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Jurisprudência da Quarta Turma
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
RECURSO ESPECIAL N. 92.478 - PR (Registro n. 96.0021690-8)
Relator: Ministro Barros Monteiro
Recorrentes: Condomínio Fazenda Mineira e outro
Advogados: Antônio Carlos de Andrade Vianna e outros
Recorrida: Marília de Souza Canabrava
Advogados: Marileidi Marchi e outros
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EMENTA: Execução - Transação - Falta de assistência de advogados - Nulidade - Inocorrência.
- Restrita a audiência à tentativa de conciliação das partes, não se faz imprescindível a presença dos advogados de todas elas.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília-DF, 7 de fevereiro de 2002 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.
Ministro Barros Monteiro, Relator.
Publicado no DI de 20.5.2002.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Barros Monteiro: Condomínio Fazenda Mineira e Décio de Souza Canabrava opuseram embargos à execução, fundada em transação, que lhes move Marília de Souza Canabrava, argüindo, dentre outras alegações, a inexigibilidade do título, visto que o acordo ocorreu numa reunião, sem designação de audiência nos autos nem assistência de advogados.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
342 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o MM. Juiz de Direito da Comarca de Paraíso do Norte julgou-os improcedentes.
A Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade, negou provimento à apelação interposta pelos Embargantes, em acórdão que registra a seguinte ementa:
"Apelação. Embargos à execução. Título judicial. Caso de acordo homologado em juízo. Eficácia. Improcedência. Improvimento.
A parte, em sendo maior e capaz, pode celebrar acordo em audiência pondo fim à lide.
A transação, devidamente homologada, constitui-se em título judicial hábil para embasar processo executivo." (fl. l31).
Inconformados, o Condomínio Fazenda Mineira e Décio de Souza Canabrava manifestaram recurso especial com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, alegando negativa de vigência ao art. 2.!l. da Lei n. 8.906, de 4.7.1994 e dissídio jurisprudencial com aresto do Tribunal de Alçada Cível de São Paulo. Aduziram que a conciliação pressupõe estejam os litigantes acompanhados de seus advogados regularmente constituídos.
Oferecidas as contra-razões, o recurso foi admitido na origem, subindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator): Na Ação de Divisão n. 69/ 1989, promovida por Marília de Souza Canabrava, o MM. Juiz de Direito, em audiência, propôs a conciliação às partes, a qual terminou por ser aceita, conforme termo constante de fls. 13/14 destes autos.
Não se dispõe de dados sobre o estágio em que se encontrava aquela lide no momento da transação, mas é certo que, comparecentes as partes interessadas, foi ela homologada pelo doutor Juiz de Direito.
O reclamo, no caso, é o de que a audiência se realizou sem que os promovidos estivessem assistidos por advogados.
A irresignação, todavia, não se justifica, pois a tentativa de conciliação é dirigida às partes, pessoalmente, e não a seus advogados. Sérgio Sahione FadeI observa que, "independentemente de provocação do interessado, de
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ofício, o juiz intimará as partes para que compareçam, pessoalmente, independentemente de seus advogados, ao início da audiência de instrução e julgamento, e tentará conciliá-las, possivelmente através de concessões e transigências mútuas" (Código de Processo Civil Comentado, tomo lU, p. 8).
Cingindo-se a audiência à tentativa de conciliação, tornava-se dispensável a presença dos srs. advogados.
Pontes de Miranda leciona que "o Código de 1973, arts. 447-449, introduziu o procedimento conciliatório. Na doutrina estrangeira frisa-se que, apesar de estar incluso no processo, é procedimento independente, cuja finalidade é obter-se solução amigável e tem de ser antes de se acentuar a contenciosidade. Com ele, as pessoas que exerceram a pretensão à tutela jurídica recebem a prestação em tentativa de levar o acordo, mesmo que consista em renúncia, desistência ou transação ou outro resultado solutivo. A conciliação não está submetida às exigências que a lei faz ao proferimento das sentenças, porque, assinado o termo pelas partes, apenas tem de ocorrer a homologação, que tem a eficácia de sentença, e é sentença (art. 449, verbis: 'terá valor de sentença'). Os pressupostos são os que existem para os atos constitutivos das partes (capacidade para ser parte, capacidade processual e poder de representação legal). O que se há de exigir para
c. a conciliação é o que o sistema jurídico, no plano do Direito Privado (ou Público, se a parte é entidade estatal), faz obrigatório para a existência e a validade dos negócios jurídicos, especialmente das transações" (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo V, p. 15, 3i1. ed., atualizada por Sérgio Bermudes).
É ainda da jurisprudência desta Casa o entendimento de que, tratando-se de direito disponível, é lícito à parte, maior e capaz, ainda que desacompanhada de seu patrono, firmar acordo que lhe pareça adequado à solução do litígio (REsp n. 77 .399-SP, relator Ministro Gilson Dipp). Em julgado do qual foi relator o Ministro Assis Toledo, assim decidiu a egrégia Quinta Turma deste Tribunal:
"Petição de acordo assinada pelo advogado do autor e pelo réu diretamente, sem a intervenção do advogado do último. Transação válida, em tese, que só poderá ser anulada em ação própria, provando-se a existência de vício que a torne nula ou anulável." (REsp n. 50.669-7-SP). .
Não se pode falar, portanto, na espécie, em contrariedade à norma de lei federal, mais ainda em relação ao art. 2.Q. da Lei n. 8.906, de 1994, da
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qual a decisão recorrida, a rigor, nem sequer tratou. À sua vez, a dissonância interpretativa não é passível de aperfeiçoar-se à falta de cumprimento das prescrições contidas nos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, §§ p.
e 211., do RISTl
Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.
É como voto.
RECURSO ESPECIAL N. 108.136 - PR (Registro n. 96.0058809-0)
Relator: Ministro Barros Monteiro
Recorrentes: Accor S/A e outro
Advogados: Pedro Augusto de Freitas Gordilho e outros
Recorrido: PHD e MAD Assessoria Comercial S/C Ltda
Advogado: Eloi Tambosi
Advogada: Ana Frazão (presente no julgamento) (pela recorrente)
EMENTA: Marca registrada - Palavra comum - Utilização pela ré.
- Registrada uma marca, não pode outra empresa industrial, comercial ou de serviços dela lançar mão, em havendo similitude de atividades. Precedentes do STJ.
Recurso especial conhecido e provido parcialmente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar
e Aldir Passarinho Junior. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília-DF, 5 de março de 2002 (data do julgamento).
RST], Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.
Ministro Barros Monteiro, Relator.
Publicado no DI de 24.6.2002.
RELATÓRIO
345
o Sr. Ministro Barros Monteiro: Cuida-se de ação ordinária proposta por Accor e Ticket - Serviços, Comércio e Administração Ltda contra PHD e MAD Assessoria Comercial S/C Ltda, objetivando que a Ré se abstenha de utilizar a marca "Ticket", sob pena de multa, destruição de material e ressarcimento de perdas e danos.
Julgada improcedente a ação em I Q grau, a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade, negou provimento ao apelo das Autoras, em acórdão cujos fundamentos se resumem na seguinte ementa:
"Nome comercial. Uso indevido. Empresas do mesmo ramo. Marcas, no entanto, inconfundíveis. Palavra estrangeira incorporada à linguagem corrente. Usurpação não configurada. Ação improcedente. Apelo improvido." (fi. 307).
Inconformadas, as Autoras manifestaram este recurso especial com fulcro nas alíneas a e c do permissor constitucional, apontando negativa de vigência aos arts. 5Q
, XXIX e XXXVI, da Constituição Federal; 59 e 65, item 17, da Lei n. 5.772/1971, além de dissídio interpretativo. Primeiro, asseveraram já se encontrar registrada a marca "Ticket" há cerca de vinte anos, não se havendo mais que discutir acerca de sua registrabilidade, questão sobre a qual já se operou a prescrição. De outro lado, sustentaram que o registro dela perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial confere ao seu titular o direito de propriedade e uso exclusivo em todo o território nacional, impedindo terceiros de fazer uso de marca igualou semelhante, que se destine a assinalar artigos ou serviços idênticos, similares ou afins. Por fim, ressaltaram ter a referida marca adquirido notoriedade no segmento de intermediação de aquisição de produtos.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido, subindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
346 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VOTO
O Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator): Assiste razão, em parte, às Recorrentes.
As instâncias ordinárias reconheceram que a co-autora Accor detém o registro da marca "Ticket" e admitiram que a Ré, utente da marca Ticket Paranaense S/A - Ticketpar atua no mesmo ramo comercial das demandantes (serviços de intermediação na aquisição de produtos).
A despeito de serem as Autoras titulares da marca ora em questão, negaram-lhes tanto a sentença como o v. acórdão o direito à utilização exclusiva, visto cuidar-se na espécie de nome comum, vulgar, corriqueiro, que se incorporou à linguagem corrente no País. Para a decisão ora recorrida, o vocábulo Ticket é marca não registrável, havendo invocado, para tanto, o disposto no art. 65, item 20, da Lei n. 5.772, de 21.12.1971.
Vale dizer, as instâncias ordinárias consideraram de nenhuma eficácia o registro obtido pela co-autora Accor.
Assim o fazendo, contrariaram de maneira frontal a norma do art. 59 do Código da Propriedade Industrial então vigente (Lei n. 5.772/1971). Primeiro, ao acórdão recorrido não era dado "cassar", pura e simplesmente, o registro concedido há vários anos pelo INPI. Segundo, a palavra Ticket, tal como asseveram as ora recorrentes, não foi empregada na sua acepção semântica original, qual seja, "bilhete", "nota de caixa", etc. Foi, sim, registrada como marca para designar uma atividade de intermediação na aquisição de produtos.
De sorte que, não relacionado o termo Ticket com o produto, mercadoria ou serviço a distinguir (art. 65, item 20, acima citado), era perfeitamente admissível o seu registro como marca, como de resto o foi pelo Instituto Nacional da Propriedade. Se o referido vocábulo estivesse umbilicalmente vinculado ao serviço de produção e distribuição de "bilhetes", poder-se-ia censurar o registro efetuado junto ao INPI. Entretanto, no caso, o registro teve em mira uma outra atividade exercida pelas acionantes: a de serviços de intermediação para aquisição de produtos.
Assim, não é por cuidar-se de um nome já incorporado à linguagem corrente do brasileiro que se poderá obstar o uso exclusivo da marca "Ticket" pelas Autoras.
Mas, o que mais releva para a justa composição desta lide é a circunstância de empregar a Ré a palavra Ticket em Ticket Paranaense S/A -Ticketpar para desempenhar suas atividades no mesmo ramo comercial das
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suplicantes, tal como reconhecido pelas instâncias ordinárias. Nesse passo, a confusão decorrente do uso da mesma marca junto aos consumidores pode acarretar o desvio de clientela e, conseqüentemente, provocar concorrência desleal, ato lesivo inspirador da legislação pertinente à propriedade industrial.
Em precedente de que fui relator (REsp n. 210.076-RJ), esta Quarta Turma já teve ocasião de decidir:
"Marca registrada. Palavra comum. Sua utilização pela ré em nome de fantasia. Inadmissibilidade.
- Registrada uma marca, não pode outra empresa industrial, comercial ou de serviços utilizá-la na composição de seu nome comercial, em havendo similitude de atividades. Precedentes da Quarta Turma.
Recurso especial conhecido e provido parcialmente."
Naquele julgado fez-se remissão a um outro, oriundo também deste Órgão fracionário, relator o eminente Ministro Athos Carneiro (REsp n. 7.359-CE), de cujo voto se colhe:
"Ora, mantido o registro, incide a norma do artigo 59 da citada Lei n. 5.772/1971, pela qual 'será garantida no território nacional a propriedade da marca e o seu uso exclusivo àquele que obtiver o registro de acordo com o presente Código, para distinguir seus produtos, mercadorias ou serviços, de outros idênticos ou semelhantes, na classe correspondente à sua atividade' (grifos nossos).
Registrada uma marca, não pode, pois, outra empresa industrial, comercial ou de serviços utilizá-la na composição de seu nome comercial, em havendo similitude de atividades (Lei n. 4.726, de 13.7.1965, art. 49), ou para 'todas as classes', em se cuidando de marca notória (CPI, art. 67). E a proteção aplica-se no território nacional, como está no próprio texto da lei, embora quiçá, lege ferenda, tal ampla proteção possa ser em certos casos menos adequada em país de dimensões continentais. Esta observação, contudo, é menos pertinente no caso concreto, em que a Autora expande sua rede de emissoras no território nacional, como se vê de fi. 13 e fi. 15.
O v. aresto, destarte, contrariou os artigos 159 e 65, n. 17, do Código de Propriedade Industrial."
Apenas não se pode considerar aperfeiçoada aqui a dissidência jurisprudencial, não somente porque as recursantes deixaram de mencionar as
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circunstâncias que identifiquem ou assemelhem as hipóteses confrontadas (arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, § 2l1., do RlSTJ), mas, também, porque, de todo modo, claramente distintas as bases fáticas em que se assentaram os decisórios em cotejo. De anotar-se, outrossim, que a espécie dos autos reúne situação particular que não a enfocada pela egrégia Terceira Turma quando do julgamento do REsp n. 242.083-RJ, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, feito do qual participaram as ora recorrentes sem a obtenção de êxito.
A ação é julgada procedente, em parte, para o fim de ser condenada a Ré a abster-se do uso da marca "Ticket", a qualquer título e de qualquer forma que possa confundir-se com aquela das Autoras, sob pena de responder pela multa diária de R$ 1.000,00 (hum mil reais), a partir de noventa dias contados da intimação pessoal da parte e depois do trânsito em julgado. A pretendida destruição do material afigura-se inócua, uma vez que destituído de nenhum valor. Ficam ainda arredados as perdas e danos por não comprovados na fase cognitiva, consoante diretriz de há muito traçada por esta Corte.
Do quanto foi exposto, conheço do recurso pela alínea a do admissor constitucional e dou-lhe provimento parcial, a fim de julgar procedente, em parte, a ação, na forma acima estabelecida. A Ré, vencida na parte substancial do litígio, arcará com as custas do processo em proporção de 2/3, ficando o restante a cargo das Autoras. Responderá também pelos honorários advocatícios da parte contrária, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, já considerada aí a sucumbência parcial das demandantes.
É o meu voto.
VOTO-MÉRITO
o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: Sr. Presidente, acompanho o voto do eminente Ministro-Relator, conhecendo do recurso e dando-lhe parcial provimento, com uma observação quanto a esse segundo fundamento: embora seja um nome comum, foi registrado como marca, e a outra empresa lhe está fazendo concorrência no mesmo ramo de atividade.
VOTO
o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Sr. Presidente, acompanho o voto do eminente Ministro-Relator, conhecendo do recurso e dando-lhe parcial provimento.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
RECURSO ESPECIAL N. 115.599 - RS (Registro n. 96.0076753-0)
Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
Recorrido: Clube dos Caçadores do Rio Grande
Advogado: Paulo Henrique Arigony Souto
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EMENTA: Meio ambiente - Patrimônio cultural - Destruição de dunas em sítios arqueológicos - Responsabilidade civil - Indenização.
o autor da destruição de dunas que encobriam sítios arqueológicos deve indenizar pelos prejuízos causados ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente natural (dunas) e ao meio ambiente cultural (jazidas arqueológicas com cerâmica indígena da Fase Vieira).
Recurso conhecido em parte e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro votaram com o Sr. Ministro-Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília-DF, 27 de junho de 2002 (data do julgamento).
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Presidente em exercício.
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Relator.
Publicado no DI de 2.9.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul ajuizou ação civil pública contra o Clube dos Caçadores de Rio Grande, que teria destruído parcialmente dunas e sítios
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arqueológicos existentes na área de sua propriedade, o que constitui atentado à preservação do meio ambiente e violência ao patrimônio cultural e arqueológico brasileiro.
O MM. Juiz julgou procedente a ação e determinou ao Réu abster-se de destruir o meio ambiente e o patrimônio cultural, condenando-o ao pagamento de indenização ao Erário Público - pelo quantum a ser definido em liquidação - por ter causado os referidos danos.
O Réu apelou, aduzindo que os danos se deram tão-somente em face do não-conhecimento da existência, naquela região, de áreas de sítios arqueológicos.
A egrégia Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu provimento parcial ao recurso, para afastar a indenização, em acórdão assim ementado:
"- Meio ambiente. Sítio arqueológico, onde apareceram peças de cerâmica de antigas civilizações.
- Proteção pela Constituição Federal e leis pertinentes, sendo vedada a derrubada de duna que encobria tais elementos históricos.
- Apelo provido em parte, para afastar a indenização." (fi. 236).
Rejeitados os embargos declaratórios, o Ministério Público Estadual interpôs recursos extraordinário e especial, este com fundamento no art. 105, IlI, a, da CF. Defende a anulação dos acórdãos recorridos, porque: a) é omisso o aresto que apreciou a apelação, quanto às alegações de destruição ambiental e responsabilidade objetiva, e por não expor as razões pelas quais afastou a indenização referente ao dano cultural; b) o que apreciou os declaratórios deixou de suprir as omissões e/ou contradições apontadas, ocorrendo, assim, contrariedade ao art. 458, II e IlI, do CPC. Aduz que o aresto recorrido, prolatado no julgamento da apelação, reconheceu a prática dos danos e o nexo causal, mas afastou a indenização, o que implica afronta ao art. 14, § p., da Lei n. 6.938/1981. Pleiteia a condenação do Recorrido ao pagamento de indenização por danos causados ao meio ambiente (dunas) e ao patrimônio cultural (sítios arqueológicos), no valor a ser apurado em liquidação de sentença.
Admitido o recurso especial, sem as contra-razões, subiram os autos.
O douto representante do Ministério Público Federal opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, para que seja cassado o v. acórdão recorrido e restabelecida a sentença, visto que, "diante da efetiva comprovação
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nestes autos da relação de causalidade entre a conduta do Recorrido e a ocorrência do dano ao meio ambiente, forçoso seria concluir pela condenação da Entidade-ré ao pagamento de indenização prevista no artigo 225, § 3ll., da Carta Magna, mesmo porque, em se tratando de dano ambiental, tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm entendido que a responsabilidade expressa no artigo 14, § 1ll., da Lei n. 6.938/1981 é objetiva, logo, independe da comprovação de culpa".
O feito me veio por redistribuição, porque envolve questão relativa ao pagamento de indenização por dano ao meio ambiente, matéria da competência da Segunda Seção.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Relator): 1. Inexistiram omissões no r. acórdão proferido na apelação, razão pela qual deveriam mesmo ser rejeitados os aclaratórios. A egrégia Câmara examinou os temas relacionados com a existência dos danos e com a responsabilidade atribuída ao Réu, concluindo por afastar a condenação indenizatória, pelo que nada havia a suprir ou esclarecer.
2. No que diz com o mérito, tenho que o Recorrente tem razão.
O r. acórdão reconheceu a existência do fato danoso:
"No caso, segundo os elementos dos autos, houve a destruição parcial de uma duna, a fim de adaptar o local ao amortecimento das balas disparadas pelos caçadores, possivelmente em torneios, tanto que, nas palavras de Jonas Marcos Manna de Otero, o presidente da Entidade-ré, 'efetivamente, ao ser edificada uma obra qualificada como pára-balas em uma linha de tiro, a associação removeu parte de uma duna, erguendo-a, o que propiciou a construção' (fl. 130).
As dunas são bem protegidas, e definem-se, de acordo com a Resolução n. 4/1985, do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), como formações arenosas, produzidas pela ação do vento, no todo ou em parte, ficando estabilizadas ou fixadas pela vegetação. De acordo com o art. 3ll. da mesma resolução, integram os bens considerados
reservas biológicas.
Através de tal trabalho, vieram à tona materiais pré-históricos, chamados de cerâmicos, ou líticos, formados no período que vai do ano
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200 a 1.750 antes de Cristo (a.C.), a que os estudiosos denominaram 'Tradição Vieira' ou 'Cerâmica Vieira'.
Tais riquezas são objetos de cerâmica, revelando uma era primitiva, posto que confecção dos antigos habitantes da região.
A matéria despertou o estudo de várias pessoas e entidades, como se constata dos relatórios anexos aos autos.
De modo que, sem dúvida, pela importância desses sinais reveladores de habitantes antiqüíssimos, a proteção legal mostra-se incontestável, segundo os diplomas mencionados na inicial e na sentença." (fl. 237).
Também a imputação da autoria ficou referendada:
"Não se admite a versão de que entidade não provocou os danos, ou não tinha conhecimentos da importância histórica dos elementos que afloravam nas areias.
Em primeiro lugar, quanto à efetivação de estragos, em 10 de julho de 1992, o coordenador de arqueologia do Centro de Cultura de Pessoas flagrou empregados contratados pelo Requerido destruindo a duna, a fim de 'efetuar o plantio de vegetação rasteira' (fl. 15).
Ademais, as fotos revelam uma realidade indesmentível, como a de fl. 28, onde se constata a retirada da areia." (fl. 238).
Sobre o elemento subjetivo, consciência com que foram praticados os atos, igualmente admitida a sua presença:
"No pertinente ao conhecimento do valor histórico, arqueológico e paleontológico, o representante do Requerido é confesso, quando admite ser 'do conhecimento de toda a comunidade que a beira da lagoa é local que abriga vários sítios arqueológicos' (fl. 130).
Talvez não fosse do conhecimento do Requerido, o que parece difícil, dada a profissão de seu presidente, posto que engenheiro, a importância dos elementos encontrados. Mas, quanto à destruição da duna, não poderia ignorar, porquanto as leis de proteção ao meio ambiente já são antigas, como o Decreto-Lei n. 25, de 30.11.1937, cujos dispositivos a respeito encontram-se transcritos à fl. 11 O.
A Constituição Federal, como visto, também mantém a tutela aos bens de valor natural e arqueológico - aspecto igualmente ressaltado.
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De outra parte, verbalmente, houve a comunicação do apreço his
tórico das peças que emergiram do solo." (fi. 238).
Assim, embora desnecessária a comprovação do elemento culpa para
a verificação da responsabilidade pelo dano ambiental, conforme é da nossa jurisprudência, também ele se encontra na hipótese em exame:
"O poluidor é obrigado, independentemente de culpa, a indeni
zar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade." (REsp n. 20.401-SP, Segunda Turma, reI. o
eminente Ministro Hélio Mosimann, DJ de 21.3.1994; no mesmo sentido, o REsp n. 20.401-SP e o AgRg no Ag n. 179.321-SP).
No caso dos autos, o Recorrente alega que o r. acórdão, além das omis
sões e contradições apontadas, causou ofensa ao disposto no art. 14, § P\
da Lei n. 6.938/1981, que assim dispõe:
"Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não-cumprimento das medidas neces
sárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará aos transgressores:
1- ( ... )
n - ( ... ) IH - ( ... )
IV - ( ... )
§ 1.\1.. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste ar
tigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a tercei
ros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos
Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente."
Portanto, presentes todos os pressupostos para o reconhecimento da
responsabilidade civil do agente causador do dano ao ambiente, com agres
são às dunas e ao patrimônio cultural e arqueológico, destruindo-se jazidas de precioso material da cerâmica indígena, impunha-se a manutenção da
sentença proferida pelo Dr. Bento Fernandes de Barros Jr. - não só na parte
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354 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
em que impôs ao Réu o dever de abster-se de continuar a prática proibida, como também na que lhe atribuiu a obrigação de indenizar os danos causados com a destruição da duna e de sítios arqueológicos existentes nas dependências do clube, cujo valor será apurado em liquidação por arbitramento.
Posto isso, conheço em parte do recurso e lhe dou provimento para restabelecer a sentença.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 151.321 - MG (Registro n. 97.0072796-3)
Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Banco do Brasil SI A
Advogados: Pedro Afonso Bezerra de Oliveira e outros
Recorrido: Corrêa e Andries Tecidos Ltda
Advogado: Antônio Celso do Valle Almeida
Recorrida: Têxtil Duomo SIA
Advogados: Marcus Rafael Bernardi e outro
EMENTA: Ação anulatória de título - Duplicata sem causa -Ônus da sucumbência.
O banco-endossatário que resiste aos pedidos do sacado para que seja (a) sustado o protesto, por ele solicitado, e (b) anulada a duplicata sem aceite que não tem causa subjacente, responde pelos encargos sucumbenciais.
Precedentes.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Aldir
RSTJ, Brasília, 3.15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDENCIA DA QUARTA TURMA 355
Passarinho Junior. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Barros Monteiro. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília-DF, 9 de abril de 2002 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 5.8.2002.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Corrêa e Andries Tecidos Ltda ajuizou ação de desconstituição de contrato cumulada com anulação de título, precedida de uma medida cautelar de sustação de protesto, contra o Banco do Brasil S/A e litisdenunciada Têxtil Duomo S/A, alegando ter havido a devolução das mercadorias referidas na duplicata protestada.
Na contestação, o Banco-réu alegou ser proprietário de boa-fé da duplicata, em função do endosso traslativo recebido da Têxtil Duomo S/A, sendo obrigatório o protesto para garantia do seu direito de regresso contra a endossante. Assim, "não pode assumir a responsabilidade advinda da realização da operação comercial entre a Têxtil Duomo Ltda e a Corrêa e Andries Tecidos Ltda", e que o fato da denunciada "ter comunicado ao Banco a respeito da devolução das referidas mercadorias não quita o crédito do Banco do Brasil" (fi. 24).
O pedido foi julgado procedente, em 1 a. instância, condenados os Réus, na ação principal, ao pagamento, na proporção de 50% para cada qual, das custas processuais e nos honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da causa, sendo condenado apenas o Banco ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, também arbitrados em 20% sobre o valor da causa, relativamente à medida cautelar.
À apelação interposta pelo Banco do Brasil, o egrégio Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais deu parcial provimento a fim de "prevalecer o protesto e a validade da duplicata em epígrafe com relação à sua sacadora para, tão-somente, assegurar o direito de regresso do Apelante contra a mesma" (fi. 98). O v. acórdão restou assim ementado:
"Processual Civil e Comercial. Duplicata simulada. Endosso à
instituição bancária. Protesto. Legitimidade. A instituição bancária que levou a protesto duplicata simulada, recebida de boa-fé por meio de
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
356 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
endosso, possui legitimidade para responder à medida cautelar de
sustação de protesto e à ação declaratória de nulidade propostas pela sacada. Reconhecido é o direito de regresso do Banco-endossatário contra emitente de duplicata mercantil sacada sem lastro causal. Apelação provida em parte."
Os embargos declaratórios foram rejeitados com aplicação de multa de 0,5% sobre o valor da causa.
Daí o recurso especial afirmando negativa de vigência aos artigos 535 do Código de Processo Civil, pelo não-acolhimento dos embargos declara
tórios, e 20, também do CPC, para que sejam excluídos da condenação os ônus sucumbenciais, porquanto não houve a efetiva sucumbência do Recor
rente, cujo objetivo "ao protestar os títulos e ao apresentar a contestação,
foi garantir seu direito de regresso contra a endossante-cedente das duplicatas".
Alega, também, violação aos artigos 13, 14 e 25 da Lei n. 5.474/1968,
aos artigos 8ll. e 43 do Decreto n. 2.044/1908 e ao artigo 17 do anexo I do Decreto n. 57.663/1966, além do dissídio com julgados desta Corte e de outros Tribunais que teriam decidido pela obrigatoriedade do protesto, e
por entender o Recorrente que, na qualidade de endossatário mediante en
dosso pleno, não seria parte legítima para figurar no pólo passivo da ação.
Sem contra-razões no prazo, o recurso foi admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): Não há ofensa ao artigo
535, CPC, pela rejeição dos declaratórios quando ausente omissão no aresto recorrido, nem configura negativa de prestação jurisdicional a decisão con
trária aos interesses da parte.
No mais, a pretensão do Recorrente já foi examinada diversas vezes
nesta Corte, proclamando a jurisprudência assente, em casos desta nature
za, a legitimidade passiva do Banco-endossatário e a sua responsabilidade
pelos ônus da sucumbência, ressalvado seu direito de regresso contra o
endossante, a exemplo dos seguintes precedentes:
"Processo Civil. Honorários de advogado. Protesto de duplicata.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 357
Se a instituição financeira desconta a duplicata mercantil, e a leva
a protesto por falta de aceite ou de pagamento, ainda que para o só
efeito de garantir o direito de regresso, responde pelos honorários de
advogado, na ação de anulação do título, se nesta ficar provado que
esta não tinha causa. Recurso especial conhecido, mas não provido."
(REsp n. 146.993-PR, relator Min. Ari Pargendler, DJ de 4.6.2001).
"Duplicata. Protesto. Desconto. Legitimidade. Banco.
O banco que recebe em operação de desconto duplicata sem causa age com negligência e corre risco do seu negócio, sendo, por isso,
parte legítima na ação de cancelamento do protesto movida pelo sacado, perante quem responde solidariamente com o emitente ou
endossante, pelos danos, custas e honorários, ressalvado seu direito de
regresso." (REsp n. 263.541-PR, relator Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJ de 26.3.2001).
"Agravo interno. Direito Comercial. Processo Civil. Duplicata
sem causa. Endosso. Protesto. Cancelamento. Perdas e danos. Honorá
rios advocatícios. Endossatário. Agravo desprovido.
- O banco-endossatário que recebe por endosso traslativo dupli
cata sem causa e a leva a protesto, o qual vem a ser cancelado em juízo, em ação promovida pelo sacado, responde pelos danos decorrentes do
protesto, bem como pelo ônus da sucumbência." (AgRg no Ag n. 309.545-RS, reI. eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
de 11.3.2002).
"Endosso. Duplicata sem aceite. Ação de nulidade movida pelo sacado. Encargos da sucumbência.
O endossatário que leva a protesto duplicata não aceita, ainda que isso seja necessário para assegurar o direito de regresso, assume o risco
de colocar-se como réu, em ação movida pelo sacado e deverá, se ven
cido, arcar com o pagamento de custas e honorários." (REsp n.
248.273-GO, relator Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 26.6.2000).
"Título de crédito. Direito de regresso. Ônus da sucumbência.
1. Embora haja precedente da Corte em outra direção, a Turma
consolida posição no sentido de que se o banco, como apurado nas ins
tâncias ordinárias, não se cercou das devidas cautelas ao remeter para
protesto duplicata não aceita, dando causa ao protesto e, assim, ao pro
cesso, deve responder pelos ônus da sucumbência.
RST], Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
358 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2. Recurso especial conhecido, mas improvido." (REsp n. 206.718-SP, relator Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 12.6.2000).
"Protesto. Sustação. Endossatário. Sucumbência.
O banco-endossatário, que recebeu por endosso traslativo duplicata sem causa e a levou a protesto, posteriormente sustado em ações promovidas pela empresa-sacada, responde pelos encargos da sucumbência juntamente com o endossante (art. 20 do CPC). Precedente da Quarta Turma." (REsp n. 147.585-RS, relator Min. Barros Monteiro, DJ de 31.8.1998).
"Comercial e Processual Civil. Duplicata não aceita. Sustação de protesto. Anulação. Endosso. Sucumbência. Honorários.
O banco-endossatário que resiste aos pedidos do sacado para que seja (a) sustado o protesto, por ele solicitado, e (b) anulada a duplicata sem aceite que não tem causa subjacente, responde pelos encargos sucumbenciais juntamente com o endossante, se ambos figuraram na lide.
Recurso especial conhecido, mas desprovido." (REsp n. 94.041-PR, por mim relatado, DJ de 1.2.1999).
Do voto que proferi nesse último julgado, extraio as seguintes considerações:
"Ao discorrer sobre o princípio da sucumbência, Chiovenda (in Instituições de Direito Processual, vol. lU, p. 285), na remissão feita por Luiz Carlos de Potilho (in RF 246/221), observou que 'o fundamento dessa condenação é o fato objetivo da derrota, e a justificação desse instituto está em que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva; por ser interesse do Estado que o emprego do processo não se resolva em prejuízo de quem tem razão e por ser, de outro turno, interesse do comércio jurídico que os direitos tenham um valor tanto quanto possível, nítido e constante'.
Essa, certamente, foi a motivação que teve o legislador do Código de Processo Civil vigente quando, no seu art. 20, impôs ao vencido pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios.
RST], Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDENCIA DA QUARTA TURMA 359
Em comento a tal dispositivo, o mestre Pontes de Miranda (in Comentários ao Código de Processo Civil, Tomo I. p. 416) leciona que 'hoje não há qualquer especialização de ações para que incida o art. 20. Não importa se a ação é declaratória, constitutiva positiva ou negativa, condenatória, mandamental ou executiva. Não mais se limita a sanção às ações do ato ilícito absoluto ou relativo. Pressuposto necessário é um só: ter havido perda da causa, pelo autor, ou pelo réu, ou quem quer que seja perdente'.
Observa-se, portanto, que, em tese, havendo pretensão resistida e sendo esta solucionada com a decretação da derrota de uma das partes, aquela que for sucumbente deverá arrostar com o ônus da verba honorária, que é devida ao patrono do contendor vitorioso.
Na hipótese em exame, é evidente que o banco-recorrente resistiu contra a pretensão da recorrida de evitar que o protesto fosse tirado e que fosse anulada a cambial, quando deveria ter procurado, apenas, ressalvar o seu direito de regresso como endossatário (contra o que, diga-se de passagem, a recorrida em nenhum momento se insurgiu).
Não deveria ter ido além, como foi e sem sucesso, para também se insurgir contra a sustação do protesto e a anulação da duplicata.
Sendo assim, evidente que não se pode deduzir que tenha ele sido exitoso na sua postulação, nem muito menos que a recorrida tenha sido vencida.
É certo que o banco agiu de boa-fé, como igualmente é verdadeiro ter ele agido por lícita motivação para resguardar o seu direito de regresso.
Contudo, a atividade bancária é tipicamente de risco e no momento mesmo em que lhe foi passado o endosso, com ele vieram todos os riscos ínsitos nas operações desse jaez, inclusive o de que pudesse não ter sido consumado o negócio subjacente que daria causa ao título, sobretudo porque, na hipótese, a duplicata não estava aceita nem havia nenhuma prova da entrega de mercadoria, motivos que aumentam de insegurança o negócio realizado."
Estando o v. acórdão recorrido em harmonia com esse entendimento, incide, na espécie, o verbete n. 83 da Súmula desta Corte.
Diante do exposto, não conheço do recurso especial.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
360 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N. 203.225 - MG (Registro n. 99.0009786-6)
Relator:
Recorrente:
Advogados:
Recorrido:
Advogado:
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Fiat Automóveis SI A
João Dácio Rolim e outros
Ronaldo Salgado
Geraldo Magela S. Freire
Sustentação oral: Luís Carlos Martins (pela recorrente)
EMENTA: Direitos do Consumidor e Processual Civil - Veículo com defeito de fabricação - Responsabilidade do fabricante - Indenização - Código de Defesa do Consumidor - Reexame de provas -Honorários de advogado - Compensação - Possibilidade - Arts. 21, CPC, e 23, Lei n. 8.906/1994 - Precedentes - Cópias de documentos não autenticadas - Art. 385, CPC - Insuficiência de elementos de prova da falsidade - Recurso desacolhido.
I - Tendo o Tribunal de 22. grau extraído das provas dos autos a culpa do fabricante pelos danos causados ao veículo adquirido pelo autor, resta inviável o reexame do tema na instância especial, a teor do Verbete Sumular n. 7 -STJ.
11 - A só falta de autenticação das cópias das notas fiscais juntadas aos autos, sem a conjugação de outros elementos que indiquem vícios nos documentos, não implicam sua falsidade.
111 - Na linha da jurisprudência desta Corte, a compensação de honorários prevista no art. 21, CPC, não é incompatível com o art. 23 do Estatuto da Advocacia.
IV - Não há vício em acolher-se a inversão do ônus da prova por ocasião da decisão, quando já produzida a prova.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer dos recursos. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
Brasília-DF, 2 de abril de 2002 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Relator.
Publicado no DI de 5.8.2002.
RELATÓRIO
361
O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: O Recorrido aJUIZOU ação contra a Recorrente, buscando a restituição da quantia paga pela aquisição de um Fiat Tempra zero quilômetro, modelo 1995, para utilização como táxi, pedindo ainda indenização por perdas e danos e danos morais pelo "desconforto, insegurança e intranqüilidade emocional e psicológica" (fi. 44) advindos dos defeitos constatados no veículo.
O Juiz de 1>1. grau desacolheu a pretensão, aos fundamentos de que a reclamação dos defeitos junto à concessionária da Ré se dera após longo desgaste do veículo e quase um ano de uso e que as provas dos autos evidenciavam descuido na conservação do bem e desgaste natural.
O Tribunal de Alçada de Minas Gerais proveu parcialmente a apelação do Autor para condenar a Ré ao ressarcimento do valor pago, mais correção monetária e juros de meio por cento ao mês, afastando a indenização dos danos morais e dos emergentes. O acórdão, da relatoria do Juiz Belizário de Lacerda, recebeu esta ementa:
"Apelação. Código de Defesa do Consumidor. Substituição de automóvel. Risco à segurança. Reiterados defeitos. Inteligência do artigo 12 do CDC. Culpa. Onus probandi. Fase de desgaste do automóvel. Garantia. Danos materiais. Isenção tributária. Danos morais. Profundidade. Tutela antecipada. Incabível em 2>1. instância.
- A negativa de vigência de dispositivos legais não implica na nulidade da sentença, mas na sua improcedência, questão a ser analisada no mérito do recurso.
- Se o automóvel zero quilômetro apresenta reiterados defeitos, em curto espaço de tempo, comprometida fica a segurança daqueles que dele se utilizam.
- Constatada pelo magistrado a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança de suas alegações, impõe-se a inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6>1., inciso VII, do CDC.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
362 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- Provando o consumidor a ocorrência do dano, através de notas fiscais de ordem de serviço, as quais demonstram que o mesmo teve que levar seu veículo à oficina autorizada por 13 (treze) vezes em 16 (dezesseis) meses, o que resulta na evidência do desajuste geral de fa
bricação, e do nexo causal, incumbe ao fabricante a prova de uma das excludentes de responsabilidade discriminadas no artigo 12, § 3Q
, do CDC, regra de aplicação obrigatória.
- O pagamento do preço do veículo deve ser concomitante à sua devolução ao fabricante.
- A isenção tributária não pode ser indenizada, eis que o Autor
não pagou pelos impostos e continuará não pagando, caso venha a ad
quirir outro automóvel.
- Não é qualquer aborrecimento, insegurança ou desgaste emocional que são indenizáveis a título de danos morais, sendo necessário que o sofrimento experimentado pela vítima seja profundo e con
tundente.
- Se o Autor requestou indenização pelos dias em que deixou de trabalhar com o veículo, mas não provou o quantum, impossível a condenação do Réu nesse particular.
- Não há se falar em tutela antecipada em nível de 2l1. instância, salvo em matéria de competência originária da instância ad quem." (fls. 207/208).
Os embargos de declaração opostos pela Ré foram acolhidos para, sanando a omissão, desacolher a impugnação referente à falta de autenticação
das cópias das notas fiscais.
Os declaratórios do Autor restaram igualmente acolhidos para arbitrar "os honorários advocatícios em 12% sobre o valor da condenação, a serem pagos ao advogado do Apelante [Autor], já descontada a sucumbência do Apelado [Ré]" (fl. 240).
Opostos novos embargos declaratórios pela Ré, foram eles rejeitados.
O recurso especial da Ré indica violação aos arts. 21 e 385, CPC; 12 e 18, CDC; 23 da Lei n. 8.906/1994, e 1.009, CC, além de divergência jurisprudencial. Sustenta a Recorrente: a) a nulidade das cópias não auten
ticadas das notas fiscais como elemento de prova; b) a inviabilidade de interpretar-se em conjunto as normas referentes à responsabilidade por fato
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 363
do produto e por vícios de qualidade ou quantidade (arts. 12 e 18, CDC); c) a impossibilidade de compensação dos honorários de advogado.
O recurso especial adesivo do Autor aponta ofensa ao art. 6ll., VI, CDC, e pretende a procedência do seu pedido, na parte em que restou vencido.
Contra-arrazoado o adesivo, foi o especial principal admitido na origem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Relator): 1. Em relação ao art. 385, CPC, da simples falta de autenticação das cópias das no
tas fiscais não se extrai a conclusão de sua falsidade, sem a conjugação com outros elementos que possam indicar vícios nos documentos. Ademais, no caso, as instâncias ordinárias se fundaram no conjunto probatório dos autos, como assentou a Câmara julgadora:
"O reconhecimento da veracidade dos documentos apresentados em cópias não autenticadas o foram dentro do princípio da livre apreciação das provas inscrito no artigo 131 do CPC, não havendo que se falar em violação ao artigo 385 do CPC e do princípio do contraditório." (fl. 252).
Esse entendimento coaduna-se com a jurisprudência desta Corte, como se vê no REsp n. 278.889-GO (DJ de 5.3.2001), relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, com esta ementa:
"Recurso especial. Documentos apresentados sem estarem devidamente autenticados. Impugnação sem indicação do vício. Mera afir
mação genérica e imprecisa de que não são autênticos. Inocorrência de violação aos arts. 384 e 385 do CPC.
Recurso não conhecido."
2. A compensação de honorários prevista no art. 21, CPC, não é incompatível com o art. 23 do Estatuto da Advocacia, conforme decidiu a Segunda Seção desta Corte, no REsp n. 155.135-MG (DJ de 8.10.2001), relator o Ministro Nilson Naves, assim ementa do, no particular:
RST], Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
364 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Honorários de advogado. Procedência parcial da ação. Compen
sação. Direito autônomo. [ ... ]
1. O Código de Processo Civil, no art. 21, ordena se aplique a
regra da compensação, enquanto a Lei n. 8.906/1994, no art. 23, es
tabelece que os honorários pertencem ao advogado, tendo ele direito
autônomo para executar.
2. Sucede, no entanto, que tais normas não são incompatíveis en
tre si, sendo lícito entender-se que uma não incomoda a outra, convi
vendo ambas perfeitamente no mundo jurídico.
3. Em caso de sucumbência recíproca, admite-se, por conseguin
te, a compensação, ao ver de precedentes da Quarta Turma, entre ou
tros, os REsps n. 149.147 e 186.613, cuja orientação foi, no presente
caso, acolhida pela Segunda Seção, por maioria de votos. Improcedên
cia da alegação de ofensa a texto de lei federal."
Inexiste a apontada violação, assim, aos arts. 21, CPC; 23 da Lei n.
8.906/1994, e 1.009, CC.
3. Quanto ao mais, a pretensão encontra óbice no enunciado n. 7 da
Súmula-ST}, uma vez que o Tribunal se fundou nas provas dos autos e de
las extraiu a culpa do fabricante pelos danos causados ao veículo adquiri
do pelo Autor. Com efeito, o voto-condutor do acórdão esmiuçou o conjunto probatório e examinou a espécie com rigor e propriedade, como se colhe
das razões do voto-condutor do acórdão, verbis:
"As razões de recorrer do Apelante tiveram como ponto princi
pal a questão da culpa e da inversão do onus probandi.
Alega o Apelante que provou o fato constitutivo de seu direito, ou
seja, o nexo de causalidade e a existência do dano.
Para elidir tais fatos, deveria o Apelado provar uma das excluden
tes de responsabilidade presentes no artigo 12, § 3ll., do CDC, o que
não fez.
Ab initio, importante verificar a natureza do defeito reclamado,
em virtude da diferença de efeitos entre os danos de responsabilidade
pelo fato do produto (vício de segurança) e os por vício do produto
(vícios 'de adequação ou qualidade).
A propósito, Zelmo Denari faz um sugestivo paralelo entre as
duas possibilidades:
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 365
um produto ou serviço é defeituoso quando não corresponde à legítima expectativa do consumidor a respeito de sua utilização ou fruição, vale dizer, quando a desconformidade do produto ou serviço compromete a sua prestabilidade ou servibilidade. Nesta hipótese, podemos aludir a um vício ou defeito de adequação do produto ou serviço.
Por outro lado, um produto ou serviço é defeituoso, da mesma sorte, quando sua utilização ou fruição é capaz de adicionar riscos à segurança do consumidor ou de terceiros. Nesta hipótese, podemos aludir a um vício ou defeito de segurança do produto ou serviço.' (p. 104).
No caso em epígrafe, estão em discussão sucessivos defeitos ocorridos em automóvel, mais precisamente em táxi.
O veículo zero quilômetro foi levado por 13 (treze) vezes à oficina, no espaço de 16 (dezesseis) meses. Duas destas vezes foi para revisão de rotina, apesar de que mesmo aí existia a reclamação por defeitos outros.
Alguns dos defeitos relacionavam-se a vazamento de óleo no reservatório da direção hidráulica, corte de energia em movimento, problemas no chicote da injeção e rumurosidade anormal no sistema de freios.
Todos os defeitos acima apresentados comprometem, e muito, a segurança daqueles que se utilizam do veículo, podendo resultar em grave acidente.
Além do mais, dada a quantidade e a variedade dos defeitos, nunca se sabe o que aparecerá no dia seguinte, quando o veículo estiver em funcionamento, quiçá em alta velocidade.
O fato de tratar-se de um táxi agrava ainda mais o risco, pois é veículo que transporta, diariamente, um enorme número de pessoas.
Assim, não resta dúvida de que o preceito legal aplicável é o artigo 12 do CDC, responsabilidade pelo fato do produto.
É claro que os defeitos de qualidade estão contidos na responsabilidade pelo fato do produto, mas este segundo é mais específico.
Ultrapassada esta fase, importante investigar a questão da culpa do fabricante.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
366 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Entendo que é de se aplicar a inversão do ônus da prova, nos moldes dos artigos 6.2., inciso VIII, e 12, § 3.2., ambos do CDC.
O artigo 12, § 3.2., do CDC não traz uma opção ao magistrado, mas uma regra de aplicação obrigatória.
Então, provando-se a existência do dano e o seu nexo de causalidade, cabe ao fabricante apresentar a sua contraprova, restringindo-se esta à alegação de que não colocou o produto no mercado, que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste ou a culpa do defeito é exclusiva do consumidor.
O artigo 6.2., inciso VIII, do CDC, já comporta certa ingerência do magistrado, mas ingerência no sentido de que, constatada por ele a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência do consumidor, é de se deferi-la.
A hipossuficiência do consumidor é de evidência mediana, pois adquiriu veículo que é sua ferramenta primeira de trabalho.
As suas alegações são revestidas de veracidade, principalmente porque trouxe ao bojo dos autos inúmeras notas de serviço.
Assim, como se disse, a inversão do ônus da prova previsto no artigo 6.2., inciso VIII, também deve ser considerado.
Para responder indagação do Apelado, abro um parêntese para dizer que a inversão do ônus da prova é questão que pode e deve ser levantada pelo magistrado, de ofício, em I II e 2ll instâncias, apesar de que o Apelante ao mesmo referiu-se na inicial e na apelação.
Examinemos, pois, se o nexo de causalidade e o dano encontramse provados.
É de se dizer que, se no prazo de 16 meses, um veículo zero quilômetro teve que ir à concessionária por 13 vezes, ele certamente apresenta número de defeitos muito além do normal, que só pode decorrer da má qualidade de fabricação.
O vício de fabricação aqui nasceu de um desajuste geral, o que causa, a cada dia, o aparecimento de novas avarias. É a conseqüência da má fabricação por excelência.
O risco à segurança oriundo desses defeitos é indubitável e já foi examinado no item anterior.
O nexo de causalidade está justamente na venda de produto defeituoso ao consumidor que causou-lhe a insegurança, inviabilizando a permanência do Autor com o veículo.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 367
Vazia a argumentação de que os defeitos, se existiram, foram consertados no prazo de 30 dias, pois, em caso contrário, o consumidor não teria recebido o automóvel.
Ora, quantas vezes levamos um produto para o conserto e apenas ao utilizá-lo notamos que não foi ajustado?
Pois bem, fixada a existência do nexo de causalidade e do defeito, em virtude do disposto no artigo 12, § 3Q
, do CDC, é o fabricante que deve provar que o mesmo não é oriundo de sua culpa, ou seja, que não nasceu de fabricação inadequada, ou decorre do mau uso feito pelo consumidor. Isto a Ré poderia ter realizado através de perícia na instância a quo, o que, apesar de exortada a especificar provas, não o fez.
Dizer que o Autor fazia mal uso do veículo porque estava com farol e lanterna quebrados é ir longe demais, eis que um esbarrão de terceiros pode ter causado o fato, como inúmeras outras coisas, não indicando a utilização fora dos parâmetros exigidos.
Quanto ao tempo que levou o consumidor para pedir a substituição do bem, temos que ainda o fez quando o produto não estava em fase de desgaste, devendo apresentar-se em sua plena capacidade de produção, contando defeitos mínimos e muito esporádicos.
O bem foi adquirido em 14.3.1995, e em 18.2.1996, após exaustivas idas e vindas às concessionárias de serviço autorizado, o Autor notificou a Ré, em caráter peremptório, para consertar o veículo sob pena de ter que substituí-lo.
A notificação deu-se após 11 (onze) meses de uso, período em que um automóvel ainda não passou a fase de desgaste, tanto, que a maior parte das montadoras concede garantia de 1 (um) ano.
A decadência, obviamente, nos termos do artigo 27 do CDC, ainda está longe de ocorrer.
Impõe-se, pois, o ressarcimento do Apelante dos danos por ele sofridos, devendo o Apelado indenizar-lhe do valor que pagou pelo veículo, mais correção monetária e juros de 0,5% a.m., a contar da data do efetivo desembolso da quantia.
A devolução do veículo à Ré deve ser concomitante ao recebimento do seu valor em pecúnia.
A isenção tributária não pode ser indenizada, eis que o Autor não pagou pelos impostos e continuará não pagando, caso venha a adquirir outro automóvel.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
368 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
o IPVA e as despesas de emplacamento também não são devidos, uma vez que não representam danos, mas conseqüência natural da propriedade do bem.
O mesmo se diz da indenização a título de danos morais.
A insegurança, a intranqüilidade e o desgaste emocional experimentados pelo Autor não têm a profundidade necessária para configurar danos morais.
O sofrimento deve ser contundente.
Não é um simples aborrecimento ou desgaste emocional que enseja o dano moral, caso contrário, qualquer pretensão resistida, e, a final julgada procedente, implicaria em tal ressarcimento, o que toca as raias do absurdo.
A indenização pelos danos emergentes, resultado dos dias em que o taxista não pôde trabalhar, em princípio, seria aceitável.
Entretanto, o Autor não trouxe aos autos a prova do montante que recebia, em média, por dia de trabalho, tornando impossível a condenação da Ré nesse particular." (fls. 212/218).
( ... )
"O artigo 12 do CDC prevê, a meu sentir, a mais ampla e completa reparação de danos e isto inclui, naturalmente, a devolução do valor pago pelo produto defeituoso, que, justamente através de seu uso, colocou em risco a vida do Embargado e demais passageiros, o que acaba por ter por conseqüência o desfazimento do negócio jurídico, com a entrega do produto defeituoso.
Em outras palavras, não é apenas o mau resultado da utilização que se pretende ressarcir, mas todo e qualquer prejuízo relacionado ao defeito que coloca em risco o consumidor.
Então, a natureza da condenação é indenizatória, embora a conseqüência seja a restituição das parcelas, que é exatamente o dano sofrido pelo Apelado em razão do defeito do veículo, e o artigo aplicável é o 12 do CDC, mantendo-se a inversão do ônus da prova ali preconizada e naqueles moldes, a despeito do inconformismo do Embargante, inexistindo a contradição aventada.
Quanto à inversão do ônus da prova previsto no artigo 6>1., inciso VIII, do CDC, também inexiste qualquer contradição, omissão ou obscuridade, pois, como restou claro no acórdão embargado, por estarem presentes os seus pressupostos, foram reconhecidos em 2l!. instância e
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 369
abrangeram todo o processo, incluindo a fase probatória, ocasião em que a Apelada teve oportunidade de produzir todas as provas que julgasse necessárias.
Com relação ao vício do produto, já foi mais do que debatido no acórdão. O veículo apresentava inúmeros defeitos, dentre outros, vazamento de óleo no reservatório da direção hidráulica, corte de energia em movimento, problemas no chicote da injeção, rumurosidade no sistema de freios, etc .... Tudo isto demonstra um desajuste geral do veículo, que coloca em risco a integridade física daqueles que dele se utilizam, não existindo qualquer contradição com o fato de que o seu proprietário, um taxista, rodou com ele muitos quilômetros, pois o uso do automóvel não prova diminuição dos riscos, mas, sim, agravamento dos mesmos.
Como se viu, exceto na questão da impugnação dos documentos, o que a Embargante busca é abrir nova discussão do que foi decidido, pretendendo ver a causa resolvida segundo os articulados que lhe convêm, e não julgada como efetivamente posta em juízo, o que não admite." (fls. 238/240).
Por fim, é de registrar-se que esta Corte tem precedente que corroboram a orientação do acórdão impugnado, como, por exemplo, os AgRg no Ag n. 353.219-AM (DJ de 13.8.2001) e 350.590-RJ (DJ de 7.5.2001) e o REsp n. 195.659-SP (DJ de 12.6.2000), todos da relatoria do Ministro Menezes Direito, com estas ementas, no pertinente:
- "Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Importador. Veículo. Defeito de fábrica. Súmula n. 7 -ST].
1. Extrai-se do conjunto probatório dos autos que o veículo apresentou defeito mecânico desde o início de sua utilização, sendo necessária a remessa do mesmo para outro Estado, o que acarretou irremediável avaria. Segundo o acórdão, portanto, trata o presente caso de defeito do produto e também do serviço prestado, aplicando-se regularmente as disposições contidas nos artigos 12 e 34 do Código de Defesa do Consumidor.
[ ... ]
3. Não restaram caracterizadas, portanto, quaisquer irregularidades aos referidos artigos, ensejando a pretensão recursal o reexame de provas, vedado a teor da Súmula n. 7-ST].
4. Agravo regimental desprovido."
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
370 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- "Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Veículo novo. Defeito de fábrica. Código do Consumidor.
1. O defeito apresentado, mormente por tratar-se de veículo zero quilômetro já com sucessivas idas à oficina, diminuiu o valor e comprometeu a qualidade do produto, além de impossibilitar a utilização do bem.
2. Regular a aplicação do artigo 18, §§ 1ll. e 2ll., da Lei n. 8.078/ 1990, estando a decisão em harmonia com os precedentes desta Corte ao determinar a substituição do bem.
3. O dissídio não restou caracterizado. A Recorrente não realizou o indispensável cotejo analítico, conforme exigido pelo artigo 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil. O precedente colacionado também não guarda a necessária identidade fática com a hipótese destes autos.
4. Agravo regimental desprovido."
- "Código de Defesa do Consumidor. Compra de veículo novo com defeito de fábrica. Responsabilidade do fabricante.
1. Comprado veículo novo com defeito de fábrica, é responsabilidade do fabricante entregar outro do mesmo modelo, a teor do art. 18, § 1ll., do Código de Defesa do Consumidor.
2. Recurso especial conhecido e provido."
4. A divergência jurisprudencial, por sua vez, não se caracterizou, à míngua do cotejo analítico e da dessemelhança fática entre as situações descritas no acórdão impugnado e nos paradigmas, restando descumprido o comando do art. 541, parágrafo único, CPC.
5. Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
VOTO
O Sr. Ministro Barros Monteiro: Sr. Presidente, substancialmente, trata-se de matéria de fato: aplica-se a Súmula 7-STJ. Tal como anotou o Sr. Ministro-Relator, e nos termos do acórdão recorrido, à espécie se aplica a norma do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor e, conseqüentemente, o seu § 3ll., no sentido de que o fabricante, o construtor, somente não será responsabilizado se provar o que consta dos itens l, II e lII. E, desse ônus, vê-se que a Ré não se desincumbiu.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 371
Quanto à oportunidade para o exame da questão da inversão do ônus da prova, o momento próprio é o da sentença. Não cabe ao juiz dizer, logo depois da contestação, terminada a fase postulatória, se vai haver ou não inversão do ônus da prova. Esse é um aspecto que o magistrado sopesará quando do exame do merecimento da causa.
Por essas razões, não vejo ofensa aos artigos apontados pela Ré. Também não é o caso de acolhimento do recurso adesivo. Daí porque não conheço dos recursos.
RECURSO ESPECIAL N. 302.131 - MG (Registro n. 2001.0010148-8)
Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha
Recorrente: Loraine Maria Figueiredo Oliveira
Advogados: Elio Oscar Gonçalves da Silva e outro
Recorrido: José Cláudio de Oliveira
Advogados: Édio Wilson Mortoza e outro
EMENTA: Civil - Dentista - Cobrança de honorários - Prescrição ânua.
Nos termos do artigo 178, § 62., IX, do Código Civil, a ação dos dentistas para cobrar honorários prescreve em 1 (um) ano.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro.
Brasília-DF, 23 de abril de 2002 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente e Relator.
Publicado no DI de 19.8.2002.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
372 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: O Recorrido ajuizou ação ordinária de cobrança contra a Recorrente para o fim de receber dela honorários relativos a tratamento dentário realizado em seu prol e de seu filho.
Em 1>t grau, a ação foi julgada parcialmente procedente tendo o egrégio Tribunal a quo negado provimento à apelação da Ré onde se debatia apenas sobre a ocorrência da prescrição ânua de que trata o art. 178, § 6>t, IX, do Código Civil, que foi afastada como retrata a seguinte ementa:
"Cobrança. Honorários de dentista. Prescrição. Artigo 178, § 6>t, inciso IX, do CC. Inaplicabilidade.
- Em matéria de prescrição não se admite interpretação analógica ou extensiva, razão pela qual não se pode estender, também aos dentistas, a regra inserida no artigo 178, § 6>t, inciso IX, do CC, já que tal categoria não foi ali expressamente mencionada." (fi. 66).
Os declaratórios foram rejeitados, o que ensejou a interposição do recurso especial em apreciação por alegada violação ao art. 178, § 6>t, IX, do Código Civil, bem como por dissídio com os julgados que indica, ao fundamento de que teria ocorrido a prescrição.
Devidamente respondido, o recurso foi admitido na origem.
Era o de importante a relatar.
VOTO
O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): O Recorrido ajuizou ação ordinária de cobrança contra a Recorrente para o fim de receber dela honorários relativos a tratamento dentário realizado em seu prol e de seu filho.
Nesta fase, discute-se apenas se houve ou não a prescrição ânua na forma prevista pelo art. 178, § 6>t, IX, do Código Civil, que assim dispõe:
"Art. 178. Prescreve:
§ 6>t. Em um ano:
IX - a ação dos médicos, cirurgiões ou farmacêuticos, por suas visitas, operações ou medicamentos, contado o prazo da data do último serviço prestado."
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 373
o egrégio Tribunal a quo, ao não dar pela ocorrência da prescrição ânua, não decidiu, data venia, com o seu costumeiro acerto.
Inicialmente, devo destacar que mencionado dispositivo refere-se tanto a farmacêuticos como a médicos e cirurgiões. Ora, se esta última categoria de profissionais - cirurgiões - compreendesse somente os médicos, haveria uma redundância desnecessária em a lei reportar-se a "médicos e cirurgiões", do que é lícito concluir que nessa categoria também estão compreendidos outros profissionais da área médica, como os dentistas, por exemplo.
É que o dentista também é um cirurgião e há de se ter por subsumidas nas expressões "visitas, operações ou medicamentos" tanto as intervenções cirúrgicas propriamente ditas como também as consultas. realizadas no próprio consultório, bem assim os procedimentos preventivos e curativos a que
o também odontólogo está legalmente apto a proceder, e ainda a prescrição e a aplicação de especialidades farmacêuticas de uso interno e externo, incluindo-se aí as anestesias.
Aliás, a egrégia Terceira Turma, sob a relatoria do eminente Ministro Ari Pargendler já decidiu, no REsp n. 167.882-PE (DJ de 13.8.2001), que "a ação dos dentistas para cobrar honorários prescreve em 1 (um) ano, na forma do artigo 178, § 6Q
, IX, do Código Civil".
Diante de tais pressupostos, conheço do recurso e dou-lhe provimento para, desconstituindo as doutas decisões das instâncias ordinárias, pronunciar a prescrição e extinguir o processo com julgamento do mérito, condenando o Autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no valor de R$ 500,00, corrigidos a partir desta data até o seu efetivo pagamento.
RECURSO ESPECIAL N. 311.089 - RJ (Registro n. 2001.0031271-3)
Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior
Recorrentes: Leonardo de Carvalho Iespa e outros
Advogados: Patrícia Felix Tassara e outros
Recorrido: Renato Ambrósio Júnior
Advogados: Hélio Saboya Ribeiro dos Santos Filho e outros
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
374 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EMENTA: Civil e Processual - Ação de indenização - Improcedência - Condenação na esfera criminal não transitada em julgado - Acolhimento de preliminar em embargos infringentes - Prescrição da pena em concreto - Reflexo na órbita civil - CC, art. 1.525 -CP, art. 110, § 22. - Acórdão - Nulidade não verificada - Súmula n.
7-STJ.
I - Não transitada em julgado a decisão sobre a culpa do réu no acidente automobilístico, pendente que se encontrava o mérito de exame em sede de embargos infringentes, o acatamento da prescrição da pena em concreto pelo Tribunal Estadual não autoriza a aplicação do disposto no art. 1.525 do Código Civil, por desinfluente nesta órbita.
11 - Não padece de nulidade acórdão que enfrenta fundamentadamente a controvérsia fática, apenas com conclusão desfavorável à pretensão da parte-autora.
111 - "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial" - Súmula n. 7-STJ.
IV - Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 16 de outubro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.
Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator.
Publicado no DJ de 25.2.2002.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Leonardo de Carvalho Iespa
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 375
e outros interpõem, pelas letras a e c do art. 105, IH, da Constituição Federal, recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim ementado (fl. 277):
"Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Efeitos da sentença penal extintiva da punibilidade. Valoração da prova. Princípio do livre convencimento do juiz.
A prescrição penal retroativa atinge a pretensão punitiva, rescindindo a sentença condenatória e extinguindo os seus efeitos principais e acessórios, pelo que não tem nenhuma repercussão na esfera civil. Caberá, então, ao juiz do cível apreciar livremente a prova, indicando os motivos que lhe formaram o convencimento. Em face de duas versões opostas existentes nos autos, merece acolhida aquela que for a mais consentânea com o conjunto probatório. A sede e o sentido das avarias nos veículos envolvidos no acidente de trânsito permitem inferir a dinâmica do evento, pois, de acordo com as regras da experiência comum, avarias nas laterais indicam que os veículos estavam emparelhados no momento da colisão e não um atrás do outro.
Provimento do recurso."
Sustentam os Recorrentes que a decisão violou o art. 1.525 do Código Civil, eis que o reconhecimento da autoria e da culpa do Réu já fora objeto de julgamento na esfera criminal, não sendo possível, senão mediante prova contrária, o que não foi feito, concluir-se pela não-responsabilidade do Recorrido pelo sinistro.
Aduzem que a prescrição retroativa, da qual se beneficiou o Réu, somente existe se fixada a pena em concreto, em decreto condenatório, salientando que no tocante à autoria e à materialidade do fato, elas mantiveram-se íntegras, não sendo desconstituída a decisão penal nesse estrito aspecto.
Destacam os Recorrentes que existem graus de influência da decisão criminal no cível, e que o Tribunal Estadual atribuiu à prescrição efeito máximo, quando, na verdade, a prescrição decretada da pena em concreto não o possuía, sobejando, como explicitado, a autoria e a materialidade do fato, a manter a incidência do disposto no art. 1.525 do Código Civil.
Invocam dissídio jurisprudencial com o REsp n. 163.786-SP, de relatoria do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar.
Também pedem a nulidade do aresto por omissão, eis que adotou fundamentação sem embasamento lógico e suficiente para a versão dos fatos
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
376 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
adotada na conclusão sobre a dinâmica do acidente, afirmando que restou ofendido o art. 131 do CPC, tecendo, ainda, considerações acerca da prova colhida, e que não foi devidamente valorada pela Corte a quo.
Contra-razões às fls. 335/347, com preliminares de falta de prequestionamento e óbice da Súmula n. 7 do STJ, bem assim de ausência de comprovação do dissídio, porquanto no paradigma o ilícito já havia sido julgado na instância criminal, enquanto, aqui, não houve trânsito em julgado sobre a culpa das partes envolvidas no acidente, restando a matéria prejudicada ainda em grau de embargos infringentes. Discorre o Recorrido sobre os fatos, destacando a conclusão do juízo criminal monocrático de que os carros estavam emparelhados e não que o dos Recorridos estivesse à frente.
Afirma o Recorrido, citando doutrina, que não constitui sentença condenatória a decisão que reconhece a prescrição da pretensão punitiva, ainda que com base na pena em concreto.
O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho presidencial de fls. 349/352.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de recurso especial, aviado pelas letras a e c do permissivo constitucional, em que se alega, a par de divergência jurisprudencial, violação aos arts. 525 e 131 do CPC, e 1.525 do Código Civil.
No tocante à nulidade do aresto por omissão no enfrentamento dos aclaratórios e desfundamentação do julgado, é de se rejeitar de plano a assertiva.
O acórdão apreciou, minuciosamente, a prova dos autos, apenas que, em sua ótica, o acidente não foi provocado pelo Réu. Não há que se confundir decisão desfavorável com decisão omissa ou desfundamentada, e, na espécie, o que pretendem os Recorrentes, sob alegação de equívoco na valoração da prova, é a sua efetiva reapreciação para forcejar uma conclusão no sentido da interpretação fática que sustentam, data venia.
Com relação ao dissídio, tenho que o mesmo também não se configura.
De efeito, a especificidade entre as hipóteses fático-jurídicas há de ser rigorosa, sob pena de não se caracterizar a divergência.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 377
No acórdão paradigma, REsp n. 163.78 6-SP, de relatoria do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, inobstante a extinção da punibilidade pela prescrição da pena em concreto, foi, realmente, firmado que "isso não faz desaparecer o juízo de culpabilidade formulado contra o Réu, condenando-o a certa pena, a partir do que foi possível reconhecer a prescrição pela pena aplicada".
Acontece, porém, que na hipótese dos autos, o juízo criminal singular absolveu o Réu, salientando a ausência de perícia técnica. Em grau de apelação, foi ele igualmente absolvido pela Juíza-relatora no Tribunal de Alçada Criminal, que restou vencida (fls. 247/248). Opostos embargos infringentes, o 1.\1. Grupo de Câmaras Cíveis daquela Corte, em preliminar, declarou extinta a; punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva.
Verifica-se:, assim, que as situações retratadas não são iguais, posto que enquanto no paradigma pressupunha-se decisão condenatória definitiva de mérito" aqui havia ainda pendência em sede de embargos infringentes, porquanto a condenação fora tomada por maioria de votos, aliás reformando, como já frisado, sentença absolutória de la instância.
Embora a, prescrição seja, evidentemente, calculada em face da condenação já havida, a ela não se pode dar o efeito, quando pendente o exame do mérito pelo órgão ad quem, de se entender como chancelada a decisão a quo quanto ao mesmo, sob pena de causar-se, por intermédio de um benefício dado ao acusado, uma verdadeira punição, como se fora uma espécie de antecipação do veredito negativo, e com reflexos inclusive na área civil.
Daí porque, tenho eu, se não esgotado o mérito pela pendência de embargos infringentes sobre o mesmo, como na espécie, a prescrição afasta a aplicação do disposto no art. 1.525 do Código Civil, não repercutindo nesta esfera, pelo que possível a investigação ampla, tal como procedida, da culpa do Réu no sinistro.
A: prescrição, para o efeito pretendido pelos Recorrentes, somente com o trânsito em julgado da decisão condenatória.
Não identifico, portanto, ofensa à indigitada norma legal.
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
É como voto.
VOTO-MÉRITO
O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: Sr. Presidente, também não
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
378 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
conheço do recurso especial, acentuando a peculiaridade do caso diante do precedente invocado no recurso.
VOTO
O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: Sr. Presidente, também não conheço do recurso especial. A uma, porque não demonstrado o dissídio. A duas, porque não caracterizada a violação da lei federal.
RECURSO ESPECIAL N. 316.384 - PR (Registro n. 2001.0039412-4)
Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrentes: Regina Mara Teixeira e outro
Advogado: Luiz Carlos da Rocha
Recorrido: Banco do Estado do Paraná S/A
Advogados: Francisco Affonso de C. Beltrão e outros
EMENTA: Alienação fiduciária - Busca e apreensão - Defesa do devedor.
A defesa do devedor na .~ção de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente em garantia não está limitada ao cumprimento da obrigação, mas pode versar sobre a validade das cláusulas do negócio, critérios e índices adotados para a definição do valor da dívida. Precedentes.
Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
Brasília-DF, 18 de setembro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Relator.
Publicado no DI de 12.11.2001.
RELATÓRIO
379
o Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: O Banco do Estado do Paraná S/A propôs contra Regina Mara Teixeira ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente. Disse ser credor da importância de R$ 27.912,09 (vinte e sete mil, novecentos e doze reais e nove centavos), representada pelo saldo devedor apurado na conta da Ré, que resultou no instrumento particular de confissão de dívida celebrado entre as partes. Afirmou que neste contrato, para assegurar o cumprimento da obrigação, foram instituídas duas garantias: alienação fiduciária do veículo descrito na inicial e emissão de nota promissória. Com o não-cumprimento da obrigação, requereu a busca e apreensão do veículo em caráter liminar.
Em contestação, a Ré alegou: 1) o saldo devedor era de R$ 8.016,92 (oito mil e dezesseis reais e noventa e dois centavos), devidamente atualizado, conforme laudo anexado no processo; 2) o contrato de abertura de conta-corrente celebrado com o Banco é nulo, por representar valor bem superior ao devido; 3) cobrança de juros abusivos e capitalizados. Citou o art. 253 do Código Comercial e as Súmulas n. 121 e 596 do STF; 4) é necessária a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às operações bancárias, nos termos dos arts. 2.2., 47 e 54 do CDC; 5) o contrato celebrado entre as partes foi de adesão e, por ser hipossuficiente, pediu a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6.2., VIII, do CDC, e a revisão do contrato em relação às cláusulas leoninas; 6) o Banco não cumpriu seu dever de informação, em afronta ao art. 6.2., III, também do CDC; 7) ofensa aos arts. 51 e 52 do CDC e ao art. 170 da CF; 8) cumulação de comissão de permanência e correção monetária, em contrariedade à Súmula n. 30 do STJ; 9) ilicitude das cláusulas que dispõem sobre a fórmula para o cálculo da correção monetária; 10) a comissão de permanência está embutida na forma de juros incidentes sobre o capital, com taxas desconhecidas pela Ré e impostas pelo Banco; 11) utilização da TR como índice de atualização monetária sem base jurídica; 12) o contrato de alienação fiduciária não é válido, uma vez que a dívida não existe; 13) a alienação fiduciária em garantia
RST], Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
380 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
não pode figurar secundariamente em contratos de abertura de saldo devedor de conta-corrente, com características de penhor, eis que o veículo objeto do acordo já era de propriedade da Ré.
O pedido liminar foi deferido e depois confirmado na sentença de procedência da ação. A Ré apelou, e a egrégia Sexta Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná negou provimento ao recurso:
"Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Mora. Argüição de defesa estranha ao comando geral do § 2.2 do art. 3.2 do Decreto-Lei n. 911/1969. Inaplicabilidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor. Apelação improvida.
Na ação de busca e apreensão fulcrada no Decreto-Lei n. 911/ 1969, a defesa do devedor em mora só pode versar sobre as hipóteses elencadas no § 2.2 do art. 3.2, quais sejam: o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais.
Inaplicável, por sua vez, a invocação ao Código de Defesa do Consumidor em virtude de que as cláusulas foram livremente pactuadas, e sendo o apelado instituição financeira, os juros e encargos defluem de regras de mercado, não estando sujeitos à Lei de Usura, não podendo o devedor argumentar a onerosidade excessiva do contrato, ainda mais, quando já inadimplente." (fl. 171).
Colhe-se do voto do eminente relator da apelação:
"A matéria contida na contestação e repisada na apelação extravasa os limites da defesa delimitada pelo já referido artigo e parágrafo do Decreto-Lei n. 911/1969, visto que, o fiduciante em mora, 'na contestação só poderá alegar o pagamento do débito vencido ou cumprimento das obrigações contratuais'.
Inaplicável na espécie, por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor, vez que, a modalidade do contrato, na forma pactuada, está prevista expressamente em lei e, sendo o autor instituição financeira, os juros e encargos defluem de regras de mercado, não estando sujeita, pois, à Lei de Usura, consoante a Súmula n. 596 do STF.
É de se consignar que mesmo tratando de matéria estranha ao procedimento, o ínclito julgador monocrático, bem repeliu o alegado
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 381
excesso de cobrança, vez que não demonstrado, sendo de se salientar a oportunidade concedida para a produção da prova pericial então pretendida; corretamente assentou de que as instituições pertencentes ao Sistema Financeiro Nacional não estão adstritas aos limites fixados na Lei de Usura (STF, Súmula n. 596); que não ocorre a auto-aplicabilidade do limite constitucional de juros; ser possível a adoção da TR como índice de atualização monetária, desde que pactuado e que não ocorreu a cumulação da correção monetária com a comissão de permanência, para um mesmo período." (fls. 172/174).
Irresignados, a Autora e Edie Lafitte Teixeira interpuseram recurso especial, alíneas a e c, alegando ofensa ao art. 253 do Código Comercial; aos arts. 6ll., VIII; 47, 48, 51 e 52 do Código de Defesa do Consumidor, e ao art. 3ll., § 2ll., do Decreto-Lei n. 91111969, bem como divergência jurisprudencial. Aduzem contrariedade à lei federal e dissídio, nos seguintes termos: a) ao limitar a matéria discutida em contestação, com base no art. 3ll., § 2ll., do Decreto-Lei n. 911/1969, o egrégio Tribunal a quo divergiu da jurisprudência dominante no STJ e em outros tribunais estaduais. Ainda sustentam que, como o bem objeto do contrato celebrado entre as partes já integrava o patrimônio da Ré, o seu real motivo foi cobrir saldo devedor de conta-corrente, a discussão sobre o valor do débito, apresentada em contestação, deve ser devidamente enfrentada; b) as garantias do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis aos usuários de serviços bancários, tendo o r. acórdão recorrido negado vigência ao art. 6ll., VIII, daquele Código, ao aplicar, exclusivamente, o art. 3ll., § 2ll., do Decreto-Lei n. 9111 1969. Defendem a interpretação harmônica dessas normas. Citam julgados dessa Turma e de outros tribunais estaduais, bem como o art. 51 do CDC; c) que a notificação efetivada pelo Banco é ineficaz, pois pretendida quantia superior à devida. Manifestam-se pela iliquidez do débito e conseqüente inexistência de inadimplemento e mora; d) insistem nas matérias deduzidas na contestação: capitalização de juros (art. 4ll. do Decreto n. 22.626/ 1933), auto-aplicabilidade do § 3ll. do art. 192 da Constituição Federal de 1988 e limitação de juros em 12% a.a., ilegalidade da TR como índice de correção monetária (art. 1ll. da Lei n. 8.177/1991, Lei n. 8.660/1993, Resolução n. 2.097/1994 do Bacen, art. 5ll. da LICC, Lei n. 4.357/1964, Lei n. 6.899/1981, Súmula n. 176 do STJ e art. 115 do Código Civil brasileiro). Citam as Súmulas n. 121 e 596 do STF e 93 do STl Pleiteiam, assim, a anulação do acórdão recorrido, para que a egrégia Câmara aprecie todas as matérias deduzidas na contestação.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
382 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nas contra-razões, o Recorrido combate as teses dos Recorrentes e cita as Súmulas n. 7,28 e 126 do STJ e 282 e 596 do STF.
o recurso não foi admitido na origem, tendo as Recorrentes manifestado embargos de declaração, que foram acolhidos parcialmente, mantendo-se, porém, a decisão anterior.
Os Recorrentes interpuseram o Ag n. 316.524, ao qual dei provimento.
Vieram-me os autos.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Relator): A assertiva do r. acórdão recorrido, de que "a defesa do devedor somente pode versar sobre o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações", não consoa com os precedentes desta Turma, pois tem prevalecido o entendimento de que, depois da vigência do CDC, aplicável ao contrato bancário garantido com alienação fiduciária (REsps n. 291.637-RS, 250.072-RJ e 235.410), o devedor pode alegar a ilegalidade ou a abusividade de cláusulas que levaram à formação da dívida que está sendo cobrada:
"- Admissível a ampla defesa outorgada ao devedor em face da necessidade de verificar-se se caracterizada ou não no caso a mora debitoris." (REsp n. 264. 126-RS, Quarta Turma, reI. o eminente Min. Barros Monteiro, DJ de 27.8.2001).
"- Na ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, a contestação não sofre a limitação prevista no art. 35l., § 25l., do Decreto-Lei n. 911/1969 se ilegítimas as exigências do credor, como na espécie, sendo possível ao Réu alegar, na defesa, contrariedade à lei ou ao contrato." (REsp n. 185.812-MG, Quarta Turma, reI. o eminente Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 29.5.2000).
"I - A limitação, prevista no art. 35l., § 25l., do Decreto-Lei n. 911/ 1969, da matéria da contestação em ação de busca e apreensão de bem alienado fiduciariamente, só é cabível quando legítimas as exigências do credor." (REsp n. 209.109-RS, Quarta Turma, reI. o eminente Min. Sálvio de Figueiredo, DJ de 13.12.1999).
Essa orientação se firmou a partir do princípio de que uma das partes não pode ser submetida à única alternativa de cumprir o contrato, assim
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 383
como exigido pelo credor, pelos valores por ele unilateralmente contratados, sem que possa discutir critérios e índices, e mesmo a validade de cláusulas constantes do contrato de adesão. Limitar a defesa à prova de cumprimento da obrigação é o mesmo que retirar de uma das partes o acesso ao juiz para discutir os termos em que o negócio está sendo executado. Na literalidade da lei, que nessa parte se entende superada, as alternativas do Réu eram duas: provar que pagou antes ou provar que pagou agora. No entanto, pode ser posta em dúvida a própria legalidade da exigência. No caso dos autos, as alegações da Ré repõem princípios já acolhidos em Súmulas (121-STF e 30-STD, além de outros temas de orientação consolidada.
Posto isso, conheço do recurso pela alínea c, porquanto vez demonstrada a divergência com precedente deste Tribunal, e lhe dou provimento, para que o egrégio Tribunal prossiga no exame da apelação.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL N. 328.646 - DF (Registro n. 2001.0078287-5)
Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior
Recorrente: Viplan - Viação Planalto Ltda
Advogados: Diana de Almeida Ramos e outros
Recorrida: Interamericana Companhia de Seguros Gerais
Advogados: Adriana Nazaré Dornelles Britto e outros
EMENTA: Civil e Processual - Acórdão - Nulidade não configurada - Acidente de trânsito - Ação indenizatória regressiva movida por seguradora - Anterior transação realizada entre o segurado e a
empresa-ré - Quitação e renúncia a reivindicações futuras - Sub-rogação inexistente - CC, art. 988 - Processo - Extinção - CPC, art. 267, VI.
I - Não se configura a nulidade do acórdão se o Tribunal a quo enfrentou as questões propostas, apenas que com conclusão desfa
vorável à parte.
II - A transação feita entre o segurado e a empresa causadora do acidente põe fim ao litígio, daí não advindo, para a companhia
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384 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
seguradora, direito à sub-rogação para efeito de postular indenização, regressivamente, pelos valores pagos a seu cliente pela cober
tura do sinistro.
IH - Recurso especial conhecido em parte e provido, para extinguir o processo, nos termos do art. 267,VI, do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 18 de outubro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.
Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator.
Publicado no DJ de 25.2.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Viplan - Viação Planalto Ltda interpõe, pelas letras a e c do art. 105, IH, da Constituição Federal, recurso especial contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, assim ementado (fi. 143):
"Processo Civil. Ação de reparação de danos. Acidente de veículos. Interesse de agir. Ainda que o segurado tenha firmado acordo com a Ré dando plena e geral quitação por todos os danos, tem interesse de agir a autora-seguradora, porquanto a quitação dada refere-se
tão-somente a valor inferior à franquia, e esta efetivamente tem o direito de obter o que dispendeu no conserto do automóvel danificado.
Presunção e concorrência de culpa. Caracterização. A jurisprudência já consagrou o entendimento da presunção juris tantum de culpa do motorista que abalroa a traseira de carro que lhe segue à frente, não
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 385
infirmada pela Ré. Como o conjunto probatório não configura a culpa do motorista segurado, incabível o reconhecimento judicial da culpa concorrente como pretende a Apelante. Sentença mantida. Recurso improvido."
Alega a Recorrente que a decisão violou o art. 535, II, do CPC, eis que se omitiu na apreciação do art. 988 do Código Civil.
Aduz que o segurado deu plena quitação à Ré, mediante acordo amigável, pelo que não pode ela ser acionada pela empresa-seguradora, destacando que no recibo não constou qualquer alusão a tal cobertura, nem ressalva correspondente à franquia apenas.
Diz que não há sub-rogação em tal situação, alegando ofensa ao art. 988 da lei substantiva civil e divergência jurisprudencial.
Contra-razões às fls. 184/188, reportando-se aos fundamentos do acórdão recorrido, pugnando pela sua manutenção.
O recurso especial não foi admitido no Tribunal de origem (fl. 190), subindo a esta Corte por força de provimento dado ao Ag n. 320.950-DF (fi. 197).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de recurso especial em que se discute, em preliminar, a nulidade do acórdão por omissão e, no mérito, sobre a existência ou não de sub-rogação da empresa-seguradora, quando o segurado firma acordo diretamente com o causador do acidente, recebendo determinada importância a título de ressarcimento e dando-lhe quitação plena relativamente ao ato ilícito causado.
No tocante à prefaciaI, a mesma é de ser rejeitada, porquanto a matéria controvertida foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de Justiça, apenas com resultado desfavorável à parte, o que não é motivo à nulificação do julgado.
Quanto ao mérito, dispõe o art. 988 do Código Civil que:
"Art. 988. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores."
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
386 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDE]USTIÇA
o voto-condutor do aresto a quo deu a seguinte solução (fls. 146/147):
"Aprecio, prima facie, a preliminar argüida pela Ré de ausên
cia do interesse de agir da Autora, haja vista que o acordo firmado pelo segurado com a empresa dá plena e geral quitação por todos os danos,
havendo renúncia expressa ao direito de pleitear indenização a qualquer título, judicial ou extrajudicialmente.
Como se colhe de fls. 43/44, o instrumento contratual firmado entre a Viplan - Viação Planalto Ltda e Jorge Vicente Alves de Araújo não tem validade contra terceiros, isto é, contra a seguradora-autora.
Em verdade, o Sr. Jorge Vicente deu quitação tão-somente pelo prejuízo que sofrera, que se resumiu inclusive ao pagamento de valor
inferior à franquia, pois o restante o seu seguro pagou (fls. 24/26). Resulta claro que a seguradora não está vinculada à transação feita entre o segurado e a Viplan.
Isto posto, rejeito a preliminar."
Todavia, a orientação da egrégia Terceira Turma do STJ é em sentido oposto, como se infere do acórdão prolatado no REsp n. 76.952-RS, de
relatoria do eminente Ministro Costa Leite, assim ementado:
"Civil. Seguro. Sub-rogação.
Se houve renúncia ao direito, mediante acordo entre o segurado e a outra parte, não há como dizê-lo transferido à seguradora, vale dizer, em tal hipótese, não se perfaz a sub-rogação, que legitimaria a pretensão de reembolso. Não reponta a relação jurídica substancial que
vincularia as partes. Recurso não conhecido." (unânime, DJU de 1.7.1996).
Aduziu o ilustre Relator em seu voto, verbis:
" ... A questão crucial, em última análise, está em saber se o
acórdão negou vigência ao art. 988 do Código Civil. Tenho que não. Se houve renúncia ao direito, segundo os termos do acordo, não há como dizê-lo transferido à seguradora, vale dizer, não se perfez a sub
-rogação que, no caso, legitimaria pretensão de reembolso. Iniludivelmente, não reponta a relação jurídica substancial que vincularia as
RST], Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 387
partes. Como bem acentuou o acórdão, 'se houve infração contratual entre a seguradora e o segurado, isto é questão a ser solvida entre eles, porquanto o contrato não opera efeitos senão entre as partes contra
tantes' ."
Ainda em outro julgamento, firmou o mesmo Colegiado, que:
"Acidente de trânsito. Ação de indenização. Acordo. Ação de regresso anterior.
1. Feito o acordo entre as partes, não é possível o ajuizamento de ação de indenização. O anterior julgamento de ação de regresso não interfere com a autonomia da vontade manifestada pelas partes, não sendo mais possível examinar a existência do direito a regresso em tal
circunstância.
2. Recurso especial não conhecido." (Terceira Turma, reI. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, REsp n. 194.362-MG, unânime, DJU de 13.12.1999).
De efeito, se a sub-rogação nasce de um direito originário de outrem, no caso, do segurado sinistrado, os atos praticados pelo mesmo têm influência direta no instituto, porquanto são a sua própria fonte. Inexistente o direito à indenização, que desapareceu após o acordo, com a quitação e renúncia sobre postulações futuras, não há o que ser transferido, mediante sub-rogação, à seguradora.
A Empresa-ré não possui relação alguma com a seguradora, nem se obriga por contrato a ressarci-la. Esta é uma vinculação que somente envolve segurado e seguradora. Daí, os atos praticados pelo primeiro têm efeito amplo no que tange a terceiros, caso da Ré, que não estão sujeitos à avença celebrada com a seguradora.
Destarte, não configurada a sub-rogação, na espécie, pela extinção do direito do segurado pela quitação e renúncia dadas à Ré, houve contrariedade, por má aplicação, do art. 988 do Código Civil.
Ante o exposto, conheço em parte do recurso especial e dou-lhe provimento, para extinguir o processo com base no art. 267, VI, do CPC, condenando a Autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa.
É como voto.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
388 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL N. 337.188 - SP (Registro n. 2001.0090538-1)
Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior
Recorrente: American Airlines Inc
Advogados: Santiago Moreira Lima e outros
Recorrido: Fábio Eduardo de Peiri Spina
Advogada: Áurea Lúcia Ferronato
EMENTA: Processual Civil - Ação de indenização - Atraso de vôo - Transação realizada em audiência, por preposto da companhia aérea - Não-comparecimento do advogado - Ausência que não invalida o ato - Audiência - Prazo mínimo - Questão despicienda.
I - Salvo situações excepcionais, em que se identifique ter havido vício de vontade da parte, legalmente presumível ou concreto, é válida a transação realizada em audiência, no curso de ação indenizatória, ainda que ao ato não haja comparecido o advogado da empresa-ré, e independentemente da discussão sobre a fluição integral ou não do prazo de dez dias para a realização da mesma, previsto no art. 277 c.c. 241, I, do CPC.
11 - Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, não conhecer do recurso, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha e Ruy Rosado de Aguiar. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 18 de outubro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.
Ministro Aldir Passarinho Junior, Relator.
Publicado no DI de 25.2.2002.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 389
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior: Adoto o relatório que integra o acórdão recorrido, verbis (fl. 133):
"Trata-se de ação de indenização, decorrente de atraso de vôo, proposta pelo ora recorrido em face da ora recorrente, encerrada pelo acordo, devidamente homologado, lavrado na audiência de conciliação, oferta de contestação e eventual julgamento, de fls. 73/74. Inconformada, a Ré interpôs a apelação, preparada, de fls. 77/81, pleiteando seja decretada a nulidade do processo, porque foi citada em prazo inferior a 10 dias, previsto no art. 277, segunda parte, do CPC, e, também, porque o acordo foi celebrado sem a presença do seu advogado.
O recurso não foi recebido, conforme decisão de fl. 82, da qual, todavia, foi interposto agravo de instrumento, que foi, por maioria, provido, para determinar o regular processamento da apelação, conforme acórdão de fls. 99/101 do apenso.
Recurso recebido (fl. 114v.) e respondido pelo Autor (fls. 118/ 124), propugnando pelo improvimento, com aplicação ao Agravante de pena, por litigância de má-fé."
O 1 Q. Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo negou provimento à apelação, em decisão que recebeu a ementa seguinte (fl. 133):
"Prazo. Procedimento sumário. Audiência de conciliação. Contagem do prazo a partir da citação e, não, da juntada do aviso de recebimento da respectiva carta. Cumprimento do disposto no art. 277 do CPC. Recurso improvido.
Transação judicial. Intervenção de advogado. Desnecessidade. Recurso improvido.
Litigância de má-fé. Indenizatória. Argumentação baseada em normas juridicas de interpretação controvertida. Condenação descabida. Recurso improvido."
Opostos embargos declaratórios (fls. 138/140), foram eles rejeitados às fls. 144/145.
Inconformada, American Airlines Inc interpõe, pelas letras a e c do art. 105, 111, da Constituição Federal, recurso especial em que sustenta ofensa
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
390 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ao art. 277 do CPC, porquanto o mandado citatório foi juntado aos autos sem observância do prazo mínimo de dez dias, e embora a Ré tivesse advogado constituído nos autos, o MM. Juiz singular homologou acordo em audiência sem a presença do patrono.
Aduz que, não tendo a audiência respeitado tal lapso de dez dias, ela era nula e, conseqüentemente, também a transação nela realizada, invocando contrariedade aos arts. 241, I, e 270, do mesmo Código.
Reclama, igualmente, da ausência do seu advogado, com vulneração aos arts. 4Jl. da Lei n. 8.906/1994, e 37 do CPC.
Traz à colação decisões paradigmáticas.
Contra-razões às fls. 165/170, dizendo da imprestabilidade do dissídio, e que não há nulidade, porquanto a manifestação das partes, ainda que sem seu advogado, é válida.
O recurso especial foi admitido na instância de origem pelo despacho presidencial de fls. 181/182.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Relator): A discussão travada no recurso especial refere-se, em essência, à validade da transação realizada entre as partes, durante audiência de conciliação de ação indenizatória por atraso de vôo, impugnada em seguida pela ré, American Airlines Inc, ao argumento de que, inobservado o prazo de dez dias do art. 277 do CPC, o ato não poderia ser realizado, sob pena de nulidade, o que também resultou da ausência do advogado da Ré.
Estou em que a decisão não merece reparo.
Independentemente do curso ou não do aludido prazo de dez dias, essa questão, tenho eu, é despicienda.
Não identifico nulidade na transação realizada em juízo, inclusive sob assistência e intervenção do magistrado, registrando-se que inexistia interesse de menores e que a parte-ré é uma pessoa jurídica e compareceu por intermédio de seu representante legal, munido de carta de preposição, consoante consta da ata de fls. 73/74.
Ora, se um acordo pode ser realizado extrajudicialmente, sem a presença do advogado, não vejo porque tal não possa acontecer em juízo, em
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JURISPRUDÉNCIA DA QUARTA TURMA 391
que a audiência é presidida por juiz imparcial, conhecedor das normas legais, e que não permitiria qualquer espécie de manobra lesiva ao interesse de um ou de outro, tampouco coação.
Ademais, se o advogado, para transacionar em nome da parte, necessita de poderes especiais, a pressupor que quem decide, em essência, é, sempre, a própria parte, não vejo porque ela não possa acordar sobre seus direitos, seja dentro ou fora do processo, independentemente da presença do seu causídico. Faço apenas a ressalva para circunstâncias especiais, como aquelas em que há suposição de fraude, dolo, simulação, enfim, algum vício de vontade, ou em que a parte seja menor ou de tal forma ignorante que demande se lhe dê salvaguardas especiais, a serem examinadas caso a caso. Não se cuida, aqui, data venia, de ato privativo de advogado, inexistindo violação ao art. 411. da Lei n. 8.906/1994, nem, tampouco, aos demais dispositivos legais elencados pela parte.
Nessa linha de pensamento encontra-se o REsp n. 222.936-SP, de relatoria do eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que guarda a seguinte ementa:
"Transação. Advogado.
A transação pode ser celebrada sem a assistência de advogado.
Precedentes.
Penhora. Intimação.
Efetuada a penhora em razão de acordo entre as partes, nele constando que valia como ato de penhora e depósito, desnecessária nova intimação dos executados.
Recurso não conhecido." (Quarta Turma, unânime, DJU de 18.10.1999).
Ante o exposto, não conheço do recurso especial.
É como voto.
Relator:
RECURSO ESPECIAL N. 343.666 - SP (Registro n. 2001.0 1 00455-8)
Ministro Barros Monteiro
RST], Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
392 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Recorrente: Demarchi Comércio de Roupas e Acessórios Ltda
Advogados: João Alberto Godoy Goulart e outros
Recorrido: Banco de Crédito Nacional S/A - BCN
Advogados: Jorge Manuel Lázaro e outros
EMENTA: Execução - Conversão em ação monitória - Admissibilidade no caso, ainda que já citado o devedor.
- Não tendo ainda havido a constrição de bens nem o oferecimento de embargos pelo devedor, possível é a conversão da execução em ação monitória, à falta de qualquer prejuízo. Aplicação dos princípios da instrumentalidade das formas, economia e celeridade processuais.
Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Junior e Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Brasília-DF, 4 de dezembro de 2001 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.
Ministro Barros Monteiro, Relator.
Publicado no DJ de 20.5.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Barros Monteiro: Demarchi Comércio de Roupas e Acessórios Ltda interpôs agravo de instrumento contra a decisão que, na execução por quantia certa contra devedor solvente movida pelo Banco de Crédito Nacional S/A, deferiu pleito do Exeqüente no sentido de converter-se a ação de execução em monitória.
A Décima Segunda Câmara do 1 Q Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, à unanimidade, negou provimento ao recurso, em acórdão assim fundamentado:
RST], Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 393
"Certo é que o artigo 264 do nosso Código de Processo Civil estabelece não ser permitido ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu.
Todavia, no caso em apreço, a execução foi ajuizada dia 12 de maio de 1999 (fi. 18), quando ainda não havia sido editada a Súmula n. 233 do Superior Tribunal de Justiça, que deixou pacificado não ser o contrato de abertura de crédito título executivo, ainda que acompanhado do extrato da conta-corrente. Referida súmula só foi publicada no Diário do Judiciário da União do dia 8 de fevereiro de 2000. Portanto, quando da entrada do pedido inicial em juízo, prevalecia o entendimento exposto na Súmula n. 11 deste Tribunal e não se pode afirmar que o Exeqüente, ora agravado, tenha laborado em erro.
Como esclarecido pelo prolator da decisão combatida (fi. 59), a execução encontra-se ainda em seu nascedouro, sem penhora e oposição de embargos.
Exagerado apego a formalismo estéril seria impedir a conversão, que não traz prejuízo algum à ora agravante, à exceção - é evidente - da possibilidade de criar tumulto processual e procrastinar o efetivo pagamento da dívida, que, pela leitura das razões recursais apresentadas, não é totalmente negada.
Na realidade, apenas depois de opostos embargos não pode o pedido inicial de execução ser modificado (RT, volume 719/165). E, como doutrina Araken de Assis (in Manual do Processo de Execução, 3.a. ed., Ed. Rev. dos Tribunais, p. 245, n. 70), todo e qualquer defeito da inicial, à exceção da ilegitimidade, comporta corrigenda.
Ao deferir a conversão, o ilustre prolator da decisão adotou como razões de decidir o exposto pelo Agravado na petição protocolizada em 18 de agosto findo (fis. 35/37), como explicado (fi. 59). Portanto, não existe a alegada nulidade.
E também não cabe condenação em honorários de advogado, à vista da ausência de embargos.
3. Ante tais considerações, nega-se provimento ao agravo e revoga-se a suspensão determinada à fi. 45 (item 1)." (fis. 64/65).
Ainda inconformada, a Executada manifestou este recurso especial com
arrimo na alínea a do permissor constitucional, apontando violação ao art. 264 do Código de Processo Civil. Defendeu a impossibilidade de ser a execução convertida em ação monitória. Argumentou que "a alteração da causa
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
394 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
de pedir, do pedido e do próprio procedimento, se possível, o é apenas antes da citação do executado", diferentemente do que ocorreu na hipótese dos
autos.
Contra-arrazoado, o apelo extremo foi admitido na origem, subindo os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Barros Monteiro (Relator): Aparelhada a execução com
base em contrato de abertura de crédito, editou o Superior Tribunal de Justiça a Súmula n. 233, de conformidade com a qual "o contrato de abertura de crédito, ainda que acompanhado de extrato da conta-corrente, não é tí
tulo executivo". A despeito de já citada a devedora, não foram localizados bens de sua propriedade passíveis de suportarem a penhora.
Houve por bem então o Banco-recorrido requerer a conversão da exe
cução em ação monitória. Deferida a postulação, insurge-se a Executada,
invocando contrariedade ao art. 264 do Código de Processo Civil.
Tenho, todavia, que, na espécie em exame, inexiste afronta à indigitada
norma de lei federal em face da situação particular que ostenta este feito.
É que, no caso, a conversão pretendida pela instituição financeira não acarreta prejuízo à ora recorrente. Em verdade, a resistência desta última à
transformação funda-se em mero capricho ou na possibilidade de auferir vantagem pecuniária (percepção dos honorários advocatícios) com a extinção
da execução. De convir-se que a referida conversão só lhe trará benefícios, desde que estará ela livre do ato constritivo no limiar da demanda e ainda poderá, com amplitude, defender-se em relação à alegada dívida. Encontra
plena aplicação à hipótese sub judice, assim, a norma do art. 250 e parágrafo único da lei processual civil. Pas de nullitté sans grief. A conversão
deferida pelo MM. Juiz de Direito atende aos princípios da instrumentalidade das formas, da economia e celeridade processuais. Não se compreen
de que, por simples apego à forma e com o possível intuito de alongar o
desfecho da lide, deva-se primeiro extinguir o processo executivo para somente depois permitir o aforamento da nova causa, a ação monitória.
Do quanto foi exposto, não conheço do recurso.
É como voto.
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 395
VOTO
O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: Acompanho o Ministro-Relator, não conhecendo do recurso, em face das peculiaridades da espécie.
RECURSO ESPECIAL N. 399.028 - SP (Registro n. 2001.0147319-0)
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira
Recorrentes: Antônio Nival Leônidas e outros
Advogados: Gueorgui Wiazowski e outros
Recorrida: Companhia Brasileira de Trens Urbanos
Advogados: Marcelo Oliveira Rocha e outros
EMENTA: Direito Civil - Danos morais - Morte - Atropelamento - Composição férrea - Ação ajuizada 23 anos após o evento - Prescrição inexistente - Influência na quantificação do quantum - Precedentes da Turma - Nascituro - Direito aos danos morais - Doutrina - Atenuação - Fixação nesta Instância - Possibilidade - Recurso parcialmente provido.
I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum.
11 - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum.
111 - Recomenda-se que o valor do dano moral seja fixado desde logo, inclusive nesta Instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
396 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Barros Monteiro, Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior.
Brasília-DF, 26 de fevereiro de 2002 (data do julgamento).
Ministro Cesar Asfor Rocha, Presidente.
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Relator.
Publicado no DJ de 15.4.2002.
RELATÓRIO
o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira: Do relatório da sentença, colho:
"Antônio Nival Leônidas, Gisleine Leônidas Lima e Antônio Leônidas Filho ajuizaram ação de rito sumário contra Cia Brasileira de Trens Urbanos - CBTU, alegando que o pai deles foi atropelado por composição férrea da Requerida, vindo a falecer há vinte e três anos, quando os dois primeiros autores contavam 5 e 3 anos de idade, tendo o terceiro autor nascido dois meses após o acidente. Houve ação para indenização por danos patrimoniais ajuizada então pela mãe dos Autores, tendo esta findado por acordo. Quando do evento, a família era totalmente dependente do pai, o qual era o sustentáculo econômico do lar, enquanto a mãe cuidava dos Autores, então pequenos. Com a morte, a família ficou desprotegida, advindo daí conseqüências danosas para os filhos, ora autores. Alinha, então, a inicial os danos que decorreram da falta de assistência que o pai propiciava à família, o sofrimento dos filhos, a probabilidade de que a vida dos Autores teria sido bem menos pesada se o pai não tivesse falecido, pedindo, a final, a condenação da Requerida ao pagamento de indenização no valor correspondente a dois mil salários mínimos para cada autor." (fl. 319).
Afastada a preliminar de prescrição e realizada prova pericial, adveio sentença julgando improcedente o pedido. O 1!J. Tribunal de Alçada Civil de São Paulo negou provimento ao recurso dos Autores, consoante esta ementa:
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 397
"Responsabilidade civil. Indenização. Dano moral. Atropelamento em via férrea. Pedido formulado pelos filhos em face da morte do pai. Evento ocorrido há mais de vinte e cinco anos. Tempo suficiente para apagar os sinais da dor. Reflexos do infortúnio que não podem ser aferidos em perícia de natureza psicológica com a finalidade de demonstrar comprometimento do plano de vida dos Autores. Dano moral inexistente. Reparação inviável. Ação julgada improcedente. Sentença confirmada. Negado provimento ao recurso."
Na ocasião, a Turma julgadora, em primeiro lugar, afastou as alegações da Ré, suscitadas em contra-razões, segundo as quais aos eventos ocorridos anteriormente à Constituição de 1988 não seriam devidos os danos morais, e que, na transação celebrada em anterior ação de indenização ajuizada pela mãe dos Autores contra a Ré, estariam abrangidos também os danos morais.
De outro lado, houve por bem o Colegiado julgar improcedente o pedido, nestes termos:
"O recurso deles, contudo, não merece prosperar.
É que a dor, o sofrimento emocional causado pelo impacto da morte deve ser contemporâneo ao fato.
O tempo ameniza a dor e, paulatinamente, o sofrimento da pessoa se acaba.
C·· .) Note-se que a ação foi ajuizada vinte e três anos depois do epi
sódio que vitimou o pai dos Autores.
Hoje, Antônio Nival conta pouco mais de 31 anos; Gisleine, 28 anos, e Antônio Leônidas, 25 anos de idade, todos adultos.
A personalidade de cada um dos autores foi formada, ao longo de todos esses anos, sem a figura paterna.
As conclusões apresentadas no laudo psicológico, de fls. 171/184, em nada contribuem para o desfecho favorável ao pedido dos Autores.
O ser humano encontra formas e meios, em seu próprio mecanismo psicológico, para enfrentar a dor decorrente da morte.
Os reflexos psicológicos sobre cada pessoa podem mudar, mas o resultado será, ordinariamente, o mesmo, a adaptação à nova vida sem a presença do ente querido.
Tudo o mais será especulação.
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398 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não se trata de preconceito ou resistência à tese da reparabilida de do dano moral.
A existência da dor contemporânea ao fato lesivo é exigência mais do que razoável, sob pena de se premiar 'a dor eterna', sabidamente inexistente porque tudo o tempo apaga.
Não se pode admitir que os Autores, passados mais de vinte e cinco anos, pretendam a reparação de um dano que corresponderia a um profundo sentimento de tristeza atualmente inexistente.
Tristeza causada por desgostos e sofrimentos, que o tempo apagou, que já não é mais sentida. Se não há mais sentimento, sensação de perda, não há que se falar em dano moral.
Dizer que a perda do pai causou-lhes frustração em seus respectivos projetos de vida, como parece ser o propósito do laudo psicológico, a caracterizar o dano moral permanente, é inaceitável.
( ... ) Os reflexos da morte do pai, passados longos anos, já não podem
ser sentidos e aferidos.
Contingências do momento em que o fato ocorreu já não estão presentes.
O impacto e a intensidade do evento estão ausentes.
A própria potencialidade do episódio esvaiu-se com o passar do tempo.
Não é possível estabelecer qualquer liame entre o fato e o psiquismo de cada um dos autores.
Dano moral, por isso, não pode ser considerado existente e possível de reparação.
Fundamento suficiente para a rejeição do pedido."
Rejeitados seus declaratórios, os Autores manifestaram recurso especial apontando contrariedade ao art. 159 do Código Civil.
Com as contra-razões, foi o recurso admitido.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Relator): 1. Trata-se de
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 399
ação de indenização por danos morais ajuizada em junho/1998, decorrente do falecimento do pai dos Autores, ocorrido em 14.10.1975. Discute-se nos autos se o decurso de tempo entre o evento e a postulação em juízo implicaria na perda do direito à indenização por danos morais.
2. Primeiramente, embora não esteja em controvérsia, é de registrar-se
que a prescrição restou afastada em decisão irrecorrida, ao fundamento de que, nos termos do art. 169, I, Código Civil, não corre prescrição contra os absolutamente incapazes. Assim, segundo as instâncias ordinárias, "a presente ação não se encontra fulminada pela prescrição, vez que à data dos fatos os Autores eram menores impúberes, vindo a prescrição somente começar a correr na data do décimo sexto aniversário de cada um".
3. No mérito, esta Turma tem orientação no sentido de que o direito
à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. A propósito do tema, confiram-se os seguintes julgados:
• "1. O deferimento da indenização pelo dano moral sofrido com a morte do marido e pai dos Autores independe de prova do efetivo sofrimento, que decorre da natureza das coisas. O decurso de mais de 17 anos entre o fato e o ajuizamento do pedido é fator a ponderar na fixação do quantum indenizatório." (REsp n. 153.155-SP, DJ de 16.3.1998, relator o Ministro Ruy Rosado de Aguiar) .
• "Civil. Ação indenizatória. Acidente rodoviário. Morte de esposa e genitora. Ação promovida 19 (dezenove) anos após o sinistro. Dano moral. Subsistência da verba, porém, com atenuação pelo efeito do tempo.
I - O direito de os parentes da vítima falecida em acidente rodoviário postularem indenização por dano moral não desaparece enquanto não flui, integralmente, o lapso prescricional vintenário.
11 - Em tais circunstâncias, todavia, o quantum do ressarcimento deve ser fixado de modo a considerar a atenuação da dor da perda do ente querido pelo decurso do tempo desde a data do óbito até o ajuizamento da ação, dezenove anos depois." (REsp n. 228.537-SP, DJ
de 28.8.2000, relator o Ministro Aldir Passarinho Junior).
No primeiro caso, assim se expressou o Ministro-Relator:
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400 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"O longo tempo decorrido entre o fato gerador do dano e o pedido judicial não é causa para a sua rejeição, pois, para isso, existem os prazos prescricionais, a limitar o período útil para a sua manifestação. Exercida oportunamente a ação, é o quanto basta para ser examinada a existência do alegado direito. A demora pode, isto sim, influir na estimativa do quantum, pois é bem possível que a dor a ser considerada no momento do pedido é bem diversa daquela existente nas proximidades da morte, pois o tempo seda a dor moral."
Do voto-condutor do segundo julgado, colho:
"De efeito, o direito dos autores existe até que a prescrição ocorra, e, mesmo sendo ela vintenária, não há discriminação da lei quanto a qual parcela indenizatória deveria ser desconsiderada em face do tempo decorrido desde o sinistro. Pensar-se de outra forma, é criar restrição sem que haja norma legal a tanto autorizadora.
Assim, a melhor exegese está com o aresto paradigmático, que não subtrai o direito da parte à percepção do dano moral, eis que assegurada está a sua vindicação por duas décadas, mas, sim, adequa o ressarcimento à atenuação da dor pelo tempo, pela superação do impacto da perda do ente familiar nos anos em que se seguiram, mesmo sem a percepção de uma quantia que visaria a aliviar dificuldades materiais paralelas, possibilitando melhor recuperação do sofrimento tido pelos autores."
4. À vista desses precedentes desta Corte e desta Turma, e por convencimento próprio, tenho por devidos os danos morais, cumprindo assinalar, outrossim, que esta Turma, por outro lado, tem prestigiado o entendimento de ser recomendável que o valor do dano seja fixado desde logo, inclusive nesta Instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional.
Destarte, sem embargo do exorbitante valor postulado, diante das circunstâncias do caso, notadamente o lapso temporal decorrido entre o evento e o ajuizamento da ação, além da situação socioeconômica dos Autores, e considerando os precedentes desta Corte em casos semelhantes, fixo a indenização em 100 (cem) salários mínimos para os três autores, em conjunto, o que corresponde a R$ 18.000,00 (dezoito mil reais) na data de hoje, recordada a lição do Professor Yussef Cahali, ao tratar do direito do nascituro:
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 401
"E também ao nascituro se assegura o direito de indenização dos danos morais decorrentes do homicídio de que foi vítima seu genitor. É desimportante o fato de ter nascido apenas após o falecimento do pai. Mesmo que não o tenha conhecido, por certo, terá o menino, por toda a vida, a dor de nunca ter conhecido o pai. Certo, esta dor é menor do que aquela sentida pelo filho que já conviveu por muitos anos com o pai e vem a perdê-lo. Todavia, isso só influi na gradação do dano moral, eis que sua ocorrência é incontroversa. Todos sofrem com a perda de um familiar, mesmo aquele que nem o conheceu. Isso é normal e presumido. O contrário é que deve ser devidamente provado." (Dano Moral, RT, 2ll. ed., n. 4.8.4, p. 162).
5. Pelo exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento par
cial, para, aplicando o direito à espécie (art. 257, RISTJ), julgar parcialmente procedente o pedido de indenização, fixando os danos morais em R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), cujos valores deverão ser atualizados a partir da data deste julgamento.
Condeno a Ré, diante de sua sucumbência, ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
RECURSO ESPECIAL N. 404.706 - SP (Registro n. 2002.0003753-9)
Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar
Recorrente: Lílian Chiaroni
Advogados: Sebastião Augusto Migliorini e outros
Recorrida: Viação Cometa S/A
Advogados: Nélson Ferreira e outros
Recorrida: Companhia Real Brasileira de Seguros
Advogados: Tânia Regina Pedro e outros
EMENTA: Responsabilidade civil - Olfato - Paladar - Indenização.
RST], Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
402 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A perda do olfato e do paladar é causa de incapacidade que atinge gravemente a pessoa, prejudica sua vida de relação, impede-a de usufruir de alguns prazeres da vida e mesmo prejudica a defesa da sua saúde, o que exige indenização compatível.
Recurso conhecido e provido em parte para deferir verba indenizatória equivalente a 400 salários mínimos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira e Barros Monteiro votaram com o Sr. Ministro-Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha.
Brasília-DF, 27 de junho de 2002 (data do julgamento).
Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Presidente em exercício.
Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Relator.
Publicado no DI de 2.9.2002.
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar: Lílian Chiaroni promoveu ação de indenização contra Viação Cometa S/A, para reparação dos danos sofridos no acidente de trânsito provocado pelo ônibus em que viajava a Autora, o qual, em razão de alta velocidade, colidiu com um caminhão que transitava em sentido contrário, resultando do acidente inúmeras vítimas.
Citada, a Ré contestou, requerendo a denunciação à lide da Real Seguradora S/A.
Deferida a denunciação, a denunciada apresentou resposta.
O MM. Juiz julgou parcialmente procedente a ação e condenou a Ré ao pagamento de indenização pela perda do paladar e do olfato da Autora, no valor de 1.000 salários mínimos, bem como às custas processuais. Julgou procedente a lide secundária, cabendo à Companhia Real Brasileira de
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA 403
Seguros, Argos Companhia de Seguros, Companhia de Seguros Minas Brasil
e Iochpe Seguradora S/A, ressarcirem a Ré-denunciante quando esta efetuar
o pagamento, observado o limite da apólice.
Apelou a Ré para pedir a improcedência do pedido ou a redução do valor da indenização; impugnou a correção monetária cumulativa e o
percentual dos juros moratórios. Pleiteou, ainda, a atualização do valor segurado, bem como a exclusão do ônus da sucumbência, na lide secundária. Também apelaram a denunciada, alegando igualmente a improcedência do pedido ou a redução do valor da indenização, e a Autora, para obter a in
teira procedência do pedido.
A egrégia Décima Segunda Câmara Especial de Julho de 2000 do 12
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo deu provimento em parte aos recur
sos da Ré e da denunciada, desprovendo o da Autora, em acórdão assim
ementado:
"Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Responsabilidade
objetiva do transportador. Desnecessidade da demonstração da culpa de seu preposto. Diminuição do olfato e do paladar e alteração psíquica. Ausência de seqüela incapacitante para o exercício da profissão de pro
fessora pública. Não demonstrada a existência de dano material indenizável. Indenizatória procedente em parte. Recursos da Ré e da denunciada parcialmente providos, desprovido o da Autora.
Dano moral. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Necessidade de hospitalização e afastamento das atividades habituais por tem
po limitado. Diminuição em definitivo do olfato e do paladar e alteração psíquica. Cabimento. Indenização reduzida a cem salários míni
mos, atualizados conforme a sua evolução, cancelada a correção monetária, em duplicidade. Juros moratórios a contar da citação, à taxa legal de 6% a.a. Indenizatória procedente em parte. Recursos da Ré e
da denunciada parcialmente providos, desprovido o da Autora.
Denunciação da lide. Responsabilidade civil. Acidente de trânsi
to. Condenação da denunciada ao ressarcimento do prejuízo pela perda da demanda até o limite atualizado do seguro. Previsão do paga
mento de indenização por danos pessoais, não distinguindo entre os
físicos e os morais. Indenizatória procedente em parte. Recursos da Ré
e da denunciada parcialmente providos, desprovido o da Autora." (fi.
400).
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.
404 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Rejeitados os embargos de declaração, a Autora interpôs recurso especial (art. 105, IIl, a e c, da CF), no qual alega ofensa aos arts. 159, 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553 do CC, além de divergência jurisprudencial. Sustenta que o v. acórdão recorrido deixou de examinar a prova documental carreada aos autos, consistente no laudo pericial. Aduz que o nexo causal, a relação entre dano e causa, a lesão permanente, a perda da função, o grau de incapacidade e a limitação na sua ascensão profissional não foram devidamente sopesados para o fim de arbitrar o valor do dano moral. Por isso, entende insuficiente a indenização, fixada em apenas cem salários mínimos.
A ré, Viação Cometa S/A, e a litisdenunciada, Companhia Real Brasileira de Seguros, apresentaram contra-razões.
O Tribunal de origem inadmitiu o recurso, subindo os autos em virtude de provimento do Ag n. 402.596-SP.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar (Relator): Não ocorreram as alegadas ofensas à legislação processual, porquanto a egrégia Câmara analisou a prova e concluiu pela procedência apenas parcial do pedido. A extensão do dano foi avaliada em razão do conjunto probatório dos autos, e não apenas em função do laudo pericial, pelo que inexistiu ofensa a preceito legal sobre julgamento.
No entanto, tenho que a Recorrente demonstrou ser insuficiente, para a situação dos autos, a indenização de apenas o valor equivalente a 100 salários mínimos para quem perdeu definitivamente o olfato e o paladar em conseqüência das múltiplas lesões sofridas, especialmente do traumatismo craniano. Com essa diminuição dos sentidos, tenho por razoável seja deferida a verba equivalente a 400 salários mínimos, mais adequada aos nossos precedentes, considerando as circunstâncias do fato, com graves lesões corporais e psíquicas, período longo de recuperação, com as seqüelas definitivas apontadas no r. acórdão. O desconforto que decorre dessa incapacidade permanente e o prejuízo para a sua vida de relação, bem como a privação de alguns prazeres da vida e a dificuldade para a defesa de sua saúde, que para isso também servem o olfato e o paladar, justificam a quantificação do dano acima do que tem sido dado para injúrias passageiras.
Não é caso de deferir-se indenização pelo prejuízo profissional, porque este não ficou reconhecido nas instâncias ordinárias, menos ainda de
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]URISPRUDENCIA DA QUARTA TURMA 405
pensão mensal a tal título (embora a perda da chance de progressão funcional, se admitido o fato, ensejasse tal reparação).
Posto isso, por ofensa ao disposto no art. 159 do CC, decorrente da insuficiente reparação concedida, estou em conhecer do recurso e lhe dar provimento parcial a fim de elevar a indenização ao valor equivalente a 400 salários mínimos.
É o voto.
RSTJ, Brasília, a. 15, (161): 339-405, janeiro 2003.