José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV)
-
Upload
laillacristina -
Category
Documents
-
view
6.265 -
download
21
Transcript of José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV)
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 1/46
F A C U L D A D E S J O R G E A M A D O
CAPITULO IV
Generos Opinativos
1. Generos opinativos: os micleos emissores
A manifestacao de opiniao nojomalisrno contemporaneo
n ao e urn fen6rneno monolftico. Por mais que a inst ituicao
. jornalfstica tenha uma orientacao definida (posicao ideologlca
'oulinha polftica), em torno da qual pretende que as suas
rnensagens sejarn estruturadas, subsiste sernpre uma
diferenciacaoopinativa (no sentido de atribuicao de valor aos _
acontecimentos). As condicoes de producao dojornalisrno atual
exigem a participacao -de equipes numerosas, donde a
impossibilidade de controle total do que se vai divulgar.
o monolitismo opinativo caracterizou a vida dos
prirneiros jornais e revistas, que eram obra de uma so pessoa.
Lembre-se, no Brasil, 0 caso de 0 Correia Broziliense, nosso
primeiro peri6dico, cuja unidade opinativa deve-se acircunstancia de haver sido produzido solitariamente por
Hipolito da Costa, na Inglaterra':". Fen6meno sernelhante
ocorreu com tantas publicacoes brasileiras do seculo passado:as Sentinelas de Cipriano Barata?", 0 Censor Maranhense,
de Garcia de Abranches'", 0 Carapuceiro, do Padre Lopes
Gama'?", A Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga 'S' , 0
Observador Constitucional, de Lfbero Hadaro!" , ou Idade
D'Ouro do Brasil, inicialmente de Goncalo Vicente Portela e
depois de Inacio Jose de Macedo'? ,
Desde 0momenta em que a imprensa deixou de ser
empreendimento individual e se tomou instituicao, assumindo
o carater de organizacao complex a,que conta com equipes de
assalariados e colaboradores, a exprcssao da o piniao
fragmentou-se seguin do tendencias diversas e ate mesmo
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 2/46
II 1 0 2
Jose Marques de Melo
confjitantes: Isso e uma decorrencia do processo de producao
industr ia l, pois a realidade captada e relatada condiciona-se aperspectiva de observacao dos diferentes micleos emissores.
o fenomeno toma mais significat ivo nas ernpresas de
radiodifusao, cuja rapidez no processo de emissao mostra-se
incompativel com os controles que pretendam unificar as
mensagens.Como vimos no capitulo anterior, as institui~6es
j ornalisticas bus cam encontrar mecanismosqne assegurem, se
nao 0 controle, pelo menos a supervisao e 0 acompanhamento
das etapas que transformam em noucia os acontecimentos que
.surgem e refletem 0dinamismo da sociedade,
De qnalquer maneira.a cstruturado jornalismo in?ustrial
comporta, ate mesmopor razoes mercadoI6gicas,diferen~as ,
de perspectiva ria apreensao e valoracao da realidade. Talvez
nao se possa falar de pluralismo, porque todajnstituicao
jornalfstica possui sua linha editorial que, atraves daselecao
de informacoes (pauta, cobertnra, copidesqne), entrelaca 0 fluxo
noticioso e the daum mesmo sentido. Mas existe uma abertura
para que a valoracao das notfcias possa ensejar a circulacao de
diferentes pontos de vista . A amplitude desse espayo varia de
insti tuicao para instituicao e depende sempre da conjuntura
politica nncional'".Essa valoracao dos acontecimentosconcre.t!z~~se atra~~
dos generos opinativos e emerge de:quiiio micleos: a) em]Jresa,._~
b) 0jornalista, c) 0 colaborador, d) 0 leitor.
(' A opiniao da empresa,-~demais de se manifestar no
conjunto dioneriiac;ao editoriaL(.seLy~ao, destaque, titulacao),
a[J_arece oficialmente .no edito rial.jh_?~i~i~o??jor~ali~~~entendido como profissional regularmente assalanado e
.pertencente aos quadros da empresa, apresenta-se sob a forma
dec(; ';untario, resenha, col una cronica, caricatura e
~;-;;nfiiafmente artigo. A opiniao do colaborador, geralmente
p-;;]"s~nalidades representativas da sociedade civil que buscam
os espacos jornalfsticos para participar da vida politica e
cultural, expressa-se sob a forma de artigos: A opiniao do leitor
eucontra expressao permanente atraves da curta.
[ornalismo Opinativof03
Esses generos possuem caracteristicas comuns, do ponto
de vista da estrutura redacional ou da perspective de anal ise,
como antecipamos no capitulo II. No entanto, cada urn deles
tem sua propria identidade no contexto dojornalismo brasileiro.
E bern verdade que quase todos sao generos universais.
presentes na totalidade jornallstica de varies paises,
especialmente dos pafses latinos. Mas assumem caracteriza<;ao
pr6pria em nosso pais, a inda que possam guardar certos tracos
do jornal ismo europeu ou norte~americano, de que se nutremna sua origem\Aessataref~deesbo~ar a caracteriza<;ao de
cada genero, tal co'mo'se apresenta nas rnanif'estacfies
jornalisticas brasileiras, sem deixar contudo de fazer as
Ilecessiirias referencias que a bibliografia estrangeira resgatou,
'vamos nos. dedicar a' seguir. Trata-se de um esforco que
privilegiani inevitavelmente 0 jornal ismo impresso, uma vez
que 0 jornalismo eletronico nacional ainda carece de uma
observa<;:ao sistematica nas liniversi<lad~ese centres de pesq~ip
do pais. J" 'h 'VlO' f lJ :)- .A" , Wy""",,):,-,'):J i jW)!, ' ) ,D /3
(to");f]? e .,v, i/ ,- yudc- "
Lo7&'A', ,CA.9-:eihJt.f Yfr ~_,!J* ,2./'Editorial[Editoriai e 0 generojornalfstico que expressa a opiniao
ofici~l da ernpresa diante dos fatos de maior repercussao no
momento. Todavia, a sua natureza de porta-voz da insti tuicao
jornalistica precis a ser melhor compreendida e delimitada:"f
Popularmente se diz que 0 editorial contem a opiniao
do dono ou da emissora de radiodifusao. Isso e verdade nas
organizacoes de porte medio ou nas pequenas empresas, onde
o .controle financeiro fica nas maos de um proprietfuio Oll de
sua familia.Precisando 0 conceito de editorial, diz Raul Rivadeneira
Prada'55 que, ao lhe atribuir 0 sentido de "opiniao da empresa",
torne-se indispensavel caracterizar as "relacoes de propriedacle"
da instituicao jornalistica. Pois, nas sociedades capitalistas, 0
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 3/46
104 Jose Marques de Mela
editorial reflete nao exatamente a opiniao dos seus proprietanos .
nominais, mas 0 consenso das opini5es que e m a ~ ; ; ; ·osdiferentes rnic leo s que participam da propriedade da
organizacao, AH~mdos acionistas majoritarios, ha financiadores
que subsidiam a operacao das empresas, existem anunciantes
que carreiam recursos regulates para os cofres da organizacao
~ .)lJ'atraves da cornpra de espaco, [ai6m debragos do aparelho
burocratico do. Estado que exerce grande influencia sobre o
processo jornalistico pelos controles queexerce no ambitofiscal, previdenciario, financeir;q
Assim sendo, 0 editorialafigura-se como urn espa<;:ode
corirradicces.Seu discurso constitui uma teia de articulacoes
politicas e porisso representa urn exercicio permanente de
equilibrio sernantico. Sua vocacao e a de apreender e conciliar
os diferentes inieressesque perpassarn sua operacao cotidiana.
Mas se 0 editorial expressa essa opiniao dasforcas que
man tern a institui<;:llo jornaltstica, torna-se necessario indagar
para quem se dirigeem sua argurnentacao, A resposta poderia
U,V ser tranqliila:{a opiniao contida no editorial constitui urn
indicador que pretendeorientar a opiniao publica. Assim sendo,
o editorial e dirigido acoletividadeJ ..
Na realidade, isso acontece em relacao as ernpresas que
atuamnassociedades que possuem uma opiniao publica
aut6noma.Em outras palavras: que dispoern de uma sociedade
civil forte e organizada, contrapondo-se ao poder do Estado.C~" IEste nao e 0 caso da sociedade brasileira, cuja
organizacao politic a tern no Estado uma entidade todo-
poderosa, presente em todos os nfveis da vida social. Por isso
e que os editoriais difundidos pelas ernpresas jomalisticas,
embora se dirijam formalmente a "opiniao publica" ,ua verdade
encerrarn uma relacao de dialogo com 0 Estad04
Trata-se de uma hipotese que precisa ser demonstrada
sistematicamente, mas que corresponde it apreensao desse
genero jornalfstico a partir da observacao que temos feito
durante anos a fieA lei tura de editoriais dos jornais diaries,
por exemplo, inspira-nos a cornpreensao de que as instituicoes
I
I
1 <
Iomalismo Opinativo 105
jornaljsticas procuram dizer aos dirigentes do aparelho
burocratico do Estado como gostariam de orientar os assuntos
publicos.
E nao se trata de uma atitude voltada para perceber as
reivindicacoes da coletividade e express a-las a quem de direito.
ori'Significa muito mais um trabalho de "coacao" ao Estado para
a defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros
que representam. Esta e a nossa percepcao do editorial na
imprensa brasilcira.j'
Evidencias que corroboram essa tese ja haviam sido
indicadas por Jonathan LANE'S7 . Ele analisou a participacao
das insti tuicoes jornalfsticas brasileiras na queda do Governo
Goulart e verificou que sua intencao explicita nos dias que
precederam 0 golpe militar de 31 de marco era criar panico
entre as forcas armadas, conduzindo-as a insurreicao contra 0
regime constitucionalmente instalado. Depois foram ratificadas
por Alfred STEPAN'58 que estudou 0 comportamento dos
editoriais dos grandes diaries do Rio e de Sao Paulo em relacao
aos golpes de Estado queforam tentados ou efetivados durante
o pertodo 1945-1964. Sua conclusao 6 a seguinte: os golpes
apoiados abertamente pel os editoriais dos grandes jornais
obtiveram exito; os golpes que nao contaram com 0 entusiasmo
dos editorialistas fracassaram, Em certo senti do, Eron BRUM'59
traz referee a essa hip6tese de que O S editoriais sao dirigidos
ao Estado e nao it opiniao publica (embora esta tomeconhecimento da argumentacao usada e funcione como massa
de manobra), quando mostra que os editoriais do jornal A
Tribuna, de Santos, no perfodo que antecedeu abril de 1964,
privilegiaram tres grandes temas pohtica, economia e
administracao, concentrando suas baterias contra Goulart e seus
ministros.
Sabendo que disp5em dessa forca e que encontram
correspondencia no aparelho estatal, as instituicoes jornalfsticas
atribuem a producao dos editoriais urna atencao toda especial
que supoe plena integracao entre as polft icas da empresa e os
interesses corporativos que defcndem.
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 4/46
106 lose Marques de Melo
Urn caso tipico '" 0 do lomal do Brasil. 0 esquema de
elaboracao dos seus editoriai s esta registrado por Natalfcio
NORBERTO'GO cujos detalhes vale a pena transcrever. Trata-
se de umrelato feito pelo proprio JB, na decada de 60 .
Tendo em geral a noticia como fator determinante, os
editorials ou sao baseados em [atos atuais ou em
assuntos de interesse p ermanente - 0 trdfego, por
exemplo. Para sud elaboraciio, os edi torialistas (.. . ) se
retineni coma Diretoria do Jornal, para debaterem os
assu~tos em pauta e selecionarem os itens que viio ser
abordados no dia.
Para isto, todos os setores da redaciio e sucursais do
IE par. todo a pais mandam as informacoes mais
.recentes sobre osfatos que estao acontecendo, ajudando
assim l1a atualizaciio dos.editorialistas - que jadevem
estar a pardas noticias atraves d a "Ieilura tuio s6 do m ,mas tambem de outros jomais, para que a visiio dos
acontecimentos seja a mais ampla possivel. a s assuntossao todos anotados e debatidos, ouvindo-se a opiniiio
dos presentes para chegar-se a uma conclusdo, que Ii
entiio submetida a Diretoria, responsdvel pela l inha dojornal, para 0tratamento do assunto .
o numero de editoriais por ediciio ndo Ii fixo, mas a
maior constante Ii de tres. Os temas siio repartidos entre
os editoriaiistas, nunca ocorrendo de varios deles
faze rem 0 mesmo editorial. Cada urn Ii escalado para
estudar 0seu tema e quando ele Ii sometue urn, urn unico
editorialista se encarrega dele.
Assim que as editoriais ficam prontos sao novamente
submetidos a Diretoria que os aprova ou enuio indica a
melhor linha a ser tomada de modo a niio prejudicarem
aquela seguida pelo jornal.
Para sua melhor cuualizacdo e seu maior conhecimento
nos assuntos de ordem geral, os editorialistas costumam
ter, uma vez cada semana, reunioes com personalidades
Jornalismo Opinativo 10 7
especiaiizadas em assuntos de interesse niio muito
imediato, mas que funcionam eOl1lo informaciio num
processo de esclarecimento confidencial off the record.
Observa-se entao que cada editorial, numa grande
em£.r~;alOi-nalrstica, passa por urn sofisticado processo de
' .depu~a~ao dos fatos, de conferencia dos dados, de checagem
.das fontes. A decisao e tomada pela diretoria, funcionando 0
-'-editorialista, que se imagina alguem integrado na linha da
instituicao, como interprete dos pontos de vista que se
convenciona devam ser divulgados, Alem disso, 0contacto com
personalidades externas a organizacao significa a sintonizacao
com as torcas de que depende 0jornal para funcionar ou cujos
interesses defende na sua politica editorial.
Esta distante aquela pratica deredacao dos editoriais nos
velhos jomais e revistas, cuja tarefa era desempenhada pelo
"dono", ouseja, pelo jomalista-proprietario. Como hoje as
empresas jornalisticas pertencem a grandes corporacoes ou sao
gerenciadas por pessoas que nern sempre ernergiram
profissionalmente do jornalismo, e compreensf vel que precisern, apelar para redatores tar imbados que fazem a mediacao entre a
opiniao insti tucional e a mensagem estampada nos editoriais.
'.. Mas alern desse traco politico-social, 0 editorial como
genero jornalistico tern sua identidade redacional. Fraser Bond
diz que se trata de urn ensaio curto, ernbebido do senso de(/i""oportunidade.FO editorial do jornal hodierno tern emergido
como uma formajornalfstica peculiar . Seu primo Iiterario mais
proximo e 0 ensaio. Mas 0 edi torial difere do ensaio, em sua
brevidade e tambem porque insi ste em sua natureza
conternporanea'j'" .
Esse perf il do editorial na imprensa norte-americana
corresponde em grande parte a sua feicao brasile ira. Juarez
Bahia 0 confirma: "Parente literario do ensaio, 0 editorial e , no
jomal, no radio ou na televisao, a palavra do edi tor, a opiniao
do veiculo ou da empresa. Ant igamente essa opiniao t inha 0
nome de artigo-de-fundo ou cornentario'"?".
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 5/46
108 ;:,;J JQs~~14elo'J 'n"c~ /1, fi ,);
Z 'J T<7(Q)C(>JUCVD0';'j
3') CAi~· d2<m~)A, - (~1 87o:JJ-c)~'cb
. :o/"i'~:JS a que constitui .at!.i.buto"e~.J:lgc.((icodo editorial?
, ,Bel~. . ~ponta q~~tro(-.rrmpesso~~e (nao se trata de
IIlatena assinada, utilizarido-portanfo a,erceira pessoa do
singular ou a primeira do plural);I:t6~e (trata de um
lema bem delimitado, mesmo que a;'nda ;ao tenha adquirido
confi .g~ra, .aO,p.UbliCa)(~o;;d(~de (poucas id~~ando
maier ~nfase as aflrmay~e-&tttteitsClemonstraC;:6e~;"plasti':~:!!l,ie
(flexibilidade, maleabilidade, nao dogmatismoj/ ---
Retomemos essesatributos e os analisemos brevemente.
A impessoalidade tern suas rafzes na propria transicao das
insti tuicoes jornalfsticas, que deixaram de ser propriedades
, individuais ou familiares e se tornaram organizacoes complexas.
Logo, nao ha rnais lugar para o"artigo de fundo"que era
assinado peloproprietario, A topicalidade emerge da alteracao
ocorrida na estrutura editorial das ernpresas brasileiras .
principalmentedos jornaisdiarios, que substitufram a editorial
unico (enecessariarnente abrangente) por varies editoriais, cada
urn deles tratando de questao especifica, dentro de limites
precisos e analisados com cornpetencia. A condensabilidadce
uma contingencia dos tempos modernos. 0 leitor dos dias
.atuais, vivendo nos grandes centres urbanos, disp5e de tempo
escasso para a leiturado jomal, E se a editorial pretende
formular um ponte de vista significativo obtendo a adesaodo
publico, necessita ser breve e claro. A plasticidade decorre da
propria natureza dos fenomenos jornalist icos. Nutrindo-se doefemero, do circunstancial, 0 relata jornalistico nao pode
permanecer estatico. E, se the cabe valorar os fatos que estao
acontecendo, e indispensavel acornpanhar 0ritmo dos proprios
fatos e apreende-Ios nos seus desdobramentos, nas suas
v ari acoes ,
Mesmo possuindo esses atributos, 0 edi, torial nao
consegue galvanizar 0interesse de maior contingente do publico
leitor dos jornais diaries. Jose Nabantino Ramos!" rnenciona
pesquisas feitas em Sao Paulo que constatam 0 seguinte: "as
editoriais sao lidos par menos de 10% dos leitores", Danton
Jobim'< diz que "le-se hoje menos a editorial que no passado",
Jornalismo Opinativo 109
Par que 0 leitor brasileiro recusa 0 editorial? Alan Viggiano '66
aponta algumas raz5es: 1) a edi torial e massudo - macico, sem
subtftulos, com poucos paragrafos, muito intelectualizado; 2)
destina-se a uma determinada c1asse de leitores - empresarios
e politicos; 3) nao e valorizado - figura isoladamente na
superficie impressa, distante das materi as que tratam
inforrnativamente dos mesmos temas; 4) nao interessa ao leitor
- geralrnente a tema abordado nao diz respeito ao universo
especltico do publico.
Na ultima metade do seculo XX, algumas rnudancas
ocorreram na estrutura dos jornais e algumas dessas criticas
foram sanadas, Os editoriais hoje gozam de melhor posicao na
superffcie impressa, sendo mais legiveis e menos rnassudos.
Mas 0 fundamental nao se alterou. Os editoriais continuama
tratar daqueles temas que nao correspondem aos interesses
cotidianos dos seus leitores, Persiste a atitude de tornar como
referencial para?posicionamento cotidiano aquelas quest5es
ja apontadas por Brurn - poli tica, economia, administracao -
deixando it margem problemas ligaclos ao mundo do trabalho,
a saude, a educacao. E se eventualmente tais nuancas sao
captadas e valoradas e porque assumem 0 carater de assuntos
que atestam a disfuncionaliclade ou a negligencia dos
organismos govemamentais. Nunca sao tratados na sua essencia,
Mas este nao e urn problema especffico dos editoriais.
Trata-se de uma caracterist ica dos jornais diaries brasileiros,
que assumem postura claramente elitista. As excecoes sao as
dos jornais "populates" que levam a sensacionalismo a
consequencias desrnedidas e tarnbern nao se preocupam com
as questoes fundamentais do publico leitor. Tratam alias de
despista-las.
Eliminar pura e simplesmente as editoriaisnao e urna
medida que conte com a aprovacao dos leitores (e da qual
certamente as instituicoes jornalfsticas sequer cogitam). Numa
pesquisa feita no Rio de Janeiro, 78% dos entrevistaclos
repelirarn a hip6tese de suprimir os editoriais dos jornais
brasileiros, justificando: "0 editorial e urna janela que permite
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 6/46
110 Jose Marques de Melo
a expressao do ponto de vista que oferece aos lei tores melhor
ideia dos fatosnacionais e intcmacionais" .Ver ificou-se, por
outro Iado, que os leitores de edi toriai s per tencem it "idade
madura, embora osjovens nao 0 deixem de lado'"'".
Danton Jobim chegoll a cogitar do editorial "ideal":
"aquele que, realmente, se possa resumir em dois paragrafos:
o primeiro enunciando a tese, numa frase curta, e 0 ultimo
confi rmando-o, numa frase incisiva, que ser ia a arnpl iacao da
primeira'v'".
A Iormula de Jobim chegoua ser aplicada pelaFolha de
Sao Paulo, nadecada de 60, publicando "textos opinativos,
com tftulos na pagina editorial sobre os principais assuntos do
dia", conforme constatou Belt rao. Ele tambem observou que
jornais cariocas fizeram inovacoes: 0 Correia daManhd chegou
a. u sar subtitulos e 0 Globo deslocou seu editorial para a
prirneira pagina'<' .
. Onde estao ceme do problemazPor.que 0editorial nao
snscita 0 interesse dos grandes contingentes deleitores? Alern
das razoesja apontadas (0 conteiido do proprio editorial),
Beltrao identifica 0anacronismo ou superacao das paginas onde
os editoriais se localizam. Segregar todo 0 conjunto das
principais materias opinativas nurna iinica pagina constitui urn
erro de concepcao no modo de "exprimir a opiniao do editor".
Sua sugestao e ade cornbinar os generos opinativos com os
dernais generos no conjunto da superffcie impressa.1 : . maioria dos jornais di~riQsno Brasil perrnanece
contudo rnantendo 0 editorial na pagina chamada deopinilio.
Ou melhor, os editoriais, pois vern se tomando gerala orientacao
de publicar pontos de vista sobre as principais questoes do
momento. Daf a existencia de diferentes especies de editoriais.
Beltrao classif ica-os segundo cinco variaveis: morfologia,
topicalidade, conteiido, estilo e natureza'?".
Quanto it morfologia, os editoriais que aparecem na
imprensa brasileira se diferenciam em: artigo de fundo (editorial
principal), suelto (pequena analise sobre um fato da atualidade)
e nota ( registro ligeiro de uma ocorrencia, antecipando suas
Lornalismo Opinativo III
consequencias ao leitor). A topicalidade produz tres especies
de editoriais: preventivo (focalizando aspectos novos que
podem produzir mudancas), de acao (apreendendo 0 imp acto
de uma ocorrencia) e de consequencia (visual izand o
repercussoes e efeitos) . No que se refere ao contet ido, temos:
informative (esclarecedor), normativo (exortador) e ilustrativo
(educador) . 0 estilo pode sugerir duas especies: 0 intelectual
(racionalizante) e 0 emocionai (sensibilizante). Finalmente,
quandoitnatureza, 0 editorial se divide em: promocional
(cocrcnte com a linha da empresa), circunstancial (oportunista,
irnediatista) e polernico (contestador, provocador). 0editorial
e urn gencro quase exclusive da imprensa, ou, mais
precisamente, dos jornais. Nas revistas, 0editorial aparece com
'-mais f requencia nos peri6dicos culturais ou poli ticos, pois as
revistas de informacao geral recorrem as "cartas dos editores,
mai s prox imas daquilo que poderfamos chamar de
merchandisingjorhaifsdco do que de expressoes opinativas",
No radio e na televisao, a presen~a do editorial e
epis6dica. Quase sempre ocorre em momentos de crise, de
conturbacao social, quando as emissoras se sentem compelidas
a dizer 0 que pensam sobre os acontecimentos.
A explicacao para essa ausencia do editorial no
jornalismo eletronico nos 6 dada por Zita de Andrade Lima:
"Na pratica, poucas emissoras brasileiras editorializam, e isto
se deve, entre outras razoes, pelo receio da responsabilidade,escassez de bons editorialistas, ignorancia do seu poder na
formacao da opiniao publica e pouca dose de interesse no bern
comum". Mais adiante, ela apresenta a razao que nos pareee
decisiva: "...0radio e uma concessao do Estado e sua utilizacao
pelos que exploram as ondas rnagneticas esta sujeita a urna
serie de imposicoes regulamentares e tecnicas que impoern ao
diretor, como ao editorialis ta , muito mais cuidado na producao
e difusao de programas opinat ivos"!" .
Mesmo quando aparece de forma bissexta, 0 editorial
no radio e na televisao nao tern fisionomia propria . Eo editorial
falado, 0editorial l ido. Sua estrutura segue a mesma tecnica de
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 7/46
11 2 LoseMarques de Mela
elaboracao do.editorial que se publica no.jornal, adicionando-
sea leitura do. texto uma "caracteristica sonora especial" no.
caso do radio, e a cena de locucao, no. c aso da TV.
:j{ ( t 3 ) Comentario,~,
Genero s6 recenternente introduzido no Brasil, 0
cornentario atendeu a uma exigencia da mutacao jornalfstica
que se processou atraves da rapidez na divulgacao das noticias
(radio e televisao), Informado rapidamente e resumidamente
dos fatos que estao acontecendo, 0 cidadao sente-se desejoso
de saber urn Po.uco mais e quer orientar-se sobre 0 desenrolar
das ocorrencias.
Hamuito tempo 0 cornentario era cultivado no
jornali smonorte-americano, onde s'e'p!ivilegiavam cer tas
figuras de relevo (oriundas da pr6pria profissao), cujo espaco
cultivado permitiu que se convertessem ern opinion-makers'F .
C/r/Ocornentarista e geralmente urn jornalista com.grande
experiencia e tirocinio, que acornpanhaos fatos nao apenas na
sua aparencia, mas possuidadossernpre disponiveis ao cidadao
comnm. Trata-se de u~n' observador privilegiado, que tern
condicoes para descobrir certas tramas que envolvem os
acontecimentos e oferece-las a cornpreensao do publico.Quase sempre bern rernunerado, 0 cornentarista e urn
profissional que possui farta bagagem cultural, e portanto t~~'"
elementos para emitir opinioes e valores capazes de
creciibilidade. Atua assim como lider de opiniao, Seus juizose
apreciacoes merecem respeito nao so dos receptores, mas
tambem dos personagens do mundo da noticia.
Contudo, 0 comentarista nao e urn julgador partidario,
alguern gue faz proselitismo ou doutrinacao. E urn analista que
aprecia os fatos, estabe1ece conexoes, sugere desdobrarnentos,
mas procura manter, ate onde e possivel, urn distanciarncnto
das ocorrencias. Isso nao quer dizer que seja neutro. Ao
Jornalismo Opinotivo 113
contrario , trata-se de urn profissional participante, qne possui
opiniao pr6pria, mas atua como agente da noticia e nao procUl'a
exercer sua funcao para extrair vantagens posteriores (cargos
publicos/ascensao polftica)!" .Em sintese, assume-se como juiz
--aacoIsa-publica. Orienta sem impor. Opina sem paixao. Conduz
sem se alinhar.
o cornentario surgiu como tentativa de quebrar 0
monop6Jio opinativo do editorial. Esse rnoncpolio era
consequencia da unidade ideo16gica gue possui 0 jornalismo
pre-industrial. Mas, quando as instituicoes jornalfsticas tomam
carater mercantil, seus dirigentes deparam-se com a
inevitabilidade das concessoes sociais. Concessoes ao Estado,
que man tern sua espada legal permanenternente afiada;
concessoes aos grupos economicos, que controlam 0 Iluxo
financeiro atraves da cornpra de espaco/ternpo para os anuncios;
concessoes it audiencia, cia qual dependem para justi ficar os
proprios investimentos publicitarios. Por isso, tomou-se
incornodo mantcromonopouo opinativo que express ava,
atraves do editorial, 0 ponto de vista das forcas diretamente
responsaveis pelo funcionarnento da empresa jornalistica.
Desta forma, 0 cornentario emerge como genero
definido, realizando uma apreciacao valorativa de determinados
fatos. A ot ica util izada nao e necessariamente a da empresa.
Abre-se oportunidade para que 0 jornalista competeute possa
emitir suas propri as opinioes, responsabilizando-se
naturalmente por elas.
Enquanto 0 editorial se adstringe a emissao de opinioes
sobre os fatos de maior importancia, 0 cornentario cumpre a
tarefa de examinar fatos tam bern significati vos, mas de menor
abraugencia , com independencia em relacao a linha editorial.
A vigencia do comentario e uma funcao da projecao do
comentarista. Criando vfnculos com QS receptorcs, 0.
comentarista torna-se urn ponto de referencia permanente. Suas
avaliacoes da conjuntura sao buscadas porque 0 cidadao quer
saber como comportar-se diante dos acontecimentos,
reforcando seus pontos de vista ou procurando conhecer novos
prisrnas para entender a cena cotidiana,
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 8/46
IJ4 Jose Marques de Melo
Os grandes mit os do jornalismo norte-americano como
.Walter Lippmannl74 ou James Reston!" firrnaram-se no
panorama polit ico atraves do comentario. 0mesmo pode-se
dizer, 110 Brasil, de Newton Carlos ouPaulo Francis .
o surgimento do comentario no jornalismo brasileiro
afigura-se como espaco propicio para a expressao opinat iva
dos .seus profissionais. As oportunidades para a manifestacao
de opiniao emnossos vefculos jornalfsticos sempre estiveram
acessiveis aos grandes intelectuais ou aosreporteres destacados.
Nunca aos redatoresque de~onstravam potencialidades deanalise e de previsao dos acontecimentos. Aos que revelavam
tendencias dessa natureza restava achance de produzir editoriais
na rnedida emquemerecessem a confiabilidade cia empresa,
Com excecao dos reporteres de "faro" que descobriam
fates sensacionais e mobilizavarn 0 . interessedo publico, 0
. jornalismo brasi leiro sempre foi avaro..em proj etar grandes
. n o m e s , Uma das raridades e Ass is Cha t eaubri and , que praticou
intensamente 0 comentario ja na decada de 50, mas isso se
expliea pelo faro de ser ele 0 proprietario dos jornais em que
escrevia'". ..
Iiem meados da decada de 60 que a imprensa brasilei ra
passa por umpenodo de "modernizacao", Alern de incorporar
as novas conquistas tecnol6gicas, absorve tambem alguns dos
padroesdo jornalismo norte-americano, entre os quais 0 tipo
de unidade redacional assinadapor urn jornalista competente
que se torna, pouco a pouco, personalidade publica pelasopinioes que ernite.
Essarevolucao cornec a com Ultima Hora,jornal criado
por Samuel Wainer, no Rio de Janei ro, que se t ransformaria
em cadeia nacional. Profissionais categorizados sao chamados
a atuar como observadores do cenar io noticioso e transmi tir
suas impressoes aos leitores. 0 padrao seria acompanhado pelas
grandes empresas - JB, Estadao, Folha de S. Paulo, Abril,
Comentaristas como Carlos Castelo Branco, Carlos Chagas,
Newton Carlos, Alberto Dines, Josue Guimaraes, Mino Carta
etc. despontam como exegetas do transitorio, como captadores
Jomalismo Opincuivo
do sentido que entrelaca cada faceta do movimento da
sociedade.
o que e 0 comentario? Martinez Albertos'" diz que eurn "editorial assinado". Eugenio Castelli'" 0 identifica como
gcnero intcrmediario entre 0 editorial e acronica, porque utiliza
o metoda expositivo do editorial, mas introduz a ironia e 0
humor da cronica,
N a verdadc 0comentario tern sua propria especificidade
enquanto estrutura narrativado cotidiano. Trata-se de urn genera.
que mantem vinculacao estreita com a atualidade, s~ndo
produzido em cimados fatos que estao ocorrendo. Vern Juntocom a pr6pria noticia. Por isso e diffcil de ser rcalizado,
exigindo muita argucia no sentido de evitar prognosticos nao
confirmaveis,
. . . Tern razao Martinez Albertos quando diz que 0
cornentario e 0 "vaticinio mais au menos profetico do posterior
desenvolvimentodosfatos". Para tanto, ocomentarista precisa
ser muito bemjnf~;mado.de modo. a julgaros aconteeimentos
~omraPldez e prever seus .desdobramentos!".
o comentario explica as noticias, seu alcance, suas
circunstancias, suas consequencias. Nem sempre 0comentarista
emite uma opiniao expllcita. Sen julgamento e percebido pelo
raciocfnio que util iza , pelos rumos da sua argumentacao.
Uma earacteristica inerente ao comentario e a sua
continuidade. Uma materia que contern apreciacao sobre urn
fato art icula-se necessar iamente com as que a antecederam e
com as que virao. Pois 0 offcio do comentarista e justamenteestabelecer 0nexo que liga os fatos. E estes s6 adquirem sentido
no tempo. Uma versao apresentada hoje pode sofrer alteracao
amanha, de acordo com as tendencias da real idade. Compete
ao comentarista perceber essas mutacoes e ajudar 0 seu publico
a entende-las,
Quando urn conjunto de comentarios e reunido em livro
anos depois da sua publicacao, como 0 fez Carlos Castelo
Branco com as visoes do movimento mili tar de 1964, pode-se
observar com nitidez essa transitoriedade de eada texto,
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 9/46
116 Jose Marques deMelo
Todavia, a leitura continuada assegura a compreensao do todo,
a partir sempre do roteiro corretivo que 0 comentarista tern
necessidade de.fazer. Cada comentario do presente pode ser
capitulo da historia que se faz. Y
Referindo-se, por exernplo, a Newton Carlos cujos
comentarios rotula indevidamente como "cronicas", 0jornalista
MarcioCavalheiro, na resenha "Grotesca America" (Jamal do
Brasil, 26-08-1979), apreende essa dirnensao historica (dai
talvez 0 emprego das palavras "cronica", "cronista", que
correspondem a "registro para a historia", "historiador do
presente") dasmaterias que integram 0volume America Latina:
dois pontes (Rio de Janeiro, Codecri, 1978). ~ "Escritas muitas
vezes diante do proprio cenario em que sede~enrolam os fatos,
essas cronicas, em seu conjunto, acabam por formar urn painel
expressive da sombria realidade deste pedaco de mundo . .. ( . .. )
... N~wton Carlos pouco argumenta em favor dos seus pontos
de vista. Jogaos fatos na mesa edeixaque eles falern por si
proprios. Epara que falem com maior eloquencia, 0 autor
recorre asjustaposicoes, aos similes, as metaforas, a iluminacaorestrita do palco, mostrando apenas 0personagem que conduz
a'a~'ao".
A angulagem do comentario e 0imediato. Ver e perceber
o que transcende a aparencia constitui seumaior desafio. Exige
uma permanente sintonizacao do jornalista que pratica esse
genero corn suas fontes de inforrnacao.
Sua tecnica de realizacao e mais livre que a do
editorial. Estrutura-se em duas partes: a) sintese do fato e
enunciacao do seu signi ficado; b) argumentacao que sugere
oseu julgamcnto.
Rararnente 0 comentario e conclusivo. Arriscar uma
conclusao e perigoso, ja que se lorna exiguo 0 tempo que tern
o comentarista entre a ocorrencia e a sua apreciacao. As
conclusoes VaG emergindo naturalmente como con sequencia
dos julgamentos anteriores.
Por sua propria natureza, 0 comentario exige
especializacao. Nao ha comentarista de assuntos gerais . Cada
Jornalismo Opinativo 117
jornalista acumula expcriencia e conhecimento num setor
(polftica, economia, esportes) e se dedica a discernir a evolucao
do que acontece. Comentar e uma tarefa que pressup5e
ancoragem informativa e 'perspectiva historica. Sem dispor de
dados concretos e de referencial analftico, 0 comentario corre
o perigo de cair no vazio e frau dar 0 receptor. Afinal de contas,
quem recorre ao comentario quer dispor de urna bussola para
entender a conternporaneidade.
Castelli identifica tres especies de comentarios:
1) Analise de urn problema (cujo estilo e similar ao
editorial , manejando dados eruditos e imprimindo
certa subjetividade, mas agregando traces de humor
e ironia);
2) Documentacao de urn fato (utiliza 0 estilo do
relat6rio, valendo-se muitas vezes dos recursos da
reportagem, sem excluir porem a forrnulacao de
juizos pessoais provenientes da observacao direta);
3) Crftica de uma situacao (apreciacao pessoal,
realcando a natureza da situacao analisada, mas
antecipando as possibilidades de solucao),
o comentario ainda nao teve 0 seu diagn6stico feito com
precisao nojornalismo brasileiro . Historicamente ele surge na
decada de 50, principalmente com a expansao da televisao, e
atinge urn perfodo de fulgor na prime ira metade da dec~da de
60. Mas como comentar e uma atividade jomalistica que nao
pode prescindir de liberdade, no duplo sentido de expressar
pontes de vista e de apreender 0 que ocorre no cenario dos
acontecimentos, observa-se urn declinio apos 0golpe de 1964:
Alem da censura que se estabelece nos processos de difusao,
com maior ou menor intensidade, verifica-se tambern 0
fecharnento das fontes de informacao. Urn dos traces dos
governos mili tares foi a circunscricao das decisoes polit ic as
aos reservados gabinetes das figuras de projecao e 0 certo ar de
'misterio que cercou 0 palco da noticia. Muitas medidas de
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 10/46
11 8 Jose Marques de Melo
grande repercussao no campo politico ou econornico passaram
a ser anunciadas desurpresa, pegando a opiniao publica
desprevcnida,
As pesquisadoras Scavone, Bel loni e Garbayof", que
estudaram 0noticiario polit ico brasileiro, na decada de 60, em
jornais cariocas, registraram essa mudanca radical que ocorre
no comportamento informative da grande imprensa, antes e
depois de 1964.
E natural portanto que os comentaristas tenhamencontrado inibicao para 0exercfcio do seu trabalho. Alguns
importantes jornalistas, que se dedicaram ao comentario na
cadeia Ultima Hara etambcm em outros jornais, praticamente
desapareceram davida nacional, cassados, acuados ou
amedront ados , Outrostiverarn s eu e s p a co de a tuacao restringido
pelas pr6prias empresas jornalfsticas, ternerosas de desagradar
os novos donos do poder.
Figuram .solitariamentecomocultores desse genero
personalidades como Carlos Castelo Bi:anco (Jamal do Brasil)
ou CarlosChagas (0 Estado de S. Paulo), alem de Newton
Carlos,dedicado ao comentario de assuntos internacionais.
Sao os tempos da distensao ..ou da aberturaque fazem
renascer 0 cornentario, Durante.o penodo da censura ostensiva,
quando alguns jornais chegam a registrar 0corte de informacoes
(atraves dos espacos em bran co ou dos poem as de Camoes e
das receitas culinarias), e compreensivel que 0pr6prio publiconao tenha mostrado interesse em ver comentado 0 noticiario
politico. Se a propria noticia nao merecia veracidade, porque
os cidadaos tinham consciencia do seu controle pelos militares,
entao nao valia a pena ler os cornentarios. Os que permanecerarn
ativos entregararn-se a urn trabalho refinadissimo de explicar
os fatos atraves de uma Iinguagem cifrada que 56os iniciados
nos bastidores dapolit ica podiam perceber com exatidao,
o campo que se afigura livre para 0 cornentario e 0 dos
esportes, nao apenas pela coincidencia da valorizacao do futebol
como valvula de escape nacional, mas pela liberdade de atuacao
de que gozam os jornalistas esportivos para emitir conceitos e
Jornalismo Opinativo Il 9
sugerir julgamentos. 0 cornentario esportivo floresce nos
jornais . revistas especializadas e ganha enorme importancia no
radio. Sua preseOl;:a na televisao torna-se imprescindivel nos
momentos em que as disputas interclubes atingem seu auge,
sobretudo para atender ao anseio de compreensao da cena
esportiva pelo receptor que nao e aficcionado daquela
modalidade de esporte.
Com a abertura, especialmente nos anos 1975-1976. 0
comentario reaparece com vigor. Na imprensa diaria, essegenera encontra na Folha de S. Paulo oportunidade para 0 seu
desenvolvimento e tambem para a sua melhor configuracao
estrutural'!". A transforrnacao da pagina opinativa daquele
matutino paulista, reintroduzindo ate mesmo 0 editorial que
chegou a ser suprimido durante certo tempo, abre espa~o para
a. atuacao de varies comentaristas (Alberto Dines, Ruy Lopes,
Josue Guimaraes, .Samuel Wainer etc.). 0 jornal adota a
iniciativa de'co~entar os acontecimentos a partir de diferentes
angulos geograficos: as rubricas dos comentarios distribuem-
se segundo as principais cidades brasile iras, onde residem e de
onde os comentaristas observam a vida politica. Outra inovacao
e a de valorizar 0c o m e n ta r io e c o n o m ic o p e la s ig n if ic a ca o cada
vez maior que a econornia assumiu no quadro da modernizacao
nacional. Emerge entao 0 maior cultor desse genero no pals,
que e Joelmir Betting.
A importancia dos comentarios publicados na Failla deS. Paulo justifica-se pelo perfi l narrat ivo que 0 genero al i
assume. Distanciando-se do tom solene, do esti lo rebuscado e
da exposicao metaforica (comum em Castelo Branco e Carlos
Chagas, mas que atinge sua maior sofisticacao em Vilas Boas
Correia), 0 comentario na FSP adquire leveza, agilidade e
simplicidade. Usando frases curtas, atraves das quais as
informacoes precis asfluem com naturalidade, os comentaristas
costuram 0 tecido do cotidiano e sugerem a tendencia visfvel.
Muitas vezes, 0 mesmo acontecimento merecia diferentes
comentarios. ensejando a percepcao dos prism as que os fatos
adquirem a partir da sua repercussao em varies pont os do
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 11/46
120 Jose Marques de Melo
territ6rio nacional.
Do jornal, 0 comentar io ganha a televisao. Ali tern seu
espuyo garantido nos assuntos internacionais, Newton Carlos
inicia competenternente 0 seu exercicio, mas nunc a chega a
atingir 0 'padrjto ideal para 0 cornentario televisivo, pois
permanece preso ao texto, se nao 0 texto lido, a cxpressao oral
atravessada pela construcao escrita. 0 cornentario na TV
brasileira atingesua plena expressao com Joelrnir Bett ing,
inicialmente na area econornica e depois ampliando-se para 0
setor polit ico-social . Posteriormente, Paulo Francis dedicou-
se cam inteligencia, ironia e conhecimento a comentar os fatos
internacionais e as.ocorrencias ligadas it vida nacional cujo palco
J6i deslocado para Nova Iorque. .
Foi porem no radio que 0 comentario encontrou sua
.maior expressaono jornalismo brasile iro contemporiineo.
Dmante muito tempo, ele se fez por personagens como Vicente
Leporace que realizou cotidianamente no prograrna 0 Trabuco
(Radio Bandeirantes) uma analise informal do noticiario
.publicado nos jornais da manha. Era 0 cornentario das
ocor rencias que ganhavam as manchetes, numa linguagem
direta, coloquial, mas sern diivida presaa const rucao verbal
mais elaborada. As frases de Leporace, por exemplo, fluiam
no velho estilo discursivo, retorico, impostado, apesar da forca
emotiva que muitas vezes imprimia.
Nos iil timos anos, depois da anistia, das eleicocs diretas
para governadores, do agucamento da crise econornica, quando
toda a sociedade civil despertou para os problemas nacionais,
o comentario ganhou enorme espaco nas emissoras de radio e
adquire pouco a pouco a sua identidade, enquanto genero que
se liberta da expressao elaborada, apreendendo 0 sentido dos
acontecimentos por intermedio de uma linguagem descontraida,
natural, espontanea. Programas como os que Nevile Jorge e
Maria Lidia rnantem diariamente na Radio Record iotroduzem
a especie do cornentario dialogado, que suscita no ouvinte a
impressao de estar participando de uma con versa agradavel,
ondeos fatos de rnaior interesse sao repassados e avaliados.
Lornalismo Opinativo 121
o segredo do comentario radiofonico tern sido 0de
ampliar 0seu universo tematico, nao restringindo-se a politica,economia e esportes, como ainda ocor re nos jornais, revistas e
televisao, mas captandoaquelas facetas cia vida social que
expressam as vicissitudes do cidadao comum: 0eusto de vida,
os problemas de transporte e habitacao, as quest5es ligadas it
educacao e a saude, sem perder de perspectiva a sua insercao
no conjunto da vida nacional.
Observa-se porem que 0 comentario radiofonico ainda
mantem uma dependencia em relacao aojornal diario , que serve
como fonte de referencia para a selecao dos fatos a merecerem
analise, elucidacao e julgamento.
4.Artigo
A palavra artigo possui duas significacoes. 0 senso
comum atribui-lhe 0 senticlo de materia publicacla em jornal
ou revista. Qualquer que seja. E comum ouvirmos
popularmente: "Fulano, voce leu tal artigo nojornal? Ou entao:
Mandei por urn artigo narevista", Nao importa a natureza: todo
_ texto divulgado na imprensa se chama artigo!"' .
'-Outra significacaoe aquela peculiar as instituicoes
jornalist icas, que identif icam 0 artigo como urn generaespecifico, uma forma de expressao verbal's, .Trata-se de uma
materia jomalfstica onde alguern (jornalista ou nao) desenvolve
uma ideia e apresenta sua opiniao.
Se no jornalismo brasileiro 0 artigo tern essa dimensao
explfcita, representando aquele tipo de mater ia geralmente
escrita pelos colaboradores e que se publica nas paginas
editoriais ou nos suplementos especializados, isso nao ocorre
no plano internacional.
E comum urn uso mais amplo no jornalismo europeu 184
e norte-americano. 0 jornalismo anglo-saxao nao utiliza
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 12/46
122 Jose Marques de Melo
exatamente a palavra artigo. A imprensa norte-americana, por
exemplo, incIui esse generc" dentro da categoria ampla de
comment (diferente da story: noticia), J ana imprensa britanica
o nosso artigo corresponde ao genero que Afranio Coutinho"?
identificou como formal essay (e que, rigorosamente, nos
padr6es do jornalismo brasileiro , nao pass aria de uma especie
do artigo, como veremos adiante). .,.,".
Tornando como referencia 0j~tn~lismo espanhol, vamos
encontrar 0uso doartigo quase no mesmo sentido empregado
pelos norte-arnericanos: "uIJ.acategoria generica para qualquer
materia editorial ,ou seja, opinativa. Martinez Albertos"" diz
que 0 artigo se divide emduas categorias: oartigo editorial eo
artigo comentdrio. Na primeira categoria ele inclui a producao
propria do jornal ou revista, sua palavra oficial sobre os
acontecimentos. Na segunda, reline as materias assinadas pelos
jornalistas ou.colaboradores. 0 segundo tipo compreende
algumas subespecies: artigo dehumor, artigo de costume, artigo
doutrinario, artigo de divulgacao.
Por sua vez, Martin Vivaldi !" caracteriza 0 artigo de
modo mais abrangente, em sentido mais proximo da
signiflcacao especifica que assume no Brasil. Eis 0 seu conceito:
"Escrito, de. conteudoamploe variado, de forma diversa, na
qual seinterpreta.julga ouexplica urn fato ou uma ideia atual ,
de especial transcendencia, segundo a conveniencia do
articulista" .Nesse conceito de Vivaldi, dois elementos sao especfficos
ao artigo jornalfstico:
1) Atualidade - 0 articulis ta tem liberdade de conteudo
e de forma, mas ele deve tratar de fato ou ideia da
atualidade, coadunando-se com 0espirito do jornal. Eclaro que 0 senti do da atualidade nao se restringe ao
cotidiano, mas ao momenta historico vivido. Isso
justamente diferencia 0artigo do cornentario. Enquanto
o cornentario e produzido por jornalistas que analisam
os fatos em cima da sua ocorrencia, 0 artigo e
Jomalismo Opinativo
normalmente feito por colaboradores que apreendem
as dimensoes menos efemeras dos acontecimentos.
2) Opinii io - A significacao maior do genero esta contida
no ponto de vista que alguem expoe. E essa avaliacao
nao pode estar oculta, eventualmente dissimulada na
argumentacao (como por vezes ocorre no comentario) ,
mas deve apresentar-se claramente, explici tamente. A
opiniao ali ernitida vincula-se a assinatura do autor; 0
lei tor a procura exatamente para saber como 0 articulista
(em geral persorialidade destacada) pensa e reage diante
da cena atual.
Do ponto de vista formal , ident ificamos duas especies
de art{g:cis:_~artigo (propriamente dito) eo ensaio. A diferenca
entre ambos nao reside arenas na extensao (0 artigo e um ensaio
curloe';) ensaio e urn artigo longo) como pode ser percebido
visualmcnte na superffcieImpressa. Duas variaveis os
distinguem nitidamente. 0 tratamento dado ao lema indicando
qlle 0artigo contem julgamentos mais ou menos provisorios,
'porque escrito enquanto os fatos ainda estao se configurando;
jLo .ensaio apresenta pontes de vista mais definitivos,
alicercados com solidez, porque tem compreensao mais
abrangente do fato e pretende sistematizar 0 seu conhecimento.
Ilargumentar;ao utilizada no artigo baseia-se no proprio
conhecimento e sensibi lidade do art icul ista; no ensaio ela seapoia em fontes que se Iegitimam pela sua credibilidade
documental; permitindo a confirrnacao das ideias defendidas
pelo autor,
Ainda seria possf vel outra diferenciacao que corresponde
a uma tendencia, mas nao se pode tomar como regra. 0 artigo
geralmente aparece nas edicoes convencionais do jornal ou da
revista. 0 ensaio encontra espa<;:o mais adequado nos
suplementos especiais, edicoes dominicais dos jornais ou
edicoes tematicas das revistas.
Quanto II finalidade, 0 artigo toma duas Ieicoes:
doutrinario ciu cientffico.
123
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 13/46
124 Jose Marques de Melo
. °artigo doutrinario, para mantera expressao corrente
na bibliografia espanhola, seria aquele mais apropriadamente
chamado de artigo jornalfstico"? e que se destina a analisar
uma questaoda atualidade, sugerindo ao publico uma
deterrninada maneira de ve-la ou de julga-Ia, Iiuma materia
atraves da qual 0 articulista participa da vida da sua sociedade
denotando a sua condicao de intelectual cornpromissado corn
opresente.
'A
O.attigo cic:ntifico destina-se a tornar publico0
avan<;oda ciencia, repartindocom os leitores novos conhecimentos,
novos conceitos. Nao e comum - mas tarnbem nao impossivel
-a publicacao de artigos cientificos nas edicoes diarias dos
jornais . Quase 'sempre eles aparecern nas edicoes dorninicais
dosdiarios ou pas secdesespeciais dos semanariose dos
peri6dicosde informacao geral,
Muitas vezes torna-se dif fcil distinguir ent re 0 artigo
doutriniirio eo cientffico quando estamos diante de
colaboracoes que tern como objeto as ciencias sociais. Af a
analise cientffica nem sernpre se distingue (pelo menos para 0
cidadao comum) da mera apreciacao jornalistica ou da
participacao polftica, Isso vemse tomando comum nas revistas
semanais brasileiras (Isla e, na sua primeira fase) ou nos
suplementos de.fim de semana ("Mais", na Falha de S. Paulo;
"Pros a e Verso", no jornal 0 Glaha), cujo quadro de
colaboradores tern se ampliado com a convocacao ou afluenciade pesquisadores sociais que se propoem a dizer 0que pensam
sobre os temas em debate.
. No tocante especificamente ao artigo cienti fico e precisodizer que existern duas subdivisoes explicitas:
a) Artigo de divulgar;aa - Destinado simplesmente a fazer
chegar ao conhecimento dos leitores novas descobertas, novas
hipoteses, ou sumariar 0 estado da pesquisa sobre urn
determinado setorcientifico. Manuel Calvo Hernando 190 chama
a atencao para a importancia desse tipo de artigo nos pafses de
fala espanhola, onde se Ie muito POliCOlivro e "0 artigo de
Jornalismo Opinativo 125
imprensa e a unica leitura transcendente e seria para milhares
de homens e mulheres".
b) Artigo educativo - Destinado a convencer os leitores
para a adocao de novos conhecimentos e 0 emprego de novas
descobertas. Juan Dfaz Bordenave'?' chama essa unidade
redacional de "art igo de convencimento di reto", pOl 'que sua
tarefa consiste em ir apresentando ao leitor uma serie de
argumentos que 0 conduzam 0 aeeitar a nova descoberta ou ao
uso de urna nova tecnologia.
Enquanto 0 artigo de divulgacao se enquadra naquele
setor da inforrnacao de atualidade rotulado como jornalismo
cientffico'?", 0 artigo educat ivo situa-se no segmento que se
chama jornalismo especializado 19J.
Cada especic de artigo tern suas pr6prias caracteristicas
redacionais. Nao ha urn padrao uniforme para a sua concepcao,
Depende da natureza do veiculoem que se publica. Bcltrao'?'
todavia defende a ideia de que a estrutura narrati va do artigo esemelhante a do editorial , con tendo os seguintes elementos: a)
titulos; b) introducao; c) discussno/argumentacao; d) conclusao.
Martin Vivaldi!" posiciona-se de outra maneira, c1iz~ndo que
no artigo "a forma flui do fundo"; seu estilo e 0 "est ilo do
articulista" 1 96 •
A verdade e que, sendo colaboracao espontanea ou
solicitacao nem sempre remunerada, 0 artigo confere liberdade
compleraao seu autor. Trata-se de liberdade em relacao ao tema,
~~j~izo de valor emitido, e tambern em relacao ao modo de
expressao verbal.
Seja qual for a estrutura dada ao artigo, 0 processo de
elaboracao nao muda. Martfn Vivaldi diz que ele passa POrtres
momentos fundamentais: invencao, disposicao e elocucao.
Inventar significa tirar do mundo, da vida; do mundo dos fatos
e das ideias. Irnplica em bus car na atualidade a motivacao
suficiente para justificar 0encontro com os leitores. Nao basta
porem identi ficar uma ideia, urn argumento; e preciso que 0
articul ista avalie sua capaciclade de desenvolve-Io. Dispor
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 14/46
significa colocar as ideias ern ordem. Aneta-las, na medida ern
que surgem, ordena-las, quando van crescendo. A disposicao eo equi lfbrio entre a inspiracao e a ordern. Nem arrastar- se pela
irnaginacao desenfreada, nem barrar 0carninho da reflexao corn
criterios excessivamente fechados. A elocucao corresponde it
expressao escrita das ideias ja planejadas. E 0momenta de dar
forma definitiva ao pensamento. 0 que nao significa apenas
escrever, mas pressupoe tambem rever, corrigir. E corrigindo,
abreviar, suprimir, substituir.
Esse e 0 processo ideal de criacao, E talvez possa ser
tornado pelos articulistas queescrevem sem a prcssaodo tempo.Aqueles que naopertencem aos quadros das instituicoes
jornalfsticas. Que escrevem descompromissados das rotinas da
producao industrial. Pois aos jornalistas profissionais nem
sernpree facultado seguir talesquema, proceder de acordo corn
os momentos da criacao preconizados por Vivaldi 197.
Quem escreve ar tigos no jornal ismo brasileiro? Tanto
pode ser urn jornali sta; pertencente aosquadros regulares da
instituicao noticiosa, quanto pode serum colaborador +escritnr,
professor, pesquisador, politico, profissional liberal- convidado
a escrever sobre assunto da sua cornpetencia,
A segunda hip6tesemostra-se maisprovavel, sobretudo
em faceda atual legislacao que regulame~ta a profissao de
jomalista. 0 colaborador e definido como nao-jornalista,
alguem que presta, sob forma remunerada, seja de modo
continuo ou esporadico, services eventuais it empresa
jornalfstica. Tanto assim que as organizacoes noticiosas
precisam manter livro apropriado para registro dos seus
colaboradores, indicando inclusive os seus pseudonimos,
A presen<;a do articulista na imprensa brasileira tern papel
significativo, pois contribui para dinamizar a vida dojornaI ou
da revista, superando as Iimitacoes naturais que perfazem a
sua fisionomia informativa ou opinativa. Estando menos
dependentc dos angulos de observacao da reaIidade que aqueles
circunscritos ao arnbiente jornalfstico, 0 articulista introduz
diferentes prismas para analisar a conjuntura e traz novas
inf'orrnacoes e ideias para cornpletar a critic a do cenario
sociopolftico.
Nemes como Tristao de Athayde, Barbosa Lima
Sobrinho, Raimundo Faoro, Gilberto Freyre tornaram 0
processo jomalistico mais agil, trazendo em seus artigos
concepcoes, valores e propostas capazes de transformar a
realidade. Sao autenticos representantes de uma sociedade civil
que luta por se afirmar e reduzir a oniprcsenca do aparelho
estatal,
Qilrtigo e 0genero que dernocratiza a opiniao no
jornalismo, tornando-a nao urn privilegio da instituicao
jomalfstica e dos seus profissionais, mas possibili tando 0seu
acesso as Iiderancas emergentes na sociedade. E claro que essademocratizacao constitui uma decorrencia do espiritode cada
vefculo: sua disposicao para abrir-se it sociedade e instituir 0
debate permanente dos problemas nacionais.
Urn dos casos mais recentes de esnmulo a essa
participacao de personalidade da vida publica - parlamentares,
dirigentes sindicais, autoridades religiosas, juristas, cientistas
sociais - na crftica das quest6es suscitadas pelo momenta
polft ico tern sido 0 da FoUta de S. Paulo, atraves da secao
"Tendencias/Debates", ondedesfilam temas e personagens que
mobilizam asociedade para abusca de alternativas institucionais
e de solucoes para os problemas fundamentals do pais.
o artigo e urn genero jornalfstico peculiar it imprensa.
Sua expressao nao ocorre no radio e na televisao, pela natureza
abstrata que possui, mesclando fatos e ideias, mas trabalhando
sobretudo os argumentos. Nos vefculos audiovisuais, 0 papel
que cumpre a intelectual idade atraves dos ar tigos de jornaI esuprido pOI intermedio da entrevista , Nao e raro que urn artigopublicado, defendendo ponto de vista inovador ou tese
polemic a, motive 0 pauteiro de urn radiojornal ou telejornal a
incluir urna entrevista numa de suas edicoes,
Iii dissemos anteriormente que 0 artigo, pOI sua concisao
e oportunidade, presta-se mais a publicacao no jornal , sob 0
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 15/46
128 Jose Marques de Melo
risco de ter os seus argumentos superados pela propria evolucao
dos acontecimentos. Enquanto isso, 0ensaio, por ser mais longo
e exigir argumentacao documentada, figura geralmente nos
cadernos culturais ou ciennficos (cujo compromisso com a
atualidade .nao e tao rigoroso), tendo lugar mais apropriado
nas revistas especializadas ou nos periodicos cuja circulacao e
espacada. ,
Discute-se, por exemplo, se 0 ensaio pode a rigor ser
considerado genero jomalfstico. A questao nao e simples. 0 fato
de uma materia ser publicada emjornal ou revista nao lhe confer!':
carater jornalistico. Isso adverrt da sintonizacao que apresenta em
relacao ao ritmo de vida (Groth) apreendido pelo veiculo.
Assim sendo, urn ensaio publicado em jornal ou revista
pode serum genero dojornalismo opinativo, mas tam bern pode
seruma forma de expressao da li teratura. Por isso, Afranio
.Courinho!" faz questao de distinguir 0ensaio do estudo, 0
ensaioapresenta-se cornogenero tipicamente jornalist ico de
acordo com 0seu senti do britanico original: tentativa. 0estudo,
tendo carater menos provisorio, assume a feicao de uma
producao literaria ou cientif ica, sendo mais cornpatfvel com 0
livro ou os peri6dicos nao-jornalfsticos
Essa visao de Afranio Coutinho nao c, porern, muito
tranquila. Talvez corresponda it tipicidade da producao literaria
inglesa. Pois, no caso frances, encontramos 0 termo etude como
sin6nimo de ensaio. Diz Andre Boyer"? que "urn estudo e urnartigo longo, bern documentado e aprofundado, sobre urn lema
em geral compJexo".
Admitindo, no entanto, para fins metodol6gicos, a
diferenciacao de Afranio Coutinho, e irnportante registrar que
o essay ingles possui duas variantes: 0 ensaio de apreciaciio
' (descritivo, impressionista , pessoal, que corresponde mais it
nossa cronica) e 0 ensaio de julgamento (regular, met6dico,
deritro de uma estrutura formal de explanacao, discussao e
conclusao, em linguagem austera, que 8e aproxima mais do
n08SOartigo ou do n0850 ensaio, ou talvez, da nossa resenha
literaria).
Jomalismo Opinativo 129
De qualquer maneira , 0 artigo (ou sua especie , 0ensaio)
publicado na imprensa tern mais potencialidades para vir a ser
considerado uma producao literaria , Beltra0200 explica bern:
"Articulistas e cronistas sao autenticos literatos, e , nao tendo,
como 0 profissional do dia-a-dia, de submeter-sc it maior
pressao do tempo reduzido da producao coercitiva diaria,
podem burilar suas materias nao raro tornando-as antol6gicas
e conferindo-Ihcs aquela perenidade que consti tui excecao no
exercicio da atividade jornalfstica",
Se, rio passado, 0 espar;o aberto para a colaboracao dos
intelectuais era maior, ria imprensa brasileira, hoje elese reduz,
pela pr6pria tcudcnciaque assume 0 jornal ismo impresso de
se pautar pOl' modelos industriais de efic iencia e
profissionalismo. Os .artigos enviados espontaneamente por
colaboradores (remunerados ou nao) passam pOl'urn processo
mais selet ivo, priv ilegiando a atualidade do tema debat ido ou
capitalizando 0 prestfgio do seu autor naquele momento. Nao
e de ~;ti'anhar que Luiz Beltrao tenha observado em jornais de
diferentes cidades brasileiras a transferencia da "colaboracao
espontanea, gratuita" para a "secao opinativa do leitor'"?' .
5. Resenha ou crftica
o genero jornalfstico que se convencionou charnar de
resenha corresponde a uma apreciacao das obras-de-arte ou
dos produtos culturais , com a finalidade de oriental' a acao dos
fruidores ou consumidores. Na verdade 0 termo reseuha ainda
nao se generalizou no Brasil, persistindo 0emprego das palavras
critica para signiticar as unidacles jomalisticas que cumprem
aquela funcao e critico para designar quem as elabora.
Por que esse descornpasso? A explicacao esta na transicao
par que passou 0 jornalismo brasileiro, da fase amadoristica
(quando os espacos dos jomais e revistas estavarn franqueados
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 16/46
130 lose Marques deMelo
aos intelectuais para 0 exercicio, eventualmente remunerado,
da analise estetica no campo da literatura, musica, artes
plasticas) para 0perfodo profissionalizante (momento em que
a valoracao dos produtos culturais passou a ser Iei t a
regularrnente , e portanto remunerada, adquirindo carater mais
popular). 0 que ocorreu foi a dupla recusa dos gran des
intelectuais e dos editores culturais em relacao ii . critic a
esteticamente embasada. Os grandes intelectuais porque nao
quiseramfazer concess5es 11sirnplificacao e ii . gcneralizacaopretendidos pela indust ria cultural'?", Os editores culturais
porque entendiam indispensavel ampliaro raio de influencia
da critica da arte, tornando-a uti litariaem relacao ao grande
publico e evitando 0 seu direcionamento para as elites
universitarias.
Resultado: os grandes intelectuais que continuaram a
realizarexercicios crfticos.estruturados segundo os padroes da
analise academicarefugiaram-se nos periodicos especializados
ou nos vefculos restritos ao segmento universitario da sociedade
brasileira. E se autodenominaram criticos, em contraposicao
aqueles que permaneceram nos meios de cornunicacao coletiva,
ouque seagregaram ao trabalho de apreciar os novos
lancarnentos artisticos, cujos textos passararn a chamar de
resenhas, traduzindo a expressao review ut ilizada pelo
jornalismo norte-arnericano.
Assim sendo, a resenha 6.hoje exercida, no Brasil , ..por
jornalistas quedesempenham (ou ja 0 fizeram no pass ado)
atividades vinculadas ao campo privilegiado de analise , 0 que
os torna competentes para esse trabalho Isso nao exclui a
e xist en ci a de "crfticos" que, designados para cobrir
determinadas areas da producao cultural, acabaram se
enfronhando nos bastidores do setor e despontaram como
analistas capazes de merecer a credibilidade do publico.
Historicamente, a apreciacao dos produtos cul turais
corneca na imprensa brasileira pelas areas artfsticas tradicionais:
l iteratura, rmisica, teatro, artes plasticas , E na medida em que
Jomalismo Opinativo ]3]
osjornais e revistas, ate 0 inicio deste seculo, destinavam-se a
uma parcela rest rita da populacao, a cr ftica podia se fazer em
profundidade. Havendo coincidencia entre 0 publico leitor da
imprensa peri6dica e 0publico consumidor das obras-de-arte,
era natural que os editores cedessem espac;o para a publicacao
de materias bern elaboradas, cujo cerne e a anali se da propr ia
obra-de-arte e nao a orientacao para 0 seu consumo. Quando 0
jornalismo atinge est ala indust rial e, a parti r da decada de 30,
'comec;a a ampliar consideravelmente 0 publico leitor,
abrangendo tambem a classe media e setores do operariado
qualificado, a apreciacao dos bens culturais busca novos
caminhos.
A"IIl,gq<!nc;a,)C;OlTeao apenas na forma - a substituicao
da cnticapela resenha- mas tambem no conteudo - Q que se
analisa naQ sao maisasobras-de-arte (entendidas como criacoes
'que'seguem padroes esteticos refinados e portanto, se restringem
.1ts.elites),~ sim os novos produtos da industr ia culturalibens
destinadosao consnmo de grandes contingentesepor isso
obedecendo as leis da producao em escala). Assirn, nao e a
Iiteraturaque se aprecia , mas 0 livrocolocado no mercado, A
rn~~ica executadanos recintos fechados deixa de interessar aos
jomais diaries, cedendo lugar para 0 registro e avaliacaodos
produtos da industria fonografica.
Desaparece (ou se torna residual) a crftica estetica,
dedicad~' a aprender 0 senti do profundo das obras-de-arte esima-las no contexto historico, surgindo, em seu lugar, a resenha,
uma atividade mais simplif icada, culturalrnente despojada,
adquirindo urn nftido contorno conjuntural.
Iipar isso que Afrani o Coutinho"'" , referindo-se
especificamente ao universo Jiterario , faz questao de ressaltar
a diferenca entre a cntica e a resenha, Segundo ele, a resenha
(antigarnente chamada do rodape Ii terario) e atividade
propriamente jornalfstica que se caracteriza por ser um
"cornentario breve", quase sempre permanecendo "it margem"
da obra ou saindo do "a propositc". Enquanto isso, a critica
"exi ge metodos e criterios que tornam 0 seu resultado
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 17/46
132 Jose Marques de Melo
incompatfvel com 0 cxercicio periodico e regular emjornal, e
mais incornpativel com 0pr6prio espfrito dojornalismo, que ei nfo rm a ca o , o ca si on a l e le ve ".
Outra diferenciacao fei ta por Afranio Coutinho toma
como referencial 0publico 'dos dois generos: a crftica (genero
literario) dcstina-se a "scholars"; a resenha (genero jornallstico)
dirige-se ao "consumo popular"; ~,ao e de estranhar que a
resenha prolifere nos meios de cornunicacao coletiva e a critica
se c i rcunscreva aos sup l emen tos culturais dos diarios, as revistasespecializadas, ao livre e as teses universitar ias,
A resenha configura-se, entao, como urn genero
j6rnalist ico destinado a orientar 0 publico na escolha dos
produtos culturais em circulacao no mercado. Nao tern a
intencao de oferecer julgamento estetico, mas de fazer uma
apreciacao ligeira, sem entrar na sua essencia enquantobem
cultural . Trata-se de uma atividade eminentemente utili taria:
havendo muitas opcoes no mercado cultural, 0consumidor que;
dispor de in fo r rnacoes e juizos de valor que 0 ajudem a tomar
a decisao de compra.
Evidentemente, a atuacao dos resenhadores (ou cnticos,
como continuam a ser charnado) nao serestringe ao rnonologo
que dirigem ao publico, mas procura tambem assumir 0 carater
de urn "dialogo" com os produtores, oferecendo pistas para
autores, diretores ou atores das obras em apreciacao. Desta
maneira, interfere nos padroes da producao. au, como preferedizer Bazon Brock: "acritica se converte em elernento integrante
dos proprios meios de producac'"?' .
a carater multifacetado da resenha pode ser apreendido
na lista de fungoes que Todd Hunr'" the at ribui.
Na sua maneira de ver, a resenha cumpre as seguintes
funcoes:
a) Inforrna, proporcionando conhecimento sobre
o que esta em circulacao no mercado cultural
e sobre a natureza e a qualidade das obras
Jomalismo Opinativo ]33
b)
comercial izadas;
Eleva 0 nivel cultural , pelo carater didatico
com que aprecia os bens culturais, despertando
muitas vezes 0 senso crftico para a sua fruicao;
Reforca a identidade comunitaria, fazendo 0
julg amento das obras segundo padroes
peculiares a cornunidade, 0 que significa
descobrir especialidades geoculturais em
produtos que possuem destinacao massiva;
Aconselha como empregar melhor os recursos
dos consurnidores, fazendo-os recusar os
produtos de baixa qualidade;
Estimula e ajuda os artistas, elogiando 0born
desempenho ou enfatizando falhas e
imperfeicoes ;
Define 0que e novo, distinguindo os produtos
tradicionais dos lancamentos que fogernatendencia dominante; .. . "'.:
Documenta para a hist6ria, permitindo
reconstruir momentos de uma atividade que eefernera pela propria natureza da industria
cultural;
Diverte, porque resgata situacoes inusitadas,
cornicas ou hilariantes, desde que realizadas
com humor.
c)
d)
e)
f)
g)
h)
Quais asmodalidades da r e senha? Fraser Bond"'" aponta
quatro: classica, relatorial, panorarnica e impressionista. Todd
Hunt207 diz, no en t anto, que s6 existem duas: a autoritaria e a
irnpressiorusta.
A classificacao de Fraser Bond fundarnenta-se no rnetodo
de apreciacao utilizado pelo critico. A resenha classica considera
judiciosamente a nova obra-de-arte, relacionando-a com o s
padroes tradicionalmente estabelecidos. A diferenca ent re a
re latori al e a panoramica esta em que a pr imeira e
essencialmente descritiva (sumariando 0 conteudo da obra e
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 18/46
134 Jose Marques de Melo
emitindo opiniao impl:icita nos detalhes que seleciona) e a
segunda emprega uma perspectiva hist6rica (considerando a
obra em relacao ao conjunto da mesma categoria, tipo ou
escola). Porsua vez, a cntica impressionista considera a obra aluz do efeito que faz no ser humane sensivel que e 0critico.
Essa classificacao afigura-se nos com urna certa
fragilidade, pois a rigor s6 existem ai dois metodos: 0 da
apreciacao historica (classica) eo da apreciacao conjuntural
( impressionista). As duas outras correspondem a process os deexposicao d os . .elementos captados pelo cri tico, que podem
assumir dimensao rest rita (relarorial/descritiva) ou ampla
(panoramical interpretati va).
Referindo-se ao tipo de apreciacao Todd Hunt identifica
a crftica autoritaria como aquela que se articula com "modelos
hist6ricos" (julgando as obras que entram em circulacao a partir
dos modelos precedentes) e a crftica impressionista como aquela
que decorre dat'reacao do critico" e se pauta pelos seus
"proprios meritos".
Comparando os tip o s de rescnha, Hunt aponta-Ihes
inconvenientes,
Na crftica autoritaria: a) distancia 0publico do centro cia
analise, jii que a apreciacao se faz a partir da obra e de sua
significacao no quadro hist6rico; b) cria uma atmosfera de
categorizacao, que se torna urn fim em si mesmo, impedindo
ou dificultando a inclusao de novas tendencias ou de novos
elementos; ou seja, corre 0 risco de tornar-se eminentemente
conservadora.
Na critic a impressionista: a)propicia a anarquia cultural,
porque nao se baseia em modelos ou padroes; b) torna-se
hist6rica, sem que 0publico possa ter uma perspectiva temporal
sobre a producao em julgamento; c) contem 0 perigo de
fomentar 0 ego do crit ico, transformando-o em figura todo-
poderosa.
As expressoes usadas por Hunt para distingui r os dois
tip os de resenha nao coincidem rigorosamente com 0 sentido
que lhes atr ibui. Seu divisor de aguas e 0 referencial a partir de
Jornalismo Opinativo 135
que a obra e apreciada: ora 0 passado (padrao historico), ora 0
presente (impressao do critico). Sera que tal diferenca existe?
Afinal de contas, a impressao de qualquer entice depende
inevitavelmente dos padroes que caracterizam a sua percepcao
e que remetem a modelos hist6ricos. Por outro lado, dizer que
uma e autoritaria e outra nao, torna-se algo discutivel. Ou
contradit6rio. A referencia a modelos precedentes nao significa
necessariamente irnpor padrao de julgarnento. Mas se 0 enrico
pode vir a tornar-se "figura todo-poderosa" e bem possivel queassuma postura autoritaria.
Admit indo implici tamente a contradicao que existe no
seu esquema classi ficatorio, Hunt diz que 0 padrao usual da
resenha norte-americana e umacornbinacao da critic a
impressionista com a crftica hist6rica. Sua estrutura narrativa
~?~~P_o~._s~guintes elementos: 1) Breve analise de precedentes,
situando a obra em questao dentro de urn c1etermiliado contexto
.' .,.c,.•• seja hist6rico, estetico ou politico; at, 0 crftico enuncia 0 quadro
referenciaI que 0 orienta. 2) Apreciacao da obra, destacando
suas virtudes, suas falhas. 3) Conclusao, afirrnando por que
gostou da obra ou nao gostou.
o padrao norte-americano nao esta rnuito distante
daquele que Afranio Coutinho'?" encontrou na estrutura tfpica
da resenha brasileira, cujo prot6tipo no ambito da literatura ele
sugere ser Humberto de Campos. Entre os indicadores contidos
na resenha brasile ira, Afranio Coutinho aponta os seguintes: a)Um nariz de cera como introducao acerca do assunto da obra:
b) Algumas notas sobre 0 autor e sua producao anterior; c )Mars algumas digressoes e anedotas; d) Afinal, um juizo
pessoal, de acordo como criterio de gosto e sensibilidade do
crftico,
.. Encarando com grande rigor 0que se produz nopais como
"cntica", Afranio Coutinho diz que se t: rata de uma at ividade
~xercida por pessoas muitas vezes sern qualificacao, pois vigora a
lei do rnais forte ou do que chega primeiro", Na sua opiniao, a
resenha no Brasil nao e feita de modo serio, predominando 0
"puro achismo" e nao passando de "conversa fiada".
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 19/46
136 Jose Marques de Melo
Quem deve ser crftico no jornalisrno, quem deve fazer
resenha dos espetaculos e dos produtos que sao Iancados nos
circuitos culturais? Responder a essa questao e retomar a tensaoentre jornalistas e artistasl escritores. Se, de urn lado, e recusada
ao jornalista sem militiincia, num dado setor cultural, a
legitimidade para exercer a tarefa de apreciacao dos sens
produtos; por outro lado, rejeita-se 0 exercfcio dessa atividade
par peritos, ouseja,especialistas academicos ou profissionais,
pela simples razao de que lhes falta distanciamento e visao deconjunto para estabelecer a relacao necessaria entre os produtos
lancados e asexpectativas do publico.
No jornalismo europeu e norte-americano as resenhas
sao produzidas por intelectuais que combinam a argticia
jornalistica com 0conhecimento do setor cultural que criticam.
Sua postura, contudo, privilegia 0publico, seus interesses, suas
peculiaridades COITIs quais se identifica.
A:rela9ao entre critico e leitor esta bem posta pelo
jornalista alernao Joachim Kaiser+? .
as leitores de minhas criticas eu os imagino, eu os
represento. Ni io me dirijo a um des-interessado para
demonstrar-lhe que precisa se tomarparticiparue, e
muito mencsme dirijo com uma condescendencia
pedagogicamente altiva para demonstrar 0estupido que
ele e .. Ambos as ati tudes se convertem em uma posiciiode desprezo pelo l eito r, e por is so me' p arecem
condenaveis. Ndo; eu me imagine, me rep resento,
pressupondo que 0 leitor se interessa tambem pelos
problemas e questo es que reclamam meu proprio
interesse. Ndo quero considerar 0 leitor como um tonto,
um obtuso, um insensivel . Mas tambem 0 concebo C0l110
alguem que ndo se ocupa profissionalmente de assuntos
artisticos. Conseqiientemenie, alguem que se encontra
menos informado que um profissional na materia. ( ... J
Falo com 0 leitor como uma igual, mas que talve: ndo
esteja tiio bem informado a respeito . Porque se 0 leitor
/
Jornalismo Opinativo 137
me quisesse explicar algo sobre odontologia (110 caso
de se tratar de urn dentista), quero que tambem me
trate como igual, porem menos informado que ele.
Oscrit icos sao, portanto, pessoas medianas, que nem se
caracterizarn como ignorantes da area analisada, nem tampouco
vivem numa torre de marfim, desconhecendo a sensibiliclade
do publico e procurando entender as producoes apreciaclas num
contexto mais amplo. Sao jornalistas que procm'am explicar,esclarecer, oriental' 0 publico no contato com as producoes de
um segmento da industria cultural.
Sera que esse perfil se aplica aos jornalistas quefazem
resenhas no Brasil? Trata-se de uma questao a ser mel h or
avaliada. o que irnpera e aquele estereotipo formulado pOI'
Afranio Coutinho. as crfticos da producao cultural sao
apontados como jornalistas que se improvisararnc ..se
converteram rapidamente em jufzes; ou entao, frustradosque
buscaram abrigo nos.meios de cornunicacao para criticar com
veemencia os que obtiveram exito na producao cultural ,
Uma caracterfstica import ante desse setor dojornalismo
cultural e a concentracao de poder que conseguem os crit icos,
tornando-severdadeiros arbitros. Sao capazes de glorif icar ou
destruir, Suas mensagens oscilarn entre 0 elogio e a verrina.
NITo foi sem razao a polernica criada em fins de 1980
pelo compositor Chico Buarque de Holanda, acusando oscrfticos brasileiros de "abuso de poder", Ao inves de praticarem
a apreciacao das obras culturais com discernimento, elaboram
suas resenhas com espirito de partidismo, Dai surgiu a
expressao: "patrulhamento ideologico",
Essa mesma questao ja havia preocupado osparticipantes
do Serninario de Critica Teat ral , realizado em 1976, no Rio de
Janeiro. Uma das perguntas feitas na ocasiao foi a seguinte:
"Como se erradicaria do panorama da pratica judiciaria do born
e do mau?'?"
Diagnosticando 0problema, a partir da polemica criada
por Chico Buarque de Holanda, Paulo Francis!" diz: no Brasil
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 20/46
13 8 Jose Marques de Mela
e diffcil haver "boas resenhas". Ele caracteriza as nossas
resenhas como "palpites de marketing que pouco interessam
aos artis tas, exceto se influem na venda do produto". Por que?"
o principal motive e que todas as publicacoes pagam mal e
porcamcnte aos resenhadores, logo, se aparece alguem de nome
assinando uma resenha e porque tern interesse (positivo ou
negativo) no produto. 0 que de certa forma desvaloriza a
.resenha. 0 olho treinado distingue perfeitamente esse
"interesse". .'A baixa.rernuneracao nao e, contudo, privilegio dos
resenhadores. E a explicacao para o vies daresenha talvez esteja
naquele trace do carater nacional brasileiro que 0crftico Enio
Squeff captou com precisao, Fazendo sua autocrftica com
crit ico, Squeff?" destacou a diferenca que existe entre "erros"
e "exageros".Referindo-se as resenhas, ele assegura que "os
enos sao menos frequentcs: aqui, 0 que sobram sao certos
exageros e.r ia turalrnente ,os dois pesos e as duas medidas que
todos usamos: para os amigos,muitas vezes a tolerancia: para
os antipaticos.ou desafetos, a severidade absoluta".
Em que pesem essas distorcoes, a resenha como.genero
jornalist ico tern crescido nos meios de cornunicacao coletiva
no Brasil . Isso e reflexo da expansao da industria cultural em
nosso pais e da existencia de urn publico consumidordos bens
culturais, sobretudo nos grandes centros urbanos, que recorrem
aos criticos como fonte de orientacao para as suas decisoesnesse campo.
A resenha nao mais se limita ao jornal diario , as revistas
sernanais, tendo hoje uma presen<;:a relativa no radio e na
televisao, onde vern sendo desenvolvida nos programas
voltados para a inforrnacao cultural.
Seu amqi.to de acao contempla os produtos tradicionais,
como aliteratura eo livro, a miisica a as artes plasticas, 0 teatro
e a danca, mas atribui enfase aos novos produtos da industria
cultural que consti tuem fonte segura de receita publicitaria : a
televisao, 0 cinema, a musica, e ate mesmo 0 esporte, a
gastronomia e apublicidade.
Jornalismo Opinativo 139
A propria imprensa converteu-se em objeto da resenha
jornalist ica.Como diz Alberto Dines"? : "A critica 11mprensa
exercida, pois, a traves da propria imprensa e a forma que 0
quarto poder encontrou para subrneter-se aojulgamento publico
e assim enquadrar-se como os tres outros no sistema de
vigilancia e equilfbrio dos regimes dernocraticos. Ao contrario
do que ocorre com os demais generos da critica, especialmente,
os mais populares, que sao os artisticos (Ii vros, artes e
espetaculos), 0 da imprensa nao pode fixar-se nas excelencias
tecnicas. 0 jornalismo nao e arte para ser julgado apenas pelos
aspectos esteticos, Dada a funcao social da imprensa, os
aspectos esteticos e politicos sao rnais relevantes'?"
*®Coluna
A caracterizacao do colunismo na irnprensa 'bras' ileira
da margem a arnbiguidades. Ha uma tendencia gera! para
chamar de coluna toda seciio f ixa. Assim sendo, a coluna
abrange, segundo essa nocao, 0 coment iirio, a cronica e ate
mesmo a resenha.
Historicamente, a coluna originou-se dentro da antiga
diagramacao vert ical, em que as materias eram dispostas de
cima para baixo, passando, sc necessario , 11coluna vizinha.
Hoje, com a diagramacao horizontal, a colunaja nao mais ocupao espaco disposto verticalmente e se alarga pelo espa<;o
fronteirico. Por isso, e comum 0 uso da palavra seciio para
denominar a col una.
o termo coluna e todavia 0mais usado, mesrno que ocupe
uma pagina (colnna do Cesar Giobbi ouda Monica Bergamo) ou
mais de urna coluna grafica (coluna de cinema, de televisao).
C" 'f '\Rabaya e Barbosa-" registram essa natureza ambigua
da coluna enquanto genero jornalistico, afigurando-se como
espa«o de entrecruzamento de varias formas de expressao
( .<iVnoticios'i!fAcoluna e a "secao especializada dejornal ou revista,
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 21/46
140 Jose Marques de Melo
publicada com regularidade, geralmente assinada, e redigida
em estilo mais livre e pessoal do que 0 noticiario cornum.
Comp6e-se de notas, sueltos, cr6nicas, artigos ou textos-
legend as, podendo adotar, lado a lado, varias dessas formas:j
As colunas mantem urn titulo ou cabecalho constante, e sao
diagramadas geralmente numa posicao fixa e sempre na mesma
pagina 0que facil ita a sua localizacao imediata pelos leitores",
Trata-se, portanto, de urn mosaico, estruturado porunidades curtfs si mas de intormacao e de opiniao,
caracterizando-se pela agilidade e pela abrangeucia. Na verdade,
a coluna cumpre hoje uma funcao que foi peculiar aojomalismo
impresso antes do aparecimento do radio e da televisao: 0 furo.
Procura trazer fatos, ideias e julgamentos em primeira mao,
antecipando-se a sua apropriacao pelas outras secoes dos jornais,
quando nao funciona como fonte deinformacao.
A coluna tern cornoespaco privilegiado os bastidores
da notfcia, descobrindo fatos que estao por acontecer, pincando
opinioes que ainda naose expressararn, ou exercendo urn
trabalho sutil de orientacao da opiniao publica.
Explica Fraser Boud?" que a.<;:pJI11lil§!1rgilla imprensa
norte-americana, em meados do seculo XIX, quando osjornais
deixaram de ser doutrinarios e adquiriarn feicao lnformativa.
O.publico comecou a desejar materias que escapassem doahonimato redatorial e tivessem personalidade, Isso deu lugar
ao aparecirnento de secoes sob aresponsabilidade dejornalistas
conhecidos, superando a frieza e a irnpessoal idade do corpo
do jornal, e originando espacos dotados de valor infonnat ivo e
de vigor pessoaL
A col una corresponde a ernergencia de urn tipo de
jornalismo pessoal, intirnamente vinculado a personalidade do
seu redalor. Talvez possa ser identificado como uma
sobrevivencia, no jornali smo industr ial, daquele padrao de
jornali smo amador e ecletico que caracterizou as primei ras
publicacoes periodicas,
Jornalismo Opinativo 141
Originalmente a col una e uma materia cuja extensao nao
ul trapassa mi l palavras, coincidindo com a medida da coluna
do jornal standard. Depois cornecou a variar , reduzindo-se para
800 ou ate para 500 palavras.
Tendo como berco 0 jornalismo norte-americano, a
coluna aparece ali segundo quatro tipos:
a) Coluna padrao - dedicada aos assuntos
editoriais de menor importancia, reservandoa cada urn pouco rnais de urn paragrato, 0
que implica urn tratamento superficial,
apenas sugerindo tendencias ou propondo
padr6es de julgamento;
Coluna rniscelf inea - combinacao de prasa e
verso, foge ao padrao tipografico
convencional, misturando tipos; nao se
prende a nenhum assunto, incluindo uma
grande variedacle de temas e atribuindo uma
certa dosede humore sarcasmo aos assuntos
tratados;
Coluna de mexericos - centralizacla em
pessoas, principalmente as figuras da alta
sociedade, as personalidades famosas, ou
mesmo, no caso dos pequenos jornais, as
pessoas de destaque na comunidade, Divulgaconfidencias, indiscricoes, faz elogios, impoe
sancoes comportamentais . Inicialmente
voltado para 0 high society, esse tipo de
coluna subdi vide-se depois por ram os de
atividades: cinema, teatro, musica, esporte,
economia;
Coluna sobre os bastidores da polftica -
variante da coluna de mexericos, mas sem
adotar a sua "tagarelice", situa 0 lei tor no
mundo do poder, mostrando-o na sua
intimidade.
b)
c)
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 22/46
142 J o s e Marques d e M e l o
Alern desses tipos, Fraser Bond faz referencia a outros:
coluna editorial assinada (que no Brasil cham amos de
comuni tario); coluna de versos (aqui nao praticada) e coluna
dos Ieitores (que, no nosso entender, e um genero jornalfstico
autonomo, marcado pela feicao epistolar).
Do ponto de vista estrutural,a coluna e um complexo de
mini-inforrnacoes. Fatos relatados com muita brevidade,
Comentarios rapidos sobre situacoes emergent es , Ponto de vista
apreendido de personalidades do mundo noticioso. Trata-sede urna colcha de retalhos, com unidades informativas e
opinativas que searticulam. Sao pilulas, f lashes, dicas.
vW'1Aparentemente a coluna tern carater informative,
registrando apenas 0que esta ocorrendo na sociedade. Mas, na
pratica, e uma secao que emite jufzos de valor, com sutileza a U
de modb ostensive. 0 proprio ate de selecionar os fatos e os
pe~sonag.:,n~ a merecerem registro ja revel a 0 seu carater
opinativo] .
A colunatem fisionomia levemente persuasiva, Nao se
limitaa emitir uma simples opiniao, Vai mais longe: conduz os
que formam a opiniao publica veiculando versoes dos fatos
que the darao.contorno definitivo.
Por isso existe uma intima ligacao, para nao dizer
dependencia, da col una com os services de relacoes publicas.
Como os profissionais de relacoes public as visam projetar a
imagem dosseus clientes (empresas/politicos/artistas/marcaslprodutos etc.), e compreensfvel que procurem se valer das
colunas para criar evidencia. Quanto rnais vezes urn nome e
registrado nas colunas, repetido, mais legitimacao social ele
adquire"? .
Essa uti l iz.acao da coluna pelas relacoes piiblicas,
resultado de um pacto nao explfcito ent re 0 colunista e suas
fontes de inforrnacao, fundamenta-se naquele pr incfpio
enunciado por Lazarsfeld e Merton - 0 de que os meios de
comunicacao, particularmente a imprensa, conferern status'" .
Aparecer em letra de forma significa ganhar projecao publica
e obter simpatia.
Iornalismo Opinativo 143
o colunismo funciona psicologicamcnte como camara
de eco dos rumores que ci rculam na sociedade. Nao sem razao
o slogan de urn dos maiores colunistas brasileiros foi 0 seguinte:
" em sociedade tudo se sabe'?" .
Gilberto Freyre identif ica no colunismo 0 cul tivo de
traces brasile iros - a vaidade e a frivolidade-".
Sou dos que veem cronica social um registro de Jatos
ou de ocorrencias que constituem expressiio de cOllvivio
hum ano numa de suas [ormas mais sutilmente
signi ficativas dentro de um contexte da vida brasileira
que. ja sendo pos-burgues numas coisa, noutras
continua burgues. Pode esse registro set; por vezes, Ulna
caricia a vaidade de con vivas de todofrivolos. Mas quemnega ser proprio do ser humano, burgues ou p6s-
burgues, 0 pecado da vaidade? Nunc a vi tantas
medalhas a enfeitarem peitos de home/is como nos
generais russo-sovieticos que tenho conhecido. Quem
niio sofre da vaidade, ainda burguesa, de ter not iciado,
no Brasil de h o j e , e m j o r n a l , 0 b a t i z a d o d e u m f i l h o ou
o noivado de uma filha ou urn j antar oferecido a uni
amigo? Siio Jatos que constituent um burguesissimo
ramerrame, e certo. Mas esse ramerrame parte da
hist6ria, da vida, do convivio de uma comunidade do
feitio da brasileira dos /lOSSOS dias, tanto dos dias de
nossos pais e de /lOSSOS av6s.
Como explicar essa sobrevivencia do colunismo na
imprensa brasileira? Alimentar a vaidade das pessoas noticiadas
- colunaveis - nao e argumeuto suficiente. Existem outras
razoes que, na nossa mane ira de ver, fazem parte dos
mecanismos de reproducao social e de controle politico na
sociedade burguesa. Vamos enumera-Ias:
C )V m 0 colunismo atende a uma necessidade de satisfacao
substitutive existente no publico leitor . Jri que a maioria das
pessoas esta exclufda do circulo reduzido dos colunaveis
(poder/estrelaro), da-se-Ihe a sensacao de participar desse
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 23/46
144 Jose Marques de Melo
mundo, atraves dos colunistas. Trata-se de uma forma de
partic ipacao artificial , abstrata. Partic ipam sem fazer parte .
Acompanham a distancia.
C : o : : ~ . r 6 colunismo tern a funcao de "balao de ensaio",
lnsinua fatos, J a n c a id e ia s , sugere situacoes, com a finalidade
de avaliar as repercussoes. Isso se chama, em linguagem
jornalfstica, "plantar notfcia"{Da reacao do publico, estimulada
pOI essas inforrnacoes sutis, depende mui tas vezes a tom ada
de decisoes empresariais, polfticas. Pass ado 0 irnpacto, refeit~
o susto, 0 publico as aceita com tranquilidade, Ou se asrejeita ,
fortemente, eo caso de adia-las, transferi-Ias para ocasiao mais
oportuna.
3) Alimentando a vaidade das pessoas importantes (do
rnundo da arte, do e spe tacul oe da polftica), 0colunismo oferece
ao mesmo tempo "modelos" de comportamento. Estimula 0
modis rna, incrementa 0 consurno, alimenta a esperanca dos
que pretendem ingressar no "parafso burgues",
o colunis~o nutre-se de urn fenomeno social que Edgar
Morin chama de "olirnpismo moderno'?" .E 0 traco da cultura
de massa que da sentido a esse genera jornalfstico onde a
futil idade, a frivolidade e 0mau gosto se entrelacam.
o olimpismo moderno significa aquele universo de
novos deuses criado pela industria cultural . Cantores, atores,
escritores, desportistas, governantes, etc . sao convertidos em
estrelas. Seus modos de agir sao sugeridos it imitacao de toda
a sociedade. Como disse Paulo Francis: "Sociedade virou show
business. Isso afeta tudo, de roupas a maneiras e habitus
alirnentares'?".
Privi legiando os olimpianos, os colunistas ofe recern
artiffcios para alimentar 0 mecanismo psicossocial da
"projecao", cornpensando assim as frustracoes cotidianas da
maioria da populacao. Como uem todos tern oportunidades e
condicoes para atingir 0 cume da piramide social, os cidadaos
barrados economicamente no portae do "paraiso burgues"
Jornalismo Opinativo 14 5
contentam-se em idolatrar seus mitos, projetando-se nas suas
realizacoes.
Pesquisando a estrutura simb6lica das colunas sociais
dos jornais do Rio de Janeiro, Anamaria Kovacs?" constatou
duas funcocs pri nci p ais: a) colocar em evidenci a os
personagens-paradigmas, ou seja, os olimpianos de Edgar
Morin; b)promover, atraves destes personagens, todo urn setor
da industria de consumo e de lazer, Confirmou tambern aquela
funcao psicoterapeutica: relaxar as tensocs e frustracoes da vidareaL
Qual a identidade da coluna? E m r el ac a o it coluna social,
Kovacs define da seguinte maneira: trata-se de uma "rnontagern
de noticias que interessam aos leitores que sao noticia
(membros da classe A), aqueles que gostariam de ser noticia (a
massa) e aqueles que se interessam por outros assuntos
divulgados pela coluna - culturais, econ6micos, polfticos - e
que servem de pretexto para que leiam, tambem..u parte dos
mexericos",
Na "montagem" da coluna, Kovacs encontrou varios
elementos expressivos: a nota mundana, a nota crit ica, a nota
cultural, a nota politica e economica, 0 apelo (ao publico e a sautoridades) e os rumores.
Para realizar urn trabalho tao vasto que implica em captar
a dinamica cia vida social e cultural da classe dominante, 0
colunista necessita con tar com urn amplo relacionamento efacil idades para perceber e registrar os fatos que estao
acontecendo. 0 segredo desse desempenho profi ssionai esta
no manejo das fontes que illformam com rapidez 0que oeorreu
ou esta para se concretizar.
Se originalmente 0 colunista trabalhava sozinho, hoje
ele conta com equipes de rep6rteres que 0 ajudarn a cobrir OS
ultirnos acontecimentos e saber 0 que divulgar,
No jornalismo norte-americana, os gran des colunistas
deixaram de ser profissionais assalariados per uma detenninada
empresa e criaram seus proprios escrit6rios de inforrnacao
(especies de agencias noticiosas de futil idades), que vendem
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 24/46
146 Jose Marques de Melo
as colunas para jornais e revistas de diferentes cidades e regioes,
onde sao produzidas sirnultaneamente.
o colunismo floresce no Brasil na dec a da de' 50. Everdade que, antes disso, osjornais sempre tiverarn suas secoes
dedicadas a : vida social - ao arnbiente da alta sociedade - mas
sem 0dinamismo e a irnportancia que assumiriadepois. A figura
dinarnizadora do colunismo social brasileiro foi sern diivida
Ibrahim Sued, queatualizou a cobertura da vida mundana
dando-lhe uma certa sofisticacao>", '
Auto-proclamando-se "rnestre do colunismo brasileiro"
Ibrahim Sued confessa em seu Iivro de memorias?" que fo;
buscar a formula para essa atividade na imprensa norte-
americana. Ele se diz influenciado por dois colunistas: Walter
Wintchel e Elza Maxwell. Com Wintchel ele diz ter aprendido
que "0 campo do colunismo nao se restringe apenas ao das
bonecas e deslurnbradas", envolvendo "os principais setores
de atividade de urn pars". Com Maxwell ele cornpreendeu que
"0 'lad() amenoda vida. nao implica necessariarriente emfutilidade". .
Daf 0modelo do seu colunismo, que fez escola e continua
a influenciar tantos seguidores que 0 reproduzem nos grandes
e pequenos jornais detodo 0 pats. 0assunto ameno - mulher,
mod a,sociedade, artes, literatura, polftica - e 0que mais agradaseus leitores,
Ibrahim Sued teve muita consciencia do poder que
adquiriu 0 colunista na sociedade, "Creio, sinceramente, que
rninha col una (social) terncontribufdo rnuito para 0pais. Lancei
muita gente, tanto no society como nos neg6cios e na polit ica.
Ja destrui, tam bern, Ialsos estandartes e corrigi enos na
adrninistracao. Meu balance sera, por certo, mais positive que
negative".
Exatamente par essa polarizaeao de poder que adquire,
o colunista extrapola a sua atuacao profissional como jarnalista.
Deixa de ser urn mew observador da realidade para rcgistra-Ia
e val ora-Ia, assurnindo a papel de promotor social. Faturando
o prestigia da sua coluna e aproveitando 0relacionamento que
Jornalistno Opinativo 147
obtem nos ambientes que frequenta, 0colunista promove bailes,
festas, concursos, premiacoes , que, sepor urn lade movimentam
o conteudo jornalistico das inforrnacoes que divulga, por outro
lade passa a constituir uma fonte adicional de rendimentos
materiais. Jornalismoe co mercializacao se envolvem
profundamente.
Se no principio 0 colunismo restringia-se ao ambiente
da alta sociedade, hoje ele se alastra para todas as areas cobertas
pelos jorn ais diaries. Onde ha setores que projetam
personalidades e instituicoes, 0 colunismo se estrutura e atua.
Os tipos de colunas rnais comuns na imprensa brasileira
sao: coluna social, colima polit ica, coluna econ6mica, col una
policial , col una esportiva, col una de livros, coluna de cinema,
coluna de televisao, coluna de rmisica etc .
Houve urn tempo em que esse genero jomalistico chegou
it televisao. Ibrahim Sued foi 0 seu introdutor. Mas durou poueo.
Pela pr6pria natureza das mensagens que circula - rum ores,
insti tuicoes, projecoes ~ nao se presta a rapidez dos vefculos
eletronicos, que exigem precisao nos fatos divulgados. Por isso,
.0 colunismoperrnanece restr ito aos vefculos impresses"? .
Nocaso das colunas que abrangem setores culturais, e ,preciso nao confundi-Ias com as resenhas. Sao dois generos
que coexistem no mesrno espa,>o jornalistico. Enquanto a
resenha faz a analise das obras em circulacao, a coluna
movimenta 0 setor, mantendo aceso 0 interesse dos leitores
pelos seus protagonistas. Divulga programacao, destaca
lancamentos, sugere opcoes, projeta nomes. Cria, enfim, urn
clima ernocional em torno daquele segmento da indust ria da
cultura suscitando 0 interesse perrnanente dos scus aficcionados.
A coluna tern na sua identidade esse hibridismo que
advern da convivencia com os generos mais pr6ximos. Wilson
Nunes Coutinho-" apreendeu esse seu carater ambfguo.
"Inserida geralmente na parte que os jornais destinam aos
eventos culturais, a c a l una social habita este espaco sob 0 signo
da ambigiiidade. De urn lade e urn genero literario como a
cr6nicae, do Dutro, como noticiario , vive da dispersao, no caso
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 25/46
148 Jose Marques de Melo
frivola, dos acontecimentos. Evidenternente, e urn genero
literario. Tern sua economia textual, suas inovacoes formais:
ela e 0 folhetim do cotidiano burgues. Pravavelmente e urngenera menor que a c r on ic a e n a o tern as ambicoes culturais da
critic a teatral ou cinematcgrafica. A cr6nica, mesmo que trate
de alguns eventos, se al imenta da redundfincia literaria, seja
manipulando a poesia, 0 conto ou a mem6ria. A cr6nica como
a crftica possuem em superego cultural. A coluna social (...) e apratica de tornar tudo mundano. Nos mais 'sofisticados
colunistas pode-se introduzir a repeticao da rosa de Gertrud
Stein desde que regada a vinho. E depois tudo e urna festa,uma festa, uma festa. Tudo passa pelo olharde uma certa ala
da burguesia que consome tanto a cultura, como autornoveis,
jantares e viagens. E a ala dourada, que trabalha pouco e cujo
ritual antropofagico consisteexatamente nisso: a vida deve ser
devorada".
Mas Gilberte Freyre/" nao hesita em Ihe atr ibuir-uma
certa significacao artfstica e cultural. "A cronica social tern isto
magicoou polit ico: atraves de suas nao sei se digo fofoquices
provocaconvidados em torno de coisas literarias ou artis ticas,
Realizapublicidade da melhor em torno de valiosas coisas de
.a rte ", .
7. Cronica
No jornalismo brasileiro a cr6nica e urn genero
plenamente definido. Sua configuracao contemporanea permitiu
a alguns estudiosos proclamarem que se trata de urn genero
t ipicarnente brasilei ro, nao encont rando equivalentena
producao jornalistica de outros pafses.
Diz Paulo R6nai: "Para qualquer brasi leiro a palavra
cronica tern sentido claro e inequfvoco, embora ainda nao
dicionarizado; designa uma composicao breve, relacionada com
Jornolismo Opinativo 149
a_<U.ll.qJLq~g.~.,PlljJlicadamjornal ou revista. De tal forma esse
significado esta generalizado que s6 mesmo os especialis tas
em historiografia se lembrarn de outro, bern mais antigo, 0 de
narracao hist6rica por ordem cronologica'?" .
Se esse sentido predomina em nosso pais, tomando a
cronica a Ieicao de relata poetico do real, s ituado na fronteira
entre a informacao de atualidade e a narracao literaria, 0mesmo
ja nao ocorre em outros pafses.
o termo cronica, no jornalismo rnundial , esta bern mais
vinculado aquele outro significado a que serefere Paulo R6nai:
o de relata cronol6gico, 0 de narracao historica. Trata-se,
portanto, de urn genero controvertido, cuja caracterizacao varia
.de pafs para pais .
Mesmo entre nos ainda e comum usar a palavra cr6nica
para designar, alern do genero que adqui riu especi ficidade
incontestavel no jornalismo, outras formas de expressao
noticiosa mais pr6ximas da reportagem. Fala-se, por exemplo,
de "cronica social'Y'" , "cronica policial'?" , "cronica teatral'?"
etc.
Do ponto de vista hist6rico, cronica efetivamente
significa narracao de fatos, de forma cronol6gica, como
documento para a posteridade. A producao dos cronistas foi
legit imada pela literatura que a recolheu como representativa
da expressao de uma determinada epoca. E desta maneira que
Hernani Cidade-" registra a obra de Azurara no conjunto da
literatura portuguesa, chamando-o de "primeiro cronista das
conquistas de alem-rnar" .
.fgi com esse sentido de relata hist6rico que a cr6nica
chegou ao jornalismo. Trata-se do ernbriao da reportagem. Ou
seja , uma narrati va circunstanciada sobre os fatos observados
pelo jornalista num determinado espaco de tempo. Muitas vezes
essas rnaterias assumiam feicao epistolar, como por exemplo
as Cartas da lnglaterra de E9a de Queiroz, que continham a
percepcao do momenta cultural e do pais , transmitindo ao leitor
de lingua portuguesa a vivencia dagueles acontecimentos.?".
Mas tambem correspondem ao que depois charnarfamos no
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 26/46
15 0 lose Marques de Melo
Brasil de reportagem setorial, cobertura jornalist ica de uma
determinada instituicao ou de uma esfera da sociedade - cronica
legislativa, cronicajudiciaria, cr6nica policial, cronica esportiva,
etc.
Martinez Albertos-" atribui it cronica urna origem
eminentemente latina - Franca, Espanha, Italia - assemelhando-
se, mas nao tendo correspondentes precisos, a certas formas de
expressao do jornalismo, alemao, Ingles ou norte-americano.
Na pesquisa querealizou sobre a cr6nica latina, ele diz queesse genera assume carater tipicamente inforrnativo, mesclado
porem de elementos valorativos que revelam a percepcao
pessoal do redator.
Seu conceito de cronica e 0seguinte: "Narracao direta e
imediata de uma notfcia com certos elementos valorativos que
sempre devem ser secundarios a respei to da narracao do fato
de si. Pracura refletir 0 acontecirnento entre duas datas".
Gargurevich-ve taxat ivo ao proclamar que "A cronica
e a antecessora imediata do jornalismo informative". E
esclarece: "Quando a industria da inforrnacao nao havia
alcancado ainda 0 vigor que Iograria em rneados do seculo
passado,os pr6prios jornalistas davam as noticias a
denorninacao de cronicas, influenciados provavelrnente pelo
genero historico-literario que tern 0mesmo nome".
Essa tese encontra respaldo na bibliografia dojornalismo
europeu de rafzes latinas. Com pequenas variacoes nacionais,esse genera jornalistico tern caracterist icas comuns na Italia,
Franca, Espanha.
No jornalismo frances, denomina-se cronica a cobertura
"especializada" que os jornal istas fazem de determinados
setores da atividade social ou cultural; Folliet'" registra varias
modalidades de.cr6nicas: religiosa, dos tribunais, l iterarias,
dramatica, musical, artistica, agricola, jurfdica, etc.
No jornalismo italiano, 0 sentido predominante e 0 de
inforrnacao observada e conferida pelo rep6rter. Diz Domenico
de Gregorio.?" "A cr6nica se apresenta como urn texto
procedente de urn jornalista que recolheu os elementos
Jornalismo Opinativo 151
noticiosos longe da redacao e se ut ilizou do meio mais rapido
de retransmissao de que dispunha para fazer chegar 0 mais
rapidamente possivel ao leitor; esta forma confere ao escri to
urn carater de frescura, de autenticidade e de eficacia que
derivam do fato de que 0 redator esteve no lugar em que os
acontecimentos ocorreram".
No jomalismo espanhol , usa-se 0 termo cr6nica para
designar a producao jomalistica que relata fatos, mas que
tarnbem os analisa. Segundo Martin Vivaldi'?" "a cronicajornal istica e, em essencia, uma informacao interpretativa e
valorativa de fates noticiosos, atuais ou atualizados, onde se
narra e ao mesmo tempo se julga 0 narrado",
\
- Assim sendo, na ltiilia a cr6nica aproxima-se mais do
sentido que, n.o Brasil , a tr ibu. imos 11reportagem. Na Franca,
oscila entre a reportagem setonal e 0 nos so colunismo. Na
Espanha, combina a noncia e 0 cornentario.
c __ • Fazendo uma comparacao entre a cronica espanhola e a
hispano-americana, Gargurevich"? identif ica uma diferenca
basi ca. 0 jornalismo hispano-americano praticou originalmente
urn tipo de cr6nica bern proximo do relato hist6rico (as
relaciones tratavam de "fates reais, acontecimentos verificados
durante lim periodo determinado"); mas hoje, influenciado pelas
tecnicas norte-american as, a cr6nica assumiu feicao diversa,
assimilando "as novas tecnicas de escrever, de narrar os fatos".
Isso corresponde a dizer que nos paises hispano-americanos 0
jornalismo "abandon a praticamente 0 estilo original da cr6nica"
e incorpora a reportagem, segundo os padroes norte-americanos.
Enquanto isso, a cr6nica espanhola permanece fie I ao velho
estilo, "resistindo tenazmente ( ... ) aos metodos norte-
americanos" e dando urn tratamento jornaltstico que torn a
"pes ados" os textos que publica cotidianamente.
No jornalismo portugues, a cr6nica esta bern mais
proxima daquela caracterizacao que adquiriu no Brasil. Como
dizern Lerna e GouHio:241 os fatos sao apenas "urn pretexto
para 0 autor da cronica", pois "este genera jornalistico e 0que
maiscontatos tem com os generos literarios classicos,
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 27/46
15 4 lose Marques de Melo
cscritores ejornalistas, com os seus rotineiros e os seus mestres.
Nos anos30 se afirmaram Mario de Andrade, Manuel Bandeira,
Carlos Drummond de Andrade, e apareceu aquele que decerto
modo seria 0 cronista, voltado de maneira praticamente
exclusiva para este genero: Rubem Braga'. '.249
Esse marco indicado por Antonio Candido ref lete dois
epis6dios que mudariam sensi velmente 0 panorama cultural
brasileiro e que, por sua vez, decorrem do processorle
industrializa~ao e urbanizucao que alterou a fisionomiaecon6micado pais. Eles sao; .
a) A Semana de Arte Moderna de 1922, que
inicia urn movimento de brasiiidade, levando
a nossa literatura, seja na tematica, seja na
linguagem, a se aproxirnar da realidade .
nacional. E sobretudo no plano da linguagem
que esse movimento influencia a irnprensa
brasileira, fazendo-a abandonar 0 velho estilo
discursi vo dos bachareis para descobrir a
simplicidade e a clareza da linguagern
coloquial. Se a cr6nica ja havia, no final do
seculo XIX, esbocado .reacao no terreno
lingt iist ico, ela nao consegue irnpregnar 0
jornalismo como urn todo. Depois de 1922,
nao. Observarernos uma mudanca nos padroes
do estilo jornalfstico.P?
o desenvolvimento da imprensa, pois nesse
penodo osjornais diarios das grandes cidades
assumem feicoes empresariais, tornado-se
mais dinamicos, arnpliando seu publico leitor,
incorporando a agilidade da modern a
imprensa europeia e norte-americana.251 Essa
revoluc,:ao da imprensa conduz a uma
diversificacao do conteiido e a arnpliacao das
seyoes permanentes para atender a urn publico
leitor mais exigente (a emergente c!asse
b)
Jornalismo Opinativo 155
media). Nesse quadro, a cr6nica adquire urn
lugar especial. E 0 cronista e urn interpretedas mutacoes que dao nova fisionomia asociedade brasileira.
A cr6nica que se pratica no Brasil a partir da decada de
30, tendo em Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga,
Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos seus principais
cultores, representa uma continuacao do genero que Machado
de Assis e Jose de Alencar haviam sedimentado em nOSSO
jornalismo. Mas os novos cronistas dao-lhe uma dimensao
especial.
Se a cronica de cos tume se val ia do real (fatos ou ideias
do momento) simplesmente como "deixa" ou como inspiracao
para urn relato poetico 0\1para uma descricao Iiteraria, a cr6nica
moderna assume a palpitacao e a agi lidade de urn jornalismo
em rnutacao. Ela figura no corpo .do jornal nao como objeto
estranho, mas como materia inteiramente ligada ao espfrito da
edicao noticiosa.
A cr6nica moderna gira permanentemente em torno da
atualidade, captando corn argucia e sensibilidade 0dinamismo
da noticia que permeia toda a producao jornalist ica, Ainda que
o cronista mantenha, como diz Antonio Candido">, "urn a
Con v ersa aparentemente fiada" em torno de questoessecundarias, nao vinculadas ao espectro noticioso, isso constitui
urn momento de pausa, que reflete a tregua necessaria 1 1 vida
social.
Carlos Drummond de Andrade, em carta a urn dos seus
leitores que reclarnava da "frivolidade" do cronista, faz a
reivindicacao do "espaco descornprornissado", argumentando
que 0jornal ja esta cheio de assuntos graves, "0 imi tii tern sua
forma particular de utilidade. E a pausa, 0descanso, 0refrigerio,
no desmedido afa de racionalizar todos os atos de nossa vida
(e a do proximo) sob 0 cr iterio exclusivo de eficiencia,
produtividade, rentabilidade e tal e coisa. Tao compensatoria e
essa pausa que 0 inuti l acaba por se tornar da maior util idacle ,
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 28/46
156 lose Marques de Melo
exageroque nao hesito em combater, como nocivo ao equilfbrio
moral. Nos devemos cultivar 0 ocio ou a frivolidade como
valores utilirarios de contrapeso, mas pelo simples e puro deleite
defruf-Ios tambem como expressoes da vida". '53
o cronista que sabe atuar como consciencia poetica da
atualidade eaquele quemantem vivo 0 interesse do seu publico
e converts a cronica em a1godesejado pelos leitores. Atua como
mediador literario entre os fatos que estao acontecendo e a
psicologia coleti va. E por isso que muitos cronistas (Drummond
em especial) buscam inspiracao no proprio jornal. Realizam
umatraducso livre da realidade principal, acrescentando ironia
....e humor it chatice do cotidiano, it dureza do clia"a-dia. Os que
se afastam dopresente e ertveredam pelo saudosismo, pela
rernernoracao dostempos passados, arriscam perder o publico
ou 0 limitarn aosseus companheiros de geracao, .
. Assim serido,. a cronica modern a configura-so como
generoemirterttemente jornalfstico. .
Suascaracterfsticas fundamentais sao:
1) Fidelidade ao cotidiano, pela vinculacao
ternatica e analft ica que man tern em relacao
ao que esta ocorrendo, aqui e agora; pela
captacao vdos estados emergentes da
psicologia coletiva.
2) Critica social, que corresponde a "entrar
fundo no significado dos atos e sentimentos
do homem". Diz Antonio Candido que essa
tarefa 0cronista realiza de modo dissimulado
pois ele rnantem 0 "ar despreocupado, de
quem esta falando coisas sem maior
consequencia", Esse e urn trace essencial da
cronica rnoderna, que assume 0arde "con versa
fiada", de apreciacao iroruca dos
acontecimentos, deixando de ser 0"cornentario
mais ou rnenos argumentativo e exposirivo" que
se praticava nos fins doseculo XIX.254
Iornalismo Opinativo 157
Mas a cr6nica nao e monolitica, uniforme. Comporta
varias especies. Sua classif icacao tem sido objeto de estudo de
pesquisadores do jomalismo e da literatura.
Na bibliogtafia sobre a cr6nica brasileira encontramos
quatro.tentativas de classificacao: Luiz Beltrao usa urn criterio
jomalfst ico; Afranio Coutinho tom a como base a t ipologia
literaria; Massaud Moises procura uma correspondencia com
os generos literarios; Antonio Candido orienta-se pela estrutura
da narrativa.
Luiz B~ltrao 255 propoe duas classificacces: quanto aotema em si e quanta ao tratamento que the da 0 cronista .
A partir do tema, identifica tres especies:
Cronica geral ~ sob uma mesma epfgrafe ou sob forma
grafica deterrninada, trata de assuntos os mais variados,
ocupando espaco fixo no jornal.
Cronica local-tarnbem conhecicla como urbana ou da
cidade.iglosa a vida cotidiana, atuandocorno urna especie de
antena coletiva, captando as tendencias da opiniao publica na
comunidacle em que se localiza.
Cronica especializada - focaliza assunros referentes a
urn deterrninado campo de at ivida de. 0 tratamento dado a
qualquerdesses temas pode sugerir tres modalidades de cronica,
Crtmica analitica - os fatos sao expostos C O l T I brevidade
e logo dissecados objetivamente; 0 cronista dirige-se mais it
inteligencia do que ao coracao,
Cronica sentimental- os fatos sao apresentados a partirdos seus aspectos pitorescos, lfr icos, epicos, sendo capazes de
comover e influenciar a acao, num impulso quase inconsciente;
predomina portanto 0 apelo it sensibilidade.
Cronica satirico-humoristica - seu objetivo e criticar,ridicularizando ou ironizando fatos, acoes, personagens: busca
entreter, assumindo feicao caricatural.
Afranio Coutinho-" aponta cinco tipos de cronicas:
Cronica narrativa - seu eixo e uma est6ria ou epis6c1io,o ·que a aproxima do conto contemporil.neo (sem possuir
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 29/46
158 Jose Marques deMelo
• : ~ <
necessariamente corneco, meio e fim); exemplos tfpicos sao
encontrados em Fernando Sabino.
Cronica metafis ica - constitufda de reflexoes de cunho
mais au menos filos6fico; sao meditacoes sabre as
acontecimentos e sabre as homens, como e 0caso de Machado
de Assis e de Carlos Drummond de Andrade.
Cronica-poema-em-prosa de conteiido lfrico, mero
extravasamento da alma do artista ante 0 espetaculo da vida,
das paisagens ou epis6dios carregados de significacao; seus
principais cultores foram Alvaro Moreyra, Rubem Braga,
Manuel Bandeira , Ledo Ivo, Eneida, Raquel de Queiroz.
Cronica-comentdrio - resenha de acontecimentos
diferentes e dfspares, tomando oaspecto de "bazar asiatico";
muitas cronicas de Machado de Assis e de Jose de Alencar
pertencem a esse tipo.
Cronica-informaciio - divulga fates, tecendo sobre eles
cornentarios ligeiros.aproxima-se do tipoanterior, sendo menos
pessoal.Lourenco Diafer ia e Plavio Rangel produziram hoje
cr6nicas q\le se enquadram nessa especie,
Defendendo 0 ponto de vista de que a cr6nica tern urn
"carater ambiguo", oscilando entre 0poema e 0 conto, Massaud
Moises-" prop5e dois tipos: cronica-poema e cronica-conto.
No seu entender, 0 "Iugar ideal da cronica" e 0 "meio-terrno
entre acontecimento e Iirisrno",
Cronica-pocma - os cronistas chegam a fazer versos na
sua prosa emotiva ou a lancar mao de uma estrofe para encerrar
urn texto; ou entao, constroern a cronica total mente em verso.
Carlos Drummond de Andrade recorreu algumas vezes a esse
tipo de expressao verbal.
Cronica-conto - urn acontecimento que provoca a
atencao do cronista e narrado como se fora urn conto. Enquanto
o primeiro tipo explora a ternatica do "eu" (concent ra-se nas
emocoes do cronista), 0 segundo t ipo gira em torno do "nao-
lomalismo Opinativo 159
eu" (0 acontecimento de que 0 cronista e apenas 0 narrador, 0
historiador).
Scm a pretensao de criar categorias, mas tao-so mente
destacar diferencas entre os modern os cronistas brasileiros,
Antonio Candido-" sugere a seguinte classificacao:
Cronica-dialogo - onde 0 cronista e seu interlocutor
imaginario se revezam, intercambiando informacoes e pontes
de vista; exemplos: Gravador (Carlos Drummond de Andrade)
e Conversinha mineira (Fernando Sabino);
Cronica narrativa - tern certa estrutura de ficcao,
marchando rumo ao conto;
Cronica exposiciio poetica - divagacao livre sobre urn
fato ou personagern; cadeia de associacoes; .
Cronica biografia lir ica - narra poeticamente a VIda de
alguem.
Mas nao apenas os te6ricos dojornaIismo e da Iiteratura
se preocupam em cJassificar a cronica. Os cronistas tambern.
Numa serie de cronicas sobre as "definicoes da cronica",
LUISFernando Verissimo"" oferece urn esquema classificat6rio,
tornando como ponto de referencia a "qualidade '' . Ele divide a
cr6nica em: a)cr6nica; b) croniqueta; c) cronicao; d) cronicaco.
Como identificar cada subdivisao? "Cr6nica e qualquer cr6nica,ou uma cr6nica qualquer. Croniqueta e 0 nome cientffico da
cr6nica curta, como pode parecer. ( ... ) Cronicao e a cronicagrande, substanciosa, com paragrafos gordos. ( ... ) Grande
cr6nica e 0 cronicaco. 0 cronicaco e consagrador. Seu autor
sai na rua e deixa urn rastro de cochichos - E ele, e ele",Essa contribuicao de Verfssimo 11classificacao da cr6nica
confirma aquilo que Ligia Averbuck''" diz sobre a peculiaridade
do seu trabalho como cronista. "0 texto sutil ou 0que provoca
o riso faci l, 0 que conduz it ri sada aberta au leva a ironia e
tambem 0meio de expressao do cronista gaucho que alcanca,
quase sempre, a medida de uma natural idade surpreendente e
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 30/46
1 60 Jose Marques de Melo
de uma economia expressiva em nfvel de genuina criacao
artfstica" .
Que a cronica e urn genero jornalfstico constitui uma
questao pacifica. Produtodojornal, porque dele depende para
asua expressao publica, vinculada 11atualidade, porque se nutre
dos fatos do cotidiano, a cronica preenche as Ires condicoes
essenciais de qualquer manifestacao jornalfstica: atualidade,
oportunidade e di fusao coleti va. Contudo, a cronica naose
restringe ao jornal diario. Ela encontra abrigonos sernanarios,
especialmente nas revistas de inforrnacao geral. E tarnbem no
radio. Se bern que a cronica radiofonica, ainda cultivada nas
pequenas emissoras das cidades do interior, perrnanece cingida
11estrutura ciacronica para 0jornal: trata-se de urn texto escrito
para ser lido, cuja emissao combina a entonacaodo locutor e
os.recursos de sonoplastia, criando ambientacao.especial para
sensibilizar 0 ouvinte.":
Mas a cronica tambem e considerada um genero literario.
Var ies cronistas tiveram sua producaoreunida sob a forma de
livro, atravessando 0 tempo, continuando a despertar 0 fascinio
dos leitores.
o debate sobre a inclusao dos generos jornalt sticos na
literatura tern apaixonado alguns estudiosos e aumentado a
controversia, Antonio Olint0262, Barbosa Lima Sobrinhu= e
Alceu Amoroso Lima>' fizeram importantes observacoes sobre
a questao, sem, contudo, dirimi-Ia, Trata-se de uma questao
aberta.
Mas se a controversia e grande sobre a existencia de urn
genero literario consti tuido pelas producoes jornalist icas em
geral.e la diminui quando se trata especificamente da cr6nica.
Ha urn consenso sobre a especificidade l iteraria da cr6nica,
nao obstante as dist intas nuancas que assumem os anal istas a
respeito da sua significacao.
Cavalcanti Proenca>' diz que a cronica e um genera
mui tas das vezes l iterario, mas ni i.o necessariamente; a sua
literalidade e definida em torno do "artesanato" e da "forca
conteudfstica".
Jornalismo Opinativo 161
Antonio Candidof" nao hesita: trata-se de um "genero
Iiterario menor". E argumenta: "Nao seimagina uma literatura
feita de grandes cronistas, que the dessem 0 brilho universal
dos grandes ramancistas, dramaturgos e poetas. Nem se pens aria
em atribuir 0 Premio Nobel a urn cronista, por melhor que
fosse",
Afranio Coutinho defende a tese de que a cronica e um
"genero literario autonorno", possuindo hoje "urn a forma
literaria de requintado valor estetico". Por isso e que Tristao deAthayde criou 0 termo "cronismo" para designar 0 conjunto
das producoes literarias que emergem do cotidiano jornalistico.
Nao obstante, a hist6ria literaria brasileira ainda nao
legitimou suficientemente a cronica, Compulsando, por
exemplo, algumas das obras que inventariam criticamente a
producao literaria nacional, observarnos que esse genera nao
merece destaque. Nem Antonio Candido"?", nem Alfredo
Bosi'68 realcam a producao dos cronistas; e claro que eles hi
aparecem, mas como poetas, romancistas, contistas. A
valorizacao da cronica e feita apenas por Agripino Grieco."?
Afrfmio Coutinho'?" ou Massaud Moises.?"
Genero jornalfstico ou genero liter ario a cronica
representa Ulna narrativa do cotidiano muito dificil de ser
realizada.
Nabantino Ramos, com a sua experiencia de editor de
jornal diario em Sao Paulo, diz enfaticamente: "E , talvez, 0
rnais diffcil genera do trabalho jornalfstico, porque exige nao
apenas tecnica, que se pode aprender, mas tambem ar te, que edom. (.. .) A cronica deve ser capaz, senao de comover 0 leitor,
pelo menos de faze-lo peosar, sentir, ao por em movimento
algumas de suas ernocoes". Apesar ciadificuldade para a pratica
desse genero jornalistico, Nabantino diz que "0 sonho da
generalidade dos jornalistas e escrever cronicas". No entanto,
"a safra e geralmente escassa", E conelui: "Bons cronistas
contam-se nos dedos da mao, em toda a imprensa do pais"."?
Se e verdade que a maioria dos jornalistas gostaria de
escrever cronicas, parece que 0mesmo acontece com 0 leitor.
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 31/46
162 Jose Marques de Melo
Lourenco Diaferia'" , apreciado cronista paulistano, diz que as
pessoas leern cr6nicas nojornal diario "porque a cr6nica nada
mais e que as palavras que elas gostar iarn de terescri to". Esse
fascinio dojornalistae doleitor pela cr6nica tern uma explicacao
cabal- "a cr6nica e aquele pedaco da imprensa onde se cultiva
a sensacao de que 0mundo cont inua l ivre - como os pardais,
as nuvens e os vagabundos".
Par i sso Diaferia nao ti tubeia ern afirmar que "perdem
tempo as "teoricos" preocupados em "discutir se a cronica e
urn genen) maior ou menor", pois "a funcao da cr6nica nao e
saber se ()grande, pequena ou media". Completa, dizendo: "A
funcao da cr6nica e explodir, ISnao deixar a peteca cair, ISacordaras pessoas que estao dormindode olho aberto, egritar".
Haviamos conceituado a cronica como "relato poetico
doreal".E continuamos a faze-lo. E assim que os cronistas a
entendem. A definicao de Lourenco Diaferia traduz corn
sentimento e paixao esse sentido brasileirfssimo dacronica,
A cronica e a reinvenciio da lua abstraida das violaciies
cientificas e espaciais, e a metafisicados postes e das
azaleias, e a lupa que permite conf irmar; com a palavraescrita; se 0 sabonete Palmolive continua a abrir os
poros e manter apeie {eve e acet inada. A cronica existe
para dar credulidade aos [ornais, saturados de noticias
reais demais para ser levadas a serio. A cronica descobreaspessoas no meta da multidiio de leitores. Ela revela
ao distinto publico que atras do botiio eletronico existe
urn baixinho resfriado e de narir pingando, que assoa e
vocifera. A cronica serve para mostrar 0 outro lado de
tudo - dos palanques, das torres, dos eclipses, das
enchentes, dos barracos, do poder e da majestade. Eia
ndo consta noperi6dieo por condescendencia. A cronica
Ii a lagrima, 0 sorriso, 0 aceno, a emocdo, 0 berro, que
niio tem estrutura para se infiltrar como noticia,
reportagem, editorial, comenuirio ou anuncio publiciuirio
no jornal. E, contudo, e um pouco de tudo isso.
Iornalismo Opinativo 163
8. Caricatura
o universo opinativo dojornal e da revista nao se limita
ao texto, mas incorpora igualmente a imagem. 0 uso da imagem
como instrumento de opiniao at en de, muitas vezes, ao
imperativo de influenciar urn publico rnaior que aquele
dedicado it leitura atenta dos generos opinativos convencionais:
editorial, artigo, cronica etc.
Muitas vezes, 0 leitor interessado em saber rapidamente
o que acontece, e que se l imi ta a uma vista d' olhos pelo jornal,
escapa a uma adesao, a urn posicionamento quanta as opinioes
explfcitas do vefculo.
E claro que nesse contato, por mais breve que seja, com
o vefculo, 0 l eitor naturalmente incorpora uma cer ta 6t ica do
real. Mas isso fica limitado aurn nivel inconsciente. Ja no caso
, da imagem, que produz urn impacto imediato, seja pela
evidencia, seja pelo eventual humorismo, nota-se uma
participacao consciente na captacao do cotidiano.
E preciso explicitar que ncm toda imagem inserida na
imprensa tern funcao opinativa. Alguns dos recursos graficos
utilizados sao meramente informativos ou explicativos: mapas,
que permitem a localizacao de urn fato; graficos, que procuramdemonstrar tendencias estatfsticas; desenhos, que buscam
reproduzir objetos, paisagens ou ate traces fision6micos;
fotografias, qne fazem urn registro denotativo dos
acontecimentosF"
A opiniao se manifesta explici ta e permanenternente
atraves da caricatura, suja finalidade satir ica ou.humoristica
pressupoe a emissao de juizos de valor. Por isso Ram6n
Columba'? denomina a caricatura de "supremo tribunal", cujo
mandate provern da opiniao publica. "A caricatura e a
encarregada de assinalar qualquer excesso social ou pol itico
suspeito de licenciosidade corruptora. Eo faz em jufzo sumario,
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 32/46
l16 4 Jose Marques de Melo
sem rnaterializacao das pro vas nem apelo possivel. Ante ela se
inc1inam os proprios jufzes e as autoridades da nacao. Quer
dizer que exerce uma suprema j urisdicao, rnissao de privilegio
que, por certo.riao possuem outras artes que enfrentam tambern
a natureza e reproduzem aspectos da sociedade, porem sem
nenhuma obrigacao de crit ica ou de sentenca. 0 caricaturista,
com seu lapis em riste e em nome da opiniao publica, arremete
e censura cumprindo urn mandata imperative de seu oficio.
Suas armas ,sao arnaveis, severas ou aparentemente ingenuas.Arnaveis quando pratica 0romano preceito: Castigat ridendo
mores. Severas quando a sat ira resulta agressiva e mordaz. E
aparentemenre ingenua quando 0 humorista sorri e faz sorrir
com sua gargalhada intranscendente".
A introduyaoda caricatura a imprensa explica-se pela
conjugacao de dois fatores socioculturais: 0avanco tecno16gico
dos processes de reproducao grafica e a popularizacao dojornal
como veiculo decomunicacao colet iva.-No-prirneiro caso,
verificarnos que a caricatura 56 se desenvolveu depois que a
litog rafia passou it constituir um recurso plenamente
incorporado aos processos de producao jornalfstica, Poi
justamente na decada de 1830 que surgiu na Franca 0jornal La
Caricature, publicando a imagem como desenhada, como
cornplementodo registro verbal dos fatos da atualidade. No
segundo caso, observamos que 0 recurso da caricatura
representou uma necessidade social de urn jomalisrno queampliava seu raio de a~ao, ganhando novos contigentes de
lei tores. 0 novo publ ico da imprensa cont inha segmentos que
nao haviam tide 0 privilegio da educacao formal continuada e
cuja percepcao dos acontecimentos exigia processos descritivos
mais eficazes e motivadores.?"
o apelo it imagem desenhada como recurso narrativo na
imprensa diaria vai atingir 0 auge no fim do seculo'XIX, nos
Estados Unidos, quando se trava a "guerra" entre Hearst e
Puli tzer pela conquista do publico lei tor. Nesse episodio da
historia do jornatismo norte-americano, vamos encont rar a
caricatura e suas formas conexas - charge, cartoon, comic-
como instrumenros decisivos para a mobilizacao do publico."?
Jomalismo Opinaiivo 16 5
A caricatura e uma forma de ilustracao que a imprensa
absorve comsentido nitidamente opinativo. Sua origem
semantica (do italiano caricare) corresponde a ridicularizar,
satirizar, criticar.?" .
' S u a expressao, porem, antecede a ilustracao grafica.
Corneca com 0texto e s6 depois serealiza atraves da imagem.
Muitos escritores ja praticavam a satirae 0 humorismo,
deformando ou exagerando caracteri sticas de pessoas ou de
paisagens.Na opiniao do historiador da caricatura do Brasil,
Herman Lima'?", 0 nosso primeiro caricaturista "nao foi
nenhum dos nossos grandes fazedores de bonecos" ( ... ) "foi
homem, nao do lapis, mas da pena, Frei Vicente do Salvador".
Outro caricaturista que aponta e 0poeta Gregorio de Matos.
No jornalismo, porern, urn dos pioneiros da nossa
caricatura foi 0Padre Lopes Gama, que editou em Pernambuco
o jornal 0 Carapuceiro.Lendo esse jornal, a impressao
recolhida por Gilberto Freyre"? e quase a de folhear-se urn
.jornal caricato, tao forte e a sugestao piet6rica - grotescamente
pict6rica - das palavras vivas, picantes e as vezes cheias de
cor". Sao tao expressivos os trucos da caricatura nos textos
escritos por Lopes Gama que urn dos seus biografos, Valdemar
Valente?" , comete aquilo que G. Freyre chama de "exagero
apologetico": considera-16 urn caricaturista social superior
aquele "insigne frances de quem0
carapuceiro se consideravadiscfpulo - La Bruyere".
E , porern, com 0 desenho, que a caricatura adquire
expressao permanente como relato humoristico, dando origem
ate mesmo a urn segmento dojornalismo -0ornalismo caricato
- destinado a satira polftica e social.Alvarus282 identif ica na earieatura uma significacao
hist6rica inconteste: a de restabelecer a verdade sobre fatos e
personagens, que a hist6ria (oficial ) se esmera em retoear. "A
caricatura e, realmente, urn filao precioso no qual os estudiosos
encontram, seja nos rnurais das epocas mais afastadas, seja nas
folhas volantes ou no efernero das paginas impress as de
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 33/46
166 Jose Marques de Melo
peri6dicos e revistas ilustradas, 0elemento necessario para 0
restabel ecimento de urn ponto, por vez es obscuro ou
controvertido, estabelecendo as ex a t as proporcoes de
determinado personagem ou fato, isoladamente ou em conjunto,
quase sempre desvirtuado nas descricoes laudat6rias, que sao
aquelas que comumente inforrnam a historia",
Enquanto genero jornalist ico, a caricatura cumpre uma
funcao social mais profunda que a emissao rotineira da opiniao
nos vefculos de comunicacao coletiva. E que _~JIl1<lgem, naimprensa, motiva de tal modo 0 leitor e produz uma percepcao
tao rapida na opiniao quese torna inst rumentoeficazde
persuasao.rPor isso acaricatura incomoda mais os donosdo
poder queo editonalouo artlgo.i" Nao e raro na hist6r ia do
jornalismode muitos paises,como 0 Brasil, que a caricatura
murcha durante os governos autoritarios, reaparecendo e
desenvolvendo-se com impeto quando volta a florescer a vida
democratica.?" .
Lernbre-se 0caso do caricaturista Belmonte que, durante
o Estado Novo, foi impel ido a 'esquecer 0 cenario nacional,
passando a satirizar apenas epis6dios e personagens da politica
exterior.i" Nao vai distante tambem a crise que sofreu a
caricatura brasileira em meados da decada de 60, quando se
impoe 0 governo militare a satira polftica, acossada pelas
perseguicoes a politicos ajornalistas, praticamente desaparece
das paginas dos jornais e revistas.?"Se, por urn lado, a caricatura tern essa peculiaridade de
estigmatizar certos personagens da vida publica, por outro lado,
contribui tam bern para humaniza-Ios, populariza-Ios. Poi
atraves dos traces projetados pela caricatura que muitas
personalidades do mundo politico ou artistico ganharam
legitirnacao publica e se destacararn socialmente. Pedro II eurn case documentado no passado"!", Lula e Maluf sao
evidencias do presente.i" Nao e incompreensfvel, portanto, a
ansia com que mui tos poli ticos, iniciantes na vida publica,
desejam ver-se caricaturados, justamente para obterem mais
rapida popularizacao.
Jornalismo Opinativo 167
Jornalisticamente, 0que e a caricatura? Duas respostas
sao possiveis. Especificamente, a caticatura e a "representacao
da fisionomia human a com caracteristicas grotescas, cornicas
ou humori sticas". Genericamente, significa a forma de
expressao artfstica atraves do desenho que tern por fim 0
humor.P?
Nessa acepcao mais ampla vamos identificar varias
especies:
1) Caricatura (propriamente dita) . Retrato humano ou
de objetos que exagera ou simplitica traces, acentuando detalhes
ou ressaltando defeitos. Sua finalidade e suscitar r isos, ironia.
Trata-se de urn retrato isolado.
2) Charge. Critica humorfstica de uma fato ou
acontecimento especifico. Reproducao grafica de uma noticia
ja conhecida do publico, segundo a 6t ica do desenhista. Tanto
pode se apresentarsomente atraves de imagens quanta
combinando imagem e texto (ti tulo , dialogos).
3) Cartoon, Anedota graf ica. Critica mordaz.
Geralmentenjioinsere personagens reais ou fatos veridicos,
mas representa uma expressao criativa do caricaturista ,que
penetra no dominio da fantasia. Mantern-se, contudo, vinculado
ao espi rito do momento, incorporando eventualmente fatos e
personagens.
4) Comic.Hist6riaem quadrinhos. Narrativa composta
por imagens que se sucedem, complementada par textos
(baloes). No jornal, aparece de forma seriada. Na revista,
publica-se integralrnente.
Dessas especies da caricatura, duas nao per tencem ao
universo jornalistico. Sao exatamente aquelas que ultrapassam
a fronteira do real e se fundam no imaginario. Por mais que
estejam sintonizadas com a momento vivido, com fatos e
personagens da atual idade, seu referencial nao e verfdico. 0
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 34/46
168 Jose Marques de Melo
cartoon e 0 comic nao possuem limites de tempo e espaco.
Sao criacoes da livre irnaginacao do desenhista.
o mesmo nao OCOITecom a caricatura e a charge. Sua
validade humorfstica advem do real, da apreensao de facetas
ou de instantesque traduzern 0 ri tmo de vida da sociedade,
que flagram asexpressoes hilariantes do cotidiano. Sua intencao
e representar 0real, criticando. A caricatura reproduz a imagem
isolada dos personagens vivos da cena noticiosa. A charge
contem a expressao de uma opiniao sobre determinadoacontecimento. Ambas as especies s6 adquirem senti do no
espaco jornalfstico, porque se nut rem dos sfmbolos e valores
que fluem permanentemente e estao sintonizados com 0
cornportarnento coletivo.
Oscaricaturistas atuam comb se fossem a consciencia
cr ftica da sociedade, revelando uma tendencia que Jacques
Letheve290 chama de "oposicionista". As imagens que desenham
fazem 0res gate cotidiano daquele "espfrito do contra" que nao
e senao 0 conjunto das contradicoes inerentes as sociedades
contemporaneas, cujas instituicoes politicas sufocam os
cidadaos. A caricatura capta esse sufoco e 0 ex prime
cotidianarnente ..
',>,Na imprensa norte-americana, a caricatura aparece
geral rnente na p:igina editorial : espa<; :o reservado para as
materias de natureza opinativa, como 0 editorial e os
cornentarios. Diz Fraser Bond291 que a charge Figura sempre
ao lado do editorial, reproduzindo. 0caricaturista faz, entao,
uma leitura visual da opiniao da instituicao jornalistica, naquele
dia, e a expressa graficamente. Trata-se de uma tentativa para
fazer ° lei tor comum, nem sempre interessado pelo editorial ,
tomar conhecimento da opiniao oficiaI ciaimprensa.
Essa pratica do jornalismo norte-americano e tambernseguida em muitos dos jornais editados nos pafses da America
espanhola, No caso bras i leiro , 0 fen6meno nao se apresenta
com tais caracierfsticas. Geralmente os nossos chargistas gozam
de independencia para produzi r seus desenhos car icatosv E
possivel que, impregnados do c1ima dominante na redacao,
Iornalismo Opinativo 169
possam refletir a opiniao do jornal nas suas producoes. Mas
nao necessariamente.
A tradicao brasile ira da caricatura, resgatada com todos
os seus detalhes por Herman Lima292 , nao se nutre apenas da
charge que se publica nos jornais diaries. Mas tem seus
momentos de afirmacao naquelas publicacoes que surgem com
prop6sitos nitidamente satiricos. Sao os vefculos tipicos daquele
segmento dojornalismo chamado de "jornalismo caricato",
o jornal ismo gaucho foi prodigo em producoes dessa
natureza, muito bem inventariados por Athos Damascenc'" .
Tais rnanifestacoes da caricatura jomal istica principiam na
decada de 1830 ~ "periodicos humoristicos, criticos e ilustrados
que desde logo comunicam aos prelos provincianos, nublados
e asperos, um colorido mais vivo e um ri tmo alegre". A analise
desses jornais permite captar "certas singularidades" da
evolucao do "povo gaucho", inclusive a inclinacao pelos "rudes
bate-bocas" e Re!6 "chiste pes ado". Muitos desses traces da
fisionornia cultural gaucha persistem "ainda hoje" e sao
"encontradicos na imprensa rio-grandense".
Em Pernambuco, a imprensa caricata tambern se
desenvolveu com peculiaridades proprias. Sua primeira
expressac e 0 jornal 0 Carcunddo, que circula em 1831.
Registra Alfredo de Carvalho: "Era escrito com extrema
mordacidade (.. .) ; trazia grosseiras vinhetas caricatas abertas a
canivete em entrecasca de cajazeiro . ..294 Todavia, sua pujanca
so ocorre na decada de 1870, quando se implanta ali 0 sistema
liografi co. Em 1871, surge urn dos principais cultores da
caricatura - A America ilustrada ~ que, segundo anotacocs de
Luiz do Nascimento.?" obedecia a urn program a "joco-serio,
atraves da pena e do craion" e estarnpava no cabecalho a
indicacao "jornal humorlstico".
No Rio de Janeiro, 0 pioneiro e a Lanterna Magica
(1844).
Mas a figura marcante da caricatura brasileira e 0italianoAngelo Agostini, que aparece em Sao Paulo em 1864.
publicando suas obras nos periodicos Diabo Coxo e 0Cabrido.
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 35/46
17 0 J ose M a rq ue s de M elo
Depois, muda-se para 0Rio de Janeiro, onde colabora na Vida
Fluminense e em outros jornais.
Alvarus chama a atencao para uma presen\Oasignificativa
de desenhistas estrangeiros na caricatura brasileira: no seculo
XIX os italianos Agostini e Borgomainerie, 0 frances Joseph
'Mill. Mais recentemente, 0mexicano Figueroa e 0 paraguaio
Andres Guevara. Na sua opiniao, porem ,0maior caricaturista
brasileiro e Mill6r Fernandes - "humorista de raca
internacional" - que se destaca ao lado de nomes com Lan,
CarlosEstevao, Ziraldo, Zelio, Claudius,Fortuna, Jaguar,
Henfil, Juarez e tantos outros.
"Todos.esses imimeros hurnoristas" - assegura Alvarus
- "se acastelam na firmeza e seguranca do trace, denunciadores
do mais al to padrao artfstico''?".
Na trajet6riarecente da imprensa brasileira, 0jornalismo
caricato ressurgiu com intensidade no f im da decada de 60 do
seculo XX, reunindo varios desses artistas do traco, que se
organizaram para editar 0 sernanario Pasquim, espaco de
resistencia ao mil itari smo da vida nacional e micleo forjador
da modern a caricatura brasiIeira que, com a abolicao da censura
no Governo Geisel, voltou a florescer como em outros
tempos?",
Milldr Fernandes'" registrou com vigor e ironia 0papel
desempenhado pelo Pasquim no Brasil p6s-64 e sua Iura tenaz
para continuar a existir.
Dos seus quatro anos de hilariante vida, este zombeteiro
hebdomadario pode contabilizar a gloria de ter modificado
fundamentalmente a linguagem dos outros jornais e ter influfdo
na expressao falada da juventude e no est ilo da comunicacao
publici taria, Durante quatro anos, este risonho jornal - cuja
maioria de sorridentes redatores nao e l igada a nenhum grupo
poli tico, econ6mico, rel igioso, nacional ou est rangeiro - que
tern como unico objeti vo 0 exercicio de uma crftica geral e
democrati~a a tudo e a todos (os poderosos e estabelecidos
sendo, naturalmente, os mais criticados, po i s nao ha gray a
nenhuma em cr iticar os caidos) , foi combat ido pela maior ia
Iomalismo Opinativo 171
dos grandes 6rgaos de imprensa brasileira e por todos os
detentores de algum poder, inconformados com urn veiculo
que nao t inha preco de venda a nao ser 0da bane a e era dirigido
por intelectuais inatacaveis pOl"quesem fichas pregressas que
os situassemem qualquer especie de eriminal idade, mesmo
fiscal. Chegando a circular com urn maximo de 64 e urn minimo
de 16 paginas, 0 ridente PASQUIM conseguiu sobreviver a
tudo, ate mesmo a prisao de todos as seus redatores - provada
imiti l pelas autoridades num processo que foi a consagracao
deste grupo de profissionais, pois demonstrou que eles tinham
como iinico e total objetivo de vida 0 exercicio de sua
apaixonante prof issao. A coacao fisica nao impossibi litou a
saida do jornal. Durante dois meses, ele circulou sem a
colaboracao de qualquer des seus redatores habituais.
Sobreviveu gracas it solidariedade de inumeros colegas, Saiu
fraco e sobreviveu maL Mas sobreviveu com a barriga doendo
de rir .
Quando escreveu 0 seu "Requiem para urn jornal
humortstico' ', Millor Fernandes dizia que aquele era "0ultimo
mimero do nosso jocose semanario". A realidade desmentiu
esse progn6stico. Enfrentando chuvas e trovoadas, bombas e
ameacas, 0 Pasquim sobreviveu. E cunhou urn padrao de
jornalismo satir ico que explodiu por todo 0p~is, empequenas
publicacoes altemativas, editadas par cooperativas dejornalistas
ou por movimentos populares.o modelo do Pasquim constitui uma sintese do
jornalismo caricato: 0 trace e 0 texto, lado a lado, ironizam 0
cotidiano, satir izam os protagonistas da noticia . registram com
humor a emergencia de urn novo projeto de sociedade.
Existe caricatura no radio e na televisao? Algumas
tentativas foram feitas, mas enquanto generos jornalisticos nao
prospera. Programasliurrior fsticos no radio e na televisao
resgatam com rapidez cenas e personagens da vida politica e
cultural do pais e os reproduzem caricaturalmente. Mas nao
fazem com sentido eminentemente jornalfstico, cingindo-se a
atualidade e aos contornos verazes dos acontecimentos em que
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 36/46
172 Jose Marques de Melo
se inspiram. Tais experiencias resvalam para 0 mundo da
fantasia, da imaginacao, e bus cam ancoragem na real idade
simplesmente como fator motivacionaI para cap tar a atencao
do ouvinte ou telespectador.
Certos tipos do humorismo televisionado de J6 Soares
por exemplo, mostram-se tao proximos do cenario poli tico
nacionaI que poderiam ser considerados como sequencias de
umjornalismo satfrico-eletronico'"? . A imagem caricatural de
personagensse assemelham a Figueiredo, Maluf, Juruna, Ivete
Vargas dando a impressao de charges. Mas na essencia sao
formas de representacao que dramatizam 0cotidiano, retirando-
lhes, portanto, 0 carater de veracidade que consti tui atr ibuto
basilar do jornalismo.
Algumas tentativas efetivamente jornalisticas - 0uso do
trace para ret ratar personagens da galeria noticiosa - foram
feitas por Juarez ou por Henfi!. Mas duraram pouco. Elas
ressurgem com intensidade nas eras,"FHC 'eLula, gracas ao
"traco eletr6nico" de Chico e outroscaricaturistas. A televisao
e urn vefculo muito agil, dificultando a captacao dos detalhes
que conformam a caricatura. Igualmente 0 radio tern
caracterfsticas de rapidez, permitindo lao somente a expressao
caricatural atraves da reproducao do modo de falar de
personagens conhecidos do grande publico. Mas esse e urn
detalhe nem sempre traduzfvel com recursos de sonoplastia (a
entonacao de Janio Quadros Iiuma das poucas excecoes),Desta maneira, 0espa~o ideal da caricatura e a imprensa,
onde os traces fi sionomicos e os perfis dos acontecimentos
podem ser captados vagarosamente, produzindo 0efeito satfrico
que motivou 0 trabalho do desenhista.
I
9. Carta
o Leitor deveria constituir 0 principal foco da atencao
daqueles que produzem informacoes de atualidade para a
Jornalismo Opinauvo 173
imprensa. Afinal de contas, Iiem funcao dele que os reporteres
observam os fatos, que os redatores escrevern materias, que os
editores decidern 0 que divulgar, 0 leitor representa 0 outro
polo da totalidade jornaJistica, pois 0 processo so se completa
quando a informacao coletada e selecionada pela insti tuicao
noticiosa chega ao seu conhecimento e ele a confronta corn 0
seu referencial comunitario,
Deveria ser, Mas nao e . Pois 0jornalismo se organizou
e persiste sendo urn processo de transmissao de informacoes.
Seu fluxo e unidirecionaL 0 lei tor (no caso da imprensa), 0
ouvinte, 0espectador (no caso dos meios audiovisuais) significa
geralmente urn ponto de articulacao: 0 ponto de chegada da
producao jornalfstica, sern 0 qual a instituicao nao sobrevive.
Evidentemente, as empresas que editam jornais, revistas
ou emitem jornais eletr6nicos, nao ignoram 0 publico.
Conhecern-no ate. Sabem da sua composicao etaria, socio-
econ6mica, dimensionam seus gostos, interesses e preferencias.
Mas sempre de modo indireto. Mediado pelas sondagens de
opiniao publica ou pelas pesquisas de mercado.
o leitor, 0 receptor, nao participa do processo de
producao jornalfstica. Ou rnelhor, nao participa ativamente.
Porque da sua sintonizacao com as mensagens difundidas Ii
que depende 0fluxo informative para se tornar concreto. Logo,
tern uma participacao passiva, abstrata, indireta.
Romper a barreira qlle separa editor e lei tor, produtor e
receptor tern sido urn desafio para quantos pretend em que 0
processo jornalf st ico deixe de ser meramente informative
(unidirecional) e se converta numa priitica comunicati va
(bidirecional).
Enquanto nao emergem solucoes tecno16gicas e politicas
que viabilizem essa participacao do publico nas experiencias
jornalfsticas, resta aocidadao recorrer it carta como urn recurso
para expressar seus pontos de vista, suas reivindicacoes, sua
cmocaoTrara-se de urn recurso possivel, mas nem sempre
viavel, Pois depende dos mecanismos inerentes it instituicao
jornalistica para lograr difusao.
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 37/46
174 Jose Marques de Melo
Iiclaro que qualquer cidad1io que se julgue prejudicado
(injuriado, caluniado, ofendido ) por uma materia divulgada nos
me i o s de c o rn u n ic a ca o t e rn 0direito a resposta. Pode acionar amaquinajudiciaria e obter a reparacao publica do erro cometido.
Mas quando nao se trata de assunto pessoal (no sentido
de interesse pr6prio ou violacao de direito) 0 cidadao faz uso
da carta (ou telefonerna, no caso, e da televisao) como
possibilidade de intervir no debate publico.
Essa presenca do Ieitor na cena informativa e uma
variavel que diferenciava nitidamente 0jornalismo dos pafsescapitalistas e dos antigos paises socialistas.
A imprensa .socialis ta atr ibuia grande Importancia it
p a rt ic ip a ca o d o s seus leitores e reserva espaco Para a publicacao
das cartas que chegam it redacao dos jornais e revistas. Alias,
essa participacao da comunidade no processo jornalistico
representciu uma preocupacao constante deLenin, que no curto
periodo da sua atuacao como dingentedaUniao Sovietica,
sempre estimulou a formacao de "correspClfldentes operarios e
camponeses" para sc tornarem agentes noticiosos?" .
Se a meta leninista , ada ultrapassagem daquele esquema
que estabelece urna separacao entre 0 trabalho dojornalista e 0
do leitor, nao foi levada as ultirnas conscquencias, ela
sobreviveu de algum modo no espa<;o consideravel que as
publ icacoes soviet icas dedicaram as car tas dos leitbres. Esse
modele se reproduz, com var i acoes , na imprensa dos out ros
paises que se proclamam socialistas.Evidencias disso n ao confirmadas por fontes
absolutamente insuspeitas: pesquisadores norte-americanos que
se dedicaram a estudar e conhecer 0 funciouamento dos meios
de cornunicacao naqueles pafses do Leste Europeu. No caso
especffico da URSS, Mark Hophins??' diz que todos os meios
de cornunicacao possuem departarnentosespecial izados em
processar as cartas do publico e difundi-las. John Meri ll-' ?
registra que somente 0 Pravda de Moscou recebe mil cartas
todo dia, merecendo a lei tura de cerca de 50 funcionarios que
confrontam as questoes levantadas e as selecionam para
publicacao.
Jornolismo Opinativo 175
Mas abrir espac;o para as cartas dos leitores nao constitui
um privilegio socialista. Na imprensa daqueles paises elas
ocupam mais espacos nas edicoes cotidianas. Essas cartas
merecem atencao tambern das instituicoes jornalfsticas dos
pafses capitalistas que se articulam em sistemas competitivos.
E, portanto, movem-sc considerando as expectativas dos
leitores. 0 Asahi Sinbum de T6quioJ03 recebe correspondencia
diar ia em volume igual ao do Pravda de Moscou, nao obstante
reserve pequeno espa<;;opara a sua difusao.
Esse nao e bem 0 caso da imprensa brasileira, cuja
org anizacao empresarial nii o se pauta por criterio s
rigorosamente competitivos'?' , don de fignrar 0 publico leitor
em posicao muito secundaria no conjunto das politicas
editoriais.
Entende-se imediatamente por que a sec gao de cartas
dos leitores . t~Ill. ,participac;:ao inexpressiva no conjunto da
superffcie imprensa dos jornais diaries e das revis tas semana i s .
Iiverdade que a opiniao do leitor muitas vezes aparece,
como amostragem, nas enqnetes que sao realizadas aprop6sito
de temas que ganham o interesse geral. Ou pode figurar tambern,
como materia paga, na pagina de inedi toriai s, Nesse segundo
caso, niio se trata de umaexpressao livre, porque passa pelo
crivo editorial: a empresa publica, m esrno sob forma
remunerada, aquilo que bem entende.
A carta e, contudo, aquele espaco em certo sentidodemocratico, ao qual cada um pode recorrer. Ja vimos
anteriormente como muitos intelectuais brasile iros, que antes
se expressavam atraves de artigos na pagina editorial, hoje
recorrem a secao dos leitores para contribuir ao debate sobre
as questoes da atualidade nacional.
Como 0 espac;o e reduzido, muitos missivistas j a
procuram escrever abreviadamente. Ganham assim vantagem
em relacao aos prolixos.
J2.e qualquer maneira, a secao de cartas dos leitores
obedece a criter ios de edicao que se coadunam com a polit ica
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 38/46
176 Jose Marques de Melo
editorial da empresa. Como nem todas as cartas recebidas
p(;"demser publicadas, M uma triagem, uma selecao. No caso
do Jomai da Tarde; um dos diarios a dedi car maior espa<;o a
essa partic ipacao do leitor , no pais , publicava apenas 2is dascartas recebidas.
Qual a motivacao do leitor ao enviar uma carta ao jornal
da sua preferencia? Alcides Lemos, editor da secao "Sao Paulo
Pergunta" do Jornal da Tarde (SP), diz qu e a grande maioria
escreve para se queixar do poder publico, do governo. IInessesentidoque 0 lei t or se dirige ao jornal como se estivesse
recorrendo ao "quarto poder".
A diretr iz adotada pelo JT e a de tratar 0 "universe de
cartas" sob dois prismas: 0 da " pa rt ic ip ac ao c om u ni ta ri a" e 0
da "defesa do consumidor". Alcides Lemos explica: - "Como
a maioria das cartas que chega it redacao do Jornal da Tarde
(80% delas, pelo menos) s e r e fe r e asrelacocs entre a populacao
eo gove rno (a p o li ti ca e c o n om ica , O"s's~rvi~os,as taxas e tarifas,
a legislacao e a fiscalizacao sobre otrabalho, a saude, a
seguranca, a habitacao, 0 transito etc.) e levando em
consideracao que ha espac;:osuficiente para dar vazao, Qcriterio
seleti vo utilizado pe lo jo rn al "n ao se fixa a pe na s em dar uma
soTu~ao a ' cada caso, e sim, encaminhar a demincia einformar
ao mesmo tempo_:':os.
. Quem escreve ao jornal? IQse Silveira!" , editor da
seccao "Cartas" do Jamal do Brasil durante algum tempo,classifica os leitores em quatro grupos:
1) As autoridades - que procuram louvar ou
retificar "deterrninadas inforrnacoes ou
conceitos publicados";
2) as perfeccionistas - le itores que nao deixam
passar e q ui vo c o s, e rr o so u o r n is so e s do jornal
e exigem a necessaria retificacao;
3) as lesados - aqueles que, considerando-se
prejudicados ou injusticados pelas
instituicoes. desabafam seu descontentamento
Jornalismo Opinaiivo 17 7
atraves de demincias, admcestacoes ou
lamurias;
4) as anonimos - pessoas que, "sem coragem
de assurnir posi~5es, v alem-se de mil
subterfugios para ver publicadas suas
opinioes".
Todas as cartas que chegam aos jornais sao conferidas,
identificadas, avaliadas. As an6nimas nao merecem qualquer
atencao. As outras passam pelo crivo da verificacao e saopublicadas de acordo com criterios que privilegiam, geralmcnte,
a projecao social do missivista, No caso das autoridades, por
exemplo, diz Jose Silveira que "as cartas de retificacao sao
inadiaveis", saindo no dia seguinte, depois que 0 rep6rter
conferiu a informacao dada com sua fonte.
Escrever para 0jornal, mesmo que nao encontre abrigo,
representa 0iiltimo alento de muitos c idadaos que querem dizer
alguma coisa aos seus contemporaneos, que querem influir nas
decisoes dos governantes, que qllerem participar dos destinos
da sua socicdade''" ,
o que IS incompreensfvel e o a insensibilidade dos
dirigentes das empresas jornalisticas brasileirasf" , pois embora
aumente 0 f1uxo das cartas 11redacao "0 espaco reservado it
participacao do leitor nunea progrediu".
Por isso Alcides Lemos reivindica 0 aumento desse
e sp ac o, s en a o como a "conquista de um direito" dos lei tores eespectadores dos veiculos de cornunicacao, pelo menos "como
uma homenagem ao mais antigo vefculo de comunicacao social
(anterior mesmo 11tipografia), 11mais pura forma de jornalismo:
a carta'T":
10. Identidades brasileiras
A identificacao dos generos opinativos no jornalismo
brasileiro, tarefa a que nos dedicamos no presente estudo,
constitui umacaminhada a prosseguir. A rota percorrida assumiu
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 39/46
178 Jose Marques de Melo
contornos que se esbocaram em funcao de dois parametres: os
marcos estabelecidos pelas evidencias empfricas da pesquisa
internacional sobre jornalismo dos pesquisadores brasiJeiros.
o jornalismo e urn fen6meno universal, mas suas rafzes
sao europeias, Entender as manifestacoes que florescem nos
territ6rios onde essa inovacao cultural se deu pela a<;ao dos
colonizadores implica em resgatar os tracos originais que
permaneceram e vislumbraram as transformacoes determinadas
por contingencias hist6ricas. Por isso, no caso brasileiro, nao esuficiente fazer remissoes aqueles modelos que nos trouxeram
os colonizadores lusitanos, mas torna-se irnprescindfvel
perceber as determinacocs que configuraram 0 padrao
transplantando e descobrir os atravessamentos gerados pelas
influencias conjunturais, inevitaveis na trajet6ria dos povos e
das culturas que giram em torno dos p610s hegern6nicos do
poder internacional.
Nesse sentido e que 0 JorniiHsmo brasileiro tern uma
fisionomia entrecortada por rmi ltiplas di retrizes, algumas
convivendo contraditoriamente no estilo que nos trouxeram os
portugueses, outras que nos chegaram atraves dos processos
de comunicacao intercultural irnplfcitos nos movimentos
migrat6rios, e tarnbern aqueles que emergiarn das situacoes de
dependencia tecnologica e econ6rnica que incluem no seu bojo
alteracoes simb6licas fundamentais.
Compreender os generos jornalisticos significa, portanto,estabelecer ccmparacoes. buscar identidades, indagar
procedencias. Oaf a preocupacao que tivemos, encontrando na
bibliografia internacional aquelas indicacoes capazes de elucidar
certas nuancas caracterfsticas dojornalismo que praticamos no
Brasil conternporaneo. t-JJg(preciso realcar que 0jornalisrno
brasileiro nutre-se de urn modelo (portugues) determinado por.
influencias francesas e britanicas, queatuaram simultaneamente,
mas nao foram exclusi vas, pelas circunstancias geopolit icas
que sempre aproximaram (e separaram) Portugal e Espanha.
Os lacos ingleses e franceses, principalrnente os franceses,
foram depois cultivados pelo Brasil, adquirindo maior
Iornalismo Opinativo 179
identidade que com os desdobramentos ocorridos na expressao
jornalfstica lusitana. Posteriormente, chegam-nos influencias
italianas, alernas e espanholas, que, num primeiro momento,
circunscrevem-se a imprensa dos imigrantes, mas, em seguida,
penetram nas experiencias mais amplas dojornalismo e~ lingua
portuguesa. 0 rnaiorill1P_acto qu~.recebernos fOI, porem, Q do
jornalismo n-arle-americano, cujos pa,dr6es adq~lfl :~m
peculiaridades pr6prias em relacac as praticas ernbrionarias
embarcadas junto com a bagagern dos irnigrantes ingleses. 0
contato com 0 jornalismo norte-americano, decorrcnciaevidente dahegemonia conquistada pel a jovem potencia
capitalista, fez-se atraves da ousada atuacao das suas agencias
noticiosas (q~;; disputaram 0 nosso mercado com as agencies
europeias, especialmente a agencia estatal francesa) e se
consolidou pela importacao de tecnologia, cavalo de tr6ia que
possulumade~sadoventi:e, capaz de acumular tecnicas de
codificacao, sistemas gerenciais, estruturas simbolicas -.
.. Nosso jornalismo e contemporaneamente 0 resultado
cultural desse conjunto de motivacoes foraneas, sern que isso
queira significar a existencia de uma fisionomia ~morfa,
produzida pelo entrecruzamento dos padroes estrangerros. Na
verdade, ojornalismo brasileiro estruturou-se criativamente,
absorvendo com seletividade os modelos que se nos insmuaram
Ol.l-;inpuseram, adquirindo feicao diferenciada. Quando, por
exemplo, observamos 0 jornalismo praticado nos vizinhos
paises hispano-americanos reconhecemos a persistencia dostraces espanh6is, naturalmente modificados pelo influxo das
tecnicas norte-americanas que penetram avassaladoramente. No
nosso caso. nao. Ternos urn jornalismo 11I0rfologicamente
distante dos padroes portUgueses, mas que tambern nao constitui
uma copia dos modelos franceses e norte-americanos (sern
diivida nossas maiores fontes de inspiracao).
As evidencias sugeridas neste trabalho, identificando os
generos praticados regularmente e caracterizando aquelas
modalidades da expressao nitidamente opinativa, corroboram
tal assertiva. Verificamos, por exemplo, que duas categorias
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 40/46
180 Jose Marques de Melo
jornalfsticas originadas nas engrenagens da industria noticiosa
norte-americana (0 jornalismo interpretativo e 0 jornalismo
diversional) nao lograram obter desdobramentos autdnornos
em nossos meios de comunicacao coletiva. Observamos,
tambem, que a fronteira entre a informacao e a opiniao,
metodicamente implantada pelo jornalismo ingles e levada as
iiltimas consequencias pelo jornalismo norte-americano, nunca
existiu entre nos. Praticamos sempre formas de expressao
jornalistica, que, a nao ser residualmente, deixaram de seguir 0exacerbado panfletarismo frances e tampouco absorveram 0
receituario da objetividade norte-americana. Constnnrnos um
arcabouco narrativo, onde 0 real transparece com limpidez,
dissimulando embora as conotacoes ideol6gicas, sem contudo
esconder lis nuan<j'asda polftica editorial que tornam diferentes
as instituicoesjornaltsticas. Talvez seja a manifestacao daquele
traco det'mineiridade" que muitos analistas sugerem como
ingrediente essencial do caraterbrasileiro.
.No que se refere particularmente aos generos opinativos,
detectamos algumas especialidades.
Distanciando-se do jornalismo norte-americano, e em
certo sentido tambem dojornalismo italiano, alernao e espanhol,
a comentdrio, a coluna e a cronica sao generos que assumem
feicao eminentemente opinativa, explicitando jufzos de valor,
buscando influenciar 0 publico a que dirigem.
E singular 0 caso das nossas colunas, que funcionamcomo micleos de poder, assumindo dimensoes s6 comparaveis
ao fenomeno do "coronelismo", remanescente sociocultural da
carcomida estrutura fundiaria brasileira.
A cronica tarnbern possui contornos brasileirissimos,
afigurando-se como espac;o privilegiado do relato poetico, mas
que adquire urn sentido politicamente definido, tornando-se
um recurso para a intervencao social incessante dos jornalistas
que se alentam no territ6rio do real e se expressam atraves da
poesia.
Par sua vez, a nossa resenha nao dispoe daquela
seriedade e profundidade caracterfsticas dojornalismo frances
Jornalismo Opinativo 181
ou do norte-americano; desenvolve-se como urn genero que,
apesar das excecocs, alimenta-se na superffcie dos produtos
culturais analisados e torna-se presa facil dos mecanismos
aliciadores que fazem a promocao da industria da cultura e dos
seus protagonistas.
o editorial tern uma singularidade: estruturalmente,
reproduz urn modelo universal do discurso aristotelico:
funcionalmente, orienta-se nao como bussola da opiniao publica
e sim como conver sac ao (ora matreira, ora ostensivamente
ameacadora) com os donos do poder.
Acaricatura nao e uma traducao grafica da opiniao
editorial como ocorre na imprensa norte e hispano-americana;
assume 0 papel de interprete do comportamento coletivo,
ironizando 0 cotidiano, satirizando seus personagens, bem no
estilo maroto da "gozacao" nacional.
Finalmente, a carta tern adquirido matizes que
reproduzem, urn certo ar de "malandragem" espraiado na
conduta da nossa gente. Trata-se de alga que possui dupla faceta:
do lado do leitor, a tentativa do anonimato; do lado do editor, a
sutileza de por na boca do cidadao comum as crfticas ou
'den6ncias que por conveniencia nao estao nas paginas da
reportagem.
Resta dizer que 0 perfil aqui delineado pretende-se
provis6rio. Sua intencao e construir urn marco referencial para
a pesquisa empirical 10 • E possivel que algumas hip6teses nao
~ncontrem respaldo na confrontacao sistematica da realidade.
E provavel que muitas caracteristicas nao correspondam it
riqueza dos traces que delineiam a pratica cotidiana do
jornalismo regional ou local. E factfve l que irnimeras
particularidades refli tam a natureza do jornalismo impresso e
nao encontrem equivalencias no jornalismo eletr6nico. Tudo
isso pode ocorrer. Trata-se de uma contingencia inevitavel no
trabalho cienttfico.
Todavia, a provisoriedade, a efemeridade, a caducidade
precoce sao variaveis que desafiam cotidianamente 0jomalismo
no ambito profissional. Por que a pesquisa dojornalismo estaria
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 41/46
182 Jose Marques de Melo
imune ao ritmo veloz do objeto que privilegia?
Enfrentaressa ques tao representa 0 maior di lema dos
que se dedicaram a estudar 0 jornalismo nas universidades
brasileiras.
Esperamos que a reflexao aqui contida, as observacoes
registradas e as evidencias apreendidas possam estimular muitos
outros a prosseguir a caminhada.
Iornalismo Opinativo 183. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .•••·••. .. .. .. .•••
·•••••••••••. .••··••••••••. .•. .·•••·••••••••. .·......................................
•.. . 11.T6picos para reflexao e debate
a) Jornalismo eletr6nico
A bibliografia unlversitaria sobre jornalismo
eletr6nico e ainda reduzida no Brasil .
Com sxcecao dos' livros de SAM PAlO, Waller -
Jornalismo audiovisual. Petr6polis, Vozes, 1971, e de
ANDRADE LIMA, Zita - Principios e tecnica de
radiojornalismo. Brasil ia, ICINFORM, 1970,0 prirneiro
produzido na ECA-USP e 0 segundo na UNB, as demais
obras originaram-se no ambiente corporative.
Sao tentat ivas que profissionais do ramo l izeram
no sentido de resgatar e passar aos iniciantes suas
experienclas pratlcas. Situam-se nessa categoria os
livros deTEODORO, Gontijo. Voce entende de noticia?
Rio de Janeiro, Edicaodo Autor,1978; de FELICE, Mauro
de. Jornalismo de radio. Brasilia, Thesaurus, 1981, e de
BRASIL, Car los. 0 escritor, a cornunlcacao e 0
radiojornalismo. Brasil ia, Camara dos Deputados, 1972.
Comecarn a surgir algumas teses de p6s-
graduagao que se orientarn para captar len6menos
peculiares ao jornalismo eletr6nico brasileiro. Sao,
contudo, estudos restritos na sua abranqancia (quase
sempre descritivos) e circulacao (Iimitam-se aspratelei ras das bibliotecas daquelas universidades onde
loram apresentadas).
Duas novas contribuicoes para desvendar a
engrenagem do telejornalismo brasileiro, apesar de nao
aprofundarem a questao dos generos, estao contidas
nos livros de Alexandre GARCIA -Nos bastidores da
noticia. Sao Paulo, Globo, 1990; e S. SQUIRRA - Boris
Casoy - 0ancora no telejornalismo brasileiro. Petr6polis,
Vozes, 1993.
Os generos do telejornalismo brasileiro
corne cararn a ser dimensionados e explorados
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 42/46
184 Jose Marques de Melo
: .••
metodologicamente no livre de Guilherme Rezende -
Telejornalismo no Brasil : urn perf il editorial , Sao Paulo,
Summus, 2000. 0 pesquisador ana lisa trss telejornais
de reterencia nacional , veiculados no horat io nobre pelos
telejornais das redes Globo, SBT e Cultura, concluindo
que as "rnaterias factuais" nele veiculadas correspondem
a cinco formatos do genera informativo (nota, noticla,
reportagem, entrevista e indicador) e tres formatos do
?enerO opinativo (editorial, cornentarlo e cr6nica).. Apesar de reconhecer a existencla dos generos
interpretativo e diversional, 0 autor considera que eles
estao ?r~sentes em outras modalidades de programas
jornalisticos de TV, tais como os documentarios, a
exemplo do Globo Reporter, e nas revistas televisivas,
tal como 0 Fantastlco, em que a noticia se alterna com
nurneros musicais e dramatizacoos."
•••••••·••••
•••••·••••••••••••·•
••••••••·•••••••··•••••· :
•• •
••~•
· •• •• ,• •,
•••••
••••••·•••••
·••••••
Iornalismo Opinativo· .: .
b) Wainer e s eus comentaristas :•
·
Paulo Francis resgata facet as da sua ascensao
como comentar ista do jornal Ultima Hora no pretacio do
livro Opiniao pessoal - Rio de Janeiro, Civilizacao
Brasileira, 1966.
Ali, Samuel Wainer re une uma equipe de
polemistas que se revezariarn, discutindo temas
candentes da conjuntura brasileira na conjuntura
hist6r ica que se inicia com Vargas e termina com Jango .
Sobre 0 empreendimento de Samuel Wainer vide
oartigo de Antonio Theodoro de Magalhaes Barros· As
estrateqias empresariais de Ult ima Hora, Comunlcacao
& Sociedade, n. 2. Sao Paulo, Cortez/IMS, 1979, p. 5-
14.
Vale a pena tarnbern consultar 0 depoimento
meti)0rialf stico que Wainer gravou antes de sua morte e
que Ioi posteriormente editado par Augusto Nunes:
Samuel WAINER -Minha razao de viver -rnernorias de
um reporter. Rio de Janeiro, Record,1987.
·•
••••••••••
··••.••·••
"
•.
··• ·.
185
•
·••••·•·••···•••••·•···••••
••··•·
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 43/46
186 Jose Marques de Melo
• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••
c) Col una do Castelo
••·••••·••••••
•·••••
Os comentarios politicos de Carlos Castelo
Branco representam uma contrlbuicao aos
pesquisadores e anal istas do ul timo periodo autorltario
da vida brasileira, ou ss]a, do cicio militar que se inicia
em 1964 e termina com a eleigao de Tancredo Neves
em 1985.
Trata-se de urn roteiro crft ico dos bastidores da
polf tica nacional, vista desde Brasilia. Castelo Branco eumdos poucos comentaristas que teve acesso
permanente ao cenario das decis6es poli ticas tomadas
pelos militares e seus assessores civis (tecnocratas). .
Seus comentarios, publicados inicialmente no
Jomal do Brasil , reproduzem-se depois em varlos jornais
que com pram 0servico jomal fstico intitulado "Col una do
Castelo" e sao indicadores sutis (muitas vezes
rnetatoricos, no auge 'da censura) para perceber as
contradicoes do govemo militar, suas idas e vindas.
Publicados em varies volumes pela Editora Nova
Fronteira, aquela producao jornalIst lca de Carlos Castelo
Branco seria 0 seu passaporte para a Academia
Brasilei ra de Letras, anos depois.
··••·•••• •.
••••·•••·••
·•·•·•·••·••••••••·••
•·••••••••••••·•••••
Jornalismo Opinativo 187· .••••••••·••••••
••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••· .
d) Quem tern medo do editor ial?
o cerco autoritario aos jomais brasileiros, no
apogeu do AI-5 (epis6dio protagonizado em 1968,
representando 0 endurecimento do regime militar
inst itufdo em 1964), nao apenas retirou de Julio de
Mesquita Fi lho 0 direito de escrever editoriais no seu
proprio jomal - 0 Estado de S. Paulo.
Obrigou 0 principal proprietario da Folha de S.
Paulo, Octavio Frias de Oliveira, a exilar-se
voluntariamente, epoca em que a imprensa,
atemorizada, praticamente suspendeu 0 editorial.
Fonte multo util para a cornpreensao dessa
conjuntura da vida nacional e 0 l ivro de Paolo MARCONI
~ A censura polit ica na imprensa brasileira, Sao Paulo,
Global, 1980.
•
•••••·•
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 44/46
188 Jose Marques de Melo
: .•• e) Voz e vez dasociedade civil
• . Carlos Guilherme Mota e Maria Helena Capelato
dlzern que a abertura do espaco, nojornal Folha de S.
Paulo, para colaboradores de diferentes matizes
ideol6gicos, liga-se as decis5es sobre a rnudanca da
linha do [ornal. Tomadas em 1978, elas visavam dar
alentoa "novasoCiedadecivil", tornandoaquelematutino
interprets das asptracoas da "classe media".A criacao da paqlna 3 ~ Tendencias e Debates -
constitui uma "inovacao significativa" (...) "quese prende
a essaestratsqia de arnpliacaodo espectro de opini6esda nossa sociedade civil".
Os autores antecipam a importancia hist6rica
dessa rnudanca: "Para umafutura hist6riadas ideologias
noBrasil, neste perfodo, naose dispora talvezde melhor
elemento, pelasuavarlsdade, do que as opini6es, os
estudos e as crltieas publicadas em Tendencias eDebates".
Vide: MOTTA, Carlos Guilherme e CAPELATO
Maria Helena. Hist6ria da Folha deS.Paulo. Sao Paulo'Impres,1980, p. 236-237. '
·•
. .
•
•••••••••••••
•••••••••••••· :
·••••
•
•
•••
•••• :•
•
·••
·••·•••••
Jornalismo Opinativo
••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••
·•••••••••••••••••••••••••
•••·•••••••••••••·••
f) Cr6nica, genero brasileiro ?
A singularidade da cr6nica brasileira constitui tese
defendida por varies analistas desse formato de
expressao jornalistica. Dentre eles, destacou-se 0
cronista paulistano Luis Martins.Emartigopublicadonojornal0Estadode S.Paulo,
ele discutiu a curiosidade suscitada por scholars norte-
americanos a prop6sito da cronica brasileira."Qual a razao do interesse demonstrado pelos
estudiosos norte-americanos por esse genero hibrido,
meio jornalfstico, meio literario, tao em voga no Brasil?
The word cronica has no exact equivalent in English"-
explicam os professores Preto-Rodas e Hower, nalntroducao do livro por eles compilado. E esse livro
reproduz umeruditoestudodonossoamigoPaulo Honai
":",sobre 0 assunto, com um titulo bastante siqnlficativo->
: "Urn genero brasileiro: a cr6nica".
• De certo modo indeciso, Luis Martins refaz a
: pergunta:: "Mas a cronica, tal como a entendemos, sera
• mesmo um privileqio exc1usivamente nosso? Quero
• dizer: ela nao e explorada na literatura de outros paises
- e exatamente sob a desiqnacac de cr6nica?"
Em busca da resposta, esboca explicacao:"Em ingles, ja vimos, a palavra nao tern
equivalente. Em frances, porern, cr6nica e chronique. E
chronique do cotidiano, nao necessariamente submissa
ao noticiario, pelo contrario, mais literatura do que
jornalismo, divaqacao meio arbitraria entre a fantasia e
a realidade,resenhade impress6espessoais, ondulante
ccrnentarlo comovido ou sarcastico sobre a vida e os
hornens".
Vide: MARTINS, Luis. Sobre a cronica,0 Estado
• de S. Paulo (Suplemento Cultural), 11-06-1978.
•••• •· .
189
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 45/46
190 Jose Marques de Melo
• •••••••••••••••••••••••••••••••••••••••
.Nelson Wemeck Sodre destacaa siqniticacao que
o jornal tem para os escritores da epoca como canal de
cornunlcacao.
"Mas 0l ivro nao e ainda 0caminho apropriado para
cheqar ao publico - 0 caminho e ° jornal. E a ficgao
rornantica deve atingir 0 leitor primeiro pelo jomal, depois
pelo livro. E por isso que os escritores sao tarnbern
jornalistas, e e por isso que 0 livro e primeiro folhet im. 0
genera folhetim e importado, sem duvida - mas
importado porque 0 meio 0 exige, e logo Ihe concede
irnportancia indiscutfvel",
Vide: SODRE, Nelson Werneck. Hist6ria da
literatura brasileira. Rio de Janeiro, Civil izacao Brasileira,
1964, p. 322.
•••••••·•••••••··•
·••
••••·••·
••
•
g) Escritores-jornalistas
••· .
••
••
••
•
••••••
••
••
•••
Jomalismo Opinativo· .• •
•h) 0 tolhet im nordest ino
••••••
••
o folhetim alastra-se portoda a imprensa brasilalra
no seculo XIX. Depois do Rio de Janeiro, encontra terreno
terti i no Nordeste.
Sua presanca e assinalada no Diario de
Pernambuco em dois momentos: primeiro como bazar
asiatica: "sob tal aspecto gratico, publicaram-se variados
assuntos, entrechos e traducoss romanescas"; depois,
como "ro dape", publicando "umas hist6rias compersonagens e fatos da corte".
Esse segundo momenta corresponde a sua
transtorrnacao em narrativa romanesca, ainda que
calcada na atualidade, mas desvinculada do jornalismo.
Vide: JAMBO, Arnoldo. Diarlo de Pernambuco
(Hist6ria e jornal de quinze decadas), Rio de Janeiro. 0
Cruzeiro, 1975, p. 195-196.,
No Dlario da Bahia 0 folhet im aparece em 1860,
tendo 0 carater de Se9aO onde sao publicados
"romances, em capftulos diar ios, de autores franceses
traduzidos, na grande maioria, e mais tarde, na decada
de 90, autores brasileiros, tal como Jose de Alencar".
Vide: CARVALHO SILVA, Katia Maria de. 0 Diario
da Bahia e 0seculo XIX. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,
1979, p. 62.
•••
•••·•••••••••••·•
: .
191
•·•••
·•
·••••·••
··•••••••••··•·•
5/9/2018 José Marques de Melo - Jornalismo Opinativo (Capítulo IV) - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/jose-marques-de-melo-jornalismo-opinativo-capitulo-iv 46/46
Jose Murques de Melo
• It ••• l I P • • • • • • •• • • • • •• • • • • • •• • • • • •• • • • • •
·) 0 cronista Machado de Assis ••• A contribuicao decisiva deMachado deAssis para •
· a cronica brasileira e destacada por Valentim Facioli.•
"Embora, ate hoje, para muitos, genero menor, a ·•· cr6nicaultrapassouamplamente suacaracteristica inicial ·•• de cornentano descompromissado dos pequenos• sucessos do cotidiano. (...) ·••
Machado dedicou-se as cr6nicas durante quase• •· toda vida de escritor (...)• Relegadas a uma poslcao secundarla, se nao• •• obscura,em vista da lrnportanclaatrlbufda aos romances •• •e contos, as cronlcas de Machado sao, no minima,• surpreendentes, pelo desvelamento do homem e do· escritor,pelocompromisso que implicamcom ocotidiano•
davida social, politica e cultural do pars,pela verdadelra• rnil ltancia que traduzem em facedos problemas da•• epoca, pela atualidade de temas e ideias, (...)•
Algo resla definitivo: tambsm como cronista, .- "-' ". ,~•• Machado eurnulvlsor. A cronlca, no 8rasil, tem outro•
estatuto com ele e depois ele".
FACIOLl, Valentim. A cr6nica. In: 80SI, Alfredo e •·utros. Machado de Assis. Sao Paulo, 1982, p. 86-87. ••
••g) Direito de resposta ·
o direito de resposta, que constitui uma conquisla •ja assegurada no ambitoda imprensa,nao ganhouainda
efetivacao no caso do radio e da televisao. ·A esse respeito, ha um interessante estudo de •
• FREITAS NOBRE - Le droit de reponse et la nouvelle• tecnique de I'information. Paris, Nouvelles Editions •
•Latines, 1973.• •
••
• •• ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••