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    Forma na arquitetura: um palimpsesto

    Silke Kapp

    Chamei as reflexes que se seguem de palimpsesto a escrita feita em pergaminho antigo, raspado porquetentei decifrar e reescrever o que os atores das discusses arquitetnicas entendem pelo termo forma, a partirde trs textos com esse mesmo ttulo, "forma na arquitetura". No se trata, evidentemente, de um interessefilolgico, mas da suspeita de que muitas disputas em torno da forma e sobretudo em torno de sua autonomiaou heteronomia seriam bem mais produtivas se os argumentos envolvidos se referissem a uma mesma coisa.As trs citaes abaixo indicam de modo sucinto as posies mais evidentes.

    Forma como meta sempre desemboca em formalismo. [...] Forma de verdade pressupe vida de verdade; masno vida passada, nem vida imaginada.

    (Mies van der Rohe, "Sobre a forma na arquitetura", 1927)[1]

    Sobre a beleza e a forma plstica na arquitetura que vou lhes falar [...]

    (Oscar Niemeyer, A Forma na Arquitetura, 1978)[2]

    [...] a confuso estabelecida entre forma arquitetnica e forma plstica perturba o esclarecimento da questo danatureza especfica da Arquitetura.

    (Edgar Graeff, "A forma na arquitetura", 1969)[3]

    Num extremo, o protesto de Mies van der Rohe contra a forma como fim em si mesma e o pleito pela formaarquitetnica como meio para um fim determinado, descrito pela expresso "vida de verdade". No outro, acompreenso de Niemeyer da forma na arquitetura como forma plstica, responsvel pelo belo. E, comomediao entre os dois, a constatao de Graeff de que forma plstica e forma arquitetnica no so a mesmacoisa. Analisemos, pois, as definies em jogo e suas derivaes e implicaes.

    Forma arquitetnica como forma plstica total

    O sentido que Niemeyer d ao termo formano pequeno livro de 1978,A Forma na Arquitetura, coincide, ao quetudo indica, com o seu uso mais corriqueiro nos meios arquitetnicos. Forma designa formato, figura, contorno,jogo dos volumes visveis, tratamento de superfcies, conjuno de cheios e vazios, enfim, o conjunto dascaractersticas plstico-visuais do objeto arquitetnico, com nfase na sua exterioridade escultural. Niemeyertoma essas caractersticas como prioritrias para o projeto: "para alguns, a funo que conta; para outros, [oprojeto] inclui a beleza, a fantasia, a surpresa arquitetural que constitui, para mim, a prpria arquitetura"[4]. Cabeatentar, no entanto, para o raciocnio em relao sociedade que acompanha a concepo explicitada porNiemeyer nesse texto, pois ele difere muito do raciocnio que tem acompanhado a identificao mais comum

    entre forma arquitetnica e forma plstica.Niemeyer partia ento da idia de que a busca do belo seria uma espcie de invariante antropolgica, uma

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    condio humana por excelncia. E se, para ele, legtimo fundamentar a arquitetura nessa invariante emquaisquer circunstncias, numa sociedade cujos problemas estruturais ela a arquitetura no pode resolver,essa parece a nica sada digna.

    ... falar de arquitetura social num pas capitalista , como declarou Engels, uma atitude paternalista que sepretende revolucionria. [...] o importante mudar a sociedade. [...] Esta a reforma de base indispensvel paraa arquitetura mais humana que desejamos. E reclam-la, a nica atitude a tomar, se estamos realmenteinteressados no problema social.[5]

    Nesse contexto conceitual, a nfase na forma no propriamente a leviandade formalista do tipo que Mies vander Rohe condena, mas, antes, uma atitude que abdica da pretenso de consertar a vida pela arquitetura ecomo que dispensa a forma arquitetnica da sua submisso aos fins duvidosos de uma sociedade igualmenteduvidosa. Pe-se a a arquitetura na situao institucional que outras modalidades artsticas tradicionais, como apintura, a escultura ou a msica, ocupam na nossa sociedade, embora muitas vezes a contragosto daquelesque as produzem. As obras so, por um lado, estruturadas negativa e criticamente em relao a essasociedade, mas, por outro lado, nunca se desvencilham de seu carter afirmativo, pois que so de fatoinofensivas para o mbito da produo e da reproduo dos meios de sobrevivncia, e ainda apreciadas comocontrapontos prazerosos desse mbito ou da chamada vida prtica. Isso , no fim das contas, o dilema de toda

    a arte da modernidade e que no foi desfeito pelas inmeras tentativas de fund-la novamente vida. ParaNiemeyer, a forma arquitetnica forma plstica; e, dadas as circunstncia sociais que a arquitetura no podecurar efetivamente, a forma plstica se torna o essencial. Nesse sentido, podemos dizer que o conceito de formaarquitetnica utilizado significa algo como a "forma plstica total". Essa forma plstica abrangente da totalidadedo objeto combate as circunstncias existente, mas apenas no plano abstrato da recepo e da interpretaodas obras de arte, no no plano concreto das relaes de convvio e de produo.

    Embora se possa discordar dos pressupostos de Niemeyer, preciso admitir a coerncia de sua postura; maisainda pelo fato de ele prprio entend-la como postura pessoal e no como um modelo a ser genericamenteseguido pelos arquitetos[6]. Discutir a autonomia da forma arquitetnica a partir desse raciocnio significa nadamenos do que discutir a possibilidade ou a recusa do engajamento social e poltico da arquitetura.

    Forma arquitetnica como forma plstica aplicada

    A coerncia acima atribuda postura de Niemeyer no vale para a verso mais difundida da identificao entreforma arquitetnica e forma plstica. Nessa verso, a nfase recai sobre a plasticidade, mas ela no presumida como meta legtima e principal do objeto. Pelo contrrio, a forma passa a ser um aspecto parcial, queum bom projeto se encarregaria de conciliar com outras variveis, tais como o funcionamento, a insero em umdeterminado contexto, as tcnicas construtivas ou os sistemas estrutural e infra-estrutural. Assim, a chamada"forma" seria o operador responsvel pelas expectativas estticas postas ao projeto, do mesmo modo que aarticulao funcional responderia aos usos previstos, e a elaborao tcnica responderia s demandas daconstruo. Diz-se, por exemplo, que um projeto satisfatrio no aspecto funcional e tcnico, mas fracassa noaspecto formal; o que significaria que o projeto "feio", embora se imagine que os usos previstos ocorram ali

    sem maiores problemas e que a construo seja vivel com os meios escolhidos. (Parece haver, nesse uso dotermo, uma analogia com o uso mais generalizado no sentido da boa forma fsica, com muitas das nuances queisso implica. As pessoas que esto, como se diz, "em forma", no so necessariamente as mais inteligentes,criativas, simpticas ou melhores no convvio, e por vezes no so nem mesmo as mais saudveis.)

    Tal compreenso da forma como um operador entre outros perniciosa por vrios motivos. Ela faz surgir ailuso de que as solues arquitetnicas possam ser subdividida em partes relativamente independentes entresi e produzidas de modo cumulativo, ainda que por procedimentos de natureza muito distinta. A seqncia nadaincomum de "soluo em planta" e "composio de fachada" apenas um exemplo desse equvoco. Ao mesmotempo, reduz-se a prpria dimenso plstico-expressiva do objeto a uma pseudo-estetizao, isto , a umaornamentao com recursos atualizados, que procura tornar o objeto atraente a uma faixa de consumidores.Esse seu pobre papel leva a imaginar que o arquiteto de fato "escolhe" figuras, modelos, estilos, como se

    escolhem objetos de consumo; e, inversamente, faz a recusa do estilo "casa-de-campo-inglesa" ou "barroco-marroquino" parecer um tabu injustificado e preconceituoso da classe. Em suma, entende-se que a forma,supostamente gerada por procedimentos ditos "artsticos", seja um aplique soluo arquitetnica,

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    supostamente gerada por procedimentos tcnicos. Trata-se de uma lgica muito semelhante do to criticadoecletismo oitocentista em sua conjuno aleijada com as solues da engenharia.

    Quem, a partir desses pressupostos, diz "autonomia da forma", refere-se na verdade ausncia de vnculoentre a arquitetura propriamente dita e a disposio dos confeitos no glac que a recobre. Do ponto de vistalgico, at possvel discutir se a forma tem ou no tem essa tal autonomia, ou seja, se os confeitos devemcorreponder quilo que decoram ou se podem ser dispostos livremente. Porm, do ponto de vista dos contedosem pauta, essa discusso me parece inteiramente incua. O protesto de Mies van der Rohe contra a forma

    como fim em si mesma, escrito em 1927, visa a concepes desse tipo, que parecem no ter se tornadosignificativamente mais raras desde ento.

    O equvoco fundamental aqui a inverso entre as variveisdo trabalho de projeto e o resultadodesse trabalho.A forma entendida como um recurso de estetizao se torna uma demanda ou um condicionante. Ela demanda em enunciados como "dois apartamentos por andar, com sala ampla e vista para o mar, estruturamodulada e estilo clean"; e condicionante em constataes do tipo "alm de adaptado a topografia difcil e snormas da prefeitura, ainda deve ser bonito". Ora, a forma no uma coisa nem outra, nem demanda, nemcondicionante. A forma a prpria resposta arquitetnica. Quem procura uma soluo arquitetnica, procurauma forma. No se quer simplesmente um certo funcionamento, mas uma forma que o possibilite; no se quersimplesmente uma certa relao com o contexto urbano, mas uma forma que tenha essa relao; no se queruma tcnica construtiva, mas uma forma na qual ela faa sentido. Ou seja, a forma no a parte da soluo

    arquitetnica que d conta de efeitos esttico-visuais, mas ela constitui essa soluo como um todo.

    Forma arquitetnica como "ambincia construda"

    A j citada constatao de Graeff da diferena entre forma plstica e forma arquitetnica procura essacompreenso mais abrangente do termo. No texto de 1968, Graeff se contrape inicialmente concepo queBruno Zevi acabara de expor no clebre Saber Ver a Arquitetura. Para Zevi, a obra de arquitetura como uma"grande escultura escavada, em cujo interior o homem penetra e caminha", ou seja, a arquitetura umaatividade artstica que opera com um vocabulrio tridimensional apreendido visualmente e no decorrer de umpercurso. Segundo Graeff, Zevi permanece refm da idia de arquitetura como arte plstica, analisando as suascaractersticas no mesmo registro contemplativo que caberia a uma obra tradicional de pintura ou escultura, que

    o observador aprecia mediante a abstrao de todas as circunstncias externas. Graeff ento explicita adiferena:

    Quando me coloco diante de uma esttua ou circulo sua volta para apreci-la sob diferentes pontos de vista[...] devo abstrair numerosas circunstncias que, embora envolvam a obra, no pertencem aos domnios da artedo escultor. o caso, por exemplo, da temperatura reinante no lugar da exposio; e dos sons e rudos que oinvadem; e dos odores que porventura flutuam no ar; e da eventual chuva que cai. [...] no formaria sentidotentar assimilar essas circunstncias externas e acidentais aos valores escultricos. [...]

    A situao completamente diversa quando me encontro no espao arquitetnico em termos normais decomunicao, isto , quando ali permaneo no simplesmente para observar ou apreciar as facetas plsticas daforma mas para exercer atividades compatveis com o agenciamento do espao construdo. Em tal circunstncia

    [...] nada deve nem pode ser abstrado como fato alheio obra: nem as condies de temperatura e umidade doar, nem as condies acsticas do lugar, nem os odores que ele encerra.[7]

    Muitos artistas plsticos tentaram subverter justamente a recepo que abstrai de circunstncias exteriores,tirando suas obras do pedestal ou da moldura, que representam fsica e simbolicamente a distnciainstitucionalizada entre vida cotidiana e arte autnoma. Mas, esse fato mesmo e a leitura da supresso dopedestal como transgresso apenas confirmam a assertiva de Graeff: arte e arquitetura no so recebidas nomesmo registro. A partir disso, Graeff prope que forma arquitetnica seja compreendida como "ambinciaconstruda":

    ... ambincia revelada mediante a ao conjunta de um feixe de estmulos emitidos por formas plsticas asformas da matria sob a luz; formas tteis temperatura, ventilao, umidade do ar; formas acsticas sons,

    rudos; e formas olfativas odores, perfume. A conjugao dessas formas parciais na definio da formaarquitetnica regulada pelo tempo de utilizao do espao construdo.

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    Entendida nesses termos, a forma arquitetnica revela-se rigorosamente comprometida com o programa denecessidades e o ofcio do arquiteto pode ser definido como arte de formar (organizar e animar) espaosdestinados a ambientar as atividades humanas.[8]

    E ele conclui que...

    ... parece urgente a desvinculao da Arquitetura de inteis compromissos com a forma plstica, velha matriz decnones, clichs e estilos estreis.[9]

    A concepo de Graeff apresenta certaampliao do conceito de forma na arquitetura, evidenciando quearquitetura no o mesmo que escultura oca e em grande escala, e que sua recepo est atrelada ao uso.Mas, ele persiste na identificao da forma com um conjunto de efeitos do objeto sobre os sentidos doobservador ou usurio, e at acentua essa identificao. Tais efeitos seriam derivados do chamado "programade necessidades" e definidos de antemo. Na concepo de Graeff, o outro da forma, aquilo que enformado,tende a ser o comportamento dos ocupantes do espao, e no a matria, o prprio espao e suas possibilidadesde apropriao.

    Falar de autonomia da forma nesse contexto seria um total contrasenso, pois supe-se que todo nomos, todanorma, regra ou ordenao da forma advm de algo que lhe exterior; a forma seria, por definio, inteiramenteheternoma.

    Afirmei antes que a forma no um condicionante ou uma demanda. Ela tambm no um conjunto de efeitos.Forma no o mesmo que fenmeno. Alis, o curto-circuito entre intenes e efeitos extremamente comumna histria mais recente da teoria da arquitetura. O livro Intenes em Arquitetura, de Christian Norberg-Schulz,por exemplo, baseia-se inteiramente na suposio de que intenes melhores levam a arquitetura melhores,mas passa ao largo daquilo que deveria ser central para a reflexo: forma uma categoria do objeto no dasintenes que o antecedem, nem tampouco de sua recepo. isso que a torna to difcil.

    Usos e apropriaes, a concretizao da construo propriamente dita, a interao de novos objetos com o seuentorno, tudo isso so aspectos que os autores de projetos arquitetnicos, enquanto tais, no controlam. claroque podem tentar control-los enquanto atores polticos, empresrios da construo, cidados ou usurios. Maso projeto propriamente dito no outra coisa seno uma forma. (E no necessrio que essa forma constituauma figura esttica e definida de uma vez por todas.) No entanto, a confuso entre aquilo que um projeto de fato

    pode fazer e o que se gostaria que acontecesse a partir dele corrente. Sobretudo nos projetos acadmicos,certas intenes simplesmente no so enformadas, isto , no so traduzidas em forma, mas permanecem, doincio ao fim do processo, apenas como declarao de intenes e de efeitos esperados.

    Quero finalizar este palimpsesto com uma breve tentativa de explicao da idia de forma arquitetnica comolgica do objeto.

    Forma arquitetnica como lgica do objeto

    Uma noo de forma para alm de intenes e efeitos se torna mais clara se lembrarmos que, em outras reas

    do conhecimento, o termo designa primordialmente no a figura externa de algo, mas sua constituio interna, aordem determinada e determinante de uma coisa ou de um processo, a lgica que define as conexes de suaspartes. Essa lgica pode ou no comparecer na figura externa e ser apreendida inteiramente pelos sentidos namaioria das vezes, isso no ocorre.

    Parece-me que o eclipse desse significado mais estrutural do termo nas discusses arquitetnicas se deve auma dicotomia rgida e irrefletida, que pe a arte de um lado e a cincia de outro, relacionando a primeira com aforma, o belo, a intuio, a subjetividade e a segunda com a funo, a tcnica, a racionalidade, a eficcia, aobjetividade. Perde-se de vista a, em primeiro lugar, que o que hoje denominamos arte e cincia no foramsempre mbitos apartados um do outro. Conseqentemente, perde-se de vista tambm o quanto h de tcnica,objetividade e racionalidade nos procedimentos artsticos e o quanto h de inveno subjetiva na cincia. Nada mais frgil do que uma definio da arte como criao de coisas belas e da cincia como descoberta deverdades objetivas.

    Embora a arquitetura no tenha, na nossa sociedade, o mesmo papel de outras artes papel esse, de qualquermodo incerto , e no seja recebida ou consumida do mesmo modo, o processo de gerao de formas

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    arquitetnicas perfeitamente comparvel com o da gerao de formas artsticas. No porque haja nele o intuitoalcanar expresses agradveis ou belas (o que a maioria dos artistas estranharia igualmente como objetivo).Acredito at que justamente a parte da arquitetura to freqentemente associada arte a que tem menosrelao com ela. Acrescentar ao objeto mediocremente conformado um pouco de verniz estetizante, algumaharmonia visual e adequao aos signos do momento, no mais nem menos instrumental do que projetar umainstalao hidrulica. A semelhana entre a gerao de formas arquitetnicas e os procedimentos artsticos estno fato de ambos responderem a situaes abertas, cujos elementos so algicos e para os quais no existeuma soluo delineada a prioriou a possibilidade de uma consecuo por mtodos pr-definidos, como ocorre

    nos procedimentos estritamente tcnicos (mas notadamente no ocorre nas verdadeiras investigaescientficas).

    Dito de outro modo, o processo de consecuo da forma no corresponde nem ao processo analtico doestabelecimento de requisitos, nem ao processo analtico de possibilidades de julgamento. Posso querer que aforma de um objeto seja adequada a certos usos, certas tcnicas construtivas e at a certos clichs estticos;posso tambm avaliar a forma em relao ao seu desempenho funcional, tcnico ou de gosto; mas no possogerar a forma analiticamente e por partes. Isso significa, entre outras coisas, que a heteronomia total da formaarquitetnica, tal como pleiteada no texto de Graeff, mesmo que fosse desejada, no seria possvel.

    Mas, a lgica de um novo objeto, as suas conexes espaciais e materiais, ou enfim, sua forma, tampouco sogeradas do nada, como invenes imediatas e sem precedentes. Solues ou formas arquitetnicas so

    derivadas de outras formas arquitetnicas. Por mais que uma obra parea genial, a inveno que nela se realiza sempre nfima em vista do material formal do qual ela parte e das mltiplas invenes anteriores que elecontm. E as implicaes de tais precedentes (para a tcnica construtiva, o uso ou qualquer outra das variveisde um problema arquitetnico) incidem no novo objeto, mesmo que o autor no tenha conscincia disso. possvel, e at comum, que aspectos tcnicos, sociais ou econmicos de uma forma sobrevivam nelasimbolicamente, quando na prtica de produo da sociedade elas j foram ultrapassadas. Mas, de fato, formasso "contedos sedimentados", e como tais, as formas arquitetnicas nunca se deixam desvincular daspossibilidades de uso e de construo que tm ou j tiveram.

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    [1] Ludwig Mies van der Rohe: "ber die Form in der Architektur" (1927). IN: Ulrich Conrads (ed). Programme und Manifeste zurArchitektur des 20. Jahrhunderts. Braunschweig, 1984, p. 96.

    [2] Oscar Niemeyer.A Forma na Arquitetura. Rio de Janeiro: Avenir, 1978, p.18.

    [3] Edgar Graeff. "A Forma na Arquitetura". IN: Alberto Xavier.Arquitetura moderna brasileira. Depoimentos de uma gerao. So Paulo:Pini: Fundao Vilanova Artigas, 1987, p.211.

    [4] Niemeyer, op.cit., p.17.

    [5] Niemeyer, op.cit., p.39-40.

    [6] Cf. Niemeyer, op.cit., p.9.

    [7] Graeff, op.cit., p.215.

    [8] Graeff, op.cit., p.216.

    [9] Graeff, op.cit., p.217.