o corte é profundo e está sujo. E provavelmente a artéria esteja

seccionada. Morrerá sangrado.

Notei um ligeiro enjôo e me cambaleei. Precisava me sentar, mas os sofás e as

cadeiras eram mais difíceis de limpar com lejía que o calçado.

— Não está sangrando.

Crest abriu a boca e voltou a examinar a ferida.

— Mierda.

— O Vírus Lico em ação —lhe disse antes de me dirigir à cozinha. Não

encontrei gelo, e arranhar as paredes do congelador não me pareceu a melhor

ideia naquele momento, de modo que deixei a bolsa na lança e me tirei a

destroçada jaqueta com uma chicotada de dor. O Top estava completamente

Page 173: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

empapado de sangue. me tentei tirar isso mas estava pego à pele. Procurei

umas tesouras no armário dos trastes, encontrei umas e tentei cortar os

suspensórios.

As tesouras ficaram incrustadas ao tecido empapado. Lancei uma maldição e

Crest apareceu a meu lado, sua mão sobre as tesouras.

119

— Se lembrança bem, você não tem o Lê—V —disse e a camiseta caiu ao

chão em uma massa pesada e úmida.

Crest se agachou para examinar as marcas irregulares que tinham deixado as

garras em meu estômago.

— São muito graves? —perguntei-lhe.

— Superficiais. Duas lacerações profundas, aqui e aqui. —Embora seu dedo

roçou minha pele com suavidade, não pude evitar fazer uma careta.

— Dói.

— Me imagino. Quer que acompanhe a urgências?

— Não. Há um estojo de primeiro socorros—r sobre a mesa do salão —disse.

Com aquele tipo de magia, um estojo de primeiro socorros de regeneração era

tão útil como um médico de conjuros. Custava um olho da cara, mas valia a

pena. E sua magia curava virtualmente sem deixar cicatrizes. Crest me olhou.

— Está segura? Poderíamos costurá-lo em pouco tempo.

— Estou segura.

partiu em busca do estojo de primeiro socorros—R. O problema com os

tratamentos regenerativos era que, às vezes, como ocorria com todo o

Page 174: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

relacionado com a magia, voltavam-se contra um e acabavam consumindo a

ferida em lugar de curá-la.

Desfiz-me das calças, a roupa interior e o prendedor de caminho ao banho e

me meti na ducha. A água se levou o sangue. Doía-me o estômago. Quando o

sangue deixou de acumular-se a meus pés, apaguei o grifo e gritei ao Crest

que entrasse. Fez-o, com o cilindro de papel marrom na mão.

— Sabe como se aplica? —perguntei-lhe.

— Sou doutor em medicina.

— Alguns doutores em medicina não querem saber nada dos tratamentos

regenerativos.

— Não me deixa muitas mais opções –disse—. Levanta os braços.

Levei-me as mãos à cabeça e recitei o conjuro. Crest desatou a corda que

mantinha unido o papel e o desenrolou. Continha uma vendagem e uma tira

larga e larga, melada com um ungüento marrom e coberta com um papel

encerado. Crest retirou o papel e agarrou a cinta pelos extremos. Segui

recitando. O ungüento obedeceu e começou a liquidificar-se. Um aroma intenso

a noz moscada se estendeu pela habitação. Crest aplicou a cinta,

pressionando-a contra meu estômago. Esta se aderiu a ele e uma fresca

sensação relaxante se estendeu por meus músculos, transformando-se

lentamente em uma sensação cálida que se difundiu por meu estômago e

sufocou a dor.

— Melhor —murmurei. Crest me enfaixou a cintura. Depois de um dia

exaustivo de trabalho, aquele homem aparentemente normal percorria meia

cidade só para ver-me. por que?

120

O que se sentiria ao retornar a casa depois de um dia duro de trabalho e, em

lugar de me lamber as feridas sozinhas em uma casa escura e vazia,

encontrava a ele? Talvez sentado no sofá. Lendo um livro. Possivelmente o

Page 175: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

deixaria sobre a mesa e me diria: «Me alegro de que o tenha conseguido. Quer

um café?»

Sua mão roçou a tatuagem de meu ombro.

— por que um corvo?

— Em lembrança de meu pai.

Seus dedos seguiram deslizando-se brandamente por minha pele.

— A inscrição que há debaixo, está escrita em cirílico?

— Sim.

— O que põe?

— Dar Vorona. Presente do Corvo. Sou o presente de meu pai.

— Para quem?

— Essa, querido doutor, é outra história.

— O corvo leva nas patas uma espada sangrenta —disse Crest, pensativo.

— Não hei dito que fora um presente agradável. —Terminou de me enfaixar e o

examinou atentamente.

— Sabe que estas coisas são pouco confiáveis, verdade? —Sua voz se viu

acentuada por uma nota de recriminação.

—Funciona onze de cada doze vezes. Diria que isso é mais confiável que

conseguir um orgasmo em uma entrevista às cegas e as mulheres seguem

tentando-o.

Crest piscou e riu fracamente.

— Nunca sei o que vais dizer a seguir.

— Eu tampouco.

ficou em pé e me rodeou com os braços. Que agradável. Resisti o impulso de

me recostar sobre ele.

Page 176: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Tem fome?

— Muchísima —murmurei.

— A comida deve estar fria.

— Não me importa.

Beijou-me no pescoço. O roce de seus lábios provocou uma cálida quebra de

onda que se extinguiu na ponta dos dedos dos pés. Girei a cabeça e voltou a

me beijar, esta vez nos lábios. Estava tão cansada... Desejava me fundir contra

seu corpo e permitir que me abraçasse.

— Está tentando te aproveitar de uma mulher ferida e nua.

— Sei —me sussurrou no ouvido, me atraindo para ele—. É terrível.

Por favor, não te solte. O que estou fazendo? De verdade estou tão

desesperada? Respirei fundo e me separei dele com delicadeza.

121

— Tenho que acabar o trabalho. Não acredito que você goste de vê-lo.

— Deixa-o para depois —sussurrou e me beijou de novo. Em lugar de me

desfazer dele, me acurruqué entre seus braços. Não havia nada que desejasse

mais que aquilo, estar junto a ele, cheirar o aroma de sua pele, sentir seus

lábios em meus... Mas então a cabeça do vampiro perderia o último rastro de

magia e Derek e eu teríamos sangrado por nada. Pobre Derek.

— Não —disse com uma careta no rosto—. Seria muito tarde.

— Primeiro o trabalho, não?

— Esta noite. Não sempre.

— Ficarei vendo-o —disse ele.

— Você não gostará, confia em mim.

Page 177: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— É parte do que faz. Quero vê-lo.

por que? Encolhi-me de ombros e fui ao dormitório a procurar um pouco de

roupa. Crest não me seguiu.

Dispus uma bandeja de prata sobre a mesa da cozinha. Apoiada sobre quatro

patas, a bandeja ficava a uns sete centímetros da superfície da mesa. Greg

tinha uma excelente seleção de ervas em seu apartamento. Depois das

combinar na proporção exata, distribuí a mescla aromática sobre a bandeja até

cobrir completamente o metal. Crest estava sentado em uma cadeira, em um

rincão da cozinha, me observando.

Afrouxei a corda da bolsa, extraí a cabeça e coloquei a monstruosidade sobre a

mescla, equilibrando-a sobre o instável pescoço.

— Que demônios é isso?

— Um vampiro —disse.

— Vi fotografias e não se parecem em nada a isso.

— Este é muito velho. Calculo que tem um par de séculos. A não—morte

provoca certas transformações anatômicas. Algumas são imediatas e outras

demoram mais tempo em desenvolver-se. quanto mais velho é o não—morto,

mais evidentes som as transformações. Um vampiro nunca termina de evoluir.

É um pesadelo em progresso. —Embora era algo que não deixava de me

inquietar, já que faz duzentos anos, quando a tecnologia estava em pleno

auge, os vampiros não teriam que ter existido. Nem minha educação nem

minha experiência me ofereciam uma explicação plausível à existência daquela

monstruosidade, de modo que o deixei a um lado para futuras elucubraciones.

Fiz-me com um recipiente profundo de vidro, como o que se utiliza para assar a

lasaña, situei-o frente à bandeja e ligeiramente por debaixo desta e verti nele

duas quartas partes de glicerina. O líquido transparente e viscoso encheu o

recipiente e se estabilizou.

122

Page 178: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Desencapei uma de minhas adagas. Crest sorriu ao ver a folha negra.

— Curioso.

— Sim.

Aquilo não ia ser agradável e tampouco era o tipo de magia ao que estava

acostumada. Algo dentro de mim se rebelou, um pouco nascido dos ensinos de

meu pai e de minha própria visão do mundo e do lugar que ocupava nele.

A cabeça descansava sobre o leito de ervas. dentro de uma hora não serviria

para nada.

Cravei-me um dedo com a ponta da adaga. Uma gota de sangue brilhante

brotou através da pele. O poder a fazia palpitar e deixei que caísse sobre as

ervas. O poder do sangue as alagou, atuando como catalisador, fundindo,

dando forma, moldando a força natural das novelo seca. E então se elevou

através do coto do pescoço, estendendo-se pelos capilares do rosto,

envolvendo o cérebro, saturando a carne morta. Eu o guiei, ajudei-o, até que a

cabeça ao completo ficou alagada de magia. Toquei com o dedo a grosa pele

da frente do vampiro, deixando uma mancha de sangue e enviando uma

pulsação de poder através da carne não—morta.

— Acordada!

Os olhos extintos se abriram de repente. A horrível boca se abriu e se fechou

sem emitir som algum, contorsionándose com uma elasticidade impossível.

Crest caiu da cadeira.

O vampiro cravou seus imperturbáveis olhos em meus.

— Onde está seu senhor? mostre-me isso A cabeça despediu magia negra,

saturando a habitação com ela. inchou-se, feroz e cruelmente, como um animal

selvagem preparado para atacar. No rincão, Crest deixou escapar o fôlego

entrecortadamente.

Um tremor sacudiu a cabeça. Os globos oculares se saíram de suas órbitas. A

língua negra, larga e plaina, pendurou de entre os lábios de réptil e os afiados

dentes a atravessaram sem verter nenhuma gota de sangue. Empalada nos

dentes, a língua se ergueu obscenamente. Empurrei com todas minhas forças,

impondo o peso de meu poder sobre a resistente nigromancia.

— me mostre a seu senhor!

Page 179: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Os olhos do vampiro se cobriram rapidamente de uma substância vermelha.

Duas espessas correntes de sangue escuro começaram a emanar do que em

outro tempo foram os condutos lacrimais. O sangue se abriu passo por suas

bochechas e caiu sobre as ervas, mesclando-se com a corrente de sangue que

brotava do pescoço seccionado. O pestilento sangue empapou as ervas e se

precipitou sobre a glicerina, formando uma mancha irregular e irada sobre sua

superfície.

123

O sangue se obscureceu até adquirir uma tonalidade virtualmente negra, e nela

distingui a imagem distorcida mas inconfundível de um arranha-céu com o

logotipo circular da Coca Cola médio enterrado entre os escombros.

O distrito do Unicórnio. Os ossos do crânio rangeram como a quebrasse de

uma noz ao partir-se. A carne começou a separar do rosto, caindo sobre as

ervas em largas tiras. A exposta massa gelatinosa do cérebro brilhou através

do crânio fraturado. A cozinha se encheu de um fedor putrefato.

Cobri a cabeça com uma bolsa de lixo e dava a volta à bandeja, enviando a

cabeça e as ervas ao interior da bolsa. Atei-a e a deixei em um rincão. O

sangue na glicerina se coagulou, convertendo-se em uma asquerosa massa

pútrida. Esvaziei-o tudo na lança.

Crest se esfregou a cara.

— Avisei-te. Assentiu.

Lavei-me as mãos e os braços até o cotovelo com sabão perfumado e me dirigi

ao salão detrás me deter comprovar como estava Derek. Dormia como um

bebê. Sentei-me no sofá, recostei-me e fechei os olhos. Aquele era o ponto

onde a maioria dos homens corriam para ficar a coberto.

Page 180: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Permaneci tombada, descansando. O apetite sexual tinha desaparecido, e

naquele momento o desejo que havia sentido me pareceu irreal, etéreo como

um sonho médio esquecido.

Ouvi como Crest entrava no salão e se sentava a meu lado.

— Assim que dedica a isto disse.

— Sim.

Permanecemos em silêncio uns segundos.

— Posso viver com isso —disse ele.

Abri os olhos e lhe olhei. Ele se encolheu de ombros.

— Não quero voltar a vê-lo, mas posso viver com isso. —inclinou-se para

diante, apoiando os ombros nos joelhos—. Alguma vez conheceste a alguém e

há sentido...? Não sei como descrevê-lo... Há sentido que te escapava algo?

Não sei...

Esquece-o.

Sabia a que se referia. Estava descrevendo o momento em que te dá conta de

que está sozinho. Durante um tempo pode estar sozinho e as coisas vão bem e

nunca te detém pensar que poderia viver de outro modo e então conhece

alguém e de repente se sente sozinha. É algo que te golpeia, quase como uma

dor física, e se sente vazia e triste ao mesmo tempo; vazia porque desejas

estar com essa pessoa e triste porque não pode suportar sua ausência.

124

É um sentimento estranho, muito parecido ao desespero, um sentimento que te

faz esperar junto ao telefone até que sabe que ainda falta uma hora para que te

chame. Não estava disposta a perder meu equilíbrio. Ainda não.

Page 181: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Aproximei-me dele e apoiei a cabeça em seu ombro. Ambos sabíamos que o

sexo ficava descartado.

— Importa-te se fico de todos os modos? —perguntou-me.

— Não.

Dormi recostada nele.

Page 182: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

125

Capitulo 6

Despertei porque alguém me estava observando.

—Sabe que é de má educação olhar a alguém desse modo, menino maravilha?

Derek olhou ao Crest com desdenho. O menino maravilha levava postos umas

calças que não reconheci. Não tinham saído do armário do Greg, portanto,

devia ter saído do apartamento. Exatamente aonde tinha ido? Durante a noite,

tínhamos adotado uma posição aproximadamente reclinada e estava tendida

sobre o peito do Crest. Incorporei-me.

—Não te parece bem? Derek negou com a cabeça.

—Não é meu assunto.

—em que pese a tudo, não te cai bem, verdade?

—Ele e você... —Fez um gesto com as mãos, os dedos estendidos mas sem

chegar a tocar os da outra mão—. Não acabam de encaixar.

Page 183: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—por que não?

—Você é mais dura que ele.

—E o que tem isso de mau?

—supõe-se que o homem deve ser o mais forte dos dois. Para proteger.

—Crie que necessito que alguém me proteja? —O tom ameaçador apareceu

sem pretendê-lo.

—Nunca te dirá que não —disse Derek.

Olhei-lhe fixamente até que baixou o olhar.

—Muito pouca gente me diz que não —lhe disse.

—Sei.

—Como está sua perna?

—Bem.

—saíste enquanto dormia?

—Se. A dar uma volta.

—Possivelmente deveria dar outra.

partiu sem dizer uma palavra e despertei ao Crest.

—Hora de ir.

esfregou-se a cara com a palma das mãos.

—Fiquei-me dormido?

—São seis e meia.

Page 184: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

126

—O tempo justo para chegar a casa e me trocar de roupa. Quando voltarei a

verte? Pensei no logotipo da Coca Cola médio enterrado entre os escombros e

no vampiro de duzentos anos. Talvez nunca.

~Que tal na sexta-feira? nos dê um par de dias para nos recuperar.

—Então, até na sexta-feira.

partiu. Não voltou a me beijar.

BISBILHOTEI NA vasilha de papel que continha o frango General Tso e toquei

uma parte com a ponta do dedo. Estava a temperatura ambiente. Passou-me

pela cabeça a idéia de vertê-lo em uma frigideira e levá-lo a uma temperatura

que o fizesse comestível, mas esquentá-lo ao fogo abrandaria as verduras e

odiava profundamente a comida reaquecida. Meu pai, um crente convencido

das propriedades nutricionais das verduras fervidas e do caldo de carne,

estava acostumado a preparar extraordinárias sopas quentes. Frente a meus

olhos passou a lembrança fugaz de seu rosto me olhando com angústia

enquanto me entravam arcadas ao comer couve abrandada e cebola médio

disolvida. Sorri à vasilha e agarrei um garfo da gaveta da cozinha. De todos os

modos a comida quente estava sobrevalorada.

Cravei uma parte de frango com a ponta do garfo, evitando cuidadosamente o

grumo de pimiento verde. De repente, estava faminta.

Alguém bateu na porta.

Detive-me com o garfo a metade de caminho da boca e fiquei olhando a porta.

Os golpes se repetiram. Não era Derek. Ele tivesse chamado mais

brandamente, quase desculpando-se. Aquele bastardo chamava como se

estivesse me fazendo um favor. Olhei o frango, levantei a vista de novo à porta,

introduzi-me na boca uma parte grande de frango e decidi averiguar quem se

atrevia a profanar meu tempo livre. A porta se abriu de repente e Batalham

apareceu na soleira. Levava postos uns velhos nos cubra e uma sudadera

verde, e com a mão sujeitava uma bolsa de papel marrom. Levantou a cabeça

e aspirou ar pelo nariz, como revestem fazer os cambiaformas.

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—Tso, delícias de fruto do mar e arroz frito —disse—. vais compartilhar o?

Apoiei-me na parede. Embora a porta estava aberta, a barreira ainda lhe

impedia o passo, me oferecendo um instante de prazer.

—Ah, é você. —Introduzi o garfo no recipiente—. Pensei que era alguém

importante

Batalham deu um passo adiante, roçando o conjuro.

Uma chama carmesim fez vibrar a barreira mágica e o senhor dos

cambiaformas se separou dela.

127

—Um conjuro—disse ele.

—E um muito bom.

Apoiou a mão na barreira e empurrou. Uma luz vermelha brotou de seus

dedos, estendendo-se pela barreira como as ondas que produz um calhau ao

ser arrojado a um lago em calma.

—Posso rompê-lo —disse Batalham. Arqueei uma sobrancelha.

—Adiante.

Os cambiaformas dispõem de uma resistência natural às barreiras mágicas, de

modo que sua promessa tinha certa credibilidade. Mesmo assim, tinha-me

encarregado pessoalmente de reforçar todos os conjuros do Greg. Se

Batalham conseguia rompê-la, a ressonância do colapso me provocaria uma

enxaqueca considerável, embora duvidava que o conseguisse. Era um bom

conjuro.

Batalhem o pensou um instante. Pude-o ver em seus olhos e, por um

momento, pensei que o faria. Mas, finalmente, encolheu-se de ombros.

Page 186: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Posso rompê-lo ou podemos nos comportar civilizadamente e me deixar

entrar. Cansado de demonstrações de poder, Sua Majestade? Retirei o

conjuro. Uma quebra de onda chapeada se deslizou da parte superior da porta

até dissipar-se no chão.

—Entra.

Avançou a grandes pernadas para a cozinha e se deteve metade de caminho

com um gesto de repulsão no rosto.

—Que demônios tem na despensa? Um vampiro morto?

—Não. Solo a cabeça. —Tinha assegurado a bolsa com dois nós e, mesmo

assim, ele podia cheiraria.

Sentei-me no bordo da mesa e assinalei com a cabeça as vasilhas de cartão.

—te sirva você mesmo. Há arroz frito por algum lado.

Deixou a bolsa de papel no chão, agarrou um recipiente idêntico a outros,

aceitou a colher que lhe ofereci e o abriu.

—Ervilhas —disse com cara de asco—. por que demônios têm que pôr sempre

ervilhas?

—me diga, o que te traz por aqui a estas horas?

Utilizou a colher para extrair as ervilhas com esmero e atirá-los ao lixo.

—ouvi que tem algo.

—Menino maravilha se dedurou?

—Sim.

—Quando? Esta manhã? Batalham assentiu.

—É parte do juramento de sangue. Por exemplo, se acabasse com a perna

feita mingau, sua obrigação seria nos alertar de que já não pode te proteger

com todas suas habilidades. Alguém tinha que vir e avaliar a situação.

128

Page 187: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Desde quando esse «alguém» é você? Não tem a um montão de galos de

briga dispostos a fazer o trabalho por ti?

—Queria comprovar como estava o menino.

—Ontem de noite tinha a perna como se a tivesse metido em um triturador.

Não me deixou examinar-lhe mas acredito que o osso está intacto. —O corpo

de um cambiaforma cura as feridas na carne em um par de dias. Os ossos

demoravam um pouco mais.

Batalham tragou uma colherada de arroz.

—Suponho que sim. É jovem. É importante te mostrar estóico quando é jovem.

Não lhe jogou a bronca, verdade?

—Não. Voltará coxeando dentro de pouco.

—vais mostrar me o que lhe destroçou a perna?

—Quando acabar de comer.

—Problemas de estômago?

—Não. É um coñazo voltar a fechar a bolsa.

Alguém golpeou a porta brandamente, com moderação, e nos interrompeu. fui

abrir a porta e deixei entrar no Derek. Assim que viu batalham, deteve-se. Não

ficou exatamente em posição de firmes, mas pouco lhe faltou. Batalham lhe

indicou com um gesto que se aproximasse e Derek apartou uma cadeira pelo

caminho. Olhei a Batalham.

—Fica arroz? —pinjente.

Escolheu outro recipiente e me passou isso. Abri-o e o empurre em direção ao

Derek.

—Come. Derek esperou.

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Devia estar faminto. A quantidade de calorias que consumia seu organismo

para reparar-se a si mesmo assegurava que começasse a salivar com o

simples feito de ver comida.

—Derek, come —pinjente.

Sorriu e continuou impertérrito.

Algo não encaixava. Olhei a Batalham e some dois mais dois.

—Esta é minha casa.

Ambos me olharam com a expressão paciente que os tradicionalistas

japoneses adotam quando um estúpido gajin lhes pergunta por que se tomam

tantas moléstias para tomar uma simples taça de chá.

—Não comerá até que lhe diga que o faça ou até que eu tenha terminado —

disse Batalham—. Não importa na casa de quem estejamos.

129

Deixei o frango sobre a mesa e me cruzei de braços. Poderia discutir com ele

até acabar com o rosto arroxeado mas não teria servido de nada. Os lobos de

fila inferior não se alimentavam ante a presença do Rei da Manada. Era parte

do Código. Viviam segundo suas regras ou perdiam sua humanidade.

Batalham se levou outra colherada à boca e a mastigou com parcimônia. Derek

não moveu nem um músculo. Senti um impulso quase insuportável de golpear

a Batalham. O Senhor das Bestas arranhou o fundo do recipiente, lambeu a

colher, alargou um braço e agarrou o arroz do Derek, substituindo-o pela bolsa

de papel marrom que havia trazido com ele. Derek olhou no interior da bolsa e

extraiu um pacote envolto em papel encerado e pacote com uma corda.

Desatou a corda e abriu o pacote: um chuletón de dois quilogramas.

Page 189: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Batalham ergueu a cabeça repentinamente em direção ao corredor.

—Não faça um espetáculo.

Derek ficou em pé, agarrou a carne e desapareceu nas profundidades do

apartamento. Olhei a Batalham.

—Eu gosto do arroz frito —disse encolhendo-se de ombros. Deslizou a colher

sob as presilhas de papel do outro recipiente de cartão, abriu-o e procedeu a

retirar as ervilhas.

Desde algum lugar do apartamento, chegou-nos o som gutural de um

depredador alimentando-se.

—Não faça tanto ruído —disse Batalham sem levantar a voz. Os grunhidos

cessaram.

—O que tem?

O resumi, terminando com a cabeça do vampiro. A carne não—morta se

liquidificou durante a noite, convertendo-se em uma massa putrefata e negra. O

fedor a decomposição era tão intenso que quando abri a segunda bolsa de lixo

tanto eu como o Senhor das Bestas tiveram que conter as náuseas de um

modo muito pouco digno. Batalham jogou uma olhada ao distorcido crânio e

voltou a fechar a bolsa.

—Teríamos que havê-lo feito antes de comer —comentou quando terminamos

de assegurar a cabeça.

—Sim. —Abri a janela

e uma fresca rajada de vento

entrou

em

a cozinha.

—Pensa te ocupar de

isto sozinha? Sem ninguém que lhe

cubra

as

costas?

—Sim.

Page 190: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Informará à polícia?

Fiz uma careta. Tinha-lhe estado dando voltas a aquilo desde que despertei. Ir

à polícia significava envolver à Divisão de Atividade Paranormal, e assim que a

Divisão enviasse a preceptiva notificação a UDPE, os militares tentariam

participar e comer-se eles sozinhos o bolo. A Divisão reclamaria sua jurisdição

e todo o assunto se alargaria durante dias.

130

Por então, meu amigável némesis poderia ter desaparecido ou, ainda pior,

poderia haver-se feito com o controle da Nação. O fato de dispor de um montão

de hipóteses e de uma estranha cabeça não faria abandonar às autoridades a

rivalidade entre departamentos e ir em minha ajuda.

O Grêmio não me respaldaria. Não havia dinheiro de por meio, e se ia à Ordem

com a história de um casulo que estava tentando iniciar uma guerra entre a

Manada e a Nação pilotando a um vampiro de duzentos anos, Ted me

separaria do caso antes de poder sequer pestanejar. Por outro lado, tentar

enfrentar-se a um Senhor dos Mortos sem ajuda era um suicídio. Eu gostava

do risco, mas nem tanto. Dava-me conta de que Batalham me estava

observando.

—Não sei—lhe disse.

—Posso resolver o problema por ti —disse ele. Estava-me oferecendo os

recursos da Manada. Tivesse sido uma loucura rechaçar sua oferta.

Arqueei uma sobrancelha.

—por que?

Page 191: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Porque tenho a sessenta e três ratos que faz três dias enterraram a seu alfa.

Após não deixaram que exigir sua vingança de sangue, e eu não pude fazer

muito mais que estar sentado e me arranhar os ovos.

—É um grande risco só para manter as aparências. Batalham se encolheu de

ombros.

—O poder é pouco mais que aparência. Além disso, quem sabe? Uma vez

nevou em maio, assim poderia ter razão. Deixei que a ceva se inundasse.

—E se não?

—Então, ao menos o terei tentado. Embora de um modo algo estranho, tinha

sentido.

—Quem virá?

—uns quantos.

—Jim?

—Não.

—Por o que?

—Porque alguém do Conselho deve ficar para manter unida à Manada se

morrer. O lobo alfa está ferido, e Mahon ficou a última vez. O novo alfa dos

ratos não tem suficiente experiência.

—O que lhe ocorreu ao lobo alfa?

—LEIGOS.

—Leigos? —Soava a grego mas não recordava nenhuma criatura mitológica

com aquele nome. Não era uma ilha?

131

Page 192: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Levava um montão de roupa ao porão e escorregou ao pisar em uma peça

de LEIGO que seus filhos deixaram nas escadas. rompeu-se duas costelas e

uma perna. Estará fora de jogo durante duas semanas. —Batalham meneou a

cabeça—. escolheu o pior momento. Se não lhe necessitasse, mataria-lhe.

CHEGUEI AO EDIFÍCIO da Coca Cola sem incidentes e me ocultei sob o nicho

em sombras de uma cabine Telefónica abandonada, a meia cale do ruído

arranha-céu. O logotipo estava parcialmente enterrado entre os restos do que

devia ter sido um edifício magnífico para seu tempo; inclusive agora seu

esqueleto ocupava toda a maçã. Solo tinham acontecido dez anos desde sua

construção quando a quebra de onda, uma flutuação mágica especialmente

poderosa, derrubou-o.

Não via os cambiaformas por nenhum lado. Ao outro lado da rua, um edifício

saqueado surgia do chão entre montanhas de cristais poeirentos que

chegavam à altura da cintura. Um bom lugar para ocultar-se. Custou-me um

minuto encontrar uma greta no muro esmiuçado. Passei através dele com

dificuldade para encontrar um grupo de ferozes olhos me observando.

Estavam preparados para a batalha. Línguas rosadas e negras lambiam fauces

desencaixadas e dente protuberantes, e poderosas garras produziam sons

ásperos no chão de cimento. Oito pares de olhos rastreando em busca de uma

presa, sedentos de sangue.

O instinto

primitivo

por mim

subconsciente

uivou

e

gritou

de

terror.

—Ah, é

você —disse

Batalham em

voz baixa—.

Acreditava

que

era

um

Page 193: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

elefante.

—Não lhe faça caso —murmurou uma silhueta esbelta da esquerda—. Nasceu

sendo grosseiro. —Uma fêmea lobo em forma intermédia. Aquilo raiava o

descaramento. Ou era seu casal principal ou a alfa fêmea dos lobos.

A minha esquerda, um lanzudo urso Kodiak se elevou sobre suas patas

traseiras, uma montanha escura de cabelo e músculo, o focinho coberto de

velhas cicatrizes. Mahon se tinha transformado completamente. A seu lado,

também se levantou algo colossal de quase dois metros e meio de altura. Com

um aspecto vagamente humanoide, apoiava-se em duas pernas peludas que

mais pareciam duas colunas. Todo seu corpo estava esticado por uns

músculos poderosos, e uma juba desgrenhada e cinzenta coroava sua cabeça

e a nuca de seu poderoso pescoço. Umas largas estrias lhe cruzavam o peito,

apagadas como as linhas cinzas na pelagem das panteras.

Levantei o olhar para observar seu rosto e o poder acumulado em seus olhos

dourados me cravou ao chão. O pêlo de minhas extremidades se arrepiou. Não

podia me mover. Poderia me haver golpeado e eu não tivesse podido fazer

nada por evitá-lo. Os titânicos músculos de seu pescoço sobressaíram quando

moveu a cabeça para um lado e depois ao outro. As almofadinhas de seu lábio

superior se separaram, revelando uns caninos de sete centímetros de

comprimento.

132

O monstro se lambeu os lábios, fazendo vibrar uns largos bigodes, e falou com

um rugido gutural:

—Sou formoso, verdade?

Batalham. Em forma intermédia. Apartei o olhar.

—Adorável.

O pesadelo assentiu de um modo quase imperceptível e um homem—rato se

escabulló com agilidade sobre-humana, saltou e se agarrou ao muro nu.

Page 194: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Continuou subindo até a greta situada a uns três metros do chão e se

introduziu por ela. O explorador saía da toca.

Batalham se deu a volta e avançou para o muro, onde uma larga fissura

percorria um dos flancos do ruído edifício. Uma garra peluda golpeou a

desmoronada barreira e o muro estalou para o exterior, enchendo a rua de

cimento e pó. O Rei das Bestas se agachou para passar pela abertura que ele

mesmo tinha aberto e o resto lhe seguimos, a fila da um.

BATALHAM SE DETEVE. A sua esquerda, o urso lhe imitou com um ruído

surdo. A sua direita, Jennifer, a fêmea de lobo alfa, apoiou cuidadosamente

uma garra nos entulhos e ficou imóvel. Permanecemos em silêncio, uma

coleção de estrambóticas estátuas no pátio traseiro da Gorgona, esperando

algo que eu não podia ver nem ouvir.

O fedor a morte era insuportável.

Estávamos em um vestíbulo, o chão de ladrilhos em outro tempo gentil agora

um caos poeirento de sujeira e escombros. Enormes gretas enrugavam as

sujas paredes, rematadas por escuras e irregulares brechas. A minha

esquerda, uma ampla fissura se abria passo até o chão. Diante, o pó e o lixo

sepultavam o que devia ter sido uma esplêndida escada. O novo edifício da

Coca Cola apurava seus últimos suspiros.

Da esquerda me chegou o débil som de umas garras sobre a pedra. Uns olhos

como brasas surgiram da escuridão de uma das gretas no muro de cimento e a

silhueta peluda e lustrosa do homem—rato encheu o espaço e se deixou cair

ao chão. Se os homens—lobo eram pesadelos andantes, os homens—rato

eram diretamente repulsivos. Aquele, magro e desgrenhado, estava

completamente talher de cabelo, salvo a cara, os antebraços e as musculosas

pantorrilhas, onde a pele exposta tinha uma tonalidade rosa pálido e uma

textura suave, cuasi humana. Tinha uns pés e umas mãos enormes, o

resultado de uns dedos largos e nodosos rematados por umas afiadas unhas.

O extremo do disforme focinho de roedor protegia uma boca repleta de

irregulares dentes amarelados.

133

Page 195: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

movia-se a base de espasmos rápidos e entrecortados, e seus olhos humanos

giravam sobre as órbitas para olhar em todas direções.

O homem—rato percorreu a distância que lhe separava de Batalham em

rápidos saltitos, suas patas levantando pequenas nuvens de pó no chão do

vestíbulo.

—Abbajjo —disse, suas horríveis mandíbulas maltratando a palavra—. Grande

sala. Entregou-lhe a Batalham algo branco. O Senhor das Bestas tomou o

objeto em seu enorme emano e o lançou em minha direção. Apanhei-o ao vôo.

Um fêmur humano. Algo com dentes afiados e muita paciência tinha separado

a cartilagem que selava seus extremos, deixando marcas profundas no haste.

Dava-me a volta, tentando examiná-lo à escassa luz que se filtrava através das

fissuras nas paredes e do instável arco da entrada. O osso estava recubierto

em dois pontos por tecido conectivo suave e reluzente: a prova de que o Lê—V

tinha tentado unir o osso depois de que este se quebrado. Tinha entre as mãos

o osso de um cambiaforma.

O homem—rato voltou a percorrer o vestíbulo em direção ao orifício no chão e

o resto lhe seguimos. A brecha tinha uns três metros de comprimento por

noventa centímetros de largura na zona mais ampla. Inclinei-me sobre o bordo

e joguei uma olhada ao interior. Havia uns dezoito metros até o piso inferior,

sem nada que entorpecesse a queda. detrás de mim, o Urso emitiu um som

gutural. Batalham assentiu e o enorme Kodiak deu meia volta. Não cabia pelo

orifício.

um após o outro, todos os cambiaformas se internaram pela ranhura até que

fiquei sozinha junto ao bordo. Sentei-me no chão sujo, balançando as pernas

no buraco, baixei tudo o que pude para reduzir a distância e me deixei cair. A

forte sacudida ao aterrissar sobre o chão de pedra ressonou em meus pés e se

extinguiu. Não me esperava ninguém. Os cambiaformas se partiram. Muito

amável por sua parte.

Frente a mim, um comprido túnel, estreito e sumido na escuridão, oferecia um

débil resplendor em seu extremo mais afastado. detrás de mim, os restos de

um estacionamento subterrâneo se estendiam na distância. Dava-me a volta e

me encaminhei com cautela e passo ligeiro para o túnel, sorteando os pedras

brutas de cimento disseminados pelo chão.

Page 196: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O túnel terminava em uma ampla habitação da que pouco pude distinguir

porque diante de meu se interpunha uma parede de cabelo e costas

musculosas. O quente resplendor procedia de uma série de tochas dispostas

sobre cabos nas paredes. Ardiam com um fogo branco sem fumaça que devia

ser de origem mágica. O teto era impossivelmente alto, e estava decorado com

gesso moldado, formando desenhos ornamentais.

134

Em algum tempo indeterminável, o estou acostumado a deveu ser de parqué.

uma espécie de salão de banquetes.

Uma mulher falou com uma voz gritã e ligeiramente metálica.

—Bem-vindos ao final de sua viagem, mestiços. Aqui morrerão como o resto de

sua espécie.

Mestiço? Uma expressão um tanto estranha para referir-se até cambiaforma.

Coloquei-me junto à Jessica e pude ver o Senhor dos Mortos. Ou, melhor

dizendo, à Senhora. Estava de pé em metade da habitação, reta e rígida como

um mastro, embainhada em um vestido comprido e solto que começava sendo

branco ao redor dos ombros, transmutando-se em azul à altura da cintura,

obscurecendo-se até o violeta e terminando em vermelho sangue nos baixos.

Levava o cabelo, comprido e de um negro reluzente, recolhido em uma

elaborada trança e maço com um comprido corda fibrosa. Uma cascata de

pequenos miçangas de plástico penduravam da corda. Fixei-me melhor.

Provavelmente não eram de plástico. Não havia muita gente que fizesse

miçangas de plástico em forma de dedos humanos.

Não captei nenhum tipo de poder que emanasse dela. Nenhuma sombra,

nenhum indício, nada. Salvo sua idade. Parecia mais velha que Nataraja.

—Meu nome é Olathe —disse com a mesma gravidade que os deuses gregos

deviam utilizar para apresentar-se ante esquecida e descartada, como uma

roda usada. Nenhuma recompensa atrás de todos esses anos. Olathe

retrocedeu.

Page 197: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—tive seu corpo dentro do meu. provei sua carne e ele me entregou a bênção

de seu poder.

Tecnicamente, aquilo podia ser certo. Se tinham intercambiado os líquidos

corporais, podia ter adquirido algum de seus poderes.

—A bênção de seu poder —riu Batalham, e o eco de seus grunhidos se

dispersou pelas paredes—. Algum filho? Olathe permaneceu em silêncio.

—Ah, espera —disse Batalham—. O tinha esquecido. O Pai da Nação não se

sente muito inclinado a engendrar filhos de seu mesmo sangue. Ou

possivelmente pensava que não dispunha do poder necessário?

Ela começou a rir. O som oco e grave ricocheteou nas paredes, dando a

impressão de que chegava de todas partes ao mesmo tempo.

—OH, não, mestiço. Precisamente disso não ando escassa.

Suas defesas caíram. Percebi as sombras a suas costas, enfurecido-los e

famintos vampiros, mais jovens que o exemplar que tinha decapitado mas

igualmente formidáveis. A magia negra lhes envolvia como um manto putrefato,

alimentando seu frenesi.

Olathe pronunciou uma só palavra discordante e os fantasmas detrás dela

emergiram das sombras, emprestando a cadáver e famintos de sangue.

135

Os cambiaformas se colocaram em formação de combate, me deixando no

centro da habitação. O bate-papo de Batalham nos tinha permitido avançar uns

seis metros, e a carga dos vampiros se produziu a uma velocidade

assombrosa. Atirei-me ao chão e o primeiro vampiro voou por cima de mim.

Girei sobre mim mesma para me pôr de costas. Outro vampiro saltou sobre

mim. Minha espada penetrou a carne de seu contraído estômago. Um sangue

negro emanou a fervuras, molhando o chão a escassos centímetros de minha

Page 198: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

cabeça. O vampiro se equilibrou sobre Batalham fazendo caso omisso da

ferida. O Senhor das Bestas rugiu. Feliz caçada.

Pu-me em pé de um salto e me lancei em direção ao Olathe, quem se deu a

volta com uma afiado faca em uma mão. Com a folha curva se fez uma incisão

no antebraço. O poder de seu sangue me golpeou e retrocedi, enjoada. Girou

sobre si mesmo, seu cabelo ondeando, seus olhos selvagens e protuberantes.

O sangue que emanava da ferida saiu projetada em todas direções, formando

um amplo círculo no chão. As gotas carmesim prenderam e um muro de

chamas vermelhas se elevou a seu redor, encerrando-a em um círculo mágico

de amparo. Uma barreira de sangue. O único modo de atravessá-la era com o

sangue de um familiar ou com uma magia entristecedora. Mierda.

Um vampiro me golpeou pelo flanco. agarrou-se para mim e seus fauces

tentaram fechar-se em minha carne enquanto nos deslizávamos pelo chão.

Senti uma dor intensa no estômago. Outra vez não! A magia em meu interior

começou a transbordar-se. Empunhei a Assassina com uma mão, fazendo

caso omisso da queimadura, e a afundei ao vampiro em um de seus pálidos e

mortos olhos. Assassina emitiu um vaiou, triunfante, e o vampiro se desabou

no chão e começou a retorcer-se. Desfiz-me dele de uma patada. Outro

monstro se equilibrou sobre mim. Dava um passo lateral, investi e lhe rasguei o

pescoço com a ponta da espada. O vampiro se deu a volta e me cravou as

unhas na pantorrilha. Golpeei-lhe com Assassina na garganta, seccionando as

artérias e lhe fatiando os ossos do pescoço. A boca do vampiro se abriu

completamente e dela emanou sangue. O propiné um chute na perna e o osso

se partiu com um rangido. O vampiro caiu sobre seu estômago, sacudindo-se.

Liberei a espada e procurei o Olathe com o olhar. detrás de mim, o último

suspiro da magia do vampiro se dissipou no ar.

Um terceiro chupasangre saltou sobre mim com sua horrível boca totalmente

aberto. A folha de minha espada penetrou limpamente em seu peito, abrindo-se

passo brandamente entre suas costelas até o protuberante saco do coração, e

voltou a sair antes de que seu corpo tocasse o chão. Continuei avançando.

A sala estava coberta de sangue. Os cambiaformas lutavam de dois em dois,

com movimentos coordenados e precisão militar.

136

Page 199: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Em uma esquina, dois corpos peludos estavam tendidos no chão, e Batalham

de pé, a seu lado, acossado por três chupasangres.

Vi o Jennifer e a alguém com franjas similares às de um leopardo lutando

costas contra costas, rodeados por quatro vampiros. Jennifer se agachou e

golpeou ao primeiro, lhe rasgando com suas garras um flanco e tirando a

superfície o fragmento sangrento de uma costela. Seu companheiro caiu sobre

o chupasangre e lhe rasgou o pescoço. Mais vampiros se formaram

redemoinhos a seu redor.

Ninguém me dedicava a mais mínima atenção. Naquela batalha de monstros,

era uma simples humana. Continuei me movendo.

este parede começou a sacudir-se e uma nuvem de gesso se estendeu por

meia sala, deixando o chão coberto de entulhos. Algo enorme arremeteu da

brecha aberta na parede enquanto rugia como um tornado. Carregou com uma

força terrível sobre o grupo de vampiros. O corpo de um vampiro voou pelos

ares e foi a estelar se contra uma das paredes. O vampiro ficou em pé com um

giro mais próprio de um réptil e voltou para a carga. Uma garra colossal o

agarrou em metade do salto e lhe partiu a coluna vertebral como se fora um

ramo seca. O Urso de Atlanta tinha chegado.

A barreira de sangue do Olathe trepidou a seu redor. A Senhora dos Mortos

permanecia detrás do amparo, contemplando a matança que se desenvolvia

ante seus olhos. O sangue que emanava de seu antebraço escorregava até

seus dedos, e destes, jorrava sobre seu vestido. Olhou-me e sorriu. por que

coño estava tão contente?

Continuou rendo, seu rosto iluminado por um regozijo doentio.

—Você gosta do sangue? —grunhi-lhe—. Te mostrarei o que pode fazer-se

com ela.

Fiz-me um corte com Assassina no braço e todos os chupasangres da sala se

detiveram um instante. Reconheciam o sangue, sabiam o poder de quem fluía

por minhas veias. ficaram imóveis, fascinados, rendendo tributo à magia, e

então continuaram arremetendo contra suas vítimas.

Introduzi meu braço ensangüentado no fogo carmesim. Abrasou-me e se

solidificou, gretando-se como um pára-brisa destroçado. O sorriso desapareceu

Page 200: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

do rosto do Olathe. O fogo carmesim se fez pedaços e uma miríade de chamas

diminutas caiu a meus pés. Saltei ao interior do círculo e arremeti contra ela.

Olathe não fez nenhum movimento para evitar minha espada. Fatiou-lhe o

estômago com um murmúrio úmido. Deslizei a folha para cima, lhe fatiando os

intestinos, lhe rachando o fígado. Olathe se afundou mais profundamente na

espada, e em seus olhos distingui a satisfação do reconhecimento. Ela também

conhecia meu sangue. Liberei a folha e deixei que Olathe caísse para frente.

137

desabou-se sobre o sujo chão e ficou de costas, dando baforadas curtas e

roucas. Uma mancha escura cresceu em seu vestido por cima do umbigo e se

estendeu por tudo o tecido. em que pese a possuir uma vitalidade antinatural, a

magia que a sustentava não demoraria para desvanecer-se.

Expulsava-a de seu corpo com cada uma de seus lastimeras baforadas.

Observei como crescia a mancha e minha ira foi desvanecendo-se. O cansaço

se apoderou de mim. Doía-me a pantorrilha e sentia como se alguém me

tivesse arrancado uma parte de estômago.

O fogo de sangue havia tornado a ressurgir assim que penetrei no círculo.

Arderia até que se secasse ou se decompor a última gota de sangue do Olathe.

Ao outro lado da barreira translúcida de chamas cor rubi, o salão de banquetes

reluzia com um vermelho intenso. Tudo estava a ponto de acabar.

Joguei a cabeça para trás para liberar a tensão do pescoço e entendi o motivo

do sorriso do Olathe.

O teto transbordava de vampiros.

Dezenas deles, nus, retorcidos, revolvendo-se obscenamente uns contra

outros, apertados como sardinhas em uma lata. Cobriam de um extremo a

outro todo o teto de gesso, como uma representação medieval do inferno que

Page 201: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

tivesse cobrado vida espontaneamente. E chegavam mais, arrastando-se de

barriga para baixo de uma escura abertura em uma das esquinas.

Quantos deviam ser? Quarenta? Cinqüenta? Cem? Quantos deles eram

anteriores à Transformação, à Magia? Tentei chegar a eles com minha mente e

uma quebra de onda de ódio cego me golpeou. Ao menos vinte.

A manta de não—mortos se retorceu. Uma bonita surpresa que Olathe devia

ter planejado jogar sobre quando nos acreditássemos perto da vitória. Embora

agora não demoraria muito em morrer, liberando-os a todos de seu controle e

abandonando-os a um frenesi de sangue.

Uma horda de famintos chupasangres regidos unicamente pelo desejo

depredador. Morreríamos todos.

Batalham, Mahon, Jennifer. Eu. E a morte se estenderia quando aquelas

monstruosidades percorressem as ruas depois de ter acabado conosco. Ao

outro extremo da habitação, Batalham partiu pela metade a um vampiro e jogou

no chão os fragmentos rasgados.

Centenas de pessoas que agora dormiam tranqüilamente seriam aniquiladas,

obrigadas a contemplar horrorizadas como estripavam a seus próprios filhos.

Ajoelhei-me e afundei a Assassina no peito do Olathe. A carne e as cartilagens

se separaram facilmente ante a folha e, continuando, separei-lhe a cavidade

torácica como se se tratasse de uma armadilha para ursos. A Senhora dos

Mortos emitiu um assobio.

138

Introduzi um braço em seu peito e lhe aferrei o coração com uma mão, forjando

um vínculo entre ambas. Através de seu sangue, percebi um torvelinho de

mentes de vampiro, asfixiando-se em sua própria loucura.

Este não é o modo correto, disse a voz de meu pai em minha cabeça. Não caia

nisto. Não existe nenhum modo correto.

Voltei a me rasgar o braço no mesmo sítio, fazendo mais profunda a ferida, e

deixei que meu sangue se mesclasse com a do Olathe. Lentamente, comecei a

Page 202: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

me fazer com o controle. Olathe se sacudiu e arranhou o chão com as unhas.

Se a deixava morrer, a horda de vampiros ficaria livre e se dispersaria antes de

poder controlá-los com minha mente. Não dispunha do treinamento necessário

para pilotar aos mortos viventes, de modo que minha única opção era combinar

o poder de ambas através de um vínculo de sangue, controlando o momento

de sua morte para que, quando esta chegasse e Olathe se separasse das

mentes dos vampiros, estes me encontrassem detrás. Olathe compreendeu o

que tentava fazer. Mostrou-me os dentes em um gesto felino, mas já não

dispunha do poder necessário para opor resistência ao vínculo de sangue. A

magia de meu sangue afligiu a sua. Meu poder se estendeu, alagando as

mentes dos vampiros. Apertei os dentes e espremi seu coração, lhe

esmagando o órgão e sua vida com ele. O poder estalou em minha mão e me

obrigou a me pôr em pé. Olathe se ergueu. Seus olhos voltaram a assentar-se

em suas órbitas e todo o peso da horda se assentou sobre mim.

A habitação se sacudiu. Muitos. Havia muitos.

Uma cinta abrasadora me rodeou o peito, envolveu-me a garganta, a cabeça, e

aumentou a pressão, me espremendo. Tropecei. Falharam-me os joelhos. A

boca me abriu com um espasmo. Não podia respirar. Faltava-me o ar. Pese ao

vínculo de sangue, sabia que não podia controlá-los a todos. Através do

martilleo de suas mentes, percebi a presença dos atrasados, aqueles que já

estavam dominados pela sede de sangue. Enviei a horda contra eles. O teto se

agitou com uma quebra de onda de corpos rasgando-se uns aos outros. Uma

parte de gesso se rachou e caiu ao chão, pulverizando-se em uma nuvem de

pó ao meio metro de mim. As chamas de sangue obstruíam todos os sons da

sala. Estendi os braços para manter o equilíbrio. Olhei através dos olhos dos

vampiros e vi uma larga fissura no gesso. Obrigado, Deus.

O teto se estremeceu com as dúzias de garras que o esmurravam. Distingui

com dificuldade ao Jennifer ao outro lado da lhe titilem barreira de chamas.

Meus lábios formaram uma palavra.

—Vete.

Olhou-me fixamente, incapaz de me ouvir através do muro de sangue.

139

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—Vete.

Batalham apareceu súbitamente a seu lado e disse algo ao Jennifer que não

pude ouvir.

—Vete. Agora. Vete.

Batalham colocou a mão no fogo e saltou para trás. A pelagem do braço se

derreteu e a pele adquiriu a tonalidade rosada que anunciava futuras ampolas.

Outro fragmento de teto se estrelou contra o chão fora do círculo. O som

tampouco chegou até meus ouvidos, mas sim aos de Batalham e Jennifer.

Saltaram a um lado e levantaram o olhar. Jennifer se encolheu como um cão

assustado.

Batalham me olhou fixamente.

—Parte agora. Parte. Parte.

Entendeu-me. Agarrou ao Jennifer pelo ombro com sua poderosa garra e atirou

dela. A mulher—lobo duvidou um instante e começou a correr.

Me nublou a vista. Os batimentos do coração do coração me retumbaram na

cabeça como um enorme sino. Não me sentia o corpo, como se tivesse

deixado de existir. Cega e surda, permaneci no centro de um nada, me

balançando, enquanto, por cima de mim, os não—mortos derrubavam o teto.

abriram-se passo através do gesso e do cimento até o armação de aço das

vigas que suportavam o peso dos cinco pisos superiores. Centenas de braços

esqueléticos agarraram as vigas e atiraram delas com força sobrenatural.

Deus, não fui muito boa.

O metal protestou com um chiado estridente.

Poderia havê-lo feito melhor. Poderia ter sido melhor pessoa. Apresento-me

ante ti tal qual sou. Não posso me justificar.

As vigas cederam e se curvaram. Por favor, tenha piedade de mim, Senhor.

Com os olhos de minha mente, vi como as enormes vigas se partiam. Vi

toneladas de gesso, cimento e metal derrubando-se sobre os vampiros, sobre

mim, nos enterrando sob os escombros, selando uma tumba da que nem

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sequer um vampiro podia sair. Senti suas iradas e famintas mentes

desvanecendo uma a uma. Finalmente, podia deixar ir. Soltei o terrível peso e

a consciência me abandonou.

140

Capitulo 7

Assassina jazia em sua capa sobre a mesita de noite, junto a esta, um homem

lia um velho livro de bolso. Na capa, um homem com traje marrom chapéu

sustentava a uma loira inconsciente embainhada um vestido branco. Tentei

enfocar o título mas as letras brancas se voltaram imprecisas.

O homem que lia o livro vestia a roupa azul típica de pessoal sanitário. Tinha

talhado as calças à altura da pantorrilha e uns jeans desgastados apareciam

sob o tecido azul. Torci o pescoço para poder jogar uma olhada a seus pés:

pesadas botas de pele por cima dos jeans.

Voltei a recostar a cabeça no travesseiro. Meu pai tinha razão: o céu existia e

estava no sul.

Page 205: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O homem baixou o livro e me olhou. De compleição e altura medeia, sua pele

era escura, brilhante e com um brilho ébano, e seu cabelo negro, com um corte

uso militar, começava a encanecer-se. Os olhos, que me observavam através

de uns óculos de arreios magra, transmitiam a um tempo inteligência e senso

de humor, como se o homem acabasse de ouvir uma piada picante e tentasse

conter a risada.

— Uma manhã maravilhosa, não crie? —disse com as inconfundíveis

harmonias da costa da Georgia vibrando em sua voz.

— Não deveria ser “verdade, tio”? —pinjente. Minha voz soou muito débil.

— Só se for um idiota sem educação —disse o homem—. Ou se quer dar a

impressão de ser um popular. E eu sou muito major para aparentar algo que

não sou. aproximou-se até a cama e me rodeou a boneca com ambas as

mãos. Seus lábios se moveram enquanto contava os batimentos do coração e

depois seus dedos roçaram brandamente meu

estômago. Senti uma pontada de dor. Estremeci-me e exalei um suspiro.

— Em uma escala do um aos dez, que grau lhe daria à dor?

— Sobre cinco.

Pôs os olhos em branco.

— Deus, me ajude. Outro caso difícil.

Marcou algo em um bloco de papel amarelo de aspecto oficial. Estávamos em

uma pequena habitação de paredes cor nata e teto com painéis. Duas amplas

janelas banhavam o chão com a luz do sol e um lençol de cor azul céu cobria

minhas pernas. O homem guardou a caneta.

141

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— Bem, agora jovencita, quem quer que te dissesse que pode te aplicar uma

vendagem—r e a seguir te lançar montanha abaixo para entrar em combate

necessita um bom rapapolvo. Assim que algo mágico entra em contato com

ele, volta-se louco e arremete contra um.

— volta-se louco? —Esse pinjente é o término médico?

— É obvio. Segue o dedo com os olhos, por favor. Não mova a cabeça.

Moveu seu dedo indicador de um lado a outro e o segui com o olhar.

— Muito bem —disse—. Agora conta para trás desde vinte e cinco. Fiz-o e ele

assentiu, satisfeito.

— Parece, e fixa lhe bem, solo parece, que te livraste pelos cabelos de uma

comoção cerebral.

— Quem é?

— Pode me chamar Dr. Doolittle —disse—. viajei noite e dia, durante meses

inteiros, até chegar ao lugar onde habitam as criaturas selvagens e agora sou

seu

médico privado.

— Esse era Max. —A dor se enroscou em meu quadril e deixei escapar um

grunhido—. Não o Dr. Doolittle.

— Ah —disse ele—, é um prazer conhecer uma mente educada. Olhei-lhe um

instante mas ele se limitou a sorrir com os olhos.

— Onde estamos?

— Nas instalações da Manada.

— Como cheguei aqui?

— Alguém te trouxe.

Senti a necessidade de me esfregar a frente e descobri que uma via pendurava

de meu braço.

— Quem?

Page 207: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Ah, essa é fácil. Sua Majestade te tirou do edifício e Manon te carregou

sobre suas costas e te trouxe até minha porta.

— Como conseguiu Batalham me tirar dali?

— Por isso pude averiguar, atravessou uma espécie de fogo, agarrou-te em

braços e voltou a sair. O que explica as queimaduras de terceiro grau.

Curiosamente, você não tem nenhuma. Um quadril deslocado, diversas feridas

graves no estômago, perda de sangue maciço, mas nenhuma queimadura.

Como é possível?

— Sou especial —pinjente.

Batalham tinha atravessado o fogo de sangue. Duas vezes. Para me tirar dali.

Idiota.

— Não me dirá isso.

— Não —lhe disse.

142

— Muito amável por sua parte. —Suspirou com falsa tristeza—. Assim que

chegou aqui, passei-me quatro horas restaurando seu corpo, e a maior parte

do tempo —me olhou fixamente— o dediquei a seu estômago.

— Queimaduras de terceiro grau —disse.

— Sim. Não ouviste uma palavra do que hei dito, verdade?

— Ouvi-o tudo; quatro horas, estômago, quadril, perda de sangue. Não me terá

feito uma transfusão, verdade? —Não era necessário recalcar como se

comportaria a magia em meu sangue com plasma estranho.

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— Perdoa-a, Senhor. Crie que sou um amateur. —Rematou a palavra

“amateur” com

um “tuá”.

— E as vendagens? —Negou com a cabeça.

— Fiz um juramento de magia médica, senhorita, e ainda tem que chegar o dia

que o incumpla. Encarreguei-me de incinerar pessoalmente suas malditas

vendagens, a roupa e todo o resto.

— Obrigado.

— De nada.

— Queimaduras de terceiro grau significa que se queimaram todas as capas da

pele —pinjente.

— Correto. —O Dr. Doolittle assentiu—. O aspecto é horrível mas a pior é a

dor.

— Em uma escala de um a dez?

— Sobre onze. —Fechei os olhos.

— A nosso senhor saiu uma adorável crosta dourada por todo o corpo —disse

o Dr. Doolittle em voz baixa.

Acredito que poderia conseguir facilmente um papel em um desses antigos

filmes de

terror. Embora agora mesmo está bastante confortável; flutuando,

suponho.

— Flutuando?

— Prescrevi-lhe uma temporada no tanque. É uma espécie de aquário enorme,

cheia de uma solução que desenvolvi pessoalmente quando era jovem. Se Sua

Majestade fora uma pessoa normal, o único modo de restaurar sua epiderme

teria sido mediante enxertos, mas como não é uma pessoa normal, passará

uns quantos dias flutuando no tanque e sairá dele com uma pele nova. O

ombro demorará mais. O que me recorda algo. —ficou em pé, aproximou-se da

Page 209: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

porta e tirou a cabeça por ela—. lhe Diga a Urso que nossa convidada está

acordada.

Voltou junto à cama e começou a pinçar entre os viales que havia sobre a

mesa.

— O ombro? —perguntei-lhe.

— Suponho que um pequeno fragmento de teto teve a má fortuna de cair sobre

ele. Esmagou-lhe a omoplata.— deu-se a volta com uma seringa de injeção na

mão.

— Não —disse com firmeza.

143

— A tec chegou vinte minutos depois de que acabasse contigo –disse—. Tem

dor e vou administrar te um calmante dos de toda a vida.

— Hei dito que não.

— Só é Demerol. É muito suave.

— Não. Eu não gosto do Demerol. Deixa-me atordoada. Não se contentava

com que estivesse débil e no recinto da Manada, também queria brincar com

minha cabeça.

— Se te aproximar com essa agulha —disse, pondo em minha voz tanto mau

leite como pude—, colocarei-lhe isso pelo culo. —ficou a rir.

— Jennifer disse o mesmo quando tentei lhe costurar o traseiro. Por sorte, a ti

não tenho que te fazer o mesmo.

Mostrou-me a seringa de injeção; estava vazia. Pisquei e uma sensação

relaxante me percorreu todo o corpo. Devia me haver injetado o maldito

Demerol através da via. Casulo.

Fechei os olhos. Estava enjoada e cansada. E ainda sentia a dor.

Page 210: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Umas fortes pisadas ressonaram na habitação. Tinha uma visita e só havia um

cambiaforma ao que não lhe importava mover-se como um assassino.

Abri os olhos e vi o Manon assentir ao bom doutor e lhe dizer em sua voz

profunda e suave:

— Bom trabalho.

Mahon se aproximou, agarrou uma cadeira e se sentou junto à cama, seus

sólidos antebraços apoiados nas pernas. Suas imensas costas atirava do

tecido negro de uma camiseta descomunal, mas embora ficava bastante

estreita à altura dos ombros, sobrava-lhe um palmo na parte inferior. Os

cambiaformas sentiam uma especial debilidade pelos moletons, e Mahon

levava umas calças de moletom cinzas sem meias três-quartos. Seus pés

peludos descansavam no estou acostumado a banhado pelo sol.

Seus olhos marrons se cruzaram com meus.

— A manada agradece seu sacrifício.

— Não foi nenhum sacrifício. Estou viva. —E Batalham está chamuscado como

uma costela muito feita. Negou com a cabeça.

— A intenção é o que conta e lhe estamos agradecidos. Ganhaste-te a

confiança e amizade da Manada. Pode nos visitar quando quiser. Pode pedir

ajuda quando a necessitar, e faremos o que esteja em nossa mão para ajudar.

Não é algo sem importância, Kate.

Certamente, deveria haver dito algo formal e florido, mas o Demerol seguia

emaranhando meus pensamentos. Dava-lhe uns tapinhas em seu enorme

emano e murmurei:

— Obrigado.

Mahon me olhou com olhos afetuosos.

144

Page 211: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— De nada.

NA SEXTA-FEIRA COMECEI a caminhar. Vestida com um conjunto de

moletom e esportivas cinzas que ficava muito grande, ambos os objetos

cortesia da Manada, alcancei o corredor a um ritmo lento mas seguro. Estava

enjoada e tive que resistir a tentação de me inclinar para a direita, pois me teria

golpeado a cabeça contra a parede.

A bruxaria do Doolittle tinha adormecido a dor em meu estômago, convertendo-

o em uma moléstia surda que me roía por dentro cada vez que me inclinava na

direção equivocada. Prometeu-me que não ficariam cicatrizes no abdômen e

eu lhe tinha acreditado. A pantorrilha era outra história. O vampiro me tinha

arrancado uma parte de carne, e face aos esforços do Doolittle, sua lembrança

me acompanharia durante o resto de minha vida.

O corredor se abria a uma ampla habitação do tamanho de um grande ginásio.

Nela havia diversos artefatos colocados com esmero sobre um chão de pedra,

alguns, produto da tecnologia, outros, da magia, e uns quantos mais,

arrevesados híbridos de ambos.

Uma mulher enxuta, de estatura medeia e aproximadamente de minha mesma

idade, estava sentada sobre um cama de armar quadrado e acolchoado junto à

porta. O cama de armar parecia um enorme leito para cães. A mulher mascava

uns biscoitinhos salgados. Provavelmente uma mulher—gato. passavam-se o

dia comendo.

A mulher me olhou através de uma cascata de diminutas e escuras tranças.

Um miçanga de madeira assegurava cada uma elas.

— Sim? —disse a mulher. Cordial.

— Tenho uma entrevista —lhe disse.

— E? —disse ela.

Encolhi-me de ombros e passei por seu lado. Não me deteve.

O tanque estava situado junto a uma das paredes, médio oculto por um bloco

de pedra no que alguém tinha esboçado símbolos cabalísticos com giz. Os

símbolos não pareciam ter nenhum sentido: uma veve disforme que deveria

Page 212: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

estar riscada em vermelho; dois símbolos egípcios, um que significava Nilo e

outro Canopo, e algo que recordava vagamente ao símbolo japonês do dragão.

Rodeei aquele espaço desperdiçado e me aproximei da tanque. Media uns dois

metros e meio de alto e tinha forma cúbica. As paredes de vidro continham um

líquido opaco e esverdeado, e, através deste, pude distinguir o tênue contorno

de uma silhueta humana flutuando imóvel em seu interior.

145

Dava uns golpecitos no vidro. O corpo se moveu e Batalham saiu à superfície

chapinhando. tirou-se a máscara de oxigênio da boca e se aferrou ao bordo

com as mãos, o que fez que o resto de seu corpo ficasse pego ao cristal. Justo

o que necessitava. Um viscoso Senhor das Bestas completamente nu e

submerso em água estancada.

Sua nova pele era extremamente pálida. O agora denso cabelo de sua cabeça

e pestanas logo que era mais comprido que uma barba de três dias.

— Obrigado —pinjente, sem apartar a vista de seu rosto.

— De nada.

Sentia-me incômoda, e resisti a necessidade de trocar o peso de meu corpo de

um pé ao outro.

— Vou.

— Quando?

— Assim que acabe de falar contigo.

— Doolittle te deu o alta?

Recordei a imagem do amadurecido Doutor me observando com olhos irados.

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— Não lhe deixei muitas mais opções.

— Se quer pode ficar. —Batalham se secou a água que lhe escorregava do

queixo.

— Não, obrigado. Agradeço-lhe isso e todo isso, mas tenho que ir.

— Sítios que visitar, gente que conhecer?

— Algo assim.

— Seguro que não quer te colocar no tanque comigo? A água está perfeita.

Pisquei sem saber o que dizer. Batalham riu; era evidente que estava

desfrutando com a situação.

— Ahh, não —consegui dizer.

— Não sabe o que te perde.

Estava flertando ou simplesmente pretendia me incomodar? Provavelmente, o

último. Bom, o jogo era mais divertido se participavam dois. Baixei o olhar

deliberadamente a sua cintura.

— Não, obrigado —pinjente—. Sei exatamente o que me estou perdendo.

Batalham fez uma careta.

— vim para falar do Derek —disse. Batalham conseguiu se encolher de ombros

sem soltar do vidro.

— Liberei-lhe que seu juramento de sangue.

— Sei. Mas ele insiste em ficar a meu lado e eu não quero. Tentei lhe explicar

que meu trabalho é perigoso e que está muito mal pago, e que permanecer a

meu lado não será bom para sua saúde.

146

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— E o que disse ele?

— “Sim, já, mas se liga muito?”

Batalham voltou a rir, inundou-se como um golfinho e voltou a emergir à

superfície.

— Falarei com ele.

— Poderia fazê-lo agora? Insiste em me acompanhar a casa.

— De acordo. lhe diga a Mil, a garota que está junto à porta, que me envie isso.

— Obrigado.

Dava-me a volta.

— Como atravessou o fogo? —perguntou-me. OH, mierda.

—Não era muito intenso —pinjente—. Tive sorte. Embora não pude voltar a

fazê-lo para sair dele. Suponho que Olathe estava muito ocupada tentando

derrubar o teto sobre minha cabeça.

— Já vejo —disse Batalham. Não sabia se me tinha acreditado ou não. Girei-

me e lhe fiz uma reverência zombadora que enviou uma pontada de dor ao

estômago.

— Algo mais, Sua Majestade?

Indicou-me que podia ir com um movimento da boneca.

— Pode te retirar.

Batalham era muito perigoso. Muito capitalista e imprevisível, e o pior de tudo,

possuía uma habilidade inata para me tirar de gonzo e me fazer perder o

julgamento. Com um pouco de sorte, nossos caminhos não voltariam a

encontrar-se.

Um jovem lobo cujo nome desconhecia me acompanhou até o apartamento do

Greg. Dava-lhe as obrigado e, quando cheguei à porta, encontrei uma pequena

nota cravada na madeira: “Kate, tentei te chamar mas não respondia. Espero

que siga em pé o de esta noite. Fiz uma reserva no Fernando's para as seis.

Crest”. Arranquei a nota, fiz uma bola com ela e a atirei ao chão. A barreira se

fechou detrás de mim. A robusta porta me separou do resto do mundo e deixei

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escapar um suspiro de alívio. Depois de me tirar as sapatilhas que me tinha

emprestado a Manada, meti-me na cama e fiquei dormida imediatamente.

QUANDO DESPERTEI, A última hora da tarde dava passo lentamente de

noite. Sentia-me esgotada e inquieta, agitada, como se tivesse esquecido algo

importante. Rebusquei em meu cérebro as causas de meu mal-estar mas quão

único consegui foi me sentir ainda pior.

Fiquei um momento na cama, olhando o teto e decidindo se devia chamar o

Crest para lhe dizer que o esquecesse. Era o mais sensato que podia fazer.

Por desgraça, a sensatez não era uma de minhas virtudes. Não ir à entrevista

era, de algum modo, como render-se antes de tentá-lo.

147

Fui até o quarto de banho arrastando os pés e me lavei a cara com água fria.

Não serve de muito.

Só tinha um vestido adequado para levar ao Fernando'S. O único vestido

formal que tinha e o único que pendurava do armário do Greg. Tinha-o levado a

uma recepção oficial a que Greg me tinha miserável em novembro passado,

onde me passei duas horas escutando a gente a que adorava o som de sua

própria voz. Tirei o vestido do armário e o deixei sobre a cama. Fui à cozinha e

enchi um copo de água. Tinha perdido muchísima sangre. Obriguei-me a bebê-

lo inteiro, voltei a enchê-lo e repeti o processo, sorvendo a água. Os últimos

raios de sol banhavam o vestido estendido sobre os lençóis. De corte simples,

tinha uma cor pouco habitual, uma tonalidade indescritível situada em algum

ponto entre o salmão, o caqui e o dourado. Anna o tinha eleito por mim.

Recordei-a farejando entre os vestidos pendurados em cabides, descartando-

os sem olhares um a um enquanto a dependienta a observava com angústia.

“Não precisa parecer mais magra”, havia-me dito Anna, “nem te pôr cheios. O

que precisa é certa esbeltez, e isso se consegue com o vestido adequado. Por

sorte, sua pele harmoniza perfeitamente com a cor. Fará que pareça mais

moréia, o que não está nada mal”.

Olhei o vestido e recordei a inquietante sensação de não me reconhecer a mim

mesma ao me pôr isso Tinha um corpo proporcionado, inclusive esbelto, mas

Page 216: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

não era magra. A maior parte das mulheres não revistam desenvolver

musculatura, mas quando eu flexionava o braço, os músculos ficavam

perfeitamente definidos. Por muito que tentasse perder peso ou massa

corporal, quão único conseguia era aumentar a musculatura, de modo que aos

quatorze anos deixei de tentar alcançar os padrões de beleza ao uso. A

sobrevivência se impôs na moda. Evidentemente, não pesava cinqüenta

quilogramas, mas minha estreita cintura me permitia me agachar sem

dificuldade e podia lhe partir o pescoço a um homem de uma patada. Aquele

vestido ocultava o músculo e insinuava uma pele sedosa onde não a havia. O

problema era que não sabia se me queria pôr isso para o Crest.

Passei a mão pelo suave tecido e desejei poder falar com a Anna. O telefone

começou a soar.

Desprendi-o e a voz da Anna disse:

— Olá.

— Como o faz?

— O que? Chamar quando quer falar comigo? —Parecia surpreendida.

— Sim.

— Quase todos os videntes são ligeiramente empáticos, Kate. A empatia com a

pessoa faz de ponte para as coisas que fazemos.

148

Faz muito tempo que te conheço; ainda recordo quando estava aprendendo a

andar. Une-nos um vínculo permanente. Considera-o como uma rádio muito

especial que está apagada a maior parte do tempo. Bebi mais água. Sabia que

não me diria nada da visão a menos que o perguntasse, e não me sentia com

ânimos de fazê-lo.

— Como vai a investigação?

Page 217: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Encontrei ao assassino do Greg.

— Estraga. E o que fez com ele?

— Com ela. Estripei-a e depois lhe espremi o coração.

— Encantador. E o que te fez ela a ti?

— Deixou-me uma cicatriz na parte superior da pantorrilha e uma ferida no

estômago. Mas ao menos esta vez me atendeu um médico de verdade.

Anna suspirou.

— Suponho que não está mal para uma de suas excursões. Está satisfeita?

Abri a boca para lhe dizer que sim mas me detive. Compreendi a causa de

minha inquietação.

— Kate?

— Não, não estou satisfeita. —Contei- todo o relativo ao Olathe e seus

vampiros anteriores à Transformação—. Muitos cabos soltos —disse—. Para

começar, ainda não estou segura de quem matou ao Greg. Pensava que

poderia ser um dos vampiros do Olathe, mas isso não explicaria os registros de

poder de origem animal no exploratório—m, e, além disso, não vi nenhum

animal durante a briga.

— Não há nenhum modo de comprová-lo agora?

— Não. O edifício está kaput. E em segundo lugar, onde estão as mulheres

desaparecidas e por que as seqüestraram?

— Para alimentar aos vampiros? —provou Anna.

— Com quatro mulheres não tivesse podido manter a seu estábulo nem um só

dia. por que não agarrou a mais?

— Não sei.

Bebi mais água.

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— Eu tampouco. E o inimigo de sua visão era um homem. Há algo mais, mas

agora mesmo não posso recordá-lo. Tenho a estranha sensação de que me

esquecimento de algo importante. Algo ridiculamente óbvio.

Me fiquei em silêncio. Anna esperou ao outro lado do telefone.

— Dá igual —pinjente finalmente—, terei que esperar a que me esclareça

cabeça.

— Ah —disse Anna—. Há algo mais urgente?

— Um atrativo cirurgião plástico me espera no Fernando's às seis.

— Estraga. Mencionaste-lhe que detesta esse restaurante?

149

— Não —lhe disse—. Mas confio em que se dê conta. Não vão os jantares

formais, Anna.

— Não faz falta que o jure —murmurou Anna—. É divertido?

— Quem?

— O cirurgião plástico. É divertido? Faz-te rir?

— Tenta-o —pinjente.

— Não parece que tenha muito êxito.

— Acredito que forcei um pouco as coisas —disse.

— O que? A intimidade ou o sexo?

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— Suponho que ambas as coisas. —Para mim o sexo casual era um oxímoron.

O sexo me colocava em uma posição de vulnerabilidade e não havia nada

casual nisso. Nunca me tinha deitado com um homem em quem não confiasse

e a quem não admirasse. Não conhecia o suficiente ao Crest para saber se lhe

admirava ou podia confiar nele, e em que pese a tudo me tinha desejado levar

isso à cama. Tinha-me passeado nua frente a ele, pelo amor de Deus—. Algo

me preocupa. Acredito que tem que ver com a morte do Greg Silencio ao outro

da linha. Finalmente, Anna murmurou:

— Quem o ia dizer, um descascado em sua armadura!

— Esta noite tentarei repará-lo.

— É uma maximalista, Kate. Tudo ou nada. Talvez mereça uma oportunidade.

— Não hei dito que vá romper. Tão solo pretendia reconsiderar a situação.

Tentarei descobrir se é divertido. —Anna suspirou.

— Porá-te o vestido que compramos naquela ocasião?

— Sim.

— Um conselho —disse—. te Deixe o cabelo solto.

ENTRE NO Fernando'S com o cabelo solto. Caía-me por debaixo da cintura,

enquadrando o rosto e suavizando as formas. Com a maquiagem, o vestido e

os sapatos de salto a jogo menos tinha a aparência do tipo de mulher que está

acostumado a comer no Fernando'S. Os saltos enviavam pontadas de dor a

meus quadris. Dava-lhe meu nome a um garçom impecavelmente vestido e

este acompanhou às profundidades do restaurante. Enquanto passávamos

junto às mesas redondas com toalhas brancas e recém engomadas, meus

sapatos produziam débeis golpecitos no chão de mármore. Homens

embainhados em caros trajes e mulheres muito bem penteadas e com vestidos

de um valor aproximado de meu salário mensal conversavam e comiam

despreocupadamente. Diversos emparrados com acres floresça brancas

nasciam de urnas de cerâmica. Alguém tinha dedicado muito tempo em dispor

os caules pelas paredes com ardilosa precisão.

Odiava aquele lugar.

150

Page 220: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Crest estava sentado em uma mesa apartada, estudando o menu. Parecia

abatido. Levantou a cabeça, viu-me e ficou petrificado. Era algo superficial,

mas seu atordoado semblante me fez sentir muito melhor.

Nunca seria formosa, mas me conformava sendo chamativa.

Movendo-se com a elegância de uma bailarina, o garçom retirou a cadeira e

me convidou a me sentar. Dava-lhe as obrigado —o que provavelmente ia

contra as normas— e me sentei. Crest continuava me olhando fixamente.

— Conhecemo-nos? —perguntei-lhe.

— Acredito que sim —disse ele—. Está distinta.

Tinha chegado o momento de romper o feitiço.

— Distinta? Espetacular, radiante, preciosa, todo isso tivesse servido, mas não

sei o que significa distinta. Funcionou. Deixou de me olhar.

— Pensava que não foste vir.

— Tinha trabalho —disse—. Além disso, como te torturei em Las Colimas, era

o menos que podia fazer para te devolver o favor.

— Você não gosta deste sítio?

Não. A atmosfera é acartonada, a comida é má e quão único posso me permitir

é uma terrina de sêmola de milho. Servirão aqui isso?

Encolhi-me de ombros.

— Não está mau. Vem freqüentemente?

— Cada três semanas, mais ou menos. OH, Deus.

O garçom voltou a aparecer e ele e Crest se inundaram em uma conversação

que nem entendi nem escutei. Observei ao resto de comensais até que o

garçom murmurou as palavras chave:

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— E a senhora?

— Que saladas têm?

Pedi uma salada de vinte e dois dólares e o garçom partiu.

— Não quer nada de segundo? —perguntou Crest.

— Hoje não.

impôs-se o silêncio. Crest parecia contentar-se me olhando enquanto eu não

tinha nem idéia do que fazer comigo mesma.

— Está impressionante —disse finalmente—. Tão distinta.

— Não é mais que uma ilusão —lhe disse—. Sigo sendo eu.

— Sei.

Sorriu. Pelo modo em que me olhava, soube que estava pensando como seria

na cama. por que eu não estava pensando o mesmo dele? Sob o traje escuro,

parecia ter um bom corpo. Umas quantas mulheres lhe olhavam abertamente.

151

Reparei em que um homem me observava de uma mesa próxima. Supus que

devia me mostrar adulada.

— Então, como vai o trabalho? —pinjente finalmente para romper o silêncio.

— Estou me expondo deixar a prática —disse ele.

— OH.

— Eu gostaria de dedicar mais tempo ao estudo do Lic—V —disse—. O

encontro fascinante, especialmente o modo em que a estrutura dos ossos se

transforma sob a influência da magia. Se conseguíssemos saber mais coisas

dessa habilidade, produziriam-se incríveis avanços na cirurgia reconstructiva.

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Seria o fim dos procedimentos invasivos, dos implante, das recuperações; a

eliminação das imperfeições mediante a vontade.

Sorri-lhe. Talvez um dia apresentasse ao Saiman.

O garçom chegou com o menu de vinhos. Crest escolheu um e continuou me

expondo a fascinante natureza do Lic—V, entrando em mais detalhe técnicos

dos que minha limitada compreensão podia processar. Observei-lhe

atentamente enquanto me perguntava por que Olathe teria seqüestrado a

aquelas mulheres. Algo em todo aquilo não terminava de encaixar.

Crest ficou em silêncio e eu pisquei, desconectando o piloto automático.

— Não me está escutando, verdade?

Não.

— Não, por favor, segue.

— Aborreço-te?

— um pouco.

— Sinto-o —disse ele. Encolhi-me de ombros.

— Por favor, não te zangue. Você está sendo você mesmo e eu estou sendo

eu mesma. Para ti, os cambiaformas são uma nova e interessante fronteira.

Para mim, são parte de meu trabalho. Violentos, freqüentemente cruéis,

paranóicos e extremamente territoriais. Quando vejo um, solo vejo um possível

adversário. Você te emociona porque podem transformar sua estrutura óssea,

enquanto que eu me encho o saco porque suas mandíbulas não encaixam de

tudo bem em sua forma intermédia e enchem o chão de babas. E emprestam

terrivelmente quando estão úmidos.

Crest me olhou fixamente.

— Além disso, careço do conhecimento médico para entender uma palavra do

que há dito nos últimos dez minutos. Ódio me sentir como uma profana na

matéria. Meu frágil ego não o pode suportar.

Alargou o braço e me tocou a mão. Tinha a pele cálida e seca, e por alguma

razão desconhecida seu gesto me reconfortou.

Page 223: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

152

— Calarei-me —prometeu solenemente.

— Não é necessário —pinjente—. Falemos de outra coisa. De livros, de

música, de algo não relacionado com o trabalho.

— O teu ou o meu?

— Ambos.

O mundo se sacudiu ligeiramente com a chegada da magia. A conversação em

todas as mesas se deteve um instante e voltou a reatar-se como se nada

tivesse acontecido. Chegou nosso jantar. Minha salada consistia em folhas de

alface, elegantemente distribuídas para emoldurar uns finos galhos de laranja,

e uma exuberante variedade de verduras. Cravei a alface com o garfo. Por

alguma razão, não tinha fome.

— Que tal está a salada? —perguntou Crest. Agarrei um galho de laranja com

o garfo e me levei isso a boca.

— Muito boa.

Crest sorriu e seu semblante transmitiu um evidente prazer. Recordei o

conselho que alguém me tinha dado tempo atrás. Se um homem te levar a um

restaurante de sua eleição, não lhe faça nenhum completo. te emocione com a

qualidade da comida e estará encantado, porque ele te levo ali. Eu não estava

acostumado a me emocionar facilmente. Falamos durante uns minutos sobre

nada em particular, mas a conversação se foi extinguindo. Fora o que fosse o

que tínhamos conseguido em Las Colimas, tinha desaparecido e não podíamos

recuperá-lo. Pincei na salada, levantei a cabeça e vi que Crest olhava algo por

cima de meu ombro.

— Algum problema?

— Esse tipo não deixa de te olhar —disse Crest—. Se está passando da raia.

Acredito que me aproximarei para lhe perguntar se tiver algum problema.

Dava-me a volta e vi uma figura familiar duas mesas mais à frente. Recostado

na cadeira, meio sacado para ter um melhor ângulo de nossa mesa: Batalham.

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por que eu?

Uma espetacular mulher asiática com um diminuto vestido negro estava

sentada na outra cadeira. A mulher parecia nervosa, e não deixava de retorcer

a ponta do guardanapo com seus estilizados dedos. Olhou-me surpreendida,

como uma gazela em um abrevadero, e se deu a volta rapidamente. Batalham

se mostrou indiferente.

Nossos olhares se encontraram e Batalham sorriu abertamente.

— Não acredito que seja uma boa idéia —disse.

— Um velho noivo? —disse Crest.

— Por Deus, não. Solo nos conhecemos profissionalmente. —Fiz-lhe um gesto

ao garçom e este se aproximou.

— Sim, senhora?

Assinalei a Batalham com a cabeça.

153

— Vá a esse homem daí, o do cabelo curto? junto a essa mulher tão bonita?

— Se, senhora.

— Importaria-lhe lhe servir uma terrina de leite e lhe expressar meus melhores

desejos? O garçom nem sequer pestanejou; uma demonstração do excelente

serviço do Fernando'S.

— Se, senhora.

Crest me olhou e reconheci em seus olhos a coceira da curiosidade.

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O garçom serve o leite e lhe murmurou algo a Batalham. Seu sorriso adquiriu

um rasgo rapace. Agarrou a terrina e o levantou modo de saudação. Seus

olhos cintilaram com um brilho dourado. O brilho apareceu e se desvaneceu

tão rapidamente que se não lhe tivesse estado olhando aos olhos, me teria

perdido isso. levou-se a terrina à boca e começou a beber.

— Parece desconjurado com esses texanos —disse Crest.

— Confia em mim, não lhe importa. E nenhum garçom do Fernando's está o

uficientemente louco para tocar o tema. —De fato, Fernando's não parecia o

tipo de restaurante ao que acudiria Batalham. Considerava-lhe mais na linha de

um local de filetes e camarões-rosa ou de um chinês.

— Já vejo. —Crest tentava olhar a Batalham de um modo ameaçador. Se

continuava por aquele caminho, o mais provável é que Batalham caísse da

cadeira com um ataque de risada. De repente, estava muito zangada.

O olhar do Crest se deteve momentaneamente na entrevista de Batalham. Algo

novo se refletiu em seus olhos: interesse, admiração? Atração? Batalham me

piscou os olhos um olho. Crest dobrou seu guardanapo e a deixou sobre a

mesa. mais da metade de seu peito de frango continuava no prato.

— Acredito que deveríamos ir —disse. Apartei a virtualmente intacta salada.

— Boa idéia.

Um garçom se materializou junto a nossa mesa. Crest pagou em metálico e

saímos do restaurante. Já na rua, Crest girou à esquerda.

— Meu carro está por aí —disse assinalando à direita. Ele negou com a

cabeça.

— Tenho uma surpresa. Como acabamos logo de comer, chegaremos antes.

Importa-te caminhar?

— De fato, sim. —Sobre tudo com aqueles saltos e com a pontada no quadril—

. Podemos ir em seu carro?

— Será todo um prazer.

Enquanto caminhávamos para seu carro, notei que alguém me observava.

Detive-me para me ajustar a tira do sapato e lhe vi o outro da rua, apoiado na

parede de um edifício.

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154

A jaqueta de pele e o cabelo de ponta não deixavam lugar a dúvidas. Bônus.

Ghastek me tinha sob vigilância, mas esta vez, em lugar de um vampiro, tinha

enviado a seu oficial. Boa eleição. Bônus ainda me guardava rancor por nosso

pequeno bate-papo no Adriano'S. Teria descoberto Ghastek que espremi ao

oficial que me tinha dado a pista sobre seus vampiros sem marcas? Ou talvez

o entendia todo do reverso. Bônus se girou ligeiramente para não me perder de

vista.

por que me manter agora sob vigilância, quando Olathe já estava morta? A

menos que Bônus trabalhasse para o Olathe. Tinha sentido. Se Olathe queria

derrocar a Nataraja, teria tentado recrutar a oficiais jovens, e com seu aspecto

e poder, não lhe haveria flanco muito atrai-los a sua causa. Pretendia Bônus

vingar-se? Ou havia outro ator naquele drama e agora Bônus seguia suas

ordens?

Não tinha acabado. Meus instintos me disseram que era muito fácil, muito

conveniente, e agora tinha a confirmação de Bônus. O que sabia ele que eu

não soubesse? Pensei na possibilidade de cruzar a rua e lhe golpear, convertê-

lo em uma massa sanguinolenta até que me contasse tudo o que sabia. Podia

lhe abrir a cabeça contra a parede de tijolos e arrastá-lo até a escuridão do

beco. Ou ainda melhor, imobilizá-lo contra a parede e colocá-lo no carro.

Naquele bairro, ninguém emprestaria a menor atenção a uma mulher com um

vestido e a seu atrativo acompanhante que tinha bebido muito e que precisava

apoiar-se nela. Podia colocá-lo no carro e levá-lo a algum lugar solitário.

— Kate?

O agradável rosto do Crest apareceu frente a mim. Maldita seja.

— Qual é seu carro?

— Esse.

Page 227: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Sorri-lhe, ou ao menos o tentei. Olhando por última vez a Bônus, deixei que

Crest me abrisse a porta de seu veículo e me obriguei a entrar nele. Mais tarde,

Bônus. Sempre posso dar contigo.

O CARRO DO Crest era caro, cinza metalizado e com forma de bala. Abriu-me

a porta e me acomodei no assento de pele do passageiro. Ele deu a volta ao

carro, sentou-se frente ao volante e nos partimos. O interior do veículo estava

impoluto. Nenhuma bola de papel em copos de plástico. Nenhuma fatura ou

recibo no chão. Nem o mais mínimo rastro de sujeira nos tabuleiros. Estava

imaculado, quase esterilizado.

— me diga uma coisa, tem uns jeans? —perguntei-lhe—. Desses tão velhos

que a sujeira é permanente?

— Não —disse ele—. Isso me converte em uma má pessoa?

— Não —lhe disse—. Sabe que a maioria de meu jeans têm imundície

permanente?

155

— Sim —disse com um sorriso nos olhos—. Mas não estou interessado em seu

jeans, solo no que há debaixo deles...

— Esta noite não.

— De acordo. É bom ter as coisas claras.

A cidade passou frente a nós, suas ruas acolhendo de vez em quando a um

veículo em chamas alimentando-se dos últimos estertores da tecnologia.

Contei tantos veículos como cavalos. Quinze anos atrás, os carros dominavam

as ruas.

— Quem era esse homem? —disse Crest.

— O Senhor das Bestas. —Crest me olhou de esguelha.

Page 228: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— O Senhor das Bestas?

— Sim. O cão principal. —Ou gato.

— E a mulher era uma de seus amantes?

— Provavelmente.

Um Buick branco como a neve nos cortou o passo, invadindo o sulco, e se

deteve no semáforo com um chiado de rodas. Crest pôs os olhos em branco. O

semáforo piscou, cintilou com grande intensidade e voltou a brilhar fracamente.

— Magia residual? —perguntou Crest.

— Ou uma falha do cableado. —O bom doutor estava aprendendo o jargão

mágica. Me

perguntei onde teria ouvido falar dos efeitos da magia residual.

— Tem sentido. —Crest estacionou junto a um edifício de grandes

proporcione—. chegamos.

Uma moço de hotel me abriu a porta e desci do carro. O veículo do Crest

estava muito bem acompanhado. A nosso redor, Volvos, Cadillacs e Lincolns

cuspiam a gente elegante sobre a calçada: mulheres sorridentes, com uns

lábios que ameaçavam estalando, e homens inflados com sua própria

importância. Os casais se dirigiam para o alto edifício frente a nós.

A moço se meteu no carro e desapareceu pela rua, nos deixando ali de pé, à

vista de todos. A gente me olhou. Olharam a ambos.

— Recorda o teatro Fox? —disse Crest, ao tempo que me oferecia seu

cotovelo. Uma coisa era me abrir a porta. Outra muito distinta, caminhar

agarrada de seu braço. Ignorei-lhe e avancei para a porta com as mãos nos

flancos.

— Sim. Foi demolido.

— Utilizaram as pedras para construir este lugar. Genial, não crie?

— De modo que em lugar de construir um edifício novo, flamejante e estéril

decidiram transladar ao novo toda a agonia, a dor e o sofrimento que impregna

às paredes do antigo edifício. Genial.

Page 229: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Olhou-me com semblante incrédulo.

156

Do que está falando?

— Os artistas emanam uma grande quantidade de energia. preocupam-se com

seu aspecto, por sua idade, pela competência. Um detalhe insignificante pode

converter-se em uma questão transcendental. O edifício no que atuam se

impregna como uma esponja com seus fracassos, seu ciúmes, suas decepções

e acumula a aflição durante anos. Por esse motivo os empáticos só assistem a

representações estudiantiles. A atmosfera lhes aflige. Foi uma estupidez

transferir o peso de tantos anos de um lugar a outro.

— Às vezes não te entendo —disse Crest—. Como pode ser tão pragmática?

Perguntei-me se haveria meio doido um ponto sensível. O Senhor Meloso de

repente se havia posto veemente.

— depois de tudo, também há outro tipo de emoções. —Seu tom era irado—.

Êxito, exaltação ante uma atuação soberba, alegria.

— É certo.

Entramos no lobby, iluminado tenuemente com tochas face à presença de

lâmpadas elétricas. A gente a nosso redor avançava sem deter-se em direção

às portas dobre situadas ao fundo da sala. Seguimos ao fluxo de gente através

das portas e até a enorme sala de concertos repleta de filas de assentos

vermelhos.

A gente nos olhou. Crest parecia agradado. Fomos o centro de atenção, o alto

e elegante Crest e sua entrevista exótica embainhada em um vestido distinto e

com uma cicatriz aparecendo por seu ombro. Crest não se precaveu do muito

que chegava a me incomodar a atenção que nos emprestava a multidão, nem

tampouco se fixou que tinha começado a coxear. Se o dizia, solo conseguiria

piorar as coisas. Continuei caminhando e sonriendo, me concentrando em não

dar um tropeção.

Page 230: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Sentamo-nos justo no meio da sala e deixei escapar um suspiro de alívio. Estar

sentada era muito mais fácil que estar de pé.

— A quem esperamos? —perguntei.

— Aivisha —disse Crest com gravidade. Não tinha nem idéia de quem era

Aivisha.

— É a última representação da temporada —continuou—. Está fazendo muito

calor, por isso pensava que a estas alturas já teria deixado de atuar, mas a

direção me assegurou que não terá nenhum problema. Pode utilizar a magia

residual.

Recostei-me no assento e esperei em silêncio. A nosso redor, a gente se

acomodava em seus assentos. Uma mulher maior, embainhada em um

impecável vestido branco e escoltada por um distinto cavalheiro, deteve-se

nosso lado. Crest ficou em pé de um salto. OH, Deus, agora teria que me

levantar. Fiz-o, sorri e esperei educadamente às apresentações.

157

A mulher e Crest conversaram uns minutos enquanto o escolta e eu

compartilhávamos em silêncio nossa aflição. Finalmente, a mulher reatou a

marcha.

— Madame Emerson —me disse Crest com um tapinha na mão—.

Provavelmente, o último representante da boa sociedade do sul. Tem-no feito

muito bem. Acredito que lhe tem cansado bem.

Abri a boca e voltei a fechá-la rapidamente. Não tinha feito outra coisa que

estar de pé e sorrir. Como um menino bem educado ou um cão submisso.

Esperava Crest que lhe lambesse a perna?

Soou um timbre para exigir o silêncio do público. Um murmúrio percorreu a sala

mas se extinguiu assim que a cortina de veludo se abriu lentamente pela

metade e sobre o cenário apareceu uma mulher baixa. Tinha a pele muito

escura e um peso considerável, com o cabelo formando lustrosas espirais

Page 231: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

negras na parte superior de sua cabeça. O comprido vestido de tecido

chapeado, que se precipitava em dobras e tranças a partir dos ombros, titilava,

como se estivesse tecido com água banhada pelo sol.

Aivisha percorreu a sala com o olhar com uns olhos escuros e insondáveis, deu

um pequeno passo adiante, a cascata de prata movendo-se a seu redor. Abriu

a boca e deixou que sua voz se derramasse. Tinha uma voz incrível.

Assombrosa por sua claridade e beleza, começou a aumentar, ganhando força,

entretecendo-se, e da própria Aivisha brotou o poder, permeando toda a sala

de concertos e ao assombrado público. Esqueci-me do Crest, do Olathe, solo

escutei, perdida na harmonia daquela sedutora voz.

Aivisha levantou as mãos. Umas magras lascas de gelo cresceram de seus

dedos, riscando espirais, retorcendo-se em perfeita sincronia com a música.

Como um impossível e complexo laço de cristal, o gelo se estendeu pelo

cenário e começou a subir pelas colunas laterais, florescendo em fardos de

plumas magras como agulhas. abraçou-se às dobras do vestido da Aivisha

como um mascote fiel agradado agradando, e não soube onde começava o

prateado do tecido e onde terminava a pureza cristalina do gelo.

Aivisha continuou cantando e o gelo dançou para ela, lhe concedendo todos

seus caprichos. Ela nos dirigiu, e, fascinados, nós contivemos o fôlego até que

sua voz alcançou um crescendo lhe esmaguem. Seu corpo palpitou com uma

luz azul, saturando o gelo em um instante. O laço de cristal estalou e se

evaporou no ar. A cortina se fechou, ocultando a Aivisha do público. Durante

um momento permanecemos aturdidos, e então a sala de concertos estalou em

aplausos.

Crest me apertou a mão e eu lhe devolvi o apertão.

Quarenta e cinco minutos depois, detínhamo-nos no estacionamento frente a

meu edifício de apartamentos.

158

— Posso te acompanhar à porta? —perguntou Crest.

— Esta noite não —murmurei—. O sinto. Não seria muito boa companhia.

Page 232: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Está segura? —perguntou Crest, a esperança desvanecendo-se de seus

olhos. Sentia-me mau, mas não podia fazê-lo. Algo me dizia que devia deixá-lo

aí.

— Sim —disse—. Obrigado pelo jantar e a companhia.

— Confiava em que a velada não terminasse tão logo —disse ele.

Toquei sua mão com a ponta dos dedos.

— Sinto muito. Talvez a próxima vez.

— Ah, bom —disse ele—. Sempre fica amanhã de noite.

Abri a porta e desci do carro. Crest esperou uns segundos antes de reatar a

marcha. Compreendi muito tarde que tinha esperado um beijo de boa noite.

CADA VEZ ME doía mais o quadril, e quando cheguei ao outro extremo do

estacionamento, a moléstia se converteu em uma dor em toda regra, enfeitado

com espasmos musculares.

— Genial. —Tirei-me os sapatos. Descalça e com os sapatos na mão,

encaminhei-me para a porta.

Pisei em uma imperfeição no asfalto, escorreguei e a ponto estive de acabar

com o traseiro no chão. A dor me mordeu a perna. Inclinei-me para diante,

esperando que remetesse e murmurando maldições.

— Quer que te leve em braços? —Sussurrou-me alguém ao ouvido—. Outra

vez?

Dava-me a volta e lhe lancei um gancho no estômago. O punho se estrelou

contra um muro de carne sólida.

— Bom golpe —disse Batalham—. Para uma humana. Claro, claro. Ouvi-te

exalar. Há-o sentido.

— O que quer?

— Onde está seu atrativo acompanhante?

— Onde está a tua?

Page 233: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Encaminhei-me para o edifício. O único modo de me desfazer dele era subir as

escadas e fechar a barreira em seus narizes.

— Em sua casa —disse ele—. me Esperando.

— Bom, me faça um puto favor e não lhe faça esperar mais.

Cheguei às escadas e me sentei em um degrau. A perna exigia um descanso.

— Dói-te?

— Não, eu gosto de me sentar em um sujo degrau quando levo um vestido

caro.

— Está um pouco suscetível esta noite —observou—. Está acostumado a

ocorrer quando lhe deixam plantada.

Olhei o céu noturno, os diminutos pontos das estrelas.

159

— Estou cansada, dói-me a perna e necessito um montão de respostas que

não posso encontrar.

— Como o que? —Suspirei.

— Para começar, não sei quem matou ao Greg nem por que o fez. Dois, não

encontramos evidências dos animais poluídos com nigromancia que mataram a

sua gente. Três, no relatório do Greg aparecia o nome de várias mulheres. por

que Olathe as levou e o que fez com elas?

inclinou-se para ficar a minha altura.

— Tudo terminou —disse—. E tem um problema grave de nostalgia recorrente.

— Um caso grave do que?

Page 234: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— É uma mere do montão e, da noite a manhã, todo mundo quer falar contigo.

Os poderes féericos da cidade sabem seu número de telefone. Faz que se

sinta importante. E agora o baile concluiu. Compadeço-te. —Sua voz jorrava

escárnio—. Mas tudo terminou.

— Equivoca-te. —Batalham se afastou.

— Chamou-te mestiço —disse a suas costas—. por que?

Ignorou-me.

Pu-me em pé com dificuldade e comecei a subir as escadas. Uma vez no

apartamento, troquei-me de roupa, reuni umas quantas coisas imprescindíveis,

agarrei a Assassina e voltei a baixar as escadas. Pus em marcha ao Karmelion

mordendo as palavras do feitiço como um cão raivoso e deixei atrás o

estacionamento. Já tinha tido bastante daquela cidade. Partia a casa. A minha

autêntica casa.

Page 235: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

160

Capitulo 8

A luz da manhã se filtrou através da janela e me fez cócegas na cara. Bocejei e

me acurruqué sob os lençóis. Não queria me levantar. Ainda não. Em

retrospectiva, me largar da cidade em metade da noite e com um quadril

dolorida não tinha sido uma idéia brilhante, especialmente quando a tec se

estendeu por volta das quatro da madrugada, deixando a caminhonete

inutilizada a dois quilômetros de minha casa.

Mesmo assim, tinha conseguido chegar antes de que saísse o sol e agora já

não importava muito. Estava em casa.

Enterrei a cara no travesseiro, mas a luz do sol não desfaleceu. Me desperecé

com um suspiro. Meus pés nus tocaram o estou acostumado a temperado pelo

sol e me dirigi alegremente à cozinha para preparar café.

No exterior, a última hora da manhã se desdobrava em todo seu apogeu. O céu

espaçoso, de um azul profundo. Nenhuma suave brisa perturbava as folhas

dos mirtos. A janela da cozinha exigia ser aberta. Liberei o fecho e atirei da

parte inferior para que o ar saturado de umidade da costa entrasse na casa.

Em minha casa. Por fim.

Em metade do jardim, colocado de tal modo que pudesse ver-se tanto da

cozinha como do alpendre, havia um poste parecido na terra. E sobre este,

uma cabeça humana.

O cabelo comprido se precipitava a ambos os lados da cabeça em emplastros

de betume ensangüentados. Uns olhos pálidos sobressaíam das órbitas. Tinha

a boca completamente aberta e umas moscas verdes revoavam ao redor de

uns lábios destroçados. Estava tão desconjurado em meu ensolarado mundo

que, por um instante, pensei que era produto de minha imaginação. Não podia

ser real.

Page 236: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O inconfundível fedor da putrefação chegou até a cozinha. Corri ao dormitório

me sobrepondo à dor, agarrei a Assassina e me dirigi à porta principal. A

barreira mágica estava ativa. Com cautela, retirei o amparo e saí ao alpendre.

Nada.

Nenhum som. Nem rastro de poder. Nada salvo uma cabeça em decomposição

em meu jardim.

Aproximei-me da cabeça e, lentamente, dava uma volta a seu redor. Pertencia

a uma moça.

161

Fazia pouco que tinha morrido; a expressão de terror ainda estava congelada

em seu rosto.

Um enorme prego sujeitava uma folha de papel dobrado à parte posterior da

cabeça. Levantei o papel com a ponta de Assassina e vi umas letras desiguais.

Você gosta de meu presente? Tenho-o feito especialmente para ti. Quando vir

a seu amigo mestiço, lhe diga que não desperdiçarei sua cabeça deste modo.

Arrancarei-lhe até a última tira de carne dos ossos. Devorarei pessoalmente

seu cadáver até que não possa mais e deixarei o resto a meus filhos enquanto

descanso com mulheres mestiças. A carne mestiça tem sabor de mierda mas

tem uma boa textura. Olathe nunca chegou a apreciá-la. Uma pena o de seu

vestido. Tinha-me o coração roubado. Entrei em casa e marquei o número do

Jim.

A cabeça morta olhou ao Jim. Jim olhou a cabeça.

—Conhece gente um pouco desequilibrada —disse Jim.

—Provavelmente se chamasse Jennifer Ying —disse—. O cabelo tem textura

mongolóide. É uma das mulheres desaparecidas que encontrei no relatório do

Feldman.

Page 237: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

A cabeça não estava aqui quando cheguei às três da madrugada. Jim olisqueó

a cabeça.

—É recente. Um dia; no máximo um dia e meio —disse—. Deveria chamar a

Batalham.

—Não me escutará. Acredita que estou paranóica.

Jim se encolheu de ombros. Tínhamos trabalhado juntos o tempo suficiente

para saber que nenhum dos dois estava interessado na fama.

—Tiraste-lhe que suas casinhas.

—Há algo mais. —Acompanhei-lhe até o alpendre. Um sinal de ossos humanos

estava dispostos formando um tecido em toda a superfície do alpendre.

—assaltaste um cemitério?

—Perguntava-me como podia haver-se aproximado tanto à casa sem fazer

saltar os amparos, de modo que indaguei um pouco e encontrei isto. Colocou-

os formando um círculo ao redor da propriedade, na linha de árvores. É uma

espécie de barreira. Uma muito antiga.

—Quanto?

—Do neolítico. Os caçadores primitivos distribuíam os ossos de suas presas ao

redor dos assentamentos. A idéia era formar uma cadeia de Pedra, Osso e

Madeira. A Pedra e a Madeira se utilizam para obter o Osso, vinculando-os

entre si, de modo que se devolver o Osso à Pedra e à Madeira assim que

terminaste, proporciona-te amparo. Criou um corredor seguro para mover-se

por meu jardim quando quisesse.

162

trata-se de um feitiço muito fácil de romper. Quão único deve fazer é retirar os

ossos, por isso já ninguém o utiliza. Por desgraça, não pode detectá-lo a

menos que tropece com ele.

Page 238: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Recolhi um crânio e o mostrei. Jim o agarrou e retrocedeu com um vaio. Seus

olhos adquiriram uma tonalidade verde.

Segundo o folclore, ao morrer, o corpo dos cambiaformas recupera a forma que

tinha ao nascer, já seja humano ou animal. Entretanto, o Lic—V produz uma

série de mudanças permanentes na estrutura óssea que permanecem durante

a vida e depois da morte.

Umas largas franjas de osso criados pelo Lic—V percorriam o crânio em zonas

reveladoras, por cima da mandíbula e ao longo dos maçãs do rosto.

—Um homem—rato —disse Jim me devolvendo o crânio como se lhe

queimasse entre as mãos.

—Adivinha quantos encontrei?

—Sete.

—E ao menos três vampiros. Os esqueletos não estão completos. Faltam

alguns ossos, mas há oito pélvis e nove crânios, três dos quais têm presas de

chupeta sangre.

Jim observou os ossos.

—Deve separar os de vampiros.

—O que?

—Tem que separar os ossos de vampiro —repetiu. Estava inquieto e falava

com grunhidos guturais.

—por que não move o culo e me ajuda?

—Não posso tocá-los. Suspirei.

—Jim, não sou forense. Sem uma lupa e um exploratório, não saberei que

ossos são de vampiro. Você, em troca, pode sabê-lo pelo aroma.

Olhou-me fixamente com olhos ligeiramente exagerados.

—Começa a selecioná-los, e se necessitar ajuda, diga-me isso partiu ao jardim.

Suspirei e comecei a remover ossos.

Page 239: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Sentei-me no alpendre entre dois montões de ossos enquanto observava ao

homem— jaguar em meu jardim riscando pequenos círculos ao redor do pau

no que seguia cravada a cabeça da jovem. Tinha-lhe falhado. Tinha analisado

as provas e tinha chegado às conclusões errôneas.

Mas eu seguia ali, sentada em meu alpendre, enquanto ela tinha pago o preço

de minha estupidez. E de minha arrogância.

163

Jim continuou caminhando, colocando cuidadosamente um pé diante do outro,

espreitando uma presa invisível ao redor de um círculo. Tinha os olhos

amarelados e de vez em quando lhe tremia o lábio superior, revelando suas

presas. A menos que o gato bocejasse frente a seus narizes, nunca via suas

presas até que estava preparado para lhe cravar isso Jim estava preparado

para cravar-lhe a alguém. Teria que esperar pacientemente à cauda.

—Deixa-o já. Está fazendo um sulco em meu jardim. Jim deixou de mover-se e

me olhou.

Uma caminhonete escura se deteve no caminho de entrada. Funcionava com

magia e água, como Karmelion, e fazia tanto ruído como minha caminhonete

de pesadelo. Quatro cambiaformas de rosto pétreo desceram dela e se

aproximaram de mim com várias bolsas de lona. Pu-me em pé e me apartei,

lhes permitindo o acesso aos ossos. Começaram a guardar os esqueletos

fraturados de seus mortos nas bolsas, selecionando-os sobre a marcha,

manipulando os ossos com a mesma delicadeza que um comerciante de

porcelana dedica a suas melhores peças.

Doolittle saiu da caminhonete vestido com umas calças de peitilho jeans e com

um exploratório—m portátil na mão. deteve-se para murmurar algo ao Jim e

continuou avançando em direção à cabeça.

Jim se aproximou do alpendre.

Page 240: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Batalham quer que retorne à cidade. Neguei com a cabeça.

—Não posso. Assim que acabem, terei que chamar à polícia. Já tem seus

ossos. A família Ying merece receber os de sua filha.

—E que coño lhe digo a Batalham?

Doolittle arrancou a nota do prego e lhe deu a volta.

—Parece ser que a escreveu no reverso de alguma revista. Agarrei a nota de

entre seus dedos. A página era de

Volshebstva e Kolduni, o jornaleco «Feitiços e Bruxos» cuja credibilidade

Saiman tinha desprezado tão alegremente.

—Kate? —disse Jim.

Tinha vontades de me pôr a chorar. Como podia ter sido tão estúpida? fui

procurar o Calendário e entreguei ao Doolittle o artigo sobre o upir que me

tinha dado Bônus.

—Aqui diz que a criatura se alimenta de carne humana morta. E que copula

com animais para produzir brotos mestiços que não são nem animais nem

humanos. Onde conseguiu isto?

—Deu-me isso um dos oficiais do Ghastek.

164

—Ghastek sabia —rugiu Jim—. Sabia tudo desde o começo. Arrancarei-lhe o

coração!

Page 241: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—«Esporeado pelo desejo de reproduzir-se, o upir se apareará com mulheres

de poder, pois solo uma mulher de poder pode engendrar a um autêntico upir...

» —Doolittle me olhou—. Não pode ficar aqui, Kate. Deve vir conosco.

Abri a boca mas ele me silenciou com um movimento de sua mão.

—Somos sete contra um. Arrastaremo-lhe se for necessário.

Os membros do conselho da manada estavam sentados em cadeiras

acolchoadas ao redor de uma mesa. Em metade da mesma descansava a

cabeça do Jennifer Ying. Doolittle havia a trazido até ali como prova, e a tinham

colocado sob um sino de cristal envolta em conjuros protetores. Uma

testemunha muda de tudo o que se dizia.

junto a ela, um telefone com microfone divulgava a fria voz do Saiman.

—Todos os upir são machos. A história de sua espécie é muito antiga: é

provável que formassem parte dos cultos de fertilidade das sociedades agrárias

primitivas, na Idade de Bronze. Durante os ritos, as mulheres jovens,

personificações da Deusa, eram levadas frente ao upir para que este pudesse

desempenhar o papel de filho— consorte copulando com elas. É obvio,

freqüentemente a copulação terminava com a morte da mulher, em cujo caso,

o upir consumava o rito completo e devorava seu corpo.

«Com a chegada da Idade de Ferro, a aparição dos deuses—heróis patriarcais

assinalou o final do culto à Deusa e os upir emigraram gradualmente a regiões

remotas, encontrando os extensos bosques russos especialmente apropriados.

em que pese a sentir um intenso impulso por reproduzir-se, os upir só estão

interessados na obtenção de um macho poderoso, outro upir.

Todas as filhas nascem mortas. Assim que nasce um filho, o upir lhe alimenta

com a mãe e depois lhe expulsa de seu território. Deve se ter muito presente

que solo uma mulher com um poder mágico considerável pode produzir a

suficiente magia para engendrar a um upir.

—E o que ocorre com os filhos de animais? —perguntou Batalham.

—O upir copula com qualquer animal ao que possa penetrar. Habitualmente, a

descendência resultante, embora viável, é estéril. Um único upir poderia dispor

de um grupo considerável deste tipo de criaturas—serventes. Além disso, dado

que o culto agrário à fertilidade está centrado na regeneração, é provável que

disponha de consideráveis poderes regenerativos. Segundo minhas fontes, é

imune ao metal, à madeira, às presas e às garras. É virtualmente impossível de

matar. Batalham assentiu enquanto olhava ao Mahon.

Page 242: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

165

—A manada te agradece a informação —disse o Urso.

—Agradeço a gratidão da manada. Receberão a fatura nos próximos três dias.

—E pendurou.

—Tem que ser Crest —disse Batalham. Surpreendida, perguntei-lhe:

—Como sabe seu nome?

—Sei muito mais sobre ti que você mesma. Crie realmente que trabalharia

contigo sem antes te investigar?

—Disse ao Derek que me espiasse em que pese a me prometer que não

o faria.

—De fato, coloquei a um rastreador no apartamento de acima —disse Jim—. o

do Greg não está tirado o som.

Não disse nada, aturdida pela traição. Teria que havê-lo sabido; a Manada

sempre ia primeiro. Eram paranóicos profissionais.

—Como conheceu o Crest? —perguntou o lobo alfa. Não respondi

Jim alargou o braço e me tocou a mão.

—Kate, esta é uma dessas ocasiões em que o tempo não é ouro.

Não podia fazer outra coisa. Não havia saída. Se Crest era um upir, não podia

me enfrentar a ele sozinha.

—Fui ao necrotério a examinar o cadáver de um vampiro encontrado na cena

do crime do cavalheiro—místico. Estava procurando a marca e ele apareceu.

Disse-me que era um cirurgião plástico que levava a cabo o que denominou

Page 243: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

«trabalhos caridosos» no necrotério. Levava o uniforme sanitário e os galões

dos supervisores de unidade. Convidou-me a comer e rechacei a oferta.

—Como reagiu? —disse uma mulher corpulenta, de média idade, rellenita.

Levava o cabelo grisalho recolhido em um coque sobre a cabeça. Os outros a

chamavam Tia B, embora desconhecia o motivo. Tinha o aspecto da avó

favorita de qualquer menino. Também era a mulher alfa das doze hienas que

havia na Manada.

—Parecia surpreso.

Um débil murmúrio percorreu a sala.

—Tem acesso ao necrotério —disse Jennifer—. E a um montão de

corpos.

—E ao ser cirurgião plástico, deve conhecer muitas mulheres —acrescentou o

rato alfa com a boca cheia de batatas fritas. A cabeça putrefata não tinha

conseguido lhe tirar a fome.

—por que não copulou com o Olathe? — perguntou-se Jennifer—. É óbvio que

estavam trabalhando juntos. Ele a ajudaria a derrocar a Nataraja e, em troca,

ele obtinha toda a carne de vampiro que desejasse. além de corpos frescos.

166

—Olathe era estéril —disse Jim—. É provável que Roland a esterilizasse antes

de follársela.

—foste comer com ele? —quis saber a Tia B.

—Sim. Foi uma comida normal. A seguinte vez que lhe vi foi depois de que

Derek e eu nos topássemos com aquele vampiro. Crest estava dormido nas

escadas quando levei ao Derek a casa.

—Deitou-te com ele, querida? —perguntou a Tia B—. Temos que sabê-lo.

Page 244: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Esforcei-me por não fazer chiar os dentes.

—Não.

—Então não lhe viu em um ambiente não controlado. —A Tia B meneou a

cabeça—. Pode que tenha estado encoberto todo este tempo.

—Pois sua cobertura deve ser excepcional —pinjente—. Não captei nenhum

tipo de magia. Nada absolutamente.

Batalham, quem tinha estado apoiado na parede até então, cruzou os braços

por diante do peito.

—Resumindo, nunca se mostrou como o upir. Aparece repentinamente quando

Kate faz algum progresso. Ela não conhece sua casa nem a nenhum de seus

amigos, v

—Está familiarizado com a tec. —Finalmente, encontrei algo interessante que

dizer—. E tem carro.

—Algo mais? —perguntou Mahon.

—Está fascinado com o Lic—V.

—Cai-me bem por isso —disse Jim—. E o menino acredita que é um gilipollas.

Obrigado, Derek.

Batalham se separou da parede.

—Ou é o upir ou não o é. Como o averiguamos? Doolittle se revolveu na

cadeira.

—O único modo se soubesse com segurança, meu senhor, é fazer um

exploratório com uma amostra de sangue. O sangue não pode ocultar a magia

quando a separa do corpo. Nesta questão, o tempo é de vital importância.

Quanto menos se degrade o sangue, melhor. Sugiro que levemos um

exploratório portátil.

—Se for o que acreditam que é —disse brandamente o lobo alfa—, teremos

que ir preparados.

—E não acredito que aceite voluntariamente nos entregar uma amostra de

sangue —disse Mahon.

Page 245: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Não podemos lhe obrigar —disse o alfa lobo.

167

Obrigar a alguém a entregar uma amostra de sangue com a intenção de

realizar um exploratório era ilegal. Uma violação da privacidade que os

tribunais se encarregaram de perseguir. Se Crest resultava ser humano, podia

colocar à Manada em uma posição realmente incômoda.

—Por não mencionar que lhes reconhecerá —pinjente. , Refletiram sobre

aquilo.

—Não importa —disse Batalham—. Resolveremos isto agora.

—Não é muito agradável, verdade? —Disse-me Jennifer ao descer da

caminhonete negra que nos levou até o apartamento do Crest.

—Não.

—Tudo irá bem —disse, embora ambas sabíamos que mentia.

A Manada de cambiaformas coroou em formação as escadas que levavam a

vestíbulo. Um homem magro e ruivo estava de serviço e fez gesto de levantar-

se quando viu que nos aproximávamos. Batalham lhe fez uma indicação com a

cabeça como se lhe conhecesse de toda a vida e o homem voltou a afundar-se

em seu assento.

Seis subimos as escadas à carreira: Batalham à frente, seguido do Jim,

Jennifer, Doolittle e eu. O filho maior da Tia B ocupava a retaguarda. Levava

um revólver na mão.

Chegamos frente à porta do apartamento do Crest. detrás de mim, o filho da

Tia B bloqueava as escadas.

Page 246: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Perguntei-me se o revólver seria para mim, se por acaso trocava de idéia. Senti

um peso no estômago. Todo aquilo não tinha sentido. Teria que ter vindo

sozinha. Não deveria me haver deixado convencer para fazer aquilo. Não

voltaria a deixar arrastar a uma situação como aquela nunca mais.

Batalham bateu na porta com os nódulos.

—Olá? —disse a voz do Grest Batalham me olhou.

—Sou Kate —disse—. Não estou sozinha e tenho que falar contigo.

produziu-se um silêncio enquanto Crest digeria a informação e a porta se abriu.

Crest estava ligeiramente despenteado. Observou os rostos pétreos ao outro

lado de sua porta e deu um passo atrás.

—Adiante.

Fizemo-lo. Os cambiaformas se desdobraram pela casa e Crest acabou no

centro de um amplo círculo. Os cambiaformas mantiveram as distâncias, uns

quantos metros entre eles e o humano no centro. O espaço suficiente para

agarrar impulso antes de um salto sem tropeçar uns com outros.

168

—Importaria-te me dizer do que vai tudo isto? —disse-me Crest olhando de

esguelha a Batalham.

—Esta gente são cambiaformas —lhe disse—. Vários membros da manada

morreram. Eu estou envolta na investigação e o assassino desenvolveu uma

fascinação doentia por mim. Deixou uma cabeça em decomposição no jardim

de minha casa com uma carta de amor.

Page 247: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O rosto do Crest perdeu toda expressão.

—Já vejo —disse—. E crie que eu sou esse tipo. Doolittle deu um passo

adiante.

—Se aceitasse nos entregar uma amostra de sangue, a questão ficaria

resolvida em questão de minutos.

Crest olhava ao menino com o revólver na mão. Engano. Além de mim, ele era

o menos perigoso dos pressente.

—E se me nego?

—Deveria aceitar —disse Batalham secamente. Crest me olhou.

—Kate? De verdade crie que sou o assassino?

—Não. Mas tenho que estar segura.

Seu rosto se crispou com uma mescla de emoções. Pensava que lhe tinha

traído. Eu também.

—Disse que queria formar parte do que fazia —disse em voz baixa—. Pois já o

tem feito. Por favor, nos dê a amostra de sangue, Dr. Crest. —Não quero que

lhe façam mal.

Crest apertou os dentes. A meu redor, os cambiaformas se esticaram. Sem

apartar o olhar de meu rosto, Crest se arregaçou a camisa e manteve o braço

em alto.

—Será melhor acabar com isto quanto antes.

Doolittle atou uma cinta de borracha ao redor de seus bíceps. Uma larga

agulha mordeu sua pele e o escuro sangue encheu o tubo transparente.

—me diga uma coisa —disse Crest—. O que se supõe que sou exatamente?

Dado que Kate está envolta, suponho que não sou um humano normal e

corrente. Do que me acusa?

—Acredita que se alimenta dos mortos —disse Jim.

—Sério?

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—Sim. dedica-se a caçar. Pelas noites. Humanos, vampiros, cambiaformas, o

que seja. Caça-os, mata-os e devora seus corpos.

—Encantado — Crest nem sequer piscou. Doolittle levou a amostra ao

exploratório.

169

—Ah, pois agora vem o interessante, Doc. —Jim estava desbocado. Filho de

puta—. Também seqüestra a mulheres. Se as folla e depois as come. Copula

com animais e tem cachorrinhos com eles. Hordas de pequenos Crest

disformes que perambulam pela cidade em busca de carne humana.

—Precioso.

O exploratório começou a tocar castanholas, imprimindo o resultado. Jim

deixou de tagarelar e se inclinou para frente, os olhos fixos em sua presa. Os

cambiaformas se mantiveram no limite de sua humanidade, dispostos a rasgar

carne palpitante. Respiravam pesadamente, seus músculos tensos em

antecipação do seguinte movimento, seus olhos famintos e imperturbáveis. E a

presa, o humano no centro da habitação, rodeado e sozinho, me olhando como

um pirralho perdido. Desenvainé a Assassina e me coloquei em posição.

—Humano —disse Doolittle—. Está limpo.

—Está seguro? —disse Batalham.

—Sem rastro de dúvida.

Um calafrio percorreu a todo o grupo, como se alguém tivesse conectado um

interruptor invisível. Guardei a Assassina. Batalham me olhou. Seu rosto estava

em calma; a calma que precede à tormenta.

—me faça um favor —me disse—. A próxima vez que tenha uma intuição,

guarda-lhe isso para ti. deu-se a volta para olhar ao Crest.

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—Em nome da Manada te ofereço uma desculpa formal e nossa amizade.

Receberá uma compensação adequada à ofensa recebida. Seria uma grande

honra que a aceitasse.

Crest fez um gesto desdenhoso com a mão.

—Não te incomode.

Batalham passou por meu lado como uma exalação e os cambiaformas saíram

da habitação um detrás de outro, nos deixando solos ao Crest e a mim.

—De verdade acreditava que era um monstro. —Sua voz estava tinta de um

assombro genuíno—. me Diga uma coisa, desde quando suspeitava de mim?

Foi jantar comigo convencida de que violava e assassinava a mulheres para

poder me alimentar de seus corpos?

—Não.

—Não? por que teria que te acreditar?

—Se tivesse suspeitado de ti então, teria tentado te matar.

—Significa isso que não estava disposta a me matar agora? —Começou a

caminhar pela habitação, como se permanecer imóvel se converteu em um

esforço intolerável—. O vi em seus olhos.

170

Se o exploratório houvesse dito qualquer outra coisa, teria-me atravessado

com essa espada. E te teria ficado igual!

—Não é certo. Haveria-me flanco muitíssimo. Deu meia volta.

—Sabe uma coisa, de verdade acreditava que havia algo entre nós. Algo

formoso. Mas estava equivocado.

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Nenhuma réplica tivesse sido o suficientemente boa para aquilo, de modo que

mantive a boca fechada. A aflição lhe tinha empalidecido o rosto e tinha

convertido seus lábios em uma fina linha.

—O pior de tudo é que acredito que tivesse preferido o outro. Desejava que

fora essa coisa.

Neguei com a cabeça.

—Não, é certo. Qual é o problema, Kate? Sempre tem que ter a razão ou é que

não era o suficientemente bom para seu mundo? Tenho que ser um monstro

para que queira follar comigo?

Vindo dele, o impropério adquiriu uma força inusitada, como uma navalhada.

—Sinto muito.

Crest agitou as mãos diante da cara, como se tentasse agarrar o ar.

—Isso não me serve de muito agora mesmo! —Olhou-me com intensidade e

exalou um suspiro—. Estou farto desta conversação e estou farto de ti. te

largue. Fora.

Parti-me.

Crest fechou a porta a minhas costas. Teria preferido que a tivesse fechado de

uma portada, mas o fez cuidadosamente.

Ninguém me esperava nas escadas. Cheguei ao vestíbulo e me aproximei do

porteiro.

—Há alguma porta traseira?

O homem assinalou para o final do corredor. Encaminhei-me por ele, saí do

edifício e continuei caminhando. Os cambiaformas podiam me encontrar por

meu aroma. Se realmente queriam me rastrear, não podia fazer nada para

evitá-lo. Mas tinha a sensação de que Batalham estava muito aborrecido

comigo para fazê-lo. Detive uma calesa atirada por um cavalo e lhe paguei ao

condutor cinqüenta perus para que me levasse até a linha de energia.

Page 251: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

171

Capitulo 9

Sentei-me no alpendre, alternando uma garrafa de limonada forte Boone's

Farm e outra de sangria, enquanto contemplava o espetáculo da noite. Tudo

estava em calma. A brisa noturna tinha deixado de sopro e nada

perturbava as escuras folhas nos ramos dos álamos. Nenhuma fibra de erva se

agitava no jardim a meus pés.

Dava um bom gole de sangria e outro de limonada. Sem beber muito, mas me

embebedando. Fazendo que meu corpo se sentisse tão mal como minha

mente. Tivesse-me gostado de ter um pouco de cerveja para baixar o vinho.

Haveria-me sentido mau mais rápido.

Tinha conseguido muito. Era difícil estar ali sentada e não me sentir orgulhosa

comigo mesma. Não tinha conseguido encontrar ao assassino do Greg. E

voltaria a matar, a mulheres jovens, a cambiaformas, e nem sequer sabia onde

devia começar a procurar. Tinha arruinado a pouca credibilidade que tinha

frente à Manada. E frente à Ordem. Tinha tido algo com um tipo agradável.

Embora não era perfeito, eu gostava. Ele se tinha esforçado muito. Um tipo

normal, decente. E eu tinha jogado por terra nosso p flauta relação. Como não

formava parte de meu mundo, tinha-o miserável a ele. A minha maneira.

Levei-me uma das garrafas à boca e a esvaziei de um gole, sem saborear seu

conteúdo, até quase me engasgar. Sustentei-a em alto e saudei a distante

delineia de árvores.

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—Bem feito.

As árvores não me responderam. Agitei a cabeça e agarrei a outra garrafa. E

então vi o monstro em meu jardim.

Estava sentado em cuclillas, olisqueando o ar. Era um bode enorme, do menos

setenta e cinco quilogramas. A pelagem comprido e cinzento lhe crescia de

forma irregular sobre seu magro corpo. Nas zonas livres de cabelo podia

vislumbrar uma pele pálida e enrugada, especialmente no estômago, onde

várias cicatrizes desiguais se entrecruzavam. Uma pequena corcunda lhe

sobressaía das costas, e a pelagem que a cobria era mais largo e grosso,

formando um arbusto espesso que brilhava justo detrás da enorme cabeça, a

qual estava coroada por umas orelhas redondas de aspecto humano.

As patas posteriores da besta eram fortes e musculosas, com uma forma

similar a dos caninos, mas com uns dedos mais largos. As pezuñas dianteiras,

mais pequenas e com uma forma perturbadoramente humana, sujeitavam algo

escuro.

172

Entrecerré os olhos e distingui um cabelo emaranhado e úmido. Um esquilo. A

criatura olisqueó sua presa com um focinho proeminente e enrugado e fincou

as presas no corpo do esquilo. O nauseabundo rangido de ossos quebrados

truncou o silêncio noturno.

Mastigou com entusiasmo, espremendo a massa sanguinolenta com a mão, e

levantou o olhar para me olhar. Não cabia dúvida de que os miúdos olhos

injetados em sangue da besta eram humano. Quando olhava a um

cambiaforma aos olhos, via uma besta pugnando por sair.

Quando olhei os olhos daquela coisa, acenderam-se com a luz da

compreensão, uma luz débil mas cheia de inteligência e que comunicava uma

tristeza e uma capacidade infinita de sofrimento.

A coisa apontou ao céu com seu horrível focinho e emitiu um som horripilante e

prolongado, como se uma dúzia de vozes murmurassem ao uníssono a mesma

Page 253: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

frase em doze línguas distintas. Continuando, voltou a inclinar a cabeça e lhe

deu outra dentada ao esquilo.

Distingui o som de umas unhas rasgando o chão. Olhei a meu redor. Formas

grotescas se escondiam entre as sombras, algumas pequenas, outras maiores.

Posadas sobre o corrimão, movendo-se sigilosamente sob as escadas do

alpendre e revoando sob a caminhonete estacionada no caminho de entrada,

movendo-se e agitando-se a meu redor.

O pescoço da garrafa tocou meus lábios e bebi dela à medida que as bestas se

aproximavam.

—Pobre Crest —murmurou uma voz aveludada—. Levo vivo há trezentos anos

e não recordo a última vez que me ri tão a gosto.

Deixei a garrafa no chão com intencionada lentidão e olhei para o lugar de

onde procedia a voz.

—É você —disse—. Mierda. Não o houvesse dito nunca.

Bônus sorriu e me mostrou os dentes, brancos e inhumanamente afiados.

Tinha muitos. Que estranho que não me tivesse fixado nisso antes.

O cabelo negro, em ponta, saturado de gomina, tinha desaparecido, e em seu

lugar largas fios lustrosos se derramavam sobre seus ombros. Era de cor cinza,

um cinza escuro similar à cinta adesiva suja. Sua pele era pálida e tersa, e

estava vendo muita mais do que desejava, pois Bônus tinha decidido acudir

meio nu salvo por algo que parecia um kilt ou uma saia que lhe pendurava dos

quadris e que não conseguia cobrir do tudo o que deveria cobrir.

O mundo se tornou impreciso e me esfreguei a frente. O vinho começava a

fazer efeito. Bônus se deslizou do corrimão a que tinha estado subido.

173

Page 254: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Avançou pelo alpendre com movimentos líquidos e fluídos, ficou de quatro

patas e se sentou sobre as pranchas de madeira, a meu lado.

Havia algo tão insólito em seu modo de mover-se, em como se sentou, em seu

aroma, no modo de me olhar com uns olhos transbordantes de ódio, um pouco

tão desumano que meu cérebro se deteve, estrelando-se contra aquela

desumanidade como se se tratasse de um muro de tijolos. Tinha vontades de

gritar.

Obriguei-me a permanecer sentada. O esforço queimou parte do álcool e me

esclareceu ligeiramente a visão.

No jardim, diversas criaturas menores esperavam impacientem a que a maior

terminasse com o esquilo.

—É duro, verdade? —disse o upir brandamente—. Me refiro a estar sentada a

meu lado. Desejas gritar e sair correndo; correr tão rápido como pode pela

erva, sem olhar atrás, sabendo que não pode escapar mas seguindo adiante

porque é melhor morrer me dando as costas. Sabe por que te ocorre isso?

Porque seu corpo sabe que é comida, algo que se usa, come-se e se atira.

Levei-me a garrafa aos lábios e dava um pequeno gole.

—Quantas novelas bregas tiveste que ler para que te ocorra algo assim?

O upir se inclinou, deslizando-se até ficar de flanco, sua cabeça apoiada em

um braço dobrado pelo cotovelo.

—Ri, Kate. É a última oportunidade que terá de fazê-lo.

Encolhi-me de ombros. No jardim, o caçador de esquilos se tirou de cima uma

coisa horrível e mais pequena que ele que tentou lhe arrebatar a bola de

cabelo que tinha na mão. A criatura pequena grunhiu, preparou-se para outra

passada e ficou petrificada, sua cauda curta e quase traslucida agitando-se,

sujeita por uma mão invisível. Permaneceu rígido, com as magras patas

separadas. O tremor se estendeu por suas costas até chegar ao pescoço. A

mão fantasma apertou com força uma última vez e lhe soltou. A criatura se

sacudiu e se desabou. Tremendo, ficou em pé com dificuldade e se afastou a

tropicões, gemendo em voz baixa, com o rabo entre as pernas.

—Às vezes os filhos se comportam mal —disse Bônus—, e devem ser

castigados. Se lhe está perguntando isso, também posso fazê-lo com minhas

mulheres.

Page 255: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Olhou à criatura de grande tamanho e esta se aproximou de nós.

—Façamos as apresentações quanto antes —disse o upir—. Nestes

momentos, este é meu filho maior. Chamo-lhe Arag. Arag, esta é sua futura

comida. Futura comida, este é Arag.

Os humanos olhos do Arag, afundados em seu deformado crânio, abriram-se.

—Que demônios lhe foll...?

174

—Um babuíno. —O upir meneou a cabeça—. Forte, cruel, agressivo. Por

desgraça, tem mais de mim que de sua mãe. Sabe falar. Diga algo ao Kate,

Arag. O monstro se olhou as mãos. Trocou o peso de seu corpo de um pé ao

outro, inseguro, e emitiu um comprido e distorcido chiado, como umas unhas

rasgando uma piçarra.

—Sangreeee —gritou.

—Triste, verdade? —Bônus sorriu—. Uma criatura lastimera e horrível que

percorre o mundo lançando palavras ao azar, desejando algo que nem ele

mesmo conhece e odiando a todo mundo e a tudo. Tentei lhe arrancar as

cordas vocais mas as malditas voltaram a crescer.

—Sangreeee.—Arag suspirou.

O upir lhe ordenou que se retirasse com um gesto da mão.

Quando Arag retornou a sua posição no jardim, o upir também suspirou.

—Provavelmente o mate quando acabarmos com isto. Crie que deveria fazê-

lo? Bebi um pouco mais de vinho.

Page 256: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Isso não te ajudará —disse Bônus.

Encolhi-me de ombros e bebi um pouco mais.

—por que aliar-se com o Olathe?

—por que não? Era um bom plano. cedo ou tarde, os mestiços e os

nigromantes se enfrentaram entre eles, e eu tivesse disposto da suficiente

carne de vampiro para indigestarme. A carne de vampiro é a melhor, Kate.

Amadurecida e saborosa, como um bom vinho.

—Também come cambiaformas.

—Sua magia me faz mais forte. —Bônus fez uma careta—. Mas têm sabor de

mierda. Tocou-me o cabelo com seus dedos. Agarrou uma mecha e o levou ao

nariz.

—Suponho que o plano original era pôr um pãozinho no forno do Olathe. Bônus

me mostrou seus dentes.

—A muito zorra era estéril. Pode acreditá-lo? —Retorceu meu cabelo ao redor

de seus dedos e olhou a lua através dele. Apartei-me e ele soltou a mecha com

uma risita—. Mas então topei contigo. E você não é estéril, Kate.

—por que eu?

aproximou-se ainda mais, seu quente fôlego em minha bochecha.

—Sei o que é. subi a colina e hei olisqueado a tumba desse saco de ossos

putrefatos ao que chamava Pai. Cheirei seu fedor e sei que seu sangue não

corre por suas veias. Mas sei a quem pertence seu sangue. Todo esse poder

reunido em um pequeno e doce pacote. Sabia o que faz milhares de anos seu

autêntico pai se dedicava a caçar aos de minha espécie?

175

Page 257: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Sua pequena e lastimera memore não pode entender todo o ódio que sinto por

ele. Dará-me um filho, Kate. E toda a magia de seu sangue será minha.

Riu brandamente e tive que tragar para conter um grito.

—por que matou ao Greg?

—estava-se aproximando muito. O pequeno subterfúgio do Olathe não

conseguiu enganá-lo. Sabia que teria que matá-lo um momento ou outro. O

truque era fazer o de tal modo que você deixasse sua preciosa e protegida

casa para perseguir o assassino.

—Queria que enfrentasse ao Olathe. Queria saber se meu sangue era mais

forte que a sua.

—Sim. Embora demorou mais da conta em averiguá-lo. Virtualmente te

desenhei um mapa. Marquei-te o caminho com miguitas de pão. Quão único

devia fazer era seguir o atalho, mas serpenteou, fez alguns passos em falso.

Um macaco o teria feito melhor. Embora, pensando-o bem, solo te separa dele

um pequeno elo. Lambeu-me a bochecha.

—Esta noite a magia é especialmente intensa, e cada vez estou mais faminto.

Tenho um corpo fresco me esperando em minha casa. E dentro de pouco terei

mais. Muitos nigromantes da Nação aceitarão me servir a mim em lugar da

esse louco em seu trono dourado. Acabemos com isto, o que diz?

Não disse nada.

—Nenhuma réplica engenhosa? Tem medo, Kate? —Sua voz passou a ser um

simples sussurro, mas suas palavras ressonaram podendo—. Estene aleera

hesaad de virem aneda—, E, agora, será minha para sempre.

OH, Deus. Para ele as palavras de poder eram uma linguagem. Senti a

pressão que exercia sobre mim a força da magia antiga, esmagando minha

mente com sua enormidade. Envolveu-me um torvelinho de luz, me arrastando

a profundidades desconhecidas. Mordi-me a língua e saboreei meu próprio

sangue. Algo furioso e desafiante cresceu em meu interior e emitiu um chiado.

Deslumbrada pela luz, ouvi como minha voz pronunciava uma só palavra.

Dair.

«Soltar».

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A luz se atenuou e vi os olhos de Bônus cravados em meus. Palavras

desconhecidas afloraram de um lugar longamente esquecido, embora seu

significado era inconfundível. «Arner tervan estene». Eu te matarei primeiro.

Rompi a garrafa contra um degrau. O vidro estalou em pedaços e se

esparramou sobre o cimento. Cravei a Bônus o bordo afiado na garganta e seu

sangue me salpicou. «Ud». Morre.

176

O estou acostumado a tremeu com o poder liberado sobre o mundo. O upir se

desabou enquanto se sangrava pela garganta. Corri para a porta e entrei na

casa. A barreira de amparo descendeu detrás de mim.

O upir emitiu um estranho gorjeio que lhe saiu de sua destroçada garganta,

mesclando-se com as fervuras de sangue escuro. levou-se as mãos ao

pescoço. Seus dedos se fecharam sobre o vidro empapado, escorregaram,

agarraram o bordo com força e o vidro o seccionó a carne dos dedos. Estirou e

se arrancou a parte de garrafa do pescoço, deixando-o cair ao chão

despreocupadamente.

O gorjeio se intensificou, vertendo sangue cada vez que tossia com dificuldade.

Fragmentos de vidro caíram da ferida arrastados pelo fluxo carmesim. Uma

criatura horrorosa reptó até o alpendre para olisquear a sangrenta garrafa.

Bônus o agarrou com uma mão e lançou seus vinte quilogramas de peso sobre

o corrimão como se se tratasse de um gatinho.

Seus dedos se fecharam sobre o terrível corte e secaram o sangue. A ferida se

estava fechando. À medida que se selava, o gorjeio se fez mais grave e

compreendi que Bônus estava rendo.

—Bom intento —disse me mostrando seu pescoço intacto—. Meu turno.

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Saltou sobre a porta aberta. Uma explosão carmesim percorreu a soleira e

Bônus deu um alarido antes de apartar-se dele. Saltou para trás e deu uma

volta sobre si mesmo, os olhos chamejantes. A prata que vertiam seus olhos

molhou suas bochechas, lhe manchando a pele. Já não havia nada humano

nele.

Voltou a arremeter contra a porta e reparou nos afiados e angulosos ossos de

vampiro que a protegiam do interior.

—Zorra!

—Pedra, madeira e osso, Bônus —pinjente fracamente—. Seu feitiço está

reforçando ao meu.

Gritou e todas as janelas da casa vibraram. Tampei-me as orelhas com as

mãos. Bônus golpeou com os punhos o chão do alpendre e as pranchas de

madeira estalaram.

—Não funcionará —lhe disse—. Embora derrube a casa inteira, o feitiço

seguirá em pé.

Olhou-me fixamente. Uns sulcos chapeados lhe marcavam o rosto, como se

em lugar de lágrimas, chorasse prata. Sua prole se estremeceu e se tornaram

ao chão.

—Isto não terminou —grunhiu—. Matarei a todos aqueles que lhe ofereçam

seu amparo. Matarei ao gato e devorarei sua carne. Sua magia será minha e

então retornarei. E nenhum feitiço poderá me deter!

Saltou do alpendre para internar-se na noite. Sua origem lhe seguiu. Apoiei a

cabeça na parede. A bebida me nublava a cabeça. O upir não tinha morrido.

Embora tampouco o esperava.

177

Alguém capaz de tecer as palavras de poder para as converter em frases não

podia morrer com uma simples palavra.

Page 260: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

O gato? Havia dito que mataria ao gato. referia-se ao Jim? Não, a Batalham,

tinha que ser Batalham. Jim não era o suficientemente forte para ameaçar meu

feitiço. Todos os camtaiaformas tinham uma resistência natural aos feitiços de

amparo. Um pouco relacionado com a parte animal de sua natureza. Batalham

era o que dispunha de uma maior resistência. Podia chamar o Jim para lhe

advertir.

Embora quem me acreditaria?

—«E os homens se burlaram do profeta!» —murmurei antes de me pôr em pé.

Chamei o Jim de todos os modos. Não agarrou o telefone e tampouco saltou a

secretária eletrônica.

* * *

A SACUDIDA DE um feitiço dispersandome rasgou o crânio. Apareceu a dor de

cabeça e o sonho se esfumou.

Havia alguém em minha casa.

Deslizei uma mão sob o travesseiro, encontrei o punho da adaga e a

desenvainé.

Fiquei tombada, respirando pausadamente. O silêncio e a escuridão reinavam

em toda a casa. Não havia necessidade de sair de caça. Fora quem fosse,

encontraria-me.

Uma sombra do tamanho de um homem apareceu no corredor, uma escuridão

mais insondável que as próprias sombras. Duvidou um instante e continuou

avançando. Fechei os olhos e lhe observei através das pestanas.

Cinco metros. Respirar, expirar. Quatro. Suficiente.

Lancei a adaga. A folha escura fendeu o ar e se cravou no ombro da sombra.

Mierda. Tinha falhado.

A sombra se equilibrou sobre mim. Alarguei o braço em busca de Assassina

mas o bode era muito rápido. Golpeei-lhe com ambos os pés, com força. A

Page 261: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

sombra os apartou e me agarrou pela boneca direita. Uns dedos de aço a

apertaram e a mão ficou inutilizada. Golpeei-lhe na garganta com a mão

esquerda. A sombra emitiu um grunhido e uns olhos amarelos me olharam de

perto.

178

—me solte a mão, casulo! Batalham me soltou e me esfreguei a boneca.

—Maldita seja, não sabe falar?

Olhou-me fixamente sem compreender. Alarguei o braço para acender a

lamparita de noite, recordei que a magia ainda não se retirou e tirei uma vela

da mesita. Acendi um fósforo. A fraca chama da vela prendeu. Batalham estava

frente a mim, com os olhos muito abertos, imperturbável. Diminutas marcas

vermelhas cobriam seu rosto e suas mãos, mesclando-se em uma uniforme

franja carmesim. Toquei-lhe a palma da mão com a ponta dos dedos e senti a

coceira da magia. Sangue. Batalham estava talher de sangue, gotas

minúsculas brotando de todos os poros de seu corpo. Tinha atravessado minha

barreira de amparo e esta se cobrou seu preço.

—Batalham?

Não deu amostras de me ouvir. Devia estar aturdido detrás fazer pedacinhos o

feitiço. A dor de cabeça me esmurrava o crânio como um martelo. Pu-me em

pé, agarrei a Batalham da mão, acompanhei-lhe ao quarto de banho e lhe

coloquei sob a ducha. Abri a água fria e deixei que a geada cascata lhe caísse

sobre o rosto. Baixei a tampa do privada e me sentei com a cabeça entre as

mãos. A água continuou caindo sobre ele. Teria dado a vida por uma aspirina.

Batalham deixou escapar um fôlego irregular e agarrou ar. A consciência

retornou a seus olhos.

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—Fria—disse. Tremendo, apagou a água e se sacudiu. As gotas apagaram a

vela e a escuridão voltou a engolimos.

Alarguei a mão às cegas e lhe lancei uma toalha. Encontrei a porta a provas e

me dirigia à cozinha. Em metade do curto corredor, algo me caiu sobre a

cabeça. Dava um salto para um lado e o agarrei ao vôo. Uma ramita.

Que demônios...?

Levantei a cabeça e vi o céu noturno. Uma brecha enorme e irregular decorava

o teto de minha casa. Batalham tinha eleito o ponto mais elevado, onde o

feitiço devia ser mais débil, e se tinha aberto passo através da barreira

levando-se parte do teto com ela.

Apertei os dentes, entrei na cozinha e encontrei um abajur feérica. Depois de

certa persuasão, o abajur acabou prendendo e sua discreta luz azul se

estendeu pela habitação. Batalham apareceu na soleira.

—Carregaste-te o teto —lhe disse.

—Era mais fácil que a porta —disse—. Chamei mas não respondia.

Massageei-me as têmporas. de agora em diante, não mais vinho.

Ouvi um ruído metálico. Levantei a cabeça e vi como Batalham deixava a

adaga sobre a mesa.

—Como tem o ombro?

179

—Adormecido —disse ele.

lhe dizer que tinha pontudo à garganta não melhoraria as coisas.

—Tinha razão —disse—. Não terminou.

—Sei —pinjente brandamente.

Page 263: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—É um upír.

—Sei.

—Tem ao Derek. Olhei-lhe fixamente.

—Enviei ao Derek e ao Corwin aos bosques —disse Batalham—. Lhes atacou

no ponto de encontro e se levou ao Derek. Quão último recorda Corwin é que o

menino tinha uma perna rota mas que estava vivo.

—E Corwin?

—Está ferido —disse Batalham.

—Grave?

—está morrendo.

—A TERCEIRA ÁRVORE pela esquerda —disse Batalham. Estávamos no

alpendre, ombro com ombro, a noite desdobrando-se a nosso redor.

—Vejo-lhe. —Algo com aspecto de réptil estava acuclillado sobre o ramo de um

álamo, sua larga cauda enrolada no tronco da árvore. O observador que tinha

deixado Bônus para me ter controlada.

—Não podemos lhe matar. Bônus acredita que ficarei em casa, oculta detrás

de minhas barreiras. Se lhe matarmos, saberá. Tem uma espécie de vínculo

telepático com eles. Batalham avançou a grandes pernadas até a árvore. A

coisa lhe observou com uns olhos enormes, protuberantes. Batalham saltou,

agarrou-se a um ramo baixo e subiu a ela. O monstro vaiou. Fui até o abrigo e

traje de volta um cilindro de arame de espinheiro. Batalham agarrou ao réptil

pelo pescoço, este emitiu um chiado e se soltou do ramo. Batalham o arrastou

até o chão, sentou-se sobre ele e atou o arame ao redor de seu pescoço. Tinha

a pele traslucida e de um tom oliváceo, e as escamas transparentes brilhavam

na noite. Batalham ficou em pé e atamos o outro extremo do arame a uma

árvore.

Encaminhamo-nos à linha de energia.

SENTAMO-NOS EM uma estreita plataforma de madeira, construída com

precipitação a partir de vários fragmentos desprezados. Eram conhecidos com

Page 264: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

o nome de táxis de energia, trambolhos baratos de madeira que estavam

empilhados junto aos pontos de energia. Nada vivo podia viajar sobre a linha

sem algum tipo de suporte sob seus pés.

180

Se foi o suficientemente estúpido para tentá-lo, a corrente mágica lhe

seccionaría as pernas à altura dos joelhos.

A linha de energia nos levou pelo norte de Atlanta a uns cento e cinqüenta

quilômetros por hora. A magia mantinha ao táxi completamente imóvel, tanto

que tinha a sensação de que a basta plataforma de madeira não se movia e

que o planeta girava tranqüilamente a seu redor.

—me explique outra vez o da barreira de ossos —disse Batalham em voz

baixa.

—O upir matou aos vampiros e se alimentou com eles. A carne que consumiu

criou um vínculo entre os ossos e ele. Ao introduzir os ossos na casa e atá-los

aos alicerces de pedra e aos muros, obriguei-lhe a lutar contra si mesmo. É

virtualmente impossível romper um feitiço desse tipo. Também deixei em seu

sítio os marcadores da barreira ao redor do jardim, para lhe permitir o acesso

direto ao alpendre. Estava muito emocionado para reparar nesse detalhe.

—Pô-lhe uma ceva?

—Sim.

—Então as barreiras de ossos podem reverter-se mas as de sangue só podem

romper-se por uma pessoa com um sangue similar?

—Maçãs e pêras —disse fracamente. Sentia-me cansada e inquieta ao mesmo

tempo—. As barreiras de sangue obtêm seu poder diretamente do sangue,

enquanto que as de Pedra—Madeira—Osso são barreiras ambientais. Extraem

o poder da própria magia. A presença dos ossos só serve para as definir, algo

similar ao que ocorre com as lentes que solo filtram uma cor determinada.

Page 265: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Bônus não pode entrar em minha casa quando a magia está ativa. E como ele

é magia pura, deve estar muito fraco para tentá-lo durante a tec.

Observei rodar o planeta; os vales e colinas, sumidos na escuridão, davam

voltas a nosso redor. Pobre Derek. Apertei os dentes.

—Não —disse Batalham.

—Teria que ter chamado a alguém. —Não nos olhamos. Preferimos seguir

contemplando o rosto da noite.

—Não tivesse importado —disse Batalham—. Os teria enviado ao bosque de

todos os modos. Era o lugar mais seguro para eles.

—Em retrospectiva, tudo encaixa. —Tinha a voz rouca—. Era o oficial do

Ghastek, e formava parte da unidade de reconhecimento da Nação. Sabia

quando saíam os vampiros e aonde se dirigiam. Conhecia as rotas que segue

sua gente desde suas instalações até a cidade. E dedicava seu tempo livre a

ligar com mulheres jovens no bar. —Tombei-me sobre a plataforma. Tinha

disposto da vantagem que me oferecia a visão da Anna e nem sequer isso me

tinha feito suspeitar nada—.

181

Sou tão estúpida. Batalham não disse nada.

As estrelas brilhavam com força, mofando-se de nós das alturas, rendo-se de

dois humanos montados em um montão de lixo. Fechei os olhos mas o sonho

me negou o descanso.

A mulher grunhiu enquanto batia as desemparelhadas mandíbulas e um

cambiaforma em forma humana deu um passo adiante.

—Dois grupos —disse o homem—. Uma pequena família do Waynesville e

nove pessoas do Asheville. produziu-se um deslizamento de terra e tiveram

que atravessar o lodo para chegar ao ponto.

Page 266: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Batalham assentiu e se dirigiu a grandes pernadas até a estrada de terra

flanqueada por densos arbustos.

Não muito longe de ali pude ouvir o horrível gemido de um veículo

reacondicionado.

—Um cavalo teria sido mais silencioso —pinjente

—Eu não gosto dos cavalos —disse ele.

A nosso redor, os arbustos estavam lotados de grácis forma. Observavam-nos

com olhos reluzentes, seguindo cada um de nossos movimentos. A Manada se

estava mobilizando, reunindo-se em suas instalações. Nenhum cambiaforma

ficaria fora de seus muros, e até que o último deles cruzasse a soleira de sua

fortaleza, as estradas de acesso permaneceriam fortemente controladas.

—Ninguém pode estar sempre em estado de alerta —disse Batalham como se

me tivesse lido o pensamento—. Detrás matar ao Olathe, deixei-lhes partir.

Mas não tinha terminado.

O estrondo produzido pelo veículo propulsado por água nos impediu de seguir

falando. Depois de uma curva na estrada, vi o Jipe reacondicionado protegido

por três lobos. Subimos a ele e Batalham o conduziu até o edifício.

—Cravei-lhe uma garrafa rota na garganta —lhe disse.

—Vi o vidro manchado de sangue.

—ficou a rir. Tinha a garrafa cravada no pescoço, estava sangrando e ria de

mim.

—Não rirá quando lhe encontrarmos. —Disse-o sem fanfarronice,

sinceramente, como quando alguém promete que comprará uma barra de pão

de caminho a casa.

O Calendário afirmava que o upir era imune ao metal, à madeira, à pedra, às

presas e às garras. Como demônios íamos matar o?

Batalham alargou o braço, apoiou um instante sua mão em meu antebraço e a

apartou. Por alguma razão, aquilo me reconfortou. Não havia razão alguma

para que o fizesse, mas o fez. Fechei os olhos, apoiei a cabeça nas pranchas

que emprestavam a umidade e fiquei dormida.

Page 267: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

182

UM LIGEIRO TOQUE no ombro despertou.

—Ponto de energia —disse Batalham.

Incorporei-me e vi a fissura na linha de energia a uns metros por diante, onde a

visão do mundo normal se distorcia. Diversas figuras altas nos esperavam.

—Amigos ou inimigos?

—Amigos.

A plataforma se curvou, tentando contrair-se sobre si mesmo. As velhas

pranchas rangeram sob a pressão e se fizeram escorregadias à medida que a

úmida madeira expulsava a água. A linha tremeu com uma sacudida

espasmódica e lançou aos disformes braços de uma dúzia de cambiaformas.

Umas mãos em forma de garras me ajudaram a descer da plataforma. Pu-me

em pé por mim mesma.

—Quantos ficam? —perguntou Batalham à fêmea principal.

PESADA-A RESPIRAÇÃO do Corwin ressonava na enfermaria da manada

como o tangido de luto de um sino.

Seu rosto desencaixado estava gasto, a pele cinzenta pega ao osso. Olhou-me

fixamente com seus olhos febris.

—A chamada do Bosque —sussurrou. Toquei-lhe a mão e umas unhas

infames me rasgaram a pele—. Uma boa caça —disse o homem—lince.

—Não sabe quem é —me disse Doolittle por cima do ombro. Lentamente,

retirei minha mão e lhe acariciei a pelagem felpuda.

—Não durará muito —disse Doolittle.

—Dói —disse Corwin com voz rouca. Olhei ao Doolittle e este negou com a

cabeça.

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—Não posso lhe dar nada para acalmar esse tipo de dor.

—Quando lhe encontramos, estava empalado no poste de uma luz —disse

Batalham em voz baixa.

Corwin se incorporou. Umas mãos enormes me agarraram pelos ombros e

seus olhos verdes flamejaram, repentinamente lúcidos.

—Estou-me morrendo —rugiu.

—Sim —lhe disse ao mesmo tempo que Doolittle o negava. O gato se agarrou

para mim com firmeza.

—Nunca veio ao Bosque —disse.

—Não. —Sustentei-lhe com cuidado. Seu peito se estremecia, sacudido pela

dor.

—Uma lástima... —sussurrou o gato.

183

Fraquejou entre meus braços e lhe ajudei a reclinar-se sobre o travesseiro.

Começou a tremer. Uma corrente de sangue empapou os lençóis, deixando a

um lince entre o matagal de ataduras. Sua pelagem estava condensada e

sangrento.

—Mierda! —gritou Doolittle me apartando.

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Afastei-me da cama enquanto ele cogia rapidamente uma seringa. Batalham

me agarrou pelos ombros e me obrigou a olhar para a cama situada ao outro

extremo da sala.

—Necessito que identifique a alguém—disse.

Olhei em direção à cama e vi um homem convexo de costas e coberto até o

queixo com um lençol. Havia algo muito pouco natural em sua rígida pose.

Batalham retirou o lençol e vi que o homem estava pacote à cama. Fixei-me em

seu sujo cabelo castanho e em seu duro rosto. Resultava-me familiar. Tinha-lhe

visto antes. O homem abriu os olhos e dava um passo atrás, reconhecendo de

repente a promessa em seus pálidos olhos. O vagabundo do escritório do Ted.

As peças encaixaram. Que estúpida tinha sido.

—Encontramo-lhe junto ao Corwin, inconsciente —disse Batalham—. Parece

ser que tentou ajudar ao Derek, embora não quer me dizer por que.

—Solta-o —disse. Batalham me olhou.

—Tem problemas para controlar-se.

—Solta-o —repeti—. Não deveria ter a um Cruzado da Ordem pacota em sua

enfermaria, Batalham.

Um som agônico chegou a meus ouvidos procedente da cama do Corwin, o

alarido rouco e nefasto de um animal agônico. Por um instante, Batalham

pareceu estar a ponto de golpear a parede com o punho, mas o impulso se

desvaneceu e a expressão de calma retornou a seu rosto.

—Faz que se comporte—disse Batalham—e lhe desatarei.

Sentei-me no bordo da cama. O olhar do Cruzado tinha um toque de loucura.

Todos os Cruzados estavam loucos. Formava parte de seu trabalho. Se

naquele momento se liberasse de suas ataduras, tentaria matar a tudo o que

se encontrasse na habitação.

—Sei quem é o upir —lhe disse ao Cruzado—. E sei o que quer. —Olhou-me

fixamente. Assim que um Cruzado te meu raba, quando cravava seus olhos em

ti, começava a suar, seus músculos se esticavam e sabia que solo ficavam

duas opções: lutar ou fugir. Entretanto, naquele momento não me olhava

daquele modo. Simplesmente me escutava—. O upir não partirá —disse—.

Logo virá e enfrentarei a ele. — Assinalei a Batalham—. E ele também.

Enquanto Batalham e eu lutamos e sangramos, um homem seguirá pacote a

esta cama porque é muito teimoso para comprometer-se.

Page 270: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Tiraram-me minhas armas —disse o Cruzado. Batalham assentiu.

184

—Pode as recuperar se prometer não atacar a minha gente. E ficar nestas

instalações. Agora mesmo não posso permitir que perambule por aí jodiéndolo

todo. Ou coopera ou fica pacote à cama.

Olhei ao cruzado. A loucura brilhou em seus olhos um instante antes de

desaparecer.

—De acordo —disse.

Extraí uma faca de meu cinturão e cortei a cinta que sujeitava seus braços. O

cruzado se incorporou enquanto se esfregava as bonecas. Ofereci-lhe a faca e

cortou as cordas dos tornozelos.

—Como te chama? —perguntei-lhe.

—Nick —disse. Tinha posto o moletom característico da Manada e cheirava a

limpo. Olhei a Batalham.

—Obrigou-lhe a tomar banho?

—Demo-lhe um bom mergulho de cabeça —disse Batalham—. Tinha piolhos.

—Minhas armas —disse Nick.

Batalham nos indicou que lhe seguíssemos e o fizemos. Conduziu-nos até o

corredor e, de ali, a uma pequena habitação.

—Tenho que partir —me disse Batalham com a mão no pomo da porta. deu-se

a volta e os dois homens cruzaram um olhar, avaliando-se—. Não te mova

daqui.

Page 271: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—Não o fará —lhe disse. Os cruzados estavam loucos, mas seguiam sendo

Cavalheiros da Ordem. Podia confiar-se em sua palavra.

Batalham nos abriu a porta e partiu. Entramos na habitação.

Uma solitária cama pega à parede junto a um pequeno armário e um escritório

abarrotado de metal. O lugar não parecia estar habitado: nenhum objeto

decorativo pessoal, nenhum objeto de roupa desordenada. Um pesado saco de

boxe pendurava do teto e me perguntei se aquilo seria o habitual em todas as

habitações. Nick se aproximou do escritório e eu me sentei na cama.

Quando os cambiaformas lhe apanharam, ia armado para a caça do urso. Uma

dúzia de afiadas facas brilhavam sobre a mesa, junto a 9 mm Sig Sauer, .22,

vários carregadores e caixas de munição. Uma larga cadeia estava enrolada ao

redor da escopeta. De prata, a julgar pela cor do metal. Em um dos extremos

da mesa, uma espada curta de uso gladiador, rodeada de vários facões e uma

folha de serra em forma de meia lua desenhada para seccionar jugular. Em

uma esquina, um matagal de cordas e vários objetos de madeira: um pau.

Também havia um cinturão multiusos, dois muñequeras de pele, desenhadas

para levar as facas, uma vagem negra, um estojo de primeiro socorros—r e

vendagens.

185

Nick se tirou a parte superior do moletom, deixando ao descoberto um torso

com diversas cicatrizes. Levava uma atadura ao redor de seu ombro esquerdo.

Retirou as vendagens, exibindo uma ferida irregular e recente, e aplicou sobre

ela a vendagem. Depois de agarrar um cilindro novo de gaze que havia sobre a

mesa, começou enfaixar-se de novo o ombro. Pu-me em pé, coloquei a seu

lado e lhe aconteceu a vendagem pelas costas.

Trabalhamos em silêncio até que a ferida ficou perfeitamente coberta. Voltou a

ficar o moletom e se atou o cinturão multiusos ao redor da cintura.

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—Quanto tempo leva lhe rastreando? —perguntei-lhe. Não me olhou; seguia

concentrado no arsenal frente a ele.

—Quatro anos. —Deslizou os afiadas facas um a um nas Primeiro muñequeras

no Quebec, depois no Seattle.Y enTulsa.

Apoiei uma mão no escritório.

—Nada de tudo isto lhe matará.

Nick embainhou o gladius em sua capa. Era-lhe indiferente não dispor de nada.

Tentaria-o de todos os modos.

—Como soube que o upir atacaria ao menino?

—Tinha um vínculo contigo. Era um objetivo óbvio.

—Eu sou melhor objetivo.

—Não. te quer viva. Para reproduzir-se. —Deu um passo minha direção e me

tocou um braço. Um pálido luminescência vibrou na ponta de seus dedos e se

apagou—. Poder — disse—. Se sente atraído por ele como uma traça à luz.

Ele não necessitava demonstrações. Sabia com um simples contato. Tentei

recordar se me havia meio doido no escritório do Ted. Tínhamo-nos roçado ao

sair da habitação.

—Responsabilizou-te do menino —disse—. E deixou que o apanhassem. Tinha

razão.

—E o diz alguém que se deixou apanhar pela Manada e que acabou pacote a

uma cama. Direi-te uma coisa, me traga a cabeça do upír e deixarei que me

julgue. Olhou-me um instante com o semblante inexpressivo e, continuando,

disse com sua voz irritante:

—Parece-me justo.

Movemo-nos ao mesmo tempo e acabei olhando o canhão de seu Sig Sauer

enquanto mantinha a ponta de Assassina pega a seu jugular. Não estava

segura de como tinha sabido que ia mover se.

A porta se abriu lentamente. Alguém entrou na habitação e se deteve. Nenhum

dos dois desejava apartar o olhar. Passaram uns segundos e o recém-chegado

Page 273: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

partiu por onde tinha vindo. A porta se fechou com um estalo. Um golpe seco

na porta rompeu o silêncio.

186

Fiz- uma careta ao Nick.

—Se for fazer algo, faz-o já, assim poderei te fatiar o cangote e seguir com

minha vida. O canhão da pistola apontou ao teto e desapareceu na capa com

um clique tranqüilizador.

—Agora não—disse. Guardei a Assassina em sua vagem. Outro golpe na

porta.

—Adiante —disse.

A porta se abriu e na soleira apareceu uma mulher cambiaforma.

—Batalham deseja lhes ver —me disse.

A mulher nos acompanhou à sala do Conselho, na parte traseira do auditório, e

nos sustentou a porta. Ao entrar, vi uma garota morta no chão. Estava de

flanco, com as pernas abertas obscenamente, os braços estendidos para

diante. Sua camiseta estava manchada de mofo. Um diminuto coração em uma

larga cadeia de ouro, do tipo que uma garota jovem compraria para ela mesma,

derramava-se entre o tecido rasgado e terminava no chão. Uns sulcos

profundos percorriam o chão de madeira onde suas unhas tinham arranhado as

pranchas. Devia haver-se transformado antes de morrer.

Tinha a cabeça em um ângulo pouco natural, os olhos azuis cravados no teto.

Parecia jovem, aterradoramente jovem; quatorze anos no máximo. Alguém lhe

tinha partido o pescoço, poda, rapidamente, com um movimento brusco.

Batalham observava o corpo da penumbra. Manon estava sentado contra a

parede, esfregando-a frente. Com a mão sujeitava uma folha de papel branca.

—O upir enviou um número de telefone —disse Batalham.

Page 274: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Manon se levou uma mão à cara. A cena se repetiu frente a meus olhos: a

garota equilibrando-se, seus olhos enlouquecidos com os pensamentos do upir,

transformando-se em metade do salto em uma besta inverificada; Mahon

interpondo-se em seu caminho, agarrando-a entre seus descomunais braços,

partindo ossos por instinto, antes de que o cérebro reagisse; a garota

transformando-se de novo e desabando-se no chão... Não perguntei em que

parte do corpo tinham encontrado a nota.

—Chamará-lhe? —perguntei.

—Sim —disse Batalham—. Alguma sugestão?

—Perde os estribos quando as coisas escapam a seu controle —disse—. E

pensa com a franga. —Não era muito.

Batalham agarrou o telefone com alto-falante e marcou o número. O comprido

tom ressonou pela habitação, uma, duas vezes. Um estalo anunciou que

tinham desprendido e a voz de Bônus disse:

—Vejo que recebeste minha mensagem.

187

—Sim —disse Batalham.

—mataste à garota, gato? Está tendida no chão? Está olhando-a agora

mesmo, te perguntando como tivesse sido follártela? Posso te ajudar. Era

doce, torpe e estúpida, mas doce. um pouco seca também, mas sangrou muito,

de modo que isso o compensou.

Batalham parecia depravado, quase tranqüilo.

—Está sua noiva contigo? —perguntou Bônus. Estava muito excitado, e

balbuciava ao falar, como se se tivesse metido algo—. A alta, moréia, com

olhos afiados. Estive-a procurando mas se partiu, assim agarrei à loira humana

que tinha antes que ela. Comerei- isso amanhã. O truque da carne fresca é

abrandá-la em um lugar quente. Embora você lhe come isso crua, de modo que

Page 275: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

é uma perda de tempo tentar te educar nas sutilezas da cozinha. Meus filhos

estão preparando a sua garota para filetearla. Você gostaria de ouvi-la gritar?

Chegou-nos o som de uma porta ao abrir-se e a voz de uma mulher na

distância:

—Por favor,

não

—rogava aterrorizada—. Por favor, por favor, por favor...

Eu. Teria

que

ter sido eu. Quão único podia fazer era escutar.

O rosto de Batalham continuou impertérrito. Agarrou uma cadeira e dobrou as

patas metálicas até as converter em uma massa irreconhecível.

Súbitamente, a mulher se engasgou, alcançando uma nova intensidade de

pânico, e começou a soluçar e a gritar de um modo assustador. A sala se

encheu com seu desespero. Não havia esperança para ela. Era consciente de

que estava morrendo e de que não havia escapatória. Gritou com toda sua

alma, uma, duas vezes, e ficou em silêncio.

—Idiota! —rugiu Bônus, e, continuando, a inconfundível e desumana

choramingação do Arag.

—perfurou uma artéria —retornou a voz de Bônus—. É muito simples. Cortar o

estômago e extrair os intestinos, mas não, vai ele e secciona uma artéria com

suas garras. Agora terei que limpar as tripas. Não tenho mais remedeio que

matá-lo. As choramingações se afastaram paulatinamente do telefone.

—me diga uma coisa —disse Bônus—. Gritava do mesmo modo quando lhe a

follabas? Comigo não quis gritar, solo soluçava. Muito decepcionante. Segue

aí, mestiço?

—Estou aqui. E eu também quero que escutar Aviso, Kate.

—Olá—pinjente.

produziu-se um silêncio ao outro lado da delineia.

—Não é ela —disse Bônus—. Ainda segue em sua casa.

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188

—Que tal o pescoço? —perguntei—. Segue cuspindo vidro?

—Está aqui—disse Batalham—. Comigo. Esta noite, enquanto espera que o

corpo se abrande, pensa em mim e nela. Pensa em como me suplica para que

o faça.

—Ao final será minha. —A voz de Bônus soava tensa. Batalham emitiu um

suspiro grave.

—Espero que meu esperma te sirva de lubrificante. Bônus pendurou o telefone

de repente. Dava-me a volta e saí da habitação.

Percorri os corredores até encontrar a habitação onde o Cruzado e eu

tínhamos tido nosso pequeno enfrentamento. Nick não estava. Confiei em que

tivesse o suficiente sentido comum para permanecer nas instalações. Encher o

saco a Batalham agora mesmo era um suicídio.

Fechei a porta e me aproximei da janela. Estava chovendo. O céu cinza vertia

água cinza sobre a erva sem brilho. As cinzas tonalidades do exterior se

filtravam na habitação, impregnando os escassos móveis. A chuva cessaria em

qualquer momento, deixando a erva e as árvores de um verde brilhante,

reluzentes e frescos. Era estranho como um pouco tão anódino e cinza podia

rejuvenescer o mundo. No pequeno armário junto à cama encontrei um par de

moletons cinzas e pouco mais. Deixei a Assassina e sua vagem sobre um

espartano cobertor azul, despi-me e me pus o moletom. Comecei lentamente,

fazendo estiramentos, saltando uma corda invisível, até que o calor se

estendeu por meus músculos. Fiz ranger o pescoço e ataquei o saco de boxe.

Não estava segura de quanto tempo tinha passado. Tinha a parte superior do

moletom e a camiseta interior empapadas de suor; o tecido se pegava a

minhas costas. Meu cérebro descartou o som. Lancei outra patada, seguida de

um forte murro, e de novo outra patada antes de que minha mente apertasse o

freio.

—Adiante.

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Batalham entrou a habitação e fechou a porta. Sequei-me o suor da frente e

me desentorpeci. sentou-se em uma cadeira com as mãos sobre os joelhos e

baixou o olhar, esperando a que terminasse

—tornou a chamar—disse quando terminei.

—O que há dito?

—Delirou durante um momento. Prometeu me matar mas não atacará as

instalações da Manada.

—Esperava que o fizesse?

—Não. Desejava-o.

Sentei-me sobre a cama. Bônus não jogaria suas cartas do modo em que

desejávamos que as jogasse. Negaria-nos um enfrentamento precipitado no

que os números estariam do lado da Manada. Naquela nova era, o combate

entre indivíduos decidia o destino de muitos.

189

Bônus desafiaria a Batalham. Era inevitável. Batalham ameaçava sua

masculinidade; tinha-o convertido em algo pessoal, e quando o desafio se

produzira, Batalham teria que aceitá-lo. Era o Líder da Manada, o macho alfa, e

não podia permitir o luxo de retroceder. Não se ocultaria na segurança da

Manada enquanto o upir acampava a suas largas, matando a todos aqueles

cuja morte acreditava que nos provocaria dor. Olhei a batalham.

—Você... —Detive-me enquanto pensava na palavra correta. Noiva parecia

inadequada; mulher, muito impessoal—. Sua Senhora —disse finalmente—,

está a salvo?

—Sim —disse ele—. Está aqui.

Page 278: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Assenti enquanto escutava o eco dos gritos de outra mulher em minha cabeça.

Batalham levantou a vista, a angústia refletida em seus olhos. Parecia maior e

cansado.

—Não é que não me importe —disse. Ele também seguia escutando os gritos.

—Sei.

—Não posso permitir que me intimide.

—Sei —repeti com calma.

—Sinto-o —disse, embora não estava segura da que se referia exatamente. E

saiu da habitação.

Fiquei na cama, pensando. Todo mundo tinha uma debilidade. As leis da

natureza indicavam que tudo ser tem um depredador, ou uma enfermidade, ou

uma vulnerabilidade que forma parte de sua própria essência. O upir devia ter

uma debilidade. Embora não a encontraria em nenhum livro. Se assim fora, o

cruzado teria dado com ela. Pensei em tudo o que tinha ocorrido da morte do

Greg, repassando os acontecimentos cuidadosamente, tentando recordar todos

os detalhes. Pensei em Bônus, nos lugares que estava acostumado a visitar,

na gente que podia ter conhecido, nas coisas que tinha feito.

A chuva começou a cair com mais força. A roupa empapada de suor esfrio

minhas costas.

A habitação não tinha telefone. Pu-me em pé e saí ao corredor. Provei em

distintas habitações até encontrar uma que tivesse. Fechei a porta e marquei o

número.

—Olá —disse uma voz masculina com a suavidade de alguém para quem a

cortesia formava parte de seu trabalho—. chamou ao escritório da Nação. No

que posso lhe ajudar?

—Tenho que falar com o Ghastek.

—O senhor Ghastek está ocupado nestes momentos...

—passe-me isso Agora.

Não gostou de meu tom de voz. O telefone emitiu um estalo e quando ficou

Ghastek distingui uns sons de fundo.

Page 279: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

190

—Olá?

Umas vozes discutindo. Não estava sozinho.

—Tinha que lhe sabê-lo disse—. Foi seu oficial durante dois anos.

—Não entendo...

—Não—rugi.

Havia tanta ira em minha voz que Ghastek ficou em silêncio.

—Fala, Ghastek. me conte o que sabe.

—Não—disse.

Fechei os olhos e tentei pensar com claridade. Poderia lhe fazer uma visita e

destroçar tudo o que encontrasse a meu passo. Tinha frustração mais que

suficiente que descarregar.

Para quando conseguissem me deter, o estábulo de vampiros da Nação estaria

talher de sangue. Podia fazê-lo.

E o desejava com todas minhas forças, mas aquilo tampouco resolveria o

major de meus problemas.

—Depois irá a por ti —lhe disse—. Te detesta. Nestes momentos está ocupado

com outra coisa, mas quando tiver matado tudo o que odeia, encontrará-te e

acabará criando a vampiros para ele e sua prole. Converterá-te em seu

cozinheiro pessoal.

—Crie que não pensei nisso? —murmurou Ghastek com ferocidade.

—Então me conte o que sabe. Agora! Silêncio como resposta. Passou um

instante, e depois outro.

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—Não tenho nada que dizer —disse Ghastek antes de couve gar. Lutei contra

a necessidade de arrojar o telefone contra a parede.

—Pedir informação à Nação é fútil e estúpido —disse Nick detrás de mim—.

Não lhe venderiam nem um guarda-chuva usado em metade de uma tormenta.

Dava-me a volta. Seu cabelo, recolhido em uma rabo-de-cavalo, parecia muito

mais claro. A barba de vários dias havia desparecido, deixando um rosto duro

mas agradável, mais espaçoso. Cruzou a habitação movendo-se como um

perito em artes marciais, seguro de suas destrezas e sem ter que competir

para demonstrá-lo, mas ainda muito jovem e musculoso para ter a tripa de um

sensei. Soube que era rápido e que estava bem treinado, provido de uma

memória muscular que lhe permitia rebater uma patada ou um murro sem

deter-se refletir.

deteve-se uma distância respeitosa e me dava conta de que cheirava a sabão

Irish Spring. Por um instante, não estive segura de se estava olhando ao

mesmo homem e então nossos olhares se encontraram. Senti o familiar desejo

de dar um passo atrás.

—Vá, se for adorável —pinjente, tentando controlar um ataque de risada

histérica—. Solo te falta um desses pendentes na orelha.

Dirigiu-me um de seus olhares assassinos.

191

—Sinto curiosidade —lhe disse—. Quando faz isso com alguém, ficam a tremer

e caem ao estou acostumado a aterrados?

—Normalmente morrem sem dar-se conta de nada —disse.

—Não te funcionou com o upir.

carregou-se ao ombro uma volumosa mochila.

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—Vai a alguma parte? —perguntei-lhe enquanto me sentava na cama.

Provavelmente, meu tempo de reação era similar ao dele, e havia a suficiente

distancia entre ambos. Se tentava algo, tinha tempo de evitá-lo.

—Sim.

—E como pensa esquivar aos sentinelas da Manada?

—Espero que me ajude a sair daqui —disse—. Me tiraram o acónito, mas sei

que você tem.

Esfreguei-me a cara com as mãos. É obvio que tinha acónito; teria sido uma

estupidez me aventurar no território da Manada sem ele. E, provavelmente, me

dava melhor que a ele utilizá-lo.

—por que teria que te ajudar a escapar? Tem idéia do encho o saco que

pilhará Batalham? Seria melhor que me cortasse as veias agora.

—Tendo em conta os planos que o upir tem reservados para ti, não seria uma

má idéia.

Nick se aproximou, alargou um braço lentamente e me roçou a mão com seus

dedos. Um súbito comichão produzido pela magia se estendeu por minha pele

e seus dedos despediram um resplendor esbranquiçado, como se tivesse

submerso a mão em pintura fluorescente.

Apartei-me.

—Importaria-te deixar de fazer isso? Seu olhar me sondou.

—Quem é? De onde sai?

—Estou bastante segura que de meu pai e de minha mãe —lhe disse—. Verá,

quando um homem introduz seu pênis na vagina de uma mulher...

—Sei como lhe matar —me interrompeu. Fiquei em silêncio e Nick se sentou a

meu lado, na cama.

—Em Washington, segui-lhe até o Santuário da Gorgona. Violou às

sacerdotisas e aniquilou aos sacerdotes, mas antes de que matasse ao

Supremo Sacerdote do santuário, este me disse como podia acabar com ele.

Mas para isso necessito meus instrumentos. me ajude a sair daqui e retornarei

com a arma para combatê-lo.

Page 282: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

—por que não o conta a Batalham? Negou com a cabeça.

192

—O Senhor das Bestas não me escutará. Solo tem um objetivo em mente:

manter a salvo à Manada. Não deixará que me parta.

—diga-me isso —lhe disse.

—Ajudará-me?

—Primeiro me diga isso e depois verei o que posso fazer. Nick se inclinou para

frente.

—Com o osso de uma presa —sussurrou—. Lhe pode matar com osso.

—Ajudarei-te —pinjente—. Mas enquanto esteja fora, necessito que me faça

um favor. me traga um presente, Nick.

BATALHAM ME OLHOU fixamente. Não era um de seus olhares assassinos.

Simplesmente me olhava, sem expressão alguma no rosto.

—Onde está o Cruzado? —perguntou-me em um tom moderado.

—Precisava estar um tempo só —lhe disse—. Pode que me equivoque, mas

acredito que não vai muito isso de trabalhar em equipe.

Na habitação havia sete pessoas: Batalham, Jim em forma de jaguar, Mahon,

dois sentinelas lobo, o responsável pelos estábulos e eu.

Os sentinelas e o responsável pelos estábulos pareciam definitivamente

incômodos. Seus olhos ainda lacrimejavam por culpa do acónito e ao sentinela

da esquerda lhe tinha provocado uma reação alérgica a julgar pelo inchaço dos

olhos, os sarpullidos e o nariz que não deixava de gotejar e que,

provavelmente, desejava limpar-se desesperadamente. Se não tivesse sido por

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Batalham, o mais provável é que tivesse recorrido ao lenço, mas a presença do

Senhor das Bestas lhe mantinha parecido ao chão. De modo que permaneceu

imóvel enquanto escorria pelos dois buracos do nariz.

Batalham assentiu com calma, fingindo compreensão. Era muito sereno para

meu gosto. Em seu lugar, eu tivesse estalado. Flexionei a boneca ligeiramente,

sentindo o bordo da muñequera de pele carregada de agulhas de prata contra

minha pele. Mahon se tinha devotado amavelmente a sustentar a Assassina

enquanto Batalham e eu mantínhamos nosso pequeno bate-papo. Não tinha

importância. Tampouco podia matá-lo naquele momento. Deveria. Tampouco

deveria matá-lo naquele momento. Podia deixá-lo para mais adiante.

O Senhor das Bestas se cruzou de braços. Seu rosto parecia plácido. A calma

que precede à tormenta...

O jaguar a meus pés se esticou e tentou fazer-se mais pequeno para passar

desapercebido. Nick tinha necessitado uma distração enquanto cavalgava

como um morcego fugindo do inferno sobre o cavalo que tinha tomado

emprestado do estábulo da Manada. Eu lhe tinha proporcionado essa distração

dirigindo ao Jim e a sua partida de cambiaformas cheios o saco na direção

oposta.

193

—Para deixar as coisas claras —disse Batalham—. Entenderam bem que não

queria que nem você nem o Cruzado saíssem destas instalações?

—Sim.

—Isso pensava —disse Batalham.

Agarrou-me pelo pescoço e me estampou contra a parede. Meus pés não

tocavam o chão. Seus dedos se fecharam ainda mais ao redor de meu

pescoço.

Golpeei sua mão e lhe cravei uma larga agulha de prata no nervo da palma,

entre o dedo indicador e o polegar. Os dedos de Batalham começaram a

tremer. Sua mão se abriu, me liberando. Escorreguei até o chão e lhe atirei

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uma patada nas pernas. Batalham caiu. Rodei pelo chão e me pus em pé. No

outro extremo da habitação, Batalham ficou em cuclillas, os olhos chamejantes.

Não durou muito mais de dois segundos. O surpreso público não teve tempo de

reagir.

Batalham se levou a mão à agulha, extraiu-a e a atirou ao chão sem apartar em

nenhum momento os olhos de mim.

—Não passa nada —lhe disse—. Tenho mais.

Batalham arremeteu com um salto espetacular da posição em cuclillas. Corri

para ele, agachei-me e lhe cravei outra agulha no estômago. Ambos chocamos

com o corpo do Manon.

—Não! —grunhiu o Urso.

Ricocheteei contra sua perna e fiquei sentada no chão, piscando

estupidamente.

Manon agarrou a Batalham pelos ombros e lutou com ele para imobilizá-lo. Uns

músculos enormes sobressaíram de seus ombros e braços, rasgando as

costuras das mangas da camisa.

—Agora não —rugiu Mahon. Seu tom razoável não sortiu nenhum efeito.

Batalham aferrou os braços do Mahon no que parecia o início de uma chave de

judô, mas Batalham o fez degenerar em uma brutal prova de força. O rosto do

Mahon adquiriu uma tonalidade violácea corno conseqüência do esforço. Seus

pés escorregaram sobre o chão.

Pu-me em pé. Ao Mahon tremiam os braços, e o rosto de Batalham estava

branco pela tensão. O Urso contra o Leão. A habitação transbordava tanta

testosterona que poderia haver-se talhado com uma faca. Olhei aos sentinelas.

—Será melhor que vós e Jim saiam daqui —os pinjente. O licántropo mais

jovem se revolveu, incômodo.

—Não aceitamos ordens de... O macho maior lhe interrompeu:

—Vamos.

Saíram da habitação levando-se com eles ao jaguar.

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194

Aproximei-me dos homens em campo de batalha e, muito lentamente, rodeei a

boneca de Batalham com uma mão.

—Solta, Batalham. Por favor, solta-o. Vamos. Está cheio o saco comigo, não

com ele. Solta-o.

Paulatinamente, a tensão desapareceu de seu rosto. O fulgor dourado de seus

olhos se extinguiu. Seus dedos se relaxaram e os dois homens se separaram.

Mahon resfolegava como um cavalo de tiro exausto.

—Não lhe sinta muito bem a minha pressão sangüínea —disse. Encolhi-me de

ombros e girei a cabeça em direção a Batalham.

—Pior lhe sinto à sua.

—Partiu-te —disse Batalham—. Sabiam o jodidamente importante que era e,

em que pese a tudo, partiu-te.

—Nick conhece um modo de lhe matar. Necessita uma arma e você não lhe

teria permitido sair daqui —disse.

—E se o upir te tivesse pego —disse em voz baixa—, o que teria feito então?

Tirei do bolso uma esfera que me tinha dado Nick e a mostrei. Tinha o tamanho

de uma noz, era metálica e o suficientemente pequena para caber na palma de

minha mão. Apertei os flancos da esfera e de seu interior brotaram três puas

recubiertas de líquido.

—Cianeto —lhe expliquei.

—Não pode lhe matar com isso. —Batalham fez uma careta.

—Não é para ele. É para mim.

Os dois cambiaformas me olharam surpreendidos.

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—A gente estava morrendo —disse—. Ele ria, e o único que podia fazer era

estar sentada, a salvo. Batalham grunhiu.

—Crie que é fácil para mim?

—Não, Mas você está acostumado. Tem experiência te responsabilizando da

vida de outros. Eu não. Não quero que outros morram por mim. O sangue já

me chega à altura dos joelhos.

—Tive que enviar patrulhas —disse Batalham—. Por sua culpa. Não morreu

ninguém mas poderia ter acontecido. Tudo porque não podia suportar não ser

o centro de atenção durante umas horas.

—É um casulo.

—Que lhe jodan. Olisqueé o ar.

—Que demônios é esse aroma? OH, espera um segundo, é você. Empresta.

Comeste-te uma mofeta ou é seu aroma habitual?

195

—Já é suficiente —grunhiu Mahon, conseguindo que ambos guardássemos

silêncio—. Estão lhes comportando como crios. Batalham, hoje não tem feito

meditação, e a necessita. Kate, há um saco de boxe em sua habitação.

Descarga a tensão com ele.

—por que tenho que golpear um saco enquanto ele medita? —murmurei ao

sair da habitação.

—Porque ele rompe os sacos quando o faz —disse Mahon.

antes de entrar em minha habitação, compreendi que tinha obedecido ao

Mahon sem lhe questionar, sem duvidá-lo. Tinha um aura paternal que sempre

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conseguia me desarmar. Embora não tinha feito uso dela ao enfrentar-se a

Batalham. Tentei averiguar o motivo enquanto me desafogava com o saco.

Meus golpes eram patéticos. O cansaço me venceu e, vinte minutos mais

tarde, rendi-me, dava-me uma ducha e me tombei na cama sem ter encontrado

uma resposta.

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196

Capitulo 10

Alguém estava a meu lado, abri os olhos e enfoquei.

O rosto de Batalham. Estava apoiado na parede junto à cama, me observando.

— O que ocorre?

— chamou —disse.

Incorporei-me sobre a cama.

— decidiu já que quer brigar?

— Sim. A ceva é Derek. Tem-lhe quebrado as pernas e lhe pôs ferros para que

os ossos não possam curar-se. Cada vez ficava melhor.

— pôs alguma condição?

— Eu, o cruzado e você. Esta noite.

Perfeito. Uma festa para o Top três da lista preferida do upir.

— Onde?

— No ponto de energia sudeste. Diz que nos guiará de ali.

— Levará apoio?

— Não —disse Batalham. Não era necessário que mencionasse os motivos:

sua palavra, seu orgulho, seu dever, o fato de que o upir mataria ao Derek.

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Qualquer de todo isso servia.

Esfreguei-me a cara para me desfazer do sonho.

— Que horas são?

— Meio-dia.

A patrulha me tinha apanhado às sete da manhã e me tinha deitado por volta

das oito, o que significava que tinha dormido um total de quatro horas.

— A que hora temos que ir ?

— Às sete e meia.

Voltei a me recostar, tampei-me com a manta e bocejei.

— Bem, desperta às sete.

— Então, virá?

— O que esperava? O que me ocultasse aqui?

— referiu-se a ti como seu pequeno aperitivo.

— É um encanto.

— E o único que tem em mente é follarte. —Levantei a cabeça o justo para lhe

olhar à cara.

197

— Batalham, o que quer de mim?

— por que quer aparearse contigo?

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— Porque me dá muito bem. Agora te largue, por favor. Batalham não lhe fez

muita graça minha ocorrência.

— Quero saber por que lhe põe dura cada vez que pensa em lhe colocar isso

Pode que aquela frase tivesse um dobro sentido, mas Batalham não parecia de

humor para dar-se conta.

— Como vou ou seja o? –pinjente—. Talvez a idéia de torturar a meus filhos

ponha brincalhão. Solo dormi quatro horas. Ao menos necessito quatro mais,

Batalham. te largue.

— Descobrirei-o. —Aquilo soou como uma ameaça.

— Dá-lhe muita importância. —Batalham se separou da parede.

— Como encontro ao Cruzado?

— Chegará em um par de horas. Pensava que receberia um convite. Por favor,

esta vez não lhe tire suas armas. Vem por vontade própria.

Batalham saiu da habitação. Respirei fundo e me obriguei a deixar a mente em

branco. Nick chegou quando faltavam vinte minutos para as quatro. Estava

acordada, me pondo as botas. Fechou a porta e se apoiou nela. havia lhe

tornado a crescer um pouco a barba e seu cabelo parecia de novo gordurento.

— O que te tem feito no cabelo?

— Pó, gomina e um pouco de azeite.

— pensaste em patentear a mescla?

— Não.

Pu-me em pé e Nick fechou a porta com chave e extraiu um cilindro de pele do

interior de sua gabardina. Deixou-o sobre a mesa, desatou a corda que o

assegurava e o desenrolou com um ruído surdo. No interior havia duas folhas

amareladas, uma de uns trinta centímetros de comprimento e a outra do

tamanho de minha mão. Agarrei a mais larga. Estava feita com um fêmur

humano partido pela metade, e um comprido sulco percorria o centro da folha

onde antes tinha estado o tutano.

— Muito pesada —murmurei.

— E frágil —disse ele em voz baixa—. parti quatro.

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— por que não tinha uma quando enfrentou a Bônus para proteger Derek? —

Seus olhos flamejaram.

— Tinha uma –disse—. Se fez pedacinhos sob a jaqueta quando me golpeou.

Percorri as folhas com o dedo. Tendo em conta o pouco tempo de que tinha

disposto, estavam incrivelmente bem feitas.

198

— Com esta não conseguirei me aproximar dele. —Deixei-a sobre a mesa e

agarrei a mais pequena. Com aquela teria que me aproximar muito ao upir.

— Tem uma oportunidade —disse Nick.

Assenti e guardei a adaga de osso na capa de minha faca.

— Ainda tem a esfera? —perguntou-me. Assenti.

— Ainda quer usá-la?

Movi a mão para comprovar o reconfortante peso do metal no bolso. No fundo

sabia que não poderia usá-la. Lutaria até o final, até lhe obrigar a que me

cortasse em pedaços. Se era necessário, obrigaria-lhe a me matar. depois de

tudo, solo era uma humana. Não lhe custaria muito.

Olhei ao Nick e compreendi que sabia o que estava pensando.

— Só como último recurso —lhe disse.

Montei em um dos cavalos da manada, um animal sólido, forte, de cor

indeterminável, entre lodo e fuligem. Golpeou o chão com seus cascos como

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se suspeitasse que a fina capa de terra ocultava um ninho de serpentes

sibilantes e pudesse chegar a elas pisoteando com a suficiente força.

— Vento —me havia dito o áspero homem—lobo ao me entregar as rédeas.

Tendo em conta que vinte e quatro horas antes quase lhe tinha asfixiado com

acónito, não devia figurar em sua lista de amigos—. Se chama Vento.

Tinha estado a ponto de lhe perguntar em que demônios estava pensando o

que lhe pôs um nome de estrela dos hipódromos ao cruzamento ilegitimo entre

um semental de justas e uma descomunal égua de tiro, mas finalmente me

mordi a língua. Agora, Vento avançava tranqüilamente pela cidade em brumas

à velocidade de um cansado corredor de fundo. O ofegante jipe de Batalham

nem sequer podia seguir o ritmo e ao Nick tinha perdido de vista.

Suas arreios acobreada havia desparecido ao primeiro grunhido do motor

propulsado por magia e após havia mantendo a distância.

Dava-lhe uns tapinhas no pescoço a meu rocín.

— Ao menos você não te assusta facilmente.

Para que me tivesse ouvido teria que lhe haver gritado com a força de um

tornado. O maldito jipe afogava todos os sons em sua torturada batalha pela

supremacia sônica.

A magia era muito intensa, e cada minuto que passava o era mais, alagando a

adormecida cidade com um poder contido. mesclava-se com a luz da lua,

formando redemoinhos-se nos becos, agitando-se sobre as devastadas

carcasas dos devorados edifícios, alimentando-se de cimento e plástico.

199

À medida que cruzávamos o distrito industrial em ruínas em direção ao

Conyers e o ponto de energia, observei os restos esmiuçados do que em outro

tempo deveram ser orgulhosas estruturas, agora desintegradas lentamente

pelo triunfo da magia. Era impossível não lhe encontrar um significado a todo

aquilo. Uma pessoa supersticiosa o interpretaria como um presságio, o lúgubre

prognóstico do que estava por chegar. Franzi o cenho ante o cemitério das

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ambições humanas e continuei cavalgando. Aquela noite tivesse dado dez

anos de minha vida para que a tec retornasse durante umas horas. Tal e como

estavam as coisas, provavelmente não dis-pusesse de dez anos para trocá-los.

O ponto de energia titilou a uns metros por diante, uma sutil e controlada

sacudida de realidade perfurada por uma agulha mágica. Os três chegamos ao

mesmo tempo, e os rugidos do jipe de Batalham estiveram a ponto de

encabritar ao cavalo do Nick.

— Pode apagar essa coisa?! —gritei para que me ouvisse por cima do

estrondo.

— Não! Demora muito em esquentar-se! —bramou Batalham.

— por que não agarraste um cavalo?!

— O que?

— Um cavalo! Cavalo!

O gesto de Batalham não me deixou lugar a dúvidas sobre o que podia fazer

com o cavalo em questão.

Um animal apareceu de entre as sombras e se deteve frente a nós, preparado

para atacar até que reparamos em sua presença.

Parecia um gato montês, embora solo remotamente.

Era muito grande, uns trinta quilogramas de peso, e tanto as costas como as

pernas eram muito largas e desproporcionadas, como as de um gato jovem. A

parte superior do rosto era tipicamente felina, mas na parte inferior brotava uma

mandíbula humana rematada com uma boca pequena e de lábios rosados. O

efeito era muito

perturbador.

Pelo menos agora sabia de quem eram os cabelos que tinham aparecido na

cena do crime do Greg.

Depois de assegurar-se de que lhe tínhamos visto, o monstruoso lince se

afastou trotando pela auto-estrada a uma velocidade desumana. Nick foi atrás

dele, e também Batalham, ao volante do jipe. Depois de lhe tocar várias vezes,

Vento compreendeu que desejava avançar e aceitou o desafio.

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Seguimos ao gato pela auto-estrada, além da cidade, durante quase uma hora.

Os cavalos começaram a fatigar-se, mas a besta não reduziu o ritmo em

nenhum momento. Finalmente, tomou um caminho lateral que se abria passo

entre um dossel de pinheiros.

200

O asfalto estava esmiuçado, gretado pela pressão das raízes. Aquilo

ralentizaría aos cavalos e impediria o passo ao veículo de Batalham.

Nick seguiu ao gato enquanto eu me detinha o tempo suficiente para ver

batalham estacionar seu jipe no meio-fio da auto-estrada e apagar o motor.

Saiu do veículo com a intenção de nos seguir a pé. Apertei os flancos de Vento

com os joelhos —não parecia entender os gestos sutis— e minhas arreios

reemprendió a marcha detrás do Nick.

Uni-me ao Cruzado ao final da estrada, onde o bosque se abria formando um

claro. Uma enorme e ameaçadora estrutura de tijolo vermelho e cimento se

levantava ante nós. Um muro de cimento de dois metros e médio rodeava o

edifício, do qual solo eram visíveis os três primeiros pisos. Olhei a meu redor. O

claro, cheio de maleza e muito descuidado, mostrava sinais de ter estado

ajardinado no passado, e um caminho reto, pavimentado e meio coveiro pelas

más ervas, conduzia direc-tamente à única entrada do muro, onde umas

pesadas portas metálicas parcialmente abertas permitiam vislumbrar o jardim

interior. A coisa parecida com um gato montês percorreu o caminho e

desapareceu além da porta.

O edifício tinha algo que me resultava familiar. Era simples, de construção

quase rudimentar, um bloco de uns quatro pisos com janelas estreitas

protegidas por grades metálicas, e, em que pese a tudo, produzia-me uma

sensação de terror.

Batalham dobrou a última curva da estrada correndo a passo ligeiro. Não tinha

nenhuma gota de suor no rosto.

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— Rede Point —disse lúgubremente ao deter-se meu lado—. Tinha que ser

Rede Point. — Nick me olhou.

— Uma prisão —lhe disse—. Os detentos da asa esquerda não deixavam de

queixar-se de que uma espécie de fantasmas tentavam lhes matar. Ninguém

lhes fez caso até que as p-redes cobraram vida durante uma flutuação mágica

especialmente intensa e se tragaram aos prisioneiros. Encontraram seus

corpos médio sepultados.

— Detentos médio sepultados em paredes de tijolo —disse Batalham

sombríamente—. Muitos seguiam com vida e não deixavam de gritar.

Movi-me sobre a cadeira. O que tinha considerado um montão de escombros à

esquerda do edifício principal agora adquiriu a forma definida de uma decrépita

torre de vigilância. Como demônios tinham crescido tão rápido as árvores?

Pareciam ter mais de dez anos.

— Acreditava que o UDPE arrasou este lugar faz anos —murmurei.

— Não. —Batalham meneou a cabeça—. Simplesmente o abandonaram

quando as paredes começaram a sangrar. Não revistam destruir algo a menos

que saibam que não vão utilizar o mais.

201

Projetei-me para captar o poder e retrocedi. A prisão estava empapada de uma

magia funesta e sólida. Permeaba as paredes, asfixiando o edifício, fluindo dele

como um polvo invisível estendendo seus tentáculos em busca de uma presa.

Voltei a examiná-lo e descobri um matagal de fios nigrománticos entre a

espessura da magia. Algo se alimentava do poder que fluía daquela prisão,

digiriéndolo para reabastecer-se a si mesmo. Algo nem vivo nem morto e

enormemente poderoso.

— Um zombi? —sussurrei.

— Cheiro como um. —Batalham fez uma careta e o lábio superior lhe tremeu o

suficiente para revelar seus dentes.

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As portas metálicas estavam parcialmente abertas, nos convidando a entrar.

Não queria fazê-lo. Uma idéia descabelada me passou fugazmente pela

cabeça: fugir. Podia dar meia volta sobre meu cavalo e me afastar dali sem

olhar atrás.

Não tenho que entrar.

Desmontei e atei a Vento a uma árvore. Não tivesse sido justo entrar com ele

naquele lugar. Levei-me a mão por cima do ombro e desenvainé a Assassina.

— Alguma vez te deslocaste o ombro fazendo isso? –perguntou-me Batalham.

— Não. Tenho muita prática.

Nick também desmontou e atou seu cavalo a uma árvore próxima ao de Vento.

Sem lhe esperar, encaminhei-me para a porta.

— vais enfrentar te a ele sozinha? —perguntou-me Batalham a meu lado.

Parecia surpreso.

— Se esperar um pouco mais, não entrarei —lhe disse. Tremiam-me os joelhos

e os dentes me tocavam castanholas.

Batalham me agarrou pela cintura e me beijou. Senti uma quebra de onda de

calor que me percorreu o corpo dos lábios até a ponta dos dedos do pé.

Batalham sorria com os olhos.

— Boa sorte —sussurrou, e seu fôlego deixou uma baforada cálida em minha

orelha. Soltei-me e me limpei a boca com o reverso da mão.

— Quando acabarmos com o upir –grunhi—, terá a briga que anda procurando.

— Me alegro —disse Batalham.

— Se tiverem acabado, tortolitos —disse Nick—, lhes aparte de meu caminho.

Batalham se transformou em um estalo de roupa rasgada.

Não sabia o que era mais aterrador, o que nos esperava ao outro lado

daquelas portas ou a horrível mescla entre humano e leão pré-histórico que

tinha ante mim, embora no momento não lhe dava mais voltas. Fui consciente

do peso da esfera de cianeto em meu bolso.

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202

Dirigimo-nos juntos até a porta. Batalham as golpeou uma só vez e se abriram

completamente, revelando um jardim iluminado por três fogueiras. Dava um

passo adiante e me detive, aturdida.

O upir estava no meio do jardim, banhado pelo resplendor das fogueiras. Solo

levava um kilt. Um cinturão formado por vários discos chapeados de grande

tamanho lhe rodeava a cintura, e de cada um dos enlaces, penduravam

amuletos de cabelo e osso de cordas de pele. protegia-se os ombros com

brilhantes ombreiras de metal, unidas entre si por uma cadeia também formada

por discos metálicos e que lhe cruzava o peito. Uns manoplas a jogo protegiam

os braços da boneca até o cotovelo, deixando as mãos expostas. Levava as

acne envoltas em tecido mas ia descalço, e estava em posição de alerta,

preparado para saltar. Ia armado com uma lança rematada com uma folha

curva de trinta centímetros de comprimento, similar a uma cimitarra. A folha

parecia fulgurar ao refletir o fogo das fogueiras, fazendo jogo com o brilho seus

olhos. Parecia tão desconjurado, em metade do jardim, com o moderno e

tétrico edifico de fundo, um ser antigo mas vivo, uma contradição personificada,

como se o próprio tempo lhe tivesse arrancado e cuspido de suas

profundidades com o kilt e a juba de cabelo grisalho.

— Maldita seja —grunhiu Batalham—. Não sabia que era uma festa de

disfarces. Sua voz desfez o feitiço. Fiz estalar os dedos.

— OH, mierda. Teria trazido meu disfarce de faxineira. —O upir começou a rir,

mostrando seus dentes afiados.

— Olhe as janelas, Kate. Olhe a suas irmãs.

Levantei a cabeça e as vi, colocadas nas janelas como pálidas estátuas.

Mulheres. Ao menos uma dúzia, rígidas e vestidas ainda com a roupa

destroçada e manchada de sangue, de pé sobre os batentes.

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Algumas pareciam mortas, outras o estavam; diversos corpos penduravam de

uma larga cadeia sujeita ao telhado. Todas tinham o mesmo semblante; a

morte lhes desfigurava o rosto em uma careta de terror. Quando tinha

registrado o lugar do outro lado do muro, ainda não estavam ali.

Assassina começou a fumegar, alimentando-se de minha ira, e um líquido

opaco e espesso escorregou pela folha do punho, evaporando-se antes de

chegar ao chão.

Algo se moveu no interior de um montão de escombros no muro mais afastado.

A montanha de desperdícios e resíduos se agitou, palpitou e começou a elevar-

se muito por cima de nós. Alcançou-me um fedor nauseabundo e tive que

conter o vômito.

203

O lixo caiu ao chão, revelando uns ossos amarelados e tiras de carne apodreci-

trefacta que gotejavam sucos fétidos. As moscas pululavam formando uma

nuvem negra a seu redor. Um crânio enorme cravou seus profundos olhos em

mim.

Umas mandíbulas colossais se abriram e voltaram a fechar-se, produzindo um

estrondo quando os dentes, que deviam ter o tamanho de meu braço,

chocaram entre si. A horripilante criatura começou a mover-se. Elevou uma

pata rematada com uma garra e golpeou com ela o chão; o jardim tremeu com

diversas sacudidas. O dragão não—morto avançou.

— Um dragão para um cavalheiro —exclamou o upir—. Você não gosta,

Cruzado? Já tem uma desculpa para não te enfrentar a mim.

Nick carregou, a cadeia de prata oscilando da manga de sua jaqueta.

Arremeteu com ela ao upir e este a esquivou sem dificuldade. Um pé enorme e

pútrido golpeou o chão frente a Nick, interpondo-se entre ele e o upir.

O dragão tentou morder ao Cruzado.

Page 299: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Uma horda composta pela prole do upir surgiu das portas do edifício e se

equilibrou sobre mim.

Lancei uma estocada e a ponto estive de partir pela metade a um corpo peludo

justo antes de ver como Batalham saltava sobre o ombro do dragão.

Permaneceu ali durante um segundo e voltou a saltar por detrás da criatura,

até o lugar onde estava o risonho Bônus.

As bestas me rodearam pelos quatro custados enquanto Assassina seguia

cortando e seccionando. Umas garras afiadas se cravaram em meu pé e

retrocederam.

Algo não encaixava.

Rasguei um focinho cerduno e vi como se extinguia a luz nos olhos humanos

da criatura. O corpo descabelado se desabou. Seus irmãos fecharam filas em

cima dele. Levantei a mão para dar um novo talho.

As bestas não me atacavam. Grunhiam, davam coices, mas não ameaçavam

me cravando suas presas. Baixei a espada.

Estavam ali para me conter. Carne de canhão para me manter ocupada e longe

da luta. Avancei. As criaturas mantiveram a posição e grunhiram. Uma coisa

com lunares e uma mandíbula poderosa tentou me morder e não me alcançou

no braço por centímetros. De modo que não me deixariam me mover.

Podia matá-los a todos. Devia matá-los a todos.

Algo dentro de mim se rebelou ante a idéia de massacrar a aquelas criaturas

lastimeras que me olhavam com olhos humanos. Girei sobre mim mesma em

busca do líder e encontrei ao Arag, meio acuclillado, balançando-se

ligeiramente. Seu horrível rosto tinha uma expressão lassa, apagada.

204

Page 300: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Arag —disse.

O monstro não deu mostra alguma de me haver ouvido. Tinha a boca aberta, e

através dela pude distinguir umas presas amareladas e uma língua grosa.

— Arag!

A criatura me olhou estupidamente. Movi-me para lhe rodear pela esquerda e

me grunhiu, retornando à vida. Continuei avançando e carregou contra mim.

Seu enorme cabe-za golpeou meu flanco com uma força assombrosa.

Enquanto caía, vi suas presas abatendo-se sobre mim. A baba que pendurava

de seus dentes me empapou o rosto. Ficou em cima de mim, os lábios negros

agitando-se, as pernas rígidas. A expressão apagada retornou a seu rosto e

recuperou sua posição no círculo de bestas peludas.

Pu-me em pé. Bônus não confiava em sua prole, por isso os mantinha a raia

telepáticamente.

detrás da linha de costas peludas, o dragão deu uma dentada ao Nick. O

Cruzado se agachou e introduziu algo na descomunal boca do zombi. Preparei-

me para a explosão, mas esta não se produziu. Amadurecida-las do Nick não

funcionavam. A magia era muito intensa.

Mais longe e à esquerda, Batalham e o upir continuavam encetados.

Bônus se movia com rapidez, igualando ao troca forma tanto em velocidade

como em agilidade. Com o selvagem cabelo ao vento, saltava e girava como

um dervixe. Sua arma era um borrão entre suas mãos, formando um muro que

a Batalham lhe custava superar. Recebeu uma profunda laceração nas costas

e começou a sangrar. A ferida não se curou sozinha, de modo que a ponta da

lança devia conter prata.

Bônus se enfrentava a Batalham enquanto mantinha a sua prole sob controle.

Um homem com muitos talentos.

Tinha chegado o momento de colocar um pau em uma de suas rodas.

Repassei a horda frente a mim e escolhi a uma besta grosa e calva.

agüentava-se sobre umas pernas desproporcionalmente magras e me

observava com olhos apagados. Sua volumosa barriga quase lhe chegava ao

chão.

Page 301: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Um giro de boneca e a pesada cabeça da criatura rodou pelo chão de terra

com um estertor de sangue. O coração da besta continuou pulsando, ignorante

da morte próxima, e o sangue saiu a fervuras pelo coto do pescoço, saturando

o ar de um aroma metálico.

A horda se estremeceu. O corpo se desabou inerte e o círculo de bestas que

me rodeava seguiu sua queda com o olhar, fascinados. Abri-lhe o estômago de

uma cuchi-llada e a massa enredada de intestinos se derramou sobre a terra.

205

Cortei uma parte do úmido intestino, cravei-o com a ponta de Assassina e o

inundei em um atoleiro de sangue. Os olhos da horda se cravaram na carne.

Elevei-a e a coloquei ao Arag sob o nariz.

— Sangue –lhe disse.

Os orifícios nasais de babuíno do Arag se dilataram e olisqueó a carne.

Tirou sua grosa língua e lambeu avidamente o ar. A palpitante parte de

intestino, que gotejava sangue sobre o chão, atraía-lhe. Retrocedi um passo e

Arag se moveu comigo, seus olhos pegos ao viscoso bocado.

Dava outro passo atrás. Arag me seguiu e se ergueu, mas se deteve em

metade do movimento. A tenra e sangrenta peça de carne pendurava sob seu

nariz, tão perto dele que solo devia inclinar a cabeça para tocá-la. E desejava

fazê-lo. Desejava-o com todas suas forças. em que pese a tudo, Arag não se

moveu nem um milímetro.

O domínio ao que os tinha Bônus submetidos era muito capitalista. Não podia

fazer nada para desbaratá-lo. Cada segundo que perdia, Batalham e Nick o

pagavam com seu sangue.

Page 302: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

A sinistra horda de monstros continuava me observando com seus olhos

lastimeros. on um golpe de boneca me desfiz da parte de carne e este riscou

um arco ascendente até perder-se na noite. Arag morreu antes de tocar o chão.

Bônus ainda não me tinha visto matar. Aniquilei-os de um em um, lenta,

metodicamente, trabalhando com precisão cirúrgica.

Alguns opuseram resistência, outros se limitaram a me olhar estupidamente

enquanto Assassina os rasgava, cortando músculos e tendões. Em três

minutos todo tinha terminado. Corri em detrás de Batalham e Bônus.

O dragão não morto investiu para me interceptar. Deu-me uma chicotada com

sua ossuda cauda e me deslizei para um lado enquanto seu enorme pezuña

golpeava o chão e me cortava o passo. O zombi tentou me dar uma dentada,

suas mandíbulas fechando-se a escassos centímetros de meu rosto. Pu-me em

pé e lhe dava uma estocada à pata putrefata. Assassina rasgou as malhas em

decomposição criando um fornecedor de líquidos pútridos. O dragão se desfez

de mim com uma sacudida de sua cauda. A dor estalou em meu flanco como

se acabasse de me atropelar um caminhão. Sulquei o ar e aterrissei no

açougue que eu mesma tinha provocado.

Pu-me em pé de um salto e escorreguei com o sangue dos filhos de Bônus,

caindo de barriga para baixo sobre seus corpos. Onde demônios estava Nick?

O dragão avançou para me rematar e tentou me apanhar entre seus enormes

fauces. Separei-me de um dos corpos mas voltei a escorregar na massa

sanguinolenta.

206

Page 303: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

As ossudas mandíbulas se fecharam no lugar onde tinha estado um segundo

antes.

Os olhos mortos giraram nas insondáveis órbitas, me enfocando em minha

nova posição. O dragão voltou para a carga e rodei pelo chão para um lado.

Quando os monstruosos dentes recortaram a erva a escassos centímetros de

meu corpo, cravei a Assassina na bochecha da besta, enviando uma sacudida

mágica até o ponto onde se unia a mandíbula. O dragão ergueu a cabeça, me

içando com ele. Fiquei suspensa a uns seis metros do chão enquanto o zombi

batia as mandíbulas para partir a espada. Um fedor nauseabundo me asfixiou.

Através dos ocos entre os dentes, distingui uma língua magra e médio podre

sacudindo-se contra as paredes interiores de seus fauces.

Assassina se abriu passo através da carne não morta, liquidificando cartilagens

e músculos. O dragão sacudiu a cabeça como um cão com um rato morto entre

os dentes. Algo no interior de seu crânio emergiu à superfície com um rangido

quase imperceptível. A enorme mandíbula se desprendeu de seu rosto e se

estrelou com estrépito no chão, me arrastando com ela. Girei no ar, tentando

aterrissar de pé e caí sobre os afiados dentes. Dava um alarido e me afastei

como pude dos ossos. por cima de mim, uma pata rematada com uma garra

cobriu o céu. Saltei para um lado e a garra do dragão esmiuçou sua própria

mandíbula.

Não podia fazer nada. Embora lhe fizesse migalhas, os membros

despedaçados seguiriam me perseguindo.

Apertei os dentes para conter o fogo que me abrasava o flanco e vi o Nick

subindo ao teto do edifício. dirigia-se a um de seus extremos, onde diversas

silhuetas se ocultavam depois de um conduto de ventilação. Os navegantes.

O dragão continuava me acossando. Retrocedi e a ponto estive de cair de

costas sobre uma fogueira.

Nick correu pelo telhado em direção ao grupo de navegantes. Deviam fazer

falta uns quantos para pilotar a um dragão. Se Nick conseguia eliminar a um

deles, o mais provável era que o zombi se desabasse. Ou que ficará livre de

todo vínculo.

Agarrei um ramo da fogueira e a lancei ao dragão. Riscou um arco pelo ar e se

estrelou em metade de seu peito. As malhas putrefatas não prenderam. O

dragão seguiu avançando, impertérrito. Rodeei a fogueira e me coloquei entre

esta e o dragão.

Page 304: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

A besta soltou uma dentada mas se manteve afastada do fogo. por cima de

mim, Nick se equilibrou sobre os seres no telhado e um corpo peludo se

precipitou ao chão enquanto gritava por sua vida.

207

O dragão sorteou a fogueira, me obrigando a me mover. Enquanto corria,

deslizei os dedos sob minha camiseta. Toquei osso, uma quebra de onda de

dor me percorreu todo o corpo e a ponta dos dedos se empapou com algo

úmido. Mau sinal.

O dragão duvidou e se deu a volta. Ergueu a enorme cabeça sobre um

pescoço impossivelmente largo e tentou alcançar o telhado.

Uma distração. Senhor, por favor, que o piloto do dragão seja um covarde. Solo

necessito um par de minutos.

Comecei a recitar, em voz muito baixa. A magia me rodeou, fundindo-se a mim,

seguindo meus passos como um gato oportunista que cheirou o atum. Cravei a

Assassina na terra e me levei a outra emano às costelas. O sangue empapou a

palma e coloquei ambas as mãos sobre o fogo. As chamas me lamberam a

pele e o sangue produziu um vaio e se evaporou. Continuei recitando.

No telhado, Nick lutava com algo alto e com garras enquanto o dragão tentava

alcançá-los a ambos com suas presas.

A magia se estendeu, fluindo em meu interior e através do sangue e a carne

vinculadas ao fogo. Minhas mãos se encheram de ampolas, o preço que se

cobrava o fogo por seus serviços.

— Hesaad —sussurrei às chamas. Meu. Sufocado por meu sangue, o fogo se

estremeceu como se fora um ser vivo. Tinha deixado de ser uma simples

Page 305: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

reação à oxidação, convertendo-se em uma força viva que se alimentava do

poder da magia—. Amehe. –Obedece—. Amehe, amehe, ame—hei...

As chamas se separaram dos resíduos que lhe serviam de combustível. Uma

enorme bola de fogo se formou diante de mim e, com um gesto da mão, liberei-

a. Percorreu todo o pátio enquanto rugia com fúria e se estrelou nas irregulares

costas do dragão. O impacto o partiu pela metade. A parte posterior caiu para

trás em chamas, e a frontal, carente de apoio, desabou-se sobre si mesmo, a

enorme cabeça erguida em vão, ainda pugnando por alcançar aos

combatentes sobre o telhado.

As chamas consumiram a carne não—morta. Senti a tentação de me sentar no

chão e observar como se consumia, mas se o fazia, não poderia voltar a me

levantar. Rodeei com a mão o punho de Assassina e a pele da palma me

gretou. Deixei escapar um alarido e soltei a espada. A dor era insuportável.

Meus carbonizados dedos encontraram um vial de anestesia no cinturão.

Adormecer. Devia me adormecer as mãos. O cinturão se negava a soltar o vial

e meus dedos doloridos eram muito torpes. As lágrimas começaram a me

empanar as bochechas. Finalmente, consegui extrair o vial e arranque a cortiça

com os dentes. Cuspi-o ao chão e agitei o frasco. Uma nuvem de pó se

estendeu frente a mim e a atravessei com as mãos estendidas. O mundo se

balançou, distorcendo-se ligeiramente e senti o adormecimento.

208

Vi-me mesma alargando a mão para agarrar a espada, rodeando o punho sem

sentir seu tato e arrancando a da terra. Dava-me a volta e cruzei o jardim até o

lugar onde Batalham seguia encetado com o upir.

Um alarido dilacerador se impôs ao rugido do fogo, um grito de uma fúria

desmesurada e tão potente que solo podia ser humano. Dois corpos se

precipitaram do telhado. Um deles levava gabardina.

— Adeus, Nick —murmurei quando os corpos se desabaram sobre um montão

de escombros. O grito do Cruzado morreu com ele. O dragão se estremeceu e

começou a derreter-se, decompondo-se frente a meus olhos em uma pilha de

osso e fluidos. O piloto da abominação tinha morrido.

Page 306: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Segui cruzando o pátio. A mancha de sangue em minha camiseta cada vez

estava mais estendida. Não ficava muito tempo.

Vi batalham, exausto e sangrando por uma dúzia de sítios distintos. O corpo de

Bônus parecia disforme, como se estivesse perdendo partes de si mesmo, ou

como se lhe tivessem arrancado seções inteiras de músculo e a pele se fechou

para as cobrir.

O upir volteou a lança ao redor de seu pescoço, colheu-a com facilidade e lhe

cravou a ponta na coxa de Batalham. Este rugiu e lhe deu um zarpazo no peito,

lhe arrancando uma boa parte de carne. O upir gritou e retrocedeu com

agilidade. A pele se fechou sobre a ferida.

Falharam-me as pernas e me desabei. A esfera com o veneno rodou pelo

chão, fora de meu alcance. Muito bem, Kate. Perfeito.

Girei o pescoço e contemplei a batalha de barriga para cima, incapaz de me

apartar quando o sangue de ambos me salpicava.

Estavam cansados. Ambos. acabaram-se os insultos, os rugidos.

Simplesmente lutavam, com fúria, sangrenta, dolorosamente.

Bônus voltou a saltar, ligeiro de pés. Batalham emitiu um grunhido baixo e me

viu. Seu olhar se cravou em meu durante um instante e soube que tinha

chegado o momento.

Bônus se equilibrou sobre ele. Batalham apartou a lança com uma garra e

estendeu a outra para tentar alcançar a perna do upir, mas falhou,

deliberadamente lento. A lança retornou às mãos do upir em um arco reluzente

e arremeteu com ela. Afiada-a folha se cravou no estômago de Batalham e lhe

saiu pelas costas, incrustando-o ao chão. Mas Bônus se inclinou muito,

apoiando todo seu peso na lança. As enormes zarpa de Batalham o agarraram

pelos ombros e seus músculos se esticaram. Emitiu um rugido ensurdecedor e

ouvi o som dos ossos ao partir-se, o estalo dos músculos, e do peito de Bônus

surgiu uma luz quando Batalham lhe partiu o torso em dois. Por um instante, as

duas metades do peito permaneceram verticais, a cabeça e o pescoço na

metade esquerda inclinando-se em um ângulo muito estranho, e então o upir

perdeu o equilíbrio e se desmoronou sobre o chão.

209

Page 307: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Batalham se estremeceu trespassado na lança. O sangue começou a emanar

de sua boca e seu rosto se foi apagando.

— Não —me ouvi mesma sussurrar—. Por favor, não.

O corpo do upir se agitou. Seu destroçado peito palpitou e, lentamente, ficou de

joelhos. Permaneceu um momento erguido, voltou a desabar-se e se arrastou

pelo chão cheio de fuligem para mim.

Observei-lhe arrastar-se enquanto seu corpo se esforçava por fechar as

feridas. Colocou sua cabeça ao mesmo nível que a minha. Distingui seu

coração palpitante através do orifício em seu peito, médio oculto por uns

pulmões esponjosos e destroçados.

— Bonita briga —me disse através de uns lábios empapados de sangue. O

olho direito não deixava de lhe piscar—. Algo que recordar em sua lua de mel.

Cravei-lhe a adaga de osso no coração.

Bônus gritou. Seu alarido sobrenatural fez tremer os alicerces da prisão e as

janelas estalaram. Sacudiu as mãos, tentando alcançar a adaga, mas não

conseguiram encontrar o pequeno punho. Rodeou-me o pescoço com suas

mãos mas não senti nada. Não importava. Aquela última punhalada me tinha

deixado sem forças.

Não havia nada que pudesse fazer além de permanecer ali tendida. Veria-lhe

morrer antes de que o fizesse eu. Com aquilo tinha suficiente... Bônus estava

tendido de costas—. Não quero morrer...

Seu corpo começou a fumegar. Ao princípio não foi mais que uma fina capa de

cor índiga por toda a pele, e então começou a estender-se, riscando largas

espirais que se elevaram para o céu noturno.

— Meu poder... abandona-me —disse Bônus com voz rouca. A fumaça se fez

mais espesso e o upir começou a murmurar na língua de poder. Suas palavras

não tinham nenhum sentido. Recitou febrilmente, tentando aferrar-se à vida ou

simplesmente rezando, não estava segura.

Seu despedaçado corpo se estremeceu com uma forte sacudida. Começou a

balbuciar. Seus talões se cravaram na terra e a fumaça azul se desvaneceu

Page 308: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

como a chama de uma vela consumida pelo vento. Os olhos sem vida do upir

contemplaram a noite. acabou-se.

Desejei poder me mover e me aproximar de Batalham. Talvez se íamos juntos

teria a alguém com quem lutar na outra vida.

Foi um beijo incrível...

A escuridão me reclamou

210

Epilogo

O inferno se parecia muito a minha casa. Estava tampada com o que parecia

uma de minhas mantas em uma cama que se parecia muito à minha. Uma dor

surda e cáustica me mordeu as costelas. A gente também sente dor na outra

vida?

Havia um copo de água na mesita de noite, junto à cama, e de repente, dava-

me conta de que tinha muita sede.

Alarguei o braço e descobri que tinha as duas mãos enfaixadas. Olhei

estupidamente as vendagens e depois o copo.

Uma mão embainhada em uma luva pelo que apareciam os dedos agarrou o

copo e me ofereceu isso.

— Por um segundo acreditava que estava viva —disse olhando o rosto sem

barbear do Nick—. Mas agora sei, estou no inferno e você é minha babá.

— Não é tão graciosa como pensa — disse ele—. Bebe. Fiz-o. A água baixou

dolorosamente. Nick agarrou o copo de minha mão e ficou em pé, a gabardina

roçando o bordo de minha manta.

Page 309: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Cuidado com os gérmenes —disse.

—Meus gérmenes são o menor de seus problemas —disse ele. Alargou uma

mão, percorreu-me o braço com os dedos e estudou o resplendor—.

Normalmente não é tão brilhante. Nem dura tanto. —deu-se a volta lentamente,

inspecionando a habitação: o velho e desmantelado sofá, descascada-a

mesita, o velho tapete, o cesto cheio de

roupa poda,

quase todo jeans

gastos e

camisetas

descoloridas, e fez

um gesto com seus dedos resplandecentes—. O vê? Ainda dura.

Levantei meu

mão enfaixada e

apoiei-a

entre seus

dedos, sufocando

o brilho. Tinha morrido tanta gente por minha culpa. Cada vez que pensado

nisso, sentia uma dor no peito e desejava abraçar a alguém e lhe obrigar a que

me dissesse que tudo iria bem, como quis que acontecesse no funeral de meu

pai. Mas não ficava ninguém. E se alguém me reconfortava, saberia que estava

mentindo.

Tinha-me passado a vida tentando solucionar os problemas de outros. Pessoas

desconhecidas me contratavam para que emendasse suas vidas. Durante anos

me tinha esforçado para que esses problemas não chamassem a minha porta e

me destroçassem a vida. Mas não tinha funcionado. Tanto tempo perdido. E o

que tinha conseguido em troca além de uma montanha de cadáveres?

— A responsabilidade é uma putada —disse Nick.

— Sim.

211

Page 310: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Apartou minha mão da sua. Sua pele ainda conservava um débil resplendor.

Nick agitou a cabeça, pensativo.

— Se estivesse sozinho, acumulando poder, e por algum motivo não quisesse

que me encontrassem, tentaria passar desapercebido durante um tempo. Mas

saberia que cedo ou tarde teria que sair a jogar, porque quem me estivesse

procurando, acabaria me encontrando. Tentaria estabelecer certos vínculos.

Sabe qual é o problema dos lobos solitários? Que assim que os encurrala, não

têm a ninguém a quem recorrer.

Deixou um pequeno retângulo de papel sobre a manta antes de partir. Dava-lhe

a volta ao cartão, um número de telefone sem nome nem direção, e a guardei

sob o travesseiro.

— Batalham? —gritei da cama.

— Sobreviveu —respondeu Nick.

Mais tarde veio a me visitar Doolittle. Trocou-me as vendagens, ajudou-me a ir

ao quarto de banho e me contou que Mahón tinha enviado uma partida de

reconhecimento face aos ordens de Batalham e que esta tinha passado de

comprimento pelo feitiço que protegia a Rede Point. Teríamos morrido se Nick

não tivesse conseguido atravessar as portas. Tinham encontrado dezesseis

mulheres em Rede Point, todas feridas e machucadas, ao bordo da morte.

Para sete mais tínhamos chegado muito tarde. Seus corpos escaparam ao

horror de Rede Point em bolsas de plástico. Também encontraram ao Derek,

encerrado em uma pequena habitação.

Finalmente, alguém avisou a poli e a Divisão de Atividade Paranormal

aterrissou na velha prisão como uma manada de cães depois de um gatinho

extraviado. Exumaram uma fossa de ossos humanos no porão e encontraram

suficientes esqueletos para manter ao necrotério ocupado durante um ano.

Doolittle me ordenou que não me tocasse as vendagens nas próximas vinte e

quatro horas e partiu detrás prometer que enviaria a uma enfermeira. Depois

de sua marcha, a magia retornou e me passei duas horas recitando conjuros

para reparar minhas mãos e as barreiras que protegiam a casa. Quando

chegou a enfermeira, as defesas voltavam a estar ativas e não pôde entrar.

Ouvi-a gritar durante vinte minutos antes de partir.

Page 311: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Não queria ter a ninguém a meu lado. No momento, preferia a companhia da

solidão. Fiquei na cama, fazendo uma excursão de vez em quando ao quarto

de banho, e pensei muito. Não podia fazer muito mais.

Recebi a visita da Divisão de Atividade Paranormal, a quem, por desgraça, não

deteve a barreira. Dois detetives vestidos de patrício tentaram que fizesse uma

declaração, mediante a intimidação e diversos conjuros, sem a presença de um

representante do Grêmio.

212

Quarenta e cinco minutos depois, perdi a paciência e fingi ficar dormida. Não

ficou mais remedeio que partir. À manhã seguinte comecei a caminhar, de um

modo bastante precário, mas algo é algo.

Considerando minha rápida recuperação, tirei-me as vendagens das mãos.

Não tinha unhas, mas além disso, as mãos tinham um aspecto bastante

normal. Pálidas, mas normais. Se não tivesse sido pela magia, teriam

demorado meses em curar-se. Embora se não fora pela magia, não teria

acabado metida naquele berenjenal.

Anna telefonou. Conversamos durante um bom momento e, vinte minutos

depois, a conversação se tornou algo tensa até que ela disse:

— trocaste.

— A que te refere?

— Parece como se tivesse envelhecido cinco anos.

— aconteceram muitas coisas —me limitei a dizer.

— Contará-me isso?

— Agora não. Talvez em outro momento.

Page 312: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— De acordo. Necessita ajuda?

Necessitava-a, mas não queria que viesse e não sabia porquê.

— Não, estou bem.

Anna não insistiu. O agradeci.

A seguinte tarde recebi outra visita do Doolittle, quem armou um escândalo até

que lhe permiti entrar. Retirou a vendagem que me cobria as costelas. Uma

larga e irregular cicatriz percorria toda a caixa torácica. Disse-me que com o

tempo desapareceria, mas não lhe acreditei. Embora desaparecesse, tinha

sofrido outro tipo de feridas que a magia não podia eliminar.

Passou uma semana sem novidades importantes. Assim que pude sujeitar um

lápis entre os dedos, redigi um comprido e detalhado relatório sobre a

investigação, atei-o com um formoso laço azul, escrevi a direção da Ordem,

lhes escolhendo que enviassem uma cópia ao Grêmio, e a deixei para o

carteiro.

As unhas começaram a crescer, coisa que agradeci. Os dedos tinham um

aspecto muito estranho sem elas. O montão de cartas sem abrir tampouco

deixou de crescer, ameaçando transbordando a cesta junto à porta. Continuei

lhes ignorando. O mais provável era que houvesse diversas cartas do banco

nas que me ameaçavam me fazendo coisas horríveis se não tampava o

descoberto. Ainda não gostava de me enfrentar a aquilo.

Tive muito tempo para pensar, sentada ao sol durante o dia enquanto bebia

chá gelado e pelas tardes café, e para ler.

213

Page 313: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

Anna voltou a chamar, mas se deu conta de que não gostava de muito falar e

pendurou depois de uma conversação embaraçosamente curta.

Durante um desses dias banhados pelo sol, fiz uma incursão ao armário onde

guardava o vinho e o atirei tudo pelo deságüe, deixando sozinho uma garrafa

de sangria Boone's Farm. Para uma ocasião especial.

na sábado seguinte despertei cedo, alarmada por um estrondo ensurdecedor

que ressonava por toda a casa e que fazia tremer as paredes. Permaneci

tombada uns instantes, me assegurando de que não era um produto de minha

imaginação.

Então saí da cama a contra gosto e fui investigar.

Depois de um rápido reconhecimento, descobri que o ruído se originava no

telhado, de modo que saí ao jardim para jogar uma olhada. O sol já tinha saído

e começava a esquentar o chão. Olhei para a parte superior da casa e vi o

Senhor das Bestas embainhado em uma camiseta usada e uns jeans

manchados de pintura. Com uma mão sujeitava de um modo muito profissional

um martelo que aplicava regularmente sobre meu telhado. Derek estava

sentado a seu lado, lhe passando pregos obedientemente.

O mundo se tornou louco.

— Posso te fazer uma pergunta? —gritei-lhe. Batalham deixou de martillear e

me olhou.

— Claro.

— O que está fazendo em meu telhado?

— lhe ensinando ao menino um ofício muito valioso —disse Batalham.

Derek tossiu. Refleti sobre aquilo durante um instante e abri a boca para lhe

replicar, mas antes de poder dizer nada, o telefone começou a soar.

— Baixa de meu telhado —lhe disse antes de partir.

— Srta. Daniels? —disse uma voz masculina que não reconheci.

— Kate.

A brecha sobre o corredor estava virtualmente arrumado. Batalham não deu

amostras de deter-se.

Page 314: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— Kate, sou o detetive Gray, da DAP.

— Com qual dos dois buido...agentes da ordem que vieram a minha casa tenho

o prazer de falar?

— Com nenhum dos dois.

O martilleo adquiriu maior intensidade, como se Batalham tentasse esmurrar a

casa até derrubá-la. Parecia como se queria afundar todos os pregos de um só

golpe.

— Estou com o Cavalheiro—protetor Monahan. Acaba de me informar sobre

sua participação no assassinato do Perseguidor de Rede Point.

214

Perseguidor de Rede Point. Latido. Aquilo parecia saído de um deplorável

telefilm de mistério.

O martilleo alcançou um nível ensurdecedor.

— Estamos impressionados. Importaria-lhe me dizer o que é esse ruído?

— Espere um minuto. —Deixei o auricular sobre a mesa e gritei—: Batalham!

— O que?

— Poderia parar um minuto? Estou ao telefone com a DAP. —Batalham

grunhiu algo e o estrondo cessou.

— Sinto muito. Estava dizendo...? —disse-lhe ao telefone.

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—Estava-lhe dizendo que estamos muito impressionados com seu trabalho.

Pusemo-nos em contato com a manada e o Senhor das Bestas nos falou muito

bem de você.

— De verdade?

— Sim.

— Um minuto. —Tampei o auricular com a mão—. Batalham?

— O que?

— Recebeu uma chamada da DAP sobre mim?

— Pode.

— O que lhes disse?

— Não o recordo. Acredito que mencionei sua disciplina e sua capacidade para

aceitar

ordens. Acredito que também disse algo sobre sua facilidade para trabalhar em

equipe.

Derek tossiu e esteve a ponto de engasgar-se.

— por que? —exigi.

— Naquele momento me pareceu uma boa idéia. —Batalham continuou

esmurrando o telhado.

— Sinto-o —lhe disse ao agente da DAP me cobrindo a outra brinca para poder

ouvir algo—. Sua majestade está acostumada exagerar as coisas. Eu não

gosto de trabalhar em equipe. Sou indisciplinada e tenho problemas com a

autoridade. Além disso, o Senhor das Bestas não sabe utilizar um martelo.

No telhado, Derek começou a rir convulsivamente.

— Não estou interessado em alguém que trabalhe em equipe –disse Gray.

— OH.

— O que sabe do Marduk?

Page 316: Kate daniels 01 magic bites (trad mec esp)

— É uma antiga deidade. Gosta dos sacrifícios humanos e conhece

perfeitamente o modo de prepará-los. por que?

— Estou procurando um representante da Ordem para que colabore com

minha equipe em um de nossos casos. Seu nome está na lista.

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— Sinto-me adulada mas careço da autoridade para representar à Ordem.

— O cavalheiro —protetor assegura o contrário.

— OH. —OH era uma palavra muito bonita. Curta e neutra.

— falei com o grêmio e estão de acordo. Reconhecem a necessidade de uma

maior implicação com a Ordem e parece que todo mundo vê com bons olhos a

idéia de que aceite o trabalho.

Maior implicação entre o Grêmio e a Ordem. Um salário. Um salário de verdade

o mais provável é que ridiculamente baixo mas, mesmo assim, um salário. Por

desgraça, em minha atual situação financeira, «baixo» significava um grave

inconveniente.

— Sinto-o —lhe disse—. eu adoraria ajudar mas não posso. Estou arruinada.

De fato, atualmente sou mais que pobre, de modo que terei que aceitar um

trabajillo do Grêmio antes de me comprometer com qualquer outra coisa.

Chegou-me o som apagado de uma conversação distante e, continuando, Gray

disse:

— O cavalheiro —protetor lhe pergunta se tiver comprovado o correio

ultimamente. Dava-lhe um golpecito com a ponta do pé ao montão de cartas e

estas se esparramaram pelo chão.

— Devo procurar algo em particular?

— Um sobre azul.

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Pesquei o sobre azul do montão e o abri enquanto sujeitava o auricular entre o

ombro e a orelha. Um formoso extrato bancário me comunicava do recente

ingresso em minha conta de seis mil dólares. O conceito: «Por serviços

emprestados segundo o acordo e em função do Artigo MEU». MEU era o

código dos cruzados. Ao contrário que a maior parte dos cavalheiros, os

cruzados não recebiam um salário, mas sim cobravam por trabalho realizado.

— Por favor, dele as obrigado por mim. —Jamais me converteria em um

cruzado, tanto Ted como eu sabíamos. em que pese a tudo, agradecia o

resgate.

— Farei-o —disse Gray—. Então aceita o trabalho? Obrigado, Ted.

— Sim –disse—. O aceito.

— Genial. Quando pode começar?

Olhei ao exterior, onde um formoso dia se desdobrava ante mim, e pensei nos

dois troca—formas sobre meu telhado.

— Amanhã —lhe disse—. Posso começar amanhã…

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Resenha Bibliográfica

Ilona Andrews é o nome usado pela mesma Ilona Andrews e seu marido

Gordon para a publicação de suas novelas de fantasia urbana.

Autores de duas grandes séries, a do Kate Daniels e a do The Edge, suas

novelas se situam em um entorno contemporâneo com grandes dose de

fantasia e fenômenos paranormais.

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