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Jurisprudência da Primeira Seção
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL N.!l 149.946 - MS
(Registro n Q 98.0018824-0)
Relator: Ministro Ari Pargendler
Relator p/ acórdão: Ministro José Delgado
Embargante: Estado do Mato Grosso do Sul
Advogados: Manuel Ferreira da Costa Moreira e outros
Embargado: Encol S/A - Engenharia, Comércio e Indústria
Advogados: Heriberto Rolando Brandes e outros
17
EMENTA: Tributário - ICMS - Operações interestaduais - Di
ferencial de alíquotas - Empresa de construção civil - Não incidên
cia.
1. As empresas de construção civil não são contribuintes do
ICMS, salvo nas situações que produzam bens e com eles pratiquem
atos de mercância diferentes da sua real atividade, como a pura venda desses bens a terceiros; nunca quando adquirem mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras.
2. Há de se qualificar a construção civil como atividade de
pertinência exclusiva a serviços, pelo que "as pessoas (naturais ou
jurídicas) que promoverem a sua execução sujeitar-se-ão exclusiva
mente à incidência de ISS, em razão de que quaisquer bens neces
sários a essa atividade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo,
materiais, peças, etc.) não devem ser tipificados como mercadorias
sujeitas a tributo estadual" Oosé Eduardo Soares de Melo, in Cons
trução Civil - ISS ou ICMS?, in RDT 69, p. 253, Malheiros).
3. Embargos de divergência rejeitados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro Ari
Pargendler, rejeitar os embargos. Os Srs. Ministros Garcia Vieira, Humberto
Gomes de Barros e Milton Luiz Pereira votaram com o Sr. Ministro José Delgado (voto-vista), que lavrará o acórdão.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
18 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Brasília-DF, 6 de dezembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Presidente.
Ministro JOSÉ DELGADO, Relator. p/ acórdão.
Publicado no DJ de 20.03.2000.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ARI PARGENDLER: Encol S/A - Engenharia, Comércio e Indústria propôs ação ordinária de anulação de lançamento fiscal contra o Estado do Mato Grosso do Sul (fl. 3).
O MM. Juiz de Direito Dr. Romero Osme Dias Lopes julgou improcedente o pedido (fls. 216/222), sentença que foi confirmada pela egrégia Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, Relator o eminente Desembargador Luiz Carlos Santini (fls. 263/272).
Seguiu-se recurso especial (fls. 274/282), provido pela egrégia Primeira Turma, Relator o eminente Ministro Garcia Vieira, nos termos do acórdão assim ementado: "ICMS. Construção civil. Diferencial de alíquota. Tratando-se de execução, por administração, empreitada ou subempreitada de construção civil, quando da aquisição de mercadorias produzidas por terceiros, para sua utilização nas construções civis, é devido apenas o ISS, sendo indevida a incidência de ICMS e o diferencial de alíquotas internas e interestaduais. Recurso provido" (fl. 342).
Daí os presentes embargos de divergência (fls. 353/362), à base dos acórdãos proferidos pela egrégia Segunda Turma no RMS n.l!. 3.778-8, Relator o eminente Ministro Américo Luz, e no REsp n.l!. 76.924, que relatei, assim ementados, respectivamente:
"Tributário. ICMS. Diferença de alíquotas nas compras interestaduais. Empresas de construção civil. Nas operações interestaduais, o Estado onde se localiza o destinatário tem direito à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. As empresas de construção civil inscritas que são no cadastro de contribuintes, ao adquirirem mercado
ria em outros Estados, o fazem na condição de comerciantes, sendo, portanto, contribuintes do tributo." (fl. 369).
"Tributário. ICMS. Operações interestaduais. 1. Alíquotas. A Constituição Federal distingue as operações interestaduais, segundo
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a qualid:;tde do destinatário das mercadorias; se ele for contribuinte do
imposto, incidirá a alíquota interestadual, devendo a diferença, em re
lação à alíquota interna, ser cobrada pelo Estado em que estabeleci
do o adquirente; se não for contribuinte, aplicar-se-á a alíquota interna
(art. 155, § 2J.l, VII e VIII). 2. Contribuinte. O comerciante (assim con
siderada a sociedade anônima, qualquer que seja o respectivo objeto),
que, na condição de consumidor final, adquira bens ou serviços em
operações e prestações interestaduais, é contribuinte do ICMS (Con
vênio ICMS nJ.l 66/1988, art. 2J.l, II C.C. o art. 21, parágrafo único, XII).
Recurso especial conhecido e provido." (fi. 375).
VOTO
O SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator): O desate da lide
depende de saber se Encol S/A - Engenharia, Comércio e Indústria é, ou
não, contribuinte do ICMS.
"Ocorre o fato gerador do imposto" - diz o artigo 2J.l do Convênio
ICMS nJ.l 66/1988:
"II - na entrada no estabelecimento de contribuinte de mercadoria oriunda de outro Estado, destinada a consumo ou a ativo fixo",
"Contribuinte" - completa o artigo 21 - "é qualquer pessoa física ou
jurídica, que realize operação de circulação de mercadoria ou prestação de
serviços descrita como fato gerador do imposto.
Parágrafo único. Incluem-se entre os contribuintes de imposto:
XII - qualquer pessoa indicada nos incisos anteriores que, na condi
ção de consumidor final, adquira bens ou serviços em operações e presta
ções interestaduais".
Ora, entre as pessoas indicadas no inciso I, está o comerciante, hipótese em que se subsumem as sociedades anônimas.
" ... a lei vigente," - escreveram Egberto Lacerda Teixeira e José
Alexandre Tavares Guerreiro - "seguindo literalmente a orientação da
anterior, considera como mercantil toda sociedade que se organize sob a
forma de S/A, independentemente de qualquer consideração em torno de seu objeto. E, como conseqüência natural, firma o princípio de que toda e qual
quer S/A se rege pelas leis e usos do comércio (art. 2'\ § lJ.l)" - (in Das
Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, José Bushatsky Editor, São
Paulo, 1979, voI. 1, p. 103).
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Em suma:
a) A Constituição Federal distingue as operações interestaduais, segun
do a qualidade do destinatário das mercadorias; se de for contribuinte do
imposto, incidirá a alíquota interestadual, devendo a diferença, em relação
à alíquota interna, ser cobrada pelo Estado em que estabelecido o adquirente;
se não for contribuinte, aplicar-se-á a alíquota interna (art. 155, § 2Q, VII
e VIII).
b) A entrada no estabelecimento de contribuinte de mercadoria oriun
da de outro Estado, destinada a consumo ou a ativo fixo constitui fato ge
rador do ICMS (Convênio ICMS nQ 66/1988, art. 2Q, lI).
c) O comerciante (assim considerada a sociedade anônima qualquer
que sej a o respectivo o bj eto), que, na condição de consumidor final, ad
quira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais, é contri
buinte do ICMS (Convênio ICMS n Q 66/1988, art. 21, parágrafo único,
XII).
Voto, por isso, no sentido de receber os embargos de divergência para
restabelecer a autoridade da sentença e do acórdão proferidos nas instân
cias ordinárias.
VOTO-VISTA (VENCEDOR)
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O eminente 1 .. 1inistro Ari Pargendler recebeu os embargos de divergência em apreciação para fazer
prevalecer acórdão da Segunda Turma com fundamentação sintetizada na
ementa que transcrevo (fl. 358):
"Tributário. ICMS. Diferença de alíquotas nas compras interes
taduais. Empresas de construção civil.
Nas operações interestaduais, o Estado onde se localiza o desti
natário tem direito à diferença entre a alíquota interna e a interesta
dual.
As empresas de construção civil inscritas que são no cadastro de
contribuintes, ao adquirirem mercadoria em outros Estados, o fazem
na condição de comerciantes, sendo, portanto, contribuintes do tri
buto."
Com vistas dos autos apresento o meu voto.
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o acórdão embargado, da lavra do eminente Ministro Garcia Vieira, defende, conforme consta no voto-condutor, que (fls. 338/339):
"O imposto de competência dos Municípios sobre serviços de qualquer natureza, tem como fato gerador a prestação, por empresa ou
profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço constante da lista anexa (artigo 81.1 do Decreto-Lei nl.l 406/1968). Os serviços incluídos nas listas ficam sujeitos apenas ao imposto previsto neste artigo, ainda que sua prestação envolva fornecimento da mercadoria (§ 11.1). Ora, no item 32 da lista inclui a execução, por admi
nistração, empreitada ou subempreitada de construção civil. Assim, a autora, ao adquirir mercadorias produzidas por terceiros, para a sua utilização nas construções civis, só fica sujeita ao ISS, sendo indevida a incidência do ICMS na entrada destas mercadorias a serem utilizadas na construção e indevida a diferença de alíquotas internas e interestaduais. Esta egrégia Turma, no Recurso em Mandado de Segurança nl.l 3.456-9-DF, Relator Ministro Gomes de Barros, DJ de 14.11.1994, entendeu que:
'Não é lícito aos Estados, modificar, através de convênios, o Decreto-Lei nl.l 406/1968, para - em operações interestaduais - submeter as empresas de construção civil ao tratamento previsto no artigo 155, VII, a, da Constituição Federal.'
A competência atribuída aos Estados pelo artigo 34, § 81.1, do ADCT, foi apenas para, através de convênio, preencher as lacunas e não
para revogar lei complementar recepcionada pela Constituição Federal de 1988. Esta egrégia Turma, no Recurso Especial n1.l30.671-5-SP,
julgado no dia 6 de outubro de 1993, Relator Ministro Cesar Rocha, entendeu que:
'1 - A competência atribuída aos Estados e ao Distrito Fe
deral, para, na ausência de lei complementar necessária à instituição do ICMS, celebrarem convênio para regular provisoriamente o mencionado imposto, restringe-se às lacunas existentes e às matérias legais não recepcionadas pela Constituição vigente (artigo 34, § 51.1, ADCT)'."
Os acórdãos confrontados, de modo contrário ao assinalado no aresto supraquestionado, assim encontram-se postos:
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a) o do RMS n.<l. 3.778-9-DF, relatado pelo eminente Ministro Américo Luz, afirma que (fls. 372/374):
"Do parecer da lavra do eminente Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Guskow, destaco as seguintes considerações (fls.
126/128):
'No recurso, alegam as recorrentes a ilegalidade da Lei local n.ll 711988, sendo que a competência para definir contribuintes do imposto é reservada à lei complementar, a teor do art. 155,
XII, a, da Constituição.
No entanto, o art. 34, § 8.1l, do ADCTI1988 prevê a possibilidade de regular-se em convênios especiais a instituição do
Imposto. Apoiados nessa disposição constitucional, os Estados e o Distrito Federal celebraram o Convênio ICMS n.ll 66/1988, que tem eficácia de lei complementar, até que ela seja editada. Por outro lado, a adotar-se a forma restritiva de interpretação prevista nas razões das recorrentes no mandado de segurança, não se justificaria a existência dessa disposição constitucional, que previu, justa e oportunamente a inexistência de lei complementar.
Esse Convênio ICMS n.ll 6611988 define o que é o contribuinte do imposto, de resto definição seguida pela Lei local n.ll 7/1988.
Em face do art. 8.1l do Decreto-Lei n.ll 406/1968, com a ressalva do n.ll 32, as empresas de construção civil foram consideradas contribuintes do ICM, sendo que hoje são consideradas con
tribuintes do ICMS.
o art. 155, IX, da Constituição trata dos casos de incidência do ICMS, imposto cujo fato gerador é a saída de mercadoria, e seu contribuinte o produtor e iniciador do processo de circulação. Pelo dispositivo referido transfere-se o fato gerador para o receptor do bem, sendo a condição de destinatário que determina a alíquota e não a natureza da operação. Nas operações interestaduais, o Es
tado de localização do destinatário tem direito à diferença entre a alíquota interna e a interestadual (art. 155, VIII, da CF).
Quanto à incidência do tributo sobre as empresas de construção civil o Decreto n.ll 11.850/1989 (local) elimina a dúvida,
eis que regulamenta o contido na Lei n.ll711988 (local). A tese de
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que as recorrentes não são contribuintes do ICMS não é corroborada documentalmente, eis que todas elas são inscritas no cadastro de contribuintes do ICMS do Distrito Federal. É incoerente alegar que, mesmo inscrito no cadastro de contribuintes, não seja alguém contribuinte.
Quanto à competência tributária dos Municípios, no caso do DF sua competência abrange a legislação sobre matéria tributária estadual e municipal, uma vez que o DF é ao mesmo tempo juridicamente um Estado e Município.
O certo é que, ao adquirirem mercadorias em outros Estados, as recorrentes declaram-se comerciantes e declinam o número de seu registro no cadastro de contribuintes do ICMS local. Valem-se da alíquota interestadual, e quando recebem a mercadoria, pretendem declarar-se não contribuintes do imposto, para eximirem-se do diferencial interno entre as alíquotas.
Trata-se, sem dúvida, de conduta prevista na legislação tributária, que exige que o Fisco local não sofra prejuízos, nem haja concorrência desleal entre empresas, matéria que extrapola jurídicas razões, mas que demonstra não existir liquidez e certeza no direito pleiteado.'
Por adotar a fundamentação supratranscrita como razão de decidir, nego provimento ao recurso."
b) o do REsp nll. 76.924-MS, da lavra do eminente Ministro Ari Pargendler, dispõe a fundamentação desenvolvida no voto que transcrevo (fls. 379/380):
"Os autos dão conta de que Centros Comerciais Campo Grande S/A adquiriu mercadorias no Estado de São Paulo, como se fosse contribuinte do ICMS, situação em que a operação foi tributada pela alíquota interestadual de 8% (oito por cento).
Nos termos do artigo 150, lI, § 2.12, VIII, da Constituição Federal, a diferença entre essa alíquota e a alíquota interna de 17% (dezessete por cento) deveria ter sido por ela recolhida ao Estado do Mato Grosso do Sul.
Esse pagamento não foi feito, porque Centros Comerciais Campo Grande S/A, sem embargo do que constou das notas fiscais relativas às operações impugnadas, se declara agora não contribuinte do
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ICMS, situação em que incidiria o artigo 150, lI, § 22 , VII, b, da Constituição Federal, a saber:
'VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;'
o julgado apreendeu bem o fato de que, se Centros Comerciais Campo Grande S/A não é contribuinte do ICMS, o Estado de São Paulo foi lesado em parte substancial do tributo devido (= 9 %) - circunstância, todavia, alheia à relação jurídico-tributária constituída, pelo Estado do Mato Grosso do Sul, no lançamento fiscal.
Aqui importa, apenas, saber se Centros Comerciais Campo Grande S/A é, ou não, contribuinte do ICMS, indagação que o acórdão recorrido respondeu pela negativa - e, salvo melhor juízo, sem razão:
'Ocorre o fato gerador do imposto' - diz o artigo 22 do Convênio ICMS n2 66/1988.
'lI - na entrada no estabelecimento de contribuinte de mercadoria oriunda de outro Estado, destinada a consumo ou a ativo fixo.'
'Contribuinte' - completa o artigo 21 - 'é qualquer pessoa física ou jurídica, que realize operação de circulação de mercadoria ou prestação de serviços descritas como fato gerador do imposto.
Parágrafo único. Incluem-se entre os contribuintes de imposto:
XII - qualquer pessoa indicada nos incisos anteriores que, na condição de consumidor final, adquira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais'.
Ora, entre as pessoas indicadas no inciso I, está o comerciante, hipótese em que se subsumem as sociedades anônimas.
' ... a lei vigente,' - escreveram Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro - 'seguindo literalmente a orientação da anterior, considera como mercantil toda sociedade que se organize sob a forma de S/A, independentemente de qualquer consideração em torno de seu objeto. E, como conseqüência natural, firma o princípio de
RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
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que toda e qualquer S/A se rege pelas leis e usos do comércio (art. 2!-1, § P')' - in Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro, José
Bushatsky Editor, São Paulo, 1979, voI. 1, p. 103).
Em suma:
a) A Constituição Federal distingue as operações interestaduais,
segundo a qualidade do destinatário das mercadorias; se ele for con
tribuinte do imposto, incidirá a alíquota interestadual, devendo a diferença, em relação à alíquota interna, ser cobrada pelo Estado em que
estabelecido o adquirente; se não for contribuinte, aplicar-se-á a alíquota interna (art. 155, § 2'2, VII e VIII).
b) A entrada no estabelecimento de contribuinte de mercadoria oriunda de outro Estado, destinada a consumo ou a ativo fixo consti
tui fato gerador do ICMS (Convênio ICMS n!2 66/1988, art. 212, lI).
c) O comerciante (assim considerada a sociedade anônima qualquer que seja o respectivo objeto), que, na condição de consumidor fi
nal, adquira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais, é contribuinte do ICMS (Convênio ICMS n!2 66/1988, art. 21, pará
grafo único, XII).
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de
dar-lhe provimento para julgar improcedente a ação, invertidos os ônus da sucumbência."
Como visto, o primeiro acórdão apresentado para confronto refere-se,
expressamente, à empresa de construção civil; o segundo cuida de uma empresa que se dedica a proporcionar locação comercial de seus salões aos
comercian tes interessados.
Cumpre, assim, afastar de imediato o conhecimento dos embargos com
referência ao REsp n!2 76. 924-MS, haja vista que tratou de situação fática
diferente da decidida pelo acórdão embargado.
A divergência está demonstrada quanto ao paradigma representado pelo acórdão do REsp n!2 3.778-9-DF, haja vista que cuidou, expressamente, da
mesma situação jurídica e fática enfrentada pelo aresto embargado, isto é,
se empresas de construção civil, ao adquirirem mercadorias para serem empregadas em suas obras, em outros Estados, estão obrigadas ao pagamento
da diferença do ICMS pelo fato de serem consideradas, para tal fim, como
contribuintes do referido imposto.
Nos limites supra-referidos, conheço dos embargos de divergência.
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Quanto ao mérito, entendo o que passo a expor.
A controvérsia está, unicamente, centrada no ponto bem destacado pe
los acórdãos recorridos: as empresas de construção civil são, obrigatoria
mente, quando adquirem produtos para emprego em suas obras, contri
buintes de ICMS.
Em outras palavras, as empresas construtoras civis realizam, quando
adquirem tais mercadorias, operações de cunho econômico que podem sig
nificar a prática de atos de comércio, ou elas se limitam, apenas, a prestar
serviços quando empregam os insumos adquiridos em suas obras?
É de se buscar resposta à mencionada pergunta nos limites do nosso
ordenamento jurídico.
Destaco, desde logo, que a espécie em julgamento não cuida de em
presa de construção civil que realizou obra por empreitada global, caso em
que as mercadorias são adquiridas dos fornecedores em nome da própria
empresa e, depois, destinadas a obras de terceiros, proprietários e contra
tantes, quando há ato de comércio.
No caso em análise, o auto de infração de fI. 13, define, de modo bem
claro, o objeto de que o Fisco considerou como infração:
"O contribuinte deixou de lançar, apurar e recolher o ICMS no
valor original de Cr$ 38.901.806,85 (trinta e oito milhões novecen
tos e um mil oitocentos e seis cruzeiros e oitenta e cinco centavos),
correspondente ao diferencial de alíquota, referente às suas aquisições
em operações interestaduais, de material para consumo final."
Essa perspectiva do litígio está comprovada com a decisão administra
tiva proferida pela Primeira Câmara do Conselho de Recursos Fiscais do
Estado do Mato Grosso do Sul, conforme revelado na ementa referente ao
julgamento do Processo n J2 03/000847/92, que tratou da questão (fI. 183):
"ICMS. Diferencial de alíquotas, empresa de construção civil.
Operações interestaduais. Cabível a cobrança do imposto nas entradas
de bens e serviços para uso, consumo ou ativo fixo. Previsão legal.
Recurso improvido. Decisão unânime de acordo com o parecer da Fa
zenda Pública Estadual.
A exigência do Fisco tem suporte legal e regulamentar que obriga
o contribuinte ao seu cumprimento. Ao realizar a circulação de bens
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e serviços, a recorrente fica, pois, obrigada ao recolhimento do valor relativo ao diferencial de alíquota.
Vale observar que, tendo sido constituídas sob a forma de Sociedade Anônima, equipara-se, por ficção da Lei n!.'. 6.404/1976, a comerciante, caracterizando-a, ainda mais, como contribuinte do ICMS."
Vinculando-me à moldura fática caracterizada nos autos, peço vênia ao eminente Ministro Ari Pargendler para, conhecendo dos embargos, rejeitálos, fazendo prevalecer o acórdão embargado.
No trato da questão, filio-me à corrente que entende não haver obrigação das empresas de construção civil, quando adquirem mercadorias para serem empregadas nas obras por elas próprias constituídas, em terrenos de sua exclusividade, salvo as executadas por administração, empreitada ou subempreitada, em outros Estados, ao pagamento da diferença de alíquota porventura existente.
Em tal situação, a empresa adquire mercadorias que são consumidas em suas próprias obras, não as comercializando. Esse fato caracteriza a inexistência de operação determinadora da circulação econômica de mercadorias que fez nascer o fato gerador do ICMS.
O posicionamento que adoto recebe a influência, primeiramente, do julgamento proferido pelo colendo Supremo Tribunal Federal, no RE n!.'. 94.498-2, relatado pelo eminente Ministro Clóvis Ramalhete, cuja ementa traduz o seguinte (fl. 19):
"Tributário. Nas operações em que há incorporação de bens materiais aos serviços prestados, por que seja o serviço prevalentemente o objeto de transação çoncluída por terceiros com o locador ou empreiteiro do serviço, oçprre incidência exclusiva do ISS, excluída por conseguinte a do ICM. Aplicação do art. 8!.'. e § }lo'. do Decreto-Lei n!.'. 834/1969."
A referida decisão, embora não se refira às empresas de construção civil, e tenha sido proferida antes da CF11988, acena como consagrando a compreensão ora defendida.
O Estado do Mato Grosso do Sul, o embargante, apega-se, para defen
der a tese abraçada, nos Convênios ICMS de nilS. 66/1988, de 27.04.1988, e 71/1989, de 22.08.1989. Afirma que os referidos convênios substituem a norma federal enquanto a matéria de que tratam não for regulamentada.
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Defende, ainda, que o Decreto-Lei ni!. 406/1968, com a redação dada pela
Lei Complementar ni!. 56/1987, não foi recepcionada integralmente pelo
novo sistema tributário, especialmente no que concerne às hipóteses de
ocorrência do fato gerador do ICMS.
A minha resistência à tese defendida pelo embargante apóia-se, pri
meiramente, em não aceitar os convênios acima referidos, especialmente, o
de 71, de 22.08.1989, como produzindo eficácia e validade jurídicas.
No particular, meu entendimento está de acordo com o de Hugo de Brito Machado, in Aspectos Fundamentais do ICMS, Dialética, p. 103, ao
assim pronunciar-se:
"Esse convênio era desprovido de validade jurídica, tanto do pon
to de vista formal, quanto do ponto de vista material, como bem de
monstra Shubert de Farias Machado em estudo específico sobre o
tema."
Cita a fonte do referido estudo: Não Incidência do ICMS na Constru
ção Civil, Shubert de Farias Machado, in O ICMS, a Lei Complemen
tar ni!. 87/1996 e Questões Jurídicas Atuais, coordenado por Valdir de Oli
veira Rocha, Dialética, São Paulo, 1997, pp. 213/215.
A seguir, o referido doutrinador explicita o seu pronunciamento:
"Formalmente, porque extrapolante da autorização contida no
§ 8i!. do art. 34 do ADCT, que dizia respeito apenas às normas neces
sárias à implantação do ICMS em sua nova feição, vale dizer no que
concerne aos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação, visto como no atinente à circulação de mercadorias, ha
via já legislação compatível com a Constituição de 1988, por estar
recepcionada expressamente."
No aspecto material, também, não pode prevalecer o referido Convê
nio. Dou o meu apoio ao que, na mesma fonte e página já indicados, Hugo de Brito Machado escreveu:
"Materialmente, porque as empresas dedicadas à atividade de
construção civil, não são contribuintes do ICMS, salvo quando produ
zam ou comercializem materiais de construção. E também não são con
sumidor final. O rigor terminológico, adverte Farias Machado, impõe
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aqui se faça a distinção entre consumo e insumos. Ocorre o consumo pela utilização de um bem para a satisfação da necessidade pessoal de alguém, que neste caso recebe o nome de consumidor. Já o insumo, por seu turno, acontece quando da utilização de um bem na produção de outros bens, ou na prestação de serviços."
Conclui Hugo Machado:
"A empresa que realiza a construção civil não pratica o consumo, mas o insumo dos bens que adquire para emprego em suas obras. Em síntese, na atividade de construção civil não incide o ICMS, mas apenas o ISS, não havendo lugar, portanto, para a cobrança do diferencial de alíquotas."
Ressalte-se que, conforme ainda lembra o renomado jurista, mesma obra, p. 104, duas observações merecem ser feitas e levadas em consideração.
Palavras do autor citado:
"A primeira, o dispositivo segundo o qual o ICMS não incide sobre as operações relativas às mercadorias que tenham sido ou que se destinem a ser utilizadas na prestação, pelo próprio autor da saída de serviços de qualquer natureza definido em lei complementar como sujeito ao imposto sobre serviços, de competência do municípios, ressalvadas as hipóteses previstas em lei complementar (Lei Complementar n"" 87/1996, art. 3"", inc. V).
A segunda, afirma Hugo Machado, a omissão no que concerne ao fato gerador, à base de cálculo e ao contribuinte, na situação que antes autorizava a cobrança do questionado diferencial de alíquota, como acima já demonstrado. Assim, é hoje induvidoso que o diferencial de alíquotas em tela não é devido pelas empresas de construção civil, ainda que estas sejam consideradas contribuintes do ICMS."
Induvidoso é que as empresas de construção civil fossem sempre contribuintes do ISS, nos precisos termos do item 19 da lista de serviços originária, anexa ao Decreto-Lei n"" 406/1968, ou na lista de serviços, itens 32 e 34, da Lei Complementar n"" 56/1987.
A primeira disciplina:
"19. Execução, por administração, empreitada ou subempreitada,
de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes,
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30 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços fora do lo
cal da prestação dos serviços, que ficam sujeitos ao ICM)."
A segunda, a lista oriunda da Lei Complementar nJl 56/1987, explicita:
"32. Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de construção civil, de obras hidráulicas e outras obras semelhantes e respectiva engenharia consultiva, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo
prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM)."
34. Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pon
tes, portos e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICM)."
A tudo o que já foi exposto, acrescente-se que o art. 2Jl da Lei Com
plementar nJl 87, de 13.09.1996, determina que o ICMS não incide sobre "operações relativas a mercadorias que tenham sido ou que se destinem a
ser utilizadas na prestação, pelo próprio autor da saída, de serviço de qual
quer natureza definida em lei complementar como sujeito ao imposto sobre serviços, de competênc~a dos municípios, ressalvadas as hipóteses pre
vistas na mesma lei complementar".
Tenho que é essa situação descrita no dispositivo supramencionado que
alcança a empresa embargada, conforme já explicitado.
O eminente relator, na conclusão do seu bem elaborado e judicioso
voto, concluiu:
a) que a Constituição Federal distingue as "operações interestaduais,
segundo a qualidade do destinatário das mercadorias, pelo que, se ele for
contribuinte do ICMS, incidirá a alíquota interestadual, devendo, portanto, ser paga a diferença, em relação à alíquota inteira, a ser cobrada pelo
Estado em que estabelecido o adquirente;
b) que se o adquirente da mercadoria não for contribuinte, aplicar-se
á a alíquota interna;
c) que a entrada no estabelecimento do contribuinte de mercadoria
oriunda de outro Estado, destinado a consumo ou a ativo fixo constitui fato
gerador do ICMS, por força do Convênio ICMS nJl 66/1988, art. 2Jl, II;
RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 31
d) O comerciante que, na condição de consumidor final, adquira bens ou serviços em operações e prestações interestaduais, é contribuinte do
ICMS.
Ora, as afirmações do eminente relator, embora absolutamente corretas, em tese, para as relações jurídicas configuradas na exposição do seu voto, não se aplicam ao caso em análise porque, conforme já demonstrado:
a) da empresa embargada está sendo exigida diferença da alíquota de ICMS por operações interestaduais pelo fato de ter adquirido mercadorias para serem empregadas nas obras próprias, mercadorias estas que não foram comercializadas;
b) ao adquirir tais mercadorias, não fez para o seu consumo próprio,
porém, como insumos que integraram as construções de sua responsabilidade;
c) o convênio referido sofre ilegalidade porque, primeiramente, como Ja demonstrado, extrapolou a autorização contida no § 8"- do art. 34 do
ADCT;
d) as empresas dedicadas à atividade de construção civil não são contribuintes do ICMS, salvo quando comercializam materiais de construção ou dedicam-se à sua fabricação;
e) o fato de as empresas de construção civil serem obrigadas a se inscreverem como contribuintes do ICMS é de menor importância para a caracterização da responsabilidade tributária acima enfocada;
f) inexistir na lide a determinação de fato gerador, no caso, empresa de construção civil, sobre a situação fática questionada nos presentes em
bargos, a contribuir para que prevaleça o acórdão embargado da lavra do eminente Ministro Garcia Vieira;
g) por último, merece ser considerada a moldura jurídica aplicada às atividades das empresas que se dedicam ao ramo de construção civil.
Na busca de se compreender os elementos presentes na composição do quadro suso-referido, há de se qualificar a construção civil como atividade de pertinência exclusiva a serviços, pelo que "as pessoas (naturais ou jurídicas) que promoverem a sua execução sujeitar-se-ão exclusivamente à in
cidência de ISS, em razão de que quaisquer bens necessários a essa atividade (como máquinas, equipamentos, ativo fixo, materiais, peças, etc.) não
devem ser tipificados como mercadorias, sujeitas a tributo estadual" a osé
Eduardo Soares de Melo, in Construção Civil - ISS ou ICMS?, in RDT 69, p. 253, Malheiros).
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32 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Essa orientação, aliás, deu origem à Súmula n"'" 167, deste Superior Tribunal de Justiça, quando tratou de fornecimento de concreto, que é pre
parado no trajeto até a obra em betoneiras acopladas a caminhões. Idem, quando a Segunda Turma, no REsp n"'" 40.356-SP, Relator o eminente Mi
nistro Peçanha Martins, j. em 29.1l.1995, decidiu que: "Na construção civil pelo sistema de pré-moldados, sob regime de empreitada global, em que
a empresa construtora produz as peças a serem montadas em edificações
específicas, sem comercializá-las individualmente, transportando-as para o
local da obra, não incide o ICMS, cuja base de cálculo para cobrança é inexistente" .
Evidencia-se, conforme acima demonstrado, que as empresas de construção civil não são contribuintes do ICMS, salvo nas situações que produ
zam bens e com eles pratiquem atos de mercância diferentes da sua real atividade, como. a pura venda desses bens a terceiros. Nunca quando adquirem
mercadorias e as utilizam como insumos em suas obras.
Convém registrar que no XI Congresso Brasileiro de Direito Tribu
tário o tema foi objeto de análise aprofundada por José Eduardo Soares Mello, Doutor'ém Direito, Prof. da PUC/SP e Juiz Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, quando em trabalho apresentado sob o
título Construção Civil - ICMS e ISS? (RDT n"'" 69, Edit. Malheiros, p.
238).
Por tais considerações, com o meu pedido de vênia ao eminente
Relator, rejeito os embargos.
É como voto.
VOTO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Presidente, a nossa jurisprudência é no sentido do voto do Sr. Ministro José Delgado.
Acompanho o voto de S. Exa.
MANDADO DE SEGURANÇA NQ. 5.157 - DF (Registro n"'" 97.0025735-5)
Relator: Ministro Hélio Mosimann
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 33
Impetrantes: Diana Lúcia Porto de Cerqueira, Heloísa Maria Valente Fressynet, José Antônio Urdiales, Maria Eugênia Vasconcelos Ramos, Marília Nóbrega da Câmara Torres, Sandra Mafra Amora e Sílvia Beatriz Hazan Menasce
Advogados: Izabel Dilohe Piske Silvério e outros
Impetrado: Ministro de Estado das Relações Exteriores
Sustentação oral: Izabel Dilohe Piske Silvério (pelos impetrantes)
EMENTA: Mandado de segurança - Ministério das Relações Exteriores - Brasileiros contratados para exercerem suas funções junto à Embaixada do Brasil em Paris - Auxiliares locais - Regime Jurídico dos Funcionários do Serviço Exterior - Filiação à Previdência Social Brasileira - Lei nQ. 8.745/1993 - Direito de opção - Segurança concedida - Voto-vencido.
A Lei nQ. 8.745, de 9 de dezembro de 1993, dando nova redação à Lei nQ. 7.501/1986, estabeleceu que serão segurados da Previdência Social do Brasil os Auxiliares Locais de nacionalidade brasileira que não possam filiar-se ao sistema do país de domicílio, assegurandolhes, em outro dispositivo (artigo 15), o direito de opção para permanecerem corno contribuintes da Previdência Social Brasileira.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, vencido o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira (voto-vista), conceder a segurança. Os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros, José Delgado e Garcia Vieira votaram com o Sr. Ministro-Relator.
Brasília-DF, 6 de dezembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Presidente.
Ministro HÉLIO MOSIMANN, Relator.
Publicado no DI de 19.06.2000.
RELATÓRIO
o SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Diana Lúcia Porto de
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34 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNALDEJUSTIÇA
Cerqueira e outros (são sete servidores brasileiros no exterior), impetram
mandado de segurança com pedido de liminar, contra ato do Ministro das
Relações Exteriores, que entendem ilegal e arbitrário, conforme os moti
vos que a seguir explicitam.
Aduzem ser brasileiros natos e contratados pelo l'vEnistério das Rela
ções Exteriores, para o exercício de funções típicas dos cargos que ocupam,
junto à Embaixada do Brasil em Paris - França, a partir das datas que dis
cnm1nam.
Alegam que, à exceção de uma das impetrantes, todos os demais fo
ram contratados na forma prevista pelo art. 44 da Lei n.Q. 3.917/1961, res
saltando que a citada norma previa a possibilidade de os Chefes de Missões
Diplomáticas e Repartições Consulares admitirem "auxiliares locais" a tí
tulo precário, demissíveis ad nutuIll.
Afirmam, no entanto, que a legislação em comento foi revogada pelo
art. 93 da Lei n.Q. 7.501/1986, tendo, assim, sido excluído do sistema jurí
dico brasileiro, em face da União Federal, aquele tipo de contratação pre
cária que abrangia os funcionários de nossas Missões no exterior.
Logo, no entender dos impetrantes, as situações jurídicas constituídas,
envolvendo Auxiliares Locais, a exemplo dos cargos para os quais foram eles
contratados, passaram a ser abrigadas pela Lei n.Q. 7.501/1986, pela qual ins
tituído o Regime Jurídico dos Funcionários do Serviço Exterior, "onde, em
seu art. 65, incluiu os Auxiliares Locais como efetivos integrantes do pes
soal dos postos no exterior, estabelecendo, no art. 67, que os mesmos pas
sariam a ser regidos pela legislação brasileira" - o mesmo corroborado pelo
disposto no art. 87 do Decreto n.Q. 93.325/1986 (decreto regulamentador).
Asseveram que com a Constituição de 1988 passaram de celetistas à
condição de servidores públicos estáveis e, com o advento da Lei n.Q. 8.112/
1990, ficaram submetidos ao Regime Jurídico Único.
Ocorre que novas regras foram estabelecidas quanto à contratação de
Auxiliares Locais, através dos dispositivos da Lei n.Q. 8.745/1993, e seu re
gulamento - Decreto n.Q. 1.570/1995, que os submeteu às leis do país onde
sediada a repartição.
Acrescentam que pela simples leitura das normas regulamentadoras
estabelecidas no citado decret9, verifica-se que seu objetivo é disciplinar
critérios inerentes às no'vas contratações de Auxiliares Locais, ou seja, para
aqueles que forem contratados a partir de sua edição, e não para os que,
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 35
como eles, já tinham sido anteriormente contratados, detendo, por isso, prer
rogativas que lhes foram asseguradas pela legislação brasileira no curso dos
anos em que estiveram trabalhando em favor do Estado Brasileiro.
Alegam que a inaplicabilidade da nova legislação aos antigos Auxiliares Locais é reforçada, ainda mais, pelo teor do art. 15, da Lei n!.l. 8.745/ 1993, que lhes assegurou o direito de opção para permanecerem na situação vigente quando da publicação daquela norma, da mesma forma que o art. 21 do (Decreto Regulamentador nU 1.570/1995.
Desta forma, afirmam ter exercido tempestivamente o direito de opção para permanecerem filiados à Previdência Social brasileira, pois não lhes interessava a legislação previdenciária francesa, eis que esta resguardava apenas a filiação de contratados locais, com efeitos retroativos aos últimos cinco anos, "o que significaria desconsiderar o real tempo de serviço por eles prestado (muitos, com cerca de vinte anos de serviço em favor do Estado brasileiro), com os prejuízos funcionais e financeiros daí decorrentes".
No entanto, a par da opção legal feita pelos impetrantes, "o Ministério das Relações Exteriores vem adotando medidas administrativas visando amoldar à nova lei, também, à situação previdenciária dos antigos Auxiliares Locais, ... , para determinar que suas filiações se façam junto ao Sistema Previdenciário Francês", o que entendem ferir o direito líquido e certo que os ampara, principalmente quando a própria Lei nU 8.213/1991, em seu art. 11, afirma serem eles segurados da Previdência Social, ressaltando, de ou
tra parte, que os contratos de trabalho por eles celebrado com o MRE nunca foram regidos pelas leis francesas, mas sim pelas normas brasileiras, confi
gurando-se, assim, o direito adquirido à filiação previdenciária por eles requerida, motivo pelo qual, in fine, pugnam pela concessão do IDandaIDus.
A liminar foi concedida por despacho (fls. 213/214) do Ministro José
Arnaldo, a quem inicialmente distribuídos os autos.
A autoridade apontada como coatora prestou informações às fls. 220/ 271 - documentação inclusa, aduzindo, preliminarmente, que Auxiliar Local é "o brasileiro ou estrangeiro contratado localmente, por tempo determinado para prestar serviços técnicos, administrativos ou de apoio que exijam familiaridade com as condições de vida, os usos e costumes do país onde esteja sediado o posto".
Em face das mencionadas características, o Auxiliar Local não pode
ser confundido com o servidor público do MRE, o qual, por força de dispositivo constitucional, tem que ser brasileiro, além de estar legalmente in
vestido em cargo para o qual deverá ter sido habilitado em concurso público.
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36 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Desta forma, em decorrência da Lei n.!.l 8.745/1993 e do Decreto n Jl
1.570/1995, o Itamaraty vem instruindo as missões diplomáticas e as Repar
tições consulares brasileiras a que tomem as medidas necessárias "para as
segurar que as relações trabalhistas e previdenciárias com seus Auxiliares
Locais se dêem no mais estrito cumprimento do ordenamento jurídico do
local onde os serviços são prestados, sem recurso a qualquer tipo de imu
nidade ou privilégio diplomático".
Especificamente quanto aos contratados locais dos postos sediados na
França, assevera o impetrado ter instruído a Embaixada em Paris "a abrir
negociações com as autoridades francesas com o intuito de que seja garan
tido aos Auxiliares Locais o reconhecimento de todo o tempo de serviço tra
balhado anteriormente".
Menciona a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, o art. 189, § 2.!.l, do ADCT, bem como o Enunciado n.!.l 207 do TST que, a seu ver,
solucionam a discussão.
Alega, outrossim, que o permissivo legal permite a contratação de es
trangeiros como Auxiliares Locais, sendo os contratos precários e adstritos
à legislação previdenciária onde localizada a missão diplomática brasilei
ra, esclarecendo que a Lei n.!.l 8.745/1993, determinou como regra geral a
filiação ao sistema local, sendo que a decantada opção pela inscrição no
INSS não poderá ser efetivada se o ordenamento jurídico do país obrigar
a filiação de qualquer empregado ao sistema previdenciário local - o que,
assevera, ocorre na legislação francesa.
Parecer da Subprocuradoria Geral da República, às fls. 272/277, opi
nando, primeiro, pela incompetência deste STJ, pois a demanda é de natu
reza trabalhista. Não fora isto, entende inidônea a via eleita, eis que a
dilação probatória não se ajusta à natureza jurídica do IllandaIllus (Dra.
Dalva Bezerra de Almeida).
Por despacho à fl. 279, o eminente Ministro José Arnaldo entendeu não
estar a matéria em debate inserida na competência da Terceira Seção deste
Tribunal, requerendo a redistribuição do feito, o qual restou a mim redistri
buído.
Recebi dos impetrantes petição para devolver os autos à egrégia Terceira
Seção, assim como cópia de acórdão em julgamento ali realizado. Aguardei,
entretanto, a decisão no mandado de segurança que aqui estava sendo julga
do e que acabou reconhecendo a nossa competência (MS n.!.l 5.346).
É o relatório.
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 37
VOTO
o SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN (Relator): Não é nova a questão, como se pode facilmente verificar.
O primeiro ponto a decidir é o da competência interna, se compete o julgamento a esta ou à Terceira Seçãc.
No precedente aqui julgado (MS nJ.!. 5.346-DF, ReI. Min. Garcia
Vieira), que tratou de matéria idêntica, fiquei vencido na companhia do
eminente Ministro Demócrito Reinaldo, considerando que, quer porque a discussão envolve tema de ordem previdenciária, ou mesmo de ordem tra
balhista, a competência não seria desta Primeira Seção.
A maioria, no entanto, depois de longo debate, não entendeu assim, pelo que, rendendo-me à decisão anteriormente tomada, afasto, também
nestes autos, a preliminar de incompetência.
Não se pode contribuir para retardar ainda mais a solução do litígio,
ainda que estejam os requerentes amparados por decisão liminar.
Cumpre observar, a seguir, que a autoridade apontada coatora não re
futa ou contesta as afirmações relacionadas à situação funcional dos reque
rentes, aceitando-as como verdadeiras.
Também não nega a prática do ato impugnado, procurando defender a sua legalidade.
Resta, assim, o exame da tese, no seu mento, isto é, o direito de se filiarem ao sistema previdenciário brasileiro, como pretendem.
Depois do julgamento do Mandado de Segurança n ll 5.346-DF, já re
ferido, não vejo dificuldade. A Seção tem posição a respeito.
Reporto-me ao voto do Relator, Ministro Garcia Vieira, destacando o seguinte:
"A Lei n ll 7.501, de 27 de junho de 1986, em seu artigo 67, determina que o Auxiliar Local será regido pela legislação brasileira e
a Lei n ll 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, em seu artigo 11, item 1, letra e,
estabelece que são segurados obrigatórios da Previdência Social do
Brasil, os brasileiros que trabalham para a União, no exterior, em or
ganismos internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ain
da que lá domiciliado e contratado, salvo se segurado na forma da le
gislação vigente do país do domicílio. Ora, a impetrante, brasileira
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
38 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
nata, que, por determinação legal e como Oficial de Chancelaria, con
tribuiu para a Previdência Social Brasileira e, até a presente data, con
tinuou como servidora do Ministério das Relações Exteriores e sem
pre manteve a sua cidadania brasileira, tem o direito de continuar con
tribuindo para a Previdência Social Brasileira (docs. de fls. 10 1/214).
A Lei n!l 8.745, de 9 de dezembro de 1993, em seu artigo 13, deu
nova redação ao artigo 67 da Lei n!l 7.501/1986 e determinou que se
rão segurados da Previdência Social Brasileira os Auxiliares Locais de
nacionalidade brasileira, que não possam filiar-se ao sistema previden
ciário do país de domicílio. A mesma lei, em seu artigo 15, assegurou
aos Auxiliares Locais brasileiros o direito de opção para permanece
rem como contribuintes da Previdência Social Brasileira, estabelecendo
para isso um prazo de 90 (noventa) dias. O artigo 21, § 1!l, do Decreto
n!l 1.570, de 21 de julho de 1995, veio esclarecer que referido prazo
de 90 dias começaria a correr três meses após a publicação do referi
do decreto. A impetrante, tempestivamente, pediu a sua filiação à Pre
vidência Social Brasileira (doc. de fls. 27/28). Ela contribuiu para a
Previdência Social Brasileira durante 13 (treze) anos. Como Auxiliar
Local, continuou sendo servidora da União e segurada obrigatória da
Previdência Social Brasileira e como brasileira nata, que sempre man
teve a sua nacionalidade, não pode ser impedida de voltar a ser filiada
à Previdência Social Brasileira. Não pode ela ser compelida a filiar
se à Previdência Social Francesa. Como brasileira, sujeita-se a nosso
ordenamento jurídico, não se subordina à legislação previdenciária da
França. A digna autoridade coatora, em suas informações, confunde a
sujeição, como empregado, à legislação francesa com direito de
filiação à Previdência Social. Não existe nenhuma lei brasileira que
obrigue a impetrante a filiar-se à Previdência Social Francesa e ela
não está sujeita à legislação previdenciária da França, porque é bra
sileira, com cidadania brasileira.
Desde seu ingresso no Ministério das Relações Exteriores, sem
pre foi servidora da União e, como tal, tem direito de restabelecer a
sua filiação à Previdência Social Brasileira. A Legislação Previdenciária
Francesa pode obrigar os franceses e não os brasileiros. O Ministério
das Relações Exteriores não pode impedir a impetrante de filiar-se à
Previdência Social Brasileira e, muito menos, obrigá-la a filiar-se à
Previdência Social da França, porque ela é brasileira e segurada obri
gatória da Previdência Social Brasileira.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 39
Outro precedente, no MS n~ 5.478-DF, ReI. Min. Vicente Leal:
"Mandado de segurança. Administrativo. Funcionária contratada pelo Ministério das Relações Exteriores. Auxiliar Local. Lei n~ 8.745/ 1993. Direito de opção. Filiação à Previdência Social Brasileira.
- A Lei n~ 8.745/1993 assegurou o direito de opção aos funcio
nários contratados pelo Ministério das Relações Exteriores para prestar serviços em Embaixadas do Brasil no exterior na qualidade de Auxi
liares Locais em permanecerem vinculados à Previdência Social Bra
sil eira.
- Segurança concedida."
Diante do exposto, concluo votando pela concessão da segurança, confirmando a liminar, para assegurar aos impetrantes o direito de se filiarem ao Sistema Previdenciário Brasileiro.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Perturbado o meu convencimento por dúvidas, favorecido pelo viés processual próprio, examinei
diretamente as peças informativas da impetração, destacando que, em suma, a pretensão foi deduzida para assegurar.
" ... aos impetrantes, o direito de filiação ao Sistema Previdenciário Brasileiro, na forma da opção por eles manifestada, com fundamento no art. 15 da Lei n~ 8.745/1993 c.c. o art. 21 do Decreto n~
1.570/1995, bem como, seja determinado que as respectivas filiações
sejam implementadas pela digna autoridade coatora, com efeito retroativo à data de suas contratações, a fim de que os respectivos tempos de serviço sejam computados, para todos os fins legais, conforme prevê o art. 100 da Lei n~ 8.112/1990." (fi. 14).
No seu voto, reportando-se a precedentes desta Seção, o eminente Relator transcreveu a fundamentação acolhida no julgamento do MS n~ 5.346-DF, ReI. Min. Garcia Vieira, assim:
"A Lei n~ 7.501, de 27 de junho de 1986, em seu artigo 67, de
termina que o Auxiliar Local será regido pela legislação brasileira e a
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
40 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Lei n.!.2 8,213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de
Benefícios da Previdência Social, em seu artigo 11, item 1, letra e,
estabelece que são segurados obrigatórios da Previdência Social do
Brasil, os brasileiros que trabalham para a União, no exterior, em or
ganismos internacionais dos quais o Brasil seja membro efetivo, ain
da que lá domiciliado e contratado, salvo se segurado na forma da le
gislação vigente do país do domicílio. Ora, a impetrante, brasileira
nata, que, por determinação legal e como Oficial de Chancelaria, contribuiu para a Previdência Social Brasileira e, até a presente data, continuou como servidora do Ministério das Relações Exteriores e sempre manteve a sua cidadania brasileira, tem o direito de continuar con
tribuindo para a Previdência Social Brasileira (docs. de fls. 101/214).
A Lei nD. 8.745, de 9 de dezembro de 1993, em seu artigo 13, deu nova redação ao artigo 67 da Lei nD. 7.501/1986 e determinou que se
rão segurados da Previdência Social Brasileira os Auxiliares Locais de
nacionalidade brasileira, que não possam filiar-se ao sistema previ
denciário do país de domicílio. A mesma lei, em seu artigo 15, assegurou aos Auxiliares Locais brasileiros o direito de opção para per
manecerem como contribuintes da Previdência Social Brasileira, esta
belecendo para isso um prazo de 90 (noventa) dias. O artigo 21, § 1D., do Decreto n.!.2 1.570, de 21 de julho de 1995, veio esclarecer que referido prazo de 90 dias começaria a correr três meses após a publica
ção do referido decreto. A impetrante, tempestivamente, pediu a sua
filiação à Previdência Social Brasileira (doc. de fls. 27/28). Ela contribuiu para a Previdência Social Brasileira durante 13 (treze) anos.
Como Auxiliar Local, continuou sendo servidora da União e segura
da obrigatória da Previdência Social Brasileira e como brasileira nata,
que sempre manteve a sua nacionalidade, não pode ser impedida de vol
tar a ser filiada à Previdência Social Brasileira. Não pode ela ser compelida a filiar-se à Previdência Social Francesa. Como brasileira,
sujeita-se a nosso ordenamento jurídico, não se subordina à legislação previdenciária da França. A digna autoridade coatora, em suas infor
mações, confunde a sujeição, como empregado, à legislação francesa
com direito de filiação à Previdência Social. Não existe nenhuma lei
brasileira que obrigue a impetrante a filiar-se à Previdência Social
Francesa e ela não está sujeita à legislação previdenciária da França,
porque é brasileira, com cidadania brasileira.
Desde seu ingresso no Ministério das Relações Exteriores, sem
pre foi servidora da União e, como tal, tem direito de restabelecer a
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 41
sua filiação à Previdência Social Brasileira. A Legislação Previdenciária
Francesa pode obrigar os franceses e não os brasileiros. O Ministério
das Relações Exteriores não pode impedir a impetrante de filiar-se à
Previdência Social Brasileira e, muito menos, obrigá-la a filiar-se à
Previdência Social da França, porque ela é brasileira e segurada obri
gatória da Previdência Social Brasileira." (MS n ll 5.157-DF, ReI. Min.
Hélio Mosimann).
Soalhada a situação processual, incontornável que o voto do emmen
te relator, seguido pelas prestigiosas adesões dos Srs. Ministros Demócrito
Reinaldo e Humberto Gomes de Barros, tem fulgurantes fundamentos, re
forçados por composições talhadas por esta Seção.
Se bem que significativa, com antecipadas escusas, manifesto divergên
cia. E divirjo, de antemão, registrando que os servidores contratados no
exterior pelas representações diplomáticas do Brasil são regidos por con
dições peculiares e excepcionais, uma vez que os respectivos chefes podiam
admitir (brasileiros e estrangeiros) como "auxiliares locais", atendendo as
condições típicas dos serviços da situação da representação, como jornada
de trabalho, feriados e obrigações específicas.
Bem se ressalta que, à ocasião da admissão, o servidor não se subme
tia a concurso público, simplesmente atendendo às disposições legais vigen
tes à época:
"Art. 44. Os Chefes das Missões Diplomáticas e Repartições
Consulares poderão admitir a título precário Auxiliares Locais demis
síveis ad nututn." (Lei n ll 3.91711961- fiz o destaque).
Significa dizer que as admissões foram feitas conforme critérios pes
soais dos representantes diplomáticos brasileiros, reclamados pelas neces
sidades episódicas, sem vinculação definitiva.
É certo que, ao depois, a Lei n ll 7.50111986 modificou a natureza da
admissão, passando os Auxiliares Locais à situação definida legalmente. De
efeito:
"Art. 65. Além dos funcionários do Serviço Exterior, integram o
pessoal dos postos no exterior Auxiliares Locais, admitidos na forma
do artigo 44 da Lei n!2 3.917) de 14 de julho de 1961." (fiz o destaque).
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
42 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Na planura de interpretação lógica, porque o novo texto legal não re
vogou, mas, isto sim, apenas explicitou a situação ditada na lei anterior,
põe-se que a referência à integração dos Auxiliares Locais, por si, não
desconstituiu a admissão precária anterior e possibilidade de dispensa ou
demissão. A lei nova apenas explicou que, além dos funcionários do quadro
estável do Serviço Exterior, as representações diplomáticas brasileiras tam
bém continuaram servidas pelos Auxiliares Locais, admitidos "na forma do
artigo 14 da Lei nQ. 3.917/1961, ou seja: "a título precário" e demissíveis,
ad nutUITl (art. 44 ref.). Andante, denota-se que as disposições superve
nientes são integrativas e não modificativas das anteriores. A distinção,
claramente separando os funcionários regulares do Serviço Exterior e os
Auxiliares Locais, classificação de natureza especial, ganha vulto nas dis
posições do artigo 65, Lei n-º- 7.50111986, com a proposição adverbial
além, veja-se:
"Além dos funcionários do Serviço Exterior, integram o pessoal
dos postos no exterior Auxiliares Locais, admitidos na forma do art. 44
da Lei n-º- 3.917, de 14 de julho de 1961." (destaquei).
À conclusão fácil sobressai que os Auxiliares Locais, servidores de
apoio, não se confundem com os funcionários do Quadro Ordinário do
Pessoal do Ministério das Relações Exteriores, entendimento que se filia
à simetria do texto lineado na Lei n-º- 7.501/1986; para verificação:
"Art. 66. Auxiliar Local é o brasileiro ou estrangeiro admitido para
prestar serviços ou desempenhar atividades de apoio que exijam fami
liaridade com as condições de vida, os usos e os costumes do país onde
esteja sediado o posto.
Parágrafo único. Os requisitos da admissão de Auxiliar Local se
rão especificados em regulamento, atendidas as seguintes exigências:
'I - possuir escolaridade compatível com as tarefas que lhe
caibam; e
II - ter domínio do idioma local ou estrangeiro de uso cor
rente no país, sendo que, no caso de admissão de Auxiliar Estran
geiro, dar-se-á preferência a quem possuir melhores conhecimen
tos da língua portuguesa.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 43
Art. 67. O Auxiliar Local será regido pela legislação brasi
leira que lhe for aplicável, respeitadas as peculiaridades decorren
tes da natureza especial do serviço e das condições do mercado lo
cal do trabalho, na forma estabelecida em regulamento próprio'."
(grifei)
Sem enganos, pois, no âmbito da categoria funcional, são diferentes as
situações dos servidores regulares (quadro ordinário) e dos Auxiliares Lo
cais (quadro de natureza especial), admitidos em condições extraordinárias
e na forma ditada em regulamento próprio, conseqüente de peculiaridades
de cada lugar no exterior, sem amoldagem aos regimes tradicionais da re~
lação de trabalho edificados para o servidor no Brasil. Daí a excepciona
lidade, notadamente divisada na cláusula "legislação brasileira que lhe for
aplicável, respeitadas as peculiaridades ... " (art. 87, Decreto n.<:1. 93.325/1986
- grifei). As Leis nill. 8.028/1990 e 8.745/1993 dão ressonância aos regis
tros feitos.
Por outra vertente, contrariando a petição dos impetrantes, as dispo~
sições do artigo 243, Lei n.<:1. 8.112/1990, não esmaecem as anotações feitas.
Assim penso, porque a continuação ou tempo dos serviços dos autores não
tem eficácia para derruir a natureza precária ou excepcional do vínculo de.,.
finido legalmente. É acontecimento comum na prestação do serviço públi
co. Ad exemplum, lembra-se a situação funcional dos servidores em car
gos DAS que, apesar de atividade permanente ou prolongada no tempo, têm
vinculação precária e são demissíveis ad nutum, sem o reconhecimento da
estabilidade.
Bem por isso, a invocação do artigo 19 do ADCT, não socorre a
impetração, segundo o espectro interpretativo do seu conteúdo:
"Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distri
to Federal e dos Municípios, da Administração direta, autárquica e das
fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Consti
tuição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido
admitidos na forma regulada no art. 37 da Constituição, são conside
rados estáveis no serviço público.
C·· .) § 2.<:1. O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de car
gos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
44 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado
para os fins do caput deste artigo, exceto se se tratar de servidor."
(grifei) .
No caso, pois, a foco cargo de natureza precária, alteradas as condi
ções especiais de admissão, com forte contingente de peculiaridades que o distingue do cargo do Serviço Exterior (quadro de pessoal permanente), os
impetrantes não são beneficiários das previsões contidas no transcrito artigo 19 - caput, ficando albergados na exceção estadeada no seu § 2ll., derris
cando-se, a estabilidade ensejada pela admissão no Regime Único da Lei nQ
8.112/1990. Enfim, também não se aplicam aos impetrantes o disposto no artigo 19, § 2Q
, do ADCT, e, incontrastável que a Constituição de 1988 (art.
37, IX) remete à lei infraconstitucional a disciplina da contratação tempo
rária de pessoal, prevalecendo o excepcional interesse público. Donde, como
adiantado, igualmente não ser acolhível a pretensão com assento na Lei nQ
8.745/1993, dando nova redação ao artigo 67, Lei nQ 7.501/1986.
Em verdade, não se trata de interpretação inédita, uma vez que os tri
bunais ordinários têm espraiado, podendo ser recordado o aresto constituído
na Apelação Cível nQ 00.7186-5-DF, conforme o voto-condutor do Juiz
Aldir Passarinho Junior, hoje eminente Ministro desta Corte.
Na confluência da exposição, sustentada a prenunciada divergência,
voto denegando a segurança.
É O voto-vista.
MANDADO DE SEGURANÇA N.2. 5.804 - DF (Registro nQ 98.0032909-9)
Relator: Ministro Hélio Mosimann
Impetrante: Instituto da Sagrada Família - Isafa
Advogada: Marli Soares Borges
Impetrado: Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social
Assistência: Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS
Procuradores: Lenilson Ferreira Morgado e outros
RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 45
EMENTA: Mandado de segurança - Contribuição previdenciária - Entidade filantrópica - Quota patronal - Imunidade.
Na condição de entidade de caráter filantrópico, reconhecida
como de utilidade pública, a impetrante tem assegurada a situação isencional relativamente à quota patronal da contribuição previden
ciária, com direito à obtenção do respectivo certificado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a segu
rança, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros, José Delgado, Aldir Pas
sarinho Junior e Garcia Vieira votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Milton Luiz Pereira.
Brasília-DF, 18 de junho de 1999 (data do julgamento).
Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Presidente.
Ministro HÉLIO MOSIMANN, Relator.
Publicado no DI de 29.05.2000.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: O Instituto da Sagrada Família - Isafa, impetrou mandado de segurança (com pedido de liminar),
contra ato do Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social, consubstanciado no indeferimento, em grau de recurso administrativo, do
pedido de renovação do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos por ele
formulado, restando a negativa amparada, segundo o CNAS, no não aten
dimento aos dispositivos do art. 2!l, inciso IV, do Decreto n!l 752/1993, pois
não teria ele comprovado "a aplicação em gratuidade de pelo menos vinte por cento da receita bruta, proveniente da venda de serviços e bens não in
tegrantes do ativo imobilizado e contribuições operacionais".
Alega, em resumo, ser pessoa jurídica regularmente constituída e exer
cendo sua finalidade assistencial sem fins lucrativos, tendo, por isso, sido
declarada de utilidade pública federal, desde 1993, e de utilidade pública
estadual, desde 1975, destacando que sua administração "sempre primou por
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
46 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
absoluta lisura e transparência, necessárias à manutenção da credibilidade
de uma entidade nessas condições".
Aduz ser também entidade filantrópica matriculada no Instituto Na
cional do Seguro Social - INSS, e, apesar de manter unidades em diver
sos Estados, centraliza suas operações contábeis e fiscais em sua sede, no
Município de Passo Fundo-RS, onde, inclusive, cumpre regularmente as exi
gências do art. 14 do CTN.
Afirma que a autoridade coatora, ao indeferir a renovação de seu Cer
tificado de Fins Filantrópicos agrediu a Carta Constitucional pela qual é
ele imune a impostos e contribuições sociais, negando-lhe um direito cris
talino e, o que é pior, tendo como fundamento "uma norma francamente
discriminatória, porque impõe requisitos complexos e onerosos ao arrepio
da Constituição".
Entende que o Decreto nQ 752/1993 - na esteira da Lei nQ 8.212/1991,
que em seu art. 31 introduziu novas exigências para a isenção - é manifes
tamente ilegal e inconstitucional, ferindo, inclusive, seu direito líquido e
certo, tendo em vista que as limitações ao poder de tributar já se encontra
vam insertas no art. 14 do CTN, recepcionado pela Nova Carta - o qual
estabelece os requisitos para o gozo da imunidade tributária, ressaltando que
dentre eles :t;lão se incluiu a "gratuidade dos serviços prestados".
Bate-se, após extenso arrazoado em que cita doutrina e jurisprudência
sobre a matéria em discussão, pela concessão do mandamus, eis que
indubitável seu direito líquido e certo de ver respeitada a imunidade tribu
tária constitucionalmente estabelecida, bem como lhe seja concedido o
indigitado Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, liminarmente reque
rido.
A autoridade impetrada forneceu suas informações às fls. 43/69, adu
zindo, preliminarmente, inépcia da inicial e ilegitimidade passiva ad cau
sam, bem como ser a impetração contra lei em tese - aplicando-se à hipó
tese a Súmula n Q 266-STF.
Quanto ao mérito, alega, em resumo, que o certificado de filantropia
não é criação recente, pois existe no ordenamento brasileiro há muito tem
po, sendo que o "legislador ordinário foi buscá-lo para lhe servir de requi
sito à concessão da isenção - requisito este existente desde 1959 - como
também o fez com as declarações de utilidades públicas federal, estadual,
municipal ou do Distrito Federal, exigidas para a concessão da isenção da
cota patronal".
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 47
Afirma que ao ser negado o Certificado ao impetrante estava em vi
gor o art. 55 da Lei nl!. 8.212/1991, regulamentado pelo Decreto nl!. 752/
1993, e no qual estabelecidos - de forma cumulativa - novos requisitos para
a isenção da cota patronal, aí inserto o Certificado de Entidade de Fins Fi
lantrópicos.
Ressalta que a discussão travada neste writ não é referente a ser, ou
não, a entidade imune ou isenta, mas, isto sim, se ela tem direito, ou não,
ao Certificado de Filantropia. Logo, se lhe foi negado o indigitado Certi
ficado, tal aconteceu após todo um procedimento administrativo no qual
garantidos o contraditório e a ampla defesa, pois, "para se chegar à conclu
são de que a entidade não cumpriu o requisito em questão é necessária uma
perícia contábil, uma dilação probatória, que não se admite na via eleita".
Assevera que em nenhum momento o impetrante afirmou ter cumpri
do o requisito do inciso IV do art. 2l!. do Decreto nl!. 752/1993, nem tam
pouco trouxe aos autos qualquer prova contábil - o Balanço de 1993, ana
lisado pelo CNAS - que constatasse a aplicação de 20% de sua receita bruta
em gratuidades.
Discorre sobre as diferenças entre imunidade e isenção, reafirmando,
por fim, a inexistência de direito líquido e certo a amparar a pretensão.
A liminar foi por mim negada à fl. 71.
Parecer da Subprocuradoria Geral da República, às fls. 73/76, opinan
do pela extinção do processo sem julgamento do mérito, ou, caso ultrapas
sadas as preliminares, pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN (Relator): As preliminares
levantadas não prosperam, como em diversos precedentes abordando idên
tica matéria. Assim, em relação à alegada inépcia da inicial, à ilegitimida
de passiva e ainda quanto à impetração atacando lei em tese.
No mais, ao proferir voto-vista (vencido), por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança n"" 3.395-DF, destaquei o seguinte:
"Tendo o artigo 1l!. do Decreto-Lei nl!.1.572/1977 revogado a
Lei n"" 3.577/1959, que isentava da contribuição de previdência as en
tidades de fins filantrópicos reconhecidas de utilidade pública, cujos
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
48 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
diretores não percebiam remuneração (caso da entidade impetrante),
o § 1 ~ ressalvou que o preceito 'não prejudicará a instituição que te
nha sido reconhecida como de utilidade pública pelo Governo Fede
ral até a data da publicação deste Decreto-Lei, seja portadora de cer
tificado de entidade de fins filantrópicos com validade por prazo
indeterminado e esteja isenta daquela contribuição' (fi. 109).
Quer dizer, a isenção da quota patronal antes concedida à insti
tuição foi mantida pela Lei de 1977. Quanto a isso não há dúvida.
O problema está nas unidades mantidas como prolongamento das
atividades afins, criadas posteriormente, isto é, depois do Decreto-Lei
n~ 1.572/1977, expressão utilizada pela Circular n~ 150/1988 (fi.
137), que serviu de base à autuação (a circular e não a lei).
Dando aplicação aos termos da circular, entendeu o primeiro jul
gamento que as unidades criadas após a lei não estão mais abrangidas
pela isenção, ressalvando-se tão-somente as que já estivessem no gozo
do benefício, pois a nova lei não teve o escopo de ensejar novas isen
ções ou de ampliar as existentes.
Sucede que, atentamente examinado o texto (o texto da lez), in
fere-se que a lei assim não dispôs, não podendo a circular ir além. O
Decreto-Lei n~ 1.572 manteve a isenção à instituição como um todo,
à associação, pessoa jurídica de direito privado (art. 16 do Código
Civil), no sentido mais amplo. Também não se trata, efetivamente, de
nova isenção ou de ampliação, a não ser que se considerassem as uni
dades como peças autônomas, sem vínculo. Então, sim, a escola, dei
xando de integrar a instituição, não estaria isenta da quota patronal.
Mas não seria esta a hipótese vertente.
É a conclusão a que se chega através do exame detalhado da si
tuação em seu conjunto. Nem faria sentido que se isentasse a institui
ção, mas não as suas filiadas.
Dentro da mesma linha de raciocínio, se as unidades integram a
mesma instituição, não constituindo outra, não se vislumbra malferi
mento ao artigo 195, § 7~, da Constituição, mas sua estrita observân
cia, pois a pessoa jurídica mantenedora, como um todo, só gozava do
benefício porque atendia às exigências legais. E assim permaneceu,
pouco importando para decisão a natureza jurídica da contribuição e
o caráter de imunidade ou isenção conferida às entidades beneficen
tes de assistência social, teses largamente discutidas na doutrina."
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 49
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal veio a se manifestar, reiteradamente, como segue:
"Imunidade. Contribuição previdenciária. Entidade filantrópica. Lei n ll 3.577/1959. Decreto-Lei n ll 1.572/1977.
Dada a condição de entidade de assistência social, reconhecida de utilidade pública federal em data anterior ao Decreto-Lei n ll 1.572/ 1977, a recorrente teve preservada a sua situação isencional relativamente à quota patronal da contribuição previdenciária. Aplicação da tese acolhida pela Primeira Turma do STF no RMS n ll 22.192-9, ReI. Ministro Celso de Mello. Recurso provido. Segurança concedida" (Min. Ilmar Galvão, RMS n ll 22.360-3). No mesmo sentido: Min. Moreira Alves, RTJ, 137/965.
Seguindo a orientação traçada pela Corte Maior, este Tribunal, bem recentemente, pelo voto de desempate, também concedeu a segurança, em acórdão assim ementado:
"Imunidade. Contribuição previdenciária. Entidade filantrópica. Lei n ll 3.577/1959; art. 195, § 7ll, da Constituição Federal.
As entidades filantrópicas e beneficentes de assistência social, reconhecidas como de utilidade pública federal, de acordo com a legislação pertinente e anteriormente à promulgação do Decreto-Lei n ll
1.572/1977, tem direito adquirido à imunidade tributária e, em conseqüência, ao Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos.
Precedentes do STE
Segurança concedida por maioria de votos" (MS nil. 5.930-DF, Min. Demócrito Reinaldo).
Na linha dos precedentes, inclusive do Pretório Excelso, voto pela concessão da segurança.
MANDADO DE SEGURANÇA NQ. 5.964 - DF (Registro nil. 98.0069121-9)
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
50
Impetrante:
Advogado:
Impetrado:
Litisconsorte:
Advogado:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nacional Expresso Ltda
Rinaldo Aparecido Barros
Ministro de Estado dos Transportes
Expresso São Luiz Ltda
João Pessoa de Souza
Sustentação oral: Flávio Botelho Maldonado e Rinaldo Aparecido Barros (pela impetrante) e Adilson Ramos Júnior (pelo litisconsorte Expresso São Luiz Ltda)
EMENTA: I - Processual - Mandado de segurança - Empresa transportadora - Legitimidade - Permissão outorgada sem licitação.
- Empresa que se dedica ao transporte de passageiro tem interesse e legitimidade para impetrar mandado de segurança com o escopo de desconstituir outorga de linhas, sem licitação pública.
II - Administrativo - Ato nulo - Fundamento inidôneo.
- É nulo o ato administrativo que se apóia em fundamento inidôneo.
ACÓRDAo
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, por maioria, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, vencidos os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira, José Delgado e Demócrito Reinaldo, que denegaram a segurança. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior (voto-vista), Garcia Vieira e Hélio Mosimann.
Brasília-DF, 18 de junho de 1999 (data do julgamento).
Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Presidente.
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.
Publicado no DI de 20.03.2000.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: O eminente
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 51
Subprocurador-Geral da República Miguel Guskow, no relatório que ante
cede o parecer do Ministério Público, descreveu a lide, com estas palavras
(fls. 304/305):
"Cuida-se de mandado de segurança impetrado por Nacional
Expresso Ltda em face de ato do Excelentíssimo Sr. Ministro de Es
tado dos Transportes consistente na outorga de concessão do serviço
público de transporte coletivo à empresa Expresso São Luiz Ltda, sem
a observância do obrigatório procedimento licitatório.
Narra a impetrante que a litisconsorte passiva obteve, em
13.12.1986, autorização para realizar, pelo prazo de seis meses, via
gens estatísticas entre Mineiros-GO e São Paulo-SP, visando auferir
a demanda de passageiros entre as duas localidades.
Entretanto, diante da irresignação das demais empresas do setor
de transportes, a autorização foi revogada pela Administração, sendo
que tal ato revogatório foi sustado através de sentença mandamental,
que assegurou à litisconsorte passiva o cumprimento do prazo de seis
meses, extinguindo-se, em 27.06.1988, a precária autorização.
Em 1996, com base no Decreto nQ. 952, de 07.10.1993, a litis
consorte passiva necessária postulou administrativamente a revitali
zação da autorização extinta, não obtendo êxito na sua pretensão até
o provimento de pedido de reconsideração, que restou revogado ante
a sua flagrante ilegalidade, visto que à Empresa de Transportes Ando
rinha S/A estava assegurada, através de liminar, a operação do trecho
Mineiros-GO - São Paulo-SP.
Entretanto, alega a impetrante que, em 20.02.1998, cinqüenta
dias depois do reconhecimento da ilegalidade da autorização concedida
à litisconsorte passiva, a autoridade coatora autorizou a empresa a ope
rar a linha em apreço pelo prazo de 120 dias, ao argumento de exis
tência de compromissos com usuários
Expirado o prazo da autorização, a autoridade coatora, desconsi
derando a ordem jurídico-constitucional, em 12.06.1998, outorgou a
concessão da linha Mineiros-GO - São Paulo-SP à litisconsorte pasSIva.
Entende a impetrante que o ato atacado feriu a coisa julgada e o
princípio da segurança jurídica, além de ser nulo, porque os motivos
que o fundamentam são falsos, seu objeto é ilícito e sua finalidade está
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
52 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
desviada para privilegiar a empresa-litisconsorte, em prejuízo do prin
cípio da impessoalidade e da legalidade a cuja observância está atre
lada à Administração Pública.
À fl. 186, o Excelentíssimo Sr. Ministro-Relator solicitou as in
formações que foram prestadas às fls. 190/196, aduzindo, em síntese,
a autoridade coatora, preliminarmente, a ausência de prova pré-cons
tituída, e, no mérito, que, enquanto prepara os procedimentos
licitatórios de todas as linhas de transporte, não pode permitir que o
serviço público em apreço seja paralisado, em face do princípio da con
tinuidade; pretendendo, assim, a impetrante, monopolizar um merca
do, na ânsia de obter lucros sempre e cada vez maiores, sem atender
para o interesse do principal alvo do serviço público, ou seja, o usuá
rio, que fica sem o direito de escolher a empresa que melhor lhe con
vém, em decorrência do conforto, segurança, modicidade da tarifa e
horários mais flexíveis, contrariando todos os princípios que devem
nortear esse tipo de serviço público (fl. 195)."
Como registrou o relatório que acabo de reproduzir, as informações
dizem:
a) a impetrante não demonstrou que a exploração da linha Mineiros
a São Paulo lhe cause prejuízo. Tal demonstração - no entender do Sr. Mi
nistro - é necessária ao deslinde da controvérsia;
b) a União está promovendo licitação, com o objetivo de outorgar per
missões relativas a algumas linhas e continuará a promover certames desta
natureza, até abranger todo o território brasileiro;
c) para atingir tal objetivo, fazem-se necessários estudos acurados, a
requisitarem tempo e dinheiro. Frente às dificuldades cronológicas e finan
ceiras, o plano de regularização é executado aos poucos;
d) o transporte de passageiros, entretanto, não pode parar. Assim, por
efeito de outorgas precárias ou decisões judiciais (como é o caso da impe
trante e da litisconsorte passiva), evita-se que o serviço público tenha solu
ção de continuidade;
e) a exploração de linha Mineiro - São Paulo foi reconhecida à litis
consorte passiva, por força de mandado de segurança concedido em 1988
pelo Tribunal Federal de Recursos, no Processo n!2 127.480;
f) o Regulamento do Transporte Interestadual de Passageiros (Decreto
n!2 2.521/1998) reserva à União Federal o direito de autorizar ou permitir
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SECÃO 53
a exploração do transporte rodoviário interestadual ou internacional (art. 1 Q.);
g) a pretensão de a impetrante exercer monopólio, em região onde a demanda exige a participação de várias empresas carece de fundamento;
h) as duas linhas não observam o mesmo itinerário, em verdade, o percurso da linha explorada pela litisconsorte é sensivelmente mais longo, com
duas escalas a mais que aquele observado pela impetrante (doc. de fI. 18);
i) em sendo mais longo o percurso executado pela litisconsorte, não
se admite que alguém o escolha, desprezando o caminho mais curto e rápido, observado pela impetrante;
j) a impetrante visa, em última análise, subverter o princípio da inde
pendência dos Poderes, fazendo com que o Judiciário substitua a Administração;
k) em deferindo a segurança - sem prova idônea de prejuízo - o Su
perior Tribunal de Justiça estaria exercendo função administrativa.
A litisconsorte passiva ofereceu contestação, dizendo, em suma:
a) explora, desde 1986, o transporte rodoviário entre Mineiros e São
Paulo. Faz isto, por efeito de autorização passada pelo DNER, na vigência
do antigo regulamento (Decreto nU 92.353/1986);
b) o Tribunal Federal de Recursos, em acórdão com trânsito em julgado, equiparou o ato que autorizou a referida exploração, a "verdadeira
permissão de serviços" (MS nU 127.480);
c) a velha permissão foi mantida, conforme previsão do art. 94 do Decreto nU 952/1993;
d) não faz sentido, assim, qualquer impugnação ao exercício desta li
nha - tanto mais, quando a impetrante não opera a linha Mineiros - São Paulo.
o parecer do Ministério Público Federal recomenda a concessão da segurança.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):
O ato malsinado foi praticado sob o argumento de que a litisconsorte pas
siva tem, em seu favor, mandado de segurança passado pelo Tribunal Fe
deral de Recursos, declarando-a permissionária do serviço de transportes.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
54 REVISTADO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Tal permissão - continua o despacho - foi desacatada por sentença de l.\l. grau, deferindo mandado de segurança em favor de outra pessoa jurídi
ca, não integrante deste processo.
Reconhecido o desacato, o Sr. Ministro determinou não se cumprisse
a sentença, até o trânsito em julgado do processo em que ela fora prolatada.
Como se percebe, o ato relaciona-se com processo em curso na Justi
ça Federal. Seu escopo, diz o Sr. Ministro de Estado, é prevenir alterações
no estado de fato sub judice.
O tema é, assim, objeto de discussão em processo judicial, envolven
do a litisconsorte passiva e outra pessoa jurídica.
Essa circunstância, entretanto, não impede o exame deste processo pelo
Superior Tribunal de Justiça.
É verdade que a concessão da segurança ora pleiteada pode tornar pre
judicada a lide objeto daquele processo. Tal circunstância, contudo, não re
tira à ora impetrante, o direito de ação.
Destaco outra questão preliminar: a impetrante pretende mandado de
segurança, para que - em declarando a nulidade do ato administrativo que
prorrogou a exploração do trecho malsinado - o Tribunal determine a
extinção do serviço explorado pela litisconsorte passiva.
Afirma que a linha operada pela litisconsorte passiva lhe causa preju
ízo, porque retira clientes da linha entre Goiânia e São Paulo, regularmente
operada por ela; daí, seu interesse.
É que a litisconsorte passiva explora linha estadual entre Goiânia e
Jataí - cidade cortada pela linha Mineiros - São Paulo. AssIm, a litiscon
sorte vende passagens para Jataí, onde os passageiros são transferidos para
ônibus destinados a São Paulo.
A petição inicial é ilustrada com gráfico em que se traça o roteiro se
guido pela impetrante e aquele observado pela litisconsorte, para transportar
passageiros entre Goiânia e São Paulo.
O pedido de segurança veio acompanhado de cópias de passagens ven
didas pela litisconsorte, nos trechos Goiânia - Jataí e Mineiros - São Paulo.
O Sr. Ministro impetrado nega a existência de tal prejuízo, observando
que o percurso Goiânia - São Paulo através de Jataí é sensivelmente mais
longo. Não se pode, assim, conceber que alguém despreze o itinerário mais
curto e rápido e prefira outro, mais lento e comprido.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 55
A impetrante não conseguiu elidir esse argumento.
A ação de mandado de segurança está subordinada ao adimplemento
de várias condições, entre elas, o interesse jurídico e a legitimidade (RMS
n ll 6.364).
A impetrante não demonstrou satisfatoriamente seu interesse.
Tenho para mim, que, em se dedicando ao transporte interurbano de
passageiros, a impetrante, tem interesse em ver as diversas linhas coloca
das em licitação pública, através da qual poderá obter concessão para as
explorar.
No mérito, concedo a segurança: não procede o argumento de que a
sentença de III grau, concessiva de segurança à adversária de Expresso São
Luiz, desacata o acórdão do TFR, em favor desta.
Em verdade, o velho acórdão limitou-se a determinar se respeitasse o
prazo de seis meses estabelecido para a velha permissão outorgada a título
provisório. A sentença da Justiça Federal não o desacatou.
O despacho malsinado apóia-se em fundamento inidôneo.
Concedo a segurança.
ADITAMENTO AO VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Sr. Presidente, a vibrante sustentação oral desenvolvida pelo eminente advo
gado Adilson Ramos Filho, realmente, é de admirável coragem e expressão,
no entanto, a meu ver, comete uma injustiça com relação ao eminente ad
vogado da contraparte e ao Ministério Público. Como deixou claro o emi
nente Subprocurador-Geral da República, Antônio Fernando, em verdade,
o acórdão do Tribunal Federal de Recursos outorgou a segurança para ga
rantir a validade da permissão pelo prazo de 6 meses, descontados os dias
já comunicados. Havia uma permissão experimental, que foi outorgada por
6 meses. Antes desse prazo, a Administração, entendendo que havia come
tido uma ilegalidade, cancelou essa permissão. Gerou-se aquele mandado de
segurança, que foi concedido pelo Tribunal Federal de Recursos, ao funda
mento de que os 6 meses deveriam ser respeitados. Houve embargos declaratórios e o Tribunal, rejeitando-os, deixou claro que se fixara o pra
zo mínimo. O DNER estava proibido de ampliá-lo. Tanto podia ser a per
missão extinta, findo o prazo, como não. Essa é a extensão do acórdão do
Tribunal Federal de Recursos. Na verdade, parecem-me que não houve de
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
56 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
nenhuma das partes intenção que possa ser classificada como ato de liti
gância de má-fé.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Sob o telheiro das dúvidas surgidas, no viés regimental, solicitei vista para fazer direto exame das peças informativas, colhendo que a impetração objetiva "anular ato que outorgou concessão de serviço público sem o procedimento licitatório", ferindo os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade e mora
lidade.
Diante da pretensão recorda-se que o ato impugnado tem o seguinte
conteúdo:
" ... Assunto: Pedido de reexame da permissão para exploração da
linha Mineiros-GO - São Paulo-SP, e requer a insubsistência do ato ministerial que revogou o despacho do Diretor do DTR-MT, publicado no DOU de 31.12.1997. Despacho: Em razão do reconhecimento por parte do egrégio Tribunal Federal de Recursos ao julgar o Mandado de Segurança n!.l 127.480-RJ, em 08.06.1988, transitado em julgado em 30.09.1988,'reconhecendo o ato administrativo que autorizou a interessada a prestar serviço público referente à linha Mineiros-GO -São Paulo-SP, pelo prazo mínimo de seis meses e, em havendo uma
sentença de primeira instância da Justiça Federal-RJ, prolatado no AMS n!.l 924.7874, incompossível com aquela de grau superior, na defesa do
interesse público, determino a insubsistência do ato de suspensão do
mencionado ato revogatório, publicado no DOU de 16.02.1998, bem assim o conseqüente restabelecimento da exeqüibilidade do despacho deferitório do Sr. Diretor do Departamento de Transportes Rodoviários publicado no DOU de 23.07.1997, até o trânsito em julgado da
matéria ora sub judice, consoante os termos do Parecer Conjur-MT n!.l 53/1998, aprovado pelo Despacho Conjur-MT n!.l 370/1998, da lavra do Sr. Consultor Jurídico deste Ministério, por mim adotado. Pu
blique-se." (fi. 53).
Esse provimento decorreu de outro assim redigido:
"Despacho: Determino a revogação do ato praticado pelo Sr. Diretor de Departamento de Transportes Rodoviários, publicado no
RSTJ, Brasília, a, 12, (133): 15-88, setembro 2000,
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 57
DOU, no dia 23.07.1997, por ser atentatório à ação mandamental de
segurança que assegura à interessada o direito líquido e certo na opera
ção dos serviços pleiteados, bem assim por contrariar a jurisprudên
cia dominante da douta Advocacia Geral da União que impõe ao ad
ministrador público o dever de, quando a matéria acha-se sub judice,
aguardar o deslinde da demanda para, somente depois, cumprir o decisu111, tudo em conformidade com o Parecer Conjur-MT nJ:!. 288/
1997, aprovado pelo Despacho Conjur-MT nJ:!. 981/1997, do Sr. Con
sultor Jurídico deste Ministério, por mim adotado. Publique-se." (fi.
45).
Nesse contexto, o eminente Relator proferiu o seu voto, textualmente:
"O ato malsinado foi praticado sob o argumento de que a litisconsorte passiva tem, em seu favor, mandado de segurança passado pelo
Tribunal Federal de Recursos, declarando-a permissionária do servi
ço de transportes.
Tal permissão - continua o despacho - foi desacatada por senten
ça de 1 J:!. grau, deferindo mandado de segurança em favor de outra pes
soa jurídica, não integrante deste processo.
Reconhecido o desacato, o Sr. Ministro determinou não se cum
prisse a sentença, até o trânsito em julgado do processo em que ela fora prolatada.
Como se percebe, o ato relaciona-se com processo em curso na
Justiça Federal. Seu escopo, diz o Sr. Ministro de Estado, é prevenir
alterações no estado de fato sub judice.
O tema é, assim, objeto de discussão em processo judicial, envol
vendo a litisconsorte passiva e outra pessoa jurídica.
Essa circunstância, entretanto, não impede o exame deste proces
so pelo Superior Tribunal de Justiça.
É verdade que a concessão da segurança ora pleiteada pode tor
nar prejudicada a lide objeto daquele processo. Tal circunstância, contudo, não retira à ora impetrante, o direito de ação.
Destaco outra questão preliminar: a impetrante pretende mandado
de segurança, para que - em declarando a nulidade do ato administra
tivo que prorrogou a exploração do trecho malsinado - o Tribunal de
termine a extinção do serviço explorado pela litisconsorte passiva.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
58 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Afirma que a linha operada pela litisconsorte passiva lhe causa
prejuízo, porque retira clientes da linha entre Goiânia e São Paulo,
regularmente operada por ela; daí, seu interesse.
É que a litisconsorte passiva explora linha estadual entre Goiânia
e Jataí - cidade cortada pela linha Mineiros - São Paulo. Assim, a litisconsorte vende passagens para J ataí, onde os passageiros são trans
feridos para ônibus destinados a São Paulo.
A petição inicial é ilustrada com gráfico em que se traça o roteiro seguido pela impetrante e aquele observado pela litisconsorte, para transportar passageiros entre Goiânia e São Paulo.
O pedido de segurança veio acompanhado de cópias de passagens vendidas pela litisconsorte, nos trechos Goiânia - Jataí e Mineiros -
São Paulo.
O Sr. Ministro impetrado nega a existência de tal prejuízo, observando que o percurso Goiânia - São Paulo através de Jataí é sen
sivelmente mais longo. Não se pode, assim, conceber que alguém despreze o itinerário mais curto e rápido e prefira outro, mais lento e comprido.
A impetrante não conseguiu elidir esse argumento.
A ação de mandado de segurança está subordinada ao adimplemento de várias condições, entre elas, o interesse jurídico e a legiti
midade (RMS n"" 6.364).
A impetrante não demonstrou satisfatoriamente seu interesse.
Tenho para mim, que ela, em se dedicando ao transporte interur
bano de passageiros, a impetrante, tem interesse em ver as diversas li
nhas colocadas em licitação pública, através da qual poderá obter con
cessão para as explorar.
No mérito, concedo a segurança: não procede o argumento de que a sentença de 1"" grau, concessiva de segurança à adversária de Expres
so São Luiz, desacata o acórdão do TFR, em favor desta.
Em verdade, o velho acórdão limitou-se a determinar se respei
tasse o prazo de seis meses estabelecido para a velha permissão outor
gada a título provisório. A sentença da Justiça Federal não o desaca
tou.
O despacho malsinado apóia-se em fundamento inidôneo.
Concedo a segurança."
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 59
Atualizados os antecedentes da impetração e a solução constituída pelo Sr. Ministro-Relator, observa-se que os atos tiveram como ponto central motivador v. acórdão do extinto Tribunal Federal de Recursos, resumido na seguinte ementa:
"Administrativo. Serviço público. Permissão. Estudo para criação de linha.
1. Outorgada a permissão, com prazo mínimo fixado, destinada a 'verificar a viabilidade de licitação' de linha de transporte coletivo de passageiros, a revogação sem demonstração de interesse público subjacente, feriu direito da impetrante.
2. Segurança concedida." (fi. 58).
Ergue-se que a autorização, inicialmente, foi dada "em caráter experimental", assinalando o voto-condutor "o prazo de seis meses" para ligação entre as cidades de l\1.ineiros-GO e São Paulo (Capital), decorrente de anterior justificação administrativa: "para efetuar uma pesquisa estatística, para verificação de demanda ... " (fls. 55/56). Acentuou o julgado na sua parte dispositiva:
"A modalidade das viagens permitidas, tal como se apura nos autos decorreu de outorga 'destinada estudar demanda transporte passageiros ligação Mineiros-GO e São Paulo-SP vg fim verificar viabilidade licitação da mesma." (fi. 75).
À vista fácil, sublinha-se a precariedade da permissão discricionariamente deferida pela Administração, sob o talante de cláusula temporal -prazo certo -, evidenciada no mencionado aresto:
"De todo o exposto, concluo que, se não demonstrada a existência de interesse público subjacente justificando a revogação da permissão com prazo certo, o ato é ilegal.
Assim, concedo a segurança, para assegurar a validade da permissão pelo prazo de 6 (seis) meses, descontados os dias já consumidos." (fi. 75).
Significa dizer que a recordada segurança fundou-se na ilegalidade do ato que, abruptamente, então revogou permissão por prazo certo, notoriamente, sem assegurar à impetrante (Expresso São Luiz Ltda), o direito de
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
60 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
continuar a ligação sob a mesma justificação inicial: "verificar a viabilida
de de licitação". Esta, sim, via para consolidar o direito à adjudicação dos
serviços de transporte coletivo.
Adita-se que, no julgamento dos embargos declaratórios, a tempora
neidade não foi desfigurada, limitando-se correspondente acórdão a escla
recer:
( ... )
"No meu voto, momento algum, disse que o DNER estava ou está
proibido de ampliar o prazo mínimo de permissão ou tê-la por cum
prida, exaurida a finalidade. Dizer que a permissão fora dada por pra
zo mínimo de seis meses significa que, outrossim, tanto pode ser ex
tinta findo esse prazo quanto não. Acentuei, isto sim, que o prazo mí
nimo de seis meses é que não podia ser diminuído." (fls. 79/80).
A bem se ver, a ilegalidade reconhecida teve sede no descumprimento
do prazo fixado inicialmente - seis meses -, cujo tempo deveria ser respei
tado, conforme lineou o aludido aresto ao conceder a segurança:
" ... Toda permissão é, por sua natureza, precária e se presta à exe
cução de serviços ou de atividades transitórias, ou mesmo permanen
tes. Mas, como lembra Hely Lopes Meirelles (ob. e voI. cit., pp. 141/ 142), pode ser condicionada e com prazo determinado para a sua vi
gência, modalidade empregada nas permissões de transporte coletivo
e em outras que 'exigem altos investimentos para a execução do ser
viço, tornando-se necessário garantir ao permissionário um tempo mí
nimo de operação em condições rentáveis. Se o interesse público exigir
a revogação ou a alteração de tais permissões, a Administração pode
rá fazê-lo, desde que indenize o permissionário dos danos que o
descumprimento do prazo ou das condições da outorga lhe causar.'
Quer dizer, apenas com o deferimento da permissão é que se constituem os direitos do permissionário. No caso, de efetuar pelo pra
zo definido - seis meses - o estudo da viabilidade da criação da linha,
no interesse público.
Diógenes Gasparini (ob. e voI. cito nJ.1. 22) lembra que a 'permis
são, quando outorgada com prazo certo, extingue-se ao se vencer a
dilação temporal'. O decurso do prazo põe fim ao desfrute do privi
légio.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 61
E acrescenta:
'Só é possível a revogação se a comandá-la estiver um in
teresse coletivo.
Assim, se necessária a revogação, impõe-se a indenização em
decorrência do princípio estabelecido no § F do art. 153 da Lei
Maior.'
De tal modo, a paralisação do serviço determinada pelo mesmo
Engenheiro-Chefe de 122 DRF, em 21.10.1986 (fl. 20), que certificou
a inexistência da linha, não tem o amparo legal do art. 112, que lhe
pretendeu conferir, pois a impetrante recebeu permissão da autorida
de competente, e com prazo estipulado." (fls. 73/74).
Nem poderia ser diferente, porque, à falta de licitação pública, nos li
mites de específica finalidade (estatística da demanda), vencido o prazo, fi
caria extinta a permissão precária ou discricionariamente, se prorrogada,
continuaria sob o timbre da provisoriedade. A incidência, pois do julgado,
restringiu-se ao ato que fixou o prazo de seis meses, mas sem nenhum óbice
às deliberações administrativas futuras.
Enfim, se bem que permitido o transporte, não se constituiu o direito
adquirido à exploração continuada da ligação rodoviária em comento.
Nessa esteira é que a impetrante sustenta a ilegalidade do ato sob exa-
me.
Procurando a solução, no ponto, demonstrado que, após o prazo de seis
meses, o administrador podia entender extinto o prazo, prorrogá-lo ou não,
parece-me não se afeiçoar a ilegalidade, à vista de critérios e informações
de natureza administrativa, certamente considerados pela autoridade
indigitada como coatora para restabelecer os efeitos de anterior decisão do
Diretor do Departamento de Transportes Rodoviários (fls. 53, 99 e 100),
persistindo a cláusula da temporaneidade. Nesse interregno, outrossim, des
figurando-se a afronta ao artigo 174, Constituição Federal. As eventuais
interrupções ocorridas não desnaturam as razões postas.
Também aviva-se que o ato combatido, mesmo após a agregação de
mais cento e vinte dias (fl. 115 - in fine), não adjudicou os questionados
serviços de transporte coletivo, dependente de licitação pública, limitando
se a formalizar a sua continuação precária "até o trânsito em julgado da
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
62 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
matéria sub judice" (fl. 194). Desse modo, à vista do aresto do extinto Tri
bunal Federal de Recursos, trazido à colação, ainda que não defina o "di
reito adquirido" em favor do Expresso São Luiz Ltda, não assentou a
improrrogabilidade da comentada permissão precária. É certo que não pode
perdurar indefinidamente. Donde a explicitação: "até o trânsito em julga
do da matéria sub judice".
Noutro campo de análise, quanto ao especial aspecto da legalidade
formal do ato ferretado, divisa-se a presença dos requisitos da competên
cia, motivação, causa, conteúdo e finalidade, não podendo ser acoimado de
ilegal.
Por derradeiro, anota-se que os julgados copiados às fls. 121 a 131 e
127 a 168, com vinculações aos fatos originários (iniciado em 1986), por
si, não obstaculizam a motivação e conclusão aqui aduzidas.
Tudo comentado, em que pese ao cipoal dos acontecimentos factuais
e jurídicos, plasma-se que a continuação de permissão precária não vulnerou
a legalidade. Deveras, os atos sucessivos apenas preordenaram situação ad
ministrativa anteriormente definida e considerada no MS n>l. 117.232-RJ,
julgado no extinto Tribunal Federal de Recursos (fls. 58/75).
Na vivência dos dissertados motivos, clareado que, embora não cons
tituído o direito adquirido nem adjudicação definitiva à permissão decor
rente de licitação pública ou decorrente de título judicial, compreendendo
que o ato verberado não tem o estigma da ilegalidade, soçobrando a arti
culação de pretendido direito líquido e certo, manifestando vênias ao emi
nente relator, voto denegando a segurança.
É o voto-vista.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: O eminente Ministro Hum
berto Gomes de Barros, ao votar pela concessão da segurança, considerou
afrontoso a direito líquido e certo da impetrante, o ato administrativo ata
cado que concedeu outorga de permissão de serviço público de transporte
coletivo à empresa Expresso São Luiz Ltda, sem observância do obrigató
rio procedimento licitatório.
A referida manifestação do eminente relator foi antecedida com o re
conhecimento da existência de interesse jurídico da impetrante para
desconstituir o ato malsinado, tendo em vista ser exploradora dos serviços
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 63
de transporte interurbano de passageiros, em percurso idêntico ao concedido
para exploração ao Expresso São Luiz Ltda, pelo que lhe cabe defender a
abertura de licitação pública, através da qual poderá concorrer e obter con
cessão para explorá-la.
O eminente Ministro Milton Luiz Pereira denegou a segurança, sob o
argumento de não visualizar a cristalização de direito líquido e certo a socorrer a impetrante.
Com vista dos autos, apresento o meu voto.
Com a devida vênia, ao eminente Ministro Humberto Gomes de Bar
ros, digníssimo relator, acompanho o entendimento posto pelo voto diver
gente.
O exame do ato apontado como coator não revela estar o mesmo con
taminado pela ilegalidade, em face dos seguintes aspectos que estão presentes
na sua constituição:
a) o ato administrativo atacado não apresenta, em sua essência, caracterização que possibilite ser considerado como sendo uma outorga de concessão de serviço público, por seu exame conduzir a ser compreendido, ape
nas, como uma permissão precária para a exploração da linha Mineiros-GO
- São Paulo-SP, enquanto transitam em julgado ações judiciais onde são
discutidos aspectos relativos ao mencionado relacionamento da empresa
Expresso São Luiz com o Poder Público;
b) a autoridade apontada como coatora, ao expedir o ato atacado pela
impetrante, considerou razoável a argumentação posta no parecer jurídico
apresentado pela sua assessoria, cujos termos transcrevo (fls. 47/51):
"Ressalta-se, que diante dessa decisão recebeu a requerente o
Ofício SV/TR n"- 12.03503/1987, expedido pelo DNER, determinan
do a continuidade do serviço, e, em conseqüência, expediu quadro
tarifário e os seccionamentos que deveriam ser operados, ou seja, o
DNER autorizou, sob o instituto da autorização ou permissão, a ope
ração da linha Mineiros-GO - São Paulo-SP, dando-lhes suas características operacionais, pelo prazo mínimo de seis meses, prorrogáveis
a critério do poder concedente.
Em função do prazo mínimo de 6 (seis) meses, e dos procedi
mentos acima adotados pelo DNER, observa-se que a requerente vem
normalmente, desde a data de 13.10.1986, operando aqueles serviços, sofrendo fiscalização e multas pelo órgão competente, sendo autuado
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
64 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DEJUSTIÇi\
por motivos outros, nunca, entretanto, por estar operando irregular
mente a mencionada linha.
Sobre essa questão, valemo-nos dos ensinamentos de José Cretella Júnior, que define o poder de auto tutela que tem a Administra
ção para erigir-se em fiscal ou tutor de si mesma, a seguir transcrito:
'Auto tutela é o poder que tem a Administração de fiscalizar
os próprios atos editados, mantendo-os, se legais, oportunos, con
venientes, desfazendo-os em caso contrário.'
Destarte, a insurgência contra o ato administrativo em questão,
pela Empresa de Transportes Andorinha S/A, junto à 24;1 Vara da Jus
tiça Federal do Rio de Janeiro, resultou na sentença prolatada pelo
MM. Juiz Federal, no Mandado de Segurança nQ 92.47874, que teve
como litisconsorte passiva a requerente, in verbis:
'Isto posto:
Concedo a segurança, nos termos do. pedido inicial. Comu
nique-se, oficiando-se à autoridade apontada como coatora, ou
quem suas vezes fizer, para imediato cumprimento. Sentença su
jeita a reexame necessário do egrégio Tribunal Regional Federal da 2;1 Região.
P.P.I.
Rio de Janeiro, 21 de março de 1995.
a) Rogério Vieira de Carvalho - Juiz Federal da 24;1 Vara.'
Através de pedido de reconsideração por parte da requerente,
houve o despacho deferitório que trata de regularização da linha de
transporte rodoviário interestadual de passageiros, entre as localidades
de Mineiros-GO e São Paulo-SP, com os seccionamentos, com base
no art. 94 do Decreto nQ 952/1993, e na documentação que instrui o
processo, publicado em 23.07.1997.
Após a determinação judicial do MM. Juiz Federal da 24;1 Vara,
aquele órgão foi oficiado e mediante o Parecer Conjur-MT n Q 288/
1997, aprovado pelo Despacho Conjur-MT nQ 981/1997, do Sr. Con
sultor Jurídico desta Pasta, recomendou-se, tendo em vista achar-se a
questão sub judice, aguardar o deslinde final.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 65
Entretanto, em face das substanciais razões apresentadas pela requerente, mormente no que tange ao resguardo do direito do usuário,
a finalidade precípua do ato administrativo, fora suspenso o ato revogatório pelo prazo improrrogável de cento e vinte dias.
Todavia, retorna a requerente aos autos do presente processo, requerendo reexame da matéria sob os argumentos de que é titular de
autorização regular fundamentada nos termos do Ofício DRITP n.!l
187, de 13.10.1986, da antiga Diretoria de Transportes de Passagei
ros do DNER e sob a égide do Decreto n.!l 92.353/1986.
A autorização concedida pelo DNER pelo prazo de seis meses, à requerente, veio a ser reconhecida por decisão unânime do antigo Tri
bunal Federal de Recursos, no julgamento da AMS n.!l 117 .232-RJ, pela
Segunda Turma, em 17.11.1987, ReI. Min. Costa Lima, transitado
em julgado e com espeque nesta decisão, vem a requerente exploran
do a linha Mineiros-GO - São Paulo-SP, desde 13.10.1986, até os
dias atuais.
Instado o Departamento de Transportes Rodoviários, manifestou
se através da Informação n.!l98 DTRlSTT/MT, de 17.07.1997, a respeito da referida matéria encontrar-se sub judice, verbis:
'8. O fato de a matéria estar sub judice não tem inviabi
lizado o deferimento de pleitos semelhantes, pois o próprio
Departamento de Transportes Rodoviários, regularizou as linhas
Ijuí/Canarana e Ijuí/Guarantã processos administrativos
50400.000728/1995 em favor da empresa Viação Ouro e Prata, matéria sub judice na 211. Vara Federal de Porto Alegre-RS.'
E acrescenta: 'Os pedidos de reconhecimento de regularização dos
serviços de exploração do Transporte Interestadual de Passageiros pelo
Departamento de Transportes Rodoviários são analisados e deferidos
em função do reconhecimento de autorizações concedidas pelo DNER,
anteriormente ao advento do Decreto nl.l. 952, de 7 de outubro de 1993'.
É de se ressaltar que a decisão prolatada no MS nl.l. 92.47874,
concedendo a segurança à Empresa de Transportes Andorinha SI A,
para exploração da linha operada pela requerente, torna-se incom
possível com aquela reconhecida pelo egrégio Tribunal Federal de Recursos a ora interessada.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
66 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nesse sentido, há de se consignar que há uma decisão que transitou em julgado em 30.09.1997, asseverando que os serviços explo
rados pela requerente tratavam-se de 'verdadeira permissão de servi
ços' em que se observou um procedimento administrativo, aduzindo, ainda, que houve um procedimento sumário ao som do que se lê no inciso II do art. 11 do Decreto nQ 92.353/1986.
Por outro lado, há uma sentença de primeira instância, apelada
pela ora requerente, que decidiu contrariamente àquela do extinto Tri
bunal Federal de Recursos que ao final, reconhecerá ou não, o direito da requerente em explorar a linha em questão.
Assim, ad cautelalll, deve-se considerar o decisulll do extinto
Tribunal Federal de Recursos, razão porque houve o deferimento da permissão a interessado, por um Tribunal Superior, constituindo direi
tos da permissionária, garantia jurídica, e a propósito, retorno às lições do saudoso professor He1y Lopes Meirelles:
'A permissão é, em princípio discricionária e precária, mas admite condições e prazos para exploração do serviço, a fim de
garantir rentabilidade e assegurar a ampliação do investimento do permissionário visando atrair a iniciativa privada.' (Direito Administrativo Brasileiro, p. 324).
Recorro ainda, ao ilustre professor Diógenes Gasparini (Enci
clopédia Saraiva do Direito, vaI. 58, pp. 170/180), verbis:
' ... para nós, a permissão de serviço público é o ato admi
nistrativo pelo qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certos serviços que lhe são privativos a terceiros que, para isso, manifeste interesse, e que se
remunerará adequadamente, mediante a cobrança dos usuários de tarifas previamente aprovadas.'
Sob esse prisma, verifica-se que em razão da exploração da linha
mencionada, a empresa investiu em aquisição ou aluguel de ônibus,
contratou motoristas, mecânicos, locais para venda de bilhetes, o que
acarretou investimentos por sua parte, no propósito de ter garantida a
sua rentabilidade e assegurar a recuperação do investimento além do
que há o objetivo precípuo que está consubstanciado na defesa do interesse público.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊN elA DA PRIMEIRA SEÇÃO 67
Em última análise, 'os fins da Administração se consubstanciam
na defesa do interesse público, assim entendidas as aspirações ou van
tagens licitamente almejadas por toda a comunidade administrada, ou
por uma parte expressiva de seus membros', e ainda: 'Os fins da Ad
ministração Pública se resumem num único objetivo: o bem comum da
coletividade administrativa. Toda atividade do administrador público
deve ser orientada para esse objetivo'. Ou seja, se o administrador se
afasta ou desvia dessa finalidade trai o :munus público de que está
investido e todo ato administrativo que não for praticado no interes
se do bem-estar so cial, será ilícito e imoral.
III - Da Conclusão
Diante dos fundamentos de fato e de direito, a defesa do interesse
público, mormente o reconhecimento definitivo por parte do extinto
Tribunal Federal de Recursos ao julgar o Mandado de Segurança n"'-
127.480-RJ, 08.06.1988, transitado em julgado em 30.09.1988 (cer
tidão anexa), de que o ato administrativo que autorizou a operação da
linha Mineiros-GO - São Paulo-SP e constituía em 'verdadeira per
missão de serviços', motivo pelo qual a requerente obteve autorização
para prestar aludido serviço público pelo prazo mínimo de seis meses
e, em havendo uma sentença de primeira instância da Justiça Federal
do Rio de Janeiro, prolatada no Mandado de Segurança n"'- 92.47874,
incompossível com aquela de grau superior, opinamos pela insubsis
tência do despacho ministerial publicado no DOU em 3l.12.1997, que
determinou a revogação do ato praticado pelo Sr. Diretor do Depar
tamento de Transportes Rodoviários publicado no DOU de 03.07.1997
e, em conseqüência, a insubsistência do ato de suspensão do mencio
nado ato revogatório, publicado no DOU de 16.02.1998, bem assim
o conseguinte restabelecimento da exeqüibilidade do despacho
deferitório do Sr. Diretor do Departamento de Transportes Rodoviá
rios publicado no DOU em 23.07.1997 até o trânsito em julgado da matéria ora sub judice."
Evidenciado está nos autos que a litisconsorte passiva necessária ex
plorava, sem interrupção, sob a figura de permissão e por autorização ju
dicial, a linha Mineiros-GO - São Paulo-SP, desde a data de 13.10.1986,
portanto, há mais de doze anos.
Esse fato está comprovado com os documentos de fls. 220 e 221, em
combinação com o afirmado por Expresso São Luiz Ltda à fl. 205:
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
68 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
"Mercê de autorização regular, estampada nos termos do Ofício
DRlTP n"" 187, de 13.10.1986, da antiga Diretoria de Transportes de
Passageiros do DNER e, posteriormente, pelo Telex ni2. 45, de
23.12.1987, do 8"" e 12"" DRF-DNER, ainda na vigência do antigo Re
gulamento dos Serviços Rodoviários Interestaduais e Internacionais de
Transportes Coletivos de Passageiros, aprovado pelo Decreto n""
92.353, de 3l.0l.1986, a litisconsorte vem executando, sem interrup
ção, os serviços da rota Mineiros-GO - São Paulo-SP, bem como os
seccionamentos existentes passando pelas cidades de Jataí-GO, Ribei
rão Preto-SP e Campinas-SP."
Nenhuma prova foi depositada no curso da lide que elidisse essa si
tuação de fato e que tem reflexos de alta consideração e efeitos na presta
ção do mencionado serviço público.
Destaco, outrossim, que a autoridade impetrada, em suas informações,
registra que o ato atacado está obedecendo ao decidido em sentenças judi
ciais lavradas sobre os mesmos fatos, pelo que, ad cautelalll, não deve ser
modificado, pela via administrativa, o que tais decisões já apreciaram.
O pronunciamento da autoridade impetrada, a respeito do acima
enfocado é o seguinte (fls. 194/195):
"Conforme ficou bem claro no Parecer Conjur-MT n"" 53/1998
acostado aos autos, objeto do presente lllandalllus, o reexame da per
missão para exploração da linha Mineiros-GO - São Paulo-SP se de
veu, principalmente em decorrência de reconhecimento, por parte do
então Tribunal Federal de Recursos, que ao julgar o Mandado de Se
gurança n"" 127.480-RJ, em 08.06.1988, transitado em julgado em
30.09.1988, 'reconheceu o ato administrativo que autorizou o Expresso
São Luiz a prestar serviço público referente à linha Mineiros-GO -
São Paulo-SP, pelo prazo mínimo de seis meses e, em havendo uma
sentença de primeira instância na Justiça Federal (RJ), prolatada no
AMS n"" 9247874, incompatível com aquela de grau superior, na de
fesa do interesse púplico o Sr. Ministro determinou a insubsistência
do ato de suspensão do anterior ato revogatório, publicado no DOU
de 16.02.1998, bem como, o conseqüente restabelecimento da
exeqüibilidade do despacho deferitório do Sr. Diretor do Departamen
to de Transportes Rodoviários, publicado no DO de 23.07.1997, até o
trânsito em julgado da matéria sub judice.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 69
Ora, a Administração Pública Federal Direta, em particular esta
Pasta dos Transportes, sempre cumpriu orientação traçada em pareceres
da então Consultoria Geral da República, hoje Advocacia Geral da
União no sentido de que 'tendo o interessado ingressado na via judi
cial, ao Executivo compete aguardar o pronunciamento da Justiça e
dar-lhe fiel cumprimento'.
Citados pareceres adquirem caráter normativo, após aprovados
pelo Excelentíssimo Sr. Presidente da República e publicados no Di
ário Oficial da União, ficando os órgãos e entes da Administração Fe
deral obrigados a lhes dar fiel cumprimento. Dentre eles destaca-se o
Parecer nU H-40, de 15.07.1964, nU H-422, de 19.10.1966, ambos do
eminente Consultor-Geral da República - Dr. Adroaldo Mesquita da
Costa, aprovados e publicados respectivamente em 29.07.1964 - DO
de 05.08.1964 e 24.10.1966 - DO de 27 seguinte e mais recentemente,
Parecer nUY-I0, de 15.07.1985, da lavra do Dr. Darcy Bessone, tam
bém Consultor-Geral da República, aprovado em 27.07.1985 e publi
cado em 30 do mesmo mês e ano.
Verifica-se pois, que esta Pasta dos Transportes nada mais fez do
que corrigir um erro seu conforme lhe autoriza a Súmula n"" 4 73 do
egrégio Supremo Tribunal Federal, restabelecendo uma linha conferi
da ao Expresso São Luiz por decisão judicial, dando-lhe fiel cumpri
mento.
Não cabe, pois, razão à impetrante em nenhuma de suas alegações.
Como se não bastassem todos motivos já expostos, a legislação
que rege a concessão de serviços públicos é absolutamente clara. O
atual Regulamento do Transporte Rodoviário Interestadual e Interna
cional de Passageiros, consubstanciado no Decreto n"" 2.521, de
20.03.1998, DO de 23 seguinte, dispõe em seus arts. 1"" e 2"", in
verbis:
'Art. 1"" Cabe à União explorar, diretamente ou mediante
permissão ou autorização, os serviços rodoviários interestadual e
internacional de transporte coletivo de passageiros.
Art. 2"" A organização, a coordenação, o controle, a delega
ção e a fiscalização dos serviços de que trata este Decreto cabe
rá ao Ministério dos Transportes.'
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
70 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data venia, é muita pretensão da impetrante querer operar so
zinha uma linha de ônibus, em uma região onde a demanda exige mui
to mais que isto, ainda, considerando, que o percurso não é totalmente
igual: a impetrante faz linha São Paulo-SP, Uberlância-MG, Itumbiara
GO até Goiânia; e a ligação executada pelo Expresso São Luiz, corresponde São Paulo-SP, Uberlândia-MG, Itumbiara-GO, Jataí-GO e
Mineiros-GO.
Ora, observando o traçado das linhas (doc. 18 dos autos) obser
va-se que o percurso do Expresso São Luiz é mais longo, serve as ci
dades de Jataí e Mineiros, o que não ocorre com a impetrante, não se
podendo admitir pois, que um usuário residente em Goiânia, por exem
plo, necessitando ir a São Paulo, o faça via Jataí, que é muito mais lon
go, o que levará a optar pelo serviço da ora requerente, constatando
se pois, que não há prejuízo financeiro como alega.
O que pretende na realidade, a impetrante, é monopolizar um
mercado, na ânsia de obter lucros sempre e cada vez maiores, sem
atentar para o interesse do principal e maior alvo do serviço público:
o usuário, que fica sem o direito de escolher a empresa que melhor lhe
convém, em decorrência do conforto, segurança, modicidade da tarifa
e horários mais flexíveis, contrariando todos os princípios que devem
nortear esse tipo de serviço público, além de, em alguns trechos, a
impetrante não operar.
De fato, o que a impetrante postula, é o afastamento da compe
tência legal do Poder Executivo (Ministério dos Transportes), de de
cidir em matéria de sua competência para subverter o princípio cons
titucional da independência dos Poderes, mediante a substituição do
critério da Administração (que no presente caso fez apenas cumprir
uma decisão judicial) pelo do Juízo, que assumirá, assim e também, a
direção do processo administrativo, com sério risco para o equilíbrio
que deve haver entre os Poderes.
Ora, caso o egrégio STJ conheça o pedido da impetrante que, não
apresentou nenhum estudo de mercado realizado por entidade espe
cializada, que comprove a sua alegação de prejuízo diário, o eminen
te julgador estará exacerbando o poder jurisdicional a ele concedido
pela lei, para colocar-se na condição de administrador."
Não se pode deixar sem consideração, com profunda influência na
inexistência do direito líquido e certo da impetrante, dois fatos:
RST}, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 71
a) o primeiro é o de que o relacionamento jurídico em discussão no
presente mandado de segurança é objeto de apreciação em processo judicial,
envolvendo a litisconsorte passiva e outra pessoa jurídica;
b) o segundo é a circunstância da impetrante requerer a concessão de
mandado de segurança, apenas, para sustar a continuidade da permissão
outorgada à litisconsorte passiva, sem questionar a ausência de licitação para
a exploração da mesma linha.
Em suma, o que pretende a impetrante é afastar a concorrência da
litisconsorte passiva, tornando-se única e exclusiva dona do mercado no tre
cho em questão.
Acompanho, também, os fundamentos desenvolvidos pelo eminente
Ministro Milton Luiz Pereira, no sentido de que:
"Atualizados os antecedentes da impetração e a solução consti
tuída pelo Sr. Ministro-Relator, observa-se que os atos tiveram como
ponto central motivador v. acórdão do extinto Tribunal Federal de
Recursos, resumido na seguinte ementa:
'Administrativo. Serviço público. Permissão. Estudo para
criação de linha.
1. Outorgada a permissão, com prazo mínimo fixado, des
tinada a 'verificar a viabilidade de licitação' de linha de transporte
coletivo de passageiros, a revogação sem demonstração de inte
resse público subjacente, feriu direito da impetrante.
2. Segurança concedida.' (fl. 58).
Ergue-se que a autorização, inicialmente, foi dada 'em caráter
experimental', assinalando o voto-condutor 'o prazo de seis meses' para
ligação entre as cidades de Mineiros-GO e São Paulo (Capital), de
corrente de anterior justificação administrativa: 'para efetuar uma pes
quisa estatística, para verificação de demanda ... ' (fls. 55/56). Acentuou
o julgado na sua parte dispositiva:
'A modalidade das viagens permitidas, tal como se apura
nos autos decorreu de outorga destinada estudar demanda trans
porte passageiros ligação Mineiros-GO e São Paulo-SP vg fim
verificar viabilidade licitação da mesma. (fl. 75).
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
72 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
À vista fácil, sublinha-se a precariedade da permissão discriciona
riamente deferida pela Administração, sob o talante de cláusula tem
poral - prazo certo -, evidenciada no mencionado aresto:
'De todo o exposto, concluo que, se não demonstrada a exis
tência de interesse público subjacente justificando a revogação da
permissão com prazo certo, o ato é ilegal.
Assim, concedo a segurança, para assegurar a validade da
permissão pelo prazo de 6 (seis) meses, descontados os dias já
consumidos.' (fl. 75).
Significa dizer que a recordada segurança fundou-se na ilegali
dade do ato que, abruptamente, então revogou permissão por prazo
certo, notoriamente, sem assegurar à impetrante (Expresso São Luiz
Ltda), o direito de continuar a ligação sob a mesma justificação ini
cial: 'verificar a viabilidade de licitação'. Esta, sim, via para consoli
dar o direito à adjudicação dos serviços de transporte coletivo.
Adita-se que, no julgamento dos embargos declaratórios, a tempo
raneidade não foi desfigurada, limitando-se correspondente acórdão a
esclarecer:
( ... )
'No meu voto, momento algum, disse que o DNER estava
ou está proibido de ampliar o prazo mínimo de permissão ou tê
la por cumprida, exaurida a finalidade. Dizer que a permissão
fora dada por prazo mínimo de seis meses, significa que, outros
sim, tanto pode ser extinta findo esse prazo quanto não. Acentuei,
isto sim, que o prazo mínimo de seis meses é que não podia ser
diminuído.' (fls. 79/80).
A bem se ver, a ilegalidade reconhecida teve sede no descumpri
mento do prazo fixado inicialmente - seis meses -, cujo tempo deve
ria ser respeitado, conforme lineou o aludido aresto ao conceder a se
gurança:
' ... Toda permissão é, por sua natureza, precária e se presta à execução de serviços ou de atividades transitórias, ou mesmo per
manentes. Mas, como lembra Hely Lopes Meirelles (ob. e vol.
RST}, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 73
cit., pp. 141/ 142), pode ser condicionada e com prazo determinado para a sua vigência, modalidade empregada nas permissões
de transporte coletivo e em outras que 'exigem altos investimentos para a execução do serviço, tornando-se necessário garantir
ao permissionário um tempo mínimo de operação em condições rentáveis. Se o interesse público exigir a revogação ou a altera
ção de tais permissões, a Administração poderá fazê-lo, desde que indenize o permissionário dos danos que o descumprimento do
prazo ou das condições da outorga lhe causar'.
Quer dizer, apenas com o deferimento da permissão é que
se constituem os direitos do permissionário. No caso, de efetuar pelo prazo definido - seis meses - o estudo da viabilidade da
criação da linha, no interesse público.
Diógenes Gasparini (ob. e voI. cito nQ. 22) lembra que a
'permissão, quando outorgada com prazo certo, extingue-se ao se
vencer a dilação temporal'. O decurso do prazo põe fim ao des
frute do privilégio.
E acrescenta:
'Só é possível a revogação se a comandá-la estiver um interesse coletivo.
Assim, se necessária a revogação, impõe-se a indeniza
ção em decorrência do princípio estabelecido no § 12 do art.
153 da Lei Maior.'
De tal modo, a paralisação do serviço determinada pelo
mesmo Engenheiro-Chefe de 122 DRF, em 21.10.1986 (fl. 20),
que certificou a inexistência da linha, não tem o amparo legal do
art. 112, que lhe pretendeu conferir, pois a impetrante, recebeu permissão da autoridade competente, e com prazo estipulado.' (fls. 73/74).
Nem poderia ser diferente, porque, à falta de licitação pública,
nos limites de específica finalidade (estatística da demanda), vencido
o prazo, ficaria extinta a permissão precária ou discricionariamente, se
prorrogada, continuaria sob o timbre da provisoriedade. A incidência,
pois do julgado, restringiu-se ao ato que fixou o prazo de seis meses,
mas sem nenhum óbice às deliberações administrativas futuras.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
74 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNALDE]USTIÇA
Enfim, se bem que permitido o transporte, não se constituiu o direito adquirido à exploração continuada da ligação rodoviária em
comento.
Nessa esteira é que a impetrante sustenta a ilegalidade do ato sob
exame.
Procurando a solução, no ponto, demonstrado que, após o prazo de seis meses, o administrador podia entender extinto o prazo, prorrogá-lo ou não, parece-me não se afeiçoar a ilegalidade, à vista de critérios e informações de natureza administrativa, certamente considerados pela autoridade indigitada como coatora para restabelecer os efeitos de anterior decisão do Diretor do Departamento de Transportes Rodoviários (fls. 53, 99 e 100), persistindo a cláusula da temporaneidade. Nesse interregno, outrossim, desfigurando-se a afronta ao artigo 174, Constituição Federal. As eventuais interrupções ocorridas
não desnaturam as razões postas.
Também aviva-se que o ato combatido, mesmo após a agregação
de mais cento e vinte dias (fl. 115 - in fine), não adjudicou os questionados serviços de transporte coletivo, dependente de licitação pública, limitando-se a formalizar a sua continuação precária 'até o trân
sito em julgado da matéria sub judice' (fl. 194). Desse modo, à vis
ta do aresto do extinto Tribunal Federal de Recursos, trazido à colação, ainda que não defina o 'direito adquirido' em favor do Expresso São Luiz Ltda, não assentou a improrrogabilidade da comentada permissão precária. É certo que não pode perdurar indefinidamente. Donde a explicitação: 'até o trânsito em julgado da matéria sub judice'.
Noutro campo de análise, quanto ao especial aspecto da legali
dade formal do ato ferretado, divisa-se a presença dos requisitos da competência, motivação, causa, conteúdo e finalidade, não podendo ser
acoimado de ilegal.
Por derradeiro, anota-se que os julgados copiados às fls. 121 a
131 e 127 a 168, com vinculações aos fatos originários (iniciado em 1986), por si, não obstaculizam a motivação e conclusão aqui aduzidas.
Tudo comentado, em que pese ao cipoal dos acontecimentos
factuais e jurídicos, plasma-se que a continuação de permissão precária não vulnerou a legalidade. Deveras, os atos sucessivos apenas preor
denaram situação administrativa anteriormente definida e considerada no MS n.Q. 117.232-RJ, julgado no extinto Tribunal Federal de Re
cursos (fls. 58/75).
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 75
N a vivência dos dissertados motivos, clareado que, embora não constituído o direito adquirido nem adjudicação definitiva à permis
são decorrente de licitação pública ou decorrente de título judicial,
compreendendo que o ato verberado não tem o estigma da ilegalida
de, soçobrando a articulação de pretendido direito líquido e certo, ma
nifestando vênias ao eminente relator, voto denegando a segurança."
Diante de tais circunstâncias jurídicas, não há como se reconhecer di
reito líquido e certo à impetrante que conduza a impedir a continuidade da
exploração da linha de transportes já identificada pelo Expresso São Luiz
Ltda, até que haja o trânsito em julgado das decisões judiciais que exami
nam a mesma questão e sem prejuízo da abertura de licitação para igual fim.
Denego a segurança.
É como voto.
VOTO
o SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr. Presidente,
em face da intervenção do nobre advogado, esclareço que existe no autos
uma declaração do Departamento de Estradas de Rodagem, no sentido de
que a empresa tem concessão da linha. Não afirmei que era exatamente a
linha em disputa. Disse: linha superposta parcialmente. Isso, data venia,
está nos autos.
FI. 173:
"Em atenção à solicitação dessa empresa, informamos que a Em
presa Nacional Expresso Ltda, é detentora da exploração das linhas
12.0134.00/Goiânia-GO - São Paulo-SP via Ribeirão Preto-SP,
12.0134.01lGoiânia-GO - São Paulo-SP via Itumbiara, 12.0134.51/
Goiânia-GO - São Paulo-SP carro leito, 12.0134.62/Goiânia-GO -
São Paulo-SP carro executivo, 12.0135.00/Goiânia-GO - São Paulo
SP via Barretos-SP, 12.0135.01/Goiânia-GO - São Paulo-SP via di
reta, 12.0135.511Goiânia-GO - São Paulo-SP e 12.0135.61/GoiâniaGO - São Paulo-SP carro executivo." (Ofício nQ. 504, de 19 de maio
de 1998).
Portanto, consta dos autos que ela tem uma linha que se superpõe par
cialmente à linha em disputa. Tenho croqui à fl. 171 que mostra: "Minas
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
76 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
para São Paulo tem uma superposição de Jataí até São Paulo; e de Goiânia
- de Itumbiara até São Paulo - ela aí se superpõe". Então, data venia, es
tou fiando-me nas provas dos autos.
o SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Ministro Aldir Pas
sarinho Junior, com a devida vênia, essa questão de superposição de linha,
não sei se V. Exa. já apercebeu, de acordo com a nova legislação, ela não
tem nenhuma influência para efeito de conceder legitimidade do interesse
à parte, porque, hoje, a superposição de linha não é mais proibida. Ao con
trário, o que é proibida é a exclusividade de linha. Ninguém pode mais ter
uma empresa de transporte exclusivamente sobre uma linha exatamente pelo
princípio do livre mercado, do livre comércio, da livre iniciativa, que são
princípios constitucionais, conforme sabe V. Exa. Só o fato de a superpo
sição parcial ou total de linha, absolutamente, não constitui direito líqui
do e certo para efeito da concessão do mandado de segurança, dado que a
legislação, hoje, é outra completamente diferente; ao contrário, proíbe a
exclusividade.
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: O meu entendi
mento, Ministro Demócrito Reinaldo, é no sentido de que, se existe uma
empresa regularmente constituída disputando um determinado mercado e
uma outra empresa que, mal ou bem - no meu entender, mal - tem uma li
nha com superposição parcial, a primeira tem legitimidade para impugnar,
via mandado de segurança, o ato administrativo que beneficia a segunda.
Quanto a isso o meu ponto de vista é divergente. Sendo assim, acompanho
o voto do eminente Ministro-Relator Humberto Gomes de Barros.
O SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS: Esse enten
dimento que V. Exa. estabeleceu foi após a consulta dos autos.
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Exato.
VOTO
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Ministro Aldir Passarinho
Junior, qual foi o pedido?
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: O pedido espe
cífico, de acordo com os autos, foi o seguinte: (lê)
"Assim, para ajustamento C ... ) emana da coisa julgada."
RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 77
No caso, entendo que não há coisa julgada, porque a decisão anterior
já se esgotou porque dizia: pode ser por seis meses, ou pode ser renovada.
Doze anos depois, isso está sendo ainda mantido. Quer dizer: o que o ato
ministerial fez foi, na prática, tanto dar efeito suspensivo a uma decisão que
transitou em julgado, antiga, e cujos efeitos já terminaram, e, surpreenden
temente, ainda, suspender uma segunda decisão da III instância em outro writ
que foi desfavorável ao próprio litisconsorte passivo.
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Então, seria realizada a licita
ção com participação de todos os interessados, inclusive da ...
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Se o Ministério
dos Transportes quiser. Entendo que não pode mais dizer que é para veri
ficação estatística uma linha que foi dada em 1986 nesse sentido, e está até hoje acontecendo.
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Não basta só anular, é preciso
resolver a situação também.
O SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Para resolver a
situação, basta o seguinte: se for desfeito esse ato ministerial, evidentemente,
a situação da empresa que faz essa linha por ele autorizada, no meu enten
der, não poderia mais fazê-la. Portanto, ficaria em situação irregular.
O SR. MINISTRO GARCIA VIEIRA: Sr. Presidente, a questão já está
suficientemente debatida.
Acompanho o voto do Sr. Ministro-Relator, Humberto Gomes de Bar
ros, concedendo a segurança.
VOTO-VENCIDO
O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Sr. Presidente,
denego a segurança por ausência de direito líquido e certo, inclusive por
que só a circunstância de haver superposição de linha não concede esse di
reito, pois a parte não demonstrou, através de prova pré-constituída - e isso
é impossível de se fazer na via do mandado de segurança -, que ela mes
ma, com a superposição de linha, tenha qualquer prejuízo, decesso de ren
das ou qualquer outra coisa que venha a beneficiá-la. Quer dizer: a deci
são que se está proferindo, como afirmei numa hipótese idêntica em que foi
Relator o eminente Ministro Hélio Mosimann, com a devida vênia, está sen
do uma decisão unilateral, porque só visualiza a ilegalidade ou a irregula
ridade do ato praticado pelo Ministro. Porém, em mandado de segurança,
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
78 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL
a primeira coisa que se verifica é exatamente se existe direito líquido e cer
to da parte, porque isso consta da Constituição: (lê)
"Concede-se mandado de segurança para proteger direito líqui
do e certo."
Assim sendo, qualquer ato que venha a afrontar o direito líquido e cer
to é que implica na concessão do mandado de segurança. Essa questão da
nulidade do ato praticado pelo Ministro competente poder-se-ia fazer por
meio de ação própria e nunca pela via do mandado de segurança.
Por não vislumbrar liquidez e certeza, denego a segurança, com a de
vida vênia da maioria.
É como voto.
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO HÉLIO MOSIMANN: Sr. Presidente, acompanho
o voto do eminente relator, concluindo pela concessão da segurança, data
venia dos votos proferidos em sentido contrário.
MANDADO DE SEGURANÇA NQ 6.166 - DF (Registro n>l 99.0008087-4)
Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros
Impetrante: Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo no
Estado do Pará
Advogado: Marcos José Naho
Impetrados: Ministro de Estado da Fazenda e Ministro de Estado das Mi
nas e Energia
EMENTA: AdIllinistrativo - Ato discricionário - Controle
jurisdicional - Portaria que obriga a venda de cOIllbustíveis a pre
ços Illenores que os respectivos custos - IncoIllpetência - Desvio de
finalidade.
RSTJ, Brasilia, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 79
I - EIll nosso atual estágio, os atos adIllinistrativos deveIll ser
Illotivados e vinculaIll-se aos fins para os quais foraIll praticados (V,
Lei n!!. 4.717/1965, art. 2!!.). Não existeIll, nesta circunstância, atos dis
cricionários, absolutaIllente iIllunes ao controle jurisdicional. Diz-se
que o adIllinistrador exercita cOIllpetência discricionária, quando a
lei lhe outorga a faculdade de escolher entre diversas opções aque
la que lhe pareça Illais condizente COIll o interesse público. No exercício desta faculdade, o AdIllinistrador é iIllune ao controle judicial.
PodeIll, entretanto, os tribunais apurar se os liIllites foraIll observa
dos.
II - A Portaria n!!. 324/1998, eIll estabelecendo preços insuficien
tes à correta reIlluneração dos cOIllerciantes varejistas de cOIllbustíveis sediados na AIllazônia, inviabilizou a atividade econôIllica de
tais negociantes, atingindo fiIll diverso daquele previsto na Lei n!!.
8.175/1995.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Srs. Ministros da
Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Votaram com o Sr. Mi
nistro-Relator os Srs. Ministros José Delgado, Eliana Calmon, Paulo
Gallotti, Francisco Falcão, Garcia Vieira e Francisco Peçanha Martins.
Brasília-DF, 13 de outubro de 1999 (data do julgamento).
Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, Presidente.
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Relator.
Publicado no DJ de 06.12.1999.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: O Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado do Pará re
quereu mandado de segurança coletivo contra ato dos Srs. Ministros de Es
tado da Fazenda e das Minas e Energia. O ato malsinado (Portaria Intermi
nisterial n!!. 324/1998), ao tempo em que liberou o comércio de gasolina
automotiva e álcool em todo o Brasil, fixou preços máximos para a venda
RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
80 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
em varejo dos combustíveis nos Estados localizados na Região Amazônica.
Tais preços - diz o impetrante - reduziram as margens de lucros a valores
impraticáveis. Em alguns locais, o limite fix~do pelos ministros é inferior
ao custo do combustível, acrescido do frete. Assim, a venda pelos valores
oficiais resulta em efetivo prejuízo. As situações de venda deficitária foram
demonstradas com gráficos e documentos que ilustram a inicial.
O tabelamento, que era injusto, tornou-se odioso, quando o Governo
(na mesma portaria) liberou a margem de lucros das distribuidoras e os
preços dos fretes. Para agravar, diz o impetrante, a portaria fixou os pre
ços, sem levar em conta majoração de alíquota ocorrida no ICMS do Es
tado do Pará.
Em tema de direito, o impetrante afirma que o tratamento pejorativo
de que são vítimas os revendedores amazônicos ofende os princípios cons
titucionais da igualdade e da livre iniciativa. Sob outro enfoque, a porta
ria carece de valor jurídico, à míngua de lei formal que lhe dê respaldo.
Nas informações, os Srs. Ministros não contraditam as alegações de
fato. Limitam-se em negar a existência de direito líquido e certo e afirma
rem-se competentes para controlar preços de combustíveis. Acrescentam que
a fixação de preços, na hipótese, resulta de ato discricionário, cujo mérito
é imune ao controle judicial.
O Ministério Público Federal manifestou-se em parecer emitido pelo
eminente Subprocurador-Geral da República Miguel Guskow. Recomenda
a concessão da ordem.
Registro, por último, que deferi liminarmente a segurança.
Este, o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator):
Peço vênia para me reportar ao excelente parecer lançado nestes autos pelo
eminente Subprocurador-Geral da República Miguel Guskow, nestes termos:
"Como ressaltado nas informações de fls. 63/71, 'o ato de fixar
limites máximos de preços de combustíveis insere-se no poder que tem
o Estado de atuar na ordem econômica, que apesar de fundada na li
vre iniciativa e na livre concorrência, deve assegurar também os inte
resses do consumidor quanto aos preços que regulam a concorrência
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 81
em questão de acordo com cada combustível específico e seus deriva
dos, além de outros bens e serviços'.
In casu, o Ministério da Fazenda, por expressa disposição legal
- art. 3Q, inciso IH, da Lei n Q 8.178/1995 - é o órgão competente para
fazer essa intervenção no domínio econômico, facultada pela Magna
Carta.
Entretanto, essa intervenção na atividade econômica deve ser rea
lizada com vistas a disciplinar a economia, observados os princípios
do art. 170 da Constituição Federal de 1988, o que é expressamente
autorizado pelo art. 174, caput, do mesmo texto constitucional.
Assim, em face do art. 174 e do art. 170 da Constituição Federal,
ao Estado incumbe atuar como agente regulador da economia, podendo,
em setores estratégicos, como o é o de petróleo e derivados, estipular
limites e preços que devem ser observados pelas empresas privadas
operadoras no respectivo setor econômico.
Contudo, a atividade reguladora do Estado na área econômica
conhece limites fixados no próprio texto constitucional, mormente quando este prevê uma economia de mercado.
Com efeito, do texto constitucional extrai-se a legitimidade do
Estado para regular a atividade econômica e o condicionamento des
ta regulamentação aos princípios econômicos basilares elencados no art. 170 da Constituição Federal.
Analisando a hipótese trazida a exame, que se cinge à possibili
dade de intervenção estatal na atividade econômica e seus respectivos
limites, tenho que as Autoridades Coatoras, através do ato atacado, ul
trapassaram os condicionamentos constitucionais fixados para o exer
cício da regulamentação econômica do setor de revenda de combustí
veis, violando, de conseqüência, o primado da livre iniciativa, sempre
resguardado para uma economia de mercado, reputada como tal a bra
sileira, além de infringir o princípio da igualdade, porquanto abusivo
e desigual o tabelamento de preços perpetrado, ao ponto de inviabi
lizar a atividade econômica desenvolvida pelos associados da impetrante na região interiorana do Estado do Pará, sem assegurar o direito
dos consumidores que se encontram ameaçados de sofrer cortes no
abastecimento regular de combustíveis.
A Portaria n Q 324/1998, ao mesmo tempo em que liberou o pre
ço dos combustíveis para as refinarias e distribuidoras, manteve-o
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
82 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
tabelado para os revendedores finais localizados fora da região metro
politana de Belém-PA (art. 2'\ caput).
O tabelamento de preços configura-se em instrumento idôneo
dado ao Estado para intervir no domínio econômico, ex vi da regra
insculpida no art. 174 da Constituição Federal.
Contudo, in casu, o tabelamento de preços imposto aos reven
dedores finais de gasolina automotiva e de álcool hidratado para fins
carburantes, inclusive aditivados, localizados no interior do Estado do
Pará, revela-se abusivo, discriminatório e desarrazoado, hábil a ferir
os primados da livre iniciativa e da isonomia, além de ofender o prin
cípio federativo.
Com efeito, o ato impugnado atinge diretamente o princípio da
livre iniciativa, porquanto, ao liberar os preços para as refinarias e dis
tribuidoras, e tabelá-los para os revendedores, inviabiliza a atividade
econômica para estes.
Ora, na medida em que o tabelamento de preços alcança os lu
cros dos revendedores finais ao ponto de ocasionar a quebra dos em
presários atuantes no setor, tolhe a livre iniciativa assegurada consti
tucionalmente pelo art. 170, caput, e revela a inconstitucionalidade do
ato impugnado, posto que desarrazoadamente vai além dos limites da
intervenção estatal no domínio econômico autorizados pelo art. 174
do mesmo texto magno.
De fato, in casu, não existe nenhum motivo razoável amparan
do o ato coator no sentido de legitimar o severo tabelamento de pre
ços imposto, considerada a ausência de práticas econômicas abusivas
em face do consumidor, perpetradas pelos associados do impetrante.
Desta forma, configurada resta a afronta à livre iniciativa, por
quanto a Portaria n-" 324/1998 inviabiliza a atividade econômica em
preendida pelos revendedores finais de combustíveis, ante a ausência
de motivo razoável a determinar o tabelamento de preços.
Nesse passo, observe-se que o ato impugnado, ao ferir o princí
pio da livre iniciativa, também constitui, por conseguinte, uma séria
ameaça aos consumidores, na medida em que, inviabilizando a ativi
dade econômica em questão, por via reflexa, atinge o regular abaste
cimento de combustíveis da região, fato este que não recebe amparo
de legitimação e, muito menos, não deve receber a chancela do Poder
Judiciário.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 83
De outro feito, o ato atacado afronta os princípios federativos e
da isonomia, conquanto institui um tabelamento de preços de combus
tíveis em relação a alguns Estados federados, distinguindo-os de ou
tros membros da Federação, de forma arbitrária e ilegítima.
Conforme é cediço, o princípio isonômico opera em dois planos,
ou seja, frente ao legislador e frente ao intérprete.
In casu, temos um exemplo típico de violação do primado da
igualdade operado no âmbito da competência reguladora conferida às
Autoridades Coatoras, isto é, de violação perpetrada na edição do ato
atacado, visto que inegavelmente distinguiu desarrazoadamente a mes
ma situação de fato ocorrente em todo o território nacional, impon
do a alguns Estados-membros uma disciplina de preços inexistentes
para outros.
Sobre esse tema, muito didática é a lição de Alexandre de Mo
rais, extraída de sua obra Direito Constitucional (311. ed., Ed. Atlas,
São Paulo, 1998, p. 58), in verbis:
'A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a
pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam
ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com crité
rios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve
aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida conside
rada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de
proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade per
seguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias
constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos
diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando
verificada a existência de uma finalidade razoavelmente propor
cional ao fim visado.'
"Na presente hipótese, a Autoridade Coatora não apresentou jus
tificativa objetiva e razoável a amparar a edição do ato coator, que li
berou os preços de revenda dos combustíveis para todos os Estados
brasileiros, mantendo um tabelamento abusivo e injustificável apenas
nos Estados do Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Amazonas e Pará." (fls. 91/96).
RST], Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
84 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Não me parece, entretanto, necessário penetrar o plano do Direito
Constitucional, para déslindar a controvérsia.
Com efeito, não há discussão em torno de fatos. As informações reco
nhecem que os postos da Amazônia estão subordinados a controle de pre
ços, ao contrário de seus semelhantes, localizados fora daquela região. Ad
mitem, ainda, que os preços impostos aos revendedores não permitem lu
cros razoáveis, chegando a ser inferiores ao custo da mercadoria.
As informações propõem a denegação da segurança, porque:
a) praticaram os atos impugnados, nos estritos limites da competên
cia que lhes outorga o Ordenamento Jurídico;
b) os atos malsinados inserem-se na categoria dos discricionários. São,
assim, imunes ao controle jurisdicional.
Ninguém discute a competência dos Srs. Ministros, para regularem os preços dos combustíveis. Observa-se, contudo, que controle dos preços visa
dois interesses, a saber: o interesse do consumidor e a livre iniciativa. O Es
tado encarrega-se de manter em equilíbrio estas duas vertentes. Não é lícito à Administração, para homenagear um destes interesses, sacrificar o outro.
Tampouco se debate a assertiva de que o controle do comércio de com
bustíveis insere-se no âmbito da competência discricionária.
Não é necessário, nesta Corte Superior, qualquer esforço doutrinário
para demonstrar a imprecisão da tese que proclama a liberdade absoluta da Administração, na prática de atos discricionários. Todos nós sabemos que,
em nosso atual estágio, os atos administrativos devem ser motivados e vinculam-se aos fins para os quais foram praticados (V, Lei n Jl 4.717/1965, art.
2!2-). Não existem, nesta circunstância, atos discricionários absolutamente
imunes ao controle jurisdicional. Diz-se que o administrador exercita competência discricionária, quando a lei lhe outorga a faculdade de escolher entre diversas opções aquela que lhe pareça mais condizente com o interesse
público. No exercício desta faculdade, o Administrador é imune ao controle judicial. Podem, entretanto, os tribunais apurar se os limites foram obser
vados.
Na hipótese, as próprias informações reconhecem que o tabelamento
reduziu os lucros dos retalhistas a limites incompatíveis com a atividade
econômica. Admitem mais, que em algumas situações, os preços de reven
da superam os custos da mercadoria.
Ora, o comércio, como atividade econômica, tem como escopo o lu
cro. Forçar o comerciante a vender com lucro insuficiente é condená-lo à
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 85
insolvência; compeli-lo a vender abaixo do valor de custo é proibi-lo de
comerciar.
A Lei n"- 8.175/1995 outorga competência ao Ministro da Fazenda
para baixar normas reguladoras de preços. Como bem assinala o Sr. Minis
tro da Fazenda,
"O ato de fixar limites máximos de preços de combustíveis in
sere-se no poder que tem o Estado de atuar na ordem econômica, que apesar de fundada na livre iniciativa e na livre concorrência, deve as
segurar também os interesses do consumidor quanto aos preços que re
gula a concorrência em questão de acordo com cada combustível es
pecífico e seus derivados, além de outros bens e serviços." (fl. 66).
Forçar a venda de mercadorias, mediante preços inferiores aos respec
tivos custos não é - data venia - assegurar os interesses do consumidor.
Pelo contrário, é impossibilitar-lhe o abastecimento, pela falência dos co
merciantes que o ministram.
Não tenho dúvida em afirmar que, em fixando preços inferiores aos
custos, os Srs. Ministros impetrados ultrapassaram os limites de suas atri
buições. Por outro lado, a Portaria n"- 324/1998, quando estabeleceu preços insuficientes à correta remuneração dos comerciantes de combustíveis
sediados na Amazônia, inviabilizou a atividade econômica de tais nego
ciantes, atingindo fim diverso daquele previsto na Lei n"- 8.175/1995.
Concedo a segurança, para assegurar aos postos revendedores associados no sindicato impetrante, o regime de preços liberados apregoado na Portaria Interministerial n"- 324/1998. A segurança, entretanto, não impli
ca em afastar-se a competência da Administração para intervir, em defesa
da livre concorrência e do interesse do consumidor, obviando eventuais exageros e deformações.
MANDADO DE SEGURANÇA N.!l 6.258 - DF (Registro n"- 99.0023520-7)
Relator:
Impetrante:
Ministro Franciulli Netto
Pedro Nunes Gouveia
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
86 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Advogados: Carlos Augusto Jatahy Duque Estrada Júnior e outro
Ministro de Estado da Justiça Impetrado:
EMENTA: Mandado de segurança - Processual Civil - Ato de
Ministro de Estado na condição de presidente de órgão colegiado -
Ilegitimidade passiva ad causam - Incompetência do Superior Tri
bunal de Justiça - Aplicação da Súmula n!!. 177 deste Sodalício -
Extinção do processo decretada.
Ilegitimidade passiva ad causam de Ministro de Estado acolhi
da, a fim de julgar o presente mandamus extinto, sem exame do
mérito, em vista de o ato derivar de presidente de órgão colegiado,
não se adequando a hipótese dos autos ao comando inserto no arti
go 105, inciso I, letra b, da Constituição da República. Incompetên
cia deste egrégio Tribunal nos moldes da Súmula n!!. 177. Mandado
de segurança extinto. Decisão unânime.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, de
cide a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
extinguir o processo, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator, na for
ma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazen
do parte integrante do presente julgado. Votaram com o Sr. Ministro-Relator
os Srs. Ministros Garcia Vieira, Francisco Peçanha Martins, Milton Luiz
Pereira, José Delgado, Eliana Calmon e Francisco Falcão. Ausentes, ocasi
onalmente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi e, justificadamente, o Sr. Mi
nistro Paulo Gallotti, respectivamente. Custas, como de lei.
Brasília-DF, 6 de dezembro de 1999 (data do julgamento).
Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Presidente.
Ministro FRANCIULLI NETTO, Relator.
Publicado no DI de 29.05.2000.
RELATÓRIO
o SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO: Cuida-se de mandado de
segurança, com pedido de liminar, impetrado por Pedro Nunes Gouveia
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO 87
contra o Sr. Ministro de Estado da Justiça, com o objetivo de sustar tem
porariamente os efeitos da Deliberação nQ 4, de 5 de fevereiro de 1999, que
revogou ad referendum do Conselho Nacional de Trânsito - Contran, o
disposto nos artigos 11 e 13 e, também, alterou a redação dada ao artigo
10, todos da Resolução nQ 50/1998.
A inicial, em síntese, sustenta que a autoridade apontada como coatora,
na condição de Presidente do Contran, praticou ato arbitrário e abusivo ao
revogar os dispositivos suso mencionados, violando direito líquido e cer
to de seu filho menor, consubstanciado no fato de poder conduzir o veícu
lo ciclomotor Standart Force 50, na forma autorizada pela Resolução nQ 50/
1998. Em seguida, aduz que a autorização deve ser mantida a fim de que
sejam obedecidos os princípios da reserva legal ou direito adquirido.
Indeferida a liminar pela r. decisão de fl. 27, proferida pelo Exmo. Sr.
Ministro Demócrito Reinaldo, foram prestadas as devidas informações (fls.
31/35).
A douta Subprocuradoria Geral da República, pelo r. parecer de fls.
37/39 manifestou-se no sentido da incompetência desta colenda Corte Su
perior para processar e julgar o presente mandamus e, no mérito, pela de
negação da segurança.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO (Relator): A competência
deste Sodalício é para processar mandados de segurança contra ato de Mi
nistro de Estado (artigo 105, inciso I, letra b, da Constituição Federal). In
casu, denota-se que a autoridade apontada como coatora, isto é, o Sr. Mi
nistro da Justiça, é Presidente do Conselho Nacional de Trânsito - Contran,
órgão colegiado integrante do Sistema Nacional de Trânsito.
Na definição do saudoso e festejado autor Hely Lopes Meirelles são
órgãos colegiados ou pluripessoais "todos aqueles que atuam e decidem pela
manifestação conjunta e majoritária da vontade de seus membros" (cf. Di
reito Administrativo Brasileiro, 24ll. ed. atualizada, Ed. Malheiros, p. 68).
O ato atacado, tido como violador de direito líquido e certo, foi levado
a efeito pelo Ministro da Justiça, na condição de Presidente do Contran, ad
referendum de seus membros, em vista da autorização expressa no artigo
6Q, inciso IX, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Trânsito.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.
88 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Destarte é enfática a Súmula n!l 177 desta Corte Superior ao preco
nIzar que:
"O Superior Tribunal de Justiça é incompetente para processar e
julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato de órgão
colegiado presidido por Ministro de Estado."
O ato administrativo normativo, levado a efeito pelo Sr. Ministro de
Estado da Justiça na condição de Presidente do Contran, obedeceu aos comandos do Regimento Interno do Conselho, razão por que a Deliberação
nil. 4/1999, restringindo a autorização para conduzir ciclomotores aos pe
nalmente imputáveis, foi levada a efeito ad referendulTl dos demais mem
bros componentes do órgão colegiado.
Nesse diapasão, é inviável o exame da matéria no âmbito deste egrégio Tribunal, em face da inexistência de adequação ao preceito constitucio
nal que atribui a competência para processar e julgar mandados de seguran
ça contra ato de Ministro de Estado (cf. art. 105, inciso I, letra b, da Constituição da República).
Ex positis, julgo extinto o lTlandalTlus, sem exame do mento, em
face da ilegitimidade passiva de parte, com fulcro no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil.
É como voto.
RSTJ, Brasília, a. 12, (133): 15-88, setembro 2000.